lavagem de dinheiro e honorÁrios advocatÍcios · assim como o crime de receptação (art. 180 do...
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Revista Pensar Direito,Vol. 7, No.2, JUL/2016
LAVAGEM DE DINHEIRO E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Guilherme Caram e Silva1
Resumo
O presente artigo analisa a (im)possibilidadede um advogado ser criminalmente
responsabilizado pela conduta de receber honorários advocatícios sabidamente fruto da
prática de infrações penais. A questão será examinada sob o ponto de vista dogmático-penal,
doutrinário e jurisprudencial, partindo-se da atual lei de lavagem de capitais (Lei
9.613/98)com ênfase na abordagem do conceituado jurista RENATO BRASILEIRO LIMA.
Palavras-Chaves: Lavagem de dinheiro. Advogado. Honorários Advocatícios.
Responsabilidade. Controle punitivo.
1. INTRODUÇÃO
A advocacia criminal é sem dúvida uma das mais belas e complexas carreiras
humanas, pois cuida dos mais importantes bens que um ser humano pode ter, além da própria
vida e saúde, quais sejam, sua liberdade e sua honra. Mas, o advogado criminalista é, em
geral, mal compreendido, sendo confundido com o próprio cliente que defende, apenas sendo
louvado por quem dele vem a precisar. Num Estado Democrático de Direito, por amparar
também os “inimigos da sociedade”, partilham com seus clientes da degradação pública.
Como se não fossem suficientes as agruras da advocacia criminal nos foros judiciários
e nas delegacias de polícia, além de sua degradação midiática e por outros órgãos e
instituições estatais, existe ainda a presença de maus profissionais que associados a seus
“clientes” perpetram delitos dos mais diversos, incluído o crime de lavagem de capitais
quando do recebimento de honorários “maculados” (honorários advocatícios produto de
infração penal) que acabam por manchar ainda mais a reputação de toda uma classe
profissional.
O objeto da pontual discussão a ser desenvolvida nesse trabalho circunscreve-se à
(im)possibilidade de caracterização do crime de lavagem de capitais em razão da prática de
conduta de recebimento de honorários “maculados” por advogado no exercício de sua função
que atua com (in)observância das regras éticas que os regem.
1 Bacharelando em Direito pela Faculdade Promove
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Variadas são as questões ético-jurídicas envolvendo a figura do advogado e o crime de
lavagem de dinheiro. Seria possível a imputação de tal delito ao profissional que efetivamente
exerce sua função, com observância das regras ético-profissionais que regem sua função?
Estaria o advogado na sua atuação profissional obrigado às condutas de prevenção de lavagem
de capitais, ou seja, alguém juridicamente obrigado a fornecer informações sobre seus clientes
e operações por ele efetuadas aos órgãos estatais de prevenção e repressão a esta prática
ilícita? O advogado se submeteria às regras do artigo 29 do Código Penal referentes ao
concurso de agentes em razão de aconselhamento aos seus clientes acerca do
desenvolvimento e execução de formas de lavagem de dinheiro?
Nesse passo, para MAIA (2004, p. 53), lavagem de dinheiro pode ser definida da
seguinte forma:
A lavagem de dinheiro pode ser definida como o conjunto complexo de operações, integrado pelas etapas de conversão (placement), dissimulação (layering) e integração (integration) de bens, direitos e valores, que tem por finalidade tornar legítimos ativos oriundos da prática de atos ilícitos penais, mascarando esta origem para que os responsáveis possam escapar da ação repressiva da Justiça. (2004, p.53).
Buscando maior rigor e eficiência na persecução penal do crime de lavagem de di-
nheiro, após longo período de tramitação legislativa, foi promulgada a Lei 12.683/2012, que
trouxe significativas alterações à Lei 9.613/98. Imprecisa quanto ao seu alcance, a Lei tem
sido objeto de acaloradas discussões de especial relevância para os advogados e sociedades de
advogados.
Nesse contexto pretende-se mostrar no presente artigo que o Advogado, sempre
essencial ao exercício da justiça (art. 133 da CF/88), não pode admitir ser usado por agentes
criminosos como mecanismo ou instrumento de lavagem de dinheiro. O imprescindível
direito de sigilo profissional dos Advogados não pode acobertar atividades criminosas,
tornando, neste caso, possível eventuais determinações judiciais de sua quebra (ex.: sigilo de
comunicações e movimentações financeiras), com a finalidade de viabilizar a prova dos fatos.
1.1 ACÓRDÃO PARADIGMA
EMENTA: PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. LAVAGEM DE DINHEIRO.
RESPONSABILIDADE PENAL DO ADVOGADO E DO CONTADOR. INEXISTÊNCIA
DE DEVER DE COLABORAÇÃO. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS FACTUAIS
OBJETIVAS. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. Os artigos 9º e 10 da Lei 9.613/98
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não incluem o contador e o advogado entre os profissionais que possuem dever de
colaboração (compliance) com a repressão à lavagem de dinheiro (identificação de clientes,
manutenção de registros e comunicação de operações financeiras com sérios indícios de
lavagem de dinheiro). 2. O próprio Conselho Federal de Contabilidade não exige do
contador a obrigação de fiscalizar a veracidade das informações que lhe são repassadas
pelos seus clientes, conforme muito bem observou o ilustre Juiz Federal Eduardo Gomes
Philippsen na sentença proferida na AP nº 2007.71.04.004606-0/RS. Evidentemente, isso não
significa que um profissional da contabilidade jamais poderá ser responsabilizado
criminalmente. Por ocasião do julgamento da ACR nº 2004.04.01.025529-6, Rel. Juíza
Federal ELOY BERNST JUSTO, D.E. 28-06-2007, a Oitava Turma da Corte teve a
oportunidade de manter a condenação por sonegação fiscal de um contador que trabalhava
em um departamento de contabilidade exclusivo da aludida escola de informática, o qual
controlava diretamente todas as falsidades fiscais que propiciaram vultoso crime contra a
ordem tributária. 3. Ademais, a simples prestação de serviços advocatícios pelo acusado
(contador e advogado) por ocasião da constituição da empresa utilizada para a ocultação de
capital proveniente de tráfico internacional de drogas não é, por si só, suficiente para
justificar a sua condenação, porque a acusação não logrou êxito em indicar na denúncia e
comprovar ao longo da instrução que o réu teria incorrido no tipo penal do artigo 1º, inciso
I, § 2º, I e II da Lei 9.613/98, isto é, que sabia dos propósitos obscuros da aludida pessoa
jurídica. 4. Portanto, se é verdade que advogados e contadores também podem praticar o
branqueamento de capitais quando as circunstâncias factuais objetivas preconizadas pelo
artigo 6º, item 2, "f", da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional (v.g. pagamento de honorários em espécie, valores fracionados, em joias)
demonstrarem que houve subversão da sua atuação profissional, orientando e auxiliando,
direta ou indiretamente, seus clientes no desiderato de ocultar ou dissimular
valoresprovenientes dos delitos precedentes, também é certo que esses profissionais liberais
não podem ser incriminados pelo simples contato que tiverem com os autores dos crimes
antecedentes quando o órgão acusatório deixar de demonstrar, com segurança, como no caso
em tela, os aspectos que denotam a ciência dos fins ilícitos da assessoria prestada. 5.
