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Rev Ass Med Brasil 2001; 47(1): 52-8 52 AVALIAÇÃO ALIAÇÃO DO DO COMPORT COMPORTAMENT AMENTO AUDITIVO AUDITIVO E NEUROPSICOMO NEUROPSICOMOTOR OR EM EM LACTENTES LACTENTES DE DE BAIX BAIXO PESO PESO AO AO NASCIMENT NASCIMENTO *I. L *I. L ICHTIG ICHTIG, S.R.G. M , S.R.G. M ONTEIRO ONTEIRO, M.I.V. C , M.I.V. C OUTO OUTO, F.M.B. , F.M.B. DE DE H H ARO ARO, M.S.C. M.S.C. DE DE C C AMPOS AMPOS , F.A.C. V , F.A.C. V AZ AZ, Y. O , Y. O KAY KAY TrabalhorealizadonaUnidadeNeonataldoHospitalUniversitáriodaUSP eCentrodeDocênciaePesquisaemFonoaudiologiadaFMUSP–SãoPaulo–SP Artigo Original Artigo Original INTRODUÇÃO A função auditiva é considerada uma peça fundamental do complexo sistema de comunicação do ser humano. A integridade e o funcionamento adequado dos órgãos responsáveis pela audição e pela fala são pré-requisitos fundamentais para garantir a aquisição da linguagem. O desenvolvimento do sistema auditivo periférico está completo no quinto mês de vida intra-uterina, tanto anatômica quanto fisiologicamente. Portanto, é possível e pas- sível estudá-lo nos períodos pré-natal, neo- natal e pós-natal. Neste estudo, focalizare- mos apenas a avaliação auditiva no período pós-natal. O sistema auditivo central está menos RESUMO – OBJETIVOS E MÉTODOS. Este estudo teve como objetivos detectar a presença de deficiência auditiva (DA) de moderada a profunda em 60 lactentes de baixo peso ao nascimento, e na ausência desta, acompanhar o desenvolvimento da função auditi- va (localização da fonte sonora), e acompanhar o desenvolvimen- to neuropsicomotor destas crianças durante os dois primeiros anos de vida, através da avaliação comportamental da audição (Hear Kit, Downs - 1984), avaliação clínica do desenvolvimento neuropsicomotor e ultra-sonografia de crânio. RESULTADOS. Os resultados obtidos mostraram que dos 60 lactentes, em um caso foi levantada a hipótese de DA e em nove crianças foi verificado atraso no desenvolvimento neurop- sicomotor. Na análise transversal dos dados obtidos da avaliação auditiva, verificou-se que o comportamento auditivo dos lactentes apresentou respostas diferentes do que aquelas citadas na literatura americana. CONCLUSÃO. Concluiu-se que 5% dos lactentes apresentaram atraso na localização auditiva da fonte sonora e que os atendimen- tos médico e fonoaudiológico precoces, no berçário e ambulató- rio, nos dois primeiros anos de vida destas crianças de alto – risco são necessários. UNITERMOS: Prematuros. Deficiência auditiva. Localização da fonte sonora. Desenvolvimento neuropsicomotor. desenvolvido no período neonatal, o que ocorre gradativamente até a fase adulta. Para estudar o nível de maturação deste sistema no período neonatal durante os 23 meses seguintes, pesquisadores recorrem aos testes de percepção auditiva, como por exemplo, de discriminação dos sons da fala 1,2 e da localização da fonte sonora 3-6 . Alguns métodos utilizados para a avalia- ção auditiva em neonatos, como por exem- plo a audiometria de respostas elétricas do tronco cerebral (BERA), emissões otoa- cústicas e outros, apresentam como vanta- gens a objetividade e participação de apenas um profissional para realização do teste. Por outro lado, apresentam desvantagens co- mo o alto custo do equipamento, sua manu- tenção e análise dos traçados. Outros métodos para avaliação auditiva são testes que avaliam as respostas auditivas comportamentais, obtendo-se respostas claras e seguras para uma variedade de *Correspondência: *Correspondência: R. Alberto Faria, 102 – Alto de Pinheiros – Cep: 05459-000 São Paulo – SP – Tel.: 3819-3745 estímulos auditivos, onde o espectro e in- tensidades do sinal são conhecidos 7 . Tal método possibilita fornecer informações relativas ao grau de maturação do sistema nervoso central. Considerando-se a realidade brasileira, no que tange a precariedade dos recursos na área da saúde pública, os métodos comportamentais são mais compatíveis e viáveis neste momento devido ao seu baixo custo, simplicidade no manuseio e sua fácil manutenção. Os objetivos deste estudo foram detec- tar a presença de deficiência auditiva (DA) de moderada a profunda em lactentes de baixo peso ao nascimento, e na ausência desta, acompanhar o desenvolvimento da função auditiva (localização da fonte sono- ra), e acompanhar o desenvolvimento neu- ropsicomotor destas crianças durante os dois primeiros anos de vida. Para isto foram acompanhados 60 lactentes considerados

