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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 122.309 - MG

(Registro nº 96.0054903-6)

Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

Agravante: Valéria Francisca de Andrade Frota

Agravada: Decisão de fls. 68/69

Advogados: Drs. Márcio Gontijo e outros

EMENTA: Recurso especial. Decisão de natureza administrati­va. Descabimento. Conceito de "causa". Doutrina precedente do Su­premo Tribunal Federal. Agravo desprovido.

- Descabe recurso especial contra decisão tipicamente adminis­trativa, ainda que em procedimentos censórios.

ACÓRDÃO

Vistos, relatado.s e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, negar pro­vimento ao agravo regimental. Vo­taram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Ministro Bueno de Souza.

Brasília, 24 de março de 1998 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

Publicado no DJ de 08-06-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Recorre­se de decisão que "manteve" a inad­missão de recurso especial, porque manifestado contra decisão tipica­mente administrativa do Tribunal de origem.

Aduz a recorrente, em suma, que, no permissor constitucional (art.

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 259

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105), não há distinção entre causas judiciais e administrativas.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Rela­tor): 1. Cuida-se de reclamação ajui­zada pelo Ministério Público de Mi­nas Gerais ao argumento de que a agravante, Oficial substituta do Cartório de Registro de Imóveis de Varginha-MG, não observava a Ta­bela da Corregedoria de Justiça na cobrança dos emolumentos.

Julgada procedente, recorreu a vencida, tendo o Tribunal de Justi­ça de Minas Gerais, apreciando a es­pécie em nível administrativo, ne­gado provimento ao recurso.

2. Como se vê, o Tribunal de ori­gem proferiu decisão tipicamente administrativa, sendo que decisões desta natureza não se compreen­dem dentro do conceito do termo causa constante nos admissivos constitucionais.

Sobre o tema, o Supremo Tribu­nal Federal, decidiu:

"Inviável o extraordinário. Tra­ta-se de decisão de natureza ad­ministrativa, que, por isso, não comporta recurso extraordinário, vez que distintas são as instân­cias administrativa e judiciária" (DJU 22/09/94, pág. 25.139).

Da doutrina, extrai-se a opinião do Mestre Athos Gusmão Carnei­ro, citado por Rodolfo de Camár-

go Mancuso in Recurso Extraor­dinário e Recurso Especial, 3ª edi­ção, São Paulo, RT, págs. 80/81:

"O conceito de causa, quer em tema de recurso extraordinário, stricto sensu, como de recurso especial, é o mais amplo: abran­ge a totalidade dos processos em que tenha sido proferida decisão jurisdicional, tanto em jurisdição contenciosa como na denomina­da jurisdição voluntária.

C .. ) À evidência, não cabe recurso

extremo das decisões tipicamen­te administrativas, ainda que em procedimentos censórios, proferi­dos pelos Tribunais no exercício de sua atividade de autogoverno no Poder Judiciário e da magis­tratura (art. cit., RT 654/10)".

Ainda a propósito, vale destacar o seguinte trecho do parecer do Mi­nistério Público Federal lançado nos autos pela Dra. Delza Curvello Ro­cha:

"A questão que se coloca, é sa­ber o verdadeiro teor da expres­são 'causa' insculpida no artigo 105, III da Carta Magna para se perquirir a possibilidade da su­bida do Recurso Especial C .. ).

C .. )

Com a proficiência que lhe é peculiar, lecionou o Ministro Cel­so de Mello, no voto que proferiu por ocasião do julgamento da ADln 1.098-DF:

260 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.

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"A expressão causa designa, na realidade, qualquer proce­dimento em que o Poder Judi­ciário desempenhando a sua função institucional típica, re­solve ou previne controvérsias mediante atos estatais provi­dos de final enforcing power. É-lhe ínsita - enquanto estru­tura formal em cujo âmbito se dirimem, com carga de defini­tividade, os conflitos suscita­dos - a presença de um ato decisório em sede jurisdicio­nal".

É do magistério de Castro Nu­nes: 'Aliás, é essa acepção que corresponde à palavra causas na terminologia forense - processos judiciários, seja qual fora a sua natureza, ou fim' (Teoria e Práti­ca do Poder Judiciário, pág. 328).

À evidência, não cabe recurso extremo das decisões tipicamen-

te administrativas, ainda que em procedimentos censórios, proferi­dos pelos tribunais no exercício de sua atividade de autogoverno no Poder Judiciário e da magis­tratura.

Em tema de reclamação, ou correição parcial, predomina a tese do descabimento, salvo se na correição houver sido aprecia­do "algo pertinente ao mérito" (apud Barbosa Moreira, Co­mentários ao Código de Processo Civil, 5ª ed., Forense, nota 837).

Vale ressaltar que a Reclama­ção apreciada não adentrou no mérito da quaestio, o que será efetuado com a posterior instau­ração do procedimento adminis­trativo que apurará eventuais irregularidades" .

Posto isso, desprovejo o agravo.

RECURSO ESPECIAL NQ 8.401 - SP

(Registro n Q 91.0002896-7)

Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar

Recorrente: José Leão Soares Júnior

Advogados: Drs. Pericles Soares Rossi e outros

Recorrido: Ataliba Almeida Moura - espólio

Advogados: Drs. Sebastião Fernando Araújo de Castro Rangel e outro

Recorrido: Município de São Paulo

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EMENTA: Loteamento.

Espaços destinados às vias e outros logradouros incorporam­se ao domínio público sem dependência de atos cartoriais.

Dissídio jurisprudencial superado.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, não conhe­cer do recurso. Votaram com o Re­lator os Srs. Ministros Sálvio de Fi­gueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.

Brasília, 05 de maio de 1998 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.

Publicado no DJ de 25·05·98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: José Leão Soares Jú­nior promoveu ação de usucapião extraordinário, nos termos que se acham às fls. 02/4.

A sentença de fls. 899/906 deu pela procedência da ação,

"reconhecendo, nos termos do art. 550 do Código Civil, o exer­cício da posse ad usucapionem pelo promovente José Leão Soa-

res Júnior, sobre a área descrita no memorial de fls. 385/389, res­pectivamente, com 25.651,42 m 2

e 2.978,86 m 2.

A Segunda Câmara Civil do Tri­bunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, delibe­rou denegar acolhida ao recurso do espólio de Ataliba Almeida Moura,

"bem como dar provimento ao reexame necessário e ao recurso da Municipalidade,"

consoante o acórdão de fls. 978/983, desta forma sumariado:

"Loteamento. Áreas destinadas a vias e logradouros públicos. Apro­vação do arruamento. Transfe­rência automática para o domínio público. Alcance da teoria do con­curso voluntário. Uma vez apro­vado o arruamento, para urbani­zação dos terrenos particulares, as áreas destinadas às vias e lo­gradouros públicos passam, au­tomaticamente, para o domínio municipal, independente doutro título aquisitivo e de registro imobiliário. Isto pressupõe quejá se tenha efetivado, como realida­de física, o arruamento. Mas, se o loteador executa, ao depois, o arruamento aprovado, nesse ins-

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tante opera-se a mesma transfe­rência automática para o domí­nio público.

Expressaram os julgadores do se­gundo grau que davam provimento

" ... ao reexame necessário e ao recurso da municipalidade de São Paulo, para o fim de julgar, como julgam, improcedente a ação de usucapião sobre a gleba A, de 23.651,45 m 2

, descrita e indivi­duada no laudo do perito, a fls. 382-385 (3° volume) e, em conse­qüência, condenar o autor ao pa­gamento proporcional das custas e despesas processuais, apurável por simples cálculo em relação às áreas de ambas as glebas, e da metade dos honorários advocatí­cios arbitrados pela r. sentença e corrigíveis desde a data de sua prolação." (fl. 983)

José Leão Soares Júnior, o autor, interpôs recurso especial, com ful­cro no art. 105, III, a e c, da Consti­tuição Federal, alegando contrarie­dade aos arts. 533, do Código Civil; 167, I, item 19 e 172 da Lei de Re­gistros Públicos e ainda o 22 da Lei nº 6.766/79, além de dissídio juris­prudencial.

Pelo despacho de fls. 1.012 e 1.013 foi o recurso admitido.

A Procuradoria Geral da Repúbli­ca opinou pelo não conhecimento ou desprovimento do recurso

"e se conhecido, pelo desprovi­men to" (fls. 1. 04 7/1. 048).

VOTO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Ao acolher o recurso da Municipalidade a Segun­da Câmara Civil do Tribunal de Jus­tiça do Estado de São Paulo delibe­rou à luz dos considerandos que se seguem:

"Faz muito que, aderindo à boa doutrina publicística (cf. Pontes de Miranda, "Tratado de Direi­to Privado", SP, Ed. RT, 4ª Ed., 1977, tomo XIII, pág. 89, § 1.452, n. 4, e Hely Lopes Meirelles, "Direito Municipal Brasileiro", SP, Ed. RT, 2ª Ed., 1964, vol. I, pág. 140), o e. STF consagrou a orientação de que, uma vez apro­vado o arruamento, para urbani­zação de terrenos particulares, as áreas destinadas às vias e logra­douros públicos passam, automa­ticamente, para o domínio do mu­nicípio, independente doutro tí­tulo aquisitivo e de registro imo­biliário, porque é preciso efeito jurídico do arruamento converter domínio particular em domínio público, para uso comum do povo (cf. RE n. 95.256, in RTJ 106/672-678; RE n. 84.327, in RTJ 79/991-1.002; RE n. 73.044, in RTJ 62/ 465-468, e RE n. 59.065, in RTJ 50/686-689).

É claro que tal enunciado, no contexto da chamada teoria do concurso voluntário, pressupõe que, no nível da realidade física, já se tenha efetivado o arruamen­to, cuja aceitação pela Municipa­lidade, mediante aprovação do

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respectivo plano e conseqüente facultação do uso comum produz a transferência do domínio par­ticular para o domínio público. A mera aprovação do projeto não basta, pois que, exaurindo-se o prazo de validade do alvará, sem realização material do arruamen­to e sem possibilidade de uso co­mum pode o proprietário desis­tir da empresa e desafetar-Ihe as áreas. Mas, se não desiste e, exe­cutando o arruamento aprovado, o abre ao uso público, nesse ins­tante opera-se a transferência automática do domínio particular para o domínio público, indepen­dente de outro ato qualquer e, sobretudo, de registro do lotea­mento. Leitura diversa conduzi­ria ao extremo de se beneficiar quem, como infrator da lei, não leve a registro o projeto aprova­do e altere, de maneira unilate­ral e em benefício próprio, a des­tinação de áreas públicas.

Ora, é verdade que, no caso, venerando acórdão, sob o pálio de res iudicata, negou à Municipa­lidade, desde a aprovação do lo­teamento, toda posse sobre a gle­ba maior, enquanto espaço livre, reservado para sistema de re­creio, reconhecendo-a, pelo cará­ter dúplice da possessória, em favor do ora promovente, coisa que, vinculando as mesmas par­tes, poderia sugerir ineficácia daquela aprovação, à falta de ar­ruamento concreto. A impressão imediata é de que, se a Munici­palidade não recebeu posse dos loteadores, porque estes já a ti­nham perdido ao autor, que a con-

serva até hoje, não teria havido arruamento e, em conseqüência, a gleba não poderia incorporar­se ao domínio público, senão à data de inscrição do loteamento, em 1974, quando, porém, já es­taria consumado o usucapião ex­traordinário em benefício alheio e, impossibilitada a transferência do domínio dos loteadores, quejá o não tinham, para o domínio da Prefeitura.

É só impressão.

Está provadíssimo que, depois de aprovar o loteamento "J ardim Icaraí", concedendo o Alvará n. 21.245, de 27 de abril de 1962, tentou a Municipalidade desalo­jar o ora promovente e, para isso, expediu, em 27 de novembro de 1968, notificação que situava o imóvel municipal ocupado, entre as ruas 17 e 18 do mesmo lotea­mento (fls. 182). Em 12 de no­vembro do ano seguinte, o proce­dimento administrativo revela manifestação do Diretor do De­partamento Patrimonial, que faz referência a "espaço livre reser­vado em arruamento aprovado", como objeto da invasão (fls. 183). E, a 14 de maio de 1970, é expe­dida segunda notificação, que se reporta à rua 21 do loteamento (fls. 185).

Isto significa, fora de toda dú­vida, que pelo menos, desde 27 de novembro de 1968, já tinham os lote adores efetuado o arruamen­to, como realidade física confor­me com o projeto aprovado em 1962, pela manifestíssima razão de que, sem essa concretização no

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solo, não haveria como nem por onde identificar, de modo tão ri­goroso, o local da ocupação irre­gular de espaço livre, extreman­do-o designadamente entre as ruas que o conformam. É, pois, que estas já se achavam, então, abertas, como, aliás, o admite a petição inicial mesma, ao decla­rar que o terreno primitivo fora seccionado pela abertura das ruas 18 e 30, e ao juntar velhas fotos, cujas legendas individua­lizam as ruas retratadas, sob os ns. 10 e 17 (fls. 23).

É inelutável a conclusão.

Se, em 1968,já existia o arrua­mento, aprovado e aberto ao uso comum, pouco se dá que a inscri­ção do loteamento tenha sido fei­ta anos depois, exatamente em 1974, porque, aplicando-se a tese jurídica à hipótese, no instante em que o arruamento aprovado foi aberto ao público, se perfez o concurso voluntário, enquanto ato jurídico idôneo a operar transfe­rência das áreas destinadas às vias e logradouros, do domínio particular para o domínio públi­co, independente doutro ato e, em especial, de registro. E tal incor­poração deu-se de modo automá­tico, pelo menos em 1968, porque, nessa data, não contando ainda, o ora autor, com tempo necessá­rio à consumação da prescrição aquisitiva, não haviam os lotea­dores perdido o domínio daque­las áreas, de modo que podiam transmiti-lo à Municipalidade, ainda que já lhes não tivesse a posse. A partir daí, em se tratan-

do de bem de uso comum do povo, que é coisa fora de comércio, não se pode pensar em usucapião (Sú­mula 340 do e. STF). A posse ul­terior do ora promovente, posto que fosse ad interdicta e, como tal, tutelada na possessória mo­vida pela Prefeitura, não era nem é ad usucapionem. (fls. 9801 983)

o Ministro Oscar Correia, que no Supremo Tribunal Federal foi rela­tor do RE nº 95.256, expôs em seu voto o seguinte:

"Primacialmente, tanto à épo­ca do advento do Código Civil quanto anteriormente ao Decre­to-Lei nº 58, de 10-12-1937, jus­tificavam-se, realmente, as incur­sões ao direito estrangeiro para harmonizar os textos legais à rea­lidade fática das hipóteses. Não faltam, aliás os que relembram e ressaltam os ditames das "Orde­nações" que estabeleciam conota­ções especiais para as vias e bens públicos de uso comum (Alfredo Buzaid, parecer sobre Bem pú­blico de uso comum in Rev. dos Trib., VoI. 353, págs. 48-62, nº 6, págs. 50/51), destacando-as do tratamento comum e privatístico da propriedade particular."

E depois, lembra o próprio Cló­vis Bevilaqua (folhas 598/599), assinalando:

" ... não deverem os bens do­minicais ser submetidos à ju­risdição do Direito Civil, mas, sim, às do Direito Constitucio-

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nal e do Direito Administrati­vo" (pág. 316).

o insigne civilista, nessa linha de idéias, ao comentar os atribu­tos da transcrição, estabelecida pelo Código como forma de aqui­sição de propriedade por ato in­ter vivos, já previa a dispensa da mesma para certos atos deri­vados de lei, entendendo, inclusi­ve, que a prova da propriedade, a legalidade da aquisição e a pu­blicidade da transferência do do­mínio são objetivos que a lei rea­liza plenamente, ainda melhor do que a transcrição (Revista dos Tribunais 70/463)" - in RTJ 106/ 675.

Anteriormente, o Min. Djaci Fal­cão, a quem coubera relatar o RE 59.065-SP, com voto vencedor, dei­xara assentado que

"efetuado o arruamento, se a Municipalidade aceita o plano, possibilitando o uso comum, ope­ra-se a transferência do domínio particular para o domínio públi­co." (RTJ, 50/688)

No RE 84.327-DF, de redação do Min. Cordeiro Guerra, também foi vitoriosa a mesma tese, consoante se vê do sumário do acórdão respec­tivo:

"Loteamento. Aprovado o arrua­mento, para urbanização de ter­renos particulares, as áreas des­tinadas às vias e logradouros pú­blicos passam automaticamente para o domínio do município, in-

dependentemente de título aqui­sitivo e transcrição, visto que o efeito jurídico do arruamento é, exatamente, o de transformar o domínio particular em domínio público, para uso comum do povo. Não tem o loteador infringente do Dec.-Lei 58/1937, mais direitos que o locador a ele obediente.

Inalterabilidade das plantas sem o consenso do Município.

Recurso extraordinário conhe­cido, porém não provido." (in RTJ 79/991)

Benedito Silvério Ribeiro, em obra de alta valia, ao tratar da for­ma de aquisição de bens pelo poder público, anota que

"relativamente a loteamentos, em que ficam reservados espaços livres para rua, praças, áreas de recreação ou lazer, tem-se que passam ex lege ao domínio pú­blico, independentemente de re-· gistro, escritura, termos de doa­ção, cessão ou qualquer outra pro­vidência." (Tratado de Usuca­pião, voI. 1, pág. 577, São Paulo: Saraiva, 1992);

e noutro passo observa:

"N em mesmo se faz mister, se­gundo Helly Lopes Meirelles, a inscrição do loteamento para que se considerem incorporados no domínio municipal esses bens de uso comum do povo, decorren­tes da urbanização de áreas par­ticulares. A inscrição só é exigí­vel para fins de alienação dos lo­tes, sem qualquer implicação com

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as áreas de domínio público, não sujeitas às normas civis e às exi­gências de comerciabilidade dos bens particulares" (págs. 578/579).

Destarte, espaços destinados às vias e outros logradouros incorpo­ram-se ao domínio público sem de­pendência de atos cartoriais.

Posto isso, não diviso, no caso, laceração dos arts. 533, do Código Civil, 167, I, item 19 da Lei n Q 6.015/ 73 e 22 da Lei n Q 6.766/79.

De outro ângulo, tenho por supe­rado o dissídio jurisprudencial, por­quanto o precedente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso é no senti­do da necessidade em casos como o dos autos de registro do loteamen­to, e ambas as Turmas da 2ª Seçâo desta Corte nortearam-se pela tese contrária.

Eis a ementa do acórdão tomado naAR n Q 387, relator Ministro Bar­ros Monteiro:

"Loteamento. Espaços livres de uso comum. Usucapião. Trans­ferência ao patrimônio público. Ação rescisória com alegação de

violação dos arts. 9Q, parágrafo 2Q, inciso lII, 17, 22 e 23, parágra­fos 2Q e 3Q, da Lei n Q 6.766, de 19.12.79.

As áreas livres de uso comum incorporam-se ao domínio do mu­nicípio com a simples aprovação do loteamento, não sendo exigí­vel para tanto o registro no car­tório imobiliário.

Ação rescisóriajulgada impro­cedente."

No mesmo sentido, a 3ª Turma, em aresto da lavra do Ministro Dias Trindade:

"Civil. Loteamento. Áreas li­vres. Usucapião.

São insusceptíveis de usuca­pião as áreas livres, destinadas ao uso comum do povo, constan­tes de loteamentos aprovados pela municipalidade, quando se dá o concurso de vontades entre loteador e a comuna, para desti­nação dessas áreas ao condomí­nio público".

Posto isso, não conheço do recur-so.

RECURSO ESPECIAL NQ 15.697 - SP

(Registro n Q 91.0021218-0)

Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar

Recorrente: Fazenda do Estado de São Paulo

Advogada: Dra. Vera Lúcia Gonçalves Barbosa

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998. 267

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Recorrido: Mussa Salim Assaly

Advogados: Drs. Samir Safadi e outros

EMENTA: Correção monetária.

- Para correção da moeda em janeiro de 1989, o índice é de 42,72.

- Precedentes do STJ.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento par­cial. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Tei­xeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.

Brasília, 05 de maio de 1998 (da­ta do julgamento).

MinÍstro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.

Publicado no DJ de 25-05-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: O Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Pau­lo, por votação unânime, negou pro­vimento ao Agravo de Instrumento

" ... tirado dos autos de u'a ação indenizatória, em que a agravan­te, ré nessa lide, se volta contra a r. decisão do MM. Juiz de 12

grau, que determinou a inclusão do percentual do IPC, de 70,28%, no cálculo de atualização mone­tária ... " (fls. 73/74).

Do acórdão recorrido é o tópico que se segue:

"c. .. ) o percentual de 70,28%, referente à inflação de janeiro de 1989, há que se incluir na inde­nização devida ao agravado. Isto porque aquela ocorreu. E, em as­sim sendo, nenhuma razão lógi­ca ou jurídica há que lhe ampare a exclusão." (fls. 74 e 75)

A Fazenda Estadual paulista opôs ao aresto embargos de decla­ração dizendo-o omisso porque não fizera menção aos dispositivos le­gais que invocara o embargante (fls. 77/79). Tais embargos foram rejei­tados à unanimidade (fls. 82/83).

A Fazenda do Estado manifestou, então recurso especial fundando-o no art. 105, IH, a e c, da Lei Cardeal, sustentando que o Acórdão contra­riou

"o princípio insculpido no art. 52, inciso H, da Constituição Fe­deral, e ainda negou vigência a

268 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.

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toda a legislação federal, que dis­ciplina a atualização monetária de débitos oriundos de decisão judicial."

A recorrente mencionou como de vigência denegada:

"a Lei nº 6.899/81; o Decreto nº 86.649/81; o artigo 6Q do Decre­to-Lei nQ 2.284/86; o art. 15, inci­so III, §§ 1º e 2º da Lei 7.730/89; o artigo 5º da Lei nQ 7.801/89" (fl. 92).

o recurso foi admitido nos termos que se acham às fls. 119/120.