Embargos infringentes providos. (TRF4, ENUL 2007.70.00.026565-0, QUARTA SEÇÃO,
Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, D.E. 24/06/2011).
2. BREVES APONTAMENTOS SOBRE O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
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BADARÓ E BOTTINI (2013, p.30) entendem que a incriminação da lavagem de
dinheiro, veiculada pela lei 9.613/98, é resultado de compromisso assumido pelo Estado
brasileiro no plano internacional ao firmar a Convenção de Viena, a Convenção de Palermo e
a Convenção de Mérida.
A lavagem de dinheiro configura, basicamente, uma atividade de desvinculação ou
afastamento do dinheiro de sua origem ilícita para que possa ser usufruído. A criação dos tipos
penais referentes a essa atividade ilícita parte da ideia de que o agente que busca proveito
econômico na prática criminosa precisa disfarçar a origem dos valores, ou seja, desvincular
(ocultar, dissimular) o dinheiro de sua origem delituosa conferindo-lhe aparência lícita a fim
de poder aproveitar os ganhos espúrios, pois o móvel do agente ao realizar as condutas
voltadas à lavagem de capitais é justamente a acumulação material (LIMA, 2014).
Segundo LIMA (2014, p.284) o delito de lavagem de capitais abrange fases ou
momentos distintos sendo que a primeira fase seria a colocação (placement) que é a separação
física do dinheiro dos autores do crime sendo antecedida pela captação e concentração do
dinheiro (ex: transferência de valores para paraísos fiscais ou aquisição de imóveis).
Já a segunda fase, segundo este mesmo autor, é chamada de dissimulação (layering)
onde se multiplicam as transações realizadas anteriormente pelo agente de modo que se perca
a “trilha do dinheiro”. É a lavagem propriamente dita (ex: sucessivos empréstimos).
Por fim, a terceira fase é a integração (recycling) momento em que o dinheiro é
empregado em negócios lícitos ou na compra de bens atuando o agente conforme as regras do
sistema (ex: simulação de obtenção em pagamento por serviços de difícil mensuração como
as consultorias em geral);
Relevante destacar, contudo, que não se exige a ocorrência dessas três fases para a
consumação do delito. Nenhum dos tipos penais da lei 9.613/98 exige, para a consumação,
que o dinheiro venha efetivamente a ser integrado com aparência lícita ao sistema econômico
formal. Não é necessário o exaurimento integral das condutas do “modelo trifásico” para o
aperfeiçoamento do delito (LIMA, 2014).
Assim como o crime de receptação (art. 180 do CP) e o crime de favorecimento real
(art. 345 do CP), a lavagem de dinheiro é considerada um crime acessório, derivado ou
parasitário pressupondo a ocorrência de uma infração penal anterior. Por óbvio, a infração
penal antecedente deve ser produtora de dinheiro, bem ou valor que será objeto de ocultação
(LIMA, 2014).
Na atual redação da lei 9.613/98, dada pela lei 12.683/12, não há mais um rol de
crimes antecedentes, pois bens, direitos ou valores provenientes de qualquer infração penal
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poderão ser objeto de lavagem de dinheiro, de modo a abranger até mesmo as contravenções
penais, nomeadamente o “jogo do bicho” e o “jogo de azar” (arts. 58 e 50 da LCP). Admite-
se que a própria lavagem de dinheiro seja considerada o crime antecedente, na chamada
lavagem de lavagem ou lavagem em cadeia, desde que comprovado o crime antecedente da
primeira. Portanto, a ausência da infração antecedente acaba por afastar a própria tipicidade
do delito de lavagem de dinheiro. Portanto, segundo o último autor acima referenciado trata-
se de uma lei de terceira geração(LIMA, 2014) e nesse passo, BRUNO TITZ DE
REZENDE,brilhantemente esclarece as gerações das leis da seguinte forma:
A doutrina nacional frequentemente faz menção à classificação em gerações das leis que incriminam a lavagem de dinheiro. As de “primeira geração” são aquelas que consideram crime apenas a ocultação ou dissimulação do dinheiro proveniente do tráfico ilícito de entorpecentes (esse seria o único crime antecedente da lavagem de dinheiro). As leis de “segunda geração” ampliam o número de crimes antecedentes, trazendo um rol taxativo de crimes considerados graves. E as de “terceira geração” extinguem esse rol, sendo considerada lavagem de dinheiro a ocultação ou dissimulação de valores provenientes de quaisquer crimes (2013, p. 54).
Ademais, de acordo com o art. 2º, inc.II, da lei 9.613/98 o processo e julgamento dos
crimes de lavagem de capitais independem do processo e julgamento das infrações penais
antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes
previstos na Lei de Lavagem a decisão sobre a unidade de processo e julgamento.
Mas, essa autonomia é condicionada à existência de indícios da infração penal
antecedente (art. 2º, §1º da lei 9.613/98), sendo desnecessária a existência de prova cabal da
materialidade desta e suficiente a existência de indícios de que o agente praticou tal infração
antecedente e que tem bens sem origem lícita comprovada. Assim, a comprovação da
ocorrência da infração antecedente afigura-se como uma questão prejudicial homogênea do
próprio mérito da ação penal relativa ao crime de lavagem de dinheiro (art. 92 do CPP) tendo
o juiz o dever de abordar essa questão, afirmando estar convencido da existência da infração
antecedente (LIMA, 2014).