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Rev Ass Med Brasil 2001; 47(1): 52-852

LICHTIG I. ET AL.

AAVVALIAÇÃOALIAÇÃO DODO COMPORTCOMPORTAMENTAMENTOO AUDITIVOAUDITIVO EE NEUROPSICOMONEUROPSICOMOTTOROREMEM LACTENTESLACTENTES DEDE BAIXBAIXOO PESOPESO AOAO NASCIMENTNASCIMENTOO

*I. L*I. L ICHTIGICHTIG , S.R.G. M, S.R.G. M ONTEIROONTEIRO, M.I.V. C, M.I.V. C OUTOOUTO, F.M.B. , F.M.B. D ED E H H AROARO,,M.S.C. M.S.C. DEDE C C AMPOSAMPOS , F.A.C. V, F.A.C. VAZAZ, Y. O, Y. O KAYKAY

Trabalho realizado na Unidade Neonatal do Hospital Universitário da USPe Centro de Docência e Pesquisa em Fonoaudiologia da FMUSP – São Paulo – SP

Artigo OriginalArtigo Original

INTRODUÇÃO

A função auditiva é considerada umapeça fundamental do complexo sistema decomunicação do ser humano. A integridadee o funcionamento adequado dos órgãosresponsáveis pela audição e pela fala sãopré-requisitos fundamentais para garantir aaquisição da linguagem.

O desenvolvimento do sistema auditivoperiférico está completo no quinto mês devida intra-uterina, tanto anatômica quantofisiologicamente. Portanto, é possível e pas-sível estudá-lo nos períodos pré-natal, neo-natal e pós-natal. Neste estudo, focalizare-mos apenas a avaliação auditiva no períodopós-natal.

O sistema auditivo central está menos

RESUMO – OBJETIVOS E MÉTODOS. Este estudo teve como objetivosdetectar a presença de deficiência auditiva (DA) de moderadaa profunda em 60 lactentes de baixo peso ao nascimento, e naausência desta, acompanhar o desenvolvimento da função auditi-va (localização da fonte sonora), e acompanhar o desenvolvimen-to neuropsicomotor destas crianças durante os dois primeirosanos de vida, através da avaliação comportamental da audição(Hear Kit, Downs - 1984), avaliação clínica do desenvolvimentoneuropsicomotor e ultra-sonografia de crânio.

RESULTADOS. Os resultados obtidos mostraram que dos 60lactentes, em um caso foi levantada a hipótese de DA e em novecrianças foi verificado atraso no desenvolvimento neurop-

sicomotor. Na análise transversal dos dados obtidos da avaliaçãoauditiva, verificou-se que o comportamento auditivo dos lactentesapresentou respostas diferentes do que aquelas citadas naliteratura americana.

CONCLUSÃO. Concluiu-se que 5% dos lactentes apresentaramatraso na localização auditiva da fonte sonora e que os atendimen-tos médico e fonoaudiológico precoces, no berçário e ambulató-rio, nos dois primeiros anos de vida destas crianças de alto – riscosão necessários.

