joão gabriel da fonseca mateus escritos sobre a imprensa operária da primeira república
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VirtualBooks
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© Copyright 2013, João Gabriel da Fonseca Mateus.
Capa: Diney Vasco
1ª edição
1ª impressão
(2013)
Todos os direitos reservados, protegidos pela lei 9.610/98.
Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida,
em qualquer meio ou forma , nem apropriada e estocada
sem a expressa autorização do autor.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
_____________________________________________ Mateus, João Gabriel da Fonseca
ESCRITOS SOBRE A IMPRENSA OPERÁRIA DA PRIMEIRA
REPÚBLICA. João Gabriel da Fonseca Mateus. Pará de Minas, MG:
Editora VirtualBooks, 2013.14x20 cm., 191 p.
ISBN 978-85-7953-973-2
1. Jornalismo. 2. Luta política na imprensa anarquista e operária brasileira.
3. Jornais do proletariado brasileiro. 4.História. 5. A educação e o
anarquismo no Brasil. Título.
CDD- 070
____________________________________________
Livro editado pela
VIRTUALBOOKS EDITORA E LIVRARIA LTDA.
Rua Porciúncula,118 - São Francisco
Pará de Minas - MG - CEP 35661-177 -
Tel.: (37) 32316653 - e-mail: [email protected]
http://www.virtualbooks.com.br
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AGRADECIMENTOS
Ao longo do tempo em que este texto foi escrito
acumulei um bom número de dívidas de gratidão. Assim, o
espírito coletivo deste trabalho me deixa na obrigação de
agradecer algumas pessoas que me auxiliaram no processo de
sua constituição. Sendo assim, remeto meus sinceros
agradecimentos:
À Sônia Lobo, minha orientadora da monografia, que
com toda paciência acolheu meu pedido de orientação, as
justificativa de meus atrasos, me deu total independência
teórica e de estudos e foi comigo até o fim com leituras atentas
e comprometidas; meu grande amigo e companheiro de luta
Deivid Carneiro pelas conversas sobre essa “sociedade
cancerígena”; Rafael Saddi pela atitude libertária que carrega
em si de forma singular e por toda ajuda na orientação deste
texto; Luiz Aurélio Bueno Neves, companheiro que durante
nossos dias de pesquisa no Arquivo Edgard Leuenroth
propiciou várias conversas proveitosas sobre as nossas
pesquisas; ao Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), em especial
Marina Rabelo, Maria Dutra de Lima, Humberto Innarelli, Ana
Paula e Ricardo Biscalchin, trabalhadores desse arquivo que
foram prestativos e pelo auxílio nos dias de coleta das fontes;
ao casal Reginaldo e Sirlene Noleto pela estadia e pelos dias
agradáveis na cidade Campinas/SP; Felipe Corrêa da
Federação Anarquista do Rio de Janeiro e Thiago Lemos do
Grupo de Estudos Sobre Anarquismo de Patos de Minas pelas
indicações bibliográficas disponibilizados por eles e que aqui
foram utilizados; ao “anarco-peruano” Juan Chacón,
companheiro libertário que com nossas conversas ébrias
contribuiu e muito ao longo da escrita do texto e fez
gentilmente as correções gramaticais a pedido da banca; a Luiz
Eduardo Bacural; A Diney Vasco por produzir a capa; a todos
meus companheiros autogestionários, em especial, Marcos
Ataídes, Reinaldo Souza, Edmilson Marques, Nildo Viana,
Cleito Pereira; Lisandro Braga e Lucas Maia que tem a
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essência de verdadeiros militantes: a amizade e a solidariedade
libertária.
Impossível seria esquecer-se da minha família: meu
pai João Batista, um sincero e humilde homem que me inspira
cotidianamente no meu modo de agir diante dessa humanidade
desumana; minha mãe Mary Lane, pela paciência às minhas
ausências familiares, pelo carinho e pelo amor enorme que tem
pelo “filho anarquista”; minha irmã Gisele que, quem sabe,
trilhará pelos complicados e tortuosos caminhos da docência;
aos meus “prirmãos” Marcílio Júnior e Vinícius Mateus; ao
meu primo “anarcólogo” Munís Alves pelos debates sobre
anarquismo e com as leituras de seu blog fez com que eu
direcionasse meu olhar para outras questões que até então
estavam despercebidas; ao tio Mariozan (in memoriam) pelas
agradáveis conversas que tive quando saía de Goiânia para ter
paz de estudo na sua casa; aos demais familiares.
Muitos ficaram e estes se sintam agradecidos. Eis aqui
meus singelos agradecimentos aos que a falha memória me
propiciou. No mais, todos vocês foram imprescindíveis nesse
trajeto tortuoso, sofrível e, enfim, realizado.
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DEDICATÓRIA
(...) Ao povo pobre e trabalhador!
(faixa 3 Quem é esse homem do capítulo II do disco Balões de
Ar - banda Señores)
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LISTA DE ABREVIATURAS
ADS – Aliança Democrática Socialista
AEL – Arquivo Edgard Leuenroth
AIT – Associação Internacional dos Trabalhadores
CGT – Confédéracion Géneral du Travail (Confederação Geral
do Trabalho)
COB – Confederação Operária Brasileira
FORA – Federação Operária Regional Argentina
FOSP – Federação Operária de São Paulo
FRE - Federación Regional Española
FTRE - Federación de Trabajadores de la Región Española
IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
PCB – Partido Comunista Brasileiro
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UTG - União dos Trabalhadores Gráficos
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SUMÁRIO
Resumo / 11
Prefácio: “Ação direta ensina a viver sem tutela”:
o aspecto pedagógico da luta política na imprensa
anarquista e operária brasileira – Thiago Lemos Silva. / 13
Introdução / 17
CAPÍTULO I /
1.1. Estado atual dos conhecimentos / 26
1.2. Delimitação teórico-metodológica e conceitual / 39
CAPÍTULO II
Contexto do proletariado brasileiro na Primeira República
/ 53
2.1. Imigração, formação do operariado e condições de
trabalho / 53
2.2. Sociedades de resistência, sindicatos e imprensa
operária / 58
2.3. De A Lanterna à A Plebe / 63
2.4. Edgard Leuenroth: breve biografia de militante
anarquista / 69
2.5. A constituição da Semana Trágica / 74
2.6. Do dia 9 a 16 de julho: a Semana Trágica / 78
CAPÍTULO III
A Plebe e a ação política pedagógica da ação direta / 85
3.1. “Trabalhador forte e fecundo” / 85
3.2. Pela ação direta: “Rumo à Revolução Social” e “Em
nome do Povo, não!” / 87
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3.3. Contra a Igreja e o clericalismo / 91
3.4. A Plebe durante a Greve Geral / 92
3.5. A Plebe após a Greve Geral / 97
3.6. Pictografia como recurso educacional / 104
3.7. Poesias libertárias / 112
3.8. A influência das Escolas Modernas e indicações
bibliográficas / 116
3.9. A “Gazetilha de Satan” critica com sarcasmo / 119
Considerações Finais / 121
Fontes para Pesquisa / 122
Jornais / 122
Referências Bibliográficas / 123
Apêndices / 133
O comunismo anarquista do jornal Spártacus (1919 –1920)
/ 134
Referências / 152
Jornais / 152
Bibliografias / 153
La prensa operaria en Brasil: la importancia de los
periódicos libertários / 156
O sindicalismo revolucionário como estratégia dos
Congressos Operários (1906, 1913, 1920) / 160
Nas páginas da Imprensa da Primeira República: os
poemas anticlericais em A Lanterna / 176
Referências Bibliográficas / 190
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RESUMO
Este livro é fruto de uma pesquisa realizada junto ao
Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de
Campinas (AEL – UNICAMP) que trabalha as aspirações e
práticas pedagógicas do periódico A Plebe de 1917. Assim,
tencionamos acompanhar nesse ano (do número de sua
fundação à sua paralisação na décima nona edição) os
pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta, ou seja,
as formas utilizadas pelo periódico para compreender um
processo de formação de uma auto-educação libertária,
fundamentada nos pressupostos do anarquismo. Com isso,
entendemos que a estratégia anarquista adotada por A Plebe
articulava a luta libertária em prol de uma sociedade igualitária
com a instrução da classe trabalhadora para que atingisse um
objetivo final, ou seja, a revolução social e a construção de
uma sociedade libertária. Sendo assim, analisaremos nas
páginas que seguem, alguns desses elementos da ação direta
como pressupostos políticos e pedagógicos na constituição de
formas de sociabilidade coletiva com um fim social efetivo.
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PREFÁCIO
“Ação direta ensina a viver sem tutela”: o
aspecto pedagógico da luta política na imprensa
anarquista e operária brasileira Thiago Lemos Silva
Repudiamos [...] a ação eleitoral e parlamentar,
que só serve para reforçar o Estado [...] e
adormecer as energias populares. O nosso
método é ação direta que [...] tende a despertar
a iniciativa e a coragem, leva a agir por conta
própria, a unir-se, a viver sem tutela [...]
preconizamos (como meios de ação direta) a
greve, a boicotagem, a sabotagem, a agitação
de praça, o comício, a greve geral, e por fim a
insurreição e a expropriação a que os
oprimidos e explorados devem recorrer, se a
isso levados pela necessidade e pela
consciência da sua própria força.1
Ao enunciar sua definição dos militantes engajados
com o jornal A Plebe, Neno Vasco introduziu uma imagem
capaz de traduzir o aspecto essencialmente pedagógico do qual
estava profundamente impregnada a luta política levada a cabo
pela imprensa anarquista e operária, durante o contexto que
abarca o período da Primeira República no Brasil.Inscrevendo
a ação direta no cerne da política, Neno Vasco e seus
companheiros de viagem apostavam na possibilidade de o
proletariado aprender, por si mesmo, a lutar em prol dos
interesses da sua classe social, construir a consciência dos
antagonismos entre capital-trabalho, superar a função do
Estado e, por conseguinte, revolucionar a sociedade capitalista,
fato que tornaria exequível sua reconstrução ulterior em
Mestre em História pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia);
professor na rede pública e particular de educação básica de Patos de Minas
(Minas Gerais) e membro do Coletivo Mundo Ácrata. 1VASCO, Neno. O que somos. A Plebe. São Paulo,n º54, 28/07/1920.
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direção ao socialismo. Perscrutar esse aspecto sublinhado por
Neno Vasco constitui o objetivo maior do trabalho de João
Gabriel da Fonseca. Resultado de pesquisa e redação de
monografia defendida junto ao Curso de História do Instituto
Federal de Goiás, o livro deste jovem pesquisador lança um
novo olhar sobre os aspectos “formais” e “informais” do
projeto político-pedagógico do jornal A Plebe, durante A
Semana Trágica de 1917 na cidade de São Paulo, momento
particularmente rico do “sonhar libertário”2, para evocar aqui a
feliz expressão de Cristina Hebling Campos.
Breve, porém, intensa em termos de agitação social, A
Semana Trágica assume na narrativa tramada pelo autor mais
que meros sete dias de existência. Privilegiando os múltiplos
fatores que a tornaram possível, João Gabriel da Fonseca
coloca em evidência a luta contra a carestia de vida, a
diminuição da jornada diária para 08 horas, a regulamentação
do trabalho infantil e feminino, as ressonâncias da Revolução
Russa, o assassinato do operário José Martinez, os saques ao
Moinho Santista, o emergir das Ligas Operárias de Bairro e o
papel do Comitê de Defesa Proletária.
No entanto, ela não se reduz a isso. Distanciando-se das
interpretações esquemáticas e simplistas, o historiador recusa-
se a ver n’A Semana Trágica um ato puramente espontaneista
dos trabalhadores por um lado, ou como a ação diretiva de uma
vanguarda política por outro. Pelo contrário, ela revelaria o
processo de enraizamento e duração da estratégia de ação
direta, forma pela qual o anarquismo exerceu sua hegemonia
no interior do movimento operário brasileiro, que se
encontrava presente nas lutas contra o patronato desde a aurora
do século XX.
Das atividades nos sindicatos até as intervenções nas
escolas racionalistas, passando pela crítica ao militarismo e a
luta anticlerical, João Gabriel da Fonseca nos mostra o papel
2 CAMPOS, Cristina Hebling. O sonhar libertário: movimento operário
nos anos de 1917 a 1921. Campinas: Pontes/ Campinas, 1988.
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não desprezível que A Plebe, surgida no entremeio d’ A
Semana Trágica, desempenhou enquanto centro de aglutinação
e irradiação de um projeto político-pedagógico que conferiu à
ação direta a difícil tarefa de ensinar os trabalhadores a
viverem sem tutela. Na sua luta pela autonomia, esse projeto
não se restringiu as formas tradicionais de educação política,
que visavam persuadir os trabalhadores racionalmente por
meio da propaganda doutrinária. Ao lado dessa forma de
educação política, vemos surgir nas páginas d’ A Plebe , uma
outra, que integra, mas, ao mesmo tempo ,transcende a sua
dimensão puramente racional; fato que não se furta à análise
extremamente cuidadosa de João Gabriel da Fonseca.
Em conjunto com os panfletos, ensaios, informes e
demais gêneros literários cuja fisionomia se aparenta, o autor
também se detêm nos gêneros literários que não podem ser
tomados apenas como formas de propaganda dirigida, tais
como as caricaturas, poesias e crônicas. Com objetivos
semelhantes, porém com funções diferentes, esses gêneros
literários tinham como finalidade mais sensibilizar do que
persuadir os trabalhadores na sua luta contra o capital,
mostrando que a autonomia é uma conquista que passa tanto
pelo intelecto quanto pelo coração.
Se analisada a partir dessa perspectiva, o aspecto
pedagógico da luta política enfatizado por Edgard Leuenroth,
Florentino de Carvalho, Adelino Pinho e os demais articulistas
d’ A Plebe ganha outro sentido, muito mais profundo e
abrangente. Tal como é entendido pelo autor, a luta política é,
em si mesma, tomada como um processo pedagógico. Não se
tratou, obviamente, de um projeto que visava criar uma escola
aonde o militante “iluminado” viria, em um passe de mágica,
fazer com que os trabalhadores aprendessem o socialismo,
mas, antes fazer com que as organizações que lutavam pelo
socialismo tivessem um caráter pedagógico.
O constante esforço dos anarquistas para retirar os
trabalhadores da apatia e incitá-los à ação, o qual eles
responderam de modo positivo e efetivo, talvez nos ajude a
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entender a reação violenta dos poderes instituídos na semana
de 09 a 16 de julho do ano de 1917. Afinal de contas, nada
mais perigoso a uma República cujo cimento da dominação
estava assentado na dependência clientelista do que um
movimento operário que agia de modo totalmente autônomo.
Em virtude disso, o governo de São Paulo agiu de forma tão
repressiva em relação aos movimentos grevistas que eclodiram
na cidade no referido ano, procurando a todo custo erradicar os
indesejáveis anarquistas, como se estes fossem plantas exóticas
de impossível aclimatação em um solo tido como ordeiro e
pacífico, imagem esta que foi constantemente reatualizada e
ritualizada pelas elites nacionais da época, quando tratou-se de
deslegitimar toda a resistência por parte do jovem
proletariado brasileiro contra o nascente capitalismo industrial.
Quase um século nos separa dos personagens dessa
história que nos é contada pelo autor, o que pode gerar certo
estranhamento no leitor que se dispuser a enfrentar o presente
livro. Em uma época em que se anuncia “ o fim das utopias”, “
o desencantamento do mundo”, “ a ascensão da
insignificância”, “ a amargura da história”, entre outros lugares
para designar o mundo dito “pós-moderno”, em que toda e
qualquer forma de tentativa de mudar a sociedade constitui
uma quimera irrealizável, o projeto político-pedagógico levado
a cabo pelos anarquistas antes, durante e depois d’ A Semana
Trágica parece algo arcaico e obsoleto.
Entretanto fica aqui o convite, em forma de desafio,
para o leitor refletir se o livro é ou não contemporâneo ao
século XXI, século que parece desconhecer a sábia lição
extraída de Rosa Luxemburgo, também libertária, em face das
reiteradas e frequentes derrotas do movimento socialista no
século XX, bem como sua dimensão eminentemente
pedagógica: “Não estamos derrotados. Ao contrário,
venceremos, se não tivermos desaprendido a aprender”3.
3LUXEMBURGO, Rosa. A crise da social democracia. Disponível em:
http://www.marxists.org/portugues/luxemburgo/1915/junius/cap01.htm.
Acesso em: 09 de maio de 2013.
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INTRODUÇÃO
Este texto é a monografia defendida para obtenção do
título de graduação em Licenciatura em História pelo IFG
(2009 – 2013) que foi defendido e aprovado em 15 de
fevereiro de 2013. Além desse texto, a obra é composta por 4
artigos publicados em revistas/jornais especializados na área
de ciências humanas.
A ideia de fazer esse trabalho está intrinsecamente
ligada com a forma que me deparei durante a minha trajetória
acadêmica com a educação e o anarquismo (de maneira difusa
e marginal) e também, na forma como hegemonicamente esses
dois conceitos (e são além de meros conceitos) são entendidos
no interior das faculdades, universidades, escolas, etc. As (in)
compreensões na maioria das vezes foram fruto, ora de mal
entendidos, de falta de leituras e quando houveram, leituras
apressadas que formaram uma imagem caricatural do
anarquismo; outrora de ranços e intenções a priori com um
objetivo já delimitado e (pré) conceituoso sobre essas
temáticas. Quando assim pensado, fica quase impossível
compreender algo de proveitoso do anarquismo.
Dessa maneira, as páginas que se seguirão não
buscam um fim em si mesmo, e também, não são a solução
para essas incompreensões das quais eu cito. São meros
esforços para compreender algumas singularidades recônditas
das práticas políticas anarquistas (uma entre tantas) que
emanaram da classe trabalhadora para a classe trabalhadora.
Um grão de areia frente ao que já foi produzido e está
arquivado. Assim, ressalto as palavras de Errico Malatesta4
quando afirmava que “Na ciência, as teorias, sempre
hipotéticas e provisórias, constituem um meio cômodo para
reagrupar e vincular fatos conhecidos, e um instrumento útil
4 MALATESTA, E. Anarquismo y Anarquia. In: RICHARDS, V.
Malatesta: Pensamiento e Acción. Buenos Aires: Tupac Ediciones
Revolucionarios, 2007, p. 39.
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para a investigação”, mas essa ciência apenas interpreta os
fatos novos e não é a verdade única e acabada.
Outros autores e autoras importantes deveriam ser
tratados aqui na temática geral, mas por falta de espaço e
tempo, não puderam ser contemplados. Mesmo assim,
Proudhon, Bakunin, Élisée Reclus, Louise Michel, Errico
Malatesta, Piotr Kropotkin, Gori, Luigi Fabbri, Luce Fabbri,
Max Nettlau, Ferrer y Guardia, Emma Goldman, Nestor
Makhno, Volin, Sébastien Faure, Arshinov, Rudolf Rocker,
Tolstói, José Oiticica, Neno Vasco, Fábio Luz, Domingos
Passos, Maria Lacerda de Moura, Everardo Dias, João
Penteado, Adelino Pinho, Florentino de Carvalho, Oresti
Ristori, Gigi Damiani, Giovanni Rossi, Malvina Tavares,
Hermínio Marcos, Avelino Fóscolo, Fábio Luz, Domingos
Passos, Edgar Rodrigues, Milton Lopes, Carlo Aldegheri, Ideal
Peres, Jaime Cubero, Noam Chomsky, Daniel Guérin, estão às
vezes diretamente e indiretamente citados no texto. Basta uma
reflexão mais atenta que será possível visualizar isso.
Assim, A Semana Trágica dos dias 9 a 16 de julho de
1917 estampada nas páginas d’ A Plebe será analisada aqui
mais do que meros 7 dias. Tem seus acontecimentos e seus
determinantes frutos de vários motivos que lhe são anteriores e
ressonâncias posteriores, já que reacendeu e reacende a
esperança, como um legítimo sentimento do ser humano de
sonhar-para-a-frente (BLOCH, 2005, p. 21).
* * *
No século XIX, bastante estimulados pela propaganda
do governo brasileiro sobre a chamada “terra da
oportunidade”, muitos europeus emigraram para o Brasil entre
1870 e o começo da Primeira Guerra Mundial. Tamanha foi a
imigração que, “entre 1884 e 1903, o Brasil recebeu mais de
um milhão de italianos” (DULLES, 1973). Com eles também
vieram as ideais do movimento operário europeu. Os
imigrantes que chegavam ao Brasil vinham carregados de
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valores, concepções e pensamentos de organização proletária,
características da Europa daquele contexto. Na perspectiva
organizacional do movimento operário a imprensa foi um
órgão de grande importância pela propagação dos interesses
dos trabalhadores, na divulgação dos ideais do movimento e
suas ações políticas, carregando ainda um caráter didático e
doutrinário. No caso brasileiro, as transformações ocorridas no
processo de modernização potencializaram o crescimento e a
necessidade da imprensa, trazendo a “difusão de novos hábitos,
aspirações e valores” (LUCA, 2011:120), que abrigava uma
infinidade de publicações periódicas.
Assim, no incipiente movimento operário, os
anarquistas foram os principais participantes e levaram os
periódicos em formas de jornal como o principal mecanismo
de propagação de seu ideal de emancipação social.
Apresentavam alternativas ao operariado, com ideais que
contrariavam a ordem capitalista vigente, tais como: greve
geral, boicotes, sabotagens, revolução social, etc.
A greve geral de 1917, que assumiu na memória
social o sentido de um ato simbólico e único5, entra nesse
cenário como uma expressão das precárias vidas dos
trabalhadores paulistanos e como um momento de “convulsão
social sem precedentes na história do Brasil” (LOPREATO,
2000, p. 46).
Para reconstruirmos a história desses movimentos de
reprodução de ideais libertários se torna fundamental
buscarmos, um elemento dentre as mais diversificadas formas
de compreender o movimento operário: a imprensa operária
caracterizada pelos periódicos criados por trabalhadores. Com
isso, o periódico A Plebe, escolhido como fonte primária para
esta pesquisa, foi um dos jornais do proletariado que pretendia
conscientizar a classe trabalhadora de sua situação de
explorados e unir os trabalhadores em suas lutas por melhores
condições de vida e trabalho.
5 FAUSTO, 1977, p. 192.
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O assunto de que trata o presente estudo é a relação
entre imprensa operária e educação. De maneira mais
específica, o trabalho que se segue visa analisar os
pressupostos políticos e pedagógicos no âmbito da
“resistência” ao capitalismo encontrado no periódico A Plebe,
inserido no contexto do movimento operário na Primeira
República do Brasil no ano de 1917. Mais especificamente,
nossa pesquisa procurará entender o que ficou chamado de “A
Semana Trágica” (LOPREATO, 2000) e assim, compreender
os pressupostos pedagógicos d' A Plebe durante esse recorte
temporal. Para isso, foi necessário compreender as condições
de vida e trabalho do proletariado na Primeira República do
Brasil que levaram à construção de formas de organização no
movimento operário, entendendo a importância das
organizações operárias (ligas operárias, greves, sindicatos,
sociedades de resistência, regiões de lazer e cultura operária)
para a luta cotidiana dos trabalhadores.
Além disso, centramos nosso recorte temporal na
Greve Geral de 19176 na cidade de São Paulo, compreendendo
o processo histórico do nascimento do jornal operário A Plebe
advindo do periódico A Lanterna7. É nesse contexto que
podemos analisar a linha de entendimento do mundo
propagada pelo jornal caracterizado pelos seus propósitos
6 José Carlos Orsi Morel ao analisar a situação da classe trabalhadora irá
dizer que “la huelga general del 17 surge como uma respuesta radical del
movimiento contra la situación de extrema miséria y opresión” (MOREL,
1988, p. 28).
7 No segundo capítulo deste trabalho iremos apresentar a história desse
periódico. Mas de antemão, A Lanterna, foi um periódico anticlerical de
orientação anarquista e órgão da Liga Anticlerical. Foi considerado por
Boris Fausto, como “o veículo mais consistente do anticlericalismo
anarquista, embora seja razoável supor que ele tenha sido temperado pelo
propósito de aglutinar outros círculos além dos libertários”. Foi inaugurado
sob a égide de Benjamin Motta no qual permaneceria até 1904 ocorrendo
uma paralisação das publicações e será retomado no ano de 1909 por
Edgard Leuenroth (FAUSTO, 1977, p. 83).
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educativos já que em qualquer das tendências dentro do
movimento operário o jornal é tido como um “portador de suas
propostas, como veículo de suas resistências e como proposta
de educação dos trabalhadores” (KHOURY, 1987, p. 15).
No campo educacional, as ações do movimento
operário foram diversas, sendo que, na realidade, “as
atividades abraçadas pelos trabalhadores dentro do movimento
operário e, principalmente, entre os anarquistas, possuíam um
caráter pedagógico e educacional inegável” (NASCIMENTO,
2006, p. 77).
Nossa hipótese é que o periódico A Plebe se
constituiu como um mecanismo e estratégia dos anarquistas
para propagar os pressupostos políticos e pedagógicos da ação
direta com o objetivo da revolução social feita pela classe
trabalhadora rumo à sociedade anárquica. Assim pensado,
elucidaremos no terceiro capítulo que a estratégia dos
libertários não era determinista, e sim, complexa e
multideterminante, que almejava a emancipação total das
classes oprimidas e opressoras da sociedade capitalista em prol
de uma sociedade livre em todas as esferas da sociedade com a
abolição do sistema capitalista e das classes sociais.
Utilizamos como fonte primária os periódicos
publicados por A Plebe, do número 01 de 09 de junho de 1917
ao número 19 de 30 de outubro deste mesmo ano, data em que
o periódico foi interrompido pela prisão de seu editor. A coleta
destas fontes foi realizada no mês de junho de 2012 no
Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) nas dependências do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP) na cidade de Campinas,
São Paulo. O periódico A Plebe foi fundado em 1917 por
Edgard Leuenroth8 e findou em 1950. Contudo, durante esse
8 “Edgard Leuenroth, filho de um farmacêutico alemão, emigrado para o
Brasil, nasceu em Mogi-Mirim, no estado de São Paulo em 1881 e morreu
em 1968. (...) Em 1903, participa de um Círculo Socialista, em São Paulo,
mas em 1904 já se converte ao anarquismo. Ingressa na recém fundada
União dos Trabalhadores Gráficos (UTG), ali trabalha como bibliotecário e
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longo período (comparado com a trajetória de outros
periódicos) houve diversas paralisações das publicações,
prisões de seus diretores e empastelamentos.
Além dos números de A Plebe, realizamos uma
pesquisa fundamentada majoritariamente em referências
bibliográficas (artigos, ensaios, livros, monografias,
dissertações, teses, etc.) que fundamentarão o trabalho em
todos os seus capítulos.
Do ponto de vista metodológico, ressalvamos que esta
pesquisa optou pelo estudo de um recorte temporal bastante
delimitado. No entanto, esse curto período é rico em fontes que
tratam da relação entre a educação libertária e a imprensa
operária, especialmente no que diz respeito ao periódico A
Plebe de 1917. Concordando com Marc Bloch, “o vocabulário
dos documentos não é, a seu modo, nada mais que um
testemunho: precioso, sem dúvida, entre todos; mas, como
todos os testemunhos, imperfeito; portanto, sujeito à crítica”
(BLOCH, 2011, p. 142). Assim, face à imensa e confusa
realidade que nos cerca, o historiador é levado a compreender
essa realidade e obrigado a recortá-la temporalmente. “Este é
um autêntico problema de ação. Ele nos acompanhará ao longo
colabora na publicação do jornal O Trabalhador Gráfico. Foi um dos
fundadores da Federação Operária de São Paulo, em 1905, e um dos
principais responsáveis pela realização dos três principais congressos
operários realizados em 1906, 1913 e 1920, no Rio de Janeiro. Participou
intensamente da imprensa operária: redator, com Neno Vasco, da Terra
Livre (1905), diretor da Folha do Povo (1908 – 1909), reinicia a publicação
de A Lanterna (1906 – 1910), fundador de A Plebe (1917). (...)”
(PINHEIRO e HALL, 1979, p. 226). Ainda sobre Edgard Leuenroth,
Edgard Rodrigues diz que a partir de 1909 até o ano de 1935, Leuenroth
dirigiu A Lanterna, “(...) jornal anti-clerical e libertário fundado pelo dr.
Benjamin Mota em 1901, em duas fases que lhe granjeou muitos amigos e
alguns inimigos terríveis sindo preso quando desmascarou a Igreja no Caso
Idalina. Nesse mesmo ano de 1912 fundou A Guerra Social, periódico de
São Paulo, foi redator principal e no ano de 1915, colaborou ativamente no
diário O Combate. Nos anos de 1916-1917, foi redator-secretário da revista
Eclética, de São Paulo. Em 1917 fundou o jornal anarquista A Plebe,
semanário, passando em 1919 a diário.
........................
- 21 -
de todo o nosso estudo” (idem, ibidem, p. 52). Essa delimitação
nos permitiu identificar as críticas à sociedade de classes e as
propostas de educação libertária que visavam romper com as
relações sociais capitalistas e instaurar novas formas de relação
humana, contida no periódico citado. Além destes periódicos,
utilizaremos uma vasta produção bibliográfica produzida por
diversas áreas das ciências humanas que nos apontou alguns
caminhos a percorrer, como será visto no capítulo I.
O problema que nos orientou na pesquisa foi: qual o
projeto educativo (formal ou informal) expresso pelo Jornal A
Plebe no contexto das greves gerais do ano de 1917? Com
essa problemática central nos vem outras questões secundárias
e não menos importantes: que tipo de educação era veiculado
nas páginas de A Plebe? Quais as estratégias utilizadas pelos
autores para atingir seu público-alvo? Quem produzia A Plebe
e com qual interpretação da realidade estava ligada? A Plebe
produzia uma interpretação do passado e uma projeção de um
futuro radicalmente diferente além da retórica, por exemplo,
com o uso de imagens?
Na historiografia, houve um apreciável acréscimo de
estudos em relação ao movimento operário a partir da análise
de documentos relativos a Imprensa Operária9. Tema
anteriormente de estudo dos militantes políticos (não-
acadêmicos) de gerações posteriores à Primeira República do
Brasil, pois estavam ligados cotidianamente a produção de
periódicos, revistas, etc. para a militância do dia-a-dia, a
história do movimento operário passou a fazer parte de
inquietações dos sociólogos e cientistas políticos acadêmicos
nos anos 1960. Chamada por Batalha (2007, p. 148) de
Sínteses Sociológicas, essas produções “abarcava sociólogos
preocupados em elaborar grandes sínteses, que estabeleciam
teorias explicativas do movimento operário e de suas opções
ideológicas”.
9 FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil. São Paulo:
Ática, 1978.
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Nos anos 1970, a historiografia acadêmica ganhou um
salto quantitativo e qualitativo com a produção dos
brasilianistas e de historiadores brasileiros, sobretudo, com a
criação de arquivos do movimento operário, como por
exemplo, o AEL. Na década de 1980, irá ocorrer o processo de
“ampliação, fragmentação e crise” caracterizado por uma
crescente produção acadêmica (fruto do crescimento dos
programas de pós-graduação), da diversificação das fontes de
pesquisa e consecutivamente, a “fragmentação do campo de
estudo” onde a teoria “cedeu espaço para os estudos de caráter
mais empírico” (idem, p. 153).
Essa breve análise geral e a que vem abaixo não tem a
pretensão de esgotar os temas nem de fechar o leque de
possibilidades interpretativas de nossas fontes, mas sim,
preencher algumas brechas deixadas por estas pesquisas e
incentivar a realização de novas pesquisas de futuros
pesquisadores sobre a história do movimento operário trazendo
a tona o que Eric Hobsbawn afirma: “É uma função digna dos
historiadores a de reconstruir um passado esquecido,
estimulante, imperecível” (HOBSBAWN apud HAUPT, 2010,
p. 50).
Dentre toda essa bibliografia, até onde apreciamos,
são poucos10 os estudos e pesquisas com profundidade ligada
ao contexto de “educação” no ano de 1917, seja anterior e
posterior à Greve Geral de Julho. No que tange à abordagem
dada por essas pesquisas, a produção por mais vasta que seja se
limita aos estudos, quase que exclusivamente, do papel da
Imprensa (especificamente o jornal) como “instrumento de
politização” (FERREIRA, 1988).
10 Nesse sentido, encontramos dois trabalhos que estudam especificamente
a educação no Jornal A Plebe no recorte temporal de 1917. Cf.
GONÇALVES, A. M.; NASCIMENTO, M. I. M. Educação nas folhas do
jornal “A Plebe”: 1917 – 1919. In: Publicatio UEPG: Ciências Sociais
Aplicadas, Vol. 16, No 2, 2008; e GONÇALVES, Ody Furtado. Trajetória e
ação educativa do jornal A Plebe (1917-1927). In: Quaestio: Revista de
estudos em Educação, v. 6, n. 2, 2004.
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- 23 -
Portanto, a história do movimento operário nos remete
também a pensar também a amplitude da conceituação de
educação. Esta necessidade mostra a importância da presente
pesquisa para produção historiográfica brasileira e nos motivou
a propor o estudo desse tema. Dessa forma, evidenciar a ação
da educação enquanto “pressuposto educativo da ação direta”11
é ao mesmo tempo elucidar o contexto do conceito de “ação
direta” no âmbito da educação libertária e mostrar que o seu
estudo, desdobra-se em outras possíveis e inesgotáveis
pesquisas.
Para a realização deste objetivo será necessário
analisar a bibliografia escolhida de forma crítica (comumente
chamada de “revisão bibliográfica” ou “estado atual da arte”) -
já que as diferentes tradições intelectuais de cada período de
produção acabam por gerar representações díspares ou
semelhantes do movimento operário na Primeira República -
juntamente com alguns conceitos importantes, que serão
tratados no capítulo I. Dentre eles: anarquismo, sindicalismo
revolucionário, imprensa operária, ação direta e educação
libertária.
Como contextualizar é uma questão fundamental
para o ofício do historiador, no capítulo II, será realizada uma
contextualização histórica do movimento operário na Primeira
República, traçando as determinações da imigração, as
condições de vida e trabalho do proletariado na Primeira
República do Brasil, os motivos e determinantes que
condicionaram a organização dos periódicos e as organizações
operárias existentes na Primeira República (ligas operárias,
greves gerais, sindicatos, imprensa operária, etc.) na cidade de
São Paulo nesse ínterim. Ainda, analisaremos a Greve Geral de
julho de 1917 dando um enfoque especial à Semana Trágica.
Logo após, no capítulo III, faremos uma análise dos
pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta em A
Plebe. Nesse capítulo, buscaremos explicitar as críticas ao
11 A educação do operariado pela ação grevista, preparando-o para a
“grande revolução”, que poria fim à sociedade burguesa.
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Estado, à Igreja e à exploração capitalista em suas mais
diversificadas esferas da realidade, destacando alguns
elementos específicos do jornal que propagaram aquilo que
chamamos de educação libertária.
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- 25 -
CAPÍTULO I
1.1. Estado atual dos conhecimentos
Nosso trabalho utiliza-se de diversas categorias e
conceitos que foram bastante explorados dentro de um
contexto mais abrangente: a Primeira República do Brasil
(1895 – 1930). Nessa perspectiva devemos, de antemão, fazer
uma análise geral de como o tema (conceitual e
temporalmente) foi construído por diversos autores.
Apresentaremos abaixo uma revisão bibliográfica com
algumas obras e análises das décadas de 1960, 1970, 1980,
1990, do princípio dos anos 2000.
O centro de nossa preocupação nesta análise é buscar
uma interpretação de obras escritas sob o tema acima que
possibilitaram analisar os pressupostos políticos e pedagógicos
do ano de 1917. Entendemos que a bibliografia que
encontramos é relativamente extensa, mas aborda a questão da
educação em segundo plano. São também na maioria das vezes
obras não-acadêmicas, ou seja, ligados à militância. Faremos
abaixo uma leitura de suas problemáticas centrais juntamente
com suas conclusões e possíveis lacunas que poderão ser
preenchidas neste trabalho.
O sociólogo Azis Simão no ano de 1966 publica
Sindicato e Estado: suas relações na formação do proletariado
de São Paulo12 onde aponta a essência das primeiras
organizações dos trabalhadores paulistanos da Primeira
República do Brasil definindo-os como “não corporativos”. Tal
obra é pioneira no estudo dos sindicatos, pois faz análise desde
a gênese dos sindicatos no Brasil (em meados do século XIX
nos setores têxteis e metalúrgicos até os anos 30) sob uma
“pesquisa empírica de fôlego” (BATALHA, 2007, p. 149).
Para o referido autor, a classe constrói suas possibilidades de
12 SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado: suas relações na formação do
proletariado de São Paulo. São Paulo: Dominus Editora, 1966.
........................
- 26 -
organização e luta de acordo com as condições materiais pré-
existentes, portanto, no caso das greves, estas acontecem em
momentos de maior depressão econômica (carestia de vida).
Nesse sentido, sua tese central é de que durante o
período do fim da Primeira República com o desenvolvimento
da indústria, novos tipos de relações sociais (por exemplo, o
corporativismo e burocratização) acabaram por atrelar o
sindicato ao Estado constituindo novas formas organizativas
perdendo seu caráter combativo e autônomo. Sendo assim, no
período pré-1930, os sindicatos não foram associações
controladas por “mestres com o fim de preservar os privilégios
corporativos”, nem dentro deles estabeleceram distinções entre
operários, segundo o grau de qualificação profissional. A tese
difundida e fundamentada durante toda a obra de Azis é a de
que o “sindicato” que historicamente foi considerado como
sinônimo de resistência e autonomia perde seu sentido
libertário e se liga à perspectiva de luta controlada pelas leis do
Estado na década de 1930 quando o sindicato, o Estado e o
patronato “(...) iniciavam a elaboração de novas vias
institucionais de suas recíprocas relações” (SIMÃO, 1966, p.
87). Os sindicatos, desde seu surgimento, foram associações de
assalariados que se organizavam no processo de produção e
que se desenvolveu no Brasil com o Primeiro Congresso
Operário Brasileiro de 1906 (no qual constituiu a COB –
Confederação Operária Brasileira), onde fora instituído como a
estratégia (CORRÊA, 2011) de organização autônoma dos
trabalhadores de uma dada empresa ou de toda categoria.
Boris Fausto autor da obra Trabalho Urbano e
Conflito Social (FAUSTO, 1976) para obtenção do título de
livre-docente na USP, em 1977, analisa as condições materiais
de existência e a mentalidade coletiva dos trabalhadores
urbanos de 1890 a 1920. Fausto nos traz a tese de que os
anarquistas não haviam compreendido o papel do Estado e não
valorizavam uma luta por ele e que nos anos 20 ocorre uma
crescente “alternativa comunista” de base bolchevique
ocasionando uma mudança das lutas da classe operária.
