lei 11.340 - lei maria da penha comentada

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COMENTÁRIOS À LEI 11.340 DE 07 DE AGOSTO DE 2.006 – LEI MARIA DA PENHA. Marcelo Matias Pereira Juiz de Direito Titular da 19ª Vara Criminal Central da Capital do Estado de São Paulo, Coordenador do Curso de Especialização em Processo Penal da Escola Paulista da Magistratura e Professor Universitário Várias modificações na legislação processual penal foram trazidas com o advento da Lei 11.340/06, vale dizer a Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A possibilidade de medidas protetivas, o juízo criminal decidindo questões civis e do âmbito do direito de família. Esta é a nova Lei, que dedica especial proteção às mulheres. Pode ser tida como inconstitucional, em razão do tratamento diferenciado? 1

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Page 1: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

COMENTÁRIOS À LEI 11.340 DE 07 DE AGOSTO DE 2.006 – LEI MARIA

DA PENHA.

Marcelo Matias Pereira

Juiz de Direito Titular da 19ª Vara Criminal Central da Capital do Estado de São

Paulo, Coordenador do Curso de Especialização em Processo Penal da Escola

Paulista da Magistratura e Professor Universitário

Várias modificações na legislação processual penal foram

trazidas com o advento da Lei 11.340/06, vale dizer a Lei

da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A

possibilidade de medidas protetivas, o juízo criminal

decidindo questões civis e do âmbito do direito de família.

Esta é a nova Lei, que dedica especial proteção às

mulheres. Pode ser tida como inconstitucional, em razão

do tratamento diferenciado?

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Sumário

1- Violência Doméstica e Violência Familiar.

2- Constitucionalidade da Lei.

3 - Disposições Preliminares – Normas programáticas e regra de interpretação.

4 - Formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.

5 - Assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

6 – Do atendimento pela Autoridade Policial.

7 – Dos Procedimentos – Disposições Gerais.

8 – Das Medidas Protetivas de Urgência – Disposições Gerais.

9 - Medidas Protetivas de Urgência em espécie.

10 - Da atuação do Ministério Público.

11- Da Assistência Judiciária.

12 – Da equipe de atendimento multidisciplinar.

14 – Das Disposições Finais.

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PALAVRAS CHAVES: Violência Doméstica, Violência Familiar, Lei Maria da

Penha, Violência contra a mulher, Violência Doméstica e Familiar, Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher.

1- Violência Doméstica e Violência Familiar.

O debate que se instala, inicialmente, diz respeito à própria denominação da lei, ou

seja cuida tal diploma legislativo da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Há que se interpretar, separadamente, a violência doméstica da violência familiar, de

modo que esta lei tutela não só a violência doméstica, mas também a violência

familiar.

A esta conclusão chegamos a partir da análise do artigo 5º. No inciso I, deste artigo, a

lei cuida da violência doméstica “com ou sem vínculo familiar”, vale dizer das

pessoas que convivem sobre o mesmo teto, independentemente da existência de um

vínculo de parentesco entre o agressor e a vítima.

Já no inciso II, nós temos a violência familiar, devendo a família ser entendida, na

forma deste dispositivo, como “comunidade formada por indivíduos que são ou se

consideram aparentados, os conhecidos “primos ou irmãos por consideração”, unidos

por laços naturais, vale dizer familiares propriamente ditos, por afinidade, em razão

do parentesco por afinidade ou por vontade expressa, como é o caso da popularmente

conhecida consideração.

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A união estável ou relação de convivência não ficou fora da previsão legislativa, eis

que no inciso III, do mesmo artigo, há a previsão da relação íntima de afeto, na qual o

agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente da

coabitação.

Já no parágrafo único encontramos um dispositivo que abre margem ao

reconhecimento da violência doméstica nas relações homosexuais femininas, pois a

vítima deve ser sempre uma mulher.

Reconhece a lei, em seu artigo 6º, a violência doméstica e familiar contra a mulher

como violação dos direitos humanos.

É forçoso concluir que a lei cuida em momentos distintos de coisas distintas, vale

dizer diferenciando a violência doméstica da violência familiar, em que pese tenha

dado igual proteção a ambas.

Não se trata de conceituação meramente terminológica, não se está a discutir o “sexo

dos anjos”, eis que tal diferenciação tem grande importância prática.

Imaginemos a hipótese de uma empregada doméstica, que venha a ser vítima de

violência cometida pelo seu patrão, que se prevalecendo das relações domésticas ou

da autoridade que exerce, pratica uma infração penal contra aquela. Estamos diante,

evidentemente, de um caso de violência doméstica, mas não de violência familiar, já

que não há relação de parentesco entre as partes envolvidas, mas há evidente proteção

legal, incidindo, no caso concreto, as disposições da lei em comento.

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Page 5: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Também pode ser imaginada a situação da vítima, que na condição de hóspede, é

sujeito passivo de um crime, praticado pelo agente, que se prevalece da relação

doméstica para a prática da infração penal.

2- Constitucionalidade da Lei.

Uma questão que suscita intenso debate é sobre a constitucionalidade ou

inconstitucionalidade da “Lei Maria da Penha”. Esta lei tratou da violência doméstica

e familiar de gênero, vale dizer contra a mulher e não da violência doméstica e

familiar como gênero, vale dizer contra a mulher, homem, criança ou idoso de ambos

os sexos, etc.

É inegável que seria melhor que a lei tivesse tratado da violência doméstica e familiar

como gênero e não cuidado tão somente da espécie de violência doméstica e familiar,

vale dizer contra a mulher (de gênero - sexo feminino).

Com base nesta “discriminação” ao sexo masculino, se tem sustentado a infringência

ao artigo 5, inciso I, da Constituição Federal, eis que “homens e mulheres são iguais

em direitos e obrigações nos termos desta constituição”, bem como ao artigo 226, §

8º, que determina que “O Estado assegurará assistência à família, na pessoa de cada

um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas

relações”. A Constituição Federal teria tratado da violência doméstica e familiar como

gênero e não de gênero, vale dizer que haveria então uma diferenciação, ou seja uma

discriminação em relação aos homens.

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Page 6: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Me parece que este não é o melhor entendimento, ressalvadas as opiniões em

contrário.Não há uma novidade no direito pátrio, eis que regra similar encontramos

disciplinando o foro privilegiado da mulher ou de seus dependentes em ações de

separação judicial ou alimentos (art. 100, incisos I e II do Código de Processo Civil),

cuja constitucionalidade foi bastante questionada, pronunciando-se o Supremo

Tribunal Federal pela constitucionalidade deste dispositivo1.

