joe berardo - colecionador e colecção

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A coleção Berardo Numa entrevista com José Berardo, Jean-François Chougnet e Carina Bento perguntam: "Ainda se lembra da primeira obra que comprou para esta colecção de Arte Moderna?" Composition - Maria Helena Vieira da Silva. 1948 Óleo sobre tela / 54 x 74,5 cm / Assinado e datado / Proveniência: M. Pierre Granville, Paris / Colecção particular A primeira obra que Berardo investe para a sua colecção é uma tela de Maria Helena Vieira da Silva, de 1948, intitula-se Composition. Esta pertenceu a Pierre Granville, o maior colecionador de obras de Vieira da Silva, o mesmo doou, entre 1969 e 2006, uma centena de obras ao Musée des beaux-arts de Dijon, passou assim a possuir a maior coleção pública de obras da artista. A artista, pintou sobre um fundo neutro, colocando pequenos quadrados coloridos seguindo uma paleta restrita, como luzes de uma cidade afastada durante a noite. Traços pretos conferem ritmo ao conjunto, proporcionando uma certa ambiguidade no tratamento do espaço. Afirma: «Pinto lugares, mas lugares vistos de muito longe. Quando se olha de longe, veem-se coisas pouco definidas. É isso que pinto de perto » (Pierre Schneider, Les Dialogues du Louvre, Paris, 1972). Este trabalho dá enfoque, apenas a exposição permanente "Museu colecção Berardo 1900-1960", porque enquadra em si esta primeira obra de toda a exposição, localizada na sala correspondente à "Nova escola de Paris". É uma exposição conhecida internacionalmente, por ter obras de referência e um carácter museológico e didático, visto que se encontra estruturada de acordo com os acontecimentos históricos dos vários movimentos artísticos do século XX. As primeiras obras da colecção aparecem como um contraponto às manifestações do início do século XX, numa reacção às correntes fauvista, cubista e expressionista. Esta

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MUSEOLOGIA Joe Berardo - colecionador e colecçãotrabalho de investigação

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Page 1: Joe Berardo - colecionador e colecção

A coleção Berardo

Numa entrevista com José Berardo, Jean-François Chougnet e Carina Bento

perguntam:

"Ainda se lembra da primeira obra que comprou para esta colecção de Arte Moderna?"

Composition - Maria Helena Vieira da Silva. 1948Óleo sobre tela / 54 x 74,5 cm / Assinado e datado /Proveniência: M. Pierre Granville, Paris / Colecção particular

A primeira obra que Berardo investe para a sua colecção é uma tela de Maria

Helena Vieira da Silva, de 1948, intitula-se Composition. Esta pertenceu a Pierre

Granville, o maior colecionador de obras de Vieira da Silva, o mesmo doou, entre 1969

e 2006, uma centena de obras ao Musée des beaux-arts de Dijon, passou assim a

possuir a maior coleção pública de obras da artista.

A artista, pintou sobre um fundo neutro, colocando pequenos quadrados

coloridos seguindo uma paleta restrita, como luzes de uma cidade afastada durante a

noite. Traços pretos conferem ritmo ao conjunto, proporcionando uma certa

ambiguidade no tratamento do espaço. Afirma: «Pinto lugares, mas lugares vistos de

muito longe. Quando se olha de longe, veem-se coisas pouco definidas. É isso que

pinto de perto» (Pierre Schneider, Les Dialogues du Louvre, Paris, 1972).

Este trabalho dá enfoque, apenas a exposição permanente "Museu colecção

Berardo 1900-1960", porque enquadra em si esta primeira obra de toda a exposição,

localizada na sala correspondente à "Nova escola de Paris". É uma exposição

conhecida internacionalmente, por ter obras de referência e um carácter museológico e

didático, visto que se encontra estruturada de acordo com os acontecimentos históricos

dos vários movimentos artísticos do século XX. As primeiras obras da colecção

aparecem como um contraponto às manifestações do início do século XX, numa

reacção às correntes fauvista, cubista e expressionista. Esta visão narrativa da história

da arte, seguida pela composição do corpo desta colecção, segue dois eixos,

nomeadamente a certeza de que a arte é legível a partir da sucessão de tendências ou

movimentos que repercutem internamente no processo de criação artística, por outro

lado, a noção de que este processo se liga ao tempo social e político.

