jornadas de junho.br.com: mídia, jornalismo e redes sociais 2014
DESCRIPTION
Trabalho Coletivo - Mestrado Profissional em Jornalismo - PPJ/UFPB - Organizado por Claudio C. Paiva & Thiago Soares - Turma da disciplina Jornalismo Digital - 2013.2TRANSCRIPT
qwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbn
Protestos.com.br: perspectivas e análises da mobilização nas ruas e redes sociais
COLETIVO PPJ/UFPB
Cláudio C. Paiva e Thiago Soares Organizadores
Editora UFPB
2014
2
SUMÁRIO
Apresentação .......................................................................... 4
Corpo e discurso no Movimento “Passe Livre”: Patrícia Poeta, estratégias enunciativas do JN e crítica nas redes sociais ......... 7
As rotinas produtivas e as experiências da TV Cabo Branco na cobertura dos protestos em João Pessoa ................................. 36
O Radiojornalismo da CBN nos Protestos em João Pessoa: Relatos de Cobertura ............................................................. 71
Convergência de conteúdo e uso do Facebook na cobertura da “voz das ruas” pela Agência Brasil ........................................ 93
A rua é a maior arquibancada do Brasil. Publicidade e agendamento do jornalismo na capa do Diário de Pernambuco ........................................................................................... 120
Cobertura ao vivo das manifestações populares - Tecnologias móveis, mídias independentes e jornalismo ......................... 139
Sobre o que se protesta mesmo? .......................................... 169
Vândalos ou ativistas: cobertura jornalística dos protestos ... 186
Cândida Nobre
Amanda Evangelista | Virgínia Sá Barreto
Roberta Matias | Virgínia Sá Barreto
Edileide Bezerra | Olga Tavares
Angélica Carneiro | Sandra Moura
Maria Helena Monteiro | Thiago Soares
Thiago Almeida | Cláudio C. Paiva
Jonara Siqueira | Thiago Soares
Hallita Avelar | Hildeberto Barbosa Filho
3 Ciberativimo nos protestos do Brasil - Hashtags como agregadores de informação em redes sociais ........................ 202
Redes Sociais e Agendamento do Jornalismo ...................... 221
“Não é por 20 centavos!”: cultura dos memes e viralização . 236
A Revolta do Vinagre: Humor nos Protestos do Brasil ........ 262
Jornalismo e transmídia: estratégias para um debate ............ 283
Mea Culpa e autorreferencialidade na cobertura dos protestos no Brasil ............................................................................. 299
Mariah Araújo | Pedro Nunes
Sinaldo Barbosa | Joana Belarmino
Evaniene Mascena | Cláudio C. Paiva
Andréa Mesquita | Joana Belarmino
| Valter Araújo | Joana Belarmino
Rackel Guimarães | Thiago Soares
4
Apresentação
O ano de 2013 apresentou o Brasil em nova perspectiva.
Em junho, o país do futebol foi palco da Copa das
Confederações, todavia o espetáculo principal não aconteceu
dentro dos estádios, mas fora dele. Ruas e redes foram tomadas
por manifestantes e o jogo foi comandado por uma multidão de
inconformados com o status quo. Esta partida sem capitães ou
juízes não possuía pauta uníssona de reivindicação, mas à
imagem e semelhança das redes sociais, apresentava uma
miríade de discursos que apontavam para as mais variadas
direções, do transporte público e ocupação da cidade à
educação, respeito às minorias e crítica a propostas de emendas
constitucionais.
Neste contexto, o campo jornalístico enfrentou o que
talvez possa ser considerado o seu máximo desafio: tornar
inteligível a polifonia e a policromia das vozes e imagens
compartilhadas pelos indivíduos no tecido social que agora
incorpora a malha das ruas e das redes digitais.
Este e-book reúne diversos olhares de pesquisadores em
Jornalismo empenhados na analise dos chamados Manifestos
de Junho. São reflexões sobre a cobertura e as rotinas
5 produtivas das diversas mídias: rádio, televisão e internet,
considerando as funções massivas e pós-massivas.
À luz das teorias do jornalismo como o agendamento,
passando pelas operações discursivas do corpo, da linguagem
humorística dos memes, da linguagem publicitária como
produção de sentido e as mais recentes contribuições
acadêmicas sobre a estrutura transmídia dos conteúdos, o leitor
é convidado a ampliar o debate e compreender o fenômeno que
se espraia e se consolida como reflexo do sentimento da
contemporaneidade.
Ademais, há a preocupação em refletir sobre os
elementos da estrutura e mobilidade da rede como a utilização
de smartphones e tablets e compartilhamento de hashtags
capazes de organizar melhor as informações a serem
recuperadas na memória cibernética. Deparamo-nos com a
emergência dos novos modos de fazer jornalismo a partir do
coletivo Mídia Ninja e o impasse da mídia tradicional que ora
compreende e apropria-se das novas dinâmicas do seu público
ora minimiza os danos à sua imagem fazendo o mea culpa.
Esta obra organizada pelo Programa de Pós-Graduação
em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba tomou para
si o desafio de compreender melhor um período recente, porém
emblemático da História brasileira. É leitura instigante para
6 estudantes e profissionais da área de Comunicação que desejam
captar o espírito de seu tempo.
Cândida Nobre
7 Corpo e discurso no Movimento “Passe Livre”: Patrícia Poeta, estratégias enunciativas do JN e crítica nas redes sociais
Amanda Falcão EVANGELISTA1 Virgínia SÁ BARRETO2
Introdução
Dentre todas as teorias desenvolvidas para tentar
explicar porque a comunicação é o que é, em especial o
produto noticioso, a Teoria do Espelho é a mais contestada,
tanto pelos pesquisadores quanto pelos profissionais do
jornalismo. Há muito tempo a ideia de que as notícias são a
representação fiel da realidade caiu por terra. Sabe-se hoje que
é praticamente impossível – para não se dizer impossível -
dissociar a prática jornalística da subjetividade.
Mesmo que todos os ângulos da notícia sejam
abordados, contar um fato significa escolher quais informações
devem ser divulgadas - ou não -, e faz parte de um processo
interno, pessoal, subjetivo, e que por isso, torna tão difícil a
notícia, através de imagens, falas (discurso), gestos,
1 Jornalista e mestranda do Programa de Mestrado em Jornalismo Profissional; UFPB. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Ciências da Comunicação, professora do Mestrado em Jornalismo Profissional; UFPB. Orientadora. E-mail: [email protected]
8 entonações, e até mesmo as cores que compõem o cenário e as
vestimentas. Para Marcondes Filho (1988), o “DNA” que a TV
carrega pode explicar a busca pela atuação, mesmo fora das
novelas:
No começo da televisão brasileira, no início dos anos 50, o que se fazia era um rádio televisionado, pois a TV ainda não havia conquistado sua linguagem. A influência do circo sobre a TV brasileira é vista não apenas pela presença dos palhaços ou do homem do auditório, mas também pelo estilo circense de alguns animadores, como Chacrinha, Silvio Santos, Bolinha (MARCONDES FILHO, 1988, p. 43).
O rádio também foi outra fonte da qual a televisão
brasileira se nutriu. Na década de 50, ao trazer a primeira
emissora de televisão para o Brasil, a Rede Tupi de São Paulo,
PRF-3, Assis Chateubriand, então dono de uma rede de jornais
e emissoras de rádio chamada de Diário dos Associados
(constituído por cinco emissoras de rádio, 12 jornais e uma
revista), convidou alguns de seus funcionários da rádio para se
aventurarem no novo meio. A locução e o poder de improviso
foram alguns dos elementos que fizeram com que os jornalistas
se saíssem bem na empreitada. Mas, acostumados com a
9 ausência de imagens, os profissionais não tinham noção de
movimentos e espaço, algo que só foi mudando com o tempo.
Santaella (2004, p. 80) acredita que o surgimento da
videoarte e das videoinstalações nos, anos 70, impulsionou a
atração da arte pelo corpo humano.
Hoje, diante de tecnologias que possibilitam interação e
alta qualidade da imagem, os jornalistas continuam se
redescobrindo. Presenciamos a era de decadência do
teleprompter. Cada vez mais, assim como os atores, os
jornalistas precisam entender seu texto, saber o que dizer,
como dizer, além de se preocupar com figurino adequado,
impostação de voz e “driblar” os empecilhos da “cobertura ao
vivo”.
O interesse pela performance dos atores não constitui um abandono pelo trabalho dos meios jornalísticos em si. Pelo contrário, enseja a emergência de uma complexificação do trabalho de produção de sentido realizado no âmbito da comunicação midiática, e na qual a atividade enunciativa dos atores e suas próprias identidades sofrem mutações muito complexas. (FAUSTO NETO, 1988, p. 265)
Várias dessas mutações atuais decorrem com o advento
da TV digital. Cenários, cores, maquiagens, e principalmente
10 figurinos, pois “os corpos são socializados pelas roupas que
vestem” (SANTAELLA, 2004, p. 121), estão sendo repensados
no telejornalismo, assim como em telenovelas, filmes e
comerciais. A ideia é simular o real com uma precisão ainda
maior, pois se o telespectador não acreditar no que está vendo,
também não receberá com confiança as informações
absorvidas. É o que Santaella (2004, p.10), ao citar Ihde
(2002), classifica como terceira dimensão do corpo: a das
relações tecnológicas, das simbioses entre o corpo e as
tecnologias. Porém, para a autora, estes avanços tecnológicos,
atrelados aos corpos, podem causar confusões sobre a
delimitação da fronteira entre real e o fictício:
O que as novas tecnologias colocam em movimento, o que elas transformam são as “fronteiras do humano”. Essa transformação se revela sob vários pontos de vista: os limites que definem o que é propriamente humano e o que os diferencia dos não-humanos (natureza / artifício, orgânico / inorgânico); “os limites que o habitam e o constituem (matéria / espírito) e os limites que diferenciam a experiência imediata e suportada por sua corporeidade biológica, natural e territorial e a experiência mediada por artefatos tecnológicos (presença / ausência, real / simulacro, próximo / longíquo)”. (BRUNO, 1999, apud SANTAELLA, 2004, p. 29).
11
O que o mercado da comunicação procura é atenuar a
fronteira entre o real e o simulacro, e se valer dos artifícios
tecnológicos para assim, através do artificial, transportar uma
veracidade. É o que acontece nos telejornais. O protagonismo
noticioso, por mais teatral que seja, busca representar o real
para informar, e mais que isso, instruir no público valores
como: credibilidade, compromisso com a informação,
idoneidade, etc. Mais do que nunca, o jornalista de TV precisa
usar o recurso da atorização para cativar o público, e assim,
ganhar fidedignidade.
O noticiário da atualidade constrói pequenas novelas diárias ou semanais cujos protagonistas são tipos de vida real absorvidos por uma narrativa, que funciona como se fosse ficção. Programas jornalísticos na televisão desenvolvem-se como se fossem filmes – de ação, de suspense, de romance de horror. O telejornalismo disputa mercado não apenas com outros veículos informativos, mas também com opções de lazer. Precisa ser envolvente, divertido, leve, colorido, ou perde o público sedento de novas sensações. [...] A realidade que interessa, para um (jornalismo com base nos fatos) e para outro (entretenimento com base na ficção), é a realidade espetacular, uma realidade que se confecciona para seduzir e emocionar a plateia. (BUCCI, 2000, p. 142).
12
A composição do ator não se limita apenas ao físico.
Tão ou mais importante que a estética na TV é saber o que
dizer e como dizer. As operações enunciativas compõem as
narrativas midiáticas e dão sentido à notícia. Uma entonação
usada de forma incorreta pode trazer um significado totalmente
diferente do que se pretendia. Não se pode noticiar uma
enchente com ares de alegria, como quem informa que o Brasil
goleou a seleção da Argentina na final da Copa do Mundo. O
“tom” que se traz na notícia é um dos elementos primordiais na
construção dos sentidos. Os jornalistas atuam como dispositivo
de operação de sentidos (FAUSTO NETO, 2012). Os corpos
jornalísticos, na forma de signos, dão sentido “ao que se quer
dizer” e quais efeitos pretendem causar no telespectador.
Diante deste cenário, analisaremos aqui a corporeidade
discursiva de Patrícia Poeta na edição do Jornal Nacional do
dia 17 de junho, dia em que saiu em defesa da TV Globo, após
a emissora ser alvo de crítica dos manifestantes que
participavam do protesto do “Passe Livre” e que desaguou em
outras reivindicações. As críticas se fundamentavam no
discurso de que a mídia, em especial a TV Globo, apontava os
manifestantes como vândalos e distorcia o caráter
reivindicativo do movimento.
13
Além do editorial lido por Patrícia Poeta em defesa da
Rede Globo, abordaremos aqui também as primeiras
informações do JN sobre as manifestações; a cobertura do JN
do dia 17 de junho, fazendo um levantamento do que mudou no
discurso do telejornal após as reivindicações do público, além
do tempo destinado às manifestações; bem como o movimento
“anti-Globo” que se disseminou na internet e foi transportado
para as ruas.
Tudo começou com 20 centavos
A primeira notícia que o Jornal Nacional exibiu sobre
as manifestações foi ao ar no dia 10 de junho de 2013. O link
ao vivo, feito pelo repórter André Trigueiro, durou pouco mais
de um minuto e foi feito a bordo do “Globocop”, helicóptero da
Rede Globo utilizado para a produção de imagens aéreas. Em
sua fala, o repórter relatou a situação em uma das principais
avenidas do Rio de Janeiro, a Presidente Vargas, que ficou
interditada pelos manifestantes que depredaram algumas lojas.
A segunda notícia que o JN divulgou acerca das
manifestações nas ruas foi ao ar dois dias após a exibição da
primeira divulgação, ou seja, em 12 de junho de 2013. A
cabeça da matéria foi lida por Patrícia Poeta e relatou o
14 protesto no centro de São Paulo contra o aumento da tarifa do
transporte público. O começo da matéria trouxe manifestantes
com os rostos cobertos, gritando “a cidade é nossa” e cenas de
um dos participantes pichando um ônibus. A ideia era trazer
nos primeiros minutos o clima de “guerra civil” causado pela
população.
[...] as parcelas de real não correspondem a seleções arbitrárias: é o que fica enquadrado, é o movimento das câmeras, é o trabalho de edição e sonoplastia, que determinam o que e como vai ser mostrado. Nessa perspectiva, está-se frente a uma construção de linguagens, não mais o real, mas a uma realidade discursiva. (DUARTE, 2007, p. 11)
Com detalhes, o repórter Fábio Turci informou que 85
(ênfase no número) ônibus, agências bancárias e a estação de
metrô haviam sido danificados pelos manifestantes que foram
adjetivados como vândalos (mais uma ênfase oral). “Uma
batalha nas ruas”, “Nem os ônibus escaparam de um protesto
que era pelo transporte público”, “A Avenida Paulista e o
centro de São Paulo amanheceram assim, com as marcas do
vandalismo de ontem à noite”, foram algumas das expressões
usadas pelo jornalista para caracterizar o clima encontrado na
manifestação. As palavras em destaque foram as mesmas que
15 tiveram ênfase na fala do repórter. Para reforçar o “pesadelo”
que foi o movimento, Fábio Turci gravou depoimentos de civis
que não participavam da manifestação, mas que passavam pelo
local na hora do acontecimento.
Sonora - Entrevistado 1
“Milhares de pessoas estão voltando do trabalho, depois de um dia cansativo, em baixo de chuva, e passar por esse pânico. Eu tô aqui sem saber pra onde vou correr.”
Sonora - Entrevistado 2
“Não dava pra ir pra frente, nem pra trás. Fiquei preso aqui.”
Indignação, tristeza, revolta, foram alguns dos
sentimentos expostos através das entrevistas concedidas pelos
cidadãos que não participavam do protesto contra o aumento
das tarifas. Na mesma reportagem, o repórter ouviu autoridades
como funcionários do Ministério Público, prefeito e
governador de São Paulo, além da OAB. Em entrevista, todos
repudiaram o acontecimento.
OFF- Fábio Turci “Hoje em Paris, o prefeito de São Paulo e o governador condenaram o vandalismo.”
16 Sonora -Geraldo Alckmin(Governador de SP)
“[...] Precisa ser investigado pra identificar a origem disso [dos atos de vandalismo], e devem ressarcir ao erário público, pois isso é patrimônio de todos.”
OFF- Fábio Turci (Repórter) “Para a OAB, o que aconteceu ontem em São Paulo passou dos limites.”
Sonora -Marcos da Costa (Presidente OAB) “As pessoas se reúnem para mostrar uma indignação, no caso do aumento de ônibus. Agora, tem um limite. Então, quando o movimento passa a violar patrimônios [...] ou prejudicar os direitos de ir e vir das pessoas, ele ultrapassou os limites dele.”
Santaella (2004, p.19) lembra que, em uma de suas
obras, Foucault arrematou a ideia de que o corpo não só recebe
sentido pelo discurso, mas é inteiramente constituído pelo
discurso. E é justamente o “modo de dizer” que constitui o
contorno do noticiário, influenciando inclusive na composição
do gênero jornalístico.
A seleção do(s) plano(s) da realidade sobre o(s) qual (is) se vai (vão) operar, aliada ao regime de crença proposto e ao tom, isto é, às inflexões conferidas à realidade a ser enunciada – seriedade, humor, ironia – etc., seriam os elementos definidores da promessa que fala Jost
17
(2003), veiculada pelo nome gênero. (DUARTE, 2007).
O tom em que se dá ao enunciado é carregado de
signos, responsáveis por dar sentido ao discurso. Em nenhum
momento da matéria foram ouvidos líderes do movimento.
Apesar de se mostrar imagens dos supostos “cabeças” do
“Passe Livre” em reuniões - durante a matéria de mais de três
minutos - as únicas referências aos manifestantes se limitaram
a imagens, e a maior parte retratava o confronto com a polícia.
As primeiras reportagens produzidas pelo JN
divulgaram as manifestações atreladas apenas ao aumento das
passagens, que subiram no início de junho de 2013 para R$
3,20 em São Paulo. Pouco depois, os jornalistas começavam a
divulgar que as reivindicações haviam se expandido, para áreas
temáticas como reforma política, Copa de 2014, educação,
saúde, etc., assim como outras cidades do país.
A maior parte das matérias exibidas pelo Jornal
Nacional sobre os protestos hostilizava os manifestantes,
muitas vezes atrelados aos atos de vandalismo, de forma
generalizada. E foi justamente a cobertura “distorcida”,
segundo os apoiadores dos protestos, que fez com que o
repúdio à emissora entrasse como uma nova pauta no
movimento que se chamou inicialmente de “Passe Livre”. Só
18 após a edição do dia 17 de junho, objeto de pesquisa deste
artigo, é que o discurso do JN muda diante do tratamento dado
aos manifestantes.
A cobertura das manifestações que ocorriam no país foi
tão intensa, que o JN disponibilizou em seu site, uma “ala”
especial com o nome “Protestos pelo Brasil”, trazendo os
vídeos que fizeram parte da cobertura completa do noticiário.
O dia em que Patrícia Poeta saiu em defesa da Rede Globo
A edição do dia
De toda a cobertura que a Globo fez dos protestos pelo
Brasil, o do dia 17 de junho, segunda-feira, foi o mais intenso,
principalmente no que se refere à programação do Jornal
Nacional. Patrícia Poeta entrou no ar já no início da noite, logo
após “Malhação”, no “Globo Notícia” e seguiu até o horário
habitual do JN. Neste mesmo dia, a programação da emissora
sofreu mudanças que causaram estranheza ao telespectador
acostumado com o padrão da empresa. Além de não exibir o
jogo da Espanha x Taiti, pela Copa das Confederações, a Globo
cancelou os capítulos das novelas “Flor do Caribe” e “Sangue
19 Bom”. Os jornais locais foram cancelados, só relatando os
protestos promovidos a nível local no dia posterior.
Trataremos a edição do JN da data em análise
juntamente com os fragmentos do Globo Notícia, por
entendermos que, nesta data em especial, o mininoticiário se
mostrou como extensão do Jornal Nacional.
A edição do Jornal Nacional do dia 17 de junho dedicou
um pouco mais de 51 minutos de seu noticiário para a
cobertura das manifestações. Dos 22VTs exibidos, 11
abordavam os protestos espalhados pelo país, os outros traziam
informações sobre a Copa das Confederações, Guerra Civil na
Síria, SISU, dentre outros temas - a maioria sobre protestos
fora do país. Além disso, a edição extrapolou na quantidade de
“ao vivo”. Ao todo, foram feitos 22links, um número bem
acima do que tradicionalmente acontece nas edições. Todos os
“vivos” traziam informações sobre os protestos e aconteciam
no cenário das manifestações. “[...] a gravação ao vivo, a
transmissão direta, em tempo real, sempre funcionam como
garantia [...] dos efeitos de autenticidade e veracidade”
(DUARTE, 2007, p.13).
A duração das matérias exibidas também saiu da rotina
jornalística do JN. Alguns VTs chegaram a durar cerca de 3
minutos, quando o habitual é 1 e meio, no máximo 2 minutos.
20
A exaustão na cobertura do “Passe Livre” foi tal, que
Patrícia Poeta parecia estar perdida diante de tantas
informações sobre o mesmo tema, e Willian Bonner
desconfortado por estar longe da “bancada”, acompanhando
tudo de Fortaleza, onde entrava “ao vivo” trazendo
informações sobre a Copa das Confederações.
Segundo levantamento feito pela empresa Controle de
Concorrência3, entre os dias 17 e 26 de junho, o JN exibiu oito
horas de reportagens e transmissões dos protestos. Das 140
horas de exibição, somando as transmissões de todas as
emissoras abertas, 34 horas foram produzidas pela TV Globo.4
Diante da efervescência reivindicativa, a Globo se
sentiu obrigada a trazer de volta o âncora do JN. No dia
seguinte, 18 de junho, terça-feira, Bonner abria o JN trazendo
mais informações sobre a manifestação em São Paulo.
O foco da cobertura das manifestações se encontrava no
eixo Rio - São Paulo, além da capital Brasília. Porém, a edição
do dia 17 de junho trouxe uma nota coberta fazendo um
aparato geral dos protestos em outras cidades, como: Curitiba,
Belém, Porto Alegre, Fortaleza, Maceió e Vitória.
3Empresa que monitora inserções comerciais na TV para o mercado publicitário 4Cf. Blog Folha.com. Disponível em: http://migre.me/jCLO7. Acesso: 04.06.2014
21 As palavras de protesto contra a Globo e o editorial do JN
Em artigo publicado no site Observatório da Imprensa5,
Sylvia Moretzsohn escreveu: “tanto os jornais paulistas quanto
O Globo e as redes de televisão carregavam nas tintas contra os
atos de vandalismo praticados por uma minoria que sempre se
infiltra em manifestações desse tipo”. O pensamento da
jornalista reflete bem o motivo de sentimento de revolta que os
manifestantes sentiram ao ouvir inúmeras vezes nos noticiários
a palavra “vandalismo”, em especial no Jornal Nacional.
Durante a cobertura das manifestações no país, os
noticiários em sua maioria hostilizavam os participantes em sua
totalidade, devido às ações de vandalismo praticadas por uma
minoria. Além disso, em seus discursos, repórteres e
apresentadores deixavam claro que a violência se dava
unilateralmente, e a polícia tentava apenas “manter a ordem”.
Esta situação causou revolta nos manifestantes, que
mostraram sua indignação dificultando o trabalho dos
repórteres de rua, levantando cartazes contra as emissoras e,
principalmente, disseminando na internet a imparcialidade das
empresas jornalísticas.
5 Cf. Site do Observatório da Imprensa, 15/06/2013, ed. 750. Disponível em: http://migre.me/jCM5X
22
A maior revolta se deu contra a TV Globo, por esta ser
uma empresa de maior força e disseminação da informação,
além de já carregar em sua história situações claras de
manipulação da informação6. O movimento de repúdio à TV
Globo, diante das manifestações que ocorriam, começou nas
redes sociais, principalmente no Twitter7e no Facebook8. As
hashtags #aglobonãomerepresenta e #abaixoaredeglobo
ficaram comuns nas twittadas de quem discordava da cobertura
da emissora. O mesmo aconteceu no facebook, em que
fanpages adjetivavam a Globo como manipuladora.
6 Para aprofundamentos, ver “A Síndrome da Antena Parabólica: Ética no Jornalismo Brasileiro” (Kucinsk, 1998). 7 Cf. www.twitter.com 8 Cf. www.facebook.com
Imagem 1: Twitter, 17.06.2013 Imagem 2: Facebook, 17.06.2013
23 Taxonomia no Twitter: #AGloboNãoMeRepresenta / FanPage
“Anti Globo” ganhou quase cinco mil curtidas no facebook
Como ressalta Alex Primo (2013, p.17) “não se pode
ignorar a força dos movimentos espontâneos em rede, cujos
efeitos não eram possíveis em uma sociedade caracterizada
pela mídia de massa”. Sendo assim, as manifestações contra a
TV Globo indexadas através das taxonomias nas redes sociais
migraram para o cotidiano, ocupando cartazes de manifestantes
que iam às ruas contestar a cobertura da emissora. A
atualização contínua das “postagens” nas redes, como propõe
Correia (2010), potencializa a circulação no ciberespaço,
circulação esta que se transporta do campo virtual para o real.
A onda de revolta contra a emissora se espalhou
também para outras empresas de comunicação, que tiveram
carros queimados, repórteres impedidos de fazer a livre
cobertura, prédios depredados, etc. Mas o foco das
manifestações se voltou especificamente para a TV Globo, que
ficou adjetivada de “manipuladora”. Nas ruas, cartazes com
inúmeras mensagens “anti-Globo” traziam um desafio ainda
maior para os cinegrafistas, que além de se preocuparem com a
troca de munições entre polícia e civis, deviam evitar mostrar
imagens abertas com mensagens denegrindo a emissora.
24
Nas ruas, cartazes mostravam insatisfação com a cobertura da TV Globo. / Manifestantes depredam o prédio da emissora no Rio de Janeiro no dia 17 de julho.
A revolta com a cobertura que a Globo estava fazendo
diante das manifestações tomou proporções cada vez maiores.
Se para a imprensa a violência entre manifestantes e policiais
dificultava o trabalho, a revolta do povo contra jornalistas
praticamente os impedia de trabalhar. Fazer links “ao vivo”
durante os protestos, no meio da multidão, era um ato de
coragem. Muitos repórteres tentaram, mas tiveram que ser
interrompidos pelos âncoras que, em sua maioria, teciam
comentários de reprovação, quase sempre fazendo alusão à
liberdade de imprensa.
Imagem 4: Facebook, 17.06.2013 Imagem 3: Facebook, 17.06.2013
25
Durante o Jornal Nacional a cobertura foi feita, na
maior parte do tempo, longe da multidão, a bordo do GloboCop
- helicóptero da emissora dedicado à grandes coberturas. Em
terra, os repórteres faziam passagens em locais distantes do
aglomerado. E quando arriscavam a descer - em presença do
povo - retiravam a canopla do microfone, evitando assim,
mostrar o símbolo da emissora a que estavam subordinados.
Para preservar a integridade de profissionais, repórteres fazem
cobertura à distância da multidão e sem canopla. O uso do
helicóptero da emissora, o GloboCop, ajudou nos links ao vivo.
3.3. A defesa da Globo por Patrícia Poeta
O movimento “anti-globo” nas redes sociais e nas ruas
tomou proporções cada vez maiores. “As palavras de ordem” -
como foram adjetivados os gritos de repúdio dos manifestantes
Imagem 5: site Rede Globo Imagem 7: site Rede Globo Imagem 6: site Rede Globo
26 pelos funcionários da empresa - eram cada vez mais freqüentes,
e se disseminavam com tal força e rapidez que barreira alguma
poderia impedir. Impossibilitada de “calar a boca” dos
manifestantes, a estratégia da TV Globo foi colocar no
principal telejornal do país, o JN, uma nota de esclarecimento,
que, em defesa dos interesses da empresa, tomou características
de editorial. O texto, lido por Patrícia Poeta, durou pouco mais
de 20 segundos e tentou esclarecer para a população que ali
existia um “mal-entendido” por parte dos manifestantes, e que
a Globo estava apenas “cumprindo seu papel”, o de informar.
Quem deu o “gancho” para que o editorial entrasse no
ar, foi o repórter que durante uma tomada “ao vivo”, a bordo
do “Globocop”, trouxe informações sobre as manifestações na
cidade de São Paulo:
Repórter
“[...] Um outro grupo que saiu do Largo da Batata, por volta
das 5 horas da tarde, percorreu a Avenida Faria Lima,e nesse
caminho eles seguiram até a Avenida Luiz Carlos Berrini, que
fica muito perto da TV Globo, e nesse caminho foram gritando
palavras de ordem contra a TV Globo. Patrícia.”
27 Patrícia Poeta
“Olha, a TV Globo vem fazendo reportagens sobre as
manifestações desde seu início e sem nada a esconder. Os
excessos da polícia, as reivindicações do “Movimento Passe
Livre”, o caráter pacífico dos protestos e quando houve
depredações e destruição de ônibus. É nossa obrigação e dela
nós não nos afastaremos. O direito de protestar e de se
manifestar pacificamente é um direito dos cidadãos”.
Patrícia Poeta leu o editorial com ar de seriedade, e ao
citar os diversos ângulos abordados no telejornal - “excessos da
polícia, reivindicações do “Movimento Passe Livre”, caráter
pacífico dos protestos e depredações e destruição de ônibus” –
pontuou nos dedos a contagem dos temas, reforçando o sentido
de “diversificação” trazida pelo JN.
Imagem 8: site da Rede Globo
28
Ao usar a interjeição “Olha”, no início do editorial, a
apresentadora tenta agir sobre o espectador, o convidando para
a “conversa”, que – como mostra o seu linguajar – seria mais
informal, por isto, ele poderia ficar à vontade para escutá-la.
Patrícia Poeta também se vale dos movimentos do
corpo em outros momentos do editorial, com o objetivo de
reiterar seu discurso. Ao falar do compromisso da emissora
com a informação - “É nossa obrigação e dela nós não nos
afastaremos” - a apresentadora gestua negativamente com a
cabeça, ao mesmo tempo em que pronuncia enfaticamente a
palavra “não”, reafirmando que a TV Globo não deixará de
informar os cidadãos, mesmo diante da pressão do público.
Mesmo que de forma sutil, a gesticulação da
apresentadora atua em consonância com seu discurso,
assegurando que o receptor entenda o que se quer dizer.
É esse corpo que se faz representar e que também representa, não apenas como interpretação pura, mas até mesmo como simulacro. A arma do apresentador é a encenação da naturalidade, a simulação do - falso - imprevisto: que o faz parecer surpreso, agir como se não soubesse o que vai acontecer, fingir que improvisa falas e parentar intimidade com seus convidados (ROSÁRIO; AGUIAR, p. 3).
29
Assim como os signos corporais, o discurso de Patrícia
Poeta também tenta reconstruir a postura da emissora diante da
cobertura distorcida. A ênfase antes dada a palavras como
“vandalismo” e “confronto”, agora dão destaque a palavra
“pacífico”, e pela primeira vez, fala dos “excessos da polícia”.
Logo no início do texto, a apresentadora informa que a Globo
não tem “nada a esconder”, e reforça a informação ao dar
destaque à palavra “nada”.
Outra estratégia de defesa da Globo usada no editorial
do Jornal Nacional do dia 17 de junho diz respeito à ordem
dada as informações. Patrícia Poeta ao citar os diversos ângulos
trazidos no noticiário menciona em primeiro lugar os “excessos
da polícia”, algo pouco divulgado em outras edições e que
agora também ganha ênfase na fala da apresentadora. Só após
essa informação, ela cita as reivindicações do movimento e o
“caráter pacífico dos protestos”, que por sinal, foi usado de
maneira exaustiva nesta edição, contradizendo o que se
mostrava anteriormente no discurso usado pelo JN, ao atrelar
os manifestantes aos atos de vandalismo, e em confronto com a
polícia.
Só após pronunciar de maneira fatídica “os excessos da
polícia” e o “caráter pacífico dos protestos”, é que Patrícia
30 afirma também ter noticiado no JN “quando houve depredações
e destruição de ônibus”, porém, de maneira bem mais sutil,
sem alterações na voz, e por isso, sem dar destaque a este
fragmento de texto.
A apresentadora finaliza o editorial dizendo que “O
direito de protestar e de se manifestar pacificamente é um
direito dos cidadãos”, mostrando que a Globo reconhece os
direitos dos manifestantes, e que em contrapartida, esses
mesmos manifestantes devem entender que a emissora também
tem o direito de se manifestar livremente, porém, - mais uma
vez – ambos os lados devem agir “pacificamente”.
A locução tem que emitir uma impressão compatível com os conteúdos do que está sendo dito. Nesse ponto, os personagens recorrem a recursos teatrais, máscaras, modos de ser empáticos com o outro que lhes vê e ouve. Para tanto, há o recurso do uso da voz, da impostação, da dicção, da entonação e das pausas conjugadas à mímica facial e gestual. (BARRETO, 2011, p. 246).
Após ler o editorial, Patrícia Poeta lê a “cabeça” de
outra matéria sobre o movimento “Passe Livre” e outra vez traz
o caráter pacífico do movimento. Porém, ao falar sobre a
violência, destaca que esta ação diz respeito a um grupo
31 específico de manifestantes, não generalizando os participantes
dos protestos como em edições anteriores do JN.
Patrícia Poeta
“[...] segundo especialistas [a manifestação] reuniu 100 mil
pessoas. No fim do protesto um pequeno grupo agiu com
violência e atacou a assembleia legislativa do estado.”
Para a TV Globo, quanto mais o seu principal telejornal
tentasse amenizar a discórdia com o público, através de
estratégias de reconstrução da imagem dirigidas aos
manifestantes, melhor para a imagem da empresa, e assim,
talvez acalmasse os ânimos dos que repudiavam a emissora.
Além de trazer de modo excessivo a palavra
“pacificamente”, a edição do JN do dia 17 de junho ouviu pela
primeira vez os manifestantes, abrindo espaços no noticiário
para entrevistas com os líderes do movimento. O JN também se
valeu de falas “amigáveis” aos protestos para mudar o seu
discurso, a exemplo do governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin, que na edição do dia 12 de junho - já mostrada neste
trabalho - afirmou que os manifestantes deveriam arcar com as
despesas das violações ao patrimônio público e privado. Já na
32 edição do dia 17 de junho, o JN traz uma entrevista com a
mesma fonte, onde o governador faz elogios aos manifestantes.
Sonora de Geraldo Alckmin “Quero aqui publicamente elogiar também as lideranças do movimento, a policia militar e a segurança pública.”
Conclusão
Verificamos durante a pesquisa que o noticiário se
estrutura, em sua dinâmica discursiva, a partir de
encadeamentos de dispositivos (FAUSTO NETO, 2012), sejam
físicos (gestos, vestes, cores, expressões faciais, etc.) ou
abstratos (o que se diz e como se diz). As construções tecno-
discursivas assumem um papel primordial na composição da
linha editorial de um telejornal. E foi se valendo dessas
construções que a TV Globo, através do JN, em especial na
figura de Patrícia Poeta – enunciadora aqui pesquisada – criou
estratégias de comunicação para mudar o composer de seu
discurso que, antes da pressão popular, mostrava em sua
cobertura noticiosa os vandalismos generalizados ligados ao
Movimento “Passe Livre”.
Após uma onda de protestos surgida nas redes sociais,
em especial no Facebook e Twitter, que migraram dessas
33 taxonomias virtuais para o cotidiano, tornando-se conteúdos de
diversos cartazes nas ruas, a TV Globo se viu obrigada a
esclarecer para o público que sua cobertura estava pautada na
parcialidade. A atitude da emissora gerou um editorial, lido por
Patrícia Poeta, que se valeu do recurso de “atorização” e das
estratégias enunciativas para levar a mensagem até o local mais
próximo possível do campo real, da não-ficção televisiva.
Resultando das pressões populares ou não, o fato é que
o JN mudou seu discurso. Palavras como “vandalismo”,
“baderna” e “confronto”, usadas com exaustão durante edições
anteriores ao dia 17 de junho – dia em que o editorial foi ao ar
– foram substituídas bruscamente por “protesto pacifico” e por
frases tais como “um pequeno grupo agiu com brutalidade”. O
discurso dos entrevistados também ajudou a emissora nas
estratégias de conciliação com o público. O governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin, após afirmar que os manifestantes
iriam ressarcir o Estado e as empresas privadas devido às
depredações - no JN do dia 12 de junho -, deu uma entrevista
elogiando os manifestantes na edição do dia 17. Foi neste dia
também, que foram divulgadas as primeiras entrevistas dos
líderes do movimento. Antes, os manifestantes não tinham voz,
e só eram retratados durante confrontos com a polícia.
34
Então, verificou-se, como pensa Primo (2013), a
cibercultura transformou substancialmente a vida em vários
aspectos, e não podemos ignorar a força dos movimentos em
rede, pois foi o movimento de insatisfação com a TV Globo,
que fez a emissora mais importante do país mudar seu discurso.
Referências BARRETO, Virgínia de Sá. A encenação no telejornalismo: Jornalista ou ator? In: FAUSTO NETO, A. et. All. (Orgs.) Interfaces Jornalísticas: Ambientes, tecnologias e linguagens. João Pessoa: Editora da UFPB, 2011. BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo, Companhia das Letras, 2000. CORREIA, Ben-Hur. A circulação da informação jornalística no ciberespaço: conceitos e proposta de classificação de estruturas. In: SCHWINGLE, Carla; ZANOTTI, Carlos A. Produção e colaboração no Jornalismo Digital. Florianópolis: Insular, 2010. DUARTE, Elizabeth B.; CASTRO, Maria Lilia de. Comunicação Audiovisual: gêneros e formatos. Porto Alegre: Sulina, 2007. FAUSTO NETO, Antônio. Cap. XIII – Transformações nos discursos jornalísticos – a atorização do acontecimento. In: MOULLIAUD, Maurice. O Jornal: da forma ao sentido. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012. MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão: A vida pelo vídeo. São Paulo, Editora Moderna, 1988.
35 MORETZSOHN, S.D. “Muito além dos 20 centavos”. In: Observatório da Imprensa, 15/06/2013, ed. 750. Disponível em: http://migre.me/jCOqA. Acesso em: 04.06.2014 PRIMO, A. Interações em rede. Porto Alegre, Editora Sulina, 2013. ROSÁRIO, Nísia Martins do; AGUIAR, Lisiane Machado. Corpos televisivos: artifício e naturalidade na compensação de sentidos entre o masculino e o feminino. In: ATAS do Congresso da INTERCOM, 2005. Disponível em: http://migre.me/jCP3F. Acesso: 04.06.2014 SANTAELLA, Lúcia. Corpo e comunicação: Sintoma de cultura. São Paulo, Paulus, 2004 TV ABERTA EXIBIU 140 horas de protestos em dez dias (Fabiana Futema). In: Blog Folha, 01.07.2013. Disponível em: http://migre.me/jCOBn Acesso em: 04.06.2014
36 As rotinas produtivas e as experiências da TV Cabo Branco na cobertura dos protestos em João Pessoa
Roberta Matias9
Virgínia SÁ BARRETO
Introdução
O Brasil tem vivido momentos de protesto e
mobilização, deste o início de junho deste ano, mês no qual as
festas juninas, normalmente, pautam os telejornais do Nordeste
e quando a mídia nacional deveria estar voltada para a
cobertura da Copa das Confederações10, o que ganhou destaque
nos jornais impressos, nos telejornais, nas rádios de todo o
Brasil e nas redes sociais foram as manifestações e protestos
realizados em várias cidades brasileiras.
Tudo começou na primeira semana de junho. No dia 6,
representantes do Movimento Passe Livre (MPL)11 foram às
ruas, inicialmente em São Paulo, reivindicar a reversão do 9 Jornalista, editora da TV Cabo Branco e discente do Programa de Mestrado em Jornalismo Profissional da UFPB. Email: [email protected] 10 A Copa das Confederações ou Taça das Confederações é um torneio de futebol, organizado pela Federação Internacional de Futebol – FIFA, entre seleções nacionais. Antes de 2005 era realizada a cada dois anos e a partir dali, passou a ser feita a cada quatro anos. Os participantes são os seis campeões continentais mais o país-sede e o campeão mundial, com um total de oito países. Este ano o Brasil, a sede da competição e os gastos com o evento foram motivos dos protestos do mês de junho, pelo país. 11 MPL é formado por um grupo de pessoas para discutir e lutar por outro projeto de transporte para a cidade. Cf. site Movimento Passe Livre - S. Paulo - Por uma vida sem catacras. Disponível: http://saopaulo.mpl.org.br/. Acesso: 07.07.2013.
37 aumento da tarifa de ônibus e do metrô de R$ 3,00 para R$
3,20. Cerca de 150 jovens manifestantes ocuparam parte da
Avenida Paulista, no horário de rush. Era o início de um
movimento que, nos dias seguintes, atraiu os holofotes da
imprensa e se espalhou pelas principais cidades brasileiras.
A cobertura da imprensa, inicialmente, foi contra as
manifestações. Entre os dias 12 e 13, os grandes jornais do
país, como Folha de São Paulo, Estadão e O Globo
praticamente convocavam a polícia para conter os
manifestantes. Os pedidos foram atendidos e, no mesmo dia, o
que se viu no Rio de Janeiro e em São Paulo foi a violência da
polícia contra os manifestantes, que atingiu inclusive
jornalistas, que trabalhavam na cobertura dos protestos. De
acordo com o site Observatório da Imprensa, estaria aí a
“virada na cobertura” 12.
A partir de então, os jornais nacionais começaram a
mostrar as manifestações de outra forma. Elas foram crescendo
nas redes sociais, tomaram corpo e se espalharam pelo país
com momentos de beleza e de tensão. O que passamos a
acompanhar pelas emissoras de televisão, pelos jornais e pelas
redes sociais, foram protestos reunindo multidões vestidas de
12 Cf. “Uma virada na cobertura” (Luciano Martins Costa). In: site do Observatório da Imprensa, 04.06.2013, ed. 750. Acesso 08/07/2013
38 branco pelas principais ruas do país pedindo melhorias nos
transportes coletivos, mudanças no sistema de saúde, educação
de qualidade, contra a corrupção, contra o comportamento
abusivo de políticos, etc. Em contraponto, eram mostrados
também pequenos grupos revoltados, que quebravam prédios
públicos, enfrentavam a polícia, machucavam até quem não
estava participando do protesto.
Em João Pessoa, esse movimento só chegou às ruas no
dia 20 de junho de 2013. Mas, a abordagem do tema na TV
Cabo Branco, emissora afiliada a Rede Globo na capital
paraibana, foi iniciada no dia 18 de junho de 2013 e o
planejamento da cobertura para o dia da mobilização, também,
passou a ser tratado, a partir do início da semana do evento,
mudando as rotinas produtivas da redação de emissora, como
veremos a seguir.
TV Cabo Branco: Planejamento e cobertura das
manifestações de junho
As manifestações em João Pessoa ocorreram no dia 20
de junho de 2013, uma quinta-feira. De acordo com a Polícia
Militar, mais de 22 mil pessoas foram às ruas da cidade
protestar de forma pacífica e pedir redução no valor da
39 passagem dos ônibus, transporte público de qualidade, saúde e
educação para todos. Mas, o tema manifestações e os reclames
feitos pela comunidade, naquele momento, entraram em pauta
na TV Cabo Branco no início da semana.
O primeiro jornal do dia 18 de junho de 2013, o Bom
Dia Paraíba, trouxe em sua abertura um texto ilustrado com
imagens disponibilizadas numa rede social por Paola Janaína e
outras enviadas pela telespectadora Ângela Medeiros,
mostrando situações de descaso com portadores de deficiência
e com usuários do transporte coletivo da capital. As imagens
foram relacionadas com o momento de protestos, por melhorias
nos transportes coletivos e outros serviços. A apresentadora
Patrícia Rocha leu, no ar, o texto que segue abaixo:
A gente começa o Bom Dia Paraíba desta terça-feira com cenas de um absurdo. No momento histórico em que a população vai pras ruas, em que o Brasil se manifesta contra tantos maus serviços prestados, inclusive o transporte público, a gente se depara com essas cenas... SOLTA IMAGENS Essas imagens aí foram feitas na principal avenida de João Pessoa, a Epitácio. Se fala muito em acessibilidade, direitos iguais e espaço para todo mundo, mas nessa imagem aí, o deficiente precisou entrar no ônibus e o elevador estava aparentemente quebrado. O jeito foi subir os degraus sentado. Outro passageiro ajudou a subir a cadeira de rodas. O vídeo foi divulgado por Paola Janaína, em uma rede social. Ela relata
40
ainda que o deficiente ficou muito nervoso porque era o quarto ônibus que passava e ele não conseguia entrar. Fazia mais de uma hora que ele esperava no local, impedido de exercer o direito de ir e vir. Se pra subir foi assim, pra descer no local destinado deve ter sido uma situação parecida. A nossa telespectadora Ângela Medeiros também nos mandou esse material... SOLTA IMAGENS e disse que ela ontem esperou duas horas pelo ônibus que pretendia pegar porque os três que passaram estavam superlotados e ela estava com uma criança de um ano no colo, não dava para entrar. E mesmo diante dessas imagens ai, olha o que diz o chefe de tráfego da empresa de ônibus Marcos da Silva. Mailson Dantas informou que nenhum dos veículos com acessibilidade está quebrado ou com defeito. O problema é que foram contratados novos cobradores e que eles ainda estão em fase de treinamento para saber operar o elevador, que permite que os cadeirantes subam nos ônibus.
O telejornal seguinte, o JPB Primeira Edição, que vai ao
ar ao meio-dia de segunda a sábado, seguiu explorando o tema.
