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PARTE I AS BASES DA PESQUISA

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  • PARTE IAS BASES DA PESQUISA

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  • 1Teoria, Mtodo e Delineamento de Pesquisa

    Glynis M. Breakwell e David Rose

    1.1 Construo e testagem de uma teoria1.1.1 A importncia das teorias1.1.2 A construo bsica de uma teoria1.1.3 A natureza da explicao: por processo e funcional1.1.4 Construindo teorias mais complexas: induo e deduo1.1.5 Testando a teoria1.1.6 Estruturas tericas avanadas1.1.7 Testando uma estrutura terica1.1.8 O significado das teorias

    1.2 Adaptando metodologias teoria1.2.1 Tipo de dados obtidos1.2.2 Tcnica de obteno de dados1.2.3 Tipo de delineamento de monitoramento de mudana1.2.4 Nvel de manipulao1.2.5 Tratamento quantitativo ou qualitativo dos dados

    1.3 Integrando resultados de diferentes metodologias 1.4 Leituras recomendadas

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  • O objetivo deste captulo introduzir a importncia da construo terica e as difi-culdades associadas com a testagem de um modelo terico. Para alcan-lo, o mto-do cientfico e suas limitaes so descritos. As distines relevantes e frequentemente debatidas entre as abordagens positivistas e construcionistas da teoria e da pesquisa so resumidas. Diferentes tipos de coleta ou de obteno de dados so delineados e suas relaes com a anlise de dados so consideradas. As variedades de modelos de pesquisa que podem ser usadas para monitorar a mudana so examinadas e o papel da manipulao de variveis nos modelos de pesquisa explicado. O captulo conclui discutindo a significao da integrao dos resultados de diferentes tipos de mtodos.

    Termos-chaveAnomaliasCincia normalDeduoDelineamento longitudinalDelineamento sequencialDelineamento transversalEnunciado estipulativoExplicao funcionalExplicao por processoFalseabilidadeHiptesesInduo

    Mudana de paradigmaNavalha de Occam/OckhamPositivistasRegras relacionaisRevoluoTeoriaTese de Duhem-QuineTratamento qualitativoTratamento quantitativoVerificao dos procedimentos

    experimentais

    OBJETIVOS

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  • 24 Glynis M. Breakwell, Sean Hammond, Chris Fife-Schaw & Jonathan A. Smith

    1.1 CONSTRUO E TESTAGEM DE UMA TEORIA1.1.1 A importncia das teorias

    Fazemos pesquisa psicolgica para entender o pensamento, o sentimento e as aes das pessoas. Ns o fazemos para tentar entender o que est acontecendo. Para ser mais preciso, fazemos pesquisa psicolgica para descobrir o que aconte-ceu, como aconteceu e, se possvel, por que aconteceu. Usamos aconteceu em vez de acontecendo porque, na medida em que registramos alguma coisa, o passado inevitvel. Mas, h mais: uma vez que tenhamos alguma ideia dos tipos de coisas que podem acontecer e da relao entre elas em outras palavras, uma vez que tenhamos uma teoria podemos usar essa teoria para predizer o que acontecer no futuro. Se, alm disso, compreendermos por que as coisas acontecem do modo como acontecem, podemos mesmo estar aptos a melhorar o futuro, intervindo no mundo. Diz-se que conhecimento poder, e o conhecimento armazenado elegante e sistematicamente em forma de teorias. Consequentemente, a boa teoria tanto poderosa quanto possui relevncia prtica.

    A pesquisa no est inevitavelmente ligada construo de teorias formais ou testagem de teorias. Alguns pesquisadores evitam conscientemente a construo de teorias, e por razes filosficas. Eles usam sua pesquisa para descrever em deta-lhe acontecimentos especficos, sem qualquer inteno de usar os mesmos como instncias para ilustrar ou testar alguma estrutura explicativa subjacente. Outros pesquisadores ignoram a teoria porque fazem sua pesquisa por razes puramente prticas. Julgam necessitar apenas saber o que aconteceu para decidir o que eles (ou seus clientes) faro a seguir.

    Contudo, possvel argumentar que mesmo aqueles pesquisadores que no dis-pensam nenhum tempo para teorias formais esto, de fato, trabalhando com teorias implcitas. Qualquer conjunto de ideias acerca das relaes entre variveis (ou do que por vezes referido como construtos ou conceitos) tem os atributos de uma teo-ria. Implicitamente, construmos teorias o tempo todo. De fato, George Kelly (1955), quando desenvolveu a teoria dos construtos pessoais para explicar a personalidade e os processos cognitivos, baseou seu argumento na metfora do homem cientista. Kelly sugeriu que todos ns nos comportamos como cientistas na medida em que somos inveterados construtores de teorias. Elas nos ajudam a navegar no mundo, permitindo explicar a ns prprios o que pensamos estar acontecendo e por que est acontecendo. Teorias informais desse tipo so particularmente valiosas porque ns invariavelmente as utilizamos como base para predicar o que acontecer pos-teriormente.

    Assim, por exemplo, podemos observar acontecimentos que nos levam a con-cluir que os homens que esto no final de sua segunda dcada de vida, ou incio da terceira, so mais propensos do que outras pessoas a dirigirem seus carros agressiva e erraticamente, com suas janelas abertas, com msica pesada e grave soando, em dias de sol. A partir disso, poderamos produzir uma teoria informal que atribui seu comportamento ao dirigir sua idade ou, possivelmente, a alguma interao entre sua idade, a msica e a luz do sol. Enquanto ingnuo cientista, nenhum de ns obrigado a testar sua teoria. possvel ir adiante e predizer a partir da que homens jovens que ouvem msica com volume alto em dias de sol so mais propensos a se constituir em um perigo para as pessoas e ajustar nosso prprio comportamento de acordo com isso. A construo de teorias desse tipo tem valor para a sobrevivncia embora, quando se mostram erradas, elas tam-

    teoria

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    bm tenham a capacidade de nos fazer correr srios riscos. Essas teorias podem nos enganar, levando-nos a pistas que so irrelevantes em dada situao. Nossa teoria do jovem mau motorista amante de msica em dia de sol tem valor de fato somente se houver confirmao de que, na chuva, homens jovens so pelo menos to bons motoristas quanto qualquer outro motorista. Entretanto, Kelly assinalou que uma teoria errada geralmente apenas um ponto de partida para uma ver-so aperfeioada. Como cientistas ingnuos, estamos bastante dispostos a refinar nossas teorias na base de nova informao que prove que as verses anteriores estavam erradas. Essa uma caracterstica da abordagem cientfica corretamente elaborada.

    As teorias implcitas que informam algumas pesquisas tm a mesma espcie de aptido tanto para ajudar quanto para dificultar a sobrevivncia. Mesmo na medida em que permanecem no comunicadas, essas teorias implcitas direcionam o foco da ateno do pesquisador para certas coisas em vez de outras, convidando-os a usar certas abordagens de pesquisa em vez de outras e a tentar essa em vez daquela forma de anlise. Em muitos casos, seria melhor se o pesquisador articulasse essas teorias implcitas. Ao faz-lo, seria possvel analisar suas deficincias lgicas (por exemplo, inconsistncias) e suas deficincias substantivas (por exemplo, omisso de variveis importantes). Alguns pesquisadores resistem a tornar explcitas suas teo-rias implcitas porque no consideram que sua tarefa seja a construo de teorias. Contudo, essa , de fato, uma desculpa precria. Ela no elimina a necessidade de especificar quais pressuposies tericas subjazem a seu trabalho. Visto que essas pressuposies afetaro inevitavelmente o que o pesquisador faz, elas deveriam ser descritas de modo que outros pesquisadores pudessem julgar o quanto as ativida-des e os resultados da pesquisa so influenciados por elas (por exemplo, Dobson e Rose, 1985). Os pesquisadores que tentam revelar essas pressuposies subjacen-tes frequentemente consideram que a disciplina necessria para articul-las tem o efeito de lev-los a um novo entendimento do problema que sua pesquisa aborda. Essencialmente, se algum v a si prprio como um construtor de teorias ou no, sempre til examinar as teorias implcitas que afetam sua pesquisa. De fato, muitas abordagens em psicologia (por exemplo, aquelas dos Captulos 13, 15, 16, 17 e 18) agora requerem que os pesquisadores sejam explcitos sobre sua prpria posio em relao questo e aos dados da sua pesquisa, convocando-os autorreflexo e a revelarem suas prprias preconcepes e expectativas. Assim, mesmo onde os pes-quisadores poderiam rejeitar a aplicao de estruturas tericas a priori, eles esto procurando expor suas preconcepes. Isso indubitavelmente importante, tendo em vista permitir que outros pesquisadores interpretem a natureza dos dados e das explicaes finalmente apresentados.