Destarte, segundo LIMA (2014, p.292) foi adotado o princípio da acessoriedade
limitada em que para a tipificação da lavagem de capitais, o fato anterior deve ser típico e
ilícito, sendo desnecessária, todavia, a comprovação de elementos referentes à autoria, à
culpabilidade ou à punibilidade da infração antecedente. Nesse sentido, o art. 2º, § 1º, da lei
9.613/98 dispõe que
a denuncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta lei, ainda que desconhecido ou
isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente.
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Dependendo a lavagem de uma conduta antecedente que seja típica e ilícita, afasta-se a
possibilidade de condenação pelo delito de lavagem se acaso o autor da infração antecedente
for absolvido com fundamento na prova da inexistência do fato (art. 386, inc.I do CPP), não
haver prova da existência do fato (art. 386, inc. II do CPP), não constituir o fato infração
penal (art. 386, inc.III do CPP), ou quando existirem circunstancias que excluam o crime ou
mesmo se houver fundada dúvida sobre a existência de causas excludentes de ilicitude (art.
386, inc. VI, 1ª parte)(LIMA, 2014).
Em sentido contrário, conclui-se que subsiste a possibilidade de tipificação do crime
de lavagem de capitais ainda presente uma causa excludente da culpabilidade em relação à
infração antecedente, por exemplo, o chamado erro de proibição inevitável (LIMA, 2014).
Na mesma linha, consistindo a punibilidade mera consequência do delito, forçoso é
concluir que a incidência de uma causa extintiva da punibilidade não tem o condão de retirar
o caráter delituoso da conduta antecedente (ex: prescrição, pagamento de débito tributário).
Da mesma forma, a presença de escusas absolutórias, imunidades parlamentares, ou a
concessão de perdão judicial em relação à infração antecedente, também não impedem a
punição pelo crime de lavagem de capitais (LIMA, 2014).
Contudo, se absolvição houver em relação à infração penal antecedente com
fundamento na prova de que o acusado não concorrera para a infração penal (art. 386, inc.
IV do CPP), ou que não havia prova de ter o acusado concorrido para o delito (art. 386, inc.
V), ou em virtude da presença de circunstância que isenta o réu de pena ou se houver
fundada dúvida sobre sua existência (art. 386, inc. VI, in fine), subsiste a possibilidade de
responsabilização criminal pela prática do crime de lavagem de capitais, desde que
comprovada a tipicidade e ilicitude da conduta anterior (LIMA, 2014).
Ainda segundo LIMA (2014, p. 294), no que tange à tentativa, é irrelevante para a
configuração da lavagem que a infração antecedente tenha sido apenas tentada, desde que,
nesse processo, tenham sido produzidos bens ou valores a serem lavados. Evidentemente,
para que se possa cogitar da prática do crime de lavagem de dinheiro, é preciso que ocorra
pelo menos o início da execução da infração antecedente (art. 14, parágrafo único do CP),
pois a mera cogitação ou preparação não são puníveis no ordenamento pátrio, salvo em
hipóteses excepcionais em que algum ato preparatório passa a ser tipificado de forma
autônoma, por exemplo, o crime de associação criminosa (art. 188 do CP).
No que diz respeito ao bem jurídico tutelado sua determinação na doutrina não é
tranquila, existindo quatro principais correntes(LIMA, 2014, p. 288):
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a) o mesmo bem jurídico da infração penal antecedente, que é novamente ou mais
intensamente lesado com a prática da lavagem;
b) a administração da justiça, com base na ideia de que o cometimento desse crime
torna difícil a recuperação do produto do crime dificultando a atuação do Poder Judiciário;
c) a ordem econômica ou socioeconômica é afetada, pois a lavagem se dá mediante
utilização do sistema financeiro, bem como porque a lavagem constitui um obstáculo para a
atração de capital estrangeiro lícito e compromete a confiança que é essencial ao
funcionamento do sistema financeiro;
d) crime pluriofensivo.
De acordo com a primeira corrente a lavagem de dinheiro decorrente do crime de
tráfico de drogas, por exemplo, afetaria a saúde pública. Tal posição leva a uma superproteção
do bem jurídico do crime antecedente. Cuida-se de posição minoritária, vez que, admitida a
criminalização de um comportamento que incide sobre um bem jurídico já afetado e lesionado
por uma conduta anterior, a punição pelo segundo crime estaria fundada na afetação do
mesmo bem já lesionado, o que caracterizaria bis in idem (LIMA, 2014).
Já para a segunda corrente a criminalização da lavagem de capitais está relacionada à
necessidade de utilização do Direito Penal para suprir a incapacidade do Estado em investigar
e punir adequadamente a infração antecedente e rastrear seu produto (LIMA, 2014).
Para a doutrina majoritária funcionaria a lavagem de capitais como um obstáculo à
atração de capital estrangeiro, afetando o equilíbrio do mercado, a livre concorrência, as
relações de consumo, a transparência etc tumultuando o funcionamento da economia formal e
o equilíbrio entre seus operadores. Representa a lavagem de dinheiro, enfim, um elemento de
desestabilização econômica. Portanto, um crime contra a ordem econômico-financeira
(LIMA, 2014).
A quarta corrente sustenta que a lavagem de dinheiro ofende mais de um bem jurídico.
Entende-se, por abdicar de uma indicação precisa do bem jurídico tutelado, esta proposta de
pluriofensividade esvazia o conteúdo teleológico da norma, deixando de contribuir para a
orientação da lei penal (LIMA, 2014).
O objeto material do delito de lavagem de capitais são os bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (art. 1º da Lei 9.613/98.)
Contudo, a doutrina adverte que a ocultação ou dissimulação de bens de posse ilícita,
tais como drogas ou armas, ainda que produtos de determinada infração, não constituem
lavagem de capitais porque são puníveis como crimes distintos e autônomos. (LIMA, 2014).
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Ademais, cabe observar que por ser o objeto material da lavagem de capitais oriundo
necessariamente de infração penal, produto direto ou indireto de crime ou contravenção penal,
depreende-se que valores provenientes de ilícitos civis ou administrativos não estão
abrangidos pela Lei 9.613/98 (Ex: improbidade administrativa ou crimes de
responsabilidade).
