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FLÁVIA BONADIO
Lina em Projeto
(Trajetória de Lina Bo Bardi na revista Projeto - 1979 a 2007)
MARÍLIA
2008
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FLÁVIA BONADIO
Lina em Projeto
(Trajetória de Lina Bo Bardi na revista Projeto - 1979 a 2007)
Dissertação apresentada ao curso de Pós-graduação em Comunicação, Área de Concentração em Mídia e Cultura da Faculdade de Comunicação, Educação e Turismo da Universidade de Marília, para a obtenção do título de Mestre em Comunicação.
Orientador: Prof. Dr. Romildo Sant’Anna
MARÍLIA 2008
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UNIMAR – UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
NOTAS DA BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DO MESTRADO
FLÁVIA BONADIO
TÍTULO: “LINA EM PROJETO” (TRAJETÓRIA DE LINA BO BARDI NA REVISTA
PROJETO - 1979 A 2007)
Data da Defesa:
Banca Examinadora
Prof.Dr. Avaliação:________________________ Assinatura:_______________________________ Prof.Dr. Avaliação:________________________ Assinatura:_______________________________
Prof.Dr. Avaliação:________________________ Assinatura:_______________________________
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Título: “Lina em Projeto” (Trajetória de Lina Bo Bardi na revista Projeto - 1979 a 2007)
Autor: Flávia Bonadio
Examinadores: Aprovada em: ___/___/____. ______________________________________________________ Prof. Dr. Romildo Sant’Anna _____________________________________________________ Prof. Dr. _____________________________________________________ Prof. Dr.
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SUMÁRIO
Resumo 11
Introdução 13
Capítulo I
Lina Bo Bardi – Um Ícone da Arquitetura Brasileira
21
Capítulo II
Revista Projeto – Sua História
59
Capítulo III
Lina na Projeto de Vicente
76
Capítulo IV
Lina na Projeto de Arlindo
131
Considerações Finais 187
Bibliografia 191
6
ÍNDICE DE FIGURAS
Fig.1: Maquete da “Casa de Vidro”. 15 Fig.2: Ateliê de Lina na “Casa de Vidro”. 15 Fig.3: Exposição de Lina Bo Bardi Arquiteto no “MASP” de 12/01 a 02/04/2007. 15 Fig.4: Lina Bo Bardi 1982. 17 Fig.5: Lina Bo Bardi em 1940. 17 Fig.6: Capa da edição 133. 18 Fig.7: Capa da edição 149. 18 Fig.8: Projeto da capa da edição 11. 19 Fig.9: Capa da edição 324. 19 Fig.10: Achillina Bo – criança. 22 Fig.11: Rimini, 1928. Lina, a mãe Giovana e a irmã Graziella. 22 Fig.12: Trabalho de Graduação – 1939 (maquete). 23 Fig.13: Lina, 1938. 23 Fig.14: Lina no jardim de seu escritório, 1940. 23 Fig.15: Logotipo do papel de carta.. 23 Fig.16: Revista Stile. 24 Fig.17: Quaderni di Domus. 24 Fig.18: Revista Vetrina. 24 Fig.19: San Remo 1943. Giovanna e Enrico, pais de Lina. 25 Fig.20: San Remo, 1943. Lina e seu gato chamado “Giovannino detto cavalo”. 25 Fig.21: Milão, maio, 1945. Lina era repórter de arquitetura, depoimentos e enquetes para o jornal Milano Sera.
25
Fig.22: Lina e P.M. Bardi, 1946. 26 Fig.23: No navio Almirante Jaceguay. 26 Fig.24: Copacabana, Rio de Janeiro, 1946. 27 Fig.25: Lina e P.M.Bardi. Chegada em São Paulo, 1947. 27 Fig.26: Colar de Águas-marinhas. 31 Fig.27: Baile de Carnaval no IAB, 1948. 31 Fig.28: Estudo da entrada provisória do “MASP”. 32 Fig.29: Cadeira com grande assento móvel para o auditório. Na primeira foto, Lina.
32
Fig.30: Várias cadeiras de diferentes materiais. 33 Fig.31: Estudo de trajes. 33 Fig.32: “Bardi´s bowl”. 34 Fig.33: Odete Lara em foto para divulgação. 34 Fig.34: Lina em sua “Bardi´s Bowls”. 34 Fig.35: “Bardi´s Bowls”. 34 Fig.36: Casa de Vidro em 1951. 35 Fig.37: Casa de Vidro em 1993. 35 Fig.38: Bardi e Lina, 1990. 35 Fig.39: Interior da Casa de Vidro em 1993. 35 Fig.40: Capa do estudo em 1957. 36 Fig.41: Capa do livro em 2002. 36 Fig.42: Avenida e Túnel 9 de julho, sob o Trianon, por volta de 1945, onde posteriormente foi construído o Masp.
36
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Fig.43: Masp visto da Avenida 9 de julho. 36 Fig.44: “MASP” e o Povo. 37 Fig.45: Desenho de Lina do Belvedere. 37 Fig.46: Avenida Paulista como palco para eventos esportivos. Na foto, São Silvestre.
37
Fig.47: Ilustração de um estudo estrutural para o “MASP”. 38 Fig.48: Lina na obra do “MASP”. 39 Fig.49: Obra do “MASP”. 39 Fig.50: “MASP” no final de suas obras em 1967. 39 Fig.51: “MASP” Hoje (março 2007). 39 Fig.52: Comitiva da rainha na chegada ao “MASP”, 1968. 40 Fig.53: Rainha na inauguração do “MASP”, 1968. 40 Fig.54: Conjunto pós-restauro, 1963. 41 Fig.55: Escadas – Antes. 41 Fig.56: Escadas - depois. 41 Fig.57: Arquitetura Cênica e cena fina da peça Ópera 3 tostões. 41 Fig.58: Vista dos telhados e calha-jardineira. 42 Fig.59: Logotipo e entrada principal. 43 Fig.60: Vista do Interior do Teatro. 43 Fig.61 e 62: Vista do bloco esportivo, deck-solarium e passarelas de interligação. 43 Fig.63: Janela-buraco. 43 Fig.64: Projeto Anhangabaú Tobogã. 44 Fig.65: Perspectiva. 45 Fig.66: Interior do MAM. 45 Fig.67: Teatro em obra. 45 Fig.68: José Celso na obra do teatro. 45 Fig.69: Fachada do “Teatro Oficina”. 46 Fig.70: Interior do “Teatro Oficina”. 46 Fig.71: Interior do “Teatro Oficina”. 46 Fig.72: Projeto Barroquinha. 47 Fig.73: Cadeira Frei Egydio. 48 Fig.74: Cadeira Frei Egydio. 48 Fig.75: Exterior da “Casa Benin”. 48 Fig.76: Interior da “Casa Benin”. 48 Fig.77: Antes e depois da “Casa do Olodum”. 49 Fig.78: “Ladeira da Misericórdia.”. 49 Fig.79: Fachada do “Palácio das Indústrias”. 50 Fig.80: Vista do Salão Azul. 50 Fig.81: “Palácio das Indústrias” e seu entorno. 50 Fig.82: “Palácio das Indústrias”. 50 Fig.83: Vistas das maquetes do conjunto. 50 Fig.84: Lina na sala da “Casa de Vidro”. 51 Fig.85: Lina com os cavaletes. 53 Fig.86: Cavaletes. 53 Fig.87: Projeto dos cavaletes. 54 Fig.88: Cavaletes. 54 Fig.89: Cavaletes. 54 Fig.90: Cavaletes. 54
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Fig.91: Layout da capa do Arquiteto 62 Fig.92: Capa do primeiro Arquiteto 62 Fig.93: Volume 11 do “Cadernos Brasileiros de Arquitetura”. 63 Fig.94: Ilustração feita por Paulo Causo, chargista e cartunista nascido em 1949, irmão gêmeo de Chico Caruso.
63
Fig.95: Ilustração de Paulo Caruso: Equipe da revista Projeto em 1982 para a edição comemorativa 42.
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Fig.96: Projeto da capa da edição 11. 65 Fig.97: Projeto da capa da edição 12. 65 Fig.98: Vicente Wissembach. 65 Fig.99: Reprodução do primeiro editorial da Projeto. 66 Fig.100: Fernando Serapião, no dia 19 de março de 2007, após ter concedido entrevista.
68
Fig.101: Capa da Edição 42. 70 Fig.102: Capa da Edição 102. 70 Fig.103: Arlindo Mungioli em sua sala, no dia 19 de março de 2007, concedendo entrevista.
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Fig.104: Residência no Chame-Chame. 78 Fig.105: Capa da edição 92,1986. 79 Fig.106: Inserção do SESC no bairro. 81 Fig.107: Quarteirão do SESC no bairro. 82 Fig.108: SESC: o portal, o largo, os galpões. 83 Fig.109: O deque. 84 Fig.110: SESC: Suas aberturas e detalhes. 86 Fig.111: Os galpões originais com poucos acréscimos. 87 Fig.112: Os galpões originais com poucos acréscimos. 87 Fig.113: Os detalhes. 89 Fig.114: Janela-buraco. 90 Fig.115: Implantação do SESC publicada – Ilegível. 92 Fig.116: Croqui do sumário. 92 Fig.117: Croqui de Lina para o conjunto. 93 Fig.118: Croquis auto-explicativos. 94 Fig.119: Croquis auto-explicativos. 94 Fig.120: Vista dos telhados e calha-jardineira. 95 Fig.121: Os três volumes em desnível. 96 Fig.122: Altar. 96 Fig.123: Implantação. 97 Fig.124: Capela em Ibiúna. 98 Fig.125: Capela em Ibiúna (croqui e vista frontal). 98 Fig.126: Capa da edição 133,1990. 99 Fig.127: Ladeira da Misericórdia recuperada em 1989. 102 Fig.128: Exposição no salão caramelo da FAU-USP. 103 Fig.129: Palestra de Lina Bo Bardi na FAU-USP. 103 Fig.130: Lina e Gilberto Gil. 106 Fig.131: Palestra de Lina Bo Bardi na FAU-USP. 107 Fig.132: Projeto do MASP com as pilastras e vigas vermelhas. 108 Fig.133: A sede do MASP, um ano antes da inauguração. 109 Fig.134: Croqui. 111
9
Fig.135: Croqui. 112 Fig.136: Restauração do Palácio das Indústrias. 112 Fig.137: Restauração do Palácio das Indústrias 113 Fig.138: Restauração do Palácio das Indústrias. 113 Fig.139: Programa para o projeto do Palácio das Indústrias manuscrito por Lina. 114 Fig.140: Maquete apresentada ao concurso da Expo 92 de Sevilha. 116 Fig.141: Cortes do projeto. 116 Fig.142: Maquete para o projeto da Estação Guanabara. 117 Fig.143: Croqui do projeto da Estação Guanabara. 118 Fig.144: SESC Pompéia. 119 Fig.145: Roteiro da arquitetura paulista. 120 Fig.146: Capa da edição 149,1991. 122 Fig.147: Página 23 da edição 149, 1991. 124 Fig.148: Detalhe de texto. 127 Fig.149: Detalhe de texto. 129 Fig.150: Detalhe de texto 129 Fig.151: Capa da edição 160, 1993. 132 Fig.152: Detalhe de texto. 133 Fig.153: Detalhe de texto. 133 Fig.154: Ladeira da Misericórdia. 135 Fig.155: Palácio das Indústrias. 135 Fig.156: Solar do Unhão. 138 Fig.157: Recuperação do Centro Histórico. 138 Fig.158: Palácio das Indústrias. 140 Fig.159: SESC Pompéia. 141 Fig.160: Altar da Igreja do Espírito Santo do Cerrado. 143 Fig.161: Desenho. 144 Fig.162: Lina e Gregori Warchavichik. 144 Fig.163: Capa do livro. 146 Fig.164: Capa do livro publicada na edição 168, pág. 88, 1993. 146 Fig.165: Cadeira 3 pés. 148 Fig.166: “Teatro Polytheama”. 149 Fig.167: Croqui de Lina. 150 Fig.168: “Teatro Polytheama”. 150 Fig.169: “Teatro Polytheama”. 150 Fig.170: “Teatro Polytheama”. 151 Fig.171: “Teatro Polytheama”. 152 Fig.172: “Teatro Polytheama”. 152 Fig.173: Plantas. 153 Fig.174: Plantas. 153 Fig.175: Fachada do Teatro. 153 Fig.176: Vista Interna. 153 Fig.177: Desenho. 154 Fig.178: Croqui Bardi’s Bowls. 155 Fig.179: Lina e Glauber no sertão. 156 Fig.180: Página 78 da edição 92, 1998. 158 Fig.181: Escola Superior de Administração e Negócios de São Paulo, Brasil Arquitetura.
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Fig.182: Residência em São Sebastião-SP, projeto de André Vainer e Guilherme Paoliello.
160
Fig.183: “Teatro Polytheama”. 164 Fig.184: Marcelo Ferraz. 168 Fig.185: Josep Maria Botey. 169 Fig.186: Nestor Goulart dos Reis Filho. 171 Fig.187: Maquete da Casa de Vidro. 172 Fig 188: Charlotte. 174 Fig 189: Lina. 175 Fig.190: Chair-Sculpture. 176 Fig.191: Danilo Miranda. 177 Fig.192: Desenho de Enrico. 178 Fig.193: Desenho de Lina. 178 Fig.194: Banhos Misteriosos – De Chirico, 1966. 180 Fig.195: Cemitério de Castellana. 180 Fig.196: Presente e Passado - De Chirico, 1970. 180 Fig.197: Anexo do cemitério de Orvieto. 180 Fig.198: Hans Gunter Flieg. 182 Fig.199: Croqui. 184 Fig.200: Sérgio Ferro. 185 Fig.201: Antiga Estação Guanabara. 186 Fig.202: Projeto de Lina Bo Bardi. 186
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BONADIO, Flávia. “Lina em Projeto” (Trajetória de Lina Bo Bardi na revista
Projeto - 1979 a 2007). Marília, 2008, 199p. Dissertação (Mestrado em Comunicação,
Área de Concentração em Mídia e Cultura: Produção e Recepção da Mídia) - Faculdade
de Comunicação, Educação e Turismo da Universidade de Marília.
RESUMO:
O trabalho tem como enfoque a revista Projeto e mostra, discute e delineia a trajetória da
arquiteta Lina Bo Bardi entre as edições 11 (1977) e 324 (2007). Em 313 números da
revista, foi realizado estudo exploratório levantando o legado projetual da arquiteta e
seguindo a linha temporal das publicações. Identificaram-se três partes complementares.
A primeira (capítulos I e II) apresenta, respectivamente, a arquiteta Lina Bo Bardi e a
revista Projeto. A segunda (capítulo III) trata da presença arquitetônica de Lina na
revista Projeto, sob a direção do jornalista Vicente Wissembach. E a terceira (capítulo
IV) trata das publicações sobre Lina na revista Projeto, sob a direção do jornalista
Arlindo Mungioli. Como resultados apontam-se: 1) elementos do projeto editorial e
gráfico dessa que é uma das principais revistas especializadas em arquitetura do Brasil;
2) a passagem de Lina Bo Bardi pela revista, revelando a arquiteta em seus aspectos
biográfico, criativos e seu legado.
PALAVRAS CHAVE: Lina Bo Bardi, revista Projeto, comunicação arquitetônica,
história arquitetônica e arte arquitetônica.
ABSTRACT:
The work done has the main focus on the magazine called Projeto, and it detects,
discusses and delineates the trajectory of the architect Lina Bo Bardi between the
editions 11 (1977) and 324 (2007). Within the 313 numbers of the magazine, it was
made use of the exploratory study raising the legacy project of the architect and
following the time line of the publications.
Three complementary parts were identified in this study. The first one of them (chapters
I and II) presents, respectively, the architect Lina Bo Bardi and the magazine Projeto.
The second one (chapter III) refers to the architectural presence of Lina in the magazine
Projeto under the direction of the journalist Vicente Wissembach. And the third one
(chapter IV) makes references to the publications about Lina in the magazine Projeto
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under the direction of the journalist Arlindo Mungioli. As a result, it can be pointed the
following: 1) elements of the editorial and graphic project of that one which is one of the
most specialized magazines in architecture of Brazil; 2) the route of Lina Bo Bardi by
herself, revealing the architect in her biographical and creative aspects.
KEYWORDS: Lina Bo Bardi, Projeto magazine, architectural communication,
architectural history and architectural art.
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INTRODUÇÃO
ESCOLHAS
Marco Pólo, famoso viajante veneziano, excursiona pelo império de Kublai Khan
e sempre, ao retornar de longas jornadas, relata o que viu ao imperador. Este é o enredo
do livro As Cidades Invisíveis (1990), de Ítalo Calvino, e de onde empresto o trecho
abaixo:
No centro de Fedora, metrópole de pedra cinzenta, há um palácio de metal com esferas de vidro em cada cômodo. Dentro de cada esfera, vê-se uma cidade azul que é o modelo para uma outra Fedora. São as formas que a cidade teria podido tomar se, por uma razão ou por outra, não tivesse se tornado o que é atualmente. Em todas as épocas, alguém, vendo Fedora tal como era, havia imaginado um modo de transformá-la na cidade ideal, mas, enquanto construía o seu modelo em miniatura, Fedora já não era mais a mesma de antes e que até ontem havia sido um possível futuro hoje não passava de um brinquedo numa esfera de vidro. Agora Fedora transformou o palácio das esferas em seu museu: os habitantes o visitam, escolhem a cidade que corresponde aos seus desejos, contemplam-na imaginando-se refletidos no aquário de medusas que deveria conter as águas do canal (se não tivesse sido dessecado), percorrendo no alto baldaquino a avenida reservada aos elefantes (agora banidos da cidade), deslizando pela espiral do minarete em forma de caracol (que perdeu a base sobre a qual se erguia). No atlas do seu império, ó Grande Khan, devem constar tanto a grande Fedora de pedra quanto as pequenas Fedoras das esferas de vidro. Não porque sejam igualmente reais, mas porque são todas supostas. Uma reúne o que é considerado necessário, mas ainda não o é; as outras, o que se imagina possível e um minuto mais tarde deixa de sê-lo1.
A relevância do texto de Calvino é para ilustrar que, neste trabalho, não se espera
a contemplação do que não é mais ou do que nunca foi. O “se” não existirá. “Mas se a
revista continuasse a ser como nos tempos de Vicente”; “e se Lina tivesse vivido mais”;
“e se a revista não tivesse sido desvinculada do jornal Arquiteto”; “e se Lina tivesse
pensado menos na idealização de suas obras e tivesse produzido muito mais”.
Esqueçam de procurar as esferas de Fedora por aqui. Os sonhos e desejos, os
outros caminhos que poderiam ter sido, não estarão neste trabalho, não porque esses
devaneios não sejam importantes, mas a Fedora real precisa ser visitada e acolhida.
Estudada. Ao estudar Lina, encontrei dificuldade em separar o que ficou só no projeto do
que foi realmente construído. Lendo o livro Lina Bo Bardi (1993), escrito por ela e
editado após sua morte, temos uma clara noção de que, para ela, não existem diferenças
entre projeto arquitetônico e execução. Ela fala de seus projetos não edificados da
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mesma forma com que fala dos edificados mais conhecidos. Muitas vezes fez-se
necessária pesquisa para saber se o projeto mencionado no livro tinha ou não sido
construído.
Escolheu-se a revista Projeto e a arquiteta naturalizada brasileira, Lina Bo Bardi.
Mas por que a Projeto? Por que a Lina? Por que Projeto e Lina juntos num mesmo
estudo? E a pergunta ressoa: por que não saciar e contemplar duas paixões? Por que não
encontrar a trajetória de uma paixão dentro da outra? Por que não contar a história de
uma através das páginas da outra? Mas existem os “ses”: Por que não Le Corbusier ou
Lúcio Costa? Por que não Ruy Otake ou Oscar Niemeyer? E a resposta se faz muito
simples, quando Marco Pólo explica ao grande Kublai Khan sobre as escolhas. O que
acontece, quando simbolicamente optamos. Deixamos outros caminhos que poderiam ter
sido para seguir um. Não porque os outros não fossem bons, não porque as “Fedoras”
das esferas não fossem boas o suficiente. Mas para ser viajante exige escolhas. O livro
As Cidades Invisíveis nos empresta mais um de seus trechos para nos ajudar a entender
sobre as escolhas:
Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos. -- Você viaja para reviver seu passado? – era, a esta altura a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: -- Você viaja para reencontrar o seu futuro? E a resposta de Marco: -- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá.2
POR QUE LINA?
As paixões cegam. Mas a procura é de desanuvear os olhos e enxergar uma
verdade arquitetônica. A paixão por Lina faria deste trabalho algo leve e poético e
permeado da realidade que -imagina-se- expulsará os devaneios.
Poderia falar dos projetos não realizados de Lina e são tantos... Tantas esferas na
quimérica Fedora que poderiam ter sido e não foram.
1 CALVINO, As Cidades Invisíveis, p.32 e 33. 2 Idem, p. 29.
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www.institutobardi.com.br
Fig.1: Maquete da “Casa de Vidro”
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Fig.2: Ateliê de Lina na “Casa de Vidro”
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Fig.3: Exposição de Lina Bo Bardi Arquiteto no “MASP” de 12/01 a 02/04/2007.
16
Mas a opção foi feita pelos projetos reais, mesmo que estejam sendo atacados e
destruídos. Parte da vocação deste trabalho é falar daquilo que pode se tornar apenas
palavras e fotos pela ação de irresponsáveis. As obras de Lina têm sido negligenciadas.
Em artigo escrito por Olívia de Oliveira para a revista 2G encontramos um breve relato
que ilustra essa negligência:
O fato de que quase todos os prédios construídos ou restaurados por Lina Bo Bardi estejam tombados por órgãos de proteção do patrimônio histórico, não tem impedido a sistemática destruição destas obras, sobretudo por conta de um desenfreado impulso avassalador, pronto a substituir o existente em nome da última novidade e do interesse mercantil. Estas ações não apenas destroem fisicamente as obras como se opõem conceitualmente à atitude de Lina Bo Bardi ao projetar. Lina trabalha com o pré-existente, observando-o cuidadosamente, deixando-se embeber pelo entorno para recria-lo e traduzi-lo em sua obra. Suas arquiteturas possuem a rara capacidade de narrar e apresentar a memória do lugar. Muitas vezes incompreendidas, elas foram qualificadas como “nostálgicas” palavra que jamais teve lugar no vocabulário de Lina Bo Bardi. Lina vive no presente, no mundo real das coisas reais e não daquelas idealizadas em um passado nostálgico, ou em um futuro inexistente. O passado é para Lina Bo Bardi sinônimo de memória é o sentimento humano por excelência. É justamente este respeito humano, à natureza, à vida o que guia sua arquitetura. Ao projetar, Lina realiza um movimento em direção ao passado para recompô-lo e, ao mesmo tempo, verso o presente que, por sua vez, vai tomando “uma nova, inesperada e nunca vista forma”. O passado é para Lina Bo algo que ainda está vivo e acontece no presente.3
A intenção é de que não se deixe perder, no esquecimento e na degradação, as obras de
Lina. Além disso, é necessário que se faça o levantamento delas, e que se saiba que
existem. Este trecho de um artigo escrito por Edson da Cunha Mahfuz, mostra como o
autor vê o pouco levantamento que existe sobre a obra de Lina:
Estudar a arquitetura de Lina Bo Bardi é, ao mesmo tempo, problemático e gratificante. Problemático porque a quantidade e variedade da informação disponível sobre seu trabalho é limitada. Isso deixa manifesto nosso atraso cultural, pois em qualquer dos nossos vizinhos sul-americanos – para não falar da Europa ou Estados Unidos – um arquiteto desse porte já teria merecido várias monografias sobre sua obra. Além disso, a obra de Lina, embora tenha raízes identificáveis, não se encaixa em nenhuma corrente arquitetônica, nem pode ser reproduzida a qualquer fórmula fácil.4
3 Artigo publicado em Oliveira, Olívia de. Hacia Lina Bo Bardi/ Conserning Lina Bo Bardi”.2G, no 23/24 (número especial sobre Lina Bo Bardi).Barcelona, 2002, pág. 04. Olívia de Oliveira é arquiteta formada pela FAU-UFBA e doutora arquiteta pela ETSAB- Barcelona. 4 Artigo publicado no site vitruvius (www.vitruvius.com.br) Mahfuz, Edson da Cunha.Traços de uma arquitetura consistente. Edson da Cunha Mahfuz é professor de projetos da faculdade de arquitetura da UFRGS
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Não era para ser difícil. Mas é. Talvez com o trabalho que ora realizamos, se
possa dar uma contribuição para quem tem curiosidade e desejo de saber como se
fundamenta uma arquitetura, como se pensa, como se projeta, promovendo a inclusão
urbana, a não agressão ao entorno, ao englobamento do usuário, o respeito.
Estudar o projeto de Lina é ter uma lição do que é arte e respeito, ou a arte do
respeito. É encontrar o caminho para a “Pasárgada projetual”, fazendo uma alusão
simbólica ao local imaginado por Manuel Bandeira. É beber da fonte. Pois Lina é
brutalista5. Não existem enfeites ou meandros. Sua arquitetura é e ponto.
Para Lina, o que é arquitetura?
Que se quer significar com o termo arquitetura? À primeira vista poderia parecer pacífica sua limitação à arte do construir e, num sentido ainda mais restrito, à construção civil; mas arquitetura é quase implicitamente tudo o que é uma estrutura e representação, partindo da estrutura mesma das rochas, do esqueleto, da figura infinitesimal do átomo até a aparência das esferas que compõem o sistema planetário. O homem se esforçou, servindo-se dos meios que a própria natureza lhe oferecia, no sentido de modificá-la e reorganizá-la, criando pouco a pouco arquiteturas infinitesimais, que aperfeiçoando-se, foram instaurando, no mundo, novas arquiteturas, desde a pedra lascada até o satélite interplanetário, da caverna ao arranha-céu, do amuleto à Catedral.6
www.institutobardi.com.br www.tvcultura.com.br/culturanointervalo/perfil.asp?programaid=44
Fig.4: Lina Bo Bardi 1982. Fig.5: Lina Bo Bardi em 1940.
Mahfuz tem razão. Para estudar Lina é preciso garimpar. Mas onde? O que fazer para
conhecer a fonte de que se quer beber? Existe uma fortuna crítica espalhada entre
artigos, teses e livros, mas a fonte escolhida foi a revista Projeto. A minha outra paixão.
5 Brutalismo: Arquitetura que faz uso extensivo do concreto aparente, dos volumes puros e geralmente maciços, e não oculta a função das estruturas e dos serviços.
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POR QUE A REVISTA PROJETO?