Na terça-feira, 18 de junho de 2013, o JPB abriu espaço para
discutir as manifestações, em curso no país com mais força
desde a semana anterior e para falar dos preparativos da
manifestação local, a ser realizada dois dias depois.
O JPB Primeira Edição tem, normalmente, 38 minutos
de produção, divididos em quatro blocos. De uma forma geral
41 o programa é preparado, diariamente, com dois ou três links13,
seis reportagens ou matérias14, uma média de quatro notas
cobertas15, além de seis notas peladas16 e de uma a duas
entrevistas de estúdio, estas últimas com duração média de três
minutos cada. Neste dia 18, o JPB Primeira Edição teve 37'34”
e aproximadamente 14 minutos foram dedicados ao tema
“manifestação nacional e local”.
A pauta do início da semana foi sugerida pela editora-
chefe do telejornal, Cristina Dias, e discutida na redação, num
primeiro momento, com as editores adjuntas, Roberta Matias,
Débora Cristina e Mirela Vasconcellos, além da chefe de
produção do turno da manhã, Cláudia Richelle. A ideia era
levar para o telejornal uma discussão mais aprofundada sobre
os fatos ocorridos nas cidades do Sudeste do país e, além disso,
trazer o tema para a realidade local.
A produção logo trouxe a informação de que o prefeito
de João Pessoa, Luciano Cartaxo, anunciaria no meio da manhã
a redução no valor da passagem de ônibus. A pauta chegou via
13 Quando o repórter mostra imagens em tempo real de determinado pondo da cidade e dá informações sobre um tema definido pelos editores do telejornal. 14 Forma como os jornalistas de televisão costumam chamar as reportagens mais longas com passagem e entrevistas, feitas pelos repórteres e que passam por edição de imagens e texto. 15 Textos lidos pelo apresentador e que são ilustrados na ilha de edição, com imagens ou arte, ou durante a exibição do telejornal. 16 Texto lido pelo apresentador e que não recebe ilustração com imagens nem arte.
42 e-mail, através da assessoria da Prefeitura de João Pessoa. Num
primeiro momento foi definido que uma equipe de externa17,
acompanhada do estagiário, Gilmar Lima, se deslocaria para
acompanhar a coletiva, marcada para 10h da manhã, e que essa
equipe gravaria sonora18 com o prefeito, explicando a decisão.
Também ficou definido que, para o estúdio, seriam
convidados um representante da Polícia Militar, um cientista
político e um especialista em segurança pública. Com eles
ficaria a discussão sobre as manifestações no Sudeste do país e,
também, os comentários sobre situações locais de descaso
público, mostradas com freqüência pelo telejornal do meio-dia
e que se encaixavam perfeitamente nos temas reclamados pela
população durante as manifestações.
Vale salientar que o estúdio da TV Cabo Branco
comporta, atualmente, no máximo três convidados para
entrevista, ao mesmo tempo. Normalmente, só se utiliza esse
número máximo de entrevistados no estúdio quando o tema é
muito relevante. Isso gera mais riscos de erros durante a
exibição do telejornal, considerando-se os microfones que
17 Equipe de televisão que vai à rua gravar imagens. Geralmente, é composta por cinegrafista, assistente e um repórter. Na TV Cabo Branco, em alguns casos, o repórter é substituído por um produtor ou por um estagiário da redação. 18 Entrevista gravada fora do estúdio.
43 precisam ser utilizados e os cortes de câmeras a serem feitos
em tais situações.
Para dar mais dinamismo à entrevista e agregar
conteúdo, foi decidido pela editora-chefe que, pouco antes e
durante a conversa no estúdio, seriam exibidas algumas
sonoras e imagens sobre temas, como: saúde, problemas com
transportes públicos e acessibilidade para usuários cadeirantes.
No caso foram selecionados para exibição o vídeo
disponibilizado por Paola Janaína, na rede social, exibido pela
manhã no Bom Dia Paraíba e as imagens enviadas pela
telespectadora Ângela Medeiros, que também tinham ganho
destaque no primeiro jornal daquele dia na emissora. A escolha
desse material foi planejada levando em conta a força das
imagens, naquele momento de mobilização por melhoria no
transporte público, e o fato delas terem sido usadas na rede
social e enviadas por uma telespectadora, via e-mail.
Em determinado momento da manhã foi sugerida a
possibilidade de colocar o prefeito ao vivo, no link19 do
telejornal, anunciando a redução no valor da tarifa de ônibus. A
ideia da editora-chefe era oferecer um material diferenciado
das outras emissoras. Uma entrevista ao vivo certamente
19 É quando o repórter entra ao vivo no telejornal, no momento exato que a entrevista está sendo feita, por exemplo.
44 renderia muito mais informações, teria mais qualidade técnica
e se destacaria do material que seria exibido pelas
concorrentes, a coletiva, com imagens e áudio poluídos. A
chefe de redação, Giulliana Costa, passou a buscar esse ao
vivo, entrando em contato com a assessoria do prefeito e com o
secretário de Comunicação da Prefeitura de João Pessoa.
A partir dessas definições, editores assistentes20
passaram a trabalhar nas ilhas de edição21 com materiais sem
ligação com as manifestações, mas que faziam parte do
telejornal, para evitar congestionamento de edição, nos
momentos finais de preparação do telejornal. Enquanto isso, as
informações iam chegando à redação e, dentro do que foi
planejado e do que ia se modificando a cada momento, a
editora-chefe do telejornal fechou o prelim22, definindo uma
ordem para exibição de todo o material que iria ao ar no JPB
Primeira Edição daquele início de tarde.
20 São os editores que auxiliam os editores-chefes de cada telejornal. Eles são responsáveis pela edição das reportagens nas ilhas de edição, pela correção dos textos dos repórteres e pelos textos que são lidos pelos apresentadores durante o telejornal. Além disso, auxiliam na indicação de pautas e definição de temas que serão abordados. 21 Local da emissora de televisão onde as reportagens são editadas e todas as imagens são preparadas para exibição nos telejornais. Atualmente a TV Cabo Branco possui quatro ilha de edição. 22 Prelim ou espelho do telejornal é a lista numerada das reportagens, notas cobertas e notas peladas, com tudo que será exibido dentro de uma ordem definida pela editora-chefe e sua equipe. É a capa do roteiro do telejornal.
45
O telejornal do meio-dia da TV Cabo Branco de 18 de
junho de 2013 começou com uma entrada ao vivo, com
participação do prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo. Uma
das perguntas mais importantes naquele momento era se o
prefeito tinha tomado a decisão de reduzir o valor das
passagens para conter o movimento, previsto para o dia 20. A
indagação foi feita no vivo no JPB Primeira Edição, mas
Luciano Cartaxo negou. Disse que a redução já vinha sendo
pensada e que tinha relação com o corte de alguns impostos,
feito dias antes, pelo Governo Federal.
A entrada ao vivo do prefeito foi seguida por um outro
link com os estudantes, que estavam organizando a
mobilização do dia 20, imagens dos vídeos da internauta Paola
Janaína e da telespectadora Ângela Medeiros e com as
entrevistas de estúdio com o cientista político, Jaldes Menezes;
o coronel Euller Chaves, comandante da Polícia Militar e
Deusimar Guedes, especialista em segurança pública,
discutindo as manifestações ocorridas no Sudeste do país e a
expectativa para o movimento do dia 20, em João Pessoa. O
tema foi abordado durante 14 minutos, o que representou
37,83% do tempo total do programa jornalístico.
No mesmo dia, no jornal da noite, o JPB Segunda
Edição, que foi ao ar às 19h15, o tema manifestações e redução
46 das passagens de transportes coletivos teve três minutos dos 16,
abertos pela Rede Globo para o telejornal local. Ou seja,
18,75% do JPB. Para que possamos compreender melhor o
tempo dado por cada editor de telejornal ao tema manifestações
e redução da tarifa dos transportes coletivos no dia 18 de junho,
segue um quadro demonstrativo:
Mas, bem antes do jornal da noite do dia 18 ir ao ar,
ainda no início da tarde, ao final do JPB Primeira Edição, a
equipe de produtores e editores da TV Cabo Branco já
começou a pensar e a planejar a cobertura do dia 20 de junho
de 2013, como veremos em seguida.
Planejamento, véspera da manifestação e dia da cobertura
A tarde do dia 18 de junho foi de preocupação e início
do planejamento da cobertura do dia da mobilização. Durante a
Tempo total Tempo para o tema
% do tema no telejornal
Bom Dia Paraíba
48'07" 2'37" 5,00%
JPB 1 37'34” 14' 37,83% JPB 2 16' 3' 18,75%
47 entrevista ao vivo dos estudantes envolvidos com o
movimento, no JPB Primeira Edição, eles garantiram que
participariam à tarde de uma reunião, com a Polícia Militar,
para definir as ruas por onde os manifestantes iriam passar.
Porém, pouco tempo depois do fim do jornal, os estudantes
decidiram não mais participar dessa reunião e não divulgaram
o percurso completo do protesto.
Sabia-se que iriam concentrar os grupos em frente ao
Lyceu Paraibano, seguiriam para o Parque Solon de Lucena,
passariam pelo Palácio da Redenção e de lá iriam para a orla da
capital. Mas, não se sabia quais ruas exatamente. Em uma rede
social foi postada a informação que um grupo passaria pela
porta da TV Cabo Branco e isso gerou preocupação.
No mesmo dia, em São Paulo, um carro de uma
emissora de TV23 foi queimado. Além disso, jornalistas já
tinham sido hostilizados por manifestantes, inclusive
profissionais da Rede Globo24. Era preciso cuidar da segurança
dos profissionais e da emissora. A partir daí várias decisões
foram tomadas. 23 Cf. “Manifestantes tentam invadir e apedrejam Prefeitura de S. Paulo”. In: Globo.com, 18.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jCWFv. Acesso em: 15/07/2013. 24 Cf. “Caco Barcellos é hostilizado por manifestantes em São Paulo”. In: Último segundo. Portal ig.com.br. Disponível em: http://migre.me/jCXhv. Acesso em: 15/07/2013.
48 Normalmente à tarde a TV Cabo Branco trabalha com
três equipes de externa e à noite com mais duas. No dia da
manifestação a chefe de redação, Giulliana Costa, e a editora
regional de jornalismo, Tatiana Ramos, decidiram colocar,
inicialmente, quatro equipes à tarde. Além disso, teríamos
também um cinegrafista de moto, para trabalhar mais próximo
da polícia, e um motoboy para recolher com mais agilidade as
fitas de cada repórter na rua.
Na manhã do dia 19 de junho, a Rede Globo mostrou
interesse em ter a cobertura da manifestação de João Pessoa,
pediu o repórter de Rede25 e decidiu manter aberto, durante
todo o dia, o canal para ao vivo26. Normalmente este canal é
aberto quando temos algum material para gerar, ou seja, por
tempo limitado. Só em casos excepcionais a Rede abre o sinal
de vivo durante todo o dia.
Pelas redes sociais se observava um crescimento do
movimento em João Pessoa e, a partir daí, a editora regional de
Jornalismo e a chefe de redação acharam importante termos
imagens aéreas do movimento. Foi decidido que teríamos um 25 São repórteres preparados pela Rede Globo para entrar nos telejornais nacionais da emissora. No caso da TV Cabo Branco, Bruno Sakaue, Hildebrando Neto e Laerte Cerqueira foram preparados para essa atividade, porém, cada telejornal da Rede Globo pode solicitar o repórter que achar mais apropriado para ele e a emissora local, em alguns casos, indica outros repórteres para entradas nos telejornais da Rede. 26 Canal da Embratel para entradas ao vivo na Rede Globo.
49 helicóptero na cobertura com mais uma equipe, a quinta, esta
com o repórter de Rede, Bruno Sakaue e o cinegrafista
Alexandre Frazão. A TV Cabo Branco não tem helicóptero e a
editora regional de jornalismo precisou convencer a direção da
empresa a alugar e conseguir uma aeronave, na véspera do
movimento. Deu certo. As equipes ficaram distribuídas como
mostra o quadro abaixo:
Repórter Cinegrafista/Assistente Cobertura
Larissa Pereira Wellington Campos/Jardel Mangueira
Centro/Antes - Saída do Lyceu
e acompanhamento Zuila David Severino Ramos/ Raphael
Barbosa Manifestação vista
dos prédios do Centro e detalhes
Hildebrando Neto Sílvio Vieira Flashs ao vivo e concentração no
Lyceu Bruno Sakaue Alexandre Frazão/ Manifestação vista do
helicóptero e ao vivo para a Rede
Antônio Vieira Edvaldo Júnior Geral/outras pautas fora da
manifestação Sem reporter Walter Paparazzo Manifestação ao lado
da Polícia
Os horários dos editores de texto e de imagens também
sofreram modificação no dia do protesto em João Pessoa. Foi
decidido que uma das editoras assistentes do JPB Primeira
50 Edição, eu mesma, ao invés de entrar às 7h30 da manhã,
entraria às 13h. Na minha responsabilidade ficaram os flashs27
locais, que seriam ao vivo, e o apoio ao editor-chefe do JPB
Segunda Edição, Eisenhower Almeida. Giovana Rossini, outra
editora assistente do JPB Primeira Edição, que normalmente
trabalha a partir das 11h da manhã, no dia 20 foi deslocada
para trabalhar à noite. O objetivo era adiantar a edição das
reportagens do telejornal de meio-dia de 21 de junho. Dois
editores de imagens tiveram seus horários modificados para
atender a essas editoras.
Além de definir as equipes e as mudanças nos horários
do pessoal do jornalismo, a chefe de Redação, Giulliana Costa,
e a editora regional de Jornalismo, Tatiana Ramos, decidiram
pedir segurança para a equipe que ficaria no carro de ao vivo,
fazendo os flashes, em frente ao ponto de concentração.
Também ficou definido que as equipes trabalhariam em carros
alugados, sem a marca da emissora. Inicialmente, todos foram
para a rua com fardamento e canopla28 nos microfones. A Rede
Paraíba de Comunicação também contratou seguranças para
trabalhar na frente do prédio, onde funcionam a TV Cabo
27 Entrada do repórter, neste caso ao vivo, dando informações do local da manifestação. 28 É a parte do microfone, geralmente em formato de cubo, que recebe a marca da emissora de televisão.
51 Branco, o Jornal da Paraíba, o G1 Paraíba e as emissoras de
rádio FM Cabo Branco e CBN.
Ainda na tarde do dia 18 de junho, a editora regional de
Jornalismo da TV Cabo Branco recebeu um e-mail da Rede
Globo reforçando a recomendação sobre a abordagem do tema
manifestações. A partir daquele momento, era importante mais
cautela. Deveríamos informar o que iria mudar na rotina da
cidade, no dia da manifestação, mas tendo o cuidado para não
convocar o cidadão. A orientação da Rede fazia sentido, pois,
nas redes sociais muitos acusavam a Globo de instigar o
movimento e a violência no Sudeste.
Na realidade, em nenhum momento a afiliada de João
Pessoa recebeu orientação da Rede Globo para incentivar nem
para boicotar o movimento. O que deveríamos fazer era
informar o que fosse importante para o cidadão naquele
momento. Se ele iria ficar sem ônibus, quais as vias que seriam
interditadas e se haveria policiamento nas ruas, ou seja,
serviço, se havia quebra-quebra, e como a maioria dos
manifestantes tinha participado do protesto. No dia da
manifestação a cobertura deveria mostrar todos os lados e
assim foi feito.
Um fato curioso e inédito nessa cobertura: as emissoras
de televisão de João Pessoa (TV Tambaú, TV Correio da
52 Paraíba, TV Arapuan e TV Cabo Branco) decidiram concentrar
as Unidades de link29, num mesmo ponto, por receio de
represália dos manifestantes. A sugestão veio do editor de
jornalismo da TV Tambaú, que ligou para as outras emissoras.
A ideia foi aceita, como mostra a imagem:
Imagem postada no Facebook do jornalista Renato Félix
O comentário de um internauta chamou a atenção
naquele momento. Daslei Emerson Ribeiro Bandeira insinuou,
claramente, que os carros de link das emissoras seriam
queimados. Isso, aparentemente, gerou inquietação em quem
comanda as emissoras de comunicação na capital paraibana. Os
carros foram disponibilizados no Lyceu só durante as primeiras
29 Veículos preparados com antenas e equipamentos especiais para geração do sinal de ao vivo. Os repórteres que entram ao vivo nos telejornais ficam sempre próximos a essas unidades. No caso da TV Cabo Branco, além do cinegrafista, do assistente de externa e do repórter, mais um técnico de manutenção trabalha na unidade para garantir a exibição do ao vivo.
53 horas da manhã. Mas, durante a manifestação, apenas o carro
da TV Cabo Branco se manteve no ponto próximo ao local de
concentração dos manifestantes.
Outra informação curiosa: a postagem acima foi
retirada da página do Facebook do jornalista Renato Félix. Só
conseguimos a imagem porque a jornalista Giulliana Costa tem
como hábito fazer print das páginas que chamam a atenção
dela nas redes sociais.
No dia 19, o Bom Dia Paraíba, o JPB Primeira Edição e
o JPB Segunda Edição abriram espaços para os serviços e as
orientações sobre os protestos. Ao todo, foram cinco minutos
de informações nos três telejornais da TV Cabo Branco.
Já no dia 20, dos 45'47” do Bom Dia Paraíba apenas
dois minutos foram dedicados aos serviços da manifestação. Já
o JPB Primeira Edição, abriu pouco mais de seis minutos dos
40'10” do telejornal. Entre as notícias sobre o movimento
estava a pichação do Lyceu Paraibano. A escola estadual mais
antiga da cidade, ponto de concentração dos manifestantes no
protesto marcado para as 14h deste dia, amanheceu pichada.
Na manhã do dia 20 foram preparadas as pautas para
cada repórter e definido o que seria produzido para o JPB
Segunda Edição, o primeiro telejornal após a manifestação. Na
produção também houve mudança de horário neste dia. A chefe
54 de produção da manhã, Cláudia Richelle, que normalmente
trabalha até às 14h, ficou na redação até às 17h, para coordenar
a saída das equipes e acompanhar o que estava sendo feito e
acontecendo na rua. Já a chefe de produção da tarde, Keli
Farias, entrou às 17h, para dar seguimento ao trabalho de
Richelle e ficar até mais tarde na redação, dando cobertura às
equipes de externa.
Também estavam programadas para o mesmo dia
manifestações em Campina Grande, Patos e Sousa, no interior
do Estado. Essa cobertura foi organizada pela equipe da TV
Paraíba, sobre o comando da editora regional de jornalismo,
Tatiana Ramos. Tudo estava preparado para garantir uma boa
cobertura estadual das manifestações no telejornal da noite e do
dia seguinte.
Manifestação, hostilidade à imprensa, sem cobertura local
A tarde da manifestação começou com ligações falsas
para a redação dando informações sobre vandalismo, em uma
praça no bairro dos Bancários. Nada se confirmou. As
primeiras imagens que chegaram à redação dos manifestantes
foram feitas pelo cinegrafista Walter Paparazzo, no bairro de
Jaguaribe. Estudantes com faixas e gritando palavras de ordem
55 saíram desse, que é um dos bairros mais antigos da capital
paraibana, em direção ao local da concentração.
As imagens foram exibidas durante o primeiro flash ao
vivo do repórter Hildebrando Neto. Nesse ao vivo, que foi ao
ar dentro do primeiro intervalo comercial do Vídeo Show,
também foram exibidas imagens da câmera instalada no alto da
torre da TV Cabo Branco, que mostravam os primeiros
manifestantes chegando ao Lyceu Paraibano e a interdição do
trânsito de veículos na área próxima à escola.
Depois deste flash o mesmo repórter fez mais dois
flashes locais, um Nacional para o Globo Notícia e outros dois
para a Globo News. Hildebrando Neto ficou no carro do vivo,
numa plataforma montada especialmente para essas entradas. A
Unidade de ao Vivo, que durante toda a manhã estava bem em
frente a calçada do Lyceu, foi deslocada para o outro lado da
rua, para facilitar uma saída de emergência, caso houvesse
necessidade. Mas, nesse ponto tudo ocorreu tranquilamente. O
repórter e a equipe de técnicos trabalharam sem imprevistos.
Porém, pela quantidade de entradas ao vivo foi necessário
repassar a pauta do repórter, a matéria sobre a concentração,
para outro profissional. Esta foi apenas a primeira mudança no
planejamento para a cobertura daquele dia.
56
Quem assumiu a pauta de Hildebrando Neto foi a
repórter Zuila David, que inicialmente faria uma matéria do
alto dos prédios e dos detalhes da manifestação. Ela acabou
entregando para o JPB Segunda Edição uma reportagem sobre
a concentração e a saída dos manifestantes do Lyceu.
Larissa Pereira conseguiu concluir a matéria sobre o
fechamento das lojas do Centro da cidade, pouco antes da
manifestação, e seguiu para fazer o material sobre a
concentração. Só que esta pauta ela não conseguiu fazer. Desde
os primeiros momentos da chegada da equipe ao Lyceu
Paraibano, um pequeno grupo de manifestantes começou a
insultar a equipe da TV Cabo Branco. Por várias vezes, Larissa
Pereira, Wellington Campos e Jardel Mangueira tentaram
gravar entrevistas e fazer passagens30, mas foram impedidos.
No mesmo instante a repórter entrou em contato com a redação
e a chefia recomendou que ela fosse para outro ponto do
protesto e fizesse um pré-gravado31. O tempo exíguo não
permitia que fosse feita uma reportagem mais completa.
De nada adiantou a equipe mudar de lugar, pois, o
pequeno grupo de manifestantes seguiu e impediu os
profissionais de trabalhar, gritando insultos durante as 30 Parte da reportagem quando o repórter aparece no vídeo com alguma informação. 31 Quando o repórter faz uma passagem maior, resumindo o que aconteceu no local. Eventualmente, na hora da edição, são inseridas imagens e sonoras no material.
57 tentativas de gravações. Segundo Larissa, a equipe chegou a
ser encurralada, em frente ao Palácio da Redenção, por mais de
500 pessoas, que foram incentivadas pelo pequeno grupo
inicial a insultar e agredir os profissionais.
O cinegrafista e o assistente de externa receberam socos
nas costas e foram atingidos por garrafas plásticas, a repórter
escapou dessas agressões porque foi protegida pelos colegas.
“Naquele momento o meu sentimento era de terror. Temia que
eles estivessem com pedras, facas ou armas de fogo”, lembra
Larissa Pereira. Mesmo com muito medo, a equipe conseguiu
registrar parte da hostilidade sofrida e foi esse material que
acabou sendo levado para exibir no telejornal da noite.
A equipe de Larissa Pereira só conseguiu sair da
manifestação depois que a polícia interveio. Por segurança, os
profissionais voltaram para a emissora dentro de um carro da
Polícia Militar. Muito assustada e nervosa, a repórter precisou
ser retirada da cobertura. O cinegrafista e o assistente foram
orientados a tirar a canopla e a farda da empresa, e voltaram
para a rua com uma jornalista/produtora, que não costuma
aparecer no vídeo, para garantir a cobertura do protesto.
A mesma estratégia teve que ser usada com a equipe da
repórter Zuìla David, que também sofreu agressões verbais e
empurrões, durante o protesto. No momento que esses
58 profissionais desceram do prédio de onde acompanhavam a
manifestação, para fazer a cobertura no chão, um pequeno
grupo de manifestantes tentou impedir o trabalho deles, com
faixas contra a Globo e gritando insultos contra os
trabalhadores da TV Cabo Branco.
Zuila David ainda conseguiu fechar a reportagem sobre
a concentração dos manifestantes e outra, sobre a passagem
deles por ruas do centro até a chegada ao Palácio da Redenção.
Esta última matéria mostrava pequenos grupos quebrando
vidraças de um estabelecimento comercial e manifestantes
destruindo lixeiras públicas. As imagens da violência no
Centro foram registradas pelos cinegrafistas Severino Ramos e
Walter Paparazzo.
“Já vivi muita coisa nesses anos trabalhando nas ruas
como cinegrafista, mas nunca vi nada igual. Fomos agredidos
num momento que estávamos fazendo a nossa parte, a nossa
obrigação profissional”, relatou o cinegrafista Severino Ramos
que, junto com o assistente Raphael Barbosa e a repórter Zuila
David precisou da ajuda da polícia para sair da manifestação e
voltou para a sede da TV Cabo Branco dentro de um carro da
Polícia Militar. Por volta das 17h30 a equipe estava na
emissora. A repórter foi trocada por uma jornalista/produtora e
59 o cinegrafista junto com o assistente voltaram à rua sem farda e
sem a canopla.
Pelo que acompanhamos nas redes sociais e nos jornais
das outras emissoras, profissionais da imprensa de outros
veículos também foram hostilizados. Alguns foram xingados
com palavras de baixo calão, mas não tivemos notícia de
agressões físicas graves.
Neste momento, a chefe de redação decidiu mudar,
também, a pauta do repórter Antônio Vieira. Este, inicialmente,
estava designado para cobrir o cotidiano da cidade fora da
manifestação. Diante dos novos fatos, a equipe de Antônio
Vieira foi relocada para o Busto de Tamandaré, ponto da orla
da capital para onde os manifestantes estavam seguindo e
terminariam a manifestação.
Do alto, no helicóptero, o repórter de Rede Bruno
Sakaue e o cinegrafista Alexandre Frazão conseguiram
registrar a multidão que foi às ruas na capital paraibana, em 20
de junho de 2013. O vôo foi feito entre às 16h e às 17h30, para
garantir a segurança do pouso da aeronave. As imagens foram
um diferencial na cobertura da manifestação em João Pessoa, a
TV Cabo Branco foi a única a publicar essas imagens.
No início da tarde, a concorrência chegou a fazer uma
“brincadeira” ao vivo, no estúdio, garantindo que era a
60 primeira emissora a mostrar imagens aéreas da concentração da
manifestação. Enquanto o apresentador falava no estúdio e
mostrava imagens do alto, um áudio da hélice de um
helicóptero, em funcionamento, era ouvido ao fundo. Uma
terceira emissora mostrou o cinegrafista forjando as imagens
“aéreas” do alto de um prédio próximo à concentração, como
se estivesse em um helicóptero. Quando desfeita a farsa, a cena
ocupou as redes sociais chegando ao topo do twitter nacional,
naquele dia, e ganhando o Top Five de um programa de humor
na TV32, que premia os maiores absurdos dos programas de
televisão do país durante a semana, sempre às segundas-feiras.
Enquanto as equipes estavam nas ruas, na TV Cabo
Branco, tudo era acompanhado pelos editores, pelos produtores
e pela chefia de redação. As reportagens só começaram a
chegar depois das 17h e o editor-chefe do telejornal ia
modificando o prelim a cada nova mudança que a ocasião
exigia. Foi uma tarde tensa, todos preocupados com os colegas
nas ruas e com a qualidade do conteúdo que iria ao ar nos
flashs ao vivo e no telejornal. Além disso, outras manifestações
ocorriam pelo país naquela mesma tarde do dia 20 de junho e,
em alguns locais, houve violência.
32 Cf. “Helicóptero fajuto é o campeão do Top Five”. In: TV UOL.com.br. Disponível em: http://migre.me/jCZoj. Acesso em 15/07/2013.
61
O horário do telejornal da noite ia se aproximando e, a
cada momento, a Rede exibia mais imagens dos protestos pelo
país. Em um determinado momento, o coordenador de exibição
da TV Cabo Branco foi informado que a Rede Globo não iria
mais exibir a novela das seis horas, Flor do Caribe, para
continuar com a cobertura nacional dos protestos. Isso poderia
mudar o tempo do telejornal local e o editor-chefe do JPB
Segunda Edição foi avisado que tanto poderia haver um
aumento quanto uma redução desse tempo.
A partir daí os editores e as chefias da redação e do
jornalismo ficaram em alerta. Diante das imagens mostradas,
em várias cidades do país, todos compreenderam que a
exibição do telejornal local estava em risco e poderia ficar
comprometida, com um tempo bastante reduzido. Além disso,
a produtora de rede, Jô Vital, foi orientada pela editora regional
de Jornalismo a conseguir uma entrada ao vivo da Paraíba,
dentro da cobertura nacional das manifestações, que tinha
tomado conta da Globo33. Isso não aconteceu. A Rede não
abriu espaço para João Pessoa nesse horário.
33 Cf. “Globo abandona grade do horário nobre” (Nelson de Sá). In: Observatório da Imprensa, 25/06/2013, ed. 752.
62
O Editor-Chefe do JPB Segunda Edição fechou o
prelim, imprimiu o script34 e seguiu para a produção35 para
colocar o jornal no ar. A cada segundo chegava uma
informação nova da Rede Globo e a última delas surpreendeu
todos os envolvidos naquela operação de exibição do
telejornal. A Globo decidiu ocupar o tempo dos telejornais
locais de todo o país com a cobertura nacional da manifestação
e, excepcionalmente, numa situação que nunca se viu na
emissora, seguiu com essa cobertura até o Jornal Nacional
deixando de exibir, também, a novela das 19h, Sangue Bom.
Tudo, inclusive a comercialização da emissora, foi substituído
pela transmissão ao vivo.
O que segue abaixo é o depoimento do editor-chefe do
JPB Segunda Edição, Eisenhower Almeida, e que certamente
representa o sentimento dos editores-chefes dos telejornais
locais de todo o país que, naquele dia, prepararam um
telejornal local que não foi ao ar, em uma noite que os
telespectadores das cidades onde havia manifestações
esperavam ansiosos pela cobertura local:
34 Roteiro do telejornal que é impresso e entregue a todos os técnicos envolvidos na exibição do telejornal e ao apresentador. 35 Sala da TV Cabo Branco de onde o jornal é cortado e exibido para chegar à casa do telespectador.
63
“Todo editor de fechamento sente um friozinho na barriga quando prepara um telejornal. E no dia das manifestações a preocupação era maior. Todas as pautas estavam voltadas para o evento. E não sabíamos ao certo o que iria acontecer nas ruas. Depois das capitais do Sudeste, era a vez dos paraibanos protestarem. Montamos um esquema para garantir a cobertura total. Foi um corre-corre daqueles que muitos jornalistas gostam nas redações. Sempre em contato com os repórteres por telefone. A pressa em querer o off36. Repórter gravando texto num canto da rua para evitar ruídos (não tinha condições logísticas de voltar para a redação). A expectativa de que Bruno Sakaue conseguiria mesmo gravar um stand up37 do helicóptero. Bem... a tarde foi passando e tudo foi se encaixando. Aí soubemos que a repórter Larissa Pereira foi hostilizada por manifestantes. Ela não tinha condições psicológicas de fechar mais um material para o jornal (ela já havia fechado um primeiro VT). E rapidamente encontrou-se a solução para dar o caso no jornal. Estava tudo certo até dentro do prazo, sem muitos atropelos. Eis que recebemos a notícia de que a novela das 6h havia sido interrompida para a transmissão das manifestações pela Globo. E que da transmissão ia direto para o jornal. Isso iria aumentar o tempo do jornal. Tínhamos material dos protestos em Campina Grande e em outras cidades do Estado para ajudar a preencher o fade38. Estávamos com a cobertura
36 Texto do repórter que faz parte da reportagem e que é revisado pelos editores antes de ser gravado. 37 Quando o repórter grava o texto aparecendo a maior parte do tempo no vídeo. Assim, passa todas as informações sem necessidade de gravar off. 38 É o espaço aberto pela Rede para exibição do telejornal e dos comerciais locais.
64
estadualizada do movimento. Aí, fomos informados que o fade havia diminuído, mas ainda ficamos com um bom tempo para dar a cobertura de João Pessoa. Os minutos foram passando e nada de a Globo abrir o fade, até que veio a notícia de que o jornal poderia não ser exibido. Pouco tempo depois a confirmação. Se aquele dia era histórico para o Brasil, também era para nós. Não havia JPB Segunda Edição naquela noite. Saí desolado do Controle Mestre,39 quando recebi a notícia. Confesso que até com vergonha de dar a notícia aos meu colegas. Pelo que me lembro, na verdade nem dei. Foi o coordenador da exibição quem confirmou para eles.” Eisenhower Almeida – Editor-Chefe do JPB Segunda Edição.
O sentimento de desolação do editor-chefe já tinha
tomado conta dos jornalistas que estavam na redação da TV
Cabo Branco, naquela noite. Ninguém queria acreditar no que
estava acontecendo. Uma grande operação foi montada durante
dias e, em um segundo, descobriu-se que nada iria ao ar no
telejornal de maior audiência da emissora.
Os telefones da redação não paravam. A cada instante
um telespectador ligava perguntando pelo telejornal, querendo
saber o que estava acontecendo. Coube a quem estava na
39 Local onde é feito o controle de tudo que é exibido pela emissora e no qual ocorre a comunicação entre a emissora local e o Controle Mestre Rede Globo.
65 redação explicar a decisão da Rede Globo e garantir que toda a
cobertura estaria nos telejornais do dia seguinte.
E foi exatamente isso que aconteceu. O Bom Dia
Paraíba do dia 21 de junho de 2013 trouxe a cobertura
completa da manifestação na capital e nos municípios
paraibanos. Dos 46'56” do tempo do telejornal, 24' foram
dedicados à cobertura das manifestações locais. Nos telejornais
seguintes a cobertura se repetiu com destaque.
No JPB Primeira Edição aquela era uma sexta-feira
especial, pois o jornal deveria ser totalmente transmitido de
Campina Grande, com atrações juninas e, unicamente, os fatos
mais relevantes da manhã. Era dia do “JPB São João”40, mas,
os fatos da quinta-feira, 20 de junho de 2013, superaram o que
estava programado e planejado para o dia 21. Dos 34'22”
abertos pela Rede para o JPB Primeira Edição, 17' reportaram
as manifestações da tarde do dia anterior.
E o JPB Segunda Edição encontrou uma forma
diferente de destacar a manifestação. O editor-chefe optou por
exibir clips41 com pouco mais de um minuto, cada, antes das
40 No mês de junho, todas as sextas-feiras o JPB Primeira Edição é transmitido de Campina Grande. São programas especiais, programados com antecedência e que valorizam as festas juninas dessa época. 41 Edição que reúne áudio e imagens, sem texto. O áudio pode ser o da imagem ou uma música e junto com as imagens transmitem uma mensagem determinada. No caso em questão, a participação dos paraibanos na manifestação em 20/13/2013.
66 duas passagens de bloco42, com imagens e áudios das
manifestações em João Pessoa. Antes da entrada dos clips foi
dada uma explicação ao telespectador. O texto antes da
primeira entrada foi o que segue abaixo.
Ontem, por causa da transmissão nacional das manifestações em várias capitais e cidades brasileiras, o JPB Segunda Edição não foi exibido. Para o jornal desta sexta-feira, nós separamos as melhores imagens e depoimentos gravados pelas equipes da TV Cabo Branco, desde o início da tarde até o término da caminhada, no Busto de Tamandaré. Veja a primeira parte agora.
E esta foi a forma encontrada pelos profissionais da TV
Cabo Branco para levar aos paraibanos as imagens e os fatos
daquele dia 20 de junho de 2013.
No dia seguinte, a gerência de Programação da Rede
Globo entrou em contato com a direção do jornalismo local e
pediu uma avaliação do que tinha ocorrido, como as pessoas
tinham recebido aquela decisão de exibir a cobertura nacional e
não deixar espaço para o telejornal local, para balizar futuras
decisões. A editora regional de jornalismo informou que a
repercussão tinha sido muito negativa e lembrou o grande
42 Momento em que o apresentador diz quais os destaques do bloco seguinte e entram os comerciais.
67 número de ligações e reclamações recebidas pela redação,
naquela noite, além da frustração dos profissionais envolvidos
na cobertura.
Conclusões
Como funcionária da TV Cabo Branco, com mais de 20
anos de casa, afirmo que a afiliada mobilizou-se, envolveu
vários departamentos e deu todo o apoio ao jornalismo para
que, no dia 20 de junho de 2013, fosse feita uma grande
cobertura das manifestações por melhorias no sistema de
transporte público e outros serviços. Recebemos tudo que
pedimos: do motoboy ao helicóptero.
Cada profissional chamado para trabalhar estava lá,
disposto a fazer o melhor e em alguns casos, arriscar a vida
para garantir uma cobertura de qualidade. Até quem não foi
chamado não se furtou ao trabalho, como o caso da
apresentadora e repórter Patrícia Rocha. Ela não foi convocada,
mas passou a tarde na empresa adiantando o prelim do
telejornal, a ser apresentado no dia seguinte, o Bom Dia
Paraíba, e ajudando a produção nos contatos com as equipes
que estavam na rua.
68
Na verdade era lá fora que Patrícia queria estar. Em
determinado momento da tarde ela virou para mim e disse
“Não sei como vocês aguentam ficar aqui dentro, enquanto
tudo está acontecendo lá fora. Eu quero ir pra rua!” Eu sorri e
disse: “Amiga, esta é nossa agonia diária. Sabemos que tudo
está acontecendo lá fora, há momentos em que desejamos ir lá
fora, mas compreendemos que é preciso ter alguém aqui
dentro, para organizar o que vem da rua e levar o melhor para
os telespectadores, em tempo e no prazo que temos, durante a
manhã ou à tarde, para deixar tudo pronto. Cada um faz a sua
parte e precisa administrar suas agonias. Acalme seu coração”.
Não consigo esquecer os rostinhos dos jornalistas mais
novos da redação, que em nenhum momento imaginavam que o
jornal poderia não ir ao ar. Para quem estava ali há muito
tempo, essa possibilidade passou a ser real quando observamos
o movimento de exibição da Rede Globo. Porém, mesmo os
mais antigos, diante dos fatos locais daquele dia, tinham a
esperança de que a Programação da Rede deixaria pelo menos
alguns minutos para as emissoras mostrarem os protestos das
suas cidades. Não foi o que aconteceu.
Como jornalista só pensava nos telespectadores fiéis,
naqueles que não paravam de ligar querendo uma explicação e
reclamando. Procurei dar ainda mais atenção a cada um que
69 atendi naquele dia. Como cidadã paraibana compreendia todos
eles. Era um momento histórico, a Paraíba tinha demorado para
entrar no processo das manifestações, mas entrou, e, naquele
dia, todos queriam ver como nosso povo tinha se comportado,
o que tinha acontecido naquela tarde, em cada canto da cidade
e do Estado onde houve protesto.
Confesso que, como jornalista e cidadã, me emocionei
ao ver na ilha de edição aquelas imagens. E foi lindo ver as
pessoas na rua de forma civilizada, pedindo o que é direito e
deveríamos ter desde sempre: saúde, educação, transporte
público. Além disso, observar que aquela multidão também
queria algo que acho fundamental para o país: mudanças no
comportamento dos políticos. Acredito que o recado das ruas
foi simples: se vocês não mudam, nós mudamos vocês. Claro
que não aceitamos, nem gostamos de ver as agressões físicas e
verbais aos nossos colegas, mas compreendemos que esse foi
um comportamento isolado e de uma minoria.
De maneira geral, a Paraíba deu exemplo de bom
comportamento na manifestação de 20 de junho de 2013. Uma
imagem marcante do que falamos aqui foi a de cidadão
distribuindo rosas com os policiais que trabalhavam, para dar
segurança a todos. Segundo balanço da Polícia Militar, nenhum
incidente grave foi registrado durante os protestos.
70
Enquanto funcionária, não posso julgar a decisão da
Rede Globo de mudar toda a grade de programação e não
deixar espaço para as emissoras locais exibirem seus telejornais
naquele dia, mas, como cidadã, posso afirmar que o sentimento
da maioria dos paraibanos, naquele dia, foi de desrespeito. A
jornalista compreende o peso da cobertura nacional da
manifestação e a decisão tomada, por quem comanda a Globo,
mas, a paraibana gostaria muito de ter tido o direito de assistir
a cobertura local, com as imagens da minha cidade, no JPB
Segunda Edição, naquele dia histórico.
71 O Radiojornalismo da CBN nos Protestos em João Pessoa: Relatos de Cobertura
Edileide Oliveira BEZERRA43 Olga TAVARES
Introdução
Quando os protestos começaram em São Paulo,
acompanhamos as notícias principalmente pela televisão.
Inicialmente, causou certo estranhamento o fato de o motivo
divulgado pelos telejornais ser somente o preço das tarifas de
transporte público na capital.
É verdade que, meses antes, Porto Alegre tinha vivido
uma série de protestos violentos por conta do aumento das
tarifas, mas, no caso de São Paulo, o fato se prolongou e, como
um rastilho de pólvora, se espalhou para o Rio de Janeiro e
outras capitais, à medida que os dias passavam, tornando
algumas questões mais claras.
As manifestações tinham um quartel general nas redes
sociais. Assim, como quase tudo na internet, a matriz de
pensamento era completamente heterogênea. As tarifas foram
apenas o motivo inicial para a eclosão de uma série de 43 Mestranda do PPJ/UFPB; email: [email protected]; [email protected] (orientadora)
72 insatisfações. Corrupção, cura gay, saúde, educação,
mobilidade, PEC 37, PEC 33, enfim, tudo aquilo que parecia
injusto aos olhos da população. Esta diversidade, sim,
justificava a proporção das manifestações.
O fato é que a onda de protestos nas ruas e avenidas
importantes das principais cidades brasileiras, organizada pelo
Movimento Passe Livre, com o lema “não é por centavos, mas
por direitos”, entrou para a história da democracia brasileira no
século XXI. Transformou-se em um marco histórico para a
ciberdemocracia ao levar às ruas, quase que simultaneamente,
milhares de brasileiros, especialmente jovens estudantes,
inquestionavelmente mobilizados nacionalmente, por meio da
computação social e suas redes de mídias sociais.
Levy (2010) afirma que, no tocante aos efeitos sobre a
democracia, essa nova realidade, metamorfose da esfera
pública, afeta positivamente a capacidade de aquisição de
informação, de expressão, de associações e de deliberação dos
cidadãos.
Segundo este autor, A computação social aumenta as possibilidades da inteligência coletiva e, por sua vez, a potência do “povo”. Outro efeito notável dessa mutação da esfera pública é a pressão que ela exerce sobre os administradores estatais e sobre os governos para
73
mais transparência, abertura e diálogo. (LÉVY, 2010, p.14) (grifo do autor)
Corroborando com essa linha de raciocínio, Primo
(2013, p.17) ressalta que, com a “emergência das tecnologias
de comunicação e informação a liberdade de expressão dos
cidadãos pode ser potencializada via mídias digitais”. Um
exemplo são esses protestos que ganharam proporções
gigantescas em nível nacional, a partir de práticas de
ciberativismo, sendo assim uma verdadeira prova da força dos
meios digitais, no aspecto de articulação, mobilização e ações
políticas, como bem coloca este autor. A rigor, não há como deixar de reconhecer a importância política da liberdade de expressão promovida pelas interfaces fáceis e baratas (ou gratuitas) dos meios digitais. Nem tampouco pode-se ignorar a força dos movimentos espontâneos em rede, cujos efeitos antes não eram possíveis em uma sociedade caracterizada pela mídia de massa. (PRIMO, 2013, p.17)
Por outro lado, vale lembrar que nem mesmo o
imediatismo da rede mundial de computadores superou a
agilidade do rádio no que se refere à cobertura jornalística.
O rádio brasileiro, principalmente as estações que
dispõem de departamentos de jornalismo, um exemplo disso,
são as rádios All News, emissoras 100% notícias, utilizando-se
74 também da praticidade das tecnologias móveis, possibilitou
acompanhar de perto os protestos ocorridos nas principais
cidades do país, exercendo, plenamente, uma das principais
características no fazer jornalístico em rádio: o imediatismo.
Este artigo tem por objetivo relatar a experiência dos
jornalistas da CBN na cobertura dos protestos de rua
acontecidos em João Pessoa.
Emoção nas ondas do rádio
Um episódio que pode comprovar a presença marcante
dos repórteres das rádios nas manifestações, direto dos locais
das passeatas, foi vivido por Genilson Araújo, da CBN Rio,
quando narrou, ao vivo, os confrontos entre a polícia e
manifestantes no entorno do Maracanã, na tarde do domingo,
16 de junho de 2013, com entradas durante a transmissão do
jogo México e Itália, pela Copa das Confederações. De acordo
com o radialista, a manifestação seguia de forma pacífica até a
ação do batalhão de choque, que tentou dispersar cerca de 500
pessoas, com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. Na
CBN João Pessoa, nos momentos de análises dos protestos,
esse relato foi reprisado e pudemos perceber a emoção e até o
choro do repórter:
75
Não houve, por parte, pelo menos dos estudantes, qualquer ato de agressividade. Eles paravam quando a polícia fazia bloqueio e tentavam por outra via e assim faziam. Quando, de repente, apareceu um grupo do batalhão de choque, disparando bombas de efeito moral, com cachorros e bombas de gás lacrimogêneo, dispersando essas pessoas.3
A narrativa de Genilson Araújo ganhou clima de tensão
no momento em que ele tentava convencer os policiais a
pararem com a investida porque havia crianças no local. Sem
perceber que estava no ar, o radialista discutiu com a polícia e,
rapidamente, foi parada a transmissão. Pouco tempo depois,
ainda na zona de conflito, o repórter voltou ao vivo para
explicar a situação. Estamos aqui em uma batalha que só tem um lado atacando, que é o lado do batalhão de choque. Não satisfeitos em afastar os manifestantes do entorno do Maracanã, alguns pelotões permanecem acompanhando os manifestantes que buscaram refúgio na Quinta da Boa Vista, tradicional área de lazer aqui no Rio de Janeiro. Muitas crianças, muitas pessoas idosas. Os policiais ameaçaram entrar com bombas de gás lacrimogêneo quando receberam apelos dos jornalistas para que não entrassem. Eles acabaram acatando.44
44 Cf. Reporter da CBN chorando ao vivo. In: [Audio CBN/RJ]. Disponível em: http://migre.me/jD2BO. Acesso: 04.06.2014
76
O relato de Genilson, por meio das tecnologias móveis,
com a utilização do celular, ampliou a sua presença no palco
dos acontecimentos, mostrando o quanto o repórter é
imprescindível na emissão da mensagem radiofônica.
