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KARL MARX: HISTÓRIA E POLÍTICA
Filosofia da História, FLUL
Ano lectivo 2019-2020
Viriato Soromenho-Marques
(Universidade de Lisboa)
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Índice
O Pensamento histórico-político de
Marx em onze notas críticas:
das suas raízes ao seu balanço
em aberto.
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1.Quais as Raízes do pensamento de Marx?
• O idealismo alemão (Hegel, neo-
hegelianos, Feuerbach).
• O movimento operário organizado de
modo plural (socialismo utópico;
Proudhon, Bákunine, Lassalle.
• Economia política britânica (Adam Smith,
David Ricardo…).
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2. Como organizar as obras de Marx? (1)
• Escritos de juventude sobre temas filosóficos:
>das gegen Max Stirner gerichtete Die deutsche
Ideologie (mit Engels, 1844, MEW 3)
>die kurzen elf Thesen über Feuerbach von 1845
(MEW 3)
>sowie die gegen Proudhon verfasste Streitschrift Das Elend der Philosophie (1847, MEW 4).
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Como organizar as obras de Marx? (2)
• Textos de natureza programática:
Manifest der Kommunistischen Partei [1848] (MEW 4).
Kritik des Gothaer Programms [1875] (MEW 19).
• Textos de natureza económica:
>Zur Kritik der politischen Ökonomie [1859] (MEW 13).
> Das Kapital [1867, 1885, 1894] (MEW, 23-25).
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Como organizar as obras de Marx? (3)
• Textos de conjuntura política e histórica:
>Die Klassenkämpfe in Frankreich 1848 bis 1850
(1850, MEW 7).
>Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte
(1852, MEW 8).
>Der Bürgerkrieg in Frankreich (1871, MEW 17)
über die Pariser Kommune, in der Marx eine Form der Diktatur des Proletariats erkennt.
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3. Hegel: A relação preferencial de Marx (1)
• A questão do”método dialéctico”.
• A diferença entre “modo de
exposição” (Darstellungsweise) e
“modo de investigação”
(Forschungsweise) (MEAW, III, 165).
• Risco de dogmatismo (Lissenko).
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Hegel: A relação preferencial de Marx (2)
a) “A imediaticidade do universal” (die
Unmittelbarkeit des Allgemeines).
b) A “contradição” (Widerspruch): a
dilaceração do universal pela
“determinação” (Bestimmung).
c) A “superação” (Aufhebung): das zeite
Negative; das Negative desNegativen. Hegel, Wissenchafte der Logik, TW, 6
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4. Teses fundamentais do
“materialismo histórico” • 1. A condição humana separa-se da
animalidade pela produção: “Ao
produzirem os seus meios de vida, os
homens produzem indirectamente a sua
vda material” (ME, vol. I, 8).
• 2. A propriedade e o trabalho são
determinadas pelas
“Produktionverhältnisse” (ME, vol. I, 12).
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É a vida que determina a consciência:
3. “A moral, a religião, a metafísica e a restante ideologia, e as formas da consciências que lhes correspondem, não conservam assim por mais tempo a aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento, são os homens que desenvolvem a sua produção material e o seu intercâmbio material que, ao mudarem esta sua realidade, mudam também o seu pensamento e os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência ” (ME, vol. I, 14).
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História e Natureza
4. Unidade da “natureza histórica e da história
natural”: A natureza de Feuerbach só subsiste
nas ilhas de coral australianas….(ME, vol. I,
18).
5. O comunismo: “ O C. não é para nós um
estado de coisas que deva ser estabelecido,
um ideal pelo qual a realidade [terá] de se
regular. Chamamos C. ao movimento real que
supera o actual estado de coisas.” (ME, I, 28).
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5. Tem Marx uma teoria Política? (1)
Henri Lefebvre: teoria política não só “inachevée”, mas “incomplète” (Sociologie de Marx, PUF, 1968).
Não há propriamente uma autonomia da esfera do político em Marx (como em Maquiavel, Hobbes, ou Rawls).