A revista Projeto, assim como Lina, foi paixão à primeira vista. Em 1993, a
conheci, quando ingressei no curso de arquitetura do Mackenzie. Desde então, mês a
mês, essa paixão era revigorada com a chegada de um novo número pelo correio.
É em suas páginas que encontro Lina. Algumas vezes discreta e sutil, outras
vezes, com vários números em seqüência dedicando-lhe um grande espaço.
Fig.6: Capa da edição 133 Fig.7: Capa da edição 149
Projeto não é paixão de graça. É paixão por competência. É pluri e direta.
Incisiva. Tão neutra e particular que permite que os projetos sejam o espetáculo. Projeto
sabe ser palco. E é esse o grande motivo da escolha. Para Lina, Projeto às vezes se fez
um palco modesto, em outras, palco para produção, digamos, hollywoodiana. Nada de
improviso. Precisão milimétrica.
Projeto é genuinamente brasileira e mostra a pluriarquitetura de um país que
compreende a pluricultura, pois é multicultural. Fernando Serapião, editor da revista,
assim expressou:
6 Bardi, Lina Bo. Contribuição Propedêutica ao Ensino da Teoria da Arquitetura, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, São Paul, 2002, pág.24.
19
É interessante perceber o quanto a revista faz parte da história da arquitetura dos últimos trinta anos. Às vezes, acompanhamos e registramos os acontecimentos; outras tantas, colocamos assuntos em pauta. Não se pode fazer um estudo ou tese sobre qualquer aspecto da arquitetura brasileira dessa época sem considerar o que foi registrado nas páginas de Projetodesign por mais que alguns aspectos ou pontos de vista tenham sido esquecidos. De fato, publicamos (quase) tudo de significativo. E de todos os cantos do país. O pluralismo é certamente uma marca de que nos orgulhamos. Como diz a crítica argentina Marina Waissman, em uma das frases que selecionamos: “Ganhamos com o pluralismo porque dizemos:nossa história não tem nada a ver com a européia”.7
Desde seu início, a revista Projeto mostrou-se guerreira assim como Lina. E essas
coincidências, na minha opinião, fazem desta dissertação em comunicação, uma
atividade mais emocionante. Diz Vicente Wissembach, que:
De um jornalzinho ralo, feito praticamente de maneira artesanal, viramos uma revista mensal de mais de 150 páginas, fora suplementos, já com uma estrutura profissionalizada. Um fato que chama atenção até de um encarregado de distribuição dos Correios, que em junho, em pleno clímax da crise econômica do país, queria saber como conseguimos produzir uma revista com mais de 1Kg de peso...8
LINA EM PROJETO
Para estudar Lina por meio da revista Projeto, foi escolhida uma fatia. Iniciou-se
a pesquisa na edição de número 11, a número 1 como revista Projeto e seguirá até o
número 324, edição comemorativa do aniversário de 30 anos.
Fig.8: Projeto da capa da edição 119. Fig.9: Capa da edição 324.
7 Serapião, Fernando. Revista Projeto, edição 324, pág.34, 2007. 8 Wissembach, Vicente, revista Projeto, edição 102, pág.71, 1987. 9 Revista Projeto, edição 42, pág.40, 1982.
20
Ao longo dos 313 números, Lina desfilou majestosamente. Ora como atriz
principal, ora como figurante. Todas essas faces, ainda que resumidamente, serão
enfocadas neste trabalho. Para mediar e comparar, é proposta uma quebra: a pesquisa se
dará antes e depois de 1992.
Lina morre em março de 1992. Como a revista vê Lina viva e Lina morta? Mas a
data também propõe mais uma coincidência: a revista troca de mãos em outubro de
1992. Deixa de ser de Vicente Wissembach e passa a ser de Arlindo Mungioli. Com isso,
podemos tratar a pergunta de duas maneiras, e não mais apenas em relação à morte de
Lina: como é o trajeto da Lina viva na revista Projeto, de Vicente Wissembach, e como é
o trajeto da Lina morta na revista Projeto, de Arlindo Mungioli?
Ao longo dos números, desenha-se uma Lina diferente. Ora projetual, ora
escritora, ora homenageada, ora tema de artigo. Pode até, inicialmente, parecer que este
trabalho é apenas apaixonado e que não se afasta para melhor análise. Mas penso que
não seja verdade. Para começar, passearão pelas páginas de uma dissertação, na área de
comunicação social, Lina e Projeto. Primeiro, peço a licença de apresentá-los. Mas, a
partir do capítulo IV, ambos se confrontarão. Lina faz arquitetura, um modo de
comunicação plástica. E a Projeto é veículo de comunicação.
Mas nada é perfeito. Nem Lina, tampouco a revista Projeto. Nem todas as pontas
se amarram. Nem toda “Lina” é contada. Mas a revista Projeto não parou no número
324. Por isso não é necessário melindrar o que não foi mesmo porque os “ses” não serão
encontrados aqui. Chances haverá de ter. Lina ainda desfilará várias vezes pelas páginas
da Projeto, afinal, ela é um ícone da arquitetura nacional e os ícones, pela tradição da
revista, sempre se encontram nas páginas de Projeto.
21
Capítulo I
LINA BO BARDI
O ÍCONE DA ARQUITETURA BRASILEIRA
Lina não é uma invenção. Muitos a reverenciam como criatura arquitetônica de
arte. Personalidade feminina que desponta entre o mundo, até então másculo, da
concepção projetual.
Lina. Arquiteta e mulher. Única e simbólica. Simbólica e real. Esses conceitos
estão sedimentados na revista Projeto.
Lina criou identidades marcantes e reflexivas pelas cidades por que passou. Aos
25 anos, queria escrever um livro de memórias, com as memórias que ainda não tinha.
Nunca quis ser jovem. Queria ter história, queria juntar histórias. Mal ela sabia que
mudaria a história arquitetônica de um país que adotou como seu e por ele foi adotada.
Lendas são as histórias que rondam cada projeto especial concebido por Lina. E
neles uma história que conta outra história. E essas se avolumam, quando se trata de
descrever a trajetória projetual vitoriosa da arquiteta.
O Brasil ainda engatinhava na arquitetura moderna, reinventada e embalada nos
traços de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Mas tudo era ainda muito novo, ousado e
diferente. Lina veio ao encontro dos sonhos, os sonhos que encontramos nela. Esse ícone
patrimonial como todos os outros que travaram conquistas pela reinvenção dos ideais da
modernidade.
Lina tinha traços simples. Eles diziam diretamente com o ângulo reto. Não é um
fenômeno. É tradução espontânea do funcional. Embasando o ícone, tracemos então o
início de sua trajetória.
22
I .1 - INÍCIO DO TRAJETO ATÉ SUA CHEGADA AO BRASIL
Nasce em 5 de dezembro de 1914, Achillina Bo em Roma, no bairro romano de
Prati di Castello. As palavras da própria Lina descrevem sua infância:
Quando era criança, ia à Bordighera, à divisa com a França, Nice, Cannes. Às vezes, ia aos Abruzos visitar meu avô materno. Ele era médico e morava em Taliacozzo, numa casa antiga, muito bonita. Outras vezes ia à praia, em Óstia, perto de Roma. Quando jovem, assistia a espetáculos de variedades, que mamãe não queria. Tinha um tio jornalista e ele nos levava. Conhecíamos os atores, como Petrolini. Também ia ao cinema. Muito. Vi os grandes filmes alemães, americanos e franceses. Naquele tempo, o cinema italiano era limitado e a gente achava chato.10
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.13. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.16.
Fig.10: Achillina Bo – criança Fig.11: Rimini, 1928. Lina, a mãe Giovana e a irmã Graziella
Lina formou-se na faculdade de arquitetura da Universidade de Roma, em 1939.
Nessa faculdade, o ensino dirigia-se às disciplinas histórico-arquitetônicas, que eram
consideradas mais importantes que composição, pelo fato de Roma ser um dos centros
da cultura clássica. Ela não concordava com os métodos da faculdade.
Eu provinha do Liceu artístico, quatro anos de preparação arquitetônico-artística, teoria das sombras, e desenho geométrico. Em virtude da tendência de “nostalgia” estilístico-áulica, não só da universidade, mas de todo o ambiente professoral romano fui para Milão. Fugi das antigas ruínas recuperadas pelos fascistas. Roma era uma cidade parada, lá estava o fascismo. A Itália toda era meio parada. Mas Milão não.11
10 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.9. 11 Idem.
23
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.24 Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p. 24.
Fig.12: Trabalho de Graduação – 1939 (maquete) Fig.13: Lina, 1938.
Partiu para Milão onde começa a trabalhar no escritório do arquiteto Giò Ponti12.
Em Milão, para “adquirir prática”, entrei no escritório do célebre arquiteto Giò Ponti, líder do movimento pela valorização do artesanato italiano, diretor das Trienais de Milão e da revista Domus13 Ele disse logo: “eu não vou pagar você, você é que tem que me pagar”. Trabalho total das 8 da manhã até meio-dia, sábados e domingos incluídos. O trabalho: desde o design de xícaras e cadeiras, desde a moda, isto é, roupas, até projetos urbanísticos, como o projeto de Abano (estação termal do Veneto). A atividade do escritório se estendia da construção da Montecatini à organização das Trienais de Artes Decorativas e à redação das revistas. Assim entrei em contato direto com os reais problemas da profissão.14
Durante a II Guerra Mundial, já em escritório próprio, houve uma grande escassez
de trabalho em virtude dos bombardeios aéreos. Lina começou, então, a desenvolver a
atividade de ilustradora de revistas e jornais milaneses importantes, entre eles a revista
Stile.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.25. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.25.
Fig.14: Lina no jardim de seu escritório, 1940. Fig.15: Logotipo do papel de carta.
12 Giò Ponti (1891-1979) Importante arquiteto e designer italiano. 13 Revista Domus - Fundada em 1928 por Giò Ponti, é revista mensal italiana de arquitetura, design, arte e comunicação. 14 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.9.
24
Entre 1941 e 1943, desenvolveu intensa campanha jornalística, colaborando em
revistas populares semanais como a Tempo, Grazia e Vetrina. Editava também a coleção
Quaderni di Domus, onde pesquisava e mostrava estudos sobre artesanato e desenho
industrial.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.26. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.27. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.27.
Fig.16: Revista Stile. Fig.17: Quaderni di Domus. Fig.18: Revista Vetrina.
Mas a guerra mais uma vez atropela seus planos e desenvolvimento.
Julho de 1943. O Fascismo desaba. No bombardeio de 13 de agosto, perdi meu escritório. Saí do grande atelier-escritório de Ponti. Fui então chamada para dirigir a revista Domus. Assumi em plena guerra mundial e em plena ocupação alemã. Em Bérgamo, onde Domus tinha sua sede de guerra, sozinha, com ajuda de velhas publicações, organizei os números da revista até sua suspensão, ordenada pela república de Saló.15 Em tempo de guerra, um ano corresponde a cinqüenta anos, e o julgamento dos homens é um julgamento de pósteros. Entre bombas e metralhadoras, fiz um ponto da situação: importante era sobreviver, de preferência incólume, mas como? Senti que o único caminho era o da objetividade e da racionalidade, um caminho terrivelmente difícil quando a maioria opta pelo desencanto literário e nostálgico. Sentia que o mundo podia ser salvo, mudado para melhor, que esta era a única tarefa digna a ser vivida, o ponto de partida para poder sobreviver. Entrei na Resistência, com o Partido Comunista clandestino. Só via o mundo em volta de mim como realidade imediata, e não como exercitação literária abstrata.16
15 República de Saló - República Social Italiana criada por Benito Mussolini no norte da Itália ocupado por Wehrmacht nazi, quando as forças aliadas tomaram o sul do país. 16 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.10.
25
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.32 Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.32.
Fig.19: San Remo 1943. Giovanna e Enrico, pais de Lina Fig.20: San Remo, 1943. Lina e seu gato . chamado “Giovannino detto cavalo”
Em 1944, em um estúdio provisório, os arquitetos milaneses se reuniam
escondidos para estudar os fundamentos de uma nova organização sindical e
profissional. Foi a Organização dos Arquitetos Associados, posteriormente transformada
no Movimento Studi Architettura.
A guerra termina em 1945. Hora de reconstruir. Os anseios de fazer algo novo
reavivavam as esperanças. Lina estava eufórica. Viajava recolhendo dados em toda a
Itália. “Sentíamos que era preciso fazer alguma coisa para tirar a arquitetura do pântano”,
dizia.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.31.
Fig.21: Milão, maio, 1945. Lina era repórter de arquitetura, depoimentos e enquetes para o jornal Milano Sera.
26
1946. Os velhos fantasmas voltam, os velhos nomes retornam, a Democracia Cristã toma o poder. Com ela, figuras de passados governos, tudo aquilo que pensávamos derrotado para sempre.17
Casou-se com Pietro Maria Bardi (1900-1999) em 1946, jornalista italiano, que
Lina admirava desde os tempos do Liceu artístico de Roma. “Não queria casar, mas é
chato se hospedar num hotel juntos sem ser casado”, justificou.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.34. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.35.
Fig.22: Lina e P.M. Bardi, 1946. Fig.23: No navio Almirante Jaceguay.
Pietro era importante, moderno, promovia as artes, era o maior jornalista italiano. Namoramos, casamos. Nesse ano, viagem para a América do Sul, já conhecida por Pietro. Chegada ao Rio de Janeiro de navio, em outubro. Deslumbre. Para quem chegava pelo mar, o Ministério da Educação e Saúde18 avançava como um grande navio branco e azul contra o céu. Primeira mensagem de paz após o dilúvio da Segunda Grande Guerra. Me senti num país inimaginável, onde tudo era possível. Me senti feliz, e no Rio não tinha ruínas.
Lina encantou-se pelo Brasil, mesmo com seus contrastes de favelas, construções
imponentes, florestas e arranha-céus, todos convivendo em um mesmo espaço,
reconhecendo e evidenciando a desorganização social existente.
17 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.12. 18 Ministério da Educação e Saúde do Rio de Janeiro - projetado pelo arquiteto Lúcio Costa tendo tido a ilustre avaliação de projeto feita por Le Corbusier. Ambos arquitetos modernistas.
27
Foram recebidos no I.A.B. (Instituto dos Arquitetos do Brasil) do Rio de Janeiro
por Lúcio Costa (1902-1998), Oscar Niemeyer (1907-), Athos Bulcão (1918-), Roberto
Burle Marx (1909-1994) e tantos outros. No Cosme Velho, foram recebidos pelo pintor
Cândido Portinari (1903-1962) e pelo escultor Landucci (1890-1954). Era uma das
primeiras vanguardas internacionais arquitetônicas modernistas do Brasil, pois a segunda
seria Brasília. Lina dizia-se deslumbrada pela simplicidade inteligente e capacidade dos
brasileiros. “Deslumbramento por um país inimaginável que não tinha classe média, mas
somente duas grandes aristocracias: a das Terras, do Café, da Cana e... o Povo.19”,
justificou.
Em 1947, Assis Chateaubriand (nascido em 1892 e morto 1968 foi jornalista,
empreendedor, mecenas e político brasileiro) convida Pietro Maria Bardi para fundar e
dirigir um Museu de Arte. Não estava bem certo se no Rio de Janeiro ou em São Paulo.
Lina torceu pelo Rio, mas reconheceu que o dinheiro estava em São Paulo.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.35. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.37.
Fig.24: Copacabana, Rio de Janeiro, 1946. Fig.25: Lina e P.M.Bardi. Chegada em São Paulo, 1947.
1951. Naturalizei-me brasileira. Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi esse lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha “Pátria de Escolha”, e eu me sinto cidadão de todas as cidades, desde o Cariri, ao Triângulo Mineiro, às cidades do Interior e as de Fronteira.20
19 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.12. 20 Idem.
28
I.2 - AS VÁRIAS FACES DA ARQUITETURA DE LINA BO BARDI
Lina é uma figura tão singular na história da cultura brasileira do século XX que,
nem de longe, é possível restringi-la à palavra “arquiteta”. Sua singularidade definiu-se
exatamente pela capacidade única de compreender a arquitetura dentro de um sistema
cultural permeável. Mas a riqueza do seu legado não se esgota em sua
multidisciplinariedade fecunda. Ela foi capaz de enxergar a cultura popular, que é tão
abundante no Brasil, como matéria-prima de uma contribuição à modernidade
arquitetônica.
Lina faz a arquitetura do comportamento humano, quando projeta o espaço e nele interfere criando contextos e provocando a vida. Talvez a sua experiência no campo do teatro com Martim, Gonçalves, Zé Celso e muito outros, tenha sido fundamental. O convívio entre os homens é o grande gerador de tudo, por isso, nada de fotografias de sua arquitetura sem os personagens, vazias, esteticamente perfeitas, equilibradas, mas... sem gente.21
Os trabalhos de Lina apresentam considerável faceta lúdica. Segundo Luciano
Semerani, curador de arte, “a arquitetura de Lina pode ser vista como uma mescla do
brutalismo e do surrealismo”. 22
Sua obra arquitetônica propõe a revisão das premissas do movimento moderno,
sintonizado, em grande parte, nas pesquisas européias do período que se seguiu à
Segunda Guerra. Uma vez desacreditado o ideal utópico moderno, surgiram as diversas
propostas que reatualizaram esse ideal, a partir da própria linguagem da arquitetura.
A grande reação foi a proposta italiana de redefinir o conceito do racionalismo
como premissa autônoma da tradição arquitetônica. Aplicar essas premissas teóricas à
realidade brasileira, incorporando principalmente as manifestações artísticas populares e
o contexto desse novo entorno, constitui o cerne da estética de Lina, cuja proposta
plástica traduz-se por uma tentativa de transpor os binômios história e natureza, e arte e
vida. Edson Mahfuz, em artigo publicado na revista AU, considerou:
Na arquitetura de Lina Bo Bardi, a forma se apóia na “idéia forte” e no conhecimento construtivo e estrutural. A estrutura é freqüentemente exposta,
21 Ferraz, Marcelo Carvalho. Revista AU, editora Pini, no 40, 1992, p.39. 22 Reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo, na Ilustrada de 11 de janeiro de 2006.
29
como no MASP, e explorada plasticamente, o que também acontece com detalhes construtivos como os contrafortes de concreto da Ladeira da Misericórdia e as juntas da torre mais esbelta do SESC Pompéia. Uma característica constante, o estabelecimento de contrastes entre elementos rústicos, geralmente estruturais, mostrados sem disfarces, e outros de execução refinada, como portas, janelas bancos e mesas (SESC) ou até as escadas (Casa do Benin). O prazer derivado da resolução da estrutura fica claro com a variedade de escadas e rampas não convencionais em vários projetos.23
I.3 - OBRAS DE LINA BO BARDI
Ao pesquisar as obras de Lina Bo Bardi, constata-se a grande dificuldade em
definir e rearranjar o que eram projetos que não saíram do papel, e o que eram projetos
que se tornaram obras. O que eram projetos de recuperação e restauro e foram
executados, e aqueles que não foram, mas existem projetos. Ou seja, para Lina, a
concepção projetual era maior que a idéia de estar executado ou não. Para isso, foi
necessário um árduo levantamento para que o presente trabalho pudesse dar ênfase aos
projetos executados, construídos integral ou parcialmente. Neste capítulo, “Obras de
Lina Bo Bardi”, serão mostrados os projetos que se tornaram belas obras da arquitetura
brasileira.
No site do Instituto Bardi, existe uma lista (abaixo copiada), que ilustra a não
diferença entre projetos realizados e não-realizados e, também, a não diferenciação de
importância entre eventos promovidos por ela, livros escritos ou mostras realizadas.
Tudo faz parte de sua comunicação com o mundo.
Projetos
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23 Mahfuz, Edson. Revista AU, editora Pini, no 40, 1992, p.41.
30
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31
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Tabela com as principais realizações e projetos24
Lina era apaixonada por pedras. Desde menina as colecionava. Ao chegar ao
Brasil, sua coleção só fez aumentar, e sua paixão também. Com isso, em 1947, fez o
lançamento de um desenho de jóias no Brasil. Jóias que, para ela, eram “injustamente”
chamadas de “semi-preciosas”.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.41 Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.41
Fig.26: Colar de Águas-marinhas. Fig.27: Baile de Carnaval no IAB, 1948.
Em São Paulo, começou a empreender a obra que mudaria a cara dos museus de
arte brasileiros. Lina, o que é um museu para ela:
Um recanto de memórias? Um túmulo para múmias ilustres? Um depósito ou um arquivo de obras humanas que, feitas pelos homens para os homens já são obsoletas e devem ser administradas com um sentido de piedade? Nada disso. Os museus novos devem abrir suas portas, deixar entrar ar puro, a luz nova25.
24 http://www.institutobardi.com.br/lina/realizacoes/index.html 25 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.41.
32
O “MASP” fora instalado na Rua 7 de abril, na cidade de São Paulo. Não é ainda
o Museu de Arte de São Paulo que se conhece na avenida Paulista. Pelo menos não o
prédio. É a semente plantada em 1947, até que se conseguissem fundos suficientes para a
obra grandiosa, marco paulista, brasileiro e latino-americano.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.44.
Fig.28: Estudo da entrada provisória do “MASP”
Foi para esse museu que Lina criou sua primeira cadeira moderna em terras
brasileiras. “Nós viramos São Paulo inteiro e não achamos ninguém que tivesse uma
cadeira moderna. Fomos obrigados a desenhá-la”, explicou26.
As várias facetas de Lina vão, pouco a pouco, revelando-se para o Brasil. Seu
desenho de jóias, sua arquitetura, seu design de mobiliário. Mas esse é só o começo da
estada dessa mulher em terras brasileiras.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.50 e 51.
Fig.29: Cadeira com grande assento móvel para o auditório. Na primeira foto, Lina.
26Idem, p.50.
33
Em 1948, Lina cria o Studio Palma de arte e arquitetura. Junto com o arquiteto
Giancarlo Palanti (1906-1977), desenvolveram vários móveis com grande simplicidade
estrutural, aproveitando a beleza dos veios das madeiras brasileiras.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.58.
Fig.30: Várias cadeiras de diferentes materiais.
Em 1950, Lina, sob o pseudônimo de Alencastro, também usado por Pietro Maria
Bardi, escrevia os editoriais da Habitat, revista que enfocava as artes do Brasil. Era Lina
quem dirigia a revista. Em 1951, criou vários trajes para um desfile de moda que
aconteceu no “MASP”. O fato de um museu hospedar um desfile de moda faz com que
ele se afaste do campo da museografia tradicional, com a finalidade de aproximá-lo da
funcionalidade da vida.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.74.
Fig.31: Estudo de trajes.
Uma de suas criações mais famosas é a “Bardi´s Bowl”, de 1951. É uma poltrona
em couro com estrutura em ferro. É praticamente a tradução do que é a obra de Lina:
34
bela, prática, simples e eficiente. Essa cadeira foi capa premiada da revista norte-
americana Interiors, em 1953.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.77. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.77.
Fig.32: “Bardi´s bowl” Fig.33: Odete Lara em foto para divulgação. www.tvcultura.com.br Design Brasileiro.Quem fez, quem faz, Rio de Janeiro, 2005, p.139.
Fig.34: Lina em sua “Bardi´s Bowls” Fig.35: “Bardi´s Bowls”
A “Casa de Vidro” transpira Lina Bo e Pietro Maria Bardi. Essa foi a primeira
casa construída no bairro do Morumbi em São Paulo. É a casa onde o casal morava.
Construída em 1951, é considerada “uma casa poética”, pelo arquiteto suíço Max Bill
(1908-1994). Esse foi o primeiro projeto de Lina integralmente construído. Sóbria,
racional e abrasileirada pela natureza que a acolhe. A casa foi construída em meio à mata
atlântica que existia na área em que se encontra o bairro do Morumbi.
35
Hoje a casa representa, com seu resto da antiga mata uma lembrança ecológica do
que podia ter sido uma grande “reserva”, o grande parque da cidade. A casa foi
construída em um terreno de 7000m2 e é hoje uma reserva tombada com espécies
vegetais raras da mata atlântica.
Em 1995, a casa foi doada por P. M. Bardi para abrigar a sede do Instituto Bardi.
Foi tombada pelo CONDEPHAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional) como patrimônio histórico em 1987. Abriga parte da coleção de arte
particular adquirida ao longo das vidas de Lina e Pietro.
Arquitetura Moderna no Brasil, Rio de Janeiro, 2000, p.65. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.83.
Fig.36: Casa de Vidro em 1951. Fig.37: Casa de Vidro em 1993.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.78. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.82.
Fig.38: Bardi e Lina, 1990 Fig.39: Interior da Casa de Vidro em 1993.
Lina Bo Bardi foi professora da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo) entre os anos de 1955 e 1957. Seu trabalho,
apresentado para o concurso de magistério, tornou-se livro Contribuição Propedêutica
ao Ensino da Teoria da Arquitetura, publicado em 2002.
36
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.94. www.prolivros.com.br
Fig.40: Capa do estudo em 1957. Fig.41: Capa do livro em 2002.
O “MASP” é um dos marcos da capital do estado de São Paulo. Sua importância
não se traduz apenas por ser um edifício de setenta metros de luz, cinco metros de
balanço de cada lado, oito metros de pé direito livre de qualquer coluna, que está apoiado
em 4 pilares, ligados por duas vigas de concreto protendido na cobertura e duas grandes
vigas centrais para sustentar o andar que abrigara a pinacoteca, mas por tudo que ele
representa a própria cidade. Foi com grande destreza que Lina “pendurou” literalmente o
prédio. No início houve restrições pela cor vermelha dos pilares. “Vermelho é cor de
comunista”, comentavam. Mas arte está acima disso.
Lembranças de São Paulo, São Paulo, 1999, p.113. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, p.5.
Fig.42: Avenida e Túnel 9 de julho, sob o Trianon, Fig.43: Masp visto da Avenida 9 de julho. por volta de 1945, onde posteriormente foi construído o Masp.
Existe espaço para todos no “MASP”. Seja para passear em seu belvedere, em um
final de tarde, ou vivenciar uma exposição, participar de um show de música em seu vão,
ou no mesmo vão, ir pedir a queda do Presidente da República... Quantas histórias o
“MASP” tem para contar... O “MASP” é coletivo.
37
Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, p.13. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, p.15.
Fig.44: “MASP” e o Povo. Fig.45: Desenho de Lina do Belvedere.
Conjunto Nacional: A Conquista da Paulista. São Paulo, 1998, p.121.
Fig.46: Avenida Paulista como palco para eventos esportivos. Na foto, São Silvestre.
Nas palavras de Figueiredo Ferraz, a concepção do “MASP”:
O tempo é uma espiral. A beleza em si não existe. Existe por um período histórico, depois muda o gosto, depois vira bonito de novo. Eu procurei apenas no Museu de Arte de São Paulo, retomar certas posições. Não procurei a beleza, procurei a liberdade. Os intelectuais não gostavam, o povo gostou: “Sabe quem fez isso? Foi uma mulher!!...”27
A estrutura do “MASP” sempre foi motivo de estudos e gerou muitos “ses”.
