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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Fortaleza CE – 29/06 a 01/07/2017 1 Lambe-lambe: a arte da intervenção urbana 1 Lorrayne Barbara Ferreira do NASCIMENTO 2 George André Pereira de SOUZA 3 Julianna Nascimento TOREZANI 4 Faculdade dos Guararapes, Jaboatão dos Guararapes, PE RESUMO O artigo busca apresentar o lambe-lambe como elemento de arte urbana, em especial vai analisar uma obra da artista Joana Liberal. O Lambe-lambe desenvolveu-se no século XXI inspirado na técnica dos fotógrafos ambulantes para produção de textos e imagens com o intuito de tornar visível a opinião acerca de algum assunto ou anunciar eventos. A análise deste tema foi desenvolvida através da pesquisa bibliográfica e documental, tendo como eixo principal as teorias da comunicação dos Estudos Culturais e da Escola Latino Americana através das ideias de Stuart Hall, Néstor García Canclini e Jesús Martín-Barbero. PALAVRAS-CHAVE: Arte urbana; Estudos Culturais; Hibridismo; Identidade; Lambe-lambe. Considerações Iniciais O lambe-lambe é um tipo de arte urbana que se dispõe tanto como um movimento de linha crítica propondo uma reflexão contrária à alguma atitude, desigualdade ou norma social ou simplesmente como forma de expressão do artista que o cria, usando do espaço crítico para expor suas obras. Historicamente, o lambe-lambe ganha esse nome no século XXI, inspirado nos fotógrafos ambulantes, que expunham suas fotos coladas na câmera. Sua produção é fácil, acessível e criativa; o processo se dá desde a escolha da folha de jornal, que vai ser o suporte utilizado como folha do cartaz, à criação da arte, textos e imagens de inspiração do artista, até a preparação da cola e a escolha da parede para a exposição. 1 Trabalho apresentado no IJ 7 – Comunicação, Espaço e Cidadania do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, realizado de 29 de junho a 1 de julho de 2017. 2 Estudante de graduação, 4º. semestre do Curso de Rádio e TV da Faculdade dos Guararapes, email: [email protected] 3 Estudante de graduação, 4º. semestre do Curso de Rádio e TV da Faculdade dos Guararapes, email: [email protected] 4 Orientadora do trabalho. Doutoranda em Comunicação pela UFPE. Mestre em Cultura e Turismo e Bacharel em Rádio e TV pela UESC. Sócia da Intercom. Professor do Curso de Rádio e TV da Faculdade dos Guararapes, email: [email protected]

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Lambe-lambe: a arte da intervenção urbana1

Lorrayne Barbara Ferreira do NASCIMENTO2 George André Pereira de SOUZA3 Julianna Nascimento TOREZANI4

Faculdade dos Guararapes, Jaboatão dos Guararapes, PE

RESUMO

O artigo busca apresentar o lambe-lambe como elemento de arte urbana, em especial vai analisar uma obra da artista Joana Liberal. O Lambe-lambe desenvolveu-se no século XXI inspirado na técnica dos fotógrafos ambulantes para produção de textos e imagens com o intuito de tornar visível a opinião acerca de algum assunto ou anunciar eventos. A análise deste tema foi desenvolvida através da pesquisa bibliográfica e documental, tendo como eixo principal as teorias da comunicação dos Estudos Culturais e da Escola Latino Americana através das ideias de Stuart Hall, Néstor García Canclini e Jesús Martín-Barbero.

PALAVRAS-CHAVE: Arte urbana; Estudos Culturais; Hibridismo; Identidade; Lambe-lambe.

Considerações Iniciais

O lambe-lambe é um tipo de arte urbana que se dispõe tanto como um

movimento de linha crítica propondo uma reflexão contrária à alguma atitude,

desigualdade ou norma social ou simplesmente como forma de expressão do artista que

o cria, usando do espaço crítico para expor suas obras.

Historicamente, o lambe-lambe ganha esse nome no século XXI, inspirado nos

fotógrafos ambulantes, que expunham suas fotos coladas na câmera. Sua produção é

fácil, acessível e criativa; o processo se dá desde a escolha da folha de jornal, que vai

ser o suporte utilizado como folha do cartaz, à criação da arte, textos e imagens de

inspiração do artista, até a preparação da cola e a escolha da parede para a exposição.