    claro, a afirmao segundo a qual o pensamento cotidiano similar ao pensa-mento cientfico baseia-se em um conjunto de suposies acerca do que constitui a abordagem cientfica. O Quadro 1.1 resume alguns elementos bsicos do mtodo cientfico tradicional. Tem havido um debate interminvel na psicologia sobre se ela pode se considerar uma cincia. No h nenhuma resposta final a essa questo: nem toda pesquisa psicolgica emprega o mtodo cientfico; nem todos os psiclogos de-sejariam empreg-lo. O problema fundamental que a psicologia enfrenta na busca de seu status cientfico que a maior parte dos construtos relevantes para ela (por exemplo, inteligncia, motivao, identidade) se encontra em um nvel de anlise que faz com que eles s possam ser definidos aps muitos nveis de extrapolao em relao a quaisquer eventos objetivamente mensurveis.

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    1.1.2 A construo bsica de uma teoriaOs filsofos da cincia tradicionalmente supuseram que o processo de constru-

    o de uma teoria formal procedia de uma maneira ordenada desde a descrio, taxonomia e da s hipteses causais testveis. Isso significaria que a primeira tarefa do terico seria descrever os fenmenos de interesse completa e sistematicamente. A tarefa seguinte seria categorizar os fenmenos, mostrando como instncias espe-cficas so caracterizadas por atributos comuns que as tornam aptas a ser tratadas em algum sentido como equivalente entre si. Essa categorizao um modo de or-denar a pletora de dados que gerada toda vez que descries no so pr-estru-turadas. O esquema de categorizao pode ser caracterizado como um construto terico. A teoria da aprendizagem caracterizou os fenmenos de modo a gerar dois construtos bastante evidentes: estmulos e respostas. Para o behaviorista, todos os fenmenos podem, em algum momento, ser categorizados tanto como um estmulo quanto como uma resposta. Por esse ato de definio, de repente o mundo plural dividido em dicotomias, a ordem imposta e nossa tarefa explicar a relao entre estmulo e resposta.

    Uma vez que a taxonomia esteja completa, a tarefa seguinte do terico explicar como uma categoria de fenmenos se relaciona com a outra. A descrio de um nico conjunto de relaes entre fenmenos no se torna uma teoria a menos que princpios gerais acerca das relaes entre fenmenos similares sejam formulados. A observao A mulher chutou o cachorro depois que ele a mordeu e ele nunca mais a mordeu novamente uma descrio de um padro dos acontecimentos: no uma

    hipteses

    Os passos bsicos do mtodo cientfico poderiam ser resumidos em:

    1 Formular o problema da pesquisa clara, simples e completamente. Algo como: qual a relao entre a varivel X e a varivel Y?

    2 Desenvolver uma ideia de qual poderia ser a forma da relao entre X e Y e deline-la em termos gerais. Algo como: X resulta em Y.

    3 Especificar uma hiptese exata sobre a relao entre X e Y. Algo como: a ocorrncia de X sempre precede a ocorrncia de Y e X nunca ocorre sem Y seguir-se a ele.

    4 Estabelecer um teste controlado das hipteses; especificamente, tentando ge-rar condies em que seja possvel mostrar que a hiptese est errada. Isso poderia implicar descrever todas as incidncias naturalmente ocorrentes de X e Y para determinar se elas sempre coocorrem. Poderia implicar induzir a ocorrncia de X sob uma variedade de condies restritas e estabelecer se Y sempre ocorrer.

    5 Se o teste mostra que a hiptese errada, ela deveria ser abandonada ou, mais provavelmente, reformulada.

    6 Se o teste falha em refutar a hiptese, ela poderia ser aceita condicionalmente antes de planejar testes adicionais e de refinar o escopo de sua aplicabilidade. O objeto sempre definir os limites do poder preditivo do modelo terico.

    Algumas das limitaes dessa abordagem cientfica bsica construo de teorias so dadas nas Sees 1.1.4 a 1.1.6. De particular importncia a crtica dessa abordagem vinda daqueles pesquisadores que no aceitariam que a testagem de hi-pteses fosse uma abordagem apropriada.

    Quadro 1.1 O mtodo cientfico bsico

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    teoria. Mas, se for dito que A mulher puniu o cachorro por morder e ele nunca mais o fez novamente, resta apenas mais um passo na direo da generalizao para que se formule uma teoria: A punio de um comportamento leva diminuio desse comportamento. O resultado um princpio bsico reconhecvel da teoria da aprendizagem (a ser mais qualificado posteriormente mediante enunciados acerca da frequncia da punio, da relao temporal entre a punio e o comportamento e a disponibilidade de recompensas alternativas ao comportamento, etc.). Teorias bsicas so conjuntos do que se poderia chamar de regras relacionais. A regra rela-cional especifica como a variao de um construto est relacionada com a variao de um ou mais outros construtos.

    1.1.3 A natureza da explicao: por processo e funcionalUma explicao pode ser de dois tipos: a variedade mecnica ou por processo, ou

    a variedade funcional. A explicao por processo explica um fenmeno em termos dos fenmenos que o precedem como precursores. Ela tem geralmente a forma: se A e B ocorrem, ento C se seguir. Em contraste, a explicao funcional explica um fenmeno em termos de suas consequncias. Ela tem geralmente a forma: A ocorre a fim de que B se siga. A explicao funcional supe que o fenmeno a ser explicado propositado, intencional ou teleolgico (isto , que ele ocorre com a finalidade de alcanar alguma meta).

    Outro modo de falar acerca da distino entre os tipos de explicao, por pro-cesso e funcional, dizer que o primeiro se ocupa com causas e o segundo com ra-zes: com como enquanto oposto a por qu. As teorias tradicionais, em fsica, por exemplo, tendem a tratar somente das causas. Entretanto, as teorias psicolgicas usam ambos os tipos de explicao. Alguns tericos usam ambas as formas expla-natrias para explicar um nico fenmeno psicolgico. Por exemplo, ao estudarem o altrusmo (comportamento de ajuda ou pr-social), pesquisadores constataram que as pessoas so menos propensas a oferecer ajuda a algum se percebem que essa pessoa est em necessidade porque se esforou muito pouco, no usou suas habilidades e no escolheu sair da dificuldade quando foi possvel faz-lo. Uma ex-plicao [do comportamento] da ajuda sugere que as pessoas veem a necessidade de assistncia, depois avaliam se o indivduo responsvel por sua prpria situao difcil; se ele responsvel, isso resulta em angstia, e em nenhuma ajuda. Este claramente um processo de explicao. Outra explicao [do comportamento] da ajuda sugere que as pessoas no esto dispostas a ajudar um desafortunado que elas percebem ser a origem de seu prprio destino porque desejam punir o perverso por deficincias de esforo ou de juzo. Nessa explicao, a punio (isto , o fracasso em ajudar) serve funo de exigir de algum modo a restituio e pode advertir os outros de que tal desvio de comportamento inaceitvel, e no recompensado com ajuda. Deve-se observar que essas duas explicaes do mesmo fenmeno no so mutuamente exclusivas. A explicao funcional pode servir para explicar a angstia to central para a explicao por processo que sobrevm quando se mostra que os necessitados no tentaram ajudar a si prprios.