Abaixo, segue a ilustração de um estudo estrutural para o “MASP”, se ele não fosse
como é, feito por Yopanan Rebello, engenheiro civil, publicado na revista AU.
27 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Museu de Arte de São Paulo, editorial Blau, São Paulo, 1997, p.13.
38
Revista AU. São Paulo, 2007, p.69.
Fig.47: Ilustração de um estudo estrutural para o “MASP”
Todo o mobiliário, inclusive os expositores de concreto e vidro da pinacoteca, até
todo o detalhamento da mais simples arquitetura, foram desenvolvidos por Lina.
O projeto estrutural parecia utópico. Mas esta utopia se transformou numa contundente realidade. A técnica se incorporou à arte, numa esplêndida simbiose de harmonia.28
39
Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, p.64. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, p.44.
Fig.48: Lina na obra do “MASP”. Fig.49: Obra do “MASP”. Conjunto Nacional: A Conquista da Paulista. São Paulo, 1998, p.81.
Fig.50: “MASP” no final de suas obras em 1967.
Foto Flávia Bonadio (março 2007)
Fig.51: “MASP” Hoje (março 2007)
28 Ferraz, Figueiredo. Revista AU, editora Pini, no 40, 1992, p.24.
40
O “MASP” foi inaugurado oficialmente pela rainha Elizabeth II da Inglaterra em 1968.
Conjunto Nacional: A Conquista da Paulista. São Paulo, 1998, p.81.
Fig.52: Comitiva da rainha na chegada ao “MASP”, 1968. Conjunto Nacional: A Conquista da Paulista. São Paulo, 1998, p.81.
Fig.53: Rainha na inauguração do “MASP”, 1968.
Em 1959, Lina foi a Salvador na Bahia para restaurar o “Solar do Unhão”,
importante conjunto arquitetônico construído no século XVI. Quando chegou, o conjunto
era usado como depósito de materiais inflamáveis e um cortiço. Na igreja funcionava
41
uma pensão. Todo o conjunto foi restaurado e entregue novamente à população baiana e
mundial em 1963, para sediar as instalações do Museu de Arte Moderna da Bahia.
Pertencendo ao grupo museu-escola e carregando um termo impróprio, pois na época
ainda não era um museu por não possuir uma pinacoteca, foi inaugurado com as obras
emprestadas do “MASP”. Toda a divulgação e empenho visavam a divulgar a arte
moderna ao povo, levá-lo a entender e participar do movimento moderno.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.153. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.147. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.147.
Fig.54: Conjunto pós-restauro, 1963. Fig.55: Escadas - Antes Fig.56: Escadas - depois.
Em 1960, Lina realizou arquitetura cênica para a Ópera três tostões, peça de B.
Brecht e K. Weill, no teatro Castro Alves, em Salvador. Desenvolveu, também,
arquitetura cênica e todo o figurino para a peça Calígula de Albert Camus no mesmo
teatro. Já, em 1968, fez a cenografia para o filme A Compadecida, de George Jonas, e
Prata Palmares, de André Farias, em 1970. Para Gracias, Señor, de 1971, sob a direção
de José Celso Martinez Correa, no teatro Tereza Rachel, no Rio de Janeiro, desenvolveu
arquitetura cênica.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.147.
Fig.57: Arquitetura Cênica e cena final da peça Ópera 3 tostões.
42
Na “Igreja Espírito Santo do Cerrado”, que se localiza na cidade de Uberlândia,
Minas Gerais, Lina teve como colaboradores de projeto, os arquitetos André Vainer e
Marcelo Carvalho Ferraz, ambos formados pela FAU-USP em 1980, nessa época ainda
estudantes e estagiários de Lina. A obra foi iniciada no ano de 1976 e concluída em
1982.
O espaço onde foi construída a igreja se encontrava entre o quartel militar e o
bairro das “mulheres perdidas”. Esse projeto foi um convite do Frei Egydio e Frei
Fúlvio, que eram franciscanos. Foi totalmente construída com materiais muito pobres,
vindos de doações. Nessa obra, em especial, houve muito trabalho em conjunto entre
arquiteto e mão-de-obra.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.213.
Fig.58: Vista dos telhados e calha-jardineira.
“SESC Pompéia” é um projeto especial de Lina Bo Bardi assim como o “MASP”.
Datado de 1977, teve absolutamente todos os detalhes pensados pela artista. Nada
escapou ao crivo da arquiteta determinada. Da transformação da antiga fábrica de
tambores da Pompéia em um complexo do SESC, ao seu mobiliário, da comunicação
visual do restaurante aos uniformes dos futuros trabalhadores do local. Chama-se: SESC
– Fábrica Pompéia.
Renunciando declaradamente à mitologia da beleza clássica, este centro cultural joga dissonâncias com atrevimento e espontaneidade. Sem intelectualismo, fornece um modelo de ambiente desejável, denso de humanidade e poética fantasia. De resto, reflete a personalidade da autora: sua formação juvenil no
43
âmbito do design milanês, e depois o mergulho tenaz e sofrido no enigmático mundo brasileiro.29
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.223. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.227.
Fig.59: Logotipo e entrada principal Fig.60: Vista do Interior do Teatro.
As janelas-buraco não permitem apenas ventilação cruzada permanente, mas
sugerem que se olhe o entorno de outra forma, de outra perspectiva. Esses elementos
lúdicos pertencentes à obra de Lina é que fazem o simples reconhecidamente grandioso.
Lina explica a concepção do projeto do SESC Pompéia:
O “Bonito” é fácil, difícil é “Feio”, o verdadeiro feio. Espero que o conjunto esportivo do SESC Fábrica da Pompéia seja feio, bem mais feio do que o Museu de Arte de São Paulo. É um silo, Bunker, Container.30
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.230. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.230. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.230.
Fig.61 e 62: Vista do bloco esportivo, deck-solarium Fig.63: Janela-buraco. e passarelas de interligação.
A artista tinha gosto sofisticado e, muitas vezes, questionado arduamente pelos
críticos. Foi assim com sua proposta de intervenção urbanística para Vale do
Anhangabaú em São Paulo, apresentada num concurso de projetos, em 1981. A proposta
inusitada era a de libertar o Anhangabaú e deixá-lo voltar a ser verde.
29 Zevi, Bruno. Revista AU, editora Pini, no 40, 1992, p.28. 30 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.230.
44
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.254 e p. 255.
Fig.64: Projeto Anhangabaú Tobogã.
O projeto se chamava “Anhangabaú Tobogã” e contava com uma estrutura
tubular de aço protendido que ia do começo do vale na Avenida 9 de julho até a Rua
Senador Queiroz, passando por cima dos viadutos do Chá e Santa Ifigênia, numa
seqüência ondulada. Quatro pistas sobrepostas em dois planos para carros e ônibus, com
duas passagens para serviços e emergência e, para pedestres, foi concebida com largura
de 9 metros. A estrutura seguiria por todo o vale como um antigo aqueduto. Embaixo,
transitariam os pedestres entre as árvores e o verde. Lina explica a concepção do projeto:
É a liberdade rigorosamente controlada e calculada da natureza, obediência absoluta às “leis que mandam”, nada de “arbitrário”, mas, como na natureza, o máximo de “fantasia”. O piso das pistas será de chapa vazada, isto é, transparente. A estrutura horizontal: treliças protendidas em alguns trechos, com grandes cabos de aço. Liberado aos pedestres, o vale volta a viver. A passagem subterrânea (São João) será transformada em lago, lembrança do antigo rio do vale; o velho pesadelo das enchentes periódicas se transformará em alegria. Praça das Bandeiras já é verde: já é “parque”.31
O “MAM”, Museu de Arte Moderna, que fica no Parque do Ibirapuera em São
Paulo, é projeto conjunto de Lina, com os mencionados André Vainer e Marcelo
Carvalho Ferraz. Toda a estrutura do “MAM” acontece embaixo da marquise construída
por Oscar Niemeyer que, segundo Lina em seu livro Lina Bo Bardi, teria pedido a
demolição de tudo aquilo se a autoria não fosse dele. Ainda segundo ela, o nome não
deveria ser “MAM” e sim GAM de “Galeria de Arte Moderna” 32
31 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.252. 32 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.256.
45
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.256. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.257.
Fig.65: Perspectiva. Fig.66: Interior do Museu.
O “Teatro Oficina”, situado na cidade de São Paulo, foi reformulado em 1984,
sendo resultado projetual da parceria de Lina bo Bardi e Edson Elito.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.258. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.258.
Fig.67: Teatro em obra. Fig.68: José Celso na obra do teatro.
46
Teatros- Uma Memória do Espaço Cênico no Brasil, São Paulo, 2002, p.199.
Fig.69: Fachada do “Teatro Oficina”
Teatros- Uma Memória do Espaço Cênico no Brasil, São Paulo, 2002, p.200.
Fig.70: Interior do “Teatro Oficina” Fig.71: Interior do “Teatro Oficina”
47
Todo o projeto de recuperação do Centro Histórico da Bahia ficou a cargo de Lina
Bo Bardi, Marcelo Carvalho Ferraz e Marcelo Suzuki, arquiteto também formado pela
FAU-USP em 1980. O plano de recuperação data de 1986. Lina relata o centro histórico
da Bahia como “caso”:
O “caso” do Centro Histórico da Bahia é: não a preservação de arquiteturas importantes, (como seria em Minas) mas a preservação da Alma Popular da cidade. Em poucas palavras: o plano deve ser “sócio-econômico” para não repetir conhecidos interventos em cidades ilustres, como Roma, Bologna, Venezia, e inúmeros maravilhosos recantos do Velho Mundo que mudaram a base social de inteiras regiões, com os moradores de anos e anos jogados longe e média-classe-média tomando conta.33
O Projeto Barroquinha, que devia ser recuperado, era parte desse plano. Nessa
pequena área estavam a Igreja da Barroquinha, a Praça Castro Alves e a Fundação e
Teatro Gregório de Mattos com atelier, teatro para 300 lugares, móveis, sala de
exposições, escritórios e acervo.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.280.
Fig.72: Projeto Barroquinha.
Vale ressaltar que o projeto das cadeiras do teatro é resultado dos trabalhos de
Lina e os dois Marcelos. A cadeira se chama Frei Egydio e o desenho deriva da cadeira
franciscana do século XV. Pesa apenas 4 quilos, é dobrável e de fácil transporte e
armazenamento.
33 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.270.
48
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.279. Casa Cláudia Especial Design Brasil, 2004, p.29.
Fig.73: Cadeira Frei Egydio. Fig.74: Cadeira Frei Egydio.
A “Casa Benin”, que fica em Salvador, teve projeto datado de 1987 e contou
também com Lina e os dois Marcelos. É um antigo casarão que fica no Pelourinho e era
necessária uma restauração estrutural bastante pesada, pelo processo de deteriorização do
edifício estar em estágio avançado. É uma casa África-Brasil, que conta com área de
hóspedes. A maior parte da área é reservada para exposições e restaurante. Conta
também com área externa. Lina fala sobre a “Casa Benin”:
É tudo. A Exposição de Artesanato do Benin é apresentada neste ambiente. Artesanato pobre (no sentido mais moderno da palavra), como o artesanato de todo o nordeste brasileiro. Pobre, mas rico de fantasia, de invenções, uma premissa de um futuro livre, moderno, que possa, junto às conquistas da prática científica mais avançada, guardar, no início de uma nova civilização, os valores de uma história cheia de dureza e poesia.34
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.282. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.285.
Fig.75: Exterior da “Casa Benin”. Fig.76: Interior da “Casa Benin”. 34 Idem, p.282.
49
A “Casa do Olodum” também foi reformada pelos três arquitetos em 1998. O
trabalho torna completamente visível, quando se vê o local como se encontrava em 1986.
A casa abriga a Banda Olodum, que é uma organização afro-brasileira muito importante
não só em Salvador, mas em toda a Bahia.
A “Ladeira da Misericórdia” também foi recuperada por eles nesse mesmo
período de 1987 a 1989.
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.290. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.293.
Fig.77: Antes e depois da “Casa do Olodum”. Fig.78: “Ladeira da Misericórdia.”
E para finalizar o acervo das obras mais importantes de Lina Bo Bardi ao longo de
sua trajetória, é enfocado o projeto da nova Prefeitura para a cidade de São Paulo, no
Parque D. Pedro II. Essa obra foi realizada em parceria com André Vainer, Marcelo
Ferraz e Marcelo Suzuki. O “Palácio das Indústrias” é uma bela constatação de que o
que é passado pode se tornar presente sem que, para isso, se tenha destruído a sua
história. Lina fala do que lhe representa preservação:
Na prática, não existe o passado. O que existe ainda hoje e não morreu é o presente histórico. O que você tem que salvar – aliás, salvar não, preservar – são certas características típicas de um tempo que ainda pertencem à humanidade. Mas, se a gente acreditar que tudo o que é velho deve ser conservado, a cidade vira um museu de cacarecos. Em um trabalho de restauração arquitetônica, é preciso criar e fazer uma seleção rigorosa do passado. O resultado é o que chamamos de presente histórico.35
35 Instituto Lina Bo e P.M.Bardi. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.319.
50
Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.319. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.321.
Fig.79: Fachada do “Palácio das Indústrias”. Fig.80: Vista do Salão Azul. Cidade, São Paulo, 1998, p.72. Livro da Cidade de São Paulo, São Paulo, 1995, p.72.
Fig.81: “Palácio das Indústrias” e seu entorno. Fig.82: “Palácio das Indústrias”
O projeto original do “Palácio das Indústrias” é de autoria do engenheiro e
arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, mais conhecido por uma de suas obras,
o Teatro Municipal de São Paulo. Esse projeto de restauração rendeu a Lina o grande
prêmio latino-americano da IV Bienal de Arquitetura de Buenos Aires. O projeto é de
1990 e tem área total igual a 16.000 m2. Lina morreu antes de ver a obra concluída. Lina Bo Bardi, São Paulo, 1993, p.325.
Fig.83: Vistas das maquetes do conjunto.
51
Lina morre aos 77 anos de embolia pulmonar, no dia 20 de março de 1992. Suas
cinzas foram depositadas em uma das paredes da “Casa de Vidro”. Realizou seu grande
sonho declarado: o de trabalhar até o fim.
www.institutobardi.com.br
Fig.84: Lina na sala da “Casa de Vidro”.
I.4- OBRAS DE LINA HOJE
O “presente histórico” de Lina não é muito agradável de se ver e atestar. Se ela
estivesse viva estaria muito decepcionada com os rumos que suas obras tomaram ou em
que se transformaram.
No capítulo IV, no estudo da edição 160, 1993, da revista Projeto, pode-se ver o
ideal de Lina para o “Pelourinho”. Ela planejava que ele fosse habitado pelos moradores
antecedentes à obra. Esse plano se desarticulou. Hoje é repleto de bares e restaurantes.
Mas, infelizmente, não foi só isso que aconteceu. Em trecho do artigo “Repasses. A
depreciação material e espiritual da obra de Lina Bo Bardi36”, escrito por Olívia de
Oliveira, arquiteta pela Universidade Federal da Bahia e doutora pela ETSAB de
Barcelona, Espanha, é possível sentir a depredação da obra de Lina:
36www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq068/arq068_01.asp ; Artigo publicado originalmente em OLIVEIRA, Olívia de. Hacia Lina Bo Bardi/Concerning Lina Bo Bardi. 2G, no 23/24, Barcelona, dez.2002, pág.04 a 21.
52
Seu projeto de restauração para o Centro Histórico da Bahia, inconcluso, não apenas densificava o pré-existente como o valorizava através de suas características sociais, culturais e religiosas, coisas que finalmente eram as que mais incomodavam aos que detinham o poder de decisão. Não é difícil compreender isto observando as ações posteriormente feitas neste lugar: o projeto que sucedeu ao de Lina Bo Bardi transformou o Pelourinho em um centro de consumo destinado basicamente ao comércio e ao turismo, conferindo-lhe uma característica não distante dos modelos de shoppings centers que não param de multiplicar-se, higienizando e homogeneizando a cidade. Nesta onda o Belvedere da Sé – praticamente a única realização urbana que Lina Bo Bardi pode erguer no Centro Histórico de Salvador – foi recentemente destruído e substituído por uma área pavimentada em granito junto à “renovação” da Praça da Sé37.
A manutenção do patrimônio arquitetônico não é uma questão de nostalgia e sim
preservação de quem somos, nossas raízes culturais e históricas. Não necessitamos
construir sobre nossos próprios escombros; podemos fazer novas opções já que somos
um país tão vasto e jovem. A exemplo disso, também no artigo de Olívia de Oliveira,
vemos a “desutilização” dos cavaletes de concreto e vidro do “MASP” entre outras
“reformas” e “melhorias” sistemáticas:
Refiro-me aqui, sobretudo, à retirada do sistema expositivo sobre cavaletes de vidro específicos a este museu, assim como ao seu vão livre de 70 metros, hoje parcialmente obstruído por barreiras, divisórias, bilheterias e um balcão guarda-volumes. Mas poderia referir-me aos espelhos d´água que contornavam o prédio e que foram reduzidos com fundos falsos ou simplesmente soterrados em recente reforma, bem como as substituições do sistema de iluminação , de mobiliário e de materiais que vão sendo feitas em surdina e disseminando-se por todo o edifício. Entre as inúmeras intervenções está a substituição do piso de pedra goiás do Hall Cívico por granito polido . - “Aí já é demais” – reage o atual presidente da instituição, o Sr. Júlio Neves, que também é arquiteto –“Aquela poeirada que a pedra produzia podia ser moderna demais, mas enchia os quadros de sujeira” Ora o respeito ao construído não está no fato de mantê-lo inalterado e sim traduzido na qualidade do novo. Aqui materiais caros e rebuscados substituem soluções simples, econômicas e transparentes que sempre caracterizaram e qualificaram as arquiteturas de Lina Bo Bardi38.
No capítulo IV, a edição 265, 2002, da revista ProjetoDesign, em entrevista, o
arquiteto Marcelo Ferraz deixa claro que, ao fazer a documentação para o tombamento
do “MASP”, inseriu também os cavaletes de vidro. A edição 290, 2004, traz a notícia do
37 www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq068/arq068_01.asp ; Artigo publicado originalmente em OLIVEIRA, Olívia de. Hacia Lina Bo Bardi/Concerning Lina Bo Bardi. 2G, no 23/24, Barcelona, dez.2002, pág.04 a 21.
53
tombamento pelo IPHAN e obrigatoriedade da manutenção dos cavaletes, porém não
necessariamente seu uso. Parece que os cavaletes estão preservados. Mas no escuro e
longe da função para qual foram projetados.
Ainda no artigo de Olívia, citações contra e a favor do uso de seus cavaletes vão
polemizando sua utilização:
“Parafusar quadros em vidro nunca foi solução museológica”, alega o professor de história da arte Luis Márquez, ex-curador do MASP. Segundo ele a solução de Lina Bo Bardi, “permaneceu isolada porque nenhum museu de pintura do mundo a adotou.(...) (...) Certamente que os cavaletes de Lina são diferentes e, neste sentido, permaneceram “marginais”, à margem do estabelecido. Ora, tudo aquilo que não é rotineiro e assegurado mete medo aos funcionários de carreira e, por conseguinte, toda a heterogeneidade deve ser erradicada. Sim, a obra de Lina Bo Bardi subverte as normas e por isto mesmo está sempre em perigo, como o arquiteto Aldo Van Eyck, a propósito do MASP: “o que é anormal – também é vulnerável no sentido de que corre o risco de ser mudado ou desmantelado completamente.39”
Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, capa. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, p.48.
Fig.85: Lina com os cavaletes. Fig.86: Cavaletes.
38 www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq068/arq068_01.asp ; Artigo publicado originalmente em OLIVEIRA, Olívia de. Hacia Lina Bo Bardi/Concerning Lina Bo Bardi. 2G, no 23/24, Barcelona, dez.2002, pág.04 a 21. 39 Idem.
54
Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, p.51. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, p.55.
Fig.87: Projeto dos cavaletes. Fig.88: Cavaletes. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, p.49. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, p.51.
Fig.89: Cavaletes. Fig.90: Cavaletes.
A máquina econômica vai atropelando os projetos de Lina. É o caso, por exemplo,
do “Teatro Oficina”. Ainda não foi aprovado o projeto do Shopping “Bela Vista Festival
Center”. Perderam a permissão de execução na justiça, mas continuam recorrendo. Seria
(ou será?) construído pelo grupo Silvio Santos ao lado do “Teatro Oficina”, que talvez
também não seja finalizado. A seguir temos os detalhes do que se esperava desse terreno
ao lado do teatro:
Se construído tal como hoje está concebido, este shopping impediria a expansão prevista por Lina Bo Bardi, recentemente retomada em projeto pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha. O Oficina deveria varar literalmente as paredes do fundo desembocando em uma praça verde e pública que o ligasse ao outro lado da rua, ao vale esverdeado do Anhangabaú. A idéia era de criar uma via de passagem potencializada pela característica pedestre do bairro do Bexiga, um dos mais antigos bairros de São Paulo. O projeto de Lina Bo Bardi procurava
55
integrar este pequeno teatro à escala, as características e a diversidade deste bairro.40”
A Galeria Prestes Maia, o “MASP Centro”, será provavelmente “recuperada”,
mas, segundo Olívia, só necessita de água, sabão, segurança, iluminação e saída dos
camelôs do local.
O “Solar do Unhão” também não escapou, foi vítima de intervenção mal
interpretada:
Uma das mais alucinantes transformações é o cordão de isolamento criado pelos painéis de madeira pintados de branco colocados em todo o perímetro interior do Solar do Unhão. A instalação provisoriamente definitiva impossibilita o acesso às janelas existentes e consequentemente priva o espaço tanto da entrada de luz natural como da esplêndida vista sobre a Bahia de Todos os Santos.Indagado do porque desta reforma, o responsável pelo museu nos explica: “é que Lina tinha pensado este lugar como museu de arte popular...41”
O grande receio desta dissertação é o de que as obras de Lina Bo Bardi só
resistam nas páginas de revistas e livros. Que a ganância humana vá partindo seu legado
pouco a pouco e perdendo-se no tempo como as falésias que se transformam em areia
pela força da maré e do vento, e somem mergulhadas nas águas.
Repito, este trabalho visa resgatar parte da obra de Lina para que não seja
esquecida ou perdida entre páginas guardadas em arquivos e em prateleiras. Trouxe à luz
temporária. Revigorou a energia da memória. Mas quanto tempo durará em um mundo
automatizado e variável em segundos?
Sussurro um apelo com a ajuda do poeta Vinícius de Moraes:
40 www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq068/arq068_01.asp ; Artigo publicado originalmente em OLIVEIRA, Olívia de. Hacia Lina Bo Bardi/Concerning Lina Bo Bardi. 2G, no 23/24, Barcelona, dez.2002, pág.04 a 21.
56
Poética De manhã escureço De dia tardo De tarde anoiteço De noite ardo. A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo O este é meu norte. Outros que contem Passo por passo: Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço: Meu tempo é quando.42
Espera-se que a esperança não morra, e que hoje se tenha forças para preservar,
para que o amanhã exista.
I.5 - LINA ÍCONE
43
41 www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq068/arq068_01.asp ; Artigo publicado originalmente em OLIVEIRA, Olívia de. Hacia Lina Bo Bardi/Concerning Lina Bo Bardi. 2G, no 23/24, Barcelona, dez.2002, pág.04 a 21. 42 MORAES, Vinícius. Livro de Sonetos, p.96 e 97. 43 Campos, Haroldo de. Poema Nascemorre.Apud Franchetti, p. 23
57
Lina está viva em suas obras. A cada aplauso no “Teatro Oficina”, a cada soar dos
tambores do Olodum, cada atividade especial no “MASP”, a cada evento realizado no
“SESC Pompéia”... Lina pulsa, vive. Lina entendeu como a vida funciona. E era
exatamente por isso que suas obras “acordavam”, como se fossem vivas. Elas não
transmitem o significado da palavra “ultrapassado”.
Os poemas não envelhecem, quando falam da alma do mundo, da alma humana.
As obras de Lina não envelhecem, pois são a tradução dessa alma humana concretista44.
Ela se preocupava com o resgate da vida em comunidade em sua concepção projetual.
Assim, como a poesia utiliza a idéia do alegórico para compreensão da teorização
concretista, Lina utiliza o espaço cenográfico e transitório para a compreensão do
mundo.
A apresentação concreta de coisas abstratas, ou concretismo, propõe novas formas
de criação e, liberta da representação do mundo tal qual ele é, permite recriar o mundo e
a sociedade. Expor as estruturas e desnudar os edifícios das peles que recobrem com a
proposta do brutalismo45, tendência arquitetônica dos anos 50, e de que, no Brasil, Lina
Bo Bardi foi um dos expoentes. Ela reflete as inquietudes da época e se manifesta,
rompendo as barreiras de maneira lúdica, integrando a técnica e poesia na arquitetura.
Todo o projeto de Lina parte de uma idéia central e determinante. Essas idéias não
arquitetônicas é que determinam todo o processo projetual e que a torna ímpar, pois sua
linha projetista não é repetida por outros arquitetos. Seu poder de síntese era único. Lina
era capaz de racionalizar seus projetos até que eles tivessem o mínimo possível para um
funcionamento ideal. É só olhar uma de suas obras e ter certeza de que “só pode ser
dela”. Seu trabalho traduz-se em uma “Identidade Lina”, ou seja, as características
visuais e racionais são encontradas como linhagem-padrão de suas obras. Sua arquitetura
sempre pode ser descrita por poucas imagens, que sintetizam sua concepção. Aplica a
economia de meios conceituais e físicos. A clareza e a ousadia, implícitas em sua idéia
44 Concretismo: representação concreta das coisas abstratas, tendência através da qual a arte deve concretizar visualmente os conceitos intelectuais, através de formas geométricas em movimentos e cores artificiais. Este movimento foi proposto por Theo van Doesburg, em 1930, e desenvolvida pelo grupo europeu Abstracion-Creation 1931-1936, por Max Bill e Escola de Ulm e, no Brasil, nas décadas de 1940 e 1950, em São Paulo e no Rio de Janeiro. 45 Brutalismo: Arquitetura que faz uso extensivo do concreto aparente, dos volumes puros e geralmente maciços, e não oculta a função das estruturas e dos serviços. Bruto: do latim brutus,originalmente pesado no sentido físico.
58
geradora de projeto, tornam o resultado marcante, por ser sempre muito simples
estruturalmente e impactante pela falta de leveza estrutural.