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- 27 -
Considera ainda que o ano de 1917 foi o “símbolo de uma
mobilização de massas impetuosa, das virtualidades
revolucionárias” (FAUSTO, 1976: 192).
Fausto busca uma análise do desenvolvimento das
lutas operárias de 1890 até a década de 20 do século XX
apresentando as razões do declínio do Movimento Operário
Revolucionário, dentre as quais, destaca-se a falta de
compreensão dos anarquistas sobre o papel do Estado já que “o
anarquismo brasileiro está associado a um sistema de
pensamento cientificista, corporificado no evolucionismo e no
livre pensamento (...)” (idem, p. 71). Por fim, Fausto retoma o
pensamento de que a formação da consciência revolucionária
do operariado paulistano da Primeira República esteve ligada
meramente ao seu próprio contexto: o anarquismo
corresponderia aos primeiros estágios da industrialização, que
no Brasil é tardia e débil e nesse caso, os anarquistas foram
derrotados por não compreender o papel do Estado. Nesse
sentido, o autor aponta que nos anos entre 1890 e 1920 ocorre
uma “sucessão de derrotas” pelo simples motivo de que as
concessões sociais conquistadas não se encontram
institucionalizadas (FAUSTO, 1976: 245).
A propaganda operária no Brasil nos primeiros anos
da Primeira República buscou a necessidade de ampliar o
internacionalismo proletário para um discurso audível e
assimilável. Em 1917 a greve geral de julho em São Paulo
simbolizou um movimento fulcral da insatisfação proletária
que objetiva com tal greve, incentivar os trabalhadores a lutar
através da ação direta. Totalmente reprimida ela se expandiu
para outros estados como Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio
Grande do Sul, Paraná, etc. Essa é, de maneira bem genérica, a
contribuição de Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall.
Publicada no ano de 1979 e intitulada A Classe Operária no
Brasil – 1889 – 1930 – documentos. Volume 1 – O Movimento
Operário (PINHEIRO; HALL, 1979) pela Editora Alfa-
Ômega, tal obra traz uma coletânea de documentos históricos
do Movimento Operário com algumas análises desses dois
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- 28 -
autores. Especificamente, podemos nos atentar para as suas
concepções do que foi a greve geral de julho de 1917. Porém, a
confusão entre sindicalismo revolucionário e
anarcossindicalismo ainda se manifesta nesses autores.
Mas além disso, para os autores a referida greve foi a
manifestação política urbana mais impressionante da Primeira
República. A greve assumiu dimensões vastas, o governo (pelo
menos momentaneamente) se sentiu ameaçado e o movimento
operário pode ajudar a explicar a ferocidade da repressão que
irrompeu em larga escala dois meses mais tarde.
O brasilianista Sheldon Leslie Maram, produz em
1979 a obra Anarquistas, imigrantes e o movimento operário
brasileiro (1890-1920) defendendo a tese de que o
anarcossindicalismo foi a doutrina política dominante no
movimento operário brasileiro da Primeira República.
Sustentando com argumentos, ele aponta que de 1890 até
1920, espanhóis, portugueses e italianos são os imigrantes mais
presentes no movimento operário brasileiro advindo da política
imigratória desse período.
A tese de anarcossindicalismo enquanto corrente
hegemônica é refutada por Samis (2004) e por Corrêa (2011),
já que para esses últimos, o que ocorreu no Brasil
hegemonicamente foi o sindicalismo revolucionário e não
anarcossindicalismo, já que ambos não estão desvinculados do
anarquismo, mas são estratégias distintas. Para Corrêa (2011,
p. 83) “o sindicalismo revolucionário nunca se colocou,
explícita e conscientemente, em vínculo com o anarquismo,
diferentemente do segundo”. Em outras palavras, o
anarcossindicalismo tem necessariamente em suas orientações
ideológicas o anarquismo; já o sindicalismo revolucionário não
tem necessariamente, uma linha ideológica clara e única.
Maram (1979) afirma em coro que a história do movimento
operário no Brasil conta com uma diversificada e plural forma
organizativa e de influência teórico-política dos trabalhadores.
Silvia Lang Magnani em O Movimento Anarquista em
São Paulo (1906 – 1917) (MAGNANI, 1982) publicado no
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- 29 -
ano de 1982 não poderia ficar de fora dessa análise. A autora
toma com pressuposto básico de sua análise que a presença do
anarquismo brasileiro não pode ser determinada apenas pela
chegada de milhares de imigrantes europeus. Rebatendo a tese
da “planta exótica”, a autora considera que tais análises
fundamentadas em discrepâncias com as fontes históricas e
documentais deixadas pelos libertários não correspondem com
as colocações de que houve uma importação mecânica de um
ideário político europeu para o Brasil (MAGNANI, 1982, p.
50). No que concerne à luta dos anarquistas no movimento
operário, de acordo com ela, existia a instauração de “(...) uma
moral operária fundamentada na solidariedade humana e de
classe” (MAGNANI, 1982, p. 13). Esta interpretação colabora
com nossa hipótese de uma educação para a ação direta, já que
a solidariedade compõe um dos pilares dessa educação.
Cristina Hebling Campos publica em 1983 a
dissertação de mestrado intitulada O Sonhar Libertário
(Movimento Operário nos anos 1917 a 1920) (CAMPOS,
1983) onde defende que no Brasil tinha anarquistas e
sindicalistas revolucionários, onde os primeiros se
organizavam por ligas, comitês, alianças, grupos teatrais,
jornais, etc. e os sindicalistas revolucionários que entendiam
que o sindicato seria a base da transformação social. Por essa
diferenciação, a autora ressalta que essas duas correntes no
Brasil “não são sempre fáceis de distinguir. Na prática há
grupos que adotam elementos das duas tradições segundo suas
necessidades e com uma certa indiferença às distinções que
prevaleciam em vários outros países na época” (CAMPOS,
1983, p. 9). Para a autora, o sonhar libertário só estava no
cotidiano desses trabalhadores devido uma intensa elaboração
conceitual e militante (principalmente em São Paulo no ano de
1917 com o fortalecimento das ligas de bairro, um tipo de
organização de inspiração basicamente anarquista)
indissociável de uma conjuntura favorável para tal. Ela
defende que “o movimento operário no Brasil, após um
período de depressão (...) vai aos poucos se recolocando e se
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- 30 -
reorganizando (...)” nos fins de 1916 e início do outro ano “o
clima nos dois grandes centros urbanos – Rio de Janeiro e São
Paulo – é de agitação” (CAMPOS, 1983, p. 34). Assim,
quando a greve estoura, o CDP com a atuação dos anarquistas
foi fundamental, pois “tanto a organização da greve quanto
suas reivindicações refletem o esforço característico do
anarquismo que vê o confronto na contradição entre os
proprietários e a população despossuída (pessoas que ao
mesmo tempo são produtores, consumidores e moradores)”
(CAMPOS, 1983, p. 42).
Francisco Foot Hardman publica no ano de 1983 Nem
Pátria, nem Patrão!: vida operária e cultura anarquista no
Brasil (HARDMAN, 1984) apresenta uma nova leitura do
movimento operário da Primeira República do Brasil e oferece
uma perspectiva que renova os trabalhos acadêmicos
abordando temáticas que eram ainda pouco trabalhadas.
Utilizando, sobretudo, como referencial teórico obras de Karl
Marx, Friedrich Engels, Antônio Gramsci e Eric J. Hosbsbawn,
Foot Hardman apresenta alguns elementos que levaram, no
ínterim de 1906 e 1917, à radicalização do movimento operário
que consecutivamente aumentou sua capacidade organizativa e
revolucionária. Desde a criação da Confederação Operária
Brasileira (COB) em 1908 com objetivo de criar uma unidade
de trabalhadores de vários ofícios, o movimento se radicaliza.
Foram nesses mosaicos de organizações criadas e mantidas
pelo próprio movimento de classe que se desenvolveram
práticas culturais variadas marcadas fortemente pela imigração
estrangeira e pela diversidade étnica.
Nos sindicatos – primeiramente não
institucionalizados pelo governo –, os anarquistas, visavam a
luta contra a opressão capitalista e, assim, também
contribuíram na vitalidade e consciência da organização
operária. Estes eram chamados de anarcossindicalistas.
Para o autor, a classe operária brasileira apresenta
uma estreita ligação no sentido histórico do conceito de classe
(natureza específica, formações, tempo e espaço) e ao geral
........................
- 31 -
(seu quadro internacional). Sendo assim, a greve geral surge
como ato educativo para o operariado. Além de uma educação
formalizada (em escolas operárias, racionalistas, etc.) a classe
operária buscou em elementos do cotidiano a sua afirmação
formativa. Contudo, a greve geral e a ação direta13 eram
celebradas como momentos e formas adequadas de “ginástica
revolucionária” (HARDMAN, 1980, p. 47).
Hardman, apoiado em E. J. Hobsbawn14, apresenta a
diferenciação das instâncias de luta da classe operária mundial
mostrando seu corporativismo e burocratização e que, no caso
específico do Brasil, isso ocorre com as medidas do Governo
Vargas, após 1930. O que de fato nos é relevante e
fundamental é como, F. F. Hardman apresenta as instâncias de
luta cultural da classe estabelecendo uma nova área de atuação
e militância, ou seja, estabelecendo festividades (Festas
Operárias), reuniões, atividades pró-Escolas Modernas (de
caráter anticlerical e de influência do espanhol Francisco
Ferrer y Guardia) como novas formas da ação direta. Evidente,
pelo próprio caráter de condição da classe, as festividades eram
realizadas com grande precariedade material. Todos esses
métodos da classe são caracterizados pelo autor como
“Estratégia do Desterro” que, levado às suas últimas
consequências pela defesa da “cultura operária” intransigente,
nas concepções anarquistas, encontrava bases sólidas nas
condições reais de existência do proletariado do Brasil.
É entendendo a greve como o próprio acontecer
ritualizado da cultura operária que Hardman concluiu sua obra.
Essa é uma demonstração de força autônoma e a sua
importância já reside no ato mesmo de sua expressão quando a
13 Podemos definir ação direta como expressão da crença de que o
proletariado só se libertará quando confiar na influência de sua própria
ação, direta e autônoma, prescindindo de intermediários no conflito entre
capital trabalho. 14 HOBSBAWM, E. J. As classes operárias inglesas e a cultura desde os
princípios da Revolução Industrial. In: Níveis de Cultura e Grupos Sociais.
Santos: Martins Fontes, 1974.
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política e a cultura voltam a se reencontrar: a relação entre o
poético e o histórico.
Em 1987 José Antônio Segatto apresenta a obra A
Formação da Classe Operária no Brasil (SEGATTO, 1987)
com alguns dados e análises peculiares. Ao narrar passo a
passo a constituição da classe operária (a imigração e as suas
condições de existência), suas formas organizativas, seus
movimento reivindicatórios, ele faz algumas análises dos quais
discordamos, principalmente, no último capítulo. Em A
ideologia e a organização política ele demonstra que o
anarquismo é uma ideologia da vanguarda (SEGATTO, 1987,
p. 81-84) e que formavam um grupo bastante minoritário e vê a
criação do PCB como uma vitória real da classe trabalhadora,
pois o anarquismo tem debilidades e uma incapacidade política
com uma realidade complexa. Sua análise ainda reitera que no
campo organizativo os anarquistas se ancoravam no
“espontaneísmo”, no “economicismo” e na “dispersão do
doutrinarismo abstrato” (idem, p. 87). Essa análise pode ser
contestada pela próxima obra que iremos analisar.
Christina da Silva Roquete Lopreato traz uma
reflexão mais aprofundanda e com novas interpretações em sua
obra O Espírito da Revolta: a greve geral anarquista de 1917
(LOPREATO, 2000) De maneira singular, utilizando de
referenciais da imprensa operária da Primeira República e
propondo uma reconstrução a partir dessas fontes, a autora
apresenta-nos os significados da greve geral de 1917
caracterizada como “anarquista” em São Paulo. Nesse sentido,
ela vem aludindo, sobretudo, sobre as condições de vida e de
trabalho que se empunham até então os trabalhadores
(sobretudo imigrantes) proveniente de horizontes culturais
diversos, que (re) organizaram a cidade de São Paulo dando a
ela um ambiente próprio com seus laços culturais,
estabelecendo lugares políticos tais como greves, ligas de
resistência, jornais impressos, grupos anarquistas, espaços de
lazer e cultura, etc.
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A imprensa teve importante papel antes, durante e
após a deflagração da Greve Geral de Julho de 1917. Foi
veículo de informação, formadora de opinião e força de
pressão junto ao patronato e ao poder público. Em São Paulo,
sobretudo com o Jornal A Plebe (caracterizado pelo jornal
Correio Paulistano como “cúmplices e promotores da
anarquia”) matérias sobre as condições de vida e de trabalho
do operariado eram constantemente veiculados e ocupavam
periodicamente as páginas dos principais jornais dos centros
operários da cidade. Em especial, no decorrer dos primeiros
seis meses do ano (ou seja, anterior à Greve de Julho) os
jornais foram essenciais, pois demonstravam aos trabalhadores
as condições nos quais estes estavam submetidos, sobretudo,
no quesito “carestia de vida”.
Com a eclosão da greve geral, a imprensa operária
acompanhou o desenrolar dos acontecimentos combativos da
semana de 9 a 17 de julho de 1917 atuando como mecanismo
de veiculação das perspectivas dos trabalhadores. A
perspectiva importante apontada por Lopreato é a questão da
“ação direta”. A ação direta pode ser compreendida de acordo
com a autora, como uma forma de atuação junto à realidade
com dignidade política (LOPREATO, 2000, p. 21). A ação
direta, composta por métodos tais como boicote, sabotagem e
greve, se estabelece com mais preponderância na obra, já que
para a autora, a greve geral fora a mais utilizada. Em suas
palavras a greve geral é mais utilizada já que “é considerada a
mais rica em ensinamentos por que explicita os interesses
contraditórios entre o patrão e o empregado, rompe a harmonia
existente entre eles e faz aparecer a luta de classes”. Ocorre
que, logo após a suspensão da greve geral, a perseguição
policial aos militantes anarquistas acabou por revelar a
repressão ferrenha do governo sobre os militantes, sobretudo
com a intensificação de atuação da “Lei Adolfo Gordo”15 que
previa a expulsão de estrangeiros desde 1907.
15 Nos primeiros anos do século XX no Brasil a política repressiva do
Estado se fortificou. Tal repressão materializada, por exemplo, na Lei
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A sociedade dominante da Primeira República
tinha a pretensão de se livrar dos problemas
sociais com a deportação dos ‘agitadores
estrangeiros’. Em 1893, já fora promulgado o
decreto 1566 que, ao regular a entrada dos
estrangeiros, tratava também da expulsão dos
mesmos durante o estado de sítio. Assim, em
05/01/1907 é promulgada a nova lei (A Lei
Adolfo Gordo) (...). A lei Adolfo Gordo,
seguindo a tendência, exigia que os sindicatos
registrassem seus estatutos e suas diretoria
(PINHEIRO, 1990, p. 157).
O trabalho de Lopreato (2000) buscou reconstruir a
greve geral de 1917 de tal maneira que é impossível encontrar
uma dissociação entre narrativa e interpretação analítica. A
perspectiva da autora traz à tona o sujeito histórico, tratando do
“militante anarquista” cuja ação é, sem sombra de dúvidas em
sua análise, individualizada e potencializada, destacando
militantes como Gigi Damiani, Guilio Sorelli, Edgard
Leuenroth, Neno Vasco, José Oiticica, Florentino de Carvalho,
dentre vários outros.
Adolfo Gordo, proposta pelo Deputado Adolfo Gordo e aprovada no ano de
1907é um exemplo elementar. A lei previa a expulsão de estrangeiros que
estivessem ligados ao movimento operário da época. Nesse âmbito, um
exemplo claro é a expulsão do diretor do jornal socialista "AVANTI",
Vicente Vacirca, em 1908 (RODRIGUES, 1997, s/p). De acordo com
Dulles (1977, p. 117), essa lei, que será reeditada em 1922, “estabelecia
punições para os que contribuíssem para a prática de tais crimes através de
reuniões ou de qualquer instrumento de propaganda; e conferia às
autoridades o direito de fechar, por tempo indeterminado, sindicatos e
entidades civis que cometessem atos prejudiciais à segurança pública”. Para
maior aprofundamento: BATALHA, Claudio. O Movimento Operário na
Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000;
RODRIGUES, Edgard. O Homem e a Terra no Brasil. Florianópolis:
Insular, 1997; LEAL, C. F. B. Pensiero e Dinamite: Anarquismo e
repressão em São Paulo nos anos 1890. 2006. 308f. Tese (Doutorado)-
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de
Campinas, 2006.
........................
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Os jornais constituíam-se em um elo entre as várias
práticas da propaganda social. No espaço do jornal, os
militantes do movimento apoiavam as greves, alavancavam as
iniciativas dos grupos operários e organizações classistas de
bairros e ofícios, além de conferências anticlericais e de livre
pensamento.
Ainda no ano de 1996, a mesma editora lança a
contribuição de Josué Pereira da Silva intitulada Três
Discursos, Uma Sentença: Tempo e Trabalho em São Paulo –
1906 – 1932 (SILVA, 1996) que aborda elementos que não
foram sistematizados profundamente por Lopreato (já que o
objeto da autora é outro) que são as questões da noção de
“tempo e discurso”. O referencial teórico metodológico de
Silva (1996) está intrinsecamente ligado à perspectiva de
Walter Benjamin e da História Social. O autor apresenta uma
introdução relatando a discussão filosófica e histórica sobre
como foram criados os conceitos de tempo linear e, assim, de
tempo progressivo e de tempo produtivo para, desse modo,
entender a ideia de dividir as 24 horas do dia em três partes
iguais, das quais uma delas (8 horas) seria dedicada
exclusivamente ao trabalho.
Silva (1996) nos traz discursos em que o trabalho é
denunciado por não ser capaz de fornecer aos trabalhadores
valores morais que poderiam ser adquiridos em outras esferas
sociais além da noção de que o tempo de 8 horas de trabalho
por dia era a pauta mais significativa das reivindicações
operárias que fora lançada no I Congresso Operário Brasileiro
do ano de 1906. O discurso preponderante sobre o trabalho era
dado pelas elites brasileiras com uma valoração moral muito
forte e de outro lado, a imprensa operária também reservava
grande parte do discurso do trabalho, porém, pela luta de
jornadas de 8 horas. Ocorre que, nas duas classes fundamentais
da sociedade capitalista, uma percepção de tempo pode mudar
ou dar sentido à conduta de seus indivíduos em cada classe,
traçando projeções e percepções de mundo no dia-a-dia. A
obra se estabelece com um discurso sobre a moral do
........................
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trabalhador na relação conflituosa entre Trabalhador, Patrão e
Governo durante a Primeira República.
Nos anos 2000, especificamente publicado 2004 no
livro organizado por Eduardo Colombo (et. al.), Alexandre
Samis escreve Pavilhão negro sobre pátria oliva: sindicalismo
e anarquismo no Brasil (SAMIS, 2004) e vem nos atentar com
uma riqueza de fontes, sobre os motivos e a origem da
Imprensa Operária ligada ao sindicalismo revolucionário, que
para o autor, cresce fundamentalmente com o I Congresso
Operário Brasileiro que deveria prestar auxilio e “propaganda
por folhetos, manifestos, conferências, representações teatrais”
através do proselitismo militante, que fora uma necessidade de
uma ação pedagógica no auxílio da prática política. Fora criado
em 1906 o porta voz oficial de imprensa da COB: o periódico
A Voz do Trabalhador16.
Ainda para Samis, o quantitativo de greves no Brasil
se deve muito às organizações operárias revolucionárias,
sobretudo os sindicatos. Nesse sentido, a greve geral de julho
de 1917 estaria habilmente desenhada, segundo o autor, pelos
anarquistas sindicalistas a frente das associações de classe e
estaria fora do seu caráter puramente espontâneo, que para o
autor, estaria mais envolvido através das articulações entre
núcleos combativos do CDP (Comitê de Defesa Proletária).
Encontramos ainda nos anos 2000, um emaranhado de
teses e dissertações acerca da ação operária na Primeira
República (obviamente não as analisaremos) e poucas com o
enfoque na educação enquanto princípio ligado à ação
proletária e revolucionária. Em 2006, Rafael Deminicis e
Daniel Aarão Reis Filho organizaram a obra História do
Anarquismo no Brasil, vol .1 e trouxeram a tona diversos
trabalhos dos quais, destaco: Anarquismo em prosa e verso:
literatura e propaganda anarquista na Imprensa Libertária de
São Paulo durante a Primeira República (LEAL, 2006) de
16 A comissão responsável pela editoração desse periódico estava
intimamente ligada à COB. Assim, entre seus membros destacava-se o luso
Neno Vasco, Manuel Moscoso, Carlos Dias, etc.
........................
- 37 -
Claudia Feierabend Baeta Leal. A obra constrói a noção de que
os anarquistas utilizando-se da Imprensa Operária combatiam
em prol de suas ideias e contra aqueles que impediam o livre
desenvolvimento dos indivíduos e que buscavam contribuir
para o desenvolvimento da consciência revolucionária.
No volume 2 da obra citada de organização de Rafael
Deminicis e Carlos Augusto Addor, identificamos um texto
que não poderíamos deixar de fora de nossa revisão. O artigo
Anarquismo e movimento operário nas três primeiras décadas
da República (DEMINICIS; ADDOR, 2009) de Carlos
Augusto Addor evidencia uma série de elementos apontando
para o fato de que o anarquismo, durante as três primeiras
décadas da República, foi principalmente através da corrente
anarcossindicalista, senão a tendência política hegemônica no
interior do movimento operário e sindical brasileiro,
certamente uma das mais fortes, atuantes e combativas
correntes organizatórias da classe trabalhadora e que os anos
da década de 10 fora a conjuntura de maior ascensão do
movimento operário brasileiro, pois neste ocorrem
movimentos grevistas “num ritmo e intensidade até então
desconhecidos” no Brasil. No contexto referido, os
trabalhadores paulistanos desenvolveram suas lutas para além
das reivindicações imediatas (econômicas – salários, jornadas,
etc.), mas também para uma possível revolução social.
Nossa última análise será feita sobre a obra Ideologia
e Estratégia: anarquismo, movimentos sociais e poder popular
de Felipe Corrêa, publicado pela Editora Faísca no ano de
2011. Dividida em três capítulos extensos, a principal tese que
perpassa ambos os capítulos, são as noções entre ideologia e
estratégia. Ideologia e estratégia são utilizadas nos textos para
discutir anarquismo e sindicalismo revolucionário. Ideologia,
para o autor, constitui-se enquanto um conjunto de ideias e de
valores respeitantes à ordem pública e tendo como função
orientar comportamentos políticos coletivos enquanto sistema
de ideias conexas com a ação. Estratégia é a escolha dos
meios mais adequados para se atingir determinados fins. Dessa
........................
- 38 -
forma, o anarquismo seria uma ideologia e o sindicalismo
revolucionário uma estratégia. Contudo, sua análise
fundamentada nesses conceitos é determinante para entender
que o sindicalismo revolucionário não constitui uma ideologia
diferente do anarquismo, mas uma das estratégias adotadas
pelo anarquismo (CORRÊA, 2011, p. 32). Assim,
majoritariamente, o fenômeno que manifestou no Brasil foi o
sindicalismo revolucionário e não, o anarcossindicalismo.
Para concluir, podemos dizer que a sistematização
dessas fontes levantou nossa temática em dois sentidos:
primeiro, por que possibilitou que nossa temática emergisse da
leitura dos documentos instigando-nos a pesquisas sobre a
educação; e por outro lado, através das lacunas deixadas por
estas fontes. Inúmeras outras fontes ainda serão analisados e,
obviamente, aparecerão na monografia de forma mais
aprofundada. Os temas nos permitirão vislumbrar hipóteses,
resgatando paradigmas e superando outros, para expressar uma
escrita da História além de meras informações esquemáticas e
doutrinárias. Sendo assim, nos ancoraremos principalmente nas
análises de Campos (1983), Magnani (1992), Pinheiro (1990),
Lopreato (2000), Samis (2004), Leal (2006), Biondi (2009) e
Corrêa (2011) que nos pareceu mais favorável com nossas
hipóteses (ver “Introdução”) e de outro lado, mais atualizada
frente à produções recentes.
Ao ambicionarmos demonstrar a ação política e
pedagógica que está expressa pelos números de A Plebe no ano
de 1917, compreendemos que esse periódico foi um espaço de
socialização de saberes e práticas educacionais libertárias.
Assim sendo, pretendemos caminhar rumo a uma pesquisa que
permite dar visibilidade às questões presentes nessa forma de
ação política nessas fontes primárias.
1.2. Delimitação teórico-metodológica e conceitual
Nosso referencial metodológico está baseado em
Rüsen (2010) que aponta as “operações processuais do método
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histórico”17 e as “operações substancias”18. A primeira
operação processual é a heurística19. Ela se reduz ao
questionamento (levantamento de questões históricas) e
seleção de fontes.
As outras duas operações são a crítica e a
interpretação. A crítica das fontes, enquanto uma operação
metódica tira informações, dados e manifestações do passado
das fontes a partir de nossas concepções do presente,
estabelecendo um vínculo direto entre o passado e o presente.
Nesse sentido, a críticas das fontes “é o ponto fulcral da
objetividade histórica” (idem, p. 123).
A interpretação, enquanto “operação metódica que
articula, de modo intersubjetivamente controlável, as
informações garantidas pela crítica das fontes sobre o passado
humano” (idem, ibidem) nos ajuda a organizar as informações
das fontes históricas, estabelecendo contextualizações
necessárias, sintetizando as perspectivas, os sentidos das
experiências do passado e etc. Se torna fundamental afirmar
isso pois, as fontes históricas não apresentam seus fatos nas
meras correlações empíricas ou nos fatos/dados das fontes.
Outras três concepções são importantes, pois as
operações processuais são complementadas pelas operações
substanciais. Trata-se da hermenêutica, analítica e dialética. A
hermenêutica é a análise dirigida à subjetividade dos atores
históricos. Trata-se de compreender suas intenções e o sentido
imaginado de suas ações. Já na analítica, as fontes são
investigadas como “resíduos que manifestam as condições sob
17 De acordo com Rüsen (2007, p. 122), “Trata-se do que deve ser
apreendido, pela crítica das fontes, como fato especificamente histórico e
do que deve ser estabelecido, interpretativamente, como contexto histórico
de fatos”. 18 Rüsen (2007, p. 133 – 167). 19 Heurística é “a operação metódica da pesquisa, que relaciona questões
históricas, intersubjetivas controláveis, a testemunhos empíricos do
passado, que reúne, examina e classifica as informações das fontes
relevantes para responder às questões, e que avalia o conteúdo informativo
das fontes” (RÜSEN, 2007, p.118).
........................
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as quais foram possíveis as criações culturais que formam a
tradição” (RÜSEN, 2007, p. 146). Nesta fase, aborda-se nas
fontes as experiências nas quais o tempo é experimentado
como limite definidor das possibilidades do agir.
A última operação substancial é a dialética. Ela é
compreendida como o momento de combinação entre a
hermenêutica e a analítica com o intuito de serem percebidas
enquanto uma relação entre as experiências do tempo humano
e as intencionalidades humanas (RÜSEN, 2007, p. 159).
Levando em consideração esta perspectiva teórico-
metodológica, esse trabalho visa aprofundar o questionamento
e a seleção (heurística) dos artigos de A Plebe levando em
consideração nossa problemática geral. Ele precisa extrair
destes artigos o conteúdo factual (dados) que eles nos
fornecem (crítica) e necessita estabelecer conexões entre estes
fatos, isto é, o contexto de fatos (interpretação).
Ao mesmo tempo, por essa escolha metodológica,
esse trabalho precisa estabelecer uma análise hermenêutica dos
artigos, visando compreender o sentido subjetivo que orienta a
ação dos autores de A Plebe. Mas, estas intenções e projeções
subjetivas precisam ser contextualizadas (Analítica). Neste
sentido, nosso trabalho pretende analisar o contexto de
produção do jornal, reconstruindo o período republicano
brasileiro e os contextos de efeitos que fornecem limites para
as intenções subjetivas dos autores do jornal.
Além desses pressupostos metodológicos faz-se
opção, neste estudo, de adotar alguns conceitos, tais como os
de anarquismo, sindicalismo revolucionário, imprensa
operária, ação direta e educação libertária.
Para explicitar o que compreendemos por
anarquismo, utilizarei os pressupostos que Felipe Corrêa
desenvolveu em Ideologia e Estratégia: anarquismo,
movimentos sociais e poder popular. Ancorado nos sul-
africanos Michael Schmidt e Lucien van der Walt20 e no
20 SCHMIDT, M.; VAN DER WALT, L. Black Flame: the revolutionary
class politics of anarchism and syndicalism. Oakland: Ak Press, 2009.
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brasileiro Alexandre Samis21, Corrêa (2011) define do
anarquismo como
(...) uma ideologia22, um tipo de socialismo
revolucionário, que surge no século XIX
colocando-se no campo social e sem
desconsiderar as desigualdades da sociedade, e
por isso tem uma herança histórica, ideológica
e teórica determinada. Possuindo elementos
morais de relevância, o anarquismo não pode
ser considerado uma ciência, apesar de utilizar
métodos racionais para a leitura da realidade –
posicionando-se contra a exploração e a
dominação – para a criação de uma perspectiva
de sociedade futura e também para o
estabelecimento de estratégias e táticas. O
anarquismo defende uma transformação social
revolucionária, em nível internacional, que
deve ser levada a cabo de baixo para cima, ser
protagonizada pelos diferentes sujeitos
oprimidos e fazer com que os meios de luta
estejam de acordo com os fins que se pretende
21 SAMIS, A. Clevelândia: anarquismo, sindicalismo e repressão política
no Brasil. São Paulo: Imaginário, 2002; _______. Minha Pátria é o Mundo
Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois
mundos. Lisboa: Letra Livre, 2009.
22 Devemos fazer algumas ressalvas e esclarecimentos o conceito de
“ideologia” utilizado tanto pelos sul-africanos Michael Schmitd e Lucien
van der Walt como por Felipe Corrêa. Primeiro, o termo ideologia
historicamente em outras concepções tem outros significados. Por exemplo,
na teoria marxista, corresponde à “falsa consciência sistematizada da
realidade”. Se pensarmos assim, o anarquismo se situaria como falsa
consciência dos trabalhadores – fato que não concordamos; segundo nossa
interpretação aqui desenvolvida, o termo ideologia para definir o
anarquismo, para não ser compreendido como falsa consciência
sistematizada da realidade, pode ser substituído por “política” ou como
“desenvolvimento de uma práxis” – que une teoria e ação, sendo, portanto
indissociável a relação meios e fins. Assim sendo, seria mais claro definir o
anarquismo como uma práxis, ou, como uma ideologia, entendida como um
conjunto de teorias orientado por suas ações práticas se autodeterminando.
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atingir. Como objetivo, o anarquismo propõe a
criação de um socialismo autogestionário e
federalista, sem capitalismo e sem Estado, que
concilie a liberdade individual, a liberdade
coletiva e a igualdade (CORRÊA, 2011, p. 47).
Dessa forma, o anarquismo, como corrente do
socialismo – conforme está definido acima – não é sinônimo
de antiestatismo ou meramente uma corrente libertária e
antiautoritária. Pensar o anarquismo de forma reducionista
causa uma visão também reducionista da realidade; nem
generalizações (no sentido de transcender o momento histórico
analisado) são cabíveis, pois, não se pode falar de anarquismo
antes do capitalismo e nem em anarquismo fora do campo
socialista (CORRÊA, 2011, p. 36).
Nessa definição, o anarquismo é um fenômeno que
constitui parte das teorias libertárias que a história produziu,
mas de maneira alguma, pode ser completamente vinculado a
todas elas. Portanto, devemos delimitar o surgimento do
anarquismo para não cairmos em generalizações históricas
causando uma imprecisão do tema (até por que o termo
anarquismo surgirá com os conflitos23 entre Marx e Bakunin).
(...) o anarquismo pode ter surgido em
Proudhon, desenvolvendo suas principais
linhas, mas dá um inegável salto qualitativo
com Bakunin e a ADS, passando a existir em
sua plenitude e maturidade, consolidando-se
como uma ideologia cujas bases encontram-se
no movimento popular do século XIX e que
preconiza uma prática política organizada e
coletiva (CORRÊA, 2011, p. 42).
Para dialogarmos com essa definição, temos que
definir o que se entende por estratégia, pois justamente o
23 SADDI, R. Ditadura do Proletariado ou Abolição do Estado? O Conflito
Conceitual entre
Anarquistas e Marxistas. In: Revista Enfrentamento, ano 04, nº 06,
Jan./Jun. de 2009.
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anarquismo, enquanto uma ideologia teve ao longo do seu
desenvolvimento, diversas estratégias, dentre elas, o
sindicalismo revolucionário.
De acordo com Hardman (1984, p. 31), no Brasil
antes da década de 30 do século XX, um dos elementos
fundamentais da classe operária é sua autonomia cultural
advinda de sua autonomia no plano associativo, principalmente
sindical, constituindo o sindicato enquanto “um espaço
valorizado como expressão de força e dignidade” (idem, p. 49).
O historiador Cláudio Batalha irá apontar que o
“sindicalismo de ação direta, ou sindicalismo revolucionário,
tinha por modelo a política adotada pela Confederação Geral
do Trabalho francesa” que
(...) fundava-se na rejeição de intermediários
no conflito entre trabalhadores e patrões; na
condenação da organização partidária e da
política parlamentar; na proibição da existência
de funcionários pagos nos sindicatos; na
adoção de direções colegiadas e não-
hierárquicas; na reprovação de serviços de
assistência nos sindicatos; na recusa da luta por
conquistas parciais; na defesa da greve como
principal forma de luta, apontando para a greve
geral. (BATALHA, 2000, p. 29).
Nesse sentido, o sindicalismo revolucionário não
constitui uma ideologia diferente do anarquismo, mas uma das
estratégias adotadas pelo anarquismo (CORRÊA, 2011, p. 32).
No Brasil, o sindicalismo revolucionário, teve uma
envergadura bastante considerável. Um exemplo elementar
sobre o sindicalismo revolucionário no Brasil está exposto no
Primeiro Congresso Operário de 1906.
O Congresso de 1906 mostra a clara influência
do sindicalismo revolucionário: há mesmo uma
menção ao operariado francês como “o modelo
de atividade e iniciativa ao trabalhador
brasileiro”. Tal doutrina, nos anos
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imediatamente anteriores a 1906, chega a
dominar a organização do movimento operário
em São Paulo e a exercer uma larga influência
no movimento no Rio de Janeiro. De fato, as
resoluções do Congresso são muito mais
sindicalistas que revolucionárias (do
anarquismo dificilmente se encontra algum
traço) (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 41).
Dessa forma, trazendo os elementos do sindicalismo
revolucionário, o tipo de organização escolhido é o sindicato
de resistência, com o intuito de evitar no interior do sindicato,
o cooperativismo, “que atraem grande número de aderentes
sem o indispensável espírito de luta” (NETO, 2007, p. 27).
Ainda, “os sindicatos serão organizados por ofício, por
indústria ou por ofícios vários, neste último caso apenas com o
objetivo de facilitar e provocar a formação de outras
associações de resistência” (idem, ibidem).
De acordo com Alexandre Samis, o Congresso
aprovou a filiação de suas teses ao sindicalismo revolucionário
francês, estabelecendo os seguintes pontos fulcrais:
neutralidade sindical, federalismo, descentralização,
antimilitarismo, antinacionalismo, ação direta, greve geral, etc.
No texto final aprovado pelo Congresso, fica latente a
“capacidade e abrangência do programa que previa a
possibilidade de convivência de ‘opiniões política e religiosas’,
elegendo o campo econômico”24, como o de compreensão por
este ser de interesse comum (SAMIS, 2002, p. 135).
Os princípios de ação direta estão explícitos nas
resoluções do I Congresso Operário Brasileiro:
“Considerando que o proletariado
economicamente organizado, independente dos
partidos políticos, só pode, como tal, lançar
24 Esta concepção está Mikhail Bakunin. Ver: BAKUNIN, M. Catecismo
Revolucionário: Programa da Sociedade da Revolução Internacional. São
Paulo: Imaginário/Faísca, 2009.
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mão dos meios de ação que lhe são próprios;
(...)
o Congresso aconselha como meios de ação
das sociedade de resistência ou sindicatos todos
aqueles que dependem do exercício direto e
imediato da sua atividade, tais como a greve
geral ou parcial, a boicotagem, a sabotagem, o
label, as manifestações públicas, etc., variáveis
segundo as circunstâncias de lugar e de
momento” 25 (COB, 1906 in: PINHEIRO e
HALL, 1979, p. 51).
Outro elemento fundamental é a perspectiva de
“neutralidade” dos sindicatos em relação às vertentes políticas.
Os sindicatos não deveriam nem ser anarquistas, nem
meramente sindicalistas, estes deveriam ser de orientação
revolucionária. Para ficar mais claro, o jornal A Terra Livre de
1906 ressalta a diferença entre nível político e nível social. O
(...) Congresso não foi, de certo, uma vitória do
anarquismo. Não o devia ser. A Internacional,
desfeita por causa das lutas de partido no seu
seio, deve ser memorável lição para todos. Se o
Congresso tivesse tomado um caráter libertário,
teria feito obra de partido, não de classe. O
nosso fim não é constituir duplicatas dos
nossos grupos políticos. Mas se o Congresso se
não foi, a vitória do anarquismo, foi, porém,
indiretamente útil à difusão das nossas ideias
(RODRIGUES, 1969, p. 131).
Além da relação entre o sindicato e a perspectiva
política, os sindicatos, de acordo com as Resoluções do I
Congresso Operário Brasileiro, não deveriam ser “associações
controladas por mestres, com o fim de preservar antigos
25 “Resoluções do 1º Congresso Operário Brasileiro efetuado nos dias 15,
16, 17, 18, 19 e 20 de abril de 1906 na sede do Centro Gallego, à Rua da
constituição, 30 e 32, Rio de Janeiro, 1906 (IISG)” (PINHEIRO e HALL,
1979, p. 58).
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privilégios corporativos” (SIMÃO, 1966, p. 160). Estes
deveriam ser compostos por trabalhadores para lutar pelos
interesses dos trabalhadores, trazendo o lema da Associação
Internacional dos Trabalhadores (AIT) de 1864: “A
emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios
trabalhadores”.
