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FOLHA DUPLA Edição Nº1 - Terça-feira, 13 de Dezembro de 2011 EDISCA: Um Balé de Sonhos Instituição atende atualmente a 400 crianças e jovens de comunidades carentes de Fortaleza. Página 4 O Centro Cultural Bom Jardim reúne arte e cultura num dos bairros mais carentes da periferia de Fortaleza Página 8 Vila das Artes, vila de todos Equipamento da prefeitura de Fortaleza que reúne diversas linguagens artísticas no Centro da capital Página 16 Emcetur De cadeia pública para o artesanato, um pólo cultural do artesanato cearense Página 12 Vaqueiro um pouco da história deste símbolo da nossa cultura Página 14

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O Jornal Digital Folha Dupla é o resultado de um semestre de discussões da disciplina de Comunicação e Cultura, ministrada/orientada pelo professor Tiago Seixas, no Curso de Comunicação Social - Jornalismo, da Faculdade 7 de Setembro (FA7). A produção mantém foco nos conceitos de cultura defendidos pelo antropólogo, escritor e político brasileiro Darcy Ribeiro e pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu. A equipe de alunos aliou conceitos, ações, figuras e espaços que difundem o valor da arte e da cultura no Ceará, principalmente na cidade de Fortaleza (CE). O Jornal Digital Folha Dupla quis mostrar que, quando há iniciativa e participação popular, sempre se pode preservar a identidade cultural de qualquer sociedade.

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Folha DuplaEdição Nº1 - Terça-feira, 13 de Dezembro de 2011

EDISCA: Um Balé de Sonhos

Instituição atende atualmente a 400 crianças e jovens de comunidades carentes de Fortaleza. Página 4

O Centro Cultural Bom Jardim reúne arte e cultura num dos bairros maiscarentes da periferia de Fortaleza Página 8Vila das Artes, vila de todos

Equipamento da prefeitura de Fortaleza que reúne diversas linguagens artísticas no Centro da capital Página 16

Emcetur De cadeia pública para o artesanato, um pólo cultural do artesanato cearense Página 12

Vaqueiro um pouco da história deste símbolo da nossa culturaPágina 14

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Participaram na elaboração desta edição:

Dayanne Feitosa José Gabriel Maia

Saulo LoboRaoni Souza

Soriel Leiros

O “Folha Dupla” é o re-sultado de um semes-tre inteiro de discussões acerca dos conceitos de comunicação e cultura, sobretudo, de nomes como Darcy Ribeiro e Pierre Bourdieu, apre-sentadas pelo professor Tiago Seixas, do curso de Jornalismo da Facul-dade Sete de Setembro – Fa7.As matérias foram ide-alizadas mostrando es-paços públicos e per-sonagens da cultura de nossa terra a partir de uma abordagem simples e objetiva, com o intuito de aproximar o leitor às atividades ligadas à arte e à cultura de Fortaleza.

EDITORIAL

Expediente Jornalistas responsáveis: Dayanne Feitosa, José Gabriel Maia, Raoni Souza, Saulo Lobo e Soriel Leiros. / Diagramação: Narcelio Lima / Distribuição: gratuita na Faculdade Sete de Setembro e nas instituições participantes. O “Página Dupla” é um jornal acadêmico, portanto, sem fins comerciais.

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Folha Dupla

Confesso que sou iniciante e, por conta disso, minhas palavras denotam certa inexperiência diante dos fatos. Contar histórias, ou melhor, escrevê-las, não

é uma das tarefas mais fáceis, aliás, poderia afirmar que são tarefas quase impossíveis. Não é coisa simples prender a aten-ção de alguém quando se vive num mundo onde os valores estão esquecidos e o ritmo de vida está cada vez mais frené-tico.

Sigo com o meu bloco e nenhuma ideia me aparece. Fico nervoso, tenso. Tenho pena de minhas unhas! Começo a suar, passar as mãos nos meus cabelos... Rabis-co aqui, ali, acolá e nada. Fico preocupado por não atender às expectativas daqueles que sempre esperam o melhor de mim. Parece loucura, não é mesmo? Por que tanta pressão e exigência de si próprio? Nem eu mesmo sei responder. No entanto, gosto de desafios e tudo que os cerca. Busco, então, estar perto das pessoas, da natureza, do mundo real. Quem sabe não me vem uma inspiração?

Saio de casa, e já, no meio do caminho, as ideias começam a aparecer. A cidade que me cerca começa a me dar as respostas que eu tanto busco. Começo meu caminho entre as areias de Iracema, espaço de tanta cultura e, certa-mente, de muitas histórias. Sinto que aqui encontrarei uma ajudinha para minha crônica.

Sento-me diante do mar, num fim de tarde em que os últi-mos raios de sol me anunciam que a noite será maravilhosa. Que beleza! Famílias e mais famílias desfrutando de seus momentos de lazer, crianças brincando de uma forma totalmente descontraída e casais apaixonados que, através de um longo abraço ou de um beijo ardente, demonstram felicidade.

Às vezes, me bate uma saudade de amores antigos e me lembro de um trecho da canção do Caetano: “(...) andar de mão dadas na beira da praia, por esse momento eu sempre esperei”. Como eu não pensei nisso an-tes! Estava tão perto e tão distante, ao mesmo tempo, de descobrir que passos seguir para a construção do meu texto! Como esquecer a cidade de Fortaleza, que é forte até no nome, sobretudo, este espaço tão rico, forte, envolvente, que a praia nos traduz em sensações espe-ciais.

Ao fundo, o som gostoso de um bom forró que se mistura com o sor-riso do menino e da menina, aquele sorriso moleque tão característico da minha gente.

A noite chega e, com ela, vem ainda mais uma sensação de bem-estar. Gente de todo lugar, que numa única só cor, pedala, corre, patina, come, se conhece, ou, até mesmo como eu, escreve e se sente num pedacinho de sua casa.

Olho para a estátua da Virgem dos Lábios de Mel e, numa conversa totalmente informal e inconsciente, me revela segredos que guardarei comigo.

O fascínio provocado pelo vai e vem destas ondas me faz voltar para casa com a sensação de dever cumprido, num dia que ficará para sempre marcado na minha memória.

Tenho certeza de que a contemplação do belo não está morrendo e de que minha crônica está perfeita. Ops! Perfeita não! Está pronta para marcar o coração daqueles que se iden-tificam com os momentos mais simples da vida.

Tenho certeza de que a contemplação do belo não está morrendo

“ “Por Soriel Leiros

Sob o sol de Iracema...

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Folha Dupla

EDISCA : Um Balé de Sonhos

A arte da dança e do teatro traz a crianças e jovens de baixa renda a possibilidade de in-

serção em um mundo artístico e cul-tural que vai além dos grandes muros que separam a periferia da área nobre da cidade de Fortaleza. Esse é o resul-tado do trabalho feito pela EDISCA, a Escola de Dança e Integração Social para Criança e Adolescente, em funciona-mento na Rua Desembargador Feli-ciano de Ataíde, 2309 no Bairro Luciano Cavalcante, fundada em novembro de 1991. Já são duas décadas dedicadas ao mundo da dança e da arte cênica.

A EDISCA é uma organização não governamental que atende hoje a 400 crianças e jovens, de 7 a 18 anos, considerados moradores de áreas de risco. Os alunos da instituição são em sua maioria provenientes de bairros da periferia, principalmente do Mu-curipe, Praia do Futuro, Bom Jardim, Conjunto Palmeiras, Comunidade do Dendê e adjacências.

O dia-a-dia da escola conta com turmas de iniciação na área do balé, Programa Primeiros Passos, com corpo de baile, responsável pe-los principais espetáculos, e com o

Balezão. Já no teatro existem turmas infantis e juvenis, e o grupo de teatro EDISCA. Como toda instituição bem estruturada, a EDISCA conta tam-bém com sua área de gestão, formada por assembleias e conselho, diretoria, gestão administrativa, financeira e contábil, gestão de projetos, captação de recursos, assessoria jurídica, de marketing e comunicação, produção de eventos e espetáculos.

O mundo da cultura hoje gira em torno daquilo que muitos estudiosos chamam de Indústria Cultural, fazen-do referência à comercialização dos

Por José Gabriel Maia

Instituição atende atualmente a 400 crianças e jovens de comunidades carentes de Fortaleza

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bens culturais que estão inseridos no sistema capitalista financeiro inter-nacional. De acordo com o pensador francês Pierre Bourdieu, a cultura no mundo de hoje, em seu campo artís-tico, está perdendo a sua autonomia, adquirida com dificuldade ao longo da história da humanidade, e encon-tra-se com sua produção e circulação ameaçadas pela lógica do comércio e dos bens culturais que só priorizam o lucro.