A arquitetura de Lina Bo Bardi é como um antídoto de originalidade em um
mundo tão habituado com arquiteturas sempre “iguais”. Lina é consistente, porque gera
o novo, o que causa estranheza. Tudo em seus projetos tem um fundamento funcional
plausível. Nada está lá por acaso ou só porque é bonito, ou porque está na moda. Está
inserido conceitualmente em todo o seu enredo. Enredo esse tão consistente que mais
parece um bom texto com início, meio, e fim.
Lina é arrojada e incorpora soluções de arquiteturas vernaculares. Respeita
movimentos culturais populares e os assimila como se sempre tivessem sido seus. Ela
tem a capacidade de beber do entorno, recriá-lo e traduzi-lo. Por isso sua obra tem uma
capacidade tão evidente de narrar a memória do lugar. Por isso Lina é um ícone. Tudo se
perpetua. Uma arquiteta, designer de jóias, cenógrafa, designer de mobiliário, desenhista,
escritora, professora, comunista, ilustradora... Só tendo deixado um imenso legado como
o dela a transforma em um exemplo para o futuro. É tudo tão completo e contínuo que,
às vezes, parece ser só uma bela história. Mas ela não é só uma bela história, é real e
sobrevive em seu legado, tão bem construído e idealizado. Para finalizar, são
emprestadas as palavras de Frei Betto (1944-) escritor e religioso brasileiro sobre Lina
em carta enviada ao Instituto Lina Bo e P.M. Bardi:
Todo artista é um clone de Deus. Lina trazia em si essa fagulha divina que faz da criatura, criador, e transforma a arte na única linguagem capaz de superar limites do tempo e do espaço. Ela tinha fome de absoluto e, por isso, transfigurava as formas em poema e as figuras em espelhos do belo. Em sua alma latejava essa intuição profunda de que, em tudo e em todos, há uma indissociável harmonia, que ela tão bem soube descrever por dominar a gramática da estética.46
46 http:www.institutobardi.com.br - carta enviada ao Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi por Frei Betto para sobre Lina Bo Bardi, 27 de junho de 1993.
59
Capítulo II
REVISTA PROJETO SUA HISTÓRIA
II.1 – INTRODUÇÃO
Em linhas gerais, define-se revista como uma publicação periódica de formato e
temática variados que se difere do jornal pelo tratamento visual. Utiliza-se de papéis de
melhor qualidade, além de haver uma maior liberdade de diagramação e uso das cores.
Diferencia-se também pelo tratamento textual, por não necessitar do imediatismo
proposto pelos jornais diários.
O livro Jornalismo em Revistas no Brasil, de Patrícia Ceolin Nascimento, nos mostra
um pouco do discurso trazido por uma revista:
Falar em discurso jornalístico é mais do que imprimir uma marca identificatória, uma etiqueta de categorização. É, antes, falar de uma forma de ação, de uma forma de colocar em movimento relações sociais, não mais por sua delimitação temática, mas por seu contorno significante.47
As primeiras notícias a respeito de revistas brasileiras são do século dezenove. No
início da década de setenta, M. Sodré afirma que quatro grupos de revistas prevaleciam
no Brasil: “Informação geral de entreterimento, informação e análise de notícias, revistas
femininas ou dedicadas a problemas da família, e revista de conhecimetos gerais”.48
Para Sodré, em todos os grupos a noção de catálogo tende a sobrepor à idéia de
notícia.
Consideram-se hoje (2007), no Brasil, pelo menos vinte gêneros de classificação dos
principais títulos em circulação segundo o I.V.C. (Instituto Verificador de Circulação).
São eles: intersse geral/ informação/ atualidades, interesse geral/ ciência, interesse geral/
leitura, intersse geral/ negócios, intersse geral/ turismo, intersse geral/ feminina/
47 NASCIMENTO, Patrícia Ceolin. Jornalismo em Revista no Brasil: Um Estudo das Construções Discursivas em Veja e Manchete, p.13. 48 SODRÉ, M. Comunicação do Grotesco – Introdução à Cultura de Massa Brasileira, p.22.
60
comportamento/ beleza, feminina/ jovem, feminina/ moda/ trabalhos manuais, feminina/
puericultura, feminina/ culinária, feminina/ saúde, masculina, esporte/ automobilismo,
arquitetura; decoração, astrologia, cinema/ música/ TV, construção, infanto-juvenil/
games, informática, outros.
Diante do exposto pode-se perceber que o objeto de pesquisa, a revista Projeto, é
uma segmentação de uma segmentação já que é uma revista que se inserem dentro do
segmento “arquitetura”, voltada para um público específico, profissionais atuantes das
áreas de arquitetura, design e interiores.
II.2 - JORNAL ARQUITETO
Como foi antecipado, Projeto não nasceu revista, mas jornal. Seu embrião foi o
Arquiteto. Na edição comemorativa de dez anos da revista Projeto (número 42, 1982), na
carta do editor, Vicente Wissembach traduz num pequeno depoimento como foi o
nascimento da revista:
Há muito o que fazer, mas ainda tenho guardada na memória a imagem do semeador: a pequena semente lançada sob forma de encarte no jornal Arquiteto (a Projeto não era mais que um folhetim), germinou. Criou raízes e foi crescendo lentamente até virar revista.49
O jornal Arquiteto surgiu em uma época em que todas as revistas de arquitetura
haviam fechado. A crise no setor era patente. Era início de 1972. O cenário econômico
nacional estava ruim. O presidente da República da época, general Emílio Garrastazu
Médici, teve seu período de governo conhecido como os anos de chumbo da ditadura
militar. Naquele ano, a situação não era favorável economicamente para investimentos,
havia um mercado protecionista em que a balança comercial operava com saldo negativo
de US$ 241 milhões (37,23%) e a dívida externa estava na casa dos 287,24% ao ano
(Fonte: IPEA).
Em junho de 1971 foi criado o Sindicato dos Arquitetos de São Paulo e seu
presidente era Alfredo Paesani. Uma de suas proposições era um boletim informativo
para o sindicato, em que pudessem abordar os problemas profissionais do arquiteto,
49 Wissembach, Vicente, revista Projeto, edição 42, pág.4, 1982.
61
noticiar os debates sobre questões urbanas, os congressos e encontros, e a seguir passou
a discutir as idéias com Vicente Wissembach. Porém, a época não era propícia para
publicações sobre arquitetura, pois havia fechado inclusive a Acrópole, revista que
lançou 390 edições durante 33 anos consecutivos, entre os anos de 1938 e 1971 e era a
mais antiga revista de arquitetura. Fecharam também as revistas Projeto e Construção,
Módulo e também a Arquiteto, que era editada pelo I.A.B.: Instituto dos Arquitetos do
Brasil, do Rio de Janeiro. A idéia era começar com um jornal, porque era mais viável
financeiramente. Como o sindicato não tinha como arcar com os custos, Vicente
Wissembach resolveu assumir a publicação.
Wissembach montou então uma editora com Romeu Onaga, publicitário com
quem trabalhou na revista Contexto, que funcionaria na sede do I.A.B. de São Paulo. Era
apenas uma sala, onde trabalhavam Wissembach, Onaga e uma equipe de jornalistas
freelance. O jornal seria mensal, o que parecia ser algo bem simples para profissionais
acostumados com a grande imprensa. Não tiveram escolha, afinal havia impossibilidade
financeira de ser uma revista. Os custos do jornal seriam cobertos com publicidade.
Vale ressaltar que, naquele início de 1972, o arquiteto ainda buscava melhor
espaço na sociedade. Nem todos entendiam direito a sua função. Diferentemente do
engenheiro civil, que estava no auge com as grandes obras de engenharia.
O jornal, além de boa receptividade do ponto de vista editorial, também mostrava
ser inovador do ponto de vista gráfico, fugindo do padrão normal de diagramação. Era
feito em papel Kraft, um tipo industrial feito pela fabricadora Klabin, usado como
embalagem de cimento. O projeto gráfico conseguia resolver os problemas de custo e
diagramação com certa sofisticação e execução barata (sem uso de cor ou papéis caros).
O projeto gráfico era do arquiteto Vivaldo Tsukumo.
62
Foi em sua pior fase econômica que o jornal encontrou suas próprias raízes.
Segundo Vicente Wissenbach, o editor, houve uma época em que a publicação saía às
ruas, porque “tinha muita gente trabalhando para que ela saísse, custasse o que
custasse50”. O jornal tinha distribuição gratuita. Estava criado um impasse. De um lado
havia o acordo com o sindicato de que a publicação deveria ser gratuita, porém, não mais
cobria os custos de produção que, a cada dia, tornavam-se mais altos. Não havia nenhum
subsídio, e estava se tornando impraticável viver exclusivamente de publicidade. Por
outro lado, a publicação estava pressionada a crescer, com os arquitetos exigindo maior
espaço para publicação, incluindo produção arquitetônica. “Havia necessidade de se
transformar o jornal em revista, ela se impunha, era quase uma exigência do leitor”, dizia
Vicente Wissembach. Foi então que o jornal ganhou uma nova seção, a Prancheta, que
teve grande aceitação por parte dos leitores. Nessa época, o jornal tinha apenas duas
opções: transformar-se e crescer, ou morrer, quase inviabilizado pelos altos custos.
Foi em 1976, em meio a intensa crise financeira, ainda mais grave do que a de
1972, em que a dívida externa era de 317,38% ao ano, no governo do presidente Ernesto
Geisel (Fonte: IPEA), que durante o IX Congresso de Arquitetos, o jornal saiu com
edições diárias e ali mesmo foram lançados os Cadernos Brasileiros de Arquitetura. Os
dois primeiros volumes foram dedicados ao arquiteto Ruy Otake. Vicente Wissembach
Fig.91: Layout da capa do Arquiteto (edição42, pág.36, 1982).
Fig.92: Capa do primeiro Arquiteto (edição 42, pág.36, 1982).
63
alega o sucesso apesar da crise: “Apesar de ter uns períodos de desânimo e parar tudo,
com uma visão há longo prazo e uma boa dose de teimosia, conseguimos ir rolando a
crise.”51
Fig.93: Volume 11 do “Cadernos Brasileiros de Arquitetura”. (edição 46, pág.13, 1982)
O jornal Arquiteto durou exatos 60 números, circulando durante seis anos.
Fig.94: Ilustração feita por Paulo Causo, chargista e cartunista nascido em 1949, irmão gêmeo de Chico Caruso52
50 Wissembach, Vicente, revista Projeto, edição 42, pág. 38, 1982. 51 Idem. 52 Apud. Edição 31, pág.3, 1981.
64
II.3 - NASCIMENTO DA REVISTA PROJETO
Em 1977, saía um projeto-piloto da revista, ainda como encarte do jornal
Arquiteto, com publicação exclusiva de projetos, sob o título “Um Novo Desafio”.
Foram editados nove números como suplemento do jornal. Uma das chamadas de capa
da edição 44 do jornal anunciava: “Projeto a proposta que vai virar revista”. A nota
avisava que os leitores receberiam “uma minirrevista que ainda vai crescer”. Nascia aí a
publicação com 16 páginas. Abaixo, mais informações sobre o caderno que deu origem
ao nascimento da revista:
O editor passou a testar o embrião da revista dentro do próprio jornal, que começou a publicar alguns projetos. “Primeiro vamos fazer um caderno de quatro páginas depois de oito.”, disse ele ao diagramador. “Como é que ela vai se chamar?, perguntou um amigo arquiteto. “Projeto”, respondeu Vicente. “Eu penso em criar publicações com nomes claros, que expressem de forma direta o conteúdo editorial. Se o foco das revistas serão os projetos, então o nome será “Projeto”, falou. E ainda arrematou, quase como vidente: “Se eu tiver uma revista de construção, por exemplo, ela se chamará “Obra”; e se for de design e interiores, o nome será “Design e Interiores”. (edição 324, pág.36, 2007)
Fig.95: Ilustração de Paulo Caruso: Equipe da revista Projeto em 1982 para a edição comemorativa 42. (edição 42, págs.4 e 5, 1982)
Em 1979, surge propriamente a primeira revista independente, com um projeto
gráfico até hoje (2007) citado como um belo case de marketing: metade é revista, metade
ainda é jornal, com o objetivo de não violentar demais assinantes e anunciantes, e
fazendo com que a transição fosse o mais natural possível. Na capa, durante cinco
edições, foi feita a sucessão gradativa do logotipo “Arquiteto” para “Projeto”, num
65
trabalho gráfico considerado bastante qualificado, de Vivaldo Tsukumo. Isso do número
onze ao quinze.
Fig.96: Projeto da capa da edição 11 Fig.97: Projeto da capa da edição 12 (edição 42, pág.40, 1982) (edição 42, pág.40, 1982)
Fig.98: Vicente Wissembach (edição 127, pág.130, 1989)
Em 1979, em meio a uma mudança do cenário internacional, em que ocorreu o
segundo choque do petróleo e o aumento da taxa de juros reais pelo Banco Central norte-
americano53, nasceu e abriu o primeiro número da revista Projeto. Projeto foi publicada
entre os números 1 e 9 como encartes do jornal Arquiteto. O número 10 nunca existiu,
iniciando efetivamente a publicação com o número 11. Segundo Adilson Melendez,
53 Adalmir Marquetti do departamento de economia da PUCRS e pesquisador do CNPq
66
redator da revista, em sua coluna “memória projeto”, na edição comemorativa 324, 2007,
sob o título “Solto na redação, Saci deixa suas marcas em 3 décadas da revista”. Neste
texto é constatada a versão da não-existência do número 10:
Há evidências da passagem do folclórico personagem pela Projeto Design, ao longo de suas três décadas.Quer conhecer uma delas? Procure descobrir o que foi publicado na número 10. Não estranhe se você não encontrou em sua coleção. A edição especial, que circula com a atual (um presente exclusivo para assinantes), é uma tentativa de fazer o que acreditamos tenha sido molecagem do Saci – ainda que o jornalista Vicente Wissembach, ex-editor da revista, apresente uma versão diferente do ocorrido. “Como estávamos num momento de virada, iniciando uma seqüência nova, passamos para o 11 direto. Na realidade, o 11 era quase o número 1 da nova fase”, contou Wissembach, então editor da revista, ao jornalista Júlio Moreno, autor da crônica dos primeiros quinze anos da Projeto, publicada na edição 102, de agosto de 1987, ainda hoje, ele mantém a versão. (edição 324, pág.138, 2007)
Fig.99: Reprodução do primeiro editorial da Projeto (edição 42, pág.40, 1982)
Considera-se uma primeira grande virada a transformação do jornal em revista, a
Projeto. A revista vai tomando a sua forma mais moderna, com mais quantidade de
67
material redacional, melhor qualidade gráfica e novas seções. Era uma revista em
processo de crescimento.
A revista número 102, publicada em 1987, considera que a segunda grande virada
foi o número comemorativo dos dez anos, edição número 42, publicada em 1982, que é
considerado o marco de consolidação da revista. Pois foi a partir daí que se publicaram,
de maneira mais elaborada e sistemática, os projetos arquitetônicos. Para Vicente
Wissenbach, a edição de número 42, “foi a passagem de uma revista adolescente para
uma revista adulta.”54
Vale ressaltar a atenção que o arquiteto sem fama nacional recebia e recebe da
revista. Os projetos bons não deixam de ser publicados por não terem sido pensados por
algum arquiteto renomado.
Outro ponto a somar aos esforços da revista pode ser resumido no conselho de Vilanova Artigas ao primeiro editor: “Vocês têm que prestar atenção e publicar os arquitetos anônimos. E nesse período diversos talentos foram revelados, alguns dos quais já maduros. “Foi a Projeto que deu reconhecimento ao meu trabalho”, disse Severiano Porto. 55
Era de suma importância publicar os projetos dos “arquitetos anônimos”. A
revista sempre mostrou projetos de regiões diversas, não considerando apenas o eixo Rio
de Janeiro - São Paulo. As diferenças regionais eram e são divulgadas, nacionalizando a
informação trazida pela revista. Fernando Serapião56, editor da revista, conta em
entrevista para o presente trabalho, como funciona hoje (2007) a escolha de projetos e
das pautas a serem publicadas :
Em primeiro lugar a gente tem que estar sempre ligado no que está acontecendo. Depois de um tempo você tem uma rede de informações telefonando para as pessoas (arquitetos), pergunta, sabe quando fica pronto, se é de interesse... Sabe das novidades até três ou quatro anos antes. Além desta rede, mês a mês os arquitetos interessados em publicar vão nos passando. A gente põem isso no papel. “Olha, este projeto é interessante!” Entramos em contato e vemos se é inédito, pois nós só publicamos o que não foi publicado em outra revista. A gente acerta com arquiteto. Vemos se temos condições de ter as fotos no prazo... Acertado tudo isso, a gente já tem uma estrutura muito bem definida: que é uma parte de arquitetura, uma de interiores e outra de design. Fora as outras sessões. A gente já sabe mais ou menos quantas matérias e quantas páginas nós vamos
54Wissembach, Vicente, revista Projeto, edição 102, pág. 68, 1987. 55 Serapião, Fernando. Revista Projeto, edição 324, pág.34, 2007. 56 Fernado Serapião – Nascido em São Paulo em 1971. Formou-se em arquitetura pela Universidade Mackenzie em 1996. Em 2006 conclui seu mestrado em arquitetura também na Universidade Mackenzie. É autor de diversos livros e artigos. Editor executivo da revista Projetodesign.
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precisar por mês. De trinta a quarenta para arquitetura, de doze a quinze para interiores e design de seis a oito e dos demais, vinte dois, vinte e cinco, tal...
Na arquitetura, nós temos de um ano para cá, sempre uma casa, e de dois a cinco projetos. Ou quando as matérias vão ser grandes, reduzimos o número de projetos.
Monta a pauta e já distribui as tarefas. Nós temos um planejamento muito preciso. A redação tem que fechar em uma data específica. A última coisa que a gente for fazer tem que ser nesta data. Depois vem o fechamento da publicidade, o da gráfica e o dia que circula. A gente passa 20 dias fechando...57
Foto: Flávia Bonadio
Fig.100: Fernando Serapião, no dia 19 de março de 2007, após ter concedido entrevista.
Na edição comemorativa de dez anos, a número 42, Vicente Wissenbach era dado
como “teimoso” vista a má situação econômica nacional. Para ter uma noção de como se
comportava a inflação e a situação de instabilidade financeira da época, foram tomados
alguns números aleatórios e feito um tabelamento para que se sentisse a grande variação
de preço de capa em um curto espaço de tempo:
Edição No 25 (dezembro de 1980) Cr$ 100,00
Edição No 26 (janeiro de 1981) Cr$ 120,00
Edição No 27 (fevereiro de 1981) Cr$ 150,00
Edição No 28 (março de 1981) Cr$ 200,00
Edição No 29 (abril de 1981) Cr$ 200,00
57 Entrevista concedida à Flávia Bonadio, no dia 19 de março de 2007, nas dependências da revista Projeto, na rua General Jardim em São Paulo.
69
Edição No 30 ( maio de 1981) Cr$ 200,00
Edição No 31 (julho de 1981) Cr$ 250,00
Edição No 32 (agosto de 1981) Cr$ 250,00
(...)
Edição No 39 ( abril de 1982) Cr$ 350,00
Edição No 40 ( maio de 1982) Cr$ 400,00
Como se pôde observar pela tabela, de maio de 1981 para maio de 1982, o valor da
revista dobrou. A ilustração se faz necessária para que, ao levantar tantas vezes ao longo
do texto “crises”, mostrar concretamente que ela existia e incidia drástica e diretamente
no aspecto financeiro do leitor.
Consideraram então, que a teimosia de Wissenbach, em querer sempre continuar
com a revista apesar da crise, havia contagiado a todos, e seu otimismo prevaleceu. Já na
edição comemorativa de quinze anos, a de número 102, em que se consideram
“debutando”, traz Vicente Wissenbach literalmente como “herói”, por ter vencido os
obstáculos financeiros e crescer, apesar da crise. Essa denominação lhe é dada por Júlio
Moreno, que redigiu a história da revista Projeto nessa edição e que, depois de Vicente
Wissenbach e Nildo Carlos Oliveira, também foi editor da revista.
II- Do Herói O fato é que toda história que se preste precisa de um herói e para fins deste texto, ao menos, o nosso herói chama-se Vicente Wissembach, editor responsável pela revista. Jornalista, 45 anos, nascido e crescido no bairro de Vila Madalena, em São Paulo – a poucos quilômetros da atual sede da revista no Sumaré. Estudante, Vicente teve atuação política fime em sua turma. E foi justamente nos tempos da universidade que ele começou a produzir publicações para o grêmio da Poli, a UEE e o DCE-Livre da USP. Daí a partir para a imprensa foi quase uma coisa automática. Entre outras coisas conduziu a montagem das redações da sucursal paulista da Última Hora do Rio, da Agência Sul-Americana de Notícias e ainda da folha da tarde.(...)58
58 Moreno, Júlio. Revista Projeto, edição 102, pág. 62, 1987.
70
Fig.101: Capa da Edição 42. Fig.102: Capa da Edição 102
A terceira fase e grande mudança sentida na Projeto está no início da década de
1990, quando se pode perceber uma redução brusca no número de páginas por culpa da
mudança política referenciada pelo Plano Collor. Esse plano foi desenvolvido no
governo do presidente Fernando Collor de Melo que, encabeçado pela ministra da
economia Zélia Cardoso de Melo, em um ataque à hiperinflação, houve, entre outras
coisas, o confisco das cadernetas de poupança e outros investimentos, congelamento de
preços, abolição da indexação do dólar, redução das tarifas de importação e os primeiros
passos para a privatização das empresas estatais. As mudanças institucionais provocaram
o aumento da taxa real de juros, a redução dos investimentos públicos, bem como uma
nova expansão do endividamento externo, com rápido crescimento do passivo externo
líquido. Apesar das melhorias tecnológicas, as mudanças institucionais bloquearam o
aumento da taxa de investimento. Foi então que a revista mergulhou em uma grande
crise econômica.
II.4 - TRANSIÇÃO WISSEMBACH / MUNGIOLI
No ano de 1992, a revista é adquirida e passou a ser editada pela Arco Editorial
Ltda, do jornalista Arlindo Mungioli59, deixando a PRO Editores. Perguntado em
59 Arlindo Mungioli é nascido em 1943. Jornalista credenciado com o curso de ciências sociais na USP incompleto(1963).
71
entrevista60 do porquê temos tão bem contada a história da revista Projeto em suas
próprias páginas, enquanto o editor era Vicente Wissembach, e tão sutil e praticamente
nula depois que Arlindo a comprou. Responde despojada e tranquilamente: “Sou mais
modesto...”. Arlindo conta também sobre a compra e a transição da revista:
Foi uma conjunção de fatores. Primeiro eu tinha uma editora que editava basicamente boletins econômicos financeiros. Tinha uma certa reserva de capital da editora. A revista Projeto era inevitável a venda. Eu trabalhei com o Vicente no jornal Arquiteto durante 1 ano (antes de virar revista Projeto). Depois me afastei. Vicente é um velho conhecido meu. Nós até estudamos juntos no ginásio. Eu acompanhava a vida empresarial dele. E a revista estava num momento muito difícil. Tinha sobrevivido ao plano Collor, mas sem 3 pernas e sem 3 braços e estava muito mal mesmo e ele não tinha mais como continuar. A falência estava muito próxima e ele me ofereceu. Oficiosamente, porque era meu amigo. Você não quer comprar? E eu achava a revista muito bonita, muito boa e importante. Eu continuei com as minhas publicações também. E ele durante 6 meses foi meu sócio na Projeto. Ele decidiu também se afastar. Então eu assumi a revista no final de 92. Outubro. Na ocasião ele também se desfez da revista DI. E acabou se desfazendo também um pouco mais tarde da revista Obra. Então a razão foi esta. Era um desafio profissional e um salto empresarial muito grande. Significava também um risco enorme. Mas eu sempre pensei: Se você tem uma revista boa que está passando por certa dificuldade e acaba sendo mal administrada, mal cuidada, taí uma chance de mercado se você conseguir recuperar. E foi o que nós conseguimos. Meu primeiro objetivo foi salvar a revista. O segundo objetivo foi melhorar a revista. E o terceiro era dar aumento de salário para todo mundo, para que todos trabalhassem bem e tivessem paciência.61
Foto:Flávia Bonadio
Fig.103: Arlindo Mungioli em sua sala, no dia 19 de março de 2007, concedendo entrevista.
60 Entrevista concedida a Flávia Bonadio, no dia 19 de março de 2007, nas dependências da revista Projeto, na rua General Jardim em São Paulo.
72
Arlindo conta sua posição enquanto empresário:
Eu queria apenas fazer uma revista que se sustentasse, que não enganasse ninguém, que não vendesse matéria, portanto eu tinha que adaptar uma série de coisas da revista. Quando eu digo que sou comercial, comercial mesmo, não quer dizer que eu vendo matéria ou eu vendo opinião. Sobrevivo com o que eu consigo do mercado. O Vicente, como conhece muito bem arquitetura, não dava bola para isso. Ele tinha um espírito romântico. Eu lembro que eu deveria assumir num mês e ele veio conversar comigo e disse que estava com uma edição especial que esta ainda não estava terminada e achava que seria muito boa comercialmente. Não posso ficar com ela e você assume na próxima, ele disse. Para mim tudo bem, respondi. A revista ficou fantástica, magnífica, mas não se pagou. Enfim, uma edição que era para ser boa comercialmente que não se pagou... Assim é fácil você ir para a falência, fechar. Ele nunca concordou com esta idéia.62
Alindo Mungioli manteve todos os funcionários da revista e permaneceu por
pouco tempo como editor, apenas em seu período de transição, logo passando o cargo
para o arquiteto Hugo Segawa em 1993, que permaneceu até o ano de 1996. Arlindo
relata sua passagem pelo cargo de editor nesse período de transição:
A revista, no tempo do Vicente tinha uma situação organizacional meio esquisita. Tinha um editor chefe que era o Nildo Carlos de Oliveira, jornalista, trabalhou com o Vicente por muitos anos. E tinha também mais 2 jornalistas e um grupo de 3 arquitetos. O editor não mandava na revista. Quem mandava na revista eram os colaboradores (os arquitetos). O Nildo não veio trabalhar comigo. Os jornalistas saíram. Eu fiquei com esse grupo de arquitetos, que são profissionais competentes como críticos de arquitetura, já com experiência na área de edição. Mas não funcionou muito bem. O primeiro a assumir a edição fui eu, que sabia de arquitetura o suficiente para ler a revista, ou para comprar... Nunca para fazer (risos). Como dizia um velho amigo meu: “A ignorância é atrevida”. Eu tive o atrevimento de nos 6 primeiros meses assumir a edição. Assim como assumi a publicidade. Tudo provisoriamente.63
O ano de 1996 marcou grande reforma da publicação, com a fusão da revista
Projeto com a revista DI, Design & Interiores. Com isso, foi rebatizada como
PROJETOdesign, redefiniu sua diagramação já inovadora e moderna, juntamente com
editorial revisto e aprimorado. Arlindo conta como foi a reação dos leitores pela visão de
um grande amigo:
61 Entrevista concedida a Flávia Bonadio, no dia 19 de março de 2007, nas dependências da revista Projeto, na rua General Jardim em São Paulo. 62 Idem. 63 Idem.
