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Jurisprudência da Quarta Turma

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Jurisprudência da Quarta Turma

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

RECURSO ESPECIAL N. 139.010 - SP (Registro n. 97.0046599-3)

Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrente: Marilisa Berti Leite de Moraes

Advogados: Nilberto Renê Amaral de Sá e outros

Recorrido: Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa

Advogados: Dorival Limonta e outros

399

EMENTA: Embargos de terceiro - Penhora - Lei n. 8.009/1990 - Bem de família - Imóvel residencial - Quatro imóveis contíguos -Matrículas diferentes - Possibilidade do desmembramento.

Pelas peculiaridades da espécie, preservada a parte principal da residência em terreno com área superior a 2.200m2

, com pisci­na, churrasqueira, gramados, não viola a Lei n. 8.009/1990 a decisão que permite a divisão da propriedade e a penhora sobre as áreas sobejantes.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recur­so. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Junior e Barros Monteiro. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Minis­tro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília-DF, 21 de fevereiro de 2002 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 20.5.2002.

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: A ora recorrente, casada com Flá­vio Leite de Moraes, ingressou com embargos de terceiro pretendendo li­vrar da penhora, ordenada em execução movida contra o seu marido e a

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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400 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

empresa da qual era sócio e um dos diretores, imóvel residencial da famí­lia, além de sua meação em fazenda do casal.

A r. sentença julgou os embargos procedentes em parte apenas para livrar da constrição o imóvel residencial.

O egrégio lll. Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, aco­lhendo apelação do Banco-recorrido e assentando a possibilidade do des­membramento do referido imóvel, composto de quatro matrículas distintas totalizando uma área de 6.813,36m2

, em Orlândia-SP, excetuou da penho­ra apenas a parte principal da casa.

Rejeitados os declaratórios, adveio o recurso especial, fundado na alí­nea a, afirmando ofensa ao artigo 536, CPC, pela intempestividade dos declaratórios opostos pelo ora recorrido; ao artigo lll., parágrafo único, da Lei n. 8.009/1990, porque o imóvel seria indivisível, não fazendo a lei qual­quer distinção quanto ao tipo de construção e à espécie de benfeitorias, sen­do que parte das edificações estão nos lotes que permaneceram sob penho­ra, tornando-o inabitável; e aos arts. 165 e 458, CPC, porque acolheu as pretensões do Recorrido sem fundamento legal, doutrinário ou jurispru­dencial.

Em contra-razões, o Recorrido sustenta a tempestividade dos embar­gos declaratórios, pois no dia 28.10.1994, uma sexta-feira, foi feriado fo­rense; que a revisão das linhas divisórias importaria em reexame de prova e nova perícia; e que o bem de família restou resguardado, sobejando à Re­corrente área superior a 1.640m2

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): 1. A questão da tempes­tividade dos embargos declaratórios foi solucionada à fi. 295, certificado não ter havido expediente no dia 28.10.1994.

Sem qualquer suporte, portanto, a sugerida violação ao artigo 536, CPC.

2. A alegada ofensa aos artigos 165 e 458, CPC, não encontra resso­nância nos autos.

O v. acórdão recorrido contém fundamentação, conquanto não seja ela favorável aos interesses da Recorrente. E, como cediço, o entendimento con­trário ao sustentado pela parte não configura qualquer nulidade.

3. No relativo ao artigo 111., parágrafo único, da Lei n. 8.009/1990, a afirmada negativa de vigência tem base em pressuposto fático diverso do

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 401

assentado pelo egrégio Tribunal de origem. Para a Recorrente, o imóvel se­ria indivisível, enquanto que a decisão recorrida atesta a possibilidade do desmembramento.

Eis, no ponto, a íntegra dos fundamentos do voto-condutor do acórdão que adotou, no princípio, trechos das razões do apelo:

"Respeitada a condição de habitabilidade do imóvel e sendo desmembrável o mais, não há razão para que a penhora não incida so­bre tais bens.

Inconcebível é que uma pessoa ostente suntuosidade e luxo quan­do está a dever quantias vultosas, bem como inconcebível, também, que se torne insolvente, não pagando aos seus credores e mantenha áreas e bens anexos à sua residência incompatíveis com a sua atual situação financeira.

No caso específico dos autos, conforme se infere das provas pe­riciais carreadas ao processo, vê-se, às claras, que o imóvel residencial é perfeitamente destacável dos demais imóveis tidos pelo Apelante como obras de luxo e voluptuárias que não integram.

Ademais, pela própria denominação utilizada pelos experts (canil, quadra de tênis, estufa de plantas, parque, casa de bonecas, churrasquei­ra, chafariz, gramado, horta, etc.), verifica-se que são elas obras sun­tuosas, que não guardam qualquer relação com o imóvel residencial, e que qualquer pessoa pode residir na casa de morada sem que delas se utilize, vendo-se, então, que não guardam elas qualquer relação com o espírito da lei que institui o bem de família.

Portanto, é de se dar provimento à apelação do Embargado, para que sejam excetuadas da penhora as partes identificadas com os n. 1, 2, 8, 9, 12, 13, 18 e 19, como exposto no croqui de fl. 121, de tal ma­neira que continue recaindo a constrição sobre os n. 10 e 12, aos fun­dos do imóvel, de tal modo que reste, com frente para a rua 22, um lote de terreno, com 41,00m de frente, por 40,00m de frente aos fun­dos, parte da matrícula n. 459, conforme o croqui de fl. 115. A penhora continuará recaindo ainda nos três lotes, objetos das matrículas n. 3.140, 1.815 e 1.834, todos de frente para avenida 9, como detalha­dos no último croqui citado." (fls. 235/236).

Na verdade, com base inclusive no laudo pericial de fls. 102/110, o que a Recorrente chama de imóvel residencial é formado por pelo menos quatro

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402 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

imóveis contíguos representados por quatro matrículas diferentes, que so­madas totalizam uma área de 6.813,36m2 (ver croquis - fls. 248/249).

Mais da metade do imóvel relativo à matrícula n. 459, que encerra uma área total de 4.408,42m2

, ficou excluída da penhora.

Assegurou-se, portanto, à família da Recorrente uma área superior a 2.200m2, onde edificada a casa com garagem, jardim interno, piscina, ves­tiários, churrasqueira e gramados.

Na área considerada desmembrada estavam localizados a quadra de tênis, casa do caseiro, estufa de plantas, canil, casa de bonecas, caixa d'água, mais garagens e áreas gramadas.

Embora sejam necessárias certas adaptações, a partição, no caso dos autos, é viável pelo tamanho do terreno e admissível tendo em conta o in­tuito da Lei n. 8.009/1990, que não é o de promover o detrimento do cre­dor em favor do devedor com propriedades ou benfeitorias muito além das necessárias para a residência da sua família.

Admitindo a possibilidade da penhora na hipótese do imóvel comportar o desmembramento, a egrégia Segunda Seção desta Corte firmou orienta­ção sob a seguinte ementa:

"Processual Civil. Penhora incidente em imóvel residencial. Re­clamação.

I - A impenhorabilidade de que cuida a Lei n. 8.009/1990 com­preende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclu­sive de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, mas não abrange outras áreas da extensa edificação, quando esta é passível de desmembramento sem prejuízo da parte residencial.

11 - Reclamação conhecida e julgada improcedente." (Rcl n. 196-PR, DI de 21.3.1994, relator Ministro Waldemar Zveiter).

Também esta egrégia Quarta Turma, no REsp n. 326.171-GO, sob a relatoria do eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, assim já de­

cidiu:

"Processual Civil. Lei n. 8.009/1990. Bem de família. Imóvel residencial. Desmembramento. Possibilidade. Circunstâncias de cada caso. Doutrina. Precedente. Recurso desacolhido.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 403

I - Como residência do casal, para fins de incidência da Lei n. 8.009/1990, não se deve levar em conta somente o espaço tlsico ocupa­do pelo prédio ou casa, mas, também, suas adjacências. A própria lei afirma que 'a impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer na­tureza ... '

II - Admite-se, no entanto, a penhora de parte do imóvel quan­do possível o seu desmembramento sem descaracterizá-lo, levando em consideração, com razoabilidade, as circunstâncias e peculiaridades do caso." (REsp n. 326.171-GO, DJ de 22.10.2001, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).

No voto-condutor desse julgado, o eminente Ministro-Relator invocou lição de Rainer Czajkowski, que por ser também aqui pertinente, permi­to-me reproduzir o seguinte trecho:

"Se a área, mesmo superior ao parcelamento mínimo permitido, forma uma unidade residencial, todo o imóvel é impenhorável, aten­didos os demais requisitos legais. De se averiguar, ainda, nestas áreas urbanas maiores, se há diversidade ou unidade de matrículas, para de­finir, juridicamente, a existência de um só imóvel ou vários imóveis contíguos pertencentes ao mesmo titular. Em termos práticos, para o devedor, a unificação de matrículas de imóveis urbanos destinados à sua residência, pode ser providência útil. Casos haverá, é claro, em que o desmembramento do imóvel urbano será a medida mais adequada e justa, havendo viabilidade prática de tal divisão, diante das peculiari­dades da situação e, sobretudo, da conduta do devedor." (A Impenhora­bilidade do Bem de Família, Juruá, 311 ed., pp. 94/95).

Diante de tais pressupostos, ausente violação ao Direito Federal, não conheço do recurso.

RECURSO ESPECIAL N. 162.300 - MG (Registro n. 98.0005461-8)

Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrente: João Militão Prata

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404 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNALDE}USTIÇA

Advogados: Paulo José Gouveia Júnior e outros

Recorridos: Aluízio Rosa Prata e outros

Advogados: Aristóteles Dutra de Araújo Atheniense e outros

EMENTA: Cancelamento de registro de nascimento - Investi­gação de paternidade em reconvenção - Embargos declaratórios re­jeitados - Omissão configurada - Recurso especial - Violação ao art. 535 do CPC reconhecida.

Há violação ao art. 535, 11, do CPC, quando o órgão julgador, deixando de suprir a omissão e a contradição apontadas nos declaratórios, não enfrenta as questões suscitadas.

Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Mi­nistro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Junior e Barros Monteiro. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília-DF, 21 de fevereiro de 2002 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 20.5.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Ao acolher embargos de declara­ção opostos pelos ora recorridos, autores em ação de cancelamento de re­gistro de nascimento e réus em reconvenção de investigação de paternida­de, a egrégia Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais concedeu efeito infringente do acórdão apelatório para, reco­nhecendo a nulidade absoluta do registro, determinar a retirada do nome do pai do registro de nascimento do Réu.

No julgamento da apelação, a Corte de origem havia decidido pela extinção da ação de cancelamento, uma vez que "nela se pediu a anulação

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 405

de todo o registro e não apenas a declaração negativa da paternidade nele ostentada. Pela regra insculpida no art. 293 do estatuto processual civil, o pedido deve ser interpretado restritivamente. Não se pode, por conseqüên­cia, inferir que a ação proposta é de negação de paternidade, tão-somente, com mudança do registro civil como efeito secundário". (fi. 387).

Quanto à reconvenção, a decisão foi no sentido de que "a ação de in­vestigação de paternidade somente pode ser proposta por quem não tenha pai registrado. Se o registro já existe, só se pode propor a investigação, se anulado aquele. O Recorrido propôs a ação investigatória sem que houvesse prévia anulação do assento que declara a sua filiação". (fi. 384).

Apontando omissão e contradição resultantes da integração do acórdão com o acolhimento dos declaratórios, o ora recorrente ingressou com em­bargos de declaração, onde assentou: "ora, se, pelo segundo acórdão, está cancelado o nome do pai no respectivo registro de nascimento do filho ora recorrente, teria esse, sem dúvida, motivo para a investigatória de paterni­dade proposta, da qual não poderia ter sido julgado carecedor, porque afas­tado o suposto motivo que teria levado a essa carência de ação reconven­cional". (fi. 406).

A egrégia Câmara rejeitou esses embargos, afirmando, sumariamente, não haver nenhuma contradição ou omissão no acórdão embargado.

Daí o recurso especial, interposto com amparo nas alíneas a e c do permissivo constitucional, onde o Recorrente aponta como violados os arts. 128, 293 e 460 do CPC, pelo acolhimento de pedido diverso do formula­do; 355 e 363, I, do Código Civil, por não haver impedimento à investigatória de paternidade pela via reconvencional; 535, CPC, pela re­jeição dos declaratórios diante da contradição decorrente do acolhimento dos primeiros embargos, além do dissídio com julgados desta Corte que proclamaram não serem os embargados de declaração meio hábil ao reexame da causa.

Respondido, o recurso foi admitido na origem.

Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): A pretensão recursal me­rece ser acolhida no que diz com a ofensa ao artigo 535 do CPC.

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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406 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o decidido nos embargos de declaração opostos pelos ora recorridos provocou a contradição e a omissão apontadas pelo ora recorrente nos seus declaratórios.

É que, quando do julgamento da apelação, ficou decidido que para o

trânsito da investigação seria necessária a anulação do registro, o que não teria ocorrido. Ocorre que, com o acolhimento dos embargos, a egrégia Câmara decidiu pela nulidade do referido registro. Assim, não mais exis­

tindo o registro, não subsiste o fundamento então lançado para a rejeição da reconvenção.

Tal questão, todavia, remanesceu sem ser apreciada pelo órgão

julgador, não obstante suscitada nos embargos de declaração opostos pelo ora recorrente.

Resta, portanto, configurada a ofensa ao artigo 535, lI, do CPC, eis que o Tribunal a quo não se manifestou sobre toda a extensão temática que lhe fora expressamente submetida para exame.

Nessa linha os precedentes desta Corte. Confira-se, dentre inúmeros outros, os seguintes julgados:

"Processual Civil. Embargos de declaração. Não-enfrentamento da questão posta. Violação à lei federal configurada. Recurso provido.

I - O Tribunal, ao negar a manifestação sobre teses jurídicas, com a rejeição dos embargos, obsta a abertura da via especial, pelo que lí­cito à parte veicular a violação ao art. 535, II, CPC, tendo em vista não suprida a exigência do prequestionamento.

II - A motivação das decisões judiciais reclama do órgão julgador, pena de nulidade, explicitação fundamentada quanto aos te­

mas suscitados. Elevada a cânone constitucional, apresenta-se como uma das características incisivas do processo contemporâneo, calcado

no due process of law, representando uma 'garantia inerente ao estado

de direito". CREsp n. 294.452-RJ, DJ de 7.5.2001, reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

"Processual Civil. Preparo efetuado no dia do ingresso da ape­

lação perante a Contadoria Judicial. Deserção inocorrente. Embargos omissos. Ofensa ao art. 535, CPC. Lei nova.

C ... ) Quando o Tribunal a quo rejeita os embargos declaratórios, persistindo na omissão percebida em pronunciamento anterior, deixan­

do de se pronunciar fundamentadamente sobre questões veiculadas pela

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 407

parte, como na hipótese, resulta ofensa ao art. 535 do Código de Pro­

cesso Civil, devendo ser provido o especial, que foi interposto com

alegância de ofensa a tal dispositivo, devolvendo-se o processo à Corte

de origem a fim de suprir a omissão apontada.

O Tribunal deve levar em consideração lei nova que possa reper­

cutir sobre sua competência, em vista do disposto no art. 462 do Có­

digo de Processo Civil. Recurso parcialmente conhecido e provido."

(REsp n. 128.386-MG, DJ de 21.6.1999, de minha relatoria).

"Processual Civil. Especial. Ponto omisso suscitado nos declara­

tórios opostos. Violação ao art. 535 do CPC.

I - A parte tem direito a ver decidida fundamentadamente a ale­

gação de persistência na contradição e na omissão. Se o acórdão per­

manece silente quanto a uma e genérico quanto a outra, viola o art.

535 do CPC.

II - Recurso conhecido e parcialmente provido." (REsp n.

231.779-SP, DJ de 4.6.2001, reI. Min. Waldemar Zveiter).

"Processual Civil. Embargos de declaração. Motivação deficien­

te. Não-enfrentamento de todas as questões postas a julgamento. Vio­

lação à lei federal configurada (art. 535, II, do CPC). Omissão exis­

tente. Nulidade do acórdão de 211 grau.

1. Se, em sede de embargos de declaração, o Tribunal se nega a

apreciar todos os fundamentos que se apresentam nucleares para a de­

cisão da causa e tempestivamente interpostos, comete ato de entrega

de prestação jurisdicional imperfeito, devendo ser complementado. In

casu, omitiu-se o julgado em emitir pronunciamento a respeito do

debate instaurado sobre a ilegitimidade do Estado de São Paulo e a

indicação da União Federal como parte legítima ad causam.

2. Reconhecida essa precariedade no acórdão dos embargos, via

recurso especial, decreta-se a sua nulidade, por infringência ao teor

preconizado pelo art. 535, II, do CPC, determinando-se o exame obri­

gatório de todas as questões suscitadas, apreciando-se e decidindo-se

como melhor for construído o convencimento a respeito.

3. Recurso especial provido para que, anulado o acórdão dos em­

bargos de declaração, determine-se o retorno dos autos à origem para

que novo julgamento seja proferido." (REsp n. 146.706-SP, DJ de

25.6.2001, reI. Min. José Delgado).

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408 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Posto isso, conheço em parte do recurso para dar-lhe provimento, a fim de retornar o processo ao egrégio Colegiado de origem para que decida sobre a questão apontada nos embargos de declaração do ora recorrente.

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorrido:

RECURSO ESPECIAL N. 181.824 - RJ (Registro n. 98.0050867-8)

Ministro Barros Monteiro

Copal Couros Patrocínio Ltda

Luiz Carlos Alves Carneiro e outro

Bozano Simonsen Leasing S/A - Arrendamento Mer­cantil

Advogados: Gulherme Henrique Magaldi Netto e outros

Sustentação oral: Anna Mariani Carneiro Seão (pela recorrida)

EMENTA: Contrato de arrendatnento tnercantil - Taxa Anbid.

"É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela AnbidfCetip." (Sútnula n. 176-STJ).

Adoção, etn substituição, pela taxa tnédia de captação por Cer­

tificados de Depósitos Bancários, COtn prazo de 60 (sessenta) dias, apurada pelo Banco Central do Brasil e divulgada por entidade pelo tnestno credenciado.

Recurso especial conhecido, etn parte, e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, conhe­cer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, vencidos em

parte os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo

Teixeira, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que inte­

gram o presente julgado. O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha acompanhou o Sr. Ministro-Relator. O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior proferiu voto­

-desempate, acompanhando o Sr. Ministro-Relator.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Brasília-DF, 28 de junho de 2001 (data do julgamento).

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Presidente.

Ministro Barros Monteiro, Relator.

Publicado no DJ de 6.5.2002.

RELATÓRIO

409

o Sr. Ministro Barros Monteiro: Trata-se de ação de procedimento ordinário proposta por Copal Couros Patrocínio Ltda contra Bozano Simonsen Leasing SI A - Arrendamento Mercantil, alegando, em síntese, o seguinte:

Em 25.7.1989, as partes celebraram um contrato de arrendamento mercantil pelo prazo de 48 meses.

A Autora vinha efetuando o pagamento das contraprestações nas épo­cas avençadas, mas a certa altura constatou que a arrendadora exigia valo­res acima do legalmente admissível e fora do pactuado. Além da cobrança de juros acima do patamar máximo legal e de forma capitalizada, remune­rando ao invés de atualizar, era empregado indexador unilateralmente di­vulgado pela Anbid em detrimento dos índices oficiais.

Adequando-se o contrato aos parâmetros de legalidade, em especial quanto ao índice de reajuste oficial de correção monetária, restava claro que a demandante já tinha solvido montantes superiores aos legalmente devidos, estando o ajuste de há muito quitado e com excessos a serem repetidos.

Não obstante a vontade das partes, aproveitando-se da boa-fé da Au­tora, a Ré alterou a própria substância do contrato ao inserir condição fla­grantemente potestativa, atrelando as contraprestações à taxa divulgada pela Anbid que, por ser formada por duas vertentes, uma de correção monetá­ria, outra de juros reais, acabou por permitir-lhe obter ganhos indevidos através da capitalização dos juros.

O reajuste levado à prática pela arrendadora: a) fere o disposto na Lei n. 6.423/1977; b) afronta o art. 9Q da Resolução n. 980/1984 do Bacen; c) viola o princípio inserto no art. 115 do Código Civil. Além disso, os juros exigidos resultam da superposição de uns sobre os outros, embutidos nas contraprestações desde a assinatura do contrato, acrescidos e alterados a cada dois meses com base em fonte unilateral, cristalizando o anatocismo.

Insiste em que a taxa Anbid é formada por dois componentes: corre­ção monetária e juros, ou seja, tem ela o condão não somente de corrigir o

RST], Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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410 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

valor primitivo de determinada importância, mas, também, de remunerá-la. Vale dizer, as contraprestações sofriam um acréscimo correspondente à par­cela dos juros reais contidas na referida taxa, auferindo a instituição finan­ceira periodicamente um novo lucro, na medida em que fazia incidir sobre o valor das parcelas, que já contém juros, novos juros.

Ocorre, pois, a capitalização dos juros, prática vedada pela lei e pela

jurisprudência. Segundo esta, a taxa Anbid reveste o caráter de potestativi­dade.

Em todas as contratações, portanto, o reajuste das prestações só pode

ser feito com supedâneo em índice oficial da inflação, como, aliás, previs­

to no pacto ora em exame, não se afigurando viável acatar a taxa Anbid como fator de atualização/revisão do preço do contrato.

As iníquas e abusivas obrigações defluentes das cláusulas e anexos

inquinados de nulidade, impostas pela Ré, além de colocarem a Autora em desvantagem exagerada, são incompatíveis com a boa-fé e com a eqüidade;

daí a ilegalidade de tais disposições contratuais, que ensejaram à arrenda­dora cobrar encargos em duplicidade, superpostos e superiores ao máximo permitido.

