jurisprudÊncia da quarta turma · 2018-12-10 · 382-385 (3° volume) e, em conse qüência,...
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 122.309 - MG
(Registro nº 96.0054903-6)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Agravante: Valéria Francisca de Andrade Frota
Agravada: Decisão de fls. 68/69
Advogados: Drs. Márcio Gontijo e outros
EMENTA: Recurso especial. Decisão de natureza administrativa. Descabimento. Conceito de "causa". Doutrina precedente do Supremo Tribunal Federal. Agravo desprovido.
- Descabe recurso especial contra decisão tipicamente administrativa, ainda que em procedimentos censórios.
ACÓRDÃO
Vistos, relatado.s e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 24 de março de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 08-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Recorrese de decisão que "manteve" a inadmissão de recurso especial, porque manifestado contra decisão tipicamente administrativa do Tribunal de origem.
Aduz a recorrente, em suma, que, no permissor constitucional (art.
R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 259
105), não há distinção entre causas judiciais e administrativas.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): 1. Cuida-se de reclamação ajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais ao argumento de que a agravante, Oficial substituta do Cartório de Registro de Imóveis de Varginha-MG, não observava a Tabela da Corregedoria de Justiça na cobrança dos emolumentos.
Julgada procedente, recorreu a vencida, tendo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, apreciando a espécie em nível administrativo, negado provimento ao recurso.
2. Como se vê, o Tribunal de origem proferiu decisão tipicamente administrativa, sendo que decisões desta natureza não se compreendem dentro do conceito do termo causa constante nos admissivos constitucionais.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, decidiu:
"Inviável o extraordinário. Trata-se de decisão de natureza administrativa, que, por isso, não comporta recurso extraordinário, vez que distintas são as instâncias administrativa e judiciária" (DJU 22/09/94, pág. 25.139).
Da doutrina, extrai-se a opinião do Mestre Athos Gusmão Carneiro, citado por Rodolfo de Camár-
go Mancuso in Recurso Extraordinário e Recurso Especial, 3ª edição, São Paulo, RT, págs. 80/81:
"O conceito de causa, quer em tema de recurso extraordinário, stricto sensu, como de recurso especial, é o mais amplo: abrange a totalidade dos processos em que tenha sido proferida decisão jurisdicional, tanto em jurisdição contenciosa como na denominada jurisdição voluntária.
C .. ) À evidência, não cabe recurso
extremo das decisões tipicamente administrativas, ainda que em procedimentos censórios, proferidos pelos Tribunais no exercício de sua atividade de autogoverno no Poder Judiciário e da magistratura (art. cit., RT 654/10)".
Ainda a propósito, vale destacar o seguinte trecho do parecer do Ministério Público Federal lançado nos autos pela Dra. Delza Curvello Rocha:
"A questão que se coloca, é saber o verdadeiro teor da expressão 'causa' insculpida no artigo 105, III da Carta Magna para se perquirir a possibilidade da subida do Recurso Especial C .. ).
C .. )
Com a proficiência que lhe é peculiar, lecionou o Ministro Celso de Mello, no voto que proferiu por ocasião do julgamento da ADln 1.098-DF:
260 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
"A expressão causa designa, na realidade, qualquer procedimento em que o Poder Judiciário desempenhando a sua função institucional típica, resolve ou previne controvérsias mediante atos estatais providos de final enforcing power. É-lhe ínsita - enquanto estrutura formal em cujo âmbito se dirimem, com carga de definitividade, os conflitos suscitados - a presença de um ato decisório em sede jurisdicional".
É do magistério de Castro Nunes: 'Aliás, é essa acepção que corresponde à palavra causas na terminologia forense - processos judiciários, seja qual fora a sua natureza, ou fim' (Teoria e Prática do Poder Judiciário, pág. 328).
À evidência, não cabe recurso extremo das decisões tipicamen-
te administrativas, ainda que em procedimentos censórios, proferidos pelos tribunais no exercício de sua atividade de autogoverno no Poder Judiciário e da magistratura.
Em tema de reclamação, ou correição parcial, predomina a tese do descabimento, salvo se na correição houver sido apreciado "algo pertinente ao mérito" (apud Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª ed., Forense, nota 837).
Vale ressaltar que a Reclamação apreciada não adentrou no mérito da quaestio, o que será efetuado com a posterior instauração do procedimento administrativo que apurará eventuais irregularidades" .
Posto isso, desprovejo o agravo.
RECURSO ESPECIAL NQ 8.401 - SP
(Registro n Q 91.0002896-7)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrente: José Leão Soares Júnior
Advogados: Drs. Pericles Soares Rossi e outros
Recorrido: Ataliba Almeida Moura - espólio
Advogados: Drs. Sebastião Fernando Araújo de Castro Rangel e outro
Recorrido: Município de São Paulo
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 261
EMENTA: Loteamento.
Espaços destinados às vias e outros logradouros incorporamse ao domínio público sem dependência de atos cartoriais.
Dissídio jurisprudencial superado.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 05 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 25·05·98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: José Leão Soares Júnior promoveu ação de usucapião extraordinário, nos termos que se acham às fls. 02/4.
A sentença de fls. 899/906 deu pela procedência da ação,
"reconhecendo, nos termos do art. 550 do Código Civil, o exercício da posse ad usucapionem pelo promovente José Leão Soa-
res Júnior, sobre a área descrita no memorial de fls. 385/389, respectivamente, com 25.651,42 m 2
e 2.978,86 m 2.
A Segunda Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, deliberou denegar acolhida ao recurso do espólio de Ataliba Almeida Moura,
"bem como dar provimento ao reexame necessário e ao recurso da Municipalidade,"
consoante o acórdão de fls. 978/983, desta forma sumariado:
"Loteamento. Áreas destinadas a vias e logradouros públicos. Aprovação do arruamento. Transferência automática para o domínio público. Alcance da teoria do concurso voluntário. Uma vez aprovado o arruamento, para urbanização dos terrenos particulares, as áreas destinadas às vias e logradouros públicos passam, automaticamente, para o domínio municipal, independente doutro título aquisitivo e de registro imobiliário. Isto pressupõe quejá se tenha efetivado, como realidade física, o arruamento. Mas, se o loteador executa, ao depois, o arruamento aprovado, nesse ins-
262 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
tante opera-se a mesma transferência automática para o domínio público.
Expressaram os julgadores do segundo grau que davam provimento
" ... ao reexame necessário e ao recurso da municipalidade de São Paulo, para o fim de julgar, como julgam, improcedente a ação de usucapião sobre a gleba A, de 23.651,45 m 2
, descrita e individuada no laudo do perito, a fls. 382-385 (3° volume) e, em conseqüência, condenar o autor ao pagamento proporcional das custas e despesas processuais, apurável por simples cálculo em relação às áreas de ambas as glebas, e da metade dos honorários advocatícios arbitrados pela r. sentença e corrigíveis desde a data de sua prolação." (fl. 983)
José Leão Soares Júnior, o autor, interpôs recurso especial, com fulcro no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, alegando contrariedade aos arts. 533, do Código Civil; 167, I, item 19 e 172 da Lei de Registros Públicos e ainda o 22 da Lei nº 6.766/79, além de dissídio jurisprudencial.
Pelo despacho de fls. 1.012 e 1.013 foi o recurso admitido.
A Procuradoria Geral da República opinou pelo não conhecimento ou desprovimento do recurso
"e se conhecido, pelo desprovimen to" (fls. 1. 04 7/1. 048).
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Ao acolher o recurso da Municipalidade a Segunda Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deliberou à luz dos considerandos que se seguem:
"Faz muito que, aderindo à boa doutrina publicística (cf. Pontes de Miranda, "Tratado de Direito Privado", SP, Ed. RT, 4ª Ed., 1977, tomo XIII, pág. 89, § 1.452, n. 4, e Hely Lopes Meirelles, "Direito Municipal Brasileiro", SP, Ed. RT, 2ª Ed., 1964, vol. I, pág. 140), o e. STF consagrou a orientação de que, uma vez aprovado o arruamento, para urbanização de terrenos particulares, as áreas destinadas às vias e logradouros públicos passam, automaticamente, para o domínio do município, independente doutro título aquisitivo e de registro imobiliário, porque é preciso efeito jurídico do arruamento converter domínio particular em domínio público, para uso comum do povo (cf. RE n. 95.256, in RTJ 106/672-678; RE n. 84.327, in RTJ 79/991-1.002; RE n. 73.044, in RTJ 62/ 465-468, e RE n. 59.065, in RTJ 50/686-689).
É claro que tal enunciado, no contexto da chamada teoria do concurso voluntário, pressupõe que, no nível da realidade física, já se tenha efetivado o arruamento, cuja aceitação pela Municipalidade, mediante aprovação do
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respectivo plano e conseqüente facultação do uso comum produz a transferência do domínio particular para o domínio público. A mera aprovação do projeto não basta, pois que, exaurindo-se o prazo de validade do alvará, sem realização material do arruamento e sem possibilidade de uso comum pode o proprietário desistir da empresa e desafetar-Ihe as áreas. Mas, se não desiste e, executando o arruamento aprovado, o abre ao uso público, nesse instante opera-se a transferência automática do domínio particular para o domínio público, independente de outro ato qualquer e, sobretudo, de registro do loteamento. Leitura diversa conduziria ao extremo de se beneficiar quem, como infrator da lei, não leve a registro o projeto aprovado e altere, de maneira unilateral e em benefício próprio, a destinação de áreas públicas.
Ora, é verdade que, no caso, venerando acórdão, sob o pálio de res iudicata, negou à Municipalidade, desde a aprovação do loteamento, toda posse sobre a gleba maior, enquanto espaço livre, reservado para sistema de recreio, reconhecendo-a, pelo caráter dúplice da possessória, em favor do ora promovente, coisa que, vinculando as mesmas partes, poderia sugerir ineficácia daquela aprovação, à falta de arruamento concreto. A impressão imediata é de que, se a Municipalidade não recebeu posse dos loteadores, porque estes já a tinham perdido ao autor, que a con-
serva até hoje, não teria havido arruamento e, em conseqüência, a gleba não poderia incorporarse ao domínio público, senão à data de inscrição do loteamento, em 1974, quando, porém, já estaria consumado o usucapião extraordinário em benefício alheio e, impossibilitada a transferência do domínio dos loteadores, quejá o não tinham, para o domínio da Prefeitura.
É só impressão.
Está provadíssimo que, depois de aprovar o loteamento "J ardim Icaraí", concedendo o Alvará n. 21.245, de 27 de abril de 1962, tentou a Municipalidade desalojar o ora promovente e, para isso, expediu, em 27 de novembro de 1968, notificação que situava o imóvel municipal ocupado, entre as ruas 17 e 18 do mesmo loteamento (fls. 182). Em 12 de novembro do ano seguinte, o procedimento administrativo revela manifestação do Diretor do Departamento Patrimonial, que faz referência a "espaço livre reservado em arruamento aprovado", como objeto da invasão (fls. 183). E, a 14 de maio de 1970, é expedida segunda notificação, que se reporta à rua 21 do loteamento (fls. 185).
Isto significa, fora de toda dúvida, que pelo menos, desde 27 de novembro de 1968, já tinham os lote adores efetuado o arruamento, como realidade física conforme com o projeto aprovado em 1962, pela manifestíssima razão de que, sem essa concretização no
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solo, não haveria como nem por onde identificar, de modo tão rigoroso, o local da ocupação irregular de espaço livre, extremando-o designadamente entre as ruas que o conformam. É, pois, que estas já se achavam, então, abertas, como, aliás, o admite a petição inicial mesma, ao declarar que o terreno primitivo fora seccionado pela abertura das ruas 18 e 30, e ao juntar velhas fotos, cujas legendas individualizam as ruas retratadas, sob os ns. 10 e 17 (fls. 23).
É inelutável a conclusão.
Se, em 1968,já existia o arruamento, aprovado e aberto ao uso comum, pouco se dá que a inscrição do loteamento tenha sido feita anos depois, exatamente em 1974, porque, aplicando-se a tese jurídica à hipótese, no instante em que o arruamento aprovado foi aberto ao público, se perfez o concurso voluntário, enquanto ato jurídico idôneo a operar transferência das áreas destinadas às vias e logradouros, do domínio particular para o domínio público, independente doutro ato e, em especial, de registro. E tal incorporação deu-se de modo automático, pelo menos em 1968, porque, nessa data, não contando ainda, o ora autor, com tempo necessário à consumação da prescrição aquisitiva, não haviam os loteadores perdido o domínio daquelas áreas, de modo que podiam transmiti-lo à Municipalidade, ainda que já lhes não tivesse a posse. A partir daí, em se tratan-
do de bem de uso comum do povo, que é coisa fora de comércio, não se pode pensar em usucapião (Súmula 340 do e. STF). A posse ulterior do ora promovente, posto que fosse ad interdicta e, como tal, tutelada na possessória movida pela Prefeitura, não era nem é ad usucapionem. (fls. 9801 983)
o Ministro Oscar Correia, que no Supremo Tribunal Federal foi relator do RE nº 95.256, expôs em seu voto o seguinte:
"Primacialmente, tanto à época do advento do Código Civil quanto anteriormente ao Decreto-Lei nº 58, de 10-12-1937, justificavam-se, realmente, as incursões ao direito estrangeiro para harmonizar os textos legais à realidade fática das hipóteses. Não faltam, aliás os que relembram e ressaltam os ditames das "Ordenações" que estabeleciam conotações especiais para as vias e bens públicos de uso comum (Alfredo Buzaid, parecer sobre Bem público de uso comum in Rev. dos Trib., VoI. 353, págs. 48-62, nº 6, págs. 50/51), destacando-as do tratamento comum e privatístico da propriedade particular."
E depois, lembra o próprio Clóvis Bevilaqua (folhas 598/599), assinalando:
" ... não deverem os bens dominicais ser submetidos à jurisdição do Direito Civil, mas, sim, às do Direito Constitucio-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 265
nal e do Direito Administrativo" (pág. 316).
o insigne civilista, nessa linha de idéias, ao comentar os atributos da transcrição, estabelecida pelo Código como forma de aquisição de propriedade por ato inter vivos, já previa a dispensa da mesma para certos atos derivados de lei, entendendo, inclusive, que a prova da propriedade, a legalidade da aquisição e a publicidade da transferência do domínio são objetivos que a lei realiza plenamente, ainda melhor do que a transcrição (Revista dos Tribunais 70/463)" - in RTJ 106/ 675.
Anteriormente, o Min. Djaci Falcão, a quem coubera relatar o RE 59.065-SP, com voto vencedor, deixara assentado que
"efetuado o arruamento, se a Municipalidade aceita o plano, possibilitando o uso comum, opera-se a transferência do domínio particular para o domínio público." (RTJ, 50/688)
No RE 84.327-DF, de redação do Min. Cordeiro Guerra, também foi vitoriosa a mesma tese, consoante se vê do sumário do acórdão respectivo:
"Loteamento. Aprovado o arruamento, para urbanização de terrenos particulares, as áreas destinadas às vias e logradouros públicos passam automaticamente para o domínio do município, in-
dependentemente de título aquisitivo e transcrição, visto que o efeito jurídico do arruamento é, exatamente, o de transformar o domínio particular em domínio público, para uso comum do povo. Não tem o loteador infringente do Dec.-Lei 58/1937, mais direitos que o locador a ele obediente.
Inalterabilidade das plantas sem o consenso do Município.
Recurso extraordinário conhecido, porém não provido." (in RTJ 79/991)
Benedito Silvério Ribeiro, em obra de alta valia, ao tratar da forma de aquisição de bens pelo poder público, anota que
"relativamente a loteamentos, em que ficam reservados espaços livres para rua, praças, áreas de recreação ou lazer, tem-se que passam ex lege ao domínio público, independentemente de re-· gistro, escritura, termos de doação, cessão ou qualquer outra providência." (Tratado de Usucapião, voI. 1, pág. 577, São Paulo: Saraiva, 1992);
e noutro passo observa:
"N em mesmo se faz mister, segundo Helly Lopes Meirelles, a inscrição do loteamento para que se considerem incorporados no domínio municipal esses bens de uso comum do povo, decorrentes da urbanização de áreas particulares. A inscrição só é exigível para fins de alienação dos lotes, sem qualquer implicação com
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as áreas de domínio público, não sujeitas às normas civis e às exigências de comerciabilidade dos bens particulares" (págs. 578/579).
Destarte, espaços destinados às vias e outros logradouros incorporam-se ao domínio público sem dependência de atos cartoriais.
Posto isso, não diviso, no caso, laceração dos arts. 533, do Código Civil, 167, I, item 19 da Lei n Q 6.015/ 73 e 22 da Lei n Q 6.766/79.
De outro ângulo, tenho por superado o dissídio jurisprudencial, porquanto o precedente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso é no sentido da necessidade em casos como o dos autos de registro do loteamento, e ambas as Turmas da 2ª Seçâo desta Corte nortearam-se pela tese contrária.
Eis a ementa do acórdão tomado naAR n Q 387, relator Ministro Barros Monteiro:
"Loteamento. Espaços livres de uso comum. Usucapião. Transferência ao patrimônio público. Ação rescisória com alegação de
violação dos arts. 9Q, parágrafo 2Q, inciso lII, 17, 22 e 23, parágrafos 2Q e 3Q, da Lei n Q 6.766, de 19.12.79.
As áreas livres de uso comum incorporam-se ao domínio do município com a simples aprovação do loteamento, não sendo exigível para tanto o registro no cartório imobiliário.
Ação rescisóriajulgada improcedente."
No mesmo sentido, a 3ª Turma, em aresto da lavra do Ministro Dias Trindade:
"Civil. Loteamento. Áreas livres. Usucapião.
São insusceptíveis de usucapião as áreas livres, destinadas ao uso comum do povo, constantes de loteamentos aprovados pela municipalidade, quando se dá o concurso de vontades entre loteador e a comuna, para destinação dessas áreas ao condomínio público".
Posto isso, não conheço do recur-so.
RECURSO ESPECIAL NQ 15.697 - SP
(Registro n Q 91.0021218-0)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrente: Fazenda do Estado de São Paulo
Advogada: Dra. Vera Lúcia Gonçalves Barbosa
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 267
Recorrido: Mussa Salim Assaly
Advogados: Drs. Samir Safadi e outros
EMENTA: Correção monetária.
- Para correção da moeda em janeiro de 1989, o índice é de 42,72.
- Precedentes do STJ.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento parcial. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 05 de maio de 1998 (data do julgamento).
MinÍstro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 25-05-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: O Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, por votação unânime, negou provimento ao Agravo de Instrumento
" ... tirado dos autos de u'a ação indenizatória, em que a agravante, ré nessa lide, se volta contra a r. decisão do MM. Juiz de 12
grau, que determinou a inclusão do percentual do IPC, de 70,28%, no cálculo de atualização monetária ... " (fls. 73/74).
Do acórdão recorrido é o tópico que se segue:
"c. .. ) o percentual de 70,28%, referente à inflação de janeiro de 1989, há que se incluir na indenização devida ao agravado. Isto porque aquela ocorreu. E, em assim sendo, nenhuma razão lógica ou jurídica há que lhe ampare a exclusão." (fls. 74 e 75)
A Fazenda Estadual paulista opôs ao aresto embargos de declaração dizendo-o omisso porque não fizera menção aos dispositivos legais que invocara o embargante (fls. 77/79). Tais embargos foram rejeitados à unanimidade (fls. 82/83).
A Fazenda do Estado manifestou, então recurso especial fundando-o no art. 105, IH, a e c, da Lei Cardeal, sustentando que o Acórdão contrariou
"o princípio insculpido no art. 52, inciso H, da Constituição Federal, e ainda negou vigência a
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toda a legislação federal, que disciplina a atualização monetária de débitos oriundos de decisão judicial."
A recorrente mencionou como de vigência denegada:
"a Lei nº 6.899/81; o Decreto nº 86.649/81; o artigo 6Q do Decreto-Lei nQ 2.284/86; o art. 15, inciso III, §§ 1º e 2º da Lei 7.730/89; o artigo 5º da Lei nQ 7.801/89" (fl. 92).
o recurso foi admitido nos termos que se acham às fls. 119/120.
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Alegação de
ofensa a texto constitucional não é passível de exame em sede de recurso especial.