    1.1.4 Construindo teorias mais complexas: induo e deduoA mistura de explicaes mecnicas e funcionais comum em teorias psicolgi-

    cas. Ela pode proceder, em parte, do modo como os processos psicolgicos e, por-tanto, as teorias psicolgicas frequentemente percorrem diversos nveis de anlise.

    regras rela-cionais

    explicao por processo

    explicao funcional

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    Argumenta-se aqui (ver tambm Breakwell, 1994. Rose e Dobson, 1985) que os psi-clogos deveriam construir teorias que abrangem processos nos nveis intrapsqui-co (isto , fisiolgico, cognitivo, afetivo e ortico), interpessoal e societal de anlise. Essas teorias deveriam ser integrativas, ligando as hipteses e os modelos que ex-plicam os processos psicolgicos. Mas, atualmente, estamos muito longe da grande teoria psicolgica. Temos teorias de abrangncia baixa ou mdia propostas no inten-to de explicar grupos restritos de fenmenos. Assim, por exemplo, temos teorias da agresso distintas e separadas das teorias do altrusmo, enquanto o senso comum pensaria que elas esto conectadas de algum modo. Enquanto essas teorias de nvel baixo podem oferecer uma detalhada explicao por processo dos fenmenos por elas visados, elas tendem a se basear no que Israel (1972) chamou de enunciados estipulativos, os quais concernem suposies acerca da natureza do indivduo, da natureza da sociedade e da natureza do relacionamento entre o indivduo e a socie-dade. Esses enunciados estipulativos so frequentemente funcionalistas (por exem-plo, uma variedade de darwinismo social ilustrado na teoria do altrusmo descrita anteriormente). Isso resulta em uma estranha mistura de tipos explanatrios que so modelados juntos em muitas teorias psicolgicas tornada mais estranha pelo fato de que algum elemento significativo da explicao permanece no dito. Aqueles elementos que subjazem em um nvel de anlise diverso daquele da teoria principal ficaro margem, no examinados e no testados.

    Exatamente como as explicaes por processo e funcional no so to facilmen-te postas de lado, a distino entre teorias construdas mediante induo e teorias desenvolvidas por meio da deduo no facilmente mantida na prtica. A induo requer que uma lei geral seja inferida a partir de instncias particulares (tais como a teoria acerca dos jovens motoristas apresentada antes). A deduo requer que a partir do geral seja inferido o particular. Na prtica, a construo de teorias um pro-cesso confuso, iterativo. Regras relacionais que parecem ser vlidas geralmente so produzidas por aproximaes sucessivas. Esse processo de aproximao envolver tanto o raciocnio dedutivo quanto o indutivo (Oldroyd, 1986). Por exemplo, ao desen-volver uma teoria sobre o modo como processos de identidade relativos autoestima afetam a capacidade da memria, perfeitamente possvel iniciar-se catalogando o conjunto de casos exemplares em que a memria foi maior para a informao por si mesma relevante e em que ela provou ser mais precisa para a informao positiva acerca da prpria pessoa. A partir disso, pode-se induzir uma generalizao: a mem-ria em relao informao autoavaliativa ser maior e mais precisa se essa informa-o for mais positiva do que se ela for negativa. A partir dessa generalizao, pode--se continuar deduzindo que a memria para resultados de exame ser melhor se se tratar dos resultados do prprio sujeito, e especialmente se forem bons resultados.

    Em resumo, o processo de induo nos permite produzir generalizaes tericas que esto baseadas na evidncia acerca de um conjunto de casos especficos; uma razo para fazer pesquisa a coleta dessa evidncia. O processo de deduo nos per-mite derivar predies especficas a partir dessas generalizaes, e outra razo para fazer pesquisa a testagem dessas predies.

    1.1.5 Testando a teoriaDurante muito tempo se pensou que testar uma teoria envolvesse mostrar que

    ela gera predies precisas acerca do que acontecer sob um conjunto particular de

    enunciados estipulativos

    induodeduo

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    circunstncias. Entretanto, esse mtodo no realmente convincente, pois no pode provar jamais que uma teoria estar sempre certa sob todo conjunto possvel de circunstncias, no importando quantas vezes ela seja testada. Em vez disso, foi su-gerido que o que deveramos fazer ao testar uma teoria tentar provar que ela est errada (Popper, 1959). Mostrando onde a teoria est errada, mostramos quais partes necessitam ser removidas e, em muitos casos, tambm mostramos o que precisa ser posto em seu lugar. A pesquisa destinada a testar uma teoria ser organizada de modo a mostrar se uma predio deduzida dessa teoria est errada. Isso falseabili-dade a teoria. Se no conseguimos refutar a predio, a teoria sobrevive para enfren-tar outro teste. A pesquisa no pode nunca provar uma teoria, ela pode meramente acumular exemplos de casos em que a teoria no foi refutada. A razo por que uma teoria no pode ser comprovada em termos absolutos que isso implica generaliza-o, e a pesquisa emprica pode somente apresentar amostra de casos especficos dessa generalidade. Uma boa teoria uma que sobrevive intacta ao longo de muitas tentativas sinceras e severas de falsificao.

    Um problema com essa abordagem que as teorias podem sobreviver no por-que elas so estritamente falseveis. Algumas teorias so no falseveis porque es-to baseadas em uma tautologia. Por exemplo, alguns crticos da teoria da apren-dizagem argumentariam que uma de suas afirmaes fundamentais no pode ser falseada porque o conceito de um reforador definido de um modo tautolgico. Assim, um reforador definido como qualquer coisa que atua para o aumento da frequncia de uma resposta. A teoria segue, ento, enunciando que as respostas que so reforadas aumentam sua frequncia. A circularidade do argumento fica clara quando a teoria reduzida a seus fundamentos desse modo. Essa tautologia signi-fica que a teoria no pode ser testada porque um conceito-chave no pode ser ope-racionalmente definido independentemente de outros conceitos dentro da teoria.

    Outro problema a teoria freudiana dos mecanismos de defesa do ego, a qual no pode ser falseada por uma razo diferente. Nesse caso, a teoria tenta explicar como a mente consciente protege a si prpria do material que deve permanecer na mente inconsciente ou pr-consciente. Freud explicou que esse material manipu-lado por meio de uma srie de mecanismos de defesa do ego (sublimao, desloca-mento, regresso, fixao, etc.). O que torna esse aspecto da teoria psicanaltica no testvel o fato de Freud oferecer um arranjo tal de mecanismos de defesa que se torna impossvel formular um teste da operao de um que no seja potencialmente anulado pela operao de outro. Por exemplo, algum poderia pretender testar a no-o de sublimao segundo a qual um impulso inconsciente inaceitvel provocado pelo id seria convertido em um outro, socialmente aceitvel, antes que pudesse ter acesso mente consciente. O primeiro problema que o empirista teria o de saber se o impulso realmente existe. O segundo seria que o impulso no precisa ser tratado como sublimao: ele poderia ser tratado segundo o modelo d a formao de reao. Isso significaria que, mesmo que se estabelecesse quando o impulso estivesse ocor-rendo e nenhuma evidncia de sublimao fosse monitorada, no se teria falseado a teoria, pois o impulso foi tratado como um outro mecanismo de defesa igualmente vlido. Freud produziu, basicamente, o que poderia ser chamado de um modelo so-bredeterminado: uma teoria que permite mltiplos determinantes de resultados de um modo tal que nenhum determinante particular pode empiricamente ser provado irrelevante.

    falseabili-dade

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    1.1.6 Estruturas tericas avanadasOutros problemas com a falseabilidade aparecem quando consideramos teorias

    em reas avanadas de pesquisa. Embora a induo possa fornecer nossas ideias inicialmente, quando comeamos a investigar um campo de pesquisa novo, a inves-tigao posteriormente em uma rea j estabelecida de pesquisa requer habilidades inteiramente novas. As habilidades dedutivas serviro para testar teorias simples, mas, em reas avanadas de pesquisa, as teorias tm sido construdas em estruturas complexas, com muitos nveis e enormes reas de aplicabilidade.

    Alguns filsofos dividiram os componentes de tais teorias em dois tipos: o n-cleo duro (hard core) fundamental de afirmaes e de pressuposies que so b-sicas para o empreendimento completo e uma coleo de hipteses auxiliares que derivam do ncleo duro e fazem predies acerca do que acontecer em situaes particulares (Lakatos, 1970). O complexo inteiro conhecido como um programa de pesquisa. A pesquisa rotineira consiste de testes de hipteses auxiliares, e quanto mais o programa gerar novas hipteses, e mais estas encontrarem sustentao em-prica, tanto mais progressivo ser considerado o programa de pesquisa.