Nunca é demais lembrar do foro para ajuizamento de ações ligadas às relações de

consumo, legalmente estabelecido em favor do consumidor, na forma do Código de

Defesa do Consumidor (artigo 101, inciso I, da Lei 8.078/90), bem como do foro para

ajuizamento de ações de reparação de danos decorrentes de acidente de trânsito (artigo

100, inciso V, parágrafo único), cuja escolha fica a critério do autor, além do foro para

ajuizamento da queixa crime, que pode ser escolhido pelo querelante, na forma do

artigo 73 do Código de Processo Penal.

Dizer que esta desigualdade legal seria inconstitucional não parece ser o entendimento

mais adequado. A experiência tem demonstrado que a vítima em caso de violência

doméstica e familiar, em grande parte dos casos, senão a sua totalidade, é a mulher.

Esta legislação teve por base a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra as Mulheres, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e

Erradicar a Violência contra a Mulher, bem como a Convenção para Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres de Belém do Pará, tendo esta

apresentado estudos conclusivos a respeito da violência doméstica e familiar contra a

1 R.T. 753/309, RJTJESP 132/279, RJTJESP 134/283.

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Page 7: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

mulher, apontando que no Brasil uma mulher é vítima deste tipo de violência a cada

15 (quinze) segundos. Estes números falam por si só.

Existe, efetivamente, uma desigualdade material, cabendo a lei estabelecer uma

diferenciação de modo a tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na

medida de sua desigualdade.

É óbvio e evidente que a mulher acaba sendo a mais fraca na relação familiar, em

regra, e assim merece especial proteção. Não estamos assim, salvo melhor juízo,

diante de uma inconstitucionalidade, ao tratarmos de forma diferenciada a mulher,

vítima de violência doméstica e familiar.

3 - Disposições Preliminares – Normas programáticas e regra de interpretação.

Nas disposições preliminares desta lei encontramos normas programáticas que

determinam à criação de políticas públicas.

Uma norma extremamente importante, que traça uma regra de interpretação, é a

prevista no artigo 4º, determinando atenção do interprete para os fins sociais, a que a

lei se destina, bem como as condições peculiares das mulheres, em situação de

violência doméstica e familiar.

Deste modo a lei deverá ser interpretada em benefício da mulher, que está em situação

de desigualdade, em razão de ter sofrido uma violência, buscando sempre a sua

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proteção, fim primeiro objetivado com a normatização em comento, a qual será objeto

de nosso estudo mais aprofundado mais adiante.

4 - Formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.

As formas de violência doméstica e familiar contra a mulher estão previstas no artigo

7º:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade

ou saúde corporal, vale dizer a prática do crime de lesões corporais;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano

emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno

desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,

crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,

isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,

ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio

que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Não temos neste inciso uma conduta isolada, requerendo para a configuração deste

tipo de violência uma reiteração na conduta, de modo a causar uma diminuição da

auto-estima, uma perturbação ou gerar prejuízo ao seu pleno desenvolvimento, seja

ele social ou econômico. Este tipo de violência também será caracterizado com

comportamentos que visem degradar ou controlar suas ações.

O meio para prática deste tipo de violência também foi previsto na norma, vale dizer

através de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância

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Page 9: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e

limitação do direito de ir e vir.

Autoriza a norma à utilização da interpretação analógica, na medida em que emprega

a expressão “ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à

autodeterminação”, de modo a não termos de forma taxativa uma previsão legal no

que concerne aos meios pelos quais se pode praticar este tipo de violência.

É importante ressaltar que este tipo de violência nem sempre encontrará na legislação

penal uma tipificação correspondente, em que pese muitas das condutas nesse

dispositivo elencadas podem configurar eventual constrangimento ilegal, desde que

presente a grave ameaça ou violência física, elementares do crime previsto no artigo

146 do Código Penal.

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a

presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante

intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a

utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer

método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à

prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite

ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

Neste dispositivo temos uma proteção à liberdade sexual da mulher, bem como o

respeito a sua vontade de reprodução ou não, além da liberdade de contrair

matrimônio.

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure

retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de

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trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,

incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

Temos aqui uma especial proteção ao patrimônio, vale dizer a violência patrimonial,

assim entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição

parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens,

valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas

necessidades, podendo, eventualmente configurar os crimes de apropriação indébita,

furto ou dano.

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,

difamação ou injúria.

Como não poderia deixar de ser é chamada de violência moral, as condutas que na

realidade constituem crimes contra a honra da mulher, vale dizer a calúnia, injúria ou

difamação.

É importante ressaltar que este diploma legislativo não elenca infrações penais, apenas

afirma quais as condutas que configuram formas de violência doméstica e familiar

contra a mulher, as quais poderão ou não configurar crimes, sendo necessário para

tanto que haja a perfeita adequação típica da conduta à norma penal incriminadora.

5 - Assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

O título III trata da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

Temos aqui normas programáticas, vejam o que diz o artigo 8º:

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Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a

mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais,

tendo por diretrizes:

Se estabelece uma política de atendimento, através de um conjunto de ações

articuladas pela União, Estados e Municípios, bem como contando com a cooperação

das ONGs, visando dar o atendimento integral e prioritário à mulher, em situação de

violência doméstica e familiar.

Inciso I: a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da

Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde,

educação, trabalho e habitação;

Neste inciso temos a previsão para haver um integração entre o Poder Judiciário, o

Ministério Público e a Defensoria Pública, com as áreas relacionadas com a segurança

pública, vale dizer polícia civil e militar, assistência social, saúde, educação, trabalho

e habitação, de modo a haver um atendimento integrado e multidisciplinar à mulher,

em situação de violência doméstica e familiar.

Inciso II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações

relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas,

às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher,

para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação

periódica dos resultados das medidas adotadas;

Surge com este dispositivo a necessidade de criação de banco de dados para

quantificar os casos de violência doméstica e familiar, com enfoque não só no gênero,

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mas também na raça ou etnia, os quais devem ser unificados nacionalmente, para

estudo das causas, das conseqüências, freqüência e resultados das medidas adotadas.

Vale dizer pretende-se um verdadeiro mapeamento da violência doméstica e familiar a

nível nacional, fazendo-se o acompanhamento dos resultados obtidos, com aplicação

de determinadas medidas, de modo a constatar a eficácia ou ineficácia das mesmas, na

redução dos casos em questão, nas mais variadas regiões nacionais.