VOTO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Alegação de

ofensa a texto constitucional não é passível de exame em sede de re­curso especial.

Quanto ao alegado de negativa de vigência de lei federal, os dispositi­vos mencionados pe-la recorrente não foram objeto de prequestiona­mento.

No tocante ao índice corretório da moeda em janeiro de 1989, firmou­se a jurisprudência da Corte Espe­cial no sentido de 42,72%. Nessa di­retriz, as decisões adotadas nos EREsp 24.168, que teve como rela­tor o Ministro Torreão Braz, e no REsp 43.055, relatado pelo Minis­tro Sálvio de Figueiredo.

Dessarte, conheço do recurso pela divergência de julgados e provimen­to lhe dou em parte, para que se aplique, em relação a janeiro de 1989, o índice corretivo de 42,72%.

RECURSO ESPECIAL NQ 23.749 - PR

(Registro nQ 92.0015299-6)

Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar

Recorrente: Companhia Paranaense de Energia - Copel

Advogados: Drs. José Manoel dos Santos e outros

Recorrido: Benedito Maurício Romeiro

Advogados: Drs. Séttimo Pierotti e outros

EMENTA: Indenização. Acidente do trabalho.

- Súmula 07 do STJ.

- Provimento em parte do recurso para determinar a inclusão do autor em folha de pagamento do devedor.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por maioria, conhecer do re­curso e lhe dar parcial provimento. Votaram com o Relator os Srs. Mi­nistros Sálvio de Figueiredo Teixei­ra, Barros Monteiro e Ruy Rosado de Aguiar. Vencido em parte o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.

Brasília, 16 de dezembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.

Publicado no DJ de 25·05·98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Trata-se de ação de in­denização pelo direito comum pro­posta por Benedito Maurício Romei­ro contra Cia. Paranaense de Ener­gia - Copel e Projete Engenharia Ltda.

A sentença julgou em parte pro­cedente a ação,

" ... para condenar solidaria­mente as Requeridas a pagarem ao Requerente uma indenização correspondente ao salário perce­bido pelo mesmo no momento do aci­dente, que era de Cr$ 2.080,00, des­de a data da ocorrência (09.07.86), com as vantagens advindas da Lei 6.708/79 e outras que sobrevierem

sobre o Contrato de Trabalho, ou decorrentes da Convenção Cole­tiva do Trabalho, Acordo Coleti­vo, além de férias, 13 Q salário, F.G.T.S. até a idade de 65 anos de idade, cujos valores serão apu­rados em execução de sentença, devendo para tanto cumprir as determinações inscritas no art. 602 e seus parágrafos, do Código de Processo Civil." (fls. 245 a 246)

A Sétima Câmara Civil do Tribu­nal de Alçada do Estado do Paraná manteve a sentença, e o acórdão correspondente restou desta forma sumariado:

"Ação . ~e indenização - Aci­dente do t,·abalho - Culpa - Sú­mula 229 do STF.

Comprovada a culpa concor­rente das apelantes e o nexo cau­sal entre a conduta culposa com acidente de que resultou incapa­cidade permanente do apelado, o ressarcimento é conseqüência ló­gica." (fls. 322)

Projete Engenharia Ltda. inter­pôs recurso especial fundado no art. 105, IH, a, da Constituição Federal dizendo de vigência denegada o art. 159 do CCB (fls. 331/332).

Companhia Paranaense de Ener­gia - Copel manifestou recurso es­pecial com fulcro no art. 105, IH, a e c, da Constituição Federal, ale­gando negativa de vigência dos ar­tigos 20, § 5Q e 602, do Código de Processo Civil, além de dissídio ju­risprudencial. Sustenta ser parte ilegítima e que não se houve com

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culpa. Aduz também que, socieda­de de economia mista, desnecessá­ria à constituição do capital garan­tidor do pagamento da pensão (fls. 335 a 344).

O primeiro dos recursos não al­cançou trânsito no Tribunal de ori­gem; já o segundo, foi admitido (fls. 375/378).

O Ministério Público opinou pelo provimento em parte do recurso (fls. 386/388).

VOTO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Embora ale­gue a recorrente sua ilegitimidade de parte e ausência de culpa no evento danoso, não indica expres­samente que dispositivos de lei te­riam sido violados. Tal procedimen­to torna deficiente a petição recur­sal.

Sobre a ilegitimidade de parte co­lho do aresto:

a) "Do despacho (f. 168) que re­jeitou as preliminares argüidas pela Copel não foi interposto re­curso" (fi. 324);

b) "A alegação da primeira re­corrente, no sentido de que o con­trato de empreitada celebrado com a segunda prevê a responsa­bilidade exclusiva desta quanto à adoção de medida de seguran­ça de trabalho, bem como o pa­gamento da respectiva indeniza­ção é, em relação ao apelado, res inter alios." (fls. 328)

Com relação à ocorrência ou não de culpa a questão envolve o reexa­me da prova, circunstância que re­clama a incidência da Súmula 07, desta Corte.

O dissídio jurisprudencial está demonstrado, o que me faz conhe­cer do recurso no ponto dissonante em relação aos precedentes trazidos como paradigmas: a constituição de capital.

A propósito da matéria, ambas as Turmas da 2ª Seção desta Corte, têm jurisprudência assentada: o REsp 29.253, 3ª Turma, relator Mi­nistro Nilson Naves e o REsp 33.163, relator o Ministro Athos Carneiro; este, de acórdão assim sumariado:

"Acidente do trabalho. Indeni­zação de direito comum. Súmula n Q 37-STJ. Dispensa da formação de capital. Art. 602 do C.P. C.

A indenização por danos mo­rais, à viúva e filho da vítima fa­lecida no acidente, é cumulável com a indenização pelos danos materiais - Súmula 37-STJ, po­dendo ser paga em uma só pres­tação.

É dispensável a constituição de capital (C.P.C., art. 602) quan­do os beneficiários da pensão fo­ram incluídos em folha de paga­mento de grande empresa pres­tadora de serviços públicos e no­toriamente solvente.

Recurso especial conhecido em parte, e nesta parte provido."

Posto isso, conheço do recurso e lhe dou parcial provimento para de-

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terminar que o autor seja incluído em folha de pagamento, dispensa­da a constituição do capital para o pagamento da indenização.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Acompanho o Sr. Ministro-Relator, conhecendo em parte do recurso e, nessa parte, dan­do-lhe provimento. Deixo apenas ressalvada a possibilidade dE? o Judi­ciário exigir, ocorrendo fato superve­niente e em face de circunstâncias, que a garantia da prestação seja da­da por caução fidejussória hábil, ou outra medida equivalente em garan­tia do destinatário da verba.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MON­TEIRO: Srs. Ministros, também acom­panho o Sr. Ministro-Relator, cujo voto tem a respaldar ajurisprudên­cia desta Casa.

VOTO - VENCIDO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA: Sr. Presidente, estou ciente de que a jurisprudência da Corte tem que dar respaldo ao voto proferido pelo eminente Ministro­Relator e pelos demais eminentes Ministros que o acompanharam. Todavia, o que se verifica é que as mutações econômicas estão, hoje, muito presentes e afetando de uma forma muito direta, inclusive, as empresas ditas como estatais.

A recorrente, no caso, como pude perceber, é uma sociedade de eco­nomia mista que, há anos passados, era tida como uma empresa que te­ria vida duradoura ou permanente, que jamais poderia extinguir-se ou sofrer qualquer vexame de nature­za econômica ou financeira.

Todavia, o que se verifica é que todas essas empresas estatais estão sendo privatizadas sob o fundamen­to de que são deficitárias. Aquele fundamento que teve a Corte para adotar a posição que ora está sendo firmada pela Turma, isto é, que a vítima não teria risco de deixar de receber o que lhe fosse de direito porque a empresa estatal não iria sofrer dificuldades financeiras, pa­rece-me que não pode ser mais acei­to hoje, data venia, do entendi­mento em contrário.

Contra a jurisprudência até en­tão prevalecente, ouso discordar dos votos então proferidos para não co­nhecer do recurso.

VOTO-VOGAL

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, tam­bém levo em boa conta a argumen­tação expendida pelo eminente Mi­nistro Cesar Asfor Rocha, mas es­tou, por ora, mantendo a orientação predominante na Turma e no Tri­bunal quanto à possibilidade da in­clusão na folha de pagamento, em substituição à formação de capital. Acredito que em recurso com outro limite, será melhor examinada a

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possibilidade de transformar a exi­gência da formação de capital em uma garantia fidejussória, bancária ou de natureza securitária para dar

cumprimento às sentenças de inde­nização.

Estou, portanto, acompanhando a maioria.

RECURSO ESPECIAL NQ 32.881 - SP

(Registro n Q 93.0006384-7)

Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrente: Cooperativa Regional de Crédito Rural Ltda. - CAC

Recorrido: Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa

Interessados: Comercial de Secos e Molhados Nozawa Ltda. e outros, Fumio Nozawa, eMiti Nozawa Ichiba

Advogados: Drs. Aquilas Antônio Scarceli, Marcos Tadeu Gaiott Tamaoki e outros, e Reinaldo Albertini

EMENTA: Processual Civil. (1) Nulidade sem demonstração de prejuízo. (2) Execução. Penhora. Credor hipotecário. Inexistência de prévia execução. Não conhecimento.

(1) Por regra geral do Código de Processo Civil não se dá valor à nulidade, se dela não resultou prejuízo para as partes, pois acei­tou, sem restrições, o velho princípio: pas de nulitté sans grief. Por isso, para que se declare a nulidade, é necessário que a parte alegue oportunamente e demonstre o prejuízo que ela lhe causa.

(2) O concurso de credores previsto nos arts. 711 e 712, do CPC, pressupõe execução e penhora do credor que alega preferência já que não basta por si só o fato de ser credor hipotecário.

A escritura de garantia hipotecária e a sua inscrição no regis­tro público não são suficientes para preservar a prelação do cre­dor hipotecário em execução promovida por terceiro, pois a sua preferência só se impõe se existirem prévias execuções por ele aforadas e penhora sobre o bem.

Falece a quem não demonstra tais pressupostos aptidão para pretender a satisfação do crédito, que alegar possuir, contra o executado.

Recurso não conhecido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não co­nhecer do recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Barros Montei­ro. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Bueno de Souza e Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília, 02 de dezembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro CESARASFOR ROCHA, Relator.

Publicado no DJ de 27-04-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA: O Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa pro­moveu contra Comercial de Secos e Molhados, Fumio Nozawa e outros, o Banco e a empresa comercial sen­do ora recorridos, uma ação de exe­cução, tendo sido procedida a pe­nhora sobre os bens cogitados nos autos.

A ora recorrente foi intimada des­sa penhora, por ser credora hipote­cária, em face de duas cédulas ru­rais pignoratícias e hipotecárias, já vencidas, pelo que requereu fosse assegurado o seu direito de prefe­rência quanto ao recebimento do valor que fosse apurado (fls. 242/ 244).

Praceados os bens, os filhos de Fumio Nozawa requereram (fls. 319/320) a remição dos bens que ao caso interessam, depositando o va­lor devido.

O douto juiz processante deter­minou que a ora recorrente demons­trasse ser exeqüente e que tivesse realizado a penhora sobre tais bens, tendo a recorrente ficado inerte.

Por entender que "o concurso de credores previsto nos arts. 711 e 712, do CPC, pressupõe execução e penhora do credor que alega prefe­rência (já que) não basta alegar ter preferência por ser credor hipotecá­rio" (fls. 373/373v.), o juiz singular indeferiu o pedido da ora recorren­te que, em apelação, requereu a nulidade da sentença, tanto pela matéria de fundo, como também, preliminarmente, porque, da inti­mação para comprovar que tivesse realizado a penhora, não constou o nome de seu advogado.

A apelação foi improvida.

N o atinente à preliminar, pelos seguintes motivos:

"Afasta-se, desde logo, a hipo­tética nulidade da R. Sentença. Embora tenha havido a falha na intimação da Apelante quanto ao despacho que lhe determinou a apresentação de prova do proces­samento de execução, o certo é que, segundo se depreende facil­mente das razões de recurso, a execução não foi mesmo iniciada, e de nada aproveitaria à parte a anulação do ato judicial, e a de­volução da prova, pois esta seria

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negativa, persistindo a situação fática que ensejou a Decisão im­pugnada. Aplica-se ao caso o dis­posto nos arts. 249, § 1Q

, e 250, parágrafo único, ambos do Códi­go de Processo Civil." (fls. 418).

Por tudo que ficou acima ex­posto, deve-se afirmar o acerto da R. Sentença apelada, que indefe­riu a instauração do concurso pretendido pela recorrente, res­saltando-se que isso não prejudi­ca a Apelante, pois a sua garan­tia permanece íntegra, graças ao direito de seqüela, permitindo­lhe que vá buscar o bem remido junto a quem o detenha, através do instituto da penhora, a ser for­malizada na execução que vier a promover contra a devedora." (fls. 425).

Quanto ao mérito, também por entender que "o concurso de credo­res previsto nos arts. 711 e 712, do CPC, pressupõe execução e penho­ra do credor que alega preferência" pelos mesmos fundamentos acima referidos, embora "ressaltando-se que isso não prejudica a Apelante, pois a sua garantia permanece ín­tegra, graças ao direito de seqüela, permitindo-lhe que vá buscar o bem remido junto a quem o detenha, através do instituto da penhora a ser formalizada na execução que vier a promover contra a devedora" (fls. 425).

Daí o recurso especial em exame com base nas letras a e c do per­missor constitucional por sugeri­da divergência com o julgado cuja ementa transcreve e por alegada

violação aos arts. 236 do Código de Processo Civil (nulidade da intima­ção por não ter constado o nome do advogado da recorrente) e 711 do Código de Processo Civil e 759 do Có­digo Civil, pela desnecessidade do prévio aparelhamento da execução de conseqüente penhora para exer­cer o direito de preferência.

Sem resposta, o recurso foi admi­tido na origem.

Recebi o processo, por atribuição, em 1 Q de fevereiro de 1996, e reme­ti-o para pauta no dia 17 de novem­bro do ano seguinte.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA (Relator): 1. Analiso, inicialmente, a questão referente à alegada nulidade da intimação por não ter constado o nome do advoga­do da recorrente, do que decorreria a sugerida vulneração ao art. 236 do Código de Processo Civil.

Sem razão a recorrente uma vez que, consoante consignado no v. acórdão hostilizado, disso nenhum prejuízo lhe houve, porquanto ja­mais iria mesmo fazer prova que in­gressara com a execução e que te­ria previamente efetivado a penho­ra, pois esses são fatos inexistentes, já que não aforou nenhuma execu­ção e, por conseguinte, penhora não realizara.

Com efeito, o caso chama à cola­ção o ensinamento de Carvalho dos Santos (in, "Cód. Proc. Interp.", Tomo IV, pág. 55, 4ª ed.), segundo o

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qual "para que se declare a nulida­de, é necessário que a parte alegue oportunamente e demonstre o pre­juízo que ela lhe causa. Pelo menos essa é a regra geral: O Código de Processo Civil não dá valor à nuli­dade, se dela não resultou prejuízo para as partes. Aceitou, sem restri­ções o velho princípio: pas de nulitté sans grief."

Assim, desprovejo o recurso, quan­to a esse tópico.

2. Analiso, agora, a alegada vio­lação aos arts. 711 do Código de Pro­cesso Civil e 759 do Código Civil, em que a recorrente alega pela desne­cessidade do prévio aparelhamento da execução e de conseqüente pe­nhora para exercer o direito de pre­ferência.

Entendeu o v. acórdão que "o con­curso de credores previsto nos arts. 711 e 712, do CPC, pressupõe exe­cução e penhora do credor que ale­ga preferência", pelos mesmos fun­damentos acima referidos, embora "ressaltando-se que isso não preju­dica a Apelante, pois a sua garan­tia permanece íntegra, graças ao direito de seqüela, permitindo-lhe que vá buscar o bem remido junto a quem o detenha, através do insti­tuto da penhora, a ser formalizada na execução que vier a promover contra a devedora" (fls. 425).

Devo deixar de logo bem gizado que aqui não se discute sobre se a garantia hipotecária permanece ou não íntegra depois da arrematação, pois desse tema não se trata no pre­sente recurso, já que disso não foi manifestado nenhum inconformis­mo.

Prestigia a tese da recorrente o seguinte precedente da ego Tercei­ra Turma, da relatoria do eminente Ministro Waldemar Zveiter, venci­do o eminente Ministro Eduardo Ri­beiro, julgado em 29.6.90 a saber:

"Processual Civil - Penhora - Credor hipotecário - Preleção.

I - A preferência do credor hi­potecário não depende de sua ini­ciativa na execução, ou na penho­ra. A escritura da garantia real e a sua inscrição no registro imo­biliário são suficientes para pre­servar a prelação dele.

II - O credor hipotecário, for­mulando o pedido de prelação, recebe preferencialmente o valor pertinente ao gravame.

lU - Recurso conhecido e pro­vido." (REsp n. 1.499-PR, DJ 03.09.90).

N o mesmo sentido, os REsps nQil 53.311/SP e 75.0911SP, julgados, respectivamente, em 26.11.96 e 9.6.97, ambos da relatoria do emi­nente Ministro Carlos Alberto Di­reito, também vencido o eminente Ministro Eduardo Ribeiro, cujas idênticas ementas são do seguinte teor:

"Recurso especial. Credor hi­potecário. Preferência. Preceden­tes da Corte.

1. Na linha de precedentes des­ta Corte, a "preferência do credor hipotecário não depende de sua iniciativa na execução, ou na pe­nhora. A escritura de garantia

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real e a sua inscrição no registro imobiliário são suficientes para preservar a prelação dele".

2. Recurso conhecido, em par­te, e nesta parte provido."

Não encontrei, por mais que te­nha procurado, nenhum preceden­te sobre esse mesmo tema desta Quarta Turma.

Nem por isso, e embora tendo por ponderáveis os fundamentos con­trários contidos nos judiciosos vo­tos que consagraram a tese preva­lecente na ego Terceira Turma, ouso, contudo, discordar.

Para a tal conclusão chegar fui conduzido, em larga escala, pelo douto V<'lto proferido pelo eminente Juiz Ademir Benedito, inserto no v. acórdão recorrido, onde fui buscar os principais fundamentos do que passo agora a expor, inclusive dele transcrevendo alguns trechos, nu­ma versão livre.

A questão posta em desate, como visto, é atinente apenas à interpre­tação da regra expressa no art. 711 do CPC.

Orlando Gomes (in "Direitos Reais", 6ª ed., Forense, pág. 376), consigna que "a hipoteca é o direito real de garantia em virtude do qual um bem imóvel, que continua em poder do devedor, assegura ao cre­dor, precipuamente, o pagamento de uma dívida".

Assim, afirma que "a finalidade da hipoteca é atingida pelo direito do credor de penhorar o bem grava­do, seja quem for o seu detentor por qualquer título, e promover sua

venda judicial, para se pagar, com preferência, sobre outros credores" (op. cit., pág. 377).

N o mesmo diapasão a palavra de Washington de Barros Monteiro (in "Curso de Direito Civil, Direito das Coisas", ed. Saraiva, pág. 397), para quem "a hipoteca é assim di­reito real. Declara-o a lei de modo expresso. Como direito real, vincu­la o bem gravado, acompanha-o sem­pre onde quer que se encontre. Ade­re à coisa como a sombra ao corpo (adhaeret ossibus rei, ut lepra cuti). Surge, destarte o direito de se­qüela".

Por isso, diz mais adiante que (op. cit., pág. 408), "assegura-se ao credor o direito de excussão, quan­do feita a alienação do imóvel hipo­tecado, à sua revelia. Em qualquer hipótese, a venda é válida; porém, a hipoteca não se extingue, conti­nuando a produzir seus efeitos ju­rídicos; apenas se garante ao adqui­rente, como se viu o direito de re­mir o imóvel gravado".

Dessa sorte, a hipoteca acompa­nha o bem com ela gravado mesmo que ele seja alienado, com ou sem o conhecimento do credor hipotecário, permanecendo como garantia do crédito contratado. Vencida a dívi­da sem o seu respectivo pagamen­to, tem o credor o direito de penho­rar o imóvel hipotecado de imedia­to, através de correspondente pro­cesso de execução, e de preferir a outros credores no produto da even­tual arrematação.

Abro aqui um parêntese apenas para destacar que na hipótese de ser

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"intimado o credor hipotecário da realização da praça, a arrematação produz o efeito de extinguir a hipo­teca" (REsp nº 36.757-3/SP, relata­do pelo eminente Ministro Barros Monteiro). No mesmo sentido o REsp nº 40.191-7/SP, relatado pelo eminente Ministro Dias Trindade). N os demais casos de alienação, o direito de seqüela permanece. Ob­servo, mais uma vez, que esse tema de extinção da hipoteca não é aqui cogitado.

Fechando o parêntese, prossigo afirmando que, todavia, para que o credor possa exercer o seu direito de preferência sobre o valor apura­do em arrematação, necessita do prévio aparelhamento da execução do seu crédito pois do contrário es­tar-se-ia consagrando a tutela jurí­dica privada, sem a participação do Poder Judiciário, infringindo o mo­nopólio estatal da Justiça, o que não é permitido pelo sistema jurídico. Autorizar-se a participação do cre­dor hipotecário na disputa do pro­duto da arrematação ou remição do bem gravado, sem que já objeto de execução judicial do seu crédito, se­ria permitir que recebesse o valor por ele próprio indicado, sem possi­bilitar ao devedor a discussão da existência, certeza e exigibilidade daquele. Não se pode esquecer que o contrato de hipoteca é, por expressa disposição legal, um título executi­vo extrajudicial (art. 585, III, do CPC).

