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" COMPENDIO DE PSI UIATRIA Ciências do Comportamento e Psiquiatria Clínica HAROLD I. KAPLAN BENJAMIN J. SADOCK JACK A. GREBB edição

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Page 1: Kaplan Normalidade

" COMPENDIO DE PSI UIATRIA Ciências do Comportamento

e Psiquiatria Clínica

HAROLD I. KAPLAN BENJAMIN J. SADOCK

JACK A. GREBB

7ª edição

Page 2: Kaplan Normalidade

NORMALIDADE EM PSIQUIATRIA

Há muito os psiquiatras esforçam-se para definir saúde mental e normalidade. Entende-se, implicitamente, que a saúde mental po­deria ser definida como o oposto da doença mental. Com este pressu­posto, a ausência de uma psicopatologiagrosseira era freqüentemente identificada com um compo1tamento normal. Várias tendências re­centes lançaram dúvidas sobre a praticidade desta fonnulação e tor­naram imperioso que os psiquiatras oferecessem conceitos e defini­ções mais precisos de saúde mental e nonnalidade.

Os muitos conceitos teóricos e clínicos de nonnalidade pare­cem encaixar-se em quatro perspectivas funcionais. Embora cada uma seja singular e tenha sua própria definição e descrição, as perspecti­vas complementam umas às outras e, juntas, representam a totalidade dos enfoques das ciências comportamentais e sociais para a nonnali­dade. As quatro perspectivas de nonnalidade, formuladas por Daniel OITer e Melvin Sabshin, são: nonnalidade como saúde, normalidade como utopia, nonnalidade como a média, e normalidade como pro­cesso.

Normal idade como Saúde

A primeira perspectiva consiste, basicamente, do enfoque mé­dico-psiquiátrico tradicional da saúde e da doença. A maioria dos médicos iguala nonnalidade com saúde, vendo a saúde como um fe­nômeno praticamente universal. O comportamento, supostamente, si­tua-se dentro dos limites nonnais, quando nenhuma psicopatologia manifesta está presente. Se o comportamento fosse colocado em uma escala, a normalidade abrangeria a maior porção do cvntinuum, e a anonnalidade seria a porção menor restante.

Esta definição de nonnalidade correlaciona-se com o modelo médico tradicional, que tenta livrar seu paciente de sinais e sintomas amplamente observáveis, sendo a falta de sinais ou sintomas um indi­cador de saúde. Em outras palavras, a saúde, neste contexto, refere-se a um estado razoável, em vez de ótimo, de funcionamento.

Normalidade como Utopia

A segunda perspectiva concebe a nonnalidade como uma mes­cla harmoniosa e ótima dos diversos elementos do aparato mentaL culminando em um funcionamento ótimo. Esta defi.n ição emerge, com clareza, quando os psiquiatras ou psicanalistas falam sobre a pessoa ideal ou quando discutem seus critérios quanto a wn tratamento efi­caz. Este enfoque pode ser diretamente creditado a Freud que, ao discutir a no1malidade, declarou: ''Um ego normal é como a normali­dadeem geral, uma ficção ideal".

Normalidade como a Média

A terceira perspectiva é comwnente empregada nos estudos nonnativos do comportamento, e está baseada no princípio matemáti­co da curva senoidal Este enfoque encara a faixa intennediária do cuntinuum como normal e ambos os extremos como desvios do nor­mal. O enfoque normativo baseado neste princípio estatístico descre­ve cada pessoa em tennos de wna avaliação geral e um escore total. A variabil idade é descrita, apenas, dentro do contexto de gmpos totais, não dentro do contexto de um indivíduo.

Embora este enfoque seja usado com maior freqüência na Psi­cologia e Biologia do que na Psiquiatria, os psiquiatras atualmente usam testes estandardizados de personalidade, real izados com lápis e

papel, em wna proporção muito maior do que no passado. Este mode­lo pressupõe que as tipologias do caráter possam ser medidas estatis­ticamente.

Normalidade como Processo

A quarta perspectiva enfatiza que o comportamento nonnal é o resultado final de sistemas que interagem entre si. Com base nesta definição, as alterações temporais são essenciais para uma definição completa de normalidade. Em outras palavras, a perspectiva da nor­malidade como processo salienta as mudanças ou processos. em vez de uma definição transversal de normalidade.

Os estudiosos que adotam este enfoque podem ser encontrados em todas as ciências comportamentais e sociais. O conceito mais típi­co desta perspectiva é o da epigênese do desenvolvimento da persona­lidade de Erikson com seus oito estágios evolutivos essenciais para a conquista de um funcionamento adulto maduro.