Por fim, a análise sobre os sujeitos do delito de lavagem de dinheiro bem como as
considerações sobre o tipo subjetivo, em razão de sua grande importância para o objeto/tema
do presente artigo, será feita em tópico separado.
2.1 SUJEITOS DO CRIME/TIPO SUBJETIVO
Uma simples análise do tipo penal (art. 1º) nos permite concluir que o elemento
subjetivo é o dolo einexiste a forma culposa.
Diante da redação original da lei 9.613/98, o dolo também devia abranger o
conhecimento acerca de um dos crimes antecedentes listados nos revogados incisos do art. 1º,
o que dificultava sobremaneira a persecução penal em relação ao crime de lavagem de
capitais. Com efeito, a técnica utilizada na redação do art. 1º antes do advento da lei
12.683/12, individualizando os crimes antecedentes, ignorava fato(s) inerente(s) ao processo
de lavagem de capitais, qual seja, o de que responsáveis pela ocultação de bens, geralmente,
ignoram os detalhes dos crimes de que resultaram tais valores. Podem até saber que se trata de
dinheiro sujo, mas preferem desconhecer a natureza especifica do crime antecedente (LIMA,
2014).
Nesse passo, a lei 12.683/12 pôs fim ao rol de crimes antecedentes, figurando em seu
lugar, a expressão “infração penal”. Se, antes, era necessário que o agente tivesse consciência
de que os valores por ele ocultados eram provenientes de um dos crimes antecedentes listados
nos incisos do original art. 1º, por exemplo, o tráfico de drogas, agora bastará que o autor da
lavagem de capitais tenha ciência de que os valores são provenientes de infração penal, o que
facilita sobremaneira a comprovação do elemento subjetivo do delito. Logo, se o agente tiver
ciência de que os bens são produto direto ou indireto de infração penal e agir com consciência
e vontade de encobri-los, deverá responder pelo crime de lavagem de capitais, o que inclui os
Advogados que assim procederem (LIMA, 2014).
Mas, o que deve exatamente saber o agente, acerca da infração antecedente, para que
se possa afirmar a presença do dolo permitindo a punição pelo crime de lavagem de capitais?
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Para responder a essa indagação recorre-se novamente ao pensamento de RENATO
BRASILEIRO DE LIMA ao citar um dos principais especialistas na doutrina do crime de
lavagem de dinheiro e um dos brasileiros mais polêmicos da atualidade, idolatrado por uns e
odiado por outros: SÉRGIO FERNANDO MORO - Juiz Federal em Curitiba e detentor da
competência, em primeira instância, para aferir os fatos e as questões jurídicas envolvendo os
indivíduos investigados na Operação Lava-jato da Polícia Federal. Vejamos:
A tal indagação, Moro assevera que os profissionais da lavagem, provavelmente o principal alvo ou, pelo menos, o alvo imediato das leis de combate à lavagem, raramente terão conhecimento preciso a respeito da infração antecedente. Exigir tal conhecimento teria impacto significativo na eficácia da lei. Do ponto de vista moral, por outro lado, parece ser irrelevante que o agente tenha conhecimento específico do delito-base, bastando para a reprovação que tenha conhecimento da origem e natureza delituosa dos valores, bens ou direitos envolvidos De fato, como a Lei 9.613/98 não exige explicitamente um conhecimento específico acerca dos elementos e circunstâncias da infração antecedente, subentende-se que o dolo deve abranger apenas a consciência de que os bens, direitos e valores objeto da lavagem são provenientes, direta ou indiretamente, de uma infração penal. Será dispensável, pois, o conhecimento do tempo, lugar, forma de cometimento, autor e vítima da infração precedente. Não seria político-criminalmente adequado exigir um conhecimento detalhado e pormenorizado da infração de onde derivam os bens. Caso contrário, só poucas condutas seriam puníveis. Outrossim, pouco importa o conhecimento técnico-jurídico por parte do agente acerca da subsunção da conduta anterior neste ou naquele tipo penal. Na verdade, basta que o agente tenha uma representação paralela na esfera do profano de que tais bens são provenientes de uma infração penal. A título de exemplo, se o lavador terceirizado assumir que os bens ilícitos são provenientes de tráfico ilícito de drogas, é de todo irrelevante que, posteriormente, outra infração penal seja apontada como fonte dos valores espúrios. Afinal, se, diante das alterações produzidas pela Lei 12.683/12, passou a figurar como elementar da lavagem apenas a consciência de que os valores ocultados são provenientes de infração penal, pouco importa que o juízo de tipicidade feito pelo autor da lavagem de capitais recaia sobre infração diversa daquela efetivamente cometida pelo autor do crime/contravenção anterior” (2014, p. 311).
Ademais, segundo o autor acima citado, esse conhecimento acerca da origem
criminosa dos bens deve se manifestar no momento da execução do ato de lavagem, ou seja,
por ocasião da realização do tipo objetivo. A eventual ocorrência de um dolo subsequente não
permite que se conclua pela presença do elemento subjetivo, salvo em se tratando de crime
permanente2.
2 Compreendida a lavagem de capitais como espécie de crime permanente responderá o agente
normalmente pelo crime do art. 1º da Lei 9.613/98 caso a ocultação ou dissimulação venha a se protrair no tempo. Não se olvida, contudo, da existência de entendimento no sentido de se tratar de crime instantâneo de efeitos permanentes que se consuma com a ação de esconder, funcionando a manutenção dessa ocultação com um efeito permanente do comportamento inicial.
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Admitido também o dolo eventual, sendo suficiente que o dolo atinja a existência da
infração penal antecedente, não se exigindo que o lavador conheça especificamente como se
deu a conduta anterior (LIMA, 2014).
Admitir o dolo eventual implica admitir a ocorrência do crime quando o lavador do
dinheiro não tem certeza de que o objeto da lavagem é produto de atividade criminosa, mas
assume o risco de que os bens tenham origem criminosa, com base no indicativo dado pelas
circunstâncias do fato.