Quanto ao alegado de negativa de vigência de lei federal, os dispositivos mencionados pe-la recorrente não foram objeto de prequestionamento.
No tocante ao índice corretório da moeda em janeiro de 1989, firmouse a jurisprudência da Corte Especial no sentido de 42,72%. Nessa diretriz, as decisões adotadas nos EREsp 24.168, que teve como relator o Ministro Torreão Braz, e no REsp 43.055, relatado pelo Ministro Sálvio de Figueiredo.
Dessarte, conheço do recurso pela divergência de julgados e provimento lhe dou em parte, para que se aplique, em relação a janeiro de 1989, o índice corretivo de 42,72%.
RECURSO ESPECIAL NQ 23.749 - PR
(Registro nQ 92.0015299-6)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrente: Companhia Paranaense de Energia - Copel
Advogados: Drs. José Manoel dos Santos e outros
Recorrido: Benedito Maurício Romeiro
Advogados: Drs. Séttimo Pierotti e outros
EMENTA: Indenização. Acidente do trabalho.
- Súmula 07 do STJ.
- Provimento em parte do recurso para determinar a inclusão do autor em folha de pagamento do devedor.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 269
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso e lhe dar parcial provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Ruy Rosado de Aguiar. Vencido em parte o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.
Brasília, 16 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 25·05·98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Trata-se de ação de indenização pelo direito comum proposta por Benedito Maurício Romeiro contra Cia. Paranaense de Energia - Copel e Projete Engenharia Ltda.
A sentença julgou em parte procedente a ação,
" ... para condenar solidariamente as Requeridas a pagarem ao Requerente uma indenização correspondente ao salário percebido pelo mesmo no momento do acidente, que era de Cr$ 2.080,00, desde a data da ocorrência (09.07.86), com as vantagens advindas da Lei 6.708/79 e outras que sobrevierem
sobre o Contrato de Trabalho, ou decorrentes da Convenção Coletiva do Trabalho, Acordo Coletivo, além de férias, 13 Q salário, F.G.T.S. até a idade de 65 anos de idade, cujos valores serão apurados em execução de sentença, devendo para tanto cumprir as determinações inscritas no art. 602 e seus parágrafos, do Código de Processo Civil." (fls. 245 a 246)
A Sétima Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná manteve a sentença, e o acórdão correspondente restou desta forma sumariado:
"Ação . ~e indenização - Acidente do t,·abalho - Culpa - Súmula 229 do STF.
Comprovada a culpa concorrente das apelantes e o nexo causal entre a conduta culposa com acidente de que resultou incapacidade permanente do apelado, o ressarcimento é conseqüência lógica." (fls. 322)
Projete Engenharia Ltda. interpôs recurso especial fundado no art. 105, IH, a, da Constituição Federal dizendo de vigência denegada o art. 159 do CCB (fls. 331/332).
Companhia Paranaense de Energia - Copel manifestou recurso especial com fulcro no art. 105, IH, a e c, da Constituição Federal, alegando negativa de vigência dos artigos 20, § 5Q e 602, do Código de Processo Civil, além de dissídio jurisprudencial. Sustenta ser parte ilegítima e que não se houve com
270 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
culpa. Aduz também que, sociedade de economia mista, desnecessária à constituição do capital garantidor do pagamento da pensão (fls. 335 a 344).
O primeiro dos recursos não alcançou trânsito no Tribunal de origem; já o segundo, foi admitido (fls. 375/378).
O Ministério Público opinou pelo provimento em parte do recurso (fls. 386/388).
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Embora alegue a recorrente sua ilegitimidade de parte e ausência de culpa no evento danoso, não indica expressamente que dispositivos de lei teriam sido violados. Tal procedimento torna deficiente a petição recursal.
Sobre a ilegitimidade de parte colho do aresto:
a) "Do despacho (f. 168) que rejeitou as preliminares argüidas pela Copel não foi interposto recurso" (fi. 324);
b) "A alegação da primeira recorrente, no sentido de que o contrato de empreitada celebrado com a segunda prevê a responsabilidade exclusiva desta quanto à adoção de medida de segurança de trabalho, bem como o pagamento da respectiva indenização é, em relação ao apelado, res inter alios." (fls. 328)
Com relação à ocorrência ou não de culpa a questão envolve o reexame da prova, circunstância que reclama a incidência da Súmula 07, desta Corte.
O dissídio jurisprudencial está demonstrado, o que me faz conhecer do recurso no ponto dissonante em relação aos precedentes trazidos como paradigmas: a constituição de capital.
A propósito da matéria, ambas as Turmas da 2ª Seção desta Corte, têm jurisprudência assentada: o REsp 29.253, 3ª Turma, relator Ministro Nilson Naves e o REsp 33.163, relator o Ministro Athos Carneiro; este, de acórdão assim sumariado:
"Acidente do trabalho. Indenização de direito comum. Súmula n Q 37-STJ. Dispensa da formação de capital. Art. 602 do C.P. C.
A indenização por danos morais, à viúva e filho da vítima falecida no acidente, é cumulável com a indenização pelos danos materiais - Súmula 37-STJ, podendo ser paga em uma só prestação.
É dispensável a constituição de capital (C.P.C., art. 602) quando os beneficiários da pensão foram incluídos em folha de pagamento de grande empresa prestadora de serviços públicos e notoriamente solvente.
Recurso especial conhecido em parte, e nesta parte provido."
Posto isso, conheço do recurso e lhe dou parcial provimento para de-
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terminar que o autor seja incluído em folha de pagamento, dispensada a constituição do capital para o pagamento da indenização.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Acompanho o Sr. Ministro-Relator, conhecendo em parte do recurso e, nessa parte, dando-lhe provimento. Deixo apenas ressalvada a possibilidade dE? o Judiciário exigir, ocorrendo fato superveniente e em face de circunstâncias, que a garantia da prestação seja dada por caução fidejussória hábil, ou outra medida equivalente em garantia do destinatário da verba.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, também acompanho o Sr. Ministro-Relator, cujo voto tem a respaldar ajurisprudência desta Casa.
VOTO - VENCIDO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, estou ciente de que a jurisprudência da Corte tem que dar respaldo ao voto proferido pelo eminente MinistroRelator e pelos demais eminentes Ministros que o acompanharam. Todavia, o que se verifica é que as mutações econômicas estão, hoje, muito presentes e afetando de uma forma muito direta, inclusive, as empresas ditas como estatais.
A recorrente, no caso, como pude perceber, é uma sociedade de economia mista que, há anos passados, era tida como uma empresa que teria vida duradoura ou permanente, que jamais poderia extinguir-se ou sofrer qualquer vexame de natureza econômica ou financeira.
Todavia, o que se verifica é que todas essas empresas estatais estão sendo privatizadas sob o fundamento de que são deficitárias. Aquele fundamento que teve a Corte para adotar a posição que ora está sendo firmada pela Turma, isto é, que a vítima não teria risco de deixar de receber o que lhe fosse de direito porque a empresa estatal não iria sofrer dificuldades financeiras, parece-me que não pode ser mais aceito hoje, data venia, do entendimento em contrário.
Contra a jurisprudência até então prevalecente, ouso discordar dos votos então proferidos para não conhecer do recurso.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, também levo em boa conta a argumentação expendida pelo eminente Ministro Cesar Asfor Rocha, mas estou, por ora, mantendo a orientação predominante na Turma e no Tribunal quanto à possibilidade da inclusão na folha de pagamento, em substituição à formação de capital. Acredito que em recurso com outro limite, será melhor examinada a
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possibilidade de transformar a exigência da formação de capital em uma garantia fidejussória, bancária ou de natureza securitária para dar
cumprimento às sentenças de indenização.
Estou, portanto, acompanhando a maioria.
RECURSO ESPECIAL NQ 32.881 - SP
(Registro n Q 93.0006384-7)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: Cooperativa Regional de Crédito Rural Ltda. - CAC
Recorrido: Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa
Interessados: Comercial de Secos e Molhados Nozawa Ltda. e outros, Fumio Nozawa, eMiti Nozawa Ichiba
Advogados: Drs. Aquilas Antônio Scarceli, Marcos Tadeu Gaiott Tamaoki e outros, e Reinaldo Albertini
EMENTA: Processual Civil. (1) Nulidade sem demonstração de prejuízo. (2) Execução. Penhora. Credor hipotecário. Inexistência de prévia execução. Não conhecimento.
(1) Por regra geral do Código de Processo Civil não se dá valor à nulidade, se dela não resultou prejuízo para as partes, pois aceitou, sem restrições, o velho princípio: pas de nulitté sans grief. Por isso, para que se declare a nulidade, é necessário que a parte alegue oportunamente e demonstre o prejuízo que ela lhe causa.
(2) O concurso de credores previsto nos arts. 711 e 712, do CPC, pressupõe execução e penhora do credor que alega preferência já que não basta por si só o fato de ser credor hipotecário.
A escritura de garantia hipotecária e a sua inscrição no registro público não são suficientes para preservar a prelação do credor hipotecário em execução promovida por terceiro, pois a sua preferência só se impõe se existirem prévias execuções por ele aforadas e penhora sobre o bem.
Falece a quem não demonstra tais pressupostos aptidão para pretender a satisfação do crédito, que alegar possuir, contra o executado.
Recurso não conhecido.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Barros Monteiro. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Bueno de Souza e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 02 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro CESARASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 27-04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: O Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa promoveu contra Comercial de Secos e Molhados, Fumio Nozawa e outros, o Banco e a empresa comercial sendo ora recorridos, uma ação de execução, tendo sido procedida a penhora sobre os bens cogitados nos autos.
A ora recorrente foi intimada dessa penhora, por ser credora hipotecária, em face de duas cédulas rurais pignoratícias e hipotecárias, já vencidas, pelo que requereu fosse assegurado o seu direito de preferência quanto ao recebimento do valor que fosse apurado (fls. 242/ 244).
Praceados os bens, os filhos de Fumio Nozawa requereram (fls. 319/320) a remição dos bens que ao caso interessam, depositando o valor devido.
O douto juiz processante determinou que a ora recorrente demonstrasse ser exeqüente e que tivesse realizado a penhora sobre tais bens, tendo a recorrente ficado inerte.
Por entender que "o concurso de credores previsto nos arts. 711 e 712, do CPC, pressupõe execução e penhora do credor que alega preferência (já que) não basta alegar ter preferência por ser credor hipotecário" (fls. 373/373v.), o juiz singular indeferiu o pedido da ora recorrente que, em apelação, requereu a nulidade da sentença, tanto pela matéria de fundo, como também, preliminarmente, porque, da intimação para comprovar que tivesse realizado a penhora, não constou o nome de seu advogado.
A apelação foi improvida.
N o atinente à preliminar, pelos seguintes motivos:
"Afasta-se, desde logo, a hipotética nulidade da R. Sentença. Embora tenha havido a falha na intimação da Apelante quanto ao despacho que lhe determinou a apresentação de prova do processamento de execução, o certo é que, segundo se depreende facilmente das razões de recurso, a execução não foi mesmo iniciada, e de nada aproveitaria à parte a anulação do ato judicial, e a devolução da prova, pois esta seria
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negativa, persistindo a situação fática que ensejou a Decisão impugnada. Aplica-se ao caso o disposto nos arts. 249, § 1Q
, e 250, parágrafo único, ambos do Código de Processo Civil." (fls. 418).
Por tudo que ficou acima exposto, deve-se afirmar o acerto da R. Sentença apelada, que indeferiu a instauração do concurso pretendido pela recorrente, ressaltando-se que isso não prejudica a Apelante, pois a sua garantia permanece íntegra, graças ao direito de seqüela, permitindolhe que vá buscar o bem remido junto a quem o detenha, através do instituto da penhora, a ser formalizada na execução que vier a promover contra a devedora." (fls. 425).
Quanto ao mérito, também por entender que "o concurso de credores previsto nos arts. 711 e 712, do CPC, pressupõe execução e penhora do credor que alega preferência" pelos mesmos fundamentos acima referidos, embora "ressaltando-se que isso não prejudica a Apelante, pois a sua garantia permanece íntegra, graças ao direito de seqüela, permitindo-lhe que vá buscar o bem remido junto a quem o detenha, através do instituto da penhora a ser formalizada na execução que vier a promover contra a devedora" (fls. 425).
Daí o recurso especial em exame com base nas letras a e c do permissor constitucional por sugerida divergência com o julgado cuja ementa transcreve e por alegada
violação aos arts. 236 do Código de Processo Civil (nulidade da intimação por não ter constado o nome do advogado da recorrente) e 711 do Código de Processo Civil e 759 do Código Civil, pela desnecessidade do prévio aparelhamento da execução de conseqüente penhora para exercer o direito de preferência.
Sem resposta, o recurso foi admitido na origem.
Recebi o processo, por atribuição, em 1 Q de fevereiro de 1996, e remeti-o para pauta no dia 17 de novembro do ano seguinte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): 1. Analiso, inicialmente, a questão referente à alegada nulidade da intimação por não ter constado o nome do advogado da recorrente, do que decorreria a sugerida vulneração ao art. 236 do Código de Processo Civil.
Sem razão a recorrente uma vez que, consoante consignado no v. acórdão hostilizado, disso nenhum prejuízo lhe houve, porquanto jamais iria mesmo fazer prova que ingressara com a execução e que teria previamente efetivado a penhora, pois esses são fatos inexistentes, já que não aforou nenhuma execução e, por conseguinte, penhora não realizara.
Com efeito, o caso chama à colação o ensinamento de Carvalho dos Santos (in, "Cód. Proc. Interp.", Tomo IV, pág. 55, 4ª ed.), segundo o
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 275
qual "para que se declare a nulidade, é necessário que a parte alegue oportunamente e demonstre o prejuízo que ela lhe causa. Pelo menos essa é a regra geral: O Código de Processo Civil não dá valor à nulidade, se dela não resultou prejuízo para as partes. Aceitou, sem restrições o velho princípio: pas de nulitté sans grief."
Assim, desprovejo o recurso, quanto a esse tópico.
2. Analiso, agora, a alegada violação aos arts. 711 do Código de Processo Civil e 759 do Código Civil, em que a recorrente alega pela desnecessidade do prévio aparelhamento da execução e de conseqüente penhora para exercer o direito de preferência.
Entendeu o v. acórdão que "o concurso de credores previsto nos arts. 711 e 712, do CPC, pressupõe execução e penhora do credor que alega preferência", pelos mesmos fundamentos acima referidos, embora "ressaltando-se que isso não prejudica a Apelante, pois a sua garantia permanece íntegra, graças ao direito de seqüela, permitindo-lhe que vá buscar o bem remido junto a quem o detenha, através do instituto da penhora, a ser formalizada na execução que vier a promover contra a devedora" (fls. 425).
Devo deixar de logo bem gizado que aqui não se discute sobre se a garantia hipotecária permanece ou não íntegra depois da arrematação, pois desse tema não se trata no presente recurso, já que disso não foi manifestado nenhum inconformismo.
Prestigia a tese da recorrente o seguinte precedente da ego Terceira Turma, da relatoria do eminente Ministro Waldemar Zveiter, vencido o eminente Ministro Eduardo Ribeiro, julgado em 29.6.90 a saber:
"Processual Civil - Penhora - Credor hipotecário - Preleção.
I - A preferência do credor hipotecário não depende de sua iniciativa na execução, ou na penhora. A escritura da garantia real e a sua inscrição no registro imobiliário são suficientes para preservar a prelação dele.
II - O credor hipotecário, formulando o pedido de prelação, recebe preferencialmente o valor pertinente ao gravame.
lU - Recurso conhecido e provido." (REsp n. 1.499-PR, DJ 03.09.90).
N o mesmo sentido, os REsps nQil 53.311/SP e 75.0911SP, julgados, respectivamente, em 26.11.96 e 9.6.97, ambos da relatoria do eminente Ministro Carlos Alberto Direito, também vencido o eminente Ministro Eduardo Ribeiro, cujas idênticas ementas são do seguinte teor:
"Recurso especial. Credor hipotecário. Preferência. Precedentes da Corte.
1. Na linha de precedentes desta Corte, a "preferência do credor hipotecário não depende de sua iniciativa na execução, ou na penhora. A escritura de garantia
276 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
real e a sua inscrição no registro imobiliário são suficientes para preservar a prelação dele".
2. Recurso conhecido, em parte, e nesta parte provido."
Não encontrei, por mais que tenha procurado, nenhum precedente sobre esse mesmo tema desta Quarta Turma.
Nem por isso, e embora tendo por ponderáveis os fundamentos contrários contidos nos judiciosos votos que consagraram a tese prevalecente na ego Terceira Turma, ouso, contudo, discordar.
Para a tal conclusão chegar fui conduzido, em larga escala, pelo douto V<'lto proferido pelo eminente Juiz Ademir Benedito, inserto no v. acórdão recorrido, onde fui buscar os principais fundamentos do que passo agora a expor, inclusive dele transcrevendo alguns trechos, numa versão livre.
A questão posta em desate, como visto, é atinente apenas à interpretação da regra expressa no art. 711 do CPC.
Orlando Gomes (in "Direitos Reais", 6ª ed., Forense, pág. 376), consigna que "a hipoteca é o direito real de garantia em virtude do qual um bem imóvel, que continua em poder do devedor, assegura ao credor, precipuamente, o pagamento de uma dívida".
Assim, afirma que "a finalidade da hipoteca é atingida pelo direito do credor de penhorar o bem gravado, seja quem for o seu detentor por qualquer título, e promover sua
venda judicial, para se pagar, com preferência, sobre outros credores" (op. cit., pág. 377).
N o mesmo diapasão a palavra de Washington de Barros Monteiro (in "Curso de Direito Civil, Direito das Coisas", ed. Saraiva, pág. 397), para quem "a hipoteca é assim direito real. Declara-o a lei de modo expresso. Como direito real, vincula o bem gravado, acompanha-o sempre onde quer que se encontre. Adere à coisa como a sombra ao corpo (adhaeret ossibus rei, ut lepra cuti). Surge, destarte o direito de seqüela".
Por isso, diz mais adiante que (op. cit., pág. 408), "assegura-se ao credor o direito de excussão, quando feita a alienação do imóvel hipotecado, à sua revelia. Em qualquer hipótese, a venda é válida; porém, a hipoteca não se extingue, continuando a produzir seus efeitos jurídicos; apenas se garante ao adquirente, como se viu o direito de remir o imóvel gravado".
Dessa sorte, a hipoteca acompanha o bem com ela gravado mesmo que ele seja alienado, com ou sem o conhecimento do credor hipotecário, permanecendo como garantia do crédito contratado. Vencida a dívida sem o seu respectivo pagamento, tem o credor o direito de penhorar o imóvel hipotecado de imediato, através de correspondente processo de execução, e de preferir a outros credores no produto da eventual arrematação.
Abro aqui um parêntese apenas para destacar que na hipótese de ser
R. Sup. 'Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 277
"intimado o credor hipotecário da realização da praça, a arrematação produz o efeito de extinguir a hipoteca" (REsp nº 36.757-3/SP, relatado pelo eminente Ministro Barros Monteiro). No mesmo sentido o REsp nº 40.191-7/SP, relatado pelo eminente Ministro Dias Trindade). N os demais casos de alienação, o direito de seqüela permanece. Observo, mais uma vez, que esse tema de extinção da hipoteca não é aqui cogitado.
Fechando o parêntese, prossigo afirmando que, todavia, para que o credor possa exercer o seu direito de preferência sobre o valor apurado em arrematação, necessita do prévio aparelhamento da execução do seu crédito pois do contrário estar-se-ia consagrando a tutela jurídica privada, sem a participação do Poder Judiciário, infringindo o monopólio estatal da Justiça, o que não é permitido pelo sistema jurídico. Autorizar-se a participação do credor hipotecário na disputa do produto da arrematação ou remição do bem gravado, sem que já objeto de execução judicial do seu crédito, seria permitir que recebesse o valor por ele próprio indicado, sem possibilitar ao devedor a discussão da existência, certeza e exigibilidade daquele. Não se pode esquecer que o contrato de hipoteca é, por expressa disposição legal, um título executivo extrajudicial (art. 585, III, do CPC).