Diferente de várias instituições e demais meios culturais, a EDISCA se distancia daqueles que buscam a ob-tenção de lucro financeiro através da promoção da cultura. A instituição fun-ciona hoje com a ajuda de parceiros que investem na educação artística de cen-tenas de pessoas direta e indiretamente. A escola busca promover o desenvolvi-mento da cultura e da arte priorizando pela riqueza educacional e social, con-trariando assim, a preocupação princi-pal do mercado consumidor: a busca do lucro máximo em curto prazo.

A EDISCA faz parte do grupo daqueles que buscam a concretização de produções culturais que não sejam influenciadas e orientadas para o comé-rcio, não compartilhando com os pre-ceitos impostos por aqueles que detêm a produção cultural de massa. A EDIS-CA luta pela concretização de uma cultura que esteja disponível a todos, principalmente aos menos favorecidos economicamente e que fazem parte de uma grande parcela da sociedade bra-sileira que não possuem estabilidade social e educacional de qualidade.

A cultura em nossa atualidade está passando por grandes ameaças, as condições econômicas e sociais em que ela está sendo desenvolvida se encontra totalmente afetada pela questão da obtenção de lucro finan-ceiro, principalmente nos países avançados, em que o acúmulo de capital e a condição de autonomia são maiores que a de outros lugares. Nações como o Brasil, consideradas em desenvolvimento, também estão passando por um tortuoso processo de capitalização de suas formas de ex-pressões culturais. Atualmente, são raras as iniciativas de criação cultural que priorizam a estética da arte como

uma atividade que ofereça conheci-mento.

Outro ponto que coloca em risco a autonomia da cultura é a globalização, entendida aqui como um processo de adequação às leis do comércio, dessa forma, a comercialização de nossos bens culturais entra em confronto com aquilo que se entende por cultura, em defesa das culturas nacionais e locais. A universalização da cultura deve ser feita priorizando suas particularidades, bus-cando o distanciamento do processo de comercialização das coisas.

Por ser uma instituição que foge dos preceitos impostos pelo sistema capitalista, consequentemente, a EDIS-CA, assim como outras instituições de cunho não governamental, passam por dificuldades de visibilidade perante a mídia, que também se encontra em um processo de comercialização da notí-cia. Aqueles que lutam pelo combate a produção cultural como uma merca-doria estão expostos a um jornalismo solidário às regras do mercado, onde somente os assuntos de interesse dos meios de comunicação é que são re-passados a sociedade pelas grandes corporações capitalistas midiáticas que tomam conta das instituições de comu-nicabilidade social.

O meio cultural também está precisando de intelectuais e críti-cos que estejam preocupados, primeiramente, com a importân-cia da arte e da cultura para a formação do homem, e não com o sucesso imediato de sua figura pessoal, sendo submissos às leis do mercado. Isso nos leva a crer que os atuais produtores culturais mais autônomos, aos poucos es-tão desistindo de suas produções, e, principalmente, da distribuição desses produtos que nunca estiver-am tão ameaçados como hoje, mas que também nunca foram tão ra-ros, úteis e preciosos.

IngressoPara entrar na EDISCA é

necessário ter entre sete e doze anos, ser comprovadamente de baixa renda e residir em alguma das áreas con-sideradas de risco. Outro requisito fundamental para ingressar no corpo docente da instituição é estar matricu-lado na escola regular. Hoje, 100% dos alunos da EDISCA estão matricula-dos na escola formal, a maioria em instituições públicas e alguns em in-stituições particulares, com bolsas integrais destinadas àqueles que mais se destacam na EDISCA. Outros 7% já concluíram o ensino médio e 25 es-tão fazendo curso superior, sendo 11 em instituições públicas, como UFC, UECE e IFCE. Ao longo de todos es-ses anos, a EDISCA nunca registrou nenhum caso de abandono escolar entre seus educandos.

A organização só realiza inscrições de admissão de novos alunos a cada dois anos ou quando o número de va-gas disponíveis corresponde a 20% da capacidade de atendimento. O longo espaço de tempo para a execução de um processo seletivo é explicado devido à baixa rotatividade e o tempo de permanência dos alunos na insti-tuição, que atinge em média 4,5 anos. O número de evasão institucional da EDISCA é de apenas 8%.

A EDISCA faz parte do grupo daqueles que buscam

a concretização de produções culturais que não sejam

influenciadas e orientadas para o comércio

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“A dança na minha vida foi um milagre, foi onde eu pude me descobrir e descobrir outras pessoas”. A dança proveu um grande “milagre” na vida de Anderson Carvalho, 23 anos, mo-rador do Bairro Bom Jardim, na per-iferia de Fortaleza. Estudante da rede pública de ensino, Anderson sem-pre esteve envolvido com a arte. Em sua escola, participava do grupo de teatro, e foi por causa disso, através de convites de colegas da escola que ele, na companhia de quatro amigos, resolveu entrar na EDISCA para es-tudar arte cênica.

Apesar de gostar muito de teatro, a dança acabou roubando toda a at-enção do jovem de 16 anos, foi ouvindo a música clássica das aulas de balé que Anderson se encantou pela dança e resolveu praticá-la. Apesar da avançada idade para se começar em uma carreira de bailarino, e de um problema com encurtamento nas ar-ticulações, ele não se deixou vencer pelos “empecilhos” e passou a se dedi-car por inteiro para a dança. Mas, ess-es não foram os únicos problemas que o dançarino teve que enfrentar. Outra grande barreira a ser vencida foi a do preconceito. Em um país onde o ma-

chismo ainda é bem presente como o Brasil, fazer balé é coisa para “ma-cho”, tem que ter coragem para en-frentar tanto preconceito acerca de uma arte tão bela. Anderson diz ter sido uma tarefa árdua provar para sua família que dança também é uma profissão, hoje seus pais e toda a co-munidade o enxergam com outros olhos.

Todo esforço desse jovem foi recompensado. Com apenas sete anos de EDISCA, ele já é professor da instituição. Anderson diz estar motivado e feliz por seu sucesso, pois hoje tem a chance de ensinar a outros jovens, com as mesmas condições sociais que ele, aquilo que aprendeu dentro da EDISCA. Hoje ele se sente orgulhoso ao dizer que é visto como um exemplo a ser seguido por seus alunos.

Em breve, o professor de dança terá que deixar a EDISCA para alçar voos mais altos. A partir do ano que vem, Anderson irá passar quatro anos na Holanda estudando dança, com auxilio de uma bolsa integral de estudos. Agora ele poderá levar para um novo país toda a arte e o aprendi-zado obtido na EDISCA.

socIal

Além da dança e do tea-tro, a organização também atua em outras áreas, como o atendimento direto aos do-centes e seus familiares, tanto no campo artístico, como no sócio-educativo e de saúde. Esse é um dos maiores difer-enciais da EDISCA: a pro-moção do desenvolvimento humano de crianças e ado-lescentes.

A instituição conta hoje com projetos internos que visam o desenvolvimento social de seus docentes, ex-emplo disso é o Programa Nossa Saúde, que trabalha em ações educativas que at-uam na prevenção de doen-ças. Outra iniciativa é o setor de psicologia, trabalhando direto com grupos de con-vivência, e aconselhamento psicológico. Ainda falando em saúde, a instituição pro-move também um setor de nutrição que oferece infor-mação e refeições balancea-das a todos os seus alunos e funcionários. Sem falar na distribuição de carteirinhas carregadas com créditos para que todos os alunos possam freqüentar as aulas regular-mente.

Visando ao fortaleci-mento da educação de seus docentes, a escola conta com um projeto pedagógico que oferece aulas de português e matemática, xadrez e in-formática, também projetos de incentivo à leitura, através de empréstimos de livros na biblioteca da instituição que conta com cerca de cinco mil exemplares, e visitação a es-paços culturais.

SaltoS e paSSoS para o SuceSSo

Anderson Carvalho, 23, bailarino da Edisca

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1992: “O Maior Espetáculo da Terra”, trouxe ao palco a arte da mambembe.

1993: “Elementais”, este espetáculo representou um universo mágico, composto por elementais, fadas duendes e gnomos.

1995: “Brincadeiras de Quintal”, este espetáculo teve como fundamento resgatar o universo lúdico dos jogos infantis.