Assim, o delito de lavagem de dinheiro restará configurado quer quando o agente tiver
conhecimento de que os valores objeto da lavagem são provenientes de infração penal (dolo
direto), quer quando, ainda que desprovido de conhecimento pleno da origem ilícita dos
valores envolvidos, ao menos tenha ciência da probabilidade desse fato suspeitando da
existência de uma infração penal produtora, agindo de forma indiferente à ocorrência do
resultado delitivo (dolo eventual). A propósito, um dos objetivos da Lei 12.683/12 foi
inclusive o de expandir a punição dos crimes de lavagem de dinheiro a título de dolo
eventual3.
Mas apesar do artigo 1º, §2º, inciso I ter sido alterado para permitir a punição a título
de dolo eventual, o mesmo não aconteceu com o tipo penal do inciso II do mesmo §2º, que
prevê que incorre na mesma pena do crime de lavagem de capitais quem “participa de grupo,
associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é
dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei”. Assim, tal figura delituosa é punida
exclusivamente a título de dolo direto, não admitindo o dolo eventual.
Nesse contexto, a fim de justificar a punição de delito de lavagem de capitais quando
presente o dolo eventual foi desenvolvida a chamada Teoria da cegueira deliberada ou
evitação de consciência ou, ainda, instruções da avestruz, a ser aplicada nas hipóteses em que
o agente tem consciência da possível origem ilícita dos bens por ele ocultados ou
dissimulados, mas, mesmo assim, deliberadamente cria mecanismos que o impedem de
aperfeiçoar sua representação acerca dos fatos. Se acaso o agente vier a ser responsabilizado
pelo crime de lavagem de dinheiro, poderá sustentar a ausência do elemento cognitivo do
dolo, o que pode dar ensejo a eventual absolvição em virtude da atipicidade da conduta,
porquanto não se admite a punição da lavagem a título culposo (LIMA, 2014).
3 Perceptível, com o advento da lei 12.683/12, que a restrição antes existente e baseada na expressão que sabe serem provenientes (art. 1º, §2º) foi suprimida. Na nova redação do tipo penal a mudança deixou evidente que esta figura delituosa poderá ser punida tanto a título de dolo direto quanto eventual.
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Para RENATO BRASILEIRO DE LIMA:
Essa teoria fundamenta-se na seguinte premissa: o individuo que, suspeitando que pode vir a praticar determinado crime, opta por não aperfeiçoar sua representação sobre a presença do tipo objetivo em um caso concreto, reflete grau de indiferença em face do bem jurídico tutelado pela norma penal tão elevado quanto o daquele que age com dolo eventual, daí por que pode responder criminalmente pelo delito se o tipo penal em questão admitir a punição a título de dolo eventual (2014, p. 319).
Portanto, restará configurado o crime, a título de dolo eventual, quando comprovado
que o autor da lavagem de capitais tenha deliberado pela escolha de permanecer ignorante a
respeito de todos os fatos quando tinha a possibilidade de se informar e, eventualmente, atuar
de forma diversa. Ninguém pode beneficiar-se de uma causa de exclusão de responsabilidade
penal provocada por si próprio.
Prosseguindo, o crime de lavagem de dinheiro é crime comum, que, no Brasil, pode
ser cometido até mesmo pelo sujeito ativo da infração penal antecedente (autolavagem), ao
contrário do que se dá com os crimes de receptação (art. 180, do CP) e com o favorecimento
real (art. 349 do CP), que não podem ter como autor a mesma pessoa que praticou a infração
penal antecedente. (LIMA, 2014)
A legislação brasileira não veda expressamente a autolavagem, não há qualquer
reserva nesse sentido. A propósito, comparando-se a própria redação do art. 1º, caput, da Lei
9.613/98, com aquela do crime de favorecimento real (art. 349 do CP), é possível notar que
consta deste tipo penal expressa exclusão do autor do crime antecedente, o que não acontece
no crime de lavagem de capitais (LIMA, 2014).
E a participação na infração antecedente não é condição para que se possa ser sujeito
ativo do crime de lavagem de capitais. Desde que o agente tenha conhecimento quanto à
origem ilícita dos valores, é perfeitamente possível que o agente responda pelo delito, mesmo
sem ter concorrido para a prática da infração antecedente.
Argumento doutrinário no sentido de se afastar a responsabilidade penal do autor da
infração antecedente pelo delito de lavagem de capitais seria o princípio do nemotenetur se
detegere(art. 5º, inc. LXIII, da CF/88), segundo o qual o acusado não é obrigado a produzir
prova contra si mesmo, e a consequente exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de
conduta diversa. Não se pode exigir do suposto criminoso que se entregue ou denuncie os
fatos por ele praticados aos órgãos de persecução penal. O sujeito ativo, diante da
possibilidade de evitar os efeitos prejudiciais que podem derivar da atuação estatal, encobre
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seu delito mediante a ocultação ou dissimulação dos bens que dele obteve não se podendo
exigir conduta diversa (LIMA, 2014).
A partir da discussão sobre os possíveis sujeitos ativos do delito e seus estados
anímicos no momento da prática das condutas típicas chegamos ao objeto da pontual
discussão a ser desenvolvida nesse artigo que cinge-se à (im)possibilidade de caracterização
de crime de lavagem de dinheiro em razão da prática de conduta de recebimento de
honorários “maculados” (produto de crime) por advogados que efetivamente exercem suas
funções com (in)observância das regras ético-profissionais.
Como tais profissionais podem se defrontar com operações suspeitas de lavagem de
dinheiro, surge a discussão acerca da necessidade de inseri-los no contexto do combate a esse
delito, mediante a imposição a esses de deveres de identificação e de comunicação de
atividades supostamente criminosas às unidades estatais de inteligência financeira, no caso do
Brasil, o COAF. Seriam os Advogados, dessa forma, gatekeepers, ou seja, profissionais
obrigados a colaborar para a proteção de bens jurídicos pela denegação de auxílio ou
colaboração com potenciais criminosos?
Nesse passo, se o profissional da advocacia tem ciência inequívoca, ou mesmo
fundada suspeita, de que o capital a ele entregue para a prática de determinada operação
financeira tem origem criminosa, ou se recebe tais valores como honorários, deveria se abster
de atuar (?), vez que é perfeitamente previsível o resultado de ocultação de tais valores.