Como leciona Pontes de Miranda (in "Tratado de Ações", tomo VII, ed. RT-1978, capo III), "nas execuções de títulos extrajudióais ocor-
re uma inversão no processo de cognição, que é precedido da execução, mas que não fica absolutamente afastado, pois aqueles títulos somente autorizam a inversão (execução - condenação) em razão da incompleta cognição inicial que deve, porém, ser completada em um segundo momento [pois] nas ações executivas de títulos extrajudiciais há, na verdade, duas ações, uma de condenação e outra, de execução, invertendo-se a ordem natural que seria aqui indicada, por se considerar que os documentos representativos do direito material do exeqüente possibilitam reduzida discussão sobre a prova, ao contrário das ações declaratórias, e de condenação. Nas execuções, portanto, a condenação é pré-posta, no sistema vigente a partir do Código de Processo Civil de 1973" (págs. 87/90).
Mas daí não se pode concluir que haja crédito que possa ser satisfeito independentemente de apreciação judicial. Todas as dívidas podem ser executadas, é certo, mas nenhuma sob o pálio de tutela jurídica privada, "embora a organização estatal exija a umas a prévia condenação e a outras atribua executividade imediata, ficando dependente de condenação posterior o efeito executivo por adiantamento." (Pontes, op. cit., pág. 91).
Destarte, o crédito da recorrente, para poder disputar o fruto da remição do bem hipotecado, deveria já ter sido apreciado judicialmente, por meio da respectiva execução aparelhada, não embargada, ou com embargos rejeitados, pois o
278 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
"direito de preferência se exerce plenamente por ocasião do levantamento do produto da venda judicial da coisa, na execução promovida pelo próprio credor hipotecário, em que completa a cognição, pela ausência ou rejeição de embargos; ou ainda em execução promovida por terceiro, mas à qual concorra o credor hipotecário com título já completamente conhecido pelo EstadoJuiz, com plena executividade."
Assim, nesse traçado leciona Amilcar de Castro (in, "Comentários ao Código de Processo Civil", v. VIII, págs. 347 e 384) que "quando dois ou mais credores penhoram os mesmos bens, torna-se necessário que entrem em concurso de preferência, disciplinado pelos artigos 711 e 713, para que possa o juiz verificar qual seja o quociente que, da quantia em depósito, há de caber a cada qual", ressaltando que "a expressão - concorrendo vários credores - compreende somente àqueles que tenham penhora sobre os mesmos bens".
N a mesma direção a lição de Celso Neves, que, em seus "Comentários ao Código de Processo Civil", vol. VII, pág. 162, discorrendo sobre o concurso de preferência, expõe que "a hipótese ~, sempre, de execução contra o devedor solvente, em concurso de ações executórias, decorrente da pluralidade de penhoras sobre os mesmos bens".
Ao chegar ao final deste voto, reproduz esses trechos do voto proferido pelo eminente Juiz José Roberto Bedran, proferido em julgado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil
de São Paulo (JTA-117/154), reportado no r. aresto ora recorrido, a saber:
"De tudo se conclui, portanto, que essa singular forma de concurso de credores, inconfundível com a hipótese de insolvência do devedor comum, quando a execução se desenrola pelo procedimento dos arts. 754 e ss. do CPC, pressupõe, como verdadeira condição de participação dos credores concorrentes, a existência de execução com penhora, quer da parte dos quirografários, quer da parte dos munidos de crédito privilegiado ou preferencial.
Ora, se tal não ocorreu em relação à credora hipotecária questionada no recurso, até lhe faltava legitimação para concorrer no incidente, pelo que descabida a sua inclusão, com primazia, no quadro geral de credores disputantes.
Até porque, na hipótese inversa, cuidando-se, como se cuida, de incidente de que não participa o devedor e no qual a disputa entre os credores "versará unicamente sobre o direito de preferência e a anterioridade da penhora" (art. 712, CPC), estaria evidentemente ferido o princípio do contraditório, com inafastável sacrifício do devido processo legal."
Por fim observo que, quando ainda integrava a ego Primeira Turma, tive a oportunidade de relatar o REsp n Q 32.902-2/SP (julgamento
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 279
em 07.03.94), que versava sobre a preferência do crédito da fazenda pública, e tive a oportunidade de conduzi-la à seguinte conclusão, assim ementada:
"Processual Civil. Execução fiscal proposta pela Fazenda Estadual. Concurso de preferência requerido pelo lAPAS.
O concurso de preferência de que cuidam os arts. 187 do Código Tributário Nacional e 29, parágrafo único da Lei n Q 6.830/80, só se dá quando instaurado o concurso creditório (devedor civil) ou a execução coletiva falimentar (devedor comerciante), hipóteses em que as Fazendas Públicas a eles não se submetem, podendo mover as suas execuções independentemente do juízo concursal.
Fora dessas hipóteses, aplicam-se as disposições contidas nos arts. 612 e 711 do Código de Processo Civil, pelas quais se exige a pluralidade de penhoras, sendo o apurado das arrematações distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações.
Assim, impõe-se a existência de prévias execução e penhora sobre o mesmo bem leiloado, falecendo a quem não demonstre tais pressupostos aptidão para pretender a satisfação do crédito, que alegar possuir, contra o executado".
Aliás, a ego Segunda Turma, em acórdão da lavra do eminente Mi-
nistro Antônio de Pádua Ribeiro, proferido no REsp n Q 11.657-SP, em 19 de agosto de 1992 (DJ 08.09.92), dá respaldo ao meu entendimento, conforme dá conta a seguinte ementa:
"Execução fiscal movida por Fazenda Estadual. Direito de preferência por parte de autarquia federal. C.P.C., artigos 612 e 711. C.T.N., art. 187. Lei n Q
6.830, de 22.9.80, artigo 29, parágrafo único.
I - Não é lícito à autarquia federal simplesmente intervir em processo de execução a que é estranha para, sem mais, receber o que pretende ser-lhe devido. Haverá, em caso, de ajuizar execução e, recaindo a penhora sobre bem já penhorado, exercer oportunamente seu direito de preferência."
Por tudo quanto ficou exposto, verifica-se do acerto do r. aresto hostilizado no ponto em que indeferiu a instauração do concurso pretendido pela recorrente, embora não concorde com a sua conclusão quando afirma que "a sua garantia permanece íntegra, graças ao direito de seqüela, permitindo-lhe que vá buscar o bem remido junto a quem o detenha, através do instituto da penhora, a ser formalizada na execução que vier a promover contra a devedora" (fls. 425). Mas esse é tema que, como já reiterado, não se cuida neste recurso.
3. Diante de tais pressupostos, do recurso não conheço.
280 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, acompanho o eminente Relator, observando que é de se esperar e exigir do credor hipotecário uma iniciativa para cobrança do seu crédito já vencido. Feito isso, ele poderia concorrer, na forma do art. 711, com os demais credores exeqüentes. A extinção da hipoteca pela arrematação a que se refere o REsp nQ 36.757, da relatoria do eminente Ministro Barros Monteiro, há de se entender como aquela que ocorre quando a hipotecajá está vencida. Não estan-
do vencida e não tendo o credor hipotecário condições de promover a sua execução, a garantia acompanha o bem objeto da arrematação.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Acompanho o eminente Relator em seu douto voto, com os acréscimos ora trazidos pelo eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, entendendo, também, que, para que tenha preferência, é preciso que o credor hipotecário tenha promovido a sua execução e penhorado o bem.
RECURSO ESPECIAL NQ 34.793-6 - SP
(Registro n Q 93.0012573-7)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Geraldo de Oliveira
Recorridos: José Augusto do Frade Saraiva e cônjuge
Interessada: Lázara de Oliveira
Advogados: Drs. Celso Alves Feitosa, Carmem Laize Coelho Monteiro e Paulo da Silva Costa
EMENTA: Promessa de venda e compra. Arras penitenciais. Perdas e danos. Argüição de coisa julgada.
- Inexiste coisa julgada se, na demanda precedente, não se examinou o meritum causae, restrita que ficou a decisão ali proferida à matéria de natureza processual.
- Tratando-se de arras penitenciais, a restituição em dobro do sinal, devidamente corrigido, pelo promitente-vendedor, exclui indenização maior a título de perdas e danos. Súmula n!! 412-STF e precedentes do STJ.
Recurso especial não conhecido.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 281
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 09 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 30-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: José Augusto do Frade Saraiva e cônjuge ajuizaram ação de rescisão de instrumento particular de compromisso de compra e venda de um sobrado situado na Rua Paulo Hallage nº 18, cumulada com reintegração de posse, contra Geraldo de Oliveira e cônjuge. Os autores fundamentaram o pedido de rescisão na cláusula 5" do compromisso de compra e venda e, tão logo foi distribuído o feito, depositaram emjuízo, em dobro e corrigido desde o desembolso, o valor pago pelos réus a título de entrada.
Apenas o réu contestou a ação, apresentando, inclusive, reconvenção, na qual pleiteou que os autores fossem condenados a obter o 'ha-
bite-se' do imóvel em sessenta dias e a receber o valor correspondente ao restante do preço acordado, devidamente atualizado desde a época da transação. Alternativamente, requereu a condenação dos autores ao pagamento de indenização calculada de acordo com o valor de mercado do imóvel. Aré, citada por edital, passou a ser representada por curador.
O MM. Juiz de Direito da 3" Vara Cível do Foro Regional de Santana julgou procedente a ação e improcedente a reconvenção. Outrossim, determinou a permanência do numerário depositado como garantia da sucumbência, autorizando, na ocasião adequada, o levantamento do saldo pelos réus.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria de votos, negou provimento ao apelo do réu. Restou vencido o relator, que, entendendo que os autores demonstraram a firme intenção de não se arrepender, dava parcial provimento à apelação para julgar improcedente a ação. Eis os fundamentos do voto do relator designado:
"A procedência da ação foi bem decretada. Não havia o impedimento da coisa julgada. A r. decisão prolatada no processo anterior foi na realidade de carência por falta de devolução suficiente. Assim como houve convenção do direito de arrependimento na cláusula 5" esse direito podia ser exercitado até a outorga da escritura definitiva na forma do art. 1.088 do Código Civil, que estatui:
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'Quando o instrumento público for exigido, como prova do contrato, qualquer das partes pode arrepender-se antes de o assinar, ressarcindo à outra as perdas e danos resultantes do arrependimento sem prejuízo do estatuído nos arts. 1.095 a 1.097'.
A reconvenção não pode prosperar porque a restituição das parcelas pagas em dobro importa na indenização preestabelecida não podendo por isso ser acrescida de outra indenização. A devolução simples com correção seria desfazimento sem indenização. Dobrar o valor recebido para fins de devolução é indenizar" (fls. 292/ 293).
Inconformado, o réu manifestou recurso especial com arrimo nas alíneas a e c do permissivo constitucional, apontando afronta aos arts. 6º da LICC, 1.088, 1.092, parágrafo único, e 1.094 e seguintes do CC e 467 e seguintes do CPC, além de dissenso pretoriano. Por primeiro, asseverando que houve julgamento do mérito da anterior ação proposta pelos autores (idêntica à presente ação), insistiu na preliminar de ocorrência de coisa julgada. No mérito, defendendo a irrevogabilidade e a irretratabilidade da promessa de compra e venda, sustentou que só poderia haver arrependimento por mútuo consentimento. De todo modo, alegou que os autores teriam renunciado tacitamente ao direito de arrependimento, pois, além de jamais terem demonstrado a intenção
de rescindir o pactuado, praticaram ato inequívoco de execução do contrato quando receberam parte do preço avençado. Outrossim, afirmou que os autores não poderiam exigir o pagamento do restante do preço antes de cumprirem sua obrigação, no caso, a obtenção do "habite-se". Por fim, na hipótese de manutenção da rescisão contratual, asseverou que a indenização deve ser calculada com base na valorização do bem.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido na origem.
O recurso especial foi distribuído ao Ministro Fontes de Alencar e, posteriormente, atribuído ao Ministro Bueno de Souza. Todavia, em face de Sua Excelência encontrarse em licença, foi a mim redistribuído.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Inocorrente no caso a ofensa à coisa julgada.
A primeira ação intentada pelos ora recorridos teve duas causas de pedir: a) a força maior em face da não obtenção do "habite-se"; b) o exercício do direito de arrependimento. Quanto à força maior, aquela demanda fora julgada improcedente, mas no que tange ao exerCÍcio do direito de arrependimento, os autores foram, na verdade, reputados carecedores de ação por insuficiência de depósito (correção monetária não integral).
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 283
A presente ação tem como causa de pedir exclusivamente o direito de arrependimento, razão pela qual os demandantes não se achavam obstados de renovar a postulação, com o depósito do sinal recebido, em dobro e corrigido inteiramente.
Sobreleva, pois, que na lide anterior, no ponto alusivo ao exercício do direito de arrependimento, não houvera uma decisão de mérito propriamente. Este Tribunal já teve oportunidade de decidir que "inexiste coisa julgada material se as questões decididas foram somente de natureza processual. A incidência do disposto no art. 468 do C.P.C. supõe decisão de mérito" (REsp n Q
3.193-PR, relator Ministro Eduardo Ribeiro, in RSTJ vol. 13, pág. 399). Ainda como pertinente à espécie, pode ser invocado um outro precedente da lavra do mesmo Ministro-Relator citado, cuja ementa vem transcrita por Theotonio Negrão em seu "Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor": "Julgada improcedente a consignatória, por ter-se como insuficiente a oferta, não corrigida monetariamente, a coisa julgada não abrange mais que o reconhecimento dessa insuficiência" (3ª Turma, REsp n Q 3.095-RS, pág. 350, 28ª ed.).
2. No tocante ao exercício do direito de arrependimento, o REsp interposto é claramente inadmissível por aplicação do princípio contido na Súmula n Q 281 do C. Supremo Tribunal Federal. É que, nesse particular, o Acórdão recorrido não constituía ainda decisão final, pendente que se achava a respeito des-
sa matéria o julgamento dos embargos infringentes opostos pelo réu. Prematuro que fora o apelo especial nesse item da irresignação, o recorrente, após o julgamento dos embargos infringentes, não apresentou novo REsp, nem tampouco reiterou o que houvera sido manifestado.
De outro lado, as assertivas formuladas pelo compromissário-comprador no sentido de que: a) a promessa de venda e compra é irretratável e irrevogável; b) inexiste a cláusula de arrependimento, direito este que somente seria viável ante o mútuo consenso dos contratantes, a par de não se tratar de tema prequestionado em sua maior parte, exigiriam elas a interpretação de cláusula contratual em sede de apelo excepcional, o que é defeso a teor do que enuncia a Súmula n Q 05 desta Corte.
Não há, ainda, no julgado recorrido análise da questão concernente à reciprocidade das obrigações, com vistas à incidência no caso do disposto no art. 1.092 do Código Civil. Ausente aí o pressuposto do prequestionamento (Súmulas n lUi 282 e 356-STF).
3. Resta, por derradeiro, a impugnação relativa à extensão das perdas e danos, de vez que a decisão recorrida restringiu a indenização à devolução em dobro do sinal recebido, com a atualização integral. N esse passo, em primeiro lugar, o recurso especial não logrou demonstrar a ocorrência do dissenso pretoriano, desde que se limitou a transcrever o excerto de decisão proferi-
284 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
da em 1 Q grau de jurisdição, o que à evidência não satisfaz o requisito inserto no art. 105, inc. III, letra c, da Constituição Federal. De qualquer forma que seja, o decisum hostilizado não vulnerou aí os cânones legais invocados pelo compromissário-comprador, pois, tratandose na hipótese em tela de arras penitenciais (os promitentes-vendedores haviam recebido apenas parte do sinal e passaram a exercer direito de arrependimento previsto na avença), a indenização no caso se adstringe efetivamente à restituição da importância recebida, em dobro, na forma do que reza o art. 1.095 do Código Civil. Eis o que a propósito diz o Verbete Sumular n Q
412 da Suprema Corte: "No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem
recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo". Na esteira dessa diretriz, esta Casa assim também tem entendido, bastando que se confiram os seguintes precedentes oriundos de ambas as Turmas que compõem a Segunda Seção do Tribunal: (REsp nQ 8.651-RS, relator Ministro Fontes de Alencar, e REsp nQ 1.267-RJ, relator Ministro Eduardo Ribeiro).
Acresce uma situação peculiar de fato, a embasar ainda a não concessão de qualquer outro importe de caráter reparatório ao réu. Acha-se ele na posse do imóvel há muitos e muitos anos, sem o desembolso das quantias relativas a parte das arras pagas.
4. Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 44.992 - PR
(Registro nQ 94.0006545-0)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Valmor José de Andrade Recorrida: Marajá Agricultura e Pecuária Ltda.
Advogados: Drs. Carlos Mário da Silva Velloso Filho e outros, e Júlio César Nalim Salinet e outro
Sustentação Oral: Dr. Carlos Mário da Silva Velloso Filho, pelo recorrente
EMENTA: Promessa de cessão de direitos relativos a imóvel. Resolução do contrato por inadimplemento do compromissáriocessionário. Perdas e danos. Julgamento antecipado da lide.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 285
- Em circunstâncias especiais, não obstante o saneamento da causa, ao Juiz é permitido proferir o julgamento antecipado, quando a provajá se apresentar suficiente à decisão e a designação de audiência se mostrar de todo desnecessária.
- Inviável o intento do devedor de demonstrar o cumprimento integral da obrigação atinente à primeira parcela através de prova complementar testemunhal.
- Ocorrência, ademais, de preclusão, visto que, intimado o réu acerca da deliberação de prolatar-se a sentença em julgamento antecipado, contra a decisão não se insurgiu ele oportunamente.
- Desvalia de documentação exibida pelo suplicado, de cujo reexame não se deve tratar no âmbito angusto do recurso especial a teor da Súmula 07 deste Tribunal.
- Dispensa da prova pericial em face do entendimento manifestado pela Eg. Corte a quo segundo o qual a prova das perdas e danos se faz no processo de conhecimento, relegando-se para a liquidação a apuração do respectivo quantum.
- Assertiva de que a autora não demonstrou a existência dos danos a depender da análise do quadro probatório. Incidência, no ponto, da Súmula n Q 07-STJ.
- Cabimento dos embargos declaratórios para remover-se contradição existente no julgado. Inexistência de contrariedade ao art. 535, inc. I, do CPC.
Recursos especiais não conhecidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer dos recursos, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo Teíxeira.
Brasília, 17 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro -8ÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro BARROS MONTEIRO, Relator.
Publicado no DJ de 27 -04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: "Marajá - Agricultura e Pecuária Ltda." intentou ação ordinária contra Valmor José Andrade
286 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
e sua mulher Cléa Márcia Haendchen Andrade, visando à resolução do contrato particular de compromisso de cessão de direitos celebrado em 17/09/85, tendo por objeto a "Fazenda Canário I", sita no município de Diamantino-MT, sob a assertiva de inadimplemento dos réus parcialmente quanto à solução da primeira parcela do preço avençado e total em relação às demais. Pleiteou a autora, ainda, a perda pelos réus da importância paga, bem assim a condenação em perdas e danos. Em apenso, ajuizaram medida cautelar preparatória. Os réus, de seu turno, aforaram reconvenção.
O MM. Juiz de Direito, por decisão interlocutória de fls. 797, desconsiderou as perícias até então realizadas e dispensou a produção de provas em audiência, motivo pelo qual em seguida proferiu a sentença de fls. 801/805 nos termos do art. 330, I, do CPC. Em relação à co-ré, julgou extintas a ação e a medida cautelar preparatória, sem conhecimento do mérito por ilegitimidade de parte passiva ad causam. Teve por improcedente a reconvenção e, tocante ao réu-varão, julgou procedentes ambas as ações (principal e cautelar), para o fim de decretar a resolução do contrato, condenando o mesmo ao pagamento das perdas e danos (proveito resultante da posse do imóvel), além da perda em favor da autora das quantias pagas. Concluiu o Magistrado pelo inadimplemento do réu, à vista de que, com respeito à primeira prestação, efetuara ele apenas o paga-
mento parcial de Cz$ 3.000,00 (padrão monetário da época).
Ambos os réus apelaram e a demandante recorreu adesivamente.