1995: “Jangurussu”, retrata a dura realidade de famílias que sobrevivem dos lixões e aterros sanitários das grandes cidades. Retrata crianças em disputa com urubus por pedaços de alimento em decomposição, mulheres amamentando seus filhos em meio ao lixo e homens disputando pelos melhores dejetos. O espetáculo busca refletir às causas sócias que leva a essa circunstância.

1997: “Koi-Guerra”, em Tupi Guarani significa, “O que será morto”, faz referência ao índio representado dentro de cada um de nós. Reflete a vida de um povo que se encontra ameaçado por um extermínio perverso. Fazendo uso de uma linguagem universal, o espetáculo faz uma alusão ao nosso relacionamento com o meio ambiente, retratando a cultura e trajetória de povos primitivos.

2000: “Duas Estações”, mostra a luminosidade do Nordeste através da beleza de seu povo e solidariedade, faz referência a força e resistência de um povo vitorioso que acredita em dias melhores. O espetáculo tem sua matriz no Realismo-Fantástico, um novo ambiente onde a realidade é recriada com generosas doses de surrealismo, sua principal fonte de inspiração.

2003: “Mobilis”, tem como objeto principal o movimento, o que ele aponta, seus traços e o insinuado, o que vai além da forma, mostra o jogo de gravidade e suspensão, equilíbrios e dinâmicas, ordem e caos fazem uma investigação entre o real e o virtual, aquilo que existe por si só.

2005: “Demoaná e Urbes Favela- o teatro”, e 2006: “Urbes Favela- a grande dança” tem como tema a cultura urbana, o multiculturalismo. A intenção é mostrar o dialogo entre favela e grandes centros, as formas de relação entre jovens periféricos com o mundo produtivo, equipamentos como centros culturais e shoppings.

2011: “Sagrada”, faz uma reflexão sobre as questões ambientais e de sustentabilidade. O espetáculo é uma jornada que vai do surgimento da vida ao fim do ser humano, os dançarinos se transfiguram em anjos, seres divinos e luminosos.

Produção Artística:

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Um verdadeiro Jardim de Gente

Constantemente nos depara-mos com notícias que re-latam os altos índices de

criminalidade no Grande Bom Jar-dim, região periférica de Fortaleza. Esta região está situada ao sul da nossa cidade fazendo fronteira com os bairros Conjunto Ceará, Siqueira, Bom Sucesso e o município de Caucaia. Segundo dados do In-stituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coletados no Censo Demográfico 2000, lá resi-dem aproximadamente 121.728 pessoas considerando-se, assim, a região mais populosa e que abrange três bairros: o próprio Bom Jardim, a Granja Lisboa e a Granja Portugal.

Detentor de uma grande exten-são territorial, notamos, contudo, a falta de estrutura do bairro para atender a demanda necessária dos que ali residem. É comum vermos buracos nas ruas e a falta de sanea-mento básico. O comércio naquele local tem se desenvolvido cada vez mais, o que ajuda na movimentação da economia. A violência ainda é a maior “inimiga” da população, visto que o Bom Jardim é considerado o bairro mais “perigoso” da cidade pela polícia.

Porém, o bairro conta com uma grande parcela da população or-ganizada e atuante em movimen-tos populares, motivada em mudar

essa realidade. É comum vermos essa população presente em sua As-sociação de Moradores, em outras organizações civis e envolvida na criação de ONG’s que possibilitem a criação de melhores condições de vida para todos.

Há uma variedade de artesãos, artistas plásticos e grupos de cultura popular. Contudo, é na música que o bairro tem maior destaque. Conta hoje com cerca de 60 bandas de rock independentes que formaram até a sua própria associação.

Segundo Lina Luz, coordena-dora pedagógica do Centro Cultural Bom Jardim - CCBJ, os moradores reuniram as suas necessidades em

Por Saulo Lobo Freitas

O Centro Cultural Bom Jardim reúne arte e cultura num dos bairros mais carentes da periferia de Fortaleza

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um documento formal, relatando suas carências e, dentre elas, estavam a necessidade de construção de um local que expandisse a cultura e ao mesmo tempo reunisse a população.

Assim, o Centro Cultural Bom Jardim foi inaugurado em dezem-bro de 2006, pelo então governa-dor do Estado Lúcio Alcântara. Firmando-se como um espaço de convivência para a arte e educação, o CCBJ é voltado para a educação e profissionalização de crianças, jovens e adultos. É uma realização do Governo do Estado, através da Secretaria de Cultura, sendo gerido pelo Instituto de Arte e Cultura do Ceará (IACC). O espaço conta com um teatro de arena, biblioteca, salas de multiuso, galeria, sala de dança e uma ilha digital.

Através do CCBJ Educativo são oferecidos diversos cursos gratuitos, através do Núcleo de Formação em Arte. São eles:

1. Artes Visuais, Design e História da Arte: aqui são ofertados cursos de desenho básico, grafite, pintura em tela, desenho em anatomia humana, xarpi (da in-versão de sílabas da palavra “pixar”, um emaranhado de letras), álbum digital e fotografia.

2. Artesanato e Gastronomia: o artesanato é desen-volvido através de materiais recicláveis, areia color-ida, fios, papel, tecidos e até materiais utilizados da natureza. Já os cursos relacionados à gastronomia são uma parceria que o CCBJ tem com a Universidade Federal do Ceará e o referido curso.

3. Cenotécnica, Audiovisual, Tecnologia de Som e Il-uminação: uma área bastante procurada na produção cultural é desenvolvida através de cursos de animação básica, artes gráficas, iniciação cineclubista, técnico de som, entre outros.

4. Dança: através da movimentação do corpo, esse é um dos cursos mais procurados. São vários os tipos de dança; popular, balé, contemporânea, regional, ca-poeira, dança de rua básica e avançada.

5. Informática e Mídias Digitais: para os jovens que pretendem ingressar no mercado de trabalho, esta ferramenta é fundamental para os dias atuais. Informática básica para crianças e adultos, além de noções em internet, software livre e webdesign.

6. Prática de Leitura: a prática de incentivo a produção textual e a leitura não poderia faltar em um bairro tão carente.

7. Moda e Design de Moda: através da história da moda, jovens e adultos participam desde a confecção, modelagem até como organizar um desfile. (no mo-mento está indisponível.)

8. Multiplicadores Culturais: esse curso beneficia aquele aluno que se destaca em alguma oficina, tem aptidão para a realização da tarefa e quer multiplicá-lo para os seus demais colegas. Nele, o aluno-monitor recebe formação em gestão cultural, como elaborar projetos e como prestar contas.

9. Música e Canto: através da voz e da técnica vocal é que jovens a adultos estudam essa arte primorosa.

10. Teatro: através da arte teatral é que crianças e jovens conseguem se expressar artisticamente. Al-guns, para perder a timidez apenas, mas outros son-ham em se tornarem grandes profissionais.

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“Dentro dos quatro anos em que nós

estamos aqui, atuando, vimos

uma diferença bem grande referente à comunidade em si”

Mayra Vitória Pereira Pessoa, de apenas 10 anos, é uma das alunas do balé e participa da turma infanto-ju-venil. Suas aulas acontecem as segun-das, quartas e sextas-feiras, no turno da manhã. Aplicadíssima, Mayra está lá há três anos e afirma “gostar muito”. Quem descobriu essa novidade para ela foi sua avó, que chegou ao local “meio que sem querer”, e viu ali uma oportunidade para sua neta sair da ociosidade.

Mayra fez novas amizades e sua mãe, Lucilene Pereira, se sente or-gulhosa da filha, apesar de não par-ticipar muito da rotina corrida de Mayra. Lucilene é costureira e está desempregada no momento, por isso tem acompanhado a filha ultima-mente na ida ao balé. “Quando tem apresentações da Mayra, em qualquer canto, eu e meu marido fazemos de tudo pra estar assistindo”, afirma.

O balé do CCBJ é muito reconhe-cido pelas pessoas de um modo geral, por formar grandes talentos. Lucilene conta que sempre há “olheiros” do balé Edisca, companhia conhecida nacionalmente, que procuram por novos talentos. Ela afirma que algu-mas colegas da sua filha já iniciaram as aulas de balé na instituição, mas que não puderam dar continuidade devido a distancia de suas casas. A

sede da Edisca fica no Conjunto Lu-ciano Cavalcante.