UNITERMOS: Prematuros. Deficiência auditiva. Localização da fontesonora. Desenvolvimento neuropsicomotor.

desenvolvido no período neonatal, o queocorre gradativamente até a fase adulta.Para estudar o nível de maturação destesistema no período neonatal durante os 23meses seguintes, pesquisadores recorremaos testes de percepção auditiva, como porexemplo, de discriminação dos sons dafala1,2 e da localização da fonte sonora3-6.

Alguns métodos utilizados para a avalia-ção auditiva em neonatos, como por exem-plo a audiometria de respostas elétricas dotronco cerebral (BERA), emissões otoa-cústicas e outros, apresentam como vanta-gens a objetividade e participação de apenasum profissional para realização do teste. Poroutro lado, apresentam desvantagens co-mo o alto custo do equipamento, sua manu-tenção e análise dos traçados.

Outros métodos para avaliação auditivasão testes que avaliam as respostas auditivascomportamentais, obtendo-se respostasclaras e seguras para uma variedade de

*Correspondência:*Correspondência:R. Alberto Faria, 102 – Alto de Pinheiros – Cep: 05459-000

São Paulo – SP – Tel.: 3819-3745

estímulos auditivos, onde o espectro e in-tensidades do sinal são conhecidos7. Talmétodo possibilita fornecer informaçõesrelativas ao grau de maturação do sistemanervoso central.

Considerando-se a realidade brasileira,no que tange a precariedade dos recursosna área da saúde pública, os métodoscomportamentais são mais compatíveis eviáveis neste momento devido ao seu baixocusto, simplicidade no manuseio e sua fácilmanutenção.

Os objetivos deste estudo foram detec-tar a presença de deficiência auditiva (DA)de moderada a profunda em lactentes debaixo peso ao nascimento, e na ausênciadesta, acompanhar o desenvolvimento dafunção auditiva (localização da fonte sono-ra), e acompanhar o desenvolvimento neu-ropsicomotor destas crianças durante osdois primeiros anos de vida. Para isto foramacompanhados 60 lactentes considerados

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AVALIAÇÃO AUDITIVA E NEUROPSICOMOTOR EM LACTENTES

de alto risco para a deficiência auditiva iden-tificados no período neonatal.

MÉTODOS E CASUÍSTICA

Foram acompanhados prospectiva-mente 60 lactentes prematuros e com pesode nascimento inferior a 2500g, que nasce-ram no Hospital Universitário da Universi-dade de São Paulo e foram atendidos noBerçário Anexo à Maternidade. Após a altado Berçário, estas crianças foram acom-panhadas, até os dois anos de idade, pelosautores em Serviço Ambulatorial.

Estes lactentes foram avaliados sob oponto de vista de crescimento, desenvolvi-mento neuropsicomotor e comportamen-to auditivo. Os mesmos foram submetidoscada um em média a 8,78 consultas médicase a 4,36 avaliações fonoaudiológicas cadaum. As características destes lactentes du-rante o período neonatal encontram-se nastabelas 1 e 2.

A idade gestacional de cada recém-nas-cido foi determinada pelo método deDubowitz8, uma vez que nem todas as mãesdispunham da idade gestacional pelo perío-do menstrual; e esta quando determinada,na maioria das vezes, mostrou-se uma ida-de incompatível com a idade aparente dorecém-nascido.

Os dados coletados no período neo-natal incluíram fatores de risco para a defi-ciência auditiva segundo as normas esta-belecidas pelo Joint Committee on InfantHearing 7 como pontuação no APGAR de 0-3 no 5o. minuto de vida; uso de medicaçãoototóxica (incluindo os aminoglicosídeos);anormalidades de cabeça e pescoço; ante-

Tabela 1 – Distribuição dosrecém-nascidos quanto ao sexo.

N %

Sexo Masculino 29 48,4Sexo Feminino 31 51,6

Tabela 2 – Características dos 60 lactentes durante o período neonatal.