73
Eu tenho um amigo jornalista muito experiente, que adorava a versão anterior da revista. Nós nos encontramos muito anos depois, e ele me deu os parabéns pelo novo visual e tal.... Disse que no começo não tinha gostado, mas que ele já estava acostumado. Logo depois desta visita com elogios que muito me envaideceram, foi exatamente quando eu estava lançando esta última versão. Daí então eu mostrei para ele e ele não gostou... Alguns gostaram, outros não, mas a maioria acabou se acostumando.64
O cargo de editor-chefe foi primeiramente atribuído ao arquiteto Hugo Segawa,
que já era editor da revista antes da fusão, substituído pela arquiteta Ruth Verde Zein,
que teve um tempo de permanência muito breve. Arlindo narra porque não deu certo
Hugo Segawa e logo depois Ruth Verde Zein como editores da revista:
Depois eu deleguei a edição para os dois membros mais experiente, que eram o Hugo Segawa e a Ruth Zein, mas também não funcionou muito bem. Acabamos com diferenças de orientação. Mas acho que acabamos mais por divergências de modo de trabalhar... 65
Em declaração concedida a Elane Ribeiro Peixoto, autora da tese de doutorado
Arquitetura na Revista Projeto (1980–1995): identidade, memória e não lugares,
defendido na FAU – USP em 2003, o arquiteto Hugo Segawa, descreve, sob seu ponto
de vista, o processo de transferência do cargo de editor:
Eu acho que essa mudança de nomes, num primeiro momento, não caracterizou uma ruptura, exceto a ausência de seu fundador, que era a alma do negócio em todos os sentidos. O Vicente (Wissembach), com toda a sua rede de contatos e relações, obviamente, tinha uma agilidade de informações, de contatos e realizações que o Arlindo (Mungioli) não tinha. Qual é essa diferença? O Arlindo (Mungioli) era um jornalista, com breve contato com boletim Arquiteto, e que nunca mais teve qualquer relação com a arquitetura. Por circunstâncias comerciais, ele compra o título. Primeiro, ele se associa e, depois, ele acaba comprando o controle da revista. Aí o Arlindo (Mungioli), por desconhecimento do conteúdo, acaba delegando o que ele herda do Vicente (Wissembach), isto é, a equipe editorial – em especial, a partir de um certo momento, a mim, o comando da revista, como editor. Isto é: um momento (em) que estávamos eu, como editor, Ruth (Verde Zein), que estava voltando, o Guilherme (Mazza Dourado) e os jornalistas que continuaram. Então, na verdade, o Arlindo (Mungioli) herdou a equipe e, por desconhecimento, por falta de familiaridade com o dia-a-dia da revista, o Arlindo (Mungioli), em um certo sentido, delegou, a nós, a condução da revista, mas sem, obviamente, essa liderança que era do Vicente (Wissembach). (...)66.
64 Idem. 65 Idem. 66 Publicado na tese de doutorado de Elane Ribeiro Peixoto. Arquitetura na Revista Projeto (1980 – 1995): identidade, memória e não lugares, pela FAU – USP em 2003 , págs. 60 e 61, 2003.
74
Ainda em sua tese, Elane Ribeiro Peixoto considera:
Aos poucos, o afastamento dos arquitetos da revista e sua condução, na quase totalidade, por uma equipe de jornalistas encerram, definitivamente, a história do periódico, criado a partir do jornal Arquiteto no final da década de 1970. A revista Projeto tornou-se outra, dentro da qual os espaços para a reflexão diminuíram, a favor da apresentação de projetos e obras explicados e debatidos num nível mais próximo ao da notícia. A revista criada por Wissenbach deixava de existir.67
II.5 - A REVISTA PROJETO, HOJE
A realidade mudou ao longo dos anos. Adaptou-se. O agregamento de outros
valores, em detrimento de alguns valores antigos da formação da revista, não fez com
que ela se tornasse pior. Muito pelo contrário, sua adequação, além de necessária para
sua manutenção, a transformou em uma revista mais dinâmica. A forma de Elane Ribeiro
Peixoto ver como “fim”, ou seja, que a revista Projeto transformou-se tanto que “deixou
de existir” é um tanto radical. A revista apenas adaptou-se à agilidade dos novos tempos.
Realmente, os espaços para reflexões diminuíram, mas não perderam qualidade.
A apresentação dos projetos tornam-se cada vez mais claros. Arlindo conta sobre o
porquê dos espaços de cobertura dos eventos arquitetônicos diminuírem:
A Projeto de antes tinha muito mais cobertura dos movimentos das associações dos arquitetos e tinha alguma coisa de debates, algumas coisas de artigos... Isso minguou. Em termos de cobertura dos encontros de arquitetura eu logo percebi que o que se fez o ano passado, logo se repetiu nesse... Então, porque eu vou jogar fora 6, 7 páginas? Para compensar um pouco, dar uma cobertura, mas não extensiva, eu criei um caderno especial em papel diferenciado que era para artigos, teses... Um ano depois eu desativei por extrema dificuldade de encher estas 17 páginas. Porque esse povo fala, fala, fala e produz muito pouco....muito pouco...68
A forma de “noticiar” é fundamental no início do século 21 as opiniões e
reflexões não deixaram de ter importância, mas a clareza com que são expostas e aceitas
as outras versões é que mudou. O perfil cultural, sociológico, político e econômico do
Brasil mudou. As pessoas mudaram. O perfil ideológico mudou. A primeira fase da
revista Projeto não tinha mais espaço para existir.
67 Idem. 68 Entrevista concedida a Flávia Bonadio, no dia 19 de março de 2007, nas dependências da revista Projeto, na rua General Jardim em São Paulo.
75
A geração assistida hoje pela revista Projeto é também aquela assistida pelas
primeira e segunda fases da revista. Porém, essa geração atual não vive apenas de
divagações e projetos ideais. Ela provém de tempos de calmaria política e pós-repressão.
Não tem mais que quebrar nenhuma regra, ou driblar a censura. É a geração que nasceu
da geração guerreira, aquela que teve seus ideais testados pelos tempos de ditadura
militar. A revista é um espelho dessa nova realidade.
“Negócios” e “tempo”, palavras muito mais freqüentes nos novos tempos e
reflexo dessa nova sociedade composta. A revista vai direto ao assunto sem devaneios.
As grandes voltas de vários números, discutindo os mesmos temas, acabou. O
entendimento deve ser rápido, com divagações precisas e claras, pontuadas. Arlindo, em
entrevista concedida para este trabalho, faz uma pequena reflexão sobre o salto de
qualidade gráfica que deu a revista:
...Achei que o caminho de continuar seria fundir (fundir a revista Projeto com a DI). Aí houve a fusão. Implantei a primeira revolução gráfica da revista. Primeiro foi um susto e depois a revista foi muito bem recebida. A revista começou a dar muito mais choque. Passou a ser 4 cores integralmente. Começamos com as fotos boas. Pois o material que recebíamos era muito ruim, muito amador. Os arquitetos não estavam muito acostumados a fotos bonitas. Se você tem um projeto bonito, mas tem um material visual ruim. Não se abre 6 ou 8 páginas... Abre 4. Quanto mais qualidade gráfica tem um projeto mais chance de abrir páginas para ele. Qualidades arquitetônicas. Esse foi talvez o grande salto da revista. Foi anexar a design e lançar este projeto gráfico. Estamos no segundo projeto gráfico e está mais ou menos na hora de fazer de novo (risos).Então é esta a história.69
Em 2002, a revista adota um projeto gráfico inusitado até então para o mercado.
Esse permanece até abril 2004, quando é repensado e reestruturado com algumas
alterações prevalecendo até meados de 2007, quando era redigida esta pesquisa.
A chefia editorial, ao longo da história da revista, passou por vários profissionais:
Vicente Wissenbach, Nildo Carlos Oliveira, Arlindo Mungioli, Hugo Segawa, Ruth
Zein, Júlio Moreno, Airton Ribeiro, Silvério Rocha e atualmente Fernando Serapião.
69 Idem.
76
Capítulo III
LINA NA PROJETO DE VICENTE
Para iniciar este capítulo é necessário que se façam alguns esclarecimentos: As
matérias citadas se encontram na íntegra, nos anexos. Foi enfatizada mais uma vez que
as trajetórias da revista Projeto e da arquiteta Lina Bo Bardi estão divididas em duas
partes: Lina na Projeto de Vicente e Lina na Projeto de Arlindo. Os anexos também
estão separados: Anexo 1, para as edições de Vicente e Anexo 2, para as edições de
Arlindo. A Lina de Vicente Wissembach é viva; a Lina de Arlindo Mungioli é morta. E
como já vimos, as coincidências são muitas, uma delas é a de que a revista troca de mãos
no ano em que Lina morre.
As referências feitas tanto a Lina quanto a uma de suas obras serão analisadas por
ordem de edição. A primeira vez que foi encontrada citação e pequena matéria sobre
Lina foi na edição 40, 1982. Por ela percebe-se que Lina não era figura conhecida
nacionalmente pela forma em que a reportagem a apresenta. Neste capítulo a análise se
iniciará na edição 40 e será finalizada na edição 151, 1992. Todo esse período a revista
esteve sob a responsabilidade do jornalista Vicente Wissembach.
Neste capítulo, Lina está viva e é realizadora. Seus projetos acontecem, não são
recordações. Mas não serão levados só em conta seus projetos e suas realizações. Será
analisada a revista como mídia. O formato e a diagramação com que foram abordados os
projetos e transcritos. A gráfica, a densidade das páginas e suas publicações também
serão verificados.
A pesquisa foi feita página a página em todas as revistas Projeto, entre os
números 11 e 324. Toda citação ou reportagem foram de interesse desta pesquisa,
independente de seu tamanho.
EDIÇÃO 40, 1982.
Esta reportagem da edição 40, de 1982 é sobre os preparativos para o XI
Congresso Brasileiro de Arquitetos, que se realizou em Salvador-BA, de 19 a 24 de
77
outubro de 1982. Nela, entre as páginas 10 e 12, a revista explica tão somente o
procedimento para a participação e os temas a serem discutidos. Porém, as páginas 13 e
14 trazem um “suplemento especial” com um roteiro do Congresso. A primeira obra
ilustrada é a residência no “Chame Chame” em Salvador, seguida pela “Quinta” e “Solar
do Unhão”, obras de Lina Bo Bardi.
Para iniciar a reportagem do suplemento, nota-se que o nome de Lina ainda não
agregava sua obra e importância, pois eles começam estabelecendo um breve curriculum
para mostrar sua importância e justificar sua presença no suplemento:
Residência no Chame Chame, Salvador
Esta residência, à rua Ari Barroso, no bairro nobre Chame Chame, encomendada pelo seu proprietário, ex-deputado Rubens Nogueira, a Lina Bo Bardi, quando esta se encontrava em Salvador no fim dos anos 50, é um trabalho bastante peculiar na produção arquitetônica desta italiana que aqui chegou em 1947 com Pietro Maria Bardi, convidados para a organização do Museu e Arte de São Paulo – MASP, por Assim Chateaubriand, logo após a guerra. Formada pela faculdade de arquitetura da Universidade de Roma em 1942, foi diretora da revista Domus e compartilhou com Bruno Zevi70 a criação do seminário de arquitetura em 1946. Naturalizada brasileira em 1951, Lina Bardi foi uma das pioneiras do desenho de mobiliário brasileiro, em colaboração com Giancarlo Palanti, tendo fundado e dirigido também à revista Habitat em 1949, em São Paulo. Os mais divulgados projetos desta arquiteta são: a residência Bardi, no bairro paulistano Morumbi, realizada na década de 50; o novo Museu de Arte de São Paulo, defronte ao Trianon na avenida Paulista, inaugurado em 1968 e, agora, o projeto de revitalização de uma antiga fábrica de tambores no bairro de Pompéia, em São Paulo, para o Serviço Social do Comércio – SESC, inaugurado em abril passado, uma notável proposta de centro cultural (que será publicada pela Projeto) com espaços para teatro, cinema, exposições, atelier para cursos e, futuramente, esportes71.
Segundo a reportagem, nessa residência, Lina sofreu grande influência de Gaudi. Antoni
Gaudi (1852-1926) foi arquiteto e sua arquitetura ainda é um dos símbolos da cidade de
Barcelona. Era modernista catalão, variante local da art nouveau:
Profundamente influenciada por Gaudi naquele momento, Lina Bardi realizou nesta residência no Chame Chame uma obra de caráter “organizacionista”, desenvolvendo espaços contidos em plantas curvilíneas, estabelecidas por geratrizes compatíveis com a implantação da residência num lote de esquina com acentuados desníveis definindo o acesso e a localização da casa no terreno.72
70 Bruno Zevi (1918-2000): Foi importante arquiteto, crítico e historiador italiano. 71 Revista Projeto, edição 40, pág.13, 1982. 72 Idem.
78
Revista AU, editora Pini, no 40, 1992, p.24.
Fig.104: Residência no Chame-Chame
Sobre o “Solar do Unhão”, relata-se o histórico do local e sua importância
histórico-arquitetônica, por ter sido um complexo residencial produtivo, ligado à
produção açucareira baiana. O conjunto foi adquirido pelo governo estadual que
promoveu sua revitalização em 1963, transformando-o no Museu de Arte da Bahia,
projeto de restauro e adaptação de Lina.
EDIÇÃO 42, 1982.
Das páginas 115 a 157, essa edição traça as tendências arquitetônicas dos anos
70. A edição faz um grande passeio entre obras importantes da década e tecnologias
utilizadas, como os projetos do Museu de Arte Contemporânea em São Paulo, de Paulo
Mendes da Rocha; o Palácio das Artes no Rio de Janeiro, de Oscar Niemeyer; o Parque
Anhembi em São Paulo, de Miguel Juliano e Jorge Wilheim, entre outros. Nessa
reportagem, entre os doze projetos mostrados, vislumbram-se duas obras importantes de
Lina: o MASP e o SESC Pompéia. Mostram fotos e junto a elas, uma pequena citação do
que compreende cada projeto.
Nessa edição já não foi necessário o acompanhamento de um “curriculum de
apresentação” para justificar Lina. Seus projetos justificam-se por si e neles já
despontam sua importância na arquitetura nacional.
79
No entanto parece que nessa reportagem, a revista Projeto perdeu uma grande
oportunidade de fazer um levantamento mais profundo das reais tendências dos anos 70.
Ela poderia ter descrito com mais detalhes a relevância da contemporaneidade e a
diferenciação desses projetos para a época, já que eles aprimoraram os conceitos da
década de 60, em que a arquitetura não apresentava essa forte característica de utilizar
alta tecnologia para construir formas simples (a não ser em Brasília, com os projetos de
Oscar Niemeyer) e que já indicavam sinais de que influenciariam os anos 1980. Deteve-
se apenas em alusões sucintas e com poucas fotos ilustrativas, não delineando
amplamente a importância e características dessas tendências para o futuro arquitetônico
nacional.
EDIÇÃO 92, 1986.
Lina é anunciada na capa. A chamada, a imagem e o detalhe projetual são seus.
É o SESC Pompéia sendo apresentado.
Fig.105: Capa da edição 92,1986.
80
O sumário encontra-se na página 12 e a primeira reportagem, que será
apresentada, é a de Lina. O título “A arquitetura de Lina Bo Bardi na Fábrica do SESC
Pompéia” anuncia a reportagem com fotos de Sérgio Gicovate e textos críticos de Ruth
Verde Zein, Marlene Acayaba e Eduardo Subirats.
A primeira reportagem inicia-se na página 43, com um texto de Ruth Verde
Zein, “Fábrica da Pompéia, para ver e aprender” e com um enfoque minucioso e
permeado por um passeio fotográfico. O SESC Pompéia é retratado por essa reportagem
como poucas vezes visto. É claro, preciso e belo, porque por meio deles consegue-se
captar um pouco do significado do SESC Pompéia e sua integração na cidade de São
Paulo. Sua diagramação sóbria e equilibrada traz um detalhamento sério e coeso dessa
obra de Lina.
Zein inicia o texto analisando o contexto de inserção do SESC Pompéia na
própria cidade sob o título de “Vistas e Perspectivas: a cidade é matéria prima”. Avalia
que São Paulo tem referenciais urbanos muito frágeis, por não ter montanha ou mar para
localizar o seu cidadão mais facilmente, só tem as construções. Fomenta também a idéia
de que nas obras de caráter público ou semi-público não cabe adotar um contexto, mas
dotá-lo, pois o contexto é a própria cidade e cabe à obra interagir e complementá-la.
Abaixo, parte do texto em que é analisado o SESC Pompéia sob esta óptica:
Na fábrica da Pompéia isso acontece duas vezes. Quando se recupera o significado volumétrico da antiga e desativada fábrica ao invés, por exemplo, de demoli-la, mantendo a paisagem habitual daquele trecho de bairro, recordando sua origem de periferia fabril, mas transformando seu significado (de espaço introvertido de produção em espaço extrovertido de lazer). A outra dotação é o próprio fato urbano inusitado posto pelo novo edifício das quadras esportivas, sinalizando e qualificando seu próprio evento. Re-conhecer e surpreender com o que se des-conhece: ao recusar o amorfo da mera construção, a obra se fez arquitetura e cidade.73
73 Revista Projeto, edição 149, pág.45, 1991.
81
Fig.106: Inserção do SESC no bairro (Edição 92, pág.45, 1986).
O passeio fotográfico é instigante pela forma com que se apresenta. Parte de
uma foto longínqua, aérea e vai lentamente se aproximando. Contextualiza o entorno e
entra no SESC como se pudesse desnudá-lo para mostrar sua “alma” com mais avidez.
Chega até aos pequenos detalhes da arquitetura para revelar amplamente as
características projetuais pensadas. O texto e as fotos dividem-se em subtítulos: “Vistas e
Perspectivas: a cidade é matéria prima”, “Bairro e quarteirão: da cidade industrial à
modernidade”, “Diálogos com a rua corredor: percorrendo o conjunto”, “O forte na rua
da praia: confronto e coexistência”, “As atividades e os espaços, forma e função nada
unívocas”, “Os pormenores, ou a arquitetura também está nos detalhes” e “Brutalismo,
minimalismo, inclusivismo, expressionismo: quem tem medo da etiqueta?”.
Zein, em “Bairro e quarteirão: da cidade industrial à modernidade”, fala ainda
que nossas cidades, quando não crescem sobre os escombros de si mesmas, crescem por
acréscimo. Analisa então a forma com que o bairro da Pompéia, desde o século XIX, foi
sendo acometido por “cirurgias” drásticas que foram modificando, em nome da
modernidade, seu entorno. Analisa também o SESC inserido nessa realidade:
82
Por isso, mesmo com o esforço de manter edifícios existentes da Fábrica, não se pode evitar sua descontinuidade com o resto da vizinhança ou até mesmo a descontinuidade entre as antigas e novas construções da Fábrica, pois nestas últimas os recuos obrigatórios definem necessariamente a verticalidade e o isolamento. Poderia ser de outra forma?74
Fig.107: Quarteirão do SESC no bairro (Edição 92, pág.46, 1986).
Em “Diálogos com a rua corredor: percorrendo o conjunto”, a rua “sem
especialização”, ou seja aquela que não tem comércio específico, que foi acusada de
caótica e inadequada pelos manuais modernos, segundo Zein, porém, esse modelo de rua
costuma ter uma persistência e vitalidade:
Quando se penetra na Fábrica da Pompéia sucedem-se os marcos da sua rua corredor interna: o portal, marcando o acesso, identificando, diferenciando interior e exterior; o lago, a espera, encontro, informação, galilé; percorrendo o caminho, as fachadas contínuas e variadas, medidas pelo piso urbano, até chegar a um outro portal que leva aos novos edifícios.75
74 Revista Projeto, edição 149, pág.46, 1991. 75 Idem, pág.47.
83
Fig.108: SESC: o portal, o largo, os galpões (Edição 92, pág.47, 1986).
Zein faz uma descrição da arquitetura e funcionalidade do SESC Pompéia no
trecho do texto intitulado “O forte na rua da praia: confronto e coexistência”:
Depois de andar por essa rua interna, chega-se à faixa deque, uma área não edificável ao longo de pequeno córrego canalizado e coberto. Descobrimos então que estávamos numa transversal da praia. Numa das extremidades, o edifício das quadras e das circulações verticais serve de baliza ao espaço da Fábrica; seu caráter de forte rochedos da ponta da praia é reforçado por uma aparência monolítica dada pela caixa estrutural de concreto aparente e pelas pontes/passadiços a trocar entre precipícios. Notem-se as aberturas irregulares - os famosos buracos – dispostas regularmente num quadrado mágico; notem-se as aberturas quadradas dispostas
84
irregularmente; notem-se o jogo das passarelas quase simétricas, exceto por uma pequena variação na última de cima: o equilíbrio quase perfeito, como um tapete persa. A torre de circulação amplia-se na base, requerendo uma complexa viga de transição; as escadas externas são adendos esculturais aos volumes regulares; a torre de caixa d´água é qual farol à luz de velas derretendo: sempre o inusitado e o exaustivamente elaborado, pontuando uma solução que enfatiza a austeridade e a concisão.76
Fig.109: O deque (Edição 92, pág.48, 1986).
76 Revista Projeto, edição 149, pág.48, 1991.
85
Ainda no trecho, Zein faz uma comparação coesa e precisa de obras de Lina:
Assim como a reciclagem da parte existente da Fábrica pode ser comparada a outro trabalho de Lina Bo – a recuperação do Solar do Unhão, em Salvador – a parte nova poderia ser integralmente uma seqüência de projetos de museus realizados pela arquiteta: a sede do Museu de Arte de São Paulo, quando na rua 7 de abril, em São Paulo; o projeto para o museu na praia, em São Vicente; o MASP na avenida Paulista. Entre a década de 50 e hoje nota-se uma progressiva simplificação, ou um “descarnar”, fazendo restar pele e ossos, pondo a nu por fora e secando as entranhas, por dentro. Sem dúvida, ganhando em força e presença; também, perdendo em suavidade e até em habitabilidade – mudou a arquitetura ou mudaram as gentes? Mas nunca perdendo em elaboração e requinte.77
Com as descrições e análises feitas por Zein, o leitor pode ter uma melhor
percepção da obra de Lina, seu gosto, que era bastante sofisticado e, por isso, muitas
vezes questionado pelos críticos de arquitetura. Com os detalhes das fotos ilustrativas a
seguir, pode-se perceber o trabalho minucioso, em que cada fachada tem um diferencial:
Uma se apresenta com um ritmo de aberturas (janelas) irregulares quanto ao
posicionamento na própria fachada, mas com forma geométrica conhecida
(retangulares). Já na outra fachada, apresenta-se uma outra leitura rítmica, agora regular
quanto à disposição das aberturas e inusitada quanto à forma. As “janelas-buracos”, que
além de permitirem ventilação cruzada permanente, sugerem que se olhe o entorno do
SESC Pompéia de outra perspectiva. Esses elementos lúdicos pertencentes à obra de
Lina fazem sua simplicidade brutalista algo reconhecidamente grandioso.
77 Revista Projeto, edição 149, pág.48, 1991.
86
Fig.110: SESC: Suas aberturas e detalhes (Edição 92, pág.49, 1986).
No trecho que se segue, Zein enfoca a forma e função do espaço. Deixa claro
que a construção industrial é um programa da modernidade com raízes no século 19,
como sua flexibilidade nos arranjos internos, amplos vãos, iluminação zenital, estrutura e
instalações aparentes. Lina presta-se à excelência, à reciclagem, adequando o novo
programa:
Os acréscimos são discretos, mas significativos: a água e os seixos rolados, no laguinho de forma amebóide; o labirinto de paredes da biblioteca e da oficina das artes; a lareira denotando lar, fogo, encontro; o vidro separando sem interromper a continuidade espacial da cozinha refeitório; alguns fechamentos e umas poucas aberturas de vãos nas alvenarias de tijolos, visíveis aos mais atentos, mesmo porque nada se fez para escondê-los.
87
No teatro, dentro do galpão mais alterado por acréscimos, foi necessário um esforço da estrutura original de concreto – aliás, em todo o conjunto em perfeito estado de conservação e mantida praticamente como encontrada, com a justaposição de dois corpos longitudinais em concreto para os balcões e as escadas de acesso. O foyer criado em um intervalo entre dois galpões existentes segue sua linguagem, mas com originalidade: tesouras de madeira, telhas de vidro, fechamentos em treliça, garantindo privacidade e integração visual, inclusive para quem transita pela rua de trás. (...) (...) Note-se que os novos edifícios seguem mais a relação “forma segue função” do que os edifícios existentes; os primeiros dificilmente poderiam ser utilizados para outros destinos que não os propostos hoje, enquanto os antigos já provaram sua flexibilidade com a reciclagem a que foram submetidos. Embora na verdade nunca exista uma relação unívoca entre uso e resultado formal/ estrutural, pois há sempre e necessariamente um espaço da arbitrariedade e da escolha.78
Fig.111: Os galpões originais com poucos acréscimos (Edição 92, pág.50, 1986).
Fig.112: Os galpões originais com poucos acréscimos (Edição 92, pág.50, 1986).