Page 2: Joe Berardo - colecionador e colecção

Num primeiro momento, definiu-se a data de 1945 como marco importante para

o começo da colecção a expor. Todavia, o intento de alargar o horizonte temporal até

aos primórdios do modernismo, foi sempre um desígnio latente da mesma, que

abrange artistas que marcaram o início do século passado até aos desenvolvimentos

mais recentes da criação artística contemporânea. Possui uma compilação dos vários

movimentos artísticos, representando o indispensável da arte do século XX. Houve,

assim uma preocupação, no sentido a não haver falhas ao criar uma diacronia e um

discurso histórico da arte contemporânea.

A exposição foi estruturada da seguinte maneira, à entrada deparamo-nos com

a contextualização da mesma e os artistas das obras que integra (fig. 1 e 2), esta

exposição conta com 22 salas, nomeadamente "Os espaços cubistas", "Dadaísmo",

"Construtivismo", "De Stijl", "Abstração entre guerras", "Surrealismo", "Figuração no

pós-guerra", "Informalismo", "CoBrA", "Expressionismo abstrato", "Nova escola de

Paris", "Arte Cinética e Op Art", "Fernand Léger e Josef Albers", "Grupo Zero",

"Fontana, Manzoni e Klein", "Figuração existencialista", "«Presentness is Grace»",

"Descolagismo – Nouveau", "Réalisme", "Neodadaísmo", "Pop Art britânica" e, por fim,

"Pop Art americana". As obras encontram-se alinhadas uma após a outra nas paredes,

de acordo com o seu movimento artístico, ao lado de cada uma, a sua placa de

identificação (autor, nome, datação, suporte) (fig. 3), aquelas que exigem maior

atenção e cuidado, encontram-se distanciadas do público, através de uma linha preta

no chão, que limita a aproximação do observador (fig. 4). As salas são amplas, todas

as obras têm apontadas sobre si, luzes que lhes dão o devido enfoque. No fim do

percurso, para os mais interessados, a exposição possui uma mesa com catálogos e

revistas (fig. 5), onde podemos ver todas as obras catalogadas e uma breve biografia

dos diversos artistas.

O coleccionador estruturou o catálogo da seguinte maneira: 1.Linha, cor, espaço;

2. Dada e Surrealismo; 3. Abstracção; 4. Influências noutros países; 5. Depois da

Guerra; 6. Grupo Zero, Arte Op, Arte Cinética; 7. Nouveau réalisme e Arte Pop; 8.

Novas formas, Novas atitudes; 9. Regresso à pintura e escultura - Anos 80; 10.

Tradição, Narração e Transculturalidade - Anos 90.

Berardo pretende apenas contribuir para uma abertura que sistematize

encontros entre o grande público e a arte. O seu desejo parte do princípio que o

coleccionismo possa ser partilhado por todos, como enriquecimento da atividade

humana. Por isso decidiu não possuir um museu privado, queria que fosse o museu de

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todos os portugueses, que todos fizessem parte do mesmo e sentissem como seu.

Para o coleccionador a abertura do museu é, sem dúvida a concretização do seu maior

sonho, diz:

"Na minha história de vida, os sonhos representam um leque. Tenho sorte de dizer que

a vida tem sido um constante abrir de leques"

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Gosto pela colecção e origem da mesma

A paixão que José Berardo tem pelo coleccionismo remonta aos tempos da

escola, onde o mesmo coleccionava selos, postais de navios transatlânticos que

passavam pela ilha da Madeira e caixas de fósforos. Para o coleccionador, o acto de

colecionar é uma paixão. Em 1969 comprou o seu primeiro quadro, de seguida reparou

que era uma cópia da Mona Lisa, presente no Musée du Louvre, conta Berardo, a

Jean-François Chougnet e Carina Bento, que ficou frustrado, justificando o facto de não

ver a arte como investimento, mas sim como prazer.