Inciso III: - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e

sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que

legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o

estabelecido no inciso III do art. 1 o , no inciso IV do art. 3 o e no inciso IV do art. 221

da Constituição Federal;

Visa esta norma que se crie um programa de modo coibir formas de incitação a

violência doméstica e familiar.

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em

particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

A previsão de atendimento especializado para as mulheres em delegacias de polícia,

como já há em São Paulo, vale dizer as Delegacias de Defesa da Mulher. Em se

tratando de atendimento especializado entendemos que há que se instalar um

atendimento por psicólogas e assistentes sociais, vale dizer multidisciplinar.

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência

doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em

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geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos

das mulheres.

Temos aqui uma previsão importante, vale dizer a criação de políticas de

conscientização da população de uma forma geral, atingindo, inclusive, as crianças,

ainda nos bancos escolares, sobre as graves conseqüências da violência doméstica e

familiar contra a mulher, trazendo, evidentemente, noções de cidadania, de direitos

humanos, as quais devem fazer parte do ensino básico de todas as pessoas, de modo a

formar cidadãos mais conscientes de seus direitos e deveres. Com isto busca-se

diminuir sensivelmente senão erradicar os casos de violência doméstica e familiar

contra a mulher, que inegavelmente é um problema cultural.

Inciso VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros

instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e

entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas

de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

Este dispositivo estabelece a possibilidade de criação das parcerias público-privadas,

com vistas a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e

familiar contra a mulher.

Inciso VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda

Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às

áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

Busca este dispositivo que seja feita capacitação de todos os envolvidos com as

questões relacionadas com a violência doméstica e familiar contra a mulher,

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possivelmente com a utilização dos resultados das pesquisas e do acompanhamento

das medidas adotadas.

Inciso VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos

de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e

de raça ou etnia;

Inciso IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os

conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e

ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Aqui valem as mesmas considerações já feitas em relação ao inciso V.

Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será

prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na

Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único

de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e

emergencialmente quando for o caso.

§ 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de

violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo

federal, estadual e municipal.

Temos uma previsão legal determinando o atendimento de forma articulada, vale dizer

perfeitamente coordenado e sincronizado, o que, de certo, depende de regulamentação

específica.

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Observe-se a norma contida no § 1º que determina a inclusão da mulher, na situação

específica desta lei, no cadastro de programas assistenciais do governo federal,

estadual e municipal, os quais deverão ser criados, tendo em vista o tema em questão.

§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar,

para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da

administração direta ou indireta;

Aqui a lei estabelece uma preferência em favor da mulher, servidora pública, da

administração direta ou indireta, vítima de violência doméstica e familiar, em eventual

pedido de remoção, com vistas a garantir a sua integridade física e psicológica.

Deixou o legislador a tarefa de verificar se estão presentes os requisitos legais para

tanto ao Poder Judiciário, quando na realidade tal questão poderia ser resolvida

facilmente na esfera administrativa, sem necessidade da intervenção judicial. Vale

dizer jurisdicionalizou-se uma questão meramente administrativa.

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local

de trabalho, por até seis meses.

Aqui temos uma regra interessante, mas que definitivamente depende de

regulamentação. Não somos especialistas na matéria, mas surgiram a famosas

controvérsias a respeito da natureza jurídica desta norma, vale dizer se estamos diante

de uma suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, com evidente conseqüências

diversas.

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É necessário estabelecer quem irá pagar o salário da mulher durante o período de

afastamento, eis que se benefício for, o mesmo depende da respectiva fonte de custeio.

Tudo isto demanda regulamentação para sua aplicação.

§ 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar

compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e

tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das

Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos

de violência sexual.

Estabelece a norma a necessidade de se atender de forma integral a mulher, em

situação de violência doméstica e familiar, garantindo-lhe medidas de contracepção de

emergência, tais como o aborto sentimental, a profilaxia de DST´s e AIDS, com o

fornecimento de preservativos gratuitamente nos postos de saúde e outros

procedimentos médicos cabíveis e necessários à situação peculiar que a mesma se

encontra.

6 – Do atendimento pela Autoridade Policial.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a

autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao

Ministério Público e ao Poder Judiciário;

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Deve a autoridade policial garantir a segurança da mulher, encaminhando-a para local

seguro e comunicando, de imediato, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, de

certo, requerendo a concessão de medidas protetivas aplicáveis ao caso concreto, as

quais serão objeto de nosso estudo detalhado, mais adiante.

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico

Legal;

É evidente que, se necessário fosse, a autoridade policial já encaminhava eventuais

vítimas para a realização de exames de corpo de delito, sendo desnecessária, ao meu

ver tal disposição.

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local

seguro, quando houver risco de vida;

Vejam que este dispositivo prega uma mudança de postura, a qual já foi, de certo,

alcançada em menor escalda com a criação de delegacias especializadas. O legislador,

contudo, não se contentou com isto, exige mais, vale dizer que à mulher seja

dispensado atendimento de forma integral, inclusive, com o seu transporte e de seus

dependentes para abrigo ou local seguro, havendo, evidentemente, risco de vida.

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus

pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

A autoridade policial, pessoalmente ou através de seus agentes, se a mulher entender

como necessário, deverá acompanhá-la até sua residência para retirada de seus objetos

de uso pessoal, tão só e exclusivamente, pois com relação aos demais bens deve a

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questão ser decidida pelo juízo da família, competente para eventual separação ou

dissolução da união estável.

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços

disponíveis.

Temos uma obrigação da autoridade policial em informar, esclarecer, quais são os

direitos que a mulher possui e quais as medidas e serviços que se encontram à sua

disposição para ampará-la neste momento peculiar.

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito

o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os

seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo

Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a

termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas

circunstâncias;

Nestes dois incisos não temos nenhuma novidade digna de nota.

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz

com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

Neste inciso temos a previsão legal que estabelece o prazo para a autoridade policial

proceder a remessa de pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de

urgência, vale dizer as previstas nos artigos 22 a 24.

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Page 19: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Este pedido deve ser feito de forma cautelar, vale dizer nos termos da lei, em

expediente apartado, sendo conhecido também como cautelar pelo juízo do Juizado da

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, na forma do artigo 14 ou pelas

Varas Criminais, na falta deste, nos moldes do artigo 33.