Média Desvio PadrãoIdade Gestacional (em semanas) 33,22 2,56Peso nascimento (g) 1.531 386,56Tempo de internação (dias) 37,18 21,60

Tabela 3 – Distribuição dos fatores de risco para DA nos 60 lactentes avaliados.

Fatores de Risco N % Média Desvio PadrãoApgar de 0-3 16 26,66 Apgar no 1º min.=1,75 2,55

Apgar no 5º min.=5,56 1,79Meningite bacteriana 01 1,66 ..................................Anormalidades de cabeça 01 1,66 ..................................e pescoçoHiperbilirrubinemia 05 8,33 ..................................Antecedentes familiares 01 1,66 ..................................Peso ao nascer<ou = 1500g 32 53,33 1.243,59202,31gMedicação ototóxica 39 65 9 dias 6,82diasincluindo os aminoglicosídeosVentilação mecânica 26 43,33 10 horas 6,84horasTempo na incubadora 55 91,66 .................................(>ou=5 dias)

Tabela 4 – Distribuição do número de fatores de risco para cada lactente

Número de fatores Número de lactentes %01 21 3502 22 36,603 08 13,304 07 11,605 02 3,3

cedentes familiares de deficiência auditiva;ventilação mecânica prolongada por umtempo maior ou igual a 10 dias; peso aonascimento inferior a 1500g; meningitebacteriana; hiperbilirrubinemia, e os crité-rios de risco estabelecidos por Azevedo9,uso de drogas ou alcoolismo materno etempo na incubadora. A distribuição dos

fatores de risco encontra-se nas tabelas 3 e 4.

MATERIAL E PROCEDIMENTO

As 60 crianças prematuras foram avalia-das por médicos e fonoaudiólogas no Ber-çário e posteriormente em Serviço Ambu-latorial do Hospital Universitário. No acom-

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panhamento pediátrico foram utilizadosgráficos de crescimento e ganho ponderalpropostos por Marcondes et al.10, Marqueset al.11; avaliação do desenvolvimento neu-ropsicomotor através de comparação commodelos propostos e modificados por Ge-sell et al.12 e realização de ultra-sonografiade crânio, uma ou mais vezes, dependendoda necessidade de cada criança. As criançasque apresentaram qualquer alteração nodesenvolvimento neuropsicomotor foramencaminhadas para atendimento em fisiote-rapia e orientação de estimulação precoce.Foi também realizada a avaliação de fundode olho rotineiramente para estas crianças.Dependendo ainda da necessidade de cadacriança houve encaminhamentos para asvárias especialidades (cirurgia, ortopedia,neurologia).

Para avaliação do comportamento audi-tivo foram utilizados os instrumentos do“Hear Kit”3 (conjunto de instrumentos so-noros prévia e espectograficamente analisa-dos, que possibilitam detectar perdas audi-tivas neurossensoriais de grau moderado aprofundo); ficha de registro dos fatores derisco para deficiência auditiva; questionáriosobre o desenvolvimento da audição e co-municação realizado junto as mães; ficha derespostas de avaliação da localização auditi-va e o otoscópio Heine.

Os lactentes foram selecionados pelosneonatologistas através do preenchimentoda ficha de registro dos fatores de alto riscopara deficiência auditiva, durante o períodode internação no berçário.

Para lactentes até cinco meses, a avalia-ção auditiva era realizada com um dos ins-trumentos do Hear Kit3, cujas característicasacústicas variavam nas freqüências de750Hz a 8000Hz e intensidade de 90dBNPS. No momento do teste, a criançaencontrava-se em estado 2 (sono leve) e aapresentação do som era feita nas duasorelhas separadamente, a uma distância de15cm perpendicularmente ao pavilhão

auricular, estando a criança em decúbitolateral. Os tipos de respostas observadaseram registrados na ficha individual de tria-gem auditiva.