Como leciona Pontes de Miran­da (in "Tratado de Ações", tomo VII, ed. RT-1978, capo III), "nas execu­ções de títulos extrajudióais ocor-

re uma inversão no processo de cog­nição, que é precedido da execução, mas que não fica absolutamente afastado, pois aqueles títulos so­mente autorizam a inversão (execu­ção - condenação) em razão da in­completa cognição inicial que deve, porém, ser completada em um se­gundo momento [pois] nas ações executivas de títulos extrajudiciais há, na verdade, duas ações, uma de condenação e outra, de execução, invertendo-se a ordem natural que seria aqui indicada, por se conside­rar que os documentos representa­tivos do direito material do exe­qüente possibilitam reduzida dis­cussão sobre a prova, ao contrário das ações declaratórias, e de conde­nação. Nas execuções, portanto, a condenação é pré-posta, no sistema vigente a partir do Código de Pro­cesso Civil de 1973" (págs. 87/90).

Mas daí não se pode concluir que haja crédito que possa ser satisfei­to independentemente de aprecia­ção judicial. Todas as dívidas podem ser executadas, é certo, mas nenhu­ma sob o pálio de tutela jurídica pri­vada, "embora a organização esta­tal exija a umas a prévia condena­ção e a outras atribua executivida­de imediata, ficando dependente de condenação posterior o efeito exe­cutivo por adiantamento." (Pontes, op. cit., pág. 91).

Destarte, o crédito da recorren­te, para poder disputar o fruto da remição do bem hipotecado, deve­ria já ter sido apreciado judicial­mente, por meio da respectiva exe­cução aparelhada, não embargada, ou com embargos rejeitados, pois o

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"direito de preferência se exerce ple­namente por ocasião do levanta­mento do produto da venda judicial da coisa, na execução promovida pelo próprio credor hipotecário, em que completa a cognição, pela au­sência ou rejeição de embargos; ou ainda em execução promovida por terceiro, mas à qual concorra o cre­dor hipotecário com título já com­pletamente conhecido pelo Estado­Juiz, com plena executividade."

Assim, nesse traçado leciona Amilcar de Castro (in, "Comen­tários ao Código de Processo Civil", v. VIII, págs. 347 e 384) que "quan­do dois ou mais credores penhoram os mesmos bens, torna-se necessá­rio que entrem em concurso de pre­ferência, disciplinado pelos artigos 711 e 713, para que possa o juiz ve­rificar qual seja o quociente que, da quantia em depósito, há de caber a cada qual", ressaltando que "a ex­pressão - concorrendo vários cre­dores - compreende somente àque­les que tenham penhora sobre os mesmos bens".

N a mesma direção a lição de Cel­so Neves, que, em seus "Comentá­rios ao Código de Processo Civil", vol. VII, pág. 162, discorrendo so­bre o concurso de preferência, ex­põe que "a hipótese ~, sempre, de execução contra o devedor solvente, em concurso de ações executórias, decorrente da pluralidade de penho­ras sobre os mesmos bens".

Ao chegar ao final deste voto, re­produz esses trechos do voto profe­rido pelo eminente Juiz José Rober­to Bedran, proferido em julgado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil

de São Paulo (JTA-117/154), repor­tado no r. aresto ora recorrido, a saber:

"De tudo se conclui, portanto, que essa singular forma de con­curso de credores, inconfundível com a hipótese de insolvência do devedor comum, quando a execu­ção se desenrola pelo procedi­mento dos arts. 754 e ss. do CPC, pressupõe, como verdadeira con­dição de participação dos credo­res concorrentes, a existência de execução com penhora, quer da parte dos quirografários, quer da parte dos munidos de crédito pri­vilegiado ou preferencial.

Ora, se tal não ocorreu em re­lação à credora hipotecária ques­tionada no recurso, até lhe falta­va legitimação para concorrer no incidente, pelo que descabida a sua inclusão, com primazia, no quadro geral de credores dispu­tantes.

Até porque, na hipótese inver­sa, cuidando-se, como se cuida, de incidente de que não participa o devedor e no qual a disputa en­tre os credores "versará unica­mente sobre o direito de prefe­rência e a anterioridade da pe­nhora" (art. 712, CPC), estaria evidentemente ferido o princípio do contraditório, com inafastável sacrifício do devido processo le­gal."

Por fim observo que, quando ain­da integrava a ego Primeira Turma, tive a oportunidade de relatar o REsp n Q 32.902-2/SP (julgamento

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em 07.03.94), que versava sobre a preferência do crédito da fazenda pública, e tive a oportunidade de conduzi-la à seguinte conclusão, as­sim ementada:

"Processual Civil. Execução fiscal proposta pela Fazenda Es­tadual. Concurso de preferência requerido pelo lAPAS.

O concurso de preferência de que cuidam os arts. 187 do Códi­go Tributário Nacional e 29, pa­rágrafo único da Lei n Q 6.830/80, só se dá quando instaurado o con­curso creditório (devedor civil) ou a execução coletiva falimentar (devedor comerciante), hipóteses em que as Fazendas Públicas a eles não se submetem, podendo mover as suas execuções inde­pendentemente do juízo concur­sal.

Fora dessas hipóteses, apli­cam-se as disposições contidas nos arts. 612 e 711 do Código de Processo Civil, pelas quais se exi­ge a pluralidade de penhoras, sendo o apurado das arremata­ções distribuído e entregue con­soante a ordem das respectivas prelações.

Assim, impõe-se a existência de prévias execução e penhora sobre o mesmo bem leiloado, fa­lecendo a quem não demonstre tais pressupostos aptidão para pretender a satisfação do crédi­to, que alegar possuir, contra o executado".

Aliás, a ego Segunda Turma, em acórdão da lavra do eminente Mi-

nistro Antônio de Pádua Ribeiro, proferido no REsp n Q 11.657-SP, em 19 de agosto de 1992 (DJ 08.09.92), dá respaldo ao meu entendimento, conforme dá conta a seguinte emen­ta:

"Execução fiscal movida por Fazenda Estadual. Direito de preferência por parte de autar­quia federal. C.P.C., artigos 612 e 711. C.T.N., art. 187. Lei n Q

6.830, de 22.9.80, artigo 29, pa­rágrafo único.

I - Não é lícito à autarquia fe­deral simplesmente intervir em processo de execução a que é es­tranha para, sem mais, receber o que pretende ser-lhe devido. Ha­verá, em caso, de ajuizar execu­ção e, recaindo a penhora sobre bem já penhorado, exercer opor­tunamente seu direito de prefe­rência."

Por tudo quanto ficou exposto, verifica-se do acerto do r. aresto hostilizado no ponto em que indefe­riu a instauração do concurso pre­tendido pela recorrente, embora não concorde com a sua conclusão quan­do afirma que "a sua garantia per­manece íntegra, graças ao direito de seqüela, permitindo-lhe que vá bus­car o bem remido junto a quem o de­tenha, através do instituto da pe­nhora, a ser formalizada na execu­ção que vier a promover contra a devedora" (fls. 425). Mas esse é te­ma que, como já reiterado, não se cuida neste recurso.

3. Diante de tais pressupostos, do recurso não conheço.

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VOTO-VOGAL

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, acom­panho o eminente Relator, obser­vando que é de se esperar e exigir do credor hipotecário uma iniciati­va para cobrança do seu crédito já vencido. Feito isso, ele poderia con­correr, na forma do art. 711, com os demais credores exeqüentes. A ex­tinção da hipoteca pela arremata­ção a que se refere o REsp nQ 36.757, da relatoria do eminente Ministro Barros Monteiro, há de se entender como aquela que ocorre quando a hipotecajá está vencida. Não estan-

do vencida e não tendo o credor hi­potecário condições de promover a sua execução, a garantia acompa­nha o bem objeto da arrematação.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Acompanho o eminen­te Relator em seu douto voto, com os acréscimos ora trazidos pelo emi­nente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, entendendo, também, que, para que tenha preferência, é preciso que o credor hipotecário tenha promovi­do a sua execução e penhorado o bem.

RECURSO ESPECIAL NQ 34.793-6 - SP

(Registro n Q 93.0012573-7)

Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro

Recorrente: Geraldo de Oliveira

Recorridos: José Augusto do Frade Saraiva e cônjuge

Interessada: Lázara de Oliveira

Advogados: Drs. Celso Alves Feitosa, Carmem Laize Coelho Monteiro e Paulo da Silva Costa

EMENTA: Promessa de venda e compra. Arras penitenciais. Per­das e danos. Argüição de coisa julgada.

- Inexiste coisa julgada se, na demanda precedente, não se exa­minou o meritum causae, restrita que ficou a decisão ali proferida à matéria de natureza processual.

- Tratando-se de arras penitenciais, a restituição em dobro do sinal, devidamente corrigido, pelo promitente-vendedor, exclui indenização maior a título de perdas e danos. Súmula n!! 412-STF e precedentes do STJ.

Recurso especial não conhecido.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Quarta Turma do Supe­rior Tribunal de Justiça, por unani­midade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigrá­ficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília, 09 de dezembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 30-03-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: José Augusto do Fra­de Saraiva e cônjuge ajuizaram ação de rescisão de instrumento particu­lar de compromisso de compra e venda de um sobrado situado na Rua Paulo Hallage nº 18, cumula­da com reintegração de posse, con­tra Geraldo de Oliveira e cônjuge. Os autores fundamentaram o pedi­do de rescisão na cláusula 5" do compromisso de compra e venda e, tão logo foi distribuído o feito, de­positaram emjuízo, em dobro e cor­rigido desde o desembolso, o valor pago pelos réus a título de entrada.

Apenas o réu contestou a ação, apresentando, inclusive, reconven­ção, na qual pleiteou que os auto­res fossem condenados a obter o 'ha-

bite-se' do imóvel em sessenta dias e a receber o valor correspondente ao restante do preço acordado, de­vidamente atualizado desde a épo­ca da transação. Alternativamente, requereu a condenação dos autores ao pagamento de indenização calcu­lada de acordo com o valor de mer­cado do imóvel. Aré, citada por edi­tal, passou a ser representada por curador.

O MM. Juiz de Direito da 3" Vara Cível do Foro Regional de Santana julgou procedente a ação e impro­cedente a reconvenção. Outrossim, determinou a permanência do nu­merário depositado como garantia da sucumbência, autorizando, na ocasião adequada, o levantamento do saldo pelos réus.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria de votos, negou provimento ao apelo do réu. Restou vencido o relator, que, entendendo que os autores demonstraram a fir­me intenção de não se arrepender, dava parcial provimento à apelação para julgar improcedente a ação. Eis os fundamentos do voto do rela­tor designado:

"A procedência da ação foi bem decretada. Não havia o impedi­mento da coisa julgada. A r. deci­são prolatada no processo ante­rior foi na realidade de carência por falta de devolução suficien­te. Assim como houve convenção do direito de arrependimento na cláusula 5" esse direito podia ser exercitado até a outorga da escri­tura definitiva na forma do art. 1.088 do Código Civil, que estatui:

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'Quando o instrumento públi­co for exigido, como prova do contrato, qualquer das partes pode arrepender-se antes de o assinar, ressarcindo à outra as perdas e danos resultantes do arrependimento sem prejuízo do estatuído nos arts. 1.095 a 1.097'.

A reconvenção não pode prospe­rar porque a restituição das par­celas pagas em dobro importa na indenização preestabelecida não podendo por isso ser acrescida de outra indenização. A devolução simples com correção seria des­fazimento sem indenização. Do­brar o valor recebido para fins de devolução é indenizar" (fls. 292/ 293).

Inconformado, o réu manifestou recurso especial com arrimo nas alí­neas a e c do permissivo constitu­cional, apontando afronta aos arts. 6º da LICC, 1.088, 1.092, parágrafo único, e 1.094 e seguintes do CC e 467 e seguintes do CPC, além de dissenso pretoriano. Por primeiro, asseverando que houve julgamento do mérito da anterior ação propos­ta pelos autores (idêntica à presen­te ação), insistiu na preliminar de ocorrência de coisa julgada. No mé­rito, defendendo a irrevogabilidade e a irretratabilidade da promessa de compra e venda, sustentou que só poderia haver arrependimento por mútuo consentimento. De todo mo­do, alegou que os autores teriam re­nunciado tacitamente ao direito de arrependimento, pois, além de ja­mais terem demonstrado a intenção

de rescindir o pactuado, praticaram ato inequívoco de execução do con­trato quando receberam parte do preço avençado. Outrossim, afirmou que os autores não poderiam exigir o pagamento do restante do preço antes de cumprirem sua obrigação, no caso, a obtenção do "habite-se". Por fim, na hipótese de manuten­ção da rescisão contratual, asseve­rou que a indenização deve ser cal­culada com base na valorização do bem.

Contra-arrazoado, o apelo extre­mo foi admitido na origem.

O recurso especial foi distribuí­do ao Ministro Fontes de Alencar e, posteriormente, atribuído ao Minis­tro Bueno de Souza. Todavia, em face de Sua Excelência encontrar­se em licença, foi a mim redistri­buído.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Inocorren­te no caso a ofensa à coisa julgada.

A primeira ação intentada pelos ora recorridos teve duas causas de pedir: a) a força maior em face da não obtenção do "habite-se"; b) o exercício do direito de arrependi­mento. Quanto à força maior, aque­la demanda fora julgada improce­dente, mas no que tange ao exerCÍ­cio do direito de arrependimento, os autores foram, na verdade, reputa­dos carecedores de ação por insufi­ciência de depósito (correção mone­tária não integral).

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A presente ação tem como causa de pedir exclusivamente o direito de arrependimento, razão pela qual os demandantes não se achavam obs­tados de renovar a postulação, com o depósito do sinal recebido, em do­bro e corrigido inteiramente.

Sobreleva, pois, que na lide an­terior, no ponto alusivo ao exercício do direito de arrependimento, não houvera uma decisão de mérito pro­priamente. Este Tribunal já teve oportunidade de decidir que "inexis­te coisa julgada material se as ques­tões decididas foram somente de natureza processual. A incidência do disposto no art. 468 do C.P.C. supõe decisão de mérito" (REsp n Q

3.193-PR, relator Ministro Eduar­do Ribeiro, in RSTJ vol. 13, pág. 399). Ainda como pertinente à es­pécie, pode ser invocado um outro precedente da lavra do mesmo Mi­nistro-Relator citado, cuja ementa vem transcrita por Theotonio Ne­grão em seu "Código de Processo Civil e Legislação Processual em vi­gor": "Julgada improcedente a con­signatória, por ter-se como insufi­ciente a oferta, não corrigida mone­tariamente, a coisa julgada não abrange mais que o reconhecimen­to dessa insuficiência" (3ª Turma, REsp n Q 3.095-RS, pág. 350, 28ª ed.).

2. No tocante ao exercício do di­reito de arrependimento, o REsp in­terposto é claramente inadmissível por aplicação do princípio contido na Súmula n Q 281 do C. Supremo Tribunal Federal. É que, nesse par­ticular, o Acórdão recorrido não constituía ainda decisão final, pen­dente que se achava a respeito des-

sa matéria o julgamento dos embar­gos infringentes opostos pelo réu. Prematuro que fora o apelo espe­cial nesse item da irresignação, o re­corrente, após o julgamento dos embargos infringentes, não apre­sentou novo REsp, nem tampouco reiterou o que houvera sido mani­festado.

De outro lado, as assertivas for­muladas pelo compromissário-com­prador no sentido de que: a) a pro­messa de venda e compra é irretra­tável e irrevogável; b) inexiste a cláu­sula de arrependimento, direito este que somente seria viável ante o mú­tuo consenso dos contratantes, a par de não se tratar de tema preques­tionado em sua maior parte, exigi­riam elas a interpretação de cláu­sula contratual em sede de apelo ex­cepcional, o que é defeso a teor do que enuncia a Súmula n Q 05 desta Corte.

Não há, ainda, no julgado recor­rido análise da questão concernen­te à reciprocidade das obrigações, com vistas à incidência no caso do disposto no art. 1.092 do Código Ci­vil. Ausente aí o pressuposto do pre­questionamento (Súmulas n lUi 282 e 356-STF).

3. Resta, por derradeiro, a impug­nação relativa à extensão das per­das e danos, de vez que a decisão recorrida restringiu a indenização à devolução em dobro do sinal rece­bido, com a atualização integral. N esse passo, em primeiro lugar, o recurso especial não logrou demons­trar a ocorrência do dissenso preto­riano, desde que se limitou a trans­crever o excerto de decisão proferi-

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da em 1 Q grau de jurisdição, o que à evidência não satisfaz o requisito inserto no art. 105, inc. III, letra c, da Constituição Federal. De qual­quer forma que seja, o decisum hostilizado não vulnerou aí os câ­nones legais invocados pelo compro­missário-comprador, pois, tratando­se na hipótese em tela de arras penitenciais (os promitentes-vende­dores haviam recebido apenas par­te do sinal e passaram a exercer di­reito de arrependimento previsto na avença), a indenização no caso se adstringe efetivamente à restitui­ção da importância recebida, em dobro, na forma do que reza o art. 1.095 do Código Civil. Eis o que a propósito diz o Verbete Sumular n Q

412 da Suprema Corte: "No compro­misso de compra e venda com cláu­sula de arrependimento, a devolu­ção do sinal por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem

recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo". Na esteira dessa diretriz, esta Casa assim também tem enten­dido, bastando que se confiram os seguintes precedentes oriundos de ambas as Turmas que compõem a Segunda Seção do Tribunal: (REsp nQ 8.651-RS, relator Ministro Fon­tes de Alencar, e REsp nQ 1.267-RJ, relator Ministro Eduardo Ribeiro).

Acresce uma situação peculiar de fato, a embasar ainda a não conces­são de qualquer outro importe de caráter reparatório ao réu. Acha-se ele na posse do imóvel há muitos e muitos anos, sem o desembolso das quantias relativas a parte das ar­ras pagas.

4. Do quanto foi exposto, não co­nheço do recurso.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 44.992 - PR

(Registro nQ 94.0006545-0)

Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro

Recorrente: Valmor José de Andrade Recorrida: Marajá Agricultura e Pecuária Ltda.

Advogados: Drs. Carlos Mário da Silva Velloso Filho e outros, e Júlio César Nalim Salinet e outro

Sustentação Oral: Dr. Carlos Mário da Silva Velloso Filho, pelo recor­rente

EMENTA: Promessa de cessão de direitos relativos a imóvel. Resolução do contrato por inadimplemento do compromissário­cessionário. Perdas e danos. Julgamento antecipado da lide.

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- Em circunstâncias especiais, não obstante o saneamento da causa, ao Juiz é permitido proferir o julgamento antecipado, quan­do a provajá se apresentar suficiente à decisão e a designação de audiência se mostrar de todo desnecessária.

- Inviável o intento do devedor de demonstrar o cumprimento integral da obrigação atinente à primeira parcela através de pro­va complementar testemunhal.

- Ocorrência, ademais, de preclusão, visto que, intimado o réu acerca da deliberação de prolatar-se a sentença em julgamento antecipado, contra a decisão não se insurgiu ele oportunamente.

- Desvalia de documentação exibida pelo suplicado, de cujo reexame não se deve tratar no âmbito angusto do recurso espe­cial a teor da Súmula 07 deste Tribunal.

- Dispensa da prova pericial em face do entendimento mani­festado pela Eg. Corte a quo segundo o qual a prova das perdas e danos se faz no processo de conhecimento, relegando-se para a liquidação a apuração do respectivo quantum.

- Assertiva de que a autora não demonstrou a existência dos danos a depender da análise do quadro probatório. Incidência, no ponto, da Súmula n Q 07-STJ.

- Cabimento dos embargos declaratórios para remover-se con­tradição existente no julgado. Inexistência de contrariedade ao art. 535, inc. I, do CPC.

Recursos especiais não conhecidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indi­cadas:

Decide a Quarta Turma do Supe­rior Tribunal de Justiça, por unani­midade, não conhecer dos recursos, na forma do relatório e notas taqui­gráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, Fontes de Alencar e Sálvio de Fi­gueiredo Teíxeira.

Brasília, 17 de junho de 1997 (da­ta do julgamento).

Ministro -8ÁLVIO DE FIGUEI­REDO TEIXEIRA, Presidente. Mi­nistro BARROS MONTEIRO, Rela­tor.

Publicado no DJ de 27 -04-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO BARROS MON­TEIRO: "Marajá - Agricultura e Pecuária Ltda." intentou ação ordi­nária contra Valmor José Andrade

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e sua mulher Cléa Márcia Haend­chen Andrade, visando à resolução do contrato particular de compro­misso de cessão de direitos celebra­do em 17/09/85, tendo por objeto a "Fazenda Canário I", sita no muni­cípio de Diamantino-MT, sob a as­sertiva de inadimplemento dos réus parcialmente quanto à solução da primeira parcela do preço avença­do e total em relação às demais. Pleiteou a autora, ainda, a perda pelos réus da importância paga, bem assim a condenação em perdas e danos. Em apenso, ajuizaram me­dida cautelar preparatória. Os réus, de seu turno, aforaram reconven­ção.

O MM. Juiz de Direito, por deci­são interlocutória de fls. 797, des­considerou as perícias até então realizadas e dispensou a produção de provas em audiência, motivo pelo qual em seguida proferiu a senten­ça de fls. 801/805 nos termos do art. 330, I, do CPC. Em relação à co-ré, julgou extintas a ação e a medida cautelar preparatória, sem conhe­cimento do mérito por ilegitimida­de de parte passiva ad causam. Teve por improcedente a reconven­ção e, tocante ao réu-varão, julgou procedentes ambas as ações (prin­cipal e cautelar), para o fim de de­cretar a resolução do contrato, con­denando o mesmo ao pagamento das perdas e danos (proveito resultan­te da posse do imóvel), além da per­da em favor da autora das quantias pagas. Concluiu o Magistrado pelo inadimplemento do réu, à vista de que, com respeito à primeira pres­tação, efetuara ele apenas o paga-

mento parcial de Cz$ 3.000,00 (pa­drão monetário da época).

Ambos os réus apelaram e a de­mandante recorreu adesivamente.