Apesar das diferenças26 entre os três Congressos
Operários (1906, 1913 e 1920), que ressalvadas algumas
alterações relativas às especificidades do contexto histórico de
cada congresso, prevalecia o sindicalismo revolucionário
enquanto estratégia a ser utilizada através da ação direta, como
“método fundamental para a obtenção das transformações
sociais desejadas”
Maria Nazareth Ferreira nos fornece o conceito de
Imprensa Operária. Para a autora, podemos identificar a
imprensa operária produzida por operários, sob o ponto de
vista do emissor, do ponto de vista do receptor e do seu
conteúdo, no que tange às questões da classe social
(FERREIRA, 1988, p.5).
Porém, existem diversos outros elementos para
caracterizamos a imprensa operária, como por exemplo, as
produções de indivíduos não pertencentes àquela classe, mas
que expressa os interesses dessa classe. Quando falamos então
de imprensa operária, estamos dizendo de elementos internos
da classe e externos da classe, porém, não podem ser
desvinculadas do próprio movimento operário, pois ambos
estão relacionados através das lutas da classe trabalhadora. A
Imprensa Operária, no contexto dos fins do século XIX até a
segunda década dos mil e novecentos, constitui-se como “canal
dos problemas dos trabalhadores” e como centros de
propagação de concepções políticas.
26 Cf. SAMIS, A. Pavilhão negro sobre pátria oliva: sindicalismo e
anarquismo no Brasil. In: COLOMBO, Eduardo (orgs.). História do
Movimento Operário Revolucionário. São Paulo: Expressão e Arte &
Imaginário, 2004
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Em questões quantitativas, Ferreira (1978), aponta
que entre o “último quartel do século XIX até as duas
primeiras década do século atual (XX), apareceram
aproximadamente 343 títulos de jornais espalhados pelo
território brasileiro” (idem, ibidem, p. 14). Com considerável
quantidade, através do convencimento expresso pelos jornais, a
imprensa operária ancorada em centenas de periódicos, foi um
órgão fundamental para os sindicatos (ligas operárias, uniões
profissionais ou associações de resistência) na propagação de
seus ideais. Porém, a trajetória desses periódicos estava
condicionada às “dificuldades financeiras e diligencias
policiais” que “garantiam vida breve para a maioria desses
periódicos, ou temporárias interrupções na publicação dos mais
bem sucedidos” (DULLES, 1973, p. 23). De fato, alguns
periódicos não conseguiram encontrar certa regularidade na
sua distribuição, sendo que, alguns desapareciam e
reapareciam sob outros títulos e redatores (na maioria, os
redatores eram os mesmos, porém, sob diversas questões eles
utilizavam pseudônimos).
Nessa questão da Imprensa Operária, devemos notar
algo anterior que é o jornal. Este teve um papel fundamental,
pois criou o “hábito de leitura” e preparou “o terreno para o
surgimento da imprensa operária na virada do século” (idem,
p. 9). Sendo assim, o jornal é um resultado do conjunto de
informações, preocupações, propostas, produzidos pela
coletividade e para ela mesma (idem, p. 6).
Conforme Boris Fausto enuncia, o jornal “constitui
um dos principais centros organizatórios anarquistas e de
difusão da propaganda”. O jornal figura-se dentro do
movimento operário da Primeira República do Brasil como um
“veículo de expressão escrita, transforma-se também com
frequência em veículo oral, ao ser lido em voz alta aos
trabalhadores analfabetos” (1977, p. 91).
Outro conceito fundamental que trabalharemos aqui é
o de ação direta. Ancorado em Adonile Guimarães, Christina
Lopretato, Anton Pannekoek e José Oiticica, entendemos que a
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ação direta é crítica da sociedade burguesa proferida pelo
movimento operário revolucionário de bases eminentemente
libertárias que fornece uma “recusa à tática de representação
burguesa, de rejeição ao parlamentarismo” (LOPREATO,
2000, p. 46). Nesse sentido, a ação direta é “a ação dos
próprios trabalhadores sem a mediação da burocracia sindical”
(PANNEKOEK, 2011, p.119). Assim, ação direta pode ser
expressão através do campo da propaganda (no caso a
Imprensa Operária nos jornais e demais periódicos)
promovendo a ampliação da greve gerando assim a autonomia
como conduta de vida (idem, p. 120).
Para José Oiticica (anarquista brasileiro), a ação direta
tende
(...) a despertar a iniciativa, o espírito de
espontaneidade, a decisão, a coragem, ensinando
a massa popular a agir por conta própria, a unir-
se e viver em luta. Hoje, mais do que nunca, ação
direta, é o processo exato de rebelião proletária
(OITICICA, 1963, p. 47).
Complementando tal análise do conceito aqui
empregado, Lopreato afirma que a estratégia da ação direta
contrapõe-se ao parlamentarismo e a qualquer outra forma de
representação política, estabelecendo os vínculos de ações e
estratégias sem esperar forças externas de outras classes.
Torna-se a ação direta “a expressão da crença de que o
proletariado só se libertará quando confiar na influência de sua
própria ação, direta e autônoma, prescindindo de
intermediários no conflito capital/trabalho” (2000, p. 20).
Dentre o emaranhado de práticas e estratégias da ação
direta, encontra-se o boicote, a sabotagem, e a greve, sendo
que esta última, a estratégia exemplar da ação direta e é
considerada como “a mais rica em ensinamentos por que
explicita interesses contraditórios entre o patrão e o
empregado, rompe a harmonia existente entre eles e fazer
aparecer a luta de classes” (idem).
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Os anarquistas, no geral, sempre consideraram a
educação e o convencimento estrategicamente fundamentais.
Por isso se torna elementar definirmos educação libertária. Tal
definição foi embasada no anarquista russo Mikhail Bakunin
que em seus escritos irá fundamentar as críticas à educação
vigente propondo a Instrução Integral27, uma forma
educacional que tem por fim a supressão da sociedade
capitalista e só poderá se concretizar nessa “nova sociedade”.
Porém, educação libertária não é sinônimo de instrução
integral, já que este último só se concretizará na sociedade
anárquica, sendo que o primeiro, manifesta-se como forma de
luta para o rompimento com essa sociedade. Por isso, para uma
maior precisão utilizaremos educação libertária e pedagogia
libertária e não o conceito desenvolvido por Bakunin28.
A educação libertária tem por objetivo buscar os
meios para
Criar uma pedagogia e um ensino que
revelarão à criança (e ao adulto) os malefícios
de todo poder abusivo e de toda injustiça
social, de onde quer que esse dois provenham;
das religiões às democracias utilizadas como
meios sibilinos de coerção moral e física sobre
o próprio indivíduo (SAFÓN, 2003, p. 11).
Ainda,
27 Assim, na sua definição a instrução é integral “(...) quando prepara os
homens tanto para a vida do espírito como do trabalho, a fim de que todos
se possam tornar pessoas completas”. (BAKUNIN, 1979, p. 43). Nesse
âmago, a instrução integral só pode ser consolidada na abolição da divisão
entre trabalho intelectual e trabalho manual, portanto, em uma sociedade
sem classes sociais.
28 Em Bakunin, temos a noção de emancipação pela prática, ou seja, a
transformação social só se concretizará na realização prática dos oprimidos,
constituindo formas de atuação libertária nessa sociedade para seu
rompimento.
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Reconhecer obrigações à pessoa humana, certo,
mas não imposições que a desnaturem, e, por
conseqüência, fazer aparecer no indivíduo o ser
humano que traz em si. Ativar o senso humano
ao ponto que ninguém possa mais aceitar a
opressão e a iniqüidade como norma de vida e
possa, ao contrário, rejeitá-las pela revolta
(idem, p. 11- 12).
Nesse sentido, dialogaremos também (de forma
secundária) com o conceito de educação exposto por
Gonçalves & Nascimento (2008). Para as autoras, a imprensa
operária fazia opções de divulgar as perspectivas educacionais
que melhor representassem seus princípios, seus pressupostos
teóricos e que, portanto, articulassem a ideia de “educação e
revolução anarquista”. Assim, “preocupados com a formação
do homem anarquista, dedicaram escritos e estudos ao tema da
educação. A educação era fundamental nos planos anarquistas
(...)” (GONÇAVES; NASCIMENTO, 2008, p. 360), pois,
os libertários eram conhecedores da
importância de se educar o militante. Para eles
era necessário instruir o trabalhador, dar-lhe
cultura e conhecimento, pois um povo sem
instrução engoliria as “pílulas amargas” da
imprensa, da ideologia e do discurso burguês
(idem, p. 361).
Porém, queremos ir mais longe: identificar a ação
pedagógica que pressupõe uma ampliação em relação à
educação em si. Por isso, Vancanti (2010) também nos fornece
elementos para essa questã. De acordo com ele, a imprensa
operária foi um órgão muito importante para a divulgação da
educação libertária. Ele diz: “Os jornais foram muito utilizados
pelos intelectuais socialistas/anarquistas para propagar suas
ideias, informações;” ou seja, “aquilo que chamavam de
conscientização se mesclava, nas páginas dos periódicos, com
as notícias de acontecimentos sociais” (VALCANTI, 2010, p.
3). É nesse sentido que cabe nosso conceito de educação
........................
- 51 -
libertária, enquanto uma ferramenta de conscientização das
condições de classe, que fora utilizada como instrumento de
propagação das ideias libertárias. Nesse sentido, a imprensa
“(...) era o grande veículo de difusão da propaganda militante,
constituindo-se como a expressão mais visível da cultura
operária na República Velha” (GARZIA, 2011, p. 54). Mas
além disso, apresentaremos uma concepção estática mais
ampla das imagens além de sua proposição formal (ver
capítulo 3).
Ressalta Valcanti que as imagens publicadas pelo
jornal também serviram de instrumentos de conscientização
dos trabalhadores, pois “a propaganda anarquista foi
importante para os objetivos deste grupo que, usando de uma
retórica clara e coerente buscava reunir os trabalhadores dentro
de um ideal comum (...), a imagem se apresentou como um
importante instrumento de divulgação e agregação de um
discurso específico” (VALCANTI, 2010, p. 12).
Para uma maior precisão do uso do conceito de
educação, Gonçalves (2004), nos dá um importante marco ao
utilizar que A Plebe foi um instrumento de educação informal
por excelência. Mas além disso, o jornal foi um instrumento de
ação política e pedagógica. Em que pese o conceito do autor,
ele explica que o jornal
procurava-se instruir os trabalhadores para uma
compreensão efetiva do que realmente seria
uma sociedade organizada nos moldes
anarquistas. Então os editores passaram a
inserir no jornal textos que informavam o
trabalhador sobre as características da
sociedade pós-revolucionária; a condição da
família anarquista; as habitações populares em
um regime anarquista e sobre outros temas
referentes a esta sociedade por eles idealizada
(GONÇALVES, 2004, p. 11).
Assim, os editores e escritores desse periódico,
tinham a crença de que o jornal e o livro poderiam alongar as
........................
- 52 -
“relações dos livros indicados para leitura nos grupos de
estudos sociais, nas bibliotecas das associações de bairros e
sindicais” (idem, p. 15).
Vale ressaltar que mais do que informar os principais
conceitos, fontes bibliográficas e os periódicos, devemos nos
atentar para uma análise minuciosa destas fontes. É pensando
historicamente que irei recorrer a essas fontes para construir a
pesquisa que proponho.
O próximo passo nosso será o de reconstruir os fatos
que marcaram o contexto do proletariado paulista anterior à
Semana Trágica (Lopreato, 2000), apresentando a necessidade
das organizações operárias para o contexto.
........................
- 53 -
CAPÍTULO II - Contexto do proletariado brasileiro na
Primeira República
Ela se desencadeia contra a causa dos males ou
a ataca de modo indireto, ela é consciente e
instintiva, humana ou brutal, generosa ou muito
egoísta, mas de qualquer modo, é a cada dia
maior e se amplia incessantemente.
(Um Pouco de Teoria, Errico Malatesta, 1892).
2.1. Imigração, formação do operariado e condições de
trabalho
De acordo com o sociólogo Azis Simão, nos fins do
século XIX na cidade de São Paulo começa-se a “destacar as
silhuetas do patrão e do trabalhador assalariado” (SIMÃO,
1966, p. 9) onde as relações entre a sociedade anterior, que se
baseava nas relações escravocratas dava lugar à sociedade
fundamentada nas relações de assalariamento. Nesse contexto,
emerge-se um emaranhado de indústrias que darão sentido para
a afirmação de um proletariado urbano que crescerá demasiado
formando uma classe operária.
Essas novas relações em emersão estão em conexão
com outro elemento fundamental para esse crescimento do
corpo de mão de obra industrial: a imigração. Conforme
salientamos na Introdução, a leva de imigrantes
especificamente italianos29 irá formar uma mão de obra
considerável nos fins do século XIX e início do século XX.
29 Um aspecto importante da imigração italiana e do movimento libertário
será a formação da Colônia Cecília no município de Palmeira no Paraná.
Esse movimento engendrou-se quando um “grupo de anarquistas deixou a
Itália, em fevereiro de 1890, para tomar posse de terras que havia recebido
do governo brasileiro, segundo sua política de estímulo à imigração. No
primeiro ano a experiência foi bem-sucedida, e na primavera de 1891 havia
cerca de duzentas pessoas vivendo e trabalhando na colônia”
(WOODCOCK, 2006, p. 170). Para mais, ver WOODCOCK, G. História
das idéias e movimentos anarquistas- v.2: O movimento. Porto Alegre:
L&PM: 2006.
........................
- 54 -
Já na década de 50 do século XIX, em meio a
“intensos debates sobre a utilização de imigrantes europeus
para o povoamento de áreas devolutas ou para substituição da
mão-de-obra africana escrava” o governo brasileiro, após uma
revolta na fazenda do latifundiário Nicolau de Campos
Vergueiro devido ao uso do “Regime de Parceira”, irá
intensificar o apoio à imigração (SAMIS, 2002, p. 130). Nesse
período foi registrada a entrada de cerca de 117 000 indivíduos
que entraram no Brasil nos anos 1950 e na próxima, cerca de
527 000.
Em um estudo sobre a imigração para o Brasil,
Petrone (1990) aponta a intensidade que o Estado brasileiro
atuava nesse processo potencializando com recursos do Estado
a vinda de imigrantes. De acordo com a autora, esse fenômeno
“faz parte de uma realidade bem mais ampla e complexa, onde
as oportunidades de sucesso nas áreas novas, as forças de
atração, portanto, e as de repulsão, ou seja, a pobreza, as
dificuldades para sobreviver e a superpopulação nos países de
origem, constituem apenas algumas das condicionantes”
(PETRONE, 1990, p. 95). No entanto, a década de 1890 é mais
favorável para entender as principais determinantes da
imigração. Contribuiu para o seu desenvolvimento, o
crescimento da lavoura cafeeira, o regime de governo que
mudara em 1889, abolição da escravidão, crise econômica na
Itália e nos Estados Unidos, a política de Estado
impulsionando a imigração, entre outros fatores (PETRONE,
1990, p. 101).
Além dessa relação da entrada de imigrantes, é salutar
ressaltar que o processo de êxodo rural que ocorre
principalmente em São Paulo, se dá na conjuntura de 1898 até
1907, onde destaca-se a crise cafeeira e a consecutiva
diminuição de plantio e da pressão da mão de obra rural. Nesse
ínterim, o núcleo urbano crescerá, alimentando a indústria
paulistana por conta de uma recuperação econômica entre os
........................
- 55 -
anos de 1905 – 1913 com um surto industrial (PINHEIRO,
1990, p.155).
De 1890 a 1929 entraram ao todo no Brasil
(...), 3 523 591 imigrantes, sendo que na
primeira década do período em apreço vieram 1
205 703; na década de 1900, aliás a menos
significativa quanto à imigração, a cifra baixou
para 649 898. Durante a década em que houve
a Primeira Guerra Mundial chegaram 821 522
imigrantes, para na seguinte se registrarem 846
522. O ano em que mais imigrantes se
registraram em toda a História do Brasil é
1891: 216 110 (...) (PETRONE, 1990, p. 100).
Especificamente o Estado de São Paulo recebeu entre
1889 e 1930, 2 022 654 imigrantes, correspondendo a “57,7%
do total do Brasil” (PETRONE, 1990, p. 103). Nessa base
quantitativa ainda destaca a predominância de italianos com
cerca de um terço desse total do estado paulistano. Pinheiro
(1990, p. 139) ressalta, por exemplo, que no ano de 1900,
“92% dos operários industriais no Estado de São Paulo eram
estrangeiros e 81% eram italianos”. Essa eminência de
superioridade numérica de italianos ressoou na forma e nas
diretrizes assumidas pelo movimento operário organizado no
Brasil. Ao destacar isso, o autor acima referido,
Apresentando os dados quantitativos específicos da
imigração em São Paulo, Simão (1966, p. 26 – 27) aponta que,
segundo os censos de 1890, 1900, 1920 e 1940,
o número de habitantes do Estado foi,
sucessivamente, de 1.384.753, 2.279.608,
4.592.188 e 7.180.316. Registrou-se um
aumento de 64,8% na década de 1890, que se
elevou a mais de 100% no primeiro vintênio
deste século, caindo para 56,4% no seguinte.
Tal crescimento demográfico deveu-se, em
grande parte, às contínuas levas de imigrantes,
que, inicialmente pequenas, avolumaram-se
depois de 1886, quando o governo provincial
passou a custear inteiramente o transporte de
........................
- 56 -
colonos europeus para o serviço da
cafeicultura. (...) A quantidade de entrados, em
1887 e 1900, foi de 909.417, contribuindo com
uma taxa de 86% para o aumento do número de
habitantes então verificado. No período de
1901 a 1920, mais de 823.642 estrangeiros
entraram com a quota de 38,5% no crescimento
de uma população já aumentada com os
entrados anteriormente e o número ignorado de
seus descendentes (SIMÃO, 1966, p. 26 - 27).
A migração campo-cidade, sobretudo para a cidade de
São Paulo, também teve uma forte conotação devido às “fases
de depressão do setor cafeeiro e as dificuldade de acesso à
propriedade da terra” (FAUSTO, 1977, p. 24).
Para Luigi Biondi, os anos de 1916 e 1917 são
importantes para entender como a imigração italiana teve uma
emersão considerada. Para ele, dois fatores são essenciais: a) a
inserção definitiva na economia do trabalho urbano industrial
ou artesanal; b) a fixação no território por conta dessa inserção
e pela “impossibilidade de voltar à Itália devido à guerra e à
crise econômica que a precedeu” (BIONDI, 2009, p. 274). E
como forma de luta contra essa realidade complexa e
dificultosa, a principal arma do proletariado foi a greve. Essas
greves eram “esparsas até fins do séc. XIX” mas cresceram
demasiado nas primeiras décadas do século passado
(SEGATTO, 1987, p. 61),
Mas, o desenvolvimento industrial no Brasil não fora
linear e evolutivo. Teve suas fases de ascensão e queda. A
produção, no primeiro momento, se restringia especificamente
a produzir bens de consumo não duráveis, ou seja, tecidos,
alimentos, etc. e concentrava-se principalmente nas cidades de
São Paulo e no Rio de Janeiro. Assim, começava-se a formar
um contingente populacional operário urbano que, juntamente
com esse crescimento populacional ocorrido principalmente
pela imigração italiana, espanhola e portuguesa, tornará a base
principal do incipiente movimento operário dos fins dos anos
mil e novecentos e que se fortalecerá e terá o seu auge em
........................
- 57 -
1917 na greve geral de julho. Nesse sentido, as grandes
migrações transoceânicas dos séculos XIX e XX constituem
um aspecto do movimento demográfico advindo da Europa que
potencializou a urbanização e a industrialização de São Paulo
(PETRONE, 1990, p. 95) (SEGATTO, 1987, p. 14). Essa
relevância está intrínseca na forma, na composição e nas
motivações do movimento operário brasileiro, já que foi na
greve geral de julho de 1917 que ocorre a fixação e
participação efetiva dos italianos na constituição de uma classe
operária e de seus movimentos organizativos. Assim pensando,
a “presença de um proletariado de origem italiana deve ter
refletido no movimento as tensões que caracterizavam
internamente a comunidade ítalo-paulistana” já que os ecos e
reflexos da Guerra Mundial estavam se intensificando na Itália
(BIONDI, 2009, p. 272).
Assim, a maioria dos trabalhadores aqui instalados
estavam submetidos a longas jornadas de trabalho, “que nos
primeiros anos do século XX atingiram 14 horas no Distrito
Federal e 16 horas em São Paulo -, com poucas possibilidades
de descanso e lazer” (BATALHA, 2000, p. 11).
Ainda de acordo com ele os
(...) trabalhadores moravam em habitações
precárias, como os cortiços; na periferia dos
centros urbanos, padecendo problemas de
transporte e de infra-estrutura; ou, ainda,
submetidos ao controle patronal, caso das vilas
operárias das empresas. No caso de doença,
invalidez ou desemprego, o trabalhador que
não contasse com um fundo beneficente da
empresa, ou que não contribuísse por sua
própria iniciativa para alguma forma de
sociedade que fornecesse auxílios, via-se
inteiramente desassistido e tinha sua
sobrevivência ameaçada em virtude da
completa ausência de políticas sociais
(BATALHA, 2000, p. 11).
........................
- 58 -
As condições dos trabalhadores eram tão adversas,
que Oreste Ristori, anarquista italiano, irá relatar no periódico
La Battaglia no ano de 1911 que as condições de trabalho no
Brasil eram terríveis e a “vida horrorosa”. Em suas palavras:
“O trabalhador dos campos, trabalha aqui quatorze e quinze
horas e vive em imundas pocilgas de barro” (RISTORI apud
RODRIGUES, 1969, p. 306).
No regime de trabalho cotidiano na fábrica era exigida
do trabalhador uma disciplina do trabalho fundamentada na
assiduidade e pontualidade, “como também um ritmo intensivo
de produção, não se consentindo interrupção individual da
atividade senão com licença superior” (SIMÃO, 1966, p. 72).
As condições de manutenção e de reprodução da vida material
ao operariado não eram favoráveis. Ressalta Segatto (1987, p.
23) que a “disciplina e a coerção no interior das fábricas eram
bastante rigorosas, visando a garantia do máximo rendimento
da mão-de-obra”.
Essas condições desfavoráveis à classe operária foram
fundamentais para o surgimento das primeiras organizações de
resistência. Devemos ressaltar, conforme Alexandre Samis30
que desde a década de 30 do século XIX existiam organizações
de trabalhadores urbanos, porém, limitadas ás perspectivas de
socorros mútuos e de cooperação. Porém, é a partir dos fins
desde século que começará a surgir na cidade de São Paulo as
organizações de resistência, chamados por vezes de sindicatos,
ligas, núcleos, etc., que foram contrários às “difíceis condições
de vida e de trabalho” (SEGATTO, 1987, p. 26).
2.2. Sociedades de resistência, sindicatos e imprensa
operária
Antes mesmo da constituição de grandes organizações
de trabalhadores, já existia algumas associações ainda na
primeira metade do século XIX.31 As organizações de
30 2002, p. 132. 31 Citando essas organizações, Segatto (1987, p. 35), diz: “(...) Sociedade
de Oficiais e empregados da Marinha, fundada em 1833; a Sociedade
........................
- 59 -
trabalhadores na cidade de São Paulo foram, de acordo com
Cláudio Batalha (2000, p. 16), divididas em três tipos: a)
associações pluriprofissionais, reunindo operários de diferentes
setores de trabalho; b) associações por ofícios, que congregava
os trabalhadores por ofícios; e c) sindicatos por empresas, que
organizava os trabalhadores de determinada indústria. Assim,
essas organizações citadinas foram elementares para a
construção dos posteriores sindicatos de resistência.
Essas novas organizações surgiram com as
denominações mais diversas: associação,
centro, grêmio, liga, sociedade, união e, até
mesmo, sindicato. Com frequência, na
denominação havia a qualificação “de
resistência”, para enfatizar sua diferença com
relação às sociedades mutualistas, consideradas
“beneficentes” (BATALHA, 2000, p. 15).
Esses tipos de organizações sindicais irão substituir as
formas de organizações mutualistas que apontamos
anteriormente. Assim, nos triênio 1903-1905 cresceram as
ligas de resistência em São Paulo. Em novembro de 1905,
essas associações se reuniram em torno da Federação Operária
de São Paulo (FOSP) criada em 26 de agosto de 1917
(LOPREATO, 2000, p. 19). Essa federação irá surgir “(...)
reunindo em sua fundação a União dos Chapeleiros, a Liga dos
Trabalhadores em Madeira, a Liga dos Pedreiros e a União
Internacional dos Sapateiros” (FAUSTO, 1977, p. 120).
Porém, as organizações de trabalhadores em São
Paulo eram incipientes se comparadas com as do Rio de
Janeiro. Nesse sentido, o salto qualitativo de forma
organizacional será dado quando, em abril de 1906, a
Federação Operária Regional Brasileira organizará o Primeiro
Congresso Operário Brasileiro. Assim, o Primeiro Congresso
Operário, realizado entre os dias 15 e 22 de abril de 1906 deu
Mecânica Aperfeiçoadora das Artes e Beneficente, em 1936; e a sociedade
de Auxílio Mútuo dos empregados da Alfândega, em 1838”.
........................
- 60 -
um passo significativo para a organização do sindicalismo
revolucionário no Brasil fruto do “ascenso do movimento
operário revolucionário” (SAMIS, 2004, p. 135). Porém, essa
não foi a primeira organização de trabalhadores no Rio de
Janeiro e no Brasil. Conforme Oscar Farinha Neto aponta, após
as greves de 1903 na capital federal surge uma necessidade de
criação de um órgão que “coordenasse o movimento das
diversas classes trabalhadoras” no Rio de Janeiro (NETO,
2007, p. 21). E dessa necessidade irá surgir, neste mesmo ano,
a Federação das Associações de Classe, cujo modelo de
organização era inspirado no sindicalismo na versão de Émile
Pouget, então secretário-geral da CGT francesa.
Com as influências da FORA (Federação Operária
Regional Argentina) – de bases anarcossindicalistas – a
federação passa-se a chamar Federação Operária Regional
Brasileira, com forte influência anarquista e que terá a
possibilidade de uma reunião geral (Congresso) no ano de
1906.
Esse Congresso, chamado primeiramente de
Congresso Operário Regional Brasileiro32, contou com a
participação de 43 delegados de vários estados do Brasil
representando as 28 associações de trabalhadores. Em
deliberação, aprovou-se a filiação (muito mais uma
continuação) das teses do congresso ao modelo do
sindicalismo revolucionário francês33.
Do Congresso que surgirá a COB (oficialmente em
1908) está próximo aos moldes do anarco-sindicalismo da
FTRE (Federación de Trabajadores de la Región Española)
fundada em 1881 advinda da FRE (Federación Regional
32 De acordo com Samis (2004, p. 135), foi a comissão de redação das
deliberações finais do congresso que deu o nome do encontro de Primeiro
Congresso Operário Brasileiro, já que se tratava de um Congresso nacional
e não regional. 33 De acordo com Pinheiro e Hall (1979, p. 41): “o Congresso de 1906
mostra a clara influência do sindicalismo revolucionário: há mesmo uma
menção ao operariado francês como ‘o modelo de atividade e iniciativa ao
trabalhador brasileiro’”.
........................
- 61 -
Española) de 1870 (CORRÊA, 2012, p. 218). Nesse congresso
foi deliberado que não ocorreria nenhuma vinculação a
partidos (ou a um modelo ou diretriz proletária), sendo que o
congresso via “como ’única base sólida de acordo e de ação’
os interesses econômicos comuns a toda classe operária”
(DULLES, 1977, p. 27). É compreendendo a realidade operária
como uma interpretação do passado que a COB reafirmaria
suas bases sem uma doutrina política única a ser seguida.
Porém, há de ressaltar que os militantes anarquistas não eram a
maioria, mas apesar disso, tinham a hegemonia do pensamento
no interior do Congresso. De fato, isso não nos autoriza a dizer
que o Primeiro Congresso Operário defendeu o anarco-
sindicalismo ou o anarquismo. O Primeiro Congresso assumirá
o sindicalismo revolucionário e não, o anarco-sindicalismo
(CORRÊA, 2011, p. 135).
Como afirmamos a organização do Primeiro
Congresso que criará em 1908 a COB, vai dar um salto
qualitativo nas organizações sociais de cunho sindicalistas.
Nesse período se intensificará na capital federal e na cidade de
São Paulo o debate em torno das oito horas34, que figurou
como uma bandeira de luta e esteve presente nas
reivindicações dos trabalhadores durante boa parte da Primeira
República. É nesse contexto que a FOSP será inserida.
Utilizando como estratégia de luta a greve geral, assumirá toda
a luta econômica articulada com a propulsão revolucionária.
Por exemplo, nas comemorações do Primeiro de Maio de
1907, “a FOSP conclamou o operariado paulista a iniciar o
movimento (grevista)35” (LOPREATO, 2000, p. 22).
34 Ver LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. Marília: UNESP, 1999.
Além de Lafargue, o trabalho de Josué Pereira da Silva é elementar para
compreender como historicamente surgiu o debate da divisão tripartida do
tempo, dividindo as 24 horas diárias entre o lazer, o trabalho e o sono. Para
tal, ver SILVA (1996), op. cit. 35 Devido a forte repressão estatal em 14 de maio de 1907, a FOSP foi
fechada e alguns de seus membros acabaram presos (LOPREATO, 2000, p.
23).
........................
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A greve era entendida, como foi justificada por Paulo
Sérgio Pinheiro (1990, p. 150), como um exercício
revolucionário, que deveria culminar na “greve geral
revolucionária” onde a “ação direta era a sua estratégia básica”
rechaçando “qualquer cooperação com a política eleitoral ou
parlamentar”. Contribuiu fortemente para a ascensão de vários
movimentos grevistas a carestia de vida durante o período da
Primeira Guerra Mundial. Pinheiro (1990, p. 147), destaca que
no contexto da Guerra Mundial acontecerá um aumento do
custo vida advindo principalmente pelo aumento dos preços
dos gêneros de consumo importados além do aumento dos
produtos internos provocados pelo reflexo do aumento da
“demanda externa”. Assim, “os produtos exclusivos de
consumo interno tenderam a substituir os de importação, o que
afetou seu nível de preços”. Nesse processo, entre 1914 – 1918
por conta da crise “as construções param, as fábricas reduzem
a produção e, em muitos casos, cessam suas atividades.
Aumenta o desemprego” (PINHEIRO, 1990, p. 155). Assim,
nesse período emergiram diversos movimentos grevistas que
darão o tom do movimento operário da Primeira República.
Nesse processo de constituição de uma unidade de
luta do proletariado paulistano, a imprensa de origem operária
exercerá um papel fundamental ao propagar, comunicar e
relacionar os trabalhadores em prol de suas conquistas. Nesse
sentido, para auxiliar no convencimento dos trabalhadores
existia a Imprensa Operária, órgão que tinha um intuito de ser
o “veículo de comunicação da classe trabalhadora”36, onde o
seu conteúdo “é resultado do conjunto de informações,
36 É importante salientar que neste período a imprensa de cunho anarquista
também cresceu demasiado, publicando centenas de periódicos dentre os
quais destaca-se: O Amigo do Povo (1902 criado por Neno Vasco), La
Barricata (editado por Gigi Damiani e Adolfo Felipe), O Libertário (que
surgiu em 1904 e foi editado por Neno Vasco, Manuel Moscoso e Everardo
Dias), La Battaglia (criado em 1904 dos editores Gigi Damiani e Oresti
Ristori), O Despertar (1904 em Curitiba), A Terra Livre (no ano de 1905
por Neno Vasco), A Lucta Operaria (publicada pela Federação Operária de
São Paulo), etc.
........................
- 63 -
preocupações, propostas etc. produzido pela coletividade e
para ela mesma” (FERREIRA, 1988, p. 6). O jornal que visava
o público trabalhador fora um “(...) produto cultural particular
capaz de formar uma comunidade de leitores ouvintes que
alimentavam-se das ideias e debates surgidos naqueles
círculos” sendo que provavelmente acabavam “alterando as
formas de relacionamento que provocavam a distribuição de
pensamentos novos” (GIGLIO, 1995, p. 52).
Nesse sentido, um claro exemplo de imprensa como
veículo de propagação de interesses operários era o jornal A
Voz do Trabalhador37 que logo nas resoluções do Primeiro
Congresso já apareceria como veículo de propaganda da COB
e que circularia com esse intento de 1908 a 1915. Nesse âmago
chamado de Imprensa Operária (folhetins, panfletos, revistas,
etc.) destaca-se o jornal: um instrumento de informação,
conscientização e de mobilização da classe (idem).
Assim, nos limitaremos a observar como se deu o
surgimento do periódico A Plebe. Para tanto, devemos retornar
ao periódico A Lanterna que paralisou em 1916 e que fora
coordenado por Edgar Leuenroth, criador do outro periódico
que estudaremos de forma mais detida nesse trabalho.
2.3. De A Lanterna à A Plebe
O periódico A Lanterna foi fundado em 7 de março de
1901 por Benjamin Motta (advogado maçom) e devido à
constância de problemas econômicos, fechamentos por parte
do Estado, repressão policial, etc. passou por algumas fases,
sendo a primeira, de 1901 a 1902, retomando em 1903 e
continuando até 1904 de caráter anticlerical sob a direção de
Benjamin Motta. Nesse período, de acordo com Rodrigues
(1997, s/p) publicou-se 60 números.
37 Para maior aprofundamento sobre esse periódico, cf. Giglio (1995) e
Peres (2004) op. cit.
........................
- 64 -
Na primeira fase, A Lanterna efetuava uma
contundente afirmação das pautas anticlericais
e defendia as ideias de progresso, civilização,
valorização do trabalho produtivo e da
liberdade. Tratava-se de um compromisso com
as causas da modernidade e do progresso, tanto
espiritual (do indivíduo), quanto material e
moral (da sociedade). Preconizava-se a
instrução laica e integral, baseada no
racionalismo, na experimentação, na co-
educação e nas ciências, assim como princípios
morais cívicos, quase evangélicos, sustentados
na fraternidade humana, no altruísmo, na
tolerância, na solidariedade, no apoio e respeito
mútuos (PERES, 2005, p. 2-3).
Na sua segunda fase, entre os anos de 1909 a 1916 (17
de outubro de 1909 a 19 de novembro de 1916), teve uma
mudança na orientação do jornal, que passa a ser de caráter
anticlerical e uma conotação claramente anarquista sob a
direção de Edgard Leuenroth. Nesse ínterim, contou com a
publicação de 293 números com o subtítulo de Folha anti-
clerical e de combate, assumindo uma postura eminentemente
libertária.
Na segunda fase de publicação, A Lanterna
conservou a maior parte do ideário da primeira
fase, ao mesmo tempo em que destacava a
questão social e acrescentava elementos anti-
religiosos em sua agenda anticlerical. Este
posicionamento provocou o afastamento dos
aliados da primeira fase que não abriam mão da
visão religiosa: parte dos maçons, os espíritas e
os protestantes. Se a aliança com a outra parte
dos maçons foi preservada, o grupo editor
reforçava a aproximação tanto com os
agrupamentos libertários quanto com os
trabalhadores e suas associações de classe.
Neste movimento, os anarquistas e seus aliados
atuavam, para além do jornal anticlerical,
através de iniciativas e ações culturais, em
grupos de afinidade e centros de convivialidade
........................
- 65 -
tipicamente modernos: centros de estudos
sociais, teatros, círculos de leitura, escolas e
universidades populares. Nestes “lugares de
encontro” (ou melhor, lugares de
aproximação), a relação entre os atores sociais
articulava-se cada vez mais em torno das já
citadas questões sociais. Simultaneamente,
Estado e Igreja puseram-se a campo para
disputar corações e mentes no conjunto da
sociedade, em particular entre os trabalhadores
(PERES, 2005, p.3).
Na sua última fase, com os esforços de Leuenroth, o
periódico é publicado semanalmente dentre julho de 1933 a
fevereiro de 1934. Porém, de fevereiro de 1934 a janeiro de
1935 terá de uma publicação a outra um espaço de tempo mais
longínquo, ou seja, quinzenalmente.
Em todas as suas fases, o periódico contou com
ilustrações, charges e fotos. Em suas páginas é comum
encontrar textos assinados por seus editores, porém, devido ao
perigo de represálias, os colaboradores do periódico só
assinavam seus textos com iniciais e/ou pseudônimos38. Tem-
se no periódico uma infinidade de colunas diferentes. Artigos
críticos, charges, poemas, notícias de caráter mundial.
Não era interesse do jornal questionar tão
somente o papel da Igreja como veículo de
crenças e dogmas, mas também como um
sistema a serviço do poder político e
econômico. Defendia projetos de constituição
de uma sociedade laica. Adepto de um
38 Por exemplo, Adelino de Pinho publicou no número nº138 de A
Lanterna, datado de 11 maio de 1912, o artigo A Invasão Negra utilizando-
se do pseudônimo Pinho de Riga. Destaca-se nesse texto suas ásperas
palavras quando afirma que “os padres e jesuítas de casaca, com suas
escolas, seus liceus de artes e ofícios, suas irmandades, suas lojas e toda a
espécie de associações religiosas, têm uma fábrica irregular para o
ministramento da estupidez e da cegueira moral e intelectual. Daí o apoio e
a adesão de todos os que têm empenho em manter este miserável estado
social, a todas as empresas de caratês religioso”.
........................
- 66 -
jornalismo libertário, denunciador de opressões
e privilégios da Igreja Católica, considerava-se
apartidário, colocando-se unicamente a serviço
da emancipação social e política dos menos
favorecidos, em defesa do movimento operário
e, a partir do final do ano de 1933, critica e
opõe-se aos integralistas, denunciando a união
destes com a Igreja (CATÁLOGO DE
PERIÓDICOS, UNESP).
Nesse sentido, A Lanterna tinha “seu foco e visão
anárquica” e este “concentrava-se na influência da Igreja
Católica no Estado e na sociedade. Foi principalmente, mas
não somente, um porta voz das ligas anti-clericais que haviam
por todo o país” (PINTO, 2010, p. 597)39.
De acordo com Boris Fausto, o periódico A Lanterna
era o “veículo mais consistente do anticlericalismo anarquista”
(FAUSTO, 1977, p. 83) onde se inseriu como mais um “dos
principais centros organizatórios anarquistas e de difusão de
propaganda” (idem, p. 91). Porém, os esforços pessoais de
Edgard Leuenroth e de seus amigos e colaboradores do jornal
não foram suficientes para mantê-lo circulando.