Com os lactentes de 5 a 24 meses eraapresentado o Kit completo. A criança emestado alerta (estado 4) sentada sobre ocolo materno, de frente para uma das exa-minadoras, que distraia a criança enquanto aoutra, atrás da criança, apresentava os estí-mulos sonoros (como ilustra a figura 1) numangulo de 45 graus em relação à orelha dacriança,seguindo a ordem:• sino : 90 cm abaixo da orelha direita,• chocalho : 90 cm abaixo da orelha esquerda• luva : 90 cm acima da orelha esquerda,• ovo : 90 cm acima da orelha direita.

Todas as respostas eram anotadas. Ocritério “passou-falhou” baseou-se na pre-sença ou ausência de respostas motoraspreviamente definidas dos lactentes frenteaos estímulos sonoros. Sempre que ocorriasuspeita de deficiência auditiva, através dedados obtidos da avaliação do comporta-mento auditivo e do questionário realizado,eram feitos encaminhamentos para centroaudiológicos especializados para testagenseletrofisiológicas.

Com relação ao desenvolvimento dalocalização auditiva, conforme ilustra a figu-ra 2, a classificação da criança quanto ao seudesempenho, dentro, abaixo ou acima doesperado, era feita através do tipo de res-posta evolutiva de localização apresentadapor esta, levando em conta sua faixa etária.Os critérios adotados para os tipos de res-postas foram os propostos por Northern &Downs13 como: localização lateral, localiza-ção indireta para baixo, localização diretapara baixo, localização indireta para cima elocalização direta para cima.

A cada retorno ambulatorial, era realizadaa inspeção do meato acústico externo paradetecção de cerumen, corpo estranho noconduto auditivo externo e visualização doaspecto e integridade da membrana timpânica.

Orientações com relação a estimulaçãoda linguagem oral da criança eram realizadasperiodicamente junto à família, além de ori-entações quanto a adequação dos hábitosorais, quanto ao tempo de uso de chupeta(modelo, tamanho e furo) e hábitos desucção de dedos.

RESULTADOS

I) Quanto à detecção da deficiência audi-tiva ao nível periférico:

Das 60 crianças avaliadas, apenas uma(1,7%) apresentou suspeita de deficiênciaauditiva (DA) na avaliação auditiva com-portamental. Foi, então, solicitado o exameeletrofisiológico (BERA) para confirmaçãode DA. Porém, o seguimento foi descon-tinuado voluntariamente por parte dos paisque não retornaram ao ambulatório emdata previamente agendada com o resulta-do do exame acima solicitado.

Esta única criança com suspeita de DAapresentou exposição a três fatores consi-derados de alto risco para deficiência audi-tiva, ou seja, peso ao nascimento inferior a1500g; permanência em incubadora por 43dias, uso de aminoglicosídeos. Além destesfatores, apresentou também intercorrên-cias importantes como quadro convulsivodurante o período neonatal e diagnósticode hemorragia intracraniana.

II) Quanto ao desenvolvimento da locali-zação da fonte sonora ao nível de per-cepção auditiva:

Na faixa etária de 0 a 4 meses, todosos lactentes apresentaram respostasdentro do esperado para o estímulosonoro, apresentado a cada orelha se-paradamente. As respostas mais fre-qüentes nos recém-nascidos foram res-postas reflexas (susto e reflexo cócleo -palpebral), atividade corporal (movi-mentos de membro superior e inferior,cessar atividade e mudança no padrãorespiratório), atividade facial (movimento

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ocular, franzir testa, careta, sucção, voca-lização e sorriso) e mudança no estado. Atabela 5 ilustra a distribuição destas respos-tas entre os lactentes de 0 a 4 meses.

O gráfico 1 ilustra um aumento grada-tivo nas respostas de localização de fontesonora com procura para baixo, esperadasdos 5 aos 9 meses de idade. A partir desteperíodo, até o vigésimo quarto mês, hátendência da maioria das crianças (médiade 80% destas) manter as respostas delocalização para baixo da média esperadapara a idade. As respostas acima do espe-rada aparecem apenas entre o 5o. e o 9o.mês de idade, representando em médiaum percentual de 55% das respostas doslactentes. Em menor proporção, apare-cem respostas abaixo do esperado namaioria das faixas etárias.