Apesar de não existir referência expressa quanto aos profissionais da advocacia, fica
evidente que, ao se referir a lei às pessoas físicas ou jurídicas que prestem, ainda que
eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou
assistência, de qualquer natureza, o artigo 9º, parágrafo único, inciso XIV, da Lei 9.613/98,
pode, segundo alguns, ser interpretado no sentido de também abranger os advogados, sem que
isso acarrete violação de sigilo profissional. Mas, o tema é de extrema complexidade e não se
podem generalizar situações imputando o delito de lavagem de capitais a todo Advogado que
supostamente receba seus honorários em razão da prática delituosa de clientes.
3. O CONTROLE DA ORIGEM ILÍCITA DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
O ordenamento jurídico pátrio impõe aos particulares, cuja atividade pode servir de meio para
a lavagem de dinheiro, obrigações no sentido de evitar e coibir a ocorrência do crime de
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lavagem de dinheiro, na chamada política de compliance4. Portanto, a persecução à lavagem
de capitais passa pela cooperação entre o setor público (polícia, Ministério Público, unidades
de inteligência financeira) e o setor privado. Neste sistema, pessoas físicas e jurídicas que
atuam em campos sensíveis à lavagem de capitais são caracterizados como gatekeepers, pois
atuam ou tem acesso aos caminhos e métodos por meio dos quais flui o dinheiro obtido com
infrações penais (BADARÓ e BOTTINI, 2013).
Por força dessa posição privilegiada que os gatekeepers (profissionais obrigados a
colaborar para a proteção de bens jurídicos pela denegação de auxílio ou colaboração com
potenciais criminosos) ocupam são obrigados não apenas a se abster de colaborar com a
prática da lavagem de capitais, mas também de contribuir nas atividades de inteligência e
vigilância do poder público, prestando informações acerca de atos que possam caracterizar tal
atividade ilícita.
Aliás, objetivando tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de
dinheiro, a Lei 12.683/12 ampliou o rol de pessoas físicas e jurídicas que são obrigadas a
comunicar ao COAF a existência de operações suspeitas (art. 9º da lei 9.613/98). Diante desse
novo regramento, surgem diversos questionamentos acerca do advogado e eventual dever de
comunicar operações suspeitas de lavagem de capitais às autoridades competentes.
Como dito anteriormente, embora não conste expressamente na enumeração do rol de
pessoas obrigadas a auxiliar na identificação de atos que aparentemente constituam prática de
lavagem de dinheiro, podemos, em tese, identificar os advogados na classe dos profissionais
que prestam serviços de assessoria, consultoria, aconselhamento e assistência em operações
imobiliárias, societárias, financeiras, contratuais etc. (art. 9o, XIV, da Lei 12.683/2012).
Exatamente essa dúvida criada pela lei e o receio dos advogados em fornecer
informações ao Estado que possam prejudicar a defesa de seus clientes acabou por dividir a
doutrina, basicamente em duas posições antagônicas: a primeira defende que o advogado não
tem o dever de investigar a origem do dinheiro, tampouco oferecer informações sobre seus
clientes, em respeito ao sigilo profissional, já a segunda defende a inclusão dos advogados no
rol de profissionais obrigados a fornecer informações sobre as operações que tenham prestado
assessoria, consultoria, etc.
4Segundo Badaró e Bottini (2013, p. 36) o termo compliancediz respeito a um conjunto de disciplinas de
qualificação de agentes na elaboração de programas, normas e regulamentos para prevenção e identificação de lavagem de dinheiro, bem como a implementação de instrumentos de investigação e controle interno em instituições para impedir e reprimir operações direta ou indiretamente ligadas aos delitos de lavagem de capitais.
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Um primeiro entendimento, defendido veementemente pelos próprios advogados, é
incisivo em afirmar que o profissional da advocacia não esta inserido no rol do artigo 9º da
Lei de Lavagem de Dinheiro, não tendo o dever de investigar a origem dos honorários que
recebe e tampouco oferecer ao Estado informações sobre seus clientes, não sendo assim,
haveria uma afronta ao sigilo profissional, minando totalmente a atuação do advogado.
(BADARÓ e BOTTINI, 2013)
Pergunta-se então: o advogado, além de ter que se preocupar com a defesa, também
terá que investigar a origem espúria dos recursos utilizados para contratá-lo?
Respondem a essa indagação BADARÓ e BOTTINI:
Importante levar em consideração que o escopo da lei de lavagem de dinheiro é garantir a rastreabilidade do capital para que as autoridades públicas possam conhecer o caminho entre a infração e o destino dos bens. Não se impõe ao advogado o dever de investigar a origem do dinheiro ou os atos que justificaram sua aquisição. Exige-se apenas que seu recebimento seja registrado e anotado, para que os responsáveis pela investigação — dentre os quais não está o profissional liberal — tenham à sua disposição elementos para construir a cadeia de distribuição de eventuais recursos ilícitos (2013, p.135).
Assim, conforme observado pelos autores acima mencionados, não é dever do
advogado investigar a origem dos honorários recebidos pela prestação honesta e justa de um
serviço jurídico, tampouco não é dever informar o Estado sobre bens e valores movimentados
por seus clientes, em respeito ao sigilo profissional, não se vinculando o advogado as novas
exigências da Lei de Lavagem de Dinheiro.
Entre o recebimento de honorários de cliente suspeito da prática de infração penal e a
participação criminosa em atos de lavagem de dinheiro, existe um iter criminis a ser
delimitado e que compreende a noção do delito como um encadeamento de condutas
destinadas ao fim de conferir aparência lícita a valores obtidos por meio de crimes, bem como
o desrespeito às normas éticas que regem o exercício da advocacia.
Ademais, se o advogado não pode ser compelido, na condição de testemunha, a trazer
ao conhecimento dos órgãos de persecução penal fato resguardado pelo sigilo profissional,
que dizer de uma norma que pretende tornar o advogado o delator de seu cliente. Assim,
segundo essa primeira corrente, parece inquestionável que os advogados não são alcançados
pela obrigação de comunicação de atividades suspeitas de seus clientes, seja para o COAF,
seja para a OAB independentemente da natureza dos fatos de que tenham tomado ciência, e
desde que no estrito exercício de sua atividade profissional.
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E, ainda, fosse o advogado de representação contenciosa obrigado a delatar operações
suspeitas, a relação de confiança que deve existir entre os profissionais e seus clientes seria
relegada a segundo plano, já que o imputado teria receio de revelar a seu defensor detalhes
úteis ao exercício de sua ampla defesa (LIMA, 2014).