78 Revista Projeto, edição 149, págs.50 e 51, 1991.
88
Em “Os pormenores, ou a arquitetura também está nos detalhes”, Zein inicia
colocando o ornamento como um crime no discurso da questão econômica, quando
analisado como luxo. O detalhe arquitetônico é sempre minimizado como “decoração”, e
esse não só é “dispensável” como para alguns críticos é algo “desprezível”, quando se
analisa a arquitetura como uso e funcionalidade. Por isso Zein defende que os detalhes
produzidos por Lina para o SESC Pompéia, na verdade, são necessários para o
entendimento da obra na íntegra, não são simplesmente adornos: “Não basta, pois,
eliminar todo ornamento e fazer uma arquitetura pobre: simplicidade e concisão não
devem significar falta de elaboração.”79
Neste texto da revista Projeto, Zein faz questão de relatar a arquitetura da
massa, a da população mais “pobre” brasileira, que é sempre colorida e que não dispensa
o enfeite. Faz essa referência pelo embasamento utilizado por Lina na concepção de seus
projetos, que utilizam seu respeito pela cultura popular como um de seus pontos de
partida. Por meio desta justificativa faz sua apuração do SESC Pompéia:
Na Fábrica da Pompéia, com sua aparente secura formal, não falta nunca elaboração e recriação. A apropriação do detalhe tradicional dos azulejos, na piscina, no refeitório, os cacos coloridos nos pisos dos sanitários, os vestiários rosa-dourados para as meninas e azul-prateados para os meninos, a cor e o mosaico fazem referência ao gosto popular. As canaletas de águas pluviais acabadas com seixos rolados, o piso de paralelepípedos entremeados de grama, o piso cimentado salpicado de pedrinhas, as texturas aparentes e imperfeitas dos materiais fazem referência ao repertório da arquitetura moderna brasileira para o qual colaboraram tanto a autora como outros nomes famosos.80
Nas fotos a seguir, o leitor percebe que os detalhamentos propostos por Lina são
projetuais e brutalistas, fazendo parte da concepção e do funcionamento do ambiente e
não necessariamente apenas um adorno decorativo. Não existe forro de gesso, por
exemplo, para bloquear a visão dos encanamentos do teto dos banheiros. Eles estão
expostos. “Expõe-se” o que em arquitetura convencional decorativa “Esconde-se”.
Todos os ornamentos são “utilizáveis” não sendo apenas “enfeites”.
79 Revista Projeto, edição 149, pág.52, 1991. 80 Idem.
89
Fig.113: Os detalhes (Edição 92, pág.52, 1986).
Zein faz uma pergunta: “Quem tem medo da etiqueta?” Lembra, então, que a
primeira atitude do homem é nomear:
Mas conceituar não é etiquetar, e “dar nome aos bois” pode tanto servir à clareza como à estagnação; no primeiro caso, se pensar de dizer for exercer a capacidade de entender; no segundo, quando se pretende cristalizar pequenas verdades imutáveis. Explicitar e compreender, sem rotular, é colaborar com a vitalidade da obra, dela extraindo novos significados, que se revelam porque a criatura sempre surpreende o criador.81
A declaração acima mostra que mesmo Zein precisa “nomear” para “explicar”. Afinal,
para “explicar” o SESC Pompéia, utilizou-se várias vezes dos rótulos que Lina adquiriu
e a defendeu de alguns outros que não concordavam com ela.
Finaliza dizendo que independente dos “títulos” que qualquer crítico ou
visitante possam ocasionalmente atribuir ao SESC Pompéia, Zein sugere que todos
façam o exercício de ir até lá, ver e aprender.
81 Idem, pág.54.
90
Fig.114: Janela-buraco (Edição 92, pág.55, 1986).
Ainda na edição especial 92, na página 56, encontra-se um texto da arquiteta
Marlene Acayaba, intitulado “SESC Pompéia, um soco no estômago”. Simples e
superficial, não acrescenta nada ao que foi dito antes. Na verdade, o texto da forma com
que foi construído não justifica sua nomenclatura forte. Chamou-se atenção para um
título que não se sustenta.
Acayaba diz que a arquitetura é bela, quando diz alguma coisa. E que o projeto
do SESC Pompéia é belo por falar de São Paulo e também da influência nordestina na
formação da cidade. Utilizou-se de uma página para dizer tão poucas coisas acerca de
uma obra como o SESC Pompéia.
Em “Os Gigantes e a Cidade”, texto de Eduardo Subirats, a diagramação não é
boa, pois é densa e compacta, sem espaçamentos ou ilustrações referenciais, o que
parece não convidar à leitura. Enquanto o texto de Zein trazia ilustrações permeando e
justificando seu discurso, o de Subirats é apenas o texto, sem um cuidado especial.
Porém, o artigo tem uma construção poética, por ser carregado de emoção e sensações, o
que delega o aspecto técnico da obra do SESC ao segundo plano. O importante para ele é
o que se sente, quando se depara com o SESC Pompéia. Subirats descreve suas
sensações capazes de fazer com que o leitor percorra o mesmo espaço mentalmente. Por
meio de suas metáforas, constrói um SESC sensorial:
A frágil casinha, o obrador, a favela, a palafita, o escritório enfim, de Lina, contrastava com dureza impressionante com as três torres do conjunto arquitetônico do Centro Cultural da Pompéia. Três magníficas torres. Tampouco esquecerei a primeira impressão que me causaram. Era um dia chuvoso. Os reflexos plúmbeos do céu tormentoso golpeavam a árida textura de suas paredes
91
de concreto, limpo, com tonalidades de intensos prateados. Uma das torres, a mais robusta, é um gigante quadrangular que observa, através de suas dúzias de grandes olhos irregulares, a paisagem desta cidade monstruosa e maravilhosos ao mesmo tempo. Frente a esse grande bloco se ergue, como é natural, seu par, um ser mais delicado em suas proporções. Ambos os gigantes se abraçam com seus poderosos tentáculos.82
Ao longo do texto, Subirats vai causando ao leitor as sensações que sentiu, mas também
faz questão de frisar a importância desse espaço cultural para a cidade de São Paulo:
Mas nesse sonho arquitetônico habitam outras fantasias, além das expressivas. O Centro Cultural da Pompéia é um projeto cultural e social ao mesmo tempo. É um manifesto que ninguém, e muito menos aqueles que moram em São Paulo, deveriam esquecer. Em primeiro lugar, uma menção erudita. Esse centro é uma antiga fábrica. Lina Bo resolveu restaurar suas proporcionadas e elegantes naves em uma espécie de Falaustério.83
E conclui de forma singela, sugerindo que o SESC Pompéia seja parte resumida
inseparável da cidade de São Paulo:
Este é seu programa feito em concreto e tijolo; que chegue a ser realidade depende agora de generosidade dos olhos que o contemplam. No segundo piso da torre maiôs, a dos “buracos”, aprecia-se uma interessante perspectiva. No centro geométrico do grande retângulo espacial o olho domina três aberturas no lado poente. Os grandes olhos mostram três espetáculos distintos e claramente delineados. Por uma das aberturas se vê um pedaço do horizonte urbano: a colagem de paredes, arestas, antenas, ritmos verticais que se perdem nos limites do céu. No outro extremo se divisa um arvoredo exuberante. Os cinzentos luminosos e as tonalidades pardas dos edifícios contrastam com o verde escuro brilhante da natureza dos trópicos. E defronte à abertura central se ergue uma fumegante e pesada chaminé. Uma seqüência de São Paulo.84
As páginas 59 e 60 encerram a sessão SESC Pompéia com uma grande foto, que
evidencia os volumes da obra apresentada, uma ficha técnica e a equipe técnica. Porém,
a implantação mostrada é muito pequena e não se consegue identificar os espaços. A
legenda apresenta-se inoperante, por não conseguir identificar sua correspondência na
parte interna do desenho apresentado.
82 Revista Projeto, edição 149, pág.57, 1991. 83 Idem, pág.58. 84 Idem.
92
Fig.115: Implantação do SESC publicada - Ilegível (Edição 92, pág.59, 1986)
EDIÇÃO 128, 1989.
Na página 10 dessa edição, Lina, já no sumário, tem uma chamada visual: Seu
desenho (croqui) do altar da Igreja do Espírito Santo do Cerrado. Além dessa obra, esta
edição apresenta outro projeto da arquiteta, a Capela de Ibiúna.
Fig.116: Croqui do sumário. (Edição 128, pág.10, 1989)
A reportagem sobre arquitetura religiosa encontra-se na íntegra, no anexo 1. O
texto é de Cecília Rodrigues dos Santos. Ela imprime discussões comparativas sobre
93
períodos religiosos e suas arquiteturas, traçando um perfil temporal contínuo, iniciado no
século XII e XIII na Europa, passando pelas igrejas de Ouro Preto-MG e finalizando
com catedral projetada por Oscar Niemeyer, em Brasília. A reportagem foi mantida
completa por uma questão de contextualização. O interesse desse trabalho são os dois
projetos arquitetônicos de Lina, apresentados na edição: Igreja do Espírito Santo do
Cerrado e a Capela de Ibiúna.
Além dos projetos de Lina, foram publicados os projetos dos arquitetos Éolo
Maia e Paulo Mendes da Rocha como exemplificação da arquitetura religiosa brasileira.
Entre os projetos internacionais, destaca-se o arquiteto Justus Dahindem, com o projeto
do Centro Paroquial San Maximiliano Kolbe, na cidade de Varese, Itália.
Entre as páginas 56 e 59, é mostrado o projeto da Igreja do Espírito Santo do
Cerrado, que Lina realizou em parceria com os arquitetos André Vainer e Marcelo
Ferraz, localizada em Uberlândia, Minas Gerais.
Fig.117: Croqui de Lina para o conjunto (Edição 128, pág.56, 1989)
94
Essa reportagem foi construída de forma simples de exposição e fornece amplo
espaço para os croquis auto-explicativos de Lina, deixando a matéria convidativa ao
leitor. É um projeto bastante especial, pois lida com mão de obra local (Área periférica e
pobre da cidade de Uberlândia-MG) em sua confecção. A leitura do texto traz ao leitor
que, na concepção do projeto e nos materiais utilizados, é diferente das outras obras
edificadas dela.
Fig.118: Croquis auto-explicativos (Edição 128, pág.59, 1989)
Fig.119: Croquis auto-explicativos (Edição 128, pág.59, 1989)
95
O projeto dispunha de um terreno de pequenas dimensões em um bairro pobre da
periferia, praticamente nenhum dinheiro e construído por mutirão popular. É uma
realização com características particulares dentre as obras de Lina. É pobre do ponto de
vista dos materiais, pois utilizou, segundo a reportagem, paredes de tijolos sem reboco
assentados com barro, telhas de barro, estrutura basicamente de madeira, piso de cimento
com pequenos seixos rolados e mosaico português. Sua composição espacial e seus
detalhes projetuais dispõem de originalidade, conhecimento técnico e domínio da
história da arquitetura em geral, brasileira e mineira em particular. O texto deixa claro
que Lina não utiliza tecnologia de ponta, nem grandes vãos ou cálculos especiais.
Fig.120: Vista dos telhados e calha-jardineira
(edição 128, pág.57, 1989)
A reportagem se encarrega de uma descrição elucidativa sobre o projeto
acompanhado de suas bem anguladas fotos:
O conjunto é composto por três volumes de planta circular que se imbricam: no primeiro, o maior, está a igreja propriamente dita; o segundo, com pátio central, abriga a sacristia e a residência dos religiosos; o terceiro é um terraço com piso de terra batida, onde acontecem reuniões com a população, festas, cursos e se pode mesmo dizer a missa. Em frente desse terraço, em nível mais baixo, está o campinho de futebol, que determina o último estágio de uma sucessão hierárquica de espaços que vai do mais fechado, necessário ao recolhimento, passando pelo pátio enclausurado, o terraço, para chegar ao ar livre. O tratamento do espaço da igreja, seus detalhes e sua simbologia receberam especial atenção. Uma jardineira onde deve crescer vegetação do cerrado circunda o telhado. Um Espírito Santo de madeira pousa sobre o pilar central da estrutura. A iluminação é sutil, feita por um triângulo de telhas de vidro sobre o altar (símbolo litúrgico do Espírito Santo), por uma fresta entre a parede e o início da cobertura que forma como uma auréola em torno da assembléia e pelos
96
buracos deixados nas paredes pela retirada dos andaimes da construção, fechados com vidro colorido. Vários estudos são realizados para a composição cenográfica do altar, com variantes sobre o tipo de cruz, drapeados e um sacrário com detalhe obrigatoriamente dourado85.
Fig.121: Os três volumes em desnível (Edição 128, pág.56, 1989).
Fig.122: Altar (Edição 128, pág.58, 1989)
A reportagem traz ainda muito bem descrita e de fácil compreensão, a
planta do local, que dispõe de uma legenda clara em que se consegue identificar sua
correspondência na parte interna do desenho apresentado.
85 Revista Projeto, edição 128, pág.57, 1989.
97
Fig.123: Implantação (Edição 128, pág.59, 1989)
Nas páginas 60 e 61, expõe-se o projeto da Capela construída em Ibiúna, São
Paulo, também em parceria com os arquitetos André Vainer e Marcelo Ferraz, em 1982.
Essa reportagem, comparada com a anterior, é bastante inferior no nível de apresentação.
Em apenas três parágrafos foi feito um resumo do que seja o projeto. Resumo esse que
não se compara a extensão de importância e inovação do projeto, apesar de sua pequena
área construída. As fotos são de qualidade e tiradas de bons ângulos, o que facilita o
entendimento da obra. Porém o croqui é pouco explorado, não deixando claro seu uso
pela reportagem. A sensação que se tem é a de que apenas “colocaram” a obra sem um
refino particular. É como se não tivesse importância.
A reportagem deixa transparecer que, nessa obra, novamente Lina se utiliza de
materiais e tecnologia pobres, mas o resultado é impactante ao promover grande
visibilidade a uma obra de tão pequenas dimensões. O edifício é um volume facetado. A
varanda que o circunda, reveste-o de uma aura particular e primitiva, pois sua cobertura
é de sapé.
98
Fig.124: Capela em Ibiúna (Edição 128, pág.60, 1989).
Fig.125: Capela em Ibiúna (croqui e vista frontal) (Edição 128, pág.61, 1989).
EDIÇÃO 130, 1990
Na coluna “Anote” da revista Projeto dessa edição, uma pequena chamada
reportava uma notícia de grande importância, pois anunciava uma “troca” de projetos
entre Estado e Prefeitura e entre os dois renomados arquitetos:
Lina e Niemeyer
Confirmado: Lina Bo Bardi vai cuidar proximamente das obras de reforma do antigo palácio das indústrias, sede atual do Degran, no Parque Dom Pedro II, a fim de que ali passe a funcionar a prefeitura paulistana. Será uma troca de gentilezas Estado-prefeitura. Isso porque o prédio que a prefeitura ocupa hoje no Ibirapuera deverá ser convertido, pelo Estado, em centro cultural. A reforma desse prédio caberá a Niemeyer.86
86 Revista Projeto, edição 130, pág.23, 1990.
99
Em poucas e restritas linhas, difundiu-se a informação de acordos e gentilezas,
envolvendo o considerado por muitos: o maior arquiteto brasileiro do século XX e a
arquiteta Lina Bo Bardi.
EDIÇÃO 133, 1990.
Lina é chamada de capa dessa edição: “Lina Bo Bardi – A Força de suas idéias
e Projeto.” Enquanto o título se refere a ela, não é dela o projeto que ilustra a capa.
Fig.126: Capa da edição 133,1990.
Entre as páginas 49 e 56, faz-se um passeio pela obra da Ladeira da
Misericórdia e, entre as páginas 103 e 108, sob o título de “Uma aula de arquitetura”,
estrutura-se um texto escrito por Lina Bo Bardi permeado por fotos ilustrativas.
Lina desenvolveu o projeto-piloto para recuperação do Centro Histórico de
Salvador-BA, em parceria com Marcelo Suzuki e Marcelo Ferraz, realizado em 1989. As
primeiras três páginas da reportagem são compostas apenas de fotos e croquis. Em
100
nenhum momento se diz o que se pretendia, o que foi feito, se o projeto teve êxito ou
não. Na verdade, apenas foram expostas fotos e croquis sem nem mesmo uma introdução
ou uma breve explicação do referencial do projeto. Na quarta página, em meio a outras
fotos, segue um texto denominado “Carta do arquiteto João Figueiras Lima (Lelé) a Lina
Bo Bardi” e que discute o sistema estrutural pré-moldado... Na verdade, apresenta um
sistema que o leitor deve adivinhar onde será usado, afinal não existe nem mesmo uma
linha anterior, nem explicando o projeto, nem o que seria executado, e de repente,
discute-se o projeto estrutural de algo que não se sabe o que é. Seguem mais três páginas
de fotos, de que só se têm as legendas das fotos para a orientação do leitor.
Já na página 56, última dessa reportagem, existe um texto intitulado
“Pelourinho”, escrito por Jorge Amado (1912 – 2001) especialmente sobre Lina Bo
Bardi. O texto elucida superficialmente as fotos e croquis anteriores. Traz o histórico da
destruição do centro de Salvador e da recuperação com Lina. Traz também a admiração
de Jorge Amado por ela e escancara o respeito demonstrado por Lina em todas as suas
obras de recuperação. Em seu texto, Jorge Amado relata o que disse quando soube que o
projeto seria de Lina: para mim, significava a melhor garantia de que se tratava de um
“sistema de recuperação87.
Abaixo, parte do texto em que deixa claro o processo de degradação em que o
Pelourinho se encontrava segundo o escritor Jorge Amado:
Já então ia rápido o processo de abandono e devastação, o contínuo vandalismo, a memória apodrecendo em esquecimento, o patrimônio – o do povo, o que pertence à nação – posto à venda a preço vil. Tantos crimes maiores e menores, cometidos contra a grandeza e a história. Vale recordar que uma autoridade eclesiástica, ainda arcebispo ou já cardeal, não me recordo, negociou a Igreja da Sé com a Companhia Circular dos norte-americanos. Alguns literatos protestaram, escreveram nas gazetas, suas armas eram a indignação e a poesia, nada puderam contra o dinheiro vivo. A igreja do Padre Antônio Vieira88, onde o padre justiceiro e colérico clamara contra o massacre dos índios, contra a prepotência e a escravidão, dando a palavra o contexto das causas mais sagradas e dos problemas mais agudos, a igreja de Vieira, bem do povo e da nação, foi derrubada e até hoje perdura o vazio que se fez na praça que ainda se chama Sé mas onde a Sé foi posta abaixo. Quanto custou aos que pagaram? Quanto
87 Revista Projeto, edição 133, pág.56, 1990. 88 Padre Antônio Vieira: (1608-1697). Foi um religioso, escritor e orador português da Companhia de Jesus. Um dos mais influentes personagens do século XVII em termos de política, destacou-se como missionário em terras brasileiras. Nesta qualidade, defendeu infatigavelmente os direitos humanos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização
101
receberam os verdilhões do templo? Na voz do povo de Gregório de Matos89, o Boca do Inferno, as trinta moedas da infâmia. E assim se sucedeu no passar do tempo, os magnatas construíram uma realidade de ruínas não apenas do Pelourinho, na cidade inteira.90
Nesse texto, ainda, Jorge Amado relembra de projetos anteriores de recuperação
realizados por Lina, na Bahia. Projetos que nem mesmo sua qualidade protegeu-a da
ditadura militar:
“A Casa Benin está quase pronta, você vai gostar”, respondeu-me Arlete. Perguntei-lhe então se Lina Bo Bardi já estava de volta à Bahia para trabalhar no projeto, pois isso, para mim, significava a melhor garantia de que se tratava de um “sistema de recuperação” (do Centro Histórico de Salvador) que deixe “perfeitamente intacto o aspecto não somente exterior, mas também o espírito, a alma interna de cada edifício”. Lina Bo Bardi, a do Museu de Arte Moderna, a do Museu de Arte Popular, a do Solar do Unhão, anos e anos dedicados à Bahia, mesmo que não voltasse já, sua marca ficara para sempre. Quando do golpe de 1964, do estabelecimento da ditadura militar, Lina foi mandada embora, demitida, expulsa: ela era da caserna, da ordem unida. Mário Kertész91 a trouxe de volta a seu chão da Bahia: uma festa.92
Infelizmente, para o leitor da Projeto, parece que esse texto foi mal aproveitado.
Tudo foi apenas colocado, quase imposto. Em sua diagramação, as páginas não foram
permeadas de fotos e textos. Texto como o de Jorge Amado não deveria ser colocado tão
pesadamente, sem agradar aos olhos, não convida à leitura. Primeiro um bloco de fotos,
depois um bloco de texto. Para finalizar seu texto, Jorge Amado fala do projeto de
recuperação do Centro Histórico:
“Você vai ver como ficou o projeto piloto, estabelecido por Lina, para a Ladeira da Misericórdia, vai ficar contente”, precisou Arlete. “Lina voltou com toda a força”. “Não vamos mexer em nada. Vamos mexer em tudo”, escreveu a arquiteta no texto de apresentação do Projeto de Recuperação do Centro Histórico. Para além da recuperação, “respeitando rigorosamente os princípios da restauração histórica, tradicional”, a conservação e a elevação da vida. Apenas desembarquei, nem desfeitas as malas, quis saber e ver. Meu chão do Pelourinho onde vivi adolescente e onde vivem os personagens dos meus livros que outros não são que essa humanidade sofrida e imbatível dos becos e ladeiras, das feiras e mercados, do cais e dos largos, das igrejas e das casas-de-santo, esse povo da Bahia. É um prazer louvar: Vi a Casa do Benin nos últimos
89 Gregório de Matos e Guerra (1623-1696). Alcunhado de Boca do Inferno ou Boca de Brasa, foi um advogado e poeta brasileiro da época colonial. É considerado o maior poeta barroco do Brasil e um dos maiores poetas de Portugal. 90 Revista Projeto, edição 133, pág.56, 1990. 91 Mário Kertész: Na época, prefeito de Salvador, é radialista e proprietário da Rádio Metrópole FM de Salvador-BA. 92 Revista Projeto, edição 133, pág.56, 1990.
102
acabamentos. Vi a Ladeira da Misericórdia, uma beleza! Aqui louvo o que foi feito e termino repetindo o apelo lançado pela municipalidade, através da Fundação Gregório de Matos: “Sem a ajuda financeira de pessoas físicas, jurídicas, fundações e outras instituições, todo o esforço feito até agora pode, infelizmente, ter poucos resultados”. Que venham todos ajudar a recriação da beleza, a criação da vida: patrimônio da humanidade, a Bahia é patrimônio e responsabilidade de cada um de nós.93
Fig.127: Ladeira da Misericórdia recuperada em 1989 (Edição 133, pág.49, 1990)
Ainda nessa edição 133, entre as páginas 103 e 108, intitulado “Uma Aula de
Arquitetura”, a arquiteta Cecília Rodrigues dos Santos informa o processo que foi
utilizado para finalização da reportagem. Em abril de 1989, inaugurou-se uma exposição
sobre a obra da arquiteta Lina Bo Bardi na FAU-USP (Faculdade de Arquitetura da
Universidade de São Paulo) composta por 64 painéis projetados pelos Marcelos Suzuki e
Ferraz, contando a trajetória brasileira de Lina.
93 Revista Projeto, edição 133, pág.56, 1990.
103
Fig.128: Exposição no salão caramelo da FAU-USP (Edição 133, págs.104 e 105, 1990)
No dia 14 de abril, segundo Santos, no auditório da FAU-USP, Lina deu uma
aula-conferência seguida de debates reproduzidos pela revista:
Longo foi o caminho que nos levou ao texto final, passando pela gravação da aula, remontagem, revisão da arquiteta, novas correções... O resultado nos recompensou com um depoimento raro: a oportunidade de entrar em contato com as idéias de Lina Bo Bardi e essa sua lição pessoal de arquitetura que nos fala de técnica, história e cultura, mas também de criação e de liberdade...94
Fig.129: Palestra de Lina Bo Bardi na FAU-USP (Edição 133, pág.103, 1990).
O discurso que a revista apresenta é coloquial, coeso e direto. Lina inicia sua
aula-conferência expondo o que pensa sobre “os equívocos da crítica”. Ela acreditava
segundo o texto, que, por exemplo, regras do Renascimento ou mesmo da época Clássica
94 Revista Projeto, edição 133, pág.103, 1990.
104
Vitruviana95 ainda eram equivocadamente usadas hoje. A arquitetura não só nas
faculdades brasileiras como nas européias, segundo ela, era apresentada de forma
fragmentária, o que não ajuda na construção crítica de uma idéia arquitetônica e sim na
repetição de regras que tolhem a liberdade de criação.
Na Inglaterra é um pouco diferente, porque foram os grandes humanistas ingleses do século XVI os responsáveis pela “descoberta” de Vitrúvio. Durante muito tempo, Vitrúvio, uma figura misteriosa cuja existência foi posta até em dúvida, e as suas três regras – utilitas, firmitas, venustas – foram praticamente lançados pelos humanistas ingleses, que o tinham descoberto (ou inventado). A crítica de arquitetura apareceu, então, no século XVIII, mas não como crítica, e sim como um conjunto de regras clássicas que vão ser codificadas através de livros e através da “erudição”. Não diria que essas regras são “perigosas” como pensava Gropius, mas elas podem “atrapalhar”, quando não historicamente compreendidas, a formação criativa do arquiteto.96
Lina deixa claro o que pensa da grande “confusão” que se vive na arquitetura e que ainda
hoje é sentida. Não se sabe o que olhar, o que fazer e, segundo ela, pensa-se que tudo é
permitido.
Minha resposta é ligada a tudo o que tenho dito até agora: é preciso se libertar das “amarras”, não jogar fora simplesmente o passado e toda a sua história; o que é preciso é considerar o passado como presente histórico. O passado, visto como presente histórico, é ainda vivo, é um presente que ajuda evitar as várias arapucas... Frente ao presente histórico, nossa tarefa é forjar um outro presente, “verdadeiro”, e para isso é necessário não um conhecimento profundo de especialista, mas uma capacidade de entender historicamente o passado, saber distinguir o que irá servir para novas situações de hoje que se apresentem a vocês, e tudo isto não se aprende somente nos livros.97
A idéia de uma “arquitetura usável” é presente nos projetos de Lina. No trecho a seguir
essa idéia fica bem clara:
95 Época Clássica Vitruviana: Marcos Vitrúvio Polião, em latim Marcus Vitruvius Pollio, foi um engenheiro e arquiteto romano que viveu no século I A.C. e deixou como legado a sua obra em 10 volumes, aos quais deu o nome de De Architectura (aprox. 40 a.C.) que constitui o único tratado europeu do período grego-romano que chegou aos nossos dias e serviu de fonte de inspiração a diversos textos sobre construções, hidráulicas, hidrológicas e arquitetônicas desde a época do Renascimento. Os seus padrões de proporções e os seus princípios arquiteturais: utilitas, venustas e firmitas (utilidade, beleza e solidez), inauguraram a base da Arquitetura Clássica. 96 Revista Projeto, edição 133, pág.104, 1990. 97 Idem, pág.105.
105
A conclusão final talvez não agrade a vocês, mas ela é apenas o resultado da minha experiência pessoal. Quando se projeta, mesmo como estudante, é preciso fazer uma obra que “sirva”, que tenha uma conotação de uso, de aproveitamento. É preciso que essa obra não caia do céu sobre seus “moradores”, mas que exprima uma necessidade. E ela também tem que ser (e isso vai depender da capacidade de cada um) mais ou menos bonita: você sempre procura o objeto ideal, decente, que possa ser chamado pelo termo antigo de “beleza”.98
De acordo com a reportagem da revista Projeto, após a aula de Lina, abriu-se a
sessão para debate. Logo com a primeira pergunta sobre sua forma de trabalhar, pôde-se
conhecer a forma de projetar de Lina. Ela fazia do canteiro de obras seu escritório.