Mayra Vitória estuda em uma es-cola particular, o Colégio Bom Jesus, no próprio bairro. Este ano ela se ma-triculou no balé do seu colégio, no período da tarde, após a aula. Como ela é uma das alunas que tem mais experiência, já auxilia sua professora com as outras colegas e, questionada acerca da sua profissão no futuro, foi firme: “Quero ser bailarina!”.

Sua mãe conta que a filha toma “remédio controlado” e essa ativi-dade contribuiu bastante no desen-volvimento social de Mayra. “Ela melhorou muito depois que veio para cá!”. Quando perguntada sobre a se-gurança do local, ela disse que ali se sente segura devido a existência de seguranças no ambiente e que eles conhecem os alunos, sabem quem pode sair sozinho e quem só pode sair acompanhado. “Por exemplo, minha filha só sai com a avó dela ou comi-

go. Teve um dia em que ela precisou voltar com a mãe de uma coleguinha dela, eu tive que ligar para cá.”

Lucilene afirma tomar essa precaução por conta da situação de violência em que se encontra o bairro, segundo ela “porque infelizmente aqui dentro é de um jeito e lá fora ninguém pode confiar, né?”.

Entrevistamos também Cristina Gadelha que trabalha no CCBJ e o

conhece como ninguém. Ela exerce a função de assistente administrativo e cuida da programação, juntamente com Diana Pinheiro, a gerente ad-ministrativa.

Questionada acerca do conceito de cultura, ela afirma que a cultura faz parte do no nosso dia-dia e que sem ela seria mais difícil a convivência pes-soal e profissional. “Aqui no Bom Jar-dim, como nós trabalhamos com uma comunidade muito carente, esse nosso trabalho é muito importante. Dentro dos quatro anos em que nós estamos aqui, atuando, vimos uma diferença bem grande referente à comunidade em si. As pessoas estão mais educadas, mais interessadas em saber o que é um espetáculo de teatro, de dança, se inter-essam em levar para a sua escola.”

Pierre Bourdiau, sociólogo francês, aborda no texto “A cultura está em perigo”, a existência de mi-crocosmos sociais a que ele denomina campos, ou seja, universos que obe-decem a leis próprias e cuja autono-mia foi construída historicamente. São os campos literário, cientifico ou artístico, por exemplo.

Ressalta que essas leis autônomas sempre foram independentes da lei do lucro e do dinheiro e, nesse sen-tido, podemos perceber o CCBJ como uma instituição inserida em um dess-es campos citados, ou seja, o campo cultural, e apontar inclusive para o caráter desmercadológico que esse

“Quero ser bailarina!”

Dona Lucilene e sua filha Mayra Vitória

Mayra Vitoria, bailarina do CCBJ

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centro possui e que em muito propi-cia a comunidade.

Porém, Cristina Gadelha afirma que um grande problema enfren-tado nesse ano de 2011 foi a evasão de público nas oficinas e espetáculos. “Cada vez mais têm diminuído, as pes-soas gostam e tudo, mais eu não sei se é porque elas se sentem acomodadas. Nós tentamos levar a programação até eles, até a sua escola. Dificuldade financeira não é muita, de grupos tam-bém não, chove de grupos para se apre-sentarem aqui. Apesar da divulgação com folders, divulgação volante, men-sagens, a evasão nesse ano foi significa-tiva. Não culpo somente a população. Quando iniciamos o nosso trabalho, tínhamos quatro apresentações no fim de semana, esse ano tivemos uma ou duas.”

Esse fato nos remete mais uma vez a Pierre Bourdiau, quando este afir-ma: “A cultura está ameaçada porque as condições econômicas e sociais nas quais ela pode se desenvolver estão profundamente afetadas pela lógica do lucro nos países avançados...”

A fala de Cristina Gadelha nos coloca diante condições sociais es-pecificas. O CCBJ está inserido em uma realidade de extrema vulnerabili-dade econômica, que por sua vez é, em

grande parte, determinante na “opção” que a população faz do que quer ouvir ou assistir. De certa forma, há uma co-incidência não muito feliz entre “baixo poder aquisitivo” e “gosto” por música pobre em melodia e letra, filmes que estimulam ou reforçam a violência e por uma arte que não lhe representa ou onde ele não se reconhece.

É onde podemos inserir o gosto dessa população por músicas es-trangeiras ou por forró eletrônico, filmes estrangeiros, produtos importa-dos (alimentos e/ou roupas de marca) e na contramão, a falta de vontade in-consciente de ir ao teatro, de assistir a um filme nacional, de comprar arte-sanato, de priorizar a musica nacional, o forró de raiz. E então temos um es-paço como o CCBJ esvaziado.

Quando Cristina Gadelha afirma que a população não tem culpa, quer referir-se ao fato de que ela, a popu-lação, é manipulada pela grande mídia mantida e ligada ao grande capital.

Infelizmente, a inexistência do hábito de ir ao teatro, de gostar de leitura, de ouvir uma boa música não é apenas um problema exclusivo do bairro Bom Jardim e sim do nosso país. Diana Pinheiro, a gerente admin-istrativa disse que para resolver esse problema de público, eles (o CCBJ)

tiveram de captar eventos de fora, para que as pessoas participassem mais ati-vamente.

Portanto, Cristina Gadelha, apesar de gerir o CCBJ apenas em sua parte ad-ministrativa, tem um entendimento da instituição cultural de um modo bem mais amplo, tanto que nos disse que o conceito de cultura que o CCBJ procura difundir está totalmente voltado para a parte simbólica do universo cultural. “O dinheiro, a gente não esquece, até porque não dá, nós precisamos desse recurso para administrar, mas é muito mais gratificante esse reconhecimento da co-munidade, do nosso trabalho.”

Portanto, “a cultura está em perigo” de fato. Mas, o que percebemos é que, ao lado de uma mídia que procura as-sociar cultura e mercado de todas as formas possíveis, existe uma significa-tiva parcela da população que, anoni-mamente, trabalha para que a cultura em seu aspecto simbólico seja mantida e se reproduza.

O bairro Bom Jardim é um verdadei-ro jardim de gente, cujo plantio é difícil, mas que devido a esses atores incansáveis que trabalham por trás das câmaras e que, como jardineiros igualmente incansáveis, o regam com cuidado, temos a certeza de que a colheita será bem mais fácil e os fru-tos bem mais saborosos.

Durante a década de 50, o verde predominava com muitas árvores frutíferas, algumas serras e a presença do Rio Maranguapinho. Havia muitos coqueiros e carnaubais. Tratava-se de uma fazenda chamada “Boa Vista”, até que a sua proprietária a vendeu para o Sr. João Gentil, o qual decidiu lotear o terreno, espalhando várias placas intituladas de Bom Jardim, dando origem ao atual nome do bairro. Com o tempo, os lotes foram repartidos e vendidos com nomes diferentes, o que explica o fato do bairro possuir várias denominações.

Como surgiu o nome do bairro?

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De cadeia pública para o ArtesanatoA Emcetur é um pólo cultural do artesanato cearense

Por Dayanne Feitosa

Localizado no Centro de For-taleza, entre as ruas Sena-dor Jaguaribe/General Sam-

paio/Doutor João Moreira/Senador Pompeu, encontramos o prédio onde funcionou a primeira Cadeia Pública de Fortaleza.

O prédio foi construído no estilo neoclássico entre os anos imperiais de 1850 e 1866. A construção se deu a partir da elevação de Fortaleza a categoria de vila. É composta por três pavimentos, dois pátios e 100 celas, onde ficavam presos cerca de 20 detentos. As ocupações da cadeia no inicio do século 20, era composta somente por homens. Após a chegada de mulheres, foi necessária a con-strução de outra ala.

Após a desativação da cadeia, em 1967, foi decidido que no local seria implantado um mercado para com-ercializar produtos feitos no Ceará. Conservando as linhas arquitetônicas e as características neoclássicas, a an-

tiga cadeia passou por adaptações e, em 31 de Março de 1973, foi inaugu-rado o Centro de Turismo. Seguindo a linha das políticas públicas da época, em 1972, o prédio foi tombando pelo patrimônio histórico do Estado.

As três alas foram divididas e cada sela deu lugar a um box de artesanato. Foi instalado também o museu de arte e cultura popular, o museu de min-eralogia e o teatro da Emcetur que foi batizado com o nome do drama-turgo Carlos Câmara. Este teatro teve grande valor como pólo cultural para a juventude da década de 70.

Essa proteção arquitetônica é ori-unda do Plano Nacional de Ação Cul-tural, que fortalecia o papel da área cultural e abrangia para os setores do patrimônio arquitetônico, as ativi-dades artísticas e culturais.