Pleiteia, ao final, a procedência da ação para:

a) decretar a nulidade parcial das relações jurídicas emergentes do contrato, no que concerne às cláusulas que, afrontando a lei, permitiram à Ré locupletar-se indevidamente em detrimento da Autora, adequando-se-as aos limites da legislação pertinente;

b) condenar a Ré a devolver os valores pagos a maior, que nesta data equivalem a 67.624,52 BTN/TRD ou outro valor que a perícia contábil apurar;

c) declarar a quitação do contrato de arrendamento mercantil;

d) condenar a Ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

O MM. Juiz de Direito, considerando que a Ré não podia utilizar, para fins de atualização, outro referencial que não o índice oficial, e que a apli­cação da taxa Anbid representa vantagem exagerada para a mesma, julgou

procedente a ação para:

a) rever a cláusula de reajuste das contraprestações, excluindo o índice

Anbid e incluindo o índice oficial vigente em cada período contratual;

b) declarar quitada a obrigação de pagamento da contraprestação a

partir do mês que se encontra o número de BTNs - 93.881,02;

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 411

c) determinar a devolução do excesso pago, equivalente a 108.431,38 BTNs, acrescido dos juros legais;

d) condenar a Ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios de 20% sobre o valor da causa.

A egrégia Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Ja­neiro não conheceu das duas primeiras preliminares suscitadas, acolheu a terceira e, no mérito, deu provimento ao apelo da Ré para julgar improce­

dente a ação, invertidos os ônus sucumbenciais sob a ementa seguinte:

"Ordinária. Leasing. Questionamento de validade de cláusulas

contratuais, tidas como de excessiva onerosidade. Preliminares de jul­gamento ultra petita e impossibilidade jurídica do pedido quanto à

devolução de quantias pagas envolvem o mérito, não havendo, pois, que serem conhecidas. Preliminar de carência acionária. Pretensão declaratória sobre fato. Quitação de obrigação de pagamento. Quita­

ção se opera com a prova do pagamento. A ação declaratória não é pró­pria para extinguir obrigações. A ação concernente à invalidade de ato

juridico é ação constitutiva negativa e não se confunde com ação declaratória. Quem desconstii:ui não declara, desfaz. (Ag n. 50.894-3-

STJ). Extinção do processo quanto à pretensão declaratória de quita­ção. Mérito. Contrato de arrendamento mercantil. Leasing 'não é con­

trato de adesão, tanto mais porque as empresas de leasing estão aí, à

escolha dos contratantes, que podem discutir suas cláusulas' (Minis­

tro Dias Trindade, Conflito de Competência n. 2.529, Quarta Turma, STJ). O contrato se perfaz em condições de liberdade e absoluta igual­dade entre as partes. Inadmissível se aplicar normas do Código de

Defesa do Consumidor editado em 1991, a um contrato celebrado em 1989 sob a égide da lei vigente no ato de sua assinatura. Possibilida­de nos contratos de leasing, ajustados com sociedades de arrendamen­to mercantil como instituições financeiras de aplicação Anbid, decor­

rente da Lei n. 7.843, que admite a possibilidade da capitalização men­

sal dos juros. Também pela competência do Conselho Monetário Na­cional, que lhe dá o art. 4Q da Lei n. 4.595/1964, de dispor acerca de taxas de juros aplicáveis, como foi feito pela Resolução n. 1.143/1986,

inciso I, c.c. inciso IH, letra b. Laudo pericial quanto aos valores.

Não-conhecimento das duas primeiras preliminares, acolhimento da terceira do apelo, rejeitada a preliminar das contra-razões e provimento

do apelo." (fls. 7041705).

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412 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Rejeitados os declaratórios, a Autora manifestou o presente recurso especial, com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, apon­tando afronta aos arts. 535, I e 11, do CPC; 115 do Código Civil, e 4.Q. e 11 do Decreto n. 22.626/1933, além de divergência com arestos do Supremo Tribunal Federal e desta Casa e ainda com os Verbetes Sumulares n. 121-STF e 176-STl Afirmou, de início, omissão do acórdão proferido em sede de aclaratórios a respeito de questões aventadas na causa. Pugnou pela de­cretação da nulidade da taxa Anbid como indexador contratual. Insistiu na assertiva de que a mencionada taxa é formada por duas contrapartidas: cor­reção monetária e juros remuneratórios. Vale dizer, segundo a Recorrente, a taxa Anbid tem o condão de corrigir o valor primitivo de determinada importância e, também, de remunerá-la com juros (acrescenta um plus ao valor da moeda). Acentuou que as parcelas avençadas sofreram acréscimo correspondente aos juros reais contidos na aludida taxa Anbid, prática que revela a capitalização dos juros, ou seja, a incidência de juros sobre juros. Sustentou, a seguir, o caráter potestativo da taxa Anbid, o que lhe dá o di­reito de haver a restituição dos valores recebidos a maior.

Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido na origem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Barros Monteiro (Relator): 1. Preliminarmente, o apelo excepcional foi interposto em tempo hábil à vista do que enuncia a certi­dão de fi. 790, in verbis:

"Conforme informação prestada pela Divisão de Comunicações deste egrégio Tribunal (protocolo judicial do TJ), consta que aquela divisão foi procurada pelo requerente em questão (Dr. Luiz Carlos Alves Carneiro) para protocolar o referido recurso às 17h20min do dia 15.12.1997; ocorre que às 17h30min a porta do Protocolo foi fecha­da (devido ao encerramento de seu expediente) e todos os advogados que se encontravam na fila no corredor foram transferidos para uma fila dentro da sala de Protocolo e todas as petições foram protocoladas, razão pela qual várias petições estão carimbadas com horários poste­riores ao horário de 17h30min, como é o caso do Requerente em par­ticular."

2. Desassiste razão, de outro lado, à Recorrente, quanto à imputada omissão do egrégio Tribunal de origem ao apreciar os embargos

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 413

declaratórios. É que as questões relevantes, embora de modo sucinto, foram

- todas - apreciadas no recurso apelatório.

3. No que ora interessa, o julgado combatido assim se pronunciou:

"Ao demais, é flagrante nos contratos de leasing ajustados com

sociedade de arrendamento mercantil como instituições financeiras de aplicação da taxa Anbid, decorrente da Lei n. 7.843/1989, que admi­

te a possibilidade de captação mensal dos juros, certo também pela

competência do Conselho Monetário Nacional, que lhe dá o art. 4Jl. da

Lei n. 4.595/1964, de dispor acerca de taxa de juros aplicáveis, como foi feito pela Resolução n. 1.143/1986, inciso I, c.c. inciso IH, letra b.

Por derradeiro, como vimos, se o contrato de arrendamento mer­

cantil não é contrato de adesão e se a aplicação da taxa Anbid a ele

decorre de lei e resoluções do Bacen e do CMN, a propositura da pre­

sente ação se constitui em verdadeira torpeza, por isso que expresso

no contrato que:

'como o bem objeto do contrato de arrendamento mercan­

til relacionado no anexo I foi adquirido pela arrendadora com recursos provenientes de empréstimos em moeda nacional, fica

pactuado que o valor das contraprestações previsto na cláusula 3.il.

do contrato corresponderá às taxas percentuais indicadas no item 'a' a seguir, sobre o custo total dos bens arrendados para o 1Jl. pe­

ríodo de 2 meses, corrigido monetariamente com base na varia­

ção do valor nominal das Obrigações do Tesouro Nacional -

OTNs para os fins fiscais.'

Assim, havendo estipulação livre no contrato e suas disposições

não se opondo às normas de ordem pública, os contratantes se subme­

tem ao pactuado em suas boas ou más conseqüências, conquanto

gravosas além do desejado ou previsto, porque o ato jurídico se

posiciona perfeito e intocável, sagrado pelo princípio do pacta sunt servanda." (fls. 707/708).

Impende, preambularmente, proceder-se à conceituação acerca da na­

tureza da denominada taxa Anbid.

Cuida-se de taxa de juros, conforme deflui por sinal do próprio enun­

ciado do Verbete Sumular n. 176 desta Casa: "é nula a cláusula contratual

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414 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela Anbid/Cetip'. Sobre tal característico não paira a menor dúvida na jurisprudência deste Tribunal, cujo aspecto primordial foi ressaltado pelo eminente Ministro Cláudio San­tos, ao prolatar o seu voto quando do julgamento do REsp n. 44.847-SC, pela colenda Segunda Seção:

"Em todos os mercados financeiros do mundo, as taxas médias de juros flutuantes são, de praxe, obtidas através das taxas informadas pe­las próprias instituições financeiras que operam em determinada pra­ça a associações do sistema bancário ou a escritórios de informações comerciais, responsáveis pelo cálculo das médias e sua divulgação.

... (omissis) ...

Assim é que surgiram no Brasil as taxas médias de juros, sendo as da Anbid fixadas com base em informações de bancos participan­tes da sistemática de apuração, fornecidas diariamente, até as 12h. As informações dos bancos são de suas taxas de captação em CDB, RDB e CDI, inclusive CDI-Over, não de suas taxas de aplicação. As taxas apuradas são informadas ao Banco Central e à imprensa, sendo a me­mória dos cálculos conservadas para efeito de eventual exibição à fis­calização do Banco Central." (in RSTJ, vol. 91, pp. 259 e 261).

Não há confundir, pois, a taxa Anbid com indexador da correção mo­netária. Segundo se pode depreender da avença celebrada, o valor das contraprestações mensais é revisto a cada período de dois meses, tendo por base a taxa referencial para CDBs pré-fixados, apurada pela Anbid. Trata­-se, aí, de revisão periódica da taxa de juros, podendo ela oscilar para mais ou para menos. Distingue-se dela o fator utilizado para atualizar as pres­tações, ou seja, o indexador empregado a título de correção monetária.

Eis porque, realmente, não era de subsistir o decreto sentencial de III

instância, que simplesmente substituiu a taxa de juros difundida pela Anbid pelos índices oficiais de correção monetária.

Segundo a Autora, a indigitada taxa Anbid traz em si, embutido, o gérmen da capitalização dos juros. Em primeiro lugar, para certificar-se da veracidade de tal asserção, preciso seria a esta altura não somente interpre­tar-se com profundidade as cláusulas contratuais pertinentes, como ainda perquirir-se sobre a prova pericial realizada nos autos. Sabe-se, porém, que o recurso especial não serve ao escopo de interpretar-se cláusula contratual (Súmula n. 5-STJ), nem tampouco nesta sede se mostra viável reexame de matéria probatória (Súmula n. 7 também desta Corte).

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 415

Ademais, a capitalização mensal dos juros, consoante o acórdão recor­

rido, vem admitida pela Lei n. 7.843, de 18.10.1989. Este fundamento, por si só suficiente, não foi objeto de impugnação por parte da Recorrente, de

modo a ensejar a incidência no caso do princípio constante da Súmula n.

283 do Excelso Pretório.

Nesses termos, não há falar aqui em ofensa aos arts. 4l.l. e 11 do De­creto n. 22.626, de 1933, nem tampouco em dissonância interpretativa com

a Súmula n. 121-STF.

4. De outro lado, a jurisprudência sumulada desta Casa já fulminou de

nulidade a denominada taxa Anbid, em conformidade com o Verbete n. 176,

acima reproduzido. A própria Recorrida, ao manifestar-se da tribuna, admitiu

que a adoção da taxa de juros apurada pela Anbid contraria o aludido enun­

ciado sumular, propugnando, porém, pelo uso de uma outra taxa variável em

substituição, tal como o fizera em contra-razões.

Precedentes desta Casa têm apenas determinado o cancelamento da

referida taxa, como é a hipótese do REsp n. 102.992-RJ, de que foi relator

e cuja cópia se encontra acostada aos autos às fls. 746/755.

Trata-se, portanto, de aspecto novo, até agora, salvo melhor juízo, ain­

da não analisado de maneira específica pela colenda Quarta Turma. De todo modo, há um parâmetro aventado por este mesmo órgão fracionário quan­

do do julgamento do REsp n. 46.746-SC, relator o Sr. Ministro Ruy Ro­

sado de Aguiar. No citado precedente, S. Ex! anotara em seu douto voto:

"Compete privativamente ao Conselho Monetário Nacional 'dis­

ciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações

creditícias em todas as suas formas' (inciso VI) e 'limitar, sempre que

necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra

forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financei­

ros' (inciso IX), conforme está expresso no artigo 4l.l. da Lei n. 4.595/

1964.

Foi no exercício dessa competência que o Conselho Monetário

expediu a Resolução n. 1.143, de 26 de junho de 1986, para:

'I - autorizar as instituições financeiras a realizar operações

ativas e passivas a taxas flutuantes (variáveis), que poderão ser

reajustadas em períodos fixos, desde que tais operações tenham prazo igualou superior a 180 dias.'

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416 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Pelo mesmo diploma, ficou o Banco Central do Brasil autori­zado a:

'IV - b) fixar parâmetro para base do reajuste periódico das taxas de que trata o item I desta resolução.'

No desempenho da função à qual estava autorizado, o Banco Cen­tral expediu a Circular n. 1.047, de 9 de julho de 1986, cujo artigo 32

tem a seguinte redação:

'3. Para efeito do disposto na alínea b do item IV da Reso­lução n. 1.143/1986, é facultada a utilização da taxa média de captação por Certificados de Depósitos Bancários, com prazo de 60 (sessenta) dias, apurada por este Banco Central e divulgada por entidade por ele credenciada, ou de outra taxa referencial de fácil aferição e de conhecimento público.'

Como se vê, a taxa variável somente pode ser fixada pelo Banco Central, conforme delegação recebida do Conselho Monetário Nacio­nal. A disposição dúbia constante do final do artigo 32. da Circular n. 1.047/1986 deve ser entendida como uma outra taxa também fixada pelo mesmo Banco Central, pois não se concebe estivesse ele abrindo mão da autorização delegada pelo Conselho Monetário Nacional, e, muito menos, entregando-a a uma entidade interessada nos resultados da fixação dos valores dos encargos financeiros."

Por decorrência, elege-se como taxa variável, em substituição, a que

for fixada pelo Banco Central do Brasil por delegação do Conselho Mone­tário Nacional, qual seja, nos termos da supra-referida Circular n. 1.047/ 1986, "a taxa média de captação por Certificados de Depósitos Bancários, com prazo de 60 (sessenta) dias", apurada pelo Banco Central e divulgada

por entidade por ele credenciada.

Se, porventura, a taxa Anbid for mais favorável à devedora, prevale­cerá a mesma, a fim de que não se incorra em reformatio in pejus.

Tenho, ao final, como prejudicadas, nesse particular, as duas prelimi­nares suscitadas pela Recorrida em sua defesa. A primeira, porque, de qual­

quer forma, mormente ante os termos deste voto, não há que se cogitar em julgamento ultra petita; a segunda, em face da expressa manifestação da

litigante em sustentação oral.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 417

5. Do quanto foi exposto, conheço, em parte, do recurso pela alínea c do permissivo constitucional e, nessa parte, dou-lhe provimento para afas­tar a incidência da denominada "taxa Anbid", determinando a sua substi­tuição pela taxa média de captação por Certificados de Depósitos Bancá­rios, com prazo de 60 (sessenta) dias, apurada pelo Banco Central do Bra­sil e divulgada por entidade por ele credenciada, tudo conforme se verifi­car em liquidação. Da totalidade do débito deduzir-se-á o quantum que então for favorável à Autora.

Vencida esta em parte substancial da pretensão, ficam mantidos os en­cargos sucumbenciais arbitrados pelo v. acórdão recorrido, nos termos do disposto no art. 21, parágrafo único, do CPC.

É como voto.

VOTO-VISTA

o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: 1. O recurso especial foi assim relatado pelo eminente Ministro Barros Monteiro: (leu).

O eminente Relator conheceu em parte do recurso e deu-lhe provimen­to para afastar a incidência da taxa Anbid, determinando sua substituição pela taxa média de captação por Certificados de Depósitos Bancários, com prazo de 60 dias, apurada pelo Banco Central.

2. A tese da Recorrente é a de que a companhia arrendadora está co­brando, no reajustamento que faz de dois em dois meses, juros sobre juros, pois a isso importa a correção pela taxa Anbid, que é expressão da desvalori­zação da moeda (correção monetária) e do custo médio do dinheiro (juros).

Penso que a Recorrente tem razão.

Como se vê do laudo pericial, o negócio de arrendamento teve por objeto um bem adquirido pelo preço de NCr$ 150.000,00, mas o contrato foi celebrado pelo valor total de NCr$ 253.284,00, pagável em 48 prestações. Na quantia maior acima referida estão incluídos, além do preço e do valor residual, também juros e a parcela correspondente ao lucro (laudo, fl. 437).

A própria arrendadora reconheceu, nas razões do seu apelo, que o ne­gócio tinha essa configuração:

"Sob o ponto de vista econômico, a sociedade de arrendamento mercantil presta o serviço de obter um empréstimo no lugar do arren­datário, para a compra de determinado bem, junto ao mercado finan­ceiro; adquirido o bem, a arrendadora o aluga a arrendatária, mediante

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aluguel que represente o repasse dos custos de aquisição (onde se so­

mam os encargos financeiros), acrescido do seu ganho, ou spread. As­

sim, o aluguel não é somente retributivo do uso, mas, também, con­

templa a amortização do custo do bem e o repasse dos custos finan­ceiros suportado pela arrendadora na operação." (fl. 628).

Se já na celebração foi fixado um débito que incorporou os juros, que

corresponderiam às despesas da arrendadora com o financiamento para a

aquisição do bem, não há outra parcela de juros a deferir durante a exe­

cução do contrato, cujas prestações podem receber apenas a elevação decor­

rente da desvalorização da moeda e os juros de mora, quando esta ocorrer.

As autorizações concedidas pelo Banco Central para a cobrança por

taxas variáveis devem ser entendidas como aplicáveis aos contratos em que,

não incluído o custo do dinheiro por ocasião da celebração, ficou essa par­

cela a ser definida pela taxa flutuante. Cumular os juros incluídos no va­

lor do negócio, distribuindo o seu peso nas prestações, e depois acrescer a

estas, além da correção monetária, mais os juros pelas taxas flutuantes

verificadas no mercado, é somar juro sobre juro.

Sendo assim, não apenas deve ser afastada a aplicação da taxa

divulgada pela Anbid, mas qualquer outra similar, que também contemple juros, para evitar-se a capitalização.

Logo, o uso da taxa divulgada pela Anbid, ou de qualquer outra simi­

lar, seja a Selic ("taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados

no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos fe­

derais" - Circular n. 2.868, de 4.3.1999), seja a taxa de captação para Cer­

tificados de Depósitos Bancários, configurará sempre o anatocismo, a inci­

dência de juros sobre os juros. Isso porque, se na celebração do negócio já

foi calculado o custo do aluguel, o custo do financiamento e o lucro do ar­

rendador, dali para a frente o que se deve é fazer incidir sobre as parcelas

devidas pelo arrendatário a desvalorização decorrente da inflação, mas não

acrescentar novos juros, porquanto o custo do financiamento já foi calculado e incluído nas prestações. Incide a Súmula n. 12l.

Assim, com respeitosa vênia, tenho que a substituição da taxa Anbid

deve ser feita por índice oficial, assim como determinado na r. sentença, que

restabeleço.

Esclareço que não encontro fundamento nas questões prévias suscita­

das pela Recorrida: a sentença não desbordou do pedido, dando mais do que

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 419

requerido, pois o valor mencionado na petição inicial apenas correspondia ao valor que, até ali, a Autora considerava como devido, sem, com isso, abrir

mão do que se venceu depois; não há impossibilidade jurídica na revisão do contrato se há nele cláusulas abusivas (Súmula n. 14) e se o efeito dessa

revisão e o de recolocar as partes na posição jurídica a que têm direito, para

isso considerando todo o período de execução da avença.

Posto isso, conheço do recurso, pela divergência (Súmula n. 121-STF)

e dou-lhe provimento para restabelecer a sentença.

É o voto.

VOTO

o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: Sr. Presidente, peço vê­nia a V. Ex. a e ao Ministro Cesar Asfor Rocha para acompanhar o Minis­tro Ruy Rosado de Aguiar, no raciocínio de S. Ex." de que não só na

pactuação do contrato de leasing estariam incluídos os juros da operação, como também na incidência de um novo índice em substituição à Anbid. Estaríamos em face de uma nova incidência de juros, em se tratando de taxa

média, como no caso concreto.

Na realidade, se assim é - como afirma S. Ex.", com base no exame dos autos -, quer-me parecer que deveria incidir simplesmente a correção monetária pelos índices oficiais, sob pena de estarmos frente ao fenômeno

do anatocismo, não autorizado em lei.

Em conclusão, acompanho a divergência.

VOTO-DESEMPATE

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Acompanho o eminente

Relator, porém com as ressalvas e fundamentação constantes do voto pro­ferido em caso similar no REsp n. 236.775-R].

Relator:

RECURSO ESPECIAL N. 188.324 - BA (Registro n. 98.0067708-9)

Ministro Barros Monteiro

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420 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recorrente: Amaro Faislon Filho

Advogados: Edvaldo Novais Cruz e outros

Recorridos: Reynaldo Polycarpo Hughes da Silva e cônjuge

Advogado: Genaro de Oliveira

EMENTA: Corretagem de imóvel - Contrato - Obrigação de pa­gar a comissão, se do adquirente ou do vendedor - Matéria de prova.

- Em princípio, quem responde pelo pagamento da comissão é aquele que contratou o corretor, ou seja, o comitente.

- Em sede de apelo especial não se reexamina matéria de na­tureza fático-probatória (Súmula n. 7-STJ).

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas pre­cedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Junior. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília-DF, 7 de março de 2002 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.

Ministro Barros Monteiro, Relator.

Publicado no DI de 24.6.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Barros Monteiro: Amaro Faislon Filho ajuizou ação

ordinária de cobrança contra Reynaldo Polycarpo Hughes da Silva e sua

mulher, Alair Bonfim da Silva, visando ao recebimento da quantia de Cz$ 13.085.034,53 (treze milhões, oitenta e cinco mil, trinta e quatro cruzados

e cinqüenta e três centavos), equivalente a 8.187,05 OTNs, pela interme­

diação da venda da "Fazenda Porto Alegre".

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 421

o MM. Juiz de Direito, considerando que a alienação do imóvel se concretizara em fase da mediação exercida pelo Autor, julgou a ação pro­cedente para condenar o Réu ao pagamento do valor pleiteado, correspon­dente a cinco por cento do valor da venda (fi. 140).