    Um nico experimento no , contudo, suficiente para falsear uma teoria com-plexa: em vez disso, somente uma srie de resultados negativos (predies falhas), juntamente com um tanto de novas ideias originrias de dentro do programa, pode sugerir que o programa degenerativo. Somente depois de um perodo de tal de-generao a situao pode ser considerada to m que seja necessrio revisar ou mesmo rejeitar toda a teoria.

    claro, na prtica difcil julgar quando esse ltimo procedimento necessrio. Isso ocorre porque uma das caractersticas da estrutura de uma teoria complexa que ela pode ser muito facilmente modificada pela adio ou pela subtrao de novos componentes. De fato, um problema fundamental que essas estruturas apre-sentam que somente em relao a um resultado emprico negativo ou inesperado elas podem ser ajustadas mediante o acrscimo de hipteses ad hoc teoria. Isso conhecido como a tese de Duhem-Quine.

    Por exemplo, a pressuposio de que as crianas aprendem copiando os outros poderia levar hiptese segundo a qual crianas que assistem a desenhos violen-tos na televiso mostraro subsequentemente comportamento antissocial similar. Suponha-se, ento, que observaes de um grupo de crianas de 10 anos que assis-tem regularmente a desenhos de Tom e Jerry no revelem, em nenhuma medida, qualquer diferena de comportamento social violento, quando comparadas com crianas de 10 anos que no assistem a Tom e Jerry. O terico pode ento dizer: ah, bem, o comportamento antissocial somente se revelar mais tarde, quando as crianas entrarem na adolescncia e enfrentarem situaes de prova tais como bri-gas de gangues. Ou os desenhos tm o efeito preditivo, mas somente sobre crianas de uma idade especfica (por exemplo, abaixo dos 10 anos), porque por essa idade as crianas j aprenderam a diferena entre os desenhos e a realidade, ou somente desenhos que contm violncia entre seres humanos induziro ao comportamento antissocial. E assim por diante. Em cada um desses casos, o terico acrescentou uma hiptese adicional depois de os fatos do experimento terem tornado-se conhecidos. Essas hipteses atuam no sentido de salvar da falsificao (refutao) os princpios centrais da teoria, tornando-a um pouco mais complicada. Embora, em princpio, no devssemos permitir tal teorizao post hoc, inevitvel visto que a vida complicada que uma teoria correta seja tambm, por sua vez, complexa, se ela

    tese de Duhem--Quine

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    deve especificar em detalhes precisos o que acontecer quando e sob quais circuns-tncias. Contudo, o nmero indefinidamente grande dessas hipteses post hoc torna muito difcil refutar uma teoria conclusivamente.

    1.1.7 Testando uma estrutura tericaEmbora a psicologia como um todo ainda no tenha uma grande teoria unifi-

    cadora, as muitas teorias com as quais o estudante se deparar sero, no entanto, to complexas que tornam inadequados os mtodos e interpretaes mais simples. Esse fato tem vrias consequncias para a metodologia de pesquisa nas seguintes situaes.

    Em primeiro lugar, a escolha das observaes que devem ser feitas indicada pelo conhecimento emprico que j tenha sido constitudo nessa rea. Isso requer que se saiba no somente quais observaes j foram realizadas, mas, tambm, quais teorias e hipteses esto ainda em desenvolvimento e merecem investigao adicional.

    Em segundo lugar, o significado de quaisquer novas observaes que o estudante pesquisador faa depende da teoria de fundo: preciso que o pesquisador interprete seus prprios resultados luz da teoria. Por exemplo, o comportamento criminoso pode parecer muito diferente dependendo da teoria subjacente do comportamento, se gentica ou behaviorista, ou qualquer outra: os criminosos violentos so apenas e basicamente maus, ou so vtimas de seus hormnios, ou moralmente corrompidos por uma sociedade corrupta que os cerca, ou copiam o exemplo dado por seus pais violentos, ou sofrem de algum dano cerebral?

    O pesquisador tambm precisa saber quais so as implicaes da observao para o todo da estrutura da teoria: por exemplo, uma observao inesperada in-consistente somente com a hiptese particular que se est testando ou ela vale con-tra as suposies subjacentes de toda a teoria? Em outras palavras, o fracasso da pre-dio ocorre porque os princpios fundamentais de toda a abordagem esto errados, ou meramente uma das hipteses auxiliares que est errada e, se assim , qual delas? Como saber? A falseabilidade torna-se problemtica quando existem tantos dados coletados, hipteses e suposies colaterais interagindo que nenhum deles poderia estar errado, eliminando, desse modo, a predio formulada.

    Tome-se, por exemplo, a teoria da autoeficcia, de Bandura (1997), segundo a qual as pessoas variam na disposio que tm de acreditar que podem realizar tudo o que planejam fazer (isto , elas variam em autoeficcia). Pessoas que tm grandes expectativas de autoeficcia so mais saudveis, mais efetivas e geralmente mais bem-sucedidas do que aquelas que possuem baixas expectativas de autoeficcia. Dessa teoria, podemos derivar uma hiptese segundo a qual uma pessoa que tem alto grau de autoeficcia e que fica doente ser mais propensa a tomar medicao para curar a doena. Entretanto, esse comportamento somente ter lugar se a pes-soa tiver a crena de que a medicao ser efetiva. Um mtodo para testar essa hip-tese o monitoramento das pessoas com alto grau de autoeficcia que ficam doen-tes para verificar se elas so realmente mais propensas a tomar remdio quando aconselhadas a faz-lo. Suponha, contudo, que descubramos que elas no o so. Isso ocorre porque a teoria de Bandura est errada, porque nossa hiptese est errada, porque as variveis de autoeficcia e de crena na medicao foram operacionaliza-das inapropriadamente, ou porque nosso mtodo de mensurao do comportamen-to foi inadequado ou inapropriado?

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    Todas as predies tm tambm uma clusula ceteris paribus anexada: elas su-pem que nenhuma varivel ou fator estranho interferir com as observaes ou as invalidaro de algum modo. Ocorre frequentemente com os dados que eles sejam di-ferentes do esperado, e talvez o modo mais comum de explicar a anomalia seja pos-tular uma varivel extra que esteja afetando o resultado da pesquisa. No caso citado, por exemplo, as pessoas poderiam no tomar remdio voluntariamente porque tm uma crena adicional, algo como acreditar que a medicao em geral no funciona, ou imoral segundo princpios religiosos, ou causaria muitos efeitos colaterais. Ex-perimentos controlados projetados com o objetivo de revelar alguma dessas vari-veis estranhas so, portanto, frequentemente realizados em uma base ad hoc depois que o corpo principal de observaes tenha sido elaborado.

    Em terceiro lugar, os prprios mtodos empricos utilizados so relativos teo-ria. No possvel dividir a cincia em teoria e observao, como foi alegado pelos filsofos positivistas no incio do ltimo sculo. Embora a cincia emprica adore o dolo do observador neutro, que um registrador imparcial da natureza, na prtica, esse padro um ideal inatingvel. Portanto, todos ns temos alguma ideia do que podemos encontrar quando fazemos uma observao e, em muitos casos, sabemos o que queremos descobrir. As tcnicas de experimentao cega foram desenvolvi-das para ajudar a enfrentar exatamente esse problema.

    Adicionalmente, os prprios instrumentos de mensurao que usamos foram de-senvolvidos em conformidade com bases tericas especficas; sua construo depen-de de toda uma rede de suposies tericas sobre a natureza dos materiais usados e sobre o modo que esses interagem com os sujeitos do experimento. Por exemplo, a teoria psicanaltica desenvolveu o teste de Rorschach como um instrumento para facilitar a amostragem de comportamento. As respostas a esse teste tm sido usadas para fazer inferncias acerca do tipo de personalidade de uma pessoa. Contudo, os resultados no fazem sentido segundo a moderna teoria da personalidade, a qual, em vez desse teste, usa anlises estatsticas complexas de respostas a uma variedade muito mais ampla de testes mais simples, porm mais estritamente definidos (por exemplo, questionrios). Os tipos de categorias da personalidade reconhecidas pela teoria psicanaltica no so comensurveis com aqueles das teorias alternativas. Ou-tro exemplo seria tentar avaliar a capacidade da memria apresentando pares de s-labas sem sentido em uma bateria mnemnica para ver quantas associaes podem ser lembradas. Isso faz sentido segundo o behaviorismo; mas, conforme a teoria da Gestalt, ou de acordo com a moderna teoria da cognio, o nmero de associaes totalmente desinteressante; em vez disso, so as propriedades organizacionais emer-gentes, holsticas e semnticas da memria que so relevantes, e os tipos de testes considerados apropriados so muito diferentes (por exemplo, estruturao mediante registro livre). Alm disso, conforme algumas teorias, no h tal coisa como uma sla-ba sem sentido: considera-se que todos os estmulos tm significado.

