john blacking musica, cultura e experiencia

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cadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 1-304, 2007Msica, cultura e experinciaJOHN BLACKINGTRADUO: ANDR-KEES DE MORAES SCHOUTEN REVISO TCNICA: DANIELA DO AMARAL ALFONSI, PAULA WOLTHERS DE LORENA PIRES E THAS CHANG WALDMANA msica um sistema modelar primrio do pensamento humano e uma parte da infra-estruturadavidahumana.Ofazermusical um tipo especial de ao social que pode ter importantesconseqnciasparaoutrostipos de ao social. A msica no apenas reexiva, mas tambm gerativa, tanto como sistema cul-turalquantocomocapacidadehumana.Uma importantetarefadamusicologiadescobrir comoaspessoasproduzemsentidodamsi-ca,numavariedadedesituaessociaiseem diferentescontextosculturais,distinguindo entre as capacidades humanas inatas utilizadas pelos indivduos nesse processo e as convenes sociais que guiam suas aes.Essa tarefa comea a ser revolucionada pela invenodofongrafoedogravador,esegue com a descoberta e a anlise de sistemas musi-cais de diferentes partes do mundo, muitos dos quaisestobaseadosemprincpiosdeorgani-zaotonalquepodemserextremamentemal interpretadosquandoanalisadoscomospar-metros derivados da experincia da tradio da msica artstica europia. Isto foi reconhecido, em 1885, pelo fsico e foneticista britnico Ale-xander John Ellis que, aps mensurar as escalas musicais de sociedades diferentes, concluiu:A escala musical no nica, natural, nem fun-dada necessariamente sobre as leis da constitui-o do som musical, como to bem formulado por Helmholtz, mas muito diversa, muito arti-cial e muito caprichosa (Ellis, 1885, p. 526).O fongrafo e o gravador ajudaram a tornar as pessoas mais conscientes sobre a criatividade geralhumanaemrelaoinveno,perfor-mance e apreciao da msica. Estes equipa-mentos aboliram o que era visto como diferenas essenciais entre msicas escritas e no-escritas, e entre msicas artstica, popular e folclri-ca. As anlises das gravaes das msicas no-escritas revelaram que as folclricas e algumas tradies da msica artstica asitica so menos improvisadas, mais estveis e sistemticas do que geralmente se pensava. As interpretaes grava-dasdamsicaescritamostraramque,mesmo para o mais erudito e cuidadoso dos performers, a partitura apenas um guia aproximado para a performance. Assim como as mltiplas gravaes de uma sinfonia de Beethoven mostram que h tantas leituras quantas so as orquestras e os re-gentes,tambmasgravaesdaimprovisao aparentemente espontnea da msica africana revelam uma coerncia da performance, sugerin-do que os msicos retm em suas cabeas tanto a gramtica de um sistema musical como o equi-valente de uma partitura.O incremento nas gravaes das msicas do mundo nem sempre conduziu ao esclarecimen-tomusical,umavezqueaspessoastendema procurarsignicadosfamiliaresnono-fami-liar, como se os homfonos see, see, sea e si ti-vessem o mesmo signicado. Tambm moda entreoscompositoresselecionareutilizaras sonoridades exticas que os atrai, tal como os colonialistas produziram bens manufaturados a partir de matrias-primas dos pases do terceiro mundo. Se os compositores e etnomusiclogos encarassemoproblemadeaprenderumnovo sistema musical por meio do trabalho com os msicosedoestudocomprofessores,como :o: | Joux Biacxixccadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007fariamnumconservatrioeuropeuounorte-americano,seriamrecompensadospelades-cobertadeprocessosinesperadosqueentram na produo da msica, e sua compreenso da msicacomoumacapacidadehumanapo-deria ser ampliada, bem como sua experincia musical seria enriquecida. Umbomexemplodeumprocessomusi-cal inesperado foi proporcionado pelas segun-dasmaioremenordasduaspartesdaganga daBsnia-Herzegovina(verPetrovic,1977)e pelo Schwebungsdiaphonie (ver Messner, 1980), encontrado nas mais diferentes sociedades eu-ropias, asiticas e ocenicas. O que alguns ou-vidos escutam como tenses dissonantes, para os cantores so profundamente concordantes e uma fonte de experincia transcendental. Mesmoquetodasassociedadeshumanas conhecidaspossuamaquiloquemusiclogos treinados reconhecem como sendo msica, em algumasnohumapalavraparamsicaou existe um conceito de msica cujo signicado bem diferente daquele geralmente associado palavra msica. Todavia, msica uma pa-lavraoportunaquetemumafunoanaltica similaraoconceitodetiposideaisformula-do por Max Weber. Assim entendida, msica pode encerrar tanto a enorme gama de msi-casqueosmembrosdediferentessociedades categorizam como sistemas simblicos especiais e tipos de ao social, como um quadro inato especco de capacidades cognitivas e sensoriais que os seres humanos esto predispostos a usar na comunicao e na produo de sentido do seu ambiente. A msica tanto um produto observveldaaohumanaintencionalcomo um modo bsico de pensamento pelo qual toda aopodeserconstituda.Aexpressomais caractersticaeefetivadestemododepensa-mentooquepoderamoschamarmsica, mas isto tambm pode se manifestar em outras atividades, at na organizao de idias verbais, tal como o famoso discurso de Martin Luther King,Eutenhoumsonho,oualgumasdas poesias de Gertrude Stein.Asfontesdeinformaomaisacessveis sobre a natureza da msica so encontradas, emprimeirolugar,navariedadedesistemas, estilos ou gneros musicais que so atualmente realizadosnomundo.Segundo,nasgravaes histricas de partituras escritas, na iconograa e nas descries de performances. E, em terceiro lugar, nas diferentes percepes que as pessoas tmdamsicaedaexperinciamusical,por exemplo, nas diferentes maneiras pelas quais as pessoasproduzemsentidodossmbolosmu-sicais. Embora apresente um problema los-co, esta terceira fonte para os antroplogos amaisimportante,porquereconhecequeas msicassofatossociaisequeaanlisedas composies e das performances musicais deve, portanto, levar em conta tanto o trabalho dos crticos e leitores de textos como dos perfor-mers e recriadores da msica. O objeto arts-ticoemsinoartenemno-arte:torna-se umououtrosomentepelasatitudesesenti-mentosqueossereshumanoslhedirigem.A arte vive em homens e mulheres, sendo trazida a pblico por processos especiais de interao. Destamaneira,ossignosnopossuemsigni-cadosatqueestessejamcompartilhados,e assimtaisprocessostornam-secruciaisparaa semiticadamsica,comooprodutosnico queforneceofocoparaaanlise(Blacking, 1981,p.192).CliordGeertzilustroueste ponto mais sucintamente com a seguinte frase reveladora:Aarteeoequipamentoparasua compreensosoproduzidosnamesmaoci-na (Geertz, 1976, p. 1497).Paracompreenderamsicacomouma capacidadehumana,comoumquadroespe-ccodascapacidadescognitivasesensoriais, devemos comear tratando sua denio como problemtica, e por isso que coloquei o con-ceito entre aspas. Alm de incorporar numa te-oria geral da msica as caractersticas de todos Msica, cuiruia i ixiiiixcia | :ocadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007osdiferentessistemasmusicais,oumsicas, devemos