Uma atenta observação sobre a lei 9.613/98 e os aspectos objetivos e subjetivos dos
tipos penais, em resumo, de acordo com a doutrina, faz ver que o recebimento de honorários
espúrios por si só não configura conduta penalmente típica. Não há conduta de ocultar ou
dissimular, tampouco os elementos das figuras equiparadas5.
Novamente, como apontam GUSTAVO BADARÓ e PIERPAOLO BOTTINI:
O dinheiro recebido por profissional liberal, em contraprestação a serviços realmente efetuados, com a regular emissão de nota fiscal, não contribui para um mascarar o bem, uma vez que seu destino é conhecido. Não há ato objetivo de lavagem do dinheiro. A transparência/formalidade do pagamento afasta a incidência do dispositivo.
E continuam:
Também não existem as demais formas típicas (parágrafos 1º e 2º) porque ausente a intenção de ocultar ou dissimular no recebimento do pagamento, elemento subjetivo inerente aos tipos penais em comento. O advogado almeja apenas a remuneração por seus serviços e o fato de receber formalmente os valores aponta para a inexistência de qualquer vontade de contribuir para o seu encobrimento” (2013, p.141).
Então o advogado que exerce sua atividade profissional na defesa judicial de seu
cliente, que cobra honorários em contraprestação a serviços realmente efetuados e desde que
sua atuação não tenha uma finalidade ocultadora ou dissimuladora, não realiza o tipo penal
em discussão. Aquele valor de origem ilícita utilizado no pagamento dos honorários
advocatícios se transforma em prestação de serviços profissionais que, em princípio, não gera
um efeito de ocultação ou dissimulação de sua origem espúria (LIMA, 2014).
Enfim, o advogado, que efetivamente elabora defesa técnica de seu cliente e recebe a
devida contraprestação pecuniária, o faz como imperativo ético e legal, que decorre da própria
Constituição Federal, a qual expressamente diz que o “advogado é indispensável à
administração da justiça” (art. 133) sendo “direito e dever do advogado assumir a defesa
5
BRANCO, Fernando Castelo. O advogado e a nova lei de lavagem de dinheiro. Disponível em:
<http://www.cbadvogados.com.br/blog/o-advogado-e-a-nova-lei-de-lavagem-de-dinheiro/> Acesso em 14 de abril
de 2017.
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criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado” (art. 21, do Código
de Ética e Disciplina da OAB)6
Para essa primeira corrente, se assim não fosse, estaria, no mínimo, maculado o direito
do acusado à livre escolha do defensor e amesquinhada a garantia constitucional à ampla
defesa, apenas em razão de haver suspeita de lavagem de dinheiro. É dizer: se o recebimento
de honorários do acusado de prática de infração penal pudesse sempre ser presumido como
ato de lavagem de dinheiro, chegaríamos ao absurdo de impor advogados dativos ao
patrocínio de todas essas causas (LIMA, 2014).
Entretanto, há que se fazer uma pequena observação: diferente seria a situação de uma
advocacia consultiva e a prática de direção e assessoria jurídica (advogados de operações), ou
seja, atuação não processual (empresarial/tributária). Por conseguinte, se a consultoria for
prestada pelo advogado no sentido de se indicar a melhor e mais eficaz forma de se ocultar
valores obtidos a partir de uma infração penal, é perfeitamente possível que o profissional da
advocacia venha a responder pelo delito de lavagem de capitais (LIMA, 2014).
Nesse caso, se o advogado tem ciência inequívoca ou fundada suspeita de que o
capital a ele entregue para a prática de determinada operação financeira tem origem em
infração penal antecedente, deve se abster de atuar, pois visível o objetivo de ocultar ou
dissimular determinados valores.
Em sentido contrário, contudo, BADARÓ e BOTTINI:
Porém, a nosso ver, tal distinção, ainda que indicada em diversos documentos internacionais, não tem repercussão na perspectiva da legislação nacional. Em outras palavras, o tratamento da advocacia consultiva sem relação com litígio atual ou futuro deve ser o mesmo deferido àquela ligada a uma contenda judicial ou extrajudicial.
(...) Assim, a princípio, estamos diante aqui da mesma atividade de consultoria jurídica voltada a litígio, de forma que a exoneração do dever de comunicar também incide (2013, p. 141).
Já uma segunda corrente, em resposta à lacuna deixada pela nova redação do artigo 9º
da Lei de Lavagem de Dinheiro, defende, ao contrário, que o advogado tem sim o dever
deinvestigar a origem dos honorários por ele recebidos e informar ao Estado operações
suspeitas. Nesse sentido MARCELO BATLOUNI MENDRONI7:
6TORON, Alberto Zacharias. Disponível em:<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/recebimento-de-
honorarios-advocaticios-de-origem-duvidosa-possibilidade/8822>. Acesso em 14 de abril de 2017.
7MENDRON. Marcelo Batlouni. A participação dos advogados nos crimes de lavagem dedinheiro.Disponível
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O direito de sigilo profissional, como qualquer outro direito, não pode ser absoluto. Não é possível interpretar, nesses casos, que o advogado não possa ou não deva, “por dever de sigilo profissional” recusar-se a prestar informações a respeito de “qual a Causa” que defende, e “quem” é ou quem são os seus clientes. O sigilo profissional do advogado é evidentemente inerente ao âmbito do teor do processo, e não aos dados exteriores a ele relativos. Há, em resumo, duas situações possíveis: 1- O advogado, conscientemente, recebe dinheiro, sem defender qualquer causa, de uma pessoa, justifica-o como honorários, e deixa a quantia passar por sua conta (ou de seu escritório); 2- O advogado recebe, efetivamente, dinheiro, a título de honorários, por uma Causa que efetivamente defende em nome do cliente (regularmente constituído), sabendo ou podendo suspeitar, que ele não teria condições de arcar com aquele valor; No primeiro caso o Advogado pode tornar-se autor ou co-autor do crime de lavagem de dinheiro, desde que se prove que ele tinha conhecimento da origem ilícita do dinheiro (dolo direto), cf. art. 1° § 2° II da Lei n° 9.613/98; No segundo caso, entendemos, além de imoral, em face da ocorrência de dolo eventual, a conduta pode ser capitulada como incidente nos termos do art. 1° § 1° II (recebe, movimenta ou transfere) da Lei n° 9.613/98.