É importante ressaltar que somente deverá ser encaminhada esta cautelar se a mulher

efetivamente pretender que lhe seja concedida alguma medida protetiva, não cabendo

a autoridade policial a formulação, de ofício, de pedidos não pretendidos pela vítima.

Observe-se que a lei é muita clara, neste aspecto, ao utilizar-se da expressão “com o

pedido da ofendida”.

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar

outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

No que concerne a estes incisos nada de novo foi trazido.

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de

antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de

outras ocorrências policiais contra ele;

A providência de juntada de folha de antecedentes criminais, na qual constam os

mandados de prisão expedidos e outras ocorrências policiais, já era adotada pela

autoridade policial, em caso de lavratura de auto de prisão em flagrante.

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério

Público.

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Completamente desnecessário tal dispositivo, pois aplicável, subsidiariamente, o

Código de Processo Penal.

§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá

conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;

II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim

de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

Este dispositivo indica quais os requisitos mínimos a serem observados para a

formulação de um pedido de medida protetiva, bem como os documentos

indispensáveis para análise e seu deferimento.

Este deverá apontar a qualificação da ofendida e do agressor, o nome e idade dos

dependentes, a descrição sucinta do fato e das medidas requeridas.

Em caso de se requerer a fixação de alimentos são indispensáveis documentos

comprobatórios do parentesco, vale dizer certidão de nascimento dos filhos, bem

como, se possível, o ganho do agressor e o local de seu trabalho, esclarecendo se o

mesmo exerce atividade com registro em CTPS, possibilitando o desconto em folha.

§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos

fornecidos por hospitais e postos de saúde.

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Page 21: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Regra semelhante à prevista no artigo 77, § 1º, da Lei 9.099/95, que dispensa a

elaboração de laudo de exame de corpo de delito, podendo a materialidade da infração

penal ser demonstrada por boletim médico ou prova equivalente, em evidente

homenagem ao princípio da informalidade, visando a celeridade, finalidade deste

diploma legislativo.

7 – Dos Procedimentos – Disposições Gerais.

Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais

decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-

ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação

específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o

estabelecido nesta Lei.

Determina a lei a aplicação subsidiária dos Códigos de Processo Penal e Processo

Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso, que não

conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos

da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela

União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o

julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e

familiar contra a mulher.

Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno,

conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

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Page 22: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Este artigo 14 afirma que os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher são órgãos da Justiça Ordinária, vale dizer comum, os quais poderão ser

criados, nos exatos termos da lei, o que não pode ser confundido com deverão.

Vale dizer, o legislador, atento a diversas realidades de cada Estado brasileiro, não

estabeleceu de forma obrigatória a criação dos Juizados, ficando a critério de cada

ente federativo, de acordo com a sua conveniência e possibilidade orçamentária, a sua

instalação.

É evidente que, como não poderia deixar de ser, trouxe uma regra de transição para o

caso de não criação, que é a prevista no artigo 33 da lei em comento, o que será objeto

de nosso comentário mais adiante.

Muito se tem discutido a respeito da competência destes Juizados, sendo que a opinião

que me parece mais acertada é a de que os mesmos têm competência limitada para o

julgamento das medidas protetivas de urgência, sob pena de esvaziarmos a

competência das varas da família, já que, na sua maioria, os casos de separação

judicial envolvem situação de violência doméstica e familiar, contando com agressões

físicas ou verbais em seu contexto.

Neste sentido já se pronunciou a Câmara Especial do Tribunal de Justiça no

julgamento dos Conflitos de Jurisdição nº 141.765.0/0-00 e 141.939.0/4-00 afirmando

que se a mulher, ainda que tenha sofrido ofensas, que possam caracterizar hipótese de

violência doméstica e familiar, da maneira como disposta na Lei 11.340/06, opta por

ajuizar, diretamente perante o Juízo especializado, medida cautelar de separação de

corpos, preparatória de futura demanda de separação judicial, sem outras conotações

ou postulações de ordem criminal, deve aquela ser processada perante a Vara da

Família e Sucessões, até em respeito à opção da própria ofendida.

22

Page 23: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Arrematou a Câmara Especial aduzindo que devem tramitar pela Vara Criminal

pedidos deduzidos, estando em curso ou já instaurados, inquéritos policiais ou outros

procedimentos investigatórios, propostos em decorrência da prática de fatos definidos,

pela referida legislação especial, como de violência doméstica ou familiar, e por ela

denominados “medidas protetivas de urgência”, tudo como forma de fazer cessar a

situação pontual de violência trazida à apreciação do Poder Judiciário.

Prega esta lei uma mudança de mentalidade, o que vinha, embora timidamente, já

ocorrendo no processo penal e no direito penal. A vítima passa a ter uma participação

maior na persecução criminal e passa a ser tratada como uma pessoa que merece

respeito e tem direitos.

Vale recordar que foi com a Lei 9.099/95 que foi criada a possibilidade de

composição dos danos civis no âmbito criminal, representado renúncia tácita ao

direito de representação, na forma do artigo 74 e seu parágrafo único do diploma

mencionado. Tal dispositivo possibilitou que em um único procedimento fosse

resolvida uma questão criminal, bem como os reflexos indenizatórios que

normalmente dependeriam de ação própria no juízo cível.

Temos a Lei de proteção de vítimas e testemunhas. No campo do direito penal a

possibilidade de se estabelecer prestação pecuniária em favor da vítima, como forma

de substituição da pena privativa de liberdade.

Até mesmo a separação de corpos havia sido autorizada com a modificação da Lei

9.099/95 pela Lei 10.455/02, que alterou o parágrafo único do artigo 69.

Temos neste dispositivo uma verdadeira delegação legal de competência. Ora as

medidas protetivas em sua maioria, senão na sua totalidade, tem natureza jurídica de

23

Page 24: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

medidas cautelares processuais civis, as quais devem ser analisadas e decididas pelo

Juizado e na falta deste pelo juízo criminal.

É o juiz criminal que irá então decidir questões atinentes ao processo civil, e assim o

faz em razão da delegação de competência feita pela própria lei em comento, mas

estando seu poder jurisdicional condicionado a situação de emergência, vale dizer do

perigo na demora, buscando-se com isto o atendimento integral e imediato a vítima de

violência doméstica e familiar, a qual nesta situação se encontra fragilizada e necessita

do amparo estatal.