No que se refere ao imediatismo no campo jornalístico,
Traquina (2013, p. 35) considera as notícias um ‘bem
altamente perecível’, e que, por isso, necessitam de velocidade,
evitando a deterioração do valor da informação. Para tanto,
“em termos logísticos, o valor do imediatismo leva ao reforço
da importância da capacidade performativa dos jornalistas de
uma empresa na montagem da cobertura”.
As redes nacionais de rádio tiveram papéis importantes
na cobertura dos protestos, em algumas cidades do Brasil,
realizando giros de notícias ao vivo, entre as praças que
compõem essas cadeias, repassando informações de todos os
locais com manifestações, como foi o caso da Central
Brasileira de Notícias (CBN) que, em vários momentos,
acionou, durante os protestos, as equipes que, por telefone
celular, relataram os episódios. Mas antes de prosseguir com
narrativa dos relatos de cobertura dos protestos, é importante
entender a estrutura básica da rádio CBN João Pessoa.
77 CBN João Pessoa
Intercalados com os programas nacionais, a CBN João
Pessoa tem dois programas de produção jornalística local, o
CBN João Pessoa, de segunda à sexta-feira, das 9h às 12h,
abordando os principais assuntos da atualidade, em áreas
diversas, como política, saúde, economia e cultura. O programa
apresenta, diariamente, reportagens externas e entrevistas em
estúdio, além de colunas e quadros com temas variados.
Já o programa CBN Cotidiano, de segunda à sexta-feira,
das 15h às 17h, aborda, como o próprio nome sugere, assuntos
que se relacionam ao cotidiano do ouvinte, por meio de
entrevistas e colunas. Nesses dois programas, a CBN João
Pessoa procurou fazer um trabalho com informação e prestação
de serviço, abordando assuntos relacionados ao protesto, na
cidade de João Pessoa, desde o início da semana de
mobilização, do período de 17 a 20 de junho de 2013.
Entre as pautas, inserem-se:
Registro do anúncio do Prefeito de João Pessoa, Luciano
Cartaxo, sobre a redução da tarifa do transporte público da
capital. Esta medida repercutiu nacionalmente com entrada
ao vivo da repórter local na CBN nacional;
Participação do presidente da Associação das Empresas de
Transporte Coletivo de João Pessoa (AETC-JP), Mário
78
Tourinho, que falou sobre a redução da tarifa de ônibus,
provocada pela onda de protestos;
Entrevista, por telefone, com um dos estudantes da comissão
organizadora do movimento Passe Livre em João Pessoa,
Israel Lucena;
Cobertura na reunião entre representantes de Secretarias dos
governos estadual e municipal, para discutir e traçar,
conjuntamente, estratégias e plano de ação para garantir a
segurança e a mobilidade dos cidadãos e dos integrantes do
movimento, durante protestos;
Entrevista com o representante da Polícia Militar da Paraíba,
que apresentou detalhes sobre o plano de ação da PM,
previsto para o dia da manifestação;
Mesa redonda sobre os protestos desencadeados pelo
Movimento pelo Passe Livre (MPL) paulista, que ganharam
uma dimensão nacional e internacional. Para conversar sobre
essa verdadeira “revolução” social, nós recebemos, no
estúdio, o antropólogo Wallace Ferreira; o cientista político
Ítalo Fittipaldi; coordenador de mídias digitais da Rede
Paraíba de Comunicação, Ricardo Oliveira, e o advogado e
coordenador do Movimento nas Ruas, de combate à
corrupção, advogado Marcos Pires.
Participação do presidente do PT em João Pessoa, Antônio
Barbosa, analisando os protestos;
79
Entrevista com o especialista em mídias digitais e redes
sociais, Xhico Raimerson, que analisou a força das redes
sociais, principais ferramentas utilizadas na divulgação dos
protestos pelo país;
Análises diárias dos principais assuntos que constavam na
agenda midiática referente aos protestos, com os jornalistas
comentaristas do quadro da CBN JP;
Entrevista com o professor universitário, doutor em
sociologia, Adriano de León, que analisou os protestos.
Estrutura de cobertura No dia da mobilização, 20 de junho de 2013, a
reportagem da rádio CBN João Pessoa, ao vivo, entrevistou o
diretor de Operações da Secretaria de Mobilidade Urbana
(SEMOB), Cristiano Nóbrega, que anunciou o esquema de
trânsito e o suposto trajeto dos manifestantes.
Nesta data, também ao vivo, entrevistou o Presidente da
Ordem dos Advogados do Brasil, na Paraíba, Dr. Odon
Bezerra, que anunciou o apoio da OAB-PB ao protesto.
Acrescentou que disponibilizaria um plantão extraordinário
com, pelo menos, vinte advogados, para fazer a defesa de
algum participante do protesto, caso fosse necessário, mas
nunca, dos vândalos.
80
Outra participação, com entradas ao vivo da
reportagem, foi do vice-presidente da Câmara de Dirigentes
Lojistas de João Pessoa (CDL), que sugeriu aos comerciantes o
fechamento das lojas do Centro de João Pessoa, às três horas da
tarde, uma hora antes do horário programado para a
concentração do protesto.
A produção dos conteúdos da programação local conta
com uma equipe formada por uma editora-chefe, Verônica
Guerra; dois âncoras/apresentadores que são Edileide Vilaça e
Bruno Filho; duas produtoras, Michele Sousa e Adriana Costa;
dois repórteres, Larissa Pereira e Herbert Araújo, ambos
também exercem a mesma função na TV Cabo Branco, afiliada
da Rede Globo, empresa pertencente ao mesmo grupo de
comunicação ao qual está inserida a CBN, tanto em nível
nacional como em local. Exatamente nesse contexto, surgem as
marcas de convergência profissional e de conteúdo entre os
meios de comunicação do grupo.
Embora cada uma das emissoras se configure como uma empresa com departamento comercial e faturamento próprios, são desenvolvidas algumas iniciativas pontuais de colaboração em relação à reutilização de conteúdo e à presença de profissionais de outros veículos do grupo, caracterizando iniciativas, ainda que modestas, de
81
convergência profissional e de conteúdo. (LOPEZ, 2010, p. 93)
Em suma, a emissora na capital paraibana fez uma
cobertura modesta, porém com condições técnicas de ter
repórteres no meio das mobilizações, realizando vários flashes
ao vivo para a CBN local e nacional.
O dia em que João Pessoa parou
Para trazermos os relatos dos profissionais da CBN que
cobriram as manifestações em João Pessoa, é preciso entender
o processo de convergência profissional. Nos dias atuais, não
basta que o jornalista saiba elaborar textos, ele precisa estar
apto para atuar também em diferentes meios e ser, muitas
vezes, um profissional multimídia. No caso da Rádio CBN, os
dois repórteres da emissora também são contratados pela
emissora de televisão, TV Cabo Branco, do mesmo grupo de
mídia no estado da Paraíba, a Rede Globo. Em João Pessoa,
ambas emissoras participaram da cobertura dos protestos locais
e, em vários momentos, verificou-se a interação de
profissionais, a convergência de estratégias e conteúdos.
Para Kischinhevsky (2009), o profissional de imprensa
é uma das vítimas do processo econômico, social, político e
82 cultural que conhecemos por convergência. Assim, hoje, o
mercado exige profissionais ágeis e multimídias.
Nessa perspectiva de repórter convergente, Larissa
Pereira, ao mesmo tempo, fazia cobertura para TV Cabo
Branco, na tarde dos protestos na quinta-feira, 20 de junho de
2013, a convite da CBN nacional e, simultaneamente,
participou ao vivo com informações para todo Brasil.
Já na “Era de Ouro do rádio”, era possível encontrar
iniciativas de compartilhamento de produções e de
profissionais entre as emissoras do mesmo grupo de
comunicação, como acontecia com cantores e radioatores
(FERRARETTO, 2001).
Os protestos que, para muitos, era sinônimo de
democracia, para a repórter da CBN foi “terror em cobertura
jornalística de evento contra a democracia”.
Parecia ser uma quinta-feira incomum. No fim do
expediente na rádio, a repórter comentou com os colegas de
redação a sua preocupação em cobrir a mobilização à tarde, já
como repórter da TV Cabo Branco. Estava temerosa sim, por
tudo a que assistia na programação nacional. Atos de vândalos
e arruaceiros, mas, principalmente, a forma agressiva com que
centenas de manifestantes tratavam as equipes de imprensa,
principalmente jornalistas de televisão. Ela parecia prever que
83 a violência, no Sul e no Sudeste do Brasil, se repetiria em João
Pessoa. Foi exatamente assim.
Para esta cobertura usamos carros alugados, sem identificação, para evitar depredações. Mas acreditamos que não haveria agressão à equipe e entendemos que deveríamos cobrir tudo com uniforme da empresa e com a canopla da emissora no microfone. Assim foi feito. Mas, logo que nós chegamos à concentração do protesto, em frente ao Colégio Estadual Lyceu Paraibano, no centro da capital paraibana, ouvimos vaias, palavrões e gritos com pedidos que nós saíssemos.
De acordo com a repórter, a equipe recuou, afastando-se
dos grupos mais exaltados e tentaram continuar o trabalho. Mas foram impedidos todas as vezes que começava a gravar entrevistas ou passagens.
Poucos metros depois do início da passeata, fomos encurralados por um grupo de aproximadamente, dez pessoas. Elas usavam máscaras de gás e do personagem “V de Vingança”. Com desenhos obscenos, gritavam para que nós saíssemos do protesto. Estes manifestantes repetiam que não éramos bem-vindos e ameaçaram quebrar o nosso equipamento se não saíssemos e se houvesse insistência em permanecer lá seríamos agredidos. Por pouco não agrediram nossos entrevistados, entre eles, idosos. Recuamos mais uma vez, sempre ouvindo agressões verbais e ameaças.
84
Depois de mais de uma hora de tentativas em produzir a reportagem sem sucesso, a equipe de reportagem esperou a multidão se afastar e voltou ao Palácio da Redenção, na Praça João Pessoa, para recomeçar a gravar. Tentativa inútil.
O mesmo grupo percebeu e, mais uma vez, se voltou contra a equipe. Os outros manifestantes perceberam e acompanharam os mais revoltos contra nós. Fomos empurrados por, pelo menos, quinhentas pessoas. Quatro ou cinco manifestantes pediam para não nos agredirem. Acompanhando dos colegas de equipe, recuamos mais uma vez. Mas não conseguimos nos livrar da multidão. Ficamos encurralados novamente, mas, desta vez, o grupo ganhou força, e aproximadamente mil pessoas nos seguiram.
Ainda de acordo os relatos, esse verdadeiro arrastão -
conta a jornalista - passou em frente a um batalhão de
aproximadamente 20 homens da Polícia Militar, mas os
homens da segurança pública não entenderam que a repórter
estava sofrendo ameaças. Não conseguiram sequer parar para
pedir ajuda porque estavam sendo empurrados pela multidão.
Até que colegas de profissão, fotógrafos, cinegrafistas e
repórteres de outras emissoras fizeram uma espécie cordão de
isolamento. Eles fotografaram e filmaram todo o tempo na
tentativa de inibir qualquer tentativa de agressão física.
Meus colegas de equipe levaram socos nas costas, garrafas de plástico na cabeça, e eu me livrei
85
porque fui protegida por eles. Naquele momento, o meu sentimento era de terror. Temia que eles tivessem pedras, facas ou armas de fogo. Caminhamos, empurrados pela multidão, da Praça João Pessoa até o Ponto de Cem Réis. Lá nos deparamos com uma equipe de três policiais militares que conseguiram dispersar a multidão. Poucos ainda nos rodeavam, gritavam palavrões e ameaçavam nos agredir. Temia pela minha vida e pela vida dos meus colegas, sem contar as agressões ao direito fundamental de ir e vir e à liberdade de imprensa.
A repórter e sua equipe de trabalho só conseguiram se
livrar daquele terror quando entraram na viatura da Polícia
Militar. A PM os levou até a sede da TV Cabo Branco, no
bairro de Tambiá, em João Pessoa.
Registramos tudo com a nossa câmera e a repressão foi ao ar em todos os nossos telejornais. Eu relatei aos colegas de redação que não tinha mais condições psicológicas de voltar ao protesto. Fui compreendida e liberada do expediente de trabalho. De minha equipe, cinegrafista e assistente voltaram, mas sem farda, com microfone sem canopla, como faz a rede, e com um produtor desconhecido do grande público. Só assim conseguimos cobrir o evento.
Depois de toda essa experiência, Larissa Pereira
desabafa: “Lamento imensamente que, apesar de tudo isso, não
86 recebemos apoio ou qualquer nota de solidariedade que seja,
dos representantes da categoria, a exemplo do Sindicato dos
Jornalistas e da Associação Paraibana de Imprensa, API”.
O repórter que estava de plantão para transmitir
exclusivo para CBN João Pessoa, Herbert Araújo, relatou que o
primeiro grande protesto tomou as ruas da capital paraibana de
forma impressionante. A heterogeneidade verificada nas
manifestações em todo o Brasil se repetiu. Funcionários
públicos protestando contra o Governo do Estado; Movimento
Passe Livre pedindo isenção para estudantes e desempregados;
aposentados falando da defasagem dos vencimentos, enfim,
uma miríade de demandas. A manifestação ocorreu de forma
predominantemente pacífica, a despeito de bombas que
explodiram eventualmente no meio da multidão. O que
realmente chamou a atenção foi a hostilidade de grupos
isolados contra a imprensa. Sobravam cartazes anti-Globo, é
verdade, mas, em determinado momento, os profissionais que
trabalhavam passaram a ser hostilizados.
Acompanhei o momento em que um grupo hostil cercou a colega Larissa Pereira que também atua na CBN JP. As frases eram agressivas, em certo momento ela chegou a ser empurrada. Flagrei o instante em que, “protegido” pela multidão, um desses manifestantes atirou uma lata de cerveja
87
que atingiu a câmera do cinegrafista Wellington Campos. Mas esta agressividade não ficou restrita às afiliadas da Globo. Houve coros agressivos contra apresentadores de outras emissoras.
Herbert Araújo não passou por este tipo de situação,
mas, analisou o que aconteceu: Se os manifestantes queriam passar um recado aos governos, a imprensa deveria ser considerada uma aliada. Claro que pode ser questionado o modo como as empresas trataram do assunto; mas, se observarmos com isenção, veremos que os excessos iniciais da polícia contra a população em São Paulo só foram contidos por conta da atuação dos colegas jornalistas. Nas demais cidades onde houve manifestações, esta violência não se repetiu com a mesma força, a princípio, provavelmente, por causa dos olhos da imprensa, presentes o tempo todo. Os meios de comunicação, na maioria, serviram como amplificadores das reivindicações e também como escudo contra os excessos das forças de segurança.
A CBN, conhecida como “A rádio que toca notícia”, é
uma emissora do Sistema Globo de Rádio (SGR), presente nas
principais cidades brasileiras, através de suas 31 afiliadas e
quatro emissoras próprias (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e
Belo Horizonte).
Na Paraíba, a rádio CBN João Pessoa é transmitida em
duas frequências, AM 920 MHz (amplitude modulada) e FM
88 101,7 MHz (frequência modulada), sob o domínio da Rede
Paraíba de Comunicação. Assim como no Brasil, na Paraíba,
além de ser pioneira é a única rádio no modelo All News.
Ressaltando a importância dessa modalidade de rádio,
Ferraretto (2001) e Meditsch (1999), In. Lopez (2010, p. 63)
explicam que “Há uma tendência, à potencialização da
informação no rádio e ao surgimento de emissoras 100%
notícias. A cada dia mais os sujeitos se informam pelo rádio,
aproveitando suas características centrais, como o imediatismo,
a proximidade e a mobilidade”.
Considerações finais
A onda de manifestações e protestos populares que
tomou conta do Brasil em junho de 2013, inicialmente por
causa do reajuste das tarifas de ônibus em cidades do Sudeste e
depois se transformou em grandes mobilizações populares,
escancarou, além da insatisfação e desejo de mudança por parte
da população, as diferentes características dos meios
tradicionais de difusão da informação.
Em tempos de jornalismo participativo, colaborativo e
cidadão, a atuação de uma rádio que se atém, primordialmente,
aos fatos, informando e promovendo a interação com o
89 ouvinte, inclusive através das redes sociais, tem um papel
fundamental na construção da democracia e da preservação da
liberdade de expressão.
Para concluir este trabalho de relato empírico, nada
mais justo e pertinente que captar a impressão dos ouvintes
mais assíduos da rádio CBN João Pessoa sobre a cobertura
jornalística feita pela emissora, durante os protestos na capital
da Paraíba. Essa dinâmica realizou-se com os
ouvintes/internautas que acompanham a rádio online, e
interagem pelas redes sociais com a âncora do programa
matinal, Edileide Vilaça. Entre as opiniões recebidas,
registramos a de Gustavo Sousa, diretor de marketing da escola
de idiomas CNA:
O rádio, mesmo sendo mais antigo que a televisão ou a internet, se mostrou o meio mais preparado para lidar com a atualidade dos protestos. Ágil para estar presente rapidamente onde acontecia a notícia e, ao mesmo tempo, profundo para conseguir entrevistas e debates em primeira mão, seja por telefone, seja em estúdio, tanto com analistas, como com os próprios protagonistas das manifestações. No caso da cobertura feita pela rádio CBN de João Pessoa, outro ponto positivo foi o fato de a emissora pertencer a uma rede nacional, de modo que os ouvintes tiveram acesso constante ao que acontecia na nossa cidade e em
90
vários outros estados do Brasil de forma praticamente simultânea.
O trabalho dos repórteres e, principalmente, de âncoras
e comentaristas foi fundamental para auxiliar na compreensão
do momento, pois, além de democratizar o fazer jornalístico,
abriu mão de ser a única voz, permitindo a seus ouvintes não
apenas opinarem, mas também contribuírem com novas
informações sobre os acontecimentos pelo país, com a
agilidade e precisão características do fazer radiojornalismo.
O rádio possibilita acompanhar os fatos no momento
em que estão acontecendo e noticiá-los, ainda se desenrolando.
E foi assim com a CBN João Pessoa quando todos os fatos
relacionados aos protestos foram transmitidos no instante em
que ocorreram.
O aparato técnico utilizado pela equipe de externa
constou de celulares, além do carro de reportagem. Os
repórteres narravam pela Unidade de campo Tieline
Commander, que é usada para transmissão externa ao vivo,
com qualidade de som de estúdio. O equipamento é acoplado
ao iPhone e os repórteres podem usá-lo para enviar áudio de
alta qualidade, com delay de áudio mínimo e ainda podem
gravar uma reportagem ou transmiti-la ao vivo e gravar
simultaneamente. Não precisa ter conhecimento técnico para
91 conectar e transmitir ao vivo, tudo é simples e menos complexo
do que a televisão, por exemplo.
Deve-se levar em conta que toda informação no rádio é
transmitida pela fala. Isso implica uma narrativa carregada de
emoções, especialmente em eventos desta natureza, que
começa na entonação até os silêncios que fluem a partir do
contato direto do jornalista com o palco da ação.
Com relação às marcas de convergência profissional e
de conteúdo, uma das ações comuns às rádios é o
compartilhamento de produção, principalmente no que diz
respeito às coberturas em que ação é pertinente a outros meios
de comunicação do mesmo grupo comunicacional,
possibilitando a colaboração e a utilização de profissionais e
produções jornalísticas.
Referências
KISCHINHEVSKY, Marcelo. O rádio sem onda: convergência digital e novos desafios na radiodifusão. Rio de Janeiro: Publisher, 2007. LOPEZ, Débora C. Radiojornalismo hipermidiático: tendências e perspectivas do jornalismo de rádio all News brasileiro em contexto de convergência tecnológica. LabCom Books 2010. Disponível em: http://www.livroslabcom.ubi.pt/book/24. Acesso em: 3/7/2013
92 LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus, 2010. PRIMO, A. Interações mediadas e remediadas: controvérsias entre as utopias da cibercultura e a grande indústria midiática. In. PRIMO, Alex (Org.). Interações em rede. Porto Alegre: Sulina, 2013. TAVARES, M. Manual de redação CBN. São Paulo: Globo, 2011. TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo: A tribo jornalística, uma comunidade interpretativa transnacional. v.2. Florianópolis: Insular, 2013.
93 Convergência de conteúdo e uso do Facebook na cobertura da “voz das ruas” pela Agência Brasil
Angélica Gomes de Oliveira Lúcio CARNEIRO45 Sandra MOURA
Introdução
Junho de 2013 vai ficar marcado no Brasil pela
sucessão de centenas de protestos que ganharam as ruas do
país. A partir de manifestações iniciadas em São Paulo pelo
Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento de R$ 0,20
na tarifa de transporte público, a revolta da população ganhou
corpo contra a corrupção, os recursos públicos investidos na
construção de estádios para o campeonato mundial de futebol
de 2014, além da falta de investimentos em saúde e educação,
dentre outros apelos feitos pelos manifestantes, em especial os
jovens - que foram o grosso dos protestos.
Neste artigo, nossa análise recai sobre a cobertura feita
pela Agência Brasil, da Empresa Brasileira de Comunicação,
sobre os protestos ocorridos no Brasil, entre 17 e 26 de junho
de 2013. O período selecionado marca o auge das
mobilizações, notadamente conceituado pela presidente da
45 Email: [email protected]; [email protected]
94 República, Dilma Rousseff, como “a voz das ruas”. Como
hipótese, trabalhamos com o conceito de comunicação pública
e transparência governamental por meio das redes sociais, a
partir dos dispositivos que possibilitam a convergência de
conteúdo. Para o estudo, realizamos o mapeamento das
postagens feitas no perfil da Agência Brasil na rede Facebook.
A “Revolta de Junho” (também chamada de “Primavera
Brasileira” e “Revolta do Vinagre”) nasceu a partir de
convocações feitas pelas redes sociais e conquistou mais e mais
adesão – não apenas pela importância das demandas, mas
principalmente pela forma truculenta como os manifestantes
foram tratados pelo aparato de segurança pública. Como
resposta às balas de borracha e bombas de efeito moral, os
jovens se fortaleceram no ciberespaço, e também ficaram mais
unidos nas ruas, utilizando como armas cartazes, faixas,
vinagre, mas também coquetel molotov, pedras, paus e fúria.
Das avenidas de São Paulo, os protestos se espalharam
para outras capitais, chegando a 438 cidades de todos os
Estados brasileiros no dia 20 de junho, segundo estudo feito
pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). O
levantamento aponta que quase dois milhões de pessoas
fizeram manifestações pela redução das passagens do
transporte público, contra os gastos com as obras da Copa do
95 Mundo de 2014, pelo aumento de recursos para saúde e
educação e ainda contrários à corrupção e à impunidade46.
Os atos públicos ficaram mais violentos, ampliando o
valor-notícia47 dos fatos e contribuindo assim para um maior
agendamento da mídia sobre o tema- até então não considerado
como assunto de primeira página para muitos veículos de
comunicação, nem sequer visto pelas autoridades públicas
como fenômeno de massa digno de atenção.
No caso específico dos protestos no Brasil, os meios de
comunicação consideraram três valores-notícia no que diz
respeito à importância: impacto sobre a nação e o interesse
nacional; quantidade de pessoas envolvidas no acontecimento;
relevância e significação do acontecimento quanto à sua
potencial evolução e conseqüência.
No período em estudo (17 a 26 de junho), as emissoras
abertas de TV veicularam cerca de 140 horas de transmissões
de protestos pelo Brasil e reportagens sobre o tema. A
informação faz parte de um levantamento realizado pela
empresa Controle da Concorrência, que monitora inserções 46Cf. “Quase dois milhões participaram de manifestações em 438 cidades”. In: Portal EBC – Agência Brasil, 21.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jD3m0. Acesso em: 04.06.2014 47 Antônio Hohlfeldt conceitua valores-notícia como um conjunto de elementos e princípios através dos quais os acontecimentos são avaliados pelos meios de comunicação de massa e seus profissionais em sua potencialidade de produção de resultados e novos eventos, se transformados em notícia.
96 comerciais na TV para o mercado publicitário, e foi divulgada
pelo jornal Folha de São Paulo, na coluna Outro Canal,
assinada por Keila Gimenez48.
Somente a Folha de São Paulo, entre 7 e 30 de junho,
publicou 198 páginas cuja reportagem principal era sobre as
passeatas. O jornal, que hoje detém a maior tiragem entre os
veículos impressos do mesmo segmento no Brasil, envolveu
185 profissionais no relato das manifestações de junho de 213 e
chegou a realizar um seminário interno (“País em protesto –
análise da cobertura”) para debater o assunto.
No mesmo período das veiculações feitas pela Folha de
São Paulo e considerando-se o mesmo critério, seu principal
concorrente local, O Estado de São Paulo, publicou 159
reportagens. No Rio de Janeiro, o jornal O Globo abriu espaço
para 158 matérias, dentro dessa mesma definição.
No Twitter, 80% dos links mais compartilhados49 nos
protestos eram de meios de comunicação brasileiros. Das
notícias que repercutiram nessa rede social, 37% dos links
eram de sites de jornais; 32% de portais; 11% de revistas; 14%
da mídia internacional e 5% de posts de blogs. 48 Cf. “TV aberta exibiu 140 horas de protesto em dez dias”. In: Outro Canal. Blog Folha, 01.07.2013. Disponível em: http://migre.me/jD3B5. Acesso em: 04.06.2014 49 Número leva em consideração os 600 links mais populares nas principais hashtags do protesto entre 6 e 26 de junho, segundo reportagem veiculada pela Folha de São Paulo em 7 de julho/2013.
97
As manifestações que sacudiram o Brasil a partir de São
Paulo (ver quadro 1), aumentaram em 17 pontos percentuais o
tráfego no Facebook, segundo dados da pesquisa Hitwise50, da
Serasa Experian, divulgados pelo jornal Valor Econômico.
A pesquisa da Serasa Experian, ao contrário do que se
poderia imaginar, indica que a maior parte dos usuários da rede
social em junho era formada por jovens adultos, de 25 a 34
anos, que representaram 27,2% dos internautas. Já os de 18 a
24 anos responderam por 23,2% de audiência. Frente aos 70%
de participação do Facebook, as demais redes obtiveram em
junho os seguintes índices no volume de acesso: Youtube,
18,2%; Ask.fm, 1,8%; Twitter, 1,75%; e Orkut, 1,73%.
Quadro 1. Cronologia dos protestos no Brasil51
Marcos do levante popular
Dia O que houve
Início dos protestos por conta do aumento das
passagens
06 de junho
Primeiro protesto na capital paulista por conta do
aumento de R$ 0,20 na passagem de
ônibus
50 Nos últimos 13 meses, tendo como base julho de 2013, o Facebook vinha liderando com folga a participação em relação aos acessos nas redes sociais, chegando a mais de 65%. Em 13 de junho – quando São Paulo viveu episódios mais violentos, como a bala de borracha que atingiu a repórter do jornal “Folha de S. Paulo” –, a rede social atingiu seu pico no mêscom 70% de participação. 51 Cf. “Um ensaio sobre o mês de junho de 2013” (Rodrigo Ramthum). In: Observatório da Imprensa, 16.07.2013, ed. 755.
98 Críticas da imprensa e parte da opinião pública
13 de junho
Apesar do fato de que a imprensa já vinha criticando os protestos, a fala de Arnaldo Jabor é emblemática
Mudança no tom das manifestações (“Não é só por R$ 0,20”)
13 de junho
Quarto protesto em São Paulo (os três primeiros foram nos dias 6, 7 e 11), mas, ao contrário das manifestações anteriores, as cidades de Maceió, Natal, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Santarém e Sorocaba também registraram manifestações
Início da adesão popular em solidariedade aos manifestantes
17 de junho
A adesão sinalizada no dia 13 ganhou dimensão verdadeiramente nacional e levou às ruas centenas de milhares de pessoas, espalhadas por capitais como São Paulo (65 mil), Brasília (5 mil), Rio de Janeiro (100 mil), Belo Horizonte (30 mil), Fortaleza (50 mil), Vitória (ES) (20 mil), Curitiba (10 mil), entre outras, além de municípios de vários estados da federação
Tentativa de apropriação ou associação ao movimento por parte de grupos organizados, sindicatos, partidos e afins
19 de junho
Houve outras tentativas anteriores, mas a divulgação da nota, assinada pelo presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Rui Falcão, convocando os militantes a saírem às ruas serve bem como marco para
99
essa apropriação Consolidação da adesão popular; seguida de posterior reflexão por parte dos mesmos e, como consequência, o início da inserção de demandas pessoais nos protestos
20 de junho
1,25 milhão de pessoas, de acordo com matéria do Portal G1, participaram de protestos em diversas cidades do país
Descaracterização do movimento inicial e consequente consolidação da apropriação, com a predominância de protestos bem organizados e com foco definido
1º de julho
Início das manifestações de caminhoneiros, bloqueando 22 rodovias federais, e organização das entidades de classe ligadas aos médicos brasileiros contra o plano do governo federal de liberar profissionais estrangeiros para atuarem no país
Redes sociais e mobilização
Da geração dos “Anos de Chumbo”52, passando pelo
“Impeachment de Collor”53 até os dias de vinagre como forma
de protesto nas ruas, há algo que diferencia esses movimentos
de combate no Brasil além das questões político-sociais
envolvidas: um novo estilo de se mobilizar por meio das novas 52 Termo que define o período mais repressivo da ditadura militar no Brasil, compreendendo basicamente o fim de 1968, com a edição do AI-5, até o final do governo Médici, em março de 1974. 53 Movimento político ocorrido em 1992, com milhares de brasileiros nas ruas para pedir a saída do poder do então Presidente da República, Fernando Collor de Mello.
100 tecnologias, notadamente as redes sociais digitais. Ao
fenômeno que utiliza a internet para movimentos politicamente
motivados dá-se o nome de ciberativismo. (VEGH apud
SANTOS, 2011, p. 3).
André Lemos (2010) considera o desenvolvimento de
comunidades e redes sociais online como um dos maiores
acontecimentos dos últimos tempos, conceituando-o como
“uma nova forma de fazer sociedade”. As gerações mais jovens
veem nos blogs e microblogs, nos sotfwares sociais (como
Twitter e Facebook) e nos grupos de discussão online, dentre
outros, um espaço para a construção da ciberdemocracia,
conforme apontado por Lemos: O ciberespaço, cenário privilegiado da cibercultura, é em sua essência político e o futuro da Internet aponta para novas modalidades de emissão livre, de formas de compartilhamento de informação, de cooperação. O que se espera são mudanças globais da esfera política em direção a uma ciberdemocracia (LEMOS, 2010, p. 28).
O termo comunidade virtual define um grupo de
pessoas que estão em relação por meio do ciberespaço. As
relações virtuais, conforme aponta Lemos, contribuem para o
aumento geral das interações entre os humanos,
compreendendo aí os encontros tète à tète. “Hoje, com as
101 tecnologias móveis, estamos vendo o desenvolvimento de
comunidades em rede móveis usando SMS, voz e acesso a
Internet por redes 3G para manter um contato permanente e
reforçar ainda mais os vínculos sociais face a face”. (LEMOS,
2010, p. 104).
Os instrumentos do ciberespaço possibilitam a
formação de comunidades desterritorializadas, o que aumenta
a força das redes sociais no fomento aos fenômenos de
protestos virtuais. Tais comunidades unem as pessoas que se
interessam pelos mesmos temas e defendem as mesmas
bandeiras ideológicas, ainda que haja barreiras geográficas.
Como elo entre esse público, além das ideias em
comum, está a facilidade de se manifestar no ciberespaço, por
meio das ferramentas locativas (smartphones, palms, GPS) e
dos agregadores sociais, que incluem ferramentas de
publicação de mensagens, fotos, vídeos etc. Segundo dados do
Ibope Media, o Brasil contava com mais de 100 milhões de
internautas no primeiro trimestre de 201354. O número
representa um aumento de 9% em relação ao mesmo período
do ano anterior, considerando-se os 94,2 milhões de usuários
registrados no terceiro trimestre de 2012.
54 Cf. UOL notícia – Tecnologia, 10.07.2013. Disponível em: http://migre.me/jD4Jq. Acesso em: 04.06.2014
102
O ciberespaço, desse modo, cria um novo ambiente de
interlocução discursiva, definido por Habermas (1984) como
”esfera pública”. Segundo o filósofo alemão, em citação de
Sousa (2012), nesse espaço as pessoas privadas assumem
posturas públicas, por meio da discussão argumentativa, mas se
inspiram no interesse coletivo para fazer críticas em relação à
esfera de poder. O ciberespaço, gerador dessa nova realidade de esfera pública, é caracterizado pela inclusão bem mais ampla que os meios anteriores, pela grande disponibilidade de informações, pelas possibilidades diversas de acesso a essas informações (mais independentes das mediações tradicionais) e pela sua facilidade de interações nos contextos além-fronteira (SOUSA, 2012, p.41).
Segundo Santos (2011), o ciberativismo chega ao Brasil
em meados de 1990, com o avanço da internet e a entrada de
ativistas políticos, sociais e ambientalistas na rede. “Para os
ciberativistas, o uso da internet é um meio de ‘driblar’ os meios
de comunicação tradicionais, que na maioria das vezes não
oferecem espaço para que a opinião pública se manifeste. Com
isso a rede se torna um espaço “público” em que os ativistas
podem se manifestar, otimizando o impacto de suas ideias”. Ora, o cibercidadão pode descobrir na rede uma pluralidade de proposições que ele não teria
103
jamais imaginado. (...) A principal vantagem da internet (composta tanto por funções massivas, quanto pós-massivas) em relação às mídias da democracia midiática (função unicamente massiva) da segunda metade do século XX (imprensa, rádio e televisão) é que ela permite a todos se expressarem sem precisar passar pelo poder do jornalista ou de outro mediador (LEMOS, 2010, p. 87-88).
Santos explica que o ciberativismo nasce com a entrada
de ativistas na rede e vem com uma proposta de
conscientização por meio da internet, mas não prescinde das
mobilizações reais. Em geral, reforça o autor, uma mobilização
que começa no mundo virtual acaba nas ruas, mas para isso não
basta o ciberativista; ao contrário, exige também a participação
do ativista “real” - de carne e osso, nas mobilizações que vão
além dos dispositivos tecnológicos.
As manifestações no Brasil têm semelhanças com
outros movimentos sociais, como a Primavera Árabe55, os
Indignados Europeus56 e o movimento Occupy Wall Street,
iniciado em setembro de 2011 em Nova York. Em todas essas
55 A onda de mobilizações que veio a ser denominada Primavera Árabe iniciou-se na Tunísia, em 2010, espalhando-se depois para o Egito, Líbia, Iêmen e Síria, dentre outros países árabes. 56 Na Europa, a ocupação das ruas pelos jovens começou em 2011. No ano seguinte, o dia 14 de novembro entrará para a História como o dia em que a Europa parou. Nessa data, ocorreram greves e manifestações contra o desemprego e as políticas de austeridade em 23 dos 27 países da União Europeia.
104 mobilizações, os participantes foram convidados/convocados
por redes de mídias sociais.
Para a cientista social Maria da Glória Gohn (2013),
deve-se agregar ao cenário das marchas e ocupações na
atualidade a atuação de coletivos de jovens que criam formas
próprias de atuação política por meio do ativismo direto. No
livro “Sociologia dos Movimentos Sociais”, a autora dá como
exemplo as flash mobs57, a atuação da comunidade
“Transparência Hacker”, do Wikileads,e do Anonymous (que
possui o subgrupo Anonymous Brasil), dentre outros.
Em relação ao Anonymous, Gohn faz um registro
curioso: a máscara utilizada como símbolo do grupo (a qual
retrata uma pessoa sorridente com um sorriso maroto e é
inspirada em Guy Fawkes58) tornou-se campeã de vendas para
o Carnaval de 2013 em São Paulo. Esse mesmo adereço foi
usado por muitos manifestantes nos protestos de junho
realizados na capital paulista e que depois se estenderam para o
restante do país.
57 As flashsmobs foram criadas pelo jornalista norte-americano Bill Wasik, que objetivava realizar uma manifestação de curtíssima duração, parecendo surgir do nada e esfumaçando-se, tal como havia começado. 58 Guy Fawkes foi um revolucionário cristão do século XVII que tentou explodir o Parlamento inglês em 5 de novembro de 1605. A máscara sorridente inspirada nesse personagem da história tem origem na criação de David Lloyd, autor do gibi HQ, que se transformou no filme V de Vingança, em 2006.
105 Conceito de convergência
O Manual de Jornalismo da Empresa Brasil de
Comunicação (EBC) - da qual a Agência Brasil faz parte-
estabelece normas para o aproveitamento do potencial de uso
dos conteúdos jornalísticos em diversas plataformas. O
documento foi lançado em abril de 2013 e sistematiza as
diretrizes éticas e técnicas que orientam o trabalho dos
jornalistas dos veículos da empresa.
Em relação ao trabalho realizado pelos diversos
veículos da EBC, a ideia expressa no manual é que, na
dinâmica de apuração, produção e veiculação de conteúdos,
devam ser considerados os potenciais de convergência,
multiprogramação, interatividade, acessibilidade, portabilidade,
interoperabilidade e mobilidade, não linearidade e
transdiciplinaridade das plataformas digitais. A internet é centro de gravidade dos processos de convergência, irradiação e roteamento. Nas transmissões pela web, os jornais e outros programas jornalísticos da EBC de televisão ou rádio, devem agregar mecanismos de interatividade. No espaço virtual, todas as áreas produtoras de conteúdo da EBC podem multiplicar sua significação (EBC, 2013, p. 78)
106
A produção de conteúdo multimídia é uma das quatro
dimensões da convergência de mídias, conforme conceituado
por Salaverría (2003). O autor destaca as dimensões
empresarial, tecnológica, profissional e comunicativa e, dentro
desta última, a produção de conteúdo multimídia. Já Domingos
et AL (2007) propuseram a análise da convergência em:
produção integrada, jornalista polivalente, distribuição
multiplataforma e audiência ativa (Apud RAMOS, 2010).
Segundo Salaverría (2003), a dimensão empresarial
trata da apropriação da internet pelos meios como plataforma
de divulgação e as estruturas organizacionais decorrentes disso,
como aquisições, fusões e sinergia entre grupos. Na dimensão
tecnológica, há a reconfiguração das rotinas e técnicas
jornalísticas em decorrência da adoção de novas tecnologias.
Na profissional, há mudanças profundas no trabalho dos
jornalistas, em decorrência das reestruturações empresariais e
tecnológicas, com a exigência de novos saberes e multifunções.
Por fim, existe a dimensão comunicativa, na qual surgem
possibilidades de linguagens para o jornalismo, com formatos
específicos para o ambiente digital e a configuração multimídia
(Apud AGNEZ, 2011).
Pelo conceito de convergência de mídias adotado pela
EBC (que pressupõe a articulação integrada entre os diversos
107 veículos), o uso da internet propicia a ampliação de conteúdos,
por intermédio de produção própria ou de links. A orientação é
que as publicações sejam complementadas com áudios, vídeos,
mapas, infografias etc. As transmissões ao vivo pela web
devem adotar ferramentas de interatividade online.
O objetivo da EBC, ao adotar a convergência de mídias,
é potencializar o alcance dos veículos, como rádio e TV,
disponibilizando os conteúdos jornalísticos na web e adotando
a mídia cruzada, com um veículo referenciando o outro.
Na articulação com os demais veículos, indica o manual
da empresa, a TV deve se articular com o rádio e com a web.
Essa linha de produção, no entanto, não é rígida, tampouco se
prende à linearidade e pode ter a hierarquia alterada, de acordo
com os fatos. “Significa que o veículo líder de uma cobertura
varia conforme as circunstâncias e ao longo do tempo e que os
cruzamentos entre as mídias ocorrem pelas possibilidades
tecnológicas e pelas circunstâncias” (EBC, 2013). No processo
de convergência de conteúdo, a EBC também prioriza o uso
das redes sociais, valorizando tais espaços como fonte de
informação e de interação com a sociedade.
108 “A voz das ruas” pela Agência Brasil
A EBC (Empresa Brasil de Comunicação) foi criada em
2007, com o objetivo de fortalecer o sistema público de
comunicação, formado pelos canais TV Brasil, TV Brasil
Internacional, Agência Brasil, Radioagência Nacional, além do
sistema público de Rádio – composto por oito emissoras. Tais
veículos distinguem-se dos canais estatais ou governamentais,
por apresentarem conteúdos diferenciados e, algumas vezes,
complementares aos canais privados.
O conteúdo divulgado pela Agência Brasil parte do
princípio de que jornalismo é um serviço público, conforme
conceitua o Manual de Jornalismo da EBC (2013):
Sem ele, a sociedade de uma nação, de um território ou de uma localidade não consegue exercer seus direitos de cidadania, pois os cidadãos e cidadãs não teriam meios de estar em todos os lugares e saber tudo que acontece de relevante e importante para as relações sociais, a formação de opinião e a intervenção nos processos decisórios que afetam seus interesses individuais e coletivo (EBC, 2013, p. 7).
A cobertura de movimentos sociais organizados, a
exemplo dos protestos de junho de 2013 no Brasil, é tratada em
um tópico específico do Manual de Jornalismo da EBC, sob o
109 título Sociedade civil e movimentos sociais organizados. A
orientação expressa no documento é que os movimentos sociais
devem ser percebidos como “objeto de pautas, merecedores de
espaço e abordagem digna, sem preconceito”. O manual
também alerta para o fato de que a invisibilidade de tais
movimentos é rejeitada.
Em se tratando de jornalismo, cada vez mais, a
credibilidade da informação deve ser tratada como um capital
social (Recuero, 2013), visto que hoje há uma infinidade de
fontes disponíveis no mundo virtual e todo mundo pode ser um
comunicador. Daí a importância do jornalista exercer a
profissão com foco na responsabilidade social.
No caso da Agência Brasil, a função social do
jornalismo alcança uma maior dimensão (tendo em vista o
direito dos cidadãos à informação e o fato de ser um órgão
público de comunicação), aliada ao desafio de convencer a
audiência de que a agência não faz jornalismo “chapa-branca”. A credibilidade jornalística está diretamente ligada às críticas recebidas, uma vez que são fundamentadas justamente no valor da informação prestada e na constatação de que a qualidade é possível. Por isso acreditamos que a existência de referenciais que orientem a prática e a produção das informações seja um fator essencial na perspectiva de qualidade do
110
jornalismo público (OUVIDORIA DA EBC, 2012).
Todo o conteúdo disponível no site da empresa está
publicado sob a Licença do Creative Commons 59 Atribuição
3.0 Brasil. Para reprodução do material, é exigido apenas que
seja dado o crédito à Agência Brasil. Logo abaixo de cada
matéria, há ícones indicativos de queas mesmas podem ser
compartilhadas, diretamente do site, por meio de blogs ou
redes sociais, como Facebook, My Space, Google, Twitter,
Orkut, Pinterest e Tumblr. A lista inclui mais de 300
possibilidades.
Ao facilitar a divulgação de informações pelos usuários
do site, a Agência Brasil valoriza o papel da internet como
formadora de opinião. Segundo Lemos (2010), a opinião
pública está sendo cimentada no cotidiano, em listas de
discussão, nos fóruns, blogs, microblogs e outros dispositivos
próprios às comunidades virtuais. “Atualmente, a blogosfera é
o melhor exemplo dessas ligações hipertextuais com
59 Creative Commons é uma organização sem fins lucrativos criada em 2001 com o objetivo de democratizar e regular a troca e a utilização de conteúdos, flexibilizando as regras de copyright. Por meio de uma licença Creative Commons, qualquer pessoa pode determinar as regras de utilização dos próprios conteúdos. A licença adotada pela Agência Brasil, segundo a Ouvidoria do órgão, é a mais ampla proposta pela Creative Commons.
111 comentários, discussões e outras modalidades midiáticas
anexadas” (LEMOS, p. 85).
Apesar de constar no Manual de Jornalismo da EBC
que o jornalismo é um espaço público por onde são transferidas
informações relevantes, o processo de divulgação de
informações “tidas como negativas” para o governo federal,
por meio da Agência Brasil, não é tarefa fácil, pois encontra
barreiras na própria equipe palaciana. Muitas vezes, o veículo é
visto como “fogo amigo” pelos ocupantes dos principais cargos
na hierarquia da administração federal.
Como exemplo, lembramos que a busca da objetividade
jornalística foi criticada, em 2004, pelo então ministro-Chefe
da Casa Civil José Dirceu em um bilhete enviado ao também
ministro Luiz Gushiken (Secom60), ao dizer que o jornalismo
praticado pela Radiobrás significava “misto de ingenuidade e
na prática, mais uma emissora de ‘oposição’” (BUCCI, 2008).
O jornalista e professor Eugênio Bucci (2008, p 24)
defende que a comunicação pública seja exercida de forma
ética, livre da vassalagem aos governos de plantão. Essa
postura foi mantida, inclusive, quando Bucci ocupou o cargo
de presidente da Radiobrás: “Se não aceitamos que o
60 Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica.
112 automóvel do Estado sirva a fins privados, por que somos
tolerantes quando o desvio se dá com o microfone, as câmeras
ou as antenas?”.
Mapeando a cobertura no Facebook
No período de 17 a 26 de junho, a Agência Brasil fez
115 postagens em sua fan-page no Facebook (que possui 1.378
“curtidores”), das quais a maioria (85) se referia direta ou
indiretamente às mobilizações ocorridas no Brasil. Para este
estudo, foram considerados todos os links que tratavam
estritamente das manifestações de rua, bem como aqueles que
abordavam questões burocráticas da administração pública, do
Congresso Nacional ou de entidades representativas da
sociedade civil organizada. O maior número de postagens foi
registrado nos dias 20 (quando 2 milhõesde pessoas foram às
ruas) e 21 de junho.