A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, por unani­midade, negou provimento ao agravo retido e deu provimento ao apelo dos Réus, para julgar improcedente a ação, em acórdão que porta a seguinte ementa:

"Ação ordinária de cobrança de comissão de corretagem. Interme­diação em contrato de compra e venda de imóvel. No caso de contrato de corretagem, cujo valor excede o limite previsto em lei, não se admi­te, para prová-lo, a prova exclusivamente testemunhal, por contrariar a regra limitativa, inserida no art. 401 do Código de Processo Civil. Improvimento do agravo retido e provimento da apelação." (fi. 319).

Rejeitados os declaratórios, o Autor manifestou este recurso especial com arrimo nas alíneas a e c do permissor constitucional, apontando ne­gativa de vigência ao art. 401 do CPC, além de dissídio interpretativo. Sus­tentou, em suma, a admissibilidade de prova exclusivamente testemunhal quando se tratar de contrato verbal de corretagem, ainda que o valor plei­teado seja superior ao fixado em lei. De outro lado, ressaltando estar ins­crito no órgão de classe, defendeu a desnecessidade da referida inscrição para que o mediador faça jus ao recebimento da comissão de corretagem.

Sem as contra-razões, o apelo extremo foi admitido na origem, subindo os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Barros Monteiro (Relator): 1. A decisão recorrida re­putou prescindível a inscrição do corretor no "Conselho Regional de Corre­tores", razão porque, no ponto, nenhum é o interesse do Autor em recorrer.

2. São dois os fundamentos expendidos pelo v. acórdão:

a) inadmissibilidade da prova exclusivamente testemunhal para fins de demonstração acerca da existência do contrato;

b) o ora recorrente, ao receber da compradora, em função do negócio jurídico realizado, a quantia de cem milhões de cruzeiros, correspondente

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422 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

a quase cinco por cento do valor da transação, a título de gratificação, a ela prestou serviços, não podendo exigir outra comissão da vendedora.

Antônio Carvalho Neto, em sua conhecida obra Contrato de Media­ção, anota que, segundo a intuição mais elementar, a responsabilidade pelo pagamento da comissão é do comitente (p. 171, ed. 1956). Mais adiante, a expor a conclusão de seu parecer, assevera:

"Somos dos que abraçam a primeira corrente. Isto é, entendemos que a responsabilidade da comissão é pura e simples do comitente, só se bipartindo entre as partes, ou passando ao terceiro em face de con­venção expressa." (obra citada, p. 172).

Sabe-se que a corretagem, a intermediação, é um contrato. Em prin­cípio, quem responde pelo pagamento da comissão é aquele que contratou o corretor, ou seja, o comitente.

Ora, o julgado combatido, à fl. 327, alude às expressas à circunstân­cia de que o Autor prestou serviços à adquirente do imóvel; vale dizer, foi por ela contratado, havendo dela recebido uma comissão, ainda que rotu­lada como "gratificação".

Sustenta o recursante que logrou demonstrar ter havido o ajuste entre ele e o Réu varão, daí se originando a obrigação deste de solver a comis­são exigida. Saber, contudo, se o demandante foi contratado para efetuar a mediação pelo comprador ou, de outro lado, pelo vendedor, constitui, em última análise, matéria fático-probatória, aspecto de que não se pode apre­ciar em sede de recurso especial, a teor do que enuncia a Súmula n. 7 des­ta Corte.

3. Por derradeiro, o conflito jurisprudencial não é passível de aperfei­çoar-se na espécie dos autos em face da situação peculiar enfocada neste feito, acima referida.

4. Do quando foi exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

Relator:

RECURSO ESPECIAL N. 195.092 - MT (Registro n. 98.0084780-4)

Ministro Barros Monteiro

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Recorrente:

Advogados:

Recorrido:

Advogado:

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

José Osmar Fiúza

Oscar Luís de Morais e outro

Posto Internacional Ltda

Ivaílton Vilela de Moraes

Sustentação oral: Marcus F. H. Caldeira (pelo recorrente)

423

EMENTA: Responsabilidade civil - Posto de gasolina - Cami­nhão deixado com o vigia do estabelecimento no domingo, fora do horário de expediente - Contrato de depósito ou de guarda inexisten­te - Estacionamento por conta e risco do proprietário do veículo.

- Achando-se o posto fechado sob correntes, com a fiscalização apenas de um vigia, não se considera aperfeiçoado o contrato de de­

pósito ou de guarda com o simples fato de haver o proprietário do veículo ali estacionado o caminhão sob sua conta e risco.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy

Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Junior e Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília-DF, 20 de novembro de 2001 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.

Ministro Barros Monteiro, Relator.

Publicado no DI de 22.4.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Barros Monteiro: José Osmar Fiúza ajuizou ação de indenização contra o Posto Internacional Ltda, visando a obter o ressarci­mento do valor equivalente ao caminhão de sua propriedade marca Merce­des-Benz, modelo LK 1513, entregue a empregado do estabelecimento, a fim

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424 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

de permitir a sua viagem a Rio Verde-GO, onde iria apanhar o resultado de exames médicos. Segundo o Autor, no período, o veículo deveria ser lava­do, engraxado, abastecido e submetido à troca de óleo.

Julgada improcedente a ação em 1.0. grau, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, por unanimidade, negou provimento ao apelo do Autor, em acórdão que ostenta a seguinte ementa:

"Apelação. Estacionamento de veículo em posto de gasolina fora do horário comercial. Contrato de depósito não caracterizado. Recur­so improvido.

O contrato de depósito é intuito personae, porque fundada, so­bretudo, nas qualidades pessoais do depositário, como a honradez, pro­bidade e confiança, não se configurando quando ausentes tais requisi­tos." (fi. 209).

Eis os fundamentos do acórdão:

"As razões do Apelante são insubsistentes para reformar a senten­ça, pois não se concebe que alguém, necessitando fazer uma viagem, deixe seu veículo no primeiro posto fechado à sua frente, em um do­mingo, sem que esse posto oferecesse qualquer segurança.

O depósito é definido como contrato pelo qual uma das partes, recebendo de outra uma coisa móvel, se obriga a guardá-la, temporá­ria e gratuitamente, para restituí-la na ocasião aprazada ou quando lhe for exigida.

O contrato de depósito é intuito personae, porque fundada, so­bretudo, nas qualidades pessoais do depositário, como a honradez, pro­bidade e confiança.

Ora, o Apelante não conhecia nem o vigia, nem o representante do Posto-apelado, não havendo, pois, qualquer relação de confiabi­lidade entre as partes.

O fato de ter o Apelante solicitado ao vigia noturno que abrisse as correntes, para que pudesse estacionar seu veículo, não significa que foi realizado o citado contrato. O vigia abriu as correntes do Posto, em razão das argumentações deste, ou seja, que conhecia o dono do pos­to e que telefonaria no outro dia, para avisar quais serviços deveriam ser realizados no veículo, não se podendo, neste caso, exigir-se outra atitude de um simples vigia noturno.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 425

Em relação ao ticket, do qual o Apelante alega ter sido entregue

ao vigia do Posto-apelado, há vários fatores que devem ser considera­dos, tais como: pela perícia realizada constata-se não se tratar nem da

letra do vigia, nem da letra do representante do Posto-apelado; a tes­temunha Augusto Silva Oliveira, em seu depoimento à fi. 74-TI, afirma que o referido ticket era fornecido aos clientes pelo anterior proprie­

tário do posto, tendo sido suspenso desde julho de 1993; no depoimen­to pessoal do Apelante à fi. 70-TI, este confessa não ter recebido ne­nhum documento quando deixou o veículo no posto.

Também ficou demonstrado nos autos que o Posto-apelado sequer oferecia os serviços de lavagem, troca de óleo, etc., para veículo do porte daquele pertencente ao Apelante.

Dessa forma, conclui-se que o Apelante, de fato, deixou o veículo

no citado posto, porém, assumiu com tal atitude toda a responsabili­dade de eventuais prejuízos." (fIs. 207/208).

Ainda inconformado, o demandante manifestou este recurso especial com arrimo nas alíneas a e c do permissor constitucional, alegando nega­tiva de vigência aos arts. 159 e 1.521, IH, do Código Civil, além de dissídio interpretativo com arestos desta Corte e com as Súmulas n. 341-STF e 130-STl Asseverou que o caso dos autos não é de depósito, mas de guarda de

bem, ou seja, a responsabilidade do estabelecimento resulta da circunstân­cia de que o veículo se encontrava sob sua guarda. Defendeu a presunção de culpa do Posto, uma vez que se trata de estabelecimento comercial com

local próprio para estacionamento de veículos e com vigia noturno para dar maior segurança aos clientes. Sustentou, ainda, que a entrega do veículo ao

vigia do Posto restou comprovada nos autos, daí decorrendo a responsabi­lidade solidária do empregador pela caracterização da culpa in vigilando.

Sem as contra-razões, o apelo extremo foi admitido na origem, subindo os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Barros Monteiro (Relator): Consoante descreveram as instâncias ordinárias, os fatos passaram-se, em síntese, da seguinte maneira: num domingo, por volta das 17h30min, quando não havia expediente no Pos­to, o Autor deixou o caminhão com o vigia, sob o aviso que viria retirá-lo

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426 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

no dia seguinte, não tendo recebido do preposto nenhum comprovante da entrega. Esses são os dados colhidos na sentença.

O v. acórdão narrou ter o Autor solicitado ao vigia noturno que abrisse as correntes para estacionar o veículo; o empregado abriu-as, atendendo às ponderações do Autor no sentido de que conhecia o proprietário do esta­belecimento e de que telefonaria no outro dia comunicando-lhe quais ser­viços deveriam ser realizados no caminhão.

O demandante - ora recorrente - aduz que o seu pleito não se arri­ma na existência do contrato de depósito, mas, sim, na circunstância de que

o veículo foi deixado à guarda do estabelecimento em decorrência de suas atividades próprias e inerentes. No apelo especial, deixou ele patente que o auto se encontrava sob a guarda da Recorrida em seu posto de gasolina, "para ser lavado, engraxado, trocado o óleo e lubrificado" (fi. 223).

Queira ou não o recursante, não se pode fugir, no caso, do exame da responsabilidade contratual. O auto caminhão foi entregue a desoras no es­tabelecimento ao vigia, a fim de que, no local, permanecesse estacionado. O simples jogo de palavras aventado pelo Autor, segundo o qual não cogi­tou ele do contrato de depósito, é irrelevante ao deslinde da espécie. O cerne do litígio cifra-se a saber se, convencido o vigia a abrir as correntes do Posto, esse fato, por si só, configurou um contrato de depósito ou, como qualifica o demandante, um contrato de "guarda".

Considero que as peculiares da hipótese sub judice, retratadas pelas decisões proferidas nas instâncias ordinárias, estão a revelar que não che­gou a aperfeiçoar-se o liame contratual entre o pretenso usuário e o esta­belecimento comercial.

Inexiste, em verdade, no caso, o contrato de depósito ou de "guarda". O Posto não se achava aberto ao público; ao reverso, estava fechado com correntes, com o apoio apenas do referido vigia. A admissão do veículo por este último, ao abrir as correntes do estabelecimento, não equivaleu à cele­bração de um contrato (seja de depósito, seja de "guarda") entre o acionante e o posto de gasolina, pela simples circunstância de que o "vigia", dada a sua própria e pessoal condição, não se encontrava ali para atender à clien­tela, mas apenas para fiscalizar, zelar pela integridade do estabelecimento. Deixando o caminhão no local, sem receber o ticket correspondente e sem indicar com precisão a finalidade para a qual assim procedia, claro está que o demandante o fez por sua conta e risco.

A interpretação conferida, tanto pela sentença como pelo v. acórdão, à ocorrência mostra-se, pois, escorreita. A obrigação de indenizar resultaria,

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 427

sim, se o estabelecimento comercial estivesse franqueado, aberto, aos usuá­rios; se tivesse recebido o caminhão especificamente para depósito e guar­da (estacionamento) ou então para a realização de serviços.

À falta de tais elementos, não se pode afirmar tenha o julgado recor­rido afrontado os arts. 159 e 1.521, IH, do Código Civil.

À sua vez, o conflito pretoriano não é suscetível de configurar-se no caso dos autos. Os arestos paradigmas colacionados dizem respeito ao es­tacionamento permitido por estabelecimentos (hotéis, supermercados, ban­cos, etc.), a título de cortesia, com o escopo de angariar clientela. Nessas hipóteses, sim, esta Corte tem admitido a obrigação de reparar os danos havidos durante o período de estacionamento, uma vez que aí, com o intuito de lucro ao menos indireto, o comerciante assume o dever de guarda e vi­gilância. Aqui, a espécie é diversa: não há, a rigor, depósito gratuito ofe­recido pelo posto de gasolina; o veículo foi deixado no local sob a respon­sabilidade do proprietário do caminhão, em fase dos pormenores fáticos aci­ma analisados. Por conseguinte, o enunciado da Súmula n. 130-STJ não pos­sui pertinência na hipótese em tela, o mesmo se podendo dizer em relação ao Verbete Sumular n. 341 da Suprema Corte, uma vez não consumada, como dito, a avença de depósito ou de guarda.

Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Presidente): Acompanho o eminente Ministro-Relator, não conhecendo do recurso, por entender que, na hipó­tese, não se configura a existência de contrato de depósito ou de guarda e, portanto, não incidem no caso os verbetes sumulares já mencionados.

VOTO-MÉRITO

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar: Sr. Presidente, quando houver a entrega do veículo ao estabelecimento para o fim de ser prestado um tipo de serviço que lhe é próprio, penso que existe a responsabilidade do for­necedor pela guarda, seja supermercado, posto de serviço, oficina, etc., por­que se trata de ato que se insere como fase da sua atividade.

Se, no caso dos autos, o proprietário do caminhão o deixasse lá, nas condições em que o deixou, para que fossem realizados os serviços próprios do Posto, penso que a responsabilidade existiria, independentemente de um

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428 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

contrato de depósito. Mas, na espécie, pelo que leio do relatório, o acórdão afirmou que o posto não oferecia os serviços de lavagem, troca de óleo, etc.,

para veículo do porte do pertencente ao Apelante. Portanto, o ato de dei­xar o veículo não decorreu da existência do Posto como posto de serviço,

pois não se cuidava do uso do seu serviço. Na verdade, o caminhão ficou

lá para que fosse guardado, como uma espécie de depósito, como uma ga­ragem, e essa não é a finalidade do Réu. Em tal hipótese, só a prova de um

contrato de depósito poderia justificar a responsabilização do Posto.

Essa situação de fato foi negada nos autos.

Em razão disso, não conheço do recurso.

VOTO

o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Sr. Presidente, não conheço do recurso em função da peculiaridade do caso, porquanto não me parece que o veículo tenha sido deixado, segundo o relato feito pelo acórdão, para

guarda ou para depósito, mas para execução de serviços que seriam com­binados pelo próprio proprietário. Ao que parece, esses serviços, consoan­

te a descrição, são serviços de feitura quase imediata: lubrificação, lavagem,

etc., sem que houvesse qualquer formalização a respeito de guarda ou de

depósito. O caminhão simplesmente foi deixado no posto por vontade do proprietário, que viajou para outra cidade.

Parece-me, portanto, que, nessas circunstâncias, o Autor assumiu, efe­

tivamente, o risco dessa atitude.

Não nos cabe reapreciar os fatos escritos, mas me parece que o rela­to feito pelo Tribunal a quo e a decisão que tomou são harmônicos.

RECURSO ESPECIAL N. 203.137 - PR (Registro n. 99.0009548-0)

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorridos:

Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

Carlos Roberto de Macedo

Ivo Ferreira de Oliveira e outro

Luiz Henrique de Macedo e outro

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 429

Advogado: Newton José de Sisti

Sustentação oral: Reginaldo Oscar de Castro (pelo recorrente)

EMENTA: Direito Civil - Sucessão testamentária - Filhos legí­timos do neto - Legatários - Alcance da expressão - Interpretação do testamento - Enunciado n. 5 da Súmula-STJ - Legatário ainda não concebido à data do testador - Capacidade sucessória - Doutri­na - Recurso desacolhido.

1 - A análise da vontade do testador e o contexto em que inserida a expressão "filhos legítimos" na cédula testamentária vin­cula-se, na espécie, à situação de fato descrita nas instâncias ordi­nárias, cujo reexame nesta Instância Especial demandaria a inter­pretação de cláusula e a reapreciação do conjunto probatório dos autos, sabidamente vedados, a teor dos Verbetes Sumulares n. 5 e 7-STJ. Não se trata, no caso, de escolher entre a acepção técnico-ju­rídica e a comum de "filhos legítimos", mas de aprofundar-se no en­cadeamento dos fatos, corno a época em que produzido o testamen­to, a formação cultural do testador, as condições familiares e, sobre­tudo, a fase de vida de seu neto, para dessas circunstâncias extrair o adequado sentido dos termos expressos no testamento.

H - A prole eventual de pessoa determinada no testamento e existente ao tempo da morte do testador e a abertura da sucessão tem capacidade sucessória passiva.

IH - Sem terem as instâncias ordinárias abordado os ternas da capacidade para suceder e o da retroatividade da lei, carece o re­curso especial do prequestionamento em relação à alegada ofensa aos arts. 1.572 e 1.577 do Código Civil.

IV - O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para apreciar violação de norma constitucional, missão reservada ao Su­premo Tribunal Federal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo no julgamen­to, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Jus­tiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maio­

ria, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Bar­ros Monteiro e Ruy Rosado de Aguiar, vencidos os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Aldir Passarinho Junior.

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430 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Brasília-DF, 26 de fevereiro de 2002 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.

Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Relator.

Publicado no DJ de 12.8.2002.

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: O bisavô do Recorren­te e dos Recorridos legou, por testamento público, alguns bens "exclusiva­mente aos filhos legítimos" de seu neto, "inclusive os que venham a nascer" (fls. 18/19), com o gravame de usufruto vitalício ao neto.

Este, na constância do matrimônio, teve um único filho, ora recorrente. Após a separação de fato, ocorrida em 1976, teve outros dois filhos, ora re­corridos, em outra relação, de concubinato, tendo sido ambos registrados pelo pai antes do divórcio, que ocorreria em 1984.

Ao tempo do testamento, era nascido apenas o Bisneto-recorrente e, ao

tempo da morte do testador, estava concebido o primeiro irmão, ainda no ventre. Não existia a segunda irmã, que viria a nascer ano e meio depois.

Incidentalmente ao inventário do bisavô, em sede de agravo de instru­mento, o Tribunal de Justiça do Paraná confirmou a decisão que determi­nara a sobrepartilha dos bens testados entre os três filhos, interpretando a cláusula testamentária.

Adveio, então, ação declaratória intentada pelo Recorrente contra os Recorridos, com o objetivo de excluí-los da partilha, ao argumento de ser o único "filho legítimo" do pai, ao contrário dos Réus, que nasceram após a separação de fato, mas antes do divórcio.

O Juiz de 1.11. grau acolheu a pretensão, a fundamento de que, "quer se tome o linguajar comum, quer se opte pela acepção técnica, filhos legítimos

devem ser interpretados como filhos legítimos, considerados à época, de sorte que não há suporte para argumentos com base em leis posteriores, in­clusive com a Carta Magna de 1988" (fl. 199, v. 1).

O Tribunal de Justiça do Paraná afastou a preliminar de coisa julgada, que não atingiria as questões prejudiciais decididas incidentemente no pro­cesso de inventário, e, no mérito, proveu a apelação dos Réus, com o en­tendimento de que a disposição de última vontade "beneficiou indistinta­mente todos os filhos sangüíneos [ ... ], inclusive os que viessem a nascer,

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 431

pouco importando serem frutos de casamento ou de concubinato" (fls. 257/ 258, v. 2). Concluiu o acórdão que a expressão "filhos legítimos", contida no testamento, deveria entender-se como filhos verdadeiros, independente­mente da acepção técnico-jurídica.

Opostos embargos de declaração por ambas as partes, restaram rejei­tados os dos Réus e não conhecidos os do Autor, porque intempestivos.

O recurso especial do Autor invoca violação aos arts. 1.572, 1.577 1.717 e 1.718 do Código Civil; 6Jl., caput e § 2Jl., da Lei de Introdução, e 5Jl., XXXVI, da Constituição, além de divergência jurisprudencial. Susten­ta a aplicabilidade da lei vigente à época da abertura da sucessão e a

irretroatividade da norma constitucional do art. 227, § 6Jl.. Alega a incapa­cidade da segunda ré para suceder, porque sequer concebida quando da morte do testador e porque não instituído fideicomisso, mas, sim, usufruto.

Contra-arrazoado, foi o apelo admitido na origem, ao revés do espe­

cial adesivo dos Réus, que pretendia o acolhimento da preliminar de coisa julgada.

O Ministério Público Federal, em parecer do Subprocurador-Geral da República Henrique Fagundes Filho, opinou pelo não-conhecimento do re­curso, ante a incidência do Verbete Sumular n. 211-STJ quanto aos arts. 1.572 e 1.577, CC, e 6Jl., LICC, e a não-violação aos arts. 1.717 e 1.718, Cc.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Relator): 1. Quanto à

alegada ofensa ao art. 5Jl. da Constituição, registre-se que esta Corte não examina possível violação de norma constitucional, por faltar-lhe compe­tência, como exemplificam, entre tantos, os EDcl no Ag no REsp n. 246.128-MG (DJ de 1.10.2001), com esta ementa, no pertinente:

"I - Em razão da dicotomia dos recursos excepcionais dirigidos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, ado­tada pela Constituição de 1988, torna-se defeso a esta Corte, no âm­bito do recurso especial, examinar eventual violação a dispositivo constitucional, missão reservada ao guardião da Lei Maior."

2. Em relação aos arts. 1.572 e 1.577 do Código Civil, e 6Jl. da Lei de

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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432 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Introdução, carece o recurso de prequestionamento, uma vez não abordadas

pelo Tribunal da apelação a capacidade para suceder e a retroatividade da

lei, conforme ressaltou o Ministério Público Federal, verbis:

"Primeiramente, reconheceu o acórdão que a expressão 'inclusi­

ve os (filhos) que venham a nascer', utilizada pelo testador, abrangeu

não somente os filhos já nascidos, mas, também, os futuros, tendo em

vista não existir nenhuma limitação temporal, sexual, pessoal ou numé­

rica (fi. 264), na norma testamentária, quanto à prole de seu neto. Tal

interpretação prequestionou os arts. 1.717 e 1.718 do Código Civil,

tornando cabível a interposição do recurso especial quanto a esses dois pontos.