O prédio está situado em um local de grande valor histórico para a cidade de Fortaleza. Tem como “vizinhos” a Estação Ferroviária Engenheiro João

Felipe, a Santa Casa de Misericórdia, o Passeio Público, o Forte de Nossa Senhora da Assunção e a Catedral Metropolitana. A revitalização desse monumento para o uso da população foi uma iniciativa da caminhada em prol do centro histórico.

como funcIona a emcetur

A Empresa Cearense de Turismo (Emcetur) é composta por vários ar-tesãos e distribuidores de artesanato. As celas que anteriormente abrigava presos, deram lugar ao artesanato do Ceará.

Podemos encontrar os mais di-versos tipos de artesanato, dentre os quais destacamos a renda de bilro, bordados, labirinto, artigos em palha, couro e madeira, além de doces e li-cores.

“Cultura é a herança social de uma comunidade humana...” (RIBEIRO; Darcy, 1978, p.127).

A renda de bilro pode ser aprecia-da pelo visitante, tendo ainda a opor-tunidade de ver a rendeira traçando seus desenhos e a habilidade com que ela coloca os espinhos para traçar o formato da peça.

Os artigos da palha da carnaúba, também podem ser apreciados do mesmo modo. Artesanato este que é oriundo dos indígenas e, com a colo-nização e difusão das raças, foi repas-sado para o branco e para o escravo. Ainda hoje, esta arte permanece viva e é repassada de gerações em gerações.

Os bordados podem ser encontra-dos sendo feitos a mão ou de forma industrial. O bordado tem sua origem na Pré-História e teve seu aper-feiçoamento quando chegou ao Ori-ente Médio. O bordado cearense tem sua peculiaridade conhecida em todo o Brasil. Através das linhas de cada

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desenho, estão contidas característi-cas desse talento que é transmitido há vários séculos.

Labirinto também é uma forma de bordado, mas contém destaques que o diferencia. O “crivo”, como também pode ser chamado, chegou ao Brasil através dos portugueses. A técnica foi ensinada aos índios, que aperfeiçoaram e transformaram o que hoje podemos chamar de artesanato brasileiro. Os desenhos de todos os formatos são inseridos em um tipo

específico de tecido, o linho, ou em outro tecido semelhante.

Os produtos de madeira são escul-pidos delicadamente, tendo em vista a perfeição de seu formato.

Os doces mais conhecidos são os de goiaba, caju, mamão, banana etc. Os licores mais apreciados são os de limão, laranja, maracujá, caju etc.

O museu de arte e culturas popu-lares abriga uma vasta coleção de peças feitas por artesãos cearenses. Também é possível encontrar no acervo um tear manual, um carro de boi e uma autên-tica jangada de piúba (pau de jangada). Os museus não estão disponíveis para o acesso publico.

Grande parte do público que fre-quenta o Centro de Turismo são turis-tas vindos de outros estados ou países. As pessoas daqui têm a impressão de que as peças do artesanato possuem alto valor e por isso não as adquirem.

“O que está em jogo é a perpetu-ação de uma produção cultural que não seja orientada para fins exclusi-vamente comerciais... ” (BOURDIEU; Pierre, 2001, p.85).

A economia do artesanato cea-rense gira em torno do turismo e seu ápice está no período de férias. Não existem cartazes ou outdoors para fazer a divulgação desse elemento pela Emcetur. Já é de conhecimento público saber o que podemos encon-trar lá ou o que só é possível encon-trar lá. Cada box tem sua máquina de cartão de crédito, o que antigamente

não era possível encontrar lá. Os ar-tesanatos somente eram vendidos em dinheiro ou cheque. Mas para atender à demanda da globalização, os donos tiveram que incorporar em sua forma de venda o “dinheiro de plástico”.

O encontro desses vários tipos de artesanato em um mesmo local, nos remete a pensar o quão a cultura bra-sileira é rica em detalhes. Essa riqueza pode ser apreciada nos desenhos das rendeiras, no traçar das palhas, no corte da madeira, nas linhas do la-birinto.

“... a cultura é uma ordem partícu-las de fenômenos que tem de caracterís-tico sua natureza de réplica conceitual da realidade, transmissível simbolica-mente de geração a geração, na forma de uma tradição que provê modos de existência, forma de organização e meios de expressão a uma comunidade humana.” (RIBEIRO; Darcy, 1978, p.127).

Todas as técnicas dos artesãos vêm da difusão do aprendizado do índio e do português, ou do escravo e do índio e do português com o escravo. Nossa cultura é uma colcha retalhada e nessa costura está a renda de bilro fazendo as ligações, o labirinto enfeitando e a palha fazendo o suporte.

Com a grande demanda turística do Centro de turismo, em 2009 o pré-dio passou por uma rigorosa reforma e a entrega do instrumento foi feita em 2010. Após a reforma, o local gan-hou ampliações, melhorias na ilumi-nação, rampas e elevador para o aces-so de deficientes e um restaurante de comidas típicas nordestinas.

Após as reformas, os museus gan-haram nova iluminação e melhorias no acesso para deficientes. Atual-mente esses espaços não estão dis-poníveis para visitação. Não existem explicações ou nem avisos, determi-nando o porque da não visitação.

Apesar disso, o Teatro Carlos Câ-mara continua desativado. Um dos

elementos do Centro de Turismo foi deixado de lado, pois não é necessário para a economia cultural, uma vez que não gera muitos lucros. Foi lança-da uma licitação em 2009 para a am-pliação e reforma do teatro. Até hoje, não encontramos nenhum vestígio de tal reforma ou de quando será en-tregue a população esse instrumento cultural.

O que no passado era uma prisão, a partir da década de 70 se transforma em um instrumento da cultura cea-rense. Onde os presos eram colocados e carcerados, hoje, encontramos arte-sanato. O que impressiona os visitantes é a manutenção dos detalhes da con-strução datada do século 19. As calhas d’agua no formato de uma cabeça de jacaré. A existência de eira e tribeira, determinando as poses de seu “dono”.

A permanência dos sinais de que ali foi uma cadeia ainda existem nas grades de proteção das celas, nos portões e nas janelas com peças feitas de ferro oriun-das da França. Os grandes portões de acesso determinavam onde era possível entra e sair do prédio. É possível tam-bém admirar em seus jardins um pouco da fauna cearense. Além da brisa do mar que está bem próximo dali, tomar uma água de coco, apreciar o canto dos pássaros, ler as revistas de banca de jor-nal ali instalada ou somente admirar o artesanato local.

Um local, que no passado deu origem a várias vertentes culturais, hoje se mantém no lucro das vendas de ar-tesanato. Como uma forma de con-servação do patrimônio histórico, até hoje o Centro de Turismo está inserido ali. O valor desse instrumento vai além de lucros e vendas. Nele está contido um pouco da história da cidade de For-taleza e, por isso, deve ser conservado como qualquer outro bem cultural para a preservação da nossa história.

A Emcetur está situada em um local de grande valor histórico para a cidade de

Fortaleza.

O que no passado era uma prisão, a partir da década de 70 se transforma em um

instrumento da cultura cearense.

Horários de funcionamento: seg. a sexta, de 8 às 18 h; sábado; de 8 às 17 h; domingos e feriados, de 8 ao meio-dia. Tel: (85) 3101.5507

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Vaqueiro, o cavaleiro do sertão

Ei, gado, oi! Aboiando. Assim começa a vida do representante do nosso personagem, o vaquei-

ro. Antes de o sol nascer, nosso herói já está de pé, depois do breve café da manhã, composto basicamente por elementos da terra: café, bruaca, tapioca. O vaqueiro se dirige ao cur-ral, tira o leite das vacas, desmamas os bezerros, tange o gado até o pasto ou vai à busca daquela rês desgar-rada, mato adentro. Atualmente o vaqueiro não passa de um “guarda-dor” do gado, uma vez que não re-cebe mais o pagamento na forma de quartiamento, ou seja, a cada quatro gados nascidos, um seria do peão, sumindo com a possibilidade de ascender na vida e tornando-se um dia o fazendeiro.

Assim, não passa de um fun-cionário assalariado como qualquer outro. Mas um dia o vaqueiro foi um elemento de fundamental im-portância para o desbravamento do interior do nosso Estado, quando no período colonial as plantações de cana de açúcar ocuparam o lugar onde estavam os currais, obrigando os fazendeiros a buscarem outros locais para poderem dar continui-dade à pecuária cearense.