tambm levar em conta as diferentes maneiras pelas quais os indivduos e os grupos sociaisproduzemsentidodaquiloqueelesou qualquer outro considera como msica. Desta maneira, quando um estudante uni-versitrioquenianoproduziuumaanliseer-rada, no-toveyniana, do primeiro movimento da Sonata para Piano de Beethoven op. 49, no. 2,foinecessriodescobrirporquesuaverso entrava em conito com as de seus colegas de classe que foram bem-sucedidos ao produzirem uma verso correta. Como examinador exter-no discordei das notas baixas dos examinadores internos,porqueoestudantehaviaproduzido uma anlise perfeitamente lgica, embora des-viante,naqualenfatizavaocontrastedeper-odos,padresrtmicoseatexturadebaixoe agudo, ao invs das tonalidades e dos motivos meldicos.Freqentementesoestasanlises desviantesdaspartiturasmusicaisquepro-duzemaltassomasdedinheiropararegentes, instrumentistasecompanhiasdediscose,no entanto, este fato da vida musical nem sempre reconhecido pelos musiclogos e tericos da msica, que s vezes assumem ser sua tarefa a produo de anlises denitivas da obra-prima musical,dosestilos e dosperodos da histria da msica. Como msica e experincia musical humana,asonataHammerklavierdeBeetho-ven se estende muito alm da partitura escrita, deummomentoparticulardahistriaoude qualquer performance singular. Diferentes remontagens e diferentes percepes dasonatatornam-separtedela,exatamente como a criao original e a primeira performan-cedependemdatradiopianstica(Blacking, 1981, p. 190).Somentequandoosmusiclogosseaper-ceberem das leituras alternativas dos textos sa-gradosteroodireito,comoseresquefazem msica,dediscordardasclassicaesind-genas. Por exemplo, os muulmanos no clas-sicam o canto Quranic como msica, mas ele possui caractersticas em comum com o canto gregorianoecomoutrostiposdecantosque muitos musiclogos consideram como tal, po-dendo assim ser includo na evidncia contra a qual a teoria geral da msica deve ser testada.Dequalquermodo,tododiscursosobre amsicaapresentaumproblemalosco porquepertenceaumaesferadiscursivadi-ferentedaqueladosujeitodainvestigao:a msica.Odiscursomusicalessencialmente no-verbal, embora obviamente as palavras in-uenciem suas estruturas em vrios casos, e, ao analisarlinguagensno-verbaisatravsdalin-guagemverbal,corre-seoriscodedistorcera evidncia. Portanto a msica , estritamente falando, uma verdade indecifrvel e o discurso sobreelapertenceaodomniodametafsica. Todavia, no precisamos nos preocupar demais por usar uma linguagem para descrever outra e tampoucoprecisamosnosdesesperaremveri-car verdades musicais, contanto que reconhe-amos ser a linguagem verbal aproximativa e a objetividade impossvel, pois construda subje-tivamente no interior do modelo de investiga-o.Ouseja,jqueessaverdadeindecifrvel spodeserabordadademaneiraindiretaou oblqua, o contedo verbal subjetivo levado em contapelosindivduospossuiumstatusespe-cial como dado na procura por continuidades e descontinuidades, homologias e contradies nas maneiras pelas quais as pessoas falam sobre o que acreditam ser msica. Msica como sistema culturalOconceitoantropolgicodeculturadi-fundiu-se(verSchneidereBonjean,1973) esubstituiuousocomumdapalavra,porm mais restrito, para o qual cultura se refere s :o | Joux Biacxixccadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007artesesatividadesrenadas.Adenio proposta por Tylor era mais abrangente:Cultura[...]otodocomplexoqueincluico-nhecimento, crena, arte, moral, lei, costume e tantasoutrascapacidadesehbitosadquiridos pelohomemenquantomembrodasociedade (Tylor, 1871, p. 1).O conceito de cultura uma abstrao es-boada para descrever todos os padres de pen-samentoeinterao,umsistemaorganizado de smbolos signicantes (Geertz, 1975, 46), que persiste nas comunidades ao longo do tem-po. Os instrumentos musicais e as transcries ou partituras da msica neles tocada no so a cultura de seus criadores, mas as manifestaes desta cultura, os produtos de processos sociais e culturais, o resultado material das capacida-des e hbitos adquiridos pelo homem enquan-to membro da sociedade. No podemos ver umacultura:somentepodemosinfer-ladas regularidadesnaformaenadistribuiodas coisas que observamos.Todaperformancemusical,numsistema deinteraosocial,umeventopadronizado cujosignicadonopodeserentendidoou analisadoisoladamentedosoutroseventosno sistema. Como Geertz observou, O problema capital apresentado pelo fenmeno completo do poder esttico, qualquer que seja a forma e o resultado da habilidade que o gerou, como coloc-lo entre outros modos de atividade social, como incorpor-lo na textura de um pa-dro de vida particular (1976, p. 1475). Ele ressalta ainda que um artista trabalha com signos que possuem um lugar no sistema semitico,estendendo-separaalmdoofcio queelepratica(1976,p.1488).Geertzcita oPaintingandexperienceinteenth-century ItalydeMichaelBaxandall,enfatizandoque diferentesdomniosdaculturarenascentista contriburam nos modos pelos quais os italia-nosdosculoXVolhavamparaaspinturas: Piero della Francesca se inclina para um tipo depinturarelacionadacomaavaliao,Fra Angelico com a pregao religiosa e Botticelli com a dana (Baxandall, 1972, p. 152).Isto no signica que toda a atividade musi-cal possa ou deva ser reduzida a uma variedade deatividadesocialeinterpretadademaneira intercambivelcomqualqueroutroconjunto de instituies. No fundo, a msica o aspec-tomaisimportantedofazermusical,noso-mente para quem a estuda, mas tambm para aquelesqueparticipamdela.Esteocarter especial das atividades musicais que sociol-gica e antropologicamente problemtico, mais que as caractersticas que elas tm em comum comoutrasatividadessociais.Oproblema descobrir como as pessoas integram e utilizam diferentestiposdeexperincia,especialmente a experincia musical, e como elas relacionam msicano-msicaeumtipodemsicaa outro. Quandoouvipelaprimeiravez,em1956, algumas canes de criana dos venda da frica doSul,porexemplo,nocompreendiacomo eles podiam preparar as crianas para a msica dos adultos, que j ouvira em muitas ocasies. E a meu ver, no entanto, deveriam existir rela-es estruturais entre as duas. Assumindo que ascanesdecrianasoosprimeirospassos naobtenodashabilidadesmusicaisvenda, procurei analis-las em termos de teorias uni-versaisdeintervalos,tonalidadeseestruturas musicaiselementares.Asprimeirastentativas deanlisemusicalformalforammal-sucedi-das, na medida em que falharam em revelar a coernciadascanesdecrianatantocomo umgneroquantoemrelaoaoutramsica venda, alm de faltar a preciso e a parcimnia queseesperariadeumaanliseconvincente. Finalmente,discussescomosmsicoseum Msica, cuiruia i ixiiiixcia | :ocadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007longo contato com sua sociedade e sua cultura me levaram a uma anlise cultural do contex-tosensitivodasmsicasdecriana(Blacking, 1967) que mostrou as relaes entre estruturas musicais e padres da vida social