Em segundo lugar, após apreciação do contexto das disposições

do testador, concluiu, interpretando cláusula testamentária, ter sido o

termo 'filhos legítimos' empregado no sentido de filhos próprios, verda­

deiros, e não em sua acepção técnica, constante no art. 337 do Códi­

go Civil, vigente à época. Entendeu, por fim, haver a instituição 'jun­

tamente com o usufruto vitalício, um fideicomisso, em que o fiduciário

era o neto Rivadávia de Macedo Neto e fideicomissários os bisnetos (o já nascido e os por nascerem)' (fi. 273).

Ora, tais fundamentos sequer implicitamente versaram sobre a capacidade para suceder, sobre se deveria ser regida pela lei em vigor

à época da abertura da sucessão (art. 1.577 do Código Civil) ou so­

bre o princípio da saz"sine (art. 1.572 do Código Civil), ou, ainda, so­bre a retroatividade de legislação superveniente (art. 6l1. da Lei de In­

trodução ao Código Civil). Quanto a esse último ponto, ressalte-se não

ter o Tribunal local feito incidir a superveniente equiparação consti­

tucional dos filhos para considerar os Recorridos como filhos legíti­mos de Rivadávia de Macedo Neto, nos termos do entendimento do Recorrente. Na verdade, em sua tarefa de interpretar o alcance da ex­

pressão de última vontade do testador, a Corte Estadual apenas tomou

o termo 'filhos legítimos' em seu sentido vulgar de filhos verdadeiros,

tarefa que, por óbvio, é bem diferente da aplicação retroativa da nor­

ma constitucional, que, aí, sim, violaria direito adquirido do Autor.

Por outro lado, a despeito da interposição dos embargos

declaratórios, tais matérias, daquele objeto e, agora, novamente agita­

dos no especial, não foram efetiva e devidamente analisadas, fazendo

incidir o Verbete n. 211 da Súmula desse egrégio Superior Tribunal de

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 433

Justiça. Frise-se, ainda, que poderia tal omissão da Corte local ser sa­nada pela interposição de recurso especial por ofensa ao art. 535 do

Código de Processo Civil, de que, todavia, não cogita este apelo últi­mo." (fls. 435/436, v. 2).

Incidente, portanto, no particular, o Verbete n. 211 da Súmula-STl

3. No mais, dispõem os arts. 1.717 e 1.718 do Código Civil, cuja ofensa se apontou:

• "Art. 1.717. Podem adquirir por testamento as pessoas existen­

tes ao tempo da morte do testador, que não forem por este Código declaradas incapazes .

• Art. 1.718. São absolutamente incapazes de adquirir por testa­mento os indivíduos não concebidos até à morte do testador, salvo se a disposição deste se referir à prole eventual de pessoas por ele desig­nadas e existentes ao abrir-se a sucessão."

o tema se desdobra em dois aspectos crUClalS. No primeiro, a abrangência da expressão "filhos legítimos", contida no testamento, a in­cluir ou não os Recorridos na sucessão testamentária. Se incluídos, restará

examinar, no segundo, a inserção dos dois réus-recorridos ou apenas daque­le concebido ao tempo da morte do testador.

Sobre o primeiro desses pontos, manifestou-se o Subprocurador-Ge­ral da República:

"Nas expressões do testador duas variáveis demandam interpre­tação. A primeira refere-se a 'filhos legítimos', tida pelo acórdão recor­rido por substitutiva a filhos naturais, sangüíneos, verdadeiramente

concebidos por seu neto (em oposição a filhos adotivos) e independen­temente do fato de serem frutos do casamento ou não. A segunda va­riável refere-se ao termo 'inclusive os que venham a nascer' e determi­na a abrangência temporal da norma definida pelo testador. De acor­do com a Corte local, 'por nascer' seriam todos os filhos concebidos ou eventuais e, ou seja, gerados mesmo após a morte do testador, nos ter­mos da exceção do art. 1.718 do Código Civil, acima explicitada.

Entretanto, defende o Recorrente outra exegese, segundo a qual o testador ter-se-ia referido a filhos legítimos somente como aqueles

provenientes do casamento de seu neto e filhos a nascer apenas como

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os concebidos até sua morte, mesmo que nascidos após tal evento (nos termos do art. 1.717 do Código Civil, regra geral da capacidade para adquirir por testamento).

Vários fundamentos, contudo, demonstram estar equivocado o Recorrente e correto o entendimento encampado pelo Tribunal local.

Inicialmente, se quisesse o testador referir-se a filhos frutos do casamento de seu neto, teria endereçado sua disposição aos filhos do casal Rivadávia Macedo Neto e Marilda de Macedo, o que não fez. Isso comprova que sua intenção não era prover a célula matrimonial, mas manter a igualdade entre todos seus descendentes nascidos do casamen­to ou não, por serem, todos eles, seus bisnetos legítimos, pois ligados por laços sangüíneos.

Por outro lado, a se acolher o entendimento defendido pelo Re­corrente, haveria uma contradição entre os termos filhos legítimo e fu­turos que acabaria por tornar um deles sem qualquer eficácia e

praticidade. É o que se passa a demonstrar.

Salientou o Recorrente, à fi. 358:

'( ... ) significativamente, na data do testamento era notorzo

que Rivadávia Macedo Neto vivia em concubinato com a Sra. Cleuza dos Santos. Não chegou, pois, a surpreender que, quan­do o testador faleceu, o primeiro recorrido já estivesse concebi­do, vindo a nascer meses depois ( ... ).'

Tomando tais considerações, concluiu:

'tanto era intenção de Rivadávia Fonseca de Macedo bene­ficiar apenas os filhos legítimos do neto, que nenhuma providên­cia tomou no sentido de modificar o testamento, ao saber da gra­

videz da Sra. Cleuza dos Santos.'

Entretanto, essa conclusão poderia estar correta se o testador so­mente tivesse testado a favor dos filhos legítimos (no sentido de fru­tos do casamento, como sustenta o Recorrente) sem adicionar a dispo­sição 'inclusive os que venham a nascer'. Ora, se Rivadávia Fonseca de Macedo, ao fazer seu testamento, sabia que seu neto já se encontrava separado de fato de sua esposa e em concubinato com a Sra. Cleuza dos Santos e, inclusive, chegara a tomar conhecimento da gravidez dessa,

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 435

que outros frutos do casamento de seu neto com a Sra. Marilda de Macedo poderiam surgir? A se entender que o testador quis referir-se a filhos legítimos unicamente como os frutos do casamento, restaria inó­cua a disposição aos filhos futuros, simplesmente porque não havia

meios de nascerem outros frutos daquela união, tendo em vista o fato de, a essa época, o casal já encontrar-se separado e a concubina de seu

neto, inclusive, já gerar-lhe um filho. Ressalte-se, ademais, saber o tes­

tador desse concubinato desde a época da feitura de seu testamento, fato esse que, certamente, direcionou sua expressão de vontade.

Dessa maneira, a conclusão tirada pelo Recorrente é falaz e até

mesmo contrária ao contexto no qual se deu a feitura do testamento.

Se seu bisavô tencionasse beneficiar apenas os frutos do casamento de seu neto, gerados até sua morte, como sustenta, deveria ter legado os

bens exclusiva e diretamente a ele, único fruto gerado de uma relação

já acabada à época da feitura do testamento.

Outro dado confirma, ainda, a utilização de 'legítimos' em sinô­

nimo a naturais e, não, fruto dos laços de casamento. Não havia no Di­

reito brasileiro, quer em 1975, ano da feitura do testamento, quer em

1976, ano da morte do testador e, obviamente, a data-limite para que esse viesse a ser mudado, o instituto do divórcio, sendo vedada, por­

tanto, a contração de novas núpcias. Se houvesse, haveria a possibili­

dade de se entender querer o testador beneficiar tanto os filhos do pri­meiro, quanto dos outros casamentos que seu neto viesse a constituir.

Feitas tais digressões, não há se negar, por fim, serem os Recor­

ridos filhos autênticos, verdadeiros, próprios, concebidos por

Rivadávia de Macedo Neto, pois foram livremente reconhecidos por

seu pai, fato esse impossível de ser revisto, por integrar a moldura fática

do acórdão recorrido." (fls. 445/448).

Ao que se observa, a análise da vontade do testador e o contexto em que inserida a expressão "filhos legítimos" na cédula testamentária depen­

dem fundamentalmente da situação de fato descrita nas instâncias ordiná­

rias, cujo reexame nesta Instância Especial demandaria a interpretação de

cláusula contratual e a reapreciação do conjunto probatório dos autos,

sabidamente vedados, a teor dos enunciados n. 5 e 7 da Súmula-STJ. Com efeito, não se trata apenas de escolher entre a acepção técnico-jurídica e a

comum de "filhos legítimos"; trata-se de esmiuçar o encadeamento dos fa­tos, como a época em que produzido o testamento, a formação cultural do

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436 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

testador, as condições familiares e, sobretudo, a fase de vida de seu neto,

para dessas circunstâncias extrair-se o adequado sentido dos termos expres­

sos no testamento.

4. Definida a abrangência dos legatários, nos moldes em que assenta­

do pelo Colegiado Estadual, resta apreciar o segundo ponto, a saber, se a

partilha deve incluir ambos os réus-recorridos ou apenas aquele concebi­

do ao tempo da morte do testador. Sobre o assunto, registrou o

Subprocurador-Geral da República, também com excelência:

"A regra geral da capacidade para adquirir por testamento no

Direito brasileiro está inserida no art. 1.717 e na primeira parte do art.

1. 718, ambos do Código Civil, segundo a qual são capazes para suce­

der aqueles concebidos até a morte do testador. À primeira vista, se

essa regra não contivesse exceção, haver-se-ia de excluir a segunda ré

da sucessão de seu bisavô. Entretanto, a segunda parte do art. 1.718

do Código Civil excetua tal princípio, permitindo ao testador benefi­

ciar a prole eventual de pessoa determinada. Parece óbvio que, sendo

exceção à regra geral, essa 'prole eventual' não é somente a concebi­

da até a sua morte, mas, inclusive, aquela a ser gerada posteriormen­

te, ou seja, verdadeiramente eventual, como está literalmente no artigo.

Além disso, quando a lei diz, ao fim do art. 1.718 do Código Civil,

'e existentes ao abrir-se a sucessão', também parece óbvio querer se

referir 'às pessoas determinadas', às quais alude a norma, e, não, como

pretende o Recorrente, 'prole eventual', pena de o dispositivo ficar re­

duzido à letra morta, desaparecendo, assim, a exceção à regra geral.

É o que ensina a autorizada doutrina de Carlos Maximiliano, in Direito das Sucessões, Editora Livraria Freitas Bastos S/A, 511. ed.,

1964, voI. n, pp. 495 usque 498, verbis:

'Para suceder, é mister existir, pelo menos no ventre mater­

no. Esta regra comporta uma exceção: em favor da prole eventual

de pessoas designadas pelo testado e existentes na data do fale­

cimento dele (Código Civil, art. 1.718). ( ... )

No caso excepcional de se contemplar a prole de pessoa de­

terminada, pode aquela nem concebida estar no dia da morte do

testador; com o nascer com vida, adquire direito à sua cota, a

transmite, quando falece, aos seus sucessores. Esta conclusão é

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 437

corroborada pelo elemento histórico: o relator da Comissão dos Vinte e Um, da Câmara dos Deputados, Alencar Guimarães, de­

clarou co limar o dispositivo a possibilidade de tornar herdeiro,

ou legatário, o indivíduo, que não era nascido, nem gerado, se­

quer, na data do óbito do estipulante.

Quando se designam - de modo genérico - os filhos de tal

pessoa; entendem-se todos, atuais e futuros, dados à luz antes ou

depois da feitura do ato da última vontade, antes ou depois da morte do disponente, do matrimônio atual ou de outro, anterior

ou posterior à abertura da sucessão.'

Assim, por não ter o acórdão recorrido violado os arts. 1.717 e 1.718 do Código Civil, ao considerar a recorrida Alice Francine dos Santos de Macedo capaz de adquirir os bens legados por seu bisavô,

sobre não estarem prequestionados os demais dispositivos apontados, não merece conhecimento a insurreição fundada na alínea a do permis­

sivo constitucional.

Por amor à polêmica, enfrentem-se, agora, as demais questões ju­rídicas versadas, a saber: a) se é possível instituir legados a favor de

pessoas sequer concebidas, como se daria a transmissão e a posterior

tradição dos bens testados em favor da prole eventual?; b) a quem per­

tenceriam os bens, até que fosse concebido do primeiro herdeiro, se no Direito brasileiro vigora o princípio da saisine? Não haveria, aí, como

entendeu o Recorrente, a despeito de não prequestionada a matéria,

uma violação do art. 1.572?

A resposta é dada por Pontes de Miranda, com a precisão que

lhe é peculiar, ao comentar o artigo 1. 718 do Código Civil, in Trata­do de Direito Privado, 3.i.l. ed., Editor Borsoi, 1973, pp. 19 usque 22:

'No caso da prole eventual de pessoa designada, a lei nem sequer exige a concepção ao tempo da morte do testador. É tí­

pica a futuridade da pessoa: filhos, apenas possíveis, e não só pro­váveis, de A, ou de A e de B. É um rombo (digamos assim) nos

princípios gerais da capacidade de direito: dá-se eficácia à ver­

ba testamentária, em que o contemplado ainda não é, nem sequer

começou a formar-se. Faltam todos os elementos, exceto um: A,

homem, ou B, mulher, que pode ter filhos. Quando esse filho nas­cer, estará demonstrada a eficácia da verba. Quando o filho não

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for mais possível, isto é, quando se firmar a certeza de que não haverá prole, estará demonstrada a ineficácia da verba.

( ... )

A dificuldade, que se aponta, é em relação à saisine: dar-se­

-ia a descontinuidade das relações patrimoniais, a partir do mo­mento da morte, até se verificar o nascimento da prole eventual.

Porém, isso, dir-se-á, não seria difícil de explicar-se, máxime no Direito brasileiro, que admite, expressamente, a condição suspensiva aposta à instituição (art. 1.585). ( ... ) O argumento é

fraco, e, desde logo, cai.' (destacou-se).

Destarte, no legado instituído a favor da prole eventual, nos mol­des do art. 1.718 do Código Civil, a eficácia da norma permanece la­

tente, à espera de que venham ao mundo todos os possíveis filhos da pessoa determinada. Enquanto perdurar essa possibilidade, subsistirá,

também, a possibilidade de que a disposição definida pelo testador gere novos efeitos, instituindo novos sujeitos de direito. Assim, à me­

dida que nasce a prole eventual, a disposição vai irradiando,

multifariamente, com sua eficácia, gerando, para cada filho, indepen­

dentemente do momento no qual tenham nascido ou sido gerados (se antes ou depois da feitura do testamento, antes ou depois da morte do testador ou, até mesmo, após a morte da pessoa determinada, desde que

tenha sido gerada por ele), o direito de concorrer, em igualdade com seus irmãos, aos bens testados.

Nesses termos, com o nascimento com vida, está assegurado ao filho da pessoa definida pelo testador, a transmissão dos bens legados,

permanecendo, entretanto, indefinido o quantum cabível a cada um deles, pois esse valor somente poderá ser apurado quando restar im­

possível nova incidência da verba, ou seja, com a morte da pessoa de­

terminada. Enquanto isso não ocorre, a eficácia da norma permanece, redividindo e diminuindo o quinhão dos filhos nascidos, a fim de be­neficiar o nascituro.

Assentadas tais premissas, novo desafio surge: como se daria a

administração dos bens durante a vida da pessoa determinada, perío­

do no qual há incerteza acerca dos sujeitos de direito da norma testa­

mentária? A solução é apontada pela doutrina: quando o testador de­seja valer-se da exceção prevista no art. 1.718 do Código Civil, insti­tui-se um fideicomisso, a fim de garantir a entrega dos bens, quando da

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 439

morte da pessoa determinada, termo final da incidência da norma, a todos os seus filhos nascidos, permitindo, assim, o cumprimento do desejo do testador. O usufruto, entretanto, não permite essa liberalida­de, tendo em vista necessitar de sujeitos de direito existentes ao tempo da sucessão, para receberem a nua propriedade dos bens. Confira-se:

A favor da instituição do fideicomisso, pronuncia-se Clóvis Beviláqua (Código Civil, 811. ed., voI. VI, 1953, ao comentar os arts. 1.718 e 1.733):

'Embora absoluta, a incapacidade dos não-concebidos admi­te uma exceção a favor da prole futura das pessoas existentes no momento da abertura da sucessão.

O testador poderá deixar seus bens a essa prole futura por

meio de fideicomisso. Sem recorrer à substituição, haverá uma dificuldade lógica e doutrinária. Enquanto não aparece a prole instituída, a quem pertencem os bens deixados? O sujeito de di­reito ainda não existe. Para solver essa dificuldade, recorre-se à substituição fideicomissária (Teixeira de Freitas, Testamento e Sucessões, § 35, nota 91).

( ... ) o fideicomisso não se confunde com o usufruto, nem pode ser por esse substituído, sem que se ressintam as relações jurídicas.

No fideicomisso, o fiduciário tem o domínio, embora res­trito e resolúvel, como se diz no art. 1.734 do Código Civil e, conseqüentemente, exerce sobre os bens gravados os poderes de proprietário: o uso, o gozo e a disposição. O usufrutuário não pode alienar o bem gravado, porque não lhe pertence; nem sequer transferir seu direito, que é personalíssimo ( ... ).

No fideicomisso, os sujeitos de direito, o fiduciário e o fideicomissário, aparecem sucessivamente ( ... ). No usufruto, que é direito real sobre coisa alheia, ( ... ) simultaneamente, dois sujei­tos, exercendo cada um o seu direito sobre o bem gravado: o usu­frutuário, que tem o uso e o gozo, e o nu-proprietário, a quem pertence o bem, na sua substância.

Sem dúvida, poder-se-iam reduzir os poderes do fiduciário

aos de um simples usufrutuário, para impedir as alienações, que podem acarretar embaraços ao fideicomissário, ( ... ) mas, ainda com essa modificação aproximativa, os dois institutos diferem por

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sua estrutura e por sua finalidade. Por sua estrutura, porque o

fiduciário continuaria a ser proprietário, ( ... ) Sua propriedade seria restrita como qualquer outra sujeita à cláusula de

inalienabilidade, mas, embora desprovida desse elemento impor­

tante, continuaria a ser propriedade ( ... ). Por sua finalidade, por­que, segundo se verá em seguida, o fideicomisso provê a neces­

sidade, atende a intuitos, que o usufruto não pode prover, a que

não pode atender.

( ... )

E o fideicomisso, além de criar uma forma jurídica especial,

corresponde a uma necessidade do direito, que o usufruto não pode satisfazer. Quando o testador quer deixar a sua quota dis­

ponível para a prole eventual, recorre, naturalmente, ao

fideicomisso. É legítimo interesse da família que essa vontade

benéfica se possa realizar; porém, não pode a mesma adaptar-se

ao usufruto, no qual se faz necessária a existência simultânea do

seu proprietário e do usufrutuário. O fideicomisso preenche,

magnificamente, esse fim, conservando os bens para serem entre­gues aos beneficiados ainda não existentes no momento da aber­

tura da sucessão.

Na sucessão testamentária, os nascituros não concebidos têm

capacidade sucessória, se filhos forem de pessoa determinada, viva

ao tempo da abertura da sucessão, ou se instituídos forem por substituição fideicomissária, hipótese em que não se exige o laço de parentesco. A primeira regra foi introduzida em Códigos que aboliram o fideicomisso para permitir que o testador beneficie,

na mesma medida, os descendentes da mesma pessoa. Torna-se ociosa nas legislações que mantiveram a substituição fideicomis­

sária. Nesta, a instituição do nascituro não concebido como fideicomissário é condicional. É também admissível instituir-se herdeiro fideicomissário concepturus.'

No mesmo sentido, Carvalho Santos (Código Civil Brasileiro

Interpretado, voI. 24, Editora Freitas Bastos, 1938, p. 45):

'A excepção consignada cria uma dificuldade lógica e dou­

trinária, onde se afirma a procedência da censura de Mazzoni: disposição em tais condições fica no ar, pois não existe a pessoa,

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 441

nem concebida está, de forma que se lhe possa devolver a herança, como sujeito do direito.

Para solver o embaraço a que dá lugar a exceção, ensinam

os mestres que o recurso é a substituição fideicomissária.'

Outra não é a lição de Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira

(Tratado de Direito das Sucessões, 311. ed., vol. lI, 1936, p. 35):

'I - Os indivíduos não concebidos até a morte do testador

- Esta incapacidade, que resulta da falta de sujeito do direito, não

se estende, entretanto, à prole eventual de pessoas designadas pelo testador e existentes ao abrir-se a sucessão, di-lo claramente o art.

1.718 do Código Civil; porque, por meio do fideicomisso, pode

o testador instituir a prole eventual de pessoas por ele designa­

das e existentes ao abrir-se a sucessão, compreendendo-se, nesta

expressão -, prole eventual, não só o filho já concebido, como também os filhos por nascer.'

Destarte, se, na sucessão guiada pela regra geral do art. 1.717 do Código Civil, é necessária a coexistência dos sujeitos de direito, pois

a transmissão, seguindo o princípio do saisine, é concentrada em um

só momento, qual seja, quando da morte do de cujus, na hipótese do

art. 1.718, esta transmissão é diferida no tempo, pois contempla dois

momentos ou 'capítulos' distintos, como denominou a Corte local, à

fl. 273, ante a necessária instituição do fideicomisso, saída legal para

permitir o benefício à prole eventual. Tal mecanismo, porém, não re­

presenta negação à saisine, pois a norma produz plenos efeitos desde

o momento da abertura da sucessão, transmitindo os bens à pessoa de­terminada, para que essa, posteriormente, os transmita a toda a pro­

gênie.