O Tribunal de Justiça do Paraná deu provimento parcial à apelação do co-réu Valmor, para assegurar­lhe a restituição das parcelas pagas, e negou provimento aos demais re­cursos. Os fundamentos do V. Acór­dão acham-se resumidos na seguin­te ementa:

"Cessão de promessa de ven­da. Versando o pedido apenas a respeito da respectiva rescisão e perdas e danos, razão pela qual não se cuida de qualquer das hi­póteses do art. 10, parágrafo úni­co do CPC, quando ambos os côn­juges devem necessariamente ser citados, afigurando-se, por isso, dispensável o chamamento da mulher a juízo para integrar a relação processual.

Nulidade. Julgamento anteci­pado da lide. Cerceamento de defesa. Inocorrência porque a prova pretendida, cuja produção resultou repelida, afigura-se de valor nenhum para a solução da demanda.

Nulidade. Intimação. Renova­ção da intimação de advogado efetuada irregularmente. Valida­de do ato.

Contrato. Rescindibilidade. Possibilidade jurídica. Ainda que irrevogável e irretratável é res­cindível o contrato por inexecu­ção culposa.

Contrato. Mora do cessionário. Configurada esta mediante noti-

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ficação da parte, procede o pedi­do de extinção do contrato.

Contrato instantâneo. Resti­tuição de prestação paga a des­peito da extinção do ajuste. Ain­da que se refira a cessão de pro­messa de venda mediante paga­mento parcelado, não se trata de contrato de duração, na modali­dade de trato sucessivo, mas ins­tantâneo, pelo que sua resolução, ainda que por inexecução culpo­sa, não importará, no silêncio das partes, na perda de prestação paga, eis que a extinção opera-se ex tunc, segundo o que teriam presumido os contratantes.

Ação cautelar. Proibição de dispor de safra de ano agrícola como garantia de futura execu-

. ção de perdas e danos. Caracte­rização de elementos bastantes não só para a medida liminar como também para a sua conces­são a final.

Honorários advocatícios. Con­denação pela exclusão de um dos réus da relação processual. Fixa­ção para a qual não devem ser le­vados em conta os mesmos parâ­metros atendidos quando se tra­tar de questão de mérito. Fixa­ção de tal verba em quantia ra­zoável a atender o trabalho do respectivo profissional de direito.

Provimento parcial da apela­ção do réu, desprovimento do apelo da ré e improvimento do recurso adesivo." (fls. 897/898).

Foram recebidos, em parte, os primeiros embargos declaratórios

opostos pelos réus para determinar­se a restituição, em dinheiro, devi­damente corrigido, do equivalente a 1.662 toneladas de calcário dolo­mítico recebidas pela autora como parte do preço ajustado.

Segundos aclaratórios foram opostos pelo réu Valmor, tendo sido recebidos também de modo parcial para esclarecer-se que à demandan­te era facultado acionar os cessio­nários no foro de Londrina, eleito por ambas as partes.

Em seguida, a autora ofereceu embargos de declaração ao último Acórdão então prolatado, os quais foram recebidos para elucidar-se que "ao contrário do que consta do Acórdão nº 8.709, desde que a moe­da do contrato não estava represen­tada por sacas de soja, mas por mo­eda, deve a restituição de importân­cia de Cz$ 3.000.000,00 ser efetua­da em dinheiro, devidamente corri­gida desde o desembolso" (fls. 998).

Inconformado, o réu manifestou recurso especial com arrimo nas alí­neas a e c do permissor constitu­cional, apontando contrariedade aos arts. 330, I, 331, I e II (com a reda­ção anterior à Lei nº 8.952/94), 402, I, 471 e 535, II, do CPC, 1.059 e 1.092, parágrafo único, do Código Civil, além de divergênciajurispru­dencial. Sustentou, por primeiro, que o julgamento antecipado da lide proferido após o saneamento da causa, no qual havia sido deferida a produção de provas, configura ir­recusável cerceamento do direito de defesa, além de violar o princípio constitucional do contraditório. Acen­tuou que o seu prejuízo é manifesto,

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pois a prova do pagamento poderia resultar do depoimento pessoal do representante legal da recorrida, do das testemunhas, das respostas do perito e dos assistentes técnicos, visto que a existência de princípio de prova por escrito permite a com­plementação por outros meios. As­severou, em seguida, que a demons­tração das perdas e danos, o an debeatur, deve ser concretamente feita, não sendo possível presumi­los. Aduziu, no particular, que o MM. Juiz o condenou sem ter sido ministrada a prova da ocorrência dos danos, havendo ele sido, ade­mais, incongruente ao desprezar a prova pericial, de um lado, mas condená-lo, de outro, a solver as perdas e danos. Alegou, ainda, que a despeito de invocar a falha havi­da no julgado, não logrou que sobre a mesma se pronunciasse o Tribu­nal a quo.

Publicado o Acórdão dos declara­tórios opostos pela autora, o réu apresentou o segundo recurso espe­cial, desta feita com esteio na letra a do autorizativo constitucional, alegando afronta ao art. 535, I, do CPC. Disse, preliminarmente, que o apelo extremo é subsidiário do pri­meiro. Sustentou ter sido erronea­mente atribuído efeito infringente aos referidos embargos aclaratórios. Para tanto, ressaltou inexistir con­tradição entre o Acórdão dos primei­ros embargos de declaração, que de­terminara a devolução do equiva­lente ao calcário em dinheiro e o conteúdo dos segundos declarató­rios, alusivo à devolução em espé­cie da prestação que fora estimada em função do valor da saca de soja.

Contra-arrazoados os REsp's, o Exmo. Sr. Desembargador Presi­dente do Tribunal de origem admi­tiu o primeiro e indeferiu o segun­do. Em virtude de decisão prolata­da no Ag n Q 36.351-0IPR, ordenou­se o processamento do segundo ape­lo excepcional para melhor exame da controvérsia.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Assim se pronunciou o decisório recorrido acerca do alegado cerceamento de defesa:

"N o que concerne ao cercea­mento de defesa decorrente do julgamento antecipado da lide, verifica-se que era desnecessária a produção da prova testemunhal pretendida pelo apelante para ilidir a invocação de inadimple­mento contratual, assim também dispensável a produção de prova pericial para demonstrar a exis­tência ou não das perdas e danos pretendidas pela autora. No pri­meiro caso, basta a prova docu­mental, independentemente de qualquer complementação por testemunhas, e no segundo, sem perder de vista o atraso no paga­mento, a circunstância da posse do imóvel objeto do contrato, sem a correspondente retribuição. Por outras palavras, em relação às perdas e danos, é suficiente a pro­va da sua existência no processo de conhecimento, deixando-se para

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a liquidação a apuração do res­pectivo quantum." (fls. 902).

E, mais adiante, ao tratar da te­mática referente ao inadimplemen­to do devedor, proclamou:

"2.3. Conforme resultou deci­dido na sentença, a inadimplên­cia do promitente-comprador re­sultou devidamente configurada, eis que o pagamento, como é sa­bido, prova-se mediante quitação regular (cf. C. Civil, arts. 939 e segs.), e o promitente comprador só comprovou que quitou regular­mente a importância de Cz$ 3.000.000.00, conforme se verifi­ca dos recibos de fls. 236-237, o que corresponde a apenas parte de uma prestação. Isso porque, tendo as partes estabelecido o valor da saca de soja na data dos pagamentos como indexador e entregue apenas 23.923,40 sacas a Cz$ 125,40, resultou que de uma das prestações devidas pa­gou apenas Cz$ 3.000.000,00, restando pagar 17.744,60 sacas da mesma parcela, além de mais 41.666,00 sacas da prestação ven­cida em 10.04.87.

As ordens de pagamento de fls. 238 e o documento de fls. 244, onde são relacionadas parcelas relativas ajuros, aquelas extraí­das em nome de Wadji Ibrahim el Haouli, mas sem especificar a que se refere, e este sem qualquer assinatura, todos impugnados pe­la autora (cf. fls. 284), não provam o invocado pagamento da quan­tia de Cz$ 5.600.000,00" (fls. 903).

Assim assentando, o V. Acórdão roborou o entendimento do MM. Juiz singular no sentido de que era prescindível a dilação probatória pretendida pelo réu neste caso, por encontrar-se a controvérsia sufici­entemente instruída com a prova literal carreada pelos litigantes, seja no que tange à inadimplência contratual do devedor, seja no que toca à extensão (quantificação) dos prejuízos daí advindos em detri­mento da autora.

Em primeiro lugar, é de destacar­se que, proferida pelo Magistrado de 1 Q grau a decisão de fls. 797, pela qual deliberara proceder ao julga­mento antecipado da lide a despei­to de saneado o processo e dejá ofe­recidos os laudos periciais, dela os advogados do réu foram intimados consoante se depreende não só da certidão lavrada a fls. 798 v., como também da publicação constante de fls. 868. A intimação operara-se an­tes da prolação da sentença e con­tra o decisório não se insurgiu o suplicado em tempo hábil, daí de­correndo o fenômeno da preclusão.

Não se encontrava impedido, de outro lado, o MM. Juiz de Direito de atalhar a instrução probatória até aquele momento instalada, para então proferir a sentença em julga­mento antecipado, reputando inó­cua, pelos motivos já indicados, a prova alvitrada. Em circunstâncias especiais, não obstante o saneamen­to da causa, ao Juiz é permitido pro­ferir o julgamento antecipado da lide, quando a prova já se apresen­tar suficiente à decisão e a desig­nação de audiência se mostrar de

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todo desnecessária. É o que decidiu esta Quarta Turma, em precedente de que fui relator (REsp n Q 61.462-7/PE). Tal diretriz tem prevalecido, por sinal, em inúmeros julgados deste órgão fracionário, conforme se pode verificar dos REsp's n!& 2.023-SC, relator Ministro Sálvio de Fi­gueiredo Teixeira; 2.903-MA, rela­tor Ministro Athos Carneiro; 5.614-SP, relator Ministro Fontes de Alen­car e 21.106-6/ES, por mim relata­do.

Nesse passo, não logra aperfei­çoar-se o dissídio interpretativo pro­posto pelo recorrente, não apenas porque deixou ele de cumprir a re­gra enunciada no art. 255, § 2Q

, do RISTJ, mas também porque em di­reção oposta sinalizou a jurispru­dência da Eg. Turma.

O decisum combatido não trans­grediu, outrossim, as normas de lei federal in digitadas no primeiro ape­lo especial. Considerou o Colegiado a quo ser inadmissível a prova de pagamento integral da primeira parcela através de depoimentos tes­temunhais, em complemento à do­cumentação a respeito acostada aos autos pelo réu. Fê-lo com base nos arts. 939 e seguintes do Código Ci­vil, especificamente no art. 940 que reza: "A quitação· designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do paga­mento, com a assinatura do credor, ou do seu representante". J.M. de Carvalho Santos, em escólios dou­trinários a respeito do citado pre­ceito legal, sustenta que o pagamen­to, cujo valor exceder a taxa legal,

não pode, como qualquer ato jurídi­co, ser provado senão por escrito (Código Civil Brasileiro Interpreta­do, voI. XII, págs. 116/119, ed. 1988). Inviável, pois, o intento do ora re­corrente de demonstrar o cumpri­mento integral da obrigação atinen­te à primeira parcela através de prova complementar testemunhal.

Acresce que o julgado recorrido conferiu desvalia à documentação exibida pelo devedor para demons­trar o pagamento mediante a aná­lise de seus termos e, por via de con­seqüência, do exame de aspecto fático da lide, o que obsta a reapre­ciação deste tópico na via angusta do recurso especial (Súmula n Q 07-STJ).

"Em matéria de julgamento antecipado da lide, predomina a prudente discrição do magistra­do, no exame da necessidade ou não da realização de prova em au­diência, ante as circunstâncias de cada caso concreto e a necessida­de de não ofender o princípio ba­silar do pleno contraditório." (REsp n Q 3.047-ES, relator Minis­tro Athos Carneiro).

Ainda é desta Turma a orienta­ção segundo a qual:

"Em regra, saber se os fatos re­levantes à solução do conflito já se encontram, ou não, suficiente­mente comprovados de molde a dispensar a produção de prova em audiência e a permitir o jul­gamento antecipado da lide, é tema exigente do reexame e da

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análise do conjunto probatório, não admissível na sede angusta de recurso especial. Ocorrência, aliás, de preclusão." (REsp n Q

8.965-SP, relator também o Sr. Ministro Athos Carneiro).

Quanto à extensão das perdas e danos ocasionados pelo réu, por igual não era defeso à Eg. Câmara afastar, por enquanto, a prova pe­ricial, prevalecente o entendimen­to de que em relação aos prejuízos, é suficiente a prova da sua existên­cia no processo de conhecimento, deixando-se para a liquidação a apuração do respectivo quantum. A asserção de desnecessidade da prova não inibia àquele órgão fra­cionário de reconhecer como prova­da desde logo a existência das per­das e danos. Tal resultou, consoan­te remarcado no V. Acórdão, não somente em face do atraso havido no pagamento, mas ainda da cir­cunstância de haver o réu usufruí­do da posse do imóvel sem a corres­pondente retribuição. Não se cons­tata aí a ocorrência de proposições inconciliáveis entre si.

2. No tópico seguinte de sua pri­meira irresignação recursal, o de­mandado alega de modo reiterado que não se evidenciou na espécie a prova dos danos (an debeatur), tendo o decisório meramente presu­mido a sua existência.

Também neste ponto desassiste razão ao recursante, desde que em última análise o que está a preten­der aí é o simples reexame de ma­téria probatória, vedado pela já re­ferida Súmula n Q 07 desta Casa.

Saber se em face do comportamen­to do réu no que concerne ao cum­primento de suas obrigações contra­tuais adveio ou não prejuízo ao cre­dor é aspecto que se insere no pla­no dos fatos, sendo certo que o ares­to hostilizado justificou quantum satis a sua ocorrência no caso em julgamento.

Insuscetível de perfectibilizar-se aí, outrossim, o dissentimento pre­toriano, pois, além de haver o recor­rente reproduzido os acórdãos pa­radigmas apenas por suas respecti­vas ementas (art. 255, § 2Q

, do RI acima referenciado), há a observar­se que em sentido contrário àque­las decisões não se postou o Acór­dão recorrido.

Conseqüentemente, explícito o julgado acerca da existência das perdas e danos, não há falar-se em omissão do Eg. Tribunal neste item da inconformidade recursal.

3. O segundo REsp de sua vez, também não colhe.

É que se fazia necessária a apre­sentação dos declaratórios pela au­tora para o fim de remover a con­tradição que exsurgira com a pro­lação do Acórdão havido nos segun­dos Embargos de Declaração opos­tos pelo réu. Primeiramente, o Acór­dão da Apelação deixara estampa­da a circunstância de que o valor da saca de soja representava um sim­ples indexador utilizado pelos con­tratantes (fls. 903). Todavia, depois de ordenada a restituição do calcá­rio dolomítico pelo equivalente em dinheiro, o Acórdão de fls. 980/984 (segundos aclaratórios aforados pelo

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réu) asseverou, in verbis: "Assim, se a moeda do contrato eram sacas de soja, evidentemente a restituição far-se-á em tais termos, afiguran­do-se desnecessários quaisquer ou­tros esclarecimentos a respeito" (fls. 983).

Nenhuma, portanto, a ofensa ale­gada ao art. 535, inc. I, da lei pro­cessual civil.

4. Do quanto foi exposto, não co­nheço dos recursos.

É o meu voto.

ESCLARECIMENTOS

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, gosta­ria de um esclarecimento do emi­nente Ministro-Relator.

O devedor, o réu, alegou que efe­tuou o pagamento integral da dívi­da? A tese da defesa era a de que ele se propunha a fazer prova disso mediante apenas a prova testemu­nhal?

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): Sim, Exce­lência. A prova de integralização da primeira parcela seria feita através

de depoimentos testemunhais, de forma a complementar uma docu­mentação à qual o acórdão recorri­do não conferira valor algum. Não havia começo de prova por escrito admitido pela Câmara.

VOTO-VOGAL

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, acom­panho o eminente Relator por todas as razões expendidas, inclusive quanto à prova do pagamento, di­ante dos esclarecimentos prestados por S. Exa.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Também acompanho o Ministro-Relator, em face da argumentação expendida não só por S. Exa. como também nos votos que se seguiram ao seu, quer no tocante ao cerceamento de defe­sa, quer no tocante ao julgamento antecipado, quer no que diz respei­to à explicitação relativa às perdas e danos. Enfim, em relação a todos os itens focalizados por S. Exa.

RECURSO ESPECIAL NQ 62.163 - RJ

(Registro nQ 95.0011894-7)

Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrente: lzabel Alice de Oliveira

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Recorrido: Luiz Lemgruber Kropf Neto

Advogados: Drs. Marcelo Meira de Vasconcellos e outros, e Celso Moraes dos Santos

EMENTA: Civil. Responsabilidade civil. Veículo dirigido por terceiro. Culpa deste em atropelamento. Obrigação do proprietá­rio de indenizar.

Contra o proprietário de veículo dirigido por terceiro conside­rado culpado pelo acidente conspira a presunção iuris tantum de culpa in eligendo e in vigilando, em razão do que sobre ele recai a responsabilidade pelo ressarcimento do dano que a outrem possa ter sido causado.

Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Re­lator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira. Au­sentes,justificadamente, o Sr. Minis­tro Bueno de Souza e, ocasionalmen­te, o Sr. Ministro Barros Monteiro.

Brasília, 11 de novembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente. Ministro CE­SAR ASFOR ROCHA, Relator.

Publicado no DJ de 09-03-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FORROCHA: Aora recorrente, Iza-

bel Alice de Oliveira, propôs ação de indenização contra o proprietário do automóvel que, conduzido por ter­ceiro, atravessando sinal luminoso fechado para veículos, atropelou e matou seu marido.

Conquanto tenha o r. juízo mono­crático reconhecido a culpa in eli­gendo do réu, julgando procedente o pedido, a egrégia Oitava Cãmara do Tribunal de Alçada Cível do Es­tado do Rio de Janeiro acolheu a apelação, sob as seguintes conside­rações:

"É que não se pode admitir a responsabilidade por fato de ou­trem sem culpa. Como diz José de Aguiar Dias, no sistema de responsabilidade civil fundada na culpa, o dano só pode acarretar obrigação de reparos para aque­le que o pratica (in "Da respon­sabilidade Civil", voI. U, n Q 187). Se o fato é praticado por tercei­ro, ou incide a responsabilidade por força de expressa disposição legal, como ocorre nas hipóteses

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arroladas no art. 1.521 do CC, ou há que se comprovar que também obrou culposamente aquela a quem se atribui a obrigação de reparar o dano. Aqui tanto pode ocorrer a culpa in vigilando como a culpa in eligendo. No presente caso, em que se afirma responsabilidade do proprietário do veículo que o empresta a ter­ceiro, não há que se inferir a res­ponsabilidade somente do fato de que o terceiro obrou com inques­tionável culpa. Isto afirma indu­vidosamente a responsabilidade deste, mas não a do dono do car­ro. Para que esse também se vis­se condenado era mister que se provasse a sua culpa, numa das modalidades referidas. Ora, não há culpa in eligendo se o auto­móvel foi emprestado a pessoa que se encontrava não só regu­larmente habilitada, como apta para dirigir. Enfim, para que se pudesse reconhecer a responsa­bilidade do réu impunha-se de­monstrar que ele escolheu mal a pessoa a quem confiou o veículo de sua propriedade. Isto não ocor­rendo, a. procedência da ação afi­gura-se desacertada." (fls. 170/ 171).

Daí o recurso especial, funda­mentado nas alíneas a e c, por con­trariedade ao artigo 159 do Código Civil, uma vez excluída a responsa­bilidade pela culpa in eligendo do proprietário do veículo que permi­te a sua utilização por terceiro, bem como por dissídio interpretativo da referida norma e do artigo 1.521 do CC com julgados insertos nas "RTs"

617, 418, 469, 574, onde responsa­bilizado o proprietário que, volun­tariamente, empresta o veículo, vale dizer, que não demonstra ter o veículo circulado contra sua vonta­de.

O recurso foi inadmitido na ori­gem, ante a afirmada intempestivi­dade, tendo ingressado, por atribui­ção, no meu gabinete no dia 1 Q de fevereiro de 1996, por ter substituí­do o eminente Ministro Antônio Torreão Braz, que acolheu o agravo de instrumento determinando a su­bida do especial.

Foram apresentadas contra-ra­zões, onde se sustenta a ausência de prequestionamento e das razões do pedido de reforma, a necessidade do reexame da prova, e a inexistência de culpa do recorrido por empres­tar o veículo e também porque a VÍ­

tima estava embriagada, não traba­lhava, não sustentava a autora da ação nem mesmo com ela vivia mais.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA (Relator): 1. Afirmo, preliminarmente, a tempestividade do recurso especial.

Consoante comprova a cópia do Diário Oficial que descansa às fls. 09 dos autos do agravo de instru­mento, nos dias 11 (quando foi pu­blicado o acórdão recorrido - cer­tidão de fl. 172) e 12 de junho de 1992 foi determinado pelo Governa­dor do Estado ponto facultativo em virtude da realização da Conferên-

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cia Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento - RIO/ECO-92.

Nesse caso, nos termos do pará­grafo único do artigo 240, CPC, a intimação, ocorrida em dia sem ex­pediente forense, considera-se rea­lizada no primeiro dia útil seguinte (dia 15.06.92 - segunda-feira). Ten­do o prazo recursal com início no dia 16, o mesmo expirou no dia 30, data da interposição do recurso (fi. 173).

2. Analiso agora a alegada ofen­sa ao art. 159 do Código Civil, bem como os sugeridos dissídios.

O tema está prequestionado e imprescinde do reexame da prova visto se tratar da definição jurídica da culpa.

Afirma o v. acórdão que o só fato de o recorrido ter emprestado o seu veículo ao motorista causador do acidente não seria bastante para que lhe fosse imputada a responsa­bilidade para responder civilmente pelos danos cogitados, já que este último era pessoa regularmente habilitada e apta a dirigir. Para o reconhecimento da culpa do pro­prietário "impunha-se demonstrar que ele escolheu mal a pessoa a quem confiou o veículo de sua pro­priedade" (fi. 171).