Reforçando o que preconiza o Manual de Comunicação
da EBC, os posts continham fotos e links para matérias
disponíveis no site da Agência Brasil. As matérias divulgadas
tratavam dos protestos nas ruas, medidas do governo federal,
decisões do Congresso Nacional, atos violentos durante as
113 manifestações, repercussão das mobilizações em veículos
estrangeiros, posicionamento de entidades da sociedade civil
organizada, dentre outros.
Algumas vezes, ao longo do dia, uma mesma matéria
era divulgada várias vezes ou reforçada, com acréscimo de
novas imagens para galerias de fotos veiculadas anteriormente.
O número de postagens deveria ser maior no período analisado,
no entanto, no dia 17 foi feita apenas um registro e nenhum
post nos dias 18 e 19 61.
No site da Agência Brasil, foi criado um banner
indicativo da cobertura sobre as manifestações, com o título
“As Vozes das Ruas”. Ao contrário deste estudo, a Agência
Brasil trata como “Vozes das Ruas” apenas os fatos que tratam
diretamente das manifestações iniciadas com o movimento pela
redução das tarifas de ônibus em São Paulo. Decisões da
presidente da República Dilma Rousseff (como a proposta de
realização de um plebiscito sobre a reforma política e a
contratação de médicos estrangeiros), ou medidas aprovadas
pelo Congresso Nacional - durante ou após os protestos - não
eram divulgados com o banner citado anteriormente.
61 Segundo informações da Agência Brasil, não houve publicações nessas datas, pois o profissional responsável pela atualização do perfil ausentou-se do trabalho, devido a problemas de saúde, e a empresa não teve como substituí-lo.
114
Ao longo do recorte histórico, também foi possível
observar o uso de hashtags62 no perfil da Agência Brasil, como
#manifestantes, #Dilma, #plebiscito, #PEC37, #corrupção,
#Copa. O uso do caractere cardinal (#) permite relacionar um
assunto ou tema a uma única e simples palavra.
Nas notícias que enfocavam atos mais extremados dos
ativistas, a Agência Brasil não adotou a linha da grande mídia
que separou, na maioria das coberturas, protestos pacíficos de
manifestações com atuação de vândalos. Na cobertura realizada
pela Agência Brasil, os atos de vandalismo eram registrados,
mas o termo “vândalo” não chegou a ser utilizado pela
reportagem. Sempre se adotavam as expressões
“manifestantes” ou “ativistas”. Tal postura reforça as
orientações do Manual da EBC que, conforme citado
anteriormente, preza pela “abordagem digna, sem preconceito”
dos movimentos sociais.
Na matéria “PM será menos tolerante com violência em
manifestações radicais no Distrito Federal”, no entanto, um
termo pejorativo aparece, mas na fala de um entrevistado: “A
Polícia Militar vai endurecer a ação contra esses bandidos 62 Recurso símbolo do Twitter, a hashtag foi incorporada oficialmente ao Facebook no dia 12 de julho de 2013. A nova função transforma em links assuntos escritos com o jogo da velha (#) em mensagens na timeline. As hashtags facilitam a busca por links com o mesmo tema. Inicialmente, o recurso só foi disponibilizado em inglês, espanhol, turco e japonês.
115 travestidos de manifestantes. Não haverá tolerância de agressão
a policial. (...) Os bandidos que estiverem na manifestação
terão tratamento de bandido” (tenente-coronel da PM, Zilfrank
Antero).
Uma análise feita pela Ouvidoria da Agência Brasil63em
relação ao período mais intenso dos protestos de rua64 mostra
que houve referência às redes sociais em 10% das reportagens
publicadas pela Agência Brasil sobre as manifestações.
Conforme o levantamento, houve 45 referências às redes
sociais em 441 textos. A freqüência foi praticamente a mesma
nas matérias em que o passe livre ou Movimento Passe Livre
(MPL) foi citado: 11%, o que corresponde a 12 referências em
108 textos e oito referências em 75 textos, respectivamente.
Em relação à prática da convergência de mídia, são
perceptíveis as falhas na cobertura da Agência Brasil. Na
matéria sobre o programa semanal “Café com a Presidenta”,
por exemplo, que reproduziu o pronunciamento feito pela
Presidente Dilma Rousseff à nação, não há link para o vídeo,
nem sequer para o áudio. Ao contrário do que previa o Manual
63 “Coluna da Ouvidoria: As redes sociais: novas utilizações para velhos fins”. In: Portal EBC – Agência Brasil, 15.07.2013. Disponível em: http://migre.me/jD4jy. Acesso em: 04.06.2014. 64 Os protestos mais intensos começaram em São Paulo na primeira semana de junho e terminaram no Rio de Janeiro no dia 30 de junho, data da disputa da final da Copa das Confederações no Estádio do Maracanã.
116 de Jornalismo da EBC, poucas matérias sobre os protestos de
junho, disponíveis no site da Agencia Brasil, foram
complementadas com recursos imagéticos ou de áudio.
O uso de galeria de imagens, porém, é o recurso mais
adotado. Como exemplo, temos a matéria “Manifestantes se
reúnem em Brasília para consolidar pauta de reivindicações”, a
convergência aparece por meio de um link para uma galeria de
imagens, com cinco fotos. O mesmo ocorreu com a matéria
“Crianças fazem protesto em frente ao Congresso Nacional”,
cujo link para galeria de imagens mostrava 19 fotos.
Em várias matérias da Agência Brasil há links para
outras reportagens, reforçando o recurso de criação de memória
da convergência de mídia, como o caso de “Protesto contra a
PEC 37, na capital paulista reúne 30 mil pessoas”, com a
indicação, ao final do texto, ‘Leia Também: “Gurgel:
manifestações influenciaram adiamento da votação da PEC 37”
e “Manifestantes protestam contra a PEC 37 em Brasília”.
Considerações finais
O exercício da comunicação pública, sem vícios que
promovam quem está no poder, é possível e tem no
117 ciberespaço - especialmente por meio das ferramentas sociais e
da convergência de mídias- um grande aliado.
Dado o histórico de “jornalismo chapa-branca”
introjetado pela opinião pública, no entanto, é necessário que
as barreiras sejam quebradas para que o conteúdo produzido
pelos veículos integrantes da EBC, em especial quando se trata
de movimentos sociais, tenha mais aceitação por parte dos
usuários das redes sociais. Lembrando que a fan-page da
Agência Brasil no Facebook possuía menos de 1.500
“curtidores”, durante a realização deste estudo.
Considerando-se que a internet é hoje um meio
tecnológico extremamente democrático, com uma maior
participação do net-cidadão (Poster, 2010)65, é necessário que
os atores da comunicação pública atentem para esse ambiente
(fértil em reivindicações e críticas) que estabelece novos
paradigmas para as relações políticas com o cidadão.
Desse modo, observamos que a Agência Brasil precisa
explorar, com mais frequência e eficácia, as possibilidades
oferecidas pela convergência de mídia, para que os preceitos
65Mark Poster explica que net-cidadão ou “netizen” (net + citizen) é o nome muitas vezes dado ao sujeito político constituído no Ciberespaço, em contraste com o cidadão da nação.
118 existentes no Manual de Jornalismo da EBC se concretizem em
práticas que estimulem a ciberdemocracia.
Referências
AGNEZ, L. F. A Convergência Digital na Produção da Notícia. Reconfigurações na Rotina Produtiva dos Jornais Tribuna do Norte e Extra. 2011. Dissertação. Mestrado em Comunicação. UFRN, 2011.
AS REDES sociais: novas utilizações para velhos fins. Agência Brasil. Brasília, 15 de julho de 2013. Disponível em: http://migre.me/jD5cL. Acesso em 16 jul. 2013.
BUCCI, E. Em Brasília, 19 horas – A guerra entre a chapa-branca e o direito à informação no primeiro governo Lula. Rio: Record, 2008.
EBC - Empresa Brasil de Comunicação. Manual de Jornalismo da EBC- Somente a Verdade. Brasília, 2013. Disponível em: http://migre.me/jD5lI. Acesso em 30 jun. 2013 DESAFIOS para o jornalismo da era da hiperconexão. In: Social Media – Blog de Raquel Recuero, 18.04.2011. Disponível em: http://migre.me/jD4yG. Acesso em 15 jul. 2013.
FOLHA debate cobertura de protestos de rua. Folha de São Paulo. Ano 93 , n. 30.776, p. 6-7 jul. 2013.
GOHN, M. G. Sociologia dos Movimentos Sociais. Cortez, 2013.
HOHLFELDT, A (organizador); MARTINO, L. C; FRANÇA, V. V. Teorias da Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2010.
LEMOS, A; LÉVY, P.O futuro da internet – Em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paullus, 2010
119 NÚMERO de internautas no Brasil ultrapassa 100 milhões, segundo Ibope. UOL Notícias. São Paulo, 10.06.2013. Disponível em:
POSTER, M. Cidadania, mídia digital e globalização. In: Dênis de Moraes (org). Por uma outra comunicação – Mídia, mundialização cultural e poder. Rio de janeiro: Record, 2010. P. 315-336.
SANTOS, F. J. A. O ciberativismo como ferramenta de grandes mobilizações humanas: das revoltas no Oriente Médio às ações pacíficas do Greenpeace no Brasil. Disponível em http://migre.me/jD5zM. Acesso em: 17.06.2013
SOUZA, M.I. Cidadania e participação pública no ciberespaço. In: Atas do XXXIII Congresso de Ciências da Comunicação, 2010. Disponível em: http://migre.me/jD6jW.
UM ENSAIO sobre o Mês de junho de 2013. Observatório da Imprensa, 16.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jD6w. Acesso em 17 jul. 2013.
120 A rua é a maior arquibancada do Brasil. Publicidade e agendamento do jornalismo na capa do Diário de Pernambuco
Maria Helena Guerra MONTEIRO66 Thiago SOARES
Introdução
Uma música criada para ser um hit, mesmo que em
apenas 30 segundos de veiculação, uma geração pautada pelos
objetos de consumo, que se apropria das informações jogadas
no seu colo diariamente e, a partir daí, cria o seu próprio
repertório. A mistura de todas essas variáveis resultou em um
fenômeno observado durante a onda de manifestações que
aconteceu no Brasil, em junho de 2013. Dois dos bordões mais
utilizados em cartazes empunhados durante as passeatas e em
registros nas redes sociais foram retirados de campanhas
publicitárias lançadas em diferentes momentos, a da Fiat,
visando a Copa das Confederações; e a do uísque Johnnie
Walker, lançada em outubro de 2011.
De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa de
relações públicas Grupo Máquina, entre os dias 19 e 21 de
junho a expressão #vemprarua teve mais de 160 mil menções 66 Mestranda PPJ;Email: Maria Helena Monteiro <[email protected]>; [email protected] (orientador)
121 nas redes sociais e #ogiganteacordou, cerca de 100 mil67. Mas
para chegarmos às razões que levaram a tantas menções, vamos
analisar primeiramente o processo de criação da campanha
“Vem pra rua”. Deteremos-nos na peça publicitária da
montadora de automóveis já que foi dela a expressão utilizada
na capa do Diário de Pernambuco, do dia 18 de junho, objeto
de estudo deste artigo.
A campanha Vem pra rua
A campanha foi criada pela Agência Fiat, um
conglomerado que une profissionais das agências Leo Burnett
TailorMade e AgênciaClickIsobar. Anunciada como o maior
investimento da montadora em comunicação no ano de 2013, a
campanha “Vem pra rua” foi veiculada pela primeira vez na
TV no dia 06 de maio, pouco mais de um mês antes da eclosão
dos protestos nas ruas do Brasil. O planejamento da ação
incluiu intervenções específicas para TV, rádio, mídia impressa
(figura 1) e internet. Apenas para filmagens, foram três dias,
com o envolvimento direto de 380 figurantes.
67 Cf. “Protestos mostram apropriação de slogans publicitários para fuis políticos”. In: Site da BBC Brasil, 25.06.2013. Disponível em <http://migre.me/jD6M1>. Acesso em: 02 de julho de 2013.
122
Figura 1
Em entrevista ao programa Reclame, exibido pelo canal
a cabo Multishow, a gerente de publicidade da Fiat, Malu
Antônio68, explicou que o conceito da campanha tinha como
objetivo vincular a imagem da empresa às comemorações pela
futura atuação da seleção brasileira na Copa das
Confederações. A história do 'vem pra rua', 'vem pra maior arquibancada do Brasil' faz todo o sentido porque, na verdade, as comemorações acontecem nas ruas. A gente sabe que a maioria das pessoas, 190 milhões de pessoas, vão comemorar nas ruas, como sempre foi. A grande festa é nas ruas. E a Fiat, de certa maneira, é a montadora que mais entende de rua, porque de cada quatro carros que se vende neste país, um é Fiat. Na verdade é um
68 Disponível in site YouTube: http://migre.me/jD6Uj. Acesso em 02 de julho de 2013.
123
movimento que tem uma música, que tem um clipe, que chama as pessoas para celebrar esse momento na rua. (MALU ANTONIO, 2013)
Para reforçar o caráter viral da música, a produtora “S
de Samba”, de propriedade do cantor Simoninha, ficou
responsável pela criação do jingle. A canção defendida pelo
cantor Falcão foi criada por encomenda pelo produtor Henrique
Ruiz Nicolau, a partir do briefing enviado pela agência, que
citava, especificamente, as expressões “vem pra rua” e “a rua é
a maior arquibancada do Brasil”.69 Também em entrevista ao
programa Reclame, o cantor e produtor Simoninha explicou
que a decisão de chamar o cantor Marcelo Falcão, vocalista da
banda O Rappa, foi tomada para trazer ineditismo à campanha. A gente acabou fazendo quatro ou cinco versões até chegar a essa versão definitiva. E depois chegando à versão definitiva, tinha uma questão: 'Será que não é legal trazer um nome diferente pra música? Não é legal ter um artista diferente?' Foi aí que eu tive essa sacada de chamar o Falcão, que é um cara que normalmente não canta em publicidade, um pouco diferente do usual. Não é um artista que as pessoas pensariam rapidamente para um campanha, para uma música que falasse de futebol. E casou super bem. O Falcão arrebentou. (SIMONINHA, 2013).
69 Cf. Blog Criativo, 06.06.213. Disponível em<http://migre.me/jD6YQ>. Acesso em: 02 de julho de 2013
124
A ação também consistia em produtos específicos para
o ambiente web, como a criação de um clipe, vinculado a um
hotsite criado especialmente para a campanha. Lá, além do
clipe, os usuários poderiam baixar o jingle estendido em mp3.
Em suas contas do Twitter e do Facebook, a montadora
incentivou o compartilhamento da canção. A primeira
postagem no Facebook corporativo voltada para o tema
aconteceu no dia 09 de maio e a última, utilizando o slogan, foi
no dia 11 de junho (figuras 2 e 3), menos de uma semana antes
do primeiro grande protesto realizado pelo Movimento Passe
Livre, em São Paulo, no dia 17 do mesmo mês70.
Figura 2
70 Tomamos o dia 17 de junho como referência ao primeiro grande protesto, pois houve mobilização organizada nas redes sociais que originou a presença de cerca de 300 mil pessoas nas ruas da capital paulista e em outras 12 cidades brasileiras.
125
Figura 3
A campanha da montadora ficou no ar até o dia 22,
quando foi substituída por uma peça com o ator Fábio Porchat.
Em um dado momento, houve a informação de que a Fiat
retiraria as peças do ar por temer problemas com associações às
manifestações populares, no entanto, durante o Festival de
Cannes, executivos da empresa se apressaram em desmentir a
afirmativa. Depois que a trilha sonora de sua mais recente campanha, "Vem Pra Rua", se transformou no hino do movimento que toma conta do Brasil, a Fiat parou de estimular compartilhamentos nas redes sociais.No ar há quatro meses, a campanha acaba neste sábado. Mas as ações nas redes sociais, que deveriam continuar por mais tempo, já foram reduzidas.A empresa parou de usar o símbolo de compartilhamento seguido do nome da campanha
126
(#VemPraRua), que passou a ser usado nas redes sociais para convocar amigos para os protestos."Criamos uma música pra chamar as pessoas para ir pra rua celebrar a Copa das Confederações, mas elas escolheram outros motivos para ir para a rua", diz o diretor de publicidade e marketing da Fiat no Brasil, João Batista Ciaco. (BARBOSA, 2013).
Com todas essas variáveis a favor, a campanha acabou
sendo apropriada pelo público e ressignificada em cartazes
levados às ruas durante os protestos e vídeos editados e
disponibilizados no YouTube utilizando a música do comercial
como trilha sonora para imagens captadas durante os protestos.
O jornal americano Financial Times, em artigo assinado pela
colunista Samantha Pearson, levantou a questão da natureza
mercadológica das atitudes dos manifestantes. Segundo o
artigo, “os slogans se converteram em um dos poucos
elementos a unificar os diferentes grupos que tomaram as ruas
de mais de 100 cidades no Brasil este mês.”71 Isso se daria pela
ausência de conexão dos manifestantes com os partidos
políticos existentes, o que os teria levado a assimilar as
expressões cunhadas na realidade da sociedade de consumo.
71 Cf. “Slogans em protesto revelam consumismo e alienação, diz Financial Times”. In: BBC Brasil, 27.06.2013 Disponível: http://migre.me/jD770. Acesso:02.06.2013.
127 A capa do Diário de Pernambuco
O Diário de Pernambuco é um periódico
pernambucano, fundado em 1825, no Recife. Atualmente, o
jornal tem 24.243 exemplares diários (de acordo com o registro
2012 do Instituto Verificador de Circulação - IVC) e pertence
ao consórcio Diários Associados, fundado por Assis
Chateaubriand. O DP vem passando, ao longo dos últimos
anos, por um processo de mudança no perfil das primeiras
páginas. Christiano Mascaro, editor de arte/ diagramação; e
Humberto Santos, editor de primeira página, tem adotado uma
postura mais leve e diretamente ligada ao que é discutido nas
redes sociais. Ícones pop, trocadilhos, fotos abertas em larga
escala, ilustrações e artes sobre imagens se tornaram uma
marca do jornal, ganhando destaque em sites especializados em
análise de primeiras páginas como o Mídia Mundo72, mantido
pelo jornalista Eduardo Tessler.
Para a capa do dia 18 de junho, os editores de primeira
página do periódico optaram por uma capa quase
monotemática, com manchete sobreposta em foto rasgada em
seis colunas (figura 4). O texto principal dizia “A nova
arquibancada do Brasil”. A agenda do dia deixava claro que o
72 Cf. <www.midiamundo.com>. Acesso em: 04.06.2014
128 assunto mais importante eram as manifestações, com a
ocupação da cúpula do Congresso Nacional pela população.
Mais ainda do que a primeira rodada de jogos da Copa das
Confederações. De acordo com o editor de primeira página,
Humberto Santos, em entrevista à autora, a escolha da
manchete teve como ponto de partida a relação entre futebol –
assunto ligado à Copa, alvo da indignação de muitos, por conta
dos altos custos para a realização do evento – e as ocupações
de espaços públicos pela população.
“Foi um dia complicado, principalmente para os editores de primeira página. Era uma coisa muito nova, todo mundo ainda muito confuso, Ninguém queria dar um passo em falso, não queríamos interpretar o que estava acontecendo, até porque não tínhamos parâmetro de comparação. Optamos por esperar as imagens, que seriam fornecidas pelo jornal parceiro Correio Braziliense, e acompanhar o desenrolar das ações”, contou (SANTOS, 2013) 73.
73 Entrevista concedida à autora por telefone, no dia 06 de julho de 2013.
129
Figura 4
A opção pelo tema pode ser explicada pela Teoria do
Agendamento. O limite da agenda se dá pela natureza do
veículo, neste caso, o papel, que é finito, tem horário rígido
para ser finalizado e entregue à gráfica, durando exatas 24h em
circulação. O que vai no papel precisa se manter “quente” e
relevante, apesar do conteúdo já estar desatualizado, digamos
assim, em relação às redes sociais, portais de internet, rádio e
televisão, mídias com uma natureza mais dinâmica. McCombs,
em seu livro A Teoria da Agenda, explica que é preciso
considerar a capacidade da agenda pública e a competição
entre os temas para ocupar um lugar nesta agenda, além do
130 período de tempo envolvido na evolução da agenda pública. O
caso que estamos estudando é um exemplo claro desta teoria.
Os dois assuntos mais relevantes do dia eram as manifestações
em grande parte do país, além da Copa das Confederações
(Recife era uma das cidades-sede e teve problemas graves de
mobilidade em seu primeiro jogo).
Para entender o sentido da palavra “relevância”,
tomamos emprestado o conceito criado por McCombs, para
quem a relevância é a condição definidora inicial da
necessidade de orientação. “A maioria de nós não sente
desconforto psicológico, nem necessidade de qualquer
orientação em numerosas situações, principalmente no âmbito
dos assuntos públicos, uma vez que não percebemos que estas
situações sejam pessoalmente relevantes” (McCOMBS, 2004,
p. 91). De acordo, então, com este conceito de relevância, nada
mais natural que os dois assuntos disputassem espaço na
agenda e, conseqüentemente, na capa do jornal. “A intensa competição entre os temas para um lugar na agenda é o mais importante aspecto deste processo. A qualquer momento há dezenas de temas disputando a atenção do público. Mas sociedade alguma e suas instituições podem prestar atenção a não mais do que alguns assuntos por vez. O recurso da atenção do público no noticiário e nossas inúmeras instituições públicas é muito escasso. Um dos insights mais antigos
131
sobre o agendamento era o tamanho restrito da agenda pública.” (MCCOMBS: 2004)
Ainda de acordo com Humberto Santos, a escolha da
capa não foi tão rápida como pode parecer, dado aos assuntos
envolvidos. A ideia passou por várias etapas de construção até
chegar ao seu formato final.
A primeira ideia era linkar com futebol, por conta da Copa das Confederações. A mobilização nas ruas não era por causa do futebol, pela primeira vez em muito tempo. Monitoramos os assuntos mais comentados nas redes sociais e percebemos que a campanha da Fiat era muito citada. Eu já tinha pensado em usar o termo arquibancada, porém optamos por utilizar o formato do slogan por já estar em domínio público, àquela altura. Quando fomos construir a manchete, ficamos em dúvida entre utilizar as expressões ‘verdadeira arquibancada’ ou ‘nova arquibancada’. Optamos pela segunda porque a ‘verdadeira’ poderia dar a impressão de tomada de partido para algo que ainda não sabíamos do que se tratava, explicou. (SANTOS, 2013).
A fala do editor do Diário de Pernambuco reforça o
mito da objetividade a todo custo no jornalismo. O culto aos
fatos, conceito tratado por Michael Schudson em sua tese de
doutorado. Segundo ele, o conceito de objetividade no
jornalismo não nasceu como negação da subjetividade, mas
132 como reconhecimento à sua inevitabilidade. Contrariando,
pois, toda a sua aplicação – e o que se convencionou chamar
senso comum da profissão - ao longo dos anos (TRAQUINA,
2012, p.137). Para Schudson, os jornalistas chegaram a
acreditar na suposta objetividade porque queriam, porque
precisavam, porque eram obrigados a procurar uma fuga das
suas próprias convicções de dúvida e incerteza. Em sua tese,
Schudson completa que a objetividade no jornalismo seria
apenas uma série de procedimentos que os membros da
comunidade interpretativa utilizam para assegurar uma
credibilidade como parte não interessada e se protegerem
contra eventuais críticas ao seu trabalho (TRAQUINA, 2012,
p. 141).
E a objetividade no jornalismo, considerada como um antídoto para a parcialidade, passou a ser encarada como a parcialidade mais insidiosa, dentre todas. Porque a reportagem ‘objetiva’ reproduzia uma visão da realidade social que se recusava a examinar as estruturas básicas do poder e do privilégio. Ela não era apenas incompleta, como sustentavam os críticos de 1930, mas distorcida. Representava uma conivência com instituições cuja legitimidade fora contestada. E havia uma intensa urgência moral nesta visão. (SCHUDSON, 2010).
133
E quando o jornalismo é relacionado diretamente à
publicidade, como é o caso do nosso objeto de estudo74, a
questão da objetividade é ainda mais cara aos repórteres.
Leandro Marshall, em seu livro O jornalismo na era da
publicidade, fala sobre a relação do jornalista pós-moderno e a
lógica de mercado, que inclui a publicidade e as relações
públicas como fatores determinantes para a escolha daquilo que
é notícia. Para Marshall, ao se assumir enquanto peça da
engrenagem da produção de notícias, o jornalista anula o seu
senso crítico e sua capacidade de reflexão. Permitindo-se,
apenas, o ato de submeter o lead e a pirâmide invertida à lógica
do mercado, defendendo, assim, o seu emprego, seu salário e a
sua sobrevivência (MARSHALL, 2003, p. 32).
Esta relação é tão tensionada, que aparece claramente
no caso em questão. Durante a entrevista realizada pela autora,
o editor do Diário de Pernambuco foi enfático em afirmar que a
escolha da manchete do dia 18 de junho não remetia à Fiat, e
sim às redes sociais.
74 No nosso caso, a publicidade entra como elemento de agendamento da manchete em questão. Não falamos neste artigo sobre relações publicitárias em conteúdo jornalístico.
134
Essa foi uma capa muito delicada, justamente por ter sido um dia muito importante na história recente. A nossa escolha se deu pela natureza do DP. Gostamos de dar uma pegada mais pop nas primeiras páginas, com referências tiradas das ruas, das redes sociais. O mote da Fiat partiu de lá, das pessoas compartilhando, e não da campanha publicitária propriamente dita. Esta capa foi agendada pelas redes sociais, certamente. Mas também foi fruto de um trabalho coletivo, de análise das imagens que tínhamos à mão. Se não houvesse aquela foto, a manchete não casaria. (SANTOS, 2013).
Vale salientar o peso colocado na imagem escolhida
para ilustrar a manchete. Na parte superior da dobra, vê-se uma
imagem rasgada em seis colunas. Na seqüência, outras três
imagens, também bastante abertas, terminam de compor o
conjunto dedicado ao tema. Restando apenas aos outros
assuntos um rodapé, em que foram inseridas quatro outras
chamadas. Outro fator decisivo para a imprensa hoje é a imagem. A concorrência entre o mundo impresso e o audiovisual (que seduz os jovens e abocanha o grosso da publicidade) leva a imprensa em geral a adotar a linguagem audiovisual. O jornal impresso transforma-se em nossa época em um festival de signos e ícones buscando atrair e estimular a atenção dos consumidores. A técnica é simples: quanto mais o jornal for parecido com um videoclipe, maior a eficácia do produto. Assim as notícias viram fragmentos, entremeados
135
de fotos, infográficos, tabelas, olhos, linhas de apoio, ilustrações, retrancas, etc. (MARSHALL, 2003)
Esta opção pelo design acaba por reforçar o processo de
hibridização pelo qual o jornalismo vem passando. Para se
tornar mais palatável ao leitor 2.0, que não tem tempo a perder
com textos e informações mais densas, que exigem reflexão, os
jornais impressos tem se tornado cada vez mais similares às
suas versões eletrônicas. Textos curtos, com, no máximo, 30
linhas, fotos grandes e coloridas e projetos gráficos que
privilegiam áreas de respiro nas páginas. Marshall define esta
nova fase do jornalismo impresso como jornalismo
transgênico, “pois ele cruza os cromossomos da informação
aos cromossomos da publicidade e reforma a roupagem das
informações, notícias, colunas, notas, manchetes, pautas, dos
olhos, das linhas de apoio, dos editoriais, das suítes, retrancas,
etc., alterando na essência a retórica do jornalismo. Mexe e
altera, inclusive, a linha editorial dos veículos e afeta a
mentalidade dos produtores de informação.” (MARSHALL,
2003, p. 120). Apesar da visão apocalíptica de Marshall, é
preciso ressaltar que a tendência de se ter um jornal
visualmente mais leve não é, necessariamente, prejudicial às
informações. Quando bem utilizados, os recursos visuais de
136 infográficos, fotos e espaços de respiro nas páginas
acrescentam valor ao texto, deixando alguns dados com
identificação mais direta, facilitando a apreensão do leitor à
informação que se quer passar. Além disso, uma capa
visualmente atraente chama a atenção tanto do leitor impresso,
quanto do usuário de redes sociais, que se acostumou a
compartilhar aquilo que referenda enquanto informação.
E a ideia tem se mostrado acertada. Ao menos para o
que se propõe, que é o aumento das vendas e geração de buzz
nas redes sociais. De acordo com o editor de primeira página
do Diario de Pernambuco, houve um aumento nas vendas do
jornal no dia 18 de junho em comparação ao restante da
semana, embora o dado não possa ser comprovado, já que a
aferição do IVC do referido mês ainda não foi oficialmente
divulgada. Com relação ao compartilhamento no Facebook, é
substancial o aumento do impacto que a edição teve. Foram
1.567 curtidas e 1.330 compartilhamentos da imagem
disponibilizada na página oficial do periódico (figura 5).
Comparando com a edição do dia anterior, 17 de junho, que
teve 85 curtidas, 54 compartilhamentos e tratava,
primordialmente, de futebol, a capa foi um sucesso (figura 6).
138 Referências BARBOSA, Mariana. Não temos nada a ver com os protestos, diz Fiat sobre campanha 'Vem Pra Rua'. Folha de São Paulo. 18 jun 2013. Disponível em <http://migre.me/jD7kt>. Acesso 02.07.2013. COSTA, Camilla. Protestos mostram apropriação de slogans publicitários para fins políticos. BBC Brasil. 25 jun 2013. Disponível em <http://migre.me/jD7p7>. Acesso: 02.07.2013. MARSHALL, Leandro. O jornalismo na era da publicidade. São Paulo: Summus Editorial, 2003. McCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda – a mídia e a opinião pública. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. SCHUDSON, Michael. Descobrindo a Notícia – Uma história social dos jornais nos Estados Unidos. Petrópolis: Editora Vozes, 2010. SLOGANS em protestos revelam consumismo e alienação, diz FT. BBC Brasil. 27 jun 2013. Disponível em <http://migre.me/jD7v6>. Acesso em 02 de julho de 2013. TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo Volume 1 – Porque as notícias são como são. 3 ed. Florianópolis: Insular, 2012.
139 Cobertura ao vivo das manifestações populares - Tecnologias móveis, mídias independentes e jornalismo
Thiago D’angelo R. ALMEIDA75
Cláudio C. PAIVA
Introdução
As manifestações populares que se espalharam pelo
Brasil como um rastilho de pólvora no mês de junho de 2013
na luta por melhorias no transporte público posteriormente se
transformaram em uma expressão massiva da indignação dos
brasileiros com as estruturas do sistema político, econômico,
social, inclusive, midiático. A agenda midiática (MCCOMBS,
2006), que inicialmente estava se arquitetando para embarcar o
país na “viagem futebolística” da Copa das Confederações, foi
reformulada a partir da agenda pública dos protestos76. As
insatisfações que inicialmente permeavam apenas os sites de
redes sociais (RECUERO, 2011) se proliferaram pelas ruas das
cidades, voltando as atenções dos meios de comunicação do
país e do mundo para as mobilizações populares.
75 Mestrando do Programa de Mestrado em Jornalismo Profissional da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. E-mail: [email protected]; [email protected] (orientador). 76 Cf. “Análise: Globo abandona grade para transmitir 'manifestação tranquila' país afora”, In: Folha de S. Paulo, 21.06,2013. Disponível em: http://migre.me/gi6yr. Acesso em: 05.10.2013.
140
Antes da partida final da Copa das Confederações, no
dia 30 de junho de 2013, Galvão Bueno, apresentador da TV
Globo, comentava a respeito das belas imagens dos vários
cantos do Brasil, que se preparavam para acompanhar o que ele
classificou como “festa do futebol”. Na internet, no site
TwitCasting77, os internautas podiam acompanhar ao vivo
através da transmissão live streaming78 o som de bombas e
gritos de “sem violência” ecoando em meio aos ruídos da
multidão em conflito com a polícia do Rio de Janeiro, do lado
de fora do estádio Maracanã. Bombas de efeito moral, gás
lacrimogêneo e spray de pimenta são lançados tão próximos
quanto os olhos do internauta espectador podem alcançar.
A mídia NINJA79 – sigla para Narrativas
Independentes, Jornalismo e Ação – proporcionou via Web
77 Cf. http://twitcasting.tv/. Acesso: 04.06.2014 78 Live streaming é a transmissão ao vivo de dados via rede. Por meio desta tecnologia, informações multimídia podem ser facilmente distribuídas e acessadas em tempo real. A transmissão de vídeos por meio desta tecnologia possibilita a simultaneidade entre a realidade capturada pela mídia e a realidade do internauta espectador. Por meio do streaming (fluxo de mídia), as informações são reproduzidas assim que chegam ao usuário, em modelo semelhante ao rádio ou TV aberta, geralmente não sendo arquivadas por ele. 79 A mídia NINJA é o grupo responsável pela mídia independente Pós TV - canal de transmissão ao vivo pela internet - e integra o Circuito Fora do Eixo, rede (inter) nacional de cultura independente, formada em 2005 e que busca, por meio de estratégias político-econômicas alternativas, promover e fazer circular a cultura independente dentro e fora do país. A mídia NINJA utiliza de equipamentos como celulares, smartphones e notebooks para transmitir ações como protestos, debates, eventos musicais de forma alternativa aos modelos jornalísticos tradicionalmente concebidos. Esta rede de comunicação independente é uma das inúmeras iniciativas
141 uma maior aproximação dos internautas e os acontecimentos
do lado de fora estádio carioca na noite daquele domingo.
Depois de alguns minutos de transmissão realizada pela câmera
de Filipe Peçanha, “repórter-ninja” que cobria o protesto,
manifestantes e polícia entraram em conflito e o movimento
pacífico se tornou uma cena de guerra. O confronto aconteceu
no local onde a Polícia Militar fazia um isolamento para evitar
a aproximação dos manifestantes do estádio.
do gênero que estão surgindo pelo país e é formada por jovens – jornalistas ou não jornalistas - interessados em informar sem fins comerciais, com a proposta de mostrar os fatos de forma diferenciada dos formatos dos mass media, buscando a efetiva democratização da informação. Para entender mais sobre Pós TV, consultar: http://postv.org. Sobre a mídia NINJA e Pós TV nas manifestações, ler: “POSTV, de pós-jornalistas para pós-telespectadores” (Elizabeth Lorenzotti). In: Observatório da Imprensa, em 25/06/2013, ed. 752. Disponível em: http://migre.me/fvffY. Acesso em: 05.06.2014. Para saber mais sobre o cenário das novas mídias livres em ascensão no país, ver “Revolução compartilhada” (Mariana Claudino e Natasha Ísis). In: site Canal Ibase, 15.07.2013. Disponível em: http://migre.me/jECPw. Acesso em: 05.06.2014
142
Figura 1 - Record News em transmissão ao vivo do alto de um edifício Fonte: Reprodução
Naquele momento, enquanto a Record News exibia, no
intervalo do seu telejornal ao vivo, o mais novo depilador por
luz pulsada, as imagens da mídia NINJA só eram interrompidas
em caso de problemas com o sinal da internet ou quando era
necessário recarregar a bateria do equipamento de filmagem,
um iPhone 4. No momento da confusão que se desenrolava nas
proximidades do estádio Maracanã, a Record News abriu
espaço no telejornal para trazer ao telespectador imagens do
confronto, mas com um pequeno diferencial da exibição do
“ninja”: as imagens estão distantes, em um local alto
(possivelmente em edifício), acima dos manifestantes e
143 policiais, isoladas da fumaça das bombas de gás. Sem um
repórter próximo ao conflito, o apresentador do telejornal se
resumiu a narrar à distância o que as imagens já mostravam.
Podemos destacar, assim, uma peculiaridade desse
modelo alternativo de cobertura online: é ininterrupta e
geralmente se encontra imersa80 em tempo real no
acontecimento. Já a TV, que nas manifestações do mês de
junho de 2013 manteve-se afastada das aglomerações - seja
para se proteger das constantes “sabotagens” promovidas por
parte dos manifestantes81 ou para garantir planos de câmera
mais gerais dos eventos -, além de ter seu tempo e espaço
limitados, apresentou um olhar “de fora” do acontecimento,
suspenso em helicópteros ou no alto de edifícios.
80 Seja na elaboração do discurso ou de recursos audiovisuais, em alguns momentos, o jornalismo se apropria das técnicas do cinema e até mesmo dos games para construir suas narrativas. A experiência do cidadão-repórter que transmite e ao mesmo tempo interage com os fatos, de certa forma, tem relação com a proposta do “jornalismo imersivo”. No momento, não consideramos que a cobertura que estamos avaliando esteja enquadrada nesta tipologia jornalística, mas destacamos que a aproximação entre os fatos e o espectador produz uma intensa impressão de realidade e proximidade que se assemelha à concepção do immersive journalism. Disponível em: website Imersive Journalism. Disponível em: http://migre.me/jECX0. Acesso em: 05.06.2014 81 Na TV Globo, o programa Profissão-Repórter do dia 18 de junho buscou, a partir da perspectiva do repórter Caco Barcellos, retratar um pouco da problemática de cobrir estes eventos em meio às reações negativas da multidão. Cf. Profissão repórter – Manifestações, 18.06.2013. In: site YouTube. Disponível em: http://migre.me/jED3d. Acesso em 06.04.2014.
144
O pesquisador Antônio Brasil82 se posiciona sobre
novas possibilidades do jornalismo:
Temos que nos preparar para conviver com grandes, constantes e perigosas manifestações populares. Talvez uma possibilidade de inovação seja o “jornalismo imersivo”, aquele que ao invés de se distanciar dos fatos, de preferir “subir no telhado” ou embarcar em helicópteros e se afastar da realidade, procura “mergulhar” nos acontecimentos. Esse novo jornalismo procura aproximar o repórter dos fatos com atitudes diferenciadas, narrativas audiovisuais inovadoras e ferramentas profissionais mais específicas e apropriadas para cobrir uma nova realidade (BRASIL, 2013, online).
Outro diferencial é que a transmissão do “ninja” é
realizada por meio de um aparelho celular conectado a uma
rede móvel de internet, equipamento tecnicamente “inferior”83
ao aparato tecnológico profissional utilizado pela TV Record.
82 Cf. “Drones espionam protestos no Brasil” (Antonio Brasil). In: Observatório da Imprensa, 02.07.2013, ed. 753. Disponível em: http://migre.me/jE4mj. Acesso em: 05.06.2014 83 A iSight, nome da câmera de um iPhone 4, equipamento utilizado pelo “repórter-ninja” na transmissão, tem 5 megapixels e grava em HD (High-Definition ou Alta Definição) até 720p. Devido à dependência da qualidade da conexão com a internet para a realização da transmissão, a imagem pode ficar “pixelizada”, ou seja, bastante ruidosa, ocorrendo travamentos na exibição e possíveis interrupções mais longas. A imagem fornecida pela NINJA nestes eventos tem baixa definição, elemento que até já se tornou característica das suas transmissões. Já na TV Record, como a maioria dos canais de TV do Brasil, a imagem é captada e transmitida em alta definição e não depende de conexão com a internet, sendo conduzida por ondas
145
Figura 2 – Imagem “pixelizada” da transmissão da mídia NINJA: vídeo de baixa definição Fonte: Reprodução / Ao vivo no TwitCasting
O celular – aparato móvel classificado por Silva (2008)
como “dispositivo híbrido” – permite ao cidadão-repórter
produzir o material audiovisual e transmiti-lo em tempo real,
narrando os fatos in loco (SILVA, 2007, p.5). Esta produção-
reprodução é facilitada pela existência dos territórios
informacionais (LEMOS, 2007), interligados por meio da
comunicação ubíqua possibilitada pelas tecnologias móveis,
eletromagnéticas da fonte transmissora aos aparelhos receptores. Algumas câmeras utilizadas são Sony IMX ou XDCAM, equipamento profissional de gravação digital que permite a gravação e exibição com qualidade e velocidade.
146 como dispositivos (celulares, tablets, smartphones, iPads) e
redes (Wi-Fi, 3G, 4G84, bluetooth).
Como sabemos, a liberação do polo emissor da
informação (LEMOS, 2007) dá ao público a condição de
produzir informações. A pulverização destas expressões –
“mídias-poeira” ou mídias eu-cêntricas (RAMONET, 2012) –
estão representando necessidades (quais?) dessa nova
sociedade, ansiosa por participar mais ativamente da
construção das realidades? Estas transmissões alternativas –
geralmente proporcionadas por mídias móveis - podem
significar uma expressão do descontentamento do público com
a cobertura, com as abordagens e com os focos dados às
realidades cotidianas por parte da mídia tradicional85?
Nossa intenção é realizar uma avaliação inicial da
importância destas produções alheias ao mainstream midiático,
que oferecem ao público diferentes visões e uma multiplicidade
de interpretações dos protestos, e entender quais os impactos
destas coberturas amadoras no estudo (e prática) do jornalismo,
84 3G e 4G são tecnologias dos celulares que permitem navegação, download e upload em rede de alta velocidade. A 4G em 2013 ainda está com sinal limitado a algumas cidades do país e estará se expandindo até o final de 2013. 85 O conjunto dos principais veículos de rádio, TV e impressos do país e do mundo. No mundo, oito empresas globais de comunicação eram responsáveis em 2007 por 47% do faturamento somado das 70 maiores empresas de mídia em todo o mundo (COSTA, 2009, p. 238). Já no Brasil, alguns dos maiores veículos de comunicação são as organizações Globo, Record, Folha de São Paulo, para citar alguns.
147 que a cada dia recebe mais influências externas ao seu universo
de práticas e modelos, e assume um caráter mais
participativo86, cidadão (GILLMOR, 2004 apud SILVA, 2007,
p.2) ou colaborativo. Utilizaremos a cobertura dos “repórteres-
ninja” da manifestação do dia 30 de junho no Rio de Janeiro de
2013, como ponto de partida para tentar elucidar estes e outros
questionamentos, que afetam diretamente os aspectos
referentes ao papel do jornalismo na contemporaneidade.
Novas tecnologias e novas formas de produzir informações
As manifestações que se espalharam pelo Brasil no mês
de junho foram marcadas por uma imensa pluralidade de
expressões, uma fragmentação de reivindicações e também
uma massa indefinida de pessoas de vários segmentos sociais,
bandeiras políticas ou apartidárias que marcharam pelas ruas de
suas cidades sem a presença forte de uma liderança. Talvez
esta diversidade cultural exposta nos protestos seja um reflexo
86 Alguns pesquisadores defendem que a real intenção dos mainstream em se utilizar do jornalismo participativo é uma estratégia mercadológica de manter sua audiência e garantir fidelização da clientela. Há também a concepção do jornalismo participativo como uma expressão democrática, de horizontalização da produção de informações. Nós levamos em conta as duas considerações na avaliação desta tipologia jornalística.
148 da fragmentação e pluralidades apontadas por Hall (2006, p.18)
ao tratar das identidades dos sujeitos na pós-modernidade.
Pessoas externaram em cartazes, faixas, gritos e
atitudes, a sua crítica aos modelos político-econômico-
midiáticos tradicionais, que não mais representam a sociedade
brasileira, mais independente, protagonista da nova realidade.
Parte da população demonstrou sua fúria contra os grandes
veículos de comunicação, inserindo nos protestos gritos de
repúdio a emissoras, invadindo links ao vivo e destruindo
equipamentos das equipes de produção das maiores TVs do
país. Seria só vandalismo ou reflexo da insatisfação popular
com a imprensa?
Não entraremos no mérito da discussão sobre
vandalismo ou pacifismo, mas estes ataques ocorrem num
momento de paralela expansão das mídias independentes, das
coberturas amadoras realizadas por cidadãos-repórteres,
pessoas comuns que com os seus dispositivos eletrônicos
intervieram nas passeatas para exibir os fatos à sua maneira.
Silva (2007, p.1) aponta que "com a expansão dos
dispositivos móveis portáteis, verifica-se o surgimento de
novas práticas na cena urbana e no interior do ciberespaço".
Desta forma, compreendemos que tanto a forma de produzir e
transmitir como consumir informações vem se alterando neste
149 contexto de mobilidade informacional (LEMOS, 2007) e os
consumidores de notícias vem se tornando produsers (BRUNS,
2005 apud SILVA, 2007, p. 3) – fusão entre produtores e
usuários –, ou na nomenclatura de Islas (2007 apud BECKER,
p.102) prosumers, ou seja, produtores e consumidores. As
tecnologias abriram novos canais de informação para o
público, que agora assume o protagonismo midiático como
uma práxis cotidiana.
Com os “efeitos do deslocamento de ênfases da
‘sociedade dos meios’ para a ‘sociedade midiatizada’ ”
(FAUSTO NETO, 2011, p.17) potencializados pelo
desenvolvimento intenso das novas tecnologias de informação
e comunicação (NTICs), mais especificamente pela expansão
das tecnologias da informática e telefonia móvel, a sociedade
contemporânea se encontra mergulhada em um caldeirão de
transformações não só no âmbito das técnicas em si, mas
também nos contextos sociais.
As possibilidades interativas (PRIMO, 2011) entre os
atores no ciberespaço provocadas pela Web 2.0 intensificam as
relações sociais no ambiente virtual, que são causa e
consequência do compartilhamento de texto, imagens, áudio e
vídeo por meio de dados, seja através de espaços como o
150 Facebook87 e YouTube88 ou de mídias de função pós-massiva89
como os blogs e microblogs, como o Twitter. Além destes sites
de redes sociais, há inúmeras outras plataformas colaborativas
que permitem a distribuição audiovisual em tempo real, como o
Twitcam90, TwitCasting, etc.
Nestes ciberambientes, os atores podem captar e
transmitir material audiovisual através de dispositivos móveis91
e ainda participar de discussões simultâneas à exibição por
meio de publicações de seus perfis do Facebook ou Twitter.