Ora não tem mais sentido, nos dias atuais, que a autoridade policial continuasse a

elaborar boletim de ocorrência sobre determinada situação de violência doméstica e

tivesse que encaminhar a vítima para a Assistência Judiciária para que lá fosse

atendida, elaborado um pedido para que este fosse levado a juízo.

Buscou a lei não só encurtar a “via crucis” que a vítima tinha que percorrer, como

desburocraticar o acesso a justiça, que é direito fundamental de todo e qualquer

cidadão.

Em determinadas situações é preciso uma resposta rápida do Estado, sob pena da que

for prestada tardiamente não ter mais qualquer eficácia.

Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por

esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

24

Page 25: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Dá a possibilidade da mulher escolher o foro que melhor lhe aprouver, seja ele o de

seu domicílio ou de sua residência, do lugar do fato ou a regra geral do domicílio do

réu, aqui considerado como agressor. Observa-se que estamos diante de regra

eminentemente de direito processual civil, que guarda similitude com aquela estatuída

no artigo 100 parágrafo único do Código de Processo Civil.

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de

que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em

audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da

denúncia e ouvido o Ministério Público.

O artigo 16 tem um comando importante, eis que nas ações penais públicas

condicionadas à representação da ofendida, somente será admitida a renúncia à

representação perante o juiz, em audiência especialmente designada para esse fim,

antes o recebimento da denúncia, com prévia oitiva do Ministério Público.

Na realidade temos um erro terminológico, eis que não se trata de renúncia a

representação, mas de retratação da representação anteriormente oferecida.

Esta retratação da representação não pode ser feita em procedimento policial, deve ser

feita em juízo, na presença do Juiz, do Ministério Público, sendo de todo interessante

o acompanhamento da equipe multidisciplinar, pela qual deve passar a ofendida por

entrevista, com o intuito de se aquilatar a efetiva sinceridade e espontaneidade no ato,

de modo a evitar que se colha a renúncia estando a ofendida coagida a tanto.

25

Page 26: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra

a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como

a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

O artigo 17 veda a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a

mulher, de penas de cesta básica, as quais não existem, em que pese, por vezes era

aplicável a prestação pecuniária, em favor de entidade pública ou privada com

destinação social, com fundamento no artigo 45, §1º e 2º, do Código Penal.

Proíbe, outrossim, o legislador a aplicação da prestação pecuniária, bem como a

substituição da pena privativa de liberdade por multa.

Pretendeu o legislador evitar a aplicação de pena exclusivamente de caráter

patrimonial, em especial da popularmente conhecida como “cesta básica”, a qual

contribuiu para a banalização dos Juizados Especiais Criminais.

O capítulo II trata das medidas protetivas de urgência, dispondo o artigo 18 que:

8 – Das Medidas Protetivas de Urgência – Disposições Gerais.

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo

de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de

urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária,

quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

26

Page 27: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Nos termos deste dispositivo cabe ao juiz decidir sobre as medidas protetivas no prazo

de 48(quarenta e oito) horas, independentemente da oitiva do Ministério Público.

No inciso II a lei determina o encaminhamento da ofendida ao órgão da assistência

judiciária, quando for o caso, vamos dizer que o juiz fixe os alimentos provisórios,

determine o afastamento do agressor do lar conjugal, deverá encaminhar a ofendida

para o órgão da assistência judiciária para que seja proposta a ação principal no prazo

de 30 (trinta) dias, contados da efetivação da medida cautelar.

Ora o artigo 13 determina a aplicação subsidiária dos Códigos de Processo Penal e

Processo Civil e, em se tratando de medidas cautelares, que encontram similitude com

as previstas no processo civil, nos parece adequada a aplicação do capítulo próprio do

Código de Processo Civil, vale dizer do artigo 796 e seguintes do CPC.

Ora quando se determina o afastamento do agressor ou se fixam os alimentos

provisórios, isto não pode durar eternamente, ficando ao bel talante da vítima, da

agredida, deve estar sujeito a um prazo certo e determinado.

Assim sendo, nos termos do disposto no artigo 806 do Código de Processo Civil,

deverá a mulher propor a ação principal, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da

efetivação da medida, sob pena de perda da sua eficácia, na forma do artigo 808,

inciso I, do mesmo “codex”.

Desta forma as medidas protetivas devem ser deferidas com um prazo de 30 (trinta)

dias, sendo que neste interstício deverá a vítima promover a ação principal, já que

encaminhada à Assistência Judiciária, quando for o caso, no juízo próprio, que é o da

vara da família, sob pena de perda eficácia do comando cautelar.

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Page 28: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Caberá, então ao juízo da família reapreciar todas as decisões proferidas em sede

cautelar pelo juízo da vara especializada da violência doméstica e familiar contra a

mulher.

No inciso III, do dispositivo em comento, temos a previsão de que o juiz “deve

comunicar ao Ministério Público para que o mesmo adote as providências cabíveis”, o

que vem a reforçar a idéia de que o deferimento das medidas em questão devem ser

conhecidas diretamente pelo magistrado, sendo que após decisão, esta deverá ser

comunicada ao representante do “Parquet”, conforme se observa também do comando

incerto no artigo 19 § 1º.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a

requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

O artigo 19 trata dos legitimados para propor as medidas protetivas de urgência, ou

seja o Ministério Público e a própria ofendida, por intermédio do Delegado de Polícia,

que formulará pedido cautelar específico, como o faz, quando requer a quebra de

sigilo bancário, interceptação telefônica, prisão temporária, dentre outras.

§1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato,

independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério

Público, devendo este ser prontamente comunicado.

As medidas em questão podem ser deferidas independente da manifestação do

Ministério Público ou “inaudita altera pars”, sem a necessidade de oitiva do agressor

ou da vítima, buscando uma maior celeridade neste procedimento.

28

Page 29: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Contudo, o Ministério Público deverá ser prontamente comunicado, seja do

deferimento ou indeferimento de qualquer medida, para que possa adotar as medidas

cabíveis, inclusive convocar a vítima, em caso de indeferimento, para que esta possa

trazer novos subsídios, que levem ao convencimento do magistrado, formulando ele,

em favor dela, razão pela qual temos um caso típico de legitimação extraordinária,

novo pedido.

§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou

cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior

eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou

violados.

Este dispositivo prevê a possibilidade de aplicação isolada ou cumulativa de medidas

protetivas, as quais poderão ser substituídas, a qualquer tempo, por outras de maior

eficácia, vale dizer na hipótese de se mostrarem ineficazes.