39 Devemos fazer algumas ressalvas. Essa eminência anticlerical nada mais
é do que um reflexo do cientificismo que está presentes nos meios
anarquistas. Por exemplo, em Kropotkin (anarquista russo), encontramos a
seguinte citação que nos remete a refletir sobre as influências do
positivismo no anarquismo. Diz o anarquista russo: “Para nós, a natureza é
um todo do qual o homem e a sociedade fazem parte... Nosso método é o
das ciências naturais exatas... de forma a englobar toda a natureza e todos
os efeitos de ordem social em um a mesma unidade de idéias sem, no
entanto, cair nos mesmos excessos de Augusto Comte e de Herbert Spencer
em suas tentativas do mesmo gênero.... A anarquia ... possui sua base
filosófica na compreensão materialista , mecânica da Natureza, na qual o
homem, sua vida psíquica e sua vida societária são compreendidos como
fatos da história natural?” (KROPOTKIN apud SEIXAS, 1995, p.142-
143). Para mais, ver o conceito de evolução em Élisée Reclus (MATEUS,
2002, p. 69 – 93.
........................
- 67 -
“Militante engajado no movimento operário brasileiro” (LOPREATO, GONÇALVES, 2011, p. 3) Edgard Leuenroth participará ativamente do movimento grevista do ano de 1917. No ano anterior à greve, ao lado de notados militantes anarquistas Edgard Leuenroth auxiliou a refundar o Centro Libertário de São Paulo que passou a ser um local de encontro, discussões e elaborações de propostas e ações da prática anarquista (LOPREATO, 2000, p. 71). A refundação do Centro Libertário viria para “despertar nos trabalhadores a vontade de lutar por uma vida com dignidade” (idem, p. 73) e nesse processo, Luigi Damiani40 exerceu um papel fundamental.
Imagem 1 - Painel do periódico. Nele se destaca, além do seu nome, o número de assinaturas, a localidade, o seu redator, sua numeração cronológica, a periodicidade de publicação e regras
40 Luigi Damiani (1876 – 1953), ou como era mais conhecido, Gigi
Damiani foi um italiano anarquista que no Brasil “foi redator do jornal
anarco-comunista Guerra Sociale. Com sua habilidade de escrevinhador,
Damiani marcou presença na difusão de idéias anarquistas entre o
operariado paulistano, incitando-o a romper as amarras que o prendiam a
uma vida de miserabilidade. Seus escritos sobre o que costumava chamar
de ‘costrutto’ teórico do anarquismo, isto é, a moral anárquica, serviram de
contraponto às idéias de caráter mais reformista nos sindicalistas”
(LOPREATO, 2000, p. 73). Gigi Damiani e o também italiano, Oresti
Ristori, foram considerados por Edgar Rodrigues (1984, p. 128) como uma
equipe anarquista de muito mérito. Gigi ainda dirigiu o jornal O Despertar;
em Curitiba colaborou com o periódico libertário Il Lavotero de 1893;
participou do Comitê de Defesa Proletária ao lado do já citado Leuenroth,
além de, Rodolfo Felipe, Francisco Cianci, Florentino de Carvalho, Antonio
D. Candeias, etc. Foi expulso do Brasil no ano de 1919. Para mais
informações ver: Biondi (1998), op. cit.
........................
- 68 -
para publicação de propagandas comerciais. A Plebe, nº 4, 30 de junho.
Assim, com os acontecimentos que ascendiam por
conta das constantes greves, Edgard Leuenroth organiza um
jornal com maior amplitude temática libertária, saindo das
críticas ao clero e aprofundando em temáticas de caráter mais
emergencial: denunciar as mazelas que o capitalismo produzia
aos trabalhadores incitando-os a organizar-se. Assim, em 9 de
junho chega às ruas o primeiro número do jornal A Plebe, que
será reconhecido como “(...) o mais importante veículo de
divulgação em língua portuguesa das ideias anarquistas entre
os trabalhadores paulistanos” (LOPREATO, 2000, p. 35).
Para seu redator,
(...) como reflexo vivo dessa convulsão
apocalyptica [das greves e do Ascenso do
movimento operário] que surge A Plebe, filha
dos ardentes anseios de uma pleiade de moços
combatentes da phalange libertaria (A PLEBE,
n°1, p. 1, 09 de junho) [observação e grifo
nosso].
De forma geral, o jornal teve uma influência
significativa no movimento operário já que “(...) todas as
tendências dentro do movimento utilizaram o jornal como
portador de suas propostas, como veículo de suas resistências e
como proposta de educação dos trabalhadores” (KHOURY,
1981, p. 15).
Mais um jornal às ruas e com sua orientação política
explícita: o anarquismo.
2.4. Edgard Leuenroth: breve biografia de militante
anarquista
........................
- 69 -
Imagem 2 - Foto de Edgard Leuenroth publicada em A Plebe, nº 15,
30 de setembro de 1917. Na descrição da imagem lê-se: “EDGARD
LEUENROTH, director d’<A Plebe>, preso como autor <psychico
e intellectual> do assalto ao Moinho Santista”
Edgard Leuenroth fora considerado como um
“personagem importante da história do(s) anarquismo(s) do
Brasil” (LOPREATO, 2009, p. 201). Militante desde jovem
participou de diversas organizações de trabalhadores no início
do século XX no Brasil, além de ter contribuído na construção
de diversas organizações sindicais, jornais, consolidando-se
como um dos “principais porta-vozes dos trabalhadores em
manifestações operárias ocorridas na cidade de São Paulo, ao
longo do século XX” (idem, 2011, p. 4).
........................
- 70 -
Nascido no interior leste do estado de São Paulo, na
cidade de Mogi-Mirim, em 31 de outubro de 1881, Edgard
Frederico Leuenroth era filho de um médico alemão e mãe
brasileira. Bastante jovem iniciou (especificamente no ano de
1904) a sua trajetória na militância libertária “interrompida
somente quando, em idade avançada, suas forças físicas de
octogenário não mais lhe permitiram agitar a bandeira
anarquista” (LOPREATO, 2009, p. 201).
Para Edgar Rodrigues (1994, s/p), o militante
paulistano “é envolvido, tocado, contagiado pelo movimento
libertário” começando sua militância onde conhecerá o
português e anarquista Neno Vasco. Mas antes disso,
Leuenroth havia ingressado no Círculo Socialista Primeiro de
Maio, no qual não ficará muito tempo (LOPREATO, 2009, p.
203).
Ainda adolescente, já tinha clareza da
importância da liberdade de expressão e da
força da imprensa livre como meio propulsor
de idéias progressistas. Por acreditar não haver
escravidão para o espírito que se quer livre,
escreveu e falou sem peias, arcando com as
consequências da sua ousadia. E foi
principalmente nas atividades desenvolvidas
nos jornais que teve contato com diferentes
correntes do pensamento e abraçou o
anarquismo (LOPREATO, 2009, pp. 202-
2003).
No ano de 1903, quando trabalhava no ramo da
tipografia, fundou o Centro Tipográfico de São Paulo que no
ano seguinte se transformará em UTG (União dos
Trabalhadores Gráficos). Esse período de militância e sua
vinculação às organizações de ofício serão responsáveis pela
relação estreita que Leuenroth terá com a classe trabalhadora.
........................
- 71 -
È nesse ínterim que o anarquista ajudará a fundar a Federação
Operária de São Paulo (FOSP). Edgar Rodrigues destaca que:
Nos meios operários e anarquistas não faltou
aos congressos de nível estadual e nacional
(São Paulo). Esteve sempre presente na luta
pela libertação dos grandes mártires do
capitalismo burguês e do Estado: Ferrer, no
"Caso Idalina", Durruti, Nicols, Mateo, Nestor
Makno, Sacco e Vanzetti, entre outros e bateu-
se contra as expulsões de anarquistas
estrangeiros do Brasil. Participou de muitas
greves, destacando-se a de 1917, quando foi
preso e julgado no Tribunal do Júri de São
Paulo como autor intelectual de uma greve que
desembocou num dos maiores movimentos
insurrecionais operárias até hoje ocorridos na
paulicéia, no Brasil, com assaltos a casas
comerciais, barricadas nas ruas, luta com as
forças armadas do Governo estadual e morte de
operários grevistas (RODRIGUES, 1994, s/p).
No ano de 1906, em meio a manifestações contra o
Caso Idalina (caso em que um padre fora acusado de
assassinar uma criança em um orfanato), Edgard Leuenroth é
preso e liberto com a ajuda de seu amigo e advogado Evaristo
de Morais. Nesse mesmo ano, participou do Primeiro
Congresso Operário Brasileiro na cidade do Rio de Janeiro,
cidade na qual passara a morar em 1905.
Na sua vida e no percurso como militante anarquista e
como bom conhecedor da tipografia que era, Leuenroth irá
ajudar a organizar vários jornais, dentre os quais destaca-se: O
Boi (1897-1899), Folha do Brás, O Alfa (1901), O
Trabalhador Gráfico (1904). Colaborou também com o
periódico anarquista A Terra Livre (dirigido por Neno Vasco),
foi redator de Luta Operária, órgão da Federação Operária de
São Paulo nos anos de 1906-1907. Entre os anos de 1909 e
1935 se tornou diretor do jornal A Lanterna (fundando por
Benjamin Motta, o qual nos referimos anteriormente). No ano
de 1912 fundou e foi redator do jornal Guerra Social na cidade
........................
- 72 -
de São Paulo. Ainda nessa década, colaborou com o jornal
anarco-comunista O Combate, foi seu redator principal durante
bom tempo e no ano de 1915, foi redator-secretário da revista
Eclética de São Paulo (RODRIGUES, 1995, s/p).
Na segunda década do século XX, Edgard Leuenroth
participou de vários movimentos grevistas, onde destaca-se sua
participação ativa na greve geral de julho de 1917, fazendo
parte, por exemplo, da composição do CDP (Comitê de Defesa
Proletária) que tinha o intuito de coordenar as ações da greve.
Nesse movimento exerceu o papel de “incentivador,
organizador e orientador das jornadas libertárias de Julho”
(LOPREATO, 2009,p. 204). Ele, por ser considerado como um
“indesejável” foi condenado à prisão logo após o movimento
grevista de julho. Destaca Lopreato (2009):
Durante os seis meses em que ficou
encarcerado, sob acusação de ter cometido um
crime de multidão, preparou sua auto-defesa na
qual afirmou ter sido preso e processado por
defender idéias libertárias. E com o mesmo
espírito de livre-pensador e de assumir a
responsabilidade por suas ações, rebateu as
acusações que sofreu em outros processos que
lhe valeram, durante sua trajetória de
militância, passagens sofridas pelos cárceres
(LOPREATO, 2009, p. 204).
Antes mesmo de ser preso fundará (no mês de junho
de 1917) o periódico A Plebe, sendo redator ao lado de
Rodolfo Felipe, Pedro Augusto Mota, Florentino de Carvalho e
outros anarquistas. Colaborou também com José Oiticica, após
ser libertado, para a organização do jornal Spartacus (que
circulou no ano de 1918 até o início de 1919); também
colaborou com o jornal anarquista Voz do Povo, com o jornal
anarquista Ação Direta e fundou nos últimos anos de sua vida,
o periódico Libertário na São Paulo (RODRIGUES, 1994,
s/p), (LOPREATO, 2011, p. 5). Por conta da constante
repressão, é comum encontrar vários pseudônimos de Edgard
........................
- 73 -
Leuenroth. Os mais utilizados são: Frederico Brito, Routh,
Palmiro Leal, Len, Leão Vermelho, Leão Xisto e Sifleur41.
Essa repressão fora tão clara que foi preso novamente no ano
de 1935 por ser o responsável pelo periódico A Lanterna
(LOPREATO, 2009, p. 205).
Além de uma vasta produção de artigos em todos
esses e em outros jornais, Edgard Leuenroth também publicou
obras mais vastas, dentre as quais, destaca-se: O que é
Marximismo ou Bolchevismo: programa comunista (São
Paulo, 1922) onde em forma de panfleto critica com veemência
a teoria e a prática bolchevique e de casos específicos de seus
partidários no Brasil, principalmente aqueles que fundaram o
PCB, dentre os quais Astrojildo Pereira42, um ex-anarquista
que ficará ao lado dos bolcheviques sendo considerado um
inimigo de Leuenroth. Escreveu A organização dos jornalistas
brasileiros 1908-1951 (fora publicado posteriormente à sua
morte); publicou também pela mesma cidade no ano de 1963,
o livro Anarquismo – Roteiro da Libertação Social.
O prefaciador dessa obra (Augustín Souchy43) aponta
que “desde há mais de meio século, também no Brasil os
libertários vêm lutando em favor da libertação não somente de
41 ARQUIVO EDGARD LEUENROTH. Edgard Leuenroth (1881 - 1968).
Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ael/website-
ael_pesquisatematica/e-album/website-ael_ed-edga-a.htm; e
http://segall.ifch.unicamp.br/site_ael/index.php?option=com_content&view
=article&id=123&Itemid=90. Acesso em novembro de 2012. 42 De acordo com Chacon (1965, p. 297 - 298), Astrojildo Pereira Duarte
da Silva, foi um militante anarquista que nasceu em 1890, fora aluno do
Colégio Anchieta (jesuíta) de Nova Friburgo (Rio de Janeiro) teve, quando
jovem uma orientação republicana, aderindo à teoria anarquista por volta de
1908 e 1910 após leituras de Bakunin, Faure, Grave, Malatesta, Hamon e
Kropotkin. Posteriormente, após a Revolução Russa, sairá dos campos
revolucionários e integrará as fileiras do bolchevismo. 43 Anarquista polonês (1892 – 1984). Essa referência a Augustín Souchy
nos remete a refletir sobre o caráter do internacionalismo do anarquismo,
ou seja, a articulação mundial entre seus militantes, seja no campo teórico
seja na prática. Para a biografia deste, ver:
http://deu.anarchopedia.org/Augustin_Souchy.
........................
- 74 -
uma classe, mas de todas as camadas sociais, e não somente
para libertar uma nação, mas toda a humanidade” (SOUCHY,
1963, p. 8). Nesse livro, o anarquista paulistano analisa os
aspectos específicos da teoria anarquista e, além de textos de
sua autoria, publica pequenos escritos de velhos conhecidos
teóricos do anarquismo como Mikhail Bakunin, Élisée Reclus,
Errico Malatesta, Piotr Kropotkin, Luce Fabbri, George
Woodcock, Gigi Damiani,, Jacinto Cinazo, Neno Vasco, José
Oiticica, etc. Para o prefaciador da primeira edição da obra,
Edgard Leuenroth cumpre o papel de “combater toda classe
dos prejudiciais dogmas que, no passado, impediram e na
atualidade ainda impedem o progresso humano na ordem
moral” (SOUCHY, 1963, p. 8).
Edgard Leuenroth morreu na cidade de São Paulo em
28 de setembro de 1968 aos 87 anos, curiosamente no ano do
Ato Inconstitucional número 544 (GALVÃO, s/d, p. 2).
2.5. A constituição da “Semana Trágica”
Este título faz alusão ao termo utilizado por Christina
Lopreato no primeiro capítulo de sua obra O Espírito da
Revolta – A greve geral anarquista 191745, que através de uma
análise detida, a autora reconstitui a semana entre os dias 9 e
16 de julho de 1917, entendida por ela como a Semana
Trágica.
No ano de 1917 em São Paulo ocorreu, por conta de
várias questões, uma greve que iria figurar na historiografia
como o maior acontecimento grevista da Primeira República.
Suas motivações foram múltiplas, não cabendo apenas uma
visão determinista de interpretação da realidade que possa
considerar que o movimento de julho foi fruto de um
44 O AI-5, como ficou conhecido o Ato Institucional número 5, foi o quinto
decreto do governo brasileiro durante o período da ditadura militar (1964 -
1985) entrando em vigor em dezembro de 1968 durante o governo de Costa
e Silva, que dentre várias atribuições, dava maiores concessões acima da
constituição ao Presidente da República. 45 Op. Cit.
........................
- 75 -
espontaneísmo ou, de outro lado, mero fruto da articulação
entre indivíduos e grupos descolados da classe. Para não
cairmos nessas interpretações, buscaremos analisar a greve
geral de julho de 1917 como um movimento que articulou a
realidade sócio-histórica do Brasil naquele contexto, a relação
do país no contexto mundial, a crise do trabalho registrada
naquele ano e nos anos que a antecedem, a carestia de vida, a
articulação da própria classe em movimento que criou seus
mecanismos de luta contra essa realidade através de várias
estratégias, dentre as quais, a imprensa.
O triênio de 1906-1908 foi marcado por um aumento
dos movimentos grevistas, envolvendo outras regiões além do
círculo das capitais de Rio-São Paulo. Por exemplo, a greve em
Porto Alegre em 1907 e a greve das Docas de Santos em 1908.
No ano de 1907, uma greve surge no dia 1º de maio na cidade
de São Paulo (PINHEIRO, 1990, p. 156) por meio dos
trabalhadores da construção civil, metalúrgica e da indústria da
alimentação, fora ganhando proporção de greve geral quando
houve a adesão de trabalhadores da área dos setores gráficos,
sapateiros e têxteis.
No quatriênio 1910-1913 ocorreu um aumento do
custo de vida da classe operária, sobretudo, pelo crescimento
econômico registrado nesses anos. Porém, com o findar desses
anos e o começo da Guerra Mundial, a realidade se altera e
outra brusca redução dos preços dos principais produtos que o
Brasil exportara acontece e dificulta a entrada de capitais
estrangeiros: “As construções param, as fábricas reduzem a
produção e o trabalho semana; e, em muitos casos, fecham as
portas” (PINHEIRO, 1990, p. 159).
No ano de 1915 é registrada uma melhoria da situação
do Brasil no quadro internacional, sendo que
consecutivamente, ocorre uma elevação nos preços e do custo
de vida. O alvoroço por uma luta ampla de vários setores do
proletariado alertava para a busca de uma ação comum entre
anarquistas e socialistas. As ações em bairros como a Mooca,
Brás, Belenzinho, Cambuci e Bom Retiro se tornam
........................
- 76 -
frequentes. No mês de maio de 1917 é registrada a formação
da Liga Operária do Belenzinho e da Liga Operária da
Mooca46.
A manifestação do Primeiro de Maio de 1917
ia nesta direção: representantes dos grupos
anarquistas, socialistas e republicanos estavam
de novo juntos na comissão que organizou a
passeata pelo centro de São Paulo e os
comícios que a precederam nos bairros
operários (BIONDI, 2009, p. 286).
A greve que culminará na greve geral se inicia no
Cotonifício Crespi com reivindicações assim resumidas:
abolição das multas aos operários, aumento salarial de 15 a
20%, redução da semana de trabalho para 5dias e meio,
jornada diária de 8 horas, fim do trabalho noturno,
regulamentação do trabalho feminino e infantil, supressão da
contribuição pró-pátria47, etc. (PINHEIRO, 1990, p. 160).
Após a negação dos pedidos feita pelo patronato, a greve se
amplia, principalmente pela adesão dos trabalhadores da
Estamparia Ipiranga e da fábrica de bebidas Antarctica. O
cenário de paralisação geral está pronto, só faltava um estopim:
A morte de um sapateiro de vinte e um anos é o
um marco na evolução dos acontecimentos. A
46 De acordo com Campos (1983, p. 36), a constituição dessas ligas de
bairro foram fundamentais para o movimento, pois suas atividades eram
contínuas e isso fez com que as ações coordenadas com um objetivo
finalista reunisse várias corporações, conferências sobre a movimentação
grevista. A Liga Operária da Mooca surgiu em meados de maio durante a
greve dos tecelões da Crespi e posteriormente surge a Liga Operária do
Belenzinho, Lapa e do Cambucy. 47 A contribuição Pró-Pátria ou o Comitato Italiano Pro-Patria era um
grupo formado principalmente por empresários italianos que contribuíam
financeiramente, de uma forma fervorosa de nacionalismo, com o Estado
italiano para a manutenção da Itália na Primeira Guerra. Essa contribuição
começa a ser cobrada de trabalhadores italianos que trabalhavam nas
fábricas desses proprietários. Para maior aprofundamento, ver: (BIONDI,
2009, pp. 280 – 284).
........................
- 77 -
paralisação se estende a 35 empresas, com mais
de 15 000 grevistas, incluindo os trabalhadores
da Mariângela e da estamparia Ipiranga, em
greve de solidariedade. Nos três dias seguintes
ao enterro, a greve é total (PINHEIRO, 1990,
p. 161).
Com tamanha mobilização, as repressões dos
aparelhos do Estado aumentaram e como já era normal, as
greves eram considerados casos de polícia. A Lei Adolfo
Gordo que entra em vigor em 1913 terá uma revisão em 1920,
prevendo a expulsão dos “indesejáveis”.
Nos anos próximos a 1917, ocorre novamente um
ascenso do movimento operário que viria consagrar o ano de
1917 como “o período de maior conflito da história do
movimento operário em São Paulo até aquele momento”
(BIONDI, 2009, p. 263). Esse acontecimento deve ser marcado
por uma continuidade das greves ocorridas em anos anteriores,
além dos movimentos de julho deste mesmo ano.
Portanto, concordado com Biondi (2009, p. 263 –
269), a greve de 1917 é fruto de vários elementos e pode ser
consideradas como uma revolta imediata com intensidade
revolucionária (BIONDI, 2009, p. 269). Porém,
(...) embora tais trabalhadores não pudessem
imaginar que essa greve teria prolongados
efeitos no âmbito de um amplo processo de
organização proletária (...), eles estavam agindo
dentro de um contexto no qual, (...), em muitos
setores operários e artesãos politizados
(incluindo alguns dos trabalhadores que estava
participando do protesto), esperava-se que esta
greve, aparentemente episódica, se
transformasse num movimento grevista e
sindicalista bem mais vasto e bem sucedido.
O alvoroço por uma luta ampla de vários setores do
proletariado alertava para a busca de uma ação comum entre
anarquistas e socialistas. As ações em bairros como a Mooca,
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Brás, Belenzinho, Cambucy e Bom Retiro se tornam
frequentes. Nesse mês é registrado a formação da Liga
Operária do Belenzinho e da Liga Operária da Mooca.
A manifestação do Primeiro de Maio de 1917
ia nesta direção: representantes dos grupos
anarquistas, socialistas e republicanos estavam
de novo juntos na comissão que organizou a
passeata pelo centro de São Paulo e os
comícios que a precederam nos bairros
operários (BIONDI, 2009, p. 286).
Assim, devemos entender que as greves de junho de
1917 no Cotonifício Crespi e na fábrica de bebidas Antarctica
são os prólogos da greve geral de julho (BIONDI, 2009, p.
289) que irão dar subsídios para o maior acontecimento
grevista da Primeira República.
2.6. Do dia 9 a 16 de julho: a Semana Trágica
A greve desencadeada pelos tecelões do Cotonifício
Crespi em 9 de junho de 1917 (mesmo dia do lançamento do
primeiro número de A Plebe), fora fruto de deliberação após
uma reunião da Liga Operária da Mooca que tinha a mesma
quantidade de grevistas e de filiados. Esse movimento grevista
“começou na seção de tecelagem que reunia aproximadamente
400 operários, mas acaba se generalizando por toda a
indústria” (CAMPOS, 1983, p. 41). Curiosamente quando a
greve na fábrica Antarctica foi declarada, centenas de
operários se dirigiram à sede da Liga Operária da Mooca para
aderirem ao movimento.
O ápice virá com alguns atentados e mortes quando,
por exemplo, na
(...) noite do dia 7 de julho (assaltos a carros de
farinha na Mooca) e a tarde do dia 13 (ataque
da cavalaria da Força Pública na Ladeira do
Carmo e morte do pedreiro Nicola Salerno e da
menina Edoarda Bindo, filha do operário
........................
- 79 -
primo) a cidade de São Paulo ficou quase
ingovernável (BIONDI, 2009, p. 292).
O dia 9 de julho é o marco fundador da Semana
Trágica. Esse dia irá marcar o início de conflitos generalizados
entre grevistas e policiais, sendo que, na manhã dessa segunda
feira, um conflito tal como colocamos, ocorre nas mediações e
proximidades da Fábrica Antarctica. É nesse acontecimento
que José Martinez morre ao ser ferido por uma bala disparada
pela polícia no dia 10 (LOPREATO, 2000, p. 34).
José Martinez era espanhol, tinha 21 anos e era
membro do grupo Jovens Incansáveis. Em seu enterro reuniu-
se mais de 10 000 pessoas (ver imagem anterior) que dará o
caráter generalizado da greve. Nesse contexto surgirá CDP
(Comitê de Defesa Proletária)48 que coordenará as ações
grevistas contra a carestia de vida e que era composto por
membros das associações de bairros, ligas de resistência,
sindicatos, etc. em um contexto que marca o crescimento de
grevistas entre o dia 13 ao dia 16 com o salta no número de
grevistas: de 25 mil para cerca de 50 mil, fazendo com que a
greve tenha um caráter insurrecional (MORAES, 1999, p. 20).
48 O CDP foi constituído em 6 de julho de 1917 no Salão Germinal em São
Paulo e foi formado por “representantes das ligas operárias, das
corporações em greve e de associações “político-sociais”. Estes fatos
mostram, à despeito do que diziam os militantes que continuamente
afirmavam a espontaneidade da greve geral, que ela efetivamente teve um
núcleo que potencializou o seu acontecer (CAMPOS, 1983, p. 37).
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Imagem 3 - Foto de José Martinez publicado no n° 6 d'A Plebe de
21 de julho de 1917.
Assim, de acordo com Campos (1983, p. 42),
resumia-se o programa de reivindicações do CDP em julho: 1)
aumentos salariais; 2) jornada de 8 horas diárias; 3) abolição
do trabalho do menor de 14 anos; 4) pagamento pontual dos
salários; 5) direito de associação; 6) não dispensa dos operários
grevistas; 7) diminuição dos preços dos alimentos; 8) redução
de 30% dos aluguéis; 9) garantia de trabalho permanente; 10)
abolição do trabalho noturno; 11) aumento de 50% nos salários
de trabalhos extraordinários; 12) fim da especulação de
gêneros e preços – açambarcadores; 13) fim da alteração e
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falsificação de alimentos; 14) obrigação do Estado em
assegurar o mínimo de alimentos à população.
No dia seguinte à morte de Martinez onde a
ampliação de um cortejo fúnebre para uma mobilização de
massa (no cortejo fúnebre na manhã do dia 11 indo pelo trajeto
da Avenida Rangel Pestana ao centro da cidade), deu os pontos
cruciais e antecipou algumas questões que viriam se
concretizar nos dias seguintes. A greve toma traços
radicalizados e os conflitos com os aparelhos repressivos
governamentais se ampliaram, fato este que não conseguiu
conter as manifestações públicas e as demais ações dos
grevistas. Nessa data, conta Lopreato (2000, p. 42), os
trabalhadores grevistas “(...) apedrejavam fábricas e assaltaram
um caminhão da Favilla e Lombardi (...) de cujo carregamento
retiraram 200 caixas de fósforo”. Além desse saque, ocorreu
também com o Moinho Santista de onde foram levadas 600
sacas de farinha. Nesse inteírm, os operários “através da
persuasão ou da violência (...) conseguiram a adesão dos
companheiros de trabalho, fechando os estabelecimentos que
se mantinham em atividade” (DULLES, 1977, p. 52).
Na “sexta-feira 13” já se registrava mais de 50
fábricas paralisadas reunindo um total de 20 mil trabalhadores
grevistas. Essa data marcará também a morte de uma criança
de 12 anos após ser atingida por uma bala perdida nos
confrontos entre grevistas e policiais. Além da criança, um
pedreiro também vem a óbito em um conflito com a polícia na
plataforma de um bonde, justamente no dia em que o CDP
convocou um comício na Liga Operária da Mooca
(LOPREATO, 2000, p. 58).
Em 14 de julho ocorre o início da negociação, que
transcorreria sem tantos conflitos. Na cidade, os bondes já
circulavam normalmente, mas o clima de novos possíveis
conflitos ainda pairava no ar. Contudo, o CDP escolheu um
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grupo de militantes49 para atuar nas negociações com os
industriais juntamente com uma Comissão de Imprensa. A
greve só seria finalizada se os industriais se comprometessem a
assumir todas as reivindicações.
No domingo, dia 15 de julho, as negociações se
desenvolveram mais. Nesse dia “(...) os representantes do setor
público assumiram o compromisso de libertar todos os
indivíduos presos por participação da greve, reconhecer o
direito de associação e de reunião” (LOPREATO, 2000, p. 60).
Nesse fim de semana, o CDP promoveu os acordos com o
governo e patronato, mediado pela Comissão de Jornalistas da
grande imprensa paulista, órgão que viria relatar e assegurar o
papel de ambos os lados em cumprir tal acordo. Foram
garantidas melhoras das condições gerais de vida, cumpimento
das leis de trabalho, nenhuma dispensa dos grevistas, direito de
associação, aumento de 20%, etc. (CAMPO, 1983, p. 43).
No dia 16 de julho a normalidade do trabalho volta
(nas localidades onde o patronato acatou as reivindicações), as
mobilizações foram autorizadas pela polícia e após isso, a
repressão aumenta. A suspensão da greve foi assinada na
segunda-feira e foi entendida como uma “vitória moral da
classe trabalhadora”.
Os militantes anarquistas assinalaram a vitória
dos trabalhadores sobre o governo, sobre os
industriais, mas, principalmente, sobre si
mesmos porque, na luta, eles encontraram a
consciência de si (LOPREATO, 2000, p. 66).
Após a suspensão da greve, a atividade associativa
dos grevistas continuaram e os “libertários procuraram manter
acesa a chama da solidariedade, estimulando os trabalhadores a
darem continuidade ao processo de organização do operariado,
iniciado com a constituição das ligas de bairro” (LOPREATO,
49 São eles: Edgard Leuenroth, Gigi Damiani, Francesco Cianci, Antonio
Candeias, Rodolpho Felipe e Theodoro Monicelli (LOPREATO, 2000, p.
60).
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2000, p. 141). Porém, “a violência policial foi gritante.
Terminada a greve, continuou a pairar o fantasma que levava o
nome de questão social” (CAMPOS, 1983, p. 43).
Por fim, como fruto de vários elementos, jamais
podemos “(...) negar a importância do papel desempenhado
pela crise econômica que se alastrava na cidade de São Paulo
naquele momento” (BIONDI, 2009, p. 265) e o próprio
contexto mundial de ascendência do movimento operários e
revoluções.
De forma geral, o ano de 1917 foi caracterizado
mundialmente por toda uma série de protestos,
motins e greves sem precedentes, cujo evento
maior foi – como todos sabemos – a revolução
russa, momento ligado exatamente a processos
de organização sindical e política, no qual
misturavam-se fenômenos de autoconstituição
e de intervenção política e organizativa externa
nas organizações operárias, mas que surgiam
de um estado de revolta aberta que ia além da
luta contratual entre empresários e
trabalhadores usualmente praticada (BIONDI,
2009, p. 268).
Contudo, a ação dos militantes também merece
destaque especial. A greve geral e a ação direta só se torna
possível devido o dispêndio de trabalho militante de segmentos
operários e organizações autônomas que se articularam e
incitaram50 o desenvolvimento da greve localizada para uma
greve geral.
Sendo assim, concordando com Lopreato (2000),
50 Quando afirmamos, referenciado em Lopreato (2000) e Biondi (2009),
que os segmentos e organizações operárias, sobretudo anarquistas, foram
fundamentais para o movimento, não afirmo que estes atuaram enquanto
uma “vanguarda”, como na compreensão teorizada por Lênin. Os
anarquistas, especificamente, propagaram e desenvolveram o acirramento
da luta de classes com diversos mecanismos, por exemplo, a greve geral e a
imprensa através de uma minoria ativa, ou seja, um agrupamento específico
que atua no convencimento e não na sua direção.
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A greve geral se tornou possível graças a uma
conjugação de fatores, explorados com argúcia
por experientes militantes anarquistas. Ela foi o
resultado de um trabalho de vários anos de
pregação doutrinárias e de incitamento à ação
direta. Desde o raiar dos novecentos, os
anarquistas vinham se dedicando à tarefa de
sacudir as energias adormecidas dos
trabalhadores. No ano de 1917, eles se
aproveitaram da situação de crise por que
passava o país e incitaram trabalhadores a
agirem por conta própria e de forma autônoma
contra a exploração a que estavam submetidos
(LOPREATO, 2000, p. 46).
Como não devemos pensar que o movimento tenha se
desenvolvido sem levar em consideração a propaganda efetiva
realizada pela própria classe trabalhadora, sua situação,
conjuntura, contexto e suas determinações, devemos entender
que estes são elementos fundamentais para afirmar o papel de
propagação de uma ação e política pedagógica guiada pelos
pressupostos da ação direta. Assim, como veremos adiante, a
imprensa operária será uma propagadora de uma pedagogia
para a ação direta, caracterizada por “impulsos tanto
espontâneos como organizados” (BIONDI, 2009, p. 271).
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CAPÍTULO III - A Plebe e os pressupostos políticos e
pedagógicos da ação direta
“Urge a ação em todas as suas
manifestações, consciente,
decidida, vigorosa”.
Rumo à Revolução Social,
Edgard Leuenroth (A Plebe, n°1,
p. 1, 9 de junho).
3.1. “Trabalhador forte e fecundo”
Como era usual e frequente cantar o hino A
Internacional51 de Eugène Pottier durante as reuniões e
manifestações nos acontecimentos grevistas de 1917, faço
alusão a um trecho da letra para esse subtítulo.
Com a sublevação da classe trabalhadora nos meses
de abril e maio, conforme apontamos anteriormente, uma greve
geral estava prestes a eclodir. Com a fundação do novo
semanário de Edgard Leuenroth na segunda semana de junho,
mais um órgão vem à tona com o objetivo de conscientizar os
trabalhadores de seu atual estágio de exploração e sua
potencialidade revolucionária. Para isso, A Plebe utilizou de
diversos mecanismos, entre eles, fotografias e imagens que
retratavam o contexto da classe operária brasileira e mundial (o
clericalismo, a Guerra Mundial, as condições da reprodução
material e existencial da classe, além de seu projeto de
sociedade futura, fundada na anarquia) que chamaremos aqui
de pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta.
Definida anteriormente como os mecanismos e
estratégias dos anarquistas para uma forma de educação
libertária do operariado pela ação grevista, preparando-o para a
“grande revolução” que poria fim à sociedade burguesa, a ação
direta se torna algo elementar na nossa definição. Assim,
51 O hino da Associação Internacional dos Trabalhadores foi traduzido ao
português pela primeira vez por Neno Vasco (HAGEMEYER, 2008, p.
229).
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conforme a importante constatação de Guimarães (2011, p.
110), a ética libertária incluía a ação direta que se utilizava de
dois dispositivos: o primeiro entendido como persuasão
(formas de convencimento do outro) e o segundo, a luta
eminentemente direta contra a burguesia e sua sociedade.
Conforme salientamos anteriormente, o periódico A
Plebe se constituiu como um substituto que detém mais
profundidade intelectual e revolucionária do que A Lanterna.
Assim os seus textos são expressões das convergências
existentes entre a teoria anarquista e a realidade brasileira,
mediada por particularidades durante seu processo de
confecção, sobretudo durante os dias da Semana Trágica.
Os temas que de que tratavam o periódico quando se
tratava da Primeira Guerra Mundial era o nacionalismo e o
sorteio militar que se tornara imposto naquele período. A Plebe
debateu questões diversas, entre as quais a exploração do
trabalho, o poderio exercido pelo clero em relação à educação,
a situação da classe trabalhadora frente à carestia de vida que
crescera nos últimos meses de 1916 e se potencializou em
1917, a relação da burocracia governamental com a sociedade,
etc. Assim, considerado que as representações de educação em
A Plebe se davam de forma difusa e multifacetada,
analisaremos a diversidade que tais “formas” que a ação direta
era representada nas páginas do periódico.
A ideia de adotarem uma perspectiva ampla de luta
será fundamental para a concepção de educação que estamos
analisando. Como o processo de educação libertária passa
fundamentalmente por compreender a necessidade de uma luta
final, A Plebe irá relacionar as lutas pelas melhorias atuais e
imediatas com seu objetivo final. Assim, a luta do jornal
anarquista não era meramente contra a moral religiosa, como
às vezes ficara claro no antigo jornal A Lanterna em que
Leuenroth dirigia. Ela se estabelecia em uma complexidade
ramificando-se em várias formas de atuação contra a sociedade
capitalista e colocava elementos prefigurados de uma
sociedade radicalmente diferente. Essa estratégia anarquista
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adotada por A Plebe articulava a luta libertária em prol de uma
sociedade igualitária com a instrução da classe (protagonistas
centrais nesse processo), para que atingisse seu objetivo final:
a revolução social. Sendo assim, analisaremos nas páginas que
seguem, alguns desses elementos da ação direta como
pressuposto educativo na constituição de formas de
sociabilidade coletiva com um fim social efetivo
(GUIMARÃES, 2011, p. 109).
3.2. Pela ação direta: “Rumo à Revolução Social” e “Em
nome do Povo, não!”
O texto de autoria de Edgard Leuenroth e um outro de
Bazílio de Torrezão52 publicados, respectivamente, no primeiro
e no segundo número d’A Plebe, são fundamentais para
interpretarmos a forma que o periódico concebia a ação
anarquista e a tarefa histórica do proletariado.
O texto de Leuenroth que inaugurara o periódico sob
o título de Ao que Vimos – Rumo à Revolução Social faz uma
análise das motivações de se criar um novo periódico e do
contexto específico em que este surge. Assim, Leuenroth irá
apontar através de uma linguagem simples e direta, os
principais elementos que figuravam na realidade de época, a
força e necessidade do periodismo militante, além da
necessidade histórica do proletariado de superar essa sociedade
e edificar uma nova.
Contrapondo-se às análises reducionistas sobre a
realidade social (por exemplo, dos imediatistas bastantes
criticas pelos anarquistas do período), o autor apresenta nas
passagens seguintes o entendimento da vida social humana
como implicada em suas diferentes dimensões.
Ao que vimos – Rumo à Revolução Social
52 Bazilio Torrezão era um dos pseudônimos de Asrojildo Pereira
(CORRÊA, 2010b, p. 543).
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E assim, sempre sustentada pelos mesmos
lutadores do meio libertário, valiosamente
coadjuvados por um bom núcleo de homens de
consciências bafejadas por princípios
innovadores espalhados por todo o Brazil, foi
A Lanterna atravessando os annos, vivendo a
vida das folhas avançadas, zurzindo
impiedosamente a canalha da Igreja,
desmascarando os tartufos sociaes,combatendo,
em campanhas memoráveis que lhe valeram
perseguições sem conta, todas as explorações e
tyrannias e collocando-se sempre, com a
sinceridade e o enthusiasmo de quem esposa
uma causa que é sua, ao lado das victimas dos
potentados (...). Edgard Leuenroth (A PLEBE,
n° 1, p. 1, 9 de junho).