1 Trabalho apresentado no IJ 7 – Comunicação, Espaço e Cidadania do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, realizado de 29 de junho a 1 de julho de 2017. 2 Estudante de graduação, 4º. semestre do Curso de Rádio e TV da Faculdade dos Guararapes, email: [email protected] 3 Estudante de graduação, 4º. semestre do Curso de Rádio e TV da Faculdade dos Guararapes, email: [email protected] 4 Orientadora do trabalho. Doutoranda em Comunicação pela UFPE. Mestre em Cultura e Turismo e Bacharel em Rádio e TV pela UESC. Sócia da Intercom. Professor do Curso de Rádio e TV da Faculdade dos Guararapes, email: [email protected]

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É um tipo de arte de livre acesso a todos os níveis sociais, que representam a arte

do próprio povo em seu contexto urbano, expondo sua marginalidade, repressão,

preconceito e discriminação. As paredes repletas de lambes nos centros urbanos, se

tornam museus à céu aberto, a arte se torna ao alcance de toda a cidade.

Desta forma, o objetivo deste artigo é apresentar este tipo de arte urbana que é o

lambe-lambe e analisar uma obra a partir das teorias da comunicação, em especial, os

Estudos Culturais e a Escola Latino Americana. Para tanto serão utilizados os conceitos

de representação e identidade de Stuart Hall (1999; 2016), hibridismo,

descolecionamento e desterritorialização de Néstor García Canclini (2003) e

globalização, mundialização e comunicação de Jesús Martín-Barbero (2004). A imagem

escolhida como objeto de análise é o lambe-lambe de Joana Liberal, que é composta da

frase “O futuro é feminino” que receberá uma abordagem bibliográfica e documental.

Criação histórica do lambe-lambe

A arte urbana se tornou um elemento de composição das grandes cidades,

grafites, stickers5 e lambe-lambes são intervenções de diversas abordagens que, ao

percorrerem estes locais, buscam evidenciar as relações causais das transformações do

espaço social. O gênero vai além de uma concepção de arte, são ferramentas de

comunicação, utilizado por grupos geralmente de minorias. É acessível a qualquer nível

social, por possuir um caráter ideológico e um baixo custo de produção se espalhou

pelas periferias.

Apesar da singularidade entre cartaz, pôster e lambe-lambe, hoje existe

diferenciação entre os termos, pois para cada um deles é atribuído um sentido diferente.

O cartaz possui valor funcional e comercial e está relacionado à propagação de uma

ideia, um produto ou um serviço, disputa os espaços urbanos com os lambes. O pôster

tem valor estético, decorativo e em geral é colocado em espaços privados. O lambe-

lambe, cujo nome surgiu no século XXI, tem no cartaz o seu precursor, mas sua função

o diferencia deste, pois está relacionado a um movimento com viés crítico e propõe uma

ideia ou reflexão contrária à alguma conduta social ou desigualdade, ou simplesmente é

resultado do trabalho de artistas e grupos de artistas que ocupam o espaço público com

5 Tipo de arte urbana que utiliza etiquetas adesivas, uma manifestação da arte pós-moderna popularizada nos anos 1990 por grupos urbanos ligados à cultura alternativa.

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o objetivo de espalhar suas criações. De acordo com o produtor audiovisual Diego

Oliveira: A prática de colar cartazes é antiga. Os mais diversos estilos e formatos, produzidos e reproduzidos com múltiplos objetivos, disseminaram intenções e ideias no espaço geográfico que constituem parte da história mundial. A transformação dos cartazes associa-se à tecnologia, à estética e ao pensamento de cada época. Existe hoje diferenciação entre os termos cartaz, pôster e lambe-lambe (ressignificação do cartaz), pois a cada um deles é atribuído um sentido diferente (OLIVEIRA, 2015, p. 7).

O lambe-lambe nada mais é do que um pôster que se tornou uma expressão

artística e política, colado nas ruas dos centros urbanos, inspirado nos cartazes e no

fotógrafo ambulante, sempre tentando passar mensagens. Geralmente é feito em papéis

finos, como jornal ou papel croqui (papel manteiga). As temáticas, formas e estilos são

as mais variadas, de simples cartazes com textos impressos até outras criações artísticas

mais elaboradas, porém todos, por mais simples que sejam e mesmo sem a intenção

consciente do artista, estão ligados à uma visão política, pois as artes de rua possuem

um pressuposto de ocupação dos espaços urbanos das cidades.