O coleccionador anseia expor todas as suas colecções, mesmo aquelas que não

pertençam à arte moderna e contemporânea, como por exemplo as suas colecções de

azulejos, de cartazes publicitários originais, de móveis e objectos Art Déco, de

esculturas contemporêneas do Zimbabué, de faianças, de minerais e gemas e, por fim,

uma das maiores colecções de cicas do mundo. Berardo não compra obras para

deleite individual, por isso as suas colecções mantém-se abertas ao público dos mais

vastos lugares do mundo, sempre que tem oportunidade completa-as. Actualmente

conta com oitocentas e sessenta e duas obras de quinhentos e cinco artistas, de vários

estilos artísticos.

O seu interesse pela arte nascee na África do Sul, Berardo começou a visitar

várias galerias e museus. A primeira colecção de arte que organizou foi para a sua

própria casa e centrava-se em trabalhos sul-africanos anteriores e posteriores ao

Apartheid. Até aí, era uma colecção de gosto pessoal. Com isto, iniciou a sua colecção

de Arte Moderna, com o auxílio de Francisco Capelo. Após a saída do seu mentor, a

colecção fica em suspenso, as aquisições estavam agora relacionadas com opções

que José Berardo foi tomando e com conselhos que foi solicitando, quer a nível

nacional como internacional.

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O coleccionador

José Manuel Rodrigues Berardo nasceu na Ilha da Madeira, em Portugal, a 4 de

Julho de 1944. Após ter concluído a escola primária, iniciou o curso de contabilidade e

com treze anos e meio começa a trabalhar na Madeira Wine Company. Nessa altura,

nasce a sua paixão pelo colecionismo. Com família constituída e integrado

socialmente, José Berardo continua a prosperar e diversificar os seus negócios. Com

maior poder financeiro, decide iniciar a sua primeira coleção de arte.

Na década de 1980 é nomeado presidente do Bank of Lisbon e pouco tempo

depois integra o Conselho Consultivo do Presidente da República da África do Sul.

Assumindo-se contra o Apartheid, toma um papel ativo no país e atua desde dentro do

Partido Nacional para acabar com o sistema de segregação racial. É na segunda

metade da década diversifica a localização dos seus negócios, expandindo para o

Canadá, Portugal e Austrália. As viagens constantes, a intensificação da violência na

África do Sul e o apelo da sua terra natal, ditaram o regresso à pátria. Em Portugal

continua a desenvolver os negócios nas mais variadas áreas. Inicia-se na indústria

tabaqueira mas rapidamente ganha relevo na banca, hotelaria, imobiliária, media,

cortiça, vinhos, moda, entre muitos outros. Em 1988 realiza um sonho, comprando a

Quinta do Monte Palace, no Funchal, há muito votada ao abandono e doa-a à fundação

que instituiu com o seu nome e da qual é presidente. A quinta, alvo de um grande

processo de recuperação e reflorestação, reabre ao público a 5 de Outubro de 1991,

sendo atualmente um dos ex-libris da Madeira pela conjugação da natureza com

algumas das suas coleções. Atento às oportunidades do mercado e guiado por um

impulso carregado de intuição, construiu a Coleção Berardo, considerada atualmente

uma das melhores coleções privadas da Europa e uma referência internacional.

A dedicação à cultura, às artes e à sua divulgação valeu-lhe várias distinções

não só em Portugal, mas também no estrangeiro. Berardo é um homem de negócios

espalhados por todo o mundo, mas é na arte e na natureza, que se sente realizado.

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Bibliografia

CHOUGNET, Jean-François; DEMPSEY, Amy; CORNE, Eric; ALMEIDA, Bernardo

Pinto. "Museu Berardo - Um roteiro", Museu colecção Berardo. Editora: Dinalivro;

Centro Cultural de Belém. "Colecção Berardo 1917-1999" - 1999;

Page 5: Joe Berardo - colecionador e colecção

Sintra Museu de Arte Moderna. "Colecção Berardo." - Portugal, 1996;

Webgrafia

http://www.museuberardo.pt/