Apresentado os motivos do nascimento de mais um
jornal, Leueroth esclarece os leitores que o objetivo do
periódico é o de
(...) corresponder, de maneira mais completa, á
magnitude deste extraordinário momento
histórico por que está atravessando a
humanidade.
Estão em jogo os destinos da sociedade actual.
Multiplos são os elementos que, em trágica
associação, arrastaram os povos á horrível
situação presente, exigindo que contra todos
elles se emprenhe uma luta sem tréguas e de
extermínio (...). Edgard Leuenroth (A PLEBE,
n° 1, p. 1, 9 de junho).
Ainda, relatando os empecilhos da realidade em se
criar um novo periódico, Edgard Leuenroth explica os motivos
da substituição de A Lanterna por A Plebe.
Por isso, apesar das tremendas difficuldades
dominantes, apparece A Plebe em substituição
á A Lanterna que, tendo surgido com o título
tradicionalmente anticlerical , para dar combate
ao clericalismo, apresentou-se sempre com
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uma feição mais ampla, atacando o padre e a
Igreja na sua razão de ser, como elementos
perniciosos, alliados perennes dos dominantes,
ao mesmo tempo que tocava, por ser dirigida
por libertários, em todas as faces da questão
social (A PLEBE, n° 1, p. 1, 9 de junho).
Noutro momento do texto, Edgard Leuenroth irá, com
veemência, continuar apresentando os objetivos da fundação d’
A Plebe e seus objetivos finais. Finalizando o texto com as
seguintes palavras, Leuenroth está convicto da necessidade de
um novo órgão anarquista.
Urge, portanto, proseguir na obra dos
abnegados de outrora para que, quando além
das fronteiras concencionaes ruir
fragorosamente o arcabouço apodrecido do
regimen social dominante, tambem o povo
desta terra, no arrebol de um novo e sublime 13
de Maio, conquiste sua alforria derradeira,
fazendo com que o Brazil, passando a pertencer
a todos os seus habitantes, a todos proporcione
a vida folgada e feliz que a exuberancia
trabalhada de suas riquezas naturaes permitte.
E’ com esse objectivo que vem lutar A Plebe.
Edgard Leuenroth.
(A PLEBE, n° 1, p. 1, 9 de junho).
Conforme está expresso no texto, a luta é formadora
de consciência. Portanto, é nos momentos do conflito entre as
classes sociais que surgirá um momento de rompimento com
essa sociedade no plano da cosnciência. Veremos isso mais
claro quando criticando os valores da sociedade capitalista,
Edgard Leuenroth dirá:
Liberdade, egualdade e fraternidade só existem
como uma grosseira rethorica rotulando muita
miséria e oppressão (...). Edgard Leuenroth (A
PLEBE, n° 1, p. 1, 9 de junho).
A idéia de adotarem uma perspectiva ampla de luta
será fundamental para a concepção de educação que estamos
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analisando. Como o processo de educação libertária passa
fundamentalmente por compreender a necessidade de uma luta
final, A Plebe irá relacionar as lutas pelas melhorias atuais e
imediatas com seu objetivo final. Assim, a luta de A Plebe não
era meramente contra a moral religiosa, como às vezes ficara
claro no antigo jornal A Lanterna em que Leuenroth dirigia.
Mas, sua interpretação sobre o papel do clericalismo ainda é
subjacente.
O clericalismo, que é uma das cabeças desse
monstro, só desaparecerá quando, num
movimento audaz e vigoroso, se lhe desferir o
golpe certeiro e mortal (...). Edgard Leueroth
(A PLEBE, n° 1, p. 1, 9 de junho).
Como visto acima, o clericalismo só seria superado
com uma força organizada e capaz de derrotá-lo. A luta
anticlerical não era meramente uma luta contra a instituição (a
Igreja, mas antes de tudo, uma luta complexa que articularias
aspectos culturais, econômicos e políticos.
Outro texto de mesma significância será publicado no
número seguinte por Bazílio Torrezão. O primeiro parágrafo
do texto Em nome do Povo, não! é bastante revelador da
assertiva acima apresentada: o articulista expressa uma crítica
com fervor a ação dos deputados brasileiros frente à Guerra
Mundial que assolava a Europa naquele contexto.
Não é verdade que o povo brazileiro tenha
delegado poderes a quaesquer a essa réqua de
salafrarios parlamentares. Não é verdade,
porque a mentira do sufrágio é cousa
unanimentemente proclamada fora de qualquer
duvida. As eleições são todas falsas e
falsissimas: a imprensa o tem demonstrado um
milhão de vezes e são os próprios deputados
que o teem confessado e provado (A PLEBE,
n° 2, p. 1, 16 de junho).
........................
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Para o articulista, a ação direta (estratégia anti-
parlamentar, sem mediadores entre a relação capital trabalho)
era a forma de o proletariado lutar e combater para edificar
uma nova sociedade. Assim, as ações do Estado e suas vias
parlamentares são complacentes com as desigualdades sociais
e utilizam dos meios formais para legalizá-la. Outras críticas
veementes virão contra a Igreja, que no entendimento do
jornal, seria a instituição que mais forma mentes servis,
principalmente nos seus aspectos educacionais.
3.3. Contra a Igreja e o clericalismo
A Plebe que era uma continuação de A Lanterna (que
tinha uma conotação mais anticlerical do que anarquista).
Ainda conterá os elementos principais do antigo periódico.
Buscando esclarecer os assinantes sobre a paralisação do
jornal, o editorial de A Plebe publicará Aos amigos e antigos
assignantes de <<A Lanterna>>. Nesse texto deixarão claro
que as “(...) nossas relações com os antigos dedicados amigos
não sofrerão solução de continuidade”. E justificando a
publicação do novo periódico, compreendendo a realidade
sócio-histórica da classe trabalhadora, dirá que o jornal tem
uma necessidade “(...) mais do que nunca, indispensável (A
PLEBE, n° 1, p. 2, 9 de junho).
Fazendo duras críticas ao clericalismo na educação, o
número inicial do periódico irá proferir duras críticas a um
grupo de professoras recém-formadas do período que
convidaram padres para celebrar “(...) a missa em acção de
graças pela terminação do curso” (A PLEBE, n° 1, p. 3, 9 de
junho). Nessas ásperas críticas irão ressaltar pelo próprio
contexto e influência dos pressupostos racionalistas das
Escolas Modernas a iniquidade do fato de serem professoras e
religiosas. A Plebe dirá: “Que professoras vão ter os filhos do
povo!...” (idem).
Apresentando duras críticas à moral religiosa e
especificamente, a moral transmitida pela Igreja Católica, o
artigo A Igreja Christã assinado por F.A.L. assim escreve:
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A igreja christã não é, como geralmente se
pensa, uma instituição verdadeiramente
sublime, baseada na doutrina de Christo. Ao
contrário do que se imagina, Ella é uma
instituição anti-christã, baseada num fundo
immoral que repugna. As violações que sofre
todos os dias a philosophia do mestre, estão ahi
para confirmar o que dizemos. (...) (A PLEBE,
n° 1, p. 4, 9 de junho).
Continuando o texto, o autor define a Igreja Católica
como uma instituição “iníqua, absurda e deshumana” que
produz a “dôr, a ignorância, o luto e a desgraça, que embrutece
as inteligencias e que produz o sangue” (A PLEBE, n° 1, p. 4,
9 de junho)
A Igreja e o Estado: eis ahi os dois inimigos
irreconciliáveis do progresso e da liberdade,
institutos que são de obscurantismo e tyrannia
(A PLEBE, n° 7, p. 28 de julho).
A intensa campanha anticlerical era um elemento
central para entender a estratégia educativa do jornal. O
anticlericalismo irá compor as páginas do periódico de maneira
libertária, ou seja, articulada coma luta contra o capital, já que
a aceitação de qualquer autoridade (seja ela religiosa ou não53)
pressupõe a submissão do individuo. Assim pensada, a relação
entre o papel do clero junto à sociedade capitalista é a de
conciliação de interesses e complementares tal como sua luta
para a superação.
3.4. A Plebe durante a Greve Geral
Retomando as explicações da teoria do capital
elaborada por Marx (1982), o advogado ex-redator d’A
53 BAKUNIN, M. Catecismo Revolucionário: Programa da Sociedade da
Revolução Internacional. São Paulo: Imaginário/Faísca, 2009.
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Lanterna, escreverá sobre a mais-valia54, conceito
extremamente importante na teoria marxista que consiste de
maneira geral, no valor do trabalho não pago a quem produz,
ou seja, o trabalhador. No texto O pobre é um vadio?
Benjamin Motta entenderá que a,
(...) fortuna accumulada, disse-o Carl Marx, e
ninguem poderá demonstrar o contrario, é
producto exclusivo de trabalho não pago.
Logo, quem trabalha não ganha dinheiro,
porque o lucro é todo do patrão, e o pobre não
é um vadio, é apenas a victima lastimavel de
uma péssima e detestavel organisação social
(...). Apontem-nos uma grande fortuna ganha
honradamente pelo trabalho, e provaremos que
para a sua formação concorreram outros
factores que não o trabalho exclusivo, manual e
intellectual. Benjamim Motta (A PLEBE, n° 1,
p. 1, 9 de junho).
Ainda no primeiro número do jornal, ressalta-se a
importância e o surgimento de diversas agremiações, núcleos e
sindicatos. Sob o título de Acção Obreira – O Operariado de
São Paulo parece despertar para a luta – Movimento grevistas
– Associações que surgem, o periódico libertário anunciará a
fundação da Liga Operária do Belenzinho e da Mooca, que,
sobretudo, fora constituída após as propostas dos trabalhadores
combativos
(...) fazendo com que entre os trabalhadores,
sujeitos agora, como nunca, a uma situação
verdadeiramente intolerável, devido á acção
aladroada dos patrões, insaciáveis sanguesugas
sociaes, se comece a sentir a necessidade de
agir contra os bandidos que, ao abrigo da lei,
vivem a roubar o producto do seu trabalho
insano (A PLEBE, n° 1, p. 3, 9 de junho).
54 Para maior aprofundamento, ver MARX, K. Para a Crítica da Economia
Política — Salário, Preço e Lucro — O Rendimento e Suas Fontes. São
Paulo, Abril Cultural, 1982.
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Conforme ressaltamos no capítulo 2, foram os
múltiplos fatores para a eclosão da greve geral de julho. Assim
pensando em múltiplos fatores, Florentino de Carvalho
apresentará ao operariado paulista os principais motivos da
greve, ressaltando principalmente, as condições materiais que
esta classe está submissa.
O Momento - O porquê das Gréves
A miseria e o trabalho transformam-se em
ouro, em vil metal, que corre em torrentes
caudalosas para os cofres dos negreiros do
Capital e do Estado, operando-se este milagre
pelo talisman da exploração e do imposto. (...)
Florentino de Carvalho (A PLEBE, n° 5, p. 1, 9
de julho).
Ainda,
O operariado realiza, portanto, uma obra
justiceira conquistando pela greve ou outros
meios de acção direta tudo quanto lhe é
extorquido, roubado legal ou ilegalmente.
E não devem perder esta occasião favorável em
que os collocou o incremento do trabalho, que
evita em parte a concorrência de braços. O
movimento deve generalizar-se a todas as
classes, alastrar-se por todo o paiz, afim de que
as conquistas sejam mais rapidas e radicaes.
(...) Florentino de Carvalho (A PLEBE, n° 5, p.
1, 9 de julho).
Eça de Queiroz55 escreverá o artigo Plebe que será
publicado no número 5 do jornal ressaltando as condições
desfavoráveis da classe trabalhadora que, segundo ele, é um
55 Escritor português que nasceu em 1845 e faleceu em 1900. É um dos
renomados escritores portugueses do chamado realismo português. Para
mais, ver: http://www.feq.pt/eca-de-queiroz.html; LYRA, H. O Brasil na
vida de Eça de Queiroz. Lisboa: Livros do Brasil, 1965. MATOS, A.C.
Diccionário de Eça de Queiroz. Lisboa: Caminho, 1988.
........................
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povo que “(...) chora de fome, e da fome dos seus pequeninos –
para que os Jacynthos, em janeiro, debiquem, bocejando, sobre
pratos de Saxe, morangos gelados em champagne e avivados
d’um fio de ether!” (A PLEBE, n° 5, p. 1, 9 de julho).
Além desse texto de Eça de Queiroz, outro nos chama
a atenção. Em meio aos acontecimentos grevistas, A Plebe
buscava esclarecer aos trabalhadores o papel do CDP (órgão
que reunia representantes dos sindicatos e de organizações
operárias e que fora constituído durante a greve geral), para
deixar claro suas posições além de vetar possíveis reações da
classe contra o órgão.
Assim dirão em A’ guisa de ultimatum
O programa communicado aos jornaes pelo
Comitê de Defeza Proletaria era o minimo que
um comitê de defeza, sahido das multidões
vencidas pela fome, espoliada, roubada e
assaltada pelos cossacos do Estado poderia
reclamar (A PLEBE, n° 6, p. 1, 21 de julho)
Confirmando nossa tese de que A Plebe propagava
mecanismos de uma educação libertária, o texto de João
Crispim citado anteriormente deixa claro que a greve geral
seria a única estratégia, naquele contexto, potencialmente
revolucionária utilizada pela classe trabalhadora
O unico recurso para que póde appellar a classe
trabalhadora é a greve geral de todas as classes
operrias da capital, do Estado, do Brasil, afim
de oppor á força bruta do capitalismo a grande
força do trabalho. Agitem-se as classes
laboriosas, estreitem os laços de solidariedade,
revoltem-se pois somente arvorando o pendão
das rebeldias e da guerra contra os
exploradores e verdugos se alcançará melhores
condições de existência, obrigando-os a cair
aos nossos pés pedindo misericórdia (A
PLEBE, n° 6, p. 2, 21 de julho).
........................
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Valendo-nos de artigo publicado em A Plebe, n° 6,
intitulado O Appello aos Soldados notamos que a reafirmação
do caráter de classe da ação anarquista era freqüente e bastante
usual, já que a consciência de classe seria fundamental para a
união dos trabalhadores. Nesse artigo acima descrito
encontramos uma forma de conscientizar os soldados,
propondo para esse grupo específico, que não deveriam
“perseguir os nossos irmãos de miséria”.
Vós, tambem, sois da grande massa popular, e,
si hoje vestis a farda, voltarei a ser amanha os
camponeses que cultivam terra, ou os operarios
explorados das fabricas e officinas. (...)
Cumpri o vosso dever de homens! Os grevistas
são vossos irmãos na miseria e no soffrimento;
os grevistas morrem de fome, ao passo que os
patrões morrem de indigestão! Soldados!
Recusai-vos no papel aos carrascos! (A
PLEBE, n° 6, p. 2, 21 de julho).
Compreendida que a ação anarquista e sua
mentalidade seria algo novo frente à história da humanidade,
os articulistas do jornal tentarão justificar esse entendimento
através da noção de que os libertários teriam as aspirações de
uma sociedade radicalmente distinta da capitalista.
A mentalidade anarchista é uma mentalidade
nova. Constrangidos a viver num mundo
decrépito, em continuo esfacelo, e cuja
existência só com guerras e oppressões de todo
o gênero é possível perpetuar, os anarchistas,
pelo espírito, pela vontade, pelas aspirações
pertencem a um mundo que ha-de vir (A
PLEBE, n° 3, p. 4, 23 de junho).
Os pressupostos políticos e pedagógicos da ação
direta também ressoavam nas críticas aos métodos utilizados
pelo Estado em relação à educação. Combatendo o militarismo
nas escolas, em setembro de 1917 após as festividades da
efeméride de Independência do Brasil e dias antes de seu
........................
- 97 -
primeiro empastelamento, o periódico libertário publicará um
breve texto assinado por sr. Ellis intitulado Farpas de Fogo –
Soldadinhos. Nesse texto, denunciará a formação de uma
consciência militarizada nos estudantes e fará críticas
impetuosas ao Estado que financiara tal educação.
E’, como se vê, o progresso do militarismo em
marcha. Não bastava já haver serviço militar
obrigatorio – tornou-se preciso tambem
introduzir nas escolas o ensino da matança! (...)
Em vez de a educarem racionalmente,
demonstrando-lhe o erro, o preconceito e o
dogmatismo, para que possam amanhã gosar
integralmente um Porvir suavizador, pregam-lhe
a pratica do assassinato, o roubo, da pilhagem e
da destruição para que esta sociedade putrefacta
se eternise na face da terra! (A PLEBE, n° 13, p.
1, 8 de setembro).
O fim da greve geral terá um desfecho bastante
complexo. Quando o CDP foi criado em meio aos
acontecimentos grevistas, ele tinha o intuito de unificar a luta
dos trabalhadores em prol de uma luta unificada, politizada e
organizada. Após a greve notamos que será necessário
continuar as atividades feitas pelos grevistas em novas formas
de organização popular. É entre uma dessas organizações que
ressurgirá a FOSP (federação Operária de São Paulo) e as
demais ligas operárias citadas no capítulo II. Sua rearticulação
será sempre lembrada nos números do jornal que seguirão após
a greve até seu empastelamento. Trataremos das ressonâncias
da greve no próximo ponto.
3.5. A Plebe após a Greve Geral
Quando A Plebe anuncia Os trabalhadores continuam
em actividade56 foi a prova cabal de que as novas agremiações
de trabalhadores surgiriam no Estado de São Paulo. A classe
operária vivia um período de reorganização pós-greve e
56 Assinado por Rebelião no n° 13°, 8 de setembro de 2013, p. 3.
........................
- 98 -
constituía novos órgãos de resistência que será reprimido com
veemência nos meses que sucedem a julho. Porém, ainda
denunciando o não cumprimento dos acordos feitos entre
patronato e classe trabalhadora, A Plebe irá continuar com um
árduo trabalho de denunciar o não-cumprimento, além de
almejar, caso necessário, uma nova greve geral. Assim,
inúmeros textos continuarão a ser publicados até a paralisação
do periódico (que só retornará em 1919) após a prisão de
Edgard Leuenroth.
Após acontecimentos grevistas, o periódico irá lançar
mão de uma forma de interpretação do passado que elencará as
experiências que a classe trabalhadora ganhou com o
acontecimento ao reafirmar a necessidade da ação direta e sua
derradeira importância para o fim do capitalismo.
Esses acontecimentos para nós, dizem mais que
as melhores dissertações sobre o valor e o
significado da acção direta na luta contra os
inimigos do trabalhador. Vimos o seu resultado
em São Paulo, não há ainda um mez.
Erguendo-se em massa contra os seus tyrannos
e exploradores, fez exploradores e tyrannos
oscillar nos seus privilegios e o proprio
Estado, guarda desses privilegios, tremer na
sua base de seculos, aturdido de pavor (A
PLEBE, n° 9, p. 1, 11 de agosto).
Foi compreendendo a estratégia política da ação direta
como mecanismo de luta dos trabalhadores como resultado de
lutas concretas que entende-se a necessidade “deante da acção
directa da massa, da massa que se agita, actua e quer, recuam
todas as prepotências, acovardam-se todas as tyranias,
desfazem-se e desaparecem todos os cynismos” (A PLEBE, n°
9, p. 1, 11 de agosto).
Todavia, a repressão ao movimento grevista de 1917
será exemplar e marcará os últimos dias da primeira fase de A
Plebe, explica Lopreato (2000, p. 209). O periódico que foi
lançado em 9 de junho terá sua última publicação de 1917 no
........................
- 99 -
dia 30 de outubro. No entanto, A Plebe ressurgirá em 1919 e
permanecerá publicando até no ano de 1951, fruto de mais uma
ação policia (LOPREATO, 2000, p. 109).
No ínterim de fim da greve geral até a paralisação do
periódico notamos uma recomposição e um apelo mais
significativo à classe para que fiquem claros os acordos e
vitórias conquistados além da necessidade de uma retomada
dos movimentos sociais de combatividade. Resumindo as
vitórias da classe trabalhadora com a greve geral de julho, o
periódico irá assim publicar:
Embora em parte, os capitalistas e
governantes cederam:
Os industriaes assumiram perante o
<<Comitê>> de Jornalistas o compromisso
seguinte:
a) manter a concessão feita, de vinte por cento
sobre os salarios em geral;
b) affirmar que não será dispensado nenhum
operário que tenha tomado parte na presente
greve;
c) declarar que respeitarão absolutamente o
direito de associação dos seus operarios;
d) effectuar os pagamentos dos salários dentro
da primeira quinzena que se seguir ao mez
vencido;
e) consignar que acompanharão com a máxima
boa vontade as iniciativas que forem tomadas
no sentido de melhorar as condições moraes,
materiaes e econômicas do operariado de S.
Paulo (A PLEBE, n° 6, p. 4, 21 de julho).
Apresentando justificativas sobre a necessidade da
implementação regular das 8 horas de trabalhos diários,
Andrade Cadete em texto elucidativo sob o título de 8 horas de
trabalho, dirá que a luta pela redução da jornada de trabalho é
profícua para o trabalhador por questões físicas e para o
patronato, que desfrutará de mercadorias melhores. Assim ele
dirá:
........................
- 100 -
Na jornada de 8 horas igualmente se observa
que o trabalho produzido é mais perfeito, isto
por se encontrar o funcionamento do
organismo humano completamente
regularizado e lhe ser dado o correspondente
descanço. Nestas condições, o detentor dos
instrumentos de trabalho vê valorizados os seus
artigos e por consequencia com mais margem
para poder concorrer no mercado (A PLEBE,
n° 12, p. 1, 1° de setembro).
Outro fator elementar de frutos da organização será a
construção da FOSP (Federação Operária de São Paulo)57 em
substituição do CDP (Comitê de Defesa Proletária) no dia 26
de agosto com “a mesma linha de organização que a
antecedeu, manifesta-se contra as prisões de operários fazendo
impetrar ordens de habeas-corpus em favor dos prisioneiros”
(KHOURY, 1981, p. 26). Ressaltando a necessidade e
importância do novo órgão da classe operária, o anarquista
João Penteado irá dizer que a recente Federação Operária nada
mais é do que um:
(...) organismo vivo e poderoso, apezar de
recente, apezar de ter nascido hontem, não
deixa de traduzir as nossas mais caras
“esperanças e prometter abundantes e salutares
fructos para a causa da emancipação do
proletariado! (A PLEBE, n° 11, p. 1, 25 de
agosto).
O trecho acima descrito ilustra a forte expectativa em
relação ao novo periódico que teria o salutar papel de
incentivar e potencializar a luta de classes. Após esse artigo,
com total entusiasmo, a edição do jornal terá frases de
destaque sobre a criação da FOSP, dentre as quais se destaca:
Actividade Animadora – Desenvolve-se o movimento do
57 Para tal, ver o artigo Convênio Operario de domingo no número 12
datado do dia 1 de setemrbo, p. 3.
........................
- 101 -
Proletariado; A Federação Operaria foi reconstituída com
grande enthusiasmo – Novas gréves de protesto.
Reafirmando as bases do sindicalismo revolucionário,
destaca-se na descrição feita sobre bases do acordo e a forma
de estruturação da Federação em relação aos sindicatos
operários não sindicalizados, assim dirão:
As classes que para melhor poderem resolver
os trabalhos syndicaes, decidirem dellas se
destacar a fim de constituírem secções das
uniões de industriais ou officios ou syndicatos
autônomos, manterão, junto ás mesmas,
comissões de relação compostas de dois
delegados (A PLEBE, n°11, p. 3, 25 de
agosto).
Após as contínuas perseguições a membros de
sindicatos e federações, o periódico lançará com mais
frequência artigos sem assinatura de autor algum (certamente
para assegurar e manter certa segurança). A Plebe, n°13
publicará o seguinte artigo inicial: Que nojo!... – Havemos de
reagir, apezar de tudo. Nesse texto, a ação direta será
retomada em forma de aclamações veementes para a classe
trabalhadora que, denunciando as deportações e mortes de
operários, proferirá as seguintes palavras contra os órgãos
oficiais do Estado:
Não! Mil vezes não! Havemos de reagir,
atravez de tudo, contra esse crime inominável,
expondo os seus objectos autores á ignomínia,
á justiça popular, a fim de que uns laivos de
remorso penetrem nas suas consciencias
pervertidas. Havemos de mostrar a nossos
irmãos trabalhadores, custe o que custar, dôa a
quem doer, as consequencias funestas que
advêm da desigualdade economica e social
presente, apontando-lhes, simultaneamente, o
caminho conducente á sua integral
emancipação (A PLEBE, n° 13, p. 1, 25 de
agosto).
........................
- 102 -
Bastante reveladora da repressão para a classe
operária, os últimos números do periódico será recheado por
denúncias dos atos policiais sobre os membros de sindicatos,
federações, jornais operários, que ainda estavam a todo vapor
propagando seus ideais, mesmo após a greve de julho. A
necessidade de uma união será necessária para “oppôr uma
barreria tenaz ás arremetidas de tão audaciosos escravocratas”
(A PLEBE, n° suplemento58, p. 1, 15 de setembro).
Exemplificando isso, o jornal em seu décimo terceiro
número publicará Que Banditismo! A infame trama policial –
Está sendo forjado um processo contra os militantes
anarchistas. Nesse texto assinado por R. F. a ação das forças
militares em repressão aos indesejáveis (LOPREATO, 2000)
será clara. Vejamos:
A imbecilidade do governo, como a
imbecilidade da polícia (já que as duas se
confundem) não está, precisamente, no facto de
desejar a expulsão de alguns operarios, cuja
presença o governo ou a polícia julgam
perigosa para o exercício deste governo para a
acção desta policia. Somos os primeiros a
reconhecer que o governo, seja elle qual for,
tem o direito de legitima defeza. A
imbecilidade não está, portanto, no exercício
deste direito, mas no mau uso que deste direito
o governo quer fazer (A PLEBE, n° 13, p. 2, 8
de setembro).
Com certa virilidade, o pequeno texto irá rebater as
alegações por parte da polícia de que as greves eram frutos dos
58 O suplemento, de acordo com nota explicativa publicado nele, publicado
em 15 de setembro de 1917 e foi “composto e impresso nas officinas do
jornal “O Combate”, que o seu diretor poz á nossa inteira disposição para
que A PLEBE não deixasse de circular. Innutil seria encarecer o valor de
tão significativo gesto, neste momento. Ao O COMBATE e sua digna e
honrada direcção todo o nosso reconhecimento”.
........................
- 103 -
indesejáveis, ou seja, um pequeno e articulador grupo de
anarquistas e não da classe em si.
De facto, só um governo de microcephalos
pode conceber que os movimentos grevistas
são obra de meia dúzia de operarios
professando idéas subversivas. E’, literalmente,
o que se póde chamar o Maximo de obtusidade
na arte de discernir. As causas únicas das
greves, causas econômicas, causas Moraes,
essas o governo ignora-as superiormente e
superiormente as despreza (A PLEBE, n° 13, p.
2, 8 de setembro).
A presença desses indesejáveis só comprova a tese de
que “os libertários representavam uma força política ativa e
incômoda aos industriais e aos poderes constituídos”
(LOPREATO, 2000, p. 217).
Continuando com sua eloquente tarefa de denunciar
para a classe trabalhadora as falcatruas (na concepção de A
Plebe), a anarquista brasileira Iza Ruti em A Philanthropia
“delles” irá criticar um clérigo da cidade de Campinas que fez
doações para um hospital em ato de filantropia. Esse ato será
interpretado pela anarquista como um roubo, pois “o dinheiro
por elles empregado em teu favor é o pão tirado da tua boca”.
E tu, ó misero plebeu, que dizes a tudo isso?
Tambem os aplaudes?
Oh! Não. Bem sei que divisas bem claramente
a hypocrisia e a desfaçatez que há em todos os
seus gestos. (...)
A miseria, o escarneo, o desprezo, o insulto da
esmola que te arroja esta sociedade que tu, ó
forte dos fortes! sustentas por um lamentável e
triste egoísmo... (A PLEBE, n° 11, p. 2, 25 de
agosto).
Entendido pelo governo como “indesejáveis” os
militantes anarquistas (uma minoria frente à classe) será
penalizada por serem os culpados pelos conflitos na greve de
........................
- 104 -
julho e uma possível articulação de uma nova paralisação
geral. Apresentando os elementos dessa designação feita aos
anarquistas, em 30 de setembro J. Guanabara escreverá em “Os
indesejáveis” assim que as ações repressivas do Estado farão
com que “em breve, germinará em resultados grandiosos” (A
PLEBE, n° 15, p. 1, 30 de setembro). Para o articulista, o
fenômeno de dar aos anarquistas o adjetivo de indesejáveis era
normal e usual.
As práticas repressivas aos militantes libertários eram
vistas como “crimes do Estado”, uma “campanha infame”
contra os “apostolladores das idéias avançadas”.
Assim definido, o Estado é:
(...) essa terrível machina destruidora que
arrastas milhares de homens ao matadou
humano – A GUERRA. E os políticos, que
pregam ao povo o militarismo, jamais se
levantaram contra esse tremendo flagelo. (A
PLEBE, n° 15, p. 1, 30 de setembro).
O redator d’A Plebe será preso em fins de setembro
quando por uma “escala da repressiva do governo” invade a
sala onde funcionava a redação do jornal (ADDOR, 1986, p.
119). Com isso, os interesses específicos da classe trabalhadora
orientados e propagados pela imprensa operária se encontram
em completo retrocesso, já que as reivindicações atendidas no
plano teórico, encontram-se distantes de realizadas na prática.
Edgard Leuenroth foi preso no dia 14 de setembro de 1917 e
liberto apenas em 8 de março de 1918 sob a acusação de ser o
autor e mentor do roubo ao Moinho Santista no dia 11 de julho
durante a greve (LOPREATO, 2000, p. 187).
3.6. Pictografia como recurso educacional
Por mais que os textos escritos forneçam indícios
valiosos para a interpretação de uma realidade social, “as
imagens constituem-se no melhor guia para o poder de
representações visuais” (HASKEL apud BURKE, 2004, 17).
........................
- 105 -
As imagens publicadas pelo A Plebe expõem
traços do imaginário da militância anarquista,
revelando uma linguagem alternativa de
formação política, que guarda suas
sensibilidades próprias, desenvolvida pelo
periódico libertário (GARZIA, 2011, p. 61).
Porém, além de se tornar fácil, o uso das imagens em
periódicos anarquistas no caso específico da Primeira
República tem uma funcionalidade maior, pois
Em um momento em que a maioria dos
operários era analfabeta ou desconhecia a
língua portuguesa por terem origem estrangeira
(espanhóis, italianos, poloneses entre outros), a
imagem passou a ser um importante
instrumento de educação política por facilitar a
transmissão da mensagem
ao leitor, que se identificava enquanto
indivíduo ou classe social na representação
visual (GAWRYSZEWSKI, 2009, p. 19).
Assim, verificamos que A Plebe continha imagens
(geralmente estavam na primeira folha em sua parte superior)
que representavam e ditavam a temática geral de cada número,
por mais que seja veiculado vários temas ao longo de um só
número.
Evidente que a educação para a ação direta era algo
manifestado nas páginas do periódico de diferentes maneiras.
Portanto, analiso nesse momento, a veiculação de imagens do
periódico como forma de chegar ao leitor com maior
facilidade.
Para Garzia (2011, p. 53), a veiculação de imagens,
caricaturas e fotografias em geral era uma forma de apostar na
“capacidade de inspiração destas”, constituindo formas de
interpretar a realidade e projetar uma nova sociedade advinda
da estratégia da ação direta. Essas pictografias veiculavam, no
contexto de 1917, formas de representação da realidade
burguesa e operária, as desigualdades existentes entre essas
........................
- 106 -
classes sociais, além das representações de uma nova
sociedade fundada nos princípios do anarquismo.
Analisaremos três imagens para demonstrar como era
veiculado o conteúdo anarquista nas imagens do jornal.
Para interpretar as produções pictóricas de A Plebe,
lançaremos mão da compreensão do alemão Walter Benjamin
que define as imagens dialéticas. Pensado assim, a imagem é
categoria central no pensamento de Benjamin (MAIO, 2012).
Aparece como elemento construtivo e depositário das formas
cognitivas, pois estabelece um vínculo da relação entre o
presente e o imaginário (por exemplo, uma projeção de futuro).
Pensado assim, essas imagens podem conter redefinições da
realidade histórica a partir da noção de temporalidade e,
obviamente, uma interpretação do passado através de sua
compreensão do presente propondo um futuro diferente.
Podem-se definir assim as imagens dialéticas:
(...) a imagem é a dialética na imobilidade.
Pois, enquanto a relação do presente com o
passado é puramente temporal e contínua, a
relação do ocorrido com o agora é dialética –
não é uma progressão, e sim uma imagem, que
salta. – Somente as imagens dialéticas são
imagens autênticas (isto é: não-arcaicas), e o
lugar onde as encontramos é a linguagem.
Despertar. (BENJAMIN, 2006, p. 504).
Assim, a imagem dialética é mais uma maneira que os
indivíduos narram histórias de um passado com suas carências
do presente vivido. Isso nada mais é do que resíduos de um
tempo histórico ainda em reconstrução, ou seja, uma relação
contínua do processo histórico com elementos do passado e do
presente com a imagem tendo um pretensão de produzir
conhecimento pela maneira em que descreve o processo por
meio do qual, o autor recorre ao passado confrontando-o com
os elementos de tempo presente.
O alemão diz que o,
........................
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(...) índice histórico das imagens diz, pois, não
apenas que elas pertencem a uma determinada
época, mas, sobretudo, que elas só se tornam
legíveis numa determinada época. (...)Pois,
enquanto a relação do presente com o passado
é puramente temporal, a do ocorrido com o
agora é dialética – não de natureza temporal,
mas imagética. Somente as imagens dialéticas
são autenticamente históricas, isto é, imagens
não-arcaicas. A imagem lida, quer dizer, a
imagem no agora da cognoscibilidade, carrega
no mais alto grau a marca do momento crítico
perigoso, subjacente a toda leitura
(BENJAMIN, 2006, p. 504 – 505).
Após essa explanação teórica, podemos analisar as
imagens. Uma das imagens mais marcantes veiculadas em A
Plebe no período analisado é “Derradeiras Machadadas”. Nela,
por exemplo, veicula-se a noção de que a luta militante deva
ser multideterminante, ou seja, fundada nos vários aspectos da
realidade social feita pelos militantes frente à sociedade.
Nesse sentido, não era propício uma crítica aos
aspectos políticos e econômicos (maior que o político na
imagem) meramente, era preciso ir além, combater a
iniqüidade moral da sociedade humana regida pela autoridade.
Mas desse “tronco principal” surge três galhos suplementares:
um primeiro e maior notavelmente pela imagem, a iniquidade
moral, produzindo preconceitos, ensino viciado, ignorância,
superstição, etc.; o segundo sendo a iniquidade política que
produz as leis, o militarismo, a guerra, o patriotismo,
corrupção, o Estado, etc.; e por fim, o terceiro galho advindo
da autoridade, a iniquidade econômica, produzindo o
comércio, a agiotagem, a desigualdade social, falência,
prostituição, etc.
........................
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Imagem 4 - Derradeiras Machadadas", A Plebe, nº 9, 11 de agosto
de 1917
........................
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Imagem 5 - "Igualdade e Fraternidade", A Plebe, n° 1, 9 de junho de
1917. Assim, só poderia ser concretizada tal luta se
houvesse uma concessão para a educação, um papel importante
no processo de formação cultural (GOMES, 2005, p. 88).
Assim, cabia ao trabalhador combater as iniquidades que se
sustentavam através do seu pilar fundamental: a autoridade.
Além dos aspectos mais visíveis da imagem, outros
nos chama a atenção. O contexto específico, como apontamos
anteriormente, é de luta à moral cristã. Por isso, vemos a
representatividade do corpo nu como afronta à tal perspectiva:
apenas um ser humano despido de suas limitações morais
conseguirá romper com a sociedade que o reprime. Além
disso, a visão voltada para a raiz da árvore nos passa a noção
de uma ruptura sem volta, ou seja, o aquilo que gera a
sociedade deve ser rompida na sua raiz.
........................
- 110 -
No entanto, apesar da constatação de que não existia
um discurso único proferido pela imprensa operária da
Primeira República, é evidente a utilização de imagens para
representar a realidade sócio-histórica do momento de formas
variadas.
Vê-se, portanto, claramente o conteúdo da
desigualdade social na imagem: de um lado a representação de
um burguês clássico sentado em um montante de dinheiro
exibindo sua forma física pomposa e, de outro, a classe
operária mendicante em multidão e “famélica” sem rosto e
fisionomia própria. Segundo Gawryszewski,
Em geral, o patrão burguês é representado
como sendo um homem (seria difícil de se
entender o patrão representado por uma
mulher, visto que quase todos os patrões eram
homens) de terno e cartola. Outra característica
era sua obesidade. Esta ligada não à fartura
“boa”, mas à opressão e à desigualdade social e
econômica (GAWRYSZEWSKI, 2009, p. 31).
Outra imagem de destaque foi publicada em A Plebe,
n° 4, no dia 30 de junho de 1917 e representa a situação da
classe trabalhadora e o que significa o papel da entrada do
Brasil na Guerra: a piora das condições da própria classe em
nome do patriotismo. Assim, a crítica veemente está expressa
em sua legenda que aparece O ultimo pedaço de pão que está
sendo tomado pela Guerra. Essas concepção estética mostra a
representação do soldado com um guerreiro romano (o gigante
imperialista) caracterizado por uma forma física militar e
superior que a classe trabalhadora.
........................
- 111 -
Imagem 6 - "O Brazil na Guerra - o último pedaço de pão", A Plebe,
n° 4, 30 de junho de 1917.
De um lado a representação da força voraz de uma
guerra e de outro, uma família pequena caracterizada em sua
tradicionalidade (homem/mulher/filho/filha) e assustada pela
fisionomia do gigante.
Todas as imagens veiculadas por A Plebe tem um
sentido político-educacional, mas não somente. Como fica
claro a imagem produz um sentido de uma estética libertária
........................
- 112 -
que produz uma autocompreensão da realidade a partir de
representações da realidade em pictografias.
Todas relacionam os temas mais abordados do jornal,
e evidentemente, conforme Gawryszewski (2009, p. 22 – 23)
aponta “dentro de uma perspectiva educacional, pedagógica,
ou seja, de mostrar, ensinar e difundir o ideal libertário, de
denunciar e desnudar o sistema capitalista”. Com isto posto, é
possível identificar por meios das imagens por ele veiculadas,
as “péssimas condições de alimentação e trabalho; os mártires
e heróis dos trabalhadores, a repressão policial e a invasão e
destruição da impressa (“empastelamento”) (...)”, além da “a
ação direta (boicote e greve) e outras tantas questões que os
trabalhadores sentiam e viviam”..