O nome vem dos fotógrafos ambulantes que eram conhecidos por fotógrafos

lambe-lambe, isso porque ao exercerem suas funções nas ruas e sempre com montagens

fotográficas em cartazes e nas próprias câmeras para divulgar. O nome remete a ação de

colagem das artes, processo este realizado com cola látex. Se pensarmos no lambe-

lambe como só um novo nome para algo antigo, podemos retornar a um grande período

na história da arte. Saint-Flour, de 1454, considerado o primeiro cartaz criado dentro da

época do Renascimento. “O cartaz era feito em manuscrito e não tinha imagens, devido

à limitação técnica desse tipo de reprodução, que não permitia impressão colorida e com

formas” (OLIVEIRA, 2015, p. 7).

Mas os estilos artísticos dos cartazes tornam-se mais expressivos com a

impressão litográfica, tecnologia responsável pelo florescimento e pela difusão dos

cartazes impressos em diversas partes do mundo. Assim, o caráter reprodutivo desse

tipo de impressão tornou os cartazes objetos de mídia, que passaram a ser utilizados por

mercados e governos, atraídos pela possibilidade de produzi-los em larga escala. Isto

porque, dessa forma, os cartazes teriam maior poder de alcance. No século XIX, o

artista Jules Chéret (1836-1936) introduz o uso do cartaz como ferramenta publicitária

com grande qualidade artística, esta utilização publicitária foi que levou as obras para

rua, dentro destes usos como propagada, podemos apontar o seu uso durante a Primeira

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Grande Guerra (1914- 1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em ambas tanto

os americanos como os alemães se utilizaram dos cartazes para propagação de seus

ideais. Nos países da América Latina, durante as ditaduras militares, na segunda metade

do século XX, o cartaz foi muito utilizado como forma de expressão contra a repressão

dos governos totalitários.

Estudos Culturais e Teoria Latino Americana

Os Estudos Culturais surgiram na Inglaterra nos anos 1960, especialmente na

Universidade de Birmingham, quando foi criado o Centro de Estudos Culturais

Contemporâneos, em 1964, por Richard Hoggarts. Este centro tinha como objeto de

estudo a cultura popular e a cultura de massa, buscando uma redefinição do conceito de

cultura. Dentro dessa perspectiva o pesquisador Luís Martino (2009, p. 243) afirma que

“a cultura não era apenas arte, algo para ser admirado ou que se vê nos momentos de

folga, mas todas as práticas que davam a identidade para um grupo – no caso, a classe

trabalhadora”. Neste sentido, é importante observar que todo espaço de cultura é um

espaço político, de posicionamentos e estratégias para expressão de opiniões, sendo

importante o estudo da cultura popular e de massa, como chaves para entender o

cotidiano e as relações sociais contemporâneas.

O pesquisador jamaicano Stuart Hall, um dos grandes nomes dos Estudos

Culturais, construiu diversos conceitos no campo da cultura e na busca de entendimento

do sujeito humano. Na apresentação da obra Cultura e Representação, o professor

Arthur Ituassu (2016, p. 10) afirma que “Stuart Hall obtinha destaque acadêmico se

perguntando como as imagens que vemos constantemente a nossa volta nos ajudam a

entender com funciona o mundo em que vivemos”. Hall escreveu diversos trabalhos

sobre identidade e cultura, apontando caminhos para tentar entender o que é

representação, ligada principalmente a questão da linguagem:

O conceito de representação passou a ocupar um novo e importante lugar no estudo da cultura. Afinal, a representação conecta o sentido e a linguagem à cultura. Mas o que isso quer dizer? O que representação tem a ver com cultura e significado? Um uso corrente do termo afirma que: “Representação significa utilizar a linguagem para, inteligivelmente, expressar algo sobre o mundo ou representá-lo a outras pessoas.” (HALL, 2016, p. 31).

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O ponto chave no que ele chama de “teorias da representação” é como ele

mesmo expressa sobre os “três enfoques para explicar como a representação do sentido

pela linguagem funciona” (HALL, 2016, p. 46). Ele identifica como sendo reflexivo,

intencional e construtivista. No enfoque reflexivo a linguagem reflete o sentido como

ocorre na realidade, há uma relação mimética do que existe no mundo de acordo com

cada cultura. O enfoque intencional, por sua vez, é o oposto do reflexivo, o autor que

atribui sentido, é, portanto, o ponto de vista do criador, mas que deve ser compartilhado

socialmente, afinal é um jogo social, coletivo e dialético. Por fim, há o enfoque

construtivista que tem caráter social, quando a linguagem é construída em conjunto, ou

seja, ela é construída pelos grupos sociais. “São os atores sociais que usam os sistemas

conceituais, o linguístico e outros sistemas representacionais de sua cultura para

construir sentido, para fazer com que o mundo seja compreensível e para comunicar

sobre esse mundo, inteligivelmente, para outros” (HALL, 2016, p. 49).