Quanto a sua vestimenta, o uso do couro de bode ou do gado é mais que um adorno, uma obrigação devido à vegetação espinhenta da caatinga, formado por: chapéu de couro, gibão, guarda-peito, luvas, perneira e chinela, ficando exposto apenas o rosto, a mercê das intem-péries naturais. Mas como falar de vaqueiro e não citar dois fatores: a charqueada e a seca? Tais fatores es-tão intimamente ligados à vida do sertanejo. Com abundância de vento e devido à seca, preparavam a carne com muito sal, pois não tinham con-dições de armazenar em condições que mantivessem os nutrientes e a carne não estragasse. A partir dessa combinação, surgiu nossa maravil-hosa carne de sol.

Outro fator inerente à vida do vaqueiro é sua religiosidade. Devoto do santo padroeiro de sua freguesia. Uma mistura de catolicismo ortodoxo e rit-uais populares. O vaqueiro é tipo étnico de uma mistura do branco colonizador com o índio, habitante nativo. Historica-mente, o primeiro vaqueiro nordestino foi Pedro Gonçalves d’Alpendrinha, em 1549, que trabalhava para o governador geral da Bahia. Por ser fruto de uma miscigenação de duas culturas total-mente diferente, a civilização do couro como também é conhecida, apresenta elementos totalmente distintos.

Se formos ao sertão hoje, encontrare-mos todas essas características? Será que o vaqueiro ainda anda encourado? Ou o jeans já está presente? Será se ele ainda cavalga caatinga adentro ou o cavalo deu lugar à moto? Infelizmente essa cultura está fadada ao esquecimento. Se não fosse a memória dos mais idosos e os aparelhos públicos que mantêm vivas es-sas lembranças... Dentro deste contexto, surge um importante questionamento: então o que seria cultura? Cultura, de acordo com o pensamento de Darcy

Ribeiro, “uma herança social, herdada através do convívio com sociedades hu-manas, transmitidas simbolicamente com a linguagem de geração em geração por meio de experiências passadas acu-muladas e representadas pelo acervo co-participativo de formas padroniza-das”. A partir dessa linha de raciocínio, podemos analisar o tipo humano mar-ginalizado do sertão.

Para além da faixa do litoral nordes-tino, de terra fresca e rica cobertura flo-restal, temos o grande sertão, que como diz o grande escritor Guimarães Rosa, o “Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.” (ROSA, Guimarães. Grandes Sertões Veredas). O grande escritor quis nos mostrar o tamanho que o sertão brasileiro possui representa uma área de vastíssima vegetação rala que, de um lado, tem o litoral nordestino, e, do outro, a grande Amazônia.

Nesse sertão brasileiro, surgiu uma economia pastoril associada à produção açucareira originalmente como forma de fornecer carne, couro e a força dos

Por Raoni Souza

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bois. Assim, surgiu uma forma particu-lar de população, sertaneja, marcada pelo pastoreio e os traços característicos inidentificáveis, como modo de vida, de organização familiar, vestimenta, alimentação, visão do mundo e religi-osidade.

Com as condições climáticas do sertão brasileiro, a atividade pastoril se expandiu em meio a um território de pastos pobres, pois a figura tanto do homem como do gado mostrava as condições sofridas no sertão. Nesse curso de expansão, o vaqueiro foi ocu-pando todo o sertão, pouco a pouco, transformando vilas em cidades, levan-do sua cultura e modo de vida para toda região circundante. Assim, a população excedente que não participava do pas-toreio estava a exploração extrativista. Logo, a região do sertão se transformou não só na criação do gado, mas em toda uma população e de contingente de mão de obra barata, requerida nas outras regiões do país.

Com a chegada das grandes secas, muitos se mudaram no sertão, pois as grandes oligarquias passaram a mo-nopolizar a terras, garantindo seus in-teresses segundo o poder público, colo-cando, muitas vezes, a seca como forma de explorar o vaqueiro, que passa em tal situação a ser dependente dos grandes coronéis, segundo Darcy Ribeiro:

“Sob essas condições de domínio despótico, as relações do sertanejo com seu patronato se revestem do maior re-speito e deferência, esforçando-se cada vaqueiro ou lavrador por demonstrar sua prestimosidade de servidor e sua lealdade pessoal e política.” (RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro).

Assim, eles temerosos submetiam-se a esse domínio dos coronéis. Porém, a situação de um vaqueiro assalariado chega a ser um privilégio de poucos, pois a maioria vaga em busca de um tra-balho eventual. Com a escassez de tra-balho, o vaqueiro abandona o sertão e segue sua caminhada rumo aos grandes centro urbanos à procura de meios para sustentar a si e sua família.

O sertanejo se desenvolveu afastado da costa, conservando, assim, traços bem arcaicos, acrescentando diversas peculiaridades ao meio, em função da sua força produtiva decorrente do estilo de sociedade que eles desenvolveram.

Notamos uma postura e uma mentali-dade bem diferentes da população do litoral que possui acesso às moderni-dades e à comunicação e vemos que, em uma mesma região, o distanciamento cultural pode ser bem mais profundo que se imagina.

A religiosidade do vaqueiro carac-teriza-se por um singelo fanatismo por seu laicismo e sua rustici-dade e ainda “...pelas qual-idades morais característi-cas das formações pastoris do mundo inteiro, como o culto da honra pessoal, o brio e a fidelidade a sua chefaturas.” (RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro). Essa forma peculiar de sua conduta social reúne multidões, criando o fa-natismo religioso e o con-hecido cangaço, que foi uma forma que os vaquei-ros usavam para prati-car justiça com as próprias mãos. E o que é mais rel-evante e chama mais atenção é o fato da população negar o cangaço, e aqueles que participam deles os veem como

forma de padrão de heroísmo, inclusive cantando versos em sua homenagem, contando seus feitos.

Nesse nosso sertão, há uma autori-dade política central, os coronéis, ca-pazes de impor leis e a justiça. Ainda há espaço para jagunços do cangaço e fanáticos religiosos, onde as dispu-tas políticas são também disputas de família e seus coronéis passam a pedir lealdade a seus homens.

Mas onde podemos encontrar atual-mente essa cultural tão singular? Em For-taleza, temos o Memorial da Cultura Cea-rense, que, desde 1999, preserva essa cultura tão intrinsecamente ligada às origens nordestinas. Mais especifica-mente na sala quatro, encontra-se o Museu do Vaqueiro, que, de forma lúdica e pedagógica, aborda tal tema. Com várias ante-salas, o museu traz

uma cenografia da vida do sertanejo. Da origem aos dias de hoje, quem o visita tem essa sensação de estar real-mente em uma casa de pau a pique, na oficia de ferro ou no simples quarto do vaqueiro.

A organização do Museu do Vaque-iro teve a preocupação de preparar um catálogo todo em braile, para que os de-

ficientes visuais também possam se sentir integra-dos a essa cultura.

Onde mais teríamos a oportunidade de conhecer de perto a história do boi pelo mundo? Neste es-paço, podemos conhecer elementos que, fora desse contexto, jamais percebe-ríamos a sua importância, como a variedade de cha-péus de vaqueiros, cada um com sua característica referente ao local de onde se originou. A cultura do sertanejo até hoje influ-encia os nossos costumes,

como na fala, por exemplo: “cabra liso”- sem adornos no estribo (local onde o vaqueiro coloca os pés na sela) do cavalo -, e “cabra estribado” – estribo enfeitado com adornos.

Dentre outras coisas, o Museu do Vaqueiro aproxima a realidade da caatinga para dentro da cidade grande, como a vestimenta de couro, carro de boi, as peças de ferro utilizadas para marcar o gado. Essas marcações muitas vezes eram feitas através de símbolos, uma vez que a grande maioria das pes-soas eram analfabetas e essas imagens eram de fácil identificação. No final da exposição, tem-se máquinas feitas de madeiras para a preparação alimentos, como a prensa de queijo, a batedeira de manteiga etc.

Para saber mais...Visitas: Terça a quinta, das 9h às 19h (com acesso até 18h30). Sexta a do-mingo, das 14h às 21h (com acesso até 20h30). O Memorial está locali-zado no térreo, na entrada principal (Avenida Castelo Branco) do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Rua Dragão do Mar, 81 – Praia de Iracema). Outras informações: (85) 3488.8611.