87 Site de rede social criado em 2004 para ser uma rede de contatos entre alunos de instituições de ensino dos Estados Unidos. Posteriormente, passou a abranger todos os setores da sociedade e se propagou pelo mundo. O Facebook funciona através de perfis e comunidades. Em cada perfil é possível acrescentar módulos de aplicativos (jogos, ferramentas etc.) (RECUERO, 2009, p.184). Em 2013, o site ultrapassou a marca de 750 milhões de usuários em todo o mundo. Para saber mais, consultar: “Facebook tem 751 milhões de usuários em plataformas móveis”. In: Olhar Digital UOL.com, 03.05.2013. Disponível em: http://migre.me/jEEe9. Acesso: 05.06.2014. 88 YouTube é um site de compartilhamento de vídeos criado em 2005, cuja finalidade é oferecer aos internautas um espaço para carregar, assistir e compartilhar vídeos caseiros ou materiais diversos, como shows, programas de TV, clipes musicais, etc. – desde que não infrinjam as leis de direitos autorais. Cf. YouTube.com. Acesso em: 05.06.2014. 89 Ao contrário das mídias de função massiva, que são voltadas para a massa e não tem muito potencial de interação, Lemos (2007, p.5) defende que mídias de função pós-massiva “funcionam a partir de redes telemáticas em que qualquer um pode produzir informação, ‘liberando o polo da emissão’” (LEMOS, 2007. In: TAVARES, 2013). 90 Cf. http://twitcam.livestream.com/ . Acesso em: 05.06.2014. 91 A pesquisadora Lucia Santaella se refere aos três paradigmas da imagem: o paradigma pré-fotográfico, fotográfico e pós-fotográfico. O desenvolvimento da infografia e as linguagens informáticas possibiliaram o desenvolvimento do terceiro paradigma. Atualmente, segundo ela, vivenciamos uma nova ordem visual (SANTAELLA, 1997, p.166).
151 Com isso, basta que se possua um celular, smartphone, tablet
ou qualquer aparelho com uma câmera e conexão a uma rede
sem fio, para poder compartilhar seus vídeos nas redes sociais
para que um sem-número de círculos sociais tenham acesso.
Rötzer (2011 apud SILVA, p.10) aborda a relevância do que
ele classifica como “segunda revolução digital”:
A Internet móvel, os smartphones, o princípio do always on [sempre ligado] e da Evernet [Internet omnipresente graças às novas tecnologias] invadiram as nossas vidas a uma velocidade fulgurante e não cessaram de transformar a nossa relação com o espaço partilhado. A revolução móvel está a ser ainda mais rápida do que a da Internet (RÖTZER, 2011, apud SILVA, p.10).
A mídia tradicional se encontra em dilemas econômicos
e estruturais, sentindo a necessidade de se estruturar de acordo
com as novas configurações do jornalismo contemporâneo.
Afinal, como produzir notícias para uma população que tem
acesso aos seus próprios canais de produção e
compartilhamento de informações e deseja interagir e
coproduzir junto aos media?
Enquanto o jornalismo participativo ainda é bastante
controlado pelo mainstream, que se apropriando dos direitos de
propriedade de conteúdo, filtra o que lhe é interessante e toma
152 posse dos direitos das produções amadoras através de contratos
ou termos de uso92, as mídias livres se espalham pela rede e
ocasionam uma multiplicação dos discursos, tentando
estabelecer uma efetiva democratização do acesso aos meios
horizontais de produção informativa e uma maior interação
com o público.
Os registros efetuados pelos integrantes das
manifestações pelo Brasil e disseminados pela internet
mostraram olhares diferentes dos enquadramentos mass-
mediáticos, que são ligados a interesses hegemônicos e que
apresentam interpretações convenientes à empresa midiática,
respeitando suas estruturações e, claro, intencionalidades.
Já na internet, a produção amadora - que não deixa de
possuir seus filtros e também ser, assim como a notícia93, mais
uma forma de construção da realidade (RODRIGO, 2009)
apresentou ao público registros que os meios de massa não
podem ou não pretendem exibir. De forma subjetiva e sem a 92 Fábio Malini (2008) classifica este processo como a lógica ou “modelo do tudo é meu”, recurso adotado nas experiências de jornalismo participativo pelos portais de notícias como o Globo Online e El Pais. O autor aponta que “assim, o pacto dos grupos tradicionais com os usuários se alicerça no sequestro da produção de linguagem social” (MALINI, 2008, p. 11). 93 A diferença entre o produto amador e a notícia é que esta é legitimada perante a sociedade, pois recebe a credibilidade quase automática do público que, através do contrato pragmático fiduciário (RODRIGO, 2009, p.48), subentende que o discurso midiático é, pois, verídico. Outros aspectos que tem o propósito de legitimar este contrato são os critérios de noticiabilidade e os valores-notícia bem avaliados por Traquina (2005).
153 influência dos critérios profissionais (e comerciais) que
embasam a atividade jornalística, os cidadãos-repórteres
encaram os confrontos a fim de oferecer aos internautas uma
cobertura exaustiva e com isso, são intermediários entre os
eventos e os espectadores.
Neste sentido, se enquadra mídia NINJA, cujos
registros são realizados a partir de dispositivos móveis como
um iPhone e provocam no público uma maior noção de
proximidade aos eventos registrados. Esta proximidade se dá
por conta dos registros, que além de serem feitos de muito
perto de onde a ação acontece, a câmera em primeira pessoa
insere nosso olhar diretamente nos fatos. Este ângulo
privilegiado que os narradores-cinegrafistas nos proporcionam,
estimula uma sensação de interação com os fatos, uma
aproximação virtual que, mesmo com as deficiências na
qualidade da imagem, se destaca em relação aos planos das
TVs, com maior qualidade, porém, mais distantes.
A mídia NINJA integra o movimento “midialivrismo” e
seus integrantes defendem que não precisam de veículos, pois
são os próprios veículos. Segundo o site Catraca Livre, “o
objetivo da iniciativa é construir uma rede de jornalismo
independente. A sugestão é que as pessoas ajam como
guerrilheiras e jornalistas, se colocando à origem dos fatos e as
154 fontes que, geralmente, ficam fora das reportagens dos mass
media” 94.
Midialivrismo, mobilidade e narrativas independentes
É possível admitir que a nova “arquitetura comunicacional” instalada pela midiatização, retira do ambiente jornalístico e de sua atividade discursiva, um lugar de centralidade que lhe era conferido na “sociedade dos meios”, afetando os mecanismos com os quais tematiza e discursa sobre instituições e os atores sociais (FAUSTO NETO, 2011, p. 24-25).
Esta descentralização a qual o pesquisador menciona é
uma referência da contemporaneidade, propiciada pela
expansão dos novos dispositivos sócio-técnicos (FAUSTO
NETO, 2011, p.17), que permitiram ao público assumir o papel
de produtor e emissor de conteúdos. Desta forma, por conta da
horizontalização comunicacional que acompanhou a Web 2.0 e
a popularização dos sites de redes sociais, o jornalismo vem
sendo induzido a compartilhar o seu espaço com a produção de
informações por amadores, os cidadãos-repórteres, que são
94 Em http://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/ninjas-do-jornalismo-travam-guerrilha-pela-liberdade-da-midia/
155 testemunhas oculares das realidades e também, agora,
narradores imediatos dos fatos.
“Midialivrismo” é um movimento que surge neste
cenário com o objetivo de propiciar meios de os diversos
segmentos sociais produzirem informação, de forma a
descentralizar o fluxo comunicacional-informativo, passando
do esquema unidirecional um-todos para o bidirecional todos-
todos (LEMOS, 2007, p.125). Na internet, são encontrados
vários canais de informação que integram o midialivrismo, a
exemplo do Canal iBase95, Olho da Rua96, além de rádios
comunitárias, publicações impressas e inúmeras mídias que
atuam fora da Web.
Por “midialivrismo”97, compreendemos um movimento
ativista em prol da comunicação contra-hegemônica, que é
realizada em contrassenso com a comunicação de massa e que
também busca abranger outros movimentos sociais que não são
contemplados – pelo menos não devidamente – pelos mass
media. A proposta dos midialivristas é propor espaços
alternativos de mídias livres para discussão dos temas e
fenômenos sociais de forma alternativa aos modelos midiáticos 95 Em http://www.canalibase.org.br/ 96 Em http://olhodarua.org/ 97 Para saber mais sobre “midialivrismo” vide vídeo “Ação e Meio Ambiente”. In: site YouTube. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=nKCw8FmqbaQ. Acesso em: 05.06.2014.
156 comerciais. O diferencial em relação ao modelo tradicional de
comunicação massiva é que qualquer pessoa pode desenvolver
uma mídia livre, ou seja, há uma disseminação do acesso e
produção midiática, em grande parte facilitada pelas NTICs.
Neste sentido, a Pós TV é uma das iniciativas que
buscam disseminar informações desligadas de interesses
mercadológicos e que transmitiu também em tempo real no
domingo dia 30 de junho, a ocupação da câmara de vereadores
de Belo Horizonte – transmissão que, inclusive, durou mais de
cem horas ininterruptas. Este projeto vem ganhando destaque
por meio da realização de coberturas interessantes de
movimentos sociais e de temas de caráter mais geral, como
coletivas de imprensa, círculos de debates e outros, como a
imersão realizada em onze aldeias Guarani-Kaiowá do Mato
Grosso do Sul, que culminou na própria consolidação da
iniciativa NINJA.
Castells (2006) nos elucida sobre este tipo de
experiência, e trata do fenômeno da “comunicação de massa
pessoal”. O autor observa que esta nova prática “é o controle
individual e a partilha coletiva da informação em mobilidade
com alcance planetário e a difusão imediata” (LEMOS, 2007,
p. 130-131). Desta forma, ele destaca que novos formatos
midiáticos estão despertando na sociedade novas práticas
157 políticas e possibilitando a realização de uma “rebelião crítica”.
Estas novas práticas sócio-político-comunicacionais oferecem
“à sociedade maior capacidade de controle e intervenção, além
de maior organização política àqueles que não fazem parte do
sistema tradicional” (CASTELLS 2006 apud LEMOS, 2007, p.
131).
Ou seja, o fenômeno da expansão de mídias livres como
a NINJA, a Pós TV e tantas outras, parece ser um reflexo de
aspectos como as tecnologias computacionais de mobilidade e
interação e os territórios informacionais – e a horizontalização
do fluxo informacional –, além das próprias influências da
globalização, da descentração de identidades (HALL, 2006, p.
34), da inteligência em rede, coletiva, dos anseios sociais por
mais participação, intervenção e ação98. A internet se
configura, portanto, em um excelente espaço para agregar as
atividades midialivristas99, que possuem, a partir da
multimidialidade e hipertextualidade, características da
comunicação em rede, além de permitir a instantaneidade e 98 O pesquisador Pierre Lévy afirma que a ideologia que comandou as manifestações nas ruas do Brasil é a da ”comunicação sem fronteiras, não controlada pela mídia” e destaca o desenvolvimento humano como combustível para as novas demandas. Cf. “Pierre Lévy comenta os protestos no Brasil”. In: Portal Globo.com. Disponível em: http://migre.me/jEFtM. 99 Para saber mais sobre as mídias livres no Brasil, ver mapeamento sobre Mídias Livres realizados pelo Itaú Cultural, em 2009. Cf. 10 movimentos atuais inevitáveis sobre midialivrismo. In: Onda Cidadã – Itaú Cultural, 21.05.2012. Disponível em: http://migre.me/jEFUm. Acesso em: 05.06.2014.
158 tempo real necessários a uma cobertura, além d as diversas
possibilidades interativas100 e colaborativas.
A NINJA exerceu, pois, um papel importante de
narrativa imersiva das manifestações. Os registros se
assemelham às cenas de ação cinematográfica e até mesmo
coberturas policiais em operações nas quais os repórteres e
cinegrafistas acompanham as operações com a câmera em
primeira pessoa, trazendo mais dramaticidade aos fatos e
imagens impactantes, agressivas, que mais que dialogam com o
espectador, resultando no classificamos provisoriamente como
“teleparticipação”: fazem dele um quase-participante da
realidade apresentada pelo repórter-cinegrafista.
100 Recentemente, foi lançada a Tomada, uma plataforma que agrega vídeos relacionados às manifestações gravados por cinegrafistas amadores e postados no Youtube. Boa parte do material é composta de registros de abusos cometidos pela polícia. Cf. Site Tomada TV. Disponível em: http://tomada.tv. Acesso em: 05.06.2014.
159
Figura 3 - Live streaming: câmera subjetiva aproxima o espectador dos acontecimentos Fonte: Reprodução/ Ao vivo no TwitCasting
O cidadão-repórter, ao tempo em que vivenciou a
experiência do conflito entre manifestantes e polícia, fez sua
narração a partir de sua subjetividade e de sua apreensão
imediata da situação. Desta maneira, contribui como um
narrador-personagem para explicar e transmitir os detalhes da
movimentação popular a partir de uma perspectiva que
praticamente nenhuma mídia do mainstream nacional se
propôs a fazer até então.
Por outro lado, o “jornalismo aéreo”, “helicopterizado”
que foi praticado pelas grandes redes de TV na cobertura não
apenas desta manifestação do dia 30 no Rio de Janeiro, mas do
160 conjunto de protestos que se desenrolou pelo país, se propôs
exaustivamente a narrar os fatos “de cima”, apenas dizendo em
palavras o que as imagens já falavam por si só.
Figura 4 - Telejornal da Globo News exibe do alto de um edifício imagens da manifestação Fonte: Reprodução/Ao vivo no site do canal GloboNews101
Se era perigoso ou difícil estar imerso na multidão, não
seria possível o jornalismo tradicional trazer ao debate público
as discussões mais profundas a respeito de um contexto maior
– político, social, econômico –, que vai além do maniqueísmo
acrítico (BUCCI, 2000) vândalo-manifestante pacífico? A TV
101 Em http://g1.globo.com/globo-news/
161 Cultura, com o Jornal da Cultura, cumprindo seu papel de
veículo “diferenciado”, propôs em vários momentos,
excelentes debates elucidativos com especialistas das áreas
humanas e sociais.
Figura 5 - Jornal da Cultura contou com especialistas para comentarem protestos
Fonte: Reprodução/ YouTube102
Estamos solicitando à imprensa algo complicado de se
conseguir, quando a pauta é conduzida pelo registro factual e a
simplificação das complexidades (RODRIGO, 2009) é
necessária para a compreensão da grande massa? Esta
discussão envolve as recentes demandas que surgem com os
novos mecanismos técnicos que estão reformulando a práxis
102 Cf. Jornal da Cultura, 14.06.2013. In: Youtube, 14.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jEGeE. Acesso: 05.06.2014.
162 jornalística e as estruturas mercadológicas da notícia. Portanto,
que perspectivas as novas tecnologias e o crescimento da
produção horizontal de informações irão oferecer à prática
jornalística e aos seus formatos mercadológicos?
Como as mídias independentes, as tecnologias móveis e
as possibilidades informativas provocadas pela Web ainda irão
influenciar este contexto? Entendemos que é um assunto
bastante amplo e que necessita maiores explanações, para que
possamos melhor avaliar estes novos movimentos pró-
democratização da informação, compreendendo seus formatos
e seus impactos na maneira de fazer jornalismo.
Considerações finais: e o jornalismo?
Este artigo se propôs a dar um passo inicial nos nossos
estudos das mídias livres que se expandem na internet,
tomando a NINJA como exemplo e objeto de estudo. As
mídias independentes estão reconfigurando as formas de
produzir, transmitir e consumir informações, a maneira de
construir as realidades, de ocupar e utilizar os espaços urbanos,
etc. Certamente, é um tema vasto que merece observações e
conceituações mais aprofundadas. Iniciamos a discussão a fim
de melhor entendermos estes fenômenos contemporâneos,
163 inclusive avaliando as suas influências na forma de fazer
jornalismo, propondo questionamentos que podem e devem ser
elucidados em momentos posteriores.
Resumir contextos tão complexos em dicotomias e
maniqueísmos é uma das práticas que regem o jornalismo “que
já era assim há muito tempo”, porque “isso não é de hoje”.
Contudo, as realidades estão mais dinâmicas que nunca. A
Web 2.0 em breve dará a vez à Web 3.0 e a participatividade e
interação vão se ampliar entre os web-atores, com isso as
possibilidades de descentralização informacional se
intensificarão ainda mais. Assim, o jornalismo, que já se
encontra em uma reconfiguração de práticas, estéticas,
formatos e suportes, precisará se adequar às novas demandas,
pois como reforça Ramonet (2012):
Os cidadãos desconfiam de uma imprensa que pertence a um punhado de oligarcas, que já controlam amplamente o poder econômico e que, frequentemente, são coniventes com os poderes políticos (RAMONET, 2012, p.45).
Consideramos, desta forma, que as mídias livres, os
podcasts, os vídeos amadores postados diariamente no
YouTube e as fotos de câmeras digitais e celular são formas
subjetivas de cada prosumer contar um pouco sobre as
164 realidades que lhes envolvem. A internet está repleta destas
narrativas. São leituras imediatas das realidades, impressões
pessoais, cotidianas, etc. O jornalismo participativo, de certa
forma, pode atender às urgências da sociedade midiática, mas
até o momento, parece não ser suficiente. Ao jornalismo
tradicional, resta cumprir seu papel – dentro dos princípios
éticos da profissão, o compromisso com a verdade, a busca
pela objetividade, a informação como elemento provocador da
cidadania – e assim promover a informação que se transforma
em conhecimento e se modela na estrutura que viabiliza a
democracia.
Não pensamos que o jornalismo irá desaparecer.
Recuero (2009) aponta que em meio à enxurrada informacional
das redes sociais, é preciso a existência de um filtro, um
legitimador destas informações, que receba credibilidade
(SIGNATES in MOULLIAUD, 2012, p. 445) por parte da
sociedade e que, através da apuração e do compromisso social,
comprove o caráter verídico ou desminta uma informação
falsa. O jornalista, portanto, apenas tem sua posição redefinida:
de mediador absoluto da sociedade para mais um integrante da
malha informacional “costurada” diariamente na Web e demais
ambientes sociais.
165
Compreendemos que as mudanças não são exclusivas
ao campo jornalístico, mas abrangem todo o universo social.
Portanto, o jornalismo precisa reconhecer os novos panoramas,
mais plurais, complexos, as novas demandas informacionais,
políticas, econômicas da modernidade líquida (BAUMAN,
2009). Há novas formas de produzir, difundir e consumir
informações. Para sobreviver às transformações tecno-sociais
que estão fragmentando, pluralizando, desterritorializando,
globalizando, convergindo e hibridizando as realidades, o
jornalismo deve encarar a reestruturação das suas práticas de
produção, transmissão e comercialização da notícia.
Ao reconhecer e buscar se reestruturar, o jornalismo
deve buscar evitar a “pasteurização” dos fenômenos sociais,
que resulta em eternas dicotomias que resumem o discurso
midiático à eterna dualidade entre bem e mal, como se a
sociedade se dividisse apenas em vinho e vinagre. Com a
superação do jornalismo simplista, é possível pensarmos no
melhor aproveitamento das novas tipologias jornalísticas, no
aprofundamento dos discursos, na qualidade informacional, na
construção de valores e esclarecimento do público, pois num
mar de informação simplista e minimizadora, a sociedade tem
grandes chances de navegar rumo à desinformação.
166 Referências BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio: Zahar, 2003. BECKER, Beatriz. “Jornalismo audiovisual de qualidade: um conceito em construção”. In: Estudos em Jornalismo e Mídia. UFSC, 2009. Disponível em: http://migre.me/jEGeE. Acesso 25/06/2013. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. COSTA, Caio Túlio. Ética, jornalismo e nova mídia: uma moral provisória. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. FAUSTO NETO, Antônio. Interfaces jornalísticas, tecnologias e linguagens. João Pessoa: Editora da UFPB, 2011. HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. LEMOS, André; PALÁCIOS, Marcos (eds.). As janelas do ciberespaço. Porto Alegre: Sulina, 2001. ___ “Cidade e mobilidade. Telefones celulares, funções pós-massivas e territórios informacionais”. In: Revista MATRIZES, nº 1, out./2007. Disponível: http://migre.me/jEJtW. Acesso 02/07/2013. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2000. A REVOLUÇÃO será pós-televisionada (Elizabeth LORENZOTTI). In: Observatório da Imprensa, 10.07.2013; ed. 754. Disponível em: http://migre.me/jG7eo. Acesso em 11/07/2013. POSTV, de pós-jornalistas para pós-telespectadores (Elizabet Lorenzetti). In: Observatório da Imprensa, 25.06.2013; ed.752. Disponível em: http://migre.me/jG6UI. Acesso em 08/07/2013.
167 MALINI, Fábio. Modelos de colaboração nos meios sociais da internet: Uma análise a partir dos portais de jornalismo participativo. Disponível em <http://migre.me/fjQ1Y> Acesso em 02/07/2013. MCCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis: Vozes, 2009. MOULLIAUD, Maurice. O jornal: da forma ao sentido. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012. PRIMO, Alex. Interação mediada por computador. Porto Alegre: Sulina, 2011. RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Sulina, 2009. RODRIGO ALSINA, Miquel. A construção da notícia. Petrópolis: Vozes, 2009. SANTAELLA, Lucia. Os três paradigmas da imagem. In: SANTAELLA, Lucia; NOTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica e mídia. São Paulo: Iluminuras, 1997. SILVA, Fernando Firmino da. Jornalismo e tecnologias da mobilidade: conceitos e configurações. In: ATAS do II Simpósio Nacional de Pesquisadores em Cibercultura – ABCIBER, 2008, São Paulo. ____ Jornalismo live streaming: tempo real, mobilidade e espaço urbano. In: ATAS do VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo – SBPJor, 2008. Disponível em http://migre.me/jG8oP. Acesso em 29/06/2013. ____Tecnologias móveis na produção jornalística: do circuito alternativo ao mainstream. In: ATAS do 5º Congresso Anual de Pesquisadores em Jornalismo, 2007. Disponível em http://migre.me/jG8w7. Acesso em 29/06/2013.
168 SILVA, Rodolfo Pinto. Agendamento intermediático na era do cidadão produtor de conteúdos. In: Biblioteca on line de Ciências da Comunicação. BOCC, UBI, PT, 2012. Disponível em http://migre.me/jG8EM. Acesso em 25/06/2013. TAVARES, Olga. Jornalismo e convergência: possibilidades transmidiáticas no jornalismo pós-massivo. In: Revista FAMECOS, PUC-RGS, VOL. 20, Nº 1. Disponível em http://migre.me/jG8Rm. Acesso em 26/06/2013. TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2005.
169 Sobre o que se protesta mesmo?
Jonara Medeiros SIQUEIRA103 Thiago SOARES
O comum baseia-se na comunicação entre singularidades e se manifesta através dos processos sociais colaborativos da produção. (Antonio Negri e Michael Hardt)
Imerso em um cenário de construção de teias e novos
eixos desde junho de 2013, o Brasil vive um momento de
espetacularização do ativismo no ciberespaço e na rua,
reverberando para o mundo a sua identidade enquanto país cuja
população busca a garantia de liberdade de expressão e luta
pela conquista de direitos básicos para uma vida digna. Nessa
atmosfera, uma cadeia de demandas tece as bandeiras de
reivindicações colocando em pauta o aumento de passagens de
ônibus, os gastos exorbitantes para a realização da Copa do
Mundo, o repúdio ao projeto de cura gay, melhorias na saúde,
educação, entre outros.
Uma coisa é certa: vivemos hoje uma dessas épocas limítrofes na qual toda a antiga ordem das
103 Email: [email protected]
170
representações e dos saberes oscila para dar lugar a imaginários, modos de conhecimento e estilos de regulação social ainda pouco estabilizados. Vivemos um destes raros momentos, em que, a partir de uma nova configuração técnica, quer dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado (LÉVY, 1993, p.17).
Diante da agenda das ruas, a imprensa comercial
nacional esteve em cheque, avaliada e questionada, quando as
redes sociais se transformaram no ambiente “mais
democrático” e em que se deu a circulação dos “reais”
personagens e “fontes” dos inúmeros protestos. Sendo assim,
os discursos traziam à tona a “verdade” e a “mentira”,
revelando um espelho coletivo, em que todos se encontram
como protagonistas do novo momento histórico. Mas será que
os conectados, em multidão, estão mesmo empoderados?
171
Imagem 1: Protesto“Não é por 20 centavos, é por Direitos”, São Paulo, 13 de junho de 2013, (Foto: Nelson Antoine/AP)
As transformações pelas quais a sociedade
contemporânea passa também impulsionam uma maior
apreensão e uso das tecnologias de informação e comunicação.
Elas marcam o início de uma nova época denominada
“sociedade da informação”, por Manuel Castells:
[...] um novo sistema de comunicação que fala cada vez mais uma língua universal digital tanto está promovendo a integração global da produção e distribuição de palavras, sons e imagens de nossa cultura, como os personalizando ao gosto das identidades e humores dos indivíduos. As redes interativas de computadores estão crescendo exponencialmente, criando novas
172
formas e canais de comunicação, moldando a vida e, ao mesmo tempo, sendo moldadas por ela. (CASTELLS, 2002, p.22)
Assim como no Brasil, manifestações explodem pelas
ruas de várias cidades no mundo. Sinalizam canais onde todos
desejam interagir: os dispositivos virtuais são armas que, em
lugar de apontar apenas, ressoam as ondas de gritos de
protesto. Logo, é importante compreender o conceito de mídia
radical, trazido pelo pesquisador John Downing. O autor faz
referência à discussão da mídia radical, baseada nos estudos de
Arato e Cohen sobre a esfera pública de Habermas (1962).
Segundo o autor, o jornalismo colabora com o fim da
esfera pública enquanto local de discussão dos temas
importantes, debates políticos, científicos e etc. Mas Arato e
Cohen, revelam a ideia de que os movimentos sociais fazem
renascer essa esfera, pois eles têm, em sua estrutura, a
necessidade de debater e de formar a sociedade para debater
tais temas. Diferente da mídia massiva convencional ou mídia
hegemônica, a audiência que Downing apresenta é uma
audiência ativa.
173
Imagem 2: Manifestante “fura” bloqueio policial com celular durante protesto nos arredores do Mineirão, em Belo Horizonte. (Foto:
Bernardo Salce)
Para Downing, não basta o consumo da mídia radical.
Quem vivencia uma relação de consumo com essa mídia
precisa estar em relação ativa com ela e pautando-a, ajudando
no processo de construção da mídia. A “audiência ativa é a que
elabora e molda os produtos da mídia, e não apenas absorve
passivamente suas mensagens” (DOWNING, 2002, p.38).
As mídias alternativas ou radicais estão comprometidas
em lançar um olhar diferente dos meios de comunicação
tradicionais. No caso das manifestações no Brasil, o Mídia
Ninja (coletivo Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação),
vem ganhando destaque ao disponibilizar (via Youtube) e no
174 seu site, ao vivo e sem cortes, imagens dos recentes protestos
que tomaram as ruas de várias cidades no pais. Eles apresentam
a realidade sem cortes ou livre dos enquadramentos por vezes
problemáticos que os veículos de comunicação privados
costumam executar, o que pode comprometer, dependendo da
linha editorial adotada, o exercício do próprio jornalismo.
Apesar do diferencial, a dinâmica da cobertura do
grupo lança mão de práticas coletivas, ao vivo, que são as
mesmas que orientam o jornalismo tradicional, como manter
distância dos fatos, imparcialidade, ouvir o outro lado e separar
opinião de informação. O desafio dessa mídia e o que a
diferencia é a abertura para as avaliações feitas por diversos
segmentos que questionam alguns valores (como
imparcialidade e separação entre opinião e informação).
Assim, percebemos uma via de mão dupla, onde
consumo/produção de cultura permite a emergência de uma
audiência ativa que pode e deve questionar as produções e,
inclusive, participar da elaboração das pautas e produtos de
mídia. É naturalmente uma mídia alternativa ao status quo.
Diferentemente do que ocorre nos eixos de produção da mídia
massiva comercial, em que existe apenas uma relação estreita
de consumo e manipulação em detrimento das necessidades do
175 público e de modo a atender aos ditames da comercialização
dos bens simbólicos.
Imagem 3: Em dia de jogo da Copa das Confederações no Mineirão, 200 mil pessoas foram às ruas em Belo Horizonte pelos serviços e planejamento de mobilidade urbana na cidade, redução da tarifa e contra as ações arbitrárias
envolvendo a Copa no país. Foto: Mídia NINJA
Downing relembra que a audiência ativa não tem a
necessidade de se apropriar de grandes veículos de
comunicação, pois a mídia radical, possui uma imensa
possibilidade criativa e formatos que vão desde um discurso até
as charges, vídeos e o teatro. Nesse sentido, ele lembra o
potencial estético e pedagógico dessas mídias, bem como seu
176 baixo custo. Apropria-se da discussão de Benjamin sobre a
reprodutibilidade técnica e sua utilização pela arte, pelo
público e, por conseguinte, pela mídia radical.
Em contraponto, a Folha de São Paulo104, em matéria
publicada em 04 de julho de 2013, intitulada “Jornalismo
domina rede social em protestos”, afirma que o noticiário
produzido por jornais, portais e TVs brasileiros dominou os
compartilhamentos em redes sociais durante os protestos que
pararam o Brasil em junho. Segundo a publicação, relatada
pelos jornalistas Marcelo Soares e Nelson de Sá, entre 06 e 22
de junho, links da mídia brasileira responderam por 80% dos
endereços de maior alcance nas principais hashtags das
manifestações no Twitter, coletados pelo site Topsy. Só 5%
eram postagens em blogs. No Facebook, embora não seja
possível analisar a composição dos links, a imprensa também
multiplicou seu alcance. Levantamento no site SocialBakers
mostra haver triplicado o volume de pessoas que comentam e
compartilham textos de jornais e revistas brasileiros no
período. Foi o que ocorreu com a página da Folha no
Facebook: de uma média de 200 mil interações diárias antes
104 Cf. Folha de S. Paulo. In: Agência Patrícia Galvão, 28.07.2013. Disponível: http://goo.gl/TFvrHR. Acesso: 05.10.2013.
177 dos protestos, o conteúdo do jornal saltou para quase 600 mil
interações de 20 a 22 de junho. Com 1,7 milhão de fãs, nos dias
do protesto o site do jornal viu mais do que dobrarem as visitas
originárias do Facebook.
Esse fenômeno levou os especialistas a compreenderem
que as reportagens de jornais e portais compartilhadas em
ferramentas como Twitter e Facebook tiveram o papel de
embasar informações, opiniões e críticas dos manifestantes.
Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre
Internet e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito
Santo, diz que os levantamentos confirmam estudos do seu
grupo: “As autoridades [informativas] têm se caracterizado por
ser da imprensa”. Com isso, os usuários de redes sociais usam
notícias para legitimar afirmações: "É um papel estratégico que
a imprensa ocupou".
Já Rosental Calmon Alves, diretor do Centro Knight
para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas,
aponta a simbiose entre mídia social e jornalismo. “Apesar de
ter sido articulado fora da mídia tradicional, o movimento se
nutre do jornalismo. Este se torna ainda mais importante como
instância verificadora, para investigar e publicar fatos.”
O relatório sobre Jornalismo Digital de 2013, divulgado
na última semana de julho pelo Instituto Reuters, de Oxford,
178 revela que a população brasileira assume a dianteira mundial
no compartilhamento de notícias. Enquanto 44% dos
brasileiros trocam e comentam reportagens via mídia social, só
8% dos alemães e dos japoneses o fazem. Os espanhóis
chegam mais perto: 30%. Realizada pela YouGov, a pesquisa
ouviu 11 mil internautas de EUA, Reino Unido, França,
Dinamarca, Alemanha, Itália, Espanha, Japão e Brasil. Os
resultados "sugerem que a cultura de um país é o que define o
engajamento com as notícias on-line", segundo Nic Newman,
ex-estrategista digital da BBC e coordenador do relatório. A
cultura brasileira “é muito social” fora da rede, comenta
Newman, o que se reflete na comunicação colaborativa.
179
Imagem 4: Protesto contra a permanência do deputado federal Marco Feliciano
(PSC) na presidência da Comissão de Direitos Humanos (CDH), Brasília; (CC BY-SA Myke Sena Cobertura Colaborativa
A imprensa teve outro papel nos protestos: o de validar
ou desmentir informações desencontradas disseminadas por
usuários das redes. De um falso Jô Soares anunciando duas
mortes em uma manifestação, no Facebook, ao alerta geral
sobre um golpe militar, no Twitter, os boatos se espalharam
sem controle naquele período. Outro boato dizia que a
presidente Dilma Rousseff havia declarado que desligaria a
internet se as manifestações prosseguissem. A origem deste
último foi identificada em sites de humor. Mas os demais se
180 perdem no emaranhado de versões que acabaram recebendo
acolhida em perfis do Facebook e contas do Twitter. Um deles
dizia que um dos depredadores da sede da Prefeitura de São
Paulo era a mesma pessoa que rasgou as cédulas de jurados na
apuração do Carnaval de 2012: Tiago Ciro Tadeu Faria.
Na realidade, o agressor era o estudante de arquitetura
Pierre Ramon Alves de Oliveira, como revelou a imprensa.
“Você vai descascando, descascando, e é como telefone sem
fio: lá atrás era outra coisa”, afirma Leonardo Sakamoto,
professor de jornalismo da PUC-SP. Ele chegou a postar em
seu blog no UOL105, empresa do Grupo Folha, que edita a
Folha, “os dez mandamentos para jornalista de Facebook e
Twitter”. O primeiro é “não divulgarás notícia sem antes
checar a fonte de informação”.
105 Cf. http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br,
181
Imagem 5: Protesto “Não é por 20 centavos, é por Direitos”, São Paulo, 13 de junho de 2013. (Foto: CC BY-SA) NINJA
Ao estudar as produções desses autores, percebemos
que os receptores, cada vez mais, estão se afastando daquela
imagem de vítima de um suposto “complô da mídia”. É o que
Marcos Ianoni, em seu artigo “Sobre o Quarto e Quinto
Poderes”, adverte:
Dizer que a mídia veicula ideologia não significa dizer também que só haja dominação e não haja sujeito no processo de comunicação feito por meio dos mass media. Não se trata de ter uma visão apocalíptica do jornalismo e da indústria cultural, ou dogmaticamente frankfurtiana, até porque isso seria negar a dialética, o movimento
182
contraditório do real que atravessa inclusive a mídia106. (IANONI, 2005)
É certo que a comunicação dialógica se dá na existência
de uma relação entre sujeitos que pensam e problematizam sua
própria realidade, o que nos afasta da concepção condutista,
que previa um receptor inerte, apenas vítima dos programas
dos meios de comunicação. Hoje, percebemos, que inclusive
com a explosão do acesso à internet e as novas formas de
colaboração e produção utilizadas pelas mídias radicais ao
longo dos protestos de julho, como chama atenção Dominique
Wolton, que o receptor não é esse ser tão previsível, estático.
Impossível falar de vitória da comunicação sem falar daquele a quem ela se dirige: o receptor. Na realidade, o receptor complica tudo, raramente está onde o esperamos, compreendendo em geral, algo diferente do que lhe dizemos ou gostaríamos que compreendesse pelo som, pela imagem ou pelo dado. Ele é a caixa preta. (WOLTON, 1999, p.32)
Mesmo assim, ainda constatamos que, no Brasil, a
posição de sujeito fica muito comprometida quando
observamos a comunicação sendo utilizada como moeda de
troca política, ou mesmo, como um produto vendável em meio 106 Cf. INTERVOZES – Coletivo de Comunicação. Disponível em: http://migre.me/jH70A. Acesso: 17.06.2013.
183 a uma sociedade centrada na mídia (LIMA, 2006), onde o que
ocorre socialmente aparentemente só adquire conceito de real
quando é exposto, mesmo que de forma espetacular, pelos
meios de comunicação.
Todavia, o papel mais importante que a mídia desempenha decorre do poder de longo prazo que ela tem na construção da realidade através da representação que faz dos diferentes aspectos da vida humana – das etnias (branco/negro), dos gêneros (masculino/feminino), das gerações (novo/velho), da estética (feio/bonito) etc. – e, em particular, da política e dos políticos (LIMA, 2006, p.55).
Mas, de qual comunicação estamos falando? Daquela
que busca o diálogo, ou a que trabalha para manter as pessoas
em sua ignorância ou obscurantismo, em meio à consolidação
de uma indústria de bens simbólicos?
Nos meios de comunicação não apenas se reproduz ideologia, mas também se faz e refaz a cultura das maiorias, não somente se comercializam formatos, mas recriam-se narrativas nas quais se entrelaça o imaginário mercantil com a memória coletiva. (MARTÍN- BARBERO, 2002, p.63).
184
Na verdade, a luta de todos e todas – com base em cada
especificidade – é para a efetivação de políticas públicas que,
de fato, busquem as reais condições de direitos garantidos,
levando em consideração a riqueza dessa diversidade e sua
importância para o pleno exercício da cidadania pela
população. Se o Brasil não ousar sair desse lugar de imposição
do pensamento e da tomada da palavra por poucos, correremos
o risco de continuarmos em incomunicação, como traduz
Eduardo Galeano:
Esse mundo sem alma que os meios de comunicação nos apresentam como único possível, os povos são substituídos pelos mercados; os cidadãos, pelos consumidores; as nações pelas empresas; as cidades pelas aglomerações; as relações humanas pelas concorrências comerciais. (GALEANO in MORAES, 2006, p. 150)
Referências CASTELLS, M. A sociedade em rede. S. Paulo: Paz e Terra, 2002. DOWNING, John D.H. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. São Paulo: Editora Senac, 2002. GALEANO, Eduardo. A Caminho da Sociedade da Incomunicação? In: MORAES, D. (Org). Sociedade midiatizada. Rio: Mauad, 2006.
185 HABERMAS, Jürgen (1989), Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. IANONI, Marcus. Sobre o quarto e o quinto poderes. In: www.intervozes.org.br/artigos/ianoni.pdf. Acesso: 17. 03.2005. Informativo INTERVOZES, nov. 2007. Disponível: http://migre.me/jG93v. Acesso: 24.06. 2013. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. LIMA, Venício A. de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. MARTÍN-BARBERO, J. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUZA, M. W. (org.) Sujeito: o lado oculto do receptor. S. Paulo: Brasiliense, 2002. WOLTON, Dominique. Pensar a comunicação. Lisboa: Difel, 1999.
186 Vândalos ou ativistas: cobertura jornalística dos protestos
Hallita Amorim Cézar Fernandes e AVELAR107
Hildeberto BARBOSA FILHO108
“Não é só pelos 20 centavos”
No dia 6 de junho de 2013, jornais impressos,
televisivos, radiofônicos e online começaram a noticiar aquela
que parecia ser apenas mais uma manifestação popular local.
Inconformados com um reajuste da tarifa do transporte urbano,
que passaria de R$ 3,00 para R$ 3,20, centenas de moradores
de São Paulo invadiram as ruas da cidade, em especial a
Avenida Paulista, com faixas e bandeiras de protesto.
O movimento na cidade se repetiu nos dias 7 e 11,
espalhando-se por outras grandes cidades brasileiras, como
Natal, Porto Alegre, Teresina, Maceió, Rio de Janeiro e
Sorocaba, no dia 13. De início, as manifestações foram
marcadas por intensa repressão da polícia, especialmente em
São Paulo e no Rio de Janeiro, que continha a população com
bombas de efeito moral, balas de borracha e spray de pimenta. 107Graduada no curso de Comunicação Social – Jornalismo e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected]. 108 [email protected] (orientador).
187 Muitos manifestantes e até a própria imprensa, que fazia a
cobertura jornalística dos fatos, foi afetada, e alguns
profissionais chegaram a ser detidos provisoriamente.
Em texto publicado em sua página no Facebook no dia
14 de junho, a repórter do jornal Folha de S. Paulo Giuliana
Vallone relatou o momento em que fora atingida no olho por
uma bala de borracha vinda de um policial militar, no dia
anterior. Sua foto, coberta de sangue e com o olho inchado,
estampou os principais jornais do país.
Não vi nenhuma manifestação violenta ao meu redor, não me manifestei de nenhuma forma contra os policiais, estava usando a identificação da Folha e nem sequer estava gravando a cena. Vi o policial mirar em mim e no querido colega Leandro Machado e atirar. Tomei um tiro na cara. O médico disse que os meus óculos possivelmente salvaram meu olho. (VALLONE, 2013).
Após uma onda de conflitos entre manifestantes e
policiais nos primeiros dias de protestos, o movimento entrou
em uma “segunda fase” caracterizada pela intensa participação
popular e por posturas essencialmente pacíficas, inclusive por
parte da polícia. O aumento da cobertura jornalística, que
passou a defender os manifestantes das atrocidades cometidas
188 pelos policiais, deu credibilidade ao movimento, o que resultou
em uma maior atenção das autoridades e maior respeito entre a
própria população.
No dia 17 de junho, houve a chamada “White Monday”
(ou “Segunda-feira Branca”), quando os manifestantes
convidaram a população a ir às ruas vestindo branco em forma
de protesto. Quem ficou em casa também colaborou, exibindo
panos ou faixas brancas nas janelas. Nesse mesmo dia se deu a
ocupação da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, quando
ativistas subiram na rampa e no teto do Congresso Nacional.
Entre os dias 17 e 21, algumas cidades tiveram
protestos diários e outras começaram a se manifestar. Nessa
época a questão do transporte público começou a dar espaço
para outras reivindicações da população, como a qualidade do
serviço público de saúde, os investimentos em educação, o
combate à corrupção e a derrubada da PEC 37109.
Iniciada a Copa das Confederações no Brasil, no dia 15,
os manifestantes passaram a rondar os estádios com jogos da
seleção brasileira, situação que exigiu intensa participação da
polícia para evitar prejuízos ao evento. Na ocasião, a população 109 Proposta de Emenda Constitucional que previa limitar o poder de investigação criminal às Polícias Civil e Federal. Nesse caso, organizações como o Ministério Público não poderiam mais exercer esse papel.
189 questionava os altos gastos com infraestrutura para a
competição, dinheiro esse que deixara de ser investido em
outros setores, bem como o montante possivelmente desviado
pelas autoridades. Na abertura do evento, a presidente Dilma
Rousseff foi vaiada pelos torcedores.
Ao longo do mês seguinte, o movimento foi se tornando
mais esporádico, com protestos isolados principalmente em
São Paulo e no Rio. Entre as vitórias é possível citar a redução
do preço das passagens em várias cidades brasileiras, a queda
da PEC 37 e a aprovação, no Senado, de um projeto que torna a
corrupção um crime hediondo.
Os protestantes segundo a cobertura jornalística
Ao longo do mês de junho, os protestos se tornaram
mais intensos em todo o país, quando foi possível perceber, por
parte da própria população e de alguns veículos de
comunicação, uma mudança de postura com relação ao atores
envolvidos nos movimentos. Antes vistos como “arruaceiros”,
os manifestantes começaram, pouco a pouco, a conquistar a
confiança de setores da sociedade civil e da imprensa, ao
repreenderem atitudes dos governantes, muitas vezes aceitas
passivamente pela população acomodada.
190
Além da mudança de postura com relação aos
manifestantes, o recorte feito pelos veículos de comunicação
hegemônicos, priorizando muitas vezes os atos de violência,
passou a mostrar e até enfatizar em seu texto o caráter pacífico
das manifestações na maior parte dos momentos. Esse aspecto
foi abordado em matéria da edição de julho da Revista
Imprensa.
Inicialmente, a linha editorial de algumas publicações deu ênfase aos atos de vandalismo que destoavam do ritmo das reivindicações. Após a manifestação do dia 13 de junho, em São Paulo, marcada pelos excessos da Polícia Militar, a cobertura mudou, sobretudo porque muitos jornalistas saíram feridos. (PACETE, 2013, p. 42)
Outra situação recorrente ao longo dos dias em que se
desenrolaram as reivindicações foram mudanças claras de
posição por parte de alguns jornalistas brasileiros de renome.
Inicialmente contrários às manifestações populares, os
profissionais em questão criticaram veementemente a iniciativa
popular, chegando a classificar o movimento de “baderna”.
Em uma abordagem claramente tendenciosa, o
apresentador José Luiz Datena, da Rede Bandeirantes,
questionou o público a respeito dos protestos, generalizando ao
tomá-los como “atos violentos” e parecendo não acreditar na
191 opinião contrária dos telespectadores. “Eu acho que o protesto
tem que ser pacífico, não pode ter depredação, não pode
impedir via pública e [o movimento] joga esses caras contra a
população, porque já tem muita gente revoltada contra essas
pessoas que estão fazendo esse tipo de protesto violento”
(DATENA, 2013).
O caso do apresentador José Luiz Datena foi apenas
mais um entre os momentos mais emblemáticos da cobertura
jornalística dos protestos de junho de 2013. No desenrolar dos
acontecimentos, não foi difícil encontrar jornalistas (assim
como autoridades) mudando claramente de posição, trocando
um discurso de ataque aos manifestantes por outro de
compreensão ou até de apoio.
Muitas dessas mudanças de postura se deram após
intensas críticas por parte do público, assim como depois de
membros da própria imprensa terem sofrido represália violenta
e desproporcional de alguns policiais militares. Após fazer
declarações de total repúdio aos protestos, o jornalista Arnaldo
Jabor foi um dos que voltaram atrás no discurso, fazendo uma
autocrítica que foi transmitida em sua coluna na rádio CBN.