O outro grande trabalho do autor é o estudo sobre identidade, principalmente a

do sujeito pós-moderno. Identidades modernas estão sendo “descentradas”, isto é,

deslocadas ou fragmentadas. Isso expressa a realidade de nossa sociedade atual, ou seja,

a realidade do sujeito pós-moderno:

[...] conceptualizado como não tendo uma identidade, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 1999, p. 12-13).

Para construir esse conceito ele aponta cincos descentramentos do sujeito pós-

moderno: os estudos sociais marxistas, a psicanálise de Sigmund Freud, os estudos

linguísticos de Ferdinand de Saussure e Michel Foucault e os efeitos dos movimentos

feministas. Em relação ao primeiro fator, tradições do pensamento marxista, que aborda

as questões dos modos de produção, exploração da força de trabalho e os circuitos do

capital, em que a história é construída com base nas condições e recursos culturais que

são dados a cada momento para cada geração. O segundo fator trata da descoberta do

inconsciente por Freud que aponta que os processos psíquicos e simbólicos do

inconsciente formam nossa identidade, trazendo um aspecto de profundo impacto no

pensamento contemporâneo. “Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo

do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência

no momento do nascimento” (HALL, 1999, p. 38).

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O terceiro fator, por sua vez, trata do trabalho do linguista estrutural Ferdinand

de Saussure que afirma que utilizamos a língua para produzir significados a partir das

regras e dos sistemas vinculados a cada cultura, visto que é social e é um elemento a ser

compartilhado de forma dinâmica. O quarto fator advém da obra de Michel Foucault

através da ideia de poder disciplinar para a controle e vigilância do indivíduo em

instituições como escolas, hospitais, prisões e empresas que tende a crias os corpos

dóceis e úteis. O quinto fator, por fim, trata do impacto do feminismo que emergiu

durante os anos 1960 entre outros movimentos sociais em que:

Cada movimento apelava para a identidade social de seus sustentadores. Assim, o feminismo apelava às mulheres, a política sexual aos gays e lésbicas, as lutas raciais aos negros, o movimento antibelicista aos pacifistas, e assim por diante. Isso constitui o nascimento histórico do que veio a ser conhecido como a política de identidade – uma identidade cada movimento (HALL, 1999, p. 45).

Além dos Estudos Culturais, há na América Latina um grupo de pesquisadores

também interessados em estudar a cultura popular. Como o antropólogo argentino

Néstor García Canclini e o filósofo espanhol Jesus Martín-Barbero. Para as professoras

Ana Carolina Temer e Vanda Nery (2012, p. 170), “a proposta da Escola Latino-

Americana é gerar condições para repensar as práticas da comunicação e o papel que os

meios massivos podem e devem desempenhar na formação da consciência política dos

cidadãos”.

Néstor García Canclini (2003) define a expressão “culturas híbridas” ou

“hibridação” por uma sociedade onde há uma quebra de barreiras entre o tradicional e o

moderno, entre o culto e o popular, ou seja, na mistura das diferenças culturais no

mundo contemporâneo entre os novos elementos culturais que são criados. Assim, a

hibridação caracteriza-se por “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas

discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas,

objetos e práticas” (CANCLINI, 2003, p. XIX).

Assim, é na pluralidade que ocorre a hibridização, a fim de apresentar as formas

disseminadas da modernidade, foca em investigar o fenômeno da cultura urbana, que

aponta como razão principal a diversidade cultural. Para Canclini, o mundo está em

constante mudança, que se tornou uma “perturbação de imagens”, por conta disso ele

propõe pensar maneiras que permitam o intercâmbio entre os elementos da tradição e da

modernidade, como o uso da arte como manifestação popular.

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No movimento da cidade, os interesses mercantis cruzam-se com os históricos, estéticos e comunicacionais. As lutas semânticas para neutralizar, perturbar a mensagem dos outros ou mudar seu significado, e subordinar os demais à própria lógica, são encenações dos conflitos entre as forças sociais: entre o mercado, a história, o Estado, a publicidade e a luta popular para sobreviver. Enquanto nos museus os objetos históricos são subtraídos à história, e seu sentido intrínseco é congelado em uma eternidade em que nunca mais acontecerá nada, os monumentos abertos à dinâmica urbana facilitam que a memória interaja com a mudança, que os heróis nacionais se revitalizem graças à propaganda ou ao trânsito: continuam lutando com os movimentos sociais que sobrevivem a eles (CANCLINI, 2003, p. 301).