Não há um suporte antropológico para uma teoria política: as relações com Feuerbach e a questão da “Entfremdung”.
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Tem Marx uma teoria Política? (2)
Marx integra a política numa filosofia da história determinada pela combinação entre a economia inglesa e a dialéctica hegeliana.
O papel da política é o da adequação à necessidade histórica da Revolução (quanto muito a sua antecipação).
Na melhor hipótese existe a delimitação estrutural da teoria política.
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6. Quais as teses centrais dessa “delimitação estrutural”? (1)
O primado da economia sobre a “superestrutura” social (ver Oceana, James Harrington, 1659; Max Weber, 1905).
A tese central do proletariado como classe histórico-universal da emancipação humana (luta de classes e “facções” em James Madison; messianismo de E. Bloch).
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Quais as teses centrais dessa “delimitação estrutural”? (2)
Visão teleológica, finalista da história
universal orientada para uma
emancipação universal, definida como fim
da luta de classes e da exploração do
homem pelo homem.
Primado do eurocentrismo em todas as
determinações da “Weltanschauung”
marxiana.
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7. Um exemplo: A dominação britânica da Índia (1)
Ao analisar a política imperial britânica
na Índia, Marx pergunta-se se “pode
a humanidade cumprir o seu destino
[ob die Menschheit ihre Bestimmung
ausfüllen kann] sem uma revolução
fundamental no estádio social da
Ásia?”.
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Um exemplo: A dominação britânica da Índia (2)
• Sendo afirmativa a resposta, então, com
os seus crimes, a Inglaterra foi “o
instrumento inconsciente da história” (das
unbewusste Wekzeug der Geschichte).
• Marx coloca-se sempre “do ponto de vista
da história” (vor der Geschichte).
(New York Daily Tribune, 25 de Junho 1853,
MEOE, Avante, vol.I, 1982: 518)
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8. Algumas variantes históricas do marxismo (1)
• O leninismo: O decisionismo
bolchevique.
• O trotskismo e o guevarismo: A
“revolução permanente” como “spill-
over”.
• O estalinismo; “o socialismo num só
país”.
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Algumas variantes históricas do marxismo (2)
• O revisionismo de Bernstein (o segundo
Lassalle); ganhar o Estado para
socializar a economia.
• O princípio da auto-organização das
massas em conselhos (Rosa
Luxemburgo, Arendt, Hungria 56…).
• A singularidade de Antonio Gramsci.
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9. Gramsci e a Revolução Russa (1)
“A revolução dos bolchevistas determinou-
se mais por ideologias do que por factos
(…) Ela é a revolução contra O Capital de
Karl Marx. O Capital de Marx, na Rússia,
era mais o livro dos burgueses do que dos
proletários. Era a demonstração crítica da
fatal necessidade que na Rússia se
formasse uma burguesia (…)” continua
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Gramsci e a Revolução Russa (2)
• “ (…) se iniciasse uma era capitalista, se
instaurasse uma civilização de tipo
ocidental antes que o proletariado
pudesse sequer pensar na sua desforra
(…) na sua revolução.”
Publicado em Novembro de 1917
Antonio Gramsci, Escritos Políticos I,
Lisboa, seara Nova, 1976, 161-2.
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10. Três malogros de perspectiva em Marx e Engels (1)
• “A revolução comunista não será, portanto, uma revolução simplesmente nacional [keine bloss nationale] ; será uma revolução, que se realizará simultaneamente em todos os países civilizados, i.e., pelo menos na Inglaterra, na América, em França e na Alemanha.”
F. Engels, Grundsätze des Kommunismus, MEAW, I, 349.
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Três malogros de perspectiva em Marx e Engels (2)
• A revolução operária e socialista na
Europa e América antecederia, em
muito, a emancipação dos povos
colonizados. Engels chega a pensar
numa “administração operária”, por
um período transitório das antigas
colónias.