O Tribunal de Justiça do Paraná deu provimento parcial à apelação do co-réu Valmor, para assegurarlhe a restituição das parcelas pagas, e negou provimento aos demais recursos. Os fundamentos do V. Acórdão acham-se resumidos na seguinte ementa:
"Cessão de promessa de venda. Versando o pedido apenas a respeito da respectiva rescisão e perdas e danos, razão pela qual não se cuida de qualquer das hipóteses do art. 10, parágrafo único do CPC, quando ambos os cônjuges devem necessariamente ser citados, afigurando-se, por isso, dispensável o chamamento da mulher a juízo para integrar a relação processual.
Nulidade. Julgamento antecipado da lide. Cerceamento de defesa. Inocorrência porque a prova pretendida, cuja produção resultou repelida, afigura-se de valor nenhum para a solução da demanda.
Nulidade. Intimação. Renovação da intimação de advogado efetuada irregularmente. Validade do ato.
Contrato. Rescindibilidade. Possibilidade jurídica. Ainda que irrevogável e irretratável é rescindível o contrato por inexecução culposa.
Contrato. Mora do cessionário. Configurada esta mediante noti-
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ficação da parte, procede o pedido de extinção do contrato.
Contrato instantâneo. Restituição de prestação paga a despeito da extinção do ajuste. Ainda que se refira a cessão de promessa de venda mediante pagamento parcelado, não se trata de contrato de duração, na modalidade de trato sucessivo, mas instantâneo, pelo que sua resolução, ainda que por inexecução culposa, não importará, no silêncio das partes, na perda de prestação paga, eis que a extinção opera-se ex tunc, segundo o que teriam presumido os contratantes.
Ação cautelar. Proibição de dispor de safra de ano agrícola como garantia de futura execu-
. ção de perdas e danos. Caracterização de elementos bastantes não só para a medida liminar como também para a sua concessão a final.
Honorários advocatícios. Condenação pela exclusão de um dos réus da relação processual. Fixação para a qual não devem ser levados em conta os mesmos parâmetros atendidos quando se tratar de questão de mérito. Fixação de tal verba em quantia razoável a atender o trabalho do respectivo profissional de direito.
Provimento parcial da apelação do réu, desprovimento do apelo da ré e improvimento do recurso adesivo." (fls. 897/898).
Foram recebidos, em parte, os primeiros embargos declaratórios
opostos pelos réus para determinarse a restituição, em dinheiro, devidamente corrigido, do equivalente a 1.662 toneladas de calcário dolomítico recebidas pela autora como parte do preço ajustado.
Segundos aclaratórios foram opostos pelo réu Valmor, tendo sido recebidos também de modo parcial para esclarecer-se que à demandante era facultado acionar os cessionários no foro de Londrina, eleito por ambas as partes.
Em seguida, a autora ofereceu embargos de declaração ao último Acórdão então prolatado, os quais foram recebidos para elucidar-se que "ao contrário do que consta do Acórdão nº 8.709, desde que a moeda do contrato não estava representada por sacas de soja, mas por moeda, deve a restituição de importância de Cz$ 3.000.000,00 ser efetuada em dinheiro, devidamente corrigida desde o desembolso" (fls. 998).
Inconformado, o réu manifestou recurso especial com arrimo nas alíneas a e c do permissor constitucional, apontando contrariedade aos arts. 330, I, 331, I e II (com a redação anterior à Lei nº 8.952/94), 402, I, 471 e 535, II, do CPC, 1.059 e 1.092, parágrafo único, do Código Civil, além de divergênciajurisprudencial. Sustentou, por primeiro, que o julgamento antecipado da lide proferido após o saneamento da causa, no qual havia sido deferida a produção de provas, configura irrecusável cerceamento do direito de defesa, além de violar o princípio constitucional do contraditório. Acentuou que o seu prejuízo é manifesto,
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pois a prova do pagamento poderia resultar do depoimento pessoal do representante legal da recorrida, do das testemunhas, das respostas do perito e dos assistentes técnicos, visto que a existência de princípio de prova por escrito permite a complementação por outros meios. Asseverou, em seguida, que a demonstração das perdas e danos, o an debeatur, deve ser concretamente feita, não sendo possível presumilos. Aduziu, no particular, que o MM. Juiz o condenou sem ter sido ministrada a prova da ocorrência dos danos, havendo ele sido, ademais, incongruente ao desprezar a prova pericial, de um lado, mas condená-lo, de outro, a solver as perdas e danos. Alegou, ainda, que a despeito de invocar a falha havida no julgado, não logrou que sobre a mesma se pronunciasse o Tribunal a quo.
Publicado o Acórdão dos declaratórios opostos pela autora, o réu apresentou o segundo recurso especial, desta feita com esteio na letra a do autorizativo constitucional, alegando afronta ao art. 535, I, do CPC. Disse, preliminarmente, que o apelo extremo é subsidiário do primeiro. Sustentou ter sido erroneamente atribuído efeito infringente aos referidos embargos aclaratórios. Para tanto, ressaltou inexistir contradição entre o Acórdão dos primeiros embargos de declaração, que determinara a devolução do equivalente ao calcário em dinheiro e o conteúdo dos segundos declaratórios, alusivo à devolução em espécie da prestação que fora estimada em função do valor da saca de soja.
Contra-arrazoados os REsp's, o Exmo. Sr. Desembargador Presidente do Tribunal de origem admitiu o primeiro e indeferiu o segundo. Em virtude de decisão prolatada no Ag n Q 36.351-0IPR, ordenouse o processamento do segundo apelo excepcional para melhor exame da controvérsia.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Assim se pronunciou o decisório recorrido acerca do alegado cerceamento de defesa:
"N o que concerne ao cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado da lide, verifica-se que era desnecessária a produção da prova testemunhal pretendida pelo apelante para ilidir a invocação de inadimplemento contratual, assim também dispensável a produção de prova pericial para demonstrar a existência ou não das perdas e danos pretendidas pela autora. No primeiro caso, basta a prova documental, independentemente de qualquer complementação por testemunhas, e no segundo, sem perder de vista o atraso no pagamento, a circunstância da posse do imóvel objeto do contrato, sem a correspondente retribuição. Por outras palavras, em relação às perdas e danos, é suficiente a prova da sua existência no processo de conhecimento, deixando-se para
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a liquidação a apuração do respectivo quantum." (fls. 902).
E, mais adiante, ao tratar da temática referente ao inadimplemento do devedor, proclamou:
"2.3. Conforme resultou decidido na sentença, a inadimplência do promitente-comprador resultou devidamente configurada, eis que o pagamento, como é sabido, prova-se mediante quitação regular (cf. C. Civil, arts. 939 e segs.), e o promitente comprador só comprovou que quitou regularmente a importância de Cz$ 3.000.000.00, conforme se verifica dos recibos de fls. 236-237, o que corresponde a apenas parte de uma prestação. Isso porque, tendo as partes estabelecido o valor da saca de soja na data dos pagamentos como indexador e entregue apenas 23.923,40 sacas a Cz$ 125,40, resultou que de uma das prestações devidas pagou apenas Cz$ 3.000.000,00, restando pagar 17.744,60 sacas da mesma parcela, além de mais 41.666,00 sacas da prestação vencida em 10.04.87.
As ordens de pagamento de fls. 238 e o documento de fls. 244, onde são relacionadas parcelas relativas ajuros, aquelas extraídas em nome de Wadji Ibrahim el Haouli, mas sem especificar a que se refere, e este sem qualquer assinatura, todos impugnados pela autora (cf. fls. 284), não provam o invocado pagamento da quantia de Cz$ 5.600.000,00" (fls. 903).
Assim assentando, o V. Acórdão roborou o entendimento do MM. Juiz singular no sentido de que era prescindível a dilação probatória pretendida pelo réu neste caso, por encontrar-se a controvérsia suficientemente instruída com a prova literal carreada pelos litigantes, seja no que tange à inadimplência contratual do devedor, seja no que toca à extensão (quantificação) dos prejuízos daí advindos em detrimento da autora.
Em primeiro lugar, é de destacarse que, proferida pelo Magistrado de 1 Q grau a decisão de fls. 797, pela qual deliberara proceder ao julgamento antecipado da lide a despeito de saneado o processo e dejá oferecidos os laudos periciais, dela os advogados do réu foram intimados consoante se depreende não só da certidão lavrada a fls. 798 v., como também da publicação constante de fls. 868. A intimação operara-se antes da prolação da sentença e contra o decisório não se insurgiu o suplicado em tempo hábil, daí decorrendo o fenômeno da preclusão.
Não se encontrava impedido, de outro lado, o MM. Juiz de Direito de atalhar a instrução probatória até aquele momento instalada, para então proferir a sentença em julgamento antecipado, reputando inócua, pelos motivos já indicados, a prova alvitrada. Em circunstâncias especiais, não obstante o saneamento da causa, ao Juiz é permitido proferir o julgamento antecipado da lide, quando a prova já se apresentar suficiente à decisão e a designação de audiência se mostrar de
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todo desnecessária. É o que decidiu esta Quarta Turma, em precedente de que fui relator (REsp n Q 61.462-7/PE). Tal diretriz tem prevalecido, por sinal, em inúmeros julgados deste órgão fracionário, conforme se pode verificar dos REsp's n!& 2.023-SC, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira; 2.903-MA, relator Ministro Athos Carneiro; 5.614-SP, relator Ministro Fontes de Alencar e 21.106-6/ES, por mim relatado.
Nesse passo, não logra aperfeiçoar-se o dissídio interpretativo proposto pelo recorrente, não apenas porque deixou ele de cumprir a regra enunciada no art. 255, § 2Q
, do RISTJ, mas também porque em direção oposta sinalizou a jurisprudência da Eg. Turma.
O decisum combatido não transgrediu, outrossim, as normas de lei federal in digitadas no primeiro apelo especial. Considerou o Colegiado a quo ser inadmissível a prova de pagamento integral da primeira parcela através de depoimentos testemunhais, em complemento à documentação a respeito acostada aos autos pelo réu. Fê-lo com base nos arts. 939 e seguintes do Código Civil, especificamente no art. 940 que reza: "A quitação· designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante". J.M. de Carvalho Santos, em escólios doutrinários a respeito do citado preceito legal, sustenta que o pagamento, cujo valor exceder a taxa legal,
não pode, como qualquer ato jurídico, ser provado senão por escrito (Código Civil Brasileiro Interpretado, voI. XII, págs. 116/119, ed. 1988). Inviável, pois, o intento do ora recorrente de demonstrar o cumprimento integral da obrigação atinente à primeira parcela através de prova complementar testemunhal.
Acresce que o julgado recorrido conferiu desvalia à documentação exibida pelo devedor para demonstrar o pagamento mediante a análise de seus termos e, por via de conseqüência, do exame de aspecto fático da lide, o que obsta a reapreciação deste tópico na via angusta do recurso especial (Súmula n Q 07-STJ).
"Em matéria de julgamento antecipado da lide, predomina a prudente discrição do magistrado, no exame da necessidade ou não da realização de prova em audiência, ante as circunstâncias de cada caso concreto e a necessidade de não ofender o princípio basilar do pleno contraditório." (REsp n Q 3.047-ES, relator Ministro Athos Carneiro).
Ainda é desta Turma a orientação segundo a qual:
"Em regra, saber se os fatos relevantes à solução do conflito já se encontram, ou não, suficientemente comprovados de molde a dispensar a produção de prova em audiência e a permitir o julgamento antecipado da lide, é tema exigente do reexame e da
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 291
análise do conjunto probatório, não admissível na sede angusta de recurso especial. Ocorrência, aliás, de preclusão." (REsp n Q
8.965-SP, relator também o Sr. Ministro Athos Carneiro).
Quanto à extensão das perdas e danos ocasionados pelo réu, por igual não era defeso à Eg. Câmara afastar, por enquanto, a prova pericial, prevalecente o entendimento de que em relação aos prejuízos, é suficiente a prova da sua existência no processo de conhecimento, deixando-se para a liquidação a apuração do respectivo quantum. A asserção de desnecessidade da prova não inibia àquele órgão fracionário de reconhecer como provada desde logo a existência das perdas e danos. Tal resultou, consoante remarcado no V. Acórdão, não somente em face do atraso havido no pagamento, mas ainda da circunstância de haver o réu usufruído da posse do imóvel sem a correspondente retribuição. Não se constata aí a ocorrência de proposições inconciliáveis entre si.
2. No tópico seguinte de sua primeira irresignação recursal, o demandado alega de modo reiterado que não se evidenciou na espécie a prova dos danos (an debeatur), tendo o decisório meramente presumido a sua existência.
Também neste ponto desassiste razão ao recursante, desde que em última análise o que está a pretender aí é o simples reexame de matéria probatória, vedado pela já referida Súmula n Q 07 desta Casa.
Saber se em face do comportamento do réu no que concerne ao cumprimento de suas obrigações contratuais adveio ou não prejuízo ao credor é aspecto que se insere no plano dos fatos, sendo certo que o aresto hostilizado justificou quantum satis a sua ocorrência no caso em julgamento.
Insuscetível de perfectibilizar-se aí, outrossim, o dissentimento pretoriano, pois, além de haver o recorrente reproduzido os acórdãos paradigmas apenas por suas respectivas ementas (art. 255, § 2Q
, do RI acima referenciado), há a observarse que em sentido contrário àquelas decisões não se postou o Acórdão recorrido.
Conseqüentemente, explícito o julgado acerca da existência das perdas e danos, não há falar-se em omissão do Eg. Tribunal neste item da inconformidade recursal.
3. O segundo REsp de sua vez, também não colhe.
É que se fazia necessária a apresentação dos declaratórios pela autora para o fim de remover a contradição que exsurgira com a prolação do Acórdão havido nos segundos Embargos de Declaração opostos pelo réu. Primeiramente, o Acórdão da Apelação deixara estampada a circunstância de que o valor da saca de soja representava um simples indexador utilizado pelos contratantes (fls. 903). Todavia, depois de ordenada a restituição do calcário dolomítico pelo equivalente em dinheiro, o Acórdão de fls. 980/984 (segundos aclaratórios aforados pelo
292 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
réu) asseverou, in verbis: "Assim, se a moeda do contrato eram sacas de soja, evidentemente a restituição far-se-á em tais termos, afigurando-se desnecessários quaisquer outros esclarecimentos a respeito" (fls. 983).
Nenhuma, portanto, a ofensa alegada ao art. 535, inc. I, da lei processual civil.
4. Do quanto foi exposto, não conheço dos recursos.
É o meu voto.
ESCLARECIMENTOS
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, gostaria de um esclarecimento do eminente Ministro-Relator.
O devedor, o réu, alegou que efetuou o pagamento integral da dívida? A tese da defesa era a de que ele se propunha a fazer prova disso mediante apenas a prova testemunhal?
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): Sim, Excelência. A prova de integralização da primeira parcela seria feita através
de depoimentos testemunhais, de forma a complementar uma documentação à qual o acórdão recorrido não conferira valor algum. Não havia começo de prova por escrito admitido pela Câmara.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, acompanho o eminente Relator por todas as razões expendidas, inclusive quanto à prova do pagamento, diante dos esclarecimentos prestados por S. Exa.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Também acompanho o Ministro-Relator, em face da argumentação expendida não só por S. Exa. como também nos votos que se seguiram ao seu, quer no tocante ao cerceamento de defesa, quer no tocante ao julgamento antecipado, quer no que diz respeito à explicitação relativa às perdas e danos. Enfim, em relação a todos os itens focalizados por S. Exa.
RECURSO ESPECIAL NQ 62.163 - RJ
(Registro nQ 95.0011894-7)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: lzabel Alice de Oliveira
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 293
Recorrido: Luiz Lemgruber Kropf Neto
Advogados: Drs. Marcelo Meira de Vasconcellos e outros, e Celso Moraes dos Santos
EMENTA: Civil. Responsabilidade civil. Veículo dirigido por terceiro. Culpa deste em atropelamento. Obrigação do proprietário de indenizar.
Contra o proprietário de veículo dirigido por terceiro considerado culpado pelo acidente conspira a presunção iuris tantum de culpa in eligendo e in vigilando, em razão do que sobre ele recai a responsabilidade pelo ressarcimento do dano que a outrem possa ter sido causado.
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira. Ausentes,justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Barros Monteiro.
Brasília, 11 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 09-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFORROCHA: Aora recorrente, Iza-
bel Alice de Oliveira, propôs ação de indenização contra o proprietário do automóvel que, conduzido por terceiro, atravessando sinal luminoso fechado para veículos, atropelou e matou seu marido.
Conquanto tenha o r. juízo monocrático reconhecido a culpa in eligendo do réu, julgando procedente o pedido, a egrégia Oitava Cãmara do Tribunal de Alçada Cível do Estado do Rio de Janeiro acolheu a apelação, sob as seguintes considerações:
"É que não se pode admitir a responsabilidade por fato de outrem sem culpa. Como diz José de Aguiar Dias, no sistema de responsabilidade civil fundada na culpa, o dano só pode acarretar obrigação de reparos para aquele que o pratica (in "Da responsabilidade Civil", voI. U, n Q 187). Se o fato é praticado por terceiro, ou incide a responsabilidade por força de expressa disposição legal, como ocorre nas hipóteses
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arroladas no art. 1.521 do CC, ou há que se comprovar que também obrou culposamente aquela a quem se atribui a obrigação de reparar o dano. Aqui tanto pode ocorrer a culpa in vigilando como a culpa in eligendo. No presente caso, em que se afirma responsabilidade do proprietário do veículo que o empresta a terceiro, não há que se inferir a responsabilidade somente do fato de que o terceiro obrou com inquestionável culpa. Isto afirma induvidosamente a responsabilidade deste, mas não a do dono do carro. Para que esse também se visse condenado era mister que se provasse a sua culpa, numa das modalidades referidas. Ora, não há culpa in eligendo se o automóvel foi emprestado a pessoa que se encontrava não só regularmente habilitada, como apta para dirigir. Enfim, para que se pudesse reconhecer a responsabilidade do réu impunha-se demonstrar que ele escolheu mal a pessoa a quem confiou o veículo de sua propriedade. Isto não ocorrendo, a. procedência da ação afigura-se desacertada." (fls. 170/ 171).
Daí o recurso especial, fundamentado nas alíneas a e c, por contrariedade ao artigo 159 do Código Civil, uma vez excluída a responsabilidade pela culpa in eligendo do proprietário do veículo que permite a sua utilização por terceiro, bem como por dissídio interpretativo da referida norma e do artigo 1.521 do CC com julgados insertos nas "RTs"
617, 418, 469, 574, onde responsabilizado o proprietário que, voluntariamente, empresta o veículo, vale dizer, que não demonstra ter o veículo circulado contra sua vontade.
O recurso foi inadmitido na origem, ante a afirmada intempestividade, tendo ingressado, por atribuição, no meu gabinete no dia 1 Q de fevereiro de 1996, por ter substituído o eminente Ministro Antônio Torreão Braz, que acolheu o agravo de instrumento determinando a subida do especial.
Foram apresentadas contra-razões, onde se sustenta a ausência de prequestionamento e das razões do pedido de reforma, a necessidade do reexame da prova, e a inexistência de culpa do recorrido por emprestar o veículo e também porque a VÍ
tima estava embriagada, não trabalhava, não sustentava a autora da ação nem mesmo com ela vivia mais.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): 1. Afirmo, preliminarmente, a tempestividade do recurso especial.
Consoante comprova a cópia do Diário Oficial que descansa às fls. 09 dos autos do agravo de instrumento, nos dias 11 (quando foi publicado o acórdão recorrido - certidão de fl. 172) e 12 de junho de 1992 foi determinado pelo Governador do Estado ponto facultativo em virtude da realização da Conferên-
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cia Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento - RIO/ECO-92.
Nesse caso, nos termos do parágrafo único do artigo 240, CPC, a intimação, ocorrida em dia sem expediente forense, considera-se realizada no primeiro dia útil seguinte (dia 15.06.92 - segunda-feira). Tendo o prazo recursal com início no dia 16, o mesmo expirou no dia 30, data da interposição do recurso (fi. 173).
2. Analiso agora a alegada ofensa ao art. 159 do Código Civil, bem como os sugeridos dissídios.
O tema está prequestionado e imprescinde do reexame da prova visto se tratar da definição jurídica da culpa.