Com várias ante-salas, o museu traz uma cenografia da vida do sertanejo

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Vila das Artes, vila de todos

Literatura, dança, teatro, música, artesanato, design... São muitas as formas de expressão cultural

existentes. Talvez, por este motivo, seja difícil definir o conceito de cultura, dada à multiplicidade de conteúdos e de manifestações artísticas que podemos encontrar em qualquer sociedade.

Darcy Ribeiro em seu respeitado livro “Teoria do Brasil” é, na minha opinião, o que melhor define o con-ceito de cultura. Segundo ele, “a cultura é uma ordem particular de fenômenos que tem de característico sua natureza de réplica conceitual da realidade, transmissível simboli-camente de geração a geração, na forma de uma tradição que provê modos de existência, formas de or-ganização e meios de expressão a uma comunidade humana”.

O Brasil é destaque entre os de-mais países acerca de sua diversi-dade no campo cultural. Diferentes raças, credos e cores compõem a es-trutura da nossa sociedade através da produção simbólica de índios, brancos e negros. Embora tenhamos tamanha riqueza cultural e artística, na maioria das vezes, não se tem espaços públicos que promovem a interação entre os indivíduos com o objetivo de preservar não só nossa própria identidade, mas também de oferecer condições mínimas de acesso à informação.

Localizado no Centro da capi-tal cearense, mais precisamente na rua 24 de maio, o espaço Vila das Artes é um exemplo de como o poder público pode agir visando à promoção e a troca de novos saberes

no nosso cotidiano. A cultura é mui-to dinâmica, logo esta troca torna-se fundamental na construção de uma sociedade mais forte e democráti-ca.

O espaço oferece cursos que at-endem a diferentes públicos e em vários formatos nas seguintes áre-as: teatro, audiovisual, artes visuais

e dança. É importante destacar que além dos cursos, o Vila das Artes possui uma preocupação constante com as relações entre o público e a arte em geral, a política e a cidade de Fortaleza, evidenciada através dos projetos e ações desenvolvidas dentro e fora desse espaço cultural.

Equipamento da prefeitura de Fortaleza que reúne diversas linguagens artísticas no Centro da capital

Por Soriel Leiros

Vila das Artes é um exemplo de como o poder público pode

agir visando à promoção e à troca de novos

saberes no nosso cotidiano

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Estrutura e projetosA escolha do Centro para a im-

plantação do Vila das Artes foi uma boa sacada da prefeitura, uma vez que o bairro é um dos que mais carrega a história da nossa cidade vista através de praças, museus, igrejas, teatros e monumentos, ou seja, uma coerência com uma área de intenso fluxo ur-bano e de grande valor cultural, mas que, infelizmente, apresenta níveis de degradação e de insegurança alar-mantes. Consolidar um trabalho sério como este realizado pelos profission-ais do Vila, num espaço tão rico como o Centro e tão carente de incentivos que visem à sua requalificação, só reforça a importância que o caráter cultural tem na formação da nossa sociedade.

Bloco 1: Casa das Escolas – inau-gurado em 19 de setembro de 2008, abriga as atividades de formação e o funcionamento administrativo, com 5 salas de aula, 2 ilhas de edição, ateliê, sala de dança, laboratório de informática, biblioteca e mini-auditório.

Bloco 2: Casa de Cinema – sem pre-visão de obra; deverá abrigar uma sala de cinema, estúdio de áudio, ilhas de edição e salas administra-tivas.

Bloco 3: Casa do Barão de Camocim – também sem previsão de obra; deverá ceder espaço para uma bib-lioteca especializada em cultura e arte, uma videoteca, um centro de artes visuais e um café.

Edificações:

Escola Pública de Audiovisual

Foi criada para implementar projetos de formação, que potencializem processos de criação no contexto audiovisual através de encontros que tratam de questões rela-tivas à imagem e ao som bem como tudo relacionado a essa temática.- Curso de realização em audiovisual - espaço para o surgimento de novas gerações de realizadores capazes de de-senvolver trabalhos por meio das técnicas audiovisuais.- Pontos de Corte – projeto voltado à ca-pacitação de agentes culturais e exibidores independentes de filmes e vídeos nos es-paços públicos da cidade Fortaleza através da capacitação destes profissionais.- Cineclube Vila das Artes – a cada sema-na, sessões de filmes são apresentadas aos espectadores seguidas de discussão diretamente ligadas às disciplinas ministra-das no decorrer do curso.- Núcleo de Produção Digital (NPD) – des-de novembro de 2009, o NPD funciona como um espaço para a democratização do audiovisual.- Mostra Especial de Cinema: sessões de filmes que têm como principal caracterís-tica a apresentação de filmes de grandes nomes do cinema mundial.- Edital de pauta para uso de equipamen-tos: empréstimo de equipamentos, como ilha de edição, câmera, iluminação e equi-pamentos de som.

Escola Pública de Dança:

Atua através de diferentes programas, elaborados como vias não só de formação bem como de aperfeiçoamento na área de dança.- Aulas Abertas: este projeto proporciona aos intérpretes da dança cênica de For-taleza, oportunidades regulares e condições adequadas de trabalho e também de aper-

feiçoamento em algumas das várias técni-cas de dança disponíveis no cenário local.- Dançando na Escola: como o próprio nome deixa claro, é um projeto de iniciação em dança destinado aos estudantes da rede municipal de ensino.- Formação Básica em Dança: programa de formação de dança para crianças e jovens de 8 a 12 anos de idade.

Escola Pública de Teatro:

Surge com a proposta de potencializar o teatro, sobretudo, o de grupo, na cidade de Fortaleza.- Conexões Contemporâneas: uma proposta que visa à trajetória de formação que dialoga com os princípios do teatro de grupo.- Diálogos Teatrais: encontros com o intuito de reunir pessoas em conhecer mais o uni-verso teatral através da partilha de saberes entre grupos locais e nacionais.

Centro de Artes Visuais de For-taleza:

Realizado em parceria com a Pre-feitura Municipal de Fortaleza e o Centro Cultural Banco do Nordeste, configura-se como um programa integrado de ações de formação, que tem o objetivo de intervir no circuito de artes visuais da cidade de Fortaleza.

Debates Incalculáveis:

Debate mensal sobre arte, política e cidade. Há a participação de um pensa-dor brasileiro que conduz as discussões acerca do papel da arte dentro do seu contexto social.

**Informações acerca das atividades realiza-das desde o início, algumas em 2006, 2007 e 2009 e até outubro de 2011.

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Comunicação e Cultura no Vila das Artes

“Como cada homem é sempre e es-

sencialmente um ser cultural, detentor da tradição que o humanizou, sua cultu-ra só desaparecerá com ele se ele for im-possibilitado de transmiti-la socialmente a seus descendentes.”

Esta citação de Darcy Ribeiro só reforça a necessidade de se expandir a todas as ger-ações o poder transformador que a cultura possui no contexto social. As mais variadas formas de conhecimento, as produções simbólicas e a interação entre os indivíduos são fatores indispensáveis na manutenção das nossas manifestações artísticas.

Numa sociedade marcada pala obten-ção do lucro a todo custo, o campo cul-tural, infelizmente, acaba absorvendo um papel que se distancia da difusão cultural e se limita apenas a reproduzir bens sim-bólicos que não contribuem para a identi-dade cultural de um povo.

Quando uma cultura tradicional con-segue absorver traços da modernidade, mas sem alterar a sua essência, é um fa-tor positivo de integração com os novos saberes. Por outro lado, se estas novas formas de produção simbólica estão atre-ladas somente às regras de mercado, a cultura se vê ameaçada.

Em seu livro Contrafogos, no capítulo chamado “A Cultura está em perigo”, o so-ciólogo francês Pierre Bourdieu sinaliza suas preocupações acerca desta lógica do mercado na sociedade moderna ao afir-mar que “a busca do lucro máximo a curto prazo e a ‘estética’ daí decorrente impõem-se cada vez mais e mais amplamente ao conjunto das produções culturais”.

Na sociedade contemporânea, o con-trole da mídia se vê nas mãos das elites, que acabam interferindo na dinâmica do processo comunicativo, e, consequente-mente, no aspecto cultural, uma vez que não se preocupam em atender às necessi-dades da maioria das pessoas em defesa de seus interesses próprios.

Dentro deste contexto, Bourdieu acredita que “o que está em jogo é a perpetuação de uma produção cultural que não seja orientada para fins exclu-sivamente comerciais e que não se sub-meta aos vereditos daqueles que domi-nam a produção midiática de massa, sobretudo através do poder que detêm sobre os grandes meios de difusão”.

