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  • Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer:

    uma anlise da performance identitria dos Lakln (Xokleng)

    de Santa Catarina

    Esther Jean LangdonPesquisadora CNPq / Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, Brasil

    [email protected]

    Flvio Braune WiikUniversidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil

    [email protected]

  • Esther Jean Langdon e Flvio Braune Wiik

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    ILHARevista de Antropologia

    Resumo

    O presente artigo analisa a Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer dos Lakln, realizada em 2003, na Terra Indgena Ibirama, Santa Catarina. A festa tinha como objetivos lanar publicamente a cooperativa de artesanato indgena, ampliar o mercado dos artesanatos, assim como promover a identidade do grupo, tanto para os jovens indgenas, quanto para o pblico no-indgena. A estes, soma-se o de apresentar a cultura atravs de discursos sobre o passado no mato, cnticos no idioma, ritos antigos, arquitetura e comida tradicionais e de jogos indgenas. A partir das discusses antropolgicas contemporneas sobre cultura, esttica e autenticidade das performances indgenas, a festa ser analisada luz dos processos de construo de identidade indgena em dialogo com os discursos locais, nacionais e internacionais, nos quais o ndio autentico figura positivamente. A festa trata da revitalizao identit-ria do grupo e de sua histria diante do discurso nacional e global de mul-ticulturalidade, onde os Lakln apre-sentam-se concomitantemente como ndios crentes e ndios puros.

    Palavras-chave: Performance, Xokleng, Polticas Identitrias

    Abstract

    This article analyzes the Festival of Inauguration of the Tourism and Leisure Center of the Lakln Indians, held in 2003 on the Ibirama Indian Reserve, Santa Catarina, Brazil. The Festival had as its objectives the publicizing of the Cooperative, the amplification of the cooperatives market, and also the promotion of the groups identity for the Indian youth as well as for a non-Indigenous public. They presented culture through discourse about the past in the forest, songs in the native language, ancient rituals, Indian games and traditional food and architecture. Using contemporary anthropological discussions on culture, esthetics and the performance of Native authenticity, the Festival is analyzed in the light of the processes of the construction of indigenous identity in dialogue with local, national and international discourse, in which the authentic Indian figures positively. The festival involves the revitalization of the groups identity and its history before the national and global discourse of multiculturalism, where the Lakln affirm themselves to be simultaneously evangelical as well as pure Indians.

    Keywords: Performance, Xokleng, Identity Politics

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    Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer: uma Anlise da Performance Identitria dos Lakln (Xokleng) de Santa Catarina

    Introduo

    Recentemente, Oakdale chamou ateno para o fato de que a perfor-mance da cultura de forma consciente um fenmeno recorrente em todo o mundo, e se faz presente atravs de eventos intertnicos e interculturais tais como: festivais nacionais, encontros indgenas re-gionais, protestos transnacionais, fruns globais e exibies (2004: 60). De fato, o nmero de publicaes antropolgicas sobre este tema tem aumentado consideravelmente, inclusive no Brasil. Temos constatado a existncia de muitos trabalhos dedicados a questo da performance cultural entre grupos indgenas na Amaznia e nordeste (e.g.: Conklin 1997; Conklin and Graham 1995: Graham 2005; Turner 1991; Gru-newald 2005). Entretanto, como bem aponta Oakdale (2004), poucos estudos tm analisado eventos locais voltados, preferencialmente, para os pblicos locais. Mais ainda, pouca ateno tem sido dada s perfor-mances culturais dos grupos indgenas no sul do Brasil. Este fato, em parte, deve-se s caractersticas no exticas e pouco atraentes destes ndios que vivem as margens da sociedade envolvente. Em comparao com a regio amaznica, estes grupos tm sido ignorados pelas orga-nizaes no-governamentais nacionais e internacionais dedicadas s questes ambientais e de etno-desenvolvimento (Conklin e Graham 1995). Do mesmo modo, apenas recentemente estes grupos comea-ram a formar as suas prprias organizaes, criadas com o objetivo de entrar em dilogo com as instncias governamentais e com programas e projetos a eles dirigidos pela sociedade civil.

    A partir deste contexto, o presente artigo tem como objetivo contribuir com os estudos sobre performances culturais ao descrever e analisar um evento local entre os ndios Lakln (Xokleng) de San-

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    ta Catarina: Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer, organizada pela Cooperativa Indgena Aldeia Figueira (COOIAF). luz de recentes pesquisas sobre representao de identidades em performances culturais, analisaremos como esta festa torna evidente a relao existente entre a revitalizao da identidade Lakln e as polticas culturais brasileiras avanadas pelas agncias nacionais indigenistas, o contexto histrico regional e a converso dos Xokleng ao pentecostalismo.

    Ambos os autores tm realizado pesquisas de campo entre os Xokleng (Langdon e Rojas 1991; Wiik 2004; Langdon et. alli. 2006). A primeira conhece o grupo desde 1985, e o segundo realiza pesquisas intensivas desde 1996. Estas experincias de longa data respaldam a anlise da festa que foi observada pela primeira autora para fins didticos atrelados disciplina Simbolismo: do rito para performan-Simbolismo: do rito para performan-ce oferecida na Universidade Federal de Santa Catarina, em 2003. Alm das pesquisas dos autores, o Programa de Ps-graduao em Antropologia Social da UFSC tem uma longa trajetria de pesquisas e colaborao com o grupo, lideradas, principalmente, pelo professor Slvio Coelho dos Santos. Ele iniciou seu trabalho entre os Xokleng na dcada de 1960 e, ao longo de sua carreira como professor da UFSC, inspirou, orientou e treinou inmeros alunos e pesquisadores. Sua produo bibliogrfica sobre o grupo vasta, sendo Os ndios Xokleng: Memria Visual, publicado em 1997, um marco da recuperao de do-cumentos e fotos produzidos sobre os Xokleng ao longo de quase um sculo. Devido aos seus esforos, a UFSC tem sido considerada um centro de pesquisa sobre relaes intertnicas, impactos de projetos de desenvolvimento, educao e outros tpicos que tratam dos ndios de Santa Catarina, particularmente dos Xokleng.