Afirma o v. acórdão que o só fato de o recorrido ter emprestado o seu veículo ao motorista causador do acidente não seria bastante para que lhe fosse imputada a responsabilidade para responder civilmente pelos danos cogitados, já que este último era pessoa regularmente habilitada e apta a dirigir. Para o reconhecimento da culpa do proprietário "impunha-se demonstrar que ele escolheu mal a pessoa a quem confiou o veículo de sua propriedade" (fi. 171).
Com efeito, a discussão fica limitada em se saber se o recorrido deve ou não ser responsabilizado pelo dano de que se cuida, pelo só fato de ser ele proprietário do veículo causador do funesto evento, na situação bem configurada na espécie de que não foi contra a sua vontade que o seu veículo foi posto em circulação, e que o motorista que o di-
rigia indiscutivelmente foi o culpado pelo acidente.
3. Antes de analisar a causa em exame, nos seus limites em que acima postos, tenho por de bom alvitre tecer breves considerações sobre o tema em que ela se encerra.
A responsabilidade civil, como sabido, é dever de indenizar o dano causado a outrem.
Essa responsabilidade, quanto ao fato determinante de indenizar, pode ser contratual, quando decorre de inexecução obrigacional, ou extracontratual ou aquiliana, quando deriva de um inadimplemento normativo, como o que se cogita na espécie.
Em nosso direito, a grande base em que se funda a responsabilidade extracontratual é a culpa, embora se admita responsabilidade sem a sua presença, que se vem impondo aos povos modernos, ante a insuficiência da culpa à cobertura de todos os riscos, como observa Álvaro Villaça, em extraordinária síntese sobre "responsabilidade civil", inserta na "Enciclopédia Saraiva do Direito", voI. 65 e seguintes.
Citando Alvino Lima, o aplaudido mencionado Professor observa que "a teoria da culpa vem consagrada, como princípio fundamental, em todas as legislações vigentes, mas a tal teoria estava reservada o mais intenso dos ataques doutrinários que talvez se tenha registrado na evolução de um instituto jurídico. As necessidades prementes da vida, o surgir dos casos concretos, cuja solução não era prevista em lei,
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ou não era satisfatoriamente amparada, levaram a jurisprudência a ampliar o conceito da culpa e acolher, embora excepcionalmente, as conclusões das novas tendências doutrinárias" .
Consignando que "tanto o instituto jurídico da culpa como o risco devem coexistir, para que se fortaleça a idéia de que a responsabilidade civil extracontratual, com ou sem culpa, deve ser a cidadela de ataque a todos os prejuízos que se causem na sociedade", colaciona a lição de Josserand segundo a qual "a responsabilidade moderna comporta o pólo objetivo, onde reina o risco criado, e o pólo subjetivo, onde triunfa a culpa, e é em torno desses dois pólos que gira a vasta teoria da responsabilidade" .
4. A obrigação pelo ressarcimento do dano causado pode decorrer de ato próprio, de terceiros, de animais ou de coisas.
Essa obrigação deve ser imputada, em regra, ao próprio agente que o causou.
N o entanto, no pólo oposto, em face da responsabilidade objetiva de que cuida a Constituição Federal vigente, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes causarem, nessa qualidade, a terceiros.
Em permeio a tais extremadas situações, há hipóteses em que o dano é causado por incapaz, empregado, serviçal ou preposto, e aí a obrigação da reparação deve ser atribuí-
da, em princípio, respectivamente, ao representante legal, patrão, amo ou comitente, pois a responsabilidade destes pelos atos daqueles é presumida. Assim também o é a responsabilidade dos donos ou detentores de animais pelos prejuízos causados por esses a terceiros, bem como o dono do edifício ou construção pelos danos resultantes da ruína.
Esses presumem-se culpados (culpa in eligendo, in instruendo ou in vigilando), embora essas presunções sejam iuris tantum, sendo deles, e não da vítima, o ônus de provar fato que afaste as suas responsabilidades para o ressarcimento.
5. Feitas essas brevíssimas digressões, retorno ao caso em exame.
Recolhe-se dos pronunciamentos das instâncias ordinárias que o recorrido entregou deliberadamente o seu veículo ao motorista causador do atropelamento.
Ora, como já assinalou o saudoso Ministro Aliomar Baleeiro no voto proferido no RE 70.147, "quem entrega um veículo - inevitável criador de riscos a terceiro, economicamente inidôneo ou moralmente insensível, incorre em culpa in eligendo e in vigilando".
Com efeito, contra o proprietário de veículo dirigido por terceiro conspira a presunção, iuris tantum de culpa in eligendo e in vigilando, em razão do que sobre ele recai a responsabilidade pelo ressarcimento do dano que a outrem possa ter sido causado.
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Por outro lado, dúvida nenhuma restou acerca da culpa do condutor desse veículo quanto ao sinistro cogitado, tanto que por isso foi condenado criminalmente. Sendo assim, não há como se entender não demonstrada a má escolha do recorrido.
A simples circunstância do motorista ser habilitado não elide a culpa in eligendo muito menos a culpa in vigilando.
Os fatos alegados pelo recorrido de que a vítima estaria embriaga-
da, não trabalhava, não sustentava a recorrente nem mesmo com ela vivia mais, não afetam a legitimidade do recorrido para responder a ação e podem influenciar apenas o seu resultado.
Diante de tais pressupostos, conheço do recurso e lhe dou provimento para o fim de determinar ao egrégio Tribunal a quo, superada a questão da legitimidade, prossiga no exame dos apelos que lhe foram dirigidos.
RECURSO ESPECIAL NQ 134.151- SP
(Registro n Q 97.0037656-7)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: Gilberto Passos Gil Moreira
Recorrida: Editora Musical BMG Arabella Ltda.
Advogados: Carlos Mario da Silva Velloso Filho e outros, e Airton Coelho e outros
Sustentação Oral: Eni Moreira (pelo recorrente)
EMENTA: Direito autoral. Contrato de cessão. Resolução.
Extinção do contrato que dura há mais de 30 anos, celebrado com base em situação de fato significativamente alterada, tornando insuportável a sua continuidade para o autor, agravada pelo reiterado atraso no pagamento da remuneração.
Art. 1.092, par. único do CCivil.
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do re-
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curso e dar-lhe provimento nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, vencido o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 16 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 30-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Adoto O relatório de fls. 234/235, integrante da r. sentença, verbis:
"Gilberto Passos Gil Moreira propõe a presente ação contra Editora Musical BMG Arabella Ltda., visando a extinção de contratos de cessão de direitos autorais firmados com a requerida nos idos dos anos 60, quando o primeiro cedeu à ré os direitos patrimoniais sobre quatro músicas por ele compostas, sozinho ou em parceria com terceiros, mediante contraprestação da requerida consistente em pagar trimestralmente ao autor parte do produto da exploração comercial das músicas. Alega que a requerida há anos vem descumprindo sua obrigação de prestar contas e pagar trimestralmente os direitos autorais do suplicante, fazendo-
o apenas com muito atraso e sem qualquer atualização monetária, o que, diante da enorme inflação que assola o país, vem causando prejuízos insuportáveis ao requerente. Enquanto isso, as quantias que lhe são devidas em razão de direitos autorais permanecem por longo tempo à disposição da ré. A inflação exorbitante que altera as condições econômicas do contrato vem atuando em detrimento do suplicante que, invocando doutrina pátria justificadora da rescisão dessa espécie de contratos, inadimplemento contratual por parte da ré e teoria da imprevisão, requer sejam extintos os vínculos contratuais existentes entre as partes ou, então, caso o primeiro pedido não seja acolhido, a revisão dos ajustes a fim de restabelecer-se o equilíbrio contratual. Sugere para tanto seja a suplicada compelida a pagar seus direitos autorais até o dia 15 de cada mês.
A petição inicial veio acompanhada de procuração (fls. 11) e dos documentos de fls. 12/16.
Citada (fls. 45), a requerida ofereceu contestação (fls. 50/57), onde preliminarmente argüiu ilegitimidade do autor para figurar isoladamente no pólo ativo da ação,já que postula em nome próprio direito alheio, pois algumas das músicas cujos direitos foram cedidos à ré não foram compostas somente pelo autor, mas em parceria com outros compositores. Também argüiu inépcia da inicial por conter pedidos alter-
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nativos não cabíveis ao caso em tela. No mérito, diz serem inverídicos os fatos afirmados pelo autor e sem aplicação à espécie o Direito invocado. Alega que os contratos firmados são atos jurídicos perfeitos e acabados, de natureza aleatória, onde existe incerteza para ambos os contratantes, não havendo direito a arrependimento e sendo inaplicável a teoria da imprevisão. Nega inadimplemento contratual. Alega que a inflação não pode ser invocada para fundamentar o que pede o autor, pois sua remuneração é encontrada em percentuais que adotam como base de cálculo o preço de venda dos discos que sofrem majorações contínuas. Juntou procuração e os documentos de fls. 59/201.
Réplica fls. 203/214."
Julgada improcedente a ação, o autor apelou e a ego 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao recurso, em acórdão assim fundamentado: "Cuidando-se de edição gráfica e fonomecânica, direitos cedidos pelo recorrente à recorrida, certo é que a espécie atina com direito patrimonial e não moral (art. 29, da Lei n Q 5.988/73). Protegendo a lei tanto os interesses morais como os interesses patrimoniais, são esses: a reprodução, a tradução, a execução e a representação pública, a radiodifusão ou a reprodução por meios mecânicos. Já os morais consubstanciam o direito de reivindicar a paternidade da obra e o de opor-se a qualquer mu-
tilação ou deformação, lesivas de sua honra e reputação (Washington de Barros Monteiro, 'Direito das Coisas', ed. Saraiva, 1973, pág. 236). Por outro lado, melhor se examina um contrato através da verificação de como vem ele sendo cumprido. No caso, nada obstante a irresignação manifestada através da presente, força é reconhecer que os direitos do recorrente sempre foram por ele recebidos sem qualquer protesto, inclusive no que tange às contas prestadas pela editora. Portanto, como bem acentuado na r. sentença, descartada está a hipótese de inadimplemento absoluto dos contratos que pudesse ensejar as rupturas almejadas. Releva notar que tocante aos contratos incide o princípio pacta sunt servanda, o qual constitui fundamento do princípio maior inserto na liberdade de contratar. Segundo Antunes Varela, ' ... a expressão liberdade contratual não contém apenas um termo 'liberdade' e o segundo termo do binômio (contratual) aponta para a força vinculativa do acordo. O nubente não pode, no dia imediato à celebração do casamento, rescindir o ato, alegando que mudou de vontade, tal como não pode fazê-lo, com igual fundamento, o doador que se arrepende da liberalidade no dia seguinte ao da doação. Pacta sunt servanda, diz-se freqüentemente no direito público, a propósito das convenções entre estados, através duma fórmula que tem aplicação aos pactos entre particulares. Aproposta contratual, livremente aceita pela outra, cria junto de ambos os contraentes e de terceiros expecta-
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tivas justificadas de conduta, que requerem e merecem a tutela do Direito, à idéia da auto-regulamentação dos interesses dos particulares, condensada no princípio da autonomia da vontade sucede a necessidade de proteção da confiança de cada uma das partes na observãncia do pacto firmado entre elas à liberdade de criação individual 'do contrato sucede a necessidade social de observância do contrato, de subordinação à lex contractus. A revogalidade unilateral do contrato só excepcionalmente é admitida. E a liberdade contratual também só excepcionalmente é sacrificada' (Direito das obrigações, Forense, 1 ª ed., 1977, págs. 126/127). Portanto como o contrato vem sendo cumpri~ do, afastada fica qualquer cogitação sobre o seu inadimplemento absoluto. Cumpre ressaltar, ainda, que a inflação constitui fenômeno neutro e abrangente, valendo dizer que a todos alcança indistintamente sendo os seus efeitos no país atenua~ dos pela aplicação da cláusula da correção monetária, de molde a possibilitar o reparo de eventual lesão no contrato. Vale dizer, pois, que eventual prejuízo decorrente do pagamento desatualizado dos direitos poderá ser alcançado através do mecanismo jurídico da cláusula de correção monetária, sem que isso venha a determinar a ruptura dos contratos. Pela mesma razão, fica afastada a possibilidade da intervenção dos contratos livremente ajustados pelas partes, para o fim de se alterar o prazo para satisfação dos dir~itos do recorrente. Em conseqüênCIa, como a r. sentença deu adequa-
da solução ao litígio, fica ela mantida também por seus jurídicos fundamentos." (fls. 281/283).
O autor ingressou com recurso especial pela alínea a, alegando afronta aos artigos 1.092, parágrafo único, do CC e 25 e 131 da Lei 5.988/73, "princípios especiais que informam os direitos autorais" ao cercear o direito do recorrente "de pôr fim aos contratos". Sustenta: a) - possibilidade de extinção dos contratos de cessão de direito autoral consoante regra do inciso VI, do art: 25 da Lei 5.988/73, o qual garante ao criador intelectual o direito moral de suspender qualquer forma de utilização já autorizada de sua obra· b) - o direito de arrependiment~ está no elenco de direitos morais; c) - deixou o acórdão de aplicar ao caso o princípio especial da retratabilidade inerente ao contrato so?re a exploração de obra de criação mtelectual, apegando-se ao princípio do pacta sunt servanda; d)a transferência do direito de explorar as músicas não foi definitiva mesmo sendo contrato por praz~ indeterminado, e por tal razão, o autor intelectual tem o poder de torná-la sem efeito, por simples manifestação de vontade; e) - se não aplicada a regra do art. 25 da Lei 5.988, cujo inciso VI permite a suspensão da autorização de utilização da obra, incide o disposto no art. 1.092, par. único, do Código Civil, que garante ao contraente o direito de resolver o contrato pela reiterada inadimplência da editora ré.
Nas contra-razões, a recorrida alega a falta de prequestionamen-
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to, nega ao autor o direito de arrependimento assim como sustentado nas razões do recorrente, pois a cessão somente poderia ser definitiva, e afirma que não o socorre "a aduzida ruína sofrida pelo recorrente, em virtude de que as prestações que recebe trimestralmente não são corrigidas monetariamente, vez que os percentuais de pagamento que recebe por força da cessão operada com a recorrida são calculados sobre o preço de venda dos discos e fitas que contenham suas obras e como se sabe estes preços de discos e fitas são corrigidos monetariamente." Finaliza dizendo que "forçoso concluir que no contrato sub judice - tendo em vista a sua natureza aleatória e, a possibilidade das partes compactuarem livremente os seus interesses - não se pode presumir o direito de arrependimento de que o Recorrente se arroga ter."
Inadmitido na origem, manifestou-se o Agravo de Instrumento n Q
127.814/SP (autos apensos), que provi para melhor exame, determinando fossem requisitados os autos do recurso especial.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Dois foram os fundamentos do pedido do autor, ambos examinados nas instâncias ordinárias e agora renovados nesta instância: o direito de arrependimento, com suspensão da utilização já autorizada, e o direito
de resolver o contrato exceSSIvamente oneroso ao autor por causa da inflação e pelo modo pelo qual vem sendo cumprido pela editora.
2. Inicio o exame do recurso à luz do direito de resolução.
Ao tempo em que os contratos de cessão de direitos autorais foram celebrados, na década de 1960, inexistia o fenômeno da inflação que depois se fez presente na economia nacional, daí porque nenhuma cláusula se refere à correção monetária.
A desvalorização da moeda, por efeito da inflação, ainda que pudesse ser considerada previsível, pode destruir a ~conomia do contrato, tais sejam 05 seus percentuais, e aí inegável constituir-se em causa suficiente para o reconhecimento da onerosidade excessiva. Alterado substancialmente o conteúdo da prestação, fica rompida a base objetiva sobre a qual as partes celebraram o contrato.
No caso dos autos, a forma de remuneração pela utilização da obra artística do autor, incidente sobre um percentual do preço, deveria ser feita "com periodicidade trimestral". Essa modalidade de pagamento sem atualização, no tempo de inflação alta, como ocorreu durante as últimas duas décadas da execução do contrato, constituiu-se em significativa perda para o autor, agravada com o atraso no pagamento das parcelas. Esses dois fatos ficaram reconhecidos nas instâncias ordinárias: houve a inflação, que aliás é fato notório, e "os documentos juntados pela própria requerida demonstram que os pagamentos vêm
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sendo feitos com atraso" (sentença, fl. 240). Admitidos esses pressupostos de fato, em um contrato que dura mais de trinta anos, com prejuízos somados a cada trimestre, a conclusão a que chego leva necessariamente ao reconhecimento do direito de o contratante - sobre o qual tem recaído o efeito da inflação - extinguir o contrato que lh~ tem sido excessivamente oneroso. E uma hipótese de extinção do contrato em que o devedor, que já não suporta a execução do contrato pela superveniência de novos fatos, antecipa-se à ação do credor e toma a iniciativa judicial de pôr fim à avença, analogamente ao que ocorre com a resolução, contemplada no nosso Código no art. 1.092, parágrafo único, aplicável subsidiariamente à espécie.
A incidência dessa regra legal, já agora no seu sentido próprio, também decorre da existência de inadimplemento reiterado da ré, que atrasava no pagamento das prestações, o que fazia com moeda desvalorizada, isto é, de modo insuficiente. Assim, além da onerosidade excessiva, ainda havia o incumprimento da ré quanto ao tempo e modo da sua prestação.
A alegação de que os preços evoluíam com a inflação e determinavam a conseqüente elevação das prestações pagas não é relevante para o nosso julgamento, pois a onerosidade decorre da forma contratada para o pagamento (trimestral), que se tornou extremamente desvantajosa com a inflação alta, agravada com o atraso reiterado. Assim,
embora o preço de venda acompanhasse a desvalorização da moeda, o prejuízo certo do autor decorria do modo pelo qual se dava o repasse da parcela que lhe cabia.
A reparação do eventual prejuízo através de ação de indenização ou de cobrança das diferenças pode ser solução adequada para outras situações, mas não para o caso do contrato de edição com prazo indeterminado, que perdura por mais de 30 anos e que continuaria consagrando indefinidamente para o futuro a mesma desvantagem contra uma das partes.
Assim, ao deixar de aplicar ao caso a regra do art. 1.092, par. único, do CCivil, o r. acórdão recorrido permitiu o conhecimento e o provimento do presente recurso, a fim de que sejajulgada procedente a ação, com inversão dos ônus da sucumbência.
3. Acolhido um dos fundamentos, fica prejudicado o exame da restante argumentação do recorrente.
4. Isto posto, conheço e dou provimento.
É o voto.
VOTO - VENCIDO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, pelo que percebo do relatório do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, a decisão hostilizada é categórica na afirmação de que não houve descumprimento contratual por parte da ora recorrida, quando diz: (lê)
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"No caso, nada obstante a irresig-nação ........................................... . ... .... ..... .... ...... sobre o seu inadim-plemento absoluto."
De sorte que, data venia, as bases factuais que são aqui postas -parece-me - estão a dizer que a recorrente teria cumprido o contrato. Portanto, fugiria daquela hipótese prevista no § 1 º do art. 1.092 do Código de Processo Civil. Qualquer conclusão que se possa ter em contrário, data venia importaria no revolvimento probatório, tarefa a que não se afeiçoa o recurso especial.
Como a questão agora está limitada ao exame desse ponto, ouso discordar de V. Exas., para, nesse aspecto, não conhecer do recurso.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, também estou de acordo com o voto do eminente Relator, evidenciado que deixou o Tribunal de origem de aplicar o disposto no art. 1.092, parágrafo único, do Código Civil.
RECURSO ESPECIAL Nº 138.868 - MG
(Registro nº 97.0046205-6)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais
Recorrida: Egom Ltda.
Advogados: Mauricio Bhering Andrade e outros
EMENTA: Falência. Legitimidade. Fazenda pública.
- A Fazenda Pública não tem legitimidade para requerer a falência.
Recurso conhecido mas improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo-
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Bueno de Souza, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.
304 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
Brasília, 17 de fevereiro de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 30-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: A Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais requereu a falência da firma Egom Ltda. ao argumento de que a requerida, regularmente acionada, deixara de pagar o débito das Execuções Fiscais nM 38.580/2ª Vara Cível, 40.298/1 ª Vara Cível e 39.432/1ª Vara Cível.