e cultural.Dessa maneira, embora a comparao inter-cultural seja uma tarefa na anlise das diferentes msicas e um passo em direo ao entendimen-todamsicacomoumacapacidadehuma-na,umsistemamusicaldeveria,emprimeiro lugar,seranalisadonoemcomparaocom outras msicas, mas em relao a outros siste-mas sociais e simblicos dentro de uma mesma sociedade. Tanto na teoria quanto no mtodo humadiferenasignicativaentreoestudo intensivodeoutrasmsicascomosistemas culturais coerentes e o estudocomparativo de outrasmsicas-em-performance.Tradicional-mente,procurava-secompreenderossistemas musicaisnostermosdosdiferentestiposde percepesqueseuscompositores,performers e espectadores habituais fazem deles embora osltimosestejaminevitavelmenteproduzin-do sentido das msicas dentro dos parmetros derivadosdosistemamusicaldoprprioana-lista ou de alguma hipottica teoria universal do fazer musical humano. Para entender tanto uma tradio musical quanto as contribuies que compositores individuais do a ela, um sis-tema musical deve ser compreendido como um dos diferentes quadros de smbolos pelos quais as pessoas aprendem a produzir um sentido p-blico de seus sentimentos e da vida social. Umavezquetantoosouvintescomoos compositores e performers so parte do proces-sodofazermusical,edesdequehajaevidn-cia de que todo ser humano tem a capacidade deproduzirsentidodamsica(cf.Blacking, 1973), a viso que um msico tem da msica uma fonte limitada de informao, at mesmo sobre os aspectos estritamente musicais de um sistema musical. De fato, j que sua arte exige grandededicaoaumaprticasocialmente isolada, s vezes os msicos podem ser menos perceptivosqueosouvintessobreosimpor-tantes signicados de sua arte, e eles raramente somaisarticuladosqueamdiadoleigoso-bre os processos de endoculturao dados por certosnaperformance.Aperformancedem-sicosecompositores,asgravaesepartituras musicais so importantes fontes de informao sobre as prticas musicais de uma sociedadee de seus componentes, mas no so de maneira alguma as nicas fontes primrias. E at que a importnciadasvisesleigasnacompreen-soenaanlisedasmsicassejareconhecida, no progrediremos em direo compreenso da msica como uma capacidade humana. Como isto pode ser feito? Nem o fongrafo ouatacassete,nemmesmoomelgrafo,o sonogramaououtrosdispositivoseletrnicos proporcionariamaschavesmaissignicativas paraacompreensodanaturezadodiscurso musical,aindaqueofereammeiosparaa escutarepetidaeparaaobservaocuidadosa do fenmeno acstico, podendo sensibilizar as pessoas para a complexidade e a variedade das msicasno-familiares.Comoferramentasde pesquisa, podem ser usados para testar, conr-mar ou refutar aquilo que as pessoas intentam ouacreditamsermsica.Masaquiloquepo-dem reproduzir incansavelmente e dissecar me-ticulosamenteproporcionaapenasumailuso deobjetividade,porqueaessnciadofazere da compreenso musical so os atos humanos de produzir sentido com os smbolos musicais atravs da composio, da performance e da au-dio. Os fatos objetivos das estruturas mu-sicais podem aparentemente estar ali para todos ouvirem ou verem, mas na verdade no esto. Osignicadodossignosmusicaisambguo, mais culturalmente limitado que objetivamen-te auto-evidente. As pessoas esto propensas a perceb-loseinterpret-loscomreferncias suasexperinciasdediferentessistemascul-turais,assimcomoconformeasvariaesna :oo | Joux Biacxixccadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007personalidadeindividual.Asinterpretaes ambguasdossignosmusicaissoprovavel-mente as mais poderosas fontes de inovao e transformaomusical,isto,quandocertas circunstncias sociais estimulam o desenvolvi-mento de uma maneira idiossincrtica de ouvir msica, em vez daquela aprovada culturalmen-te, mais provvel que se componham msicas abertas a novas direes.Dessamaneira,comosugeriuCharlesSe-eger(1977),asvariedadesdediscursosobre amsicasoprovavelmenteasmaiscon-veisfontesdeinformaosobreosdiferentes tiposdediscursomusical.Asmaneiraspelas quais as pessoas situam a msica dentro de outrosmodosdeatividadesocial;asclassi-caes,metforas,similaridades,metonmias, analogiaseoutrosmeiosqueutilizampara incorpor-la na textura de seu padro de vida particular; e as decises que tomam pela ou porcausadaperformancemusicalsopistas vitais na descoberta de gramticas musicais e de tipos de pensamento e inteligncia envolvidos no fazer das msicas do mundo.A grande contribuio da etnomusicologia para o conhecimento musical a expanso do saber acerca das possveis conceitualizaes das msicasedaperformancemusical.Estasso maisimportantesqueadescobertadenovas estruturasmusicais,porquesugeremmaneiras alternativasdeouvirtantoasnovasmsicas comoasmsicasjfamiliares.Elasdesaam asbasesdamaioriadasanlisespsicolgicas, sociolgicasemusicolgicasdamsicaeda musicalidade,especialmenteaquelasquerei-vindicam ser mais cientcas que humansticas porque rompem as divises convencionais entre o jargo das descries leigas e tcnicas das formas musicais. Elas revelam no apenas uma enorme variedade de musicalidades na socieda-dehumanadoquegeralmenteacreditvamos existir,mastambmnovasecoerentesidias sobreaorganizaodosomquenemsempre podem ser acomodadas dentro dos parmetros das anlises musicais cientcas derivadas da experincia de uma tradio musical particular, a msica tonal europia.Amsicatonaleuropiatambmfoima-triadediferentestiposdediscursoeestilos deinterpretao,eoprocessodecomp-la, interpret-laeexperiment-lafoiporlongo tempodescritoeavaliadocomumatermino-logia no-musical. Mas este modo de discurso sobre a msica geralmente considerado como auxiliaroureferencial,aindaqueessencialna compreensodasestruturasmusicaisparaas quaisosdiferentesmodosdediscursoquase cientcosforamdesenvolvidos.Gostariade sustentarqueojargotcnicodadescrio musical no substancialmente diferente e no deveria ser separado do discurso no-tcnico, excetoquandosolinguagensdegruposso-ciaisparticulares.Ouso,ouno,dostermos tcnicosnadescriomusicaltoarbitrrio quanto o fato de que a maioria das pessoas fala de diarria e bronquite, mas somente os mdi-cos e as enfermeiras falam de dispepsia, embora istosejaumaexperinciahumanaigualmente comum.Quandoumamigoouparenteest severamente doente, aprendemos logo o jargo e descobrimos que os mdicos raramente com-preendem o processo da doena melhor do que as pessoas leigas, os que padecem dela ou que esto prximos a ela. E assim com a msica. Embora o discur-somusical,ouaformaemmovimentoto-nal, seja o objeto da criao, da percepo e a fontedaexperinciamusical,termostcnicos comomelodia,tonalidade,intervalos, harmonia, quartas, quintas, teras etc., precisamsergeneralizadosparaquepossam descrever a organizao cognitiva de outros fe-nmenos, smbolos e conceitos, assim como os sons da msica (cf. Blacking, 1984). A msica freqentemente gerada por regras no-musi-cais.Ametalinguagemcomumenteusadanas Msica, cuiruia i ixiiiixcia | :o;cadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007anlisesmusicaispodedefatoimpedirode-senvolvimento