    Os Xokleng

    Os ndios Xokleng, cuja maioria passou a autodenominar-se Lakln, h poucos anos atrs, so os remanescentes de grupos se-minmades do tronco lingustico J, que ocupavam as encostas das montanhas, os vales litorneos e das bordas do planalto sul do Brasil. Segundo Santos (1997; 16) e Urban (1996: 43), o nome Xokleng apenas uma identificao dos brancos, principalmente dos antroplo-

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    gos, e que os ndios em si no possuam termo de autodenominao especfico, apesar de que se diferenciavam dos Kaingang e Guarani grupos vizinhos com os quais disputavam territrio desde o processo expansionista da sociedade nacional. Regionalmente, ficaram conhe-cidos como Botocudos e, mais pejorativamente, como os Bugres.1

    Somam hoje cerca de um mil e quinhentos indivduos agrupados na Terra Indgena Ibirama (TII), que tambm tem sido, nos ltimos anos, designada pelos ndios como Terra Indgena Lakln, local em que foram reunidos pelo Servio de Proteo ao ndio (SPI) a partir de 1914. A TII est situada na regio do alto vale do rio Itaja, a cerca de 260 km ao noroeste de Florianpolis, capital de Santa Catarina. Ela ocupa uma rea de 14.156 hectares, situada predominantemente entre os municpios de Jos Boiteux e Vitor Meireles. A menor unidade social de cooperao e de produo predominante a de famlia extensa, ou dos grupos domsticos. Outrora coletores e caadores, os Xokleng hoje sobrevivem da agricultura de subsistncia e do extrativismo, de ativida-des produtivas como diaristas sazonais na regio, prestadores de servios aos colonos locais, aos comerciantes de madeira, como funcionrios dos rgos pblicos, tais como FUNAI e Funasa, alm das penses dos idosos, projetos assistenciais do Estado e da filantropia. O artesanato ainda representa um aporte mnimo de renda para as famlias.2

    Contexto histrico da festa

    A histria de contato dos Xokleng com a sociedade envolvente tem sido predominantemente marcada por longos e profundos conflitos das mais diversas ordens. Ela tem incio em meados do sculo XVIII, com a expanso das fronteiras nacionais rumo ao planalto serrano dos estados do sul do Brasil terras at ento de ocupao tradicional dos Kaingang e Xokleng a cabo de tropeiros, bandeirantes, madeireiras, companhias ferrovirias e de colonizao. esta, soma-se o povoa-mento sistemtico do mdio e alto vale do rio Itaja-Au a partir de meados do sculo XIX por imigrantes europeus, assentados na regio atravs das companhias de colonizao, o que afetou diretamente os Xokleng que ocupavam a regio. Com a sua chegada, iniciam-se dcadas de conflitos e mortes de indgenas e colonos na regio (Santos 1978; Penny 2003). Como resposta, e em face do projeto de

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    colonizao estar ameaado pela presena indgena na regio, grupos paramilitares financiados pelo governo, com apoio das companhias de colonizao, denominados bugreiros, adentravam as matas para caar os Xokleng. Estimava-se que sua populao no incio do sculo totalizava entre 400 e 600 indivduos, divididos em trs subgrupos, ou faces: os Lakln, que habitavam a regio do Alto Vale do Itaja, os Ngrokthi-t-pry, do Planalto Serrano, e os Angying, da Serra do Tabuleiro.3 Em 1914, os remanescentes Xokleng, sobreviventes estas aes, foram finalmente aglutinados em uma rea reservada que compreende aproximadamente rea da TII na atualidade sob a tutela do SPI comandado por seu chefe local, Eduardo de Lima e Silva Hoerhann, em um pico at hoje representado nas festas e datas comemorativas locais.

    Superada a fase crtica das relaes belicosas travadas entre os Xokleng, colonos e demais moradores do local, a depopulao dos Xokleng aglutinados na TII ficou a cargo das epidemias que os levaram ao quase extermnio. Entre 1914 e 1932, epidemias de gripe, sarampo e tifo reduziram a populao em dois teros, ou seja, de 400 para 150 indivduos (Henry 1941; Urban, 1985). O impacto provocado pelas epidemias tambm trouxe rupturas socioculturais (Ribeiro, 1982, 1991; Santos, 1973; Urban, 1985). As mortes em massa fizeram com que os sobreviventes se dispersassem pela floresta, interrompendo a execuo do ritual anual de iniciao dos jovens e o de cremao dos mortos, ambos centrais para a reproduo de sua sociedade.

    Hoerhann, aclamado pelos no-indgenas como pacificador, foi o primeiro chefe do posto indgena, funo que exerceu por mais de quatro dcadas, tendo seu papel pautado em extremo rigor. A rispidez militarista fundante do prprio SPI, o exemplo familiar de seu tio ma-terno, Lus Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias e o germanismo, somados ao ethos dos colonos locais, parecem ter inspirado Hoerhann em sua empreitada civilizadora imposta aos Xokleng. Esta tinha como objetivos centrais transform-los em agricultores, e restringir a sua circulao s reas a eles destinadas.

    Em alguns perodos, Hoerhann mostrou-se bastante criativo em seu projeto, ao cunhar uma moeda local de circulao restrita TII ob-jetivando instruir os Xokleng noes de valor e troca frente produo

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    agrcola e o modelo econmico dominante. Alm de manter um nmero expressivo de funcionrios do SPI em atividades agrcolas e de manuten-o do Posto visando ensinar estes ofcios aos Xokleng, ele desloca, de outros estados do Sul, Kaingang j acostumados com a lida da terra para estimular os Xokleng desempenhar mesma tarefa. Mais tarde, abriga expressivo grupo de Cafuzos provenientes da regio da guerra do Contestado para trabalharem na agricultura (Martins 1995).

    Porm, o projeto civilizatrio mostrou-se rduo, sendo marcado por uma srie de conflitos e contradies. Parece que a maior parte dos Xokleng resistiu a todos estes esforos, deixando-os trabalhar para eles, enquanto mantinham atividades comuns ao seu histrico seminomadismo. Sua resistncia era, e de certa forma ainda , vista pelos no indgenas como sinnimo de preguia, insolncia e insubordinao, constatao esta suficiente para Hoerhann tomar aes menos criativas ou civilizadas em sua empreitada. O uso da fora fsica e da violncia contra os ndios era alternativa comum, sendo que escoltas armadas e a cavalo saiam procura de ndios desobedientes e desertores. Prises, acusaes e processos criminais por homicdios de indgenas pesaram sobre Hoerhann, at seu afas-tamento definitivo da chefia do posto.

    Aps das primeiras dcadas do perodo ps-contato, caracteri-zadas pelas mortes em massa causadas pelas epidemias, os Xokleng comeam a enfrentar peridicas aes predatrias resultantes das frentes de explorao e subtrao dos recursos naturais existentes na TII. Como resultado, os Xokleng tm, por quase um sculo, sido afetados por perodos de sistemtica extrao de palmito, implanta-o de serrarias na TII para retirada e beneficiamento de madeiras nobres, invaso dos limites demarcados por comerciantes, colonos e madeireiras da regio. Estas aes tm se dado ao longo do tempo e, na maioria das vezes, com a anuncia e/ou vista grossa do SPI/FUNAI, assim como atravs da manipulao de algumas lideranas indgenas por pessoas atreladas a estas frentes e interesses. Tais aes tm se tornado fonte de grandes conflitos, tanto internos quanto externos aos limites da Terra Indgena, sendo tambm responsveis pela depredao ambiental, onde o relevo montanhoso de clima subtropical no mais coberto pela mata atlntica original. A estas, soma-se o fato de que a

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    entrada abrupta de capital nas fases de extrativismo predatrio tm gerado profundas rupturas no tecido social xokleng, pois trata-se de uma sociedade cujos valores, hierarquias, relaes sociais e prticas de reciprocidade no so alicerados na propriedade privada, acumulao de moeda e bens e/ou em um modelo econmico mercadolgico (ver Werner 1985; Wiik 2004).