Outros Parâmetros de Normalidade

Observa-se, atualmente, um aumento dos esforços para o de­senvolvimento de pesquisas empíricas na área da normalidade. Junta­mente com um envolvimento crescente para ligarem nonnalidade e processo sociaL os psicanalistas continuam interessados em elucidar as vicissitudes da psicopatologia nonnal da vida cotidiana. Os psica­nalistas demonstram um interesse cada vez maior pela adaptação nor­mal ao ambiente social. A Tabela 2. I -1 resume os conceitos psicana­líticos de nonnalidade.

O psicanalista Heinz Hartmam1 expandiu o conceito do ego, definido por Freud como o mediador entre o id c o mundo externo, sendo a principal função do ego a de manter uma relação com o mun­do externo - isto é. ajudar o organismo a testar e se adaptar à realida­de. Hartmann descreveu funções autônomas do ego, presentes ao nas­cer e livres de conflito- isto é, não influenciadas pelo mundo psíqUJ­l:O intt!mo. Elas incluem percepção, intuição, compreensão, pensa­mento, linguagem, certos aspectos do desenvolvimento motor, apren­dizagem e inteligência.

O conceito de funções egóicas autônomas e livres de conflito intensificou a exploração clínica dos mecanismos pelos quais algu­mas pessoas levam vidas relativamente normais, apesar de vivenciarem traumas externos extraordinários. Ao discutir o ambiente médio que se pode esperar, Hartmann ofereceu uma moldura a partir da qual a moldagem da estmtura do caráter em contextos específicos pode ser facilmente compreendida.

O trabalho de Erikson também serve como uma ponte que liga os estágios evolutivos ao processo social. Seu conceito de crises em estágios específicos da vida oferece uma análise do processo do com­portamento normal e uma análise transversal do comportamento ao longo da vida. Assim, toma-se possível estabelecer modos específicos de adaptação.

Estudos Longitudinais

O entendimento da nonnalidade avançou devido a diversos es­tudos longitudinais. D. Offer eM. Sabshin, por exemplo, estudaram wn grupo de jovens adolescentes durante os anos do curso secundário e identificaram três tipos nonnais de desenvolvimento: crescimento contínuo, crescimento em surtos e crescimento tumultuado. Embora os representantes desses tipos sejam diferentes, eles são colocadas ao longo de um continuum de nonnalidade. Offer e Sabshin fonnularam

O Desenvolvimento Humano ao Longo do Ciclo Vital 33

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Tabela 2.1-1 - Conceitos Psicanalíticos de Normalidade

Teórico

Sigmund Frcud

Kurt Eisslcr

Melanie Klein

Erik Erikson

Laurcncc Kubie

Hcinz Hartman

Karl Menningcr

Alfrcd Adlcr

R. E. Moncy-Kryle

Ono Rank

Características

Nonnalidadc como ficção ideal.

A nonnalidadc absoluta não pode ser atingida, porque a pessoa nonnal deve estar plenamente consciente de seus pensamentos c sentimentos .

A normalidade caracteriza-se por força de caráter, capa­cidade de lidar com emoções conflitantes, capacida­de de sentir prazer sem conflitos c capacidade de amar.

Nonnalidade é a capacidade de dominar os períodos da vida: confiança contra desconfiança, autonomia con­tra dúvida; iniciativa contra culpa; produtividade con­tra i1úerioridadc; identidade contra co•úusão de pa­péis. intimidade contra isolamento; gcncrati,·idade contra estagnação: e integridade do ego contra deses­pero.

Nom1alidadc é a capacidade de aprender pela experiên­cia. de ser flexível e se adaptar a um ambiente mutá,-e]_

Funções cgóicas livres de conflitos representam o po­tencial da pessoa para a nonnalidade: o grau em que o ego consegue adaptar-se à realidade e ser autôno­mo está relacionado à saúde mental.

A nonnalidadc é a capacidade de se ajustar ao mundo c:-.Jcmo com satisfação c de dominar a tarefa da aculturação.

A capacidade da pessoa para desenvolver o sentimento social e ser produtiva está relacionada com a saúde mental; a capacidade para traball1ar amncnta a auto­estima e toma o indivíduo capaz de se adaptar.

Nonnalidade é a capacidade de alcançar insight acerca de si mesmo, o que jamais é completamente realiza­do.

Normalidade é a capacidade de viver sem medo. culpa ou ansiedade. c assmnir a responsabilidade pelas pró­prias ações.

uma definição operacional de nonnalidade que não é absoluta, mas, ao invés disso, descreve uma espécie de população adolescente de classe média. Os critérios que melhor defmem os adolescentes são os seguintes:

1. Ausência quase completa de ampla psicopatologia, defeitos físicos severos e doença mental severa.

2. Domí11io das tarefas evolutivas anteriores sem sérios empecilhos. 3. Capacidade de experimentar um afeto flexível e de resolver seus

conflitos ativamente, com sucesso razoável. 4. Relacionamentos objetais relativamente bons com os pais, irmãos

e grupo de iguais. 5. Sentimento de fazer parte de um ambiente culhtral mais amplo e

de ter consciência de suas normas e valores.