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Três malogros de perspectiva em Marx e Engels (3)
• Na Rússia (para já não falar da China)
a prioridade seria o desenvolvimento do
capitalismo, devido ao carácter
“atrasado” da sua economia e estrutura
de classes.
F. Engels, Soziales aus Russland, MEAW,
IV: 373. O próprio Lénine partilharia
muito tempo essa visão.
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Três malogros de perspectiva em Marx e Engels (4)
• 1) Os países civilizados continuam
capitalistas.
• 2) As colónias não precisaram de
administração operária.
• 3) As ideias de Marx foram levadas à
prática em países fortemente
ruralizados e na periferia (Rússia) e
ultraperiferia do Ocidente (China).
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11. Balanço de Marx (1)
• Não percebeu plenamente a autonomia da
política: As Revoluções Russa (1917) e
Chinesa (1949) são o exemplo dessa
“autonomia” contra o Das Kapital.
• A falta dessa percepção fê-lo ignorar o
potencial de despotismo e de idolatria do
Estado que se escondia sob a fase
transitória da “ditadura do proletariado”.
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Balanço de Marx (2)
• Ignorou a necessidade de moldar a teoria do
Estado em função de uma antropologia da
prudência e não de uma teodiceia
secularizada.
• Partilhava, apesar da crítica da “alienação”, a
visão “produtivista” do “homo oeconomicus”
como “tipo ideal” da economia política
(desprezo pelo «lumpenproletariado e pelo
especulador financeiro).
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Balanço de Marx (3)
• Antecipou o fim do capitalismo mais como um processo entrópico do que como um “colapso”, impelido, como via Rosa Luxemburgo, pela sua força propagandística: “O capitalismo é a primeira forma económica dotada de força propagandística (Der Kapitalismus ist die erste Wirtschaftsform mit propagandistischer Kraft), Rosa Luxemburg, Die Akkumulation des Kapitals. Ein Beitrag zur ökonomischen Erklärung des Imperialismus, 1913.
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Balanço de Marx (4)
• Foi um dos primeiros pensadores da
globalização e da necessidade de governação
mundial: daí a sua firme oposição o
nacionalismo e a sua interpretação da “classe
social” como um factor de cosmopolitismo.
• Os perigos de guerra europeia foram as notas
mais sombrias no seu optimismo histórico. Carta
a Bebel 16 de Dezembro 1879: uma guerra
geral europeia atrasará revolução social 20
anos.
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Balanço de Marx (5)
• Via o capitalismo como uma força
revolucionária, como uma “máquina de
civilização”, de europeização do mundo.
• No final da sua vida Engels entreviu a
teoria da “determinação económica em
última instância”, que abre a obra de Marx
para interpretações mais subtis:
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Balanço de Marx (6)
• “O desenvolvimento político, jurídico,
filosófico, religioso, literário, artístico,
etc., repousa sobre o
desenvolvimento económico. Mas
eles agem, igualmente, uns sobre os
outros, assim como sobre a base
económica.
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Balanço de Marx (7)
“(…) Não sucede que a situação económica
é a causa, a única activa, e que tudo o
mais é somente acção passiva. Mas
existe acção recíproca [Wechselwirkung]
sobre a base da necessidade económica,
que domina em última instância.”
Engels, carta a B. Borgius, de 25 Janeiro
1894, VI, 606.
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Balanço de Marx (8)
• Viveu dominado por um postulado optimista, não percebendo a possibilidade intrínseca de autodestruição que poderia tornar-se em «fim [físico] da história»:
“(…) A humanidade só se coloca tarefas que está em condições de solucionar…”
([…] stellt sich die Menschheit nur Aufgaben, die sie lösen kann…)
Karl Marx, “Vorwort Zur Kritik der politischen Ökonomie [1859]“, Marx-Engels Gesamtausgabe (MEGA), ed. Günter Heyden und Anatoli
Jegorow, Berlin, Dietz Verlag, 1980, vol. II/2, p. 101.
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