de gramticas musicais, porque culturalmenteespeccaeirrelevantepara compreender muitas das msicas do mundo.Emboraostermostcnicosdasanlises musicais tenham algum valor heurstico como palavrasluminosasparasereferiraformas quesoexternamentesimilares,elesnoso adequadosparadescobrirossignicadosin-trnsecos aos diferentes perodos e aos gneros damsicaeuropia,deixandodeladoasm-sicas asitica e africana. A preciso com a qual as pessoas podem descrever, avaliar e relacionar a msica com outras atividades humanas (ver, porexemplo,Feld,1982,sobreamsicados Kaluli de Papua Nova Guin) sugere que a m-sica tonal europia poderia ser facilmente des-crita em geral, com termos no-musicais, de tal maneira que suas estruturas e signicados pos-samsermaisfacilmentecorrelacionadoscom outrascaractersticasdasculturaseuropiase at mesmo com as msicas no-europias.Paraconcluirestaseo,asimplicaesde tomarasmsicascomosistemasculturaispo-demserdeclaradasresumidamente.Partituras musicaissoprescritivaseapenasrepresen-taesaproximadasdossonspretendidosde umapeamusical. Transcriesdescritivasde performances gravadas podem ser mais precisas. Mas como dois performers pensam sobre a mes-ma passagem pode fazer uma grande diferena parasuasperformances,mesmoqueaparente-mente no haja diferenas observveis em seus movimentos de dedo, punho e brao. Como os ouvintes pensam sobre essas mesmas performan-cespodeserumfatoradicionalnacomunica-oenainterpretao.Dessamaneira,como as pessoas pensam sobre o que elas consideram como performance musical a chave para com-preender a estrutura e o signicado dos smbo-los musicais. Uma teoria til surgir no tanto do tes-tedehiptesesconstitudasdentrodeum sistemamusicalparticular,masdaconjun-o dinmica de sistemas e disciplinas alter-nativas.Istonocomoumdilogoentre pessoas no qual um deve dominar ou ambos devem tomar parte sem afetarem um ao ou-tro,massimumafusoondeasduaspartes saemtransformadaserenovadas,umavia-gem de descoberta mtua na qual diferentes maneirasdepensarsobreamsicaganham um status heurstico igual, num terreno onde todosossereshumanossocapazesdepro-duzir sentido da msica.Pensarefalarsobremsica:uma abordagem dialticaSitueioproblemadacogniomusical comocentralnacompreensoenaanlisede diferentesmsicas,eeviteideliberadamente asfalsasdicotomiascomopensamento/senti-mento, razo/emoo e mente/corpo, que fre-qentemente atrapalham as discusses sobre os smbolos e a experincia musical (cf. Blacking, 1977). Todavia, gostaria de distinguir dois mo-dos de discurso contrastantes mas complemen-tares, que so componentes necessrios do fazer musical e que tambm podem revelar como as pessoas pensam sobre a msica:Verbal: falando sobre msica como analistas e usurios da msica. (A categoria de analista incluiaspessoasqueinterpretam,escutame avaliam a msica, assim como os pesquisadores e acadmicos).No-verbal:ainterpretaocomouma maneiradecumplicidade,especialmentea experinciabi-musical,isto,aprendendoa interpretaradequadamenteamsicadeduas tradiesdiferentes.(Istoincluiasperfor-mances normais e as performances organizadas como testes do pensamento musical das pesso-as [como em Blacking (1959) e Arom (1976)]. Almdisso,comoargumenteianteriormente, :o8 | Joux Biacxixccadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007ouvirmsicaumtipodeperformance,na medida em que os ouvintes devem ativamen-te recriar e produzir sentido com os sons que ouvem.)A mais completa compreenso da msica e o enriquecimento pela experincia musical vm da combinao desses dois modos de discurso. Assim, as anlises do pensamento musical de-vemincluirosdoistiposdeinformao,mas semprenocontextodeseususossociaiseno sistema cultural do qual fazem parte. Para enfa-tizar a dinmica e os papis no-reexivos que os msicos podem desempenhar na vida social e na organizao cultural, e focar na signicn-ciadossmbolosmusicais,preronopensar em termos de uma sociomusicologia, que iden-tica a criao e a interao musical sobretudo como uma parte auxiliar da vida social, mas de umamusicossociologia,quepoderiavercer-tosaspectosdavidasocialcomoprodutosdo pensamento musical. Isto mais interessante para desaar o modelo da superestrutura arts-tica de base econmica da sociedade em geral, no porque eu rejeite este modelo, mas porque no me parece ser universalmente vlido. O que pode explicar de maneira magnca o modo de produocapitalistaeocrescimentodoim-perialismonaEuropaenaAmricadoNorte numtempoparticulardahistriahumana,e o que pode explicar os padres das civilizaes hidrulicas e os modos de produo feudais na sia, no explica necessariamente todas as for-maes sociais em todos os perodos da histria humana.Aidiadequeacognioartsticauma importante fonte da vida humana, e de que a prxis artstica pode inuenciar e iniciar a ao social,nodeveriaserdispensadacomouma reatualizaodavisoromnticadasartesdo sculo XIX. No estou armando que as msi-cas ou as artes em geral so o motor da mudan-a,ouquetenhamumafunodesolucionar problemas. Estou preocupado com as funes cognitivas da msica e, na seo nal deste tra-balho, sugiro que o fazer musical pode ser uma ferramentaindispensvelparaaintensicao e a transformao da conscincia como um pri-meiro passo para transformar as formas sociais. Em Te music of politics (Blacking, 1995b) ofereciumexemplodafricadoSul,ondea prticamusicalfoiumimportanteelemento nodesenvolvimentodaconscinciapolticae daaoefetiva.BenSidran(1971)descreveu ablackmusicnosEstadosUnidoscomouma espciedeaomaisquedereexo,umdos meios pelos quais a estrutura social criada.Esse tipo de evidncia e o argumento sobre a msica como um sistema modelar primrio apontamparaumaestratgiadepesquisaque toma os grupos sonoros como unidade bsica de anlise, mais que compositores individuais, grupos sociais, comunidades ou culturas per se. Um grupo sonoro um grupo de pessoas que compartilhaumalinguagemmusicalcomum, junto com idias comuns sobre a msica e seus usos. A pertena aos grupos sonoros pode coin-cidir com a distribuio das linguagens verbais edasculturas,oupodetranscend-las,como em partes da Europa e nas Terras Altas de Pa-pua Nova Guin. Numa mesma sociedade, as diferentesclassessociaispodemserdistingui-das como grupos sonoros distintos, ou podem pertenceraomesmogruposonoro,embora estejamprofundamentedivididasemoutras circunstncias.Se olharmos para a prtica musical como umaforaativanaformaodasidiaseda vida social, como comunicao no-verbal que abasemastambmtranscendecategoriase grupos sociais denidos e sustentados com pa-lavras, devemos procurar a evidncia que mos-tre como o uso dos smbolos musicais ajuda a fazer, assim como reetir padres da sociedade edacultura.Devemosdescobrirprecisamen-te como as pessoas so capazes de relacionar as experinciascomossmbolosmusicaisecom Msica, cuiruia i ixiiiixcia | :o,cadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007outras formas de atividade social