A sentença indeferiu a petição inicial por entender que a Fazenda Pública, credora privilegiada, não tem legitimidade nem interesse processual para requerer falência de seus devedores e julgou extinto o processo, sem julgamento de mérito (art. 267, inciso VI, c/c art. 295, inciso IH, ambos do CPC).
A requerente apelou demonstrando sua legitimidade e interesse para requerer a falência, pois inexiste norma legal que lhe vede a pretensão.
A ego 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou provimento ao recurso, em acórdão assim fundamentado:
"Conheço da remessa oficial e do recurso voluntário, por estarem presentes os pressupostos de
sua admissibilidade, assinalando que o em. Juiz indeferiu a inicial, ao fundamento de que o art. 9º do Decreto-lei nº 7.661/45 não ampara a pretensão do Fisco, por não estar incluído entre as pessoas que podem pedir a falência do devedor, oferecendo as razões de seu convencimento, que são ponderáveis, com apoio nas lições de Requião e Sacha Calmon (f. 24/26).
A matéria é tormentosa, pois existem opiniões em contrário, também respeitáveis, como assinalado pela douta Procuradoria de Justiça.
Entretanto, em julgamento ocorrido no dia 12 de dezembro de 1995, o ego Superior Tribunal de Justiça, com o voto divergente do em. Min. Cláudio Santos, acolheu a tese de que ao Fisco é lícito requerer a falência do devedor de dívida ativa, quando decidiu o REsp nº 10.660-0, de Minas Gerais, com a seguinte ementa:
'Falência. Fazenda Pública. Interesse.
Não há empecilho legal a que a Fazenda Pública requeira a falência de seu devedor. A Lei de Quebras somente exclui o credor com garantia real, nos termos do art. 9º, IH, b. Direito Real de garantia e privilégio creditório não se confundem. Recurso conhecido e provido.'
Entretanto, entendeu o em. Min. Cláudio Santos, que o art.
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38 da Lei n Q 6.830/80 veda a iniciativa do Fisco para requerer a falência de seu devedor e penso da mesma forma, pois o citado artigo está assim redigido:
'A discussão judicial da dívida ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma da lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição de indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.'
Dessa forma, ao contrário do que afirmou a recorrente, a discussão relativa a dívida fiscal só é admissível em execução, salvo as hipóteses que menciona, que não é a dos autos.
Diante do expresso texto legal, penso que se mostra ilegítima a pretensão do Fisco.
Note-se ainda, que o art. 187 do Código Tributário Nacional dá ao crédito tributário o privilégio de não se sujeitar ao concurso de credores ou habilitação em falência, o que retira qualquer interesse em requerer a falência do seu devedor.
A propósito, trago à colação doutrina de Ruben Ramalho:
'Não vemos, pois, qual o interesse da Fazenda Pública na decretação da falência do seu
devedor, por falta de legítimo interesse. No nosso entender, a Fazenda Pública não pode requerer a falência do seu devedor, até porque o seu crédito, em sendo de natureza tributária, prefere mesmo ao crédito assegurado com garantia real' (Curso Teórico e Prático de Falência e Concordatas, Editora Saraiva, p. 96, 1984).
Valho-me, ainda da lição do mestre Rubens Requião, trazido à colação pelo douto sentenciante:
'De nossa parte, estranhamos o interesse que possa ter a Fazenda Pública no requerimento de falência do devedor de tributos. Segundo o Código Tributário Nacional os créditos fiscais não estão sujeitos ao processo concursal, e a declaração da falência não obsta o ajuizamento do executivo fiscal, ho~e de processamento comum. A Fazendo Pública falece, ao nosso entender, legítimo interesse econômico e moral para postular a declaração de falência de seu devedor.
A ação pretendida pela Fazenda Pública tem, isso sim, nítido sentido de coação moral, dadas as repercussões que um pedido de falência tem em relação às empresas solventes' (fs. 25/26).
E mais,
'O requerimento de falência não é forma de cobrança de
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crédito, 'por importar num desvio da função específica e, conseqüentemente, num constrangimento ilícito' (RTJ 93/ 1.162).
Tanto na execução como no pedido de falência, há necessidade da existência de título de dívida líquida e certa, dando ao credor a faculdade de adotar o caminho que melhor lhe aprouver, mas em se tratando de credor fiscal, só é admissível a execução.
Além do mais, o art. 10 da Lei de Falências exige o prévio protesto do título, o que não ocorre na espécie." (Fls. 91/94)
A Fazenda ingressou com recurso especial pelas duas alíneas, alegando afronta ao art. 9Q
, inciso IlI, alínea b, da Lei de Falências (Decreto-Lei n Q 7.661/45), além de dissídio jurisprudencial com o AG 217.658, do ego TJ/SP, in RT 451/ 123 e com o REsp n Q 10.660-0IMG. Sustenta, em síntese, que o privilégio atribuído aos créditos fazendários não impede ao Fisco pleitear a falência dos contribuintes que deixam de saldar os débitos inscritos na dívida ativa.
Sem contra-razões, o Tribunal de origem admitiu o recurso especial, subindo os autos a este ego STJ.
O d. MPF opinou pelo provimento do recurso especial.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Conheço do recurso diante da demonstrada divergência jurisprudencial e doutrinária que lavra sobre o tema, amplamente referida e exemplificada nos autos, com várias lições em ambos os sentidos.
2. Lendo os dispositivos legais que regulam a falência e a cobrança da dívida ativa, observo que:
- a Lei de Falências (arts. 8 Q
e 9Q do Decreto-Lei 7.661/45), enumerando aqueles que podem requerer a quebra, não incluiu entre eles a Fazenda Pública;
- ao regular a relação entre a cobrança da dívida ativa e a falência, a Lei n Q 6.830/80 no seu art. 29, excluiu a Fazenda Pública do concurso de credores;
- no seu art. 4Q, a mesma lei
de execução fiscal permite-a contra a massa;
- por fim, no seu art. 38, a Lei 6.830/80 determina que "a discussão judicial da dívida ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição de indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida".
3. Gozando a Fazenda Pública de amplos privilégios assegurados em vários dispositivos legais, causa estranheza que não conste de algum deles menção à possibilidade de re-
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querer a falência dos seus devedores. A explicação certamente está no fato de que o tratamento legal dispensado ao crédito lançado em dívida ativa da Fazenda Pública independe da situação falimentar do devedor, não se sujeita ao seu procedimento, a execução pode ser instaurada antes ou depois da falência, contra o falido ou contra a massa, com o privilégio que a lei lhe assegura. Há, portanto, verdadeira incompatibilidade entre o ordenamento legal da falência e o da execução da dívida ativa da Fazenda Pública, a explicar a razão pela qual o legislador, que tanto disse em favor do Fisco, não o incluísse entre aqueles que podem requerer a falência do comerciante.
E há para isso muitos e ponderáveis motivos: o título de dívida ativa é criado pelo próprio credor, dispondo o devedor de prazos exíguos para a sua defesa antes da decretação da quebra; os privilégios de que goza a Fazenda Pública dispensam e suplantam a necessidade do requerimento de falência; no sistema onde a falência pode decorrer do simples inadimplemento e não da insolvência, caberia ao administrador, verificada a impontualidade e extraída a certidão de dívida, requerer a falência do devedor; a quantidade dessas situações poderia levar ao caos, econômico e tributário, mas deixar ao administrador a escolha daqueles que poderão ser ou não submetidos à falência talvez seja ainda pior.
Pertinentes, portanto, as palavras de Rubens Requião:
"De nossa parte, estranhamos o interesse que possa ter a Fazendo Pública no requerimento de falência do devedor por tributos. Segundo o CNT os créditos fiscais não estão sujeitos ao processo concursal, e a declaração da falência não obsta o ajuizamento do executivo fiscal, hoje de processamento comum. À Fazenda Pública falece, no nosso entender, legítimo interesse econômico e moral para postular a declaração de falência de seu devedor. A ação pretendida pela Fazenda Pública tem, isso sim, nítido sentido de coação moral, dadas as repercussões que um pedido de falência tem em relação às empreSas solventes" (Curso de Direito Falimentar, 1/95).
N o caso dos autos, a credora deixou de lado execuções fiscais que promovera para a cobrança dos mesmos créditos e veio requerer a falência. Pergunta-se: teria esse pedido outra finalidade que não a de coagir a devedora ao pagamento, transformando o processo de falência em balcão para a cobrança de dívidas?
Não se trata, portanto, de equiparar a Fazenda Pública ao credor com garantia real, o qual somente poderá requerer a falência se àquela renunciar (art. 9Q
, In, b), pois inexiste essa similitude como longamente ficou demonstrado pelo Prof. Fábio Comparato no parecer publicado na RT 442/48, mas sim de constatar que o nosso sistema legal não permite ao titular do
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crédito fiscal a iniciativa da decretação da falência do seu devedor.
4. Por tudo isso, e com a devida vênia, acolho os fundamentos do voto vencido do em. Min. Cláudio Santos, na ego 3ª Turma, no REsp 10.660/MG:
"O insigne Ministro Paulo Roberto Costa Leite, em seu voto de relator, apoiado em pronunciamento do Pro f. Fábio Konder Comparato bastante citado nas discussões acerca do tema do recurso especial e inclusive nestes autos, manifestou-se pela legitimidade da Fazenda Pública para requerer a falência de comerciante em débito de natureza tributária.
A tese, conforme relato de Rubens Requião, mereceu, além daquele, outro importante estudo, o segundo do também advogado paulista J. Netto Armando, enfeixados os dois em publicação da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo intitulada "Falência de Contribuinte Promovida pelo Fisco".
Na senda daqueles sem, entretanto, acrescentar nada mais do que foi alinhado naqueles pareceres, escritos no interesse da Fazenda Pública de São Paulo, no ano de 1972, empenhada em constranger devedores relapsos, encontrei, ainda os trabalhos de Romano Cristiano, Américo Ruggiero e Rejane Brasil Filippi, todos procuradores estaduais, os primeiros de São Paulo, a última do Rio Grande do Sul.
A doutrina clássica não debateu a controvérsia, certamente porque, antes da lei atual que já tem meio século, de conformidade com princípio assentado, somente as obrigações comerciais ensejavam o pedido de falência. Tal questão não mais é controvertida, eis que se considera falido o comerciante que não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título executivo, caracterizando-se também a falência se o comerciante executado não paga ou não nomeia à penhora dos bens, dentro do prazo legal (arts. 1 Q, caput e 2Q
, I, do Decreto-Lei n Q 7.661, de 1945).
Daí não se encontrar nenhuma referência sobre o tema em Carvalho de Mendonça, Bento de Faria, Octávio Mendes, Almeida Leite, Waldemar Ferreira, nem em Sampaio Lacerda.
Diz-se que Trajano Miranda Valverde e José da Silva Pacheco teriam sustentado, de passagem, que a Fazenda Pública poderia pedir a falência de seu devedor. Na consulta que fiz, na primeira edição da obra de Valverde e na quarta de Pacheco, não encontrei nenhuma afirmação clara, a respeito, senão de que os credores com privilégio e preferência podem requerer a falência do devedor, e com isso estou de acordo, pois, admito que o credor trabalhista, portador de um título executivo judicial (sentença líquida proferida em reclamação), protestado o título para
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efeito de falência, possa requerêla, assim como os debenturistas.
Fábio Konder Comparato, no referido parecer (RT 442/48-54), reconhece não haver, até então, a doutrina analisado o assunto em profundidade, nem sido suscitado em nossos pretórios. A situação permanece até hoje, muito embora algumas raras decisões da Justiça Paulista tenham acolhido sua orientação.
Em autores que tive a oportunidade de examinar, com mais recentes comentários sobre a lei de falências, encontrei as seguintes posições: a) favorável à possibilidade de o credor tributário requerer a falência do contribuinte comerciante - Amador de Paes de Almeida, em "Curso de Falência e Concordata", 10ª ed., São Paulo, Saraiva, 1991, pág. 59; b) contrários a essa faculdade -Carvalho Neto, em "Tratado das Defesas Falimentares", v. II, 1967, pág. 81, n Q 130; Luiz Tzirulnik, em Direito Falimentar, 2ª ed., São Paulo, Ed. RT, 1991, pág. 41; Ruben Ramalho, em "Curso Teórico e Prático de Falência e Concordata", 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1989, pág. 96; e Rubens Requião, em "Curso de Direito Falimentar", 1 Q
volume, 13ª edição, São Paulo, Saraiva, 1989, págs. 94 e 95.
Por todos que se colocam na segunda vertente, reproduzo as razões de Requião:
"A discutida iniciativa da Fazenda Pública. A fim de en-
frentar com mais severidade os devedores relapsos, andou o fisco estadual paulista empenhado em constrangê-los a liquidar seus débitos fiscais, sob ameaça de requerimento de falência. Passou-se, então, a indagar se o direito falimentar brasileiro comportava tal iniciativa da Fazenda Pública.
A tese mereceu dois importantes estudos jurídicos, largamente divulgados na imprensa e nas revistas especializadas, sendo inclusive enfeixados numa publicação da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Opinaram afirmativamente os juristas J. Netto Armando e Fábio Konder Comparato (Falência de Contribuinte promovida pelo Fisco, Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo).
De nossa parte, estranhamos o interesse que possa ter a Fazenda Pública no requerimento de falência do devedor por tributos. Segundo o Código Tributário Nacional os créditos fiscais não estão sujeitos ao processo concursal, e a declaração da falência não obsta o ajuizamento do executivo fiscal, hoje de processamento comum. À Fazenda Pública falece, ao nosso entender, legítimo interesse econômico e moral para postular a declaração de falência de seu devedor.
A ação pretendida pela Fazenda Pública tem, isso sim, nítido sentido de coação moral,
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dadas as repercussões que um pedido de falência tem em relação às empresas solventes." (Ob. Cit.)
A alegação de abusividade da cobrança, através do pedido de falência, feita por outros comentadores, é criticada por Comparato, que a qualifica de lugar comum, partindo o autor da certeza de que norma alguma existe a impedir opte a Fazenda pela habilitação de seu crédito na falência em lugar de executar o crédito tributário e, assim, conclui pela sua legitimidade para o requerimento de falência.
O argumento não me parece exato, na atualidade, após a vigência da Lei n Q 6.830, de 22.09.80, que disciplina a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública. Com efeito, dispõe essa lei, em seu art. 38, que a "discussão judicial da dívida ativa da Fazendo Pública só é admissível em execução, na forma da lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do . valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos." Humberto Theodoro Júnior, a analisar tal dispositivo, da posição do contribuinte-devedor não hesita em declará-la restritiva de direitos constitucionais, quando condiciona o ingresso em juízo à garantia da instância ("Lei de Execução Fiscal", 2ª
ed., São Paulo, Saraiva, 1986, págs. 88/90). Tem toda razão. Mas, no momento, o que importa é outro aspecto da norma, ou seja a vinculação da Fazenda Pública: a discussão judicial da dívida ativa só é admissível em execução, isto, é, na execução fiscal disciplinada na respectiva lei, à qual se aplica subsidiariamente a lei processual civil comum (art. 1 Q: "A execução judicial para cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta lei, e subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil").
Darcy Bessone, nas lições da disciplina por ele lecionada na Faculdade de Direito da UMG, agora reunidas em livro intitulado "Instituições de Direito Falimentar" (São Paulo, Saraiva, 1959), a propósito da classificação dos créditos na falência, observa:
"Deve-se excluir da relação dos créditos privilegiados o da Fazenda Pública (art. 1.596, VI, do CC), porque a Lei n Q
6.830 estabelece que "a competência para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro Juízo, inclusive o da falência, da concordata, da liquidação, da insolvência ou do inventário (art. 5Q
), bem como que "a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação
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em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento" (art. 29)." (págs. 133/134)
Com essas achegas não pretendo reduzir a faculdade da Fazenda de discutir emjuízo seu crédito, exclusivamente, nas execuções fiscais. Em qualquer ação contra ela proposta a discussão pode ser travada, mas é inquestionável que a cobrança da Dívida Pública deve ser feita na execução fiscal singular, sem prejuízo de seu direito às medidas cautelares assegurados no estatuto processual aplicável subsidiariamente.
Inexato, por outro lado, argumentar-se que a Fazenda Pública pode renunciar aos seus direitos e privilégios, como credora de tributos, para pretender assumir a posição de um credor comum, quirografário, em concorrência com os demais credores e com isso vir a ter afirmado o direito de requerer a falência do devedor. O tributo é cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada, de acordo com a definição contida no art. 3º do Código Tributário Nacional, lei complementar do Sistema Tributário Nacional e, assim, outro caminho não tem o administrador, salvo encaminhar a certidão da dívida para cobrança através de execução fiscal, porque é no juízo competente que a questão deve ser discutida e não no juízo falimentar.
A esses argumentos de natureza jurídica não são alheios ou-
tros de ordem econômica, moral e política.
É consabido privilegiar nosso ordenamento constitucional a igualdade, a liberdade de iniciativa, a livre concorrência, não sendo compatíveis com esses princípios conferir-se ao Estado o direito de destruir a empresa, segundo a livre determinação e escolha de seus agentes administrativos, por força de impontualidade no pagamento de um tributo. A legislação falimentar brasileira está em descompasso com a realidade social e econômica, é atrasada e iníqua, ao considerar presumidamente insolvente em benefício do credor um caso de simples mora ou de mera impontualidade. A sua nova disciplina em tramitação no Congresso N acionaI atenua um pouco o rigor da lei em vigor e agasalha um princípio de grande significação que é o interesse pela recuperação da empresa e não pela liquidação de seu ativo para pagamento de suas dívidas.
Conferir ao Estado uma medida judicial desse potencial aniquilador é, sem dúvida, contrariar aqueles princípios orientadores da ordem econômica no País, e consagrar uma coação reprovável pela moral e pela política.
Por tudo, como já declarou a Corte local, falta à Fazenda interesse econômico e moral para requerer a falência do devedor.
Com essas considerações, alinho-me, data vênia, na posição do
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Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, para conhecer do recurso pela dissidênciajurisprudencial, mas negar-lhe provimento.
É como voto."
5. Posto isso, conheço do recurso, pela divergência, mas lhe nego provimento.
É o voto.
VOTO- VOGAL
O SR. MINISTRO BUENO DE SOUZA: Estou de inteiro acordo com o Sr. Ministro-Relator. O Insti-
tuto da falência vem sendo ultimamente objeto de exacerbações. Aliás, acórdão do Supremo Tribunal Federal aqui mencionado pelo ilustre professor Requião, alude a coação que o emprego indevido do pedido de falência acarreta. Eu, nesta Quarta Turma, já votei contra a condenação a honorários em favor da parte que, no propósito de coagir, requer a falência do devedor, a qual, afinal, não é decretada.
Não há interesse prático, por sua vez, no pleito da Fazenda Pública, que já dispõe, com a certidão de dívida, de todos os privilégios e garantias que facilitam a execução.
RECURSO ESPECIAL NQ 148.897 - MG
(Registro nº 97.0066124-5)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: Milton Alves Pedrosa
Recorrido: João Batista Prearo
Advogados: Luiz Fernando Valladão Nogueira, e Vanir Rodrigues Gaspar e outros
Sustentação Oral: Luiz Fernando Valladão Nogueira (pelo recorrente)
EMENTA: Sociedade de fato. Homossexuais. Partilha do bem comum.
O parceiro tem o direito de receber a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, reconhecida a existência de sociedade de fato com os requisitos previstos no art. 1.363 do CCivil.
Responsabilidade Civil. Dano moral. Assistência ao doente com AIDS. Improcedência da pretensão de receber do pai do parceiro que morreu com Aids a indenização pelo dano moral de ter suportado sozinho os encargos que resultaram da doença. Dano que
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resultou da opção de vida assumida pelo autor e não da omissão do parente, faltando o nexo de casualidade. Art. 159 do CCivil.
Ação possessória julgada improcedente. Demais questões prejudicadas.