    Um exemplo recente e emblemtico acerca do impacto causado por estas aes iniciou-se em meados dos anos setenta, poca em que cerca de dez por cento da rea mais plana e produtiva da TII, onde habitavam os ndios, comeou a ser inundada em funo da construo da Barra-gem Norte, a qual represou o rio Herclio antigo Itaja do Norte que corta a TII. Apesar de algumas aes indenizatrias previstas terem sido cumpridas, os impactos trazidos pela sua construo tm sido profundos para os Xokleng at os dias atuais, trazendo rupturas sociais, culturais, econmicas, polticas, mdicas e ambientais (Santos 1991; Werner et. alli. 1987). Como exemplo, tem sido constatado o aumento do faccio-nalismo interno e a fragmentao da nica aldeia central em vrias aldeias muito dispersas (Werner 1991; Muller 1988). J nos anos 80, surgiu o primeiro caso de HIV/AIDS entre os Xokleng, um fato altamente divulgado por ter sido o primeiro caso oficial da enfermidade detectado entre ndios no Brasil (Langdon e Rojas 1991; Wiik 2001).

    Estas aes predatrias devem ser compreendidas como sendo o denominador comum que tem caracterizado a histria de contato dos Xokleng com a sociedade nacional, onde estas se do em razo da ex-panso das fronteiras nacionais, do incremento da explorao de recur-sos naturais locais, das polticas integracionistas e desenvolvimentistas iniciados em meados do Sculo XIX. Ao final, observa-se o confronto de modelos societrios adversos, providos de poderes assimtricos.

    Os Xokleng tm respondido de forma enrgica a estas aes. Desde os anos 50 do sculo passado eles tm se organizado de forma a impor e compor a sua agenda frente s mesmas. Mobilizaram-se junto ao poder poltico local para destituir Hoerhann nos anos 50, e tm participado, mesmo que minimamente, das vantagens econmicas dos ciclos de explorao dos recursos naturais de sua Terra. Eles tm contestado ener-gicamente as deliberaes julgadas desvantajosas pela liderana poltica indgena encaminhamentos feitos por parte da administrao local da

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    FUNAI, inclusive destituindo administradores e chefes do posto (como aconteceu s vsperas da Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer, em julho de 2006, quando tomaram como refns trs funcionrios do DSEI Sul/Sudeste da Fundao Nacional de Sade (FUNASA) em Santa Catarina, em manifestao de sua insatisfao com os servios de sade prestados (Assis 2006: 21). Principalmente a partir dos anos 80, os Xokleng tm se mobilizado para receber integralmente as indeni-zaes e benfeitorias acordadas como compensao pela construo da barragem, invadindo seu canteiro de obras, construes e maquinaria. Ademais, a sua luta pela ampliao dos limites da TII vem ganhando corpo junto ao governo federal nos ltimos anos.

    Em resumo, a postura dos Xokleng frente s instncias e repre-sentantes dos programas governamentais voltados para as sociedades indgenas se d como nas primeiras dcadas do contato, isto , marcada por uma constante tenso e intensas negociaes.

    Importante mediador da resistncia social e reestruturao pol-tica xokleng, observada a partir dos anos 50, tem sido a apropriao do cristianismo pentecostal pelos ndios, e tornada forma de expresso e identidade cultural dominantes. Desde esta dcada, componentes de sua cultura e das formas de organizao social tm sido justapostos e reformulados luz do cristianismo que foi introduzido entre eles por missionrios da Igreja Pentecostal Assembleia de Deus e, mais recentemente, pelas mos de uma liderana religiosa autctone. A verso do pentecostalismo xokleng tem servido de base para a reorga-nizao e reunificao da sociedade. A grande maioria dos Xokleng se declara crente. Ser crente no se restringe a abstraes teolgicas individuais a respeito da f; crer e ser crente revelam-se atravs do cumprimento de princpios e dogmas crentes que do diretrizes e valor s prticas coletivas cotidianas. Converter-se em crente fenmeno coletivo, congregar em uma comunidade de irmos. Ser crente tambm categoria identitria e diferenciadora que o grupo estabelece em relao a outras sociedades, mas, paradoxal e concomitantemente ampliadora de suas alianas com outros grupos indgenas e no-indgenas, tambm considerados irmos, respon-svel pela formao simblica uma nao pan-indgena de articulao sociopoltica frente aos desafios impostos pela sociedade envolvente

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    (Wiik 2004). Desta forma, o pentecostalismo xokleng tem sido um importante articulador e mediador da cultura, dinmica social e poltica desta sociedade at o presente.

    A partir da Constituio Federal de 1988, tem-se observado uma mudana importante a respeito da posio dos ndios na sociedade bra-sileira. A poltica que identificou a presena dos ndios como um atraso para o progresso da nao, e que procurava integr-los sociedade e economia nacionais, foi substituda pelo reconhecimento do carter plu-ritnico e multicultural da nao. A Constituio dedicou um captulo aos indgenas, assegurando-os direitos originrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, alm de reconhecer sua organizao social, costumes, lnguas, crenas e tradies prprios. Como consequncia, as polticas nas reas de educao, sade e ambientais tm se preocupado com a preservao e recuperao de aspectos tradicionais das culturas indgenas. Criou-se no Brasil um contexto favorvel manifestao da identidade indgena, e, alm do crescimento das polticas pblicas voltadas para fornecer formas de ateno culturalmente sensveis, o movimento tem sido fortalecido atravs da formao acelerada de novas associaes indgenas, particularmente, pela criao de grupos locais organizados. Vrios grupos indgenas emergentes tambm surgiram nos ltimos anos do anonimato, no porque fossem isolados, descobertos ou contatados recentemente, mas porque o contexto atual favorece manifestao de sua identidade.

    Como j havamos observado (Wiik 2004), os Lakln, evangli-cos pentecostais desde meados dos anos 50, justapem sua identidade religiosa de ndio crente outra categoria mica, parte de sua iden-tidade tnica, a de ndio puro. Ou seja, os Lakln, ao interagirem com os missionrios pentecostais, iniciaram um processo poltico e sociocultural de identificao do outro. Porm, este outro, ao mesmo tempo em que comea a fazer parte de sua percepo acerca da diferena, tambm tornou-se parte constitutiva dos discursos iden-titrios particularizadores dos integrantes desta sociedade. Trata-se de um exemplo clssico de como a alteridade desencadeia processos dial-ticos de rupturas e continuidades; ou mesmo, como tem argumentado Sahlins, de como os modelos nativos acabam por traduzir e filtrar ele-mentos exgenos, transformando-os, ou pelo menos fazendo-se passar

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    por endgenos e/ou autctones. Este processo nos remete dialtica da deliberada inteno de pasteurizao protagonizada pela globalizao e as inesperadas e imprevisveis respostas locais desencadeadoras de processos de reetnizao e etnognesis de grupos amerndios.4

    Ao final, e em resposta ao novo contexto nacional valorizador da autenticidade e da pureza indgena, como argumentado acima, os Lak-ln, de forma bem particular, justapem a autenticidade tnica atravs do conceito de ndio puro a traos pentecostais atravs do conceito Xokleng crente, igualmente puro, caso sigamos a lgica nativa.