O gráfico 2 ilustra que entre os 5 e os 13meses de idade, 100% das respostas delocalização para cima estão acima do espe-rado. Esta condição, porém, diminui signifi-cativamente para 58,3% da população es-tudada na faixa etária seguinte, para depoisnão mais ocorrer. A partir dos 13 mesesaumentam gradativamente as respostasdentro do esperado, chegando a represen-tar 84,2% destas no 24º mês. Respostas deprocura da fonte sonora para cima, que seencontram abaixo do esperado surgemapenas no 16o. mês, declinando até o 24ºmês para 15,8% destas.

III) Quanto ao desenvolvimento neuro-psicomotor:Os resultados da avaliação do desenvolvi-mento neuropsicomotor (DNPM) e ultra-

sonografia (USG) decrânio estão descri-tas na tabela 6, en-contrando-se novelactentes (15%) comatraso no DNPM eseis lactentes (10%)com alguma alte-ração na USG decrânio.

IV) Quanto à avali-ação dos lactentesque apresentaramalteração na locali-zação do som e/ouno DNPM:

Os lactentes queapresentaram atra-so na avaliação dalocalização da fontesonora, segundoDowns3, e/ou naavaliação do DNPMestão descritos natabela 7.

Dos 10 lacten-tes descritos nestatabela, dois apresen-taram atraso tanto na avaliação do DNPMcomo na de localização da fonte sonora.Sete lactentes apresentaram desenvolvimen-to da função auditiva normal mas DNPMcom atraso. Um lactente apresentou atrasono desenvolvimento da localização auditivae DNPM normal.

DISCUSSÃO

Os avanços da neonatologia têm permi-tido cada vez mais a sobrevivência de re-cém-nascidos de alto risco, e vários autorestêm relatado a presença de perdas auditivasmoderadas e severas em 2,5 a 5% destascrianças14.

O baixo peso ao nascimento (menorque 2500g) e a anóxia perinatal são fatores

de risco bem conhecidos de inúmerosdeficits no desenvolvimento neuropsico-motor, incluindo a deficiência auditiva. Temsido demonstrado por vários autores querecém-nascidos de baixo peso ao nasci-mento têm uma incidência de perda auditivasuperior aos recém-nascidos com peso su-perior a 2500g15,16.

Alguns autores descrevem perdas au-ditivas em cerca de 0,25 a 0,5% em re-cém-nascidos com peso de nascimentomaior que 1500g e em cerca de 2,1 a 17%naqueles com peso de nascimento inferiora 1500g12,17,18. Na verdade os recém nas-cidos de muito baixo peso (menor que1500g) apresentam outros fatores de ris-co, que não é só o baixo peso ao nasci-

Tabela 5 – Tipos de respostas ao estímulosonoro dos lactentes de 0 a 4 meses

Tipos de respostas N %Resposta reflexa 75 68,8Atividade corporal 13 11,9Atividade facial 16 14,7Mudança de estado 05 4,6

Figura 1 – Procedimento para avaliação dos lactentes de 5 a 24meses utilizando o Hear Kit

Figura 2 – Desenvolvimento normal do comportamento auditivosegundo NORTHERN & DOWNS (1991)

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mento e, apesar das dificuldades em seisolar o agente causal ou suscetibilidadeindividual, uma grande variedade de fato-res pode ser relacionada com a perdaauditiva neste grupo de recém-nascidos.Cox et al.19 estudaram o efeito de váriosfatores de risco neonatais sobre a funçãoauditiva e observaram que havia um au-mento na incidência desta quando estavampresentes combinações entre os váriosfatores. No presente estudo, 1,7% doslactentes apresentou suspeita de deficiên-cia auditiva mas, por motivo de abandonodo seguimento ambulatorial, não foi possí-vel confirmar o diagnóstico.