Com efeito, a discussão fica limi­tada em se saber se o recorrido deve ou não ser responsabilizado pelo dano de que se cuida, pelo só fato de ser ele proprietário do veículo causador do funesto evento, na si­tuação bem configurada na espécie de que não foi contra a sua vontade que o seu veículo foi posto em cir­culação, e que o motorista que o di-

rigia indiscutivelmente foi o culpa­do pelo acidente.

3. Antes de analisar a causa em exame, nos seus limites em que aci­ma postos, tenho por de bom alvi­tre tecer breves considerações sobre o tema em que ela se encerra.

A responsabilidade civil, como sa­bido, é dever de indenizar o dano causado a outrem.

Essa responsabilidade, quanto ao fato determinante de indenizar, pode ser contratual, quando decor­re de inexecução obrigacional, ou extracontratual ou aquiliana, quan­do deriva de um inadimplemento normativo, como o que se cogita na espécie.

Em nosso direito, a grande base em que se funda a responsabilida­de extracontratual é a culpa, embo­ra se admita responsabilidade sem a sua presença, que se vem impon­do aos povos modernos, ante a in­suficiência da culpa à cobertura de todos os riscos, como observa Álva­ro Villaça, em extraordinária sín­tese sobre "responsabilidade civil", inserta na "Enciclopédia Saraiva do Direito", voI. 65 e seguintes.

Citando Alvino Lima, o aplau­dido mencionado Professor observa que "a teoria da culpa vem consa­grada, como princípio fundamental, em todas as legislações vigentes, mas a tal teoria estava reservada o mais intenso dos ataques doutriná­rios que talvez se tenha registrado na evolução de um instituto jurídi­co. As necessidades prementes da vida, o surgir dos casos concretos, cuja solução não era prevista em lei,

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ou não era satisfatoriamente ampa­rada, levaram a jurisprudência a ampliar o conceito da culpa e aco­lher, embora excepcionalmente, as conclusões das novas tendências doutrinárias" .

Consignando que "tanto o insti­tuto jurídico da culpa como o risco devem coexistir, para que se forta­leça a idéia de que a responsabili­dade civil extracontratual, com ou sem culpa, deve ser a cidadela de ataque a todos os prejuízos que se causem na sociedade", colaciona a lição de Josserand segundo a qual "a responsabilidade moderna com­porta o pólo objetivo, onde reina o risco criado, e o pólo subjetivo, onde triunfa a culpa, e é em torno desses dois pólos que gira a vasta teoria da responsabilidade" .

4. A obrigação pelo ressarcimen­to do dano causado pode decorrer de ato próprio, de terceiros, de animais ou de coisas.

Essa obrigação deve ser imputa­da, em regra, ao próprio agente que o causou.

N o entanto, no pólo oposto, em face da responsabilidade objetiva de que cuida a Constituição Federal vi­gente, as pessoas jurídicas de direi­to público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes causarem, nessa qualidade, a terceiros.

Em permeio a tais extremadas si­tuações, há hipóteses em que o dano é causado por incapaz, empregado, serviçal ou preposto, e aí a obriga­ção da reparação deve ser atribuí-

da, em princípio, respectivamente, ao representante legal, patrão, amo ou comitente, pois a responsabilida­de destes pelos atos daqueles é pre­sumida. Assim também o é a respon­sabilidade dos donos ou detentores de animais pelos prejuízos causados por esses a terceiros, bem como o dono do edifício ou construção pe­los danos resultantes da ruína.

Esses presumem-se culpados (culpa in eligendo, in instruendo ou in vigilando), embora essas pre­sunções sejam iuris tantum, sen­do deles, e não da vítima, o ônus de provar fato que afaste as suas res­ponsabilidades para o ressarcimen­to.

5. Feitas essas brevíssimas di­gressões, retorno ao caso em exame.

Recolhe-se dos pronunciamentos das instâncias ordinárias que o re­corrido entregou deliberadamente o seu veículo ao motorista causador do atropelamento.

Ora, como já assinalou o saudoso Ministro Aliomar Baleeiro no voto proferido no RE 70.147, "quem en­trega um veículo - inevitável cria­dor de riscos a terceiro, economica­mente inidôneo ou moralmente in­sensível, incorre em culpa in eli­gendo e in vigilando".

Com efeito, contra o proprietário de veículo dirigido por terceiro cons­pira a presunção, iuris tantum de culpa in eligendo e in vigilando, em razão do que sobre ele recai a responsabilidade pelo ressarcimen­to do dano que a outrem possa ter sido causado.

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Por outro lado, dúvida nenhuma restou acerca da culpa do condutor desse veículo quanto ao sinistro co­gitado, tanto que por isso foi conde­nado criminalmente. Sendo assim, não há como se entender não de­monstrada a má escolha do recorrido.

A simples circunstância do moto­rista ser habilitado não elide a cul­pa in eligendo muito menos a culpa in vigilando.

Os fatos alegados pelo recorrido de que a vítima estaria embriaga-

da, não trabalhava, não sustentava a recorrente nem mesmo com ela vivia mais, não afetam a legitimi­dade do recorrido para responder a ação e podem influenciar apenas o seu resultado.

Diante de tais pressupostos, co­nheço do recurso e lhe dou provi­mento para o fim de determinar ao egrégio Tribunal a quo, superada a questão da legitimidade, prossiga no exame dos apelos que lhe foram dirigidos.

RECURSO ESPECIAL NQ 134.151- SP

(Registro n Q 97.0037656-7)

Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar

Recorrente: Gilberto Passos Gil Moreira

Recorrida: Editora Musical BMG Arabella Ltda.

Advogados: Carlos Mario da Silva Velloso Filho e outros, e Airton Coe­lho e outros

Sustentação Oral: Eni Moreira (pelo recorrente)

EMENTA: Direito autoral. Contrato de cessão. Resolução.

Extinção do contrato que dura há mais de 30 anos, celebrado com base em situação de fato significativamente alterada, tor­nando insuportável a sua continuidade para o autor, agravada pelo reiterado atraso no pagamento da remuneração.

Art. 1.092, par. único do CCivil.

Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da

Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por maioria, conhecer do re-

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curso e dar-lhe provimento nos ter­mos do voto do Sr. Ministro-Rela­tor, vencido o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. Votaram com o Rela­tor os Srs. Ministros Sálvio de Fi­gueiredo Teixeira e Barros Montei­ro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.

Brasília, 16 de dezembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.

Publicado no DJ de 30-03-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Adoto O relatório de fls. 234/235, integrante da r. senten­ça, verbis:

"Gilberto Passos Gil Moreira propõe a presente ação contra Editora Musical BMG Arabella Ltda., visando a extinção de con­tratos de cessão de direitos auto­rais firmados com a requerida nos idos dos anos 60, quando o primeiro cedeu à ré os direitos patrimoniais sobre quatro músi­cas por ele compostas, sozinho ou em parceria com terceiros, me­diante contraprestação da reque­rida consistente em pagar trimes­tralmente ao autor parte do pro­duto da exploração comercial das músicas. Alega que a requerida há anos vem descumprindo sua obrigação de prestar contas e pa­gar trimestralmente os direitos autorais do suplicante, fazendo-

o apenas com muito atraso e sem qualquer atualização monetária, o que, diante da enorme inflação que assola o país, vem causando prejuízos insuportáveis ao reque­rente. Enquanto isso, as quantias que lhe são devidas em razão de direitos autorais permanecem por longo tempo à disposição da ré. A inflação exorbitante que al­tera as condições econômicas do contrato vem atuando em detri­mento do suplicante que, invo­cando doutrina pátria justificado­ra da rescisão dessa espécie de contratos, inadimplemento con­tratual por parte da ré e teoria da imprevisão, requer sejam ex­tintos os vínculos contratuais existentes entre as partes ou, en­tão, caso o primeiro pedido não seja acolhido, a revisão dos ajus­tes a fim de restabelecer-se o equilíbrio contratual. Sugere pa­ra tanto seja a suplicada compe­lida a pagar seus direitos auto­rais até o dia 15 de cada mês.

A petição inicial veio acompa­nhada de procuração (fls. 11) e dos documentos de fls. 12/16.

Citada (fls. 45), a requerida ofereceu contestação (fls. 50/57), onde preliminarmente argüiu ile­gitimidade do autor para figurar isoladamente no pólo ativo da ação,já que postula em nome pró­prio direito alheio, pois algumas das músicas cujos direitos foram cedidos à ré não foram compos­tas somente pelo autor, mas em parceria com outros composito­res. Também argüiu inépcia da inicial por conter pedidos alter-

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nativos não cabíveis ao caso em tela. No mérito, diz serem inverídicos os fatos afirmados pelo autor e sem aplicação à es­pécie o Direito invocado. Alega que os contratos firmados são atos jurídicos perfeitos e acaba­dos, de natureza aleatória, onde existe incerteza para ambos os contratantes, não havendo direi­to a arrependimento e sendo ina­plicável a teoria da imprevisão. Nega inadimplemento contra­tual. Alega que a inflação não pode ser invocada para funda­mentar o que pede o autor, pois sua remuneração é encontrada em percentuais que adotam como base de cálculo o preço de venda dos discos que sofrem majorações contínuas. Juntou procuração e os documentos de fls. 59/201.

Réplica fls. 203/214."

Julgada improcedente a ação, o autor apelou e a ego 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Jus­tiça do Estado de São Paulo negou provimento ao recurso, em acórdão assim fundamentado: "Cuidando-se de edição gráfica e fonomecânica, direitos cedidos pelo recorrente à recorrida, certo é que a espécie ati­na com direito patrimonial e não moral (art. 29, da Lei n Q 5.988/73). Protegendo a lei tanto os interesses morais como os interesses patrimo­niais, são esses: a reprodução, a tra­dução, a execução e a representa­ção pública, a radiodifusão ou a re­produção por meios mecânicos. Já os morais consubstanciam o direito de reivindicar a paternidade da obra e o de opor-se a qualquer mu-

tilação ou deformação, lesivas de sua honra e reputação (Washing­ton de Barros Monteiro, 'Direito das Coisas', ed. Saraiva, 1973, pág. 236). Por outro lado, melhor se exa­mina um contrato através da veri­ficação de como vem ele sendo cum­prido. No caso, nada obstante a ir­resignação manifestada através da presente, força é reconhecer que os direitos do recorrente sempre foram por ele recebidos sem qualquer pro­testo, inclusive no que tange às con­tas prestadas pela editora. Portan­to, como bem acentuado na r. sen­tença, descartada está a hipótese de inadimplemento absoluto dos con­tratos que pudesse ensejar as rup­turas almejadas. Releva notar que tocante aos contratos incide o prin­cípio pacta sunt servanda, o qual constitui fundamento do princípio maior inserto na liberdade de con­tratar. Segundo Antunes Varela, ' ... a expressão liberdade contratual não contém apenas um termo 'liber­dade' e o segundo termo do binômio (contratual) aponta para a força vinculativa do acordo. O nubente não pode, no dia imediato à celebra­ção do casamento, rescindir o ato, alegando que mudou de vontade, tal como não pode fazê-lo, com igual fundamento, o doador que se arre­pende da liberalidade no dia seguin­te ao da doação. Pacta sunt ser­vanda, diz-se freqüentemente no direito público, a propósito das con­venções entre estados, através du­ma fórmula que tem aplicação aos pactos entre particulares. Apropos­ta contratual, livremente aceita pela outra, cria junto de ambos os contraentes e de terceiros expecta-

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tivas justificadas de conduta, que requerem e merecem a tutela do Direito, à idéia da auto-regulamen­tação dos interesses dos particula­res, condensada no princípio da au­tonomia da vontade sucede a neces­sidade de proteção da confiança de cada uma das partes na observãn­cia do pacto firmado entre elas à liberdade de criação individual 'do contrato sucede a necessidade so­cial de observância do contrato, de subordinação à lex contractus. A revogalidade unilateral do contra­to só excepcionalmente é admitida. E a liberdade contratual também só excepcionalmente é sacrificada' (Di­reito das obrigações, Forense, 1 ª ed., 1977, págs. 126/127). Portanto como o contrato vem sendo cumpri~ do, afastada fica qualquer cogitação sobre o seu inadimplemento abso­luto. Cumpre ressaltar, ainda, que a inflação constitui fenômeno neu­tro e abrangente, valendo dizer que a todos alcança indistintamente sendo os seus efeitos no país atenua~ dos pela aplicação da cláusula da correção monetária, de molde a pos­sibilitar o reparo de eventual lesão no contrato. Vale dizer, pois, que eventual prejuízo decorrente do pa­gamento desatualizado dos direitos poderá ser alcançado através do me­canismo jurídico da cláusula de cor­reção monetária, sem que isso ve­nha a determinar a ruptura dos con­tratos. Pela mesma razão, fica afas­tada a possibilidade da intervenção dos contratos livremente ajustados pelas partes, para o fim de se alte­rar o prazo para satisfação dos di­r~itos do recorrente. Em conseqüên­CIa, como a r. sentença deu adequa-

da solução ao litígio, fica ela manti­da também por seus jurídicos fun­damentos." (fls. 281/283).

O autor ingressou com recurso especial pela alínea a, alegando afronta aos artigos 1.092, parágra­fo único, do CC e 25 e 131 da Lei 5.988/73, "princípios especiais que informam os direitos autorais" ao cercear o direito do recorrente "de pôr fim aos contratos". Sustenta: a) - possibilidade de extinção dos con­tratos de cessão de direito autoral consoante regra do inciso VI, do art: 25 da Lei 5.988/73, o qual garante ao criador intelectual o direito mo­ral de suspender qualquer forma de utilização já autorizada de sua obra· b) - o direito de arrependiment~ está no elenco de direitos morais; c) - deixou o acórdão de aplicar ao caso o princípio especial da retra­tabilidade inerente ao contrato so­?re a exploração de obra de criação mtelectual, apegando-se ao princí­pio do pacta sunt servanda; d)­a transferência do direito de explo­rar as músicas não foi definitiva mesmo sendo contrato por praz~ indeterminado, e por tal razão, o autor intelectual tem o poder de torná-la sem efeito, por simples manifestação de vontade; e) - se não aplicada a regra do art. 25 da Lei 5.988, cujo inciso VI permite a suspensão da autorização de utili­zação da obra, incide o disposto no art. 1.092, par. único, do Código Ci­vil, que garante ao contraente o di­reito de resolver o contrato pela rei­terada inadimplência da editora ré.

Nas contra-razões, a recorrida alega a falta de prequestionamen-

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to, nega ao autor o direito de arre­pendimento assim como sustentado nas razões do recorrente, pois a ces­são somente poderia ser definitiva, e afirma que não o socorre "a adu­zida ruína sofrida pelo recorrente, em virtude de que as prestações que recebe trimestralmente não são corrigidas monetariamente, vez que os percentuais de pagamento que recebe por força da cessão operada com a recorrida são calculados so­bre o preço de venda dos discos e fitas que contenham suas obras e como se sabe estes preços de discos e fitas são corrigidos monetaria­mente." Finaliza dizendo que "for­çoso concluir que no contrato sub judice - tendo em vista a sua na­tureza aleatória e, a possibilidade das partes compactuarem livremen­te os seus interesses - não se pode presumir o direito de arrependi­mento de que o Recorrente se arro­ga ter."

Inadmitido na origem, manifes­tou-se o Agravo de Instrumento n Q

127.814/SP (autos apensos), que provi para melhor exame, determi­nando fossem requisitados os autos do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Dois fo­ram os fundamentos do pedido do autor, ambos examinados nas ins­tâncias ordinárias e agora renova­dos nesta instância: o direito de ar­rependimento, com suspensão da utilização já autorizada, e o direito

de resolver o contrato exceSSIva­mente oneroso ao autor por causa da inflação e pelo modo pelo qual vem sendo cumprido pela editora.

2. Inicio o exame do recurso à luz do direito de resolução.

Ao tempo em que os contratos de cessão de direitos autorais foram ce­lebrados, na década de 1960, inexis­tia o fenômeno da inflação que de­pois se fez presente na economia nacional, daí porque nenhuma cláu­sula se refere à correção monetária.

A desvalorização da moeda, por efeito da inflação, ainda que pudes­se ser considerada previsível, pode destruir a ~conomia do contrato, tais sejam 05 seus percentuais, e aí inegável constituir-se em causa su­ficiente para o reconhecimento da onerosidade excessiva. Alterado substancialmente o conteúdo da prestação, fica rompida a base ob­jetiva sobre a qual as partes cele­braram o contrato.

No caso dos autos, a forma de re­muneração pela utilização da obra artística do autor, incidente sobre um percentual do preço, deveria ser feita "com periodicidade trimes­tral". Essa modalidade de pagamen­to sem atualização, no tempo de in­flação alta, como ocorreu durante as últimas duas décadas da execução do contrato, constituiu-se em signi­ficativa perda para o autor, agrava­da com o atraso no pagamento das parcelas. Esses dois fatos ficaram reconhecidos nas instâncias ordiná­rias: houve a inflação, que aliás é fato notório, e "os documentos jun­tados pela própria requerida de­monstram que os pagamentos vêm

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sendo feitos com atraso" (sentença, fl. 240). Admitidos esses pressupos­tos de fato, em um contrato que dura mais de trinta anos, com pre­juízos somados a cada trimestre, a conclusão a que chego leva neces­sariamente ao reconhecimento do direito de o contratante - sobre o qual tem recaído o efeito da infla­ção - extinguir o contrato que lh~ tem sido excessivamente oneroso. E uma hipótese de extinção do contra­to em que o devedor, que já não su­porta a execução do contrato pela superveniência de novos fatos, an­tecipa-se à ação do credor e toma a iniciativa judicial de pôr fim à aven­ça, analogamente ao que ocorre com a resolução, contemplada no nosso Código no art. 1.092, parágrafo úni­co, aplicável subsidiariamente à es­pécie.

A incidência dessa regra legal, já agora no seu sentido próprio, tam­bém decorre da existência de inadimplemento reiterado da ré, que atrasava no pagamento das prestações, o que fazia com moeda desvalorizada, isto é, de modo insu­ficiente. Assim, além da onerosida­de excessiva, ainda havia o incum­primento da ré quanto ao tempo e modo da sua prestação.

A alegação de que os preços evo­luíam com a inflação e determina­vam a conseqüente elevação das prestações pagas não é relevante para o nosso julgamento, pois a one­rosidade decorre da forma contra­tada para o pagamento (trimestral), que se tornou extremamente des­vantajosa com a inflação alta, agra­vada com o atraso reiterado. Assim,

embora o preço de venda acompa­nhasse a desvalorização da moeda, o prejuízo certo do autor decorria do modo pelo qual se dava o repasse da parcela que lhe cabia.

A reparação do eventual prejuí­zo através de ação de indenização ou de cobrança das diferenças pode ser solução adequada para outras situações, mas não para o caso do contrato de edição com prazo inde­terminado, que perdura por mais de 30 anos e que continuaria consa­grando indefinidamente para o fu­turo a mesma desvantagem contra uma das partes.

Assim, ao deixar de aplicar ao caso a regra do art. 1.092, par. úni­co, do CCivil, o r. acórdão recorrido permitiu o conhecimento e o provi­mento do presente recurso, a fim de que sejajulgada procedente a ação, com inversão dos ônus da sucum­bência.

3. Acolhido um dos fundamentos, fica prejudicado o exame da restan­te argumentação do recorrente.

4. Isto posto, conheço e dou pro­vimento.

É o voto.

VOTO - VENCIDO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA: Sr. Presidente, pelo que percebo do relatório do eminen­te Ministro Ruy Rosado de Aguiar, a decisão hostilizada é categórica na afirmação de que não houve des­cumprimento contratual por parte da ora recorrida, quando diz: (lê)

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"No caso, nada obstante a irresig-nação ........................................... . ... .... ..... .... ...... sobre o seu inadim-plemento absoluto."

De sorte que, data venia, as ba­ses factuais que são aqui postas -parece-me - estão a dizer que a re­corrente teria cumprido o contrato. Portanto, fugiria daquela hipótese prevista no § 1 º do art. 1.092 do Có­digo de Processo Civil. Qualquer conclusão que se possa ter em con­trário, data venia importaria no revolvimento probatório, tarefa a que não se afeiçoa o recurso especial.

Como a questão agora está limi­tada ao exame desse ponto, ouso discordar de V. Exas., para, nesse aspecto, não conhecer do recurso.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, tam­bém estou de acordo com o voto do eminente Relator, evidenciado que deixou o Tribunal de origem de apli­car o disposto no art. 1.092, pará­grafo único, do Código Civil.

RECURSO ESPECIAL Nº 138.868 - MG

(Registro nº 97.0046205-6)

Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar

Recorrente: Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais

Recorrida: Egom Ltda.

Advogados: Mauricio Bhering Andrade e outros

EMENTA: Falência. Legitimidade. Fazenda pública.

- A Fazenda Pública não tem legitimidade para requerer a falên­cia.

Recurso conhecido mas improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo-

tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar provimen­to. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Bueno de Souza, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Montei­ro e Cesar Asfor Rocha.

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Brasília, 17 de fevereiro de 1998 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.

Publicado no DJ de 30-03-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: A Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais requereu a falência da firma Egom Ltda. ao ar­gumento de que a requerida, regu­larmente acionada, deixara de pa­gar o débito das Execuções Fiscais nM 38.580/2ª Vara Cível, 40.298/1 ª Vara Cível e 39.432/1ª Vara Cível.

A sentença indeferiu a petição inicial por entender que a Fazenda Pública, credora privilegiada, não tem legitimidade nem interesse pro­cessual para requerer falência de seus devedores e julgou extinto o processo, sem julgamento de méri­to (art. 267, inciso VI, c/c art. 295, inciso IH, ambos do CPC).