No regime comunicacional atual há uma mescla de finalidades na criação de

elementos que servem ao campo da cultura e da economia que num intenso processo

hermenêutico opera com diferentes interpretações, fazendo com que as criações

imagéticas e textuais possam estabelecer distintos sentidos. O discurso enquanto poder

se dá dentro de uma perspectiva espaço-temporal, de acordo com o filósofo francês

Michel Foucault (1997, p. 116), “a enunciação é um acontecimento que não se repete;

tem uma singularidade situada e datada que não se pode reduzir”. Portanto, o discurso

opera um posicionamento político, traz a reflexão e se abre a discussão, pode ser pela

oralidade ou expressões imagéticas.

Canclini ao tratar do conceito sobre cultura no espaço urbano, observa a

manifestação artística da massa e a valorização da memória histórica frente a

modernidade, destacando a questão do “descolecionar”:

Essa dificuldade para abranger o que antes totalizávamos sob a fórmula “cultura urbana”, ou com as noções de culto, popular e massivo, levanta um problema: a organização da cultura pode ser explicada por referência a coleções de bens simbólicos? Também a desarticulação do urbano põe em dúvida que os sistemas culturais encontrem sua chave nas relações da população com certo tipo de território e de história que prefigurariam em um sentido peculiar os comportamentos de cada grupo. O passo seguinte desta análise deve ser trabalhar os processo (combinados) de descolecionamento e desterritorialização (CANCLINI, 2003, p. 302).

O descolecionamento dá significação ao fim das produções culturais como

coleção, no intuito de quebrar a divisão entre uma cultura elitista à uma popular ou

massiva. Permitindo que um bem cultural seja mais facilmente criado e distribuído a

todos. Assim, os conceitos de culturas híbridas nos fazem refletir sobre cultura e poder,

assim como, analisar os processos de reconhecimento e interpretação das diversidades.

“Agora essas coleções renovam sua composição e sua hierarquia com as modas,

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entrecruzam-se o tempo todo, e, ainda por cima, cada usuário pode fazer sua própria

coleção” (CANCLINI, 2003, p. 304).

Outro ponto a ser destacado nos estudos de culturas híbridas pelo autor é o

conceito de desterritorialização, que se funda em ter um “olhar de fora” para as coisas

ao redor. Se pensarmos em território como uma área estável, demarcada e organizada,

desterritorializar é então a forma de desorganizar buscando novos horizontes, com uma

percepção diferente. Para Canclini, esse foi um processo fundamental para a

hibridização das culturas e à globalização, porque misturando elementos culturais,

novas características de cada, ganhariam forma.

As hibridações descritas ao longo deste livro nos levam a concluir que hoje todas as culturas são de fronteira. Todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes: o artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram acontecimentos de um povo são intercambiados com outros. Assim as culturas perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento (CANCLINI, 2003, p. 348).

Canclini observa que o processo de desterritorialização está ligado com as

práticas sociais, políticas e econômicas que acionam, sobretudo, através das redes

massivas como grandes mediadoras da reorganização do cenário cultural.

Jesús Martín-Barbero trata da globalização do ponto de vista da cultura e da

comunicação em que pela rede se dá a circulação do capital, a criação das comunidades

virtuais e o encontro de minorias e multidões e como deve ser repensado a categoria de

espaço, como sentido de lugar no mundo, já que é neste que se dá o desenvolvimento da

vida cotidiana. “Estamos diante de novas identidades, de temporalidades menos largas,

mais precárias, mas também mais flexíveis, capazes de amalgamar e de conviver com

ingredientes de universos culturais muito diversos” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.

66).

Neste sentido, aponta que a desterritorialização ocorre a partir de processos

comunicativos que ocorrem no plano virtual e passam para o plano real e os meios de

comunicação são os veículos da mundialização da cultura. Além de abordar o processo

de globalização, Martín-Barbero também evidencia a questão da mundialização,

processo pelo qual potencializa a diferença a partir das trocas culturais e permite a

exposição constante de cada cultura, no entanto afirma que a mundialização ocorre

pelos meios de comunicação de massa, onde circula a cultura na sociedade

contemporânea.