    Na TII, evidncias das novas polticas pblicas visando ser cultu-ralmente sensveis se manifestam atravs da presena de atividades promotoras da cultura tradicional nas mais diversas reas a cargo de ONGs, agncias governamentais como a Funasa, Funai e Secretaria de Educao, via agentes indgenas de sade, e programa de educao bilngue, dentre outras. Os Xokleng, que sempre tm expressado a sua resistncia integrao nacional, tm respondido positivamente a estas novas polticas culturais. Sendo assim, processos de retradi-cionalizao, de mostrar a cultura xokleng, do ndio puro esto em franca ascenso, evidenciados atravs da organizao da prpria Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer, da casa da cultu-ra, do galpo de danas, da educao bilngue, dentre outros. Como a anlise a seguir evidenciar, as atividades e prticas que ressaltam a identidade xokleng so destaques dos resultados alcanados pelas polticas pblicas e crescimento da importncia do ndio na legislao e no imaginrio brasileiros sobre direto a cultura e prticas tradicio-nais, assim como instrumento fundamental utilizado pelos ndios ao reivindicarem a ampliao de seu territrio tradicional junto Funai e demais instncias pblicas e da sociedade civil.

    A festa

    Durante o segundo semestre de 2003, um pequeno cartaz em papel tamanho A4 fotocopiado circulou pelos prdios da UFSC anun-ciando a Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer, a ser realizada na aldeia Figueira, na Terra Indgena Ibirama, no dia 3 de dezembro. Sua organizao estava a cargo da Cooperativa Indgena Aldeia Figueira (COOIAF), e o cartaz listava como apoio a Fundao

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    Universidade Regional de Blumenau (FURB), a Unio e Solidariedade das Cooperativas Empreendimentos de Economia Social (UNISOL), uma deputada, e o programa Arte na Sala da Aula. Dentre as atividades previstas, destacavam-se a inaugurao do Centro de Turismo e Lazer e a Trilha Ecolgica at a cachoeira da Volta Fria; a exposio de uma oca indgena tpica dos ancestrais do povo xoklengue (sic); apresenta-o do coral Lrios do Vale; danas e comidas indgenas; exposio e venda de artesanatos; jogos indgenas, entre estes, a corrida do toro, o torneio de tiro ao alvo com arco e flecha e sarabatana, cabo-de-guerra e a maratona de 100 metros para adultos e crianas.

    Alm do nosso desejo em prestigi-la e reforarmos nossos la-os com os Xokleng5, ponderamos que a nossa participao na festa representaria uma boa oportunidade para que os alunos da disciplina conhecessem uma performance indgena, e decidimos realizar uma viagem como atividade extra-classe. Entramos em contato com o professor Slvio com o intuito de saber mais detalhes sobre a festa. Na ocasio, expressou que havia problemas de organizao. Afirmou que a COOIAF tinha pretenses de envolver a participao de todas as sete aldeias da Terra Indgena na organizao, porm, havia surgido alguns conflitos entre seus organizadores e as lideranas, associados a problemas de comunicao, todos comuns prpria organizao poltica dos Lakln, formada por aldeias providas de autonomia po-ltica e marcadas, muitas vezes, por faccionalismos internos6. Depois, descobrimos que os problemas de comunicao tambm diziam res-peito data do evento no cartaz que chegou at a UFSC. Com uma certa dificuldade, descobrimos que a festa seria realizada no dia 13 de dezembro, e no no dia 3, como anunciado. Tal alterao fez com que somente um pequeno grupo de alunos pode realizar a viagem at a TII. Como o semestre letivo j havia sido encerrado e a turma de alunos j dispersara, ao invs de um nibus da Universidade, se-guimos viagem pela manh, no dia 13, em dois carros, levando oito pessoas interessadas em participar da festa, inclusive um cinegrafista encarregado de film-la.

    Era um dia chuvoso e a viagem atrasou. A aldeia Figueira situa-se a aproximadamente dez quilmetros do limite norte da Terra Indge-na Ibirama e a vinte quilmetros da cidadezinha mais prxima, Jos

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    Boiteux. A TII cortada por estradas de cho, dificilmente transitveis em dias chuvosos com automveis sem trao nas quatro rodas. Ao descermos dos carros, ouvimos o Hino Nacional tocar, e, ao nos dire-cionarmos ao local do evento, nos deparamos com o vice-presidente da COOIAF, que se apresentou, nos saudou, e, em seguida, afirmou ser o responsvel pelo convite feito UFSC, atravs do professor Slvio Coelho dos Santos, no ms anterior. Solicitamos e obtivemos a sua per-misso para filmar, e subimos um pequeno aclive rumo ao evento.

    O espao selecionado para a abertura da festa era localizado em um lugar limpo e plano, na base de um morro atrs da casa do cacique da aldeia, onde ainda restava parte da mata atlntica que, no inicio do sculo 20, ainda predominava no litoral e vales do interior do Sul do Brasil, onde a maior parte da rea da TII se localiza. Nesta rea, havia um plano um pouco mais elevado que servia de palco para as primeiras apresenta-es e atividades. direita estava uma enorme caixa de som, ao seu lado esquerdo ficava o coral Lrios do Vale, um grupo predominantemente composto de mulheres Lakln vestidas com blusas laranja e saias azul-escuro. Atrs do palco, uma trilha subia o morro, onde tambm havia algumas barracas com artesanato expostos para a venda.

    Encerrada a execuo do Hino Nacional, o presidente da COOIAF deu as boas vindas aos presentes, desejando que a festa se perpetuasse e congregasse o maior nmero de pessoas nas prximas edies. De l, tornou pblica nossa presena, anunciando ao microfone a chegada do pessoal de Florianpolis, talvez com o intuito de animar a pla-teia, inferior esperada. A plateia se espalhava em frente ao palco, e somava aproximadamente 60 pessoas, entre ndios e no-ndios, estes ltimos sendo da regio. Ficou bvio que o nmero de espectadores foi considerado baixo pelos organizadores, fato que permeou todos os discursos de abertura da festa. E, ao pensarmos que esta festa foi orien-tada para turistas e, subsequentemente, para a venda de artesanato, a quantidade de objetos postos a venda superou exageradamente o potencial de compra dos visitantes presentes.