    A ideia de que a interpretao dos dados gerados depende sempre de uma rede de conhecimento terico no se aplica somente ao aparato pelo qual interagimos com o objeto; mas verdadeira tambm no que se refere s tcnicas numricas quantitativas que usamos para analisar os dados (Lamiell, 1995). Por exemplo, os mtodos bsicos de estatstica foram desenvolvidos de acordo com princpios posi-tivistas, os quais so agora considerados obsoletos. Eles supem que as observaes teoricamente neutras podem ser feitas por observadores imparciais objetivos e sem preconceitos. O processo de uso das estatsticas cria, portanto, uma iluso de certe-za que faz com que seja muito fcil cairmos na cilada de permitir que os resultados

    positivistas

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    empricos e os nveis de significao das anlises a eles associadas ditem aquilo em que devemos acreditar. O estudante no deveria deixar-se dominar pelo grau de pro-babilidade ao decidir quais concluses devem ser extradas. Resultados quantitati-vos devem ser interpretados luz de todo um conjunto bsico de conhecimentos, de teorias e de opinies.

    Finalmente, uma teoria estabelecida acrescentar a si prpria os resultados de numerosos testes empricos, alguns dos quais confirmam a teoria, outros no. Se as evidncias que a confirmam derivam de fontes diferentes e constituem tipos muito diferentes, considera-se que a convergncia para a mesma concluso de todas es-sas fontes torna a teoria mais forte ou mais vlida do que se as evidncias viessem de observaes repetidas, todas do mesmo tipo, pois essas podem ser causadas por algum artifcio ou erro no mtodo. Geralmente, tambm se considera que, retros-pectivamente, a predio de novas observaes traz mais peso do que adequao a um antigo corpo de observaes. Predies falsas da teoria so categorizadas como anomalias, e muitas teorias propostas produzem certo nmero delas embora nem todas as bases que constituem a evidncia da teoria permitam, necessariamente, sua existncia. Isso ocorre porque a evidncia no sempre aceita por seu valor aparente, at porque os experimentos so complicados e no so perfeitamente confiveis. somente ao longo dos anos que as descobertas empricas podem ser classificadas como vlidas ou invlidas, luz do que uma teoria tenha estabelecido como o correto (Lakatos, 1970). Nesse nterim, uma atitude convencional conviver com as anoma-lias, posto que no so muito numerosas ou muito decisivas e convincentes.

    Perodos em que os cientistas trabalham arduamente para coletar dados de acordo com uma teoria geralmente aceita foram descritos como cincia normal (Kuhn, 1962). A rejeio completa dessas teorias aceitas em geral no ocorre habi-tualmente a menos que exista uma teoria alternativa ou concorrente (bem como muitas anomalias na antiga teoria). At que isso ocorra, os pesquisadores no tm nenhuma alternativa real seno continuar usando a antiga teoria, apesar de suas falhas. Quando outra teoria existe, ela prediz um padro de resultados que difere do padro predito pela teoria antiga. Se o novo padro est de acordo com os da-dos atuais, tanto melhor, a nova teoria tende a ser adotada (admitindo tambm outros critrios para a aceitao da teoria definidos a seguir). Uma vez que essa revoluo ou mudana de paradigma ocorre, o significado de todos os resultados empricos reinterpretado. O que anteriormente pareciam ser dados peculiares, se no totalmente bizarros, agora considerado compreensvel, devido nova teoria. Desse modo, o que eram antes anomalias so agora elementos consonantes com as expectativas, uma vez que podem ser dedutivamente relacionados com as leis abrangentes (regras relacionais) da nova teoria. Quaisquer observaes que perma-neam sem explicao tornam-se anomalias segundo a nova teoria; com a adoo desta, pretende-se reduzir o nmero de anomalias tanto quanto possvel. Os fil-sofos positivistas sugeriram que se poderia simplesmente adicionar o nmero de predies empricas bem-sucedidas de uma teoria, subtrair o nmero de anomalias e escolher a teoria com maior escore. Contudo, se isso for assumido, todas as ob-servaes tero peso igual e cada uma ser uma parte isolada do fato. Em vez disso, as observaes reunidas que visem a formar um padro, e as conexes entre elas, deveriam formar uma estrutura logicamente coerente.

    O processo psicolgico de reinterpretao e de reorganizao de todo o conjunto dos dados empricos tem sido comparado mudana gestltica de percepo e de compreenso que pode ocorrer no conhecimento individual que se segue a um ato

    anomalias

    cincia nor-mal

    revoluomudana de paradigma

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    de insight (Kuhn, 1962). Uma nova sntese dos dados dentro de um novo padro ge-ralmente apresentada na forma de um artigo e traz grande crdito a seus autores. Embora o pesquisador quase sempre empreenda uma reviso da literatura como parte de um projeto de pesquisa, reviso na qual resume as descobertas existentes na rea, se ele percebe um novo padro pelo qual mais dados podem ser explicados por uma nova teoria do que por quaisquer teorias existentes, sua contribuio ser altamente valorizada.

    Discutimos a testagem de uma teoria como envolvendo principalmente testa-gem emprica e observao, mas, dada a existncia de teorias com estruturas com-plexas e da tese de Duhem-Quine, a confiana na simples evidncia observacional claramente insuficiente. A alternativa usar princpios racionalistas juntamente com princpios empiristas: as teorias podem ser avaliadas de acordo com diversos critrios no empricos, tais como economia, facilidade de comunicao, flexibili-dade, fecundidade, discernibilidade, consistncia interna, simplicidade, elegncia, flego, e assim por diante. Tais princpios so usados implicitamente por todos os cientistas e realmente constituem uma razo central para o sucesso da cincia. Ne-nhum critrio isolado suficiente: uma combinao justa e equilibrada de argumen-tos orientar a escolha do pesquisador.

    Considere a simplicidade, por exemplo. Um corolrio da tese de Duhem-Quine que qualquer conjunto de dados pode, em princpio, ser explicado por um nmero in-finito de teorias. A tese afirma que teorias podem ser elaboradas em qualquer grau de complexidade que queiramos. Consequentemente, possvel tomar quase toda teoria e, acrescentando hipteses auxiliares suficientes, modificar essa teoria de modo que ela possa explicar um conjunto particular de dados. Em tais casos, nossa escolha de qual teoria adotar subdeterminada pelos dados, visto que os dados no apontam inequivocamente para uma teoria e tampouco para uma teoria somente. A resposta normal a esse problema escolher a teoria mais simples, aplicando o que conhecido como a navalha de Occam (por vezes escrito navalha de Ockham), que afirma que no devemos multiplicar as hipteses desnecessariamente. Um problema associado simplicidade que ela pressupe que a complexidade de uma teoria pode ser medida de alguma forma objetiva, de modo que diferentes teorias possam ser comparadas. Contudo, estruturas tericas avanadas diferem tanto qualitativamente, bem como em sua complexidade quantitativa, que a comparao por qualquer padro de me-dida comum nico, na prtica, pode ser impossvel. Assim, as teorias so frequente-mente incomensurveis porque seus objetivos e pressuposies subjacentes so dife-rentes; elas tm diferentes critrios para seu prprio sucesso, visto que seus objetivos e contextos de aplicao pretendidos so muito diferentes. A comparao e a seleo de teorias podem parecer, assim, uma questo de juzo subjetivo.