Errei na avaliação do primeiro dia das manifestações contra o aumento das passagens de São Paulo. Falei na TV sobre o que me parecia
192
um bando de irresponsáveis fazendo provocações por causa de 20 centavos. Era muito mais que isso, mas eu fiz um erro de avaliação. (...) Esse movimento (...) tinha toda a cara de anarquismo inútil e critiquei-o porque temia que tanta energia fosse gasta em bobagens, quando há graves problemas a enfrentar no Brasil. Mas a partir de quinta-feira, com a violência maior da polícia, ficou claro que o Movimento Passe Livre expressava uma inquietação que tardara muito no Brasil (Jabor, 2013).
Partindo para o telejornalismo, o canal GloboNews,
responsável por uma das coberturas mais completas do
período, pareceu seguir a mesma linha de tratamento com
relação aos manifestantes desde o início do movimento. No
entanto, há uma mudança de foco nas reportagens.
Analisando matérias exibidas pelo Jornal GloboNews
nos dias mais intensos de protesto, priorizando cidades grandes
como São Paulo e Rio de Janeiro, é possível perceber de início
o uso insistente da palavra “manifestantes” como forma de
definir os envolvidos na ação. Por outro lado, o que mais se
mostra ou se questiona nas reportagens das mídias corporativas
são os “tumultos” gerados nas ruas.
Em matéria do dia 7 de junho, a repórter Maria Júlia
Coutinho inicia seu texto enfatizando os transtornos causados
na noite anterior, antes de chamar a fala de uma entrevistada.
193 “A manhã foi para apagar as lembranças do tumulto de ontem à
noite. Izabel estava trabalhando quando começou o quebra-
quebra” (COUTINHO, 2013).
Ao final da reportagem, a jornalista volta a generalizar
o movimento. “Hoje cedo, muita gente ainda não entendia
como um protesto para reivindicar melhorias para a cidade
terminou em tanta destruição” (COUTINHO, 2013). Os
caracteres exibidos durante toda a reportagem também parecem
ser bem tendenciosos, ao mostrar apenas o lado negativo do
movimento (Figura 1).
Figura 1: matéria da GloboNews enfatiza lado negativo dos protestos.
194
Em vídeo do dia 17 de junho, por outro lado, o repórter
Rodrigo Carvalho enfatiza a atitude pacífica dos cerca de 100
mil manifestantes no Rio de Janeiro que, segundo ele, gritavam
“palavras de ordem, fazendo cobranças, um manifesto pacífico
sem nenhum enfrentamento com a polícia, nem nenhum tipo de
provocação” (CARVALHO, 2013). Fazendo uma clara
distinção entre ativistas e vândalos, o jornalista continua a
história relatando as ações de um grupo bem menor que,
naquele mesmo dia, depredou a Assembléia Legislativa do Rio
de Janeiro. Para ele, parecia tratar-se de dois movimentos
completamente diferentes (Figura 2).
Figura 2: jornalista enfatiza existência
de dois grupos diferentes de manifestantes.
195
Na tentativa de esclarecer a opinião pública e reforçar
sua posição diante dos protestos, especialmente na “segunda
fase” das manifestações, percebemos nos veículos de
comunicação dominantes o uso exagerado da palavra
“pacífico”, e outros termos similares, revelando a intenção da
parte de quem deseja anular e minimizar a natureza corajosa e
agressiva do movimento. Aliás, da parte das mídias
corporativas, é nítida a distinção feita, forjando, de um lado, a
representação midiática do grupo formado pelos manifestantes
e, do outro lado, a representação midiática do grupo formado
por indivíduos agindo com violência nas reivindicações.
Assim, a complexidade das forças e intensidades que agitaram
a manifestação social, foi obliterada nas reportagens feitas
pelos meios de comunicação de massa.
No banco de vídeos online do Jornal Nacional, por
exemplo, é possível perceber títulos como “São Paulo tem
manifestação pacífica nesta segunda-feira (17)”, assim como o
uso do termo “manifestantes radicais”, fazendo referência a
atos de vandalismo isolados retratados em uma reportagem do
dia 20 de junho. Entre as matérias deste dia, é possível
perceber mais um vídeo de violência, em que a palavra
“vândalos” é usada para representar um grupo de participantes
que depredaram uma cabine de polícia no Rio de Janeiro.
196
E no âmbito do jornalismo impresso, o jornal Folha de
S. Paulo deixou clara a sua mudança de posição em algumas
das manchetes escolhidas para retratar os acontecimentos.
Na publicação datada de 13 de junho, a manchete
“Governo de SP diz que será mais duro contra vandalismo” é
encabeçada pela foto de um policial impedindo ação de um
militante. A legenda da foto diz: “Ferido, policial militar
Wanderlei Vignoli agarra militante e aponta arma contra
manifestantes para evitar que fosse linchado no protesto de
anteontem em SP; um dia depois, ele disse que teve medo de
morrer ao ser cercado” (Figura 3).
Figura 3: em manchete de 13 de junho,
jornal enfatiza combate ao vandalismo nas ruas.
197
Na capa do dia seguinte, o posicionamento é diferente.
Após forte repressão da polícia, inclusive contra a imprensa, a
manchete do dia é “Polícia reage com violência a protesto e SP
vive noite de caos”, mostrando uma clara mudança de postura
do jornal, que troca os papéis de heróis e vilões. Na foto, a
imagem de um policial agredindo um casal que estava em um
bar na Avenida Paulista no momento do protesto. A mesma
edição traz uma matéria sobre o incidente com a repórter
Giuliana Vallone, atingida no olho por uma bala de borracha
durante a cobertura dos acontecimentos (Figura 4).
Figura 4: Folha de S. Paulo muda posicionamento
depois de reação violenta da polícia
198 Heróis ou bandidos? Avaliar com profundidade o posicionamento dos
principais órgãos de imprensa, durante os protestos realizados
no mês de junho de 2013, exigiria um estudo mais abrangente
de jornais impressos, revistas, sites, programas de rádio e
telejornais. Ainda assim, já é possível afirmar a existência de
uma clara dicotomia estabelecida entre os manifestantes
pacíficos e os vândalos (Figura 5).
Para Robert Karl Manoff (1986 apud TRAQUINA,
2002, p. 87),
a escolha da narrativa feita pelo jornalista não é inteiramente livre (...) é orientada pela aparência que a ‘realidade’ assume para o jornalista, pelas convenções que moldam a sua percepção e fornecem o repertório formal para a apresentação dos acontecimentos, pelas instituições e rotinas. (MANOFF, 1986 apud TRAQUINA, 2002, p. 87)
Figura 5: Manchete do G1 Ceará distancia vândalos e manifestantes pacíficos.
199
Opinando sobre o assunto, o analista de mídia e
professor da USP Eugênio Bucci chegou a comentar que os
eventos daqueles dias nada mais eram do que uma reação tardia
daqueles que sofrem todos os dias nas mãos de quem ele
chama de “vândalos engravatados”.
É preciso considerar também que a rotina de muitas dessas pessoas é de agressão cotidiana. Vândalo é quem empurra a multidão para um transporte público como o de São Paulo. São os vândalos engravatados (...) Essa situação mais complexa talvez não tenha sido entendida na cobertura da mídia, embora seja muito difícil fazer uma avaliação universal e generalizante. (BUCCI apud FRAGA, 2013).
Seja qual for o direcionamento dado por cada empresa,
parece não ser equivocado afirmar que, como em tantos outros
momentos da história, os meios de comunicação de massa
agiram de formas diferentes de acordo com o andar dos
acontecimentos. A truculência dos policiais militares com a
própria imprensa e as fortes críticas por parte da população
(mais um resultado da força que o movimento foi ganhando
com o tempo) foram alguns dos fatores primordiais que
fizeram com que muitas empresas voltassem atrás em seus pré-
200 julgamentos, tomando uma postura aparentemente favorável ao
povo brasileiro.
Referências CBN. Amigos, eu errei. É muito mais do que 20 centavos. In: CBN. Globo.com, 17.06.2013. Disponível em: <http://migre.me/jG9at>. Acesso em: 16 jul. 2013. FRAGA, I. Protestos no Brasil acendem debate sobre qualidade da cobertura da grande mídia. In: Blog Jornalismo nas Américas, 2014. Disponível em: <http://migre.me/jG9fA>. Acesso: 17.07.2013. G1 – Portal de notícias da Globo. Manifestantes fazem novo protesto contra aumento do transporte público em São Paulo. Disponível em: <http://migre.me/jG9fA. Acesso em: 17 jul. 2013. G1 – o portal de notícias da Globo. Minoria de vândalos confronta polícia após protesto pacífico em Fortaleza. Disponível em: <http://migre.me/jG9fA>. Acesso em: 17 jul. 2013. G1 – O portal de notícias da Globo. Repórter da ‘Folha’ atingida por bala diz que óculos salvaram seu olho. Disponível em: http://migre.me/jH6sR. Acesso em: 15 jul. 2013. São Paulo tem manifestação pacífica nesta segunda-feira. In: G1 – o portal de notícias da Globo. Disponível em: http://migre.me/jH6ig. Acesso em: 17 jul. 2013. Protesto no Rio começa pacífico e termina com vandalismo na Alerj. In: G1 – O portal de notícias da Globo. Disponível em: http://migre.me/jH6a8. Acesso em: 08.06.2014. PACETE, Luiz Gustavo. Na corda bamba. Revista Imprensa, São Paulo, v. 26, n. 291, julho 2013.
201 TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2002. WIKIPEDIA – a enciclopédia livre. Protestos no Brasil em 2013. In: WIKIPEDIA. A enciclopédia livre. Disponível em: http://migre.me/jH61e. Acesso em: 08.06.2014. YOUTUBE. Datena fala a respeito do protesto Passe Livre. In: YouTube, 17.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jH5Fl. Acesso em: 08.06.2014.
202 Ciberativimo nos protestos do Brasil - Hashtags como agregadores de informação em redes sociais
Mariah ARAÚJO110 Pedro NUNES111
Introdução
Ao propor uma discussão sobre a importância das
hashtags nas manifestações que dominaram o Brasil no mês de
junho de 2013, torna-se fundamental discutir o alcance social
das redes na web correlacionando esse alcance ao ambiente
midiático e jornalístico. Primo (2013) destaca que: “A rigor, não há como deixar de reconhecer a importância política da liberdade de expressão promovida pelas interfaces fáceis e baratas (ou gratuitas) dos meios digitais. Nem tampouco pode-se ignorar a força dos movimentos espontâneos em rede, cujos efeitos antes não eram possíveis em uma sociedade caracterizada pela mídia de massa. As próprias práticas de ciberativismo comprovam a força dos meios digitais para articulação, mobilizações e ações políticas.”(PRIMO,2013, p.17).
110 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo. Mestrado Profissional UFPB, e-mail [email protected]. 111 Orientador do trabalho. Professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo-Mestrado profissional UFPB. Email: [email protected]
203
Nesse sentido, deve-se reconhecer que as redes sociais
digitais, como o Facebook e Twitter foram os grandes ícones
dos movimentos que tomaram o Brasil em junho de 2013.
Pessoas conectadas puderam expressar e dar voz aos seus
interesses, expectativas e insatisfações através desses canais e
puderam ainda engajar outros atores sociais. Através das redes
as pessoas fizeram suas revoluções, e foi através delas também
que informações sobre os protestos foram disseminadas.
O jornalista e pesquisador Ricardo Oliveira, em artigo
publicado na coluna Cultura Digital, do Jornal da Paraíba,
mostra que dados divulgados pela Box1824 através da pesquisa
“O Sonho Brasileiro”, informam que o jovem no Brasil
acredita no país e em ações individuais como fator
transformador e vê a web como ferramenta de ação. Os
protestos realizados no país entram em consonância com esse
apontamento da pesquisa, pois mostram que os jovens
evoluíram e não mais se limitam a ocupar apenas as funções de
espectadores na sociedade; eles também encontram seu lugar
nas estratégias de luta e produção de conteúdos.
Para enxergarmos um pouco como este ativismo social
e produção de informação através da internet tem se
aproximado das funções do jornalista, examinaremos aspectos
contraditórios, que mostram o usuário da rede como “um quase
204 jornalista” e reconhecem a sua colaboração como uma legítima
fonte de informação.
O fim da profissão em 2020, como previu nos anos 90 o
professor e jornalista José Luiz Martinés, é um primeiro
aspecto da relação da informação com os interagentes da web.
O pesquisador previu que as novas tecnologias tornariam o
jornalismo desnecessário, e as pessoas não precisariam ou não
se interessariam por ele. Martinés ainda afirmou que as
próprias concepções de imprensa irão sumir ao mesmo tempo
em que desaparecerá o direito à informação de qualidade. Os
novos provedores de informação não serão propriamente
jornalistas no sentido clássico e histórico. (MARTINEZ-
ALBERTOS, 1997). Nessa perspectiva do autor, o lugar do
jornalista pode ser ocupado por amadores, mas com tempo
livre para produzir conteúdo, o que se assemelha ao que se viu
nas redes sociais durante as manifestações em junho no Brasil.
Essa análise de que a função de jornalista poderá ser
remediada por sujeitos sem formação profissional também é
discutida por Pinto (2000), que considera a multiplicação das
fontes uma complexificação da vida social, como conseqüência
do desdobramento das instâncias produtoras de discursos e
iniciativas:
205
“Assim, afirmar que a instância privilegiada de mediação social que o jornalismo constituía (e em boa medida ainda constitui) passou a ser disputada, a montante, por fontes organizadas e profissionalizadas que vieram complexificar os processos sociais de recolha e seleção (newsgathering e gatekeeping) das notícias e, por conseguinte, os processos de construção da própria realidade social”. (PINTO, 2000, p.282).
No entanto, os manifestantes atuantes nas redes sociais,
durante os protestos de junho são considerados apenas fontes para a produção jornalística. Para Recuero (2009):
“As redes sociais podem produzir, filtrar e reverberar informações que poderiam ser consideradas relevantes para seus grupos, baseada em percepções específicas de seus membros, que ativamente engajam-se na busca pelo capital social. Assim, ao mesmo tempo que fazem esse trabalho, as redes podem constituir-se em focos complementares do jornalismo...” (RECUERO, 2009, p.13).
Considerando-se as perspectivas apresentadas, podemos
afirmar que nesse aspecto, as redes sociais produziram
informação e também serviram de fonte para os jornalistas. Os
jovens em busca de mudanças e em ação nas redes sociais
usaram a web para divulgar informações sobre as
manifestações de forma mais rápida que muitos jornalistas,
propagaram seus ideais e ainda produziram conteúdo que
serviram de fonte para o jornalismo tradicional.
206
Depois de apontar pistas para os questionamentos em
torno das redes sociais digitais, os interagentes e os jornalistas
– questionamentos, que, aliás, estão longe de serem
respondidos com clareza, considerando-se a constante
remediação das práticas jornalísticas e midiáticas na web,
buscamos neste artigo discutir de forma introdutória o papel de
uma das ferramentas das redes sociais nos protestos: a hashtag.
Qual a função da hashtag nos discursos das
manifestações em junho? Qual a sua importância como
pensamento aglutinado? E por fim, o seu papel como
dispositivo de memória e conseqüentemente, de cognição, na
web e na práxis jornalística.
Discursos das Hashtags
Antes de questionar o papel da hashtag nas
manifestações de junho, é preciso definir o que são as hashtags
nas redes sociais.
No ciberespaço, para desempenhar seu papel social
usando a web, o usuário publica conteúdos e os agrupa através
de uma ferramenta chamada hashtag. A hashtag é um
“indicador de assunto, normalmente representado pelo sinal
207 “#” (jogo da velha) seguido da palavra indicativa do assunto.”
(RECUERO, 2009)
Em artigo publicado em seu site, a jornalista e
pesquisadora Raquel Recuero explica que nos protestos de
junho que tomaram o país, as hashtags funcionaram como
indício de organização da narrativa das manifestações. Quando
o usuário de uma rede social usou uma hashtag para publicar
um post, essa publicação rapidamente se tornou parte da
narrativa desses protestos por meio dessa ferramenta.
As informações entre os manifestantes foram trocadas
pelo Facebook e Twitter por meio das hashtags. No texto das
postagens, estas eram incluídas para que os assuntos pudessem
ser agrupados em torno de um tópico específico sobre os
protestos. Assim, quem reivindicava podia fazer a busca do
tema que mais se pareça com a voz que queria ecoar, com a
reivindicação que para ele deve ser reverberada, e aí, segue-se
uma nova mensagem direcionada. O uso das hashtags fez parte
da grande força que os protestos tiveram pelas redes sociais
digitais e até fora delas. Mas, é importante ressaltar que essas
“etiquetas”, não são usadas apenas por grupos engajados nas
transformações políticas, ou em períodos pontuais. Vários
setores da pesquisa científica, das artes e do marketing utilizam
a ferramenta para agrupar os assuntos por categoria, palavra-
208 chave e assim transformar os temas de interesse em hiperlinks,
que o usuário da rede social quer divulgar e indexar a
mecanismos de busca. Ou seja, as hashtags servem a várias
outras plataformas no mundo virtual e presencial. Nesse
sentido, observa-se que as hashtags estão presentes com seu
jogo da velha, no mercado publicitário, artístico, cultural e
social: os veículos de comunicação, por exemplo, podem assim
saber dos assuntos de interesse do leitor/ouvinte/telespectador;
o músico pode divulgar seu novo trabalho; o fã pode buscar
informações específicas sobre um show, final de campeonato,
lançamento de álbum, filme, livro; moradores de um mesmo
bairro podem trocar informações sobre os problemas comuns;
motoristas podem saber sobre os fluxos do trânsito. Enfim, a
possibilidade de discussão e busca propiciada pelo hiperlink da
ferramenta, otimiza o seu uso em diversas áreas. Mas, o que
nos contam essas hashtags dos protestos de junho?
1.1 Porque tantas hashtags
As movimentações online dos protestos foram
tomadas por inúmeras hashtags e nas ruas foram realizadas
inúmeras reivindicações. Se na rua, o movimento não era
orquestrado por uma única reivindicação, na web as hashtags
209 também eram sinônimo dessa multiplicidade de reclamações
por direitos.
O pesquisador Fabio Malini discutiu sobre a
movimentação online relativa aos atos em São Paulo no site da
Revista Galileu, e apontou que numa manifestação tão intensa
o convite na internet não foi feito apenas por uma hashtag. Os
movimentos no Brasil que se articularam no Facebook – site
que se tornou padrão de relacionamento social no país – pode
ilustrar a dinâmica rua/web:
“A dinâmica do Facebook ilustra curiosamente a articulação rua e rede. Há aqueles que estão presente na primeira; há aqueles que estão na segunda. Os primeiros enunciam; Os segundos anunciam. Os primeiros, de dentro da mobilização, relatam. Os segundos, de dentro da rede, espalham e comovem (...). Numa análise muito rápida do evento Terceiro do Ato (hoje já virou Quarto Ato), uma curiosidade: os post possuem, em geral, mais de duas linhas de texto. O que isso significa? Que os perfis estão emocionalmente engajados. Não há muito lugar para a “racionalidade habermasiana”, para teorizar. Só há lugar para a emoção n-1, ou seja, a emoção que deriva de um efeito dos nós da rede (n) que atravessam o perfil”. (MALINI, 2013).
Assim, as inúmeras hashtags refletem o momento
emocional do país e dos manifestantes. Nesse caso, mensurar e
210 detalhar toda a dinâmica das hashtags é o mais difícil. Numa
observação rápida percebe-se que estamos falando de inúmeras
hashtags que representam mobilizações e desejos diferentes.
Ainda remontando a demonstração de Malini, reconhecemos
que os retuítes comprovam o caráter emocional e desordenado
dos protestos. Isto se reflete diretamente nas hashtags, a
exemplo dos perfis sem muita visibilidade anteriormente e que
emergiram durante os protestos, como o caso de @choracuica,
retuitada 190 vezes com a frase: “não é mais sobre a tarifa: isso
ficou muito maior que a questão da tarifa.”.
O direito de se manifestar sobre qualquer causa parece
confirmar a hipótese de que as inúmeras hashtags refletiram as
inúmeras causas. O Portal EBC mapeou alguns exemplos das
hashtags mais usadas durante as manifestações no país em
notícia divulgada no site da Empresa Brasileira de
Comunicação. Na notícia, foi atribuído valor a cada hashtag,
como mostra a figura abaixo:
211
Percebe-se que a criação de uma hashtag, bem como o
contexto evocado por cada uma delas, consiste efetivamente
em uma reflexão das lutas sociais. Para compreender as formas
de utilização das hashtags, rastreamos a linha do portal de
notícias EBC e as descrevemos buscando investigar o papel das
hashtags e a sua importância na coordenação das estratégias
interativas dos manifestantes:
1- #VemPraRua: Hashtag de participação. Ela convida as pessoas a fazerem parte e incentiva quem está envolvido e quem não está com a onda de protestos;
2- #VemPraJanela: Segue a linha da primeira, convocando dessa vez quem está em casa ou no trabalho vendo as manifestações e não podem sair em passeata;
3- #OGiganteAcordou: Aborda a vontade crescente do povo brasileiro em se manifestar, comparando a acomodação de antes;
4- #OBrasilAcordou: Deriva da última hashtag #OGiganteAcordou, e critica o passado morno e parabeniza o presente ativista;
212
5- #AcordaBrasil: Essa convoca as parcela da população que ainda não decidiu se manifestar e não foi as ruas protestar;
6- #NãoÉPor20CentavosÉPorDireitos: É uma defesa a crítica de “muito barulho por nada” e da generalização dos protestos sem uma definição única.
7- #PasseLivre: Representa um dos movimentos sociais, o Passe Livre e é também uma reinvidicação;
8- #PEC37: Aborda a Proposta de Emenda a Constituição que propunha a saída do Ministério Público em investigações criminais;
9- #CopaPraQuem: Questiona os eventos esportivos que o Brasil vai sediar em detrimento a saúde e educação;
10- #ChangeBrazil: Hashtag que tenta dar cunho internacional aos protestos que tomaram o Brasil em junho de 2013;
11- #VdeVinagre: Aborda dois símbolos dos protestos: a alusão ao personagem do HQ V de Vingança , representando a luta por liberdade. O vinagre por sua vez está em contraponto a violência da polícia que usou bombas de gás lacrimogênico contra os ativistas;
12- #SemViolência : Hashtag auto explicativa, pedia o fim da violência tanto a polícia quanto aos manifestantes.
Para uma apreciação do valor das hashtags e sua
produção de sentido no âmbito das linguagens que informam
os protestos urbanos, é importante aqui descrever a apropriação
publicitária das hashtags nesse período. É que as duas hashtags
mais emblemáticas dos protestos (#VemPraRua e
#OGiganteAcordou) são advindas da propaganda, como
explica a jornalista Camilla Costa em reportagem escrita para o
site da BBC Brasil. Na reportagem, a jornalista discute com
especialistas as razões dessas apropriações, e mostra que as
frases de efeito criadas para as campanhas de marketing,
sintetizaram a comoção vivida em rede durante os protestos, e
213 por esse motivo foram usadas em forma de hashtags. Segundo
um levantamento da empresa de relações públicas GRUPO
Máquina, entre os dias 19 e 21 de junho a expressão
#VemPraRua teve mais de 160 mil menções nas redes sociais,
e a etiqueta #OGiganteAcordou aproximandamente 100 mil.
Esse dado mostra que o caráter de “chamada” das duas
campanhas foi eficaz na adesão social ao movimento porque
traduziu pleitos.
Ainda na reportagem de Costa, o cientista político
Marco Aurélio Nogueira explica que uma das formas de se ter
identidade é juntar a sua imagem certas marcas. Usar uma
hashtag ostra que se é participante de algo. O ator social pode
ser associado aquilo e encontrado. Não é preciso um grande
discurso, a pessoa já mostra através da hashtag o seu
pensamento, que está em concordância com aquele ali,
aglutinado.
Hashtags como formas de pensamento aglutinado
A tendência do modelo de rede social parece querer
isolar as pessoas, mas o que se vê – e os protestos pelo Brasil o
comprovam- é que as viagens no ciberespaço são de
ajuntamento social também. Entendemos que as hashtags
214 contribuem para essa aproximação social porque reúnem
temáticas comuns através da marcação do jogo da velha,
ajudando as pessoas a se encontrarem e a utilizarem a
ferramenta de maneira afirmativa - nesse caso específico -
como instrumento de protesto e ativismo online.
Os movimentos de junho de 2013 no Brasil emergiram
de uma rede temporal e espacialmente fluida, e diante disso, as
hashtags tiveram papel fundamental auxiliando nos encontros,
como ferramenta de busca, agregando as pessoas com as
mesmas vontades e expectativas. Os ciberativistas puderam se
reunir a partir das intencionalidades comuns, conjunção de
ideais e interesses afins. Através deste expediente forjaram
uma “forma nova” de espaço público, informacional, propício
aos debates, discussões e tomadas de decisões. Quando falamos
em “forma nova” reconhecemos o surgimento de um novo
ambiente comunicacional, em que a cultura de protestos pode
emergir a partir do uso social das tecnologias da informação.
Há quem superestime o uso das tecnologias e suas
hashtags como alavancas imprescindíveis para a força e o êxito
dos protestos; mas – por outro lado - não podemos subestimar
do papel afirmativo dos atores em rede, em carne e osso,
cumpre reconhecer os níveis de empoderamento social gerado
215 pela cognição coletiva conectada no ciberespaço, afinal a
tecnologia sozinha não faria todo o serviço.
Enfatizamos aqui, usando as compreensões de
Lévy(1999), que na verdade foi o uso feito pelos manifestantes
em cima dessas ferramentas que determinou o sucesso da
perpetuação dos protestos. Afinal “as tecnologias são produto
de uma sociedade e de uma cultura” e quem inventou as
tecnologias, as fabricou e interpretou foram os homens. Foi o
uso da tecnologia e suas ferramentas aliados ao desejo de
remediá-la em favor de um ideal , que provocaram a junção de
pensamentos que pôde coordenar os protestos. Portanto, vale
lembrar que “por trás das técnicas agem e reagem ideias,
projetos sociais, utopias, interesses econômicos, estratégias de
poder, toda a gama dos jogos dos homens em sociedade”
(LÉVY, 1999, p. 22-24), e sendo assim o uso do instrumento
tecnológico adequado para o momento (a hashtag, por que
proporciona a união do pensamento coletivo) é que deu força
as manifestações.
Os ciberativistas criaram a partir das hashtags, espaços
online e off-line adequados à discussão de suas temáticas, e,
além disso, possibilitaram a memória dos pleitos e de suas
conquistas.
216 Hashtag como memória na web
A primeira constatação que se pode fazer diante do uso
das hashtags nas redes sociais é a de que, o hiperlink criado
pela ferramenta serve de memória. Essa acumulação de
informações proporcionadas por esse instrumento em torno de
uma temática específica remete ao que tem sido feito no
Jornalismo Online. E esse fato, aproxima ainda mais os atores
sociais das funções de jornalistas citadas acima. MACHADO e
PALACIOS (1999) mostram que recorrer a informações
anteriores é uma técnica mais viável economicamente na Web
do que em outras mídias. A quantidade de informação
anteriormente produzida e disponível para o receptor da
mensagem e o produtor da mensagem é potencialmente muito
intensa no jornalismo.
Considerando esse princípio econômico, percebemos
que o manifestante encontrou na rede social uma maneira
economicamente viável de propagar suas lutas, e descobriu que
pode resgatá-las de maneira simples. A possibilidade de dispor
de espaço ilimitado para a disponibilização do material relativo
às manifestações facilitou a produção de informação e a
disseminação da mesma no espaço público.
217
Durante os protestos de junho que ocorreram no Brasil,
não só os ativistas tiveram acesso à memória das
reivindicações populares, mas os jornalistas também puderam
quantificar e qualificar a força dos apelos. As hashtags não
serviram apenas como bons condutores da memória social, mas
igualmente da memória jornalística, confundindo-se como
ferramenta geradora de notícia.
MACHADO e PALACIOS (2003) explicam que “não
apenas a informação de cunho estritamente jornalístico serve
como fonte de recuperação de dados e contextualização de
notícias”, a produção jornalística se vale de arquivos dispersos
em várias partes da Web, sejam esses dados de cunho
jornalísticos ou não. (MACHADO, PALACIOS, 2003, p.8).
Sendo assim, ao informar, registrar, rememorar,
reinformar e discutir, as hashtags ajudam na memória coletiva,
na cognição e na práxis jornalística; assim como o jornalismo
constitui um estoque da memória, as hashtags, ao seu turno,
também se tornam uma potente vetor da memória histórica.
Considerações finais
Este artigo discutiu como os ambientes interativos,
como as redes sociais, vêm permitindo um novo espaço de
218 lutas sociais, misturando o velho jeito de se fazer protestos
sociais e as possibilidades abertas pela tecnologia. Hoje, é cada
vez mais difícil se separar as modalidades de informação,
cognição e interação, de maneira conectada e desconectada. Os
dois territórios – online e off-line – têm se misturado e gerado
ações socialmente distribuídas dentro e fora da web.
Assim, a primeira consideração a ser feita sobre a
temática é que as redes sociais digitais não podem ser
desconsideradas pelos jornalistas, pois são vigorosas fonte de
informação. Deve-se estar atento ao que é reverberado nessas
redes, e é preciso reconhecer que os receptores as utilizam não
só como fonte de informação, mas positivamente também
assumem o papel de produtor da informação.
Outro resultado importante a ser apontado é que o uso
das hashtags serve para organizar e discutir temas na web e
contribui na hora do monitoramento. A funcionalidade da
ferramenta tecnológica, associada às estratégias desenvolvidas
pelos atores sociais fazendo uso da inteligência coletiva
conectada assegura o êxito da experiência, seja com relação aos
fins políticos, jornalísticos ou mercadológicos.
Por último, um dos insights que brota deste artigo -
como resultado de uma primeira, mas criteriosa investigação -
é o reconhecimento do valor da hashtag como vetor de
219 memória jornalística, pois serve como fonte na busca pelas
notícias. Através desse dispositivo é possível realizar pesquisas
sistemáticas e encontrar atores sociais que servem como fonte;
descobrir os temas mais discutidos e assim desvelar os nós, as
redes e os encadeamentos que conferem sentido à experiência
social dos protestos.
Enfim, a hashtag, é entendida assim como um
instrumento de real importância num mundo politicamente
integrado e conectado pelas mídias digitais de comunicação.
Referências COSTA,Camilla. Protestos mostram apropriação de slogans publicitários para fins políticos. In: BOCC. Biblioteca on line de Ciências da Comunicação. Disponível em: http://migre.me/jH5p0. Acesso em: 08.06.2014. KARAM, Francisco J. Castilhos. A ética jornalística e o interesse público. São Paulo: Summus, 2004. LÈVY, Pierre. Cibercultura. Rio de janeiro: Editora 34, 1999 LIMA, Luanda. #ProtestoBR: confira um mapa com as principais hashtags das manifestações. Disponível em: http://migre.me/jH5gD. Acesso em: 03.06.2013. MALINI, F. Análise: Porque o #protestoSP não teve uma, mas muitas hashtags. In: LABIC. Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura. Disponível em: http://migre.me/jH54c.
220 Acesso em: 03 de julho de 2013. MARTÍNEZ-ALBERTOS, J. L. (1997) – El Ocaso del Periodismo. Barcelona: Editorial CIMS. MACHADO, Elias & PALACIOS, Marcos (Orgs), Modelos do Jornalismo Digital. Salvador: Editora Calandra, 2003. OLIVEIRA, Ricardo. A política do like. In: Cultural digital. Jornal da Paraíba. Disponível em: http://migre.me/jH4HD. Acesso em: 03 de julho de 2013. O sonho Brasileiro (site). Disponível em: http://migre.me/jH4Ez. Acesso em: 08.06.2014. PINTO, Manuel. Fontes jornalísticas: contributos para o mapeamento do campo. In Comunicação e Sociedade, Vol 14 (1-2), 2000, 277-294, Braga: Universidade do Minho. PRIMO, Alex. Interações em rede / organizado por Alex Primo- Porto Alegre: Sulina, 2013. RECUERO, Raquel. “Redes sociais na internet. Difusão de Informação e Jornalismo. Elementos para discussão”. In: SOSTER, D. A; FIRMINO, F. (Org.). Metamorfoses jornalísticas 2: a reconfiguração da forma. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2009. RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet / Raquel Recuero. – Porto Alegre: Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura) 191 p. RECUERO, R. A mudança de agenda dos protestos no Brasil. Disponível em: http://migre.me/jH4rf. Acesso em: 08.06.2014.
221 Redes Sociais e Agendamento do Jornalismo
Sinaldo de Luna BARBOSA112
Introdução
Para muitos e historiadores e cientistas políticos,
junho de 2013 já pode ser considerado um marco na história do
Brasil, surpreendido por uma série de manifestações
organizadas principalmente por jovens, que surgiram através de
mobilização na rede social Facebook e foram agenciadoras de
pautas de toda mídia nacional, pedindo melhoras nos serviços
públicos do país. Longe de querer analisar as manifestações
sociais pela esfera político-econômica nacional, buscaremos
discutir a interferência do ciberativismo na sociedade e o
poderio das redes sociais como formadores de opinião pública
e ferramenta geradora de grandes movimentos populares.
As primeiras movimentações, oriundas do Estado de
São Paulo, tiveram início logo nos primeiros dias do mês de
junho e foram organizadas por jovens universitários do
112 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. E-mail: [email protected].
222 Movimento Passe Livre. O principal mecanismo de
organização e divulgação dos atos contra o aumento,
considerado abusivo, das taxas do transporte público foi a rede
social de internet Facebook através da ferramenta de criação de
eventos. Não demorou para que os mecanismos de
compartilhamento e disseminação em rede fizessem com que o
movimento tomasse proporções grandiosas e ganhassem as
ruas de todas as capitais do Brasil e outras grandes cidades. As
manifestações passaram também a não só reivindicar valores
justos ao transporte público, mas tomou para si todos os
serviços básicos, a corrupção, pedidos de reforma política e
todas as causas sócio-político-econômicas que os manifestantes
propusessem.
As ruas do Brasil tornaram-se caldeirões efervescentes
como em poucos e decisivos episódios da história do país.
Desta vez, os jovens saíram de movimentos organizados na
internet e colocaram-se à disposição para “mudar o Brasil”. A
grande mídia, surpreendida tão quanto a sociedade e a classe
política, repentinamente viu-se quase que completamente
agendada pelos movimentos surgidos das redes sociais de
internet e posta em questionamento quanto aos paradigmas e
linhas editoriais em prática. Talvez, seja cedo para corroborar
com os cientistas políticos e historiadores que asseguram
223 termos passado pelas maiores manifestações populares da
história do país, mas é notadamente o principal episódio para
fazer um recorte historiográfico e pensar a influência das
tecnologias da comunicação e redes sociais digitais como
agenciadores do jornalismo. Algo que, até então, só tínhamos
visto no recente episódio conhecido como “A Primavera
Árabe”, inicialmente resultando na derrubada do presidente
egípcio Hosni Mubarak. Notadamente, viu-se em ambos os
casos, a retirada das manifestações da realidade virtual e
transportá-las para as ruas, através de grandes mobilizações.
Ciberativismo e difusão de informação nas redes sociais
Através da série de manifestações que se espalharam
por todo o país, vimos pela primeira vez a mobilização de
milhares de pessoas, jovens em sua maioria, através da internet
com o propósito de reforma no contexto social, possibilitando a
prática do chamado ciberativismo.
De acordo com Vegh (2003, p.71), ciberativismo é a
utilização da internet para organização e divulgação de
movimentos politicamente motivados. Eles são propostos com
o intuito de alcançar tradicionais metas ou lutar contra
224 injustiças que podem ocorrer na própria rede (GURAK,
LOGIE, 2003; MCCAUGHEY, AYERS, 2003).
O pesquisador André Lemos, em “Cibercultura,
Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea” assegura
que as novas tecnologias de comunicação e informação surgem
a partir de 1975, graças à fusão das telecomunicações
analógicas com a informática, o que possibilitou a veiculação
sob um mesmo suporte, o computador, de diversas formatações
de mensagens (2004, p.68).
Diz o autor ainda que
essa revolução digital implica, progressivamente, a passagem do mass media (cujos símbolos são a TV, o rádio, a imprensa e o cinema) para formas individualizadas de produção, difusão e estoque de informação. Aqui a circulação de informações não obedece à hierarquia da árvore (um-todos), e sim à multiplicidade do rizoma (todos-todos). (LEMOS, 2004, p.68).
De acordo com Santos (2011),
o ciberativismo chega ao Brasil em meados de 1990, com o avanço da internet e a entrada de ativistas políticos, sociais e ambientalistas na rede. Para os ciberativistas o uso da internet é um meio de “driblar” os meios de comunicação tradicionais, que na maioria das vezes não oferecem espaço para que a opinião pública se
225
manifeste. Com isso a rede se torna um espaço “público” em que os ativistas podem se manifestar, otimizando o impacto de suas ideias. Apesar de parecer muito simples, e de depender apenas de um clique, o ciberativismo - que nasce com a entrada de ativistas na rede -, vem com uma proposta de conscientização através da internet. Na maioria dos casos uma movimentação que começa na internet e acaba nas ruas. E para isso não basta apenas o ciberativista, mas o ativista “real” também. (SANTOS, 2011, p. 3).
O ciberativismo é capaz de oferecer um universo de
ferramentas e mecanismos responsáveis pela organização e
dinamização de causas sociais. Santos (2011), exemplificando
campanhas propostas por ONG’s, lembra que
com um clique é possível plantar uma muda de árvore no Brasil, assinar uma petição contra o desmatamento da Amazônia, enviar sua foto em uma campanha mundial contra o desarmamento ou organizar uma manifestação em praça pública de um milhão de pessoas (SANTOS, 2011, p. 4).
Para Henrique Antoun (2013),
Na história da militância política, a internet dos grupos de discussão vai inaugurar a política de vazamento como modus operandi para fazer chegar aos diferentes usuários de todo o mundo
226
as informações privilegiadas sobre a situação social de regimes políticos fechados, a crítica a poderes econômicos e militares num contexto de bipolaridade mundial ou mesmo ser a base de sustentação da articulação política de movimentos feministas, ambientalistas e estudantis, amparados em torno de instituições não governamentais para organizar suas lutas ou para vazar notícias que sofrem barreiras da censuras políticas e econômicas locais. O aparecimento do ciberativismo – numa versão hacker e comunitária - rompe com o próprio ativismo social que se realizava até então no campo da comunicação social. (ANTOUN, 2013, p.4).
O ciberativismo orquestrado pelo advento da internet e
somado ao potencial de disseminação de informação oferecido
pelos mecanismos das redes sociais de internet tem sido
frequentes as mobilizações que surgem no universo virtual,
tomam proporções grandiosas e ganham forma no mundo real.
Para Cláudio Paiva (2013), “hoje as redes sociais permitem o
enfrentamento do monopólio da comunicação pelas
corporações e grupos econômicos, gerando estratégias
sociocomunicacionais imprevistas” (PAIVA, 2013, p. 3).
Para Raquel Recuero (2009), as redes sociais são
ambientes de ampla circulação de informação, que por sua vez
são capazes de gerar mobilizações e conversações de potencial
227 interesse jornalístico. Sucintamente, podemos, então, dizer que
o material veiculado nos sites de redes sociais da internet,
desde que não já tenham sido publicados por perfis da grande
mídia, não deve ser considerado material jornalístico, mas, a
partir da investigação criteriosa de um jornalista as
informações ali contidas, com potencial jornalístico, podem
pautar veículos comunicacionais e tornar-se material
jornalístico.
O Agendamento do Jornalismo através das redes sociais
Como assegura Raquel Recuero (2009), é notório o
posicionamento das redes sociais de internet tendo papel de
produção, filtragem e reverberação de informação com
potencial jornalístico para determinados grupos e/ou indivíduos
baseados em critérios e percepções específicas. As redes
sociais, produtoras de elementos noticiosos, têm, então, um
importante papel para o jornalismo no que tange ao chamado
gatewatching. Elas, em si, de acordo com a autora, não
produzem notícias, mas elementos que podem ser noticiados.
Para a pesquisadora, “é preciso aprofundar os estudos
de como as práticas sociais de difusão de informação nas redes
228 sociais podem impactar as práticas jornalísticas e em que
medida as colaborações podem acontecer” (RECUERO, 2009,
p.13).
Sob essa perspectiva, observamos as maneiras pelas
quais os mass media são agendados pelos elementos noticiosos
oriundos das redes sociais de internet, no caso em estudo, pelas
manifestações organizadas nessas plataformas virtuais que
acabam por criar forma real e, desconsiderando seu teor sócio-
político, com grande potencial de fazer repensar os paradigmas
atuais da construção da notícia e do agendamento do
jornalismo tradicional.
Para Cláudio Paiva,
Os cidadãos, usando as mídias e redes sociais, participam das transformações na economia, sociedade e política. A informatização planetária é um processo aparentemente sem sujeito, mas na era da comunicação em rede, convém reconhecer o empoderamento dos cidadãos conectados, o surgimento do netativismo e ciberdemocracia, conforme demonstram as ações ético-políticas do Occupy, Wikileaks e Anonymous. (PAIVA, 2013, p.2).
A partir da aceitação do poderio das redes sociais de
internet na mobilização de manifestações sociais partimos para
o ponto em que o jornalismo dos mass media são pautados
229 pelos movimentos dessas redes tendo em vista que, como
indicam Cláudio Paiva (2013) e Raquel Recuero (2009), as
redes sociais oferecem a habilidade e competências que nos
possibilitam fazer filtragem, curadoria e monitoramento do
material postado.
Diante de grandes acontecimentos sociais, tomando
como exemplos as manifestações ocorridas no mês de junho
por todo o Brasil, o primeiro grande desafio, em termos
jornalísticos, dos mass media consiste em questões
operacionais em relação à verificação das informações. O
caldeirão efervescente de informações publicadas e replicadas
em fração de segundos em sites de relacionamento aparece
como um turbilhão de elementos muitas vezes com potencial
noticioso que compete ao jornalista apurar o que de fato pode
virar material jornalístico. Desta maneira, como afirma Zago
(2013), a incorporação das mídias digitais ao jornalismo altera
os mecanismos de produção de uma notícia.
Pouco ainda foi estudado acerca do agendamento do
jornalismo através das redes sociais de internet, mas os poucos
pesquisadores que se dedicaram a esse estudo, como VIS
(2012), BRUNO (2011), BRUNS & LIANG (2012) e
230 HERMIDA (2010; 2012) verificam a influência da internet em
pautar os tradicionais meios de comunicação nos dias atuais.
Teoria do Agendamento e Opinião Pública A Teoria do Agendamento, formulada por Maxwell
McCombs e Donald Shaw, tem suas bases firmadas no
conceito de opinião pública formado por Walter Lippmann. O
agendamento seria – nessa perspectiva teórica - o método pelo
qual a mídia é agenciadora da pauta, determinando o que deve
ou não ser noticiado (Teoria do Agendamento, McCombs) e
como tal pauta interferirá na opinião pública (Lippmann).
Teria, então, a mídia o poder de oferecer ao público o conteúdo
que este supostamente necessita. Pressupõe-se que as notícias
são assim porque os meios de comunicação nos dizem em que
pensar, como pensar e o que pensar sobre os fatos noticiados.
A Teoria do Agendamento assegura que os
consumidores de notícias tendem a considerar mais
importantes os assuntos veiculados na imprensa, sugerindo que
os meios de comunicação agendam nossas conversas. Em
suma, a mídia nos diz sobre o que falar, de certa forma,
pautando nossos relacionamentos.
231
A hipótese da agenda setting não defende que a
imprensa pretende persuadir. A influência da mídia nas
conversas dos cidadãos advém da dinâmica organizacional das
empresas de comunicação, com sua cultura própria e critérios
de noticiabilidade. De acordo com McCombs & Shaw, as
pessoas tem tendência para incluir ou excluir de seus próprios
conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem
do seu próprio conteúdo.
Os estudos relacionados à teoria o agendamento são
norteados pela confluência entre a agenda midiática e a agenda
pública. Para a teoria de McCombs, nossa rotina e nossas
conversas são pautadas pelo proposto pela mídia, que seleciona
o que julga importante e faz atingir a opinião pública.
Para Raquel Recuero, com o advento da mediação do
computador, diversos elementos modificaram o contexto do
jornalismo. “O lugar da mídia de massa, enquanto detentora do
poder de informação passou a ser questionado” (RECUERO,
2011, p. 5).
No que tange ao processo das manifestações no Brasil,
ficamos diante de um grande debate quanto aos verdadeiros
agenciadores de pauta, responsáveis pelo grande número de
manifestantes nas ruas das principais cidades do país e
232 formação da opinião pública quanto aos protestos. Talvez, a
partir do momento em que as manifestações eclodiram pelo
país e a grande mídia pautou diuturnamente seus veículos com
material sobre os protestos, tenha sido ela a principal
reverberadora e responsável pelo aumento dos movimentos.
Todavia, é inegável que a organização e divulgação inicial dos
primeiros atos no Facebook embasaram toda magnitude e
agendamento das manifestações.
Considerações finais
Com a efervescência das redes sociais de internet,
assistimos ao aumento da quantidade de notícias que são
construídas e pautadas sob os olhares dos jornalistas para perfis
de personalidades e veículos de comunicação. É comum
encontrarmos redações em que há jornalistas assumindo papel
de gatewatcher, monitorando as redes sociais e estão atentos
aos elementos noticiosos que possam ser aproveitados e
mobilizados pela imposição das manifestações dentro da
própria rede. O fluxo de publicações e replicações de
determinados conteúdos movimentam a pauta jornalística e
“abrem os portões” da redação.
233
Devemos considerar que não apenas a mídia, em
tempos de emergência do meio digital, é agenciadora de
pautas. Os mecanismos de aproximação e contato rápido com o
público fazem das redes sociais de internet um grande
agenciador midiático onde, apesar de ainda haver uma certa
resistência pelos meios de comunicação tradicionais, a grande
adesão da população aos veículos de comunicação digitais e
frequentes questionamentos aos veículos tradicionais tem feito
com que a perspectiva da Teoria do Agendamento se torne
mais democrática, considerando a participação do público nas
redes sociais de internet, a exemplo do contato gerado pelas fan
pages no Facebook e os trending topics no Twitter,
monitorador dos assuntos mais discutidos no momento.