Dedicava-se integralmente à obra que estava executando. Conta que desenhava pouco no
início para obter apenas conceitos e diretrizes do projeto. Todo ele, a partir de então, é
desenvolvido na própria obra.
Eu não tenho escritório. Trabalho resolvendo os problemas de projeto de noite, quando todo mundo dorme, quando o telefone não toca e tudo é silêncio. Depois eu monto um escritório junto com os engenheiros, os técnicos, os operários, no próprio canteiro. Assim, a vivência de uma obra é muito maior e a colaboração entre todos esses profissionais é total. 99
Gilberto Gil (1942-), à época vereador na cidade de Salvador-BA, pediu que
Lina falasse sobre a questão da habitação popular e o empenho do Estado para uma
possível solução, e qual era a visão dela sobre a arquitetura desenvolvida na União
Soviética, que era mais planejada e desenvolvida nesse sentido. Lina respondeu:
Do ponto de vista da arquitetura, nos países socialistas também existem falhas. Mas como construir em poucos anos um país verdadeiramente socialista? Muitas conquistas válidas no começo acabaram em experiências do tipo facista-populista e não num verdadeiro socialismo.100
Esse foi só o início da resposta de Lina. A seguir demonstra-se extremista e radical:
Aliás, um problema muito difícil de ser resolvido em um país capitalista, onde você tem que ter financiamento de bancos, e não são a comunidade e o Estado que mandam. É como o ensino: eu acho que no Brasil só deveria haver ensino público e gratuito. Sou contra o ensino particular, também no trabalho penso o
98 Idem. 99 Idem, pág.105. 100 Idem, pág.105.
106
mesmo; pessoalmente, só fiz duas ou três casas para amigos, pessoas conhecidas. Se alguém que tem muito dinheiro me pede uma casa, eu não faço. Eu trabalho para o poder público, não acredito em iniciativa particular, mesmo num país capitalista: já tive muita dor de cabeça com ela. Em países como a Itália ou França, não se pode fazer para o poder público “aquilo que se quer fazer”. No Brasil, eu sempre fiz tudo o que quis, nunca tive entraves, nem por ser mulher. É por isso que digo que sou stalinista e antifeminista. Agora, se você é mulher e tem voz de galinha e não tem preparo, aí afunda tudo.101
Fig.130: Lina e Gilberto Gil (Edição 133, pág.107, 1990)
Esse radicalismo de Lina e a não necessidade financeira é que fez com que
tivesse menos obras do que poderia ter tido. Essa grande “implicância” e sempre ter a
certeza de que a razão estava a seu lado, afastavam-na de muitas pessoas e a tornava, aos
olhos de muitos, antipática. Lina era uma arquiteta ou amada, ou odiada. Ou se
concordava, ou era melhor abandonar, pois os pensamentos e ideais estavam arraigados e
curtidos ao longo de toda sua vida.
Um estudante presente faz uma pergunta singela:
O arquiteto no Brasil, em geral, é obrigado a trabalhar para a classe rica. Por que não se criam escolas em que o arquiteto possa chegar perto das populações e criar condições de se fazer moradias mais dignas?102
E a resposta foi sem a menor delicadeza:
A pergunta é bonita, mas um pouco ingênua. O arquiteto, assim como outros profissionais, como médicos, engenheiros, economistas, depende da estrutura sócio-econômica do país. Para mudar é preciso fazer a revolução e, se não
101 Idem, pág.106. 102 Idem, pág.106.
107
conseguir, é obrigado a continuar trabalhando no esquema em que se encontra. Lutar por mudanças é muito bonito, digno de um homem, de uma pessoa verdadeira. Eu particularmente nunca trabalhei para a classe rica. Aliás, a ladeira da Misericórdia recuperada na Bahia vai ser habitada pelas pessoas que moravam lá antes e não vai virar apartamentos de week-end, garçonière ou coisa parecida, não é, senhor prefeito?103
Lina, em sua radicalidade, muitas vezes, deixava de ver o óbvio, e isso fica claro nessa
pergunta e em sua resposta:
Pergunta: o que acha do MASP ser utilizado apenas por uma pequena parcela da população, tão pouca gente?
Lina: O MASP é utilizado por pouca gente? Quantas pessoas havia lá hoje na hora do almoço? Essas pessoas vão almoçar depois passeiam no museu. E o senhor, já foi ao MASP?104
É bem verdade que o MASP é bastante freqüentado. Mas é freqüentado por
quem? Não pelo “povo” a quem ela diz que o MASP foi feito. Mas sempre por aquela
elite que ela diz “não trabalhar”.
Lina nem sempre era educada. Muitas vezes era até bastante indelicada, quando
contrariada. Ao ser perguntada sobre qual a tendência da arquitetura para o futuro,
responde de forma esperada por se tratar de Lina, mas um tanto inesperada para um
estudante ávido por outra resposta: “Eu não sou futuróloga, como vou saber?”105
Fig.131: Participaram da mesa no dia da aula magna, o presidente nacional do IAB, arquiteto Miguel
Pereira, o vereador de Salvador Gilberto Gil, o prefeito de Salvador, Fernando José Guimarães Rocha, o arquiteto Marcelo Ferraz e o diretor da FAU-USP, Ualfrido Del Carlo. (Edição 133, pág.108, 1990)
103 Idem, pág.106. 104 Idem, pág.108. 105 Idem, pág.108.
108
EDIÇÃO 134, 1990.
Essa edição traz uma curiosidade sobre o MASP em meia página escrita e
ilustrada com destreza. A pequena reportagem mostra a pintura em vermelho dos
grandes pilares e vigas do MASP. A cor fazia parte do projeto original (1968), mas
nunca tinha sido pintada. À época, comentava-se (pois essa informação não pode ser
comprovada), que tinha sido proibida a pintura em vermelho “por ser cor comunista”.
A reportagem conta que a pintura impermeabilizante foi a solução encontrada
para resolver os problemas de infiltração das paredes laterais das duas grandes vigas.
Abaixo seguem duas partes do texto que conta o que o projeto Suvinil Cor, Arquitetura e
Memória já conservou de patrimônios históricos pelo país e seus planos de conservação
futuros:
O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) está de cara nova. Teve vigas e lajes pintadas em vermelho bombeiro, destacando sua já controvertida estrutura e resolvendo problema de infiltração do prédio. A pintura realizada pela Glasurit, empresa do grupo Basf, consumiu 3.000 l de tinta e faz parte do projeto Suvinil Cor, Arquitetura & Memória. (...) (...) Criado há três anos, o projeto Suvinil Cor, Arquitetura & Memória já promoveu a pintura das arquibancadas do estádio do Pacaembu, do conjunto esportivo Constâncio Vaz Guimarães, no Ibirapuera,e das fachadas das casas da rua 13 de maio, no Bexiga. O próximo passo da Glasurit será a restauração, pintura e levantamento iconográfico do Pátio de São Pedro, no Recife, PE. No caso do MASP, a empresa também realizará uma exposição iconográfica intinerante com o tema “A Cor da Paixão pela Arte”. Este evento será o primeiro a contar a história do MASP – incluindo a sua estrutura – cuja sede atual foi inaugurada em 1968 e caracteriza-se por um vão livre de 74m. A Glasurit está doando as tintas e a exposição ao museu e não calculou ainda quanto investirá nesse empreendimento.106
Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1997, p.12.
Fig.132: Projeto do MASP com as pilastras e vigas vermelhas.
106 Revista Projeto, edição 134, pág.12, 1990.
109
Fig.133: A sede do MASP, um ano antes da inauguração, com pilastras
que suportam cada uma, até 2.300 t. (Edição 134, pág.12, 1990)
EDIÇÃO 138, 1991
A reportagem é aberta com um texto do escritor e jornalista Nildo Carlos
Oliveira, intitulado “EMUB vence contradições e resgata o Centro da Cidade”. A
EMURB (Empresa Municipal de Urbanização) é da cidade de São Paulo. Ele narra que
essa contradição abordada já no título, é positiva, pois fortalece o debate de idéias:
Quando se imaginava que a EMURB iria se voltar, com extrema força, para as regiões periféricas, que proporcionaram ao partido político a maior soma de votos, ela venceu contradições e deu um mergulho no centro da cidade. A atual administração entendeu que o centro é a raiz e que a raiz não poderia entrar, ainda mais, em acelerado processo de decadência. Em razão disso, canalizou recursos para melhorá-lo e corrigir-lhe as distorções, convencida de que a metrópole não poderia conviver, ao longo do tempo, e impenitentemente, com os meios que a desumanizam e levam à perda completa da qualidade dos espaços onde multidões de trabalhadores se movimentam.
A revista Projeto promoveu uma mesa-redonda que deu origem à reportagem
para o debate de alguns temas urbanísticos, no final de 1990. Discutem-se ao longo das
páginas 51 a 77, os novos rumos para o Vale do Anhangabaú, Parque D.Pedro II, o
concurso do Bexiga e a operação urbana. O tema sempre polêmico e debatido, poder
público versus poder privado, também esteve presente. Toda essa discussão se encontra
integralmente no anexo 1. Aqui será abordada apenas parte dela: A que trata do projeto
do Parque Dom Pedro II.
110
Primeiramente, entre as páginas 53 e 54, o arquiteto José Paulo de Bem levanta
os principais pontos do projeto. Entre eles, a discussão da transferência da prefeitura do
Parque do Ibirapuera para o Parque Dom Pedro II:
Na atual administração examinamos a proposta defendida durante a gestão de Mário Covas, para a transferência da sede da prefeitura para o Parque Dom Pedro II. Trata-se de proposta que explora um relação histórica fundamental para a metrópole, na medida em que sugere o retorno da prefeitura ao local da fundação de São Paulo: as margens do rio Tamanduateí, o Pátio do Colégio, a várzea, a colina... Vinculamos essa proposta a uma necessidade de ressemantização da área. Hoje, ela é um buraco, uma terra de ninguém encravada entre o centro e o Brás. Mas já teve seu significado, usos, importância, desde sua implantação, a partir de um projeto que data de 1910.107
Entre outras afirmações, José Paulo de Bem conta que o Parque Dom Pedro II se firmou
no desenho urbano como local de passagem:
Consideramos um absurdo haver ali uma via de trânsito pesado cruzando exatamente o centro da metrópole. Imaginamos que, com a conclusão do mini anel viário, parte desse trânsito possa ser desviada. Então disporemos de uma área de 480.000 m2 numa cidade carente de espaços de lazer e áreas verdes, de modo a podermos explorar seu grande potencial. Com a transferência da prefeitura, do Ibirapuera, para o Parque Dom Pedro II, esperamos implantar ali um pólo terciário de prestações de serviços e, com isso, propor um redesenho de modo a obtermos a ressemantização do entorno, valorizando-o e proporcionando-lhe outro significado.108
Todas as reportagens referentes aos temas já citados, discutidos nessa mesa-
redonda, como entrevistas, textos e exposições de projetos são tratadas graficamente de
forma densa, com muitas explanações, justificativas, fotos e projetos. Quando
demonstraram o projeto de Lina para a nova sede da prefeitura de São Paulo, no Parque
Dom Pedro II, a reportagem muda completamente. Os textos praticamente desaparecem,
surgem apenas alguns croquis e fotos de maquetes. Mais parece uma colagem e não uma
reportagem, sem justificativas ou explicações sobre o tema abordado. Existe apenas uma
citação de Lina logo no início, pequena e que é o único texto que é trazido para
explicação desse projeto de tão ampla importância:
107 Revista Projeto, edição 138, pág.53, 1991. 108 Idem, pág.54.
111
“Este projeto credencia o Palácio das Indústrias a ser um pouco de tudo aquilo que numa capital é maior e mais poético (grandes espaços, praças verdes parcialmente a céu aberto, loggias quatrocentescas que serão teatros e espaços de reuniões) e, em proporção, menos caro e mais amado”.
Lina bo Bardi, dezembro de 1990109
Fig.134: Croqui (Edição 138, pág.77, 1991)
109 Idem, pág.74.
112
Fig.135: Croqui (Edição 138, pág.74, 1991)
Palácio das Indústrias-Memória e Cidadania-O restauro para a Nova Prefeitura de São Paulo, São Paulo, 1992, p.82 e 84.
Fig.136: Restauração do Palácio das Indústrias
113
Palácio das Indústrias-Memória e Cidadania-O restauro para a Nova Prefeitura de São Paulo, São Paulo, 1992, p.89.
Fig.137: Restauração do Palácio das Indústrias
Palácio das Indústrias-Memória e Cidadania-O restauro para a Nova Prefeitura de São Paulo, São Paulo, 1992, p.67.
Fig.138: Restauração do Palácio das Indústrias
114
Palácio das Indústrias-Memória e Cidadania-O restauro para a Nova Prefeitura de São Paulo, São Paulo, 1992, p.78.
Fig.139: Programa para o projeto do Palácio das Indústrias manuscrito por Lina.
EDIÇÃO 139, 1991.
Nessa edição, na coluna “Anote”, uma notícia intitulada “Nem por isso” traz
notícias da saúde de Lina Bo Bardi. Logo acima da nota, há uma foto da chegada de Lina
e Pietro Maria Bardi a São Paulo com a legenda: “Quarenta anos atrás: Lina e Pietro,
pouso feliz na Paulicéia”. Segue abaixo a nota na íntegra:
Nem por isso. Lina Bo Bardi também teve, no final do ano passado, graves problemas de saúde, com internação em UTI. Nem por isso se abateu. Orientou seus auxiliares para se inscreverem no concurso do pavilhão brasileiro na Expo 92 de Sevilha. Superada (felizmente) a enfermidade, e voltando para casa no natal, a primeira tarefa de Lina – mesmo ainda de cama – foi orientar seu pessoal para o ante projeto de Sevilha, que foi entregue, mas não sensibilizou o júri. É
115
uma proposta virtualmente toda resolvida, como os leitores da Projeto poderão avaliar nesta edição.110
Informa-se, em nota acima citada, que nessa edição foi publicado o projeto de
Lina para o pavilhão brasileiro para a Exposição de Sevilha (Expo 92). Mas isso não
ocorre. Existe sim uma reportagem sobre o concurso, mas apenas com a divulgação dos
projetos vencedores, do qual Lina não faz parte. Na edição 141 (a que segue), encontra-
se a publicação do projeto dela para a Expo 92.
EDIÇÃO 141, 1991
Na página 10, a revista Projeto apresenta o sumário e nele anuncia em letras
maiúsculas:
LINA BO BARDI 78 Projeto para o pavilhão brasileiro em Sevilha 81 Estação Guanabara111
Entre as páginas 78 e 83, transcorrem os dois projetos de Lina, o primeiro em
parceria com os Marcelos Suzuki e Ferraz e também com Francisco Fanucchi. O
segundo, apenas em parceria com os dois Marcelos.
Essas duas reportagens na revista tratam somente dos projetos, propostas não
realizadas. Aquelas tais “Fedoras” que não foram concretizadas, como muitos dos
projetos de Lina.
O projeto que foi apresentado ao concurso para o pavilhão brasileiro de Sevilha
em 1992, na página 78, é intitulado “A Grande Caixa – Um memorial para o homem do
novo mundo”. A proposta é diferente, não lembra qualquer outro projeto de Lina. Ela
que sempre se preocupou com espaços semi-abertos e com a integração interior e
exterior de suas obras, dessa vez, interioriza-a a ponto de enclausurá-la em uma caixa de
mármore branco. Parecia que ela se preocupava mais em não ser belo. Talvez fosse
“usável”. Parece espantoso tratando-se dela, conceber um projeto que ficou muito longe
de representar o Brasil na Expo 92 de Sevilha.
110 Revista Projeto, edição 139, pág.19, 1991. 111 Revista Projeto, edição 141, pág.10, 1991.
116
Fig.140: Maquete apresentada ao concurso da Expo 92 de Sevilha (Edição 141, págs.78 e 80, 1991)
Uma “grande caixa” folhada com mármore branco-neve Brasil será o pavilhão brasileiro na Exposição Universal de Sevilha em 1992. Ar-condicionado total e iluminação artificial. Tudo fechado. Do lado de fora, na fachada principal, somente um grande feixe de dutos e tubulações técnicas (ar-condicionado, elétrica, hidráulica, informática e comunicações) de várias dimensões e cores.112
Fig.141: Cortes do projeto (Edição 141, pág.78, 1991)
Em seguida, apresenta-se uma página com 5 plantas bem executadas e
legendadas do projeto. Já na página 80, há um texto de Hugo Segawa, sobre essa
proposta de projeto, intitulado “menos que isso... quase nada”. De saída, ele deixa claro
que o trabalho não foi premiado, mas não deixa de ser “instigante”. Abaixo está
transcrito parte do texto que explica o “nada”. Com as condições de saúde de Lina cada
vez mais delicada e do alto de seu extenso curriculum, ninguém mais indaga sobre a
pretensa falta qualidade dos projetos. Segawa se coloca claramente desgostoso do
resultado, mas justifica-se em belas palavras e não diz o óbvio: o projeto não é bom de
112 Idem, pág.78.
117
praticamente todos os pontos de vista. Ninguém diz tão claramente por se tratar de um
projeto de Lina Bo Bardi.
O “nada” tem sido uma figura recorrente no discurso de Lina. Essa expressão pode ter algum parentesco com o famoso “... quase nada” de Mies Van der Rohe113. Em sua conferência de abril de 1989 na FAU-USP (transcrita na Projeto 133), ela declarava que o MASP “era um nada, uma procura da liberdade, a eliminação de obstáculos, a capacidade de ser livre frente as coisas”. A materialização deste conceito: “Arquitetura é estrutura”. Numa época em que certos pós-modernismos decretam a falência da estrutura na linguagem da arquitetura (e, num domínio paralelo, o conhecimento vai além de um domínio pós-estruturalismo.) Lina seria uma impenitente moderna... Todavia, a ela não cabem rótulos dessa natureza114.
A proposta para a Estação Guanabara em Campinas-SP já é a própria Lina. O
projeto tem como ponto de partida a recuperação de uma antiga estação abandonada,
após a desativação da estrada de ferro Mogiana. A UNICAMP (Universidade Estadual
de Campinas) conseguiu, junto à Ferrovia Paulista (FEPASA), a ocupação do edifício
que pretendia transformar em Centro Cultural. A matéria é ilustrada por maquete e
croqui de Lina, seguida de uma página com plantas e explicações muito bem colocadas e
legendadas.
Fig.142: Maquete para o projeto da Estação Guanabara (Edição 141, pág.81, 1991).
113 Mies Van der Rohe (1885- 1969) Foi arquiteto, professor da Bauhaus e um dos expoentes da arquitetura moderna mudial 114Segawa, Hugo, revista Projeto, edição 141, pág.80, 1991.
118
Fig.143: Croqui do projeto da Estação Guanabara (Edição 141, pág.81, 1991). Lina, como se vê na descrição que segue, retoma inclusive a laje-jardim, tão
conhecida e utilizada em sua arquitetura brutalista:
Liberada da velha estação apêndice de alvenaria, a gare de 1915, com estrutura original inglesa em ferro, abrigará num prisma de vidro grandes exposições, reuniões, festas. Essa linda estrutura metálica, depois de recuperada, será pintada de azul-arara. A cobertura será, como originalmente, com telhas metálicas. Os caixilhos serão de aço inoxidável e terão vidro de 10 mm. Piso e embasamento em concreto. Rampa de acesso em concreto com óxido de ferro aparentando terra roxa. A restauração será rigorosamente conforme as regras de restauro moderno (Carta de Veneza, 1965). O novo bloco abrigará um restaurante-choperia, centro de documentação e memória da região de Campinas e um auditório-teatro para a Orquestra Sinfônica de Campinas, com capacidade de 1000 pessoas. A cobertura será uma laje jardim. Nos pátios internos, duas grandes árvores. A idéia central é a retomada das artes plásticas na arquitetura: nesse caso, o grande muro branco aplicado na fachada funcionando como um painel de concreto com pouca espessura e sobre a estrutura de concreto aparente da fachada. Todo o conjunto será envolvido por um grande jardim, de onde sairá, com a manutenção de uma das linhas férreas da antiga estação, o “trem da UNICAMP”, carregado de exposições permanentes para visitar todo o Estado de São Paulo e o Brasil.115
115 Revista Projeto, edição 141, pág.81, 1991.
119
EDIÇÃO 146, 1991.
Estende-se, entre as páginas 110 e 122, um “Pequeno guia prático para o turista
arquiteto”, com texto de Ruth Verde Zein. Logo na primeira página da matéria, uma foto
do SESC Pompéia. O convite para conhecer a “São Paulo arquitetônica” parte de uma
obra de Lina Bo Bardi.
Fig.144: SESC Pompéia (Edição 146, pág.110, 1991) Zein explica que, acostumada a receber arquitetos de todo o Brasil e do exterior
para a revista Projeto, acabou desenvolvendo um guia turístico arquitetônico para São
Paulo.
120
Fig.145: Roteiro da arquitetura paulista (Edição 146, pág.111, 1991) Não será feita a “viagem” completa pelo roteiro de Zein. Será dada atenção às
passagens pelo legado arquitetural de Lina, em São Paulo. Zein convida que o leitor
inicie o roteiro de visitas pela “herança colonial”. No centro velho, devem-se percorrer
as ruas Direita, São Bento e Quinze de Novembro. Devem ser visitados também o Pátio
do Colégio, o Largo do São Francisco e o Mosteiro de São Bento. Nesse espaço central,
segundo ela, caminha-se entre o velho e o novo. As edificações vão alternando suas
idades de implantação. Abruptamente aparecem “arranha-céus” como o edifício Itália do
arquiteto Adolf Franz Heep e o Copan de Oscar Niemeyer.
Após o centro, seu roteiro sobe a rua da Consolação e desemboca na avenida
Paulista. E ali se encontra o MASP de Lina, onde Zein sugere, caso o turista arquiteto
tenha apenas meia hora, que não hesite em gastá-la ali. Ainda na Paulista, Zein parte em
visita virtual a edifícios e arquitetos exemplificando-os e pontuando-os.
A reportagem é bastante didática, muito bem construída e permeada com
pequenos trechos históricos que promovem a própria localização temporal do leitor.
Existem também os mapas para a localização geográfica. A reportagem está recheada de
121
fotos das fachadas dos edifícios, para que se possa conhecer e reconhecê-los, caso fizesse
o roteiro proposto.
Finalizando a reportagem, Zein escreve um texto intitulado “Senão você não viu
nada mesmo”, em que relata que, para que o turista arquiteto possa dizer que visitou São
Paulo, há obras que não podem deixar de ser visitadas:
A primeira é hors concours: o SESC Fábrica da Pompéia, de Lina Bo Bardi. Há quem prefira a reciclagem dos galpões fabris à parte nova. São mais cálidos, tem mais pátina, a capacidade de adaptação que demonstraram possuir valoriza a transformação pela qual passaram. Entretanto, a força desta obra estaria incompleta sem a parte nova. A rispidez, o exagero e o peso da massa de concreto são permeados pela poesia de seus detalhes, que ganharão pátina própria com o tempo.116
No meio do texto, há uma ressalva importante de Zein:
Já citei o MASP e a FAU em outros roteiros. Mas é bom enfatizar que ambas as obras são o que de melhor há para ver da arquitetura paulista dita brutalista, exceto talvez por algumas casas que, em respeito a seus moradores, não incluímos em sua listagem.117
Lendo o roteiro integralmente, pode-se perceber o quão pequena é a produção
arquitetônica de Lina, especialmente em São Paulo. Existem outras obras da arquiteta
Lina na cidade além do SESC Pompéia, MASP e MAM citados na reportagem como,
por exemplo, a Casa de Vidro e o Teatro Oficina.
Mesmo ao analisar sua aula-conferência, trazida na edição 133 de 1990, o leitor
percebe o quão impermeável ela era, ou havia se tornado. Porém, amá-la ou deixá-la é
algo bastante pertinente, quando se trata de Lina.
EDIÇÃO 149, 1991
Essa edição é inteiramente dedicada a Lina Bo Bardi. A capa foi produzida de
forma especial, uma homenagem. Seu layout ficou a cargo de Guilherme Mazza
Dourado. É simples e direta como os projetos de Lina.
116 Revista Projeto, edição 146, pág.122, 1991. 117 Idem.
122
Fig.146: Capa da edição 149,1991
Na página 2, na sessão “Carta do editor”, um texto assinado por Vicente
Wissembach e Nildo Carlos Oliveira, sob o título “Retrospectiva da obra homenageia
Lina Bardi”, os autores falam um pouco desse “espírito forte” na história da arquitetura
do Brasil:
Lina Bo Bardi, que ao lado de Lúcio Costa, José Zanine Caldas e Burle Marx foi homenageada durante o 13º Congresso Brasileiro de Arquitetos, em outubro do ano passado, em São Paulo, é alvo de outra homenagem, esta da revista Projeto, que faz nesta edição retrospectiva de alguns de seus principais trabalhos, à exceção do MASP.
123
A homenagem leva em conta os projetos, onde ela deixa a marca registrada de seu espírito forte, e a independência das idéias, as quais muito tem contribuído, ao longo dos anos, para o enriquecimento do pensamento da arquitetura. Lina é um parâmetro da história da arquitetura no Brasil. Quando ela afirma que “é preciso considerar o passado como presente histórico”, sintetizando, assim, uma lição para as novas gerações, está expressando uma verdade constatada em seus trabalhos: o respeito a liberdade de criar, mas considerando o ambiente e os valores da história, uma vez que no passado estão os referenciais humanos, sociológicos e políticos formadores da cultura necessária ao processo de criação. Uma retrospectiva, uma homenagem.118
O sumário encontra-se na página 4 e é válido para o balizamento da edição:
LINA BO BARDI
24 Fábrica da Pompéia: Para ver e aprender, texto de Ruth Verde Zein 36 Sesc-Pompéia, um soco no estômago, texto de Marlene Acayaba. 37 Os Gigantes e a Cidade, texto de Eduardo Subirats 40 Igreja do Espírito Santo do Cerrado 44 Capela de Ibiúna 45 O Pelourinho, segundo Jorge Amado 46 Ladeira da Misericórdia 54 Texto de Cecília Rodrigues dos Santos 55 A Produção Recente119
A página 23 merece ser reproduzida integralmente. A chamada é bonita e a
diagramação convidativa à leitura. Existe o equilíbrio entre o título, a foto e o texto.
118 Revista Projeto, edição 149, pág.2, 1991. 119 Idem, pág.4.
124
Fig.147 (Edição 149, pág.23, 1991)
125
Essa edição foi uma homenagem a uma das maiores arquitetas brasileiras. Já
era anunciada a morte eminente de Lina. A revista correu para editar um número especial
antes de sua morte. Aproveitou velhas reportagens. Poderia ter feito menção sobre seu
estado de saúde ao leitor em algum momento, mas não fez.