    1.1.8 O significado das teoriasA noo segundo a qual uma teoria pode ser bem-sucedida por um perodo de

    tempo, e pode, portanto, ser substituda por uma teoria totalmente diferente e in-comensurvel que mesmo mais bem sucedida leva questo de saber por que a primeira teoria teria sido de algum modo bem-sucedida, visto que ela estava errada. A prpria pesquisa sobre a prtica cientfica tem mostrado que a cincia no to diferente das outras esferas da vida: ela uma atividade social, e a escolha da teoria na qual acreditar, de quais dados deve-se aceitar como corretos e em qual professor ou departamento confiar tanto uma questo de atitude e de formao de opinio

    navalha de Occam/

    Ockham

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    quanto o qualquer outra crena psicolgica. Fatores pessoais e sociais no podem ser excludos da cincia. Em sua expresso mais extremada, essa escola de opinio (conhecida como o programa forte na sociologia do conhecimento) nega que qual-quer teoria descreva uma realidade objetiva: ela apenas uma questo de consenso socialmente obtido entre os membros de uma comunidade cientfica quanto quilo em que acreditar (relativismo).

    Outros pesquisadores tratam as teorias como maneiras teis de predizer o que acontecer sob dadas circunstncias, mas sem fazer qualquer afirmao de um modo ou de outro quanto a se as teorias descrevem uma realidade efetiva (essa atitude variavelmente chamada de pragmatismo, operacionalismo ou instrumen-talismo). Essa questo ainda objeto de intenso debate na filosofia da cincia. Vozes moderadas aceitam o fato, empiricamente observado, de que fatores sociais operam na cincia, mas que dados empricos objetivos sobre o mundo desempenham sua parte tambm: os fatores sociais no so os nicos determinantes da aceitao ou da rejeio da teoria. Portanto, embora disputas interpessoais desempenhem um papel decisivo na vanguarda da transformao da pesquisa, em que a verdade ainda incerta, na longa corrida os cientistas mantm-se no caminho por alguma espcie de realidade objetiva que opera por meio das observaes empricas (por exemplo, Oldroyd, 1986; Hull, 1988; Kitcher, 1993; Klee, 1997).

    O Quadro 1.2 resume de maneira simples a distino entre a abordagem das tra-dies positivista-realista e construcionista-relativista.

    A tese de Duhem-Quine e o programa forte na sociologia do conhecimento leva-ram algumas pessoas a concluir que o relativismo a norma.

    Assim, embora todos comecem acreditando que existe uma verdade absoluta que revela o que e como o mundo e que existe apenas uma resposta correta para cada questo, que funo da cincia encontrar essa resposta cedo ou tarde compreen-demos que a vida mais complicada e que as pessoas que desempenham o papel de autoridade podem sustentar opinies diferentes (e, com frequncia, diametralmente

    Quadro 1.2 Comparao das abordagens positivista e construcionista*da pesquisa

    POSITIVISMO CONSTRUCIONISMO

    Os fatos podem ter uma realidade objetiva

    Os fatos so construtos subjetivos

    A validade e a confiabilidade dos dados so buscadas

    A confiabilidade e a validade so conceitos irrelevantes, visto que os dados no so julgados em termos de qualquer noo externa de verdade

    As hipteses devem ser explcitas e anteceder a coleta dos dados

    A compreenso emergente e a explicao pode emergir depois que os dados sejam coletados

    A predio um objetivo A descrio um objetivo

    A falsificao das hipteses um objetivo A utilidade da interpretao um objetivo

    *H muitos rtulos usados para descrever essas amplas tradies e muitos subconjuntos dentro de cada uma delas, todos com filosofias um pouco diferentes. A comparao aqui feita em termos simples e no nvel mais genrico.

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    opostas), compreendemos, enfim, que ningum pode estar 100% seguro sobre nada. Muitos estudantes pesquisadores atingem um ponto em que compreendem que as observaes no so fragmentos puros da verdade, e que todas elas dependem de uma rede de suposies (acerca da natureza do instrumento de mensurao, das pressuposies tericas e observacionais a partir das quais as hipteses foram deri-vadas, e assim por diante, como explicado anteriormente). Nesse ponto, importante no se desesperar; a vida continua e a cincia funciona. O estudante precisa com-preender que todas as crenas tm prs e contras, que toda teoria que se adote ter alguma evidncia ou argumentos em favor dela e alguns contra ela. O pesquisador precisa decidir em qual teoria acreditar, pois, de outro modo, ele no pode agir. De acordo com sua prpria opinio, deve selecionar entre as teorias a melhor teoria e a melhor evidncia correntemente disponveis. Contudo, sua escolha no deve ser adotada como um dogma que no pode ser contradito. O pesquisador deve adotar uma atitude flexvel: deve compreender que a sua escolha provisria, e deve sempre estar pronto a mudar sua crena luz de novas evidncias e de novos argumentos.

    Em nossos dias, h uma apreciao progressiva da complexidade dos sistemas e dos processos psicolgicos. Os psiclogos e os bilogos procuram mecanismos cau-sais particulares em vez de leis universais abrangentes (por exemplo, Bechtel e Ri-chardson, 1993). Isso evita os problemas das grandes estruturas de teoria delineados at aqui. A ideia ainda explicar os fenmenos observados, mas para compreender como e por que eles surgem em termos do que os causa, e no de uma lei universal da natureza com a qual eles estariam dedutivamente de acordo. A ideia de leis univer-sais simples surgiu dentro da fsica do sculo XVII; mais recentemente, no entanto, viemos a compreender que os sistemas biolgicos so demasiado complexos para que os analisemos utilizando os mesmos mtodos, e princpios completamente dife-rentes foram requeridos. Explicaes funcionais, por processo ou mecnicas (Seo 1.1.3), devem ser apresentadas conjuntamente. Pessoas e animais evolveram e sobre-viveram no interior de uma variedade de ambientes caoticamente mutantes, os quais nos moldaram e modificaram ao longo de eternidades, de formas que nenhuma lei simples descrever. Nossos objetivos enquanto psiclogos devem ser, portanto, expli-car os detalhes da vida e do comportamento mental com os quais nos confrontamos nos termos das pessoas individuais que so observadas, suas constituies e suas circunstncias imediatas e passadas. Para faz-lo, temos que usar mltiplos mtodos, tanto racionalistas quanto empiristas em natureza. para esse fim que muitos dos mtodos descritos nos captulos subsequentes deste livro esto direcionados.

    1.2 ADAPTANDO METODOLOGIAS TEORIADiferentes tipos de teoria tm de ser testadas usando diferentes tipos de mtodo

    de pesquisa. A natureza da teoria limita a variedade de mtodos de pesquisa que po-dem ser significativamente usados para test-la. Por exemplo, uma teoria elaborada para explicar a variao da acuidade visual provavelmente necessita medir a preci-so utilizando alguma tcnica psicofsica (ver Captulo 9). Entretanto, a amplitude dessas limitaes no deveria ser superestimada. Muitas teorias psicolgicas podem ser testadas usando mais de um mtodo. De fato, prudente tentar testar uma teo-ria usando uma variedade de mtodos a fim de provar que no nenhum artefato do mtodo que resulta na teoria que est sendo sustentada.

    Um delineamento da pesquisa pode diferir por meio de uma srie de cinco di-menses independentes:

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    1 Tipo de dados obtidos;2 Tcnica de obteno de dados;3 Tipo de delineamento de monitoramento de mudana;4 Nvel de manipulao utilizado;5 Tratamento qualitativo ou quantitativo dos dados.

    1.2.1 Tipo de dados obtidosNa pesquisa psicolgica, os dados podem variar quanto origem: podem ser in-

    trapessoais (por exemplo, informao genotpica, cognies, emoes), intersubje-tivas (por exemplo, redes de amizades, padres de comunicao), ou societais (por exemplo, hierarquias institucionais, sistemas ideolgicos).

    1.2.2 Tcnica de obteno de dadosDados podem ser obtidos direta ou indiretamente a partir de um alvo. Mtodos

    de obteno ou de coleta direta podem incluir qualquer estmulo autodescrio (por exemplo, entrevista, questionrios que a prpria pessoa preenche) ou autor-revelao por meio do comportamento (por exemplo, interpretao de um papel, desempenho em tarefas). Mtodos indiretos de obteno de dados incluem tcnicas que se baseiam no comportamento do pesquisador na prtica da observao (por exemplo, observao participante) ou na utilizao de informantes sobre o compor-tamento, o pensamento ou os sentimentos do objeto-alvo (por exemplo, registros de arquivo, testemunhos).