Estudos em recém-nascidos com pesode nascimento inferior a 2500g e ano-xiados, encontraram uma incidência de 11 a19% de seqüela neurológica e comprome-timento auditivo neurossensorial, sugerindoque a anóxia perinatal e as complicaçõesassociadas a ela podem ser responsáveis pelaperda auditiva20. Estudos histopatológicosmostram perdas celulares do núcleo coclearapós anoxia neonatal grave21.

Com relação ao processo de maturaçãodo sistema nervoso central através da ob-servação do desenvolvimento da funçãoauditiva, a utilização do procedimento com-portamental, avaliando a localização da fon-te sonora das 59 crianças que responderamao estímulo sonoro, oito (13,4%) criançasapresentaram alguma alteração na respostainicial. Dentre estas, três (37,5%) apresen-taram normalização nas avaliações seguin-tes. As outras cinco (62,5%) mantiveram omesmo padrão de respostas até a últimaavaliação.

Conforme descrito por Lichtig22, os re-cém-nascidos sem fatores de risco paradeficiência auditiva apresentaram as seguin-tes respostas durante a avaliação auditiva:reflexo cócleo palpebral (RCP); reflexo deMoro; despertar do sono; atividades desucção e cessação de movimentos corpo-rais. Estas reações motoras têm sido utiliza-

das provavelmente porque são passíveis deanálise definitiva, ao contrário de outrasclasses de comportamento auditivo23.

Neste estudo os resultados mostra-ram que nos lactentes de 0 a 4 meses asrespostas reflexas predominam sobre ou-tros tipos de respostas (atividade corporal,atividade facial e mudança de estado), dife-rente do encontrado para uma populaçãode recém-nascidos sem risco para defici-ência auditiva24 .

Com relação às respostas de localização

auditiva de procura da fonte sonora parabaixo, quando comparadas com os parâ-metros delineados por Downs3, a maioriados lactentes de todas as faixas etárias, comfatores de risco para audição, não apresen-tou alteração. Verificou-se também que do5º ao 9º mês a maioria das respostas mos-trou-se acima do esperado para a idadedesta população.

Azevedo et al.6 estudaram o desen-volvimento do comportamento auditivode 194 crianças sem evidências de defi-

Tabela 6 – Distribuição dos 60 lactentes quanto aos dados referentesa avaliação do DNPM e USG crânio.

Tipo de Avaliação Resultado % N X peso X idade Gest.+/-DP +/-DP

normal 76,66 46 1.580,46 33,23+/-390,38 +/-2,40

DNPM alterado 15 9 1.279,44 31,52+/-266,70 +/-1,58

Não foi 8,33 5 1.536,60 36,17Realizado +/-420,06 +/-3,11normal 75 45 1.495,35 32,71

+/-367,75 +/-2,43USG alterado 10 6 1.645 33,86Crânio +/-491,35 +/-3,89

Não foi 15 9 1.637,55 35,08Realizado +/-421,25 +/-2,58

Tabela 7 – Caracterização dos lactentes com atraso na avaliação audiológica e/ou DNPM

Lactente Fatores de Risco Avaliação da Avaliação NPM Avaliação daLocalização Ultra sonografia

B50 Anoxia; Incubadora Normal Atraso NormalB33 P<1500g;Anoxia Atraso Atraso NormalB57 P<1500g;Anoxia Norma(DVisual) Atraso NormalB21 Anoxia;P<1500g Atraso Atraso NormalB45 Peso<1500g;Ototóxico;Incubadora Normal Atraso NormalB14 P<1500g;Incubadora;Hiperbilir Normal Atraso AlteradoB39 P<1500g;Anoxia;Vent.mecânica Normal Atraso NormalB29 P<1500g;Anoxia;Vent.mec.;Ototóxico Normal Atraso NormalB9 P<1500g Normal Atraso NormalB20 Ototóxico;Incubadora Atraso Normal Alterado