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As relações da cultura com a comunicação têm sido freqüentemente reduzidas ao mero uso instrumental, divulgador e doutrinador. Essa relação desconhece a natureza comunicativa da cultura, isto é, a função constitutiva que a comunicação desempenha na estrutura do processo cultural, pois as culturas vivem enquanto se comunicam umas com as outras e esse comunicar-se comporta um denso e arriscado intercâmbio de símbolos e sentidos. Diante do discurso que vê as culturas tradicionais apenas como algo a ser conservado, cuja autenticidade se encontraria somente no passado e para o qual qualquer intercâmbio aparece como contaminação, é em nome daquilo que em tais culturas tem direito ao futuro que se faz necessário afirmar: não é possível ser fiel a uma cultura sem transformá-la, sem assumir os conflitos que toda comunicação profunda envolve (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 68).

Com a globalização, não ocorre apenas uma homogeneização de elementos no

mundo, mas a mudança no sentido da diversidade, por conta da ampla exposição

cultural. Na América Latina há heterogeneidade, mestiçagens e descontinuidades

culturais dentro da perspectiva das transformações na economia e na tecnologia, mas

também na cultura, em função de novos laços sociais, identidades e discursos.

“Comunicação significará então colocação em comum da experiência criativa,

reconhecimento das diferenças e abertura para o outro” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.

69). O papel do mediador para tratar da diferença cultural é possibilitar que a

comunicação diminua o espaço das exclusões, aumentando o número de criadores, não

meros consumidores. Identidade e Hibridismo no Lambe

A imagem analisada neste artigo, da artista Joana Liberal, “O futuro é feminino”,

deixa bem clara sua mensagem através do título, ela é claramente um manifesto

feminista. Todos os signos que lhe compõem, palavras e imagem, se encaixam

perfeitamente, transformado toda a obra em um grande texto. Sim texto, assim com as

palavras presentes, as imagem também compõem um linguagem, pois com nos apontou

Stuart Hall:

O sistema escrito e o sistema falado de uma língua em particular são ambos, obviamente, considerados “linguagens”. Mas igualmente o são as imagens visuais, sejam elas produzidas pela via manual, mecânica, eletrônica, digital ou por outros meios, quando usadas para expressar sentido (HALL, 2016, p. 37).

Tomado esta ideia de Hall, podemos indicar os seguintes pontos sobre a obra: o

nome é de suma importância para compreensão e construção da imagem; à cabeça do

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homem na extrema esquerda da imagem, se ligamos ao texto, representa o passado já

que o texto nos fala que o futuro é feminino; as rugas no rosto do personagem

masculino; a visão do que seria seus pensamentos para o lugar da mulher, remete a

visão machista totalmente ligada ao passado. Voltado ao texto presente na obra, se

destrinchamos, veremos o que Hall chamou de Abordagem reflexiva no sentido pela

linguagem, “o sentido como repousando nos objetos, pessoas, idéia ou evento no mundo

real, e a linguagem funciona como um espelho, para refletir o sentido verdadeiro com

ele já existe no mundo” (HALL, 2016, p. 47).

Figura 1 – Lambe de Joana Liberal.

Fonte: Dados da pesquisa, 2017.

Voltando à ideia da imagem como um manifesto feminista, trazemos as questões

que Hall aponta no quinto desentramento da identidade do sujeito pós-moderno. “Ele

questionou a clássica distinção entro p ‘dentro’ e o ‘fora’, o ‘privado’ e ‘público’. O

slogan do feminismo era: ‘o pessoal é político’” (HALL, 1999, p. 45). A cozinha na

cabeça como lugar na cabeça do homem nos remete a ideia do o “privado” e “público”,

pois a mulher era vista como algo privado que deverá ter autonomia no público, o

feminismo é que faz este jogo virar. Quanto à gestão “o pessoal é político” podemos

apontar que o homem na imagem pode ser uma representação do político Eduardo

Cunha, que como todo conservador se colocar contra as mudanças do “futuro

feminino”.

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Na análise da parte imagética percebe-se no canto esquerdo da imagem a grande

cabeça de um homem com feição de aparente demência, sua cabeça está aberta na parte

superior e no lugar do cérebro vê-se o espaço de uma cozinha, enquanto uma mulher,

escalando essa cabeça, desce. Seguindo a imagem, também vemos várias mulheres

caminhando juntas na direção oposta, em sinônimo de manifesto. Para a criadora do

lambe, a artista Joana Liberal:

O lambe é uma ótima estratégia de crítica e reflexão. Nada melhor que a rua pra se debater e deixar aquela inquietação pra se pensar melhor sobre qualquer que seja o assunto. Foi o meu primeiro lambe, e pretendo fazer mais! Eu estudo nos meus trabalhos questões das vivências femininas, identidade e sexualidade. Nesse desenho eu quis colocar Cunha com seu engessamento machista e uma mulher saindo desse cenário pra rua, indo à luta! Quis mostrar que não estamos sozinhas e que juntas somos um corpo em grande potencial6.