Apesar do que muitos pensam e especulam, o
jornalismo enquanto instituição, com concessões de valores
que foram elaboradas na mídia de massa continuam
persistentes na mídia digital. Mesmo com uma participação
muito mais direta do público por parte dos veículos digitais,
ainda são os veículos e instituições jornalísticas tradicionais
que, de certa forma, asseguram a veracidade das notícias.
Exemplo disso é que apesar do turbilhão de material veiculado
pelas redes sociais, a segurança de uma informação, até mesmo
pelos membros das redes é validada pela posterior divulgação
234 da grande mídia. É a ela que os que os atores nas redes sociais
na Internet recorrem para legitimar, dar credibilidade,
organizar e filtrar informações para, talvez, o início de um
novo ciclo de reverberação de elementos noticiosos e notícias.
Referências ALSINA, M. R. A construção da notícia. Petrópolis: Vozes, 2009. ANTOUN, Henrique. Jornalismo e ativismo na hipermídia: em que se pode reconhecer a nova mídia. In: Revista Famecos, Porto Alegre, nº16, 2001. ANTOUN, Henrique e MALINI, Fábio. Ontologia da Liberdade na Rede: a guerra das narrativas na internet e a luta social na democracia. Revista da Famecos, Porto Alegre/RS, v. 17, n. 3, 2010, p. 286-294. BRUNO, N. Tweet first, verify later? How real-time information is changing the coverage of worldwide cirsis events. Oxford: Reuters, 2011. BRUNS, A. Vom Gatekeeping zum Gatewatching: Modelle der journalistischen Vermittlung im Internet. Journalismus im Internet:107-128, 2009. GURAK, L. J. and LOGIE, J. Internet protests, from text to web. In: MCCAUGHEY, AYERS, M.D. (ed.).Cyberactivism: online activism in theory and practice. London: Routledge, 2003. HERMIDA, A. Tweets and Truth: Journalism as a discipline of collaborative verification. Journalism Practice, v. 6, n. 5-6, p. 659-668, 2012.
235 LEMOS, André. Cibercultura, Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2008. 4ª ed. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. LIPPMANN, Walter. Opinião Pública. Petrópolis: Vozes, 2008. MCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda. Petrópolis: Vozes, 2009.
PAIVA, C.C. O julgamento do mensalão e as redes sociais de interpretação. Pistas para uma hermenêutica da comunicação e cultura midiática compartilhada. Salvador: COMPÓS, 2013.
RECUERO, R. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2009. ______. Redes Sociais na Internet, Difusão de Informação e Jornalismo: Elementos para discussão. POA: Ed. Sulina, 2009. VEGH, S. Classifying forms of online activism: the case of cyberprotests against the World Bank. In: MCCAUGHEY, M., AYERS, M.D. (ed.). Cyberactivism: online activism in theory and practice. London: Routledge, 2003. VIS, F. Twitter as a reporting tool for breaking news. Digital Journalism, v. 1, n. 1, p. 27-47, 2012. ZAGO, G. Da circulação à recirculação jornalística: filtro e comentário de notícias por interagentes no TwitterXXI Encontro Anual da Compós. Juiz de Fora, MG: Compós, 2012.
______ Jornalismo como sistema de alerta: integração entre mídia social e impressa na tragédia de Santa Maria
236 “Não é por 20 centavos!”: cultura dos memes e viralização
Evaniene Damião MASCENA113
Claudio C114. Paiva Introdução
Para entender a história das civilizações modernas é
preciso entender como as relações sociais perpassam pelas
relações de poder e suas mediações pelas mídias, que regulam,
absorvem e reconstroem as representações individuais e
coletivas. E nesse contexto, em que se mesclam as
representações individuais, sociais e midiáticas, inscrevem-se
as formas da Lei e o Desejo, Direitos e Deveres, o espaço
privado e a esfera pública, em suam, há todo um campo de
tensões sociais que precisa ser observado e interpretado.
Compreendemos a informação como um direito público
e como um fenômeno favorável à luta cotidiana pela liberdade,
democracia e cidadania. O jornalismo, desde a origem, surge
em defesa dos direitos sociais. A informação jornalística tem
utilidade pública, conferindo poder à sociedade, assegurando o
direito social à informação.
113 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo – Mestrado Profissional em Jornalismo. Email: [email protected]. 114 Email: [email protected] (orientador).
237
Apesar da supostas transparência e imparcialidade
jornalísticas, que assegurariam o direito à informação e o
acesso à cidadania, os poderes hegemônicos do Capital, do
Estado e das corporações midiáticas constroem as informações
de acordo com os seus interesses políticos e mercadológicos.
Logo, faz-se necessário um olhar analítico, crítico e
interpretativo sobre o modo de construção e divulgação das
notícias. Convém atentar para o fato de que a sociedade e a
cultura são construídas; caberia assim se formular
problematizações e questionamentos acerca da maneira como
as mídias modelam as noções de sociedade, cultura e política; é
preciso combater a “falsa representação” fabricada pelas
mídias e questionar também a “naturalização da cultura”
forjada pelas representações midiáticas. É preciso investigar as
dimensões do verdadeiro e do falso que estão presentes na
construção da realidade pelas mídias.
Os sistemas midiáticos (meios de informação e
comunicação) informam a partir dos objetivos e interesses de
quem os financiam. A informação é manipulada e
conseqüentemente os leitores, cidadãos, consumidores são
levados a forma uma “visão de mundo” a partir das mídias, que
dependem dos anunciantes e empresários.
238
Então, para entender a comunicação, o jornalismo e os
processos midiáticos é preciso enfrentar as relações
econômicas, políticas e sociais que os atravessam e os
predeterminam, notando – desde já – que tais relações vão se
modificar a partir do uso das tecnologias do jornalismo
colaborativo, principalmente com os dispositivos móveis.
A imprensa e os meios de comunicação nasceram
vinculados ao espírito democrático e favoreceram as lutas
sociais (notem-se os exemplos da Revolução Francesa,
Revolução Americana e entre nós, a Abolição da Escravatura).
Mas igualmente proliferaram num contexto mercadológico e de
liberalismo socioeconômico, no âmbito da sociedade e cultura
de massas. Ou seja, o jornal, o rádio e a televisão, floresceram
na era industrial e logo se constituíram em meios de
comunicação de massa, atrelados às vicissitudes do mercado.
Convém reter este conceito de “massa” também e
principalmente hoje, quando se discute a emergência dos meios
pós-massivos (como internet e celulares), que transfiguram os
modos de funcionamento dos mass media; e alteram também as
relações dos profissionais de comunicação com a sociedade, o
poder e os mercados. É importante compreender como os
atores sociais – fazendo uso dos novos dispositivos sociais de
informação, como a internet, o FaceBook e o Twitter -
239 mudaram o seu estatuto de receptores passivos, tornando-se
emissores ativos, e-leitores e colaboradores nos processos
comunicacionais, midiáticos e jornalísticos.
Em sintonia com a nova ordem mundial da informação,
na sociedade em rede – desde os anos 90 - vastas parcelas da
população têm-se integrado aos grupos de protesto do mundo
inteiro, expressando a necessidades de mudanças. As crises
econômicas, corrupção, desemprego, descaso do Estado, falta
de assistência social, concentração de riqueza são algumas das
razões que explicam o ressurgimento do ativismo social por
todo o planeta. Mas a mola propulsora dos movimentos sociais
e dos protestos urbanos é a informação, o que nos remete –
outra vez – à questão do controle da informação pelas
organizações midiáticas, Estado, empresários e donos das
mídias, que - conforme apontamos antes - deturpam as noções
de realidade política, econômica, social, etc.
Todavia, as formas e conteúdos das novas mídias e
redes sociais – conforme assinalamos – trazem novos
elementos que reconfiguram o estilo de manifestação
conhecida como ativismo social (de 1968 a 2013). Mudaram as
formas de utilização feitas pelos grupos de ativistas dos meios
de comunicação e do jornalismo. Havia a imprensa alternativa,
240 os pasquins, as radio piratas, havia “brechas” no sistema, mas
as relações ainda eram assimétricas e verticais. Hoje, de modo
inédito, há, desde o advento da internet e da Web 2.0 (com as
micromídias portáteis), instrumentos potentes de reivindicação,
denúncia e agenciamento das ações políticas; modificaram-se
os modos de produção, distribuição e compartilhamento das
informações jornalísticas, o que gerou empoderamentos aos
indivíduos e grupos sociais de protesto. E principalmente, com
a disseminação das “mídias livres”, hoje ocorre a ação direta
dos ativistas midiáticos.
Ativismo midiático Entre o Estado e o Capital, a partir das reivindicações e
lutas sociais, emerge o Terceiro Setor, exercendo o papel de
mediador, cobrando dos poderes dominantes a realização dos
direitos sociais, e mais do que isso, exercendo o direito à
informação e a coragem de criar alternativas para passagem do
livre fluxo da informação.
Os grandes conglomerados midiáticos no Brasil estão
sob o domínio da esfera privada e são concessões do Estado. E,
este, que deveria servir de regulador em favor da sociedade,
pois numa democracia representativa é quem a representa, se
241 agrega à iniciativa privada que o legitima (vide o exemplo do
Jornal Nacional, da Rede Globo).
Assim constroem-se forças manipuladoras de tempos e
espaços favoráveis às ideologias dominantes. Os discursos
midiáticos são cada vez mais sedutores, através de linguagens
publicitárias que remetem sempre ao imaginário do bem estar e
da felicidade. Do lado de fora da bolha discursiva midiática,
circulam os receptores, e-leitores e consumidores, desejos de
participar da construção da realidade e da sua representação
midiática. É nesse ambiente que vão surgir as mídias sociais,
com novas linguagens socioinformacionais, como os mêmes,
que traduzem a participação direta dos (ciber)cidadãos, nas
manifestações, por meio de imagens e escritas virais poderosas.
Do ativismo social mediado pela tecnologia, surge, com
legitimidade, o ativismo midiático turbinado pela conexão dos
atores em rede presencialmente e virtualmente.
Os mêmes dos ativistas disponibilizados no FaceBook,
por exemplo, constituem agenciamentos sociotécnicos e
comunicacionais, cuja força é similar às manchetes (fatos e
fotos) da mídia impressa e às bombásticas vinhetas jornalísticas
dos telejornais.
242
Os mêmes introduziram novas práticas informativas e
comunicativas no sistema midiático de maneira tão forte que
politizou uma esfera midiática habitualmente voltada para a
diversão e o entretenimento. O recurso sociotécnico-midiático
forjado pelos mêmes constituem modalidades de
contrainformação, em relação ao mainstream.
Brotou ma “massa livre na midiosfera” se apoderando
dos conteúdos produzidos pelos sistemas globais de
comunicação, reconfigurando-os, a partir de uma “astuciosa”
recontextualização, fazendo críticas e ironias a respeito das
informações pré-fabricadas. Mas, sobretudo, os ativistas
midiáticos constroem narrativas diferentes e livres do caráter
editorial das mídias clássicas, porque agem de maneira direta,
capturando vozes, frases, imagens e sons que fervilham nas
ruas, no calor dos acontecimentos.
As mídias livres batalham contra a falta de acesso e
transparência, contra a deturpação da informação real, é essa a
sua bandeira política. Há lutas, protestos e reivindicações na
rua, que são encampados pelos midialivristas, e parte desse
protesto é contra os conglomerados da comunicação e suas
estratégias de controle.
243
Trata-se de um novo contexto sociopolítico e
comunicacional que exige um olhar mais apurado, um exame
mais detido que possa explicar o sentido do fenômeno,
livrando-nos da compreensão ligeira e dos diagnósticos
apressados. Contudo, cabe desde já questionar a nova
modalidade deste fenômeno que tem sido visto como um estilo
de politização. Convém entender os novos processos de
“reapropriação”, a natureza da produção da informação em
ritmo acelerado e velocidade cibernética. É de bom presságio
analisar a nova circulação de informação que se propaga por
todas as conexões telemáticas, a partir dos memes nas redes
sociais. Faz-se necessário se examinar o caráter das
experiências sociocomunicacionais mais recentes, a
intencionalidade dos atores em rede, as formas cognitivas e
estéticas. É preciso problematizar a noção de “ativistas
midiáticos”, observando em que medida esta é pertinente para
se entender a ética que mobiliza os interagentes nas redes
sociais.
O espaço virtual apresenta uma pluralidade incrível no
que remete a processos de produção de sentido. Isto abrange
não apenas o meio de comunicação, a mídia, pois vai mais
além, encobre os vastos espaços e tempos que envolvem os
sujeitos, os objetos, o meio ambiente; é neste sentido que se
244 fala em “ecologia da comunicação”. Os novos dispositivos
sociotécnicos de informação geram reconfigurações, alterando
o relacionamento dos atores com o meio social, o meio natural
e cósmico. Agindo de maneira direta sobre os acontecimentos,
as mídias sociais, portáteis, locativas, apreendem os fatos e os
redistribuem através de uma inteligência coletiva conectada.
Deste modo, o ciberespaço modifica até mesmo as clássicas
noções de “representação social”; melhor seria se falar em
“apresentações do social”, no caso das mídias livres, pois suas
mediações estão muito próximas dos acontecimentos
históricos, intervindo diretamente das turbulências dos
protestos urbanos em tempo real (cf. Mídia Ninja).
A mediação dos acontecimentos e a sua reportagem no
contexto da comunicação colaborativa (em que se incluem os
ativistas midiáticos) solicitam uma analise mais cuidadosa no
que se refere às modalidades de participação dos atores,
cidadãos, nos distintos níveis presenciais e virtuais. Há por
exemplo os jornalistas na rua, fisicamente, no embate corpo a
corpo com os poderes instituídos, a polícia, os bandidos e
outras adversidades. Há os jornalistas (e formadores de
opinião) nas ruas, em pleno combate, a mercê das bombas de
gás e sprays de pimenta, mas que guardam a particularidade de
estarem conectados em rede sociotécnicas e informacionais
245 (guarnecidos de celulares, câmeras, microgravadores de som e
pen drives). E há os “jornalistas sentados”, “a salvo” em suas
células residenciais, mas também aparelhados com sofisticados
dispositivos socioinformacionais, devidamente plugados em
suas conexões ativistas, vigilantes e colaborativas, fazendo
denúncias, alertando e orientando os interagentes e sinalizando
estratégias de ação comunicativa e política.
As reconfigurações acontecem de forma distinta, no que
diz respeito ao ativismo midiático no ciberespaço. Muito
embora as duas “formas” de ativismo midiático (fora e dentro
do ambiente virtual) busquem a liberação de idéias e execução
de ações, faz-se necessário distinguir as duas modalidades de
“ação comunicativa”, entender as suas formas e sentidos, as
suas intenções, expectativas, estratégias e os seus objetivos.
Ciberativismo
Nas cibermídias, os processos de produção de conteúdo
acontecem em novos contextos, existe uma liberdade maior no
quesito comportamental e livres caminhos rumo à
interatividade. Esses aspectos acabam por influenciar não
apenas o processo de produção, mas o próprio conteúdo. Há ali
características de espaço e de tempo próprias. O que significa a
246 expressão “tempo é real”. As pistas nos levam a compreender a
natureza dessa nova ambiência midiática, observando que esta
existe, recebe, produz, divulga e virotiza mensagens em tempo
real. Tudo isso está aliado à convergência de dispositivos
móveis ligados a diversos “vasos comunicantes”. Por ali
circulam interferências positivas, que escapam ao controle ao
planejamento dos poderes hegemônicos. A informação se torna
líquida, em fluxo permanente e em veloz circulação e há
evidentemente o risco da quantidade superar a qualidade. As
experiências ativistas, empenhadas nos processos de cognição e
politização distribuídas, precisam estar vigilantes com relação à
qualidade da informação. Os analistas de mídia, os
especialistas em comunicação e os profissionais em jornalismo
são responsáveis pelo monitoramento da qualidade das
informações geradas pelos memes na internet.
Mídias, hipermídias e sociedade do espetáculo
A sociedade de massa do século XX, motivada pelo
consumo, já alcançava altos níveis de espetacularização do
“real” através de representações e uso dos meios de
comunicação e suas linguagens. Hoje, no ciberespaço, no
tempo da comunicação pós-massiva, das hipermídias, há um
universo ainda maior de possibilidades representativas que,
247 sem a devida atenção ou estrategicamente trilham o caminho
rumo ao espetáculo, porque a mídia é sempre estratégica para o
mercado e vende nacos de felicidade, que, espetacularizados
dão bons lucros; talvez a espetacularização midiática turbinada
pela telemática ganhe dimensões e alcance sem limites.
A espetacularização da vida real (pública e privada), da
informação, dos conteúdos, na internet também mudam, porque
os níveis de produção (e de reprodução) das cópias e
simulacros “do real” se multiplicam, porque a velocidade dos
fluxos informacionais – genericamente – não permitem uma
elaboração mais cuidadosa (que requereria mais tempo,
paciência e dedicação) dos internautas apressados e sob o
bombardeio de informações, e porque a maior parte dos
usuários tem se interessado pela dimensão do ciberespaço
voltada para a recreação e entretenimento, a mensagem rápida,
digestiva e descontraído, a informação em pacotes, prontos
para serem consumidos.
Entretanto, na sociedade em rede, nos tempos da
comunicação colaborativa, quanto se fala em ativismo
midiático, há que se considerar que mais importante que os
níveis “representação” são os níveis de “interação”, pois os
248 atores sociais se fazem presentes e atuam diretamente na
espessura dos acontecimentos.
Não há um único “responsável” na produção da
informação on line, garantindo a sua circulação; há sujeitos
interligados, atores sociais interconectados, interagentes em
rede, que atuam conjuntamente e conectadamente neste
processo. No ciberespaço a circulação se dá de forma tão
eficaz, principalmente pelo fator viralização, espalha-se como
vírus de maneira arborescente e rizomática, como indica Pierre
Lévy, tratando das “árvores do conhecimento” (LÉVY, ano).
Nesse novo cenário o contexto é de interação, em que o
ativismo midiático (e suas nuances politizadas), tratado pelos
analistas das cibermídias como ciberativismo, encontra
oportunidades reais de expressão. O ativismo midiático não se
estrutura como unidade, com liderança, em bases ideológicas
organizadas, como os grupos de ativistas tradicionais. O
ativismo hoje não tem sedes de representação, advém das
emanações sociotécnicas, cognitivas e midiáticas dos atores em
rede, muitas vezes sem rosto, mas com direito à voz. A ordem
é radicalizar e fazer valer o direito à liberdade de expressão e
isso se dá na mídia e para fora dela através de linguagens e
249 textos que ultrapassam as representações partidárias. (cf. Grupo
Anonymus).
Porém, o ativismo midiático, no espaço virtual se dá de
forma mais eficiente nas redes sociais, especificamente em
grupos de discussão criados com focos específicos.
A linguagem, sendo é um importante instrumento
cultural, é construída social e estrategicamente para representar
e unir idéias e comportamentos coletivos. E a linguagem no
ciberespaço, que significa uma nova escrita oralizada e uma
conversação escrita, apresenta traços cada vez mais interativos.
Essa interação incessante e manifesta, sobretudo, em redes
sociais consiste em experiência histórica, real; no seio da
cibercultura, emergem subculturas que atestam a pulsação
orgânica do coletivo.
Há formações discursivas que surgem de outros nichos
comunicantes e penetram no ciberespaço. Os memes
caracterizam exemplos fortes de uma formação discursiva, que
migra para os ciberambientes, causando efeitos de
protagonismo, na medida em que se tornam referências nas
mídias analógicas, radio, jornal, televisão; as imagens dos
protestos da Primavera Árabe, viralizadas nas redes, deram o
tom dos debates na imprensa tradicional e nas mídias
250 corporativas globais. Os memes propiciam também
deslizamentos (pois reconstroem os sentidos das reportagens;
note-se como os discursos dos jornalistas como Arnaldo Jabor,
no Jornal da Globo, se modificou após a publicação e
compartilhamento dos memes na internet, exibindo os
jornalistas agredidos pela polícia durante as manifestações de
junho de 2013, ocorridas em São Paulo.
Os memes: do termo ao protagonismo midiático O termo meme foi lançado por Richard Dawkins em seu
livro O gene egoísta (The selfish gene, 1976). Para Richard,
meme é unidade de informação cultural que é replicada de
pessoa para pessoa, de forma análoga ao gene. O memes são
assim “replicadores culturais”. Na mesma linha de raciocínio e
avançando no conceito, Susan Blackmore (1999) afirma o
papel dos memes enquanto força poderosa que molda nossa
evolução cultural através de ideias copiadas de individuo para
individuo pela imitação.
Para entender as causas e efeitos de sentidos dos
memes, é indispensável conhecer suas três características
principais: não têm poder de previsão; apenas se reproduzem e,
por definição, são passados adiante por imitação. Os memes, de
251 modo simplista, podem ser encarados como ideia,
comportamento ou habilidade passada adiante por imitação.
Historicamente, os memes teriam evoluído junto aos
genes, sendo passados de pai para filho, como ocorre na
evolução natural das espécies. Hoje, no ciberespaço, essa
concepção naturalista da evolução dos memes precisaria ser
repensada, pois “pulam” de um cérebro a outro, em segundos,
independentemente da distância.
O discurso em circulação nas redes resulta de uma
estratégia coletiva, de movimentos em redes. Trata-se de um
tipo de linguagem como prática social que se manifesta em
forma de texto e traz consigo elementos de mudança. O
discurso vem dotado de traços de cultura, identificação e
representação. E pelos processos de identificação e
representação no ciberespaço, entendemos o conhecimento
cotidiano como engrenagem da evolução cultural, assim, os
memes podem ser explicados dentro desse universo, como
padrões culturais e sociológicos.
Em plena atividade cultural na era da informação em
rede, convém reconhecer a pertinência da noção de inteligência
coletiva, que parte de idéias coletivas em busca de aparatos de
disseminação em veículos. Os memes, nessa ambiência virtual
252 e interativa, são vistos como fragmentos textuais, discursivos,
que geram informações diretas e minimalistas, abrindo
perspectivas dialógicas. A escolha dessa linguagem é
estratégica pois resulta de uma ação coletiva e a sua
disseminação (por definição) é coletiva.
Encontramos a presença dos memes em muitos
momentos políticos no Brasil, mas em outros contextos triviais,
cuja circulação e possibilidade de “imitação” eram
extremadamente reduzidas, diferentemente do contexto
configurado nos dias atuais, com a internet. Nesse espaço, o
que causa real sentido de representação se alastra de forma
viral. É comum lembrar dos memes como fragmentos textuais
e/ou figuras dotados de humor, mas vão além desses
fragmentos que se propagam de forma aleatória, sendo assim,
nem todos passam por processo viróticos, e a sobrevivência dos
memes se confunde com sua replicação.
Então, os memes devem ser entendidos como
representação ideológica das vozes, observando-se o
ciberespaço como ambiente cognitivo, e mais especificamente
as redes sociais. É exatamente o que os ativistas midiáticos,
imersos, no ambiente virtual e interativo, procuram:
253 possibilidades de representação de voz, liberdade quanto ao
direito de expressão.
Em junho de 2013, um processo incrível de virotização
se deu no ciberespaço, invadindo inclusive as mídias
tradicionais no Brasil, a partir da necessidade dos atores sociais
de representação e principalmente de ações afirmativas diretas.
Jornadas de junho e mobilização no ciberespaço
Motivados pelo aumento das tarifas de transporte
público, o Movimento Passe Livre (MPL) um movimento
social organizado, que defende a isenção de tarifas em
transportes públicos, fez parte da organização das
manifestações ocorridas em junho. Essa reivindicação é antiga,
e manifestações de protestos relativos ao tema são comuns no
Brasil, mas em 2013 algo novo aconteceu. Uma mobilização
“viral” conseguiu levar milhões de brasileiros, movidos por
insatisfações no âmbito social, aos possíveis ambientes de
interação, a fim de exposição estratégica de vozes em protesto.
Agora a mídia é confrontada por novas formas de
representação e agenciamento. A mobilização apresentou um
254 caráter espontâneo e se deu como forma determinante de
organização na internet. Era, sem resquícios de duvida,
importante que os brasileiros se manifestassem contra a bolha
de felicidade fabricada pela publicidade.
Surge uma nova geração politizada? De certo modo
sim, mas o ‘movimento’ consegue integrar outras gerações pois
os agenciamentos não se restringem aos jovens, e os protestos
têm uma pluralidade imensa de focos. Sem palavras de ordem
ou com todas as palavras de ordem possíveis, os agentes
sociais formulam – em rede - uma “expressão de ordem” já
consolidada: “Não me representa!”.
As coberturas iniciais acerca dos protestos nas ruas
foram feitas pela grande mídia, com imposições televisivas. Os
discursos jornalísticos vinculados à grande mídia eram tão
claramente manipuladores e controversos que fizeram aflorar
no peito dos atores sociais a indignação e o protesto.
Ativistas políticos, ativistas midiáticos, ciberativistas,
estudantes, militantes e não-militantes, partidários e sem
partido, donas de casa, profissionais, empregados e
desempregados, enfim, as vastas representações nacionais
foram atingidas. As redes de informação geraram no espaço
255 público, a sensação dos atores sociais de serem percebidos não
como cidadãos, mas como mercadorias midiáticas.
A grande mídia distorcia o que acontecia das
manifestações, já a cobertura engajada, guarnecida de
aparelhos sociotécnicos comunicantes, atenta às pulsações
orgânicas do “senso comum”, concedeu evidência e voz a
“sociedade”, evidenciando a as zonas de conflito. A mídia
alternativa contemporânea, expressa no conjunto de mediações
colaborativas independentes que compõem o ciberespaço,
expôs os nervos do sistema social em crise. Ratificando o seu
conceito de comunicação e ação afirmativa diferenciadamente
das mídias tradicionais, forjou a oportunidade para a circulação
de narrativas muito aproximas da realidade em carne e osso. A
nova mídia alternativa traz uma pluralidade imensa de
narrativas, orais, escritas, impressas, audiovisuais, abrindo
caminho para uma produção de sentido sem amarras,
encorajando a livre interpretação.
De fato, a função da mídia não é representar, mas
informar. Porém, a sociedade tem necessidades de
representações, (sobretudo de representações governamentais,
que têm obrigação de fazê-lo) e as encontra, através de
sistemas de linguagem, sobretudo nas mídias independentes.
256 As representações levam às formas de subjetividade,
sociabilidade, interações e agenciamentos diretos, afirmativos,
geradores de cidadania.
No que respeita às jornadas de junho, há uma
politização na internet, e não esqueçamos, esta é usada,
sobretudo, como ferramenta de cognição cognitiva conectada,
lugar de encontro que facilita a comunicação e processos
integrados de mobilização. A rua continua sendo o grande
lugar das manifestações de protestos, mas a internet também
passa a configurar uma ambiência factual, dinamizando os
protestos na rua.
A falta de foco por parte dos protestos urbanos é algo
incômodo; o seu sentido e direção são difusos; é preciso
encontrar o foco, mais articulação quanto ao alvo, pois a falta
de foco é sintoma de uma crise generalizada de confiança
institucional do país. A falta de foco ou todos os focos ao
mesmo tempo em vias de protestos podem confundir o caráter
reivindicador. Mas, ao mesmo passo, as jornadas de junho se
deram a partir de uma comoção (causada, sobretudo, pela
violência policial em SP).
As características de organização das manifestações de
junho as assemelham às características ciberativistas. Assim
257 como nas manifestações que ocorreram sem lideranças
organizadas e focos centralizados, no ciberativismo
ingressamos, igualmente, sem uma liderança preliminar. É
preciso reconhecer - insistimos - a ordem é fazer valer o direito
à voz, a representatividade de voz, à liberdade de expressão.
O uso das linguagens em rede, como forma de
representação ideológica de voz, especificamente o uso dos
memes, faz proliferar idéias e ideais como uma verdadeira
viralização, sobretudo nas redes sociais, em que o feedback e o
poder replicador são quase instantâneos. Metodologicamente,
destacamos alguns exemplos de memes dos protestos
relacionados às jornadas de manifestação de junho de 2013, no
Brasil, que posteriormente deverão servir como material
empírico para análise.
Sim, é pelos R$ 0,20 da passagem; Não é por R$ 0,20, é por direitos; Mãos ao alto! R$ 3,20 é um assalto; Somos os filhos da revolução. Acredite, não é só por R$ 0,20; R$ 3,20 só se for open bar R$ 0,20 toda revolução tem um estopim. Tá lindo, Brasil! R$ 3,20 só por teletransporte; "Acreditem" não é só por R$ 0,20”; Enfia os R$ 0,20 no SUS; Sem demagogia, R$ 0,20 foi o início da guerrilha!; Hoje busão, amanhã educação; Sim, é pelos R$ 0,20 das passagens; R$ 678 do salário mínimo; R$ 26.723,13 do salário de deputado e senador; R$ 30 bilhões da Copa; R$ 40 bilhões desviados; R$ 100 bilhões que faltam para a educação; R$ 300 bilhões que falta para a saúde #vamosmelhorar
258 Se é perigoso andar sem cinto no carro, por que temos que andar em pé no ônibus? (...) Ô, Haddad, que papelão, abraça o Maluf e aumenta o busão. (...) Ah, mas que vergonha, o busão tá mais caro que a maconha. (...) Não é mole não! Dormir com fome pra pagar a condução!(...) Ô, Fifa! Paga a minha tarifa!(...) Se a passagem não baixar, olê, olê, olá, eu vou protestar!(...) Foco na missão, contra o aumento do busão! (...) Haddad, seu bocó, o preço da passagem tá mais caro que o pó. (...) Catracas vão rolar!(...) Pula, sai do chão, contra o aumento do busão. (...) Vem pra rua, vem, contra o aumento A tarifa abaixou, mas o povo não calou. (...) País desenvolvido não é onde pobre tem carro, é onde rico usa transporte público. (...) Governador, pode escolher, cai a tarifa ou cai você. (...) Se a tarifa não baixar, São Paulo vai parar. (...) Ô burguesia não se assuste não, é só um protesto contra o aumento do busão. (...) Transporte público pior que a Tim. Assim temos um repertório significativo dos discursos e
narrativas dos atores sociais, em nível minimalista, microfísico,
espontâneo e diversificado, constituído pelos memes em
circulação na midiosfera das redes, que revela a forma e o
sentido das manifestações recentes. Consiste em uma nova
linguagem qu traduz as formas da indignação e o protesto das
massas, em um contexto de comunicação pós-massiva.
Considerações finais
Mesmo com sistemas de comunicação e informação
tradicionais, “reputados” pelo padrão de qualidade, a sociedade
brasileira parece não fazer parte do processo de construção da
informação, assim como do processo de tomada de decisões. O
259 sentimento geral dos telespectadores, consumidores, cidadãos,
parece ser um mal-estar pelo fato de permanecer em posição
passiva, como parte integrante do circuito da mercadoria
midiática. Então, o ativismo midiático surge como tentativa de
‘apropriação’ de conteúdos transmitidos pelos conglomerados
midiáticos tradicionais, com o objetivo de reconfiguração
dessas informações, com as devidas contextualizações e
críticas sobre a mensagem inicial.
Com o surgimento de uma mídia alternativa, há novas
nuances no que se refere à produção de conteúdos, recriação
linguagens, modos de circulação, distribuição, consumo e
compartilhamento dos conteúdos. A partir da interatividade
gerada pelas tecnologias midiáticas colaborativas, surge o
ativismo midiático no ciberespaço, ou ciberativismo,
atualizando o processo de lutas pelo direito à liberdade de
expressão, bem como de representatividade de voz.
As manifestações ocorridas no Brasil, em junho de
2013, apresentam um caráter análogo (de “organização” social)
ao ciberativismo. Talvez, por essa simbiose, a sociedade
“organizada”, mas livre de lideranças, com anseios multifocais
tenha se identificado com o espaço virtual, não apenas como
instrumento de mobilização, mas entendendo o espaço
260 configurado com ambiência factual, e agora sim, colocando à
disposição dos ativistas, ferramentas de mobilização. Essas
ferramentas detêm seus poderes conforme podemos depreender
analisando as suas manifestações sob a forma de uma nova
linguagem, elaborada, construída e escolhida para atingir
objetivos determinados. Neste trabalho, com a devida
contextualização situacional, seguimos os rastros da linguagem
dos memes, como representações ideológicas de voz, de
expressão; ainda não se faz aqui uma análise. Entretanto,
procuramos mapear elementos, determinar um corpus empírico
à guisa de interpretação.
Para entender se esse fenômeno que se manifestou de
forma viral se deu a partir da inteligência das multidões,
mediante a escolha dessa linguagem de forma estratégica, é
preciso aprofundar algumas análises. Por enquanto
pressupomos que é importante dar voz e significados a esses
modelos de representação, concretizados através do memes das
redes sociais, pois estão atrelados fortemente aos
agenciamentos orgânicos e presenciais, e dão continuidade ao
processo sociocultural, cognitivo e político que se dá de forma
histórica e natural, nas ruas das grandes cidades.
261 Referências
ADYA, G; SIMONE, J; TARGINO, M. Midia e violência: dicotomia entre ética e prática jornalística. Revista de informação. Out./2013. Disponível em: http://migre.me/jH3V4. Acesso em: 08.06.2014 BLACKMORE, Suzan. O poder do meme. The Skeptic, EUA, 1997. Disponível em: < http://migre.me/jHWA5 >. Acesso em: 06.08.2013. FABIANO, Carlos de Souza. Memes: Formações discursivas que ecoam no ciberespaço. Vertice, v. 15, n. 1, 2013. Disponível em: http://migre.me/jH43h. Acesso em 31 de Jul. 2013. JOSE, Felipe de Xavier Pereira; PAOLEILLO, Francisco Jose. A subversão anônima: O Hackerativismo e a cultura da convergência. Atas do XVII Congresso da INTERCOM, 2012, Ouro Preto – MG. Disponível em: http://migre.me/jH46G. Acesso em: 08.06.2014. TAVERNARI, Mariana. Modelos de protagonismo e deslizamentos narrativos em memes na internet. INTERCOM, XXXVI, 2013, Manaus – AM. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/sis/2013/resumos/R8-1213-1.pdf>. Acesso em 01 de ago. 2013. TOLEDO, Leal Gustavo. Sobre a possibilidade de uma ciência dos memes. PUC – Rio de Janeiro. Revista Atler, n° 8, 2007. Disponível em: http://migre.me/jH4h0. Acesso em: 08.06.2014
262 A Revolta do Vinagre: Humor nos Protestos do Brasil
Andréa MESQUITA115
Joana BELARMINO Introdução
É comum ouvir em várias camadas sociais que o
“brasileiro é acomodado” e que aqui “tudo se resolve com
jeitinho”. No entanto, a história do Brasil tem registrado
importantes acontecimentos mostrando que “a paciência do
brasileiro tem um limite”. No século XX, a tolerância dos
brasileiros foi posta à prova e o resultado foi uma explosão de
grandes manifestações políticas que reuniram grandes
multidões no Brasil.
O marco inicial desses movimentos populares foi em
1940 com Revolta da Vacina, em que a população se rebelou
ante a obrigatoriedade da vacinação contra varíola. Na década
seguinte, com suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, a
população se revolta após a publicação da "carta-testamento"
de Getúlio, criticando seus opositores. Logo se instaurou um
clima de comoção popular, levando cerca três milhões de
pessoas às ruas do país. Em 1964, a “Marcha da Família” e a 115 Mestrando do Curso de Jornalismo Profissional da UFPB, email: [email protected]
263 “Marcha da Vitória” expressam o vigor das manifestações
populares na década de 60. Em 19 de março de 1964,
reuniram-se em São Paulo quase 500 mil pessoas na “Marcha
da Família”, um protesto contra o presidente João Goulart.
Poucos dias depois ele foi deposto e, em 2 de abril do mesmo
ano, cerca de 1 milhão de pessoas participaram, no Rio, da
“Marcha da Vitória” para saudar a queda de Goulart. Nos anos
80, mais um movimento popular, desta vez, o povo foi às ruas
para exigir eleições diretas para presidente da República. Em
1984, a grande bandeira era “Diretas Já”, movimento que
clamava pela redemocratização do país pós-golpe militar de
1964. As duas maiores concentrações ocorreram em abril, na
Candelária, no Rio, cerca de um milhão de pessoas e no Vale
do Anhangabaú, em São Paulo, o número estimado chegou a
1,5 milhão. No início da década de noventa, após uma série de
denúncias de corrupção, os “cheques fantasmas” assombraram
o Palácio do Planalto. As denúncias, envolvendo do Presidente
Fernando Collor e seu ex-tesoureiro de campanha, levaram os
“caras pintadas” às ruas de todo o país para exigir o
Impeachment do Presidente Collor.
O sistema dominante sempre teve o privilégio de ocupar
os espaços de comunicação para “explicar” à população suas
razões e apresentar propostas para apaziguar os ânimos. Em
264 revanche, à população só restava a manifestação. Ir às ruas,
levar bandeiras e reivindicações. Porém, faltavam os
instrumentos para efetivamente arregimentar os cidadãos e
tornar as manifestações representativas.
Atualmente, esses instrumentos estão na palma da mão
das crianças e adultos, manifestantes jovens e veteranos. À
disposição de todas as classes sociais, os instrumentos estão
disponibilizados pelas redes de várias mídias sociais. Hoje,
todos podem criar seus blogs, sites e perfis no Facebook.
As redes sociais digitais podem eleger e derrubar
governos e enfrentar regimes opressores, assim como, abrir as
portas do Palácio da Alvorada e do Congresso Nacional para
forçar o atendimento das reivindicações sociais. As
manifestações nas ruas exigem o reconhecimento dos direitos
fundamentais de todos os cidadãos (nas áreas de saúde,
educação, segurança pública, transporte, saneamento básico,
transporte público, moradia e emprego).
A primeira grande manifestação do século XXI no
Brasil foi convocada pelas redes sociais. A manifestação
explodiu da insatisfação diante do aumento das tarifas do
transporte público da cidade de São Paulo. Os manifestantes
ocuparam a Avenida Paulista, em 17 de junho de 2013, e
exigiram a revogação do aumento das tarifas. Esta data já
265 entrou para a história das lutas sociais. As ruas das principais
cidades do país tornaram-se cenários de manifestações que
excederam o protesto contra o aumento do valor da passagem
de ônibus, pois eram contra a corrupção dos políticos e
empresários desonestos, contra os altos gastos com a Copa do
Mundo, etc.
Este cenário de mobilização tem sido o palco para a
expressão da irreverência do povo brasileiro, por meio de
protestos bem humorados, irônicos e provocativos contra os
poderes hegemônicos do Estado e do Capital, os abismos e as
mazelas sociais.
Seguindo esta vertente humorística, o movimento, que
teve origem na série de passeatas contra os problemas dos
sistemas de transporte em São Paulo, passou a ser chamado de
“Revolta do Vinagre”, devido à proibição do uso de vinagre
nos protestos. O produto, que supostamente minimiza os
efeitos do gás lacrimogêneo, se tornou símbolo do famigerado
episódio de abuso do poder e truculência policial, serviu de
inspiração para os manifestantes que abusaram da imaginação,
para traduzir de modo irreverente a onda de manifestações que
vêm tomando conta do país.
266 Elementos para uma análise
Este trabalho apresenta uma seleção de publicações na
internet e postagens no Facebook que usam o humor para
demonstrar a insatisfação social diante do desprezo da classe
política, que ignora os reais problemas da sociedade brasileira.
O enfoque da pesquisa limita-se às postagens relacionadas com
a “Revolta do Vinagre”, como ficaram conhecidas as
manifestações do Brasil iniciadas em junho de 2013.
A “Revolta do Vinagre” ganhou as redes sociais e sites
de compartilhamento de conteúdo. E como não há limites para
o bom humor do brasileiro, foi criado, no Facebook, o evento
“Marcha pela Legalização do Vinagre” (Fig. 1), que já reúne
quase 30 mil confirmações de presença. Assim, no ciberespaço,
“manifestantes” fazem enquetes bem humoradas e postam
charges e fotos relacionadas aos protestos, e sempre referindo
ironicamente o vinagre como uma droga ilícita.
267
Fig.1
O vinagre ganhou fama do dia para a noite. O termo,
após ser um dos mais procurados no Google, entrou para a lista
do Wikipédia que tratou de registrar o verbete, “Revolta do
Vinagre” (Fig. 2), com a seguinte definição:
Os protestos no Brasil em 2013 são várias manifestações populares por todo o país que inicialmente surgiram para contestar os aumentos das tarifas de transporte público, principalmente em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, mas que ganharam forte apoio popular depois da repressão violenta e desproporcional que foi promovida pelas policias militares estaduais contra as passeatas. (...) Os confrontos com a polícia levaram grande parte da população a apoiar as mobilizações e atos semelhantes rapidamente começaram a se proliferar em diversas cidades do Brasil e do exterior em apoio aos protestos, passando a abranger uma grande variedade de temas, como os gastos públicos em grandes eventos esportivos internacionais, a má
268
qualidade dos serviços públicos e a indignação com a corrupção política em geral. Os protestos geraram grande repercussão nacional e internacional. (...) Em resposta às maiores manifestações populares realizadas no Brasil desde as mobilizações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo em 1992, o governo brasileiro anunciou várias medidas para tentar atender às reivindicações dos manifestantes e o Congresso Nacional votou uma série de concessões, como ter tornado a corrupção como um crime hediondo, arquivado a chamada PEC 37 e proibido o voto secreto em votações para cassar o mandato de legisladores acusados de irregularidades. Houve também a revogação das tarifas nos transportes em várias cidades do país. As manifestações no Brasil seguem o mesmo processo de "propagação viral" de protestos em outros países, como a Primavera Árabe, Occupy Wall Street, nos Estados Unidos e Los Indignados, na Espanha.
Fig.2
Além do verbete do Wikipédia, foram feitos games em
alusão às manifestações. O jogo chamado“V de Vinagre” (Fig.
269 3) foi desenvolvido pala Flux Game Studio. Estrategicamente,
o jogador precisa fugir da polícia, que está tentando prendê-lo
por porte ilegal de vinagre. O game satiriza as prisões,
realizadas pela polícia de São Paulo, dos manifestantes
portadores de vinagre durante a passeata. Episódio, que virou
chacota na internet e tem gerado os mais diversos tipos de
piadas e memes. O personagem do “V de Vinagre” é um
manifestante mascarado, inspirado no filme “V de Vingança”.
O jogador, além de fugir da polícia, deve pegar o maior
número de garrafas de vinagre para acumular pontos. E ao ser
pego, o manifestante leva uma surra e depois recebe uma
classificação de maconheiro, desocupado ou vagabundo.
Fig. 3
270
A criatividade irreverente do povo brasileiro cresce com
a mesma velocidade das manifestações. A prova disso é o mais
novo “viral” publicado no canal do YouTube, o vídeo
intitulado “Reunião de Emergência”, (Fig. 4).
A epidemia dos protestos exigindo a revogação do
aumento das tarifas e a frase "não é só pelos 20 centavos"
espalhada por todo país, inspirou ao grupo de humor conhecido
como “Porta dos Fundos” a versão de uma suposta “Reunião de
Emergência” da “presidenta” do Brasil, com sua base de apoio.
Na reunião a “presidenta” chama a atenção dos presentes para a
necessidade de reduzir a roubalheira, dando um “tempo para o
povo se dispersar”, já que “em um mês”, ressalta, “tudo voltará
a ser como antes”, com o “Campeonato Brasileiro, Big
Brother...”. Os companheiros se revoltam, justificando o
comprometimento do dinheiro com a Copa do Mundo,
pagamento aos banqueiros e até despesas com "jatinho".
271
Em nenhum momento o vídeo faz referência ao nome
da Presidente, no entanto, o nível do diálogo de quem comanda
a reunião e a fala dos interlocutores não deixa dúvida que se
trata de uma referência a uma reunião política do alto escalão
do Governo Federal. A atriz com semblante ríspido e vestindo
terninho cor de rosa entra na sala de reunião (Fig.5) e
solenemente anuncia: "Bom, pessoal, chamei vocês aqui
porque a situação chegou num nível que a gente vai ter que
tomar uma atitude: a gente vai ter que... roubar menos.” “Como
assim roubar menos, presidenta?”, indaga um dos
companheiros. “Diminuir a roubalheira, por uns dois meses
pelo menos”, responde ela.
O vídeo já nas primeiras horas de exibição alcançou a
marca de 167 mil visualizações. Com muita ironia, mostra os
políticos assombrados e incrédulos com a motivação da
reunião. “Não dá para parar de roubar assim, do nada”,
Fig. 4
272 argumentou um deles. E a presidente responde irritada: “Eu
não falei parar, eu falei para diminuir o ímpeto”. Os ministros
não querem acreditar no que estão ouvindo. Mediante o
desespero dos companheiros, a presidente tenta argumentar:
“Gente, é só um corte de 20%”, e imediatamente é
interrompida: “Não é só pelos 20. É pelo que representa
moralmente!”.
O vídeo mostra uma visão do grupo sobre um dos
maiores problemas da política no Brasil: a corrupção. A
mensagem final indica quem está por trás das decisões do
governo do Brasil. Assim, após aceitarem estrategicamente a
diminuição dos “ganhos”, surgiu à pergunta que não quis calar:
“E quem é que vai falar pro Lula?”
Fig.5
273
Os episódios humorísticos que envolvem a “famosa”
Revolta do Vinagre também ganharam espaço nas redes
sociais. O Facebook, por exemplo, serviu de mural para
cartazes e faixas que mostram toda criatividade da nação
cansada dos abusos políticos. Os manifestantes chamam a
atenção aos protestos sem deixar de lado a seriedade e o foco
do movimento.