    Iraci Pat, professora bilngue, iniciou a abertura da festa expres-sando seu orgulho em apresentar a festa que a gente faz. Em segui-da, apresentou o prefeito de Vitor Meireles, que tomou o microfone e agradeceu a oportunidade de falar. Afirmou que a festa iria demonstrar

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    a simplicidade e humildade dos nossos que gostam de fazer festa no meio do mato para demonstrar como viviam antigamente. Sua fala foi seguida pela do cacique Antnio Caxias Pop, da aldeia Figueira, e pela do cacique da aldeia Coqueiros.

    Antonio Caxias Pop, alm de cacique da aldeia que sediava a festa, pastor do templo da Igreja Assembleia de Deus instalado junto aos domiclios que compem o grupo domstico por ele liderado. Pop saudou os participantes em nome de Jesus Cristo, e anunciou que a festa iria demonstrar para os visitantes e para as crianas indgenas que no conheceram os ndios do mato como eles viviam nos tem-pos passados.

    Depois destas breves falas introdutrias de boas vindas e agra-decimentos, a professora Paloma, da FURB, foi chamada frente do palco, sendo apresentada como uma mulher muito bem quista pela comunidade, tendo desempenhado importante papel na organizao da festa. Ao proferir suas primeiras palavras, se emocionou e chorou, afirmando que no conseguir falar mais. Em seguida, tomou a palavra um no-indgena associado cooperativa, proclamando a COOIAF como sendo a primeira cooperativa indgena no Brasil. Tambm rela-tou sobre as dificuldades enfrentadas durante a organizao da festa, afirmando que a sua realizao representaria um futuro melhor para os ndios. Em seguida, descreveu a programao da festa, estimulando as pessoas a comprarem os artesanatos que estariam venda, sendo os recursos gerados revertidos comunidade indgena.

    Sua fala foi seguida pela apresentao do coral Lrios do Vale conduzido pelo pastor-cacique Pop, que entoou o hino evanglico in-titulado O Jordo no passarei s traduzido para o xokleng. Depois, entoaram o mesmo hino em portugus. Antes, o pastor, emocionado, ressaltou a importncia da lngua nativa para a construo da iden-tidade indgena.

    Em seguida vieram os discursos. O primeiro e mais longo foi proferido por um pastor no-indgena, convidado pelo pastor-cacique Pop. Sua fala ocorreu seguindo o estilo de oratria prpria dos pastores evanglicos em suas pregaes aos fiis. Falando em voz alta, plena de repeties, apelou para que a prefeitura (de Vitor Meireles), rgos oficiais e pessoas pblicas prestassem maior ajuda para a co-

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    munidade xokleng. Exalta que a festa no estava acontecendo por acaso, mas por obra divina. Tambm apresentou o grupo historica-mente, invocando a imagem dos ndios nos tempos antes do contato quando, segundo ele, viviam em um estado puro com a natureza nas suas malocas. Eles, afirmou,

    eram um povo da natureza e desfrutaram dos recursos naturais ... Lutavam incansavelmente para a sobrevivncia. Hoje esto com saudades da verdade, do tempo do mato, quando no tinham conhecimento de dinheiro, do preo do feijo e das outras coisas da civilizao. Eles eram inocentes, tinham liberdade, liberdade que foi perdida com o contato [com os brancos] e a introduo dos pecados da civilizao.

    Enquanto proferia sua pregao exaltando, com nostalgia, o pas-sado e lamentando as mudanas advindas com o contato, vrios ndios comearam a se emocionar, e algumas mulheres do coral choraram. Em seu discurso-pregao, o pastor estimulou os participantes da festa a comprarem o artesanato, qualificando-os como fruto da natureza divina. Ao final, concluiu com a ideia de que com a salvao de Jesus Cristo, os Xokleng retornaram ao estado de pureza com liberdade.

    Cabe ressaltar novamente que sua fala foi ganhando gradativa-mente forma de pregao, comum ao universo religioso pentecostal, tendo muitas frases terminadas com aleluias, e estes respondidos coletivamente pelos Xokleng. Seu discurso-pregao foi encerrado com um outro hino evanglico cantado pelo coral, em portugus.

    Em seguida, um jovem professor xokleng fez uma homenagem aos primeiros pacificadores que, segundo ele, os ajudaram se tornar ndios civilizados. Graas a Deus que eles fizerem isto, ou no teria esta festa hoje, afirmou. Com uma lista nas mos, leu os seus nomes: Wayk, Wombl, Waip e Lino Nunc-Nunforo, sendo este ltimo citado como o primeiro professor indgena. Ao apresent-los, se emocionou e chorou ao afirmar que eles lutaram para que hoje os ndios tenham professores, tenham lderes caciques. Foram homens guerreiros e lutadores, prosseguiu. No final de sua fala, afirmou que Josu Caxias Pop, antiga liderana, tambm lutou pelos direitos indgenas.

    Finda a homenagem pstuma, o jovem apresenta o homem mais velho do grupo, um homem do tempo do mato que sabe cantar como os antigos. Este senhor apresentou-se vestindo um blazer e um

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    chapu de palha industrializado. Antes de cantar, assegurou: Sou ndio de verdade e me lembro do tempo do mato. Ento inicia seu cntico ritual, auxiliado pelo som de um chocalho que balana ao cantar. Sua apresentao encerra a abertura da festa.

    Apresentao do coral Lrios do Vale.

    Homem do tempo do mato descansando.

    Venda de artesanato.

    Em seguida, fomos convidados a subir a trilha pela mata at a oca tradicional, onde estavam programadas danas, venda de artesa-nato, comidas tradicionais e jogos. No caminho, passvamos ao longo das barracas que expunham o artesanato, objetos que consistiam em muitos colares e brincos de sementes e em algumas machadinhas e bastes xokleng, maracs enfeitados com penas coloridas, miniaturas

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    de arco e flecha e de sarabatanas de bambu. Ao longo da trilha, outras mulheres xokleng circulavam entre os participantes da festa oferecendo colares de sementes, e crianas pediam esmolas aos no-indgenas.

    Ao final da trilha, nos deparamos com um espao limpo, como uma clareira, mais ou menos plana no meio da mata. Vrias pedras haviam sido pintadas com motivos indgenas, tais como arco e flecha e a lana tpica xokleng. As pinturas nas pedras tambm indicavam os caminhos para a oca indgena, para os banheiros e para a trilha da cachoeira, que, ao final, no foi terminada. A oca consistia em uma construo arre-dondada feita de pau-a-pique com aberturas de janelas e uma porta. O telhado, de folhas de palmeiras, no havia sido terminado. A clareira tambm contava com barracas para a venda de artesanatos e alguns locais destinados aos fogos de cho para assar peixe do rio e carne. O peixe assado, representando a comida indgena, vinha acompanhado por totolo, milho modo e cozido dentro de talos de bambu.