Outra não foi, aliás, a solução entrevista no acórdão recorrido, ao

dividir a transmissão do legado em dois momentos distintos: o primei­

ro, ocorrido em 1976, quando da morte do testador, referente à pas­

sagem dos bens de sua esfera patrimonial para a de seu neto, Rivadávia

de Macedo Neto, e o segundo, sucedido em 1985, após o falecimento

desse último, instante no qual os bens finalmente migraram de seu

patrimônio para o de seus filhos legítimos, independentemente do momento no qual nasceram.

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442 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Contudo, a despeito da necessária instituição do fideicomisso, nos

casos de testamento em favor de prole eventual, como acima demons­trado, não se utilizou o testador do termo fideicomisso, mas usufru­

to, ao dizer: 'determino ainda que esses bens ( ... ) devam ficar grava­

dos com a cláusula de usufruto vitalício e incomunicável ao meu neto Rivadávia de Macedo Neto'. A interpretação literal desse termo des­respeitaria o desejo de legar à prole eventual, pois a aplicar-se o usu­

fruto, a nua-propriedade dos bens em questão seria transmitida primei­

ra e diretamente aos seus bisnetos já nascidos para, a partir daí, vir a ser usufruída por Rivadávia de Macedo Neto.

' ... legítimos de meu neto Rivadávia de Macedo Neto, inclusive os que venham a nascer', não contém termos técnicos, a demandarem demoradas interpretações. O termo usufruto, por outro lado, é expres­são jurídica, cuja definição do instituto deveria ser desconhecida pelo testador, especialmente se considerada sua profissão de engenheiro.

Aplicável ao caso, assim, os ensinamentos de Carlos Maximiliano, transcritos pelo próprio Recorrente, às fls. 359/360, segundo o qual:

'Entendem-se as palavras na sua acepção natural, óbvia, vul­gar, expostas nos dicionários de língua vernácula. Convém, ain­

da, averiguar se o testador, pelo hábito, originalidade, ou igno­rância, empregou linguagem diferente da usual e correta, com expressões bem dele, ou próprias do lugar onde residia, ou se criou; em tal caso, tomam-se os vocábulos no sentido peculiar

àquele modo de falar. O que não se presume, em regra, é a pre­ferência por termos técnicos, em geral ignorados ... '

Infere-se, dessa maneira, ter o testador intencionado, ao determi­nar que os bens em questão ficassem 'gravados com as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, vitalícias', fazer com que esses representassem uma garantia para o futuro de seus bisnetos, retirando de seu neto a possibilidade de dissipá-los. Os mo­tivos para tal atitude, aliás, foram explicitados pelo Recorrente à fl. 358, segundo o qual ela espelhava 'a preocupação de que Rivadávia de

Macedo Neto, cedendo aos impulsos da prodigalidade que o caracte­

rizava, ao dispor da propriedade plena dos bens, os dissipasse, estróina, esbanjador como era'. Por outro lado, assegurados os bens pela insti­

tuição dessa cláusula, desejou, também, que seu neto os administrasse

e deles gozasse, a fim de transmiti-los a todos seus filhos, mantendo,

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 443

assim, a igualdade entre seus descendentes consangüíneos. Esse desíg­

nio, entretanto, só pode ser satisfeito mediante a instituição de um fideicomisso e, não, de um usufruto.

Confira-se, no passo, a lição de Pisanelli, citado por Carlos Maximiliano (em Direito das Sucessões, 5J.l. ed., 1964, voI. lI, p. 504),

ao interpretar as finalidades do art. 1.718 do Código Civil, cuja seme­lhança dos fatos aí descritos corroboram, indubitavelmente, a incidên­cia, ao caso, da exceção prevista nessa norma:

'Pisanelli, na Itália, assim justificou a providência excep­cional, pelo Brasil adotada: 'Pode acontecer que a pessoa, à qual deveria caber a sucessão, haja tido uma conduta reprovável a res­peito do testador, ou tenha, de outro modo, desmerecido da sua confiança, embora sem alterar o afeto de família. Se aquele in­divíduo já tivesse filhos, sem dúvida, o testador exercitaria a sua liberdade em favor deles; porém, ainda nesta hipótese, cumpre facultar prover a superveniência de outros a manter, entre todos,

aquela igualdade de tratamento que esteja na sua intenção. Veri­ficou-se, às vezes, a necessidade de aplicar a regra providencial, em sucessões de ascendentes, quando o filho do l>lo grau,

dissipador, fazia temer que não só não providenciasse para a edu­cação da prole, mas, também, a abandonasse à miséria ou ao cui­dado incerto dos parentes.'

Como se assim não bastasse, pela importância do tema e consi­

derando-se as diversas interpretações a ele conferidas durante o cur­so desse feito, cumpre-se, fazerem, ainda, outras considerações."

Na espécie, quando faleceu o testador, o primeiro réu estava concebido e ainda não nascido e a segunda sequer havia sido gerada, mas tinha capa­

cidade sucessória, porque filha de pessoa determinada no testamento. É o

que ensina Orlando Gomes:

"Na sucessão testamentária, os nascituros não concebidos têm ca­

pacidade sucessória, se filhos forem de pessoa determinada, viva ao

tempo da abertura da sucessão, ou se instituídos forem por substitui­ção fideicomissária, hipótese em que não se exige o laço de parentes­

co. A primeira regra foi introduzida em Códigos que aboliram o fi­deicomisso para permitir que o testador beneficie, na mesma medida,

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os descendentes da mesma pessoa. Torna-se ociosa nas legislações que mantiveram a substituição fideicomissária. Nesta, a instituição do nascituro não concebido como fideicomissário é condicional. É também admissível instituir-se herdeiro fideicomissário o concepturus." (Su­cessões, 6.11. ed., Forense, 1992, n. 28, pp. 30/31).

Arnoldo Wald, igualmente, registra a possibilidade de inclusão dos fi­lhos não nascidos nem concebidos ao tempo da morte do testador:

"Excepcionalmente, admite-se que possa herdar, em virtude da permissão expressa no art. 1.718, a prole eventual de pessoas desig­nadas pelo testador e existentes ao tempo da abertura da herança.

Trata-se de uma aplicação da proteção do nascituro, que já data do Direito romano: Infans conceptus pro jam nato habetur si de eius commodis agitur, ou, como dizia Juliano: quis in utero sunt intelliguntur in rerum natura esse. Mas não se limitou o texto le­gal a favorecer os nascituros já concebidos, permitindo, ainda, que possa herdar a prole eventual, que vier a nascer de pessoas certas e determinadas já existentes por ocasião da abertura da sucessão. A ori­gem desta disposição encontra-se nos trabalhos preparatórios do Có­digo sardo, e, depois, do Código italiano, tendo merecido a defesa de Pisanelli, e considerando José Tavares (Sucessão e Direito Sucessório) que em seu favor militam importantes considerações, in­clusive no sentido de conceder tratamento igual aos filhos já vivos de certas pessoas e aos que estas mesmas pessoas vierem a ter.

Pergunta-se se no conceito de prole eventual entram apenas os filhos legítimos, ou, também, os adotados e os filhos naturais reconhe­cidos.

A interpretação do art. 1. 718, que se refere à prole eventual, tem sido feita no sentido de incluir os filhos legítimos e legitimados, ex­cluindo os adotivos, a menos que haja referência expressa a estes por parte do testador, e deixando de incluir os netos, pois não descendem direta e imediatamente de pessoas já existentes por ocasião da aber­tura da sucessão.

A prole eventual abrange todos os filhos das pessoas menciona­das, nascidos antes ou depois do testamento e antes ou depois da aber­tura da sucessão.

A partilha dá-se provisoriamente entre os herdeiros já existentes, filhos das pessoas mencionadas, só se tornando definitiva quando ficar

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certo que não possam os pais ter outros filhos. Havendo uma partilha provisória, que, depois, transforma-se em definitiva, quiseram alguns autores ver no caso uma hipótese de fideicomisso, embora faltasse, aí, a instituição dupla do fiduciário e do fideicomissário. Se não houver herdeiro nenhum no momento da abertura da sucessão, será nomeado um administrador, que, de preferência, poderá ser o pai do beneficiário eventual (do filho ainda não nascido nem concebido)." (Direito das Sucessões, 9.a. ed., Ed. Revista dos Tribunais, 1992, n. 9.10, pp. 98/99).

Destarte, a prole eventual de pessoa determinada no testamento e exis­tente quando da abertura da sucessão tem capacidade sucessória passiva. No caso, o testador abrangeu todos os filhos "legítimos" de seu neto, "inclu­sive os que venham a nascer" (fl. 19), gravando os bens com usufruto vita­

lício em favor do pai dos legatários, sem mencionar as figuras do fiduciário e do fideicomissário. Todavia, o neto existia quando morreu o testador seu avô, restando incluída na sucessão testamentária a prole eventual do neto, vale dizer, os filhos nascidos, concebidos e não concebidos quando aberta a sucessão.

In casu, em vez de nomear um administrador, como doutrina Arnoldo Wald, o Juiz de lli. grau, ao homologar a partilha realizada no inventário do testador, instituiu o fideicomisso ao neto, com estas considerações:

"Quanto ao pagamento em fideicomisso a Rivadávia de Macedo Neto, foi esta a solução encontrada para conciliar a vontade da testa­dora em legar os bens aos filhos legítimos do neto (inclusive os que viessem a nascer) e a necessidade de um representante legal dos bens, pois, em se tratando de prole eventual (Código Civil, art. 1.718), não haveria, de momento e por algum tempo, titular determinado do di­reito, o que criaria dificuldades de administração. A conciliação, por essa forma, foi praticável, porque, ainda pelo desejo testamentário, fi­cou reservado ao referido neto o direito de usufruto vitaHcio. O de­sejo, assim, do de cujus, foi o de beneficiar as duas gerações, o que se evidencia pelos gravames da incomunicabilidade ao neto, e de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade aos filhos legítimos deste, que são, efetivamente, os legatários diretos.

[ ... ]

Curitiba, 4 de abril de 1978." (fls. 30/30v.)

Ou seja, a instituição do fideicomisso não se deu porque o testador o

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tenha afirmado, mas por necessidade de administração dos bens até que vies­

sem a nascer os filhos do neto, ora recorridos.

Em resumo, tanto o Autor quanto os dois recorridos se incluem na dis­

posição testamentária.

5. Sobre a divergência jurisprudencial, mostram-se dessemelhantes as

situações descritas no acórdão impugnado e nos arestos trazidos a confronto, como demonstrou o fundamentado parecer do Ministério Público Federal em seu item 7 (fls. 448/450).

6. À luz do exposto, não conheço do recurso especial.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Barros Monteiro: 1. Carlos Roberto de Macedo ajui­zou ação declaratória contra Luiz Henrique Santos de Macedo e Alice Francine Santos de Macedo, objetivando ser declarada a inexistência do

direito dos Réus de participarem, em partes iguais, juntamente com o Au­

tor, da partilha dos bens deixados por Rivadávia Fonseca de Macedo aos

"filhos legítimos" de Rivadávia de Macedo Neto, reconhecendo-se, em con­seqüência, o direito exclusivo do demandante à sua percepção.

Em 26.9.1975, Rivadávia Fonseca de Macedo, de quem o Autor é bis­neto, através de testamento público, consignou disposições de última von­

tade, pelas quais indicou bens de sua parte disponível para serem perten­centes aos "filhos legítimos" de Rivadávia de Macedo Neto, benefício ex­tensivo aos que porventura viessem a nascer. A indigitada disposição de úl­

tima vontade assim se delineia:

"Desejo e ora determino que a parte disponível de todos os meus bens que existam por ocasião de meu falecimento, fiquem pertencen­

do exclusivamente a minha esposa. Caso ela não sobreviva por ocasião de meu falecimento, ou na falta dela, quero e ora determino que seja abatida de minha parte disponível, a loja localizada à Praça Tiradentes

n. 246 e o 411. (quarto) andar do Edifício Santa Rosa, que é composto de dois apartamentos de números 41 e 42, localizados à Praça

Tiradentes n. 250, e que estes bens fiquem pertencendo exclusivamente aos filhos legítimos de meu neto Rivadávia de Macedo Neto, inclusi­

ve os que venham a nascer, determino ainda que estes bens que com­põem este legado sejam gravados com as cláusulas de inalienabilidade,

incomunicabilidade e impenhorabilidade, vitalícias, e que ainda devam

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 447

ficar gravados com a cláusula de usufruto vitalício e incomunicável ao meu neto Rivadávia de Macedo Neto." (fls. 18/19).

o testador veio a falecer em 23.6.1976, na condição de viúvo, e o neto Rivadávia de Macedo Neto tinha um filho - o ora autor - nascido do ca­

samento com Marilda de Macedo. A 29.1.1977, decorrido menos de um ano

da morte de Rivadávia Fonseca de Macedo, nasceu o primeiro réu e, a

8.1.1978, a co-ré Alice Francine, ambos frutos da união do genitor com Cleuza dos Santos, com a qual este veio a casar-se.

No inventário de Rivadávia Fonseca de Macedo e sua mulher, em cur­so perante a 4ll. Vara Cível da Comarca de Curitiba, deu-se o pagamento em fideicomisso a Rivadávia de Macedo Neto, com a obrigação de transmitir,

com sua morte, aos filhos legítimos, como fiduciários, na forma do testa­mento, os bens nele discriminados com os respectivos ônus. A partilha foi homologada. Falecido Rivadávia de Macedo Neto em 19.2.1985, os Réus,

representados por sua mãe, requereram que lhes fosse atribuída desde logo a sua parte nos legados, uma vez que, em vida, o pai os reconhecera. Como o inventário do pai dos litigantes tramitava junto à 5ll. Vara Cível, atenden­

do a pedido do ora autor, foi mandado excluir do inventário os bens dis­

criminados no testamento de Rivadávia Fonseca de Macedo, para delibera­ção e sobrepartilha, se fosse o caso, na 4ll. Vara Cível. Contra essa decisão, recorreram, sem êxito, os Réus, quando, então, na citada 4ll. Vara Cível, foi

determinada a partilha dos bens aos três filhos de Rivadávia de Macedo

Neto, de cujo decisório agravou o ora demandante, também sem sucesso.

Asseverando que o testador pretendia fossem beneficiados tão-somente

os filhos que viessem a nascer durante a convivência legalmente estabelecida de Rivadávia de Macedo Neto, sustentou o acionante que os Réus não po­dem ser aquinhoados, como o foram. Afirmou, mais, que não se trata de

fideicomisso e que a co-ré Alice Francine nem sequer fora concebida quan­do da morte do bisavô.

A ação foi julgada procedente pelo Juiz de Direito, ao fundamento de que quer se tome o linguajar comum, quer se opte pela acepção técnica, a locução "filhos legítimos" deve ser interpretada como filhos oriundos do casamento, tal como considerado à época, sem motivo, pois, para remissão a leis posteriores, inclusive à Carta Magna de 1988.

O Tribunal de Justiça do Paraná, após afastar a preliminar de coisa jul­gada, no mérito, deu provimento à apelação dos Réus para julgar improce­dente o pedido, com o entendimento de que a disposição de última vontade

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beneficiou indistintamente todos os filhos sangüíneos, incluindo os que vies­sem a nascer, pouco importando serem frutos de casamento ou de concubinato. Conclui que a expressão "filhos legítimos" deveria entender­se como filhos verdadeiros, independentemente da acepção jurídica.

Rejeitados os declaratórios do Autor e não conhecidos os dos Réus, aquele interpôs recurso especial com fulcro nas alíneas a e c do permissi­

vo constitucional, apontando ofensa aos arts. 1.572, 1.577, 1.717 e 1.718 do Código Civil; 6'\ caput, e § 2.Q., da LICC, e 5.Q., XXXVI, da CF, além de dissídio jurisprudencial. Defendeu a aplicabilidade da lei vigente à época

da abertura da sucessão e a irretroatividade da norma constitucional do art. 227, § 6.Q.. Alegou a incapacidade da segunda ré para suceder, uma vez que

não concebida quando da morte do testador. Sustentou tratar-se, no caso, de usufruto, não de fideicomisso.

Pronunciou-se o Ministério Público Federal pelo não-conhecimento.

Na assentada anterior, o Sr. Ministro-Relator não conheceu do apelo

especial.

2. Não colhe o REsp interposto, como bem evidenciou o Sr. Ministro­

-Relator.

Primeiro, nesta sede não se reaprecia asserção de contrariedade a texto

constitucional.

Segundo, o decisório recorrido não ventilou os temas alusivos aos arts. 1.572 e 1.577 do CC, assim como do art. 6.Q., caput, e § 2.Q., da LICC. Au­sente, aí, o requisito do prequestionamento (Súmula n. 211-STJ).

A questão fulcral do litígio diz com a interpretação da locução "filhos

legítimos" empregada pelo testador. Se empregada na acepção técnico-ju­rídica, segundo a legislação vigente à época da elaboração do testamento, "legítimo" seria realmente apenas o Autor, o único nascido na constância

do casamento. O v. acórdão, no entanto, por circunstâncias várias, chegou à conclusão diversa, interpretando a vontade do testador: "empregando, en­

tretanto, apenas o vocábulo 'legítimos' e aludindo, como seu pai, tão-somen­te a seu neto Rivadávia, o testador terá querido, em nosso sentir, empregá­-lo não nesse sentido técnico-jurídico estrito, mas num sentido geral, precipuamente no sentido usual de verdadeiro, autêntico, genuíno" (fi. 269).

Ora, a interpretação de disposição testamentária, envolvendo o espí­rito que norteou a sua edição, situa-se meramente no plano dos fatos. Daí porque defeso é a sua reapreciação em sede de apelo especial, nos termos

do que enunciam as Súmulas n. 5 e 7 desta Casa.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 449

De outro lado, não se antevê vulneração alguma das regras insertas nos arts. 1.717 e 1.718 do Código Civil, inclusive no que diz respeito à co-ré

Alice Francine, que ainda não se achava concebida ao tempo da morte do testador.

A ressalva constante do art. 1.718 acima referido assegura-lhe o direito,

pois o testador, na discutida disposição de última vontade, contemplou a prole eventual de seu neto, Rivadávia de Macedo Neto.

Por derradeiro, a utilização no testamento do vocábulo "usufruto", re­legando-se ao oblívio o instituto escorreito, que seria o do fideicomisso, deveu-se à evidente impropriedade técnica do testador. De todo modo, va­ler frisar que, a propósito de tal aspecto, o recurso especial veio a lume ape­nas pela alínea c do admissor constitucional, mostrando-se ele nesse item manifestamente descabido, não só porque se deixou de mencionar as cir­cunstâncias que identifiquem ou assemelhem as hipóteses confrontadas (art.

541, parágrafo único, do CPC; art. 255, § 2.Q., do RISTD, mas, também, por­

que o precedente invocado nesse ponto nenhuma pertinência possui com a espécie ora em análise.

Por esses motivos, acompanhando o Sr. Relator, não conheço do recurso.

É como voto.

VOTO-VENCIDO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Presidente): Peço vênia para dis­cordar dos judiciosos votos dos Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, relator deste feito, e Barros Monteiro.

De logo devo deixar registrado, com ênfase, que, à época em que foi

celebrado o testamento, o Código Civil fazia expressa distinção entre filhos legítimos - os decorrentes do casamento - e ilegítimos - provindos de pais

não casados entre si. Ao tempo em que celebrado o testamento, não havia nenhum dispositivo de lei, qualquer entendimento jurisprudencial ou mes­

mo qualquer escrito doutrinário, ao que sei, impedindo que se instituísse,

como herdeiro, um bisneto legítimo, em detrimento de um bisneto ilegítimo.

De igual sorte, quero deixar assinalado que o testador faleceu antes de

1988, portanto, em período anterior à Constituição Federal, quando só en­

tão deixou de haver discriminação entre filhos legítimos e ilegítimos.

Devo gizar, ainda, que não paira nenhuma dúvida de que, no caso em

exame, o testador explicitou, no testamento, que queria mesmo contemplar,

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450 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

no legado instituído, apenas e exclusivamente os filhos legítimos de seu neto, inclusive os que viessem a nascer.

Ora, a regra de ouro relativa a testamento é no sentido de se preser­var o quanto possível a vontade do testador, tal como posta no art. 1.666 do Código Civil, a saber: "quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador". Essa disposição só pode ser abalada quando ocorrer alguma das hipóteses previstas nos incisos I a IV do art. 1.667 do Código Civil, o que não se vê presente no caso em exame: quando institua herdei­ro, ou legatário, sob a condição captatória; quando se refira a pessoa incerta, cuja identidade não se possa averiguar; quando favoreça a pessoa incerta, cometendo a determinação de sua identidade a terceiro; quando deixe a ar­bítrio do herdeiro, ou de outrem, fixar o valor do legado.

Ademais, não se pode perder de vista que, no caso, o testador dispôs sobre a sua porção disponível. Sendo assim, ele poderia livremente deixá­-la integralmente para um determinado, identificado e nominado bisneto

seu, hipótese em que nem mesmo um filho do testador deixado de fora do testamento poderia invocar qualquer nulidade.

Por fim, observo que o testador sabia da relação concubinária de seu

neto e, sendo homem nascido no início do século passado, certamente mu­nido dos preconceitos de então, não quis mesmo deixar a filhos ilegítimos de seu neto parte de seus bens, sendo lícito intuir que se adivinhasse que, anos após a celebração do seu próprio testamento e de sua própria morte, a Constituição Federal iria proibir distinção entre filhos legítimos e ilegí­timos, teria nominado os bisnetos que queria ter como herdeiros, afastan­do qualquer outra pessoa a se habilitar como tal.

Com respeitosa vênia, conheço do recurso e dou-lhe provimento para

julgar procedente a ação, restabelecendo a sentença.

VOTO-MÉRITO

O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: Sr. Presidente, peço vênia para acompanhar os votos dos Srs. Ministros Relator e Barros Monteiro, por fun­

damento diferente.