Temos na hipótese a aplicação de medida substitutiva em razão da ineficácia da

anteriormente concedida.

§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida,

conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se

entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio,

ouvido o Ministério Público.

Este dispositivo reforça a idéia da possibilidade de concessão de novas medidas, sem

prejuízo das anteriormente concedidas, as quais poderão ser revistas a qualquer

momento, dada a sua provisoreidade, característica inerente ao provimento cautelar,

com a necessidade de prévia oitiva do Ministério Público, se este não for o requerente.

29

Page 30: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Observa-se, claramente, que o legislador não protege somente a mulher, em situação

de violência doméstica e familiar, mas esta proteção alcança também o seu patrimônio

e seus familiares.

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a

prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do

Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do

processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-

la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Este artigo trata de uma inovação, ou seja a possibilidade da prisão preventiva do

agressor, não só para o cumprimento de medidas, mas também e, em especial, para

fazer cessar a atividade criminosa, quando todas as outras medidas adotadas tenham se

mostrado insuficientes para conter o agressor.

Vale dizer, nesta hipótese, foi deferida uma medida protetiva, a qual não está sendo

cumprida, havendo recalcitrância na prática criminosa, exigindo-se um medida mais

dura, para fazer cessar a atividade criminosa, razão pela qual é colocada a disposição

do magistrado a possibilidade do decreto de prisão preventiva.

A prisão poderá ser decretada de ofício, a requerimento do Ministério Público ou

mediante representação da autoridade policial, em qualquer fase do inquérito policial

ou da instrução criminal.

O parágrafo único, como não poderia deixar de ser, prevê a possibilidade de

revogação da prisão preventiva decretada, quando não mais subsista o motivo que

ensejou a sua decretação.

30

Page 31: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor,

especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da

intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao

agressor.

Este artigo determina a notificação da ofendida de todos os atos processuais relativos

ao agressor, em especial o seu ingresso e a saída da prisão, sem prejuízo da intimação

do defensor público ou advogado constituído.

Vale dizer a lei determina que a mulher deva ser notificada, pessoalmente, em todo o

procedimento, não bastando a simples intimação de seu patrono.

Em nenhuma hipótese a ofendida poderá ser incumbida da entrega da intimação do

agressor, situação comum, em São Paulo, nas ações de alimentos, conhecidas como

“alimentos de balcão”, que eram realizadas independente de advogado.

Nestas a mulher comparecia em cartório e formulava o pedido de alimentos, já saindo

intimada da data da audiência designada pelo juízo, recebendo intimação para o

requerido, a qual era por ela entregue ao mesmo.

9 - Medidas Protetivas de Urgência em espécie.

Temos duas ordens de medidas protetivas de urgência as que obrigam o agressor,

previstas no artigo 22 e as medidas protetivas de urgência à ofendida, previstas nos

artigos 23 e 24.

Me parece que seria melhor uma outra classificação, ou seja medidas protetivas da

integridade física e saúde da mulher e dos seus dependentes, previstas nos artigos 22 e

31

Page 32: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

23 e as medidas protetivas do patrimônio da mulher ou da sociedade conjugal,

previstas no artigo 24.

Vale dizer nitidamente há uma preocupação do legislador sob o aspecto pessoal,

integridade física e saúde, nos artigos 22 e 23, sendo que no artigo 24 esta é voltada

para o aspecto patrimonial.

Vejamos cada uma delas.

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher,

nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto

ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão

competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

Ora havendo a suspensão do direito de posse de arma de fogo, a posse passa a ser

ilegal, sendo sintomático e consequencial que o agressor tenha que entregar a arma

que possui, sob pena de incorrer no crime previsto no artigo 12 da Lei 10.82603, razão

pela qual me parece que o magistrado deva determinar, nesta hipótese, a busca e

apreensão da mesma, até porque esta medida tem muito mais efeito, alcança mais o

objetivo pretendido pelo legislador, do que a simples suspensão do direito.

O § 2º, deste dispositivo deve ser interpretado conjuntamente com o inciso I, ou seja

na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições

mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de

2003, ou seja as pessoas que estão legalmente autorizadas a portar armas de fogo, o

juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas

de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior

32

Page 33: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob

pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

Ora, em se tratando, por exemplo, de um policial militar, vejam o peso desta decisão,

suspensa a posse ou o porte de arma, determinada a sua busca e apreensão ou

recolhimento a policial militar, o mesmo não poderá mais portá-la, sendo comunicado

o seu superior, o qual deverá, ao nosso ver, afastar o policial da atividade de rua, já

que não poderá trabalhar fora do quartel desarmado, colocando-o para exercer funções

meramente administrativas.

Resta evidente que temos que tomar muito cuidado, muita cautela, com a imposição

desta medida.

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

Já foi mencionado que tem natureza cautelar, devendo ser deferido pelo prazo de 30

(trinta) dias, período em que deverá ser proposta a ação principal, no juízo próprio,

sob pena de perda da eficácia da medida.

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o

limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

Isto é um pouco complicado. O juiz poderá até fixar esta obrigação de não fazer, mas

será de difícil fiscalização.

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de

comunicação;

33

Page 34: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Isto também é de difícil fiscalização, muito embora seja interessante que se evite

contato telefônico, ocasião em que podem ser proferidas ameaças.

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e

psicológica da ofendida;

Esta medida me parece bastante adequada, já que o juiz pode proibir, por exemplo,

que o agressor freqüente o local de trabalho da vítima, de modo a impedir que a

mesma venha a ser prejudicada profissionalmente.

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe

de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

Para haver a restrição ao direito de visitas é necessária a prévia oitiva da equipe de

atendimento multidisciplinar ou serviço similar.

Temos, assim, que tomar um cuidado especial com a medida de proibição de

aproximação, eis que a mesma pode implicar na suspensão, por via indireta, do direito

de visitas, sem que tenha havido qualquer parecer prévio nesse sentido.

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios

Podem os alimentos serem fixados como medida de urgência, sendo necessária, para

tanto, prova pré-constituída do parentesco, sendo que a necessidade dos filhos

menores se presume, devendo a ofendida, na medida do possível, fazer prova da

possibilidade do agressor, possibilitando uma fixação mais criteriosa da verba

alimentar.

34

Page 35: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas

na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o

exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

Este dispositivo é absolutamente desnecessário, pois o artigo 13 garante esta aplicação

subsidiária.