O enfoque evoiutivo também está sendo usado por Vaillant e outros para adultos. Estudos da adaptação ao casamento, ao papel de pai/mãe. trabalho e atividades de lazer são a cada dia mais proemi­nentes. Estudos empíricos precisos estão sendo realizados com rela­ção aos problemas de desenvolvimento no período de involução e declínio.

Uma posição controvertida foi assumida por Thomas Szasz, ao acreditar que o conceito de doença mental deveria ser completamente abandonado. Ele também afirma que a normalidade pode ser medida,

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apenas, em tetmos do que as pessoas fazem ou deixam de fazer, e que a normalidade seria, na verdade, um problema éttco.

O desenvolvimento da psiquiatria geriátrica moveu-se em uma direção nonnativa. A orientação focalizada no déficit, dos primeiros estudos da gerontologia, foi substituída, em um grau significativo, por um marco normativo que indaga, "Como as pessoas idosas lidam com as tarefas de adaptação dos seus 60, 70 anos ou mais?".

Desenvolvimento Infantil Normal

O desenvolvimento infantil normal pode ser examinado a partir de numerosas perspectivas. Melvin Lewis descreveu o comportamen­to infantil normal como o que se confom1a às expectativas da maioria. em determinada sociedade e em um determinado momento. De acor­do com Lewis, o comportamento perturbado em uma criança é o que a­maioria dos adultos considera inapropriado em fonna, freqüência ou intensidade. Lewis apontou que os critérios para este julgamento "fre­qüentemente são nebulosos" e diferentes vícios de conceituação en­tram em jogo, confundindo os limites entre o nonnal e o anormal.

Sigmund Freud descreveu cinco estágios psicossexuais do de­senvolvimento infantil - oral, anal, fálico, de latência e genital- . de­rivados da anál ise de adultos com variados tipos de psicopatologia. Com base na observação direta de crianças, outros psicanalistas reelaboraram muitas das teorias freudianas.

Anna Freud delineou aspectos do crescimento e desellvolvimen­to infantil nonnal e interessou-se pela investigação empírica, dirigida ao esclarecimento de como as crianças enfrentam suas tarefas de adap­tação. Ela descreveu estágios evolutivos como o da dependência à independência, da enurese ao controle urinário e do egocentrismo ao companheirismo, que representam o progresso do bebê imaturo à com­plexidade da criança desenvolvida.

Margaret Mahler estudou as relações objetais do mício da in­fância e contribuiu significativamente para a compreensão do desen­volvimento da personalidade. A autora descreveu o processo de sepa­ração-individuação, que tem como resultando o sentimento subjetivo de o indivíduo estar separado do mundo a seu redor. A fase de separa­ção-illdividuação inicia no quarto ou quinto mês de vida e se comple­ta por volta dos 3 anos de idade.

A psicologia evolutiva de Jean Piaget também influenciou o estudo do ciclo vital e mostrava similaridades tanto com a psicanálise quanto com as disciplinas acadêmicas. Ao criar princípios gerais a partir do estudo intensivo de um número relativamente pequeno de crianças, Piaget usou um enfoque semelhante ao da investigação psi­canalítica. Ao concentrar-se no desenvolvimento normal, usando ta­refas estruturadas (por ex., experiências múltiplas com cada criança), ele usou um método científico. Os estágios piagetianos do desenvol­vimento sensório-motor, pensamento pré-operatório, operações con­cretas e operações formais têm sido uma teoria dominante da cogni­ção, e são discutidos em detalhes na Seção 4.1.

Estágios. De acordo com estudiosos como Erikson e Piaget, o bebê cresce em etapas predeterminadas, passando por vários estágios. Nesta concepção epigenética do desenvolvimento, cada estágio pos­sui suas próprias características e necessidades e deve ser administra­do com êxito antes que se tone possível o ingresso no nível seguinte. A seqüência de estágios não é automática, mas depende tanto do de­senvolvimento do sistema nervoso central quanto das experiências de vida. Amplas evidências i11dicam que um ambiente desfavorável pode atrasar alguns dos estágios evolutivos, contudo, uma estimulação ambiental patiiculannente favorável pode acelerar o progresso do in­divíduo através dos estágios.

Em vista dos vários modelos concentuais das fases do desen­volvimento (Tabela 2. 1-2), tomou-se praxe organizar os estágios