A seguir vamos conhecer as cinco postagens campeãs
de compartilhamentos retiradas do perfil pessoal do Facebook
do pesquisador, o qual possui um universo de apenas 100
contatos. O critério utilizado para selecionar as publicações foi
a relação com humor e o maior número de compartilhamentos.
Somando um total de 35.959 compartilhamentos, o
primeiro lugar no ranking de compartilhamento foi postagem
no perfil de Carol Barbosa, (Fig. 6) publicada em 20 de junho.
A publicação exibe um manifestante, de cara pintada com as
cores da bandeira do Brasil, e com uma máscara, que
acompanha o protesto portando um cartaz com a frase: “spray
de pimenta em baiano é tempero”. Nessa mensagem, carregada
de ironia, o manifestante mostra que continuará nas ruas
mesmo com a ação violente, da polícia, para dispersar os
manifestantes com o uso spray de pimenta e bombas de gás
lacrimogêneo. Assim como, apela para que os manifestantes
274 não se deixem intimidar pela reação truculenta de quem é
remunerado para proteger os cidadãos.
Fig. 6
O segundo lugar ficou para postagem no perfil “Humor
Inteligente” (Fig. 7), publicada em 20 de junho, que obteve
24.684 compartilhamentos. A publicação é uma charge com o
desenho de um gigante que se levanta do chão, por traz de uma
cidade. O gigante está pintado com as cores da bandeira
nacional e dividido em reivindicações populares e não com os
estados da federação. Na cabeça do gigante, a frase “20
centavos”, representa a reivindicação que deu início às ondas
de manifestações. A redução das tarifas de transporte público
275 da cidade de São Paulo. Aos pés do gigante, a imagem de uma
cidade que sente a falta de serviços básicos para a população.
A legenda da figura é uma indagação, “Será que agora
certas emissoras irão entender o motivo de irmos à rua?”. A
charge relata o despertar do povo brasileiro, antes adormecido
em meios aos descasos do governo. As motivações das
manifestações estão explicitas no corpo do gigante, que teve
inicio devido ao aumento abusivo das passagens de ônibus. O
grito das ruas foi tão alto que acordou o “gigante” e o
despertou para os problemas cruciais da população. A frase,
“20 centavos”, saindo da cabeça, representa a voz dos
brasileiros esclarecendo aos políticos que o motivo das
manifestações não é mais pelo aumento abusivo das passagens
de ônibus. Os “20 centavos” se transformaram em uma causa
histórica, que envolve o modelo político do país. Para
finalizar, a frase “Será que agora certas emissoras irão entender
o motivo de irmos à rua?" é uma crítica ao posicionamento da
imprensa (em especial a Rede Globo, pois fez-se questão de
frisar “certas emissoras”), por ocultar, num primeiro momento,
os verdadeiros motivos das manifestações, ao mesmo tempo
que apela para “manifestações pacíficas” como quem diga
“falem, gritem, vão as ruas” mas com nossa autorização.
276
Fig. 7
A medalha de bronze ficou com a postagem do perfil
“Sorrindo pra Vida” (Fig.8), publicada em 20 de junho, com
16.315 compartilhamentos. A charge mostra caricaturas do ex-
presidente Lula e da “Presidenta” Dilma Roussef. Eles estão
montados em uma motocicleta fugindo dos protestos. A
chamada da charge é a frase “Acelera Lula o povo Brasileiro
acordou”. Em nossa visão, a charge pode ser relacionada com
frase do ex-presidente “Nunca na história deste País”... A frase
antecede freqüentemente justificativas das atitudes do ex-
277 presidente e da atual. Na postagem, os dois fogem das
reinvindicações da população. Eles descobrem que a povo
começa a enxergar que nunca, na história deste país, se viu
tanta desfaçatez, corrupção, violência, descaso com a educação
e saúde pública. E, nunca na história deste país se viu tantos
programas oficiais de “compra de voto” tão descarados como a
Bolsa Família, Bolsa Escola, “Vale Gás”, “Vale Pão”, “Vale
Leite” e vale tudo para fugir para a Etiópia e ficar de costa para
o Brasil.
Com 15.858 compartilhamentos, a postagem no perfil
“Humor Inteligente” (Fig. 9), publicada em 20 de junho, ficou
com o quarto lugar da classificação. A publicação é um cartaz,
afixado em um poste que se encontra no percurso de uma
manifestação, que trás a frase “Se é perigoso ficar sem cinto no
carro, porque temos que andar em pé no ônibus? A indagação
Fig. 8
278 chama atenção de um assessório de segurança que pode evitar
algumas tragédias nos veículos particulares e ao mesmo tempo
questiona como é possível proteger os usuários do transporte
público se não lhes é dado nem o direito de viajar sentado. A
postagem chama a atenção do país para a situação da segurança
no transporte público. O número de acidentes com mortes nos
transportes urbanos é significativo. As condições do transporte
coletivo no Brasil é uma tragédia anunciada, representada pelos
ônibus sucateados, frota insuficiente, superlotação. É
verdadeiro desrespeito a vida.
Fig. 9
O quinto lugar entre as postagens mais visitadas está no
perfil “Humor Inteligente” (Fig. 10), publicada em 22 de junho,
279 com 13.607 compartilhamentos. O cartaz é uma janela de erro
de computador. A mensagem traz a frase “Reiniciar o Brasil
agora? A indagação chama a atenção para a necessidade de se
reconstruir Brasil. A mensagem de erro no sistema, em
“computanês”, deixa qualquer usuário irritado porque trava o
computador. Em geral, o computador quando trava precisa ser
reiniciado e em diversas ocasiões parte ou todo trabalho que
estava sendo executado precisa ser refeito. E é essa a impressão
que se tem da situação política e administrativa do Brasil. Está
tudo travado pelo descompasso dos políticos e governantes
com as necessidades da população. É o presidente do Senado
viajando de avião da FAB para assistir casamento de amigos. É
presidente da Câmara dos deputados viajando com amigos de
avião da FAB para ver jogo no Maracanã. O ex-presidente Lula
que corre do SUS e se interna no Hospital Sírio-Libanês. A
“Presidenta” pagando R$ 3.125,00 para se maquiar e falar aos
“brasileiros e brasileiras” (publicado na Folha, em 27 de
junho). Ora, se as autoridades que estão expostas a mídia todos
os dias gastam o dinheiro dos nossos impostos sem nenhum
critério. O Brasil está travado e precisa ser reinicializado. Com
uma classe política compromissado com as demandas da
sociedade. Com qualidade nos serviços públicos de saúde,
280 educação, saneamento básico, segurança e transportes. Essas
são as reivindicações da população nas ruas.
Fig. 10
É nesse tom bem humorado, orquestrado por milhares
de mentes críticas e irreverentes, que os manifestantes têm
conseguido chamar a atenção, reunir pessoas, angariar simpatia
e apoio da sociedade na luta por melhores condições de vida.
O estudo tratou do uso do humor na manifestação
denominada Revolta do Vinagre. Inicialmente, foi feito um
extrato das principais manifestações populares que ocorreram
no país no século XX. Em comum, foi constatado que essas
manifestações são motivadas pela insatisfação do povo com
ações ou falta de ações dos governos.
281
A navegação pelas redes sociais deixou claro que na
Revolta do Vinagre, o humor foi uma arma eficiente para
disseminar pensamentos e alertar a sociedade da urgência de se
mudar o atual modelo político do país. As redes sociais foram
utilizadas para postagem de jogos, vídeos, cartazes, frases e
eventos que marcaram a presença do humor, como elemento
catalisador, nestas manifestações.
Na pesquisa fez-se um recorte e analisou as 05 (cinco)
postagens mais populares que marcaram a Revolta do Vinagre,
publicadas no perfil do Facebook do pesquisador. Essas
postagens vistas por milhares de pessoas tinham em comum o
tom do humor e ironia e mostram como este gênero foi usado
de maneira extremamente eficiente na comunicação, na
mobilização e principalmente para despertar a sociedade para
os problemas do Brasil.
Ficou evidente que o humor, utilizado como
instrumento disseminador de ideais, serviu de alerta, a esse
povo sofrido, da urgência de se mudar o atual modelo político
do país. Modelo este que, segundo as publicações analisadas,
se encontra contaminado por uma “doença crônica e
contagiosa” chamada “corrupção”. E a “Revolta do Vinagre”
foi a senha para o “gigante acordar”.
282 Referências CLICK JOGOS. V de Vinagre. Disponível em: http://migre.me/jH1Sx. Acesso em: 22.06.2013. FACEBOOK. Perfil de Carol Barbosa. Disponível em: http://migre.me/jH2cx. Acesso: 01.06. 2013. FACEBOOK Perfil Humor Inteligente. Disponível em: http://migre.me/jH2As. Acesso: 01.06.2013. FACEBOOK. Perfil Humor Inteligente. Disponível em: http://migre.me/jH385. Acesso: 01.06.2013. FACEBOOK Perfil Humor Inteligente. Disponível em: http://migre.me/jH3ev. Acesso: 01.06.2013. FACEBOOK. Marcha pela legalização do vinagre. Disponível: http://migre.me/jH3iU. 01.06.2013. Protestos no Brasil em 2013. In: Wikipedia. Disponível: http://migre.me/jH3y4. Acesso: 08.06.2014 YOUTUBE. Reunião de emergência. Disponível em: http://migre.me/jH3FC. Acesso: 08.06.2014.
283 Jornalismo e transmídia: estratégias para um debate
Valter B. de ARAÚJO116 Joana BERLAMINO
Introdução
A proposta deste artigo é disponibilizar teorias sobre
transmídia e jornalismo e também levantar procedimentos que
instiguem debates quanto à narrativa transmidiática da
imprensa aos protestos dos milhares de jovens nas ruas dos
principais centros brasileiros (Revista Exame Online,
27/07/2013). Com o estudo busca-se também respostas a
indagações como: durante os protestos, quais meios de
comunicação convergiram, qual veículo foi mais importante na
narrativa transmidiática?
Analisando transmídia observa-se que muitas vezes esta
é confundida como uma simples estratégia de Marketing.
Entretanto, acompanha: a criação de novos dispositivos, os
quais são estruturados por uma mesma tecnologia, a
Tecnologia Digital; uma Cultura da Convergência, na qual os
116 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, Mestrado Profissional em Jornalismo, PPJ/UFPB; Email: [email protected].
284 interatores se engajam nestes distintos meios para procurarem
mais informações a respeito de uma determinada história.
Por terem os protestos reconfirmado que “os fatos
podem se tornar narrativas transmidiáticas no futuro, caso os
usuários decidam fazer uma nave-mãe de alguma notícia que
teve grande repercussão”, como ressalta Tavares e
Mascarenhas (2013), esta tem sido também, a razão que nos
leva a fazer da narrativa transmidiática, nos momentos de
protestos nas ruas dos principais centros urbanos brasileiros,
nosso objeto de pesquisa, considerando, entretanto, de forma
específica, conceitos que lhes fazem referência, a exemplo:
“O que define efetivamente a narrativa transmidiática é o seu desenvolvimento em vários suportes eletrônicos, em textos que vão se expandindo com as diversas contribuições dos usuários/interatores. E que a narrativa transmidiática se fundamenta sobre os mesmos pilares da narrativa tradicional, no sentido de privilegiar o universo ficcional mesmo que ele tenha origem em acontecimentos reais. Ou seja, várias leituras da realidade podem ser reproduzidas pela ficção eletrônica, como fazem as telenovelas, as minisséries, os filmes” (2013, p.202).
Os manifestos contra a baixa qualidade dos serviços
públicos e corrupção, entre outros temas foram registrados de
285 forma muito presente pelos veículos de comunicação, os quais
fizeram uso da narrativa transmídia e jornalismo, conforme se
registra o exemplo extraído Revista Exame (27/07/2013) que,
ao fazer referência a primeira menção direta do Papa Francisco
aos protestos nos Brasil, apresenta link com fins de transmídia
ao fim da notícia.
Papa pede diálogo para fim de protestos Em discurso aos líderes culturais e empresariais do Brasil, Francisco disse que o diálogo construtivo é “fundamental para enfrentar o presente”. Rio de Janeiro – O Papa Francisco afirmou neste sábado que os líderes devem trabalhar sobre as questões levantadas pelos protestos no Brasil e pediu aos padres de todo o mundo que deixem sua zona de conforto para servir os mais pobres e necessitados. (...) Em discurso aos líderes culturais e empresariais do Brasil no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Francisco disse que o diálogo construtivo é "fundamental para enfrentar o presente", em sua primeira menção direta aos protestos. (...) Em junho, milhares de manifestantes tomaram as ruas das principais cidades do país para protestar contra a baixa qualidade dos serviços públicos e corrupção, entre outros temas. A maior parte dos manifestantes é composta por jovens. (Vide página EXAME.com. no Facebook).
286 Sabe-se, entretanto, que lançar mão de teorias sobre
transmídia e jornalismo faz-se, necessário buscar
embasamentos que ancorem este procedimento, hoje em dia,
tão comum. E, isto é possível por vias da contribuição advinda
da convergência, hipermídia e memória.
E, uma vez que a proposta central deste artigo é
apresentar procedimentos teóricos, voltados à narrativa
transmídia e jornalismo foi feito neste sentido, apropriações de
conceitos e algumas considerações importantes. Conforme
ressalta Soares e Martins (2011) “três aportes conceituais (as
noções de convergência, hipermídia e memória), servem de
suporte para tentarmos compreender como as narrativas
crosmídia e transmídia potencializadas graças à internet,
podem ser interessantes aparatos para se pensar o
webjornalismo e a possibilidade de novas maneiras de
construção noticiosa”. Este conceito apresenta-se em principio,
mas outras considerações nesta linha, são também registradas
neste estudo, conforme se segue:
Para os pesquisadores Antikainen et al, (2004), a
“convergência pode ser percebida nos conteúdos, nos
dispositivos terminais e nos sistemas de rede.” Na
comunicação costuma-se falar da convergência como sinônimo
da aglutinação de dispositivos aproximando-se à noção de
287 multimídia ou “multimeios” (SANTAELLA 2003), ou seja, ter
numa mesma ferramenta ou espaço, a aglutinação de várias
disposições midiáticas a exemplo de imagens, textos, vídeos,
link, etc. Neste caso, percebe-se que a internet se apresenta
como o ambiente que melhor se adéqua a esta incorporação e
aceitação a convergência de conteúdo. Esse fato é também
defendido por Soares e Martins (2011 p.152) ao afirmarem:
“A convergência de conteúdo, que tem a ver com a transposição de arquivos de um meio para outro, majoritariamente, do impresso, do rádio e da TV para a web. Como a convergência de conteúdo se tornou bastante comum entre os meios de comunicação, observa-se que o universo de práticas dos jornalistas acabou incorporando uma série de maneirismos e disposições desta natureza”.
A hipermídia – ou hipertexto – se refere a um espaço
que interliga textos por meio de elos associativos que
promovem uma navegação não-linear (ou alinear),
descentralizada e rizomática (FERRARI, 2007; LEMOS 2007;
SANTAELLA 2003 e 2007). Através do hiperlink, podemos
“interligar qualquer ‘documento’ (arquivo) da web, sejam estes
animações, vídeos, sons, gráficos, fotos ou páginas HTML
288 (virtuais)” (MOARGNOLIN, PEREIRA e SILVA, apud
PINHO 2003, P. 146).
O hipertexto nos traz uma pré-definição de fontes,
imagens, textos, além de possibilidades de entendimento de um
tema (FERRARI, 2007). É bom lembramos que eles são
predefinidos, como um norteador que indica “as rotas de
navegação do usuário“ (SANTAELLA, 2003).
E, finalmente, a memória. É importante observar que o
uso da memória no jornalismo não é específico da web, mas é
nesse meio que é armazenada e utilizada, mais fácil e
rapidamente. Pode-se perceber, em outros veículos, a memória
como artefato discursivo: na TV, com vídeos de reportagens já
exibidas ou produzidas anteriormente: no jornal impresso, com
a reutilização de fotos produzidas para outras notícias, entre
diversos outros exemplos.
289
Fonte: Google imagens
Ao levantar procedimentos sobre a narrativa
transmidiática observa-se que o surgimento foi preciso,
inclusive em relação à crossmídia. O pesquisador Jenkins
(2008) nomeou algo que já acontecia, mas que ainda não havia
sido estudado de forma sistemática. Segundo ele, a narrativa
transmidiática refere-se a uma nova estética que surgiu em
resposta à convergência das mídias – uma estética que faz
novas exigências aos consumidores e depende da participação
ativa de comunidades do conhecimento. Sendo mais explícito,
na transmídia, percebe-se, através de várias mídias, os
desdobramentos de uma temática. O autor ainda reafirma que
“uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos
suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de
290 maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de
narrativa transmidiática, cada meio faz o que faz de melhor”
(JENKINS, 2008, p. 135).
Entretanto, um produto transmídia possibilita o
consumo, mesmo que o expectador não seja fã, ou melhor
“cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja
necessário ver o filme para gostar do game e vice-versa. Cada
produto determinado é um ponto de acesso à franquia como um
todo” (JENKINS, 2008, p. 135). Portanto, é importante
esclarecer que, se um meio não traz complemento para o
produto de outra mídia, não existe, neste caso, narrativa de
transmídia, pois não há ampliação do tema ou assunto. Por
exemplo, quando...
Hollywood age como se tivesse apenas de proporcionar mais do mesmo, imprimindo um logotipo de Jornada nas Estrelas [Star Trek] (1966) em um monte de bugigangas. Na realidade, o público quer que o novo trabalho ofereça novos insights e novas experiências (JENKINS, 2008, p. 146).
Também se observa que “o conceito de transmídia
como ampliação, desdobramento ou mesmo complementação
de um assunto, esse estilo de narrativa se enquadra no âmbito
jornalístico. Ao contrário da crossmídia, que ensaia estudos no
291 jornalismo, a transmídia não possui o mesmo destaque na
área”, (SOARES e MARTINS, 2011). E, mesmo que a web
não seja primordial para a transmídia, ela parece ganhar mais
evidência neste meio; com as novas configurações da web,
entra em cena um espaço maior para publicação e longe das
amarras temporais, como o fechamento. O fato é que uma
matéria publicada em um meio pode ganhar contornos e
desdobramentos em outros. Quando um conteúdo transposto
traz hiperlinks para matérias mais antigas, esse fenômeno se
perfaz como narrativa transmidiática, pois há uma ampliação
da temática inicialmente abordada em outro meio. Ainda assim,
esses desdobramentos podem ocorrer de maneira mais tácita,
sem a publicidade do meio (crossmídia) e sem a característica
da convergência. Portanto, se definirmos transmídia como
ampliação, desdobramento ou mesmo complementação de um
assunto através de mais de uma mídia, essa narrativa se
enquadra no âmbito jornalístico, sobretudo na internet.
Percebe-se então, que no webjornalismo, a transmídia
pode ocorrer aliada à convergência dos materiais, valendo-se
de outras de suas características do meio, como a memória e a
hipermídia (MIELNICZUK, 2003; PALACIOS, 2002, 2003).
Johnson (2001, p.92) aponta que “o mundo online propicia
recursos que ajudam a sustentar a programação mais complexa
292 em outros meios de comunicação”. Como observa Soares e
Martins (2011) quando um conteúdo transposto (convergência)
traz hiperlinks para matérias mais antigas (memória), esse
fenômeno trata-se de uma narrativa transmidiática, pois há uma
ampliação da temática abordada antes em outro meio.
Fonte: Google imagens
Portanto, “se uma notícia tiver sido convergida de outro
meio para a web e trouxer links para outros textos, essa
ampliação de abordagens é considerada uma narrativa
transmidiática”. Os atos de protestos no Brasil ocorridos em
2013 exemplificam esta teoria (Revista Exame, 27/07/2013).
293
Também ressalta o autor Henry Jenkins (2008, p. 135),
que “uma história transmidiática se desenrola através de
múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto
contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo”. Assim,
plataformas de funções diferentes em sinergia trabalham
ambientes imersivos. Para o autor, uma narrativa
transmidiática, refere-se a uma nova estética que surgiu em
resposta à convergência das mídias – uma estética que faz
novas exigências dos consumidores e depende da participação
ativa de comunidades de conhecimento. “A narrativa
transmidiática é a arte da criação de um universo” (Jenkins,
2008, p. 47).
O entrelaçamento criado tanto pela crossmídia e
transmídia quanto pela aliança da convergência, memória e
hipermídia não torna necessariamente o conteúdo mais crítico.
Essas estratégias construtivas aumentam a polifonia, ampliam
uma temática abordada, atravessando até transversalmente
mais uma mídia. Esse alargamento do assunto pode acontecer
de maneira intratextual (direcionando as indicações para a
própria empresa) e para fora dela (intertextual). Além do mais,
essas informações adicionais possibilitam ao jornalista dispor
de uma pluralidade de visões no texto, desde as apreciações
294 oficiais (órgãos públicos, políticos, assessores, etc.) até as
alternativas, como blogs, sites independentes, entre outros.
E, como observa Tavares e Mascarenhas (2013) “O
jornalismo tem grande potencial transmídia, mas não o tem
para desenvolver narrativas como as ficcionais, fazendo uso
maior da convergência e de transmidiações sem
necessariamente possuir uma estrutura narrativa”.
Fonte: G1.com
Por essa razão, surge a cultura da participação (Shirky,
2011) que está na base das relações das gerações digitais
formadas nas redes sociais. E, no jornalismo, as ferramentas
que mais têm atendido a essa proposta são o Twitter e o
Facebook, que têm modificado a forma de divulgação das
295 notícias, reconfigurando o conteúdo, mostrando os novos
papéis adotados pelos jornalistas. Por outro lado, a web tem se
tornado o espaço privilegiado de participação nos universos de
produtos culturais como os filmes de George Lucas.
Henry Jenkins trata da história das produções artísticas
entre cultura tradicional, cultura de massa e cultura da
convergência. Para o autor, a cultura da convergência estaria
resgatando e transformando o papel da participação “popular”,
relegado durante o século XX com a mídia de massa. O autor
defende que a produção cultural sempre se baseia em algo já
produzido em maior ou menor grau. Leis e aparatos das
grandes corporações ignoram este fato ao rechaçar a
reapropriação feitas pelos usuários através de fan fictions, por
exemplo.
Esses novos compartilhamentos, promovidos através
das mídias sociais, que estão mudando também as relações
jornalísticas, impondo-lhes novas configurações, ainda estão
em fase embrionárias. Todavia, já estão em definitivo no
cotidiano da sociedade.
Finalizando, as teorias aqui expostas, dão margem às
seguintes afirmativas quanto à postura transmidiática da
imprensa, aos recentes protestos dos milhares de jovens nas
ruas dos principais centros brasileiros: tendo em vista a
296 facilidade de acesso, a instantaneidade em se passar a
informação, utilizando-se dos mais diversos dispositivos,
como, celulares, smarts fones, tablets, entre outros, a internet,
por meio das redes sociais, foi sem sombra de dúvida, o
veiculo que mais contribuiu na promoção da convergência,
com jornais impressos, revistas, rádio e televisão, na narrativa
transmidiática, entre outros veículos de comunicação.
Referências ABREU, J; BRANCO, V. A convergência TV-web; motivações e modelos, In: BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação. Covilhã, Portugal, 1999. Disponível em: http://migre.me/jH1t4. Acesso em: 15/07/2013. AGUIAR, L; MARTINS, A. Convergência e transmídia nos debates dos candidatos a governador da Paraíba: A Rede Paraíba de Comunicação nas Eleições 2010. In: IV Simpósio Nacional ABCiber, Rio de Janeiro 2010. Disponível em: http://migre.me/jH1oI. Acesso em: 15/07/2013. ANTIKAINEN, Hannele; KANGAS, Sonja; VAINIKAINEN, Sari, Three views on mobile cross media entertainment. In: VTT Information Technology, Research Report, 2004. Disponível em: http://migre.me/jH1lC. Acesso em: 18/07/2013. BATISTA, Rodrigo. A cibernotícia como reconfiguração da atividade jornalística no ciberespaço. In: NUNES, Pedro (Org.). Mídias digitais & interatividade. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009, p 233-254.
297 CANAVILHAS, João, A internet como memória. In: BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, Portugal, 2004. Disponível em: <http://migre.me/jH0r0>. Acesso em 18/07/2013. CORREIA, Danilo; FILGUEIRAS, Lúcia, Introdução à mídia cruzada. In: Grupo de Estudos em interação do LTS, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2008. Disponível em: http://migre.me/jH0f8. Acesso em: 21/07/2013; FERRARI, Pollyana. A rizomática aventura da hipermídia. Uma análise da narrativa no ambiente digital. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2007. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. S. Paulo: Aleph, 2008. JOHNSON, S. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Zahar, 2001. LEMOS, André. Cibercultura. Tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007. MIELNICZUK, Luciana. Jornalismo na web: Uma Contribuição para o estudo do formato da notícia na escrita hipertextual. Tese de Doutorado. Salvador, UFBA, 2003. Disponível em: http://migre.me/jGZBR. Acesso em: 08.06.2014. PALACIOS, Marcos. Jornalismo online, informação e memória: apontamentos para debate. In: Workshop de Jornalismo Online, 2002, Covilhã, Portugal. Disponível em: http://migre.me/jGZeB. Acesso: 29/07/2013. ____ “Ruptura, continuidade e potencialização no jornalismo online: o lugar da memória”. In: MACHADO, Elias & PALACIOS, Marcos (orgs.). Modelos do Jornalismo Digital. Salvador: Calandra, 2003. Disponível em: http://migre.me/jGYLb. Acesso em: 08.06.2014
298 PINHO, José. Jornalismo na internet: planejamento e produção da informação online. São Paulo: Summus, 2003. PAPA PEDE DIÁLOGO para fim de protestos no Brasil. In: Revista Exame Online, 27.07.2013. Disponível em: <http://migre.me/jGXOj>. Acesso em: 27/07/2013. SANTAELLA, L. Culturas e artes do pós-humano. Paullus, 2003. SHIRKY, Clay. A cultura da participação. Rio: Zahar, 2011. SOARES, Thiago e MARTINS, Allysson Viana, Entre convergências de meios e conteúdos: apontamentos sobre os conceitos de crossmídia e transmídia no webjornalismo. In: Interfaces Jornalísticas: ambiente, tecnologia e linguagens. João Pessoa: Editora da UFPB, 2011. TAVARES, Olga, MASCARENHAS, Alan. Jornalismo e convergência: possibilidades transmidiáticas no jornalismo pós-massivo - Revista FAMECOS mídia, cultura e tecnologia, Porto Alegre, v. 20, n. 1, pp. 193-210, jan./abr. 2013.
299 Mea Culpa e autorreferencialidade na cobertura dos protestos no Brasil
Rackel Cardoso Santos GUIMARÃES 117 Thiago Soares
Introdução: O gigante acordou e “balançou” o Brasil
Desde os “caras pintadas”, o Brasil não presenciava
uma cena como essa vivida em junho de 2013. Milhões de
brasileiros indo às ruas em diversas partes do país protestando
e “gritando” pelos seus direitos. O aumento de R$0,20 nas
passagens de ônibus coletivos urbanos em São Paulo foi o
estopim para a reunião de tantas pessoas nas ruas. Mas, “não
era só pelos vinte centavos”. A manifestação não tinha apenas
uma causa. A população clamava por um país mais justo, por
políticos honestos, por melhoras na qualidade de vida e no
serviço de saúde, educação e transporte, criticando os gastos
abusivos com a copa do mundo, contra a PEC 37, dentre tantos
outros descontentamentos e motivos para protestar.
As redes sociais na internet foram fundamentais para
esse acontecimento, pois através delas foi possível reunir
117 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Jornalismo - PPJ/ UFPB, email: [email protected].
300 multidões em praça pública, agendar horários e locais dos
protestos e mais pessoas, também conectadas, começaram
entender os motivos do movimento, compartilhar e aderir a ele.
Conscientizar as pessoas através dos meios eletrônicos online é
o que chamamos de ciberativismo, “- que nasce com a entrada
de ativistas na rede -, vem com uma proposta de
conscientização através da internet. Na maioria dos casos uma
movimentação que começa na internet e acaba nas ruas.”
(SANTOS, 2011. p. 3).
Para os ciberativistas o uso da internet é um meio de “driblar” os meios de comunicação tradicionais, que na maioria das vezes não oferecem espaço para que a opinião pública se manifeste. Com isso a rede se torna um espaço “público” em que os ativistas podem se manifestar, otimizando o impacto de suas idéias. (SANTOS, 2011. p. 3)
À frente das primeiras passeatas realizadas nesse
período no Brasil, estava o Movimento Passe Livre,
movimento social apartidário, formado por jovens, estudantes,
professores e pessoas que defendem a adoção da tarifa zero
para o transporte coletivo. Mas, a proporção que o evento
tomou, espalhando-se por todo o país, o deixou sem um
“cabeça” específico, o povo brasileiro tomou conta das ruas, ou
301 como eles preferiram dizer: “O Gigante Acordou” (frase muito
usada nas mobilizações online e presenciais).
Parte dos manifestantes aproveitou o momento para
externar sua revolta, e acabou vandalizando. Alguns grupos se
reuniram para quebrar vitrines de lojas, incendiar ônibus, fazer
pichações nas paredes de prédios públicos e cometer crimes.
Enquanto isso, o movimento seguia com sua luta nas ruas. A
polícia agiu com violência e bateu de frente com os vândalos
que também desafiava os policias.
A imprensa brasileira não poderia deixar de cobrir esse
evento histórico que mobilizou todo o país. Os primeiros dias
não foram fáceis. A generalização da mídia nas acusações de
vandalismo e as opiniões contrárias aos motivos da
manifestação levaram ao descontentamento dos ativistas e as
críticas nas redes sociais. A pressa por noticiar, analisar, sair na
frente do concorrente e acompanhar tudo o que se passava
pelas ruas fez com que vários “erros”118 fossem cometidos
durante a cobertura e muitos tiveram que se retratar e/ou mudar
o foco da cobertura. Sabendo os manifestantes que os
movimentos não tinham uma causa única, aproveitaram para
118 Neste caso, o uso da palavra erro se refere ao enquadramento que a mídia deu ao vandalismo no protesto, deixando de noticiar as principais causas da manifestação levando em conta apenas o aumento das passagens e, principalmente, generalizando os ativistas como vândalos.
302 tornar as “gafes” da cobertura jornalística nos primeiros dias do
movimento mais um motivo para protestar.
O que se viu nos primeiros dias dos protestos em São Paulo foi uma certa indiferença, carregada de desconfiança, tanto por grande parte da sociedade quanto pela imprensa, que aparentemente via as manifestações como um movimento que em nada se diferenciava de tantos outros já realizados na Cidade. Apenas no terceiro dia do protesto (11/6), quando houve violência de parte a parte, entre manifestantes e polícia, foi que a imprensa abraçou a cobertura com vigor. Ao dar manchetes aos estragos causados por malfeitores travestidos de manifestantes, generalizando as acusações, vários veículos foram alvo de críticas e protestos nas redes sociais. (SOARES, 2013).
Diante disso, analisaremos agora as “gafes” cometidas
por jornalistas, criticados pelos ativistas online e nas ruas.
Serão eles: o comentário de Arnaldo Jabor e as capas do jornal
Folha de São Paulo. Que exemplificam a “mea culpa” e o
“voltar atrás” e pedir desculpas do jornalismo frente às
demandas do público.
A viralização do comentário de Arnaldo Jabor Arnaldo Jabor é um conhecido jornalista, escritor e
cineasta brasileiro, comentarista no Jornal da Globo, telejornal
303 da rede Globo de televisão, além disso atua na rádio CBN, dois
grandes canais de comunicação do país com um bom número
de telespectadores e ouvintes.
No início dos protestos nas ruas de São Paulo, Jabor
teve seu espaço no Jornal da Globo (em 12 de junho de 2013)
para comentar sobre o movimento e fez uma crítica aos
manifestantes, afirmando que o protesto “não tinha causas”, e
os adeptos estavam com um “ódio violento contra a cidade,
sem motivos”, chamou os manifestantes de “filhos de classe
média” que não precisam daqueles vinte centavos. Defendeu os
polícias, chamando-os de “pobres que ganham muito mal”.
Também usou termos como “burrice”, “rancor” e “ignorância”,
associando o protesto as lutas na Turquia na praça Taksom,
sugerindo que deveriam lutar contra a aprovação da PEC 37 e
reafirmando que esse era um protesto sem causas. Finalizou o
discurso dizendo: “esses revoltosos de classe média não valem
nem vinte centavos”.
O comentário logo foi publicado na internet e viralizou,
recebendo críticas, palavras de ódio contra o comentarista e
contra a emissora. Jabor e a Rede Globo foram alvos de
julgamento nas ruas e na internet:
304
Um dos motivos que levou aos protestos contra a emissora foi uma análise veiculada no Jornal da Globo em 12/6, em que o colunista Arnaldo Jabor fez duras críticas aos manifestantes do Movimento Passe Livre, comparando-os ao PCC e chamando-os de ‘filhinhos de papai’ e ‘revoltosos de classe média’ (http://bit.ly/15ZzyIx). Cinco dias mais tarde, o colunista veiculou na CBN a coluna Amigos, eu errei. É muito mais do que 20 centavos (http://glo.bo/14cYBXr), em que faz um mea culpa por sua posição inicial em relação aos protestos. Ainda assim, a postura de Jabor foi criticada por grande parte dos manifestantes e também por alguns profissionais da imprensa. Em post publicado no Diário do Centro do Mundo, Kiko Nogueira comenta o caso. “O colunista Arnaldo Jabor fez um dos mea culpa mais espetaculares na história do jornalismo mundial, notável em dois aspectos: pela convicção e truculência do primeiro comentário, devidamente renegado; e pela velocidade da mudança de ideia”. (SOARES, 2013.)
Além de ser exibido em rede nacional pela emissora, o
comentário foi reverberado na internet, só no site do telejornal,
teve 533.066 visualizações, mas também foi publicado no
Youtube por diversos usuários, sendo assim imensurável o
número de pessoas que assistiram. A seguir, o vídeo foi alvo de
críticas nas redes sociais, como no Twitter119 (Imagem 1):
119 Twitter é uma rede de informação em tempo real que te conecta às últimas histórias, ideias, opiniões e notícias sobre o que está acontecendo no mundo. O
305
Imagem 1: As Hashtags120 #AbaixoRedeGloboPovoNaoéBobo e #Jabor chegaram a ficar nos Trends Topics 121, assuntos mais comentados do Twitter:
Twitter é composto por pequenas explosões de informação chamadas Tweets. Cada Tweet tem até 140 caracteres. Cf. https://twitter.com/about. Acesso em: 08.06.2014 120 Sintonizar uma hashtag (símbolo # + palavra) no Twitter é uma maneira prática de buscar o tópico ao qual a palavra se refere .e, principalmente, associar sua mensagem a outros tweets sobre o mesmo tema. Cf. https://blog.twitter.com/ 121 Trend Topics são gerados automaticamente por um algoritmo que tenta identificar os tópicos que estão sendo falado mais no momento. A lista Trends é projetado para ajudar as pessoas a descobrir em tempo real os assuntos mais comentados. Tópicos entram na lista de tendências quando o volume de tweets sobre o assunto em um dado momento é muito grande. Cf. https://blog.twitter.com/. Acesso em: 08.06.2014
306
Imagem 2 Também foi alvo de críticas nos cartazes criados pelos
manifestantes nas ruas, que publicaram suas fotos nas redes
sociais. No Instagram122, o internauta rsbonelli (imagem 3)
exibe a foto que tirou na rua, com um cartaz “Sei que não
representa a causa, mas tudo bem, pois #Jabor não me
representa também.”. A frase escrita no cartaz faz referência à
música “não existe amor em SP” do cantor e rapper brasileiro
Criolo, cuja letra faz uma crítica a cidade de São Paulo.
Imagem 3
Legenda da foto publicada no Instagram: Sei que não representa a causa, mas tudo bem, pois #Jabor não me representa também.
122 Instagram é uma maneira compartilhar os acontecimentos da vida com os amigos através de uma série de fotos. Você tira a foto de algum aparelho digital e, conectado a internet, pode mostrar para os amigos da sua rede. Cf. http://instagram.com/about/faq/. Acesso em: 08.06.2014
307
Cinco dias depois, mais precisamente em 17 de junho,
Arnaldo Jabor aproveitou seu espaço na rádio CBN, e
novamente no Jornal da Globo para se retratar. Reconhecendo
que criticou erradamente, faz seu discurso de mea culpa,
explicando que a primeira vista o movimento parecia uma
pequena provocação inútil, Jabor disse: “Temos democracia
desde 1985. Tudo acabava em pizza. De repente apareceu o
povo e uma juventude que estava calada desde 1992".
(JABOR, 2013a)
Amigos, eu errei. É muito mais do que 20 centavos: O Movimento Passe Livre tinha toda a cara de anarquismo inútil, e temi que toda a energia fosse gasta em bobagens, quando há graves problemas no Brasil. Mas desde quinta-feira, com a violência policial, ficou claro que há uma inquietação tardia. (JABOR, 2013b)
Da mesma forma que o primeiro vídeo, o segundo
comentário de Jabor foi publicado na internet, também muito
visualizado e compartilhado. Dessa vez, o jornalista aproveitou
o espaço na rádio CBN para se retratar, e seu comentário foi
publicado também no site da rádio onde recebeu 637
comentários. Porém, no site do Jornal da Globo, o segundo
vídeo teve menos acessos, foram 34.801 visualizações, contra
308 530.930 do primeiro, e mesmo assim a hashtag #Jabor voltou a
estar entre os assuntos mais comentados do Twitter no dia 17
de junho de 2013.
Esse fato mostra que o jornalismo opinativo pode ser
um caminho ambíguo para a imagem de uma empresa e de um
profissional. Na ânsia por fazer juízo acerca de determinados
acontecimentos, na velocidade do momento, acaba fazendo
com que o comentário seja apressado como o de Jabor.
Análise das capas do jornal Folha de São Paulo
O Jornal Folha de São Paulo também foi alvo de
diversas críticas por enfatizar o vandalismo em suas capas e
manchetes nos primeiros dias de protesto. É certo que houve
atos criminosos e de vandalismo durante as manifestações,
porém enquanto uma pequena parte do grupo realizava esse
quebra-quebra, um maior número de pessoas protestava
pacificamente pelas ruas, inclusive fugindo dos pontos onde
ocorriam as manifestações mais violentas. A polícia agiu com
violência durante os primeiros dias de protesto, pessoas
inocentes foram atingidas pelas bombas de efeito moral e balas
de borracha. Porém, a Folha resolveu focar suas manchetes, em
309 vários dias do movimento, justamente na violência,
descredibilizando o evento, defendendo a ação policial e
generalizando todos os ativistas como vândalos, afirmando que
estariam ligados a partidos políticos, e colocava apenas o
aumento das passagens como motivo da manifestação.
Logo nos primeiros protestos, quando o movimento
ainda ganhava forma, a capa da Folha de São Paulo traz uma
manchete no dia 07 de junho (Imagem 4) focando no
vandalismo e estragos causados. Ocupando quase metade da
parte superior da capa, com uma foto cuja legenda dizia que os
estudantes eram ligados a partidos políticos.
Imagem 4
310
No dia seguinte, 8 de junho de 2013, a Folha de São
Paulo traz novamente o protesto como manchete de capa
(Imagem 5). A capa trazia no centro uma foto junto a chamada
focando a violência e o vandalismo, além do medo dos
comerciantes da região por causa dos protestos.
Imagem 5
Após mais um protesto, a Folha continua enquadrando
suas matérias na violência provocada por alguns manifestantes.
No dia 12 de junho de 2013, o jornal ocupou quase toda a capa
com notícias enfatizando o protesto (Imagem 6), dessa vez
apontando protesto como o mais violento, e mais uma vez
voltando os olhos para o lado ruim do protesto.
311
Imagem 6
O enquadramento que a Folha de São Paulo deu em
suas reportagens sobre o protesto foi alvo de diversas críticas
na internet e nas ruas. O jornal só mudou o foco, após o quarto
protesto, em 14 de junho de 2013, a capa da Folha traz uma
manchete enfatizando a violência dos policiais no protesto
(Imagem 7). Na mesma edição, trouxe duas chamadas para
falar sobre os sete jornalistas do grupo Folha que foram
agredidos ou tiveram problemas com a violência policial,
mostrando ao foto da jornalista Guliana Vallone, com o olho
roxo por causa de uma agressão sofrida.
312
Imagem 7
Na ocasião, alguns artistas fizeram um movimento nas
redes sociais, publicando fotos com o olho roxo, para protestar
contra agressões sofridas pelos jornalistas. A exemplo da atriz
Fernanda Rodrigues (Imagem 8).
313
Imagem 8
Após ser alvo de várias críticas por causa do
enquadramento dado a suas manchetes, apenas na capa de 18
de junho, o jornal Folha de São Paulo deixa de afirmar que o
protesto é contra o aumento das passagens e usa o termo
“contra tudo” (Imagem 9), nessa edição as chamadas de capa
foram todas sobre o movimento, enfocando vários tópicos,
como os cartazes utilizados nos protestos.
314
Imagem 9
Já na capa do dia seguinte, 19 de junho, (Imagem 10)
após a sexta manifestação, o texto é mais específico e afirma
que a manifestação começou pacífica e alguns grupos
praticaram vandalismo. Nesse mesmo dia, a capa do jornal foi
novamente tomada de manchetes sobre as manifestações,
divididas entre relatos dos atos pacíficos e dos tumultos.
315
Imagem 10
Fernando Soares comentou no portal dos jornalistas:
Ao dar manchetes aos estragos causados por malfeitores travestidos de manifestantes, generalizando as acusações, vários veículos foram alvo de críticas e protestos nas redes sociais. A Folha de S.Paulo foi inicialmente um dos principais alvos, após sua capa do dia seguinte ao protesto (12/6) estampar a manchete Contra tarifa, manifestantes vandalizam centro e Paulista, e também publicar na mesma página a chamada para um texto a respeito das manifestações da Turquia com o título Polícia da Turquia reprime ativistas em praça de Istambul. (SOARES, 2013)
316 Segundo Colling, (2001, p. 95): “Produzir
enquadramento é selecionar alguns aspectos da realidade
percebida e dar a eles um destaque maior no texto
comunicativo, gerando interpretação (...)”. E foi justamente
isso que a Folha de São Paulo fez em sua cobertura nos
primeiros protestos, voltando o foco para o vandalismo e as
manifestações mais violentas, deixou de noticiar os protestos
dentro de seu contexto geral, cujo objetivo era mais abrangente
do que lutar contra o aumento de vinte centavos na passagem.
Considerações Finais
O “erro” de não mostrar os dois lados, a pressa por
noticiar e opinar tirando conclusões precipitadas sobre os fatos
podem levar jornalistas a cometerem “gafes” como as que
foram cometidas pela Folha de São Paulo e pelo comentarista
Arnaldo Jabor. Por causa dessas posições que tomaram ambos
foram alvo de críticas nas ruas e no ambiente virtual. Afinal,
vivemos em uma era onde a imprensa é cada vez mais “furada”
e “monitorada” pelos usuários das redes sociais, que estão
saindo na frente dos jornalistas e aproveitando o espaço para
criticar as da mídia.
317
Hoje, o público além de ter mais canais e fontes para
ouvir vários focos diferentes dos fatos, também podem
expressar sua própria opinião através das redes online, por isso
estão cada vez mais atentos e de olho na mídia. Na internet os
atores sociais podem além de monitorar, reverberar, ainda
criticar e causar inúmeras visualizações dos seus comentários e
conseguir novos adeptos até que viralize.
A mea culpa do jornalista Arnaldo Jabor se retratando
depois do comentário no Jornal da Globo, mostra a
ambigüidade da opinião no jornalismo. E foi um caso que
viralizou levantando inúmeras críticas ao jornalista.
Já o Jornal Folha de São Paulo utilizou da tematização
para generalizar e não mostrar os dois lados dos fatos. A
tematização ocorre no jornalismo quando fragmentos da
história são mais focados, e por isso, a Folha teve que voltar
atrás, que mudar o foco e mostrar o que estava acontecendo,
que na verdade não eram apenas atos violentos, que não era
“apenas pelos vinte centavos”. E foram bastante criticados no
ambiente virtual e também nas ruas.
Referências COLLING, Leonardo. Agenda-setting e framing: reafirmando os efeitos limitados. Revista FAMECOS, nº 14. PUC-RGS, 2001.
318 JABOR, Arnaldo. “Arnaldo Jabor fala sobre novos protestos e ressalta força da juventude”. In: Jornal da Globo, 17.06.2013. Disponível em http://migre.me/jGCNy. Acesso em: 08.06.2014. JABOR, A. “Amigos, eu errei. É muito mais que 20 centavos”. In: Globo.com, 17.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jGCqp. Acesso: 24.06.2014. SANTOS, Fernando Jacinto Anchê. O ciberativismo como ferramenta de grandes mobilizações humanas: das revoltas no Oriente Médio às ações pacíficas do Greenpeace no Brasil. Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 5 - Edição 1 – Setembro-Novembro de 2011. SOARES, Fernando. Múltiplos ângulos de um mesmo fato. In: Portal dos Jornalistas, 19.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jGD5b. 2013. Acesso em: 08.06.2014 Clipping Imagem 1 : https://twitter.com/search?q=%23jabor&src=typd Imagem 2: https://twitter.com/ Imagem 3: http://instagram.com/rsbonelli Imagem 4: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/07/2/ Imagem 5: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/08/2/ Imagem 6: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/12/2/# Imagem 7: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/14/2/ Imagem 8: http://migre.me/jHYiJ Imagem 9: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/18/2/ Imagem 10: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/19/2/#