Contudo, essas imagens dialéticas permitem o
indivíduo produzir a partir de seu tempo histórico uma
determinada manifestação de realidade ou como uma imagem
da redenção, após uma proposição de interpretação crítica do
passado e do presente produzindo uma nova forma de relação
social. Por isso, a "imagem dialética é uma imagem que
lampeja. É assim, como uma imagem que lampeja no agora da
cognocibilidade, que deve ser captado o ocorrido".
Portanto, A Plebe ao insuflar uma concepção de
proposição de uma nova sociedade através das suas imagens,
fez aquilo que Benjamin (2006) chamou de imagem do desejo,
ou seja, o periódico propôs um tempo que há de vir após uma
substituição profunda e radical com o que vivemos. Ou
simplesmente, fez “fascinar como uma aparição capaz de
perseguir” (BOSI, 1977, p. 14).
3.7. Poesias libertárias
Para Lopreato (2000, p. 110), as poesias foram um
importante instrumento de instrução da classe operária nas
páginas d’A Plebe e se constituiu como peça importante por ter
um “caráter doutrinário”. Assim, concordando com sua análise
e indo além dela, analisaremos algumas destas poesias que se
faziam presentes nas páginas do periódico e estabeleceremos
........................
- 113 -
uma interpretação entre o seu ideário educacional e as referidas
poesias.
De acordo com Alfredo Bosi (1977, p. 142), as
poesias ou meramente a vontade mitopoética de compreender a
natureza e os homens, “foram assumidos e guiados, no agir
cotidiano, pelos mecanismos do interesse, da produtividade”
pela hegemonia burguesa na compreensão das relações sociais
(por exemplo, a ciência). Para Bosi, as poesias também
formam “(...) a crítica direta ou velada da desordem
estabelecida (vertente da sátira, da paródia, do epos
revolucionário, da utopia)” (BOSI, 1977, p. 145). É pensando
assim que analisaremos alguns epos revolucionários de A
Plebe.
Algumas poesias ao identificar o papel das classes
sociais e suas posições frente às desigualdades da sociedade
paulistana no período apresentam críticas à sociedade de forma
contundente nos liames da poesia como recurso lingüístico.
Assim, a questão das moradias de operários e burgueses, a
fome, etc. é tema da poesia Contrastes, que assim pensa:
Quem habita o palácio magestozo
Cercado de confforto e de goso
- O Gran-senhor! (...)
Quem dia a dia soffre e se consome
Para ganhar o negro pão da fome?
– O produtor! (...)
Quem escarnece os códigos e as leis
Praticando mil crimes bem crueis?
– O Gran-senhor! (...)
Quem vive em edifício confortável
Construido por um opperario miseravel?
– O Gran-senhor!
Quem apos a labuta quotidiana
Tem para abrigo lugebre cabana?
O produtor! (...) Andrade Cadete (A PLEBE,
n° 7, p. 4, 28 de julho).
A utilização da metáfora como recurso lingüístico era
algo recorrente dos escritos do periódico, utilizados geralmente
........................
- 114 -
para dar sentido ao seu discurso libertário analisando as
sociedades do passado, as suas e propondo a ruptura com elas.
Vejamos como na poesia Rebeliao os aspectos constitutivos da
ação direta são trabalhados:
Rebeliao
(...) quando comece a lucta,
Quando explodir a tormenta,
A sociedade corrupta,
Execravel e violenta,
Iníqua, vil, criminosa,
Ha de cahir aos pedaçoes,
Ha de voar em estilhaços
Numa ruína espantosa
Ricardo Gonçalves (A PLEBE, n° 1, p. 2, 9 de
junho).
O uso das metáforas, como por exemplo, na metáfora
cristã O mundo melhor dorme em longa treva presente em O
sol da nova Idéa de Teixeira Bastos, reafirma ainda que a
forma de reconhecer novas formas através de formas já
conhecidas é algo recorrente na atividade humana. Em tal
poesia já citada, através de uma linguagem acessível que
utiliza de adjetivos para caracterizar a sociedade capitalista (a
ser superada), Teixeira Bastos apresenta a noção de fim a
sociedade capitalista de sua época e de suas características
(entre elas, os aspectos religiosos) e a instauração de uma
sociedade, caracteriza por novas relações sociais. Vejamos.
As imagens dos célicos devassos
Levadas pelos ventos revolteiam
As crenças divinaes em estilhaços
(...)
Dos credos sem sentidos as densas brumas
Se dissolvem na noite, quaes espumas
Nas areias da praia que reluz!
O mundo melhor dorme em longa treva.
Emtanto ao longe vejo que se eleva
O sol da nova Idéa, a branca luz!
........................
- 115 -
(A PLEBE, n° 3, p. 2, 23 de junho).
A luta complexa (e não meramente anticlerical ou
econômica) também está presente nas poesias libertárias
publicadas no periódico. Abaixo temos o exemplo de uma
poesia que compreendia a luta contra o clericalismo, a
sociedade de classes e a sua superação advinda de uma luta
(vingança) para eregir uma sociedade anarquista. Em Abri! Eu
chamo-me a Anarchia! lê-se:
Eu sou o Turbilhão colérico e profundo,
que vem varrer a terra, o raio nunca visto
venho cheio de pó, cansado, todo immundo (...)
Tu, Igreja, renega antes quescante o gallo.
- Justiça, mostra já teu dedo flammejante!
- Vingança, vai sella o teu feroz cavello!
Gomes Leal
(A PLEBE, n° 4, p. 2, 1917).
A figura do burguês e cristão é satirizado na poesia de
Vicente de Miranda Reis que analisa comparativamente os
objetivos de Jesus e dos que se dizem cristãos. Assim dirá que
hoje “(...) o burgues, depois de tantos annos, é bom christão e
explora o povo obreiro (A PLEBE, n° 11, p. 1, 30 de junho).
Outra temática abordada nas poesias vinculadas por A
Plebe é o tema do amor livre. Na poesia datada de 7 de
outubro de 1917, Coriolano Leite entenderá que a moral
religiosa sobre os corpos deva ser combatida e assim, apelando
ao tema da virgindade, dirá aos homens e às mulheres:
Dae-vos altivamente aos beijos, sem receio.
Vida, gerae a vida e procreae amores.
(...)
E vós, homens do amor, e vós que a desejaes,
(...)
Beijae as livremente á grande luz do dia (A
PLEBE, n° 16, p. 2, 7 de outubro).
Um elemento de destaque que foi trabalhado por
Neves (2012, p. 26), é o caráter de refinamento nos escritos
........................
- 116 -
d’A Plebe. Podemos notar bem isso nas suas poesias e nos seus
escritores, que apesar de ter uma acessibilidade em relação ao
conteúdo, continha momentos de refinamento em relação à sua
escrita que vão além de seu pragmatismo político: o periódico
utiliza o refinamento como arte, logo, uma nova forma de
superação das limitações da sociedade capitalista e de suas
produções.
Assim, esse refinamento, “pode ser uma tentativa de
contrapor a imagem do desordeiro irracional” que
historicamente fora lançada aos anarquistas escritores e que
nada são além de doadores de sentido (BOSI, 1977, p. 141)
que voltam, ou ao menos, possibilitam uma volta rápida e não
tão duradoura do direito do poeta de dar nome às coisas (idem,
p. 144).
3.8. A influência das Escolas Modernas
Um elemento fundamental de uma educação libertária
é a prática da autoformação educacional e da independência
intelectual. A Plebe bem fará isso ao indicar obras de teóricos
libertários aos trabalhadores59. Na edição de 30 de junho de
1917, irá publicar uma frase de Francisco Ferrer y
Guardia60,fundador das Escolas Modernas na Espanha, que
reúne os elementos primários da educação racionalista
proposta pelo espanhol e utilizada por A Plebe: “Procurar o
meio de pôr os seres de accordo no amor e na fraternidade,
sem distinção de sexo, é a grande tarefa da humanidade” (A
PLEBE, n° 4, p. 1, 1917).
Para o espanhol Ferrer y Guardia:
A missão do ensino consiste em demonstrar à
infância, em virtude de um método puramente
científico, que quanto mais se conhecer os
59 Ver, por exemplo, a edição 19 de 30 de outubro de 1917 que em sua
última página reservará um notável espaço para indicar obras de vários
autores, em sua maioria, libertários como Bakunin, Neno Vasco, Proudhon,
Jaurés, Krpotkin, Malatesta, Reclus, Fabbri, etc. 601859 - 1909. Foi o idealizador das Escolas Modernas na Espanha (1901).
........................
- 117 -
produtos da natureza, suas qualidades e a
maneira de utilizá-los, mais abundarão os
produtos alimentícios, industriais, científicos e
artísticos úteis, convenientes e necessários para
a vida, e com maior felicidade e profusão
sairão de nossas escolas homens e mulheres
dispostos a cultivar todos os ramos do saber e
da atividade, guiados pela razão e inspirados
pela ciência e pela arte, que embelezarão a vida
e justificarão a sociedade (FERRER Y
GUARDIA, 2010, p. 40).
Para A Plebe, bem como para Guardia, era a
“coeducação de meninas e meninos” (GUARDIA, 2010, p. 11)
um passo muito importante para uma educação libertária.
O ensino misto penetra por todos os povos
cultos. Em muitos, faz tempo que são
reconhecidos os seus ótimos resultados. O
propósito do ensino de referência é que as
crianças de ambos os sexos tenham educação
idêntica; que de maneira semelhante
desenvolvam a inteligência purifiquem o
coração e temperem suas vontades; que a
humanidade feminina e masculina sejam
compenetradas, desde a infância, com a mulher
chegando a ser, não em nome, mas na
realidade, a companheira do homem
(GUARDIA, 2010, p. 12).
........................
- 118 -
Figura 7 – Nota publicada sobre a Escola Moderna. A Plebe, n° 17,
p. 1, 14 de outubro de 1917.
São referências como essas que perpetraram as
páginas d’A Plebe por vários momentos. Por exemplo, em
referencia aos 8 anos da fuzilamento do anarquista espanhol, A
Plebe publicará O anniversario funnebre dum justo
ressaltando que ele, “(...) morreu! Mas a Idéa Sublime
Redemptora triumphou sobre os seus assassinos” (A PLEBE,
n° 17, p. 1, 14 de outubro).
Um exemplo de tal triunfo seria as Escolas
Modernas61 que em São Paulo haviam se instalado e que fora
fruto de trabalho árduo de militantes anarquistas desde 17 de
novembro de 1909 quando elaboraram a Comissão Pró-
61 As Escolas Modernas foram fundamentais para a construção de um ideal
educacional libertário. A Escola Moderna, n° 1, surgiu em 1918 e tinha
João Penteado como organizador.
........................
- 119 -
Fundação da Escola Moderna62 de São Paulo
(GUIRALDELLI, 1987, p. 131).
Após suas fundações, as Escolas tiveram um
importante papel na ação pedagógica libertária.
Com idéias simples, porém contundentes, os
libertários atacaram os fundamentos da
ideologia dominante. Para os libertários, a luta
pela instrução se inseria no contexto das
demais batalhas que se desenrolavam no
sentido de recuperar instrumentos de atuação
social historicamente monopolizados pelas
classes dirigentes. Insistiam na necessidade da
educação como instrumento de atuação social.
Era necessária instrução para melhor
reivindicar, ao mesmo tempo em que era
necessário reivindicar para poder estudar mais.
A constatação de que a escola funcionava
como foco doutrinador a serviço das camadas
dirigentes fez com que os libertários
redobrassem seus ataques contra o ensino sob
controle estatal (CASALVARA; MORAES,
2002, p. 5).
Essencialmente, essas práticas político pedagógicas
das Escolas Modernas foram propagadas em A Plebe devido
sua articulação libertária, já que esse modelo educacional,
implantado nas Escolas Modernas, coloca em questão as
práticas pedagógicas oficialmente aceitas e difundidas pelo
Estado e pela Igreja (CASALVARA; MORAES, 2002, p. 5).
3.9. A “Gazetilha de Satan” critica com sarcasmo
Outro importante ponto de destaque do periódico é a
seção Gazetilha de Satan. Essa seção aparecerá em geralmente
na parte inferior da segunda página com críticas satíricas a
alguns indivíduos (e não a classe como todo) de destaque no
cenário paulistano e nacional.
62 Na capital federal também se organizou a Comissão Gonçalves (2007, p.
89).
........................
- 120 -
Sua primeira aparição vem no número inaugural d’A
Plebe. Sem um título específico definido, Roberto Feijó fará
críticas ao “Sr. Medeiros e Albuquerque” (membro da
Academia Brasileira de Letras) (A PLEBE, n° 1, p. 2, 9 de
junho) devido seus escritos conservadores e patrióticos.
A segunda coluna sob o nome de Gazetilha de Satan,
virá em 16 de junho analisando dr. Ruy Barbosa, também feita
por Roberto Feijó, como um “politiqueiro”. No próximo
número, o senador da República Alfredo Ellis é analisado por
Alfredo Villa-Sêcca como um “inútil ao povo brasileiro” além
de “nocivo, é criminoso, é tyrano”.
Como a irregularidade era recorrente em A Plebe, a
seção Gazetilha de Satan será substituída várias vezes por
outras de conteúdos de conotação diferente. Esse é o caso do
número 4 do jornal que em seu local virá Lobos e Cordeiros
assinado por E. Lima e no numero 5, que sob o título de
Octávio Mirbeau, Neno Vasco realizará duras críticas ao autor
de mesmo nome que o título.
Voltando no número 10, a citada seção irá promover,
através de De Loyolla a Machiavel assinado por R. F., uma
profícua análise das relações do Estado com o patronato e
apela para seus leitores que “o operariado merece coisa nova e
imprevista lição” (A PLEBE, n° 10, p. 1, 18 de agosto).
No número seguinte, R. F. analisará a Primeira Guerra
Mundial com o artigo A Paz. Tecendo críticas aos países
envolvidos no conflito, a comunidade socialista internacional
(naquele momento reunidos na II Internacional) e ao Vaticano
que intermediaria o conflito propondo paz, o articulista dirá:
Ignoramos a qual delles caberá a victória. (Não
desejamos incidir ao vício das previsões).
Todavia, agora como no início da guerra, a
nossa convicção é esta e só uma: A paz há-de
fazer-se, com o Vaticano ou sem elle, com a
Internacional ou apeza della (A PLEBE, n° 11,
p. 1. 25 de agosto).
........................
- 121 -
Por mais que essa seção tenha sido efêmera,
publicando apenas quatro textos, ela foi fundamental para
analisar indivíduos sociais que agiriam em favor da
manutenção das relações sociais vigentes que, conforme
ressaltou Guimarães (2011, p. 110), são esses mecanismos que
reverberam o que se compreende por ação direta, uma prática
ética “alicerçada em princípios morais de uma sociedade
comunista e libertária futura” que só seria possível através da
luta de uma classe específica (a trabalhadora) para a dissolução
das relações sociais capitalistas, através da ação direta que não
é nada além de “a saúde, a dignidade e a vida dos
trabalhadores” (A PLEBE, n° 9, p. 1, 11 de agosto).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para concluir esse trabalho, sem fechar as portas da
reflexão, entendemos que o periódico A Plebe reverbera seus
objetivos e sua forma de conceber uma forma de ação política
e pedagógica voltada para a revolução social através da ação
direta. Seus elementos principais juntamente com outros
secundários estão presentes além de uma aparência e da
retórica utilizada: influi-se novas formas de sociabilidade
através do cotidiano de crítica à sociedade capitalista, por
exemplo, o uso de poesias e pictografias.
Diria por ora que o pensamento difundido por A Plebe
traz com consistência política e pedagógica os pressupostos de
novos tipos de relações sociais que, para o imaginário dos
anarquistas, não é uma “fantasia quimérica” ou um “sonho
abstrato” e sim, concreto, fruto das contradições sociais
existentes, utilizando-se da ação direta como mecanismo de
concretização.
Propagadores de uma ruptura radical em relação à
sociedade de classes e ao futuro da classe operária, o periódico
anarquista reacenderia as chamas da utopia concreta, buscaria
um otimismo em relação ao pessimismo, já que este último,
........................
- 122 -
nas palavras do filósofo alemão Ernst Bloch nada mais é do
que “paralisia pura e simples” (BLOCH, 2005, p. 432).
A Plebe se constituiu como uma propulsora elementar
do periodismo militante com objetivos claros: a busca de uma
sociedade livre e igualitária fundada nos princípios da anarquia
como “efervescência utópica”.
FONTES PARA PESQUISA
Jornais
A Plebe
n° 01, 09-06-1917
n° 02, 16-06-1917
n° 03, 23-06-1917
n° 04,30-06-1917
n° 05, 09-07-1917
n° 06, 21-07-1917
n° 07, 28-07-1917
n° 08, 04-08-1917
n° 09, 11-08-1917
n° 10, 18-08-1917
n° 11, 25-08-1917
n° 12, 01-09-1917
n° 13, 08-09-1917
n° 14, 22-09-1917
n° 15, 30-09-1917
n° 16, 07-10-1917
n° 17, 14-10-1917
n° 18, 21-10-1917
n° 19, 30-10-1917
Suplemento, 15-09-1917
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APÊNDICES
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- 134 -
O comunismo anarquista do jornal Spártacus
(1919 – 1920)
The communism anarchist of the Spártacus
newspaper (1919 – 1920) Resumo: O jornal Spártacus, periódico que circulou na capital
federal do Brasil entre 1919 e 1920 produzindo um total de 24
números, fizera parte do que ficou comumente conhecido
como Imprensa Operária. Essa imprensa produziu, apesar da
repressão por parte do governo brasileiro, uma intensa
propagação dos ideais operários. Nesse âmago, alguns jornais
tinham linhas ideológicas específicas, caso este do jornal
Spártacus de orientação comunista anarquista. Tem-se como
objetivo deste texto apresentar as principais concepções
assumidas pelo jornal libertário, de seus editores (Astrojildo
Pereira, José Oiticica, etc.) ressaltando o caráter revolucionário
do jornal, preocupado com a finalidade última do anarquismo:
a destruição da sociedade de classes, do capitalismo, do Estado
etc. para a construção de uma sociedade radicalmente
diferente.
Palavras-chave: Spártacus, Imprensa Operária, Anarco-
Comunismo.
Abstract: Spartacus newspaper, periodical circulated in
Brazil’s federal capital between 1919 and 1920 producing a
total of 24 numbers, had been part of what became commonly
known as Labor Press. This press produced, despite the
repression by the Brazilian government, an intense propagation
of the worker’s ideals. In this core, some newspapers had
specific ideological lines, in the Spartacus newspaper’s case
the guidance was the communist anarchist. It has been the
objective of this paper to present the main conceptions
assumed by the libertarian newspaper, of its editors (Astrojildo
Pereira, José Oiticica, etc.) stressing the revolutionary
character of the newspaper concerned with the ultimate goal of
anarchism: the destruction of class society, capitalism, the
State etc. for the building of a radically different society.
Keywords: Spartacus, Press Worker, Anarcho-Communism.
........................
- 135 -
Este artigo surgiu da necessidade de identificar na
complexidade da imprensa operária e anarquista algumas
diretrizes do pensamento libertário que serão difundidas no
movimento operário da Primeira República do Brasil. A
historiografia ainda não produziu obras que tratem
exclusivamente das minúcias da imprensa operária, sobretudo
anarquista, deixando assim, um lócus a ser preenchido por
novas pesquisas que tratem do assunto. Assim,
compreendemos que ocorreu, e ainda ocorre, uma disputa no
campo da memória do movimento operário brasileiro que, com
objetivos diversos, deturpou o papel da imprensa anarquista,
simplificando-a e elevando disparidades no seu interior para
exaltar determinadas estratégias em detrimento de outras.
Assim, têm-se como objetivos: primeiramente, de
apreender as concepções assumidas pelo jornal Spártacus63,
semanário sediado na cidade do Rio de Janeiro que circulou de
2 de agosto de 1919 a 10 de janeiro de 1920 publicando um
total de 24 números; segundo, instigar pesquisadores
preocupados em estudar um período frutífero e de grande
complexidade da história do Brasil republicano sobre as
questões internas do anarquismo no que tange a sua
organicidade; por último, compreender que a história
dominante é fruto de uma relação histórica de dominação entre
os movimentos revolucionários, como por exemplo, a sólida
fronteira entre o “dizível e o indizível”64 da ditadura vermelha
bolchevista no campo da memória.
Fica difícil imaginar a priori, conforme tentaremos
demonstrar abaixo, como os anarquistas com inspiração nas
63 Todos os números do jornal Spártacus encontram disponíveis no Arquivo
Edgard Leuenroth (AEL) nas dependências do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na
cidade de Campinas, São Paulo, onde foram coletados. Todos os números
do jornal se encontram disponíveis neste arquivo, microfilmado, sendo
passível também de ser scaneado no próprio arquivo.
64 POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos
Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, nº 3, 1989, p. 3 – 15.
........................
- 136 -
teorias de Malatesta e Kropotkin irão relacionar e propagar os
ideais difundidos pelos bolchevistas. Adversários históricos
dos anarquistas, os partidários de Lênin receberão apoio dos
anarquistas no contexto da Primeira República do Brasil.
Porém, esse processo não é algo simples e inocente. Nossa
hipótese é de que entusiasmados pelos ecos da Revolução
Russa, o jornal irá difundir concepções do comunismo65
libertário e estes não terão uma distância crítica, pois no calor
dos acontecimentos e na conjuntura do período, notícias claras
do que realmente acontecera no extremo norte da Europa eram
difíceis.
Antes de tudo, torna-se salutar dizer que com a
imigração, sobretudo italiana, vieram para o país os ideais do
movimento operário europeu e, conjuntamente, suas práticas
políticas. Esses imigrantes que chegavam ao Brasil vinham
carregados de concepções e pensamentos de organização
proletária, características da Europa daquele contexto. Porém,
os ideais do movimento operário não advieram apenas da
Europa.
No caso brasileiro, as transformações trazidas pela
modernização potencializaram o crescimento e a necessidade
da imprensa, trazendo a “difusão de novos hábitos, aspirações
e valores” (LUCA, 2011, p.120), em que abrigavam uma
infinidade de publicações periódicas. Conforme Boris Fausto
(1977, p. 61) o jornal teve um papel de sua importância para o
operariado, pois este “constitui um dos principais centros
65 É notório informar que o conceito de comunismo libertário nos “clássicos
anarquistas” é um conceito utilizado frequentemente por seus militantes,
especificamente em Piotr Kropotkin. Porém, o conceito de comunismo, era
um termo em “disputa”. Na historiografia, os conceitos em disputa são
concepções de suas práticas. Assim destaca Antoine Prost “É que, para os
atores individuais ou coletivos da história, os textos que eles produzem não
são apenas meios de dizer seus atos e posições; os textos são, neles
mesmos, atos e posições. Dizer é fazer, e a lingüística, fazendo o
historiador compreender isso, devolve-lhe a questão do sentido histórico
desses atos particulares” (in: RÉMOND, 1996, p. 317).
........................
- 137 -
organizatórios de difusão de propaganda”. Ele figura-se dentro
do movimento operário da Primeira República do Brasil como
um “veículo de expressão escrita”, transformando-se “(...)
também com frequência em veículo oral, ao ser lido em voz
alta aos trabalhadores analfabetos”.
Os anos de 1917 - 1920 são marcados por grandes
greves e insurreições ocasionando várias expulsões e
deportações. Por exemplo, a Lei Adolfo Gordo66 será colocada
em prática diversas vezes para expulsar os indesejáveis67. No
Rio de Janeiro no período acima mencionado ecoou três
movimentos grevistas de destaque. Conforme Addor (2009), a
greve de julho de 1917 no Rio de Janeiro ocasionada,
sobretudo, pela carestia de vida e organizada pela FORJ
(Federação Operária do Rio de Janeiro), ocorre ao mesmo
66 Nos primeiros anos do século XX no Brasil a política repressiva do
Estado se fortificou. Tal repressão materializada, por exemplo, na Lei
Adolfo Gordo, proposta pelo Deputado Adolfo Gordo e aprovada no ano de
1907é um exemplo elementar. A lei previa a expulsão de estrangeiros que
estivessem ligados ao movimento operário da época. Nesse âmbito, um
exemplo claro é a expulsão do diretor do jornal socialista "AVANTI",
Vicente Vacirca, em 1908 (RODRIGUES, 1997, s/p). De acordo com
Dulles (1977, p. 117), essa lei, que será reeditada em 1922, “estabelecia
punições para os que contribuíssem para a prática de tais crimes através de
reuniões ou de qualquer instrumento de propaganda; e conferia às
autoridades o direito de fechar, por tempo indeterminado, sindicatos e
entidades civis que cometessem atos prejudiciais à segurança pública”. Para
maior aprofundamento: BATALHA, Claudio. O Movimento Operário na
Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000;
RODRIGUES, Edgard. O Homem e a Terra no Brasil. Florianópolis:
Insular, 1997; LEAL, C. F. B. Pensiero e Dinamite: Anarquismo e
repressão em São Paulo nos anos 1890. 2006. 308f. Tese (Doutorado)-
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de
Campinas, 2006. 67 Spártacus em seu número 13, datado de 25 de setembro de 1919, irá
dizer que o governo preparou ao Congresso Nacional, via senador Adolpho
Gordo, um “projeto-arrôcho”, ou simplesmente, um “projeto-rolha” que
visava “vedar a propaganda comunista pelas pena ou na tribuna”. Tratava-
se nada menos do que da Lei de Expulsão.
........................
- 138 -
tempo da greve geral na cidade de São Paulo. A segunda greve
de destaque é “a greve ocorrida em agosto de 1918, dos
trabalhadores da Companhia Cantareira e Viação Fluminense”
(ADDOR, 2009, p. 30). Nesta greve de agosto de 1918, o
conflito entre trabalhadores e a polícia estadual marcam um
período mais um sangrento na história da Primeira República
do Brasil. O terceiro movimento grevista ocorre em novembro
de 1918 como uma greve que visava a insurreição, fato que
não ocorre. Os grevistas são reprimidos pelo Estado sob a
égide da polícia, marcando mais um capítulo sangrento no
movimento operário.
A 18 de novembro de 1918 declara-se no Rio e
em cidades vizinhas uma greve geral
insurrecional. Operários entram em choque
com o exército e a polícia. Oiticica e outros são
presos acusados por um oficial do exército de
serem os promotores de uma tentativa
insurrecional (LOPES, 2007, p. 2).
Para Edgar Rodrigues, no período da Primeira Guerra
Mundial, “o proletariado do Brasil ainda acolheu o grito de
desespero dos flagelados russos, principalmente os anarquistas
do Rio de Janeiro, que haviam fundado o primeiro Partido
Comunista Brasileiro em 1919” (o mesmo partido que citamos
anteriormente). Essa organização era um Partido, mas que
“nada tem a ver com o futuro Partido Comunista”, era apenas
“um produto do entusiasmo dos trabalhadores libertários com a
Revolução dos Sovietes” (RODRIGUES, 1996, s/p).
O jornal Spártacus, considerado como o “porta-voz
do núcleo carioca do Partido Comunista” surgiu em 2 de
agosto de 1919 e tinha sua publicação sob a responsabilidade
de um Grupo Editor, “estando a sua redação e administração a
cargo de Astrojildo Pereira”. Ainda contou como redatores do
jornal: José Oiticica (1882-1957), Astrojildo Pereira (citado
anteriormente e ainda anarquista), Santos Barbosa, Urich
d'Avila, Izauro Peixoto, Salvador Alacid, José Busse e Cruz
Junior.
........................
- 139 -
No mesmo período, José Oiticica e outros libertários
fundaram em 1919 o Partido Comunista do Brasil de
inspiração malatestiana68. Alexandre Samis aponta que a
criação da Aliança Anarquista do Rio de Janeiro, organização
de orientação política definida, foi fundamental nessa criação.
A Aliança “surgia como um órgão de união, entendimento e de
aliança entre anarquistas” e o Partido “tinha como objetivo dar
organicidade às ações dos libertários que pensavam não bastar
unicamente a inserção sindical para se alcançar a Revolução
Social” (SAMIS, 2004, p.145).
“(...) em 1919, os anarquistas, carentes de um
órgão que respondesse à altura pelas demandas
do período, fundaram um Partido Comunista de
inspiração libertária. Seu “presidente de
honra”, título, aliás, rejeitado pelo
homenageado, José Oiticica, além de outros
anarquistas, entendiam que era premente a
necessidade de se formar um núcleo político
que pudesse encaminhar, mais claramente,
ações anarquistas em diversos setores da
sociedade. O Partido, sem fins eleitorais, vinha
68 Apesar da tese do Partido Anarquista - já presente em Mikhail Bakunin
com a ADS - é com Errico Malatesta que essa estratégia é levada a cabo
com maior profundidade (o italiano desenvolve as teses de Bakunin, apesar
de suas discordâncias). Objetivando criar uma organização anarquista com
base operária sólida, o Partido Anarquista na concepção do italiano Errico
Malatesta, visava, de maneira geral, trazer o desenvolvimento do tema da
organização específica anarquista para catalisar no nível das massas uma
questão ideológica sintética e bastante definida em meio às massas: o
anarquismo. Sobre a "Plataforma Organizativa para una Unión General de
Anarquistas" de 1926, Malatesta dirá : “Eu creio que é, por sobre tudo,
urgente e essencial que os anarquistas alcancem acordo e se organizem
tanto como podem e o melhor que puderem, para que ser capaz de
influencia a direção que as massas tomam em sua luta por melhorias e por
sua emancipação. (...) Daqui se encontra a urgente necessidade de
organizações puramente anarquistas, lutando desde dentro e desde fora dos
sindicatos para alcançar uma sociedade plenamente anarquista e para
esterilizar todo gérmen de degeneração e reação” (MALATESTA, 1927).
........................
- 140 -
preencher uma lacuna organizativa que não
cessava de crescer com a ampliação das
atividades de militantes libertários no meio
operário” (SAMIS, 2004, p. 138).
Sobre a fundação do Partido Comunista, Nascimento
(2007) diz que “procurando fundir uma concepção
malatestiana de partido com a proposta maximista,
maximalista ou bolchevista, como ficou mais conhecida” o
partido, de “vida efêmera, defendia as bandeiras do
antiparlamentarismo, do antiestatismo, do anticapitalismo.
Feneceu por conta dos embaraços e ambigüidades que
suscitava, retratando o estado de espírito confuso existente
entre os trabalhadores à época” (NASCIMENTO, 2007, p.
130). Porém, há algumas questões a serem rediscutidas na tese
de Nascimento (2007). A distinção entre nível político e social
também é feita pelos anarquistas, portanto, não há nesse
sentido, apropriação dos sentidos políticos do maximalismo. O
que aproxima o partido leninista do partido anarquista é
apenas a distinção entre as esferas, mas há uma diferença
profunda no que tange a tarefa do nível político e do social, o
que distinguiria de maneira mais definida as duas propostas69.
Continuando sobre o Partido Comunista, Astrojildo
Pereira, assim dirá:
são mais ou menos conhecidos os
acontecimentos que antecederam e abriram
caminho à organização definitiva do Partido
Comunista do Brasil. [...] Ponho “Partido
Comunista do Brasil” entre aspas porque em
verdade o seu conteúdo não correspondia ao
rótulo. [...] Em vez de estatutos, foram
elaboradas e adotadas umas simples ‘bases de
acordo’, à boa moda anarquista, com o item
69 Para tal, ver: CORREA, Felipe. Anarquismo e Sindicalismo
Revolucionário: uma resenha crítica do livro de Edilene Toledo, a partir
das visões de Michael Schmidt, Lucien Van der Walt e Alexandre Samis.
Disponível em <http://www.anarkismo.net/article/16164>. Acessado em
14/04/2013.
........................
- 141 -
seguinte relativo aos ‘fins imediatos’ do
Partido: ‘Promover a propaganda do
Comunismo Libertário, assim como a
organização de núcleos comunistas em todo o
país (PEREIRA, 1962, p. 42).
Após o Congresso Comunista e a fundação do
Partido, o jornal Spártacus (assinado por José Oiticica) irá
publicar os Princípios e Fins e as Previsões Práticas, nos
números 3 e 4 do jornal, respectivamente. Vejamo-las abaixo:
Estes princípios e fins serão a carta de abecê
introdutória do meu Catecismo anarquista que
pretendo editar em livro (...)
XVIII O estado, órgão sustentador da
propriedade particular, baseia-se em leis
impostas aos não-possuidores ou aos pequenos
possuidores
XIX A classe dos grandes possuidores,
constitutive do Estado, sempre criou para seus
membros inúmeros privilégios que os eximiam
das leis. Somente as contínuas revoltas dos
não-possuidores tem conseguidor cercear taes
privilégios.
XX O estado garante a execução das leis
protetoras da propriedade particular por meio
da violência (força armada). O Estado é, por
isso, instituição antisocial e imoral. (...)
XXX O ensino deve ser integral até os vinte
anos e garantido para todos. (...)
XXXI A educação comunista visa desenvolver
o mais possível a capacidade de energia de
todos. (..)
Eis os princípios teóricos. No próximo número
virão as previsões práticas. JOSÉ OITICICA
(SPÁRTACUS, 16/08/1919, p. 1).
Algumas considerações são importantes. Os
princípios libertários desse Congresso Comunista que instituirá
um Partido (sob as bases teóricas malatestianas, conforme
colocamos anteriormente) são importantes de serem
salientados. Primeiramente, a concepção de que o Estado é
........................
- 142 -
tido como o constituinte dos privilégios da exploração,
compondo então, a sua destruição como uma necessidade
revolucionária; segundo, as leis criada pelo Estado vem para
fundamentar essa exploração no âmbito jurídico e formal,
cabendo aos trabalhadores a luta antiestatal como
revolucionária, ou seja, não cabendo a organização da classe
via Estado; terceiro, a educação propagada pelo Congresso
visa contribuir para a emancipação dos trabalhadores através
dos princípios da integralidade do conhecimento que pode ser
adquirido pelos indivíduos. Outras questões são importantes de
lembrar, por exemplo, as Previsões Práticas. Destacamos
algumas abaixo.
I. O território de cada paiz será dividida em
zonas federadas, cada zona em municípios e
cada município em comunas. (...)
V. Para coordenação e direção dos serviços e
para execução das medidas tomadas nas
assembléas, haverá conselhos comunais,
municipais, federais e um internacional. (...)
XI. Os delegados não gozarão de nenhum
privilégio, nem serão dispensados de seus
serviços profissionais, sinão quando suas
funções de delegado lhes absorverem todo o
tempo.
XVIII. As horas de trabalho em cada comuna
serão reguladas pelas necessidade sociais,
ficando o horário a cargo do conselho comunal.
(...)
Eis o esboço de uma constituição comunista.
Há de ser forçosamente incompleta. Peço aos
camaradas que em tono desse esboço travem
discussões e sugiram outras idéas essenciais.
JOSÉ OITICICA
(SPÁRTACUS, 23/08/1919, p. 1).
Nestes elementos encontramos alguns pontos
definidores do princípio comunista libertário. O primeiro é a
estratégia comunal de organização, na relação de cada
localidade dividida em zonas federadas, cada zona em
........................
- 143 -
municípios e cada município em comunas, não cabendo o
centralismo e o governo burocrático, e sim, a autogestão;
segundo, os trabalhos realizados dentro de cada comuna será
realizada através de delegados não cabendo autonomia
administrativa do individuo frente ao coletivo; o regime
comunista institui a produção (o trabalho) regulada pela
necessidade social, sendo então, um princípio da necessidade
perante o coletivo70.
Figura 1 - Parte superior do primeiro número de Spártacus.
Nesse contexto a repressão aos trabalhadores
combativos não cessara. Em maio de 1919, trabalhadores
cariocas fazem uma reivindicação ao governo pela jornada de
8 horas de trabalho. Antes mesmo da resposta do governo
emerge um movimento insurrecional onde, estipula-se que no
dia 18 de maio, cerca de 10 mil trabalhadores estivessem
parados (DULLES, 1977, p. 76). O fim da greve no mês de
julho só irá paralisar um movimento específico, dando cabo a
vários que virão adiante. Nesses últimos, a repressão será
grotesca. O brasilianista Jhon W. F. Dulles aponta que mesmo
antes de publicar o jornal Spártacus, a polícia já havia
ameaçado em prender José Oiticica e seus congêneres (idem,
p. 79).
Porém, como exemplar militante anarquista, José
Oiticica e seu Grupo Editor lança o jornal Spártacus. A
justificativa pelo nome dado ao periódico é vista no primeiro
texto que inaugura o jornal. De autoria de José Oiticica, o texto
70 De acordo com Berkman (2006, p. 194), “as necessidades essenciais do
povo devem ser satisfeitas. Nesse estado a revolução vive das provisões já
existentes”.
........................
- 144 -
que leva o nome do escravo romano, ressalta uma frase que
marcará as páginas deste jornal: “Si temos de arrancar nossas
espadas não seja conta nós mesmos; arranquemo-las conta os
nossos opressores”. Assim, essa frase viria resumir o programa
do jornal quando enumerava os pressupostos libertários que o
escravo romano teria.
“É ele que nos brada, nestas colunas suas,
impregnadas do seu sangue, do seu martírio, do
seu exemplo, convocando os descontentes de
toda a Terra para realisarem, de uma vez, a
obra antiga de Harmonia Humana. JOSÉ
OITICICA” (SPÁRTACUS, 02/08/1919, p.1).
A impossibilidade de publicação diária do jornal é
apresentada ao público leitor no seu primeiro número.
Assinado por José Oiticica, Astrojildo Pereira, Santos Barbosa,
U. d’ Avila, Izauto Peixoto, Adolfo Busse, Salvador Alacid e
Cruz Junior, o artigo Explicação apresenta os subsídios
necessários para compreendermos as dificuldades que a
imprensa libertária passava por vários motivos, sobretudo, da
“tratagem burgueza”. Assim, o grupo justifica a periodicidade
do jornal dizendo que este é “Spártacus. Modesto, mas
irreductivel, todo ele se consagrará à obra imensa da revolução
social dos nossos dias” (SPÁRTACUS, 02/08/1919, p. 1).