    A obteno de dados pode variar em termos de quantidade de controle exercido pelo pesquisador sobre o objeto-alvo. Esse controle pode ser manifesto em restries impostas liberdade do objeto-alvo para dar informao (por exemplo, opes de escolha forada, em vez de respostas ilimitadas a questes). Ele pode ser evidente na medida em que o alvo manipulado (por exemplo, em experimentos mediante a criao de contextos artificiais ou em levantamentos mediante o uso de relatos co-bertos planejados de modo a enganar o objeto-alvo acerca do propsito do estudo).

    1.2.3 Tipo de delineamento de monitoramento de mudanaUma tarefa central para as teorias psicolgicas explicar a mudana. Pesquisadores

    cujo objetivo identificar e explicar a mudana tm uma escolha entre trs principais classes de modelo de coleta de dados: longitudinal, seccional-cruzado ou sequencial.

    Um delineamento longitudinal envolve dados que so coletados a partir da mesma amostra de indivduos em pelo menos duas ocasies. O intervalo entre cole-tas de dados e o nmero de coletas de dados varia grandemente: a pesquisa pode ser feita em poucos dias ou se estender por vrias dcadas. Um delineamento longitu-dinal permite aos pesquisadores estabelecer mudanas nos indivduos ao longo do tempo enquanto a amostra amadurece ou experimenta alguma alterao identific-vel da experincia. Em jargo experimental, um delineamento longitudinal pode ser chamado de um delineamento que envolve repetidas mensuraes ou que interno ao objeto (ver Captulo 4).

    Um delineamento transversal envolve obter informao de uma nica vez a par-tir de pessoas em uma srie de diferentes condies que, espera-se, so significativas para a mudana. Frequentemente isso significa estudar pessoas em diferentes grupos de idades porque, particularmente em teorias da psicologia do desenvolvimento a ida-de considerada um importante determinante da mudana. O termo coorte de idade

    delinea-mento longi-tudinal

    delinea-mento trans-versal

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    refere-se populao total de indivduos nascidos aproximadamente na mesma po-ca, o que geralmente significa nascidos no mesmo ano do calendrio. O delineamento transversal permite que mudanas relacionadas com a idade sejam medidas.

    Um delineamento sequencial escolher amostras de uma condio particular (por exemplo, uma coorte de idade especfica), mas as estudar em diferentes po-cas. A periodicidade dos dados sequenciais obtidos varia atravs dos estudos. Um delineamento sequencial simples pode envolver a coleta de amostras do grupo de 21 anos de idade de 1989, do grupo de 21 anos de idade de 1979 e do grupo de 21 anos de idade de 1969. Esse tipo de modelo teria o objetivo de revelar se as mudanas em uma coorte de idade particular so afetadas por fatores associados a sua era scio-histrica especfica.

    Quando se estuda padres de mudana que esto relacionados com a idade, h trs fatores que possivelmente explicariam as relaes observadas: desenvolvi-mento vinculado idade do indivduo; caractersticas associadas coorte de idade particular estudada; e impacto da poca especfica da mensurao. poca da men-surao o termo sugerido por Schaie (1965) para referir o conjunto de presses que atuam sobre o indivduo e que so geradas pelo contexto scio-ambiental no momento em que os dados so coletados. A dificuldade que enfrentam os pesquisa-dores interessados em explicar as mudanas relacionadas com a idade consiste em estabelecer quais desses trs fatores o ponto de origem da mudana. A estratgia adotada por muitos pesquisadores manter um dos fatores constante. Por exemplo, o delineamento longitudinal mantm o grupo de idade constante. O delineamento transversal mantm a poca de mensurao constante. O delineamento sequencial mantm a idade cronolgica constante. claro, isso significa que a explicao de qualquer tendncia observada relacionada com a idade permanece problemtica, pois esses delineamentos sempre deixam dois dos trs fatores explanatrios livres para variar simultaneamente. Sem a considerao de qual desses trs delineamen-tos adotado, dois fatores explanatrios sero confundidos. Isso representa o prin-cipal obstculo metodolgico ao uso desses delineamentos relativamente simples.

    Existe um problema secundrio. Mantendo um fator constante, o delineamento obviamente elimina a possibilidade de explorar os efeitos desse fator na interao com os outros. Contudo, em praticamente todos os sistemas complexos de mudan-a, poderamos esperar efeitos da interao entre o que diz respeito ao desenvol-vimento, coorte e ao tempo dos fatores de mensurao. A soluo para esse pro-blema metodolgico fundamental tem sido integrar os trs modelos-tipo naquele que conhecido como um delineamento longitudinal de coortes sequenciais. Esse delineamento combina o acompanhamento longitudinal de uma srie de coortes cuja amostra foi primeiramente coletada simultaneamente, tal como em um estudo transversal, com a adio sequencial de novos grupos de idades idnticas ao estudo em cada momento subsequente de coleta de dados.

    Mesmo se um pesquisador acredita que o construto psicolgico sob investigao no influenciado pela maturao cronolgica do indivduo e no afetado pelo contexto scio-histrico da coleta dos dados, o nus da prova que fica para esse pesquisador mostrar que tais fatores no so importantes. comum pensar que somente um psiclogo do desenvolvimento precisa realmente considerar se deve usar um delineamento longitudinal de coortes sequenciais. Agora, na medida em que o desenvolvimento do ciclo de vida torna-se um enunciado estipulativo aceito por muitas teorias do funcionamento psicolgico, todos os pesquisadores precisam entender as implicaes desses diferentes tipos de delineamento.

    delinea-mento se-

    quencial

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    1.2.4 Nvel de manipulaoDelineamentos de pesquisa diferem quanto ao peso que atribuem manipulao

    da experincia dos participantes pelo pesquisador com o objetivo quasi-experimen-tais de induzir reaes. As diferenas fundamentais entre abordagens experimen-tais, quasi-experimentais e outras, no intrusivas (ou, mais precisamente, menos intrusivas) so descritas nos captulos subsequentes deste livro. Para os propsitos presentes, talvez seja suficiente destacar que os pesquisadores devem tomar deci-ses acerca da natureza das intervenes e dos controles que empregam no intento de criar o contexto no qual possam estudar suas variveis-alvo. Algumas tradies de pesquisa evitam qualquer manipulao e procuram apenas registrar os fenme-nos que ocorrem. Outras se engajam em manipulao ambiental e social altamente elaborada para criar condies artificiais, porm estritamente controladas, sob as quais os dados so coletados. importante por duas razes que o pesquisador com-preenda sua posio em relao a qualquer modelo especfico de pesquisa no que diz respeito a esse continuum de manipulao. Primeiro, quanto maior o grau de ma-nipulao, maior o grau de artificialidade dos dados e a necessidade de se verificar se os resultados podem ser generalizados para alm do contexto de pesquisa. Segun-do, uma das razes mais comuns pela qual a pesquisa fracassa que as manipula-es utilizadas no so adequadas. Elas podem ser inadequadas de vrios modos:

    Elas podem fracassar em refletir o construto ou varivel cujo impacto o pes-quisador deseja estudar (por exemplo, o pesquisador quer pr em perigo o senso de autoestima do participante e tenta faz-lo fornecendo falso feedback do fracasso em um teste de QI, mas o feedback representa o que o participante esperaria alcanar);

    Elas podem introduzir mudanas imprevistas em variveis auxiliares que o pesquisador no deseja estudar (por exemplo, o pesquisador quer que o parti-cipante focalize em sua histria familiar e lhe apresenta uma fotografia da fa-mlia, mas a foto inclui, ao fundo, uma feira, e o participante pe o foco sobre a rea da feira, e no no elemento famlia do estmulo);

    Elas podem fracassar em significar a mesma coisa para o participante e para o pesquisador (por exemplo, o pesquisador deseja assustar algum e usa uma manipulao envolvendo uma sbita apresentao de uma grande aranha, mas o participante no acha aranhas assustadoras, e sim cmicas).