e intelectual, e explicar isto como mais do que reaes apren-didas. Este nvel de explicao deve ir alm dos tiposdeargumentooudesuposioquear-mam ser tal ou qual padro de som destinado paraouassociadocomumaatividadeou convenosocialparticular,devendo,portan-to,procurarseussignicadosessenciaisnos signicados desta atividade social. As sentenas abertas neste trabalho suscitaram uma questo que com muita freqncia tomada por certa, masqueestnocernedetodasasdiscusses acerca da comunicao musical: a possibilidade de que os smbolos musicais possam ser trans-formados em outros smbolos, e vice-versa, sem a mediao da conveno social.Emminhasdiscussesanterioressobre comunicaomusical,emExpressingmusic experience through music (1995a) e How mu-sical is man? (1973), deixei de tratar essa questo comoproblemtica.Emprimeirolugar,em-boraquestionassealgumasdasconclusesdo brilhanteestudodeDerryckCooke,elan-guage of music (1959), ca na mesma armadilha quesustentaserossignicadosprimriosdos smbolos musicais selecionados pela conveno social. Em segundo lugar, no perguntei como aspessoasrelacionariamossmbolosmusicais no-verbaisaoutrosconjuntosdesmbolos semteremumasriedeequaesarbitrrias, taiscomo:sendox(no-verbal)=y(verbal); sendo pq (no-verbal) = rs (verbal) e assim por diante. Em outras palavras, as pessoas poderiam realizar conexes entre experincias musicais e no-musicaissemregrasculturaisespeccas? Agoraestouconvencidoquesim,principal-mente porque muitas regras culturais so feitas comosmesmosmodosdepensamentoquea msica, e porque a capacidade do crebro hu-mano em relacionar diferentes transformaes da mesma gura no depende completamente da experincia cultural, embora certos marcos histricos do desenvolvimento cognitivo preci-sem da prtica cultural para sua plena realiza-o (cf. Lenneberg, 1967).Para se chegar a alguma idia sobre as capa-cidades necessrias aos seres humanos na reali-zao destas operaes mentais (ponto que ser maisdiscutidonaprximaseo),precisamos enfocarosproblemasespeccosrelacionados com o equilbrio entre a potencial capacidade musicaleaprticacultural,massemprenos termosenocontextodesistemasmusicais diferentes.Porexemplo,sistemasmusicaisdi-ferentesrequeremfundamentalmentedistin-tascapacidades,habilidadesouaptides?Ou apenasenfatizamaspectosdeumrepertrio comumdecapacidadescognitivasmusicais e/ou gerais? Certos tipos de msica so ineren-tementemaisdifceisdeseconhecerafundo queoutros?Oupodem,emteoria,sertofa-cilmenteaprendidospelosnativosfalantes como suas linguagens verbais?Algumas respostas a estas questes emergi-ro quando soubermos melhor como as pessoas pensamsobrediferentesconjuntosdesmbo-los musicais e os relacionam a outros smbolos. A anlise do signicado s pode ser alcanada por uma dialtica entre informantes e ana-listas, na qual h uma confrontao de dois ti-pos de conhecimento tcnico e de experincia, eosinformantestomampartenoprocesso intelectual da anlise. Tanto quanto for poss-vel, isto deve ser feito em campo, sendo o pro-cessobastantediferentedaqueleusualmente associado com entrevistas. O ponto essencial que no deve haver duas fases separadas, da coletadedadosedaanlisedelaboratrio. A participao, a coleta de dados, a discusso e a anlise primria devem todas estar fundidas num processo analtico em andamento. Deste modo,amaiortarefadaanlisetransferida paraocampo,ondeosexperimentosadhoc (cf.Blacking,1959)podemsercombinados comodilogo,bemcomoparatestarcada concluso.:1o | Joux Biacxixccadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007Osegundoestgiodaanliserelacionar dialeticamenteasidiaseasatividadesdos grupos sonoros com aquelas de outros grupos sociaise,emparticular,situarociclodede-senvolvimentodosindivduosdentrodessas estruturas.Comoaaquisiodashabilidades musicaiseascorrespondentesexperincias corporaisrelacionam-seaoutrasatividadese experinciassociais?Asexperinciasmusicais auxiliamouentramemconitocomoutras atividades sociais? Em que medida a msica capaz de ou intenciona ampliar a conscin-cia?Ecomoaspessoasfazemasconexesen-tre a msica e outras experincias? (cf. Geertz, 1976, p. 1475, citado anteriormente). Geertz um dos vrios autores que busca situar a prtica artstica num contexto social. Ao mesmo tem-po em que concordo com isto, tambm inverto oprocessoedigoque,paraumetnomusic-logo,oprocedimentoanalticocrucialno tantoajustaramsicadentrodeumsistema social,masiniciarcomumsistemamusicale seus smbolos, com estilos e grupos sonoros, e entovercomoeondeasociedadeseajusta nointeriordamsica.Devemosconsiderara cognioartsticaeparticularmenteaprtica musical como tendo papis primrios na ima-ginao de realidades sociais.Supondo que haja uma unidade dos sentidos (ver von Hornbostel, 1927) e que as freqen-tes integraes de diferentes formas de arte (ver Nzewi, 1977; Tax, 1972, 26 f.) sejam resulta-dos de um denominador comum de cognio artstica, diramos que as idias e as atividades dos grupos sonoros deveriam tambm ser con-trastadascomaquelasdosgruposartsticos alternativosoucomplementares,assimcomo com os grupos no-artsticos em geral.Porqueosgarotosdayakseexpressamatravs daescultura(Leach,1954)easgarotasvenda atravsdocantoedapercusso?Eosgaro-tosdayakeasgarotasvendaseriamcarentes, emocionaleintelectualmente,pelafaltada percussoedaesculturarespectivamente?Se umaatividadeartsticanoessencialmentea mesma que outra, que podemos fazer sem uma delas? Entre os venda as habilidades na msica e na dana seriam to inextricavelmente ligadas que, por exemplo, se um homem venda disser Eu posso tocar tshikona, quer dizer que tam-bm pode dan-la, e se uma garota disser Eu dano tshigombela, ela tambm pode cantar e tocar os tambores (Blacking, 1982, p. 34).Algumas atividades artsticas so intrinseca-mente de grande valor para o desenvolvimento de determinados indivduos, se no das pessoas emgeral,porcausadasmaneirasparticulares nas quais exercitam o corpo? Ou a signicncia afetivaecognitivavariaporcausadesuasdi-ferentes aplicaes culturais? Howard Gardner argumentou que acapacidademusicalfreqentementeencon-tradaentrecrianasquenosoexcepcionais, podendoatmesmoserdecientesemoutras reas (1973, p. 188).Poroutrolado,numestudolongitudi-nalentrecrianashngaras,BarkcziePlh (1982)apontaramparaosefeitospositivos dofazermusicalnosresultadoseducacionais. Mostraram que embora a educao musical in-tensiva pelo mtodo Kodly no tenha afetado o nvel geral de inteligncia das crianas, houve um efeito positivo sobre a criatividade, produ-zindo uma relao mais harmnica entre cria-tividade e inteligncia, pensamento divergente e convergente (Barkczi e Plh, 1982, p. 31). Gardner tambm sugeriu queprovavelmente nenhuma outra pessoa viva toca-vacomovirtuosismodogarotoMozart...mas aosdezesseisanosPicassonodesenhavato bem quanto Degas (1973, p. 198).Msica, cuiruia i ixiiiixcia | :11cadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007As diferenas entre a aquisio da msica e