Recurso conhecido em parte e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, darlhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausente,justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 10 de fevereiro de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 06-04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Adoto O relatório integrante do v. acórdão de fls. 310/ 313, verbis:
"Milton Alves Pedrosa ajuizou a presente ação que denominou de 'ordinária de reconhecimento de co-propriedade, com conse-
qüente pedido de alteração de registro imobiliário, c/c ação de indenização' contra João Batista Prearo, à alegação de que (1), viveu com Jair Antônio Prearo, filho de João Batista, de 1982 até 05 de outubro de 1989, data em que faleceu Jair; que, durante este período, ambos foram sócios em três empresas; que, logo no início da 'coabitação', resolveram adquirir um apartamento, que foi comprado em nome de Jair, porque, sendo ele funcionário do Banco do Brasil, podia obter financiamento de parte do preço; que, em fins de 1983, venderam o apartamento e com o dinheiro obtido, acrescido com os lucros dos negócios em comum, compraram outro, situado na rua Aimorés, 351, também, nesta Capital, onde reside até hoje; que embora os imóveis tenham sido adquiridos em nome do Jair, ele contribuiu em igualdade de condições para o pagamento, tanto da parcela inaugural como da parte financiada, o que pode ser provado pelos documentos que juntou para demonstrar a remessa do numerário à conta de Jair, expressamente para o fim de quitar ditas prestações; que, a partir de 1985, Jair deixou de trabalhar no Banco do Brasil e ele as-
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sumiu todas as despesas com a aquisição do imóvel; que tinha uma vida em comum com o falecido Jair e arcava praticamente sozinho com as despesas do lar; que, por mais este motivo, foi entabulado pelos sócios que, quando esgotado o pagamento do financiamento, Jair passaria a metade do imóvel para ele, fazendo alteração no registro imobiliário; que com a morte de Jair, não lhe resta outra alternativa senão buscar refúgio numa declaração judicial de existência de co-propriedade, através da qual o pai do falecido Jair haverá de submeter-se à perda da metade do imóvel; (lI), que, com a morte de Jair, as empresas faliram e as seqüelas foram suportadas somente por ele; que, imediatamente, cessou o funcionamento da empresa J. Prearo Indústria e Comércio Ltda.; que o espólio de Jair deveria arcar com a parte que lhe competia, consubstanciada em diversas parcelas trabalhistas pagas a vários empregados, débitos junto ao fisco, débitos de baixa das sociedades, pagamento de consórcios do falecido e das sociedades e dívidas comerciais do relacionamento com outras empresas; (lII) que somente ele prestou socorro a Jair durante a sua enfermidade e custeou todas as despesas médico-hospitalares, inclusive as de funeral, pelo que deve a herança do falecido responder pela indenização ora pleiteada; (IV), que pelo fato de Jair ter falecido por síndrome de imuno deficiência adquirida (AIDS),
foi criada em torno de sua incolumidade imediata suspeita, o que o levou a um completo isolamento dentro da sociedade mineira; que se não bastasse o seu próprio sofrimento e angústia, tal fato ceifou de vez toda a sua possibilidade de produção; que tudo isto provocado por ato do falecido, reclama indenização por dano moral, que a herança do de cujus deve responder.
Registro que em apenso ao presente feito corre ação de reintegração de posse ajuizada pelo primeiro apelante João Batista Prearo em face do apelante adesivo Milton Alves Pedrosa."
A sentença que julgou as duas ações conexas tem o seguinte dispositivo:
"Quanto à ação possessona, comprovado nestes autos e reconhecido, a final, o direito do autor sobre 50% do imóvel, pela copropriedade do imóvel, deve ser julgada improcedente, pois detém legitimamente o autor a sua posse, já que adquirido com esforço comum.
Assim, considerando o acima exposto e o mais que dos autos consta, julgo em parte procedente o pedido para conferir ao autor o direito à metade do imóvel constituído pelo apartamento n Q
202, da Rua Aimorés, 351, com inserção do seu nome no Registro Imobiliário (3 Q Ofício do R. L, matrícula 36.738), além do direito ao ressarcimento de 50% dos
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gastos feitos com a manutenção das sociedades comerciais (docs. de fls. 103/142 e 237/250), a serem apurados por cálculo do contador e devidamente corrigidos a partir do efetivo desembolso, com juros a partir da citação, excluídos os gastos médico-hospitalares e danos morais, pelos motivos acima deduzidos.
Custas e honorários, estes à base de 20% sobre o valor da causa, recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados estes últimos entre as partes, à razão de 70% pelo réu e 30% pelo autor." (fl. 242)
Irresignados com a r. sentençacontinua o r. acórdão recorrido:
"Ambas as partes dela apelaram, João Batista Prearo, argüindo, preliminarmente, nulidade da r. sentença por negativa de prestação jurisdicional, à alegação de que o MM. Juiz a quo não apreciou as suas preliminares de impossibilidade jurídica do pedido, de inépcia da inicial e carência de ação, nas quais apontou diversas irregularidades processuais que impediam o desenvolvimento válido e regular do processo, tais como, infringência dos artigos 292, inciso IIl; 295, incisos IIl, V e respectivo parágrafo único, incisos lI, III e IV; e 301, inciso X do CPC; e no mérito, insurge-se contra o deferimento da meação do apartamento, alegando que o fato de terem convivido, o Apelado e Jair, não é suficiente para o deferimento do pleito, até mesmo
porque a pretensão é amparada em instituto próprio do Direito de Família; que não existe em nosso ordenamento jurídico lei que ampare tal pretensão; que o reconhecimento de sociedade de fato para fins de partilha de patrimônio só pode ser aquela havida entre homem e mulher; que o teor de decidir da r. sentença apelada atenta contra o seu direito de propriedade garantido pelo art. 5Q
, inc. XXII, da CF/88 e não encontra suporte legal; faz análise da prova oral demonstrando ser ela favorável à sua tese; pretende, também, a reforma da r. sentença no que acolheu o pleito de indenização dos gastos que o Recorrido alegou ter feito com a manutenção das empresas Termas P. P. Ltda. e J. Prearo - Indústria e Comércio Ltda., alegando que os documentos juntados às fls. 237/250, comprovando o pagamento desses gastos, na verdade só foram juntados aos autos depois de encerrada a instrução do processo; que tais documentos deveriam ter acompanhado a exordial; que sua juntada após a instrução do processo feriu o disposto nos arts. 282 e 396 do CPC; que nenhum dos mencionados documentos se refere a pagamento, feito pelo Recorrido, de débito de responsabilidade sua, por isto, não se prestam a conferir direito de indenização ou cobrança; insurge-se, finalmente, contra a parte da r. sentença que julgou improcedente a ação de reintegração de posse, alegando que o Recorrente
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adesivo está no imóvel a título de comodato, conforme provado com os depoimentos das testemunhas que depuseram às fls. 277, 279 e 280 (numeração originária); que, terminado o comodato com a notificação feita ao Apelado-Apelante adesivo, mesmo que se procedente o pedido de meação feito pelo Autor, ainda assim, continuaria ele esbulhando o imóvel, já que não teria 50% dele, impondo-se a procedência, por isto, do pedido de reparação de danos feito nos autos daquela ação reintegratória.
J á o inconformismo de Milton Alves Pedrosa com a r. Sentença apelada reside no não-deferimento de seu pedido de dano moral, ao argumento de que ensejou tal pedido o fato de ter ele sido isolado na sociedade em face da notícia de que a pessoa com a qual morava ter falecido por AIDS; que, por ter tido que cuidar de Jair, em razão de a família tê-lo abandonado, tornou-se pública a relação que ele e Jair sempre procuraram disfarçar; que por isto, o pai de Jair falhou e por isto há que arcar com a indenização por dano moral."
A ego 2ª Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais rejeitou as preliminares, deu "provimento ao recurso do primeiro apelante João Batista Prearo para, reformando a r. sentença apelada, julgar improcedente a 'ação ordinária de reconhecimento de copropriedade, com conseqüente pedido de alteração de registro imo-
biliário, c/c ação de indenização' contra ele proposta por Milton Alves Pedrosa" e condenou este último a pagar as custas do processo e honorários advocatícios que arbitrou em 20% sobre o valor da causa, devidamente corrigidos, e julgou procedente a ação de reintegração de posse proposta por João Batista Prearo contra Milton Alves Pedrosa, assinando a este o prazo de 30 dias para desocupação e entrega ao autor, primeiro apelante do apartamento 202, situado à Rua Aimorés, 351, em Belo Horizonte, por ele indevidamente ocupado a partir da data do término do prazo que lhe foi assinado na notificação de fls. 27 TA do apenso, ou seja, a partir de 14 dejulho de 1994, condenando-o, ainda, a pagar a João Batista Prearo o valor da locação do referido imóvel a partir da data da propositura da ação - 30 de agosto de 1994, devendo o valor ser apurado em liquidação de sentença por arbitramento, com acréscimo de juros e de correção monetária, e, em conseqüência, invertidos os ônus da sucumbência na ação possessória.
Opostos embargos de declaração, estes foram parcialmente acolhidos, com expresso indeferimento da preliminar de nulidade do julgamento e improvimento do agravo retido, confirmado o acórdão embargado quanto ao mais.
Irresignado, o autor ingressou com recurso especial por ambas as alíneas, alegando afronta aos artigos 159, 1.250, 1.251, 1.252, 1.363 do CC; 5Q da LICC; 4Q
, 128, 130,420, 459, 460 do CPC, além de dissídio jurisprudencial.
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Pretende o reconhecimento da copropriedade do imóvel, a indenização pelo dano moral (letra e, abaixo) e a improcedência da ação possessória, sendo que, quanto a esta, alegou cerceamento de defesa pela impossibilidade de fazer prova da existência de benfeitorias.
Sustenta: a) - a relevância da união dos esforços, ainda que tacitamente avençada; b) - "mesmo num relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, se houver a confluência de esforços à formação de uma sociedade de fato, ainda que de maneira indireta, mister a divisão do patrimônio, quando de sua dissolução"; c) - a co-propriedade prevista no art. 4º do CPC tem como premissa uma sociedade, resultado de um esforço comum, e que não poderia ser objetada, apenas em razão da preferência sexual dos sócios; d) - tendo contribuído com numerário para a aquisição do apartamento, o recorrente não tem um mero direito creditício sobre os valores despendidos, mas direito real de propriedade sobre o imóvel, ainda que proporcionalmente à sua participação nos gastos; e) - o pai que foge da difícil responsabilidade de assistir o filho doente deve indenizar quem o substituiu nesse encargo, arcando com todos os prejuízos morais que a doença acarretou ao recorrente; f) - carência da ação reintegratória, porquanto o mencionado comodato estaria em plena vigência, sendo imprópria a pretensão; g) - não poderia o acórdão recorrido trancar a realização da prova pericial, que seria hábil a comprovar o direito material suscitado
pela parte; h) - o pedido de perdas e danos jamais poderia compreender os alugueres.
Com as contra-razões, o Tribunal de origem admitiu o recurso especial, subindo os autos a este ego STJ.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. A primeiro questão proposta no recurso versa sobre a possibilidade de ser reconhecida a existência de sociedade de fato resultante da convivência entre duas pessoas do mesmo sexo, a determinar a partilha do patrimônio adquirido durante esse tempo.
Dispõe o art. 1.363 do CCivil: "Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns".
Tratando-se de união heterossexual, a jurisprudência tem reconhecido o direito de a companheira -que contribuiu, seja com a renda do seu trabalho produtivo ou com o fornecimento de recursos próprios, seja mediante a prestação de serviços domésticos - receber parte do patrimônio que se formou graças a essa conjugação de esforços, destinados a garantir uma situação econômica estável.
Examinando os julgados que enfrentaram a questão, desde os primórdios do surgimento dessa orientação jurisprudencial, vê-se que o ego STF, em repetidas ocasiões, ao
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aplicar a Súmula 380, reafirmou o seu entendimento de que "a sociedade de fato, e não a convivência more uxorio é que legitima a partilha de bens" (RE 84.969/RJ - RTJ 80/260; RE 81.0991MG, RTJ 79/229). Nesse último recurso, o em. Min. Moreira Alves enfatizou a diferença que deve ser feita entre "a sociedade de fato (que é de caráter puramente patrimonial) e comunhão de vida" (RTJ 79/236).
N este Superior Tribunal de J ustiça persistiu o mesmo entendimento, acentuando-se a sociedade de fato como pressuposto para o reconhecimento do direito à partilha do patrimônio comum dela resultante (REsp 45.886/SP, 4ª Turma, reI. em. Min. Torreão Braz), constando da ementa do REsp 4.599/RJ:
"A criação pretoriana inscrita no Verbete de nº 380 da Súmula do STF tem por referência os arts. 1.363 e 1.366 do CC; os efeitos patrimoniais, ali descritos, decorrem do direito das obrigações" (3ª Turma, reI. em. Min. Nilson Naves).
Foi só mais tarde, com a evolução do direito de família, especialmente após a Constituição de 1988, que o tema passou a ser tratado como uma questão familiar.
A hipótese dos autos não se equipara àquela, do ponto de vista do Direito de Família, mas nadajustifica que se recuse aqui aplicação ao disposto na norma de direito civil que admite a existência de uma sociedade de fato sempre que presen-
tes os elementos enunciados no art. 1.363 do CC: mútua obrigação de combinar esforços para lograr fim comum. A negativa da incidência de regra assim tão ampla e clara, significaria, a meu juízo, fazer prevalecer princípio moral (respeitável) que recrimina o desvio da preferência sexual, desconhecendo a realidade de que essa união - embora criticada - existiu e produziu efeitos de natureza obrigacional e patrimonial que o direito civil comum abrange e regula.
Kelsen, reptado por Cossio, o criador da teoria egológica, perante a congregação da Universidade de Buenos Aires, a citar um exemplo de relação intersubjetiva que estivesse fora do âmbito do Direito, não demorou para responder: "Oui, monsieur, l'amour". E assim é, na verdade, pois o Direito não regula os sentimentos. Contudo, dispõe ele sobre os efeitos que a conduta determinada por esse afeto pode representar como fonte de direitos e deveres, criadores de relações jurídicas previstas nos diversos ramos do ordenamento, algumas ingressando no Direito de Família, como o matrimônio e, hoje, a união estável, outras ficando à margem dele, contempladas no Direito das Obrigações, das Coisas, das Sucessões, mesmo no Direito Penal, quando a crise da relação chega ao paroxismo do crime, e assim por diante.
O v. acórdão recorrido admitiu "ter o autor dividido por longos anos o mesmo teto com Jair, de ter sido sócio dele nas três empresas de que dão notícia os documentos de fls. 27/
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35 ... e de ter mantido com ele conta conjunta na Caixa Econômica Federal nos anos de 1983 até 1985" (acórdão, fl. 315), além de integrarem a prova documental oito (8) comprovantes bancários ("doc"), "constando como remetente o apelante adesivo (autor da ação) e favorecido Jair Antonio Prearo e trazem a anotação de se destinarem a pagamento de prestação de compra de imóvel" (acórdão, fl. 314). Houve, portanto, a colaboração direta do autor, com recursos próprios e com participação pessoal nas empresas que ambos os parceiros constituíram, a evidenciar a presença daquela "combinação de esforços" para o fim comum de alcançarem meios para manutenção da convivência na qual ambos estavam envolvidos.
É certo, como constou do douto voto do em. Dr. Carreira Machado, que do fato de duas pessoas do mesmo sexo dividirem o mesmo teto, não importa por quanto tempo, não resulta direito algum e não cria laço senão o da amizade. Porém, se em razão dessa amizade os parceiros praticam atos na vida civil e adotam reiterado comportamento a demonstrar o propósito de constituírem uma sociedade com os pressupostos de fato enumerados no art. 1.363 do CCivil, um de natureza objetiva (combinação de esforços) e outro subjetivo (fim comum), impende avaliar essa realidade jurídica e lhe atribuir os efeitos qUEl a lei consagra. É certo que o legislador do início do século não mirou para um caso como o dos autos, mas não pode o juiz de hoje desconhecer a realidade e negar que duas pessoas
do mesmo sexo podem reunir esforços, nas circunstâncias descritas nos autos, na tentativa de realizarem um projeto de vida em comum. Com tal propósito, é possível amealharem um patrimônio resultante dessa conjunção, e por isso mesmo comum. O comportamento sexual deles pode não estar de acordo com a moral vigente, mas a sociedade civil entre eles resultou de um ato lícito, a reunião de recursos não está vedada na lei e a formação do patrimônio comum é conseqüência daquela sociedade. Na sua dissolução, cumpre partilhar os bens.
Poder-se-ia duvidar da presença do "fim comum" a que deveriam estar apostos os parceiros quando trataram de adquirir o imóvel objeto da ação. Os autos revelam e o mesmo r. acórdão assevera (fl. 321) que foi o autor quem se desvelou nos cuidados com o companheiro durante a longa e devastadora enfermidade (AIDS), prestando o auxílio que a família recusou, e também foi ele quem suportou em parte (fl. 315) a cobrança dos débitos remanescentes das empresas que administravam em conjunto. É razoável concluir, portanto, que os parceiros estavam determinados à mútua assistência, a qual foi efetivamente prestada pelo ora autor e recorrente, servindo-lhe de lastro para essa assistência o patrimônio formado pelo esforço comum.
O recurso pode ser conhecido pela alínea a, uma vez que a regra do art. 1.363 do CCivil, malgrado não mencionada expressamente no r. acórdão, teve sua incidência denegada
320 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
no caso dos autos. Conhecendo do recurso, dou-lhe nessa parte provimento, pois os fatos admitidos nas instâncias ordinárias permitem se reconheça a existência de uma sociedade celebrada entre o recorrente e Jair, tendo sido o apartamento da Rua Aimorés adquirido pelo esforço de ambos, e assim reconhecer o direito do autor à metade daquele bem.
2. Como conseqüência do reconhecimento da propriedade comum do apartamento que está sendo ocupado pelo autor para sua residência, o que já acontecia antes do falecimento do parceiro, está ele exercendo a posse em razão de direito que lhe resulta da comunhão, sem cometimento do alegado esbulho. Portanto, nessa parte deve ser restabelecida a sentença de improcedência da ação possessória. Com isso, fica prejudicado o tema da nulidade do processo por cerceamento de defesa, e bem assim a condenação do recorrente ao pagamento dos aluguéis pela ocupação do imóvel.
3. O recorrente não tem razão, porém, quando pleiteia indenização pelos danos morais sofridos pelo fato de ter assistido o doente sem a colaboração do pai, recaindo unicamente sobre o autor o desgaste emocional e social inevitavelmente associados à AIDS. A pretensão não tem nenhum amparo. O fundamento do pedido estaria na omissão do pai do doente, conduta culposa que ensejaria a incidência do art. 159 do CCivil, suporte legal invocado pelo autor, nesse ponto.
Ora, é bem evidente que a situação de dor e de constrangimento a
que ficou exposto o autor decorreu exclusivamente da sua opção de vida, inexistindo qualquer vinculação causal entre o comportamento omissivo do pai - fato reconhecido pelo acórdão - e o alegado dano sofrido pelo recorrente. Não reconhecida a existência do nexo de causalidade, inviável o conhecimento do recurso tocante à verba indenizatória por dano moral.
4. Posto isso, conheço em parte do recurso, pela alínea a, e nessa parte lhe dou provimento para reconhecer o direito de o autor receber em partilha a metade do imóvel descrito na inicial, com procedência parcial da ação ordinária e improcedência da ação possessória. O réu pagará integralmente as custas da ação possessória e 2/3 das custas da ação ordinária, cabendo ao autor o restante 1/3 destas. O réu fica condenado a pagar honorários em favor do patrono do autor da ação ordinária e réu na ação possessória, os quais são arbitrados em 15% do valor atualizado da metade do imóvel em causa, aí já considerada a sucumbência parcial na ação ordinária e a improcedência da ação de reintegração de posse.
É o voto.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: O tema posto a apreciação e julgamento, sem dúvida alguma, é dos mais atuais e relevantes.
A propósito, vale lembrar que em 1990 foi trazido a este Tribunal um
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 321
caso onde também se examinava o tema da repercussão patrimonial no relacionamento homossexual masculino, o qual, no entanto, não ultrapassou a esfera da decisão monocrática, uma vez que, desprovido o recurso de agravo, transitou em julgado a decisão. Isso se deu no Agravo n. 2.445-RJ, de que fui relator (DJ de 19.4.90).