Não me parece, na circunstância dos autos, que se deva ter preocupa­

ção com a vontade do testador para interpretar e aplicar seu testamento. É que, no sistema constitucional vigente, não há mais a distinção entre filho legítimo e ilegítimo, nem a lei poderá estabelecê-la; a que assim dispunha

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 451

se tem hoje por revogada. A força constitucional, penso, atua também so­bre a vontade da parte, de forma que aquela distinção feita pelo testador -acredito que com a intenção manifesta de discriminar - hoje não prevale­ce. Não porque se deva interpretar o testamento de um modo ou de outro, mas porque a Constituição não faz a distinção, tornando-a ilícita.

VOTO-VENCIDO

o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Sr. Presidente, entendo que em determinadas situações o direito superveniente não pode afastar o direito da parte. Não se trata de questão de não-recepção da lei. É completamente di­verso. A lei estava absolutamente em vigor em consonância com o disposi­tivo constitucional. Senão ter-se-ia de ressuscitar todas as questões anterio­res às Constituições. Isso não é possível. Até poderia entender que se trata de matéria de fato, mas tenho uma certa resistência por se tratar de um do­cumento jurídico, um testamento, e o termo foi utilizado dentro da sua expressão cabível, à época. Não tenho dúvida nenhuma de que o avô quis restringir a herança aos netos havidos fora do casamento, exatamente para evitar que o filho deixasse a esposa. É uma disposição do testador; os bens eram dele e, data venia, respeito a sua vontade. Encontro até uma razão plausível, mas nada me leva a entender que fosse um sentido equivocado, que o testador não estivesse sabendo o que dizia quando se expressou por "filho ilegítimo".

Peço vênia, embora não vá alterar o resultado do julgamento, para acompanhar o voto do eminente Ministro Cesar Asfor Rocha na sua diver­gência.

Conheço do recurso e dou-lhe provimento para julgar procedente a ação, restabelecendo a sentença.

RECURSO ESPECIAL N. 267.994 - RS (Registro n. 2000.0072993-0)

Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior

Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

Recorrido: Josué Costa de Almeida

Advogados: Eudócio Antônio da Nova Pozo e outro

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452 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: Civil e Processual - Separação judicial litigiosa - Par­

tilha não requerida expressamente - Divisão procedida no curso da

lide, mediante apresentação incidental do plano de partilha, apre­

ciação pelas partes e conformação a respeito da decisão respectiva

- Recurso especial aviado pelo Ministério Público - Julgamento ex­

tra petita não configurado - Lei n. 6.515/1977, arts. 3-º-, 7-º- e 43.

I - A dissolução da sociedade conjugal importa, dentre outros

efeitos, na partilha dos bens comuns, conseqüência natural do

desfazimento do vínculo para que cada ex-cônjuge prossiga indivi­

dualmente em sua existência.

11 - Destarte, correta a interpretação do acórdão estadual, no

sentido de que a exordial da ação de separação judicial contenciosa

trazia implícita a pretensão de partilha patrimonial, mormente

quando apresentado, no curso da lide, o plano respectivo, devida­

mente discutido, judicialmente apreciado, e decidida a divisão, com

a conformação das partes autora e réu.

111 - Desnecessidade de ajuizamento de nova ação com reaber­

tura de contencioso, por vontade exclusiva do Ministério Público,

provavelmente prejudicial a todos, pelo reavivamento de diferenças

já há muito superadas.

IV - Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,

decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não

conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constan­

tes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Par­

ticiparam do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira,

Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Custas, como

de lei.

Brasília-DF, 21 de novembro de 2000 (data do julgamento).

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Presidente.

Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator.

Publicado no DI de 19.2.2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 453

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Adoto o relatório que integra o acórdão recorrido, verbis (fls. 125/126):

"Ester Marilene Rigo de Almeida ajuizou uma ação de separação litigiosa, cumulada com cautelar de separação de corpos, com pedido de alimentos provisionais e guarda dos filhos contra Josué Costa de Almeida.

Na peça inicial, a Autora alega que o Réu abandonou o lar, por um período de dois meses, pois tornou-se insuportável a vida em co­mum. Afirma que o casal possui bens e dívidas a partilhar. Requereu o benefício da assistência judiciária, a fixação da pensão alimentícia em um salário mínimo, a guarda dos filhos, e, por fim, a autorização para voltar a usar o nome de solteira.

O Réu, em contestação, nega a existência de bens a partilhar e o abandono ao lar conjugal; não concorda com a existência da dívida com o pai da Autora e afirma que o automóvel que o casal possuía já foi vendido. Aduz, ainda, que não possui condições de pagar um salário mínimo a título de pensão alimentícia.

As partes juntaram documentos.

Irresignada com a decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2il. Vara Cível da Comarca de Farroupilha, Ester Marilene Rigo de Almeida recorre a este Tribunal, buscando a reforma da sentença no tocante ao usufruto pertencente ao casal que foi partilhado de forma iguali tária.

Entende a Recorrente que é inviável o direito ao usufruto de imó­vel pertencer de forma igualitária ao casal, que recentemente enfren­tou um processo desgastante de separação.

A Apelante requer o usufruto total do referido imóvel, como for­ma de ressarcimento, pois não recebeu a parte do veículo que lhe com­petia.

Não vieram as contra-razões.

O Ministério Público, em ambas as instâncias, entende que a sen­tença deve ser anulada no que tange à partilha do bens."

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul negou provi­mento à apelação, em decisão assim ementada (fl. 128):

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454 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"Separação judicial cumulada com afastamento do lar, guarda e

alimentos. Decretação sem que a culpa fosse provada. Cabimento. Par­

tilha operada mesmo sem expresso pedido na inicial. Possibilidade.

1. Embora a culpa alegada restasse sem prova, não se pode ini­bir o julgador de decretar a separação, não sendo razoável manter uni­

dos os cônjuges quando sua vida em comum é insuportável. A possi­

bilidade é admitida pelo ordenamento pátrio, que prevê soluções para

o desfazimento do condomínio conjugal e do casamento de pessoas que

não se acertam, isto independente da noção de culpa.

2. Explicitando a inicial os bens existentes e questionando sua

origem, mesmo que não formule pedido expresso de partilha, não ofen­

de a legalidade a decisão que encaminha sua partição, principalmen­

te quando a parte adversa também contraditou o acervo e dele dissen­

tiu. A partilha de um usufruto vitalício, em imóvel locado a terceiro,

não é veredicto incongruente em separação.

Apelação desprovida."

Inconformado, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

interpõe, pela letra a do art. 105, IH, da Constituição Federal, recurso es­

pecial em que sustenta ofensa aos arts. 128 e 460 do CPC, posto que a ques­

tão da partilha foi decidida além do pedido, pleiteando a anulação parcial

da sentença, estritamente no tocante a tal tema.

O recurso especial foi admitido na instância de origem pelo despacho

presidencial de fls. 154/157.

Parecer da douta Subprocuradoria Geral da República às fls. 164/166,

pelo Dr. Washington Bolívar Júnior, no sentido do conhecimento e provi­

mento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Cuida-se de recur­

so especial, aviado exclusivamente pela letra a do permissor constitucional,

que impugna a parte do acórdão a quo que decidiu sobre a partilha de bens,

sem que tal ponto constasse do pedido inicial da ação de separação litigiosa

movida por Ester Marilene Rigo de Almeida contra Josué Costa de Almeida.

RST], Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 455

o voto-condutor da decisão alvejada diz o seguinte (fls. 130/132):

"A Apelante aforou ação de separação contra seu marido,

cumulada com separação de corpos, alimentos e guarda.

A decisão, decretando o dissídio, também examinou as demais

questões, e orientou a partilha dos bens.

Segundo o Ministério Público, a sentença é nula, pois proclamou

a partilha que não fora objeto do pedido - posição sustentada pela Dra.

Promotora - ou determinou separação sem culpa, quando a exordial

postulava fosse reconhecida àquela, sugestão do Dr. Procurador de Jus­

tiça.

Enquanto isso, o apelo da Autora discordava apenas dos termos

da partilha, quanto a determinados bens.

Afasto as nulidades suscitadas pelo Ministério Público, em bus­

ca da instrumentalidade.

Não é razoável que, depois de três anos, agora discrepando uma

das partes apenas quanto a alguns bens, venha este órgão desconstituir

a decisão para retornar um périplo onde as partes interessadas já es­

tão compostas e satisfeitas.

O próprio Ministério Público, em manifestação nos autos, admi­

tiu que, mesmo não comprovada a culpa do Cônjuge-réu, seria viável a decretação da separação judicial, pois o Direito prevê o desfazimento

da sociedade conjugal independente daquele motivo.

Como dizia o Desembargador Sérgio Gischkov Pereira, a exegese

liberal que busca não manter os cônjuges unidos, quando não há mais

condições para tanto, não pode ir ao ponto de imputar culpa quando

não há prova dela, como óbvio; pode é trabalhar com a noção de

insuportabilidade da vida em comum e a partir daí buscar a inevitabili­

dade da separação judicial. De qualquer forma, não há, a rigor, moti­

vo para tal preocupação, na medida em que o Direito brasileiro atual

tranqüilamente prevê soluções para o desfazimento da sociedade con­

jugal e do casamento de casais que não mais se acertam, independen­

temente da idéia de culpa (Oitava Câmara Cível, AC n. 595.096.702).

Também quanto à inexistência do pedido explícito de partilha na

petição inaugural.

É verdade que não se vislumbra postulação expressa no pedido,

RST}, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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456 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

mas a própria peça, exaustivamente, faz referência à existência de bens e sua aquisição (itens 3, 4, 5, fls. 3/4).

O próprio demandado, em sua réplica, procura afastar os argu­mentos sobre os bens, dizendo estranhar venha a Requerente falar em partilha, pois não existem (item 5, fl. 38).

A Autora, com os memoriais, apresentou seu plano de partilha, inclusive com modelo de formal (fls. 93/95).

Por tais motivos, não foi exagerada nem ilegal a intenção do julgador em também prover sobre a partilha dos bens, tanto que, como sublinhado, apenas a demandante dela dissentiu, e em parte.

Afasto as preliminares de nulidade."

As partes se conformaram com o aresto estadual, mas não o Ministé­rio Público local, que pede a anulação parcial por ofensa aos arts. 128 e 460 da lei adjetiva civil.

Dentre os múltiplos pedidos da inicial (fl. 7), não constou qualquer um relativamente à partilha de bens. Tenho, todavia, que a orientação dada pela Corte paranaense guarda harmonia com o disposto na Lei n. 6.515/1977, que reza:

"Art. 3ll.. A separação judicial põe termo aos deveres de coabita­ção, fidelidade e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido."

E ainda:

"Art. 7ll.. A separação judicial importará na separação de corpos e na partilha de bens."

Verifica-se que, realmente, com a dissolução do matrimônio, os côn­juges ficam livres - esse o sentido da lei - para uma nova vida, desfazen­do-se daqueles vínculos que antes os atrelavam, salvo as obrigações para com a prole e as alimentares.

Razoável, portanto, a compreensão de que, sub sumido no pedido de separação judicial, especialmente quando feita em caráter litigioso, como aqui aconteceu, esteja o de partilha do patrimônio comum, pondo, também sob tal prisma, fim a uma relação.

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 457

Importante, é claro, que não tenha havido oposição à partilha, e, em

verdade, isso não aconteceu. Aliás, o "Plano de Partilha" foi, no curso da

lide, apresentado pela Autora (fls. 93/98) e sua insurgência, em apelação,

decorreu não da possibilidade em si da divisão, mas da forma como foi feita

em relação ao usufruto de um dos bens, na proporção de 50% para cada

cônjuge, resistência essa sequer ainda presente, já que, como antes dito, o

recurso especial é do Parquet apenas.

Evita-se, assim, toda a reiteração, a posteriori, da partilha, já plena­

mente definida agora com o exame, discussão e conformação das partes,

ensejando-se, caso contrário, a reabertura de novo contencioso, desnecessário e, provavelmente, prejudicial a todos, reavivando diferenças então superadas.

Aliás, tanto é interesse da sociedade, pela voz do legislador, que inexista pendência patrimonial, que o mesmo diploma legal, em seu art. 43,

define como limite temporal máximo para a partilha a ocasião da conver­

são da separação em divórcio.

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

Relator:

Recorrente:

Recorrido:

Advogada:

RECURSO ESPECIAL N. 277.188 - SE (Registro n. 2000.0092655-8)

Ministro Cesar Asfor Rocha

Olavo Ávila Seixas

Bianor Barreto

Maria Stela Penalva Costa

EMENTA: Processual Civil - Embargos infringentes - Mesmo

órgão julgador da ação rescisória - Admissibilidade.

Não há nenhum óbice a inviabilizar a admissibilidade dos em­bargos infringentes serem os mesmos processados e julgados pelo

mesmo órgão julgador (no caso, o Pleno do Tribunal de Justiça), que

julgou a ação rescisória.

Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

RST], Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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458 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Mi­nistro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Junior e Barros Monteiro. Ausente, justifica­damente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília-DF, 9 de abril de 2002 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente e Relator.

Publicado no DI de 20.5.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: A ação rescisória ajuizada pelo Recorrente foi julgada improcedente, por maioria, pelo que o então autor ingressou com embargos infringentes, que foram monocraticamente inadmi­tidos, por decisão que foi mantida em sede de agravo regimental ao argu­mento de que, como naquela egrégia Corte a ação rescisória é julgada pelo Tribunal Pleno, "os embargos não teriam o efeito devolutivo e, sim, reitera­tivo, como se fora embargos de declaração". (fi. 286v.).

Daí o recurso especial em exame com base nas letras a e c do permissor constitucional por sugerida divergência com os julgados cujas ementas são transcritas e por alegada violação ao art. 177 do Código Civil (por não ter sido acolhida a argüição de prescrição), e aos seguintes dis­positivos do Código de Processo Civil: 458, 11 (por aplicação indevida do princípio da fungibilidade das possessórias), e 530 (pelo indeferimento liminar dos infringentes).

Devidamente respondido, o recurso foi admitido na origem, tendo a douta Subprocuradoria Geral da República, para onde o processo foi reme­tido em 24 de outubro de 2000 e retornado em 13 de março do corrente ano, opinado pelo seu improvimento.

Era o de importante a relatar.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): 1. O recurso não pode ser

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 459

conhecido pela alegada ofensa aos artigos 177 do Código Civil, e 458, lI, do Código de Processo Civil, por falta de prequestionamento.

Aliás, como os embargos infringentes não foram sequer admitidos, os temas insertos naqueles dispositivos não poderiam mesmo ser apreciados.

Para que a matéria objeto do apelo nobre reste prequestionada há ne­cessidade tanto que seja levantada pela parte quando da impetração do re­curso comum na Corte ordinária, quanto que seja por esta efetivamente de­batida ao decidir a apelação.

Ausente o debate, inexistente o prequestionamento, por isso que obstaculizada a via de acesso ao apelo excepcional.

2. O recurso não pode ser conhecido pelo pretendido dissenso, pois não foi observado o disposto no parágrafo único do art. 541 do Código de Processo Civil e no § 2.Q. do art. 255 do RISTJ, apresentando-se falha a com­provação da desinteligência dos julgados, sendo deficiente para evidenciá­la a simples citação de ementa, quando não se trata, como no caso, de no­tória divergência.

Ademais, o Recorrente não procedeu à demonstração analítica das cir­cunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, impos­sibilitando a evidência da moldura fática norteadora das decisões que afir­mou discrepantes, pois é imprescindível para a caracterização do dissídio jurisprudencial, por lógico, que os acórdãos ostentadores de díspares con­clusões hajam sido proferidos em idênticas hipóteses.

3. Tenho, todavia, como violado o art. 530 do Código de Processo Ci­vil, que pontifica pelo cabimento dos "embargos infringentes quando não for unânime o julgado proferido em apelação e em ação rescisória".

Tal dispositivo não revela nenhuma restrição a impor a inadmissibi­lidade dos embargos se forem julgados pelo mesmo órgão julgador da rescisória.

Registro, por oportuno, que o RISTJ confere, no inciso XIV do art. 11, competência à Corte Especial para processar e julgar "os embargos infringentes de acórdãos proferidos em ações rescisórias de seus próprios julgados".

Diante de tais pressupostos, conheço parcialmente do recurso e, nes­sa parte, dou-lhe provimento, para o fim de, afastando apenas o aqui cogi­tado óbice de cabimento dos infringentes, determinar o retorno do proces­so ao egrégio Tribunal de origem para que prossiga na apreciação da admissibilidade dos embargos infringentes, como achar de direito.

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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460 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL N. 280.779 - CE (Registro n. 2000.0100233-3)

Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior

Recorrente: Adsmane Carvalho Franklin

Advogado: Hélio Apoliano Cardoso

Recorrido: Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa

Advogados: Aloísio de Sousa Cavalcanti e outros

EMENTA: Processual Civil - Embargos à execução - Contrato de abertura de crédito - Título executivo - Inexistência - Art. 585, lI, CPC - Condição da ação - Segurança do juízo - Dispensabilidade - Súmula n. 233-STJ.

I - As questões de ordem pública referentes às condições da ação e pressupostos processuais da execução podem e devem ser conhecidas de ofício pelo Juízo de 1 Q. grau ou pelos tribunais (arts. 618 e incisos, 585, 586, c.c. art. 267, IV a VI, todos do CPC). Dispen­sável, na hipótese de flagrante nulidade da execução, a segurança do juízo para admissão dos embargos do devedor (art. 737, I, da lei instrumental civil).

II - O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, ain­da que acompanhado de extratos de movimentação financeira, não constitui título hábil para a promoção de ação executiva. Incidên­cia da Súmula n. 233-STJ.

III - Precedentes da Segunda Seção.

IV - Recuso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, co­nhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Custas, como de lei.

Brasília-DF, 23 de novembro de 2000 (data do julgamento).

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Presidente.

Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator.

Publicado no DJ de 19.2.2001.

RELATÓRIO

461

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Tratam os autos de embargos de devedor ajuizados por Adsmane Carvalho Franklin em face do Banco do Estado de São Paulo S/A, em que se insurge contra a execução de contra­to de abertura de crédito em conta-corrente.

O juízo de 1ll. grau indeferiu a inicial dos embargos, em virtude da fal­ta de oferecimento de bem à penhora (fl. 77).

A parte interpôs apelação.

A Primeira Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, negou provimento ao recurso. Asseverou que, sem a segurança do juízo, impossível a apreciação dos embargos do devedor.

Inconformado, o devedor interpôs recurso especial pelas letras a e c do inciso III do art. 105 da Carta da República, em que aponta negativa de vigência ao art. 585, II, do Código de Processo Civil, e divergência com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça e de outros tribunais pátrios.

Assinala que é nula a execução fundada em contrato de abertura de crédito em conta-corrente, título constituído pelo próprio Exeqüente, com extratos que não demonstram de forma cabal a liquidez e certeza da dívida.

Argúi, ainda, ser desnecessária a segurança do juízo na hipótese, em razão da nulidade expressa do título executivo, admitindo-se na doutrina e na jurisprudência a alegação da ausência de condição da ação executiva por simples petição.

O Recorrido apresentou contra-razões às fls. 173/179.

Juízo prévio de admissibilidade do especial no Tribunal de origem às fls. 191/192.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Insurge-se o Recor­rente, com base nas letras a e c do permissivo constitucional, contra acórdão

RST], Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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462 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

prolatado pelo colendo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que em embargos à execução de contrato de abertura de crédito em conta-corren­te, entendeu inepta petição inicial, em virtude da falta de segurança do juízo, conforme dispõe o art. 737, lI, do CPc.

Presentes os pressupostos constitucionais, passo ao exame do recurso.

Com razão o Recorrente.

Apesar do texto legal exigir primeiramente a segurança do juízo para

admitir os embargos do devedor, a regra deve ceder nos casos de execuções

flagrantemente nulas, como se revela na hipótese.

Confira-se, a propósito:

"Direitos Comercial e Processual Civil. Execução. Duplicata de prestação de serviços. Exceção de pré-executividade. Descabimento na espécie. Recurso desacolhido.

I - O sistema processual que rege a execução por quantia certa,

salvo exceções, exige a segurança do juízo como pressuposto para o oferecimento dos embargos do devedor.

II - Somente em casos excepcionais, sobre os quais a doutrina e a jurisprudência vêm se debruçando, se admite a dispensa desse pres­

suposto, pena de subversão do sistema que disciplina os embargos do devedor e a própria execução.

III - Em tese, a falta dos originais das duplicatas nos autos de execução não constitui vício passível de impugnação em exceção de pré-executividade, tendo em vista que os mesmos podem ser dispen­

sados na hipótese de retenção dos títulos, atendido os demais requi­

sitos previstos em lei." (Quarta Turma, REsp n. 40.078-RS, reI. Min.

Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, DJU de 2.3.1998).

Justifica-se a flexibilidade exegética, em razão de competir ao juízo da

execução declarar extinto o processo por não reconhecer possibilidade de execução do contrato em comento. É que o sistema processual autoriza o

órgão julgador a pronunciar-se sobre as "questões de ordem pública". Sendo

o título executivo extrajudicial condição para a ação executiva, conforme

disciplina o art. 618, I, do CPC, pode e deve o juízo de 1l.l. grau ou do Tri­

bunal pronunciar-se sobre a existência do mesmo, independentemente de

pedido do Recorrente, com arrimo no art. 267, IV a VI, e § 3l.l., da lei ins­

trumental civil.

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 463

No tocante à execução aludida, a Segunda Seção desta Corte firmou entendimento de que o contrato de abertura de crédito, ainda que subscri­to pelo devedor e assinado por duas testemunhas, não constitui título exe­

cutivo, mesmo que a execução seja instruída com extratos.

Nesse sentido:

"Processual Civil. Execução. Contrato de abertura de crédito.

Título executivo. Inexistência. Inteligência dos arts. 585, II, e 586 do

CPC.

Mesmo subscrito pelo eventual devedor e assinado por duas tes­temunhas, o contrato de abertura de crédito não é título executivo extrajudicial, ainda que a execução seja instruída com extrato e que os lançamentos fiquem devidamente esclarecidos, com explicitação dos cálculos, dos índices e dos critérios adotados para a definição e a evo­

lução do débito, pois esses são documentos unilaterais de cuja forma­

ção não participou o devedor. Embargos de divergência, por unanimi­dade, conhecidos e, por maioria, rejeitados." (Segunda Seção, EREsp

n. 115.462-RS, relator Ministro Cesar Asfor Rocha, por maioria, DJU de 30.8.1999).