dapinturareetemanaturezapreeminente-mente formal do meio e o fato de a msica ser mais auto-contida (ibid.) e menos dependente daexperincia?Ousoestasdiferenasuma conseqnciadasrelaesdessessistemasde smbolos com outros na cultura europia?Esta questo nos leva de volta ao tema-cha-ve da msica como uma capacidade humana, que o tpico da prxima e ltima seo deste trabalho.Masantesdediscutiraqueletema, gostaria de resumir algumas das reas nas quais uma abordagem dialtica para a anlise do fa-zer musical prtico, em diferentes sociedades e contextos, pode nos levar a uma compreenso mais profunda das capacidades musicais hu-manas e de suas expresses em diferentes msi-cas. Uma abordagem dialtica pode ser aplicada como a seguir:1. Entre analistas, por exemplo, entre Steve Feld e seus analistas Kaluli, quem (como com Stravinsky e Robert Craft) provavelmente no haviampensadosobremuitasdascoisasque Feld lhes falava at que eles tivessem o desao intelectualadvindodavisitadoetnomusic-logo.Damesmamaneira,atquefossedesa-ado intelectualmente pelas pessoas em Venda (incluindoascrianas),haviamuitosaspectos da compreenso e da interpretao de minha prpria msica que me escapavam.2. Entre grupos sonoros e outros grupos so-ciais, por exemplo, entre msica e outras artes, e entre as atividades musicais e outras ativida-des num sistema social. 3.Entresistemasmusicaisesuaslgicas contrastantes(verbaleno-verbal).Sistemas musicais so derivados de e/ou ligados a idias eprincpiosdeordemutilizadosnumavarie-dade de instituies. Qual o status do pen-samentomusical?Eleumtipoespecialde cognio humana, podendo tambm ser apli-cadoemcamposno-musicais?Ouamsica aaplicaodeoutrostiposdepensamento edemovimentocorporalparaaorganizao de tons? 4. Entre performers, performances e experin-cias musicais contrastantes (no-verbal). Como a experincia de um sistema musical inuencia a percepo de um e a performance do outro?5. Entre grupos sociais e estilos contrastan-tes, por exemplo, a confrontao nos Festivais deFolclorenasituaode,digamos,Zmbia, ondeosmembrosdacompanhianacionalde dana so atrados de todas as partes do pas e ensinam uns aos outros a executar as danas co-muns s diferentes regies. Confrontaes nos Festivais de Folclore muitas vezes parecem com o que George Steiner, em After Babel: Aspects of language and translation (1975), escreveu sobre a comunicao em comunidades divididas so-cial e economicamente: As funes agonsticas da fala... tm mais valor do que as funes da comunicaogenuna...Asclassessociaiseos guetosraciaisfalammaissobreosoutrosque com os outros (1975, p. 32). Poloneses, hn-garos,ingleses,irlandeses,chineseseindianos etc., seguiro mais convencidos do que nunca que seus prprios produtos culturais so supe-riores aos outros e que eles tm pouco ou nada a aprender. Msicacomoummodode pensamento e aoMuitosetemescritosobreainteligncia musicaleascapacidadesexigidaspelofazer musical,masamaiorparteetnocntricae nemsempretotalmenteapropriadatradio musical europia da qual so derivados os cri-trios de mensurao. Em How musical is man? (1973) eu sustentava que a distribuio quase universal da competncia musical nas socieda-des africanas sugeria que a capacidade musical era, mais que um raro talento, uma caractersti-ca geral da espcie humana. Tambm ressaltava :1: | Joux Biacxixccadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007que bons msicos poderiam evidentemente ga-nharmuitopoucoemtestesdemusicalidade, porque seus valores e conceitos musicais seriam variados. Por exemplo, as pessoas resistiriam a cantar em unssono comigo quando solicitadas a faz-lo, pela razo de que com a presena de mais de uma pessoa qualquer bom msico pre-feririacantaremharmoniacomintervalosde uma quarta, quinta ou tera! Leon Crickmore (1968) demonstrou que, at mesmo dentro da tradiomusicaleuropia,acapacidadepara apreciar a msica no est correlacionada com a personalidade, medida em qualidade intelec-tualouintelignciamusical,comocalculada pelo teste Wing.Apesquisaetnomusicolgicamostraque grande parte das teorias, parmetros e testes de musicalidade,assimcomodascorresponden-tes psicologias da msica, so especcas e cul-turalmente limitadas, e que a msica pode ser gerada por uma variedade de processos, alguns dosquaissono-musicais(cf.Blacking, 1973, 11.). Apesar disto, existem boas razes paraprocurareidenticarumquadroinato especcodascapacidadescognitivasesenso-riaisqueossereshumanosestopredispostos a usar para a comunicao musical. Ao pos-tularummodono-verbal,pr-lingstico, musical de pensamento e ao no quero di-zer que todas as msicas so derivadas dele ou que est limitado produo da msica. Alm disso, pode manifestar-se em outras atividades humanas, at mesmo na organizao de idias verbais, como ressaltei na primeira seo deste trabalho.A linguagem verbal surgiu com a nossa atu-al espcie Homo sapiens sapiens acerca de seten-ta mil anos e claramente mais eciente para a adaptao cultural. Mas a msica e a dana nodesapareceram.Talsobrevivnciasugere queestevalorevolutivoresidenasuaeccia como linguagem no-verbal, especialmente no usoquefazdohemisfriodireitodocrebro, cujopapelnaaohumanasetornoumenos acentuado que a linguagem verbal desenvolvi-da,edohemisfrioesquerdo,usadomaisfre-qentementeematividadesculturaisgeraise em certas ocupaes (cf. Ornstein, 1973, p. 92). Emboragrandepartedasocupaesvalorize um modo de pensamento ao outro, a consci-nciahumanacompletapoderiaincluiram-bos e os trabalhos complementares de nossos dois processos de pensamento nos permitiriam as maiores realizaes (ibid.). Da mesma ma-neira,emboraacomunicaono-verbalseja particularmente apropriada para a expresso da qualidade e da intensidade dos sentimentos (cf. Bateson,1973,p.388),recuso,poisqueso de pouca valia, essas dicotomias que opem os hemisfrios direito e esquerdo, msica e dana emcontrastecomlinguagemverbal,emoo com razo, e assim por diante.Os modos de pensar no-verbais, freqente-mente referidos como performativos/expressi-vos, so to fundamentais e necessrios para a vida humana como o verbal e outros modos de pensamentoproposicionais/discursivos,ca-ractersticos do hemisfrio esquerdo do crebro. Almdisso,estesdoismodosdepensamento, complementaresmascontrastantes,noesto atrelados a nenhuma atividade particular, mas so maneiras de processar a informao.Comoumsistemamodelarprimrio,a msica s pode ser inferida a partir de obser-vaes cuidadosas do comportamento e da ao humana. Alm do mais, ela provavelmente no podeserreveladaatravsdoestudointensivo de um sistema em seu contexto social, embora esse mtodo parea ser produtivo para entender a fala, tendo Chomski e outros realizado gran-desprogressosnoestudodousodalnguain-glesa. Um trabalho como Biological foundations of language (Lenneberg, 1967) no poderia ter sido realizado sobre a msica com evidncias provindas de um nico sistema cultural, porque as pessoas no distinguem as msicas umas das Msica, cuiruia i ixiiiixcia | :1cadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007outrascomamesmacertezaquereconhecem outras lnguas naturais como fala.O conceito antropolgico de msica deve-ria, portanto, ser provisrio e sensvel variedade designicadosatribudos,emdiferentespartes domundo,aosomhumanamenteorganizado. Os mesmos padres de som no apenas podem ter diferentes signicados em diversas sociedades, mas tambm podem ter signicados diferentes no interior da mesma sociedade, por causa dos con-textos sociais diferentes. Dessa forma, como nos estudos modernos dos atos de fala, a nfase deve estarnasintenesdesignicaralgodosatorese em suas interpretaes das intenes de signicar das outras pessoas. Isto tambm obriga a reconhe-cer que atores e analistas podem interpretar mal as intenes dos outros, o que pode ter conseq-ncias para a ao social bem como para o rigor analtico. Isto , uma pessoa pode interpretar um comportamentono-intencionaldeoutracomo uma ao intencional e responder de acordo. Um tiquenervosopodeserinterpretadocomouma piscadela, ou como um tique nervoso.Aetnomusicologiadialticadeveprocurar relacionar as variedades de msicas com as ca-ractersticas gerais da msica como um modo de pensamento e ao por exemplo, relacio-nar as manifestaes culturais aos fundamentos biolgicos. Os estudos da natureza da msica envolvem uma dialtica entre cultura e nature-za, convenes ou predisposies sociais e ao individual,plasticidadeeespecicidade.Mas estes pares contrastantes nem sempre devem ser tratadoscomooposiesoucategoriashom-logas. Isto quer dizer, por exemplo, que a plas-ticidadeumacaractersticadaespecicidade humana, embora as variedades das convenes sociaispossamserdescritascomoconseqn-cias desta plasticidade e da ao individual. O fato de que elas so convenes somente pos-svelporcausadaespecicidadehumana.Es-tou interessado em uma srie de questes que o etlogo Robert Hinde considera til: A diferena entre este e aquele padro de com-portamento devida a uma diferena na cons-tituio gentica ou na experincia? A diferena na experincia (ou na constituio gentica) afe-ta o padro de comportamento? [...][No caso do tentilho,] ouvir um canto normal partedaexperincianecessriaparaodesen-volvimento deste canto [...] Entretanto, os ten-tilhes no aprenderiam nenhum canto ouvido poreles[se]aexperinciadeaprend-lono ocorresse alguns meses antes do prprio pssaro iniciar a cantar [de modo que a informao], de certa maneira, seja armazenada [...]Os organismos vm ao mundo com propenses para aprender algumas coisas mas no outras [...] os tentilhes logo tero diculdades se imitarem qualquersomqueouam,poisverdadeque est predeterminado que aprendam apenas can-toscomaestruturatonalparecidacomaquela do canto normal do tentilho (Hinde, 1975, p. 114-117).No estou interessado no estudo dos siste-masmusicaisunicamentecomoexemplosda innita variedade da criatividade humana, mas nosupostopapeldamsicacomopartede umabiogramticahumana.Sehumfunda-mento biolgico para a msica, qual a gama decapacidadesenvolvidas?Eemquemedida elascoincidemcomoutrascapacidades?Que outras formas culturais so extenses das mes-mas propenses biolgicas? O que acontece s pessoasquandoassociedadesnolevamem contaounoestimulamodesenvolvimento dascapacidadesmusicaislatentes?Elasso canalizadasparaoutrasatividadesousimples-mente atroam? Se h fundamentos biolgicos das msicas, o quanto eles determinam reaes na interpretao das estruturas sonoras?Humparadoxoacercadasinterpretaes privada e pblica da msica que aponta para a presena e a importncia dos fundamentos bio-lgicos.Eleresumidonotipodeobservao :1 | Joux Biacxixccadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007queConstantLambertfezaonaldeMusic Ho!:Oartistamembrodeumgrupoescre-vesomenteparaaquelegrupo,aopassoque, aoexpressarumaexperinciapessoaloartista pode, no m das contas, alcanar uma experi-ncia universal (1948, p. 241). Isto sugere que a msica pode ser uma linguagem universal que transcende cultura, classe, nao e grupo social, masapenassobcertascondies.Quandoela remete a um conhecimento pblico, seu apelo limitado; mas quando mais privada, pode ter um apelo mais amplo.A primeira proposio facilmente aceita. A msica no uma linguagem universal. Como comunicao pblica, os sistemas musicais so maisesotricoseculturalmenteespeccosdo quequalquerlinguagemverbal.Elesnopo-demsertraduzidosetornadospublicamente acessveiseinteligveisparaosestrangeiros, assim como se pode falar em lnguas estrangei-ras em conferncias ou reunies polticas e ser entendido por todos os presentes com o auxlio de bons intrpretes. Asegundaproposionofazsentidoal-gum,anoserquepostulemosseremalguns aspectosdacomunicaono-verbaledaor-ganizao cognitiva parte de uma biogramtica humana(cf.Blacking,1977,10.).Pelaex-perincia sabemos que no podemos produzir qualquersentidodafaladeoutrapessoasem utilizar um intrprete ou gastar tempo e esfor-oconsiderveisapreendendosuagramticae seu lxico. Mas tambm sabemos que podemos privadamenteproduzirsentidodamsicade, digamos, Schubert, Mozart e alguns composi-tores balineses sem qualquer conhecimento ou mesmotendopoucointeressenasculturase lnguas austraca e balinesa. Como possvel?Mesmoquesejanecessrioalgumtreina-mentomusicalouendoculturaoempelo menos um sistema musical, o ponto que po-demos produzir sentido dos sistemas musicais semterqueperdertempoaprendendoseus cdigos, como temos que produzir sentido da falaestrangeira.Istosugerequehaveriauma ressonncia cognitiva supracultural e nveis nos quais diferentes compositores, ouvintes e siste-mas musicais utilizam os mesmos modos mu-sicais de pensamento. Contudo, a experincia detalressonnciasomentepodeserprivada, porqueossentimentospblicosinclinamas pessoas para aquilo que culturalmente fami-liar. Alm disso, a armao de que a msica umalinguagemdeemoes,parecidacoma fala (Cooke, 1959), que revela a natureza dos sentimentoscomumdetalheeumaverdade que a lngua no pode abordar (Langer, 1948, p.191),nopoderiaexplicaracomunicao musical universal. No apenas as convenes artsticas e a expresso emocional muda de uma cultura para outra, como tambm as maneiras pelas quais as pessoas aprendem a classicar, a usar suas emoes e a desenvolver uma vida de sentimentos varia consideravelmente. OtipodecomunicaomusicalqueCos-tant Lambert (1948) descreveu e a experincia de centenas de milhares de pessoas podem no ocorrerregularmente,anoserqueosindiv-duos possussem alguma espcie de inteligncia musical cujo uso no depende completamente da experincia e do condicionamento cultural.Como um meio de comunicao, a msi-ca difere da fala e do mito, pois o signicado (mensagem) geralmente xado independen-temente da estrutura (cdigo). Embora qual-quer signicado extra-musical (por exemplo, social,polticooureligioso)possaserxado para o conjunto dos smbolos musicais, a ex-plicaotorna-seumproblemasociolgico, e o signicado musical depende muito da es-truturadosom.Afalaagramaticalpodeser compreendida, mas a msica sem estrutura ininteligvelou,dequalquerforma,inecaz comocomunicaomusical.