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AVALIAÇÃO AUDITIVA E NEUROPSICOMOTOR EM LACTENTES

ciência auditiva (denominado de Grupode Baixo Risco) frente a estímulos sono-ros, comparando com as respostas de202 crianças nascidas pré-termo e atendi-das na Unidade de Terapia IntensivaNeonatal (denominado de Grupo de AltoRisco). A faixa etária estudada compreen-deu crianças de zero a 13 meses de idade.Concluíram que as respostas de atenção,procura da fonte e de localização sonoraparecem estender-se por mais tempo nogrupo de crianças pré-termo. Neste últi-mo grupo, as crianças sem seqüelas neu-rológicas apresentaram atraso entre oterceiro e o nono mês de idade, comnormalização de respostas entre o nonoe o décimo terceiro mês de idade, prova-velmente devido ao processo de ma-turação do sistema nervoso central.

No presente estudo, porém, os resul-tados mostraram que a maioria dos lac-tentes de alto risco para deficiência auditivacom peso ao nascimento abaixo de 2500g.apresentaram respostas de localização dafonte sonora dentro do esperado, segundoliteratura americana13.

O atraso na localização sonora das trêscrianças (5%) com risco para deficiênciaauditiva pode ser atribuído a eventuais alte-rações neurológicas presentes25,26 .

É importante o seguimento fonoaudio-lógico até a comprovação da existência do

comportamento de localização da fonte so-nora para todas as direções.

CONCLUSÃO

Existe um período crítico para o desen-volvimento da linguagem durante os doisprimeiros anos de vida27. Aproximadamente80% do aprendizado da linguagem oral éatingido durante os dois primeiros anos devida, sendo, portanto, considerado “crítico”devido à maior plasticidade do sistema ner-voso central. Qualquer dano no sistema sen-sorial auditivo alterará a informação que oindivíduo recebe, mudando a natureza daexperiência intelectual e bio-psico-social doindivíduo.

Quanto maior a privação da estimulaçãoda percepção auditiva, menos eficiente seráa habilidade da criança para desenvolver alinguagem oral13.

Os dados obtidos neste trabalho suge-rem a viabilidade da implantação de um mé-todo simples e de baixo custo para triagemauditiva e seguimento nos serviços da redepública para identificação e detecção da de-ficiência auditiva e avaliação do desenvolvi-mento da localização auditiva em recém-nascidos e lactentes considerados de altorisco para esta deficiência, tendo em vistaque são procedimentos de fácil aplicação ebaixo custo.

SUMMARY

ASSESSMENT OF AUDITORY BEHAVIOUR

AND NEUROPSYCHOMOTOR DEVELOPMENT

OF LOW WEIGHT INFANTS

PURPOSES AND METHODS. The aims o fthis study were: to detect moderate toprofound hearing loss in high risk infantsfor deafness, to follow up their auditorydevelopment (localization of the soundsource- Hear Kit - Downs, 1984); andtheir neuropsychomotor developmentduring the tw o first years of life. Allsubjects w ere submitted to cerebral ultrasound assessment.

RESULTS. An infant w ith a suspected hea-ring loss w as identified and nine infantspresented neuropsychomotor develop-ment delay. In a transversal analysis o f thehearing assessment data it was verified thatinfants in this study presented differentresponse than the referred in the Americanliterature.

CONCLUSIONS. It was concluded that 5%of the infants w ere delayed in localizing thesound source. Medical peech and hearingfo llow up during the two first years o f life o fhigh risk infants for deafness is important andadvisable.

KEY-WORDS: Premature. Hearing loss. Loca-lization. Neuropsychomotor development.

Gráfico 1 – Distribuição dos tipos de respostas de localizaçãopara baixo nos lactentes de 5 a 24 meses, segundo

critérios de Downs (1984)

Gráfico 2 – Distribuição dos tipos de respostas de localizaçãopara cima nos lactentes de 5 a 24 meses, segundo

critérios de Downs (1984)

Idade%

Rev Ass Med Brasil 2001; 47(1): 52-858

LICHTIG I. ET AL.

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Artigo recebido: 07/11/1996Aceito para publicação: 29/06/2000

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