    Ao chegarmos clareira, iniciaram a dana. Um grupo de ndios entrou na clareira danando em crculos, cantando e balanando maracs. O grupo era formado por dois homens mais velhos, cinco mulheres e um menino de mais ou menos oito anos de idade. Este menino era o nico entre os jovens e adultos masculinos a trajar estojo peniano conforme fotografias ps-contato datadas do incio do Sculo XX (ver Santos 1997). Os corpos das mulheres estavam cobertos por fibras de palmeira. Os homens adultos vestiam cales e estavam sem camisa. Seus rostos estavam pintados com crculos (cheios e vazios) ou linhas retas, lembrando as representaes grfico-corporais das metades kaingang observadas na realizao da festa de Kiki, entre os Kaingang de Xapec, nos anos 90 (Tomasino e Rezende, 2000).

    Finda a dana, o jovem professor anunciou que o grupo iria apre-sentar o rito de batismo tal qual era realizado no tempo do mato. Uma mulher com uma criana no colo sentou-se junto ao cho, no centro de um grupo disposto em crculo. Estes danaram e cantaram ao seu redor. O rito foi seguido pela dana da viva com uma mulher idosa sentada ao centro.7 Enquanto o grupo danava, um homem idoso se aproximou danando ao lado da mulher sentada no cho para dar conselhos. Em seguida, mais uma mulher adentrou o crculo danando at parar e findar o movimento.

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    Fomos convidados para entrar na oca tradicional e cumprimen-tar a mulher mais idosa do grupo, identificada como uma ndia pura do mato, Ayu Pat8, com 123 anos de idade. O apresentador afirmou que ela nasceu no tempo do mato e, por ser ndia pura, ainda est forte, boa da vista e do ouvido. Ela no falava portugus, e estava acompanhada por um intrprete. Cada um de ns foi convidado a cumpriment-la e oferecer uma colaborao. Algumas pessoas en-traram na oca, cumprimentaram-na e deixaram notas de cinco ou dez reais, enquanto outros tiravam fotos.

    Venda de artesanato.

    Vestido do tempo do mato.

    Depois de uma pausa destinada para pessoas comprarem arte-sanatos e almoarem, os jogos iniciaram. A primeira competio foi a de arco e flecha. Os organizadores estimulavam, em especial, aos no-indgenas a participarem, cada um pagando uma taxa para competir. O grande arco tradicional dos Xokleng, usado para atirar flechas ao alvo, provou ser bastante difcil para quem no estava acostumado a manuse-lo, o que causava muitos risos por parte dos ndios para com os no-ndios, quando estes no conseguiam fazer a flecha atin-gir o alvo, ou cair ao cho antes de ser lanada. Em seguida houve a competio de zarabatanas, miniaturas feitas de bambu. Entre os comentrios, um participante anunciou, sou alemo, tenho que so-prar forte. Durante os jogos, observava-se uma constante jocosidade em torno das relaes entre ndios e colonos locais. Os ganhadores receberem medalhas penduradas em fitas azuis.

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    Todas as outras atividades anunciadas no cartaz da festa, exceto a maratona, no aconteceram. A trilha para a cachoeira no foi ter-minada e as outras competies, tais como a corrida do toro, no foram sequer mencionadas. Terminada a competio com zarabatanas, as pessoas foram convidadas para participar da maratona, que seria realizada na estrada. Competir neste evento tambm exigia o paga-mento de uma pequena taxa, mas poucos demonstraram interesse em participar. Muitos j se preparavam para retornar para as suas casas.

    Ao descermos a trilha em direo a estrada para assistirmos maratona, comeou uma leve chuva, e a festa encerrou rapidamente. Enquanto os poucos homens ainda corriam a maratona, os ndios empacotavam e organizavam rapidamente seus pertences e partiam. O mesmo se deu com os no-indgenas que vieram participar da festa. Vrios ndios subiram na boleia de uma caminhonete da Funasa, que partiu entre os ltimos dois homens que chegavam ao trmino da maratona. As medalhas foram entregues aos finalistas, mas no havia plateia para conferir o xito alcanado. Todos estavam com pressa de sair. E assim a festa terminou abruptamente.

    Anlise

    Esta festa, como expresso da identidade tnica frente aos prprios Xokleng e populao regional demonstra caractersticas diferentes dos eventos observados no passado (e at mesmo no presente: tipo ocupao da barragem) que tratavam de situaes de colaborao ou confronto com a sociedade envolvente. Por exemplo, o professor Slvio observa que os ndios Xokleng visivelmente demonstravam vergonha quando convocados a desfilar vestidos e enfeitados como ndio em frente dos colonos em Ibirama, em 1962 (1978:33;1997: 108). Urban observa que, na dcada de 1970, os Xokleng tinham abandonado a sua vestimenta e arquitetura tradicionais. Os homens no usavam mais o botoque, caracterstica do grupo que deu origem a sua identificao como botocudos. Exteriormente (e aos olhos dos ocidentais), no apresentavam caractersticas de uma cultura indgena. Ainda, o autor observa que, na poca, eles pareciam aos olhos ocidentais, quase anti-exticos na suas tentativas de evitar chamar ateno como um grupo culturalmente distinto da sociedade envolvente (Urban 1996:15). Em

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    1970, a exibio performtica da identidade indgena ainda no era usual nem tampouco apreciada era a fora imagtica do ndio tradicional como recurso de resistncia poltica. No obstante, as expresses de resistncia dos Xokleng ao longo de sua histria demonstraram que as tentativas de assemelhar materialmente aos colonos no representam um concomitante declnio da identidade indgena, nem consistiam em intuito de apagar a sua identidade grupal.

    Tambm j havamos observado celebraes que demonstravam pouco interesse para com as tradies do passado. Por exemplo, a ce-lebrao do dia do ndio, em 1996, na aldeia Bugio, limitou-se a entoar o Hino Nacional, o hasteamento da bandeira e discursos dos polticos locais e lideranas indgenas. Recordamos neste dia de um ancio, que nascera antes da pacificao, e que ainda tinha a cicatriz no lbio inferior perfurado para insero do botoque, estar sozinho em um canto de uma casa vizinha ao evento, tocando marac e cantando canes rituais sem despertar qualquer interesse por parte dos indgenas ou visitantes. Este comportamento vai ao encontro do que os Xokleng nos relatavam nos anos 90, que sentiam vergonha de se apresentar nas cidades, que tinham vergonha de sua cultura

    J em 2003, a festa sugere que os Xokleng so conscientes do discurso internacional em que as imagens corporais do ndio nu re-presentam o selvagem nobre ecolgico (Conklin 1997: 713). Ambos Conklin e Turner (1991) chamam ateno do fato da representao da cultura autntica atravs do corpo tem sido uma estratgia importante, e que a roupa se tornou uma marca da identidade e de resistncia. Conklin e Graham (1995) apontam para a relao entre o movimento ecolgico e o movimento indgena na Amaznia. Apesar de os Xokleng estarem fora desta regio e no participarem no dilogo com as ONGs dedicadas preservao ecolgica, a representao de sua cultura demonstra que esto conscientes deste discurso e do poder poltico do ndio autntico e ecolgico. Assim, eles falam sobre seu passado com orgulho e nostalgia, ressaltando a importncia de mostrar a sua cultura, tanto para as visitas quanto para os jovens indgenas que no a conheciam. Seu idioma, sua vestimenta antiga, seus rituais e outras caractersticas de sua vida tradicional so postos em exibio como traos diacrticos de sua identidade, e, diferente de 1996, os idosos so

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    honrados como exemplos do tempo do mato, poca antes do contato. Ainda mais, a criao do espao do mato como palco da sua vivncia tradicional, com sua arquitetura, comida, ritos, jogos e outras ativida-des, tambm os estabelece como autnticos e legtimos para expressar suas demandas frente a sociedade envolvente, o movimento ecolgico e as polticas pblicas.