Desse modo, é fundamental a cri-ação de espaços públicos que não pro-

movam somente condições favoráveis à formação cultural, mas, sobretudo, constituam um ambiente em que haja o diálogo entre os indivíduos com o

intuito de despertar um espírito críti-co e a partilha de novos saberes.

A assessora de imprensa do Vila das Artes, Katia Karan, ressalta que o Vila nas-ceu como uma proposta de integrar os for-talezenses à formação em arte a partir de uma demanda da própria cidade.

Questionada a respeito desta relação mercado-cultura, Katia é enfática ao dizer que o Vila “não tem esta preocupação mer-cadológica. A nossa preocupação é muito mais em pensamento crítico, numa for-mação de base, trazer o conhecimento para as pessoas, na construção do ser humano como pensador, como crítico”.

O professor de Comunicação Social, Paulo Germano Barrozo, acredita que es-paços como o Vila das Artes e os Cucas, por exemplo, são fundamentais para que as pessoas possam praticar, construir a cultu-ra através da produção de agentes culturais.

Questionado sobre a falta de incentivo à cultura que, muitas vezes, se distancia da realidade dos próprios moradores, Paulo Germano afirma que este problema deve ser observado sobre dois pontos de vista. Segundo ele, são a “a ausência de uma educação escolar que seja o primeiro elemento para vincular esses sujeitos com sua própria cultura, na construção de sua identidade. E, num segundo momento, ou concomitante a esse, a di-fusão, a propagação de equipamentos, núcleos, instituições que possam, uma vez que esses sujeitos se inseriram nesses elementos da sociedade, da cultura, da sua visão de mundo, produzirem e agenciarem eles mesmos os elementos dessa cultura”.

Assim, pode-se afirmar que a comu-nicação e a cultura constituem elementos indispensáveis na formação cidadã dos indivíduos, despertando um espírito de discussão, de difusão e de manutenção dos valores artísticos e culturais de uma sociedade.

Desafios do VilaTodo equipamento público neces-

sita de apoio financeiro para atender aos anseios da sociedade. O Vila das Artes não é uma exceção. No ano de 2011, o espaço recebeu uma verba orçada em torno de R$ 1 milhão, o que pode parecer pouco, mas pela quantidade de ações desenvolvidas no local, o baixo orçamento comprom-ete bastante o andamento dos cursos, pois reduz o seu potencial de atuação na difusão cultural de Fortaleza.

Além disso, a burocracia para a lib-eração de verbas que possam ampliar o Vila dos Artes para novos espaços, como o prédio que abrigava a antiga residência do Barão de Camocim, situ-ado ao lado do Vila, constitui um en-trave para abrigar todas as atividades desenvolvidas no local para um públi-co ainda maior.

o Vila nasceu como uma

proposta de integrar os

fortalezenses à formação em

arte

Vila das ArtesRua 24 de Maio, 1221, Centro. Telefone (85) 3252-1444Blog:viladasartesfortaleza.blogspot.com [email protected]@gmail.com

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Soriel Leiros: Qual a importância de um equipamento público, como o Vila das Artes, para a difusão cultural de uma cidade?

Jacqueline Peixoto: Penso que a Vila das Artes tem grande importância por ser um lugar que dialoga com a cidade e com as demandas da mesma no que concerne à arte. As ações que acontecem neste espaço, nas múltiplas áreas (dança, teatro, artes visuais) perpassam as necessidades dos ar-tistas, dos professores e dos pesquisadores destas linguagens. Pois, há na contempora-neidade, uma necessidade de formação na área artística. E, embora muito se tenha fei-to, ainda somos carentes de políticas públi-cas que pensem a formação como um lugar de reflexão, de apropriação, de diálogo.

SL: Como é o trabalho que você realiza no Vila das Artes?

JP: No Vila das Artes, participo de dois projetos: “Dançando na Escola”, em que faço a assistência pedagógica desde 2009;

o outro é a “Formação Básica em Dança”, no qual sou professora de Dança Contem-porânea desde outubro deste ano. Este últi-mo é um projeto para crianças de 08 a 12 com ou sem experiência com a Dança. O intuito do projeto é, como o próprio nome retrata, propiciar uma formação básica

na área de Dança. Tento fazer com que as crianças pensem no que e porque estão fazendo. Sempre que posso tento instigar à criação ou percepção do movimento com alguns elementos que considero lúdicos e que impelem ao movimento tais como: balão, bola, corda, elástico. SL: Sobre o projeto “Dançando na Es-cola”, conta um pouquinho como é fazer este trabalho direcionado, sobretudo, ao público infanto-juvenil?

JP: Neste projeto, como ressaltei faço a assistência pedagógica. Auxilio no diál-ogo entre gestão da escola e professores. O Dançando funciona em 20 escolas da rede Municipal de ensino de Fortaleza. Essas 20 escolas receberam uma sala de dança com piso de madeira, linóleo e barras. O projeto acontece desde setem-bro de 2009 e a equipe de professores é constituída por profissionais com for-mação em dança. O intuito do projeto é possibilitar uma introdução à dança, de forma que as aulas aconteçam para além da técnica. Pensamos que só a técnica não dá conta de instrumentalizar o ensi-no desta linguagem na escola. Além disso, possui um alinhamento pedagógico que é o momento geralmente em que profis-sionais nacionais e internacionais minis-tram oficinas com o intuito de fomentar a discussão e reflexão sobre o ensino de Dança. Estiveram nessas formações as professoras Drªs Isabel Marques (SP) e Cláudia Damásio (Paris).

SL: Qual o maior reconhecimento do seu trabalho realizado no espaço Vila das Artes? Algum aluno seu já partic-ipou de um evento importante ou foi selecionado por uma escola de dança, por exemplo?

JP: Como o projeto iniciou em outubro, o maior reconhecimento é perceber o quanto elas gostam de criar, de pensar, de dialogar, de questionar. Isso são pontos fundamen-tais na minha aula que fico tranqüila quando vejo que consigo um pouco isso com as crianças. Penso que nós, professores de dança, temos a obrigação de trabalhar a dança como área de conhecimento e não só como repetição e cópia de passos, Contem-poraneamente, isso somente não dá conta de uma formação nessa área. Necessitamos mostrar que a dança representa mais que “Dançar, é se mexer”. Isso é muito pouco.

SL: Como é ser professora de dança numa sociedade marcada por precon-ceitos e que vê a dança, na maioria das vezes, como uma fonte de enriqueci-mento?

JP: Sinto-me privilegiada por ser pro-fessora e pesquisadora na área de dança, justamente porque a dança, por ser uma linguagem artística, olha e dialoga com o mundo de outra forma. Como diz Isa-bel Marques, pesquisadora nessa área, “a arte é uma forma de estar no mun-do”. O corpo está no centro dos debates contemporâneos. Talvez por atrelar tanta área de conhecimento: dança, arte, antropologia, filosofia, sociologia, medicina, engenharia genética, dentre outras. Assim, até a transdisciplinari-dade do preconceito pode ser trabalha-da na área de Dança. Nós, artistas e professores, não temos preconceito com o corpo, visto que somos um corpo, agi-mos com ele, aprendemos e dançamos com ele. A popularização de algumas músicas por meio da mídia contribui para isso. Algumas danças foram sendo impostas como as que devemos dançar, principalmente essas mais sensuais e que impelem à mulher objeto. Eu vejo isso como um grande problema, pois o significado de dança resume-se a en-tretenimento. Embora sejamos um país dançante, o Brasil ainda não atentou para a dança como um espaço de for-mação e área de conhecimento.

Jacqueline Rodrigues PeixotoAtriz, bailarina, professora e pes-

quisadora em Dança. Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Graduada em Artes Cênicas (IFCE) e Pedagogia (UECE). Formação complementar: Curso de Extensão “Dança e Pensamento” (Vila das Artes / UFC) e Curso Técnico em Dança (SENAC).

Nós, artistas e professores,

Não temos precoNceito

com o corpo, visto que somos

um corpo, agimos com ele,

apreNdemos e daNçamos com

ele.

Entrevista

Page 20: Jornal Folha Dupla

FACULDADE 7 DE SETEMBRO

Jornal “Folha Dupla” – Faculdade Sete de SetembroComunicação Social – JornalismoDisciplina: Comunicação e Cultura

Professor: Tiago SeixasAlunos: Dayanne Feitosa, José Gabriel Maia, Raoni

Souza, Saulo Lobo e Soriel Leiros