Após o surgimento do jornal (datado do segundo dia
de agosto de 1919), outra greve irá emergir e será decisiva para
a afirmação do periódico, pois, ao preencher as páginas com as
notícias da greve, o proletariado iria conhecendo os princípios
fundamentais da prática libertária. Já no mês seguinte, com a
constante e crescente reação aos grupos libertários e da ação
contra a propaganda anarquista, Germiniano da França e
Nascimento Silva (respectivamente, chefe da polícia e
delegado auxiliar) a mando do Presidente Epitácio Pessoa
ordena que “fossem retirados das estações ferroviárias e dos
correios todos os exemplares de A Plebe” além de recolher
todos os exemplares do número 6 do periódico Spártacus
datado de 6 de setembro (idem).
........................
- 145 -
A apreensão de Spártacus foi motivo de
orgulho para seus editores e prova de que
efetivamente combatiam a burguesia. Mas a
diminuição da venda impunha uma economia,
e a edição de 13 de setembro saiu com duas
páginas, em vez das quatro costumeiras
(DULLES, 1979, p. 93).
Chamando a atenção dos trabalhadores para esse
incidente muito significativo, o grupo editorial do jornal
publica o artigo A aprehensão de “Spártacus” no número
seguinte.
Sabem os trabalhadores que a polícia
aprehendeu a edição do nosso nosso numero
passado. Os pretextos alegados pela polícia são
os mais fúteis possível. Resumem-se no
seguinte: 1° pregamos aqui o assassínio de
Lloyd George; 2º pregamos directamente a
revolução imediata; 3º usamos de linguagem
desbragada ou mentiroso. (...)
A aprehensão de Spártacus nos orgulha. Prova
que fazemos obra sã, pois apavoramos a
burguezia, católica, redentórica ou
simplesmente conservadora.
E é o nosso fim (SPÁRTACUS, 13/08/1919, p.
1).
Alexandre Samis ressalta que José Oiticia fez críticas
ao movimento anarquista principalmente sobre a questão da
organização. Oiticica coloca em xeque a questão importante no
que diz respeito à “insuficiente conjugação de esforços que
possibilitasse a harmonia entre a militância social e a
organização tipicamente anarquista” (SAMIS, 2009, p. 48).
Em linhas gerais, o semanário anarquista tem diversos
pontos de discussão. A diversidade de temas discutidos no
semanário, sob autoria de vários militantes, não esconde o
papel central que José Oiticica terá no jornal, pois a maioria
........................
- 146 -
dos textos do jornal, principalmente os primeiros textos que
inauguram os primeiros números são de autoria de Oiticica.
No artigo Dos anarquistas ao povo do Brasil: quem
somos e o que queremos publicado em 27 de setembro de
1919, encontramos uma resposta à aqueles que afirmavam que
o anarquismo seria um problema importado, ou seja, culpa do
imigrante71 europeu, bastando a expulsão para que se resolva o
problema. Vejamos:
(...) Paiz essencialmente de imigração, vivendo
as suas indústrias principalmente do braço e da
inteligência do imigrante, é naturalíssimo que
os centros de maior população operária no
Brasil contenham forte e predominante
percentagem de estrangeiros. E como o
anarquismo se propaga e se radica
especialmente entre as classes operárias, não é
menos naturalíssimo que muitos desses
operários sejam anarquistas. (...) Agora, o que é
absolutamente falso é que todos os anarquistas,
entre nós, sejam estrangeiros. É uma
grandíssima mentira, contra a qual protestamos
com toda a veemência, nós, que este manifesto
laçamos, todos nascidos no Brasil e orgulhosos
das nossas convicções libertárias. (...)
Estrangeiros em última análise, somos todos e
tudo no Brasil. Brasileiros autênticos e puros
são exclusivamente os índios que os nossos
avós estrangeiros e nós próprios dizimamos e
vamos dizimando, no passado e no presente. A
nossa língua é estrangeira. Os nossos costumes
são estrangeiros. (...) Numa palavra: tudo que
possuímos em matéria de civilização é
71 De acordo com Rodrigo Rosa da Silva, a justificativa de expulsão de
anarquistas estrangeiros foi baseada na teoria da “’planta exótica’, numa
suposta conspiração internacional contra o capitalismo e o governo e na tão
propagada origem estrangeira dos militantes, sempre classificados como
“indesejáveis” nas páginas dos jornais mantidos pelas elites” (SILVA,
2005, p. 39).
........................
- 147 -
absolutamente estrangeiro (SPÁRTACUS,
27/09/1919, p. 2).
De acordo com Silva (2005, p. 39), o “manifesto
acima citado foi assinado por 60 militantes anarquistas de
diversas profissões. Dele podemos extrair os dois principais
argumentos contra a teoria da ’planta exótica’” (SILVA, 2005,
p. 39). Esses argumentos se assentam primeiramente no
pensamento de que os anarquistas no Brasil eram,
exclusivamente, imigrantes expulsos de seus países e segundo,
por pensarem que os imigrantes viam para o Brasil com o
intento de propagar o “caos” e botar lenha na “fogueira da luta
de classes”.
Outro elemento de destaque no jornal e no
anarquismo nesse período, são as influências que a Revolução
Russa causou. José Oiticica e Edgar Leuenroth (1881-1968),
por exemplo, foram abalados pelo bolchevismo, mesmo sem
adotarem o marxismo. No jornal Spártacus número 7 e número
9 registra-se a aproximação de Oiticica com o bolchevismo72.
O primeiro número que destacamos, veicula uma frase de
Lênin sobre o papel da imprensa73. Assim, em 20 de setembro
no artigo Vão Confessando... José Oiticica, fazendo duras
críticas aos ingleses que lutavam contra o bolchevismo dirá:
“Si não fossem os bolchevistas! Por isso, na campanha nova, a
extinção do bolchevismo é ponto capital. Guerra aos
anarquistas de todo o mundo!” (SPÁRTACUS, 20 de setembro
de 1919, p. 1).
O jornal Spártacus (1919 – 1920) publicado no
Rio de Janeiro registra em suas colunas um
72 Ressaltemos que essas aproximações estão numa relação conjuntural de
defesa da Revolução Russa e seus partidários. Há, de fato, uma
aproximação tática dos anarquistas fora da Rússia com o bolchevismo.
Porém, logo superada por conta das questões de repressão, os
acontecimentos de repressão ao Exército Insurrecional Revolucionário da
Ucrânia, aos marinheiros de Kronstadt, etc.
73 Spártacus, nº 07, 13/09/1919.
........................
- 148 -
debate entre anarquistas em torno de uma
possível convergência entre anarquismo e
marxismo. Neste período, alguns anarquistas
ficaram balançados com o marxismo e outros
passaram para o marxismo fundando o Partido
Comunista Brasileiro, em 1922. Entretando,
outros combateram energicamente as ideias
marxistas. Florentino de Carvalho combateu
ardorosamente o marximos antes de 1917 e
continiu este enfrentamento nos anos seguintes
(NASCIMENTO, 2006, p. 209).
É importante salientar que outras seções não tinham
um título específico, mas apresentava os acontecimentos
mundiais importantes para os trabalhadores. Nesse sentido, nas
primeiras páginas do periódico tinham-se matérias destinadas a
analisar e divulgar os acontecimentos mundiais, por exemplo, a
Revolução Russa do ano de 1917, a Revolução Social na
Itália74, etc. Além destas duas citadas anteriormente, a
veiculação do artigo Mensagem de Lénine aos trabalhadores
americanos75 é a prova da aproximação entre o bolchevismo e
o Grupo Editor do jornal, compondo a afinidade ideológica,
sobretudo por Oiticica e Astrojildo Pereira.
Outro artigo de destaque é Verdade verdadeira do
Bolchevismo, escrita por Fernando Rolba se lê a convicção do
autor pela República dos Soviets quando afirma que os
operários devem aprender a “venerar os vossos irmãos russos,
que são os grandes detentores da humanidade que sofre e que
tem fome!”. Para este autor, o povo russo são as “únicas almas
verdadeiramente grandes e audazes que ainda foi dado ao
74 O nº 13 do jornal irá publicar o artigo A Revolução Social na Itália onde
irá destacar o papel do partido comunista da Itália onde será o país em que
“mais próximo se encontra da liquidação final do regimen burguez pela
revolução social” (SPÁRTACUS, nº 13, 25/10/1919).
75 Spártacus, nº 01, 02/08/1919.
........................
- 149 -
mundo rotineiro e egoísta procrear!” (SPÁRTACUS, nº 14,
01/11/1919, p. 3).
A política repressiva do Estado acaba por fechar
vários jornais libertários. Edgar Rodrigues (s/d, p. 232) aponta
que no ano de 1919 na cidade do Rio de Janeiro “é suspenso o
jornal ‘Spártacus’” e na cidade de São Paulo, “empastelada ‘A
Plebe’ (...)”76. Assim, o grupo editorial do número 7 apela aos
“camaradas e amigos” que se esforcem para a “manutenção do
nosso orgam!” (SPÁRTACUS, 13 de agosto de 1919, p. 1).
Um elemento de ajuda mútua é a solidariedade ao
propagandear outros jornais libertários com o intento de ajuda-
los. Spártacus irá publicar um esclarecimento chamado de
Plebe diária alertando sobre os problemas que o periódico
paulista passara que estão todos aguardando seus números
diários “impacientes e com uma calorososa e antecipada
saudação aos camaradas de S. Paulo!”, pois o jornal estava
“rompendo quotidianamente o bom combate pela anarquia”
(SPÁRTACUS, 06/09/1919, p. 1).
Não só o jornal carioca fazia saudações e colaborava
com os demais. O jornal A Plebe de 9 de setembro de 1919 irá
veicular “aos nossos camaradas do Rio de Janeiro a nossa mais
viril e firme solidariedade” aos acontecimentos da apreensão
do jornal carioca. No número seguinte d’ A Plebe irá ter a
seguinte frase: “O ‘Spártacus’ opprimido! Viva o ‘Spártacus’”
(A PLEBE, 10/09/1919, p. 2).
76 No número de 25 de setembro de 1919, Spártacus irá publicar ‘A Plebe’
empastelada onde irá denunciar a política do estado em promover o
fechamento do jornal paulista. Para os editores de Spártacus, a policia
paulistana sob a liderança de um delegado que chefia uma quadrilha,
“assalta e empastela um jornal de idéas, depois de grande guerra pelo
Direito, pela Justiça, pela Civilisação!”.
........................
- 150 -
Figura 2 - Parte superior do último número de Spártacus.
Spártacus também funcionava como uma alerta à
força do imperialismo mundial no território brasileiro. No
número de 20 de setembro de 1919, um artigo “sem
autoria”(provavelmente do Grupo Editor) enumera alguns
grandes capitalistas que são os proprietários de alguns
importantes setores da produção. Chamando-os de
“indesejáveis” (nome dado geralmente aos operários
imigrantes que vieram para o Brasil) Spártacus vem para
(...) mostrar, por estas colunas, comm a prova
real dos factos e não com a calunia das
afirmações sem base, que os “indesejáveis”, no
Brazil, se encontram precisamente na classe
dos capitalistas estrangeiros, cuja actividade se
emprega exclusivamente em sugar o trabalho
nacional, em drenar para fora do Brazil o
melhor das riquezas arrancadas do solo
brazileiro (...) Corrego do Meio, situada em
Sabará, adquirida por 450:000$ pelo Syndicato
Alemão (...) Estessão pois os autênticos
“indesejáveis”, porque estes são, em boa e
lidima verdade os exploradores do Geca
nacional como do Geca nacionalizado
(SPÁRTACUS, 20 de setembro de 1919, p. 1).
Ainda neste número, com o intento de informar aos
trabalhadores brasileiros o que acontecia mundialmente no
movimento dessa classe, publica-se o artigo Boletim da Guerra
Social – Através os telegramas da semana, como por exemplo,
a greve que se instalara na Alemanha e da greve geral de
Marselha. No número inaugural do jornal o artigo A caminho
........................
- 151 -
da sociedade nova – A Revolução Social na Inglaterra vem a
enunciar a situação grevista que ocorrera na Inglaterra naquele
período. Esta veiculação apresenta como sintomática e
exemplar a ação dos grevistas ingleses.
A partir da edição de 13 de dezembro de 1919,
começa-se a publicar cartas e mensagens na seção A voz dos
deportados... Nesta seção do jornal, semanalmente se
apresentava as consequências e a situação que os militantes
anarquistas estavam após a execução da Lei Adolfo Gordo. No
número 20, Gigi Damiani contará como foi deportado do
Brasil, narrando os acontecimentos até chegar na cidade de
Roma, capital da Itália.
Reafirmando a influência da ideias de Piotr Kropotin,
José Oiticica escreve no texto O que são do jornal, nº 19, de
dezembro de 1919 que “Kropotkin é, na verdade, o escritor que
mais profundamente penetrou na futura organização anárquica
e mais compreende o papel do povo nessa organização de
comunas livres” (SPARTACUS, nº 19, p. 2).
O número 24 de Spártacus levando o slogan A Voz do
Povo – Diário dos Trabalhadores – brevemente será o último
dessa trajetória breve do jornal. O semanário comunista
libertário não sairá mais e sua periodicidade diária nunca
aconteceu. Spártacus terminará sua participação semanal no
dia 10 de janeiro de 1920 por conta de diversos motivos, dentre
os quais estão a dificuldade de recursos para sua manutenção e
a constante repressão do Estado.
Para caminharmos para a conclusão deste texto
devemos colocar uma questão central que está presente em
todos os números do periódico: as interpretações de apoio aos
bolchevistas. Estas, apenas revelam a falta de conhecimento do
que realmente acontecera na Rússia. O jornal em nenhum de
seus números veio defender o Estado e o burocratismo, algo
tão caro e presente aos bolchevistas. Essa interpretação
equivocada que conciliou nas mesmas páginas as teorias de
Lênin, Kropotkin e Malatesta só revela a falta de conhecimento
........................
- 152 -
dos fatos da revolução russa77 (por conta de diversos elementos
– entre eles a dificuldade de informações que aqui chegavam e
as deturpações dos fatos).
A imprensa operária e anarquista brasileira também
esteve ligada a fenômenos de dominação de sua memória. Uma
memória oficial e ainda reinante execra as singularidades dos
acontecimentos, produz uma significação conservadora do
passado, causando uma visão determinista e dogmática dessa
história.
Assim, para concluir, enfatizamos que o jornal
apresenta uma crítica aos pressupostos teóricos dos que
defendem o Estado. Finalizaremos transcrevendo as palavras
de José Oiticica publicadas no número 6, ressaltando o caráter
libertário e revolucionário do jornal, preocupado com a
finalidade última do anarquismo: a destruição da sociedade de
classes, do capitalismo, do Estado etc. para a construção de
uma sociedade radicalmente diferente, fundada em
pressupostos autogestionários. Oiticica dirá: “não confiamos
nem nos governos, nem nos patrões; porque sabes ter sido a
confiança dos párias em seus amos a maior desgraça deles e a
fôrça de conservação destes”. Ainda reitera que “não queremos
nenhum acôrdo com capitalistas, sendo nosso maior fim
destruir o capitalismo individual e eregir uma sociedade
coletivista” (SPÁRTACUS, 06/09/1919, p. 1).
Assim, Spártacus, como diversos outros jornais
cumpria um importante papel no movimento operário
brasileiro, pois, veiculava ásperos argumentos contra o
capitalismo e, em momento nenhum defende o Estado.
77 Este não é um caso específico de falta de conhecimentos sobre a
revolução russa e a repressão aos grupos libertários. Sebastien Faure,
conhecido anarquista, irá escrever um texto de Paris para o jornal Spártacus
sob o título O Bolchevismo e a atitude anarquista que colocará sua
admiração pela Revolução Russa e seu desconhecimento geral sobre a
atitude dos anarquistas frente ao acontecimento russo, onde serão
combatidos pelo governo de Lênin. (SPÁRTACUS, nº 11, 11/10/1919, p.
1).
........................
- 153 -
Concordando com Bakunin, Spártacus propaga que “de um
lado, o Estado, de outro, a revolução social”.
Referências
1. Jornais
Jornal Spártacus
nº 1, 02/08/1919;
nº 2, 09/08/1919;
nº 3, 16/08/1919;
nº 4, 23/08/1919;
nº 5, 30/08/1919;
nº 6, 06/09/1919;
nº 7, 13/09/1919;
nº 8, 20/09/1919;
nº 9, 27/09/1919;
nº 10, 04/10/1919;
nº 11, 11/10/1919;
nº 12, 18/10/1919;
nº 13, 25/10/1919;
nº 14, 01/11/1919;
nº 15, 08/11/1919;
nº 16, 15/11/1919;
nº 17, 22/11/1919;
nº 18, 29/11/1919;
nº 19, 06/12/1919;
nº 20, 13/12/1919;
nº 21, 20/12/1919;
nº 22, 27/12/1919;
nº 23, 03/01/1919;
nº 24, 10/01/1920.
Jornal A Plebe
nº 3 (diário), ano II, quarta-feira, 10/09/1919.
........................
- 154 -
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Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. São Paulo: nº 12,
2007.
_______. Indisciplina: experimentos libertários e emergência
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de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais/Políticas da
PUC/SP. São Paulo: 2006.
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_______. Trabalho e Conflito: pesquisa 1906 – 1937.
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(orgs.). História do Movimento Operário Revolucionário. São
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_______. Presenças Indômitas: José Oiticica e Domingos
Passos. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. As
Formações das Tradições 1889-1945. Col. História da
Esquerda, vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
SILVA, Rodrigo Rosa. Imprimindo a Resistência: A Imprensa
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1945). 193 f. Dissertação (Mestrado). Departamento de
História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
UNICAMP, Campinas, 2005.
........................
- 156 -
La prensa operaria en Brasil: la importancia de
los periódicos libertarios
“Sopra um vento de revolta em todos os lugares. A revolta é
aqui a expressão de uma idéia, lá o resultado de uma
necessidade; com mais freqüência ela é a conseqüência de
uma mistura de necessidades e de idéias que se engendram e
se reforçam umas às outras. Ela se desencadeia contra a
causa dos males ou a ataca de modo indireto, ela é consciente
e instintiva, humana ou brutal, generosa ou muito egoísta, mas
de qualquer modo, é a cada dia maior e se amplia
incessantemente” (Um Pouco de Teoria, Errico Malatesta,
1892).
La prensa operaria en Brasil se constituye como un
campo de manifestaciones sociales sorprendentes,
principalmente, al resaltar el papel de propagar los ideales
libertarios del movimiento operario. Durante la Primera
República de Brasil, período comprendido entre los años de
1889 y 1930, la prensa fue un órgano de gran importancia en la
lucha por la propagación de los intereses de los trabajadores,
en la divulgación de los ideales del movimiento y sus acciones
políticas, cargando, aun, un carácter didáctico y doctrinario en
lo que se refiere a la autoeducación proletaria. Así, en el
incipiente movimiento operario de Brasil, los anarquistas
fueron los principales participantes de ese movimiento y
produjeron periódicos en esos formatos en que figura como
principal mecanismo de propagación del ideal de
emancipación social. Presentaban alternativas al operario con
ideales que contradecían al orden capitalista vigente,
propagando la necesidad de la huelga general, boicots,
sabotajes como formas de gimnasia revolucionaria.
Originalmente publicado em: Revista Kiebre, Concepción
Talcahuano/Chile, p. 8 - 8, 12 abr. 2013.
........................
- 157 -
"Derradeiras machadadas" A Plebe, nº 9, 11 de agosto de 1917.
En ese período se destaca la huelga general de julio
1917 en la ciudad de São Paulo, que asumió en la memoria
social el sentido de un acto simbólico y único. En este
escenario, la huelga es entendida como la expresión de las
precarias vidas de los trabajadores, siendo el principal
acontecimiento de convulsión social de la década de 10 en
Brasil. En este suceso, la prensa tuvo un papel elemental al
incentivar, reproducir y manifestar, a través de palabras
directas, profundas y de fácil comprensión, los sentimientos
libertarios de una sociedad marcada por la explotación del
hombre por el hombre rumbo a la revolución social.
La Plebe (1917 – 1954), por ejemplo, periódico que
circulaba quincenalmente (siendo aun diariamente, por un
........................
- 158 -
corto período de tiempo) no vehiculaba textos herméticos e no
era escrito por aristócratas del saber. Ese periódico se
constituyó como un propagador de educación libertaria. Fue
hecha POR y PARA trabajadores, militantes y se articulaba
con los grupos de asociación, centros operarios, gremios de
trabajadores, ligas de resistencia, sindicatos combativos, etc.
En esta perspectiva, la prensa libertaria es entendida como
producto cultural capaz de formar una red de transmisión de
ideas, saberes y prácticas para la transformación social.
Pero, la circulación de esos periódicos cayó en la
represión del Estado. Acuerdos entre el Estado y el patronato
fueron esenciales para la creación de leyes que tenían el
objetivo de finalizar las fuerzas del movimiento operario,
haciendo expulsiones, persecuciones, prisiones, etc. Por
ejemplo, el año 1907 la política represiva del Estado se
fortificó. Tal represión materializada, por ejemplo, en la Lei
Adolfo Gordo, propuesta por el Diputado Adolfo Gordo y
aprobada el año 1907 es un ejemplo elemental, pues esa ley
preveía la expulsión de extranjeros que estuvieran ligados al
movimiento operario de la época.
Siendo así, tenemos como ejemplo, algunos
periódicos de gran importancia: A Lanterna, Terra Livre, A
Guerra Social, O Combate, Ação Libertária, La Barricata, La
Battaglia, A Voz do Trabalhador, Jerminal, Germinal, Ação
Direta, Spártacus, Guerra Sociale, etc. Estos periódicos son
ejemplos claros de los vínculos del movimiento de los
trabajadores con la lucha propagada de aquellos, resaltando el
papel de la prensa: profundizar las formas y métodos de
organización, con el propósito de potencializar el proceso de
transformación social.
Algunos individuos también merecen destaque en la
producción de esos periódicos. Por ello, resalto y cito la
importancia de libertarios como Edgard Leuenroth, José
Oiticica, Oresti Ristori, Gigi Damiani, Giovanni Rossi,
Malvina Tavares, Ana Aurora, Hermínio Marcos, Avelino
Fóscolo, Maria Lacerda de Moura, Fábio Luz, Neno Vasco,
........................
- 159 -
Astrojildo Pereira (hasta entonces anarquista y que,
posteriormente, se volverá bolchevique), Domingos Passos,
Everardo Dias, Antônio Candeias, João Penteado, Adelino
Pinho, Florentino de Carvalho y muchos otros. Ellos son
importantes partícipes de ese medio de comunicación,
contribuyendo con las “extremas rajaduras” en la sociedad
burguesa que se compone por reproducir la iniquidad moral y
económica, la explotación del trabajo, el culto a la autoridad y
violencia psíquica.
Actualmente, la mayoría de esos periódicos se
encuentra conservada y están en manos del Estado, a través de
sus instituciones burocráticas universitarias que los apartan de
la población, siendo hasta prohibida su divulgación completa
por la internet. El acceso está restricto a los círculos
académicos que producen obra, en su mayoría conservadora,
utilizándolas como fuente primaria de investigación. La prensa
libertaria no debería salir de donde surgió: de las manos de los
trabajadores y militantes libertarios.
........................
- 160 -
O sindicalismo revolucionário como estratégia dos
Congressos Operários (1906, 1913, 1920)*
O objetivo deste texto é identificar e caracterizar a
perspectiva de organização proletária assumida nos Congressos
Operários de 1906, 1913 e 1920 na cidade do Rio de Janeiro.
Objetiva-se ainda explicitar as mudanças entre as concepções
assumidas nesses três congressos (o primeiro realizado entre
15 a 22 de abril de 1906; o segundo de 8 a 13 de setembro de
1913 e o terceiro congresso de 23 a 30 de abril de 1920),
mostrando as similitudes e diferenças assumidas ao longo
dessas duas décadas que separam esses congressos.
Tem-se como elemento norteador desse texto a
estratégia utilizada pela classe trabalhadora que tem
representado um acúmulo de experiências para os teóricos,
compondo uma forma de autogestão social. A derrocada do
sindicalismo revolucionário mostrou mais uma vez a força
voraz do Estado de cooptar, reprimir e por fim à luta dos
trabalhadores, sendo um inimigo da autoemancipação dos
trabalhadores.
Este texto terá como fontes primárias as Resoluções
dos dois primeiros Congressos Operários reunidas na obra
Classe Operária no Brasil (1889 – 1930). Documentos – Vol 1.
O Movimento Operário de Paulo Sérgio Pinheiro e Michael
Hall78, além do Boletim da Comissão Executiva do 3º
Congresso Operário de agosto de 1920 disponíveis no Arquivo
Edgard Leuenroth da UNICAMP e alguns números do Jornal A
* Esse texto sofreu algumas alterações após sua publicação original. Para
ver a primeira versão, acesse: Revista Enfrentamento, ano 7, nº 12,
ago./dez. 2012.
78 PINHEIRO, P. S.; HALL, M. A Classe Operária no Brasil (1889 –
1930) - Documentos – Vol 1. O Movimento Operário. São Paulo: Alfa-
Omega, 1979.
........................
- 161 -
Voz do Trabalhador, órgão da Confederação Operária
Brasileira, também disponível ao público nesse centro de
documentação.
O Primeiro Congresso Operário, realizado entre os
dias 15 e 22 de abril de 1906 deu um passo significativo para a
organização do sindicalismo revolucionário no Brasil fruto do
“ascenso do movimento operário revolucionário” (SAMIS,
2004, p. 135). Porém, essa não foi a primeira organização de
trabalhadores no Rio de Janeiro e no Brasil. Conforme Oscar
Farinha Neto aponta, após as greves de 1903 na capital federal
surge uma necessidade de criação de um órgão que
“coordenasse o movimento das diversas classes trabalhadoras”
(NETO, 2007, p. 21). E dessa necessidade irá surgir, neste
mesmo ano, a Federação das Associações de Classe, cujo
modelo de organização era inspirado no sindicalismo na versão
de Émile Pouget, então secretário-geral da CGT francesa79.
Essa nascente federação já contava com as bases
pilares do que será a COB posteriormente: o
internacionalismo. Com as influências da FORA (Federação
Operária Regional Argentina) – de bases anarco-sindicalistas –
a federação passa-se a chamar Federação Operária Regional
Brasileira, com forte influência anarquista e que terá a
possibilidade de uma reunião geral (Congresso) no ano de
1906.
Esse Congresso, chamado primeiramente de
Congresso Operário Regional Brasileiro80, contou com a
participação de 43 delegados de vários estados do Brasil
representando as 28 associações de trabalhadores. Em
deliberação, aprovou-se a filiação (muito mais uma
79 Confederação Geral do Trabalho.
80 De acordo com Samis (2004, p. 135), foi a comissão de redação das
deliberações finais do congresso que deu o nome do encontro de Primeiro
Congresso Operário Brasileiro, já que se tratava de um Congresso nacional
e não regional.
........................
- 162 -
continuação) das teses do congresso ao modelo do
sindicalismo revolucionário francês81.
Do Congresso que surgirá a COB (oficialmente em
1908) está próximo aos moldes do anarco-sindicalismo da
FTRE (Federación de Trabajadores de la Región Española)
fundada em 1881 advinda da FRE (Federación Regional
Española) de 1870 (CORRÊA, 2012, p. 218). Nesse congresso
foi deliberado que não ocorreria nenhuma vinculação a
partidos (ou a um modelo ou diretriz proletária), sendo que o
congresso via “como ’única base sólida de acordo e de ação’
os interesses econômicos comuns a toda classe operária”
(DULLES, 1977, p. 27). É compreendendo a realidade operária
como uma interpretação do passado que a COB reafirmaria
suas bases sem uma doutrina política única a ser seguida.
Porém, há de ressaltar que os militantes anarquistas não eram a
maioria, mas apesar disso, compunham a hegemonia do
pensamento no interior do Congresso. De fato, isso não nos
autoriza a dizer que o Primeiro Congresso Operário defendeu o
anarco-sindicalismo ou o anarquismo. O Primeiro Congresso,
como veremos adiante, assumirá o sindicalismo revolucionário
e não, o anarco-sindicalismo.
Nos liames da compreensão do método federativo
como “o único método de organização compatível com o
irreprimível sentimento de liberdade”, o tema 3 das bases do
Congresso, que tocava no assunto da organização, definia a
federação como:
(...) a mais larga autonomia do indivíduo no
sindicato, do sindicato na federação e da
federação na confederação e como unicamente
admissíveis simples delegações de função sem
autoridade, e delibera, outrossim, fazer as
necessárias práticas para a sua fundação (...).
81 De acordo com Pinheiro e Hall (1979, p. 41): “o Congresso de 1906
mostra a clara influência do sindicalismo revolucionário: há mesmo uma
menção ao operariado francês como ‘o modelo de atividade e iniciativa ao
trabalhador brasileiro’”.
........................
- 163 -
Delibera também que a Confederação só
admita sindicatos cuja base essencial seja a
resistência sobre o terreno econômico
(PINHEIRO e HALL, 1979, p. 49).
No tocante à Ação Operária, o Congresso aprovaria
uma das bases pilares do sindicalismo revolucionário: a ação
direta. A ação direta era composta por diversas ações,
destacando-se a greve geral ou parcial, o boicote, a sabotagem,
etc.
SOBRE AÇÃO OPERÁRIA
Tema 1
“(...) o Congresso aconselha como meios de
ação das sociedades de resistência ou
sindicatos todos aqueles que dependem do
exercício direto e imediato de sua atividade,
tais como a greve geral ou parcial, a
boicotagem, a sabotagem, o label, as
manifestações públicas, etc., variáveis segundo
as circunstâncias de lugar e de momento”
(idem, 1979, p. 51).
Ainda de acordo com as Bases do Acordo da
Confederação Operária Brasileira, aprovadas pelo Congresso,
dever-se-ia constituir um jornal que levasse a cabo as lutas dos
trabalhadores. Nesse sentido, o objetivo de criar o jornal A Voz
do Trabalhador (nome já definido no Primeiro Congresso),
seria o de “estudar e propagar os meios de emancipação do
proletariado e defender em público as reivindicações
econômicas dos trabalhadores (...)” (idem, p. 42).
O JORNAL
O órgão da Confederação será redigido por
uma comissão escolhida entre os seus membros
e pela Comissão Confederal e publicará,
segundo esta ordem, de preferência:
1.°) Informações sobre o movimento operário e
associativo;
a) Resumo das resoluções das sociedade
aderentes;
........................
- 164 -
b) Convocação e avisos das sociedades
aderentes;
c) Artigos que a redação considerar contidos
nos limites marcados pelas presentes bases de
acordo, assim como redigidos de modo
compreensível, e isentos de questões pessoais.
11 – O Congresso dirá, cada ano, se a redação
do jornal correspondeu à confiança nela
depositada (idem, p. 43).
O jornal A Terra Livre, que tem Neno Vasco como
principal editor, no número de 13 de agosto de 1906 irá
ressaltar que
A Internacional, desfeita por causa das lutas de
partido no seu seio, deve ser memorável lição
para todos. Se o Congresso tivesse tomado um
caráter libertário, teria feito obra de partido,
não de classe. (...) Mas se o Congresso se não
foi, a vitória do anarquismo, foi, porém,
indiretamente útil à difusão das nossas ideias
(A TERRA LIVRE apud RODRIGUES, 1969,
p. 131).
Dessa forma, o Congresso não se definiu como
anarquista, mas assumiu um caráter revolucionário de bases
sindicalistas. A outra grande preocupação do Primeiro
Congresso Operário Brasileiro foi “a transformação de todas as
entidades operárias em sindicatos de ofício, cujos objetivos
seriam a defesa dos interesses econômicos e a resistência”
(SEGATTO, 1987, p. 38).
É importante ressaltar que durante toda a Primeira
República do Brasil, a imprensa operária foi um importante
órgão da propaganda libertária. Nesse âmago, o periódico A
Voz do Trabalhador circulou de 1908 até 1915 e era a
publicação oficial da Confederação Operária Brasileira,
(SILVA, s/d, p. 13) sob a direção do operário gráfico espanhol
Manuel Moscoso.
Entendemos então que foi com o Primeiro Congresso
Operário Brasileiro, que iria constituir a COB (Confederação
........................
- 165 -
Operária Brasileira) se instituiu um modelo organizativo
revolucionário que naquele período foi de suma importância ao
movimento operário revolucionário: o sindicalismo
revolucionário. Todas as teses básicas do sindicalismo
revolucionário – neutralidade sindical, federalismo,
descentralização, antimilitarismo, ação direta, greve geral,
antinacionalismo, violência revolucionária, etc. estão contidas
nas declarações dos congressistas (NETO, 2007, p.26). Dessa
forma, de acordo com Edgar Rodrigues, quando vem à tona
esse novo tipo de sindicalismo ocorre uma substituição do
sindicalismo de caráter reformista.
O sindicalismo reformista e possibilista dava
lugar a um novo movimento operário de cariz
revolucionário que, sem desprezar as
reivindicações econômicas imediatas,
introduziu novos objetivos como a instrução e
a capacitação profissional, a cultura de seus
associados através do esperanto, do
conhecimento da história social e da filosofia.
(...) O jornalismo, o teatro amador de
contestação e a poesia, eram alguns dos meios
usados pelo movimento operário para construir
a sua própria cultura, tendo por meta o ideal
social de autogestão Seu objetivo era provocar
a derrocada do Estado, acabar com o regime de
pobres e ricos, de exploradores e explorados,
para reconstruir em cima das ruínas do velho
sistema burguês uma Sociedade Nova,
autogerida, onde todos tivessem direitos e
deveres iguais. Estes temas começaram a ser
frequentemente tratados na imprensa operária e
social, tornando-se uma verdadeira escola para
os trabalhadores ligados a este sindicalismo
autônomo (RODRIGUES, 1997, s/p).
Muitos autores ao longo de suas produções
confundiam ou colocavam o anarco-sindicalismo como
sinônimo de sindicalismo revolucionário. Felipe Corrêa e
Alexandre Samis fazem uma análise mais detida e que
........................
- 166 -
aprofunda essa discussão, não desvinculando um ou outro ao
anarquismo, mas as analisando enquanto estratégias do
anarquismo. Para o autor “o sindicalismo revolucionário nunca
se colocou, explícita e conscientemente, em vínculo com o
anarquismo” (CORRÊA, 2011, p. 83). Porém, isso não deixa
de vincular o anarquismo ao sindicalismo revolucionário.
o sindicalismo revolucionário é uma estratégia
do anarquismo – um vetor social -, que foi
impulsionada determinantemente pelos
anarquistas, ainda que tenha tomado corpo em
todo um contingente popular amplo de
anarquistas e não-anarquistas, corpo esse que
constituiu sua verdadeira base, e faz com que
não seja possível atribuir completamente o
fenômeno do sindicalismo revolucionário aos
anarquistas (idem, p. 83).
O autor ainda continua:
O que diferencia esse sindicalismo
revolucionário do anarco-sindicalismo é que o
primeiro nunca se vinculou explicitamente e
conscientemente ao anarquismo,
diferentemente do segundo (idem, p. 83).
Assim, entende-se que uma organização anarco-
sindicalista tem em suas bases, os princípios anarquistas; e
uma organização sindicalista revolucionária, no caso o
sindicato, não tinha nas suas bases apenas aos princípios
anarquistas82. Esta última, deveria ter o acúmulo de forças para
“ser uma associação da classe trabalhadora, abarcando dentro
de si quaisquer trabalhadores que, na condição de assalariados,
e tendo em comum as necessidades econômicas, poderiam
82 A diferenciação não está meramente na questão de vínculo de suas bases
ao anarquismo. O anarco-sindicalismo vincula consciente, explícita e
programaticamente o sindicato ao anarquismo. Assim, o anarquismo se
torna a "doutrina oficial" do sindicato.
........................
- 167 -
utilizar a ação direta como meio de luta” (idem, p. 135).
Porém, é interessante dizer que os sindicatos foram um
importante espaço de militância para os anarquistas nas
décadas de 1900, 1910 e 1920 no Brasil, mas nunca o único
espaço de organização. Afirmar isso seria negar toda a
construção histórica de estratégias de luta que o anarquismo
construiu ao longo de suas lutas e seria, no mínimo, um
reducionismo com grandes consequências.
Ao analisar o Primeiro Congresso, Alexandre Samis
cita o português e anarquista Neno Vasco, que afirmara: “O
Congresso não foi, de certo, uma vitória do anarquismo. Não o
devia ser. (...) Se o Congresso tivesse tomado caráter libertário
[querendo dizer, anarquista], teria feito obra de partido, não
de classe” (SAMIS, 2002, p. 196) [observação e grifo nosso].
No ano de 1912, após a organização do chamado
Congresso Pelego feito por Mário da Fonseca, filho do
presidente da República Hermes da Fonseca, a Federação
Operária do Rio de Janeiro nomeou a Comissão
Reorganizadora da COB com o intuito de rearticular a
formação do Segundo Congresso Operário que aconteceria em
setembro do próximo ano. De acordo com o historiador
Alexandre Samis, deste Congresso que contou com a
participação de duas federações estaduais, cinco federações
locais e mais de cinquenta sindicatos, quatro jornais (A Voz do
Trabalhador, do Rio de Janeiro; A Lanterna, de São Paulo;
Germinal, de São Paulo e O Trabalho de Bagé, Rio de
Janeiro), ligas e associações do país, a “representatividade
havia crescido e, na sua grande maioria, as propostas do
Primeiro Congresso foram corroboradas pelas plenárias de
1913” (SAMIS, 2004, p. 137). No entanto, o cerne das
discussões deste Congresso girava em torno das questões de
cooperativismo, carga horária diária de trabalho, salário
mínimo, bolsas de trabalho e principalmente, do modelo
organizativo, afirmando mais uma vez o sindicalismo
revolucionário.
Os Temas
........................
- 168 -
Tema 1
(...) O Segundo Congresso Operário Brasileiro,
mesmo tendo em conta a devida liberdade de
preferências e de ação política dada aos
sindicatos fora do sindicato, convida a classe
trabalhadora do Brasil a, repelindo a influência
dissolvente da política, dedicar-se à obra da
orgabização operária sindicalista, que,
considerada dentro da ação operária, é o meio
mais eficaz e mais poderoso para a conquista
de melhoras imediatas de que necessita para o
fortalecimento da luta para a sua completa
emancipação (PINHEIRO e HALL, 1979, p.
188).
De salutar importância é ressaltar que o Segundo
Congresso aprovou um vínculo direto da organização com o
anarquismo (anarco-sindicalismo, portanto), mas essa
resolução nunca foi implementada, deixando as bases
resolutivas do Congresso mantidas, confirmando as mesmas
resoluções do Primeiro Congresso com algumas alterações de
conjuntura, época, etc. (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 188).