    A anlise da esttica da festa demonstra a construo de uma narrativa histrica contada pelos Xokleng, que comunica uma imagem positiva no s da poca pr-contato como tambm dos processos his-tricos que trouxeram a escola e o pentecostalismo, aspectos estes que lhes permite hoje identificarem-se como Xokleng crentes. A esttica do passado se expressa na lngua, na seminudez e pintura corporal, no canto do homem ancio e nas danas dos ritos. Esta amalgama-se esttica evanglica, nos hinos do coral e na oratria do pastor, evo-cando coros e aleluias dos Xokleng crentes.

    Entrelaado com a esttica, a histria contada nos discursos da festa afirma uma identidade positiva e contrastante com os precon-ceitos que os ndios enfrentam na regio, acusados de no serem mais ndios, de no terem mais cultura e de serem preguiosos, sujos e b-bados. Temos escutado frequentemente dos colonos vizinhos, queixas que os Xokleng no so como os ndios puros da selva amaznica, que, todavia, mantm sua cultura. Os discursos da festa dialogam com esta imagem negativa do ndio civilizado, e apresentam uma outra perspectiva. O pastor no-indgena, em sua longa pregao, a resume. O tempo do mato e a inocncia natural foram destrudos. O contato trouxe a decadncia com a civilizao. A subsistncia tradicional com base nos frutos da natureza divina foi substituda pela pobreza e pela dependncia do dinheiro. Porm, com a converso, foi reinstaurado o estado divino. O jovem professor, em sua homenagem aos ndios pacificadores, aos que lutaram por seus direitos e para sua educao, orgulha-se da festa, afirmando que seus antepassados, atravs de seus esforos possibilitaram os Xokleng tornarem-se civilizados.

    O passado, durante a festa, reinventado atravs de uma imitao relativa aos registros fotogrficos que captaram a imagens dos Xokleng no incio do sculo XX (Santos 1997). A oca tpica inacabada feita de pau-a-pique, de fato, representa as que foram introduzidas com a

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    confinao dos Xokleng na TII e como o fim da vida seminmade, e no seus abrigos temporrios no mato. As vestimentas e a seminudez dos ndios que realizam os ritos demonstram elementos que sugerem o estilo de se vestir e ornamentar no passado, mas o uso da palha para cobrir partes do corpo uma inovao cuja finalidade produzir um estado de seminudez relativo a nudez evidenciada nas fotos. A ao ritual tambm no representa os ritos completos do passado, mas re-produzem fragmentos de processos rituais mais complexos, como os observados durante a encenao do ritual de alijamento e reagregao das vivas. Tambm, o canto do ancio realizado por ele sozinho, sem o contexto do evento tradicional que trata de um canto dialgico com seus ouvintes, geralmente composto por membros mais jovens de seu grupo domstico.

    Os jogos tambm representavam habilidades do passado, mas no os reproduziram, salvo, talvez, o uso do arco grande na competio dos homens adultos. As zarabatanas utilizadas so brinquedos, tanto quan-to os arcos e flechas usados na competio dos meninos. Os dois jogos que no aconteceram, porm anunciados no cartaz, o cabo-de-guerra e a corrida de toro, no tm registros na literatura etnogrfica acerca do grupo. Porm, se tornaram smbolos famosos de jogos indgenas via a divulgao dos mesmos no Xingu. Eles fazem parte, tambm, da recm criada olimpadas indgenas, evento de destaque nacional com a participao dos vrios povos indgenas do Brasil

    Entre os eventos anunciados no cartaz, porm no realizados durante a festa, encontra-se a trilha ecolgica at a cachoeira da Volta Fria. Apesar da trilha evidentemente no ter sido finalizada a tempo da festa, a inteno demonstra a conscincia dos Xokleng para com a imagem nacional e internacional do ndio ecolgico, a promoo de turismo sustentvel e a comercializao de objetos fabricados a partir da natureza (Conklin 1997; Conklin e Graham 1995). Assim, a representao do mato como o lugar da autenticidade do ndio ver-dadeiro, a ligao da clareira no mato com as atividades de turismo, dos jogos, e a presena constante da venda dos colares, brincos e ou-tros objetos artesanais fabricados a partir dos produtos da natureza (da natureza divina como disse o pastor), so parte dos objetivos comerciais da festa.

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    Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer: uma Anlise da Performance Identitria dos Lakln (Xokleng) de Santa Catarina

    Se no passado, os Xokleng tentaram afirmar seus direitos sem chamar a ateno das suas particularidades culturais, torna-se claro que, durante a festa, esto em sintonia dialogal com os discursos da poltica que circula desde a dcada de 1980 nos cenrios nacional e internacional, e que percebem as vantagens da identidade indgena.

    Comentrios finais

    Nas ultimas dcadas, o tema da performance da cultura tem se tornado um importante tpico da etnologia (Ramos, 1987, 1995; Jackson 1991, 1995; Conklin 1997; Conklin e Graham 1995; Turner 1991). Mais recente, Graham (2005) argumenta que estas performances fazem parte da poltica identitria ou mesmo das polticas de identidade.

    Turner (1991) chama a ateno para o fato do crescimento da conscincia do poder da identidade indgena no Brasil j na ltima dcada do sculo vinte. Ramos (1998) tambm tem discutido os vrios aspectos atrelados identidade indgena no mbito das polticas p-blicas, apesar deste segmento representar somente 2% da populao nacional. Conklin, e Graham (1995), dentre outros, tm argumentado que a performance do ndio autntico na atualidade deve ser analisada como resultado da colaborao de organizaes no governamentais (ONG), em especial as estrangeiras, para com as sociedades indgenas da Amaznia e do Brasil Central. Preocupaes ecolgicas e a imagem de que ndios exticos so protetores naturais do meio ambiente foram sobrepostas no imaginrio ocidental, expressas em forma de um esforo global para responder aos problemas ambientais atuais, assim como para estimular a autosustentabilidade das populaes nativas expostas economia de mercado capitalista. A este movimento pre-servacionista deve-se somar os interesses de grandes capitalistas na era ps-moderna altamente tecnolgica, muitssimo interessados nas fontes de riqueza da Amaznia, no somente em termos de matria prima para o seu desenvolvimento (madeiras e minrios), que tem sido explorados de forma predatria e sem racionalidade at ento, para um interesse sobre a biodiversidade e conhecimentos tradicionais, que, por sua vez, podem garantir enormes lucros quando atrelados s tecnologias limpas, altamente lucrativas, que se autoreproduzem e/ou podem ser sintetizadas em laboratrios (como o caso de matria

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    prima para remdios ou projetos genticos patenteados a posteriori com base nos conhecimentos tradicionais).