A requerente apelou demonstran­do sua legitimidade e interesse para requerer a falência, pois inexiste norma legal que lhe vede a preten­são.

A ego 5ª Câmara Cível do Tribu­nal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou provimento ao recur­so, em acórdão assim fundamenta­do:

"Conheço da remessa oficial e do recurso voluntário, por esta­rem presentes os pressupostos de

sua admissibilidade, assinalando que o em. Juiz indeferiu a inici­al, ao fundamento de que o art. 9º do Decreto-lei nº 7.661/45 não ampara a pretensão do Fisco, por não estar incluído entre as pes­soas que podem pedir a falência do devedor, oferecendo as razões de seu convencimento, que são pon­deráveis, com apoio nas lições de Re­quião e Sacha Calmon (f. 24/26).

A matéria é tormentosa, pois existem opiniões em contrário, também respeitáveis, como assi­nalado pela douta Procuradoria de Justiça.

Entretanto, em julgamento ocorrido no dia 12 de dezembro de 1995, o ego Superior Tribunal de Justiça, com o voto divergen­te do em. Min. Cláudio Santos, acolheu a tese de que ao Fisco é lícito requerer a falência do de­vedor de dívida ativa, quando decidiu o REsp nº 10.660-0, de Minas Gerais, com a seguinte ementa:

'Falência. Fazenda Pública. Interesse.

Não há empecilho legal a que a Fazenda Pública requei­ra a falência de seu devedor. A Lei de Quebras somente exclui o credor com garantia real, nos termos do art. 9º, IH, b. Direi­to Real de garantia e privilé­gio creditório não se confun­dem. Recurso conhecido e pro­vido.'

Entretanto, entendeu o em. Min. Cláudio Santos, que o art.

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38 da Lei n Q 6.830/80 veda a ini­ciativa do Fisco para requerer a falência de seu devedor e penso da mesma forma, pois o citado artigo está assim redigido:

'A discussão judicial da dí­vida ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma da lei, salvo as hipó­teses de mandado de seguran­ça, ação de repetição de indé­bito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta pre­cedida do depósito preparató­rio do valor do débito, mone­tariamente corrigido e acres­cido dos juros e multa de mora e demais encargos.'

Dessa forma, ao contrário do que afirmou a recorrente, a dis­cussão relativa a dívida fiscal só é admissível em execução, salvo as hipóteses que menciona, que não é a dos autos.

Diante do expresso texto legal, penso que se mostra ilegítima a pretensão do Fisco.

Note-se ainda, que o art. 187 do Código Tributário Nacional dá ao crédito tributário o privilégio de não se sujeitar ao concurso de credores ou habilitação em falên­cia, o que retira qualquer interes­se em requerer a falência do seu devedor.

A propósito, trago à colação doutrina de Ruben Ramalho:

'Não vemos, pois, qual o in­teresse da Fazenda Pública na decretação da falência do seu

devedor, por falta de legítimo interesse. No nosso entender, a Fazenda Pública não pode re­querer a falência do seu deve­dor, até porque o seu crédito, em sendo de natureza tributá­ria, prefere mesmo ao crédito assegurado com garantia real' (Curso Teórico e Prático de Falência e Concordatas, Edito­ra Saraiva, p. 96, 1984).

Valho-me, ainda da lição do mes­tre Rubens Requião, trazido à colação pelo douto sentenciante:

'De nossa parte, estranha­mos o interesse que possa ter a Fazenda Pública no requeri­mento de falência do devedor de tributos. Segundo o Código Tributário Nacional os créditos fiscais não estão sujeitos ao processo concursal, e a decla­ração da falência não obsta o ajuizamento do executivo fis­cal, ho~e de processamento co­mum. A Fazendo Pública fale­ce, ao nosso entender, legítimo interesse econômico e moral para postular a declaração de falência de seu devedor.

A ação pretendida pela Fa­zenda Pública tem, isso sim, nítido sentido de coação moral, dadas as repercussões que um pedido de falência tem em re­lação às empresas solventes' (fs. 25/26).

E mais,

'O requerimento de falência não é forma de cobrança de

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crédito, 'por importar num des­vio da função específica e, con­seqüentemente, num cons­trangimento ilícito' (RTJ 93/ 1.162).

Tanto na execução como no pe­dido de falência, há necessidade da existência de título de dívida líquida e certa, dando ao credor a faculdade de adotar o caminho que melhor lhe aprouver, mas em se tratando de credor fiscal, só é admissível a execução.

Além do mais, o art. 10 da Lei de Falências exige o prévio pro­testo do título, o que não ocorre na espécie." (Fls. 91/94)

A Fazenda ingressou com recur­so especial pelas duas alíneas, ale­gando afronta ao art. 9Q

, inciso IlI, alínea b, da Lei de Falências (De­creto-Lei n Q 7.661/45), além de dis­sídio jurisprudencial com o AG 217.658, do ego TJ/SP, in RT 451/ 123 e com o REsp n Q 10.660-0IMG. Sustenta, em síntese, que o privilé­gio atribuído aos créditos fazendá­rios não impede ao Fisco pleitear a falência dos contribuintes que dei­xam de saldar os débitos inscritos na dívida ativa.

Sem contra-razões, o Tribunal de origem admitiu o recurso especial, subindo os autos a este ego STJ.

O d. MPF opinou pelo provimen­to do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Conheço do recurso diante da demonstrada divergência jurisprudencial e dou­trinária que lavra sobre o tema, am­plamente referida e exemplificada nos autos, com várias lições em ambos os sentidos.

2. Lendo os dispositivos legais que regulam a falência e a cobran­ça da dívida ativa, observo que:

- a Lei de Falências (arts. 8 Q

e 9Q do Decreto-Lei 7.661/45), enumerando aqueles que podem requerer a quebra, não incluiu entre eles a Fazenda Pública;

- ao regular a relação entre a cobrança da dívida ativa e a fa­lência, a Lei n Q 6.830/80 no seu art. 29, excluiu a Fazenda Públi­ca do concurso de credores;

- no seu art. 4Q, a mesma lei

de execução fiscal permite-a con­tra a massa;

- por fim, no seu art. 38, a Lei 6.830/80 determina que "a discus­são judicial da dívida ativa da Fa­zenda Pública só é admissível em execução, na forma desta lei, sal­vo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição de indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida".

3. Gozando a Fazenda Pública de amplos privilégios assegurados em vários dispositivos legais, causa es­tranheza que não conste de algum deles menção à possibilidade de re-

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querer a falência dos seus devedo­res. A explicação certamente está no fato de que o tratamento legal dis­pensado ao crédito lançado em dí­vida ativa da Fazenda Pública in­depende da situação falimentar do devedor, não se sujeita ao seu pro­cedimento, a execução pode ser ins­taurada antes ou depois da falên­cia, contra o falido ou contra a mas­sa, com o privilégio que a lei lhe assegura. Há, portanto, verdadeira incompatibilidade entre o ordena­mento legal da falência e o da exe­cução da dívida ativa da Fazenda Pública, a explicar a razão pela qual o legislador, que tanto disse em fa­vor do Fisco, não o incluísse entre aqueles que podem requerer a fa­lência do comerciante.

E há para isso muitos e ponderá­veis motivos: o título de dívida ati­va é criado pelo próprio credor, dis­pondo o devedor de prazos exíguos para a sua defesa antes da decreta­ção da quebra; os privilégios de que goza a Fazenda Pública dispensam e suplantam a necessidade do re­querimento de falência; no sistema onde a falência pode decorrer do simples inadimplemento e não da insolvência, caberia ao administra­dor, verificada a impontualidade e extraída a certidão de dívida, reque­rer a falência do devedor; a quanti­dade dessas situações poderia levar ao caos, econômico e tributário, mas deixar ao administrador a escolha daqueles que poderão ser ou não submetidos à falência talvez seja ainda pior.

Pertinentes, portanto, as pala­vras de Rubens Requião:

"De nossa parte, estranhamos o interesse que possa ter a Fa­zendo Pública no requerimento de falência do devedor por tribu­tos. Segundo o CNT os créditos fiscais não estão sujeitos ao pro­cesso concursal, e a declaração da falência não obsta o ajuizamento do executivo fiscal, hoje de pro­cessamento comum. À Fazenda Pública falece, no nosso entender, legítimo interesse econômico e moral para postular a declaração de falência de seu devedor. A ação pretendida pela Fazenda Públi­ca tem, isso sim, nítido sentido de coação moral, dadas as repercus­sões que um pedido de falência tem em relação às empreSas solventes" (Curso de Direito Fa­limentar, 1/95).

N o caso dos autos, a credora dei­xou de lado execuções fiscais que promovera para a cobrança dos mesmos créditos e veio requerer a falência. Pergunta-se: teria esse pedido outra finalidade que não a de coagir a devedora ao pagamen­to, transformando o processo de fa­lência em balcão para a cobrança de dívidas?

Não se trata, portanto, de equi­parar a Fazenda Pública ao credor com garantia real, o qual somente poderá requerer a falência se àque­la renunciar (art. 9Q

, In, b), pois inexiste essa similitude como lon­gamente ficou demonstrado pelo Prof. Fábio Comparato no pare­cer publicado na RT 442/48, mas sim de constatar que o nosso siste­ma legal não permite ao titular do

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crédito fiscal a iniciativa da decre­tação da falência do seu devedor.

4. Por tudo isso, e com a devida vênia, acolho os fundamentos do voto vencido do em. Min. Cláudio Santos, na ego 3ª Turma, no REsp 10.660/MG:

"O insigne Ministro Paulo Ro­berto Costa Leite, em seu voto de relator, apoiado em pronuncia­mento do Pro f. Fábio Konder Comparato bastante citado nas discussões acerca do tema do re­curso especial e inclusive nestes autos, manifestou-se pela legiti­midade da Fazenda Pública para requerer a falência de comercian­te em débito de natureza tribu­tária.

A tese, conforme relato de Ru­bens Requião, mereceu, além daquele, outro importante estu­do, o segundo do também advo­gado paulista J. Netto Arman­do, enfeixados os dois em publi­cação da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo intitula­da "Falência de Contribuinte Pro­movida pelo Fisco".

Na senda daqueles sem, entre­tanto, acrescentar nada mais do que foi alinhado naqueles pare­ceres, escritos no interesse da Fa­zenda Pública de São Paulo, no ano de 1972, empenhada em constranger devedores relapsos, encontrei, ainda os trabalhos de Romano Cristiano, Américo Ruggiero e Rejane Brasil Filippi, todos procuradores esta­duais, os primeiros de São Pau­lo, a última do Rio Grande do Sul.

A doutrina clássica não deba­teu a controvérsia, certamente porque, antes da lei atual que já tem meio século, de conformida­de com princípio assentado, so­mente as obrigações comerciais ensejavam o pedido de falência. Tal questão não mais é controver­tida, eis que se considera falido o comerciante que não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título executivo, ca­racterizando-se também a falên­cia se o comerciante executado não paga ou não nomeia à penho­ra dos bens, dentro do prazo le­gal (arts. 1 Q, caput e 2Q

, I, do Decreto-Lei n Q 7.661, de 1945).

Daí não se encontrar nenhuma referência sobre o tema em Car­valho de Mendonça, Bento de Faria, Octávio Mendes, Al­meida Leite, Waldemar Fer­reira, nem em Sampaio Lacer­da.

Diz-se que Trajano Miranda Valverde e José da Silva Pa­checo teriam sustentado, de pas­sagem, que a Fazenda Pública poderia pedir a falência de seu devedor. Na consulta que fiz, na primeira edição da obra de Val­verde e na quarta de Pacheco, não encontrei nenhuma afirma­ção clara, a respeito, senão de que os credores com privilégio e preferência podem requerer a fa­lência do devedor, e com isso es­tou de acordo, pois, admito que o credor trabalhista, portador de um título executivo judicial (sen­tença líquida proferida em recla­mação), protestado o título para

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efeito de falência, possa requerê­la, assim como os debenturistas.

Fábio Konder Comparato, no referido parecer (RT 442/48-54), reconhece não haver, até en­tão, a doutrina analisado o assun­to em profundidade, nem sido suscitado em nossos pretórios. A situação permanece até hoje, muito embora algumas raras de­cisões da Justiça Paulista te­nham acolhido sua orientação.

Em autores que tive a oportu­nidade de examinar, com mais re­centes comentários sobre a lei de falências, encontrei as seguintes posições: a) favorável à possibili­dade de o credor tributário reque­rer a falência do contribuinte co­merciante - Amador de Paes de Almeida, em "Curso de Fa­lência e Concordata", 10ª ed., São Paulo, Saraiva, 1991, pág. 59; b) contrários a essa faculdade -Carvalho Neto, em "Tratado das Defesas Falimentares", v. II, 1967, pág. 81, n Q 130; Luiz Tzirulnik, em Direito Falimen­tar, 2ª ed., São Paulo, Ed. RT, 1991, pág. 41; Ruben Ramalho, em "Curso Teórico e Prático de Falência e Concordata", 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1989, pág. 96; e Rubens Requião, em "Curso de Direito Falimentar", 1 Q

volume, 13ª edição, São Paulo, Saraiva, 1989, págs. 94 e 95.

Por todos que se colocam na se­gunda vertente, reproduzo as ra­zões de Requião:

"A discutida iniciativa da Fazenda Pública. A fim de en-

frentar com mais severidade os devedores relapsos, andou o fisco estadual paulista empe­nhado em constrangê-los a li­quidar seus débitos fiscais, sob ameaça de requerimento de falência. Passou-se, então, a indagar se o direito falimentar brasileiro comportava tal ini­ciativa da Fazenda Pública.

A tese mereceu dois impor­tantes estudos jurídicos, larga­mente divulgados na impren­sa e nas revistas especializa­das, sendo inclusive enfeixa­dos numa publicação da Secre­taria da Fazenda do Estado de São Paulo. Opinaram afirma­tivamente os juristas J. Net­to Armando e Fábio Konder Comparato (Falência de Con­tribuinte promovida pelo Fis­co, Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo).

De nossa parte, estranha­mos o interesse que possa ter a Fazenda Pública no requeri­mento de falência do devedor por tributos. Segundo o Códi­go Tributário Nacional os cré­ditos fiscais não estão sujeitos ao processo concursal, e a de­claração da falência não obsta o ajuizamento do executivo fis­cal, hoje de processamento co­mum. À Fazenda Pública fale­ce, ao nosso entender, legítimo interesse econômico e moral para postular a declaração de falência de seu devedor.

A ação pretendida pela Fa­zenda Pública tem, isso sim, nítido sentido de coação moral,

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dadas as repercussões que um pedido de falência tem em re­lação às empresas solventes." (Ob. Cit.)

A alegação de abusividade da cobrança, através do pedido de falência, feita por outros comen­tadores, é criticada por Compa­rato, que a qualifica de lugar co­mum, partindo o autor da certe­za de que norma alguma existe a impedir opte a Fazenda pela ha­bilitação de seu crédito na falên­cia em lugar de executar o crédi­to tributário e, assim, conclui pe­la sua legitimidade para o reque­rimento de falência.

O argumento não me parece exato, na atualidade, após a vi­gência da Lei n Q 6.830, de 22.09.80, que disciplina a cobrança judici­al da Dívida Ativa da Fazenda Pública. Com efeito, dispõe essa lei, em seu art. 38, que a "discus­são judicial da dívida ativa da Fa­zendo Pública só é admissível em execução, na forma da lei, salvo as hipóteses de mandado de se­gurança, ação de repetição do in­débito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta prece­dida do depósito preparatório do . valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encar­gos." Humberto Theodoro Jú­nior, a analisar tal dispositivo, da posição do contribuinte-deve­dor não hesita em declará-la res­tritiva de direitos constitucio­nais, quando condiciona o ingres­so em juízo à garantia da instân­cia ("Lei de Execução Fiscal", 2ª

ed., São Paulo, Saraiva, 1986, págs. 88/90). Tem toda razão. Mas, no momento, o que importa é ou­tro aspecto da norma, ou seja a vinculação da Fazenda Pública: a discussão judicial da dívida ati­va só é admissível em execução, isto, é, na execução fiscal disci­plinada na respectiva lei, à qual se aplica subsidiariamente a lei processual civil comum (art. 1 Q: "A execução judicial para cobran­ça da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autar­quias será regida por esta lei, e subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil").

Darcy Bessone, nas lições da disciplina por ele lecionada na Faculdade de Direito da UMG, agora reunidas em livro intitula­do "Instituições de Direito Fali­mentar" (São Paulo, Saraiva, 1959), a propósito da classifica­ção dos créditos na falência, ob­serva:

"Deve-se excluir da relação dos créditos privilegiados o da Fazenda Pública (art. 1.596, VI, do CC), porque a Lei n Q

6.830 estabelece que "a compe­tência para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro Juízo, inclusi­ve o da falência, da concordata, da liquidação, da insolvência ou do inventário (art. 5Q

), bem como que "a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concur­so de credores ou habilitação

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em falência, concordata, liqui­dação, inventário ou arrolamen­to" (art. 29)." (págs. 133/134)

Com essas achegas não preten­do reduzir a faculdade da Fazen­da de discutir emjuízo seu crédi­to, exclusivamente, nas execu­ções fiscais. Em qualquer ação contra ela proposta a discussão pode ser travada, mas é inques­tionável que a cobrança da Dívi­da Pública deve ser feita na exe­cução fiscal singular, sem prejuí­zo de seu direito às medidas cau­telares assegurados no estatuto processual aplicável subsidiaria­mente.

Inexato, por outro lado, argu­mentar-se que a Fazenda Públi­ca pode renunciar aos seus direi­tos e privilégios, como credora de tributos, para pretender assumir a posição de um credor comum, quirografário, em concorrência com os demais credores e com isso vir a ter afirmado o direito de requerer a falência do deve­dor. O tributo é cobrado median­te atividade administrativa ple­namente vinculada, de acordo com a definição contida no art. 3º do Código Tributário Nacional, lei complementar do Sistema Tri­butário Nacional e, assim, outro caminho não tem o administra­dor, salvo encaminhar a certidão da dívida para cobrança através de execução fiscal, porque é no juízo competente que a questão deve ser discutida e não no juízo falimentar.

A esses argumentos de natu­reza jurídica não são alheios ou-

tros de ordem econômica, moral e política.

É consabido privilegiar nosso ordenamento constitucional a igualdade, a liberdade de inicia­tiva, a livre concorrência, não sen­do compatíveis com esses princí­pios conferir-se ao Estado o direi­to de destruir a empresa, segun­do a livre determinação e escolha de seus agentes administrativos, por força de impontualidade no pagamento de um tributo. A le­gislação falimentar brasileira está em descompasso com a rea­lidade social e econômica, é atra­sada e iníqua, ao considerar pre­sumidamente insolvente em be­nefício do credor um caso de sim­ples mora ou de mera impontua­lidade. A sua nova disciplina em tramitação no Congresso N acio­naI atenua um pouco o rigor da lei em vigor e agasalha um prin­cípio de grande significação que é o interesse pela recuperação da empresa e não pela liquidação de seu ativo para pagamento de suas dívidas.

Conferir ao Estado uma medi­da judicial desse potencial ani­quilador é, sem dúvida, contra­riar aqueles princípios orientado­res da ordem econômica no País, e consagrar uma coação reprová­vel pela moral e pela política.

Por tudo, como já declarou a Corte local, falta à Fazenda inte­resse econômico e moral para re­querer a falência do devedor.

Com essas considerações, ali­nho-me, data vênia, na posição do

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Egrégio Tribunal de Justiça de Mi­nas Gerais, para conhecer do re­curso pela dissidênciajurispruden­cial, mas negar-lhe provimento.

É como voto."

5. Posto isso, conheço do recurso, pela divergência, mas lhe nego pro­vimento.

É o voto.

VOTO- VOGAL

O SR. MINISTRO BUENO DE SOUZA: Estou de inteiro acordo com o Sr. Ministro-Relator. O Insti-

tuto da falência vem sendo ultima­mente objeto de exacerbações. Aliás, acórdão do Supremo Tribunal Fede­ral aqui mencionado pelo ilustre professor Requião, alude a coação que o emprego indevido do pedido de falência acarreta. Eu, nesta Quar­ta Turma, já votei contra a conde­nação a honorários em favor da par­te que, no propósito de coagir, re­quer a falência do devedor, a qual, afinal, não é decretada.

Não há interesse prático, por sua vez, no pleito da Fazenda Pública, que já dispõe, com a certidão de dí­vida, de todos os privilégios e garan­tias que facilitam a execução.

RECURSO ESPECIAL NQ 148.897 - MG

(Registro nº 97.0066124-5)

Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar

Recorrente: Milton Alves Pedrosa

Recorrido: João Batista Prearo

Advogados: Luiz Fernando Valladão Nogueira, e Vanir Rodrigues Gaspar e outros

Sustentação Oral: Luiz Fernando Valladão Nogueira (pelo recorrente)

EMENTA: Sociedade de fato. Homossexuais. Partilha do bem comum.

O parceiro tem o direito de receber a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, reconhecida a existência de socie­dade de fato com os requisitos previstos no art. 1.363 do CCivil.

Responsabilidade Civil. Dano moral. Assistência ao doente com AIDS. Improcedência da pretensão de receber do pai do parceiro que morreu com Aids a indenização pelo dano moral de ter su­portado sozinho os encargos que resultaram da doença. Dano que

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resultou da opção de vida assumida pelo autor e não da omissão do parente, faltando o nexo de casualidade. Art. 159 do CCivil.

Ação possessória julgada improcedente. Demais questões preju­dicadas.

Recurso conhecido em parte e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar­lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sál­vio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Au­sente,justificadamente, o Sr. Minis­tro Bueno de Souza.

Brasília, 10 de fevereiro de 1998 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.