"Direitos Comercial e Processual Civil. Embargos de divergên­

cia. Execução. Contrato de abertura de crédito em conta-corrente acompanhado de extrato circunstanciado de movimentação da conta­-corrente. Inexistência de título executivo. Orientação da Segunda Se­ção desta Corte. Enunciado n. 168, Súmula-STJ - Recurso desaco­

lhido.

I - A Segunda Seção desta Corte, no julgamento dos EREsp n. 108.259-RS, ao uniformizar seu entendimento, fixou orientação no

sentido de que o contrato de abertura de crédito em conta-corrente, ainda que acompanhado do extrato bancário, não constitui título exe­cutivo extrajudicial.

II - Nos termos do enunciado n. 168 da Súmula-STJ, 'não cabem

embargos de divergência quando a jurisprudência do Tribunal se fir­

mou no mesmo sentido do acórdão embargado'." (Segunda Seção,

EREsp n. 136.520-DF, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,

unânime, DJU de 21.6.1999).

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

Page 68: Jurisprudência da Quarta Turma · JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 403 I - Como residência do casal, para fins de incidência da Lei n. 8.009/1990, não se deve levar em conta somente

464 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"Processual Civil. Embargos à execução. Contrato de abertura de crédito. Título executivo. Inexistência. Art. 585, lI, CPC.

I - O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, ainda que acompanhado de extratos de movimentação financeira, não cons­titui título hábil para a promoção de ação executiva.

II - Precedentes da Segunda Seção.

III - Recurso conhecido e desprovido." (Quarta Turma, REsp n. 190.410-RS, reI. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 22.11.1999).

"O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo." - Súmula n. 233-

STJ.

De efeito, os extratos, ainda que mostrem a evolução da dívida e o movimento da conta, são documentos unilaterais, emitidos pela instituição bancária, de sorte que não lhes pode emprestar a certeza, liquidez e exigibilidade.

Tenho, com a devida vênia de r. opiniões em contrário, como inacei­tável se possa admitir a existência, quando da abertura da conta, de uma "concordância em aberto" pelo correntista, que vá servir de fundamento para uma execução futura contra si próprio, de valor incerto.

Por tais razões, de nenhuma importância para o meu entendimento, haja o Tribunal a quo eventualmente até declarado que tais extratos mostram adequadamente a constituição do débito desde a origem da conta.

Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento, para de­clarar nula a execução. Custas e honorários pelo Recorrido, estes fixados em 10% sobre o valor da execução.

É como voto.

Relator:

RECURSO ESPECIAL N. 302.653 - MG (Registro n. 2001.0011210-2)

Ministro Ruy Rosado de Aguiar

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDENCIA DA QUARTA TURMA 465

Recorrente: Banco Bandeirantes S/A

Advogados: Maria da Glória de Aguiar Malta e outros

Recorrido: Juvenal Gonçalves de Oliveira

Advogados: José Antônio Viana Dias e outro

EMENTA: Responsabilidade civil - Banco - Devolução indevida de cheque - Dano moral.

- O banco que recusa o pagamento de cheque sob a indevida alegação de falta de fundos está obrigado a reparar o dano moral sofrido pelo correntista. A existência do dano decorre de juízo da experiência, fundado no que normalmente ocorre em tais situações.

- A alegação de que cláusula contratual autorizava o cancela­mento do cheque especial independentemente de aviso ficou supe­rada com a verificação do fato de que não houve tal rescisão. De qual­quer forma, tem o correntista o direito de ser informado da extinção do contrato de cheque especial, diante da gravidade dos efeitos que decorrem da emissão de novos cheques pelo cliente, que confiava na continuidade do contrato.

- O CDC incide sobre o contrato bancário de conta-corrente com cheque especial.

Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recur­so. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro-Relator.

Brasília-DF, 4 de setembro de 2001 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Relator.

Publicado no DJ de 29.10.2001.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: Juvenal Gonçalves de Oliveira

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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466 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

propôs ação de indenização contra o Banco Bandeirantes S/A para repara­

ção de danos materiais e morais decorrentes da devolução de vários cheques

seus, por insuficiência de fundos, muito embora houvesse saldo bastante

para provê-los.

Na contestação, o Réu argüiu as preliminares de ilegitimidade de parte

e ausência de condições da ação e, no mérito, afirmou que as devoluções dos

cheques do Autor se deram em razão da rescisão do contrato de cheque es­

pecial com base em sua cláusula 11, que autoriza tal procedimento sem

qualquer aviso prévio ao correntista. Negou também a ocorrência de danos

materiais e morais.

Julgado improcedente o pedido em 1.Q. grau, o Autor apelou, e a egré­

gia Terceira Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Ge­

rais deu parcial provimento ao recurso, em r. acórdão da relatoria do emi­

nente Juiz Wander Marotta:

"Ação indenizatória. Danos material e moral. Devolução de che­

ques por ausência de fundos. Existência de conduta culposa do Ban­

co-réu, da qual decorre a obrigação de indenizar por danos morais.

Voto-vencido.

Em tema de responsabilidade aquiliana, para que ocorra o dever

de indenizar, é mister que concorram três elementos: o dano, a con­

duta culposa e o nexo causal entre estes.

A devolução de cheques, por ausência de fundos, originária de

equívoco, traz repercussão quanto à honra da pessoa e gera direito à

indenização por dano moral, sem prejuízo do dano patrimonial efeti­

vamente comprovado.

Na fixação da indenização por danos morais, deve-se levar em

consideração sua gravidade objetiva, a personalidade da vítima, con­

siderando-se sua situação familiar e social e sua reputação, a gravidade

da falta e as condições do réu.

Voto-vencido do Juiz Duarte de Paula: Atribuir valores inexpres­

sivos como reparação de danos morais significa dar a esse instituto

função simbólica, desprezando o relevo que se dá no sistema jurídico

à integridade e respeito aos direitos da personalidade, e ignorar o

potencial econômico do lesante, impondo-lhe sanção insignificante."

(fi. 99).

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 467

Colhe-se do voto do eminente Relator:

"Na hipótese, as partes firmaram contrato de cheque especial, no limite de R$ 3.000,00, renovável automaticamente. A despeito da cláu­sula grifada à fl. 42-TA dos autos, era direito do consumidor saber que o contrato fora cancelado (o que, ressalte-se, não ocorreu, pois, no dia 28 de julho de 1998, constava para o Autor que seu saldo disponível

para saque era superior a dois mil reais).

Evidente, portanto, a conduta ilícita do Apelado, que gerou da­nos ao Autor, sendo evidente o dever de indenizar.

É inegável o direito do Autor ao bom nome e à preservação da imagem, evitando tornar-se alvo de suspeitas, segregação ou restrições.

Às instituições financeiras, como prestadoras de serviços, cabe a responsabilidade de se organizarem de maneira tal a atenderem eficien­temente sua clientela, respondendo pelos danos que lhe causarem, prin­cipalmente por lidarem com recursos alheios, o que tem justificado o surgimento da legislação específica.

Assim, tendo por base as circunstâncias do caso, a capacidade econômica da instituição, e a natureza da repercussão da ofensa, fixo a condenação em 20 (vinte) salários mínimos, quantia que, evidente­mente, representa valor que irá compensar, em muito, os dissabores passados pelo Autor." (fls. 107/108).

o Réu opôs embargos declaratórios, os quais foram rejeitados.

lrresignado, ingressou o Banco com recurso especial, alíneas a e c, por ofensa a dispositivos da Lei n. 4.595/1964; aos artigos 159, 160, I, e 1.256 do Código Civil, e ao artigo 333, I, do Código de Processo Civil, bem como divergência juriSprudencial. Sustenta que não se aplica o Códi­go de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, insurgindo-se assim contra a decisão do Tribunal a quo, que anulou cláusula contratual que o

autorizava a rescindir o contrato de cheque especial do Autor, sem seu pré­vio conhecimento. Afirma ser indevida a indenização por dano moral em face da inexistência de prova do mesmo. Colaciona julgados para demonstrar o alegado dissídio.

RST], Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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468 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Sem as contra-razões, o recurso foi inadmitido na origem, subindo os autos em virtude de provimento ao Ag n. 326.147.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar (Relator): O recurso não pode ser conhecido:

(I) A aplicação do CDC aos contratos bancários é matéria pacificada no âmbito da Seção de Direito Privado deste Tribunal (REsp n. 106.888-PR).

(II) A questão relacionada com a nulidade da cláusula contratual que permitia a rescisão do contrato de cheque especial sem o aviso ao correntista ficou superada com afirmativa fundada nos fatos da causa: em­bora houvesse a previsão contratual, a verdade é que o contrato não fora rescindido pelo Banco (acórdão, fi. 108). Sobre o ponto incide a Súmula 7-STJ.

De qualquer forma, cabe referir que outra não poderia mesmo ter sido a conclusão da egrégia Câmara, que em fundamentado acórdão - com percucientes votos de todos os seus ilustres Juízes - demonstrou a necessi­dade de ser o consumidor informado das circunstâncias de execução da avença, muito especialmente quando se cuida da extinção do contrato de cheque especial, cuja conseqüência imediata é a de deixar a descoberto os cheques emitidos pelo correntista, com os graves efeitos que daí decorrem, sem que a instituição financeira tivesse posto o seu cliente a par da unila­teral rescisão do contrato.

(III) A indenização pelos danos materiais foi indeferida, mas os danos morais merecem reparação, uma vez atendidos os pressupostos da respon­sabilidade civil, assim como ressaltado no r. acórdão. O reconhecimento da sua existência decorre de um juízo sobre o que normalmente acontece em situações como esta, em que a vítima do abuso é submetida a uma série de situações de constrangimento, preocupação com o seu bom nome na praça, necessidade de diligências para desfazer o engano em que se viu envolvido pela incúria, malícia ou negligência do outro.

(IV) O valor da indenização foi fixado em 20 salários mínimos, e não há razão para que seja reduzido ainda mais.

Posto isso, invocando a Súmula n. 83-STJ, não conheço.

É o voto.

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

RECURSO ESPECIAL N. 302.940 - SP (Registro n. 2001.0014267-2)

Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar

Recorrente: Jarbas Paulino da Silva

Advogados: Terence Zveiter e outros

Recorrida: Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU

Advogados: Marcelo Oliveira Rocha e outros

469

EMENTA: Responsabilidade civil - Indenização - Tratamentos e despesas futuras - Pagamento em liquidação.

- O pagamento das despesas indicadas pelo perito e incluídas na condenação, com trânsito em julgado nessa parte, não deve ficar condicionado ao prévio desembolso pelo autor, homem pobre e hoje absolutamente incapacitado para o trabalho, pois seria condição im­possível. Também não é conveniente, pela natureza das despesas que se desdobrarão no tempo, que seja a ré obrigada a desde logo pagar o total dos valores indicados pelo perito, equivalentes a mais de 3.000 salários mínimos. Por isso, a melhor solução é determinar o pagamento das despesas no devido tempo e na medida em que se fizerem necessárias, depois de homologado em juízo o respectivo or­çamento. Artigos 1.538 e 1.539 do Código Civil.

Recurso conhecido e provido em parte.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília-DF, 21 de agosto de 2001 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Relator.

Publicado no DJ de 29.10.2001.

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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470 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: Jarbas Paulino da Silva ajui­

zou ação contra Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU, para ser

indenizado dos danos materiais e morais em conseqüência de acidente que

sofreu na condição de passageiro do trem, no momento em que estava in­

gressando na composição após a compra do bilhete de passagem, com am­

putação de suas pernas.

Julgada improcedente a ação, o Autor apelou, e a egrégia Sétima Câ­

mara de Férias de Janeiro/1999 do 1 Q. Tribunal de Alçada Civil de São Pau­

lo, por maioria, deu provimento ao apelo, nos termos da seguinte ementa:

"Responsabilidade civil. Transporte ferroviário. Queda de passa­geiro. Falta ao dever de garantia à incolumidade do passageiro. 'Tran­

co' da composição ao início de seu deslocamento confirmado por tes­

temunha ocular. Amputação dos membros inferiores. Pensão vitalícia

correspondente ao salário da vítima na época do fato, com atualização

pela variação do salário mínimo. Ação julgada procedente. Despesas de

tratamento a serem pagas pela ferrovia. Danos estético e moral

indenizáveis. Juros de mora devidos desde a citação. Recurso provido."

(fi. 332).

Rejeitados os embargos de declaração oferecidos pela Ré, ingressaram

as partes com novos aclaratórios, sendo estes acolhidos para declarar que

as despesas de tratamento indenizáveis serão ressarcidas pela Ré depois que

o Autor provar o respectivo pagamento, em liquidação.

Opostos embargos infringentes pela Ré, foram rejeitados, nos termos

seguintes:

"Recurso. Embargos infringentes. Oposição fulcrada no voto di­

vergente que considerou culpa exclusiva da vítima. São Paulo. Movi­

mento inesperado da composição jogando o passageiro para fora do

trem. Responsabilidade objetiva existente. Embargos rejeitados." (fi.

425).

Contra o julgado proferido na apelação, completado nos declaratórios,

o Autor manifestou recurso especial (art. 105, lU, a e c, da CF), no qual

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 471

alega ofensa aos arts. 948, 962, 1.538, 1.539 e 1.553 do CC, bem como

dissídio jurisprudencial. Está inconformado com a tese acolhida pela egré­

gia Corte Estadual, no sentido de que a Ré somente estaria obrigada ao pa­

gamento dos valores referentes ao tratamento médico em parcelas sucessi­

vas depois que o Autor provasse o seu desembolso. Entende que os valores

constantes da perícia devem ser de logo pagos, não se constituindo em sim­

ples limite máximo do futuro desembolso. Sendo o Autor carente de recur­

sos, não poderá adquirir as próteses ou as cadeiras de rodas e fazer o tra­

tamento médico indicado, pelo que nada desembolsando, nada poderá pe­

dir para ser pago pela empresa. Alega que buscou obter indenização

abrangente de todos os danos pessoais, não somente dos prejuízos decorren­

tes da supressão de sua capacidade laborativa; pretende receber todas as

parcelas de tratamentos e assistência médica, cujo pagamento deveria ter

sido feito ao credor desde a data do evento lesivo. Insiste em que não se pode

confundir coisas distintas, quais sejam, o reembolso de despesas e os danos

emergentes causados ao Recorrente, traduzidos nas verbas que deveriam ter

sido pagas a ele desde o momento do evento lesivo e não o foram.

Com as contra-razões, o recurso foi inadmitido na origem, subindo os

autos em virtude de provimento ao Ag n. 327.254-SP.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar (Relator): Trata-se de decidir

sobre a extensão da responsabilidade da empresa condenada a reparar os

danos sofridos pelo passageiro: o pagamento dos valores indicados na pe­

rícia para a aquisição futura de aparelhos, que deverão ser substituídos de

tempos em tempos, e para o custeio de tratamentos médico e psicológico

que se desdobrarão durante meses ou anos, se esse pagamento deve ser ime­

diato, ou apenas depois de comprovadas as despesas pelo acidentado.

Tenho que não se pode exigir do Autor, homem pobre e hoje definitiva

e absolutamente incapacitado para o trabalho, reúna recursos para custear

os procedimentos indicados pelo perito, e somente depois disso apresente

sua conta à Ré. Seria o mesmo que impor uma condição impossível.

De outra parte, também considero que a multiplicidade de providên­

cias indicada pelo perito, o fato de que se desdobrarão durante longo tempo e o seu elevado valor (superior a 3.000 salários mínimos), tudo recomenda

RST], Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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472 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

que o desembolso a ser feito pela Ré, se não deve ficar condicionado ao pré­vio pagamento pelo Autor, também não convém seja desde logo pago, an­tes do tempo próprio para cada um dos procedimentos. Assim, acredito como mais adequado que o pagamento das parcelas a que a Ré foi conde­nada, referentes a tratamentos que acontecerão no futuro, seja feito no de­vido tempo e depois de apresentado o orçamento homologado pelo juízo.

Nesses termos, conheço em parte do recurso, por ofensa ao disposto nos arts. 1.538 e 1.539 do Código Civil, e lhe dou parcial provimento.

É o voto.

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorrida:

Advogados:

RECURSO ESPECIAL N. 309.760 - RJ (Registro n. 2001.0029368-9)

Ministro Aldir Passarinho Junior

Unimed - Rio Cooperativa de Trabalho Médico do Rio de Janeiro Ltda

Joaquim Jair Ximenes Aguiar e outros

Marlúcia Carneiro da Silva

Célia Destri e outros

Sustentação oral: Joaquim Jair Ximenes Aguiar (pela recorrente)

EMENTA: Civil e Processual - Ação de indenização - Erro mé­dico - Cooperativa de assistência de saúde - Legitimidade passiva - CDC, arts. 32 e 14.

I - A cooperativa que mantém plano de assistência à saúde é parte legitimada passivamente para ação indenizatória movida por associada em face de erro médico originário de tratamento pós-ci­rúrgico realizado com médico cooperativado.

n - Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não

RST], Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 473

conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constan­tes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Par­ticiparam do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Custas, como

de lei.

Brasília-DF, 6 de novembro de 2001 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.

Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator.

Publicado no DJ de 18.3.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Adoto o relatório que integra o acórdão recorrido, verbis (fls. 232/233):

"Marlúcia Carneiro da Silva ajuizou ação de indenização, pelo rito ordinário, em face de Unimed - Rio Cooperativa de Trabalho

Médico do Rio de Janeiro Ltda, alegando, em síntese, como causa de pedir, que, após submetida a uma cirurgia realizada por uma médica

conveniada da Ré, teve seu nervo femural lesionado, acarretando à Autora até hoje seqüelas decorrentes da aludida lesão, motivando, as­sim, a propositura, objetivando uma indenização a título de dano mo­ral.

Contestação, às fls. 40/61, argüindo preliminares de denunciação da lide de Berenice Aguiar da Silva, cuja médica realizou a cirurgia

na Autora e de ilegitimidade passiva, pois, na qualidade de sociedade sem fins lucrativos, seus serviços prestados são de inteira e absoluta responsabilidade do profissional, que é escolhido livremente pelo as­

sociado e, quanto ao mérito, sustenta, em resumo, que não restou com­provado o nexo de causalidade entre o evento e a suposta seqüela, im­pugnando, ainda, o valor da verba pleiteada.

R. sentença, às fls. 172/177, acolhendo a preliminar de ilegitimi­dade passiva e julgando extinto o feito sem a apreciação do mérito, na forma dos arts. 3.Q. e 267, inciso VI, do CPC.

V. acórdão (fls. 197/199), dando provimento ao apelo, para o fim

de afastar a ilegitimidade passiva e determinar o prosseguimento do

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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474 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

feito, vencido o eminente Desembargador-Relator, que lhe negava pro­vimento, sustentando, em suma, que, no caso em tela, a Recorrida não pode responder por culpa, já que não prestou diretamente os serviços, como também não contratou com terceiros, pois o profissional foi es­colhido pela própria Recorrente.

Razões da Embargante (fls. 204/213), visando à reforma do jul­gado pela douta maioria, sustentando, em suma, que agiu como mera mandatária, pois, na qualidade de cooperativa, apenas representa seus médicos cooperados coletivamente, aduzindo, ainda, que, inexistindo o vínculo empregatício entre o profissional e a ora recorrente, aquele é quem responde pelo alegado dano que cometeu, de acordo com o art. 1.545 do Código Civil.

Contra-razões da Embargada, às fls. 222/226, impugnando as ra­zões de recurso, prestigiando o voto da douta maioria e enfatizando que, conforme consta do relatório do v. aresto embargado, a Embar­gante é uma empresa de plano de saúde, ou seja, uma prestadora de serviços, cujo entendimento é o mesmo do STJ, motivo pelo qual ela é parte legítima para integrar o pólo passivo da ação em tela, que plei­teia indenização por dano moral."

o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deu provimento aos embargos infringentes da Unimed, em decisão assim ementada (fl. 238):

"Cooperativa de trabalho médico. Dano moral por erro de pro­fissional credenciado. Responsabilidade objetiva. Rejeição da ilegitimi­dade passiva da cooperativa. Improvimento."

Irresignada, Unimed-Rio Cooperativa de Trabalho Médico do Rio de Janeiro Ltda interpõe, pela letra a do art. 105, IH, da Carta Política, recurso especial sustentando, em síntese, que não é parte legitimada passivamente, por ser uma cooperativa médica, apenas representando os profissionais coo­perados, como sua mandatária, nos termos estatutários, não se confundin­do com as empresas seguradoras e de mercantilização da medicina. É uma sociedade civil, sem fins lucrativos, nos moldes dos arts. 3"' e 4"', X, da Lei

n. 5.764/1971. Aduz que a escolha do profissional é feita livremente pelo paciente, em caráter autônomo, que assume individualmente a responsabi­

lidade pela execução dos serviços, salientando que não se configura a situa­ção prevista no art. 1.521, IH, do Código Civil, como ressalvado no art. 90

da mesma Lei n. 5.764/1971. Diz que não é a hipótese do art. 14, § 4"', do

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 475

CDC. Reclama da contrariedade a tais normas, inclusive, por erroneamen­te aplicadas à espécie.

Contra-razões às fls. 261/265, afirmando que a Unimed é operadora de plano de assistência à saúde, de sorte que se acha sujeita às normas do CDC, nos termos da Lei n. 9.656/1998, arts. p., lI, § 3ll., e 18, e consoan­te a jurisprudência do STJ.

O recurso especial foi admitido na instância de origem pelo despacho presidencial de fls. 268/269.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Trata-se de recurso especial em que se discute a ilegitimidade passiva da ré Unimed, para res­ponder em ação indenizatória movida por associada que, submetendo-se a cirurgia executada por médica-cooperada, sofreu lesão no nervo femural provocada por bolsa de água quente colocada para tratar de sintomas pós­-operatórios (fl. 4).

O acórdão prolatado pelo 1ll. Grupo de Câmaras Cíveis, de relatoria do eminente Desembargador João Wehbi Dib, diz o seguinte (fls. 238/239):

"A médica que perpetrou o erro cirúrgico integra os quadros da Embargante. Foi escolhida dentre os colocados à disposição dos clien­tes.