    Quanto percepo positiva que a sociedade brasileira, em geral, tem sobre a identidade indgena, esta se deve ao crescimento e forta-lecimento do movimento indgena nos ltimos trinta anos no Brasil, que, por sua vez, consolidou-se atravs de um conjunto de leis prprias a estas sociedades a partir da Constituio de 1988; que lhes garantiu o direito de expressarem livremente seus costumes e tradies, assim como organizarem-se sociopoliticamente de forma autnoma, e esco-lher livremente modelos econmicos que lhes garantam a sobrevivncia fsica em suas terras.9

    Fora da regio amaznica, comunidades indgenas do nordeste brasileiro despontaram-se no cenrio nacional nas ltimas duas dca-das. Comunidades previamente consideradas parte indiferenciada da populao denominada cabocla ou tapuia do nordeste, tm sido reconhecidas como providas de identidades indgenas distintas e pr-prias, em um movimento denominado etnognesis (cuja contrapartida das prprias sociedades indgenas tornaram-se mister). Diante da falta de um idioma ou outras prticas que os distingam de vizinhos no-indgenas, o ritual denominado tor e sua performance tornaram-se caractersticas diacrticas de autoridade e representao de identidade tribal no nordeste (Grunewald 2005; Oliveira 1999; Viegas 2001).

    As sociedades indgenas do sul do pas tambm tm se beneficiado e ativamente respondido crescente importncia da identidade indgena, assim como das polticas pblicas de incluso cultural. Programas de sa-de e educao voltados para as populaes autctones da regio sul tm recebido financiamentos pblicos crescentes na ltima dcada. Programas promotores das ideologias de identidade tnica e participao indgena na execuo dos mesmos tm crescido circunstancialmente. Ademais, observa-se a colaborao de ONGs em programas de promoo de sade, educao e desenvolvimento econmico nas TIs, apesar destas parcerias darem-se mais em nvel nacional com recursos pblicos ou atravs de atividades de pesquisa e extenso de universidades da regio.

    Algumas razes podem explicar esta caracterstica. So estas: o fato dos ndios do sul no estarem includos no imaginrio ocidental de exotismo como alguns grupos indgenas da Amaznia e do Xingu o

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    Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer: uma Anlise da Performance Identitria dos Lakln (Xokleng) de Santa Catarina

    so, assim como localizarem-se em reas urbanas, com o meio ambiente muito degradado, e/ou por estarem em regies cujas riquezas naturais j se encontrarem profundamente dilapidadas, e, finalmente, por terem sido ofuscadas pelo conceito da aculturao, amplamente difundido entre as sociedades brasileira e internacionais como um todo.10

    Neste contexto e escopo de anlise proposto pelo presente artigo, talvez a caracterstica que mais distinga os ndios do sul frente aos demais da regio amaznica, serrado e nordeste, seja a ausncia de organizaes indgenas fortes e representativas como observada nestas outras regies. As populaes J e Guarani do sul, embora numerica-mente considerveis, esto representadas por poucas organizaes de natureza local, tendo pouca expresso na arena nacional das polticas indigenistas. Porm, como demonstrado pela festa dos Xokleng, os ndios do sul esto manifestando a conscincia do valor da imagem do ndio autntico nas polticas de identidade e expressando uma re-definio do poder e visibilidade destas sociedades luz das ideologias dominantes no cenrio indigenista atual, talvez novas reetinizaes (Baniwa 2008) estejam a caminho dos ndios do sul.

    Por fim, apesar de as performances culturais destes grupos es-tarem atuando como instrumento edificador da crescente identidade tnica entre os mesmos, poucos estudos antropolgicos tm se dedi-cado anlise destas performances de forma comparativa frente ao observado em outras partes do Brasil, ou em outras partes.

    Sendo assim, a Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer aconteceu em meio a um contexto cujo olhar favorvel ao ndio puro, que vive junto natureza, tido como seu principal guardio, mesmo que esta tenha traos de recriao e incorporao de elementos e materiais exgenos ao seu passado material e imaterial (como a oca dentre outros), ou que elas se dem em um ambiente fsico degradado como o caso da TII inundada por um lago de conteno provocado pela construo da barragem sem florestas nativas, devastadas a partir dos anos 80. Ademais, a autenticidade indgena apresentada no escopo do cenrio nacional, aos olhos dos Lakln, perpassa o campo cultural-religioso, onde os ndios puros so os pentecostais, evidenciando, desta forma, que os projetos globais de autenticidade so, em ultima instncia, subjacentes ao crivo da autenticidade e da legitimidade locais.

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    Notas1 Henry (1941) e Mussolini (1980) erroneamente os haviam identificado como

    Kaingang em suas publicaes.2 Para informaes etnogrficas mais detalhadas acerca do grupo ver Henry 1941;

    Santos 1997; Urban 1978, 1996; Wiik 2004.3 Os Ngrokthi-t-pry foram contatados na primeira dcada do seculo 20 e os

    Angying nunca foram contatados oficialmente, acreditando-se na sua extino (verUrban 1978; Santos 1973; Wiik 2004). Sobre o subgrupo do Planalto Serrano verPereira 1995).

    4 Para maiores detalhes deste processo de reetnizao e etnognese entre os povosindgenas no Brasil ver Gersem Baniwa (2008) e Oliveira Filho (1998). Ver Bartolom(2006) para uma reviso geral.

    5 Alm das pesquisas que realizamos no passado, pretendamos iniciar um novoprojeto de pesquisa em Janeiro de 2004.

    6 Para mais detalhes sobre organizao social e dinmica poltica dos Xokleng verMuller 1988; Santos 1973; Urban 1978; Wiik 2004.

    7 Este rito deve representar a reintegrao da viva aps ausentarem-se fisicamentede seus respectivos grupos domsticos com a morte dos maridos. Urban (1996: 15)descreve duas cerimnias, segundo o autor, ainda praticadas no perodo de suapesquisa nos anos 70, a recluso da viva e a festa de reintegrao.

    8 Uma foto dela est publicada em Santos (1997: 142).9 Para maiores detalhes vide Gersem Baniwa 2008.10 Recentemente, os Kaingang da Terra Indgena Xapec fundaram um Organizao

    no Governamental para gerir os recursos provenientes do Governo Federal desti-nados sade indgena, fato que pode ser o prenuncio de mais organizaes admi-nistradas pelos indgenas no sul do Brasil.

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