Publicado no DJ de 06-04-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Adoto O relatório in­tegrante do v. acórdão de fls. 310/ 313, verbis:

"Milton Alves Pedrosa ajuizou a presente ação que denominou de 'ordinária de reconhecimento de co-propriedade, com conse-

qüente pedido de alteração de registro imobiliário, c/c ação de indenização' contra João Batista Prearo, à alegação de que (1), vi­veu com Jair Antônio Prearo, fi­lho de João Batista, de 1982 até 05 de outubro de 1989, data em que faleceu Jair; que, durante este período, ambos foram sócios em três empresas; que, logo no início da 'coabitação', resolveram adquirir um apartamento, que foi comprado em nome de Jair, por­que, sendo ele funcionário do Banco do Brasil, podia obter fi­nanciamento de parte do preço; que, em fins de 1983, venderam o apartamento e com o dinheiro obtido, acrescido com os lucros dos negócios em comum, compra­ram outro, situado na rua Aimo­rés, 351, também, nesta Capital, onde reside até hoje; que embora os imóveis tenham sido adquiri­dos em nome do Jair, ele contri­buiu em igualdade de condições para o pagamento, tanto da par­cela inaugural como da parte fi­nanciada, o que pode ser prova­do pelos documentos que juntou para demonstrar a remessa do numerário à conta de Jair, ex­pressamente para o fim de qui­tar ditas prestações; que, a par­tir de 1985, Jair deixou de traba­lhar no Banco do Brasil e ele as-

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sumiu todas as despesas com a aquisição do imóvel; que tinha uma vida em comum com o fale­cido Jair e arcava praticamente sozinho com as despesas do lar; que, por mais este motivo, foi entabulado pelos sócios que, quan­do esgotado o pagamento do fi­nanciamento, Jair passaria a me­tade do imóvel para ele, fazendo alteração no registro imobiliário; que com a morte de Jair, não lhe resta outra alternativa senão buscar refúgio numa declaração judicial de existência de co-pro­priedade, através da qual o pai do falecido Jair haverá de subme­ter-se à perda da metade do imó­vel; (lI), que, com a morte de Jair, as empresas faliram e as seqüe­las foram suportadas somente por ele; que, imediatamente, ces­sou o funcionamento da empresa J. Prearo Indústria e Comércio Ltda.; que o espólio de Jair deve­ria arcar com a parte que lhe competia, consubstanciada em diversas parcelas trabalhistas pagas a vários empregados, dé­bitos junto ao fisco, débitos de baixa das sociedades, pagamen­to de consórcios do falecido e das sociedades e dívidas comerciais do relacionamento com outras empresas; (lII) que somente ele prestou socorro a Jair durante a sua enfermidade e custeou todas as despesas médico-hospitalares, inclusive as de funeral, pelo que deve a herança do falecido res­ponder pela indenização ora plei­teada; (IV), que pelo fato de Jair ter falecido por síndrome de imu­no deficiência adquirida (AIDS),

foi criada em torno de sua inco­lumidade imediata suspeita, o que o levou a um completo isola­mento dentro da sociedade minei­ra; que se não bastasse o seu pró­prio sofrimento e angústia, tal fato ceifou de vez toda a sua pos­sibilidade de produção; que tudo isto provocado por ato do faleci­do, reclama indenização por dano moral, que a herança do de cujus deve responder.

Registro que em apenso ao pre­sente feito corre ação de reinte­gração de posse ajuizada pelo pri­meiro apelante João Batista Prea­ro em face do apelante adesivo Milton Alves Pedrosa."

A sentença que julgou as duas ações conexas tem o seguinte dis­positivo:

"Quanto à ação possessona, comprovado nestes autos e reco­nhecido, a final, o direito do au­tor sobre 50% do imóvel, pela co­propriedade do imóvel, deve ser julgada improcedente, pois de­tém legitimamente o autor a sua posse, já que adquirido com es­forço comum.

Assim, considerando o acima exposto e o mais que dos autos consta, julgo em parte proceden­te o pedido para conferir ao au­tor o direito à metade do imóvel constituído pelo apartamento n Q

202, da Rua Aimorés, 351, com inserção do seu nome no Regis­tro Imobiliário (3 Q Ofício do R. L, matrícula 36.738), além do direi­to ao ressarcimento de 50% dos

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gastos feitos com a manutenção das sociedades comerciais (docs. de fls. 103/142 e 237/250), a se­rem apurados por cálculo do con­tador e devidamente corrigidos a partir do efetivo desembolso, com juros a partir da citação, excluí­dos os gastos médico-hospitalares e danos morais, pelos motivos acima deduzidos.

Custas e honorários, estes à base de 20% sobre o valor da cau­sa, recíproca e proporcionalmen­te distribuídos e compensados es­tes últimos entre as partes, à ra­zão de 70% pelo réu e 30% pelo autor." (fl. 242)

Irresignados com a r. sentença­continua o r. acórdão recorrido:

"Ambas as partes dela apela­ram, João Batista Prearo, argüin­do, preliminarmente, nulidade da r. sentença por negativa de pres­tação jurisdicional, à alegação de que o MM. Juiz a quo não apre­ciou as suas preliminares de im­possibilidade jurídica do pedido, de inépcia da inicial e carência de ação, nas quais apontou diversas irregularidades processuais que impediam o desenvolvimento vá­lido e regular do processo, tais como, infringência dos artigos 292, inciso IIl; 295, incisos IIl, V e respectivo parágrafo único, in­cisos lI, III e IV; e 301, inciso X do CPC; e no mérito, insurge-se contra o deferimento da meação do apartamento, alegando que o fato de terem convivido, o Apela­do e Jair, não é suficiente para o deferimento do pleito, até mesmo

porque a pretensão é amparada em instituto próprio do Direito de Família; que não existe em nos­so ordenamento jurídico lei que ampare tal pretensão; que o re­conhecimento de sociedade de fato para fins de partilha de pa­trimônio só pode ser aquela ha­vida entre homem e mulher; que o teor de decidir da r. sentença apelada atenta contra o seu di­reito de propriedade garantido pelo art. 5Q

, inc. XXII, da CF/88 e não encontra suporte legal; faz análise da prova oral demons­trando ser ela favorável à sua tese; pretende, também, a refor­ma da r. sentença no que acolheu o pleito de indenização dos gas­tos que o Recorrido alegou ter feito com a manutenção das em­presas Termas P. P. Ltda. e J. Prearo - Indústria e Comércio Ltda., alegando que os documen­tos juntados às fls. 237/250, com­provando o pagamento desses gastos, na verdade só foram jun­tados aos autos depois de encer­rada a instrução do processo; que tais documentos deveriam ter acompanhado a exordial; que sua juntada após a instrução do pro­cesso feriu o disposto nos arts. 282 e 396 do CPC; que nenhum dos mencionados documentos se refere a pagamento, feito pelo Recorrido, de débito de responsa­bilidade sua, por isto, não se pres­tam a conferir direito de indeni­zação ou cobrança; insurge-se, finalmente, contra a parte da r. sentença que julgou improceden­te a ação de reintegração de pos­se, alegando que o Recorrente

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adesivo está no imóvel a título de comodato, conforme provado com os depoimentos das testemunhas que depuseram às fls. 277, 279 e 280 (numeração originária); que, terminado o comodato com a no­tificação feita ao Apelado-Apelan­te adesivo, mesmo que se proce­dente o pedido de meação feito pelo Autor, ainda assim, continua­ria ele esbulhando o imóvel, já que não teria 50% dele, impon­do-se a procedência, por isto, do pedido de reparação de danos fei­to nos autos daquela ação reinte­gratória.

J á o inconformismo de Milton Alves Pedrosa com a r. Sentença apelada reside no não-deferimen­to de seu pedido de dano moral, ao argumento de que ensejou tal pedido o fato de ter ele sido iso­lado na sociedade em face da no­tícia de que a pessoa com a qual morava ter falecido por AIDS; que, por ter tido que cuidar de Jair, em razão de a família tê-lo abandonado, tornou-se pública a relação que ele e Jair sempre pro­curaram disfarçar; que por isto, o pai de Jair falhou e por isto há que arcar com a indenização por dano moral."

A ego 2ª Câmara Civil do Tribu­nal de Alçada do Estado de Minas Gerais rejeitou as preliminares, deu "provimento ao recurso do primei­ro apelante João Batista Prearo para, reformando a r. sentença ape­lada, julgar improcedente a 'ação ordinária de reconhecimento de co­propriedade, com conseqüente pe­dido de alteração de registro imo-

biliário, c/c ação de indenização' con­tra ele proposta por Milton Alves Pedrosa" e condenou este último a pagar as custas do processo e hono­rários advocatícios que arbitrou em 20% sobre o valor da causa, devida­mente corrigidos, e julgou proceden­te a ação de reintegração de posse proposta por João Batista Prearo contra Milton Alves Pedrosa, assi­nando a este o prazo de 30 dias para desocupação e entrega ao autor, pri­meiro apelante do apartamento 202, situado à Rua Aimorés, 351, em Belo Horizonte, por ele indevida­mente ocupado a partir da data do término do prazo que lhe foi assi­nado na notificação de fls. 27 TA do apenso, ou seja, a partir de 14 dejulho de 1994, condenando-o, ain­da, a pagar a João Batista Prearo o valor da locação do referido imóvel a partir da data da propositura da ação - 30 de agosto de 1994, de­vendo o valor ser apurado em liqui­dação de sentença por arbitramen­to, com acréscimo de juros e de cor­reção monetária, e, em conseqüên­cia, invertidos os ônus da sucum­bência na ação possessória.

Opostos embargos de declaração, estes foram parcialmente acolhidos, com expresso indeferimento da pre­liminar de nulidade do julgamento e improvimento do agravo retido, confirmado o acórdão embargado quanto ao mais.

Irresignado, o autor ingressou com recurso especial por ambas as alíneas, alegando afronta aos arti­gos 159, 1.250, 1.251, 1.252, 1.363 do CC; 5Q da LICC; 4Q

, 128, 130,420, 459, 460 do CPC, além de dissídio jurisprudencial.

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Pretende o reconhecimento da co­propriedade do imóvel, a indeniza­ção pelo dano moral (letra e, abai­xo) e a improcedência da ação pos­sessória, sendo que, quanto a esta, alegou cerceamento de defesa pela impossibilidade de fazer prova da existência de benfeitorias.

Sustenta: a) - a relevância da união dos esforços, ainda que taci­tamente avençada; b) - "mesmo num relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, se houver a conflu­ência de esforços à formação de uma sociedade de fato, ainda que de maneira indireta, mister a divisão do patrimônio, quando de sua dis­solução"; c) - a co-propriedade pre­vista no art. 4º do CPC tem como premissa uma sociedade, resultado de um esforço comum, e que não poderia ser objetada, apenas em razão da preferência sexual dos só­cios; d) - tendo contribuído com nu­merário para a aquisição do apar­tamento, o recorrente não tem um mero direito creditício sobre os va­lores despendidos, mas direito real de propriedade sobre o imóvel, ain­da que proporcionalmente à sua participação nos gastos; e) - o pai que foge da difícil responsabilidade de assistir o filho doente deve in­denizar quem o substituiu nesse en­cargo, arcando com todos os prejuí­zos morais que a doença acarretou ao recorrente; f) - carência da ação reintegratória, porquanto o mencio­nado comodato estaria em plena vi­gência, sendo imprópria a preten­são; g) - não poderia o acórdão re­corrido trancar a realização da pro­va pericial, que seria hábil a com­provar o direito material suscitado

pela parte; h) - o pedido de perdas e danos jamais poderia compreen­der os alugueres.

Com as contra-razões, o Tribunal de origem admitiu o recurso espe­cial, subindo os autos a este ego STJ.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. A primei­ro questão proposta no recurso ver­sa sobre a possibilidade de ser re­conhecida a existência de socieda­de de fato resultante da convivên­cia entre duas pessoas do mesmo sexo, a determinar a partilha do patrimônio adquirido durante esse tempo.

Dispõe o art. 1.363 do CCivil: "Ce­lebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obri­gam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns".

Tratando-se de união heterosse­xual, a jurisprudência tem reconhe­cido o direito de a companheira -que contribuiu, seja com a renda do seu trabalho produtivo ou com o for­necimento de recursos próprios, seja mediante a prestação de servi­ços domésticos - receber parte do patrimônio que se formou graças a essa conjugação de esforços, desti­nados a garantir uma situação eco­nômica estável.

Examinando os julgados que en­frentaram a questão, desde os pri­mórdios do surgimento dessa orien­tação jurisprudencial, vê-se que o ego STF, em repetidas ocasiões, ao

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aplicar a Súmula 380, reafirmou o seu entendimento de que "a socie­dade de fato, e não a convivência mo­re uxorio é que legitima a parti­lha de bens" (RE 84.969/RJ - RTJ 80/260; RE 81.0991MG, RTJ 79/229). Nesse último recurso, o em. Min. Moreira Alves enfatizou a diferen­ça que deve ser feita entre "a socie­dade de fato (que é de caráter pura­mente patrimonial) e comunhão de vida" (RTJ 79/236).

N este Superior Tribunal de J us­tiça persistiu o mesmo entendimen­to, acentuando-se a sociedade de fato como pressuposto para o reco­nhecimento do direito à partilha do patrimônio comum dela resultante (REsp 45.886/SP, 4ª Turma, reI. em. Min. Torreão Braz), constando da ementa do REsp 4.599/RJ:

"A criação pretoriana inscrita no Verbete de nº 380 da Súmula do STF tem por referência os arts. 1.363 e 1.366 do CC; os efei­tos patrimoniais, ali descritos, decorrem do direito das obriga­ções" (3ª Turma, reI. em. Min. Nilson Naves).

Foi só mais tarde, com a evolu­ção do direito de família, especial­mente após a Constituição de 1988, que o tema passou a ser tratado como uma questão familiar.

A hipótese dos autos não se equi­para àquela, do ponto de vista do Direito de Família, mas nadajusti­fica que se recuse aqui aplicação ao disposto na norma de direito civil que admite a existência de uma so­ciedade de fato sempre que presen-

tes os elementos enunciados no art. 1.363 do CC: mútua obrigação de combinar esforços para lograr fim comum. A negativa da incidência de regra assim tão ampla e clara, sig­nificaria, a meu juízo, fazer preva­lecer princípio moral (respeitável) que recrimina o desvio da preferên­cia sexual, desconhecendo a reali­dade de que essa união - embora criticada - existiu e produziu efei­tos de natureza obrigacional e pa­trimonial que o direito civil comum abrange e regula.

Kelsen, reptado por Cossio, o criador da teoria egológica, peran­te a congregação da Universidade de Buenos Aires, a citar um exem­plo de relação intersubjetiva que estivesse fora do âmbito do Direito, não demorou para responder: "Oui, monsieur, l'amour". E assim é, na verdade, pois o Direito não regula os sentimentos. Contudo, dispõe ele sobre os efeitos que a conduta de­terminada por esse afeto pode re­presentar como fonte de direitos e deveres, criadores de relações jurí­dicas previstas nos diversos ramos do ordenamento, algumas ingres­sando no Direito de Família, como o matrimônio e, hoje, a união está­vel, outras ficando à margem dele, contempladas no Direito das Obri­gações, das Coisas, das Sucessões, mesmo no Direito Penal, quando a crise da relação chega ao paroxis­mo do crime, e assim por diante.

O v. acórdão recorrido admitiu "ter o autor dividido por longos anos o mesmo teto com Jair, de ter sido sócio dele nas três empresas de que dão notícia os documentos de fls. 27/

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35 ... e de ter mantido com ele conta conjunta na Caixa Econômica Fede­ral nos anos de 1983 até 1985" (acór­dão, fl. 315), além de integrarem a prova documental oito (8) compro­vantes bancários ("doc"), "constan­do como remetente o apelante ade­sivo (autor da ação) e favorecido Jair Antonio Prearo e trazem a ano­tação de se destinarem a pagamen­to de prestação de compra de imó­vel" (acórdão, fl. 314). Houve, por­tanto, a colaboração direta do au­tor, com recursos próprios e com participação pessoal nas empresas que ambos os parceiros constituí­ram, a evidenciar a presença daque­la "combinação de esforços" para o fim comum de alcançarem meios para manutenção da convivência na qual ambos estavam envolvidos.

É certo, como constou do douto voto do em. Dr. Carreira Machado, que do fato de duas pessoas do mes­mo sexo dividirem o mesmo teto, não importa por quanto tempo, não resulta direito algum e não cria laço senão o da amizade. Porém, se em razão dessa amizade os parceiros praticam atos na vida civil e ado­tam reiterado comportamento a de­monstrar o propósito de constituí­rem uma sociedade com os pressu­postos de fato enumerados no art. 1.363 do CCivil, um de natureza objetiva (combinação de esforços) e outro subjetivo (fim comum), im­pende avaliar essa realidade jurí­dica e lhe atribuir os efeitos qUEl a lei consagra. É certo que o legisla­dor do início do século não mirou para um caso como o dos autos, mas não pode o juiz de hoje desconhecer a realidade e negar que duas pessoas

do mesmo sexo podem reunir esfor­ços, nas circunstâncias descritas nos autos, na tentativa de realiza­rem um projeto de vida em comum. Com tal propósito, é possível amea­lharem um patrimônio resultante dessa conjunção, e por isso mesmo comum. O comportamento sexual deles pode não estar de acordo com a moral vigente, mas a sociedade civil entre eles resultou de um ato lícito, a reunião de recursos não está vedada na lei e a formação do pa­trimônio comum é conseqüência daquela sociedade. Na sua dissolu­ção, cumpre partilhar os bens.

Poder-se-ia duvidar da presença do "fim comum" a que deveriam es­tar apostos os parceiros quando tra­taram de adquirir o imóvel objeto da ação. Os autos revelam e o mes­mo r. acórdão assevera (fl. 321) que foi o autor quem se desvelou nos cuidados com o companheiro duran­te a longa e devastadora enfermi­dade (AIDS), prestando o auxílio que a família recusou, e também foi ele quem suportou em parte (fl. 315) a cobrança dos débitos remanescen­tes das empresas que administra­vam em conjunto. É razoável con­cluir, portanto, que os parceiros es­tavam determinados à mútua assis­tência, a qual foi efetivamente pres­tada pelo ora autor e recorrente, servindo-lhe de lastro para essa as­sistência o patrimônio formado pelo esforço comum.

O recurso pode ser conhecido pela alínea a, uma vez que a regra do art. 1.363 do CCivil, malgrado não men­cionada expressamente no r. acór­dão, teve sua incidência denegada

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no caso dos autos. Conhecendo do recurso, dou-lhe nessa parte provi­mento, pois os fatos admitidos nas instâncias ordinárias permitem se reconheça a existência de uma so­ciedade celebrada entre o recorren­te e Jair, tendo sido o apartamento da Rua Aimorés adquirido pelo es­forço de ambos, e assim reconhecer o direito do autor à metade daquele bem.

2. Como conseqüência do reco­nhecimento da propriedade comum do apartamento que está sendo ocu­pado pelo autor para sua residên­cia, o que já acontecia antes do fa­lecimento do parceiro, está ele exer­cendo a posse em razão de direito que lhe resulta da comunhão, sem cometimento do alegado esbulho. Portanto, nessa parte deve ser res­tabelecida a sentença de improce­dência da ação possessória. Com isso, fica prejudicado o tema da nu­lidade do processo por cerceamento de defesa, e bem assim a condena­ção do recorrente ao pagamento dos aluguéis pela ocupação do imóvel.

3. O recorrente não tem razão, porém, quando pleiteia indenização pelos danos morais sofridos pelo fato de ter assistido o doente sem a colaboração do pai, recaindo unica­mente sobre o autor o desgaste emo­cional e social inevitavelmente as­sociados à AIDS. A pretensão não tem nenhum amparo. O fundamen­to do pedido estaria na omissão do pai do doente, conduta culposa que ensejaria a incidência do art. 159 do CCivil, suporte legal invocado pelo autor, nesse ponto.

Ora, é bem evidente que a situa­ção de dor e de constrangimento a

que ficou exposto o autor decorreu exclusivamente da sua opção de vida, inexistindo qualquer vincula­ção causal entre o comportamento omissivo do pai - fato reconhecido pelo acórdão - e o alegado dano sofrido pelo recorrente. Não reco­nhecida a existência do nexo de cau­salidade, inviável o conhecimento do recurso tocante à verba indeni­zatória por dano moral.

4. Posto isso, conheço em parte do recurso, pela alínea a, e nessa parte lhe dou provimento para re­conhecer o direito de o autor rece­ber em partilha a metade do imóvel descrito na inicial, com procedência parcial da ação ordinária e impro­cedência da ação possessória. O réu pagará integralmente as custas da ação possessória e 2/3 das custas da ação ordinária, cabendo ao autor o restante 1/3 destas. O réu fica con­denado a pagar honorários em fa­vor do patrono do autor da ação or­dinária e réu na ação possessória, os quais são arbitrados em 15% do valor atualizado da metade do imó­vel em causa, aí já considerada a sucumbência parcial na ação ordi­nária e a improcedência da ação de reintegração de posse.

É o voto.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: O te­ma posto a apreciação e julgamen­to, sem dúvida alguma, é dos mais atuais e relevantes.

A propósito, vale lembrar que em 1990 foi trazido a este Tribunal um

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caso onde também se examinava o tema da repercussão patrimonial no relacionamento homossexual mas­culino, o qual, no entanto, não ul­trapassou a esfera da decisão mo­nocrática, uma vez que, desprovido o recurso de agravo, transitou em julgado a decisão. Isso se deu no Agravo n. 2.445-RJ, de que fui rela­tor (DJ de 19.4.90).

Por outro lado, além do evidente interesse no tema, tanto assim que há, inclusive, projeto tramitando no Congresso Nacional, com noticiário sempre presente na mídia e deba­tes entre especialistas, é de consi­derar-se que estamos vivendo um momento extremamente fecundo no que diz respeito ao Direito de Fa­mília, o que se dá em decorrência de mudanças que vêm da legislação - no Brasil tais mudanças se fazem inclusive no campo do Direito Cons­titucional, com alterações havidas no próprio texto constitucional, pela adoção dos princípios da igualdade jurídica dos filhos e dos cônjuges -, mas também por evolução da pró­pria ciência, a exemplo do que ocor­re com o DNA, com a fecundação in vitro etc., e pelas mudanças com­portamentais na sociedade contem­porânea.