No limiar das discussões sobre o papel do Congresso,
o que e como os trabalhadores deverão se organizar, surge a
questão das bolsas de trabalho. Estas bolsas estavam em
discussão pelo caráter quase integral que alguns militantes
tinham na COB. Assim, definiu, por negar o funcionalismo
burocrático. Assim,
o Segundo Congresso Operário Brasileiro
entende que a obra essencial e primária da
organização é a resistência e a propaganda e
que, por isso, a instalação de bolsas de trabalho
não deve nunca embaraçar a ação de
resistência, devendo o serviço de colocação ser
feito pelas próprias comissões administrativas
dos sindicatos, para se evitar o funcionalismo
burocrático (idem, p. 194).
........................
- 169 -
As bases definidas no Segundo Congresso são mais
eficazes e mais claras no que diz respeito à propaganda e à
educação para os trabalhadores. Além da questão das bolsas de
trabalho, instituiu-se a retomada de A Voz do Trabalhador, já
que a imprensa operária “é o meio mais eficaz para orientar as
massas populares” (idem, p. 196). É nesse contexto de apoio à
imprensa operária que o trabalho de Maria Nazarteh Ferreira
(1988) tem destaque ao apontar que existiam cerca de 343
títulos de jornais operário no território brasileiro. O
reaparecimento do jornal oficial da COB foi um fator de
ascenso desta organização, já que o próprio jornal era
entendido como “ reflexo de todo o movimento operário do
Brasil” (idem, p. 210).
Retomando as decisões do Segundo Congresso, ficou-
se aprovado ainda na seção Moções de Solidariedade, o caráter
internacionalista da luta pela emancipação humana. Moções de
apoio foram mandadas à trabalhadores do México, CGT da
França, trabalhadores de Portugal e da Espanha, para reafirmar
“o espírito de solidariedade” que deve “estar de perfeito estado
para todos os trabalhadores do globo” (idem, p. 202). Esta rede
de solidariedade internacional daria cabo à criação no de 1915
do Congresso Internacional da Paz e ao Congresso Anarquista
Sul-Americano, sendo que este último tinha o papel de “clivar
diferenças sensíveis entre o sindicalismo e o anarquismo”
(SAMIS, 2004, p. 138).
Continuando ainda os apoios, na Terceira Parte do
Relatório da Confederação Operária Brasileira, veicula-se uma
homenagem para Francisco Ferrer y Guardia, anarquista
espanhol que foi fuzilado em 13 de outubro de 1909 pelo
governo espanhol. Ferrer, o criador das Escolas Modernas foi
caracterizado como um “homem que soube num decênio de
penoso estudo constituir um exército de homens educados nos
mais elevados sentimentos de solidariedade” e assim, “grande
foi o abalo sentido pelo operariado consciente do Brasil”
(idem, p. 210). Ainda destaca-se a decisão de recusar fórmulas
........................
- 170 -
burocráticas nos estatutos sindicais, além de reafirmar a
propaganda anti-militarista e do internacionalismo.
Afirma Pinheiro e Hall (1979, p. 172),
O Congresso Operário de 1913 continuava a
linha adotada pelo Congresso de 1906 (...). A
linguagem é algumas vezes mais militante do
que a do congresso anterior, e há alguns toques
bastante ecléticos (como no tema 10), mas o
teor geral continua a ser sindicalista-
revolucionário, como em 1906. O folheto do
congresso, que vai reproduzido abaixo,
juntamente com as resoluções, também inclui
informação sobre a preparação do congresso, e
um pequeno histórico da Confederação
Operária Brasileira (COB), que permitem
compreender melhor o significado do
congresso.
Cerca de um ano pós o Segundo Congresso Operário,
no número 63 datado de 1º de outubro de 1914, o jornal A Voz
do Trabalhador publicava uma apelo aos trabalhadores para se
manifestarem novamente contra a Guerra Mundial. Neste
número, o texto A Internacional Operária Contra a Guerra
reafirmava o caráter internacionalista dos pressupostos
defendidos pelo jornal e reafirmados no Segundo Congresso.
Diversas organizações operarias, atendendo ao
apelo da Confederação Operaria Brazileira,
realizaram em suas sédes, no dia 13 de
setembro findo, comícios e sessões de protesto
contra a atual conflagração europeia de
solidariedade para com o operariado de todos
os paizes em luta! Em diversas cidades, como
no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo,
Santos, etc., a policia, zelosa no apoio aos
opressores das classes trabalhadoras, não
permitiu a efetuação das manifestações
operarias nem mesmo na séde de suas
associações! Abaixo a tirania burgueza!
Abaixo a guerra! Viva a solidariedade
........................
- 171 -
universal! (A VOZ DO TRABALHADOR, nº
63, 1º de outubro de 1914, p. 1).
Outro elemento recorrente na imprensa da COB era os
apelos pela paz mundial. A Primeira Guerra Mundial que
assolava a Europa tinha ecos no Brasil e aqui, o jornal A Voz
do Trabalhador fazia apelos contra o militarismo. No número
de 7 de abril de 1915, vem em destaque no artigo Pela Paz – O
grande comício de hoje que esse movimento “de carater
essencialmente internacional,a ajitação de hoje constituirá a
primeira grande manifestação publica a favor da paz, contra a
guerra”. E ainda, “insistimos vivamente para que nenhum dos
nossos amigos deixe de, com sua prezença, contribuir para a
impotencia a significação da manifestação” (A VOZ DO
TRABALHADOR, nº 69, p. 2).
Na Europa o bolchevismo tornava-se vitorioso,
colocando abaixo, via repressão, os conselhos operários. Tais
acontecimentos tiveram ressonâncias em todo o mundo,
causando o processo de criação de Partidos Comunistas, como
por exemplo, o PCB. No caso específico do Brasil, vários
militantes anarquistas irão arregimentar a justificativa do
bolchevismo no Brasil83, concordando com as teses da Terceira
Internacional. Isso sem dúvida foi um elemento estruturante
que contribuiu para a derrocada do sindicalismo
revolucionário, se não, do anarquismo no Brasil.
No ano de 1920 organizar-se-á o Terceiro Congresso
Operário Brasileiro que tem algumas particularidades que
remetem a própria dinâmica que o país estava passando: a
transformação do quadro industrial no Pós-Primeira Guerra
Mundial. Conforme Neto (2007) aponta, a “I Guerra Mundial
83 DULLES (1977), diz que Otávio Brandão entrou em conflito com suas
teses (até então anarquistas) e a crescente bolchevique no país, sendo que,
Astrojildo Pereira, militante que deixou as correntes anarquistas para
defender o bolchevismo, lhe forneceu livros que justificasse que o
bolchevismo não era reformista. Para maior aprofundamento ver Dulles
(1977); Samis (2002).
........................
- 172 -
criou condições favoráveis ao rápido crescimento da indústria
brasileira” (idem, p. 14). Além disso, vários acontecimentos,
como por exemplo, as greves de 1917, sobretudo a Greve
Geral de julho84 na cidade de São Paulo e suas ressonâncias,
foram elementares para a nova dinâmica da COB.
De acordo com o Boletim da Comissão Executiva do
3º Congresso Operário, as questões do contexto são passíveis e
necessárias de serem analisadas. Vejamos:
O 3º C.O.B., tendo em vista as condições
particulares aos meios operarios do Brazil,
reaffirma em suas linhas geraes as declarações
feitas nos Congressos de 1906 e 1913; por
outro lado, porém, examinando e ponderando a
situação historica de facto em que se encontra o
proletariado mundial neste momento, julga
necessário estabelecer, em termos precisos, um
criterio fundamental, positivo e realista, pelo
qual deverão orientar-se todas as organizações,
todas as lutas, todos os esforços dos
trabalhadores do Brazil (Boletim da Comissão
Executiva do 3º Congresso Operário, Ano I, nº
I, agosto de 1920).
Assim, de acordo com Samis (2004, p. 139), o
Terceiro Congresso realizado em 1920, defendeu a prioridade
da sindicalização por indústrias, em “detrimento da
organização por ofícios”, sendo que as decisões dos congressos
anteriores são reafirmadas com certas questões particulares do
próprio contexto. Essa resolução que aprovara a preferências
pelos sindicatos de indústria em detrimento dos de comércio é
bastante clara. Essa substituição reflete as alterações
tecnológicas em curso, pois “preconizava a organização de
sindicatos de indústria, em lugar dos sindicatos de ofício”
(NETO, 2007, p. 14).
84 Para este intento, cf. LOPREATO, C. R. O Espírito da Revolta: a greve
geral anarquista de 1917. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2000.
........................
- 173 -
Outro elemento específico de declínio do sindicalismo
cobista vem na década de 1920. O brasilianista Jhon W. Foster
Dulles afirma que a Liga Operária da Construção Civil de São
Paulo propôs ao Terceiro Congresso que se filiasse a Terceira
Internacional, caso que não ocorreu por posições de Astrojildo
Pereira (este se vinculará ao bolchevismo posteriormente) e
Edgard Leuenroth85. Porém, a decisão do Congresso foi o de
“transmitir seus ‘votos de felicidade ao importante
acontecimento de Moscou, cujos princípios ferais
verdadeiramente correspondem às aspirações de liberdade e
igualdade dos trabalhadores de todo o mundo’” (DULLES,
1977, p. 113). No entanto, a criação do PCB em 1922 e as
disputas entre anarquistas e bolchevistas sob o controle dos
sindicatos de resistência, que resultaram no conflito entre
diversas federações, foi fator crucial de derrota do sindicalismo
revolucionário. Concomitantemente, a constante repressão do
Estado favoreceu para esta derrocada.
Por fim, compreende-se que os Congressos Operários
foram assumidamente sindicalistas revolucionários, compostos
por princípios que não são exclusivamente anarquistas. O
sindicato que representava um espaço de luta do proletariado
se tornou um empecilho e um amortecedor do conflito
capital/trabalho. Essa conjuntura sócio-histórica tem algumas
particularidades: a veemência repressiva do Estado, por
exemplo, na terceira reformulação da lei Adolfo Gordo, de
1921, que previa a deportação dos indesejáveis (anarquistas,
principalmente), a constância de deportações para Clevelândia
(colônia penal situada no situada no atual estado do Amapá,
entre 1924 e 1926) (SAMIS, 2002), a constância de invasões e
85 Em O Operariado do Brasil e a situação internacional proletária, vê-se:
“I – Declarar a sua espectativa sympathica em face da 3ª Internacional de
Moscou, cujos principios geraes correspondem verdadeiramente as
aspirações de liberdade e igualdade dos trabalhadores de todo no mundo
(Boletim da Comissão Executiva do 3º Congresso Operário, Ano I, nº I,
agosto de 1920, p. 15).
........................
- 174 -
prisões de redatores de jornais libertários, etc. Além disso,
havia também um refluxo das lutas sociais após a
contrarrevolução burocrática da Rússia, o processo de
bolchevização das organizações sociais atreladas ao seu natural
burocratismo (por exemplo, a eminência da vanguarda).
Assim, a força do burocratismo estatal dos sindicatos
e, sobretudo, com a ascensão do Partido Comunista do Brasil
na década de 20 e das medidas do governo getulista marcaram
o caminhar a passos largos para o enfraquecimento, senão, para
o fim do sindicalismo de bases revolucionárias para se tornar
um local a ser combatido. Combater os sindicatos hoje se torna
um passo importante para o fim da sociedade de classes.
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CONGRESSO OPERÁRIO. Ano I, nº I, agosto de 1920.
CORRÊA, Felipe. Ideologia e Estratégia: anarquismo,
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CORRÊA, Felipe. Rediscutindo o anarquismo: uma
abordagem teórica. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-
graduação em Mudança Social e Participação Política da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.
DULLES, J. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil (1900
– 1935). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil.
São Paulo: Ática, 1988.
Jornal A VOZ DO TRABALHADOR, Órgão da Confederação
Operária Brasileira. Ano VII, nº 63, 1º de outubro de 1914.
Jornal A VOZ DO TRABALHADOR, Órgão da Confederação
Operária Brasileira. Ano VIII, nº 69, 7 de abril de 1915.
NETO, Oscar Farinha. A Atuação Libertária no Brasil: A
Federação Anarco-Sindicalista. Rio de Janeiro: Achiamé,
2007.
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- 175 -
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(1889 – 1930) - Documentos – Vol 1. O Movimento Operário.
São Paulo: Alfa-Omega, 1979.
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1937. Rio de Janeiro: Arte Moderna, s/d.
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SAMIS, Alexandre. Minha Pátria é o Mundo Inteiro: Neno
Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois
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sindicalismo e anarquismo no Brasil. In: COLOMBO, Eduardo
(orgs.). História do Movimento Operário Revolucionário. São
Paulo: Expressão e Arte & Imaginário, 2004.
SAMIS, Alexandre. Clevelândia: anarquismo, sindicalismo e
repressão política no Brasil. São Paulo: Imaginário, 2002.
SEGATTO, José Antonio. A Formação da Classe Operária no
Brasil. São Paulo: Mercado Aberto, 1987.
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VASCO, Neno. Concepção Anarquista do Sindicato. Porto:
Afrontamento, 1984.
........................
- 176 -
Nas páginas da Imprensa da Primeira República:
os poemas anticlericais em A Lanterna
Resumo: As transformações ocorridas no processo de
modernização no início do século XX no Brasil,
especificamente na região sudeste, potencializaram o
crescimento e a necessidade da imprensa, trazendo a
propagação de novas formas sociabilidade entre a população
paulistana, principalmente entre os operários. Nesse contexto
surge o periódico A Lanterna, criado por Benjamin Motta em
1901. Esse texto tem o objetivo de analisar nesse periódico
alguns poemas veiculados entre os anos de 1901 e 1916,com
temáticas anticlericais, apresentando também as
transformações ocorridas entre as suas duas primeiras fases.
Palavras-chave: Imprensa Libertária, Primeira República, A
Lanterna, anticlericalismo.
Introdução
Como afirma Alexandre Samis (2002, p. 21), os
jornais são fundamentais para analisar a conjuntura política,
social e simbólica da Primeira República do Brasil. A imprensa
se firmara em um campo conflituoso no período de ascensão
da classe trabalhadora e mais, confirmou a partir da imprensa
operária o lócus de manifestação e ação dessa classe
insurgente. E é nesse ínterim que “a cultura libertária tinha seu
principal conteúdo revolucionário”: o combate à moral vigente
(SAMIS, 2002, p. 32).
Ligada ao cotidiano citadino da Primeira República
do Brasil, a imprensa libertária terá profícuas produções no
campo de propagação dos ideais libertários e permanecerá
como um campo de profundidade documental a ser explorado
em suas minúcias. Assim está justificada a necessidade desse
texto: compreender nessa diversificada seleção de fontes
........................
- 177 -
históricas, as manifestações sociais propagadas pelos poemas
veiculados pelo jornal A Lanterna entre 1901, marco
fundador do jornal, e 1916, momento de paralisação das
publicações do periódico.
A imprensa operária exerceu um papel salutar na
divulgação do movimento operário no Brasil durante a
Primeira República. Fora instrumento de politização e esteve
articulado com as ações dos trabalhadores em seus momentos
de insurgência. Assim, no início do século XX, conforme
aponta Luca (2011, p. 120), o cenário cotidiano das cidades,
sobretudo São Paulo, abrigava uma infinidade de publicações
periódicas. Tamanho foi o crescimento que ao analisar a
Imprensa Operária, Maria Nazareth Ferreira constatou que
entre “o último quartel do século XIX” até as duas primeiras
décadas do século XX, 343 títulos de jornais apareceram no
território brasileiro (1988, p. 14).
É importante salientar que neste período a imprensa
de cunho anarquista também cresceu demasiado, publicando
centenas de periódicos dentre os quais destaca-se: O Amigo do
Povo (1902 criado por Neno Vasco), La Barricata (editado
por Gigi Damiani e Adolfo Felipe em língua italiana), O
Libertário (que surgiu em 1904 e foi editado por Neno Vasco,
Manuel Moscoso e Everardo Dias), La Battaglia (criado em
1904 dos editores Gigi Damiani e Oresti Ristori publicado em
língua italiana), O Despertar (1904 em Curitiba), A Terra
Livre (1905 por Neno Vasco), A Lucta Operaria (publicada
pela Federação Operária de São Paulo), etc.
Em meio a esse emaranhado de publicações, surge em
1901, o periódico A Lanterna, órgão da Liga Anticlerical de
São Paulo. Devido à complexidade dessa fonte histórica,
limitaremos a analisar os poemas que veicularam nas páginas
desse periódico no recorte temporal entre 1901 e 1916. As
fontes aqui utilizadas (os jornais A Lanterna) se encontram
disponíveis no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) que fica nas
dependências do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
(IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
........................
- 178 -
Algumas perguntas nortearão nosso texto: onde se
inseria a imprensa libertária na imprensa operária no Brasil?
Em que contexto surge o periódico A Lanterna? Que
pressupostos eram veiculados em suas páginas? Buscando
responder a essas questões, iniciaremos o texto apresentando
de maneira geral onde se insere temporalmente e
espacialmente o periódico aqui estudado, posteriormente, as
fases do jornal e, por último, uma análise dos poemas aqui
figuravam e compunham o jornal que caminhou de uma luta
anticlerical à perspectiva anticlerical libertária.
Antes de qualquer coisa, devemos deixar claro que
“documento algum é neutro, e sempre carrega consigo a
opinião da pessoa e/ou órgão que o escreveu” (BACELLAR,
2011, p. 63), por isso, torna-se necessário contextualiza-lo,
explica-lo e relacionado com seus produtores, indivíduos que
possuem valores e os expressam em suas produções.
Nesse ínterim, A Lanterna desenvolve-se do
anticlericalismo ao anticlericalismo libertário86, de orientação
anarquista. Com o título de A Lanterna - Orgam da Liga
Anti-clerical esteve sediado no Largo da Sé, nº 5, entre os
anos de 1909 a 1916 na Rua Senador Feijó nº 8-b na cidade de
São Paulo. O periódico fundado em 7 de março de 1901,
passou por algumas fases, sendo a primeira, de 1901 a 1902,
retomando em 1903 e continuando até 1904 de caráter
anticlerical sob a direção de Benjamin Motta. Nesse período,
de acordo com Rodrigues (1997, s/p) publicou-se 60 números.
Na primeira fase, A Lanterna efetuava uma
contundente afirmação das pautas anticlericais
e defendia as idéias de progresso, civilização,
86 Apesar do caráter anticlerical de A Lanterna no contexto de seu
surgimento, o anarquismo é veiculado frequentemente alguns anos após.
Por exemplo, em artigo do português Neno Vasco publicado na seção Da
Porta da Europa, o luso anarquista irá apresentar as principais ideias de
Piotr Kropotkin, anarquista russo que irá fazer parte da corrente
denominada de anarco-comunismo. Para mais aprofundamento, cf. A
LANTERNA, nº 171, 25 de dezembro de 1912, p. 2.
........................
- 179 -
valorização do trabalho produtivo e da
liberdade. Tratava-se de um compromisso com
as causas da modernidade e do progresso, tanto
espiritual (do indivíduo), quanto material e
moral (da sociedade). Preconizava-se a
instrução laica e integral, baseada no
racionalismo, na experimentação, na co-
educação e nas ciências, assim como princípios
morais cívicos, quase evangélicos, sustentados
na fraternidade humana, no altruísmo, na
tolerância, na solidariedade, no apoio e respeito
mútuos(PERES, 2005, p. 2-3).
Na sua segunda fase, entre os anos de 1909 a 1916 (17
de outubro de 1909 a 19 de novembro de 1916), teve uma
mudança na orientação do jornal, que passa a ser de caráter
anticlerical e anarquista sob a direção de Edgard Leuenroth.
Nesse ínterim, contou com a publicação de 293 números com o
subtítulo de Folha anti-clerical e de combate, assumindo uma
conotação eminentemente libertária.
Na segunda fase de publicação, A Lanterna
conservou a maior parte do ideário da primeira
fase, ao mesmo tempo em que destacava a
questão social e acrescentava elementos anti-
religiosos em sua agenda anticlerical. Este
posicionamento provocou o afastamento dos
aliados da primeira fase que não abriam mão da
visão religiosa: parte dos maçons, os espíritas e
os protestantes. Se a aliança com a outra parte
dos maçons foi preservada, o grupo editor
reforçava a aproximação tanto com os
agrupamentos libertários quanto com os
trabalhadores e suas associações de classe.
Neste movimento, os anarquistas e seus aliados
atuavam, para além do jornal anticlerical,
através de iniciativas e ações culturais, em
grupos de afinidade e centros de convivialidade
tipicamente modernos: centros de estudos
sociais, teatros, círculos de leitura, escolas e
universidades populares. Nestes “lugares de
encontro” (ou melhor, lugares de
........................
- 180 -
aproximação), a relação entre os atores sociais
articulava-se cada vez mais em torno das já
citadas questões sociais. Simultaneamente,
Estado e Igreja puseram-se a campo para
disputar corações e mentes no conjunto da
sociedade, em particular entre os trabalhadores
(PERES, 2005, p.3).
Na sua última fase, com os esforços de Leuenroth, o
periódico é publicado semanalmente dentre julho de 1933 a
fevereiro de 1934. Porém, de fevereiro de 1934 a janeiro de
1935 passa a ser quinzenal.
Em todas as suas fases, o periódico também contou
com ilustrações, charges e fotos, sendo que de acordo com
Gawryszewski (2009, p. 19), a “(...) maioria das imagens era
de fácil entendimento, mostrava os personagem e contextos
sociais que os operários bem conheciam”. Isso sem dúvida era
mais uma forma de propagação dos ideais do jornal além da
forma escrita.
O caráter irônico das charges d’ A Lanterna,
que serviam ao propósito de satirizar a Igreja
Católica, não tinha por intenção depreciar a
Instituição, mas chamar a atenção, para as
formas de atuação do clero junto à sociedade e
o Estado, que percebiam na Igreja uma
instituição política (PINTO, 2010, p. 600).
Outro elemento fundamental era que em suas páginas
é comum encontrar textos assinados por seus editores, porém,
devido ao perigo de represálias, os colaboradores do periódico
só assinavam seus textos com iniciais e/ou pseudônimos87.
87 Por exemplo, Adelino de Pinho publicou no número nº138, de 11 maio
de 1912, o artigo A Invasão Negra utilizando-se do pseudônimo Pinho de
Riga. Destaca-se nesse texto suas ásperas palavras quando afirma que “os
padres e jesuítas de casaca, com suas escolas, seus liceus de artes e ofícios,
suas irmandades, suas lojas e toda a espécie de associações religiosas, têm
uma fábrica irregular para o ministramento da estupidez e da cegueira
moral e intelectual. Daí o apoio e a adesão de todos os que têm empenho
........................
- 181 -
Tem-se no periódico uma infinidade de colunas diferentes.
Artigos críticos, charges, poemas, notícias de caráter mundial. Não era interesse do jornal questionar tão
somente o papel da Igreja como veículo de
crenças e dogmas, mas também como um
sistema a serviço do poder político e
econômico. Defendia projetos de constituição
de uma sociedade laica. Adepto de um
jornalismo libertário, denunciador de opressões
e privilégios da Igreja Católica, considerava-se
apartidário, colocando-se unicamente a serviço
da emancipação social e política dos menos
favorecidos, em defesa do movimento operário
e, a partir do final do ano de 1933, critica e
opõe-se aos integralistas, denunciando a união
destes com a Igreja (CATÁLOGO DE
PERIÓDICOS, UNESP).
A terceira fase não será analisada aqui, mas
compreende-se pelo período em que Edgard Leuenroth
retomou o periódico no ano de 1933, precisamente em 13 de
julho findando em 1935 quando ocorria uma “conferência de
José Oiticica, agentes do P.C.B. que ali foram para tumultuar”
que “telefonaram para a polícia e esta chegou rápido, para
prender oito anarquistas e fechar o último reduto de resistência
libertária, juntamente com o porta-voz o jornal A Lanterna”
(RODRIGUES, 1997, s/p).
(...) seu foco e visão anárquica concentravam-
se na influência da Igreja Católica no Estado e
na sociedade. Foi principalmente, mas não
somente, um porta voz das ligas anti-clericais
que haviam por todo o país (PINTO, 2010, p.
597).
Ressaltando o caráter anticlerical de todas as
vertentes, a primeira fase do jornal é caracterizada por essa
em manter este miserável estado social, a todas as empresas de caratês
religioso”.
........................
- 182 -
congregação de pensamentos díspares que se unificava no
anticlericalismo.
Partindo da adoção de uma agenda anticlerical,
o grupo editor do jornal recebeu influências das
idéias libertárias – através de leituras, de
contatos pessoais ou mesmo da participação no
enfrentamento da questão social –,
incorporando-as até assumir a condição de
órgão de difusão das posições dos grupos
anarquistas em São Paulo. A fundação da
Aliança Anarquista em São Paulo (outubro de
1916), fato amplamente divulgado nas páginas
do jornal anticlerical, corrobora esta mudança
de orientação (PERES, 2005, p. 7).
Nas próprias palavras de seu editor: “o ódio ao
jesuitismo é enorme, não há duvida, e nós folgamos em poder
reunir todos os anti-clericais á sombra da nossa bandeira de
combate” (A LANTERNA, n° 2, 24 de março de 1901, p. 4).
A folha anticlerical mantinha um diálogo com
grupos e pessoas que estavam sob influência do
ideário libertário, alimentando-o com a
bandeira comum de combate ao clero. O jornal
anticlerical propunha-se a discutir diversas
questões com o conjunto da sociedade,
particularmente com os setores mais radicais e
“progressistas” (PERES, 2005, p. 7).
No jornal fixou-se durante várias circulações, as
seções Sezione italiana e Sección Española que reproduzia
através da língua italiana e espanhola os pressupostos do
jornal, assumindo como estratégia a necessidade de leitores.
Nesse caso específico a escolha dessas duas línguas não foi por
acaso e sim, pela necessidade da produção de artigos que os
trabalhadores e demais imigrantes europeus pudessem ter
acesso.
Liga Anti-Clerical – Affirmação de direitos
........................
- 183 -
Em quanto não forem revogadas as
Constituições Federal e do Estado na parte em
que garante a liberdade de reunião e de
manifestação do pensamento, a Liga Anti-
Clerical e o seu orgam A Lanterna, se
manifestarão dentro da lei, a despeito das
ameaças em perseguições com que quaisquer
verduges procurem aniquilar nossos direitos
cívicos e sagrados (A LANTERNA, 19 de
maio de 1901, p. 1, n 6).
Porém, era corrente na maioria dos poemas da
primeira fase de A Lanterna, o reconhecimento de que as
manifestações contra o clericalismo na sociedade era ação
legal e estava inserido nos direitos dos indivíduos que
compõem a sociedade. Assim, o jornal assumia seu caráter
anticlerical contra as alegações da ação reacionária dos grupos
da elite republicana.
Por mais que os textos escritos forneçam indícios
valiosos para a interpretação de uma realidade social, as
poesias davam um tom estético mais sofisticado e carregado de
metáforas. Além do fácil entendimento destes, o uso de poesias
em periódicos anarquistas no caso específico da Primeira
República eram usuais, por exemplo, no Periódico A Plebe, de
Edgard Leuenroth, que fora uma continuação de A Lanterna.
Para Lopreato (2000, p. 110), as poesias foram um
importante instrumento de instrução da classe operária.
Podemos notar que nas páginas d’A Lanterna as poesias se
constituíram como peça importante do jornal devido sua
conotação de crítica a moral vigente. Assim, analisaremos
algumas destas poesias que se faziam presentes nas páginas do
periódico e estabeleceremos uma interpretação entre o seu
ideário educacional (no sentido amplo do termo) e as referidas
poesias.
De acordo com Alfredo Bosi (1977, p. 142), as
poesias ou meramente a vontade mitopoética de compreender
a natureza e os homens, “foram assumidos e guiados, no agir
cotidiano, pelos mecanismos do interesse, da produtividade”
........................
- 184 -
pela hegemonia burguesa na compreensão das relações sociais
(por exemplo, a ciência). Para Bosi, as poesias também
formam “(...) a crítica direta ou velada da desordem
estabelecida (vertente da sátira, da paródia, do epos
revolucionário, da utopia)” (BOSI, 1977, p. 145). É pensando
assim que analisaremos alguns epos revolucionários de A
Lanterna. Algumas poesias ao identificar o papel do clero e de
suas posições frente às desigualdades da sociedade no período
apresentam críticas à sociedade de forma contundente nos
liames da poesia como recurso lingüístico. Assim, nas palavras
de Guerra Junqueiro, nota-se críticas ao rememorar um
passado com forma de justificação das desigualdades de um
tempo histórico. Essa noção de justificativa moral e política é
vista através de uma noção de história que é, antes de tudo,
uma escola da vida, chamada por Koselleck (2005, p. 45) ao
lembrar de Cícero, de magistra vitae onde as “histórias são
instrumentos recorrentes apropriados para comprovar doutrinas
morais, teológicas, jurídicas ou políticas”. Vejamos:
Parasitas
No meio a’uma feira, uns poucos de palhaços
Andavam a mostrar em cima d’um jumento
Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem
braços
Aborto que lhe dava um grande rendimento
Os magros histriões, hypocritas, devassos
Exploravam assim a flor do sentimento
E o monstro arregalaes os grandes olhos baços,
Uns olhos sem calor e sem entendimento
E toda a gente deu esmola aos taes ciganos
Deram esmola até mendigos quase sós,
E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos,
Eu lembrei-me de vós funâmbulos da Cruz
Que andais pelo universo há mil e tantos annos
Exhibindo, explorando o corpo de Jesus
(A LANTERNA, 17 de outubro de 1909, nº I,
ano IV)
........................
- 185 -
Ainda utilizando do passado como coleção de
exemplos, A Lanterna, nos escritos A um crucifixo de
Anthero do Quental, dirá que
Há mil anos, bom Cristo, ergueste os magros
braços
E clamaste da cruz: há deus! E olhaste, ó
crente,
O horizonte futuro e viste, em tua mente,
Um alvor ideal banhar esses espaços!
Porque morreu sem eco o eco de teus passos,
E de tua palavra (ó Verbo!) o som fremente?
Morreste... ah! Dorme em paz! Não volvas, que
descrente,
Arrojaras de novo á campa os membros
lassos...
Agora, como então, na mesma terra erma
A mesma humanidade é sempre a mesma
enferma,
Sob o mesmo ermo céu, frio como um
sudário...
E agora, como então, vivas o mundo exangue,
E ouviras perguntar – de que serviu o sangue
Com que resgate, ó Cristo, as urzes do
Calvário?
Anthero do Quental
(A LANTERNA, Ano XII, 22 de março de
1913, n° 183, p. 13)
A utilização da metáfora como recurso lingüístico era
algo recorrente dos escritos do periódico, utilizados geralmente
para dar sentido ao seu discurso libertário analisando as
sociedades do passado, as suas e propondo a ruptura com elas.
Vejamos como na poesia Judas Hodiernos os aspectos
constitutivos da metáfora são trabalhados.
Judas Hodiernos
Eis os Judas de agora, os negros traidores,
Que em nome de Jesus prégam nas cathedraes,
Arrastando a Razão num círculo de horrores,
Creatando os corações no inferno dos míssaes
Eis as irmãs gentis do lubricos amores,
........................
- 186 -
Que enchem mosteiros mil, que invadem
hospitaes,
Desmaiando na cruz de braços tentadores,
Que lhes abrem, rezando, os frades sensuaes
Devoram-lhes a carne as larvas dos desejos,
Desvaira-lhes o olhar a torpe sensação
Rebenta-lhe na boca a floração dos beijos...
Histriões de batina! Irmãs de branca touca!
Judas sois vós, por que vendeis a Religião,
E-almasde Satanaz! Tendes só Deus na bocca...
S. Paulo-1901
Frei João da Cruz
(A LANTERNA, ano I, nº 3, 6 de abril de
1901, p. 1).
O uso das metáforas presente em Judas Hodiernos de
Frei João da Cruz reafirma ainda que a moral religiosas é por si
uma afronta ao ser humano. Em tal poesia já citada, através de
uma linguagem acessível que utiliza de adjetivos para
caracterizar a sociedade cristão (a ser superada). Assim, A
Lanterna, “ao tratar de forma consistente o anticlericalismo,
usou a denúncia do exercício da sexualidade dos clérigos,
como uma violação da Igreja ao seu próprio código de
conduta” (FERNANDES, 2003, p. 265).
A interpretação da realidade de forma complexa (e
não meramente anticlerical ou econômica) também está
presente nas poesias libertárias publicadas no periódico.
Abaixo temos o exemplo de uma poesia que compreendia a
luta contra o clericalismo, os conflitos sociais, a moral
religiosa e sua respectiva relação com a sociedade. Em
Cautérios IX e Cautérios CI lê-se
Cautérios
IX
(...)
Guincha, bramas, esbraveis,
Lança por toda parte excommunhões,
O desgraçada, ó destruida Igreja,
Dona, outrora, de thronos, de canhões.
Hoje estas morta.Hoje és velha rameira
........................
- 187 -
Que inda espera de goso bellos dias,
Mas de quem, com ferror, até se esgueira
A amiga, a camarada das orgias.
Beato da Silva
(A LANTERNA, ano X – Nº 70, 11 de
fevereiro de 1911, p. 1)
Cautérios
CI
(...)
Em ver de rostinhos d’anjos
(O diabo a tudo transtorna!)
Nimbados de santidade,
Que a virtude sã exorna,
- Carantonhas de marmanjos,
Facies de torvos bandidos,
Viram nas santas criaturas,
Do Holmes, os olhos sabidos!
P’ra entender-se o sacrilégio,
É preciso que se invoque
O Demo, Decerto era ele
O desalmado Sherlock
Ou então, por sacrilégio,
Com a costumada malícia,
Por confusos e das avessas
O faro e olhar do polícia.
Beato da Silva
(A LANTERNA, Ano XII, 12 de junho de
1913, nº 199, p. 1).
Um elemento de destaque nesses poemas é crítica a
uma moral religiosa cristã. O contexto específico dessas
publicações são momentos de críticas dos anarquistas à moral
cristã. Por isso, vemos a representatividade da imagem do
clérigo como indivíduo sórdido que ao interpretá-lo como
representante de uma instituição amiga das orgias realiza uma
afronta.
Assim, esse refinamento, “pode ser uma tentativa de
contrapor a imagem do desordeiro irracional” que
historicamente fora lançada aos anarquistas escritores e que
nada são além de doadores de sentido (BOSI, 1977, p. 141)
........................
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que voltam, ou ao menos, possibilitam uma volta rápida e não
tão duradoura do direito do poeta de dar nome às coisas
(idem, p. 144).
Quando apresentava a venda de indulgências e suas
formas de mercantilização da fé, a Lanterna em dois poemas
será veemente em suas críticas. Utilizando da analogia como
maneira de dar um peso nas singularidades dos poemas, A
Verdadeira Água Milagrosa Só Na Casa Deus & Filho e Ás
almas pobres criticarão relação entre pecado, salvação e
condições financeiras. Vejamo-las.
A VERDADEIRA ÁGUA MILAGROSA SÓ
NA CASA DEUS & FILHO
...Endireita a espinhela caida,
Extrai callos, reduz fi elmões, prolonga a vida,
Marca a roupa, e sem damno algum e sem
fedor
Torna o cabello e a barba á primitiva cor.
Todos a Casa Deus & Filho! Ao Bazar da Fé!
Grande redução de preços!
(A LANTERNA, 14 de maio de 1910)
Ás almas pobres
O, Manél, ai tens dinheiro
Podes peccar á vontade,
Pois do missas um cargueiro
Vale bem na eternidade.
Mais si és pobre não abuses.
Ficarás no Purgatório!
Não terá do altar as luzes,
Não terás ó intinório.
Lucrecio
A LANTERNA, n. 4, 20 de abril de 1901, p. 2,
ano I
Nessas poesias, o aspecto da diferenças econômicas
entre as classes sociais ficam evidentes. Entendendo as
relações entre a Igreja e as classes sociais dominantes do
período, o aspecto revolucionário aparece ao entender as
singularidades entre as classes sociais e sua necessidade de
........................
- 189 -
superação, sobretudo nos textos que o jornal publicava (além
das poesias).
Assim, nas palavras de Alfredo Bosi, o objetivo das
poesias estão além de mero rebuscamento teórico: ela
produzem um imaginário, uma ação simbólica.
O que ela não pôde fazer, o que não está ao
alcance da pura ação simbólica, foi criar
materialmente o novo mundo e as novas
relações sociais, em que o poeta recobre a
transparência da visão e o divino poder de
nomear (BOSI, 1977, p. 145).
Acreditamos que, embora não de forma clara, o
caráter anarquista que o jornal assumira foi preponderante para
ressaltar aquilo que já era usual ao pensamento anarquista: a
crítica à autoridade, pois, seja qual for, ela é se não a
materialização das iniquidades do homem sobre o homem. Ou
como afirmara Mikhail Bakunin:
(...) todas las leyes que emanan de un
legislador, sea humano, sea divino, sea
individual, sea colectivo, y aunque fuese
nombrado por el sufragio universal, son leyes
despóticas, necesariamente extrañas y hostiles
a los hombres y a las cosas que deben dirigir:
no son leyes, sino decretos a los que se
obedece, no por necesidad interior y por
tendencia natural, sino porque se está obligado
a ello por una fuerza exterior, divina o humana;
decretos arbitrarios a los que la hipocresía
social, más bien inconsciente que
conscientemente, da arbitrariamente el nombre
de ley (BAKUNIN, 2008, p. 7).
A leitura d’A Lanterna permite a compreensão da
imprensa operária como um importante lugar de memória da
classe operária brasileira nos anos iniciais do século XX.
Simultaneamente, é também um produto cultural, resultado de
um processo de apropriação de bens simbólicos, promovido
........................
- 190 -
pelos operários em suas lutas sociais quotidianas. Além disso,
a imprensa operária tinha o intuito de elucidar temas do
cotidiano como uma forma de propagar os ideais libertários ao
operariado. Sendo assim, “A imprensa anarquista e operária
(...) contribuiu sobremaneira à divulgação dos ideais do
movimento e suas ações políticas, trazendo também um caráter
didático e doutrinário” (GONÇALVES e NASCIMENTO,
2008, p. 360).
Para finalizarmos, ressaltemos que essa pesquisa
buscou apresentar o estudo de “uma realidade multiforme,
complexa e rica” apresentando as minúcias e particularidades
para não cairmos em generalizações históricas sobre o
movimento operário no Brasil (HAUPT, 2010, p. 70). Um
estudo aprofundado no campo da imprensa operária,
apresentando uma caracterização das singularidades da história
dessa imprensa, operará como um antídoto ao estrabismo
acadêmico que ressalta a virtuosidade do olhar descritivista
reinante no conhecimento histórico contemporâneo.
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