Iniciando na página 24 com o texto de Ruth Verde Zein, “Fábrica da Pompéia,
para ver e aprender”, a Projeto abre suas homenagens. Esse texto foi publicado na edição
92, de 1986.
Ainda na edição especial 149, na página 36, há um texto de Marlene Acayaba
intitulado “SESC Pompéia, um soco no estômago”. O mesmo publicado na edição 92.
Em “Os Gigantes e a Cidade”, texto de Eduardo Subirats , agora publicado
na edição 149 é o mesmo da edição 92.
A página 39 encerra a sessão SESC Pompéia com uma grande foto, deixando
evidente os seus volumes, uma ficha técnica e a equipe técnica. Também publicada na
edição 92.
Os projetos que seguem são da Igreja do Espírito Santo do Cerrado e da Capela
de Ibiúna. Os dois projetos, assim como estão apresentados nessa edição, são
integralmente idênticos aos publicados na edição 128.
Já na página 46, é reapresentado o texto de Jorge Amado, escrito para Lina Bo
Bardi, publicado na edição 133, na página 56. Só foi alterado o título para “Pelourinho”.
Também publicado na edição 133, entre as páginas 49 e 55, encontra-se a reportagem
“Ladeira da Misericórdia: Plano Piloto” já analisada nesta dissertação, na edição
correspondente, também faz parte da edição homenagem.
Um texto bastante pesado, analisado sob o quesito diagramação, estende-se pelas
páginas 54 e 55 desta edição 149. Escrito por Cecília Rodrigues dos Santos e intitulado
“Assim nas bordas e por dentro, os ratos foram roendo toda nossa cidade da Bahia”,
mostra o descaso com arquitetura histórica brasileira, mais especificamente na Bahia.
Com o projeto de restauro finalizado da Ladeira da Misericórdia expressa que, apenas
frearam uma etapa da “fome dos roedores” em que o ponto de partida havia sido há 30
anos com a restauração do Solar do Unhão. Cecília fala de Lina e de sua obra na ladeira
da Misericórdia, deixando latente que, parte do projeto só acontece por força da
personalidade da arquiteta:
126
Um veto que causaria estranheza, não fosse o nome desse arquiteto Lina Bo Bardi, personalidade francamente em oposição a certos conceitos petrificados de conservação do patrimônio, com uma forte (mas nunca violenta!) intervenção pessoal na reconstituição (ou revitalização) do história e suas edificações. Descer juntos a ladeira da Misericórdia, conduzidos pelas mãos dos arquitetos, Lina Bo Bardi, Marcelo C. Ferraz e Marcelo Suzuki (que escolheram as imagens, suas seqüência e organização, e os textos que deveriam compor esta matéria); percorrer esses sobrados e ruínas do século XVIII e contemplar o mar da Bahia emoldurado pelas janelas ou pelos rasgos nas paredes do restaurante; compreender enfim este trabalho em todas as suas nuanças pode significar uma aventura nada inocente. Porque esse exercício, nem sempre evidente, de tentar compreender um projeto também através do olhar de seu autor, sustentar esse olhar e decifrar seu código, traz conseqüências definitivas: uma viagem sem retorno possível.120
Santos comenta, ao longo do seu texto, sobre o trânsito de Lina nas diferentes áreas da
cultura, e que isso se reflete não só na arquitetura desenvolvida na Bahia:
Essa pesquisa, intermitente e minuciosa de objetos, construções e cidades, festas e rituais e até a interpretação atenta das reais aspirações dos grupos a quem os projetos são destinados incorporam ao trabalho do arquiteto todo um mundo de detalhes, cores, “maneiras”, que se tornaram quase uma marca pessoal de sua atuação. O mandacaru, o rio São Francisco sob um galpão de fábrica, seixos rolados, cacos de cerâmica e azulejos desenhados no SESC Pompéia; as colunas de concreto revestidas de palha trançada na Casa do Benin; os vidrinhos coloridos e sacrário dourado na Igreja do Espírito Santo do Cerrado; o despojamento “franciscano” da capela de Ibiúna; a valorização do belvedere do MASP – esses são apenas exemplos que vem a confirmar essa “maneira”.121
Santos finaliza seu texto com uma citação do livro de Ítalo Calvino, As Cidades
Invisíveis. Este trecho é reproduzido a seguir, como foi publicado pela revista. O texto
era denso e muito difícil graficamente de ler. Estava inteiramente permeado de frases e
citações com alterações drásticas na tipagem e no tamanho das letras. Entende-se que
seja para chamar mais atenção. Mas por que não valorizar todo o texto e torná-lo mais
atrativo?
120 Revista Projeto, edição 149, pág.54, 1991. 121 Idem.
127
Fig.148: Edição 149, pág.55, 1991
Em “A Produção Recente” se faz a apresentação dos projetos do pavilhão
brasileiro da Expo 92 em Sevilha, da Estação Guanabara e a nova sede da Prefeitura de
São Paulo. A diagramação da página 56 dessa edição é idêntica a da página 78 da edição
141. O texto é outro, mas o formato, fotos e cortes são os mesmos.
Segue pincelando os projetos e reapresenta a página 81 da edição 141, na página
57 da edição 149, e também a página 58 dessa edição é a cópia idêntica da página 76 da
edição 138.
E, para finalizar a edição-homenagem, apresenta “Uma Aula de Arquitetura”,
apresentada na edição 133, entre as páginas 103 e 108.
128
EDIÇÃO 151,1992
A última edição do período de Vicente Wissembach à frente da revista Projeto
em que Lina é citada, é a de número 151. Infelizmente não para noticiar um novo
projeto. A edição é de abril de 1992 e noticia a morte de Lina Bo Bardi.
Na coluna “Atos e Fatos”, sob o texto de Nildo Carlos de Oliveira, “Lina Bo
Bardi, as diversas imagens e profundas raízes” iniciam as homenagens prestadas a ela
nessa edição.
O texto de Oliveira relembra passagens importantes de Lina, o que chama de
“imagens”. Com um estilo saudoso e contemplador, relembra a imagem de Lina durante
o 13º Congresso Brasileiro de Arquitetos, no Anhembi em São Paulo e afirma que “O
moderno não é o contemporâneo; o moderno é plenitude. A base da arquitetura moderna
é a necessidade do arquiteto atentar para as exigências do seu tempo”.
Outra imagem lembrada é a de Lina chegando ao Brasil com Pietro Maria Bardi
após a guerra. Outra é em 1968, trabalhando no projeto do MASP, em diálogo com José
Carlos Figueiredo Ferraz (engenheiro) que aceitou o desafio de calcular a imensa
estrutura para o vão de setenta e oito metros. Outra imagem é a de Lina debruçada nos
desenhos à noite para dialogar com engenheiros e operários durante o dia, no canteiro do
SESC Pompéia. Finalizando o texto, são palavras de Oliveira:
Uma vez provocada, saiu com o dedo em riste em defesa de Brasília por entender que, sem ela, o Brasil ainda seria uma republiqueta sul-americana. Romana, assimilou esse jeito de ser brasileiro. Apreciava essa liberdade anárquica, carnavalesca, típica do Brasil. Costumava dizer que a liberdade aqui é ampla. “E um pouco louca também.” Pelas obras e posições, Lina deixa, portanto, na memória da história e da arquitetura brasileira, diversas imagens e profundas raízes.122
A coluna “Anote” iniciou-se com o título “Sobre Lina” e segue relatando os
pêsames de Niemeyer, Paulo Mendes da Rocha, João Figueira Lima, e Marlene
Acayaba.
122 Revista Projeto, edição 151, pág.12, 1991.
129
Fig.149: Texto. Edição 151, pág.12, 1991
Fechando a coluna, e intitulado “Frase da coluna”, é Lina quem se expressa:
Fig.150: Texto. Edição 151, pág.56, 1991
As páginas 45 e 46 dessa edição, na coluna “Jornal Projeto”, apresentaram uma
homenagem a Lina Bo Bardi. O texto abaixo transcrito antecede depoimentos
apaixonados de pessoas importantes na vida e na carreira de Lina:
Irreverente, ousada, instigante, Lina Bo Bardi teve uma postura em vida que não se permite qualificar por poucos adjetivos. A morte de Lina no dia 20 de março surpreendeu e consternou. Um dia antes ela ainda trabalhou no projeto de recuperação dos antigos estúdios Vera Cruz, onde será instalado o Centro de Convivência de São Bernardo do Campo, SP.123
123 Revista Projeto, edição 151, pág.45, 1991.
130
As pequenas homenagens que seguiram foram de Cecília Rodrigues do Santos
(arquiteta), Marcelo Ferraz, Marcelo Suzuki e André Vainer (da equipe projetista de
Lina), Ciro Pirondi (na época presidente do IAB nacional), Carlos Bratke (na época
presidente do IAB/SP), Tomie Ohtake (artista plástica), José Mindlin (na época
conselheiro da fundação Vitae), Miguel Pereira (ex-presidente do IAB nacional), Fábio
Magalhães (na época conservador-chefe do MASP), Joaquim Guedes (arquiteto),
Ricardo Ohtake (arquiteto), Paulo Mendes da Rocha (arquiteto), Luiza Erundina (na
época prefeita da cidade de São Paulo), Pietro Maria Bardi (presidente honorário do
MASP e viúvo de Lina) e Wally Salomão (compositor). Todos expressaram-se sobre a
vida e a obra da arquiteta e mostraram sentir a grande perda.
Finalizando a homenagem, foram apresentados no texto intitulado “Nas frases, o
perfil”, pequenas citações de Lina Bo Bardi que fizeram de sua passagem pela vida uma
história marcante.
Em síntese, a revista Projeto de Vicente Wissembach traz a trajetória da uma
Lina pulsante, viva. Com projetos inovadores e com mensagens a serem transmitidas. A
revista, como veículo informativo arquitetônico, cumpre o seu papel e expõe Lina em
sua melhor forma e com seus projetos mais significativos. O leitor tem acesso para seu
conhecimento e questionamento. A viabilidade das obras é sempre pauta de discussão.
Seus partidos de projeto vanguardista são sempre alvo de críticas e contemplação.
131
Capítulo IV
LINA NA PROJETO DE ARLINDO
Como foi relatado no capítulo II, Arlindo Mungioli compra a revista de Vicente
Wissembach. No início, como em tudo, houve dificuldades de adaptação. Levou algum
tempo para a revista adquirir as características de Mungioli. Na transição e nos 12
números subseqüentes à compra, as edições ainda se pareciam com Vicente
Wissembach.
A revista já era um sucesso configurado e reconhecido por seus leitores. Ainda
assim, Arlindo Mungioli conseguiu inovar e renovar o perfil da revista,
profissionalizando-a e ampliando sua área de abrangência.
Após a posse de Mungioli, a primeira edição que estampa algo sobre Lina é na
edição 160, 1993. Existirá uma grande diferença de análise entre a feita para a revista de
Wissembach e a feita para a revista de Mungioli. Raras vezes serão analisadas, por esta
dissertação, as características físicas da reportagem, como diagramação, por exemplo. O
formato da revista foi padronizado pela equipe de Mungioli. Ele promoveu um arranque
gráfico. A revista agora tinha coerência de padronagem e, principalmente, não abrindo
exceções.
A revista de Mungioli, ao contrário da de Wissembach, mantinha formatação e
não sofria rompantes dependendo de quem escrevesse a reportagem. A revista de
Wissembach mudava de diagramação e padronagem de acordo com o autor. A
configuração acabava se mantendo, porque eram praticamente as mesmas pessoas que
escreviam, mas isso acontecia independente da revista.
Na de Mungioli, existem mudanças gráficas de tempos em tempos. A primeira
revolução gráfica aconteceu quando a Projeto fundiu-se com a revista DI,
transformando-se em Projetodesign, na edição 194, 1996. Até a edição 324, 2007, a
revista estava vivendo a segunda revolução. Segundo Mungioli em entrevista, “já está na
hora de mudar novamente”(2007). Esse é um ponto de bastante relevância e diferencial
da revista. Está sempre mudando e inovando para manter-se com padronagem de
entendimento globalizado.
132
EDIÇÃO 160, 1993.
A ilustração da capa dessa edição é a proposta de Lina para a recuperação do
Palácio das Indústrias.
Fig.151: Edição 160, capa, 1993.
A reportagem inicia-se com página dupla e muito bem diagramada. Percebe-se
tanto na capa quanto na diagramação, ainda um estilo da Projeto de Vicente
Wissembach. A chamada é escrita na vertical: “Arquitetura – Revitalização”. Frases de
pessoas respeitadas, quando o assunto é revitalização arquitetônica, dispõem-se em letras
com tipagens diversas, preenchendo essas duas páginas. Com isso criam uma
apresentação especial para anunciar a reportagem. Entre as frases, uma de Lina Bo
Bardi:
133
Fig.152: Detalhe da Página.
Edição 160, págs. 24 e 25, 1993.
Fig.153: Detalhe ampliado Edição 160, pág. 24, 1993.
Sob o título “Velhos edifícios, novos usos. Restaurando a cidade”, Anita Regina
di Marco, arquiteta pela FAU-USP, inicia seu texto mostrando duas vertentes de
defensores do patrimônio cultural edificado: a mais conservadora, que acredita na
“sacralidade” do monumento, ou seja, que o edifício arquitetônico não deve ser
modificado em sua estrutura ou seu uso. Deve ser mantido exatamente para o que foi
concebido. A vertente mais libertadora, que “dessacraliza” o bem e acredita que existem
várias formas de manter uma edificação, não necessariamente com o mesmo uso ou
qualificação. Segundo ela, um edifício sem função só tende a destruir a si e ao entorno.
O Arquiamérica, primeiro Congresso Pan-Americano do Patrimônio da Arquitetura,
134
realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, em setembro de 1992, concluiu que se faz
necessária a revisão do conceito de patrimônio, englobando o meio ambiente e as
estruturas urbanas. Também deveria ser revisto o conceito temporal, presente e futuro,
pois nem só o passado faz parte da história.
A economia tem forçado a substituição do antigo pelo novo não promovendo a
reciclagem. Para di Marco, a questão do uso é fundamental, e a reciclagem, em si, é
desprovida de um valor positivo ou negativo.
No trecho a seguir o leitor encontra um caso positivo:
É importante salientar ainda o papel desempenhado por processos bem-feitos de recuperação de antigos edifícios, como estopim de reabilitação de áreas degradadas – ou em vias de – na cidade. Tome-se como exemplo o Sesc-Fábrica de Pompéia. A recuperação da antiga fábrica, projeto de Lina Bo Bardi, respeitou o entorno, a paisagem fabril do bairro, mas transformou seu uso e significado – de local de produção fabril ao de produção cultural e de lazer. Respeitou volumetrias, espaços, mas dotou o ambiente de aspectos e detalhes de inigualável sensibilidade. Essa recuperação não só conseguiu dar novo impulso ao bairro, mas também atraiu uma série de outros investimentos imobiliários para a região124.
É importante se ater a certos detalhes que diferenciam a obra de Lina. Nessa
matéria, logo após a chamada, segue uma foto da “Ladeira da Misericórdia” recuperada.
Em seu desenvolvimento inicial encontra-se a obra do SESC Pompéia de Lina como
exemplo de processo de recuperação de sucesso.
Mais à frente, di Marco fala da recuperação em São Paulo, que foi iniciada com a
revitalização do “Edifício Martinelli” no centro. Segue citando o bom desempenho do
processo paulista e, novamente, cita uma obra de Lina com direito a foto ilustrativa: o
“Palácio das Indústrias” no Parque Dom Pedro II.
124 Revista Projeto, edição 160, pág.27, 1993.
135
Fig.154: Ladeira da Misericórdia
Edição 160, pág. 26, 1993.
Fig.155: Palácio das Indústrias
Edição 160, pág. 27, 1993.
O texto segue citando os casos de recuperação arquitetônicas bem sucedidas em
Curitiba e Belo Horizonte. E sob o título “A Coragem de Ousar” destaca Lina Bo Bardi
por seus diversos projetos de recuperação, em Salvador e cita frase dela dita em “Uma
Aula de Arquitetura” publicado nas edições 133 e 149:
136
“Quando se projeta é preciso fazer uma obra que sirva; que tenha conotação de uso, de aproveitamento. É preciso que esta obra não caia do céu sobre os moradores, mas que exprima uma verdade, uma necessidade.”125
Aparece, então, a sensação de que nem tudo está certo, ou não exatamente certo:
É o caso da ladeira da Misericórdia, planejada como piloto de uma nova maneira de intervir num conjunto arquitetônico degradado – um restauro crítico, como dizia a grande arquiteta. Outra obra que, infelizmente, não é devidamente assimilada pelos usuários e governantes.
A questão do uso posterior à recuperação é algo de suma importância.Obras de
arquitetura não são “esculturas”. São construções “usáveis”, que nem sempre são
“usadas” como se espera, ou se projeta.
A reportagem segue com textos que abordam diversas visões sobre preservação e
reciclagem, como o de Vera Becker (arquiteta) e Key Imagire Júnior (arquiteto), que
falam sobre a preservação da arquitetura em Curitiba; um texto de Ruth Verde Zein faz
um relato da vida e morte das grandes cidades; outro de Maurício Andrés Ribeiro
(arquiteto), conta sobre a restauração da cidade; o texto de Cêça de Guimarães explana
sobre as novas idéias para o centro do Rio de Janeiro e o texto de Paulo Azevedo
(arquiteto): “Salvador: a difícil reapropriação do patrimônio edificado”, que, entre seus
argumentos, traz Lina.
Azevedo conta que o urbanismo, ao contrário de ser praticado de forma
cumulativa, é realizado de forma substitutiva. Nessa prática, há grandes perdas de
valores urbanos e culturais. O elemento propulsor dessa autofagia é a economia.
A Bahia, embora tenha se destacado no cenário nacional por seu pioneirismo, em
1927, com a criação do primeiro serviço de patrimônio, a preservação da cidade de
Salvador era inconcebível na época. Azevedo relata a passagem histórica da destruição
da Sé que Jorge Amado já havia exposto em seu texto na edição 133, 1990 e republicado
na edição 149,1991:
125 Revista Projeto, edição 160, pág.28, 1993.
137
Para construir um terminal de bondes foram destruídos, em 1933, a tricentenária catedral de Salvador e dois quarteirões vizinhos com a aquiescência das autoridades eclesiásticas e civis e de grande parte da população. Ironicamente, 30 anos depois, os bondes seriam banidos da cidade por obsoletos e antiquados, deixando uma clareira urbana desajeitada a que se deu o nome de praça da Sé.126
Azevedo também chama atenção para o processo de preservação que era feito a partir da
década de 50, quando, apesar de tombarem os edifícios, negavam a própria função
cultural do monumento subutilizando-o, por plena incompreensão e falta de visão da
inserção dele na cidade:
O que se fazia como regra geral, e infelizmente se continua a fazer em muitos os casos, era transformar esses edifícios em depósitos de antigalhas sem nenhuma técnica museográfica ou “décor”, o que só aumentava a incompreensão do público pelos monumentos e pela história. Museus, arquivos, bibliotecas e hemerotecas, além de dirigidos para um público restrito, dos menos carentes de conscientização patrimonial, são das funções mais difíceis de se adaptar a edifícios antigos, pelo que exigem de controle rigoroso de luz, temperatura e umidade e de equipamentos de segurança contra incêndios e roubos.127
A primeira intervenção feita na Bahia rompendo, segundo Azevedo, a tradição de
“mumificação” dos monumentos, foi a conversão do “Convento de Santa Tereza” em
museu, capaz de reunir de forma didática, coleções de arte sacra da arquidiocese da
Bahia. Foi idealizado pelo reitor Edgar Santos, em 1956, e executado pelo arquiteto
Waldemir Alves de Souza entre 1958 e 1959.
A segunda restauração nessa linha foi o “Solar do Unhão”, transformado em
Museu de Arte Popular em 1963, pelo projeto de Lina. Nele, ela concebeu um museu
dinâmico, com oficinas para produção de arte e artesanato e salões de exposições que,
segundo Azevedo, logo se transformaram em um ponto de reunião de artistas,
intelectuais e boêmios.
Azevedo fala da intervenção de Lina no “Solar do Unhão”:
Como restauradora, o grande mérito de Lina foi respeitar, mas não temer o monumento, dar aos elementos novos reintegrados a mesma densidade e originalidade da construção secular. Quem ainda hoje passa naquela estrada
126 Revista Projeto, edição 160, pág.40, 1993. 127 Idem.
138
coleante e se deixa desviar da rotina encontra um remanso junto ao mar, perdido no tempo, onde se redescobre sob a copa de frondosas árvores a força da cultura e da natureza baianas.128
Fig.156: Solar do Unhão Fig.157: Recuperação do Centro Histórico Edição 160, pág. 42, 1993. Edição 160, pág. 42, 1993.
Azevedo conta da restauração do Centro Histórico de Salvador:
Contudo, a restauração do centro histórico como eixo simbólico e cultural de Salvador parece ainda longínqua, apesar do esforço realizado pelo governo estadual. A partir de 1968, com a criação da Fundação do patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, foi realizada uma série de restaurações no Pelourinho e embelezamentos de seus acessos, como a rua Alfredo Brito e a ladeira do Carmo, com propósitos predominantemente turísticos.129
No conjunto de reportagens dessa edição 160, 1993, da revista Projeto, ao trazer
explanações feitas por especialistas localizados nos assuntos, e não generalizando o
128 Revista Projeto, edição 160, pág.41, 1993. 129 Idem, pág.42.
139
panorama nacional como se em todas as localidades a palavra “preservação” fosse
desenvolvida da mesma forma, deixou o leitor apto a formar sua própria opinião em
relação a esse tema de grande complexidade.
O leitor de Projeto por essa reportagem é capaz de ter um parâmetro para
discussão do tema de restauro, assim como conhecer o que está sendo e o que foi feito e,
também, ter uma idéia de como é realizado todo o processo.
EDIÇÃO 161,1993.
Essa edição apresenta uma nota da publicação do livro “Palácio das Indústrias –
Memória e Cidadania” que aborda o tema de forma completa, incluindo plantas, textos,
fotos e ampla documentação. A publicação é parceria da prefeitura paulistana e da
Método Engenharia, empresa responsável pela obra de reforma e restauro. É importante
salientar que a revista traz, em suas edições, críticas de livros recém lançados,
específicos da área de arquitetura, urbanismo e design, o que facilita ao leitor a busca de
informações mais consistentes sobre alguma temática especial.
O Palácio das Indústrias foi projetado pelo escritório de arquitetura de Ramos de
Azevedo e inaugurado em 1924. Passou por vários usos até sua deteriorização completa,
não só o edifício como todo o Parque Dom Pedro II onde se encontra.
O livro traz também o trabalho de análise, diagnóstico e diretrizes de preservação,
executados pelo Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da Secretaria Municipal
da Cultura. Documenta o projeto de restauro, reforma e ampliação de autoria de Lia Bo
Bardi, assim como a execução da obra.
140
Fig.158: Palácio das Indústrias.
Edição 161, pág.17, 1993.
EDIÇÃO 162, 1993
A revista Projeto manteve, por várias edições, uma coluna chamada “Suplemento
Técnico” que esclarecia e demonstrava novos lançamentos de materiais, suas
características, possibilidades, seus usos, assim como exemplos claros e precisos. Nessa
edição, o tema foi “Esquadrias” sob o título “Domínio da técnica aposta novos caminhos
para a arquitetura”.
A reportagem traz, inicialmente, a opinião de alguns grandes arquitetos sobre
esquadria entre eles a do francês Le Corbusier, considerado mundialmente por muitos
como um dos maiores arquitetos modernistas, que influenciou amplamente a obra de
Oscar Niemeyer e Lúcio Costa no Brasil. O texto diz que, em um curso ministrado por
ele na Escola Politécnica de Lauseane, na Suíça, teria dito: “Benditas as esquadrias,
porque do contrário a humanidade ainda estaria vivendo nas cavernas”.
Em “Liberação das formas”, traz o aperfeiçoamento das esquadrias, as vantagens
técnicas das “peles” de vidro com alumínio e outros elementos incorporados.
Sob o título “Tradição” a revista Projeto traz Lina Bo Bardi. Mostra que apesar
de a indústria de vanguarda enriquecer as técnicas, materiais tradicionais como ferro e
madeira continuam sendo empregados. A matéria traz depoimento de Marcelo Ferraz
sobre os cuidados com as esquadrias nas obras executadas por Lina:
141
“Quando trabalhamos no Sesc-Pompéia e no Palácio das Indústrias encontramos esquadrias metálicas, do começo do século, extremamente bem-feitas. Hoje é difícil conseguir esquadrias de ferro como as de antigamente, não no sentido da qualidade, mas com relação ao desenho. Elas eram levíssimas. A casa da Lina, no Morumbi, que atualmente estamos recuperando, é um exemplo disso. É uma esquadria delicadíssima.” O trabalho de recuperação não tem, no entanto, impedido experiências, mesmo quando se trata de materiais tradicionais. “A idéia mais original nessa experiência com a Lina foi a ausência da esquadria formal. No Sesc-Pompéia, no prédio novo, em vez de janelas há buracos – Lina os chamava de buracos das cavernas – e atrás uma treliça que os fecha, como se fosse um véu. Trata-se de esquadria de madeira, na forma de treliça. É a libertação da forma convencional”, afirma Ferraz.130
A reportagem segue falando de novos materiais empregados nas esquadrias como
o PVC. Bem ilustrada, traz entre outras fotos, uma do SESC Pompéia, exemplificando a
ausência da esquadria formal nas “janelas buracos” criadas por Lina.
Fig.159: SESC Pompéia. Edição 162, pág.93, 1993.
EDIÇÃO 163,1993
Entre as páginas 75 e 91 dessa edição, Projeto apresenta reportagem sobre
arquitetura regional, trazendo a cidade de Uberlândia, interior mineiro. Na abertura,
página 75, uma chamada cativante. Um convite para conhecer a arquitetura da cidade
pelas páginas da Projeto.
130 Revista Projeto, edição 162, pág.92, 1993.
142
Inicia-se com o texto de Luiz Carlos de Larentiz, arquiteto formado pela USP de
São Carlos, intitulado “Olhando as Arquiteturas do Cerrado”. Luiz Carlos promove um
passeio temporal e geográfico pela cidade de Uberlândia acompanhado de bem inseridas
fotos, o que torna o texto mais leve e agradável. Em meio a descrições e citações de
obras e seus arquitetos, Luiz Carlos constrói um contexto histórico alinhavado ao longo
do texto.
Sob o título “Ilustres Forasteiros”, a obra de Lina a “Igreja do