Estas considerações, Sr. Presi­dente, que estou a fazer, na reali­dade não têm maior pertinência, a meu sentir, no caso concreto, pois são próprias do Direito de Família, enquanto que a questão a decidir é de natureza patrimonial, vinculada ao Direito das Obrigações, tanto assim que não foi examinada, em segundo grau, no Tribunal de ,Jus-

tiça de Minas Gerais, competente para os processos de Direito de Fa­mília, mas sim no Tribunal de Alça­da daquele Estado.

Outro aspecto a ser levado em consideração, a respeito, é que o objeto litigioso deduzido em Juízo, por mais relevantes que sejam con­siderações paralelas, diz com o di­reito obrigacional. Com efeito, em­bora permeadas as colocações com aspectos de relacionamento afetivo e amoroso, de convivência humana, de busca da felicidade, as causas de pedir e os pedidos estão vinculados ao Direito obrigacional.

Se assim é, se estamos examinan­do a causa sob o prisma do Direito patrimonial, é de convir-se que já há uma farta jurisprudência neste Tribunal a subsidiar a matéria, pou­co importando que a causa envolva relacionamento homem/mulher, ho­mem/homem ou mulher/mulher. Logo, temos que enfrentá-la sob o ângulo do Direito obrigacional. E, nesse campo, como demonstrou o Mi­nistro-Relator, pode-se trazer não só a jurisprudência que se formou ini­cialmente no Supremo Tribunal Federal, na vigência do sistema cons­titucional anterior, como também a firme jurisprudência deste Tribu­nal, que tem sido enfática em afir­mar que, rompida a sociedade de fato, há proteção jurídica aos inte­ressados que nela estiveram envol­vidos, inclusive para evitar o enri­quecimento sem causa.

Dentro desse prisma, não vejo como não acolher a pretensão, co­nhecendo em parte do recurso para, com base no artigo 1.363 do Código

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Civil, uma vez reconhecida nas ins­tâncias ordinárias a sociedade de fato, deferir o pedido no que tange à ação ordinária.

Também indefiro o dano moral e dou por improcedente a pretensão no que concerne à ação possessó­na.

Em conclusão, acompanho o Sr. Ministro-Relator, inclusive quanto à distribuição dos ônus da sucum­bência.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, acom­panho inteiramente o Sr. Ministro­Relator, tal como acabou de fazer o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Quanto à questão central, ou se­ja, a possibilidade de haver o reco­nhecimento de uma sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, advindas daí conseqüências de ca­ráter puramente patrimonial, pen­so que não há dúvida a respeito, inclusive em face da jurisprudência emanada não só desta Corte, como também do Supremo Tribunal Fe­deraL

O princípio é o de que se os dois conviventes amealharam o patrimô­nio comum, ao tempo da ruptura dessa sociedade de fato há que se proceder à partilha na proporção da contribuição de cada qual.

N o ponto alusivo à matéria de di­reito ocorreu a vulneração inegavel­mente do art. 1.363 do Código Ci­vil. Penso, ainda, que não há que se

falar no caso em reexame de maté­ria de fato, uma vez que a base empírica da lide, tal como teve oca­sião de lembrar o ilustre Relator, foi recolhida das assertivas constantes do próprio acórdão recorrido, em que se admitiu ter havido a contri­buição pessoal, direta e efetiva, do de cujus, na formação do patrimô­nio comum.

Afinal, ponho-me de acordo na questão relativa à indenização por dano moral, uma vez não configu­rados os seus pressupostos, assim como na parte atinente à distribui­ção dos encargos da sucumbência.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA: Senhor Presidente, Roberto Rosas, no seu Direito Su­mular, ao tecer comentários sobre o Enunciado n Q 380 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, segun­do o qual "comprovada a existência de sociedade de fato entre concubi­nos, é cabível a sua dissolução judi­cial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum", ob­serva que a jurisprudência do STF não pretendeu dar foros de legali­dade ao concubinato, mas apenas reconhecer as conseqüências advin­das dessa união, principalmente quando haja pretensão de auferi­mento de vantagens conquistadas pelo esforço de ambos os cônjuges.

Daí a afirmação de Orosimbo Nonato, no RE n Q 9.855, de ser pos­sível reconhecer,. sem ferir a lei, uma comunhão ou sociedade de fato

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do homem com a sua concubina. Essa sociedade pode derivar de in­teresses, esforços e contribuições na formação de um patrimônio, dispen­sando forma especial.

Colaciono tais considerações por­que elas, a meu sentir, se ajustam, com acurada harmonia, ao tema ora posto em tablado, tendo-se em con­ta que o reconhecimento da parti­lha do patrimônio adquirido pelo esforço comum dos concubinos sig­nificou, à época, uma posição pro­gressista, uma tomada de consciên­cia daquela colenda Corte para com os fatos da vida, que de tão nítidos e freqüentes, já não mais podiam ser tangenciados, sob pena de dei­xar o magistrado na desaconselhá­vel posição de julgar com as janelas fechadas para a realidade.

Agora, tirante o fato - relevan­tíssimo, é certo - de que a socieda­de de que se cogita é formada por pessoas do mesmo sexo, tudo o mais tem os mesmos contornos em que se inseriu, à época, aquela situação dos concubinos inspiradora do verbete sumular acima anunciado: a socie­dade de fato, o patrimônio formado pelo esforço comum, e o afeto recí­proco que parecia haver entre os agora recorrente e recorrido.

Ora, dessa situação em exame, o que se busca extrair é apenas o que seja atinente a direitos patrimo­niais. Nada se questiona com referên­cia a efeitos familiares.

Creio já ser chegada a hora de os Tribunais se manifestarem sobre essa união, pelo menos nos seus efeitos patrimoniais, uma vez que não podemos deixar de reconhecer a freqüência com que elas se for­mam, por isso mesmo que tenho como de bom alvitre sinalizarmos para a sociedade brasileira - e es­pecialmente para os que vivem em vida semelhante à que tiveram re­corrente e recorrido - quais os di­reitos que possam ser decorrentes dessa sociedade de fato.

Por tudo isso é que, atendo-me apenas aos aspectos puramente pa­trimoniais, que é apenas o que ora se questiona, mas sem perder de vista a motivação com que foi cria­da essa sociedade de fato, de que são resultantes os benefícios postula­dos, estou, em tudo e por tudo, acom­panhando o que foi sábia e exausti­vamente exposto pelos eminentes Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Bar­ros Monteiro, tanto para conferir ao recorrente os benefícios patrimo­niais decorrentes dessa união, quan­to também no que seja referente à sucumbência, e ainda para excluir de sua pretensão os danos morais, que não vejo como tê-los existentes, uma vez que ausentes aqueles pres­supostos indispensáveis para a sua concessão.

Destarte, conheço parcialmente do recurso e, nessa parte, lhe dou provimento.

324 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.

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RECURSO ESPECIAL NQ 156.004 - MG

(Registro nQ 97.0083359-3)

Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrente: Jorge Somerlate Tomich

Recorrido: Sílvio Miranda

Advogados: Drs. Margarida Maria Pedersoli e outros, e Amirah Molaib de Paula

EMENTA: Processual Civil. Preparo insuficiente. Equívoco da serventia judicial ao informar o valor atualizado. Deserção afas­tada.

A insuficiência do valor recolhido a título de preparo, por equí­voco decorrente da serventia judicial, não pode ser equiparado à falta do mesmo, para o fim de se ter o recurso como deserto nos termos do artigo 511, CPC.

Precedentes: REsps ns. 81.875-SP, DJ de 01.12.97; 117.632-SP, DJ de 15.09.97; dentre outros.

Pena de deserção relevada.

Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhe­cer do recurso e dar-lhe provimen­to, nos termos do voto do Sr. Minis­tro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Bueno de Souza, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Mon­teiro.

Brasília, 14 de abril de 1998 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro CESAR AS­FOR ROCHA, Relator.

Publicado no DJ de 22-06-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA: Cuida-se de recurso especial interposto contra acórdão do egrégio Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais que, invo­cando o artigo 511 do Código de Pro­cesso Civil, julgou deserta apelação cujo preparo foi recolhido em valor menor do que o devido pela Tabela de Custas então vigente.

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o recorrente postula admissibi­lidade pelas alíneas a e c do per­missivo, sustentando negativa de vigência aos artigos 535, 511 e 519 do Código de Processo Civil, uma vez que a insuficiência do preparo não legitimaria a deserção, mas tão­somente a falta dele.

Aduz que o valor recolhido foi in­formado pela própria serventia ju­dicial, o que caracterizaria o justo impedimento impondo a relevação da pena. Para demonstração da di­vergência aponta os acórdãos pro­feridos no AgRg n. 98.082-RJ e no REsp n. 53.581-PA, relatados, res­pectivamente, pelos eminentes Mi­nistros Milton Luiz Pereira e Ansel­mo Santiago.

Respondido, o especial foi admi­tido na origem, tendo ingressado no meu gabinete no dia 11.12.97 e sido indicado para pauta no dia 24 de março do corrente ano de 1998.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA (Relator): l. O recor­rente, na Vara Única da Comarca de Carlos Chagas-MG, apelou da sentença que julgou procedentes os embargos à execução, apresentan­do na mesma oportunidade o com­provante do pagamento do preparo.

O egrégio Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais não conhe­ceu do apelo ante a insuficiência do preparo que estaria em desacordo com as instruções normativas esta­duais.

Daí o recurso especial, por alega­da ofensa aos artigos 535, 511 e 519 do Código de Processo Civil, uma vez que a insuficiência do preparo não legitimaria a deserção, mas tão­somente a falta dele.

Aduz-se qUE) o valor recolhido foi informado pela própria serventia judicial, o que caracterizaria o jus­to impedimento impondo a releva­ção da pena.

Dispõe o artigo 511 do Código de Processo Civil que "no ato de inter­posição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela le­gislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de retorno, sob pena de deserção".

O recorrente comprovou no ato da interposição do seu apelo o reco­lhimento do respectivo preparo.

N o entanto, a egrégia Corte de origem considerou o valor recolhi­do insuficiente, decretando a deser­ção do recurso, não obstante a afir­mação do recorrente no sentido de que o valor havia sido informado pe­la serventia judicial.

2. Entendo, data venia, que a in­suficiência do depósito não se equi­para à falta de comprovação do pa­gamento do preparo para a qual o artigo 511 do Código de Processo Civil prevê a pena de deserção, ain­da mais considerado que o equívoco adveio de informação prestada pelo serventuário judicial.

Assim, acosto-me aos seguintes precedentes deste Tribunal:

"Processual Civil. Apelação. Preparo. Deserção. Art. 511 do

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CPC. Culpa dos mecanismos da justiça. Relevação.

1. O pressuposto da deserção é a falta de preparo e não a sua insuficiência. Ademais, o erro na elaboração dos cálculos, seja pelo serventuário ou da parte, não elide a possibilidade de comple­mentação, passível de ser exigi­da, após o julgamento do recur­so, com a devolução dos autos à instância de origem." (REsp n. 81.875-SP, reI. em. Ministro Ed­son Vidigal, DJ de 01/12/97)

"Recurso especial. Processual Civil. Apelação declarada deser­ta. Insuficiência de preparo. Afron­ta ao dispositivo processual cita­do.

Esta Cortejá tem precedentes no sentido de que preparo insufi­ciente não equivale a ausência de preparo para fins de deserção.

Recurso provido." (REsp n. 117.632-SP, reI. em. Ministo José Arnaldo da Fonseca, DJ de 15/09/ 97).

"O pressuposto da deserção é a falta de preparo e não a sua in­suficiência. Demais, seja pelo serventuário ou da parte, o erro na elaboração dos cálculos, não tranca a possibilidade de comple­mentação, passível de ser exigi­da, até mesmo, após o julgamen­to do recurso, com a devolução dos autos à instância de origem." (AgRg n. 98.082-RJ, reI. em. Mi­nistro Milton Luiz Pereira, DJ de 24/06/96).

"O preparo efetuado a tempo, mas por valor insuficiente, pode ser complementado posterior­mente, em atendimento à deter­minação da Presidência do Tribu­nal local." (REsp n. 90.055-RJ, reI. eminente Ministro Ruy Ro­sado de Aguiar, DJ de 23.09.96).

3. Posto isso, dou provimento ao recurso para relevar a pena de de­serção, devendo o recorrente proce­der à complementação do depósito tão logo intimado do retorno dos autos à origem.

RECURSO ESPECIAL NQ 162.251 - SP

(Registro n Q 98.0005372-7)

Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

Recorrentes: Revenda Veículos e Peças Ltda. e outros

Recorrido: Wilde Alves de Siqueira

Advogados: Drs. Glória Naoko Suzuki e outros, e Carlos Alberto Ergas

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EMENTA: Processo Civil. Agravo. Indicação dos nomes e dos endereços dos advogados. Art. 524, III, CPC. Ausência. Prescindi­bilidade caso constem das procurações juntadas. Rigorismo pro­cessual. Comarca sede de Tribunal. Hipótese em que a intimação se daria pela imprensa. Precedentes. Recurso provido.

I - Dispensa-se a indicação dos nomes e dos endereços dos advo­gados, prevista no art. 524, lU, CPC, quando da interposição do agravo de instrumento, se nas cópias das procurações juntadas se pode claramente verificar tais registros. Em tais circunstân­cias, o objetivo da lei está alcançado, sem prejuízo para a parte adversa ou para o regular desenvolvimento do processo.

U - Em se tratando de Comarca na qual a intimação se faz pela imprensa, dispensável até mesmo o requisito do endereço do ad­vogado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Vota­ram com o Relator os Ministros Bar­ros Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Bueno de Souza.

Brasília, 5 de maio de 1998 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

Publicado no DJ de 01-06-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Cuida­se de recurso especial interposto

contra acórdão do Tribunal de Jus­tiça de São Paulo, que desproveu o agravo "regimental" manifestado contra decisão que não conhecera liminarmente do agravo porque os então agravantes não teriam indi­cado os nomes e os endereços com­pletos dos advogados das partes.

Irresignado, os recorrentes inter­puseram recurso especial alegando violação dos arts. 154, 244 e 557 do Código de Processo Civil, porque se­ria excessivo formalismo a exigên­cia, se nomes e endereços podiam ser extraídos das cópias das procu­rações.

Contra-arrazoado, foi o recurso admitido na origem.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Rela­tor): A petição de agravo deve con­ter, nos termos da lei, além da ex-

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posição do fato e do direito e das razões do pedido de nova decisão, os nomes e os endereços dos advo­gados. Essa exigência final se ori­ginou principalmente da recente alteração produzida na sistemática de interposição do agravo, que pas­sou a ser interposto diretamente na segunda instância.

Assim, se o agravo tem início com a petição recursal e com as peças es­senciais, faz-se necessário indicar o nome do advogado da outra parte para que ela, por meio de seu re­presentante, possa ser intimada no endereço de seu advogado já cons­tituído.

Desta forma, ausente indicação do nome do advogado do agravado, opera-se a ausência de regularida­de formal, possibilitando o exercí­cio negativo do juízo de admissibi­lidade.

In casu, entretanto, não se pode chegar ao formalismo exacerbado de desconsiderar as cópias das procu­rações juntadas, nas quais se pode constatar facilmente os nomes e os endereços dos advogados (fls. 23 a 29 dos autos).

A indicação do nome e do ende­reço do advogado do agravado é, em princípio, imprescindível: entretan­to, naqueles casos em que não há procurador constituído ou naqueles em que o nome e o endereço cons­tem da cópia da procuração do agra­vado, juntada pelo agravante, não se deve trancar o recurso. A enten­der-se diversamente, estar-se-ia, s.m.j., prestigiando o formalismo estrito, que a instrumentalidade tende a extirpar.

No ponto, a Segunda Turma, mu­tatis mutandis,já decidiu no mes­mo sentido, como se infere do REsp 134.748-MG (DJ 6.10.97), de que foi relator o Ministro Adhemar Ma­ciel, em acórdão assim ementado:

"- O vocábulo 'petição' inserto no 'novo' art. 524 do CPC compreen­de a petição recursal propriamen­te dita, bem como as cópias das peças que a acompanham. Por conseqüência, tem-se como aten­dida a exigência do inc. In do art. 524 do CPC, se o endereço dos patronos do agravante consta da petição que acompanha a peça recursal. 'O fim do processo não é teórico, mas prático' (Adolf Wach)".

E mais recentemente, esta Quar­ta Turma, no REsp 157.985-DF (DJ 30.3.98), decidiu, em acórdão de mi­nha relatoria, assim ementado:

"I - Dispensa-se a indicação dos nomes e dos endereços dos advo­gados, prevista no art. 524, lII, CPC, quando da interposição do agravo de instrumento, se nas có­pias das procurações juntadas se pode claramente verificar tais re­gistros. Em tais circunstâncias, o objetivo da lei está alcançado, sem prejuízo para a parte adver­sa ou para o regular desenvolvi­mento do processo".

É de salientar-se que, na espécie em exame, seria até mesmo dispen­sável constar o endereço do advo­gado do agravado, porque, sendo o

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processo originado da Comarca sede de Tribunal (São Paulo-Capital), a intimação se faria pelo órgão ofi­cial de publicação dos atos do Ju­diciário (art. 527, lII, parte final, CPC).

Destarte, tenho por violada a lei federal.

Em face do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para ensejar o prosseguimento do agra­vo, como de direito.

RECURSO ESPECIAL NQ 163.252 - SP

(Registro n Q 98.0007540-2)

Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

Recorrente: Banco Francês e Brasileiro S/A

Recorrida: Cibramix Argamassas Especiais Ltda.

Advogados: Drs. Realsi Roberto Citadella e outros, e Luiz Fernando Correa de Mello

EMENTA: Direito Processual Civil. Decisão por maioria. Em­bargos infringentes. Não interposição. Inexistência nos autos da manifestação do voto-vencido na apelação. Recurso especial desa­colhido.

I - Não serve de fundamento a afastar a necessidade de interpo­sição dos embargos infringentes o fato de não constar dos autos a declaração de voto vencido.

II - Não suprida a omissão em declaratórios e na impossibilida­de de definir-se a extensão dos votos majoritários, os infringen­tes devem compreender a totalidade do decidido na apelação, por desacordo geral.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se-

guir, por unanimidade, não conhe­cer do recurso. Votaram com o Re­lator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Ministro Bueno de Souza.

Brasília, 29 de abril de 1998 (data do julgamento).

330 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.

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Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

Publicado no DJ de 01-06-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Cuida­se de recurso especial interposto contra acórdão do Primeiro Tribu­nal de Alçada Civil de São Paulo que deu pela procedência do pedido de correção monetária de valores de­positados em conta corrente do re­corrido, em decorrência da edição do "Plano Collor".

Alega o banco, além de dissídio, violação da Lei 8.177/91 e dos arts. 5Q e 9Q

, da Lei 8.024/90 e 267, VI do Código de Processo Civil, sustentan­do sua ilegitimidade passiva ad causam, além da nulidade do acór­dão.

Sem contra-razões, sobreveio de­cisão inadmitindo o especial, subin­do os autos por força de provimento de agravo para melhor exame da questão relativa à ilegitimidade passiva do recorrente

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Rela­tor): Não pode prosperar o recurso, havendo de prevalecer os argumen­tos que fundamentaram o juízo ne­gativo de admissibilidade na instân­cia de origem.

Decidida a apelação por maioria de votos, o apelante, ora recorren­te, não procedeu à interposição dos embargos infringentes, sem os quais a decisão de que se recorre não se configura como de última instância, obstando o manejo do apelo extre­mo.

N em se argumente com o fato de que não consta dos autos a mani­festação de voto-vencido, impossi­bilitando-se, por isso, a análise da ex­tensão do julgamento não-unânime, uma vez que a indeterminação do acórdão, nesse ponto, seria matéria a ser sanada na via dos embargos declaratórios, a fim de que se escla­reça em que parte ocorreu o julga­mento por simples maioria.

Diante da impossibilidade de sa­ber-se em que extensão se deu o jul­gamento majoritário, e não tendo o recorrente optado pelo oferecimen­to dos declaratórios a fim de ver sa­nada a irregularidade, estaria ele na contingência de oferecer infrin­gentes em toda a matéria objeto de julgamento da apelação. Neste sen­tido, o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário 113.796 (DJU de 06.11.87), relatado pelo Ministro Moreira Alves, em cuja ementa se lê:

"Acórdão recorrido suscetível de ser atacado por embargos in­fringentes, na instância ordiná­ria.

Quando não se pode saber exa­tamente a extensão do voto ven­cido, por omissão do acórdão no

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tocante a ele e por impossibilida­de de inferi-lo com segurança do teor daquele, a solução que esta Corte já acolheu é a de que os embargos infringentes são cabí­veis por desacordo total.

Portanto, se, no caso, o ora re­corrente houvesse embargado (embargos infringentes), o acór­dão recorrido, a divergência, se­gundo a jurisprudência desta Corte, seria em toda a extensão do mérito decidido. Assim sendo, não pode ele, no recurso extraor­dinário, pretender que este é ca­bível por não ser embargável o aresto recorrido."

Assim, de invocar-se a incidência do Enunciado n Q 281 da jurispru­dência sumulada do Supremo Tri-

bunal Federal. Sendo cabíveis os embargos infringentes, visto que a decisão recorrida fora tomada por maioria, a sua ausência impede o co­nhecimento do especial, nos termos do que decidido no REsp 93.407 (DJU de 26.08.96), por mim relata­do e com a seguinte ementa:

"(. .. )

- Decidida a apelação por maio­ria, cumpre à parte esgotar a ins­tância, com a interposição de em­bargos infringentes, sob pena de ser-lhe barrado o acesso à instân­cia especial, por não caracteriza­da a decisão como de última ins­tância".

Em face do exposto, não conheço do recurso.

332 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 257-332, outubro 1998.