(Amsicaalea-tria no uma exceo, porque geralmen-teincorporadaemestruturasmusicais.Isto Msica, cuiruia i ixiiiixcia | :1cadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007no pode ser comparado precisamente com a glossolalia, que no tratada como fala agra-matical.) Como estrutura, a msica sobretudo sen-sual e no-referencial: ela proporciona uma re-presentao de fatos conhecidos, caracterstica no da experincia objetiva em si, mas de nossa conscincia da experincia objetiva (Ferguson, 1960,p.88).Elanopodecomunicarnada novo a no ser padres desconhecidos de som e,numcertosentido,noexprimenadamais queelamesma:provocaemoesapenascom basenacompreensodoscontrastestonaise rtmicos (cf. Meyer, 1956; Pike, 1970; Clynes, 1974). No entanto, essas estruturas so criadas examsignicadonacultura(cf.Blacking, 1973,p.54-58),eassimamsicaexprime tudo menos ela mesma, da mesma maneira que a fala exprime tudo menos a fonologia e a sinta-xe para quem usa uma lngua especicamente. Portanto,atasexplicaesfenomenolgicas dosignicadomusicalintrnseconopodem evitarofatodequeossmboloseossistemas musicais so socialmente construdos, e de que acomunicaomusicalsetornapossvelno pelas estruturas musicais per se, mas pelo senti-do musical que as pessoas encontram nela.Se ao expressar uma experincia pessoal o artistapode,nomdascontas,alcanaruma experinciauniversal,porqueeleouela capaz de viveralm da cultura eno para a cultura (cf. Blacking, 1969, p. 16) e de res-sintonizarasconvenesculturaisparticulares comasexperinciascomunsdossereshuma-nospelousodosmodosdepensamentoque todo indivduo possui. Quando a gramtica da msica coincide com a gramtica do corpo de uma pessoa particular, a ressonncia cognitiva pode,emparte,sersentidaeapreendidapor causa da experincia social. Mas quando a gra-mtica da msica coincide com a biogramtica musicaldocorpohumano,emsentidoam-plo, a ressonncia cognitiva pode ser sentida e apreendida apesar das experincias sociais espe-ccas. Uma compreenso intuitiva da msica possvelporqueperformerseouvintespos-suem, tal como criadores de msica, a mesma competncia ou inteligncia musical inata. Quandoalgumusaessesmodosdepensa-mento e ao muito pessoais (mas universais) paracriarnovascombinaescomossmbo-losmusicaisculturalmentefamiliares,huma boa chance de outros seres humanos, recriando suaspercepesaoouvi-las(sobreissoque trata a audio ativa), sentirem em seus corpos oqueosoutrossentiramaocri-las.Edesde que estes sentimentos sejam parte essencial das atividades do corpo humano, eles sero acom-panhadospelasexperinciasdeplenitude,de satisfao e de bem sucedida auto-atualizao.Tudo isso uma elaborao a partir da fra-sedeGeertz,citadaanteriormente,dequea arteeoequipamentoparasuacompreenso so produzidos na mesma ocina. Mas gosta-ria de reiterar dois pontos. Primeiro, o processo de ressonncia em nada depende do condicio-namento cultural, podendo ser um fenmeno dacomunicaohumanano-verbal.Emse-gundolugar,ossentimentosprimriosqueas pessoas tm em seus corpos so experincias de diferentes tipos de impulso interno. Mais que sensaesdeemoesparticularesouestados fsicos,elaspodemescolherinterpretartais sentimentoscomlinguagenscontemporneas daemooeoutrasmetforasculturalmente familiares. Entretanto, no chegaremos a uma teoria coerente da comunicao musical se ten-tarmosexplicardiferentessistemasmusicais comolinguagensdeemoes:comoumaca-pacidade humana, a msica uma atividade cognitiva e, portanto, afetiva do corpo. As anlises crticas das estruturas musicais e de seus signicados para atores e analistas, em diferentes contextos sociais e histricos, podem complementarexperimentosformaiselevar-nos mais prximo compreenso da msica :1o | Joux Biacxixccadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007como uma capacidade humana. Aquilo que de-nomino dana biossocial (Blacking, 1976) uma capacidade especca, o instrumental que permitiuaohomemprimitivodesenvolvero pensamento, a tecnologia e a inveno da cul-tura na poca do baixo Pleistoceno. Sugeri que aproto-msicaeaproto-danaestiveram intimamentevinculadasexpansodessaca-pacidade e que, como ao ritualizada no espa-oenotempo,provavelmenteforamcruciais ao ajudar as espcies humanas mais primitivas do Homo erectus a desenvolverem-se em Homo sapiens neanderthalensis e da em Homo sapiens sapiens.ComoadventodoHomosapienssapiens veioalinguagemverbal,masnoodesapare-cimento da msica e da dana. Os smbolos dafalapossibilitaramumagrandediversidade de inveno cultural, em um grau de desenvol-vimento at agora sem precedentes. Mas a fala tambm permitiu aos seres humanos imaginar, desenvolver e debater sobre situaes sem neces-sariamente conhec-las pela experincia corpo-ral. H muito os padres da msica e da dana soinuenciadospelaformaepelocontedo dodiscursoverbal,eprovavelmenteperderam sua importncia como modo dirio de comuni-cao factual ou prtica. Mas no h razo para supor que seu papel evolutivo tenha diminudo. Lembro que a msica e a dana permaneceram como fatores-chave na vida humana e, em par-ticular, so meios para as pessoas preencherem os vazios da comunicao e da compreenso en-tre suas vidas em sociedades que prescrevem certas idias, sentimentos e denies de expe-rincia e suas experincias corporais como se-res com sentimentos prprios.Senssoubssemosmaissobreamsica comoumacapacidadehumana,esobreseu potencialcomoforaintelectualeafetivana comunicao,nasociedadeenacultura,po-deramosus-laamplamenteparamelhorara educao geral e construir sociedades paccas, igualitriaseprsperasnosculoXXI,assim comonossosancestraispr-histricosusaram-naparainventarasculturasapartirdasquais todas as civilizaes se desenvolveram.Referncias bibliogrcasAROM, Simha. 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Agra-deo aos colegas Danilo Paiva Ramos, Herbert Rodrigues e Giovanni Cirino pela colaborao na traduo, bem como aos trs editores da Ca-dernosdeCamporesponsveispelaapreciao desta e por suas generosas sugestes ao texto.:18 | Joux Biacxixccadernos de campo, So Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007traduzido de BLACKING, John. Music, culture, and experience. In: Music, culture & experience selected papers of John Blacking; edited and with an introduction by Reginald Byron; with a foreword by Bruno Nettl. Chicago and London: University of Chicago Press, 1995. p. 223-242.tradutorAndr-Kees de Moraes SchoutenDoutorando em Cincia Social (Antropologia Social)/USP Pesquisador do Ncleo de Antropologia da Performance e do Drama (NAPEDRA/USP)revisorDaniela do Amaral AlfonsiMestre em Cincia Social (Antropologia Social)/USPtradutorPaula Wolthers de Lorena PiresMestranda em Cincia Social (Antropologia Social)/USP tradutoras Chang WaldmanMestranda em Cincia Social (Antropologia Social)/USP Recebido em 19/03/2007Aceito para publicao em 16/07/2007