    Ironicamente, o problema com a manipulao que ela difcil de controlar. A precauo ao escolher as manipulaes tem seu preo. A verificao dos proce-dimentos experimentais constituram-se atualmente em norma da boa pesquisa. Elas tm o objetivo de testar se a manipulao que o pesquisador introduziu fun-cionou do modo que ele pensou que funcionaria. Ao avaliar a pesquisa dos outros, sempre uma boa ideia avaliar a efetividade das manipulaes utilizadas.

    1.2.5 Tratamento quantitativo ou qualitativo dos dadosMtodos de pesquisa podem ser diferenciados de acordo com a exposio dos

    dados a dois tipos de tratamento: qualitativo e quantitativo. Um tratamento qua-litativo descreve quais processos esto ocorrendo e detalha diferenas no carter desses processos ao longo do tempo. Um tratamento quantitativo define o que so os processos, como geralmente eles ocorrem e quais diferenas em sua magnitude podem ser medidas ao longo do tempo. Os captulos subsequentes deste livro discu-

    verificao dos procedi-mentos ex-perimentais

    tratamento qualitativo

    tratamento quantitativo

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    tem em detalhe as tcnicas de tratamento de dados e aqui, ento, no o lugar para entrar em detalhes a seu respeito.

    importante reiterar que essas cinco dimenses mediante as quais um delinea-mento da pesquisa pode ser descrito so independentes uma da outra. Tipos de da-dos, tcnicas de obteno, modelo de monitoramento de mudana, nvel de manipu-lao e tratamento qualitativo e quantitativo dos dados podem ser combinados de modos variveis. Por exemplo, possvel usar um tratamento qualitativo dos dados adquiridos como parte de um experimento conduzido em um estudo longitudinal.

    Ao estruturar um estudo atravs dessas cinco dimenses, um pesquisador ter que tomar decises difceis. Estas sero, em parte, determinadas pela resposta que se d questo de saber se a construo da teoria est em uma fase indutiva ou dedutiva. Um conjunto mais amplo de tipos de dados, de tcnicas de obteno com controle mais baixo, de delineamentos transversais e de tratamento qualitativo dos dados pode ser muito mais apropriado na fase indutiva inicial. Por conduzir a predies testveis, a fase dedutiva tende a ligar-se a um tipo restrito de dados, obteno direta e controlada de dados, a uma mistura de modelos de monitoramento de mudana e ao tratamento quantitativo dos dados. Infelizmente, a deciso tambm muito frequentemente in-fluenciada por pr-concepes, preconceitos e temores. Os pesquisadores ficam pre-sos a uma abordagem metodolgica (isto , a um pacote de um tipo de dados, a uma tcnica de obteno, a um modelo e a um tratamento de dados). Uma vez estabelecida uma prtica regular, isso pode ser mais fcil do que procurar saber (ou mesmo lembrar) como fazer as outras coisas. Tambm, claro, geralmente os pesquisadores adquirem sua reputao com base no uso de um tipo especfico de metodologia. Renunciar a isso equivale a abandonar sua pretenso fama. A soluo pode ser encontrada na prtica de um ecletismo metodolgico em um estgio inicial da carreira de pesquisador.

    Tal ecletismo cultivado com o pesquisador obrigando a si mesmo, quando con-frontado com a tarefa de construir um estudo para testar uma hiptese deduzida da sua teoria, a fornecer pelo menos duas metodologias realistas alternativas. Depois, a tarefa consiste em pesar prs e contras de cada uma delas, explicitar as diferenas entre o que elas mostram. Em muitos casos, mesmo variaes menores de metodolo-gia afetaro substancialmente o que o pesquisador pode concluir. Em suma, os pes-quisadores tm de escolher entre metodologias exequveis alternativas com total co-nhecimento do que eles podem perder ao descartar todas aquelas que eles rejeitam. Os captulos deste livro fazem uma tentativa de ajudar o estudante pesquisador a ver quais so as foras e as fraquezas das vrias tcnicas, modelos e tratamentos de dados.

    1.3 INTEGRANDO RESULTADOS DE DIFERENTES METODOLOGIASSe o pesquisador conhece diferentes metodologias e as utiliza em combinao,

    chega um ponto em que ele deve perguntar a si mesmo: como conciliar os resultados de uma metodologia com os resultados de outra? A resposta fcil pe o foco sobre a teoria. Supondo que cada metodologia seja usada para testar uma ou mais hipteses derivadas da teoria, na medida em que as vrias metodologias produzem concluses que so compatveis com a teoria, no h nenhum problema. Elas so meramente veculos para a testagem da teoria; elas podem tomar rotas diferentes, mas chegam basicamente ao mesmo destino.

    Os problemas surgem quando diferentes metodologias produzem concluses contraditrias e inconsistentes acerca da hiptese testada. Em termos mais diretos, um pesquisador pode sustentar uma hiptese, enquanto outro pode gerar evidn-

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    cia que indica que ela est incorreta. O primeiro passo em tal situao averiguar se ambas as metodologias foram executadas apropriadamente. Se o foram, e se possvel, o pesquisador deveria coletar dados adicionais utilizando as mesmas metodologias. Se o resultado inconsistente se repetir, necessrio examinar se h algum atributo identificvel que diferencie as metodologias e que possa explicar seus resultados inconsistentes. Se esse atributo puder ser identificado, ele deve ser incorporado a outro estudo de um modo controlado para que seu efeito possa ser estudado sistematicamente. Isso pode justificar a introduo de alguma advertn-cia a respeito da hiptese original. Se nenhum atributo puder ser identificado, a hi-ptese deve ser testada novamente, utilizando-se uma srie de metodologias com-pletamente diferentes. Se essas metodologias produzirem evidncia contraditria, provavelmente certo que a hiptese precisar ser reformulada. A combinao da evidncia de vrias metodologias deveria mostrar onde residem suas limitaes e apontar uma reviso apropriada.

    Obviamente, todo esse procedimento de coleta iterativa de dados toma tempo e recursos. O pesquisador ter que decidir se esse aspecto da teoria suficientemente importante para merecer tal esforo. Se o procedimento no for seguido, essencial que o resultado original que refutou a hiptese seja tratado seriamente. Deve-se re-sistir tentao de rejeitar o resultado nessa situao. H muitas vozes de sereia que oferecero maneiras de desconsiderar o resultado em termos dos mritos relativos das metodologias. A menos que o pesquisador enunciasse claramente, segundo uma base a priori, que na ocorrncia de inconsistncias dos resultados seria dada priori-dade a uma metodologia, as metodologias deveriam ser tratadas retrospectivamen-te como tendo valor equivalente.

    Quando h resultados inconsistentes, uma abordagem integrada ao uso das v-rias metodologias pode ser inconveniente, mas ela tambm tem grandes vantagens. Toda metodologia tem suas limitaes, as quais tm naturezas diferentes. A utiliza-o de uma srie de metodologias permite ao pesquisador compensar a fragilida-de de uma metodologia em um domnio suplementando-a ou complementando-a com outra metodologia que mais forte nesse domnio. O desenvolvimento de uma estratgia coerente para metodologias integrativas, designadas a testar claramente hipteses definidas abrangentemente, a fundao bsica para a pesquisa dos pro-cessos psicolgicos.

    1.4 LEITURAS RECOMENDADASExistem alguns excelentes manuais que oferecem cobertura abragente das ques-

    tes centrais. O texto de Denzin e Lincoln (2005) fornece uma introduo clara e concisa aos principais mtodos da pesquisa qualitativa, com detalhes referentes a como os dados podem ser interpretados. Scott e Xie (2006) fornecem uma intro-duo fundamental aos principais mtodos quantitativos das cincias sociais para alm da disciplina da psicologia, no pressupondo nenhum conhecimento prvio dos mtodos estatsticos necessrios para analisar dados quantitativos. Scott (2006) apresenta a variedade de modos por meio dos quais a evidncia documental in-terpretada, e particularmente valioso porque mostra como os textos so usados pelos estudiosos fora das cincias sociais, por exemplo, em literatura ou em histria. Finalmente, o texto de M. Smith (2005) til para aqueles que descobrirem algumas das maiores complexidades dos argumentos filosficos que subjazem escolha de um mtodo de coleta de dados ou de anlise.

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