A inviolabilidade profissional do advogado segundo esse entendimento refere-se ao
exercício do patrocino de seu cliente e não à origem de seus honorários. O advogado, a
exemplo dos demais profissionais do Direito, está sujeito a um Código de Ética e não poderia
ser diferente, já que ele é indispensável à administração da justiça (art. 133 do CF/88). Assim,
incumbiria ao advogado o dever de investigar os honorários que recebe sob a pena, inclusive,
de responsabilização penal.
Assim, se o infrator paga honorários advocatícios com recursos vindos de infrações
penais, por razões óbvias, tira proveito do crime. Se os recursos de origem ilícita pudessem
ser utilizados para pagar honorários advocatícios tornar-se-iam limpos, podendo voltar, por
diversas formas, para o bolso do próprio criminoso. E, com isso, escritórios de advocacia
acabariam por se tornar “lavanderias” para limpar recursos do crime.
Nesse contexto, possível inserir na figura penal da lavagem de dinheiro o recebimento
de honorários advocatícios, se verificado que representa instrumento do conjunto fático de
processamento da lavagem, além da análise de todos os elementos subjetivos e objetivos do
tipo penal.
Entende-se que, caso o advogado atue fora do escopo da sua profissão, contribuindo
dolosamente para a incorporação de recursos provenientes de atos ilícitos na economia,
realizando, concebendo ou planejando operações, de modo a ocultar ou dissimular a origem
em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3388.> Acesso em 15 de abril de 2017.
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dos valores, pode incorrer na prática do crime de lavagem de dinheiro, transformando-se em
coautor da ação criminosa.
Se o recebimento de honorários, por si só, não configura prática de lavagem de
dinheiro por advogado, também é necessário afastar o reducionista entendimento de que o
pagamento de serviços advocatícios nunca configurará participação em tal delito.
O advogado não estaria imune à legislação de lavagem de dinheiro, e o fato do ato ser
praticado por um profissional da advocacia, ou no interior de um escritório não o protege da
incidência da norma penal. Com efeito, independentemente da modalidade da prestação do
serviço advocatício, a inviolabilidade do advogado refere-se ao exercício do patrocínio e não
à origem de seus honorários.
Assim, não seria razoável que pudesse receber honorários de origem supostamente
criminosa, sabendo ou pelo menos suspeitando de forma fundada dessa origem. O nobre e
imprescindível direito de sigilo profissional dos Advogados não pode acobertar atividades
criminosas, e, neste caso, passível de determinações judiciais de quebra de sigilos de
comunicações e movimentações financeiras, evidentemente, com a finalidade de viabilizar o
esclarecimento dos fatos (LIMA, 2014).
Perquirir a (i)licitude da origem de recursos utilizados para pagamento de honorários
advocatícios em situações de dúvida fundada não prejudica o exercício da atividade do
advogado. Muito pelo contrário, deixa-o com mais transparência a justificar sua
indispensabilidade à administração da Justiça, consoante notável destaque na Constituição
Federal.
Por fim, a título de curiosidade, ficou estabelecido entre o Conselho Federal da OAB e
o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que os advogados não estão
incluídos no rol do artigo 9º da Lei, bem como não estão obrigados a cumprirem os deveres
impostos no artigo 10º da lei 9.613/98, adotando o Brasil a posição defendida pela primeira
doutrina, que mencionamos no item 3 deste artigo, sem exceções (LIMA, 2014).
Os argumentos vencedores utilizados pela OAB foram no sentido de que os advogados
já contam com órgão de classe próprio, o único legitimado para criar novas obrigações aos
seus profissionais, bem como a necessidade de manutenção do sigilo profissional e da
confidencialidade entre advogado e cliente (LIMA, 2014).
Tal posição absurda que retira os advogados do âmbito de fiscalização do COAF traz
um grave inconveniente no que tange à persecução dos delitos de lavagem de dinheiro
praticados por advogados desonestos que cedem às investidas criminosas de seus clientes.
Venceu, portanto, o corporativismo típico do Estado brasileiro. Um total desrespeito à classe
Revista Pensar Direito,Vol. 7, No.2, JUL/2016
dos advogados, pelo menos no que diz respeito àqueles que atuam de forma proba e honesta,
pois receberão o mesmo tratamento dos infratores.
4. CONCLUSÃO
A lei 9.613/98, basicamente, busca evitar a utilização do produto e/ou do proveito de
condutas criminosas. Atividade profissional alguma pode estar imune ao poder de polícia do
Estado, de modo que o advogado que recebe honorários de origem ilícita incorre nos riscos
que a conduta representa. Cabe ao advogado a tarefa de trabalhar por justiça e não cooperar
em delito alheio invocando o sigilo profissional e o direito à ampla defesa como instrumentos
que lhe permita beneficiar de forma ilícita seu cliente ou a si próprio.
Assim, chega-se às seguintes conclusões:
- O direito de sigilo profissional, como qualquer outro direito, não pode ser absoluto.
Não é possível interpretar que o advogado não possa ou não deva por dever de sigilo
profissional recusar-se a prestar informações a respeito de um caso penal que defenda, e quem
é ou são os seus clientes;
- O advogado não está inteiramente desobrigado de prestar contas de sua atuação
profissional principalmente quando abusa de sua condição profissional recebendo honorários
tendo conhecimento da sua origem ilícita;
- O advogado pode ser criminalmente responsabilizado pelo delito de lavagem de
capitais se acaso receber os chamados honorários “maculados”. Mas para que a atividade do
profissional da advocacia seja enquadrada na lei de lavagem de capitais (Lei 9.613/98), é
preciso que ele receba seus honorários advocatícios com a finalidade de ocultar ou dissimular
a origem ilícita desse recurso;
- A imputação do crime de lavagem de dinheiro ao advogado que atua dentro dos
regramentos éticos de sua profissão configura, em verdade, um abuso do direito de acusar
pelo membro do Ministério Público que assim procede em nítido objetivo de constranger o
causídico violando o direito de defesa garantido constitucionalmente e que está intimamente
atrelado à prerrogativa do sigilo profissional.
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Revista Pensar Direito,Vol. 7, No.2, JUL/2016
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