§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz

requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

Este artigo é de extrema importância. Deferida a medida protetiva a quem caberá o

cumprimento da determinação judicial? Me parece que ao oficial de justiça. Não é a

autoridade policial que irá cumprir a medida protetiva de afastamento do lar conjugal,

por exemplo, sendo que, se for necessário, poderá o juiz requisitar o auxílio da força

policial, nos termos deste dispositivo.

Vale dizer este parágrafo deixa claro que a força policial é auxiliar no cumprimento da

determinação, não figurando com executora da ordem, incumbência esta do oficial de

justiça.

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de

proteção ou de atendimento;

A lei prevê o encaminhamento da ofendida, bem como seus dependentes a programas

oficiais ou comunitários de proteção ou de atendimento, o que de certo deverão ser

criados e instituídos, com vistas a dar apoio não só a mulher, mas também a seus

dependentes, encontrando-se estes fragilizados em razão da situação de violência

doméstica e familiar.

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Page 36: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo

domicílio, após afastamento do agressor;

A ofendida, uma vez abrigada e afastado o agressor, poderá ser reconduzida ao

domicílio.

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos

relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

Prevê este dispositivo a possibilidade da ofendida se afastar do lar conjugal, sem que

com isto possa lhe ser imputada responsabilidade por abandono do lar.

IV - determinar a separação de corpos.

A separação de corpos é decorrência lógica e natural do afastamento do agressor do

lar conjugal ou da saída da ofendida, sendo desnecessária, no meu entender, esta

previsão legal.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles

de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as

seguintes medidas, entre outras:

Como já vimos este dispositivo tem em mira a proteção patrimonial, vale dizer dos

bens da sociedade conjugal ou particulares da mulher.

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

Vamos dizer que o agressor tenha retido a carteira de trabalho da vítima, seus

documentos pessoais, dos filhos, dos quais necessita, pode, neste caso, o juiz

determinar a restituição, expedindo mandado de busca e apreensão e restituição dos

mesmos.

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Page 37: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e

locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

Me parece que a legislação foi longe demais, levando a mulher a categoria de incapaz.

Para a celebração de atos e contratos de compra e venda ou locação é necessária a

assinatura da mulher, sendo que a mesma não irá, evidentemente, assinar nada se não

quiser. Ainda que se admita a hipótese de assinar qualquer instrumento mediante

coação tal ato jurídico estará sujeito a anulação em razão do vício da vontade, sendo

completamente dispensável esta disposição.

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

A mulher pode ela própria suspender ou revogar as procurações conferidas, não

havendo necessidade de atuação do Poder Judiciário, mostrando-se absolutamente

dispensável e até inútil tal dispositivo.

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos

materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a

ofendida.

Poderá ser exigida a prestação de caução, demonstrada a situação capaz de gerar

prejuízo, seja de ordem material ou moral, bem como a necessidade da medida, sob

pena de perecimento do direito, em caso de sucesso em demanda indenizatória.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins

previstos nos incisos II e III deste artigo.

10 - Da atuação do Ministério Público.

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Page 38: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e

criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Estabelece este dispositivo a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público,

seja como parte ou como fiscal da lei, nas causas cíveis e criminais, decorrentes de

violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos

casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência

social e de segurança, entre outros;

Ao Ministério Público é conferido o poder de requisitar, vale dizer não é mero

requerimento, a força policial, serviços públicos de saúde, de educação, de assistência

social e de segurança, entre outros, com vistas ao pleno atendimento da mulher e seus

dependentes, em caso de violência doméstica e familiar.

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher

em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas

administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades

constatadas;

Incumbe, outrossim, ao “Parquet” a fiscalização dos estabelecimentos públicos e

particulares de atendimento à mulher, tendo o dever de adotar as medidas

administrativas ou judiciais cabíveis, uma vez constatadas eventuais irregularidades,

tais como interdição temporária dos estabelecimentos, até sua efetiva regularização,

através de ação própria para tanto, como ocorre, por exemplo, no juízo da infância e

juventude.

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Page 39: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Este dispositivo aponta a necessidade de manutenção de um cadastro, ou melhor um

estudo quantitativo e qualitativo, elaborado, inclusive, por regiões, de modo a mapear

a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como aquilatar a eficácia das

medidas adotadas na sua prevenção, o que está em perfeita consonância com o

disposto no artigo 8º, inciso II.

11- Da Assistência Judiciária.

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de

violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado

o previsto no art. 19 desta Lei.

Garante a lei a assistência judiciária a mulher, de modo que esteja acompanhada de

advogado, se não tiver condições de constituir profissional de sua confiança, em todos

os processos relacionados com o tema, salvo a hipótese do artigo 19, ou seja em caso

de requerimento de medidas protetivas, cujo pedido poderá ser formulado diretamente

à autoridade policial ou ao Ministério Público.

Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o

acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita,

nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e

humanizado.

Este dispositivo reforça o atendimento a mulher, bem com a idéia de criação de

setores especializados da Defensoria Pública ou Assistência Judiciária, com já existe

na fase policial, nos Estados em que há a conhecidas Delegacias da Mulher.

12 – Da equipe de atendimento multidisciplinar.

39

Page 40: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que

vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento

multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas

psicossocial, jurídica e de saúde.

Neste dispositivo temos a previsão de atendimento multidisciplinar nos Juizados de

Violência Doméstica e Familiar, caracterizado pelo acompanhamento do caso por

psicólogos, assistentes sociais, possibilitando a utilização dos recursos de pacificação

dos conflitos tais como a conciliação e a mediação.

Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições

que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao

juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente

em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção

e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial

atenção às crianças e aos adolescentes.

Este artigo trata das atribuições mínimas a serem desenvolvidas por esta equipe

multidisciplinar, vale dizer traz os contornos mínimos que devem ser observados, já

que a atuação poderá ser diferenciada, dependendo das necessidades que serão ditadas

pelo caso concreto.

Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz

poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a

indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

Observe-se que o atendimento não se limita a equipe de atendimento multidisciplinar,

podendo o juiz, caso a complexidade do caso venha a exigir, utilizar-se de outro

profissional especializado, que deverá ser indicado pela equipe.

40

Page 41: Lei 11.340 - Lei Maria Da Penha Comentada

Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá

prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento

multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Neste dispositivo temos a possibilidade de criação de uma rubrica específica, no

orçamento do Poder Judiciário, para destinação de verba orçamentária para criação e

manutenção de equipe de atendimento multidisciplinar.