Exsurge a responsabilidade objetiva por força dos arts. 3ll., § 2ll., e 14 da Lei n. 8.078, de 11.9.1990, posto que fornecedora de servi­ços e produtos médico-hospitalares.

Inocorre culpa da infortunada ou de terceiro (§ 3ll., lI, do art. 14).

Doutra parte, nos termos do seu estatuto, a Recorrente contrata em nome dos cooperados a execução dos serviços."

Tenho que a decisão não merece reparo algum.

De efeito, a Cooperativa-ré tem por objeto a assistência médica e, para tanto, realiza contrato com associados, regulamentando, de forma padroni­zada, a prestação de seus serviços, o que faz por intermédio de médicos a

ela filiados, casas de saúde e laboratórios. A escolha do profissional não é exatamente livre pelo paciente. Ele a tem, porém, dentre aqueles profissio­nais cooperativados.

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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476 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Dispõe o Código de Defesa do Consumidor, que:

"Art. 39.. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, constru­ção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercia­lização de produtos ou prestação de serviços.

§ 29.. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de con­sumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, finan­ceira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de ca­ráter trabalhista.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consu­midores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 39.. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quan­

do provar:

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro."

Ora, se é a Unimed quem oferece o plano de assistência médica remu­nerado, em que estabelece e faz a cobrança de acordo com tabelas próprias, traça as condições do atendimento e de cobertura, e dá ao associado um le­que determinado de profissionais cooperativados ao qual pode recorrer em caso de doença, não é possível possa eximir-se de qualquer vinculação com a qualidade do serviço, como se fosse uma alienígena. É ela fornecedora dos serviços, à luz do CDC, e o causador do dano é cooperado seu. O atendi­mento médico deu-se por vinculação direta da Unimed com a associada e

o profissional cooperado.

Aliás, conquanto ainda não vigente à época do fato, a Lei n. 9.656, de 3.6.1998, colocou uma pá de cal sobre o assunto, precisando, ainda mais,

sobre tal responsabilidade.

No julgamento do REsp n. 164.084-SP, já havia destacado, como rela­

tor, que:

RST], Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 477

"A prestadora de serviços de plano de saúde é responsável,

concorrentemente, pela qualidade do atendimento oferecido ao contra­

tante em hospitais e por médicos por ela credenciados, aos quais aquele

teve de obrigatoriamente se socorrer sob pena de não fruir da cober­

tura respectiva." (Quarta Turma, unânime, DJU de 17.4.2000).

No mesmo sentido foi, depois, a decisão da egrégia Terceira Turma, em

acórdão de relatoria do ilustre Ministro Ari Pargendler, assim ementado:

"Civil. Responsabilidade civil. Prestação de serviços médicos. Quem se compromete a prestar assistência médica por meio de pro­

fissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes prestam.

Recurso especial não conhecido." (REsp n. 138.059-MG, unânime,

DJU de 11.6.2001).

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

VOTO

o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: Não conheço do recurso

por mais de uma razão. A uma, na linha dos precedentes desta Turma, na

interpretação do Código de Defesa do Consumidor. A duas, porque presente

a prestação de serviços, dos quais o consumidor se utiliza, e um fornece­

dor desses serviços, com a Cooperativa abonando e avalizando os profissio­

nais que são procurados. Por essas circunstâncias, não vejo como eximir a

Cooperativa da responsabilidade.

Outro fato que se me apresenta relevante é a existência de recente pre­

cedente do Tribunal, que se assemelha à espécie, como assinalou o Sr. Mi­

nistro-Rela tor.

VOTO

o Sr. Ministro Barros Monteiro: Sr. Presidente, também não conhe­

ço do recurso, aderindo às razões expostas pelos Srs. Ministros-Relator e

Sálvio de Figueiredo Teixeira, tanto mais que a Unimed, indiscutivelmen­

te, é fornecedora de serviços, inclusive neste caso.

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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478 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO-MÉRITO

o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: Sr. Presidente, também acom­

panho o voto do Sr. Ministro-Relator, não conhecendo do recurso, apenas

observando que a relação que se põe entre o cooperado e a entidade coo­

perativa tem natureza própria e se regula pela legislação citada pelo ilus­

tre patrono, da tribuna; mas a que se põe entre o assistido, o segurado e a

entidade que fornece o serviço é uma relação de consumo, e pelo CDC é regulada.

Relator:

RECURSO ESPECIAL N. 315.944 - SP (Registro n. 2001.0038562-1)

Ministro Ruy Rosado de Aguiar

Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo

Recorrida: Padaria e Confeitaria Flor das Oliveiras

Sustentação oral: Parecer oral pela representante do Ministério Público

EMENTA: Ação civil pública - Acidente no trabalho - Legiti­

midade do Ministério Público Estadual - Meio ambiente.

O Ministério Público Estadual tem legitimidade para promover

ação civil pública destinada a evitar acidentes no trabalho. Prece­

dentes.

Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos

e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e

dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs.

Ministros Aldir Passarinho Junior, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros

Monteiro e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro-Relator.

Brasília-DF, 25 de setembro de 2001 (data do julgamento).

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 397-487, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Relator.

Publicado no DI de 29.10.2001.

RELATÓRIO

479

o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: O Ministério Público do Es­tado de São Paulo propôs ação civil pública acidentária contra a Padaria e Confeitaria Flor das Oliveiras, porque a Ré teria descumprido diversas nor­mas de segurança e higiene do trabalho, conforme apurado nos autos de Investigação Prévia n. 126/1996, do Setor de Prevenção da Promotoria de Justiça de Acidentes do Trabalho da Capital. Citou vários dispositivos le­gais: art. 109 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei n. 734/ 1993), art. 3.Q. e 5.Q., § 6.Q., da Lei n. 7.347/1985, Portaria n. 3.214/1978 do

Ministério do Trabalho, arts. 154 a 201 da CLT, art. 7.Q., inciso XXII, da Constituição Federal de 1988, Código Sanitário, Código de Obras, Normas da ABNT, art. 19, §§ 1.Q. e 2.Q., da Lei n. 8.213/1991 (Plano de Benefícios da

Previdência Social) e Lei n. 6.938/1981. Pediu fosse a Ré condenada a eli­

minar os danos causados ao meio ambiente do trabalho com o cumprimento de obrigação de fazer, sob pena de multa diária.

A petição inicial foi indeferida, extinto o processo sem julgamento de mérito. O Ministério Público apelou, e a egrégia Quinta Câmara do 2.Q. Tri­bunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo negou provimento ao recurso:

"Ação civil pública. Descumprimento de normas regulamen­

tadoras de saúde, higiene e segurança do trabalho. Competência afeta à Justiça do Trabalho. Inquérito civil e ação civil pública. Iniciativa para apuração e fixação de responsabilidade. Atribuição do Ministério Público do Trabalho e não da instituição similar estadual.

Compete à Justiça do Trabalho conhecer e julgar infrações às normas regulamentadoras relativas às condições de saúde, higiene e segurança do trabalho.

Constitui atribuição do Ministério Público do Trabalho a instau­ração de inquérito civil e o ajuizamento de ação civil pública com vistas

à apuração de infrações às normas regulamentadoras da saúde, higie­ne e segurança do trabalho, não dispondo de legitimidade para a prá­tica de tais atos, o Ministério Público Estadual" (fI. 85).

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480 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Colhe-se do voto do eminente relator da apelação:

"Ao cuidar da organização do Ministério Público da União (Lei Complementar n. 75, de 20.5.1993), esse diploma legal conferiu ex­pressamente ao Ministério Público do Trabalho legitimidade exclusi­va para 'promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Traba­lho para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direi­tos sociais constitucionalmente garantidos' (art. 83, inciso III), e para tanto foi dotado de poderes para' ... instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores' (cf. artigo 84, inciso lI)" (fl. 86).

o Autor opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados.

Irresignado, o Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou com recursos extraordinário e especial, este pelas alíneas a e c do permis­sivo constitucional, alegando ofensa ao art. 129, inciso lI, da Lei n. 8.213/ 1991 e divergência jurisprudencial. Esclarece que a lei, ao atribuir compe­tência à Justiça Comum para o processamento de ações que visem a preve­nir acidentes de trabalho, autoriza também o Ministério Público Estadual a promover ações perante o juízo em que oficia. Portanto, o Ministério PÚ­blico Estadual tem atribuição para o ajuizamento de tais ações, e assim o faz com base no art. 129 da Lei n. 8.213/1991, que dispõe que os litígios "relativos" a acidentes de trabalho serão processados pela Justiça dos Es­tados. Entende que a expressão "relativa a acidente de trabalho" abrange, também, ações visando ao cumprimento de normas de segurança do traba­lho, que existem para prevenir a ocorrência dos acidentes laborais. Argu­menta, ainda, que convivendo o juiz da vara de acidentes do trabalho com os milhares de feitos relacionados aos infortúnios laborais, encontra-se pre­parado para identificar os pontos de riscos ocupacionais, e, portanto, é o mais indicado para julgar as ações relativas à prevenção desses acidentes. Por fim, alega que a melhor forma de interpretar o art. 83, inciso III, da Lei Complementar n. 75/1993 é atribuir ao Ministério Público do Trabalho a promoção de ação civil pública para a defesa de interesses coletivos, uma vez desrespeitados direitos constitucionalmente assegurados, excetuando-se as ações relativas a acidentes de trabalho que não se encontram no âmbito da Justiça do Trabalho. Cita os arts. 109, inciso I; 114 e 128, § 511., da CF/ 1988; lll., XIII e XX, da Lei Complementar Estadual n. 832/1997 (Código Judiciário do Estado de São Paulo); 111., I, da Resolução n. 98/1996 do Tri­bunal de Justiça do Estado de São Paulo e 295, lI, da Lei Complementar

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 481

Estadual n. 734/1993. Colaciona julgados deste egrégio Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça de São Paulo e do 211 Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, para demonstrar o dissídio jurisprudencial.

Sem as contra-razões, foi o recurso admitido na origem, vindo-me os autos.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar (Relator): Decorre do sistema o reconhecimento da legitimidade do Ministério Público Estadual para pro­mover ação civil pública em matéria acidentária, tema que também é da competência da Justiça Estadual. Este Tribunal já examinou questão asse­melhada à dos autos, e a egrégia Primeira Seção e a colenda Terceira Tur­ma já se manifestaram favoravelmente à tese sustentada pelo Recorrente:

"Ministério Público Estadual. Inquérito civil. Segurança do tra­balho. Tem o Ministério Público legitimidade para ajuizar ação cole­tiva, tendente a obter condenação a indenizar lesões resultantes de aci­dentes de trabalho, envolvendo direitos individuais homogêneos, des­de que presente interesse social relevante. Competindo tais ações à

Justiça Estadual, a legitimidade será do Ministério Público Estadual que poderá instaurar inquérito civil, visando a reunir os elementos

necessários a justificar sua atuação." (RMS n. 8.785-RS, Terceira Tur­ma, reI. eminente Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 22.5.2000).

"Conflito de competência. Ação civil pública, de natureza cautelar, visando a prevenir acidentes de trabalho. Competência da Jus­tiça Estadual. A Constituição Federal excluiu da competência da Jus­tiça Federal as ações de acidentes de trabalho (artigo 109, inciso I), sem distinguir entre as que visam a preveni-los daquelas que têm o propósito de repará-los; todas são processadas e julgadas pela Justiça Estadual. Conflito de competência conhecido para declarar a compe­tência do egrégio 211 Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Pau­lo." (CC n. 16.243-SP, Primeira Seção, reI. eminente Min. Ari Pargendler, DJ de 17.6.1996).

Embora registrando o julgado dissidente da egrégia Primeira Turma

(RMS n. 5.563-RS, da re1atoria do eminente Ministro Cesar Asfor Rocha,

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482 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

hoje presidindo esta Quarta Turma), não encontro razão legal para que se altere esse entendimento.

Na verdade, o trabalho desenvolvido pelo Ministério Público Estadual na sua tarefa legal de oficiar nas questões acidentárias se dá sem prejuízo da competência do Ministério Público do Trabalho e da própria Justiça do Trabalho em matéria trabalhista. A competência funcional do Ministério Público do Trabalho está referida no art. 83, II e III, da Lei Orgânica do MPU (Lei Complementar n. 75/1993):

"Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercí­cio das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

II - manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, aco­lhendo solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender exis­tente interesse público que justifique a intervenção;

III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Tra­balho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos."

Já a definição do que se atribuiu ao Ministério Público Estadual, nessa área, está no art. 129 da Lei n. 8.213/1991:

"Art. 129. Os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados:

I - na esfera administrativa, pelos órgãos da Previdência Social, segundo as regras e prazos aplicáveis às demais prestações, com prio­ridade para conclusão; e

II - na via judicial, pela Justiça dos Estados e do Distrito Fe­deral, segundo o rito sumaríssimo, inclusive durante as férias forenses, mediante petição instruída pela prova de efetiva notificação do even­to à Previdência Social, através de Comunicação de Acidente do Tra­balho-CAT.

Parágrafo único. O procedimento judicial de que trata o inciso II deste artigo é isento do pagamento de quaisquer custas e de verbas re­lativas à sucumbência."

Uma vez que existe a relação acidentária, e sendo ela de competência

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 483

da Justiça Estadual, nenhuma razão de ordem legal pode justificar a exclu­

são de sua atividade processual apenas porque a ação é coletiva, e não in­

dividuaL

Ainda pondero a importância do trabalho desenvolvido pelo Ministé­

rio Público de São Paulo nessa área, assim como relatado nos autos:

"Desde então (1991) já foram propostas, na Capital, quase 200 (duzentas) ações civis públicas acidentárias, estando hoje em curso na

Promotoria de Justiça de Acidentes do Trabalho da Capital cerca de

800 (oitocentos) inquéritos civis. Destaque-se que nesses quase 7 (sete)

anos de trabalho centenas de empresas regularizaram seu meio ambien­te de trabalho mediante compromisso de ajustamento firmado com o

Ministério Público, no bojo de inquéritos civis já encerrados.

Destaque-se, ainda, que mais de uma centena dos inquéritos ci­

vis em andamento no Setor de Prevenção da Promotoria de Justiça de Acidentes do Trabalho da Capital foram instaurados mediante repre­sentação do Delegado Regional do Trabalho de São Paulo, em casos

onde a atuação administrativa da DRT não surtiu efeito, o que de­

monstra de forma clara que a atuação do Ministério Público do Esta­do de São Paulo é desejada e absolutamente necessária, sendo ela so­

licitada até mesmo pela 'autoridade máxima na área', segundo o en­

tendimento do juiz que julgou este caso." (fi. 59).

Não há nenhuma vantagem social em impedir e restringir a fiscaliza­

ção que se faz sobre as condições do trabalho. A manutenção da decisão

desautorizará trabalho efetivo e eficaz, reconhecido mesmo pelos órgãos do

Ministério do Trabalho. É evidente que existe aí uma área cinzenta, em que se entrelaçam aspectos eminentemente trabalhistas com acidentários (nem

poderia ser diferente, porque o acidente ocorre no ambiente de trabalho),

mas essa circunstância não pode levar a que se impeça o exercício de di­

versa atividade dos órgãos do Ministério Público, cada um atuando peran­

te a Justiça respectiva, acentuando o ponto de sua competência específica,

mas isso para ampliar a intervenção fiscalizadora, não para restringi-la.

Assim, reconhecendo a competência da Justiça Estadual para as cau­sas acidentárias, entre elas a ação civil pública destinada a evitar acidentes,

tenho por legítima a sua propositura pelo Ministério Público Estadual, que

aí atua na defesa de interesse coletivo, eis que presentes interesses indivi­

duais homogêneos relevantes.

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Posto isso, conheço do recurso e lhe dou provimento, para que pros­siga a ação.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 333.161 - MS (Registro n. 2001.0090243-9)

Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

Recorrente: Aurélio Rocha e Companhia Ltda

Advogados: Laude1ino Balbuena Medeiros e outro

Recorrido: Agro Pimenta Comércio e Representação Ltda

Advogado: Waldilon Almeida Pires Martins

EMENTA: Processo Civil - Fraude de execução (CPC, art. 593, 11) - Requisitos presentes - Ausência de outros bens do devedor -Insolvência demonstrada - Má-fé - Irrelevância - Recurso desa­colhido.

I - A jurisprudência deste Tribunal tem entendimento firme no sentido de que a caracterização da fraude de execução prevista no inciso segundo (11) do art. 593, ressalvadas as hipóteses de constrição legal (penhora, arresto ou seqüestro), reclama a ocorrência de uma ação em curso (seja executiva, seja condenatória), com citação váli­da, e o estado de insolvência a que, em virtude da alienação ou oneração, teria sido conduzido o devedor.

11 - A prova da insolvência é suficiente com a demonstração da inexistência de outros bens do devedor passíveis de penhora, sendo também certo que a insolvência há de ser considerada à época da celebração do ato.

111 - Não se exige a demonstração do intuito de fraudar - cir­

cunstância de que não se cogita em se tratando de fraude de exe­cução, mas apenas em fraude contra credores, que reclama ação pró­pria (revocatóriafpauliana). Na fraude de execução, dispensável é a prova da má-fé.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 485

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recur­so. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior.

Brasília-DF, 7 de fevereiro de 2002 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.

Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Relator.

Publicado no DI de 15.4.2002.

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: Do relatório da sentença colho:

"Aurélio Rocha & Cia Ltda, já qualificado, ingressou com embar­gos de terceiros em face de Agro Pimenta Comércio e Representações Ltda, já qualificada, alegando para tanto que a Embargada promove ação de execução por título extrajudicial contra Marcílio Cardoso de Farias, Processo nesta Comarca sob o n. 288/1994, distribuído em 10.6.1994 e efetiva a penhora em 16.6.1994, de 39.042kg de milho, que estão depositados na empresa Piratini Produtos Alimentícios Ltda.

Que no dia 10.6.1994, Marcílio Cardoso de Farias alienou 39.042kg de milho para a Empresa-embargante, conforme borderô de fi. 13, nota fiscal de produtos de fi. 14 e cópias do cheque utilizado para pagamento do produto (fi. 15).

Quando o Embargante foi retirar o milho junto à empresa Piratini Produtos Alimentícios, este já havia sido penhorado, embora a empresa tivesse conhecimento da transação feita anteriormente, pois já havia sido outorgado instrumento particular de procuração ao Embargante com poderes expressos, doc. anexo, fi. 17. Afirma que a empresa armazenadora foi negligente e agiu de má-fé, culminando em prejuí­zo do Embargante e também ao exeqüente, tendo a penhora perdido sua validade. Requer seja decretada a restituição dos grãos em liminar, dando em caução um caminhão para transporte de gado, ano e mode­lo 1990."

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Os embargos foram julgados procedentes, mas o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul deu provimento ao recurso da Embargada, consoante esta ementa:

"Apelação cível. Embargos de terceiro. Alienação de bem ao tem­po em que corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à in­solvência. Fraude à execução caracterizada. Prova da insolvência. Hi­pótese que se presume em razão da não-nomeação de bens à penhora. Embargos improcedentes. Recurso provido.

Considera-se em fraude à execução, a alienação de bem realiza­da ao tempo em que corria contra o devedor demanda capaz de redu­zi-lo à insolvência.

A possibilidade de execução levar o devedor à insolvência, mes­mo que não demonstrada objetivamente, é presumida, diante da inexistência de nomeação de bens à penhora."

O recurso especial da vencida aponta violação aos arts. 300, 302, 333 e 593, II, CPC, ao argumento de que não restou demonstrada a alegada frau­de, aduzindo ser indispensável a prova da insolvência, e não apenas a pre­sunção.

Sem as contra-razões, foi o recurso inadmitido, subindo os autos a esta Corte em razão do provimento de agravo.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Relator): 1. A jurispru­dência deste Tribunal tem entendimento firme no sentido de que a carac­terização da fraude de execução prevista no inciso segundo (II) do art. 593, ressalvadas as hipóteses de constrição legal, reclama a ocorrência de uma ação em curso (seja executiva, seja condenatória), com citação válida, e o estado de insolvência a que, em virtude da alienação ou oneração, teria sido conduzido o devedor. A respeito, confira-se o REsp n. 202.084-PR (DJ de 21.8.2000), com esta ementa:

"Fraude de execução. Citação. CPC, art. 593, II.

A alienação de bens não penhorados configura fraude de execução quando, além de acarretar a insolvência do devedor, já exista ação em curso. Para que se tenha como atendido esse último requisito neces­sário haja ocorrido a citação."

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 487

Ademais, ao contrário do que sustenta a Recorrente, não se exige a demonstração do intuito de fraudar - circunstância de que não se cogita em se tratando de fraude de execução, mas, apenas, em fraude contra credores,

que reclama ação própria (revocatória/pauliana).

2. A insolvência (de direito ou mesmo apenas de fato), de seu lado,

não depende de demonstração em ocorrendo alienações ou onerações de bens sob constrição (penhora, arresto ou seqüestro). Todavia, em inocorrendo tal hipótese, impõe-se a demonstração, como assinalei em sede doutrinária (RT 60917, RF 293/3):

"Na alienação ou oneração de bem sob constrição (penhora, ar­resto ou seqüestro), não se indaga a insolvência, que aí é dispensável. Se, porém, a constrição ainda não se efetivou, mesmo que tenha havido citação, a insolvência é pressuposto, incidindo aí a hipótese do art. 593,I!."

A propósito, desta Quarta Turma, entre outros, os REsps n. 20.778-SP e 61.472-SP.

E a insolvência deve ser considerada à época do negócio, consoante

decidido no REsp n. 222.709-SP (DJ de 19.6.2000), assim ementado:

"Não havendo comprovação da insolvência, à época do negócio, não há que se falar em fraude."

Aduza-se, ainda, que a prova da insolvência é suficiente com a demons­tração da inexistência de outros bens do devedor passíveis de penhora.

3. In casu, o acórdão impugnado afirmou que a citação ocorrera na mesma data da alienação, além de que não restou demonstrada a existên­

cia de outros bens do devedor. A presença desses requisitos já se mostra su­ficiente à caracterização da fraude.

4. À vista do exposto, não conheço do recurso.

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