Dentro da ideia da imagem com representação do mundo e apoiado no que o

autor chama de teoria da representação, observamos na imagem uma abordagem

intencional que “defende que é o interlocutor, o autor, quem impõe seu único sentido no

mundo, pela linguagem” (HALL, 2016, p. 48). Impor o sentido é algo que está presente

em qualquer lambe, seja ele voltado para o âmbito político e/ou artístico, como é o caso

da presente obra analisada, ou simplesmente é uma imposição de alguma ideia artística.

Néstor García Canclini aborda os conceitos de hibridização cultural, como um

processo em que estruturas que já existiam separadas se combinam para gerar novas

estruturas. A ideia do lambe-lambe como arte urbana se encaixa em dois processos

culturais: descolecionamento e desterritorialização. O primeiro é o fato da sociedade

pós-moderna apresentar uma recusa quanto à produções culturais colecionáveis, fazendo

com que se quebre uma barreira existente no que se distingue como culto e popular, e

sim, a formação cultural se dá por todo o bem que o ser possui, mesmo que esse produto

seja tradicional ou não, seja massivo ou não. E quanto à desterritorialização, é essa

entrada e saída da modernidade, agregando características de diferentes culturas,

acarretando um produto de acesso comum entre o erudito e o corrente.

Nesse sentido de intensificação da heterogeneidade cultural, contendo as formas

dispersas da realidade, vemos o lambe-lambe como objeto não colecionável. A arte fica

exposta nas ruas, sendo do público para o próprio público, até o cartaz ser arrancado. “A

interação dos monumentos com mensagens publicitárias e políticas situa em redes

6 Depoimento de Joana Liberal em 24 de abril de 2017.

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heteróclitas a organização da memória e da ordem visual” (CANCLINI, 2003, p. 304).

Como forma de intervenção, ele se mostra diante do ambiente urbano, salientando os

próprios problemas vigentes; e nos muros chama a atenção de alguns, por outros passa

despercebido, até ser retirado. Também, a construção do lambe, traz a noção do

preconceito à arte massiva e popular, pois não sendo consideradas cultas, “elitizadas”,

essas coleções se perdem e com elas, as referências semânticas e históricas que lhes dão

sentido.

A agonia das coleções é o sintoma mais claro de como se desvanecem as classificações que distinguiam o culto do popular e ambos do massivo. As culturas já não se agrupam em grupos fixos e estáveis e portanto desaparece a possibilidade de ser culto conhecendo o repertório das “grandes obras”, ou ser popular porque se domina o sentido dos objetos e mensagens produzidos por uma comunidade mais ou menos fechada (uma etnia, um bairro, uma classe). (CANCLINI, 2003, p. 304).

Fazendo uma análise à arte de Joana Liberal, “O futuro é feminino”, percebe-se

a referência híbrida, no caso a conexão que a imagem traz entre uma “tradição”, no

sentido de um pensamento conservador, quando ela traz a imagem da cabeça de

Eduardo Cunha, com um pensamento machista, quando demonstra a imagem de uma

cozinha, insinuando que a mulher foi feita para o lar, enquanto complementa com a

modernidade, quando faz na obra uma passeata de mulheres, enquanto uma escala

aquela cabeça, se negando a viver naquele ideal de pensamento para se juntar com as

outras em busca de seus direitos.

Soma-se à uma interação com as ideias de machismo, e como isso é visto

historicamente, assim como ainda é tão presente na contemporaneidade, em contraponto

ao contexto das ondas revolucionárias feministas que ganham visibilidade e poder ao

longo do tempo e o quanto tem ganhado força na última década.

Quanto ao direcionamento do conceito de desterritorialização, pode-se pensar na

questão de hibridismo; como a arte se volta à ligar as diferentes classes em uma única

exposição à céu aberto, exibindo obras de intervenção urbana. O lambe-lambe se

concerne como prática artística híbrida, que abandona o conceito de coleção; faz um

cruzamento entre o visual e o literário, aproxima o artesanal à circulação em massa.

Assim, como declara o modo de vida e pensamento de um grupo, geralmente

marginalizado, que não dispõem dos recursos midiáticos para se expressarem.