13 – Das Disposições Transitórias

Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal

para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e

familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei,

subsidiada pela legislação processual pertinente.

O artigo 33 tem uma regra de transição, ou seja enquanto não instalado Juizado de

Violência doméstica e familiar contra a Mulher, as varas criminais serão competentes

para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e

familiar, cujas ações terão andamento preferencial, na forma do parágrafo único do

mesmo dispositivo.

14 – Das Disposições Finais.

Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do

serviço de assistência judiciária.

Este dispositivo prevê a possibilidade de instalação de curadorias e do serviço de

assistência judiciária, que devem atuar conjuntamente com os Juizados de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher.

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Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e

promover, no limite das respectivas competências:

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos

dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de

violência doméstica e familiar;

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de

perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de

violência doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Este dispositivo trata da criação do sistema dos Juizados da Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher, que deverá ser integrado e possuir frentes de atuação a

níveis Nacional, Estadual e Municipal, fazendo-se as devidas adaptações nos

existentes, na forma do artigo 36.

Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei

poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de

atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da

legislação civil.

Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz

quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para

o ajuizamento da demanda coletiva.

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O artigo 37 trata da legitimidade para a propositura de ações coletivas, que será do

Ministério Público ou de entidade de autuação nesta área, regularmente constituída há

pelo menos 01 (um) ano, dispensado este requisito, se não houver outra que o reúna,

quando do ajuizamento da demanda.

Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão

incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança

a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito

Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do

Ministério da Justiça.

Este dispositivo prevê a inclusão das estatísticas de violência doméstica e familiar

contra a mulher na base de dados da Secretarias da Segurança Pública e da Justiça

estaduais, que por sua vez alimentaram os dados a nível nacional do Ministério da

Justiça.

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas

competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão

estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para

a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Este dispositivo trata da possibilidade de previsão orçamentária a nível Federal,

Estadual e Municipal para o cumprimento das metas e diretrizes traçadas por esta

legislação.

Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos

princípios por ela adotados.

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Este dispositivo aponta a preponderância dos princípios por esta lei adotados em

relação as obrigações expressamente previstas.

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,

independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de

setembro de 1995.

O artigo 44 alterou o § 9º, do artigo 129, do Código Penal reduzindo a pena mínima

que era de 06 (seis) meses e passou a ser de 03 (três) meses, em flagrante equívoco, já

que a intenção do legislador era agravar a situação de violência doméstica e familiar.

Contudo, foi elevada a pena máxima para três anos, de modo que a lesão corporal, em

situação de violência doméstica, assim entendida como gênero e não de gênero,

deixando de ser infração de menor potencial ofensivo, já que a reprimenda superou o

limite de dois anos, previsto no artigo 61 da Lei 9.099/95.

Surgem disto várias questões. Como a lesão corporal dolosa leve depende de

representação, em razão do disposto no artigo 88 da Lei 9.099/95, como teria ficado

este crime, se praticado em situação de violência doméstica e familiar contra a

mulher?

Alguns já sustentam que, em razão do dispositivo em questão, a lesão corporal de

natureza leve, com contornos de violência doméstica e familiar contra a mulher,

passaria a ser processada por ação penal pública incondicionada, vale dizer não

dependendo mais de representação.

Afirmam, ainda, que não se aplica a transação penal, a suspensão do processo, a

possibilidade de composição dos danos civis, o rito sumaríssimo, vale dizer institutos

previstos na Lei 9.099/95.

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Me parece não seja esta a melhor interpretação, pois estaríamos, com isto, criando um

tratamento diferenciado injustificável.

Vale dizer, um homem que pratica uma ameaça contra uma mulher, em situação de

violência doméstica e familiar prevista nesta lei, na forma do artigo 41, não devo

aplicar a Lei 9.099/95, de modo que não se trata de infração de menor potencial

ofensivo, razão pela qual não caberá a transação penal, a suspensão do processo, nem

a composição dos danos civis.

Contudo, se uma mulher ameaçar um homem, temos uma infração de menor potencial

ofensivo, sendo cabível a transação penal, o que me parece absolutamente

insustentável.

Assim sendo, o artigo 41 deve ser interpretado em conjunto com os artigos 4º, 16 e 17

da Lei em estudo, de modo a restringir o alcance do primeiro dispositivo.

Quando o artigo 41 afirma que não se aplica a Lei 9.099/95, deve ser entendido que

não se aplica esta legislação somente em relação as restrições previstas nos artigos 16

ou 17, vale dizer que a retratação da representação somente será possível em

audiência especialmente designada para esta finalidade, bem como não será possível a

aplicação de pena de prestação pecuniária ou exclusivamente de multa.

O artigo 4º, como foi visto anteriormente, traz uma importante regra de interpretação,

devendo ser observados os fins sociais a que a lei se destina, bem como as condições

peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Ora o que dependia de representação, continuará a depender, até porque esta vem em

favor da mulher e não contra ela, já que evitará que a mesma veja seu companheiro

processado, mesmo contra sua vontade, como acontecia no passado.

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A representação é um verdadeiro trunfo que a mulher possui em suas mãos, podendo,

inclusive, ser objeto de negociação, já que é possível a composição civil com forma de

renúncia, de modo a se possibilitar a pronta reparação de danos.

O espírito da lei é este, vale dizer proteger a mulher, atender suas necessidades, seus

anseios e sua vontade.

Entendemos que é possível, outrossim, a transação penal, desde que não seja “cesta

básica” ou exclusivamente pecuniária, mas pode ser, por exemplo, a prestação de

serviços à comunidade, a freqüência a programas de orientação e prevenção de

violência doméstica, etc.

Também será possível a suspensão do processo, a qual longe de estar prejudicando a

mulher, ostenta como condição a reparação do dano que vem em seu favor.

Como vimos há a possibilidade de aplicar medidas protetivas em se tratando de

violência doméstica e familiar contra a mulher, mas e se a violência doméstica for

praticada contra um filho, por exemplo, um atentado violento ao pudor praticado pelo

companheiro da mãe, tendo como vítima seu enteado, haverá ou não possibilidade de

proteção desta lei?

Entendemos que sim, pois como vimos as medidas protetivas são cautelares de

natureza processual civil, de modo que é plenamente possível a sua aplicação

analógica, vale dizer nessa hipótese seria possível o afastamento do agressor do lar

conjugal, formulado como medida protetiva, perante a autoridade policial.

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