Por outro lado, além do evidente interesse no tema, tanto assim que há, inclusive, projeto tramitando no Congresso Nacional, com noticiário sempre presente na mídia e debates entre especialistas, é de considerar-se que estamos vivendo um momento extremamente fecundo no que diz respeito ao Direito de Família, o que se dá em decorrência de mudanças que vêm da legislação - no Brasil tais mudanças se fazem inclusive no campo do Direito Constitucional, com alterações havidas no próprio texto constitucional, pela adoção dos princípios da igualdade jurídica dos filhos e dos cônjuges -, mas também por evolução da própria ciência, a exemplo do que ocorre com o DNA, com a fecundação in vitro etc., e pelas mudanças comportamentais na sociedade contemporânea.
Estas considerações, Sr. Presidente, que estou a fazer, na realidade não têm maior pertinência, a meu sentir, no caso concreto, pois são próprias do Direito de Família, enquanto que a questão a decidir é de natureza patrimonial, vinculada ao Direito das Obrigações, tanto assim que não foi examinada, em segundo grau, no Tribunal de ,Jus-
tiça de Minas Gerais, competente para os processos de Direito de Família, mas sim no Tribunal de Alçada daquele Estado.
Outro aspecto a ser levado em consideração, a respeito, é que o objeto litigioso deduzido em Juízo, por mais relevantes que sejam considerações paralelas, diz com o direito obrigacional. Com efeito, embora permeadas as colocações com aspectos de relacionamento afetivo e amoroso, de convivência humana, de busca da felicidade, as causas de pedir e os pedidos estão vinculados ao Direito obrigacional.
Se assim é, se estamos examinando a causa sob o prisma do Direito patrimonial, é de convir-se que já há uma farta jurisprudência neste Tribunal a subsidiar a matéria, pouco importando que a causa envolva relacionamento homem/mulher, homem/homem ou mulher/mulher. Logo, temos que enfrentá-la sob o ângulo do Direito obrigacional. E, nesse campo, como demonstrou o Ministro-Relator, pode-se trazer não só a jurisprudência que se formou inicialmente no Supremo Tribunal Federal, na vigência do sistema constitucional anterior, como também a firme jurisprudência deste Tribunal, que tem sido enfática em afirmar que, rompida a sociedade de fato, há proteção jurídica aos interessados que nela estiveram envolvidos, inclusive para evitar o enriquecimento sem causa.
Dentro desse prisma, não vejo como não acolher a pretensão, conhecendo em parte do recurso para, com base no artigo 1.363 do Código
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Civil, uma vez reconhecida nas instâncias ordinárias a sociedade de fato, deferir o pedido no que tange à ação ordinária.
Também indefiro o dano moral e dou por improcedente a pretensão no que concerne à ação possessóna.
Em conclusão, acompanho o Sr. Ministro-Relator, inclusive quanto à distribuição dos ônus da sucumbência.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, acompanho inteiramente o Sr. MinistroRelator, tal como acabou de fazer o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Quanto à questão central, ou seja, a possibilidade de haver o reconhecimento de uma sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, advindas daí conseqüências de caráter puramente patrimonial, penso que não há dúvida a respeito, inclusive em face da jurisprudência emanada não só desta Corte, como também do Supremo Tribunal FederaL
O princípio é o de que se os dois conviventes amealharam o patrimônio comum, ao tempo da ruptura dessa sociedade de fato há que se proceder à partilha na proporção da contribuição de cada qual.
N o ponto alusivo à matéria de direito ocorreu a vulneração inegavelmente do art. 1.363 do Código Civil. Penso, ainda, que não há que se
falar no caso em reexame de matéria de fato, uma vez que a base empírica da lide, tal como teve ocasião de lembrar o ilustre Relator, foi recolhida das assertivas constantes do próprio acórdão recorrido, em que se admitiu ter havido a contribuição pessoal, direta e efetiva, do de cujus, na formação do patrimônio comum.
Afinal, ponho-me de acordo na questão relativa à indenização por dano moral, uma vez não configurados os seus pressupostos, assim como na parte atinente à distribuição dos encargos da sucumbência.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Senhor Presidente, Roberto Rosas, no seu Direito Sumular, ao tecer comentários sobre o Enunciado n Q 380 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual "comprovada a existência de sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum", observa que a jurisprudência do STF não pretendeu dar foros de legalidade ao concubinato, mas apenas reconhecer as conseqüências advindas dessa união, principalmente quando haja pretensão de auferimento de vantagens conquistadas pelo esforço de ambos os cônjuges.
Daí a afirmação de Orosimbo Nonato, no RE n Q 9.855, de ser possível reconhecer,. sem ferir a lei, uma comunhão ou sociedade de fato
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do homem com a sua concubina. Essa sociedade pode derivar de interesses, esforços e contribuições na formação de um patrimônio, dispensando forma especial.
Colaciono tais considerações porque elas, a meu sentir, se ajustam, com acurada harmonia, ao tema ora posto em tablado, tendo-se em conta que o reconhecimento da partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum dos concubinos significou, à época, uma posição progressista, uma tomada de consciência daquela colenda Corte para com os fatos da vida, que de tão nítidos e freqüentes, já não mais podiam ser tangenciados, sob pena de deixar o magistrado na desaconselhável posição de julgar com as janelas fechadas para a realidade.
Agora, tirante o fato - relevantíssimo, é certo - de que a sociedade de que se cogita é formada por pessoas do mesmo sexo, tudo o mais tem os mesmos contornos em que se inseriu, à época, aquela situação dos concubinos inspiradora do verbete sumular acima anunciado: a sociedade de fato, o patrimônio formado pelo esforço comum, e o afeto recíproco que parecia haver entre os agora recorrente e recorrido.
Ora, dessa situação em exame, o que se busca extrair é apenas o que seja atinente a direitos patrimoniais. Nada se questiona com referência a efeitos familiares.
Creio já ser chegada a hora de os Tribunais se manifestarem sobre essa união, pelo menos nos seus efeitos patrimoniais, uma vez que não podemos deixar de reconhecer a freqüência com que elas se formam, por isso mesmo que tenho como de bom alvitre sinalizarmos para a sociedade brasileira - e especialmente para os que vivem em vida semelhante à que tiveram recorrente e recorrido - quais os direitos que possam ser decorrentes dessa sociedade de fato.
Por tudo isso é que, atendo-me apenas aos aspectos puramente patrimoniais, que é apenas o que ora se questiona, mas sem perder de vista a motivação com que foi criada essa sociedade de fato, de que são resultantes os benefícios postulados, estou, em tudo e por tudo, acompanhando o que foi sábia e exaustivamente exposto pelos eminentes Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro, tanto para conferir ao recorrente os benefícios patrimoniais decorrentes dessa união, quanto também no que seja referente à sucumbência, e ainda para excluir de sua pretensão os danos morais, que não vejo como tê-los existentes, uma vez que ausentes aqueles pressupostos indispensáveis para a sua concessão.
Destarte, conheço parcialmente do recurso e, nessa parte, lhe dou provimento.
324 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
RECURSO ESPECIAL NQ 156.004 - MG
(Registro nQ 97.0083359-3)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: Jorge Somerlate Tomich
Recorrido: Sílvio Miranda
Advogados: Drs. Margarida Maria Pedersoli e outros, e Amirah Molaib de Paula
EMENTA: Processual Civil. Preparo insuficiente. Equívoco da serventia judicial ao informar o valor atualizado. Deserção afastada.
A insuficiência do valor recolhido a título de preparo, por equívoco decorrente da serventia judicial, não pode ser equiparado à falta do mesmo, para o fim de se ter o recurso como deserto nos termos do artigo 511, CPC.
Precedentes: REsps ns. 81.875-SP, DJ de 01.12.97; 117.632-SP, DJ de 15.09.97; dentre outros.
Pena de deserção relevada.
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Bueno de Souza, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro.
Brasília, 14 de abril de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 22-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Cuida-se de recurso especial interposto contra acórdão do egrégio Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais que, invocando o artigo 511 do Código de Processo Civil, julgou deserta apelação cujo preparo foi recolhido em valor menor do que o devido pela Tabela de Custas então vigente.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 325
o recorrente postula admissibilidade pelas alíneas a e c do permissivo, sustentando negativa de vigência aos artigos 535, 511 e 519 do Código de Processo Civil, uma vez que a insuficiência do preparo não legitimaria a deserção, mas tãosomente a falta dele.
Aduz que o valor recolhido foi informado pela própria serventia judicial, o que caracterizaria o justo impedimento impondo a relevação da pena. Para demonstração da divergência aponta os acórdãos proferidos no AgRg n. 98.082-RJ e no REsp n. 53.581-PA, relatados, respectivamente, pelos eminentes Ministros Milton Luiz Pereira e Anselmo Santiago.
Respondido, o especial foi admitido na origem, tendo ingressado no meu gabinete no dia 11.12.97 e sido indicado para pauta no dia 24 de março do corrente ano de 1998.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): l. O recorrente, na Vara Única da Comarca de Carlos Chagas-MG, apelou da sentença que julgou procedentes os embargos à execução, apresentando na mesma oportunidade o comprovante do pagamento do preparo.
O egrégio Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais não conheceu do apelo ante a insuficiência do preparo que estaria em desacordo com as instruções normativas estaduais.
Daí o recurso especial, por alegada ofensa aos artigos 535, 511 e 519 do Código de Processo Civil, uma vez que a insuficiência do preparo não legitimaria a deserção, mas tãosomente a falta dele.
Aduz-se qUE) o valor recolhido foi informado pela própria serventia judicial, o que caracterizaria o justo impedimento impondo a relevação da pena.
Dispõe o artigo 511 do Código de Processo Civil que "no ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de retorno, sob pena de deserção".
O recorrente comprovou no ato da interposição do seu apelo o recolhimento do respectivo preparo.
N o entanto, a egrégia Corte de origem considerou o valor recolhido insuficiente, decretando a deserção do recurso, não obstante a afirmação do recorrente no sentido de que o valor havia sido informado pela serventia judicial.
2. Entendo, data venia, que a insuficiência do depósito não se equipara à falta de comprovação do pagamento do preparo para a qual o artigo 511 do Código de Processo Civil prevê a pena de deserção, ainda mais considerado que o equívoco adveio de informação prestada pelo serventuário judicial.
Assim, acosto-me aos seguintes precedentes deste Tribunal:
"Processual Civil. Apelação. Preparo. Deserção. Art. 511 do
326 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.
CPC. Culpa dos mecanismos da justiça. Relevação.
1. O pressuposto da deserção é a falta de preparo e não a sua insuficiência. Ademais, o erro na elaboração dos cálculos, seja pelo serventuário ou da parte, não elide a possibilidade de complementação, passível de ser exigida, após o julgamento do recurso, com a devolução dos autos à instância de origem." (REsp n. 81.875-SP, reI. em. Ministro Edson Vidigal, DJ de 01/12/97)
"Recurso especial. Processual Civil. Apelação declarada deserta. Insuficiência de preparo. Afronta ao dispositivo processual citado.
Esta Cortejá tem precedentes no sentido de que preparo insuficiente não equivale a ausência de preparo para fins de deserção.
Recurso provido." (REsp n. 117.632-SP, reI. em. Ministo José Arnaldo da Fonseca, DJ de 15/09/ 97).
"O pressuposto da deserção é a falta de preparo e não a sua insuficiência. Demais, seja pelo serventuário ou da parte, o erro na elaboração dos cálculos, não tranca a possibilidade de complementação, passível de ser exigida, até mesmo, após o julgamento do recurso, com a devolução dos autos à instância de origem." (AgRg n. 98.082-RJ, reI. em. Ministro Milton Luiz Pereira, DJ de 24/06/96).
"O preparo efetuado a tempo, mas por valor insuficiente, pode ser complementado posteriormente, em atendimento à determinação da Presidência do Tribunal local." (REsp n. 90.055-RJ, reI. eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 23.09.96).
3. Posto isso, dou provimento ao recurso para relevar a pena de deserção, devendo o recorrente proceder à complementação do depósito tão logo intimado do retorno dos autos à origem.
RECURSO ESPECIAL NQ 162.251 - SP
(Registro n Q 98.0005372-7)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrentes: Revenda Veículos e Peças Ltda. e outros
Recorrido: Wilde Alves de Siqueira
Advogados: Drs. Glória Naoko Suzuki e outros, e Carlos Alberto Ergas
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 327
EMENTA: Processo Civil. Agravo. Indicação dos nomes e dos endereços dos advogados. Art. 524, III, CPC. Ausência. Prescindibilidade caso constem das procurações juntadas. Rigorismo processual. Comarca sede de Tribunal. Hipótese em que a intimação se daria pela imprensa. Precedentes. Recurso provido.
I - Dispensa-se a indicação dos nomes e dos endereços dos advogados, prevista no art. 524, lU, CPC, quando da interposição do agravo de instrumento, se nas cópias das procurações juntadas se pode claramente verificar tais registros. Em tais circunstâncias, o objetivo da lei está alcançado, sem prejuízo para a parte adversa ou para o regular desenvolvimento do processo.
U - Em se tratando de Comarca na qual a intimação se faz pela imprensa, dispensável até mesmo o requisito do endereço do advogado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Bueno de Souza.
Brasília, 5 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 01-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Cuidase de recurso especial interposto
contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que desproveu o agravo "regimental" manifestado contra decisão que não conhecera liminarmente do agravo porque os então agravantes não teriam indicado os nomes e os endereços completos dos advogados das partes.
Irresignado, os recorrentes interpuseram recurso especial alegando violação dos arts. 154, 244 e 557 do Código de Processo Civil, porque seria excessivo formalismo a exigência, se nomes e endereços podiam ser extraídos das cópias das procurações.
Contra-arrazoado, foi o recurso admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): A petição de agravo deve conter, nos termos da lei, além da ex-
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posição do fato e do direito e das razões do pedido de nova decisão, os nomes e os endereços dos advogados. Essa exigência final se originou principalmente da recente alteração produzida na sistemática de interposição do agravo, que passou a ser interposto diretamente na segunda instância.
Assim, se o agravo tem início com a petição recursal e com as peças essenciais, faz-se necessário indicar o nome do advogado da outra parte para que ela, por meio de seu representante, possa ser intimada no endereço de seu advogado já constituído.
Desta forma, ausente indicação do nome do advogado do agravado, opera-se a ausência de regularidade formal, possibilitando o exercício negativo do juízo de admissibilidade.
In casu, entretanto, não se pode chegar ao formalismo exacerbado de desconsiderar as cópias das procurações juntadas, nas quais se pode constatar facilmente os nomes e os endereços dos advogados (fls. 23 a 29 dos autos).
A indicação do nome e do endereço do advogado do agravado é, em princípio, imprescindível: entretanto, naqueles casos em que não há procurador constituído ou naqueles em que o nome e o endereço constem da cópia da procuração do agravado, juntada pelo agravante, não se deve trancar o recurso. A entender-se diversamente, estar-se-ia, s.m.j., prestigiando o formalismo estrito, que a instrumentalidade tende a extirpar.
No ponto, a Segunda Turma, mutatis mutandis,já decidiu no mesmo sentido, como se infere do REsp 134.748-MG (DJ 6.10.97), de que foi relator o Ministro Adhemar Maciel, em acórdão assim ementado:
"- O vocábulo 'petição' inserto no 'novo' art. 524 do CPC compreende a petição recursal propriamente dita, bem como as cópias das peças que a acompanham. Por conseqüência, tem-se como atendida a exigência do inc. In do art. 524 do CPC, se o endereço dos patronos do agravante consta da petição que acompanha a peça recursal. 'O fim do processo não é teórico, mas prático' (Adolf Wach)".
E mais recentemente, esta Quarta Turma, no REsp 157.985-DF (DJ 30.3.98), decidiu, em acórdão de minha relatoria, assim ementado:
"I - Dispensa-se a indicação dos nomes e dos endereços dos advogados, prevista no art. 524, lII, CPC, quando da interposição do agravo de instrumento, se nas cópias das procurações juntadas se pode claramente verificar tais registros. Em tais circunstâncias, o objetivo da lei está alcançado, sem prejuízo para a parte adversa ou para o regular desenvolvimento do processo".
É de salientar-se que, na espécie em exame, seria até mesmo dispensável constar o endereço do advogado do agravado, porque, sendo o
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processo originado da Comarca sede de Tribunal (São Paulo-Capital), a intimação se faria pelo órgão oficial de publicação dos atos do Judiciário (art. 527, lII, parte final, CPC).
Destarte, tenho por violada a lei federal.
Em face do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para ensejar o prosseguimento do agravo, como de direito.
RECURSO ESPECIAL NQ 163.252 - SP
(Registro n Q 98.0007540-2)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrente: Banco Francês e Brasileiro S/A
Recorrida: Cibramix Argamassas Especiais Ltda.
Advogados: Drs. Realsi Roberto Citadella e outros, e Luiz Fernando Correa de Mello
EMENTA: Direito Processual Civil. Decisão por maioria. Embargos infringentes. Não interposição. Inexistência nos autos da manifestação do voto-vencido na apelação. Recurso especial desacolhido.
I - Não serve de fundamento a afastar a necessidade de interposição dos embargos infringentes o fato de não constar dos autos a declaração de voto vencido.
II - Não suprida a omissão em declaratórios e na impossibilidade de definir-se a extensão dos votos majoritários, os infringentes devem compreender a totalidade do decidido na apelação, por desacordo geral.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a se-
guir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 29 de abril de 1998 (data do julgamento).
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Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 01-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Cuidase de recurso especial interposto contra acórdão do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo que deu pela procedência do pedido de correção monetária de valores depositados em conta corrente do recorrido, em decorrência da edição do "Plano Collor".
Alega o banco, além de dissídio, violação da Lei 8.177/91 e dos arts. 5Q e 9Q
, da Lei 8.024/90 e 267, VI do Código de Processo Civil, sustentando sua ilegitimidade passiva ad causam, além da nulidade do acórdão.
Sem contra-razões, sobreveio decisão inadmitindo o especial, subindo os autos por força de provimento de agravo para melhor exame da questão relativa à ilegitimidade passiva do recorrente
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): Não pode prosperar o recurso, havendo de prevalecer os argumentos que fundamentaram o juízo negativo de admissibilidade na instância de origem.
Decidida a apelação por maioria de votos, o apelante, ora recorrente, não procedeu à interposição dos embargos infringentes, sem os quais a decisão de que se recorre não se configura como de última instância, obstando o manejo do apelo extremo.
N em se argumente com o fato de que não consta dos autos a manifestação de voto-vencido, impossibilitando-se, por isso, a análise da extensão do julgamento não-unânime, uma vez que a indeterminação do acórdão, nesse ponto, seria matéria a ser sanada na via dos embargos declaratórios, a fim de que se esclareça em que parte ocorreu o julgamento por simples maioria.
Diante da impossibilidade de saber-se em que extensão se deu o julgamento majoritário, e não tendo o recorrente optado pelo oferecimento dos declaratórios a fim de ver sanada a irregularidade, estaria ele na contingência de oferecer infringentes em toda a matéria objeto de julgamento da apelação. Neste sentido, o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário 113.796 (DJU de 06.11.87), relatado pelo Ministro Moreira Alves, em cuja ementa se lê:
"Acórdão recorrido suscetível de ser atacado por embargos infringentes, na instância ordinária.
Quando não se pode saber exatamente a extensão do voto vencido, por omissão do acórdão no
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tocante a ele e por impossibilidade de inferi-lo com segurança do teor daquele, a solução que esta Corte já acolheu é a de que os embargos infringentes são cabíveis por desacordo total.
Portanto, se, no caso, o ora recorrente houvesse embargado (embargos infringentes), o acórdão recorrido, a divergência, segundo a jurisprudência desta Corte, seria em toda a extensão do mérito decidido. Assim sendo, não pode ele, no recurso extraordinário, pretender que este é cabível por não ser embargável o aresto recorrido."
Assim, de invocar-se a incidência do Enunciado n Q 281 da jurisprudência sumulada do Supremo Tri-
bunal Federal. Sendo cabíveis os embargos infringentes, visto que a decisão recorrida fora tomada por maioria, a sua ausência impede o conhecimento do especial, nos termos do que decidido no REsp 93.407 (DJU de 26.08.96), por mim relatado e com a seguinte ementa:
"(. .. )
- Decidida a apelação por maioria, cumpre à parte esgotar a instância, com a interposição de embargos infringentes, sob pena de ser-lhe barrado o acesso à instância especial, por não caracterizada a decisão como de última instância".
Em face do exposto, não conheço do recurso.
332 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.