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De acordo com o que apontou Jesús Martín-Barbero, o local, enquanto espaço

das cidades, possui sentido pelas construções humanas, numa dinâmica de exposição

das questões culturais, em que a mundialização da cultura permite reconfigurar a

cidadania, desse modo as metropóles tem características de vários lugares em relação

aos valores, línguas, religiões, etnias, com novos modos de participação social e

política, nestas práticas comunicacionais surge o lambe como expressão política e/ou

artística.

Comunicar é tornar possível que homens reconheçam outros homens em um duplo sentido: reconheçam seu direito a viver e a pensar diferente, e reconheçam a si mesmos nessa diferença, ou seja, que estejam dispostos a lutar a todo momento pela defesa dos direitos dos outros, já que nesses mesmos direitos estão contidos os próprios (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 70-71).

As cidades são desbordadas pelo crescimento dos fluxos informáticos e a

comunicação deve ser um campo de direitos: direito à participação, pela intervenção nas

decisões que afetam à vida, para o interesse comum predomine sobre o mercantil;

direito à expressão, para tratar da diversidade cultural dos lugares. Deste modo, o lambe

se coloca como esse instrumento de defesa de direitos de participação e expressão.

Considerações Finais

Quando pensamos em arte urbana, toda construção e produção das obras que a

compõem, nos remete a ideia de identidade e representação de um povo. O artigo tem

por finalidade analisar um lambe, e, por meio disso, fazer uma relação com uma

temática de cunho social e cultural, dar ênfase ao conceito de arte urbana, analisando

sob um referencial que abordasse conceitos de hibridização cultural, descolonização e

desterritorialização, dentro do contexto de globalização do mundo pós-moderno.

Trazer como descrição uma imagem que tenha uma abordagem feminista, que

faça uma crítica ao conservadorismo ainda tão forte atualmente, em contrapartida à uma

revolução feminina tão presente, tem grande importância sob o sujeito pós-moderno,

enaltecendo sua cultura como forma de representação e identidade.

O lambe-lambe como arte de intervenção urbana apresenta-se como objeto de

estudo diante de um cenário social massivo destacando em suas artes os problemas tão

marginalizados. De modo acessível e fácil, essa arte liga o culto ao popular, trazendo

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uma bagagem histórica e conceitual o estudo apresenta um grande conhecimento diante

do tema abordado.

Estudar cultura é, além de uma ideia antropológica e social, conhecer os

processos de formação do ser humano é entender sua importância do processo de

aprendizagem e realidade das pessoas em sociedade e consigo mesmo. Usando os

Estudos Culturais como objeto de análise é entender o quanto esse conceito influencia e

se constrói diante das relações sociais.

Para Jesús Martín-Barbero (2004, p. 61), o reconhecimento e a valorização das

diferenças culturais tradicionais, como em questões de etnia e raça, ou mesmo dessas

distintas culturas modernas, como trata de gênero ou de sexualidade “passa sem dúvida

pelo plano dos direitos e das leis, porém eles só se realizam no reconhecimento

cotidiano dos direitos e no respeito dos indivíduos que encarnam essas culturas”. Na

relação da comunicação e cultura é importante notar o efeito comunicacional que o

lambe apresenta como elemento de revolução nas tecnologias comunicativas, de

renovação educacional, de cultura organizacional, de descentralização política, dando

voz a todos que querem enunciar algo, sobretudo quando tratam de questões culturais e

reinvindicações de direitos.

Referências

CANCLINI, Nestor García. Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. Trad. Heloísa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003. (Ensaios Latino-americanos, 1). Título original: Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar y Salir de la Modernidad. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. Título original: L’Archéologie du savoir. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 3 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. Título original: The questiono of cultural identity. HALL, Stuart. Cultura e Representação. 1.ed. Tradução de Daniel Miranda e Wilian Oliveira. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Apicuri, 2016. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Globalização comunicacional e transformação cultural. In: MORAES, Dênis de (org.). Por uma outra comunicação: mídia, mundialização e poder. 2 ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

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MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da Comunicação: ideias, conceitos e métodos. Petropólis, RJ: Vozes, 2009. OLIVEIRA, Diogo. Lambe-lambe: resistência à verticalização do Baixo Augusta. Trabalho de conclusão Pós-graduação em Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos. São Paulo: USP, 2015. TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa; NERY, Vanda Cunha Albieri. Para entender as teorias da comunicação. 2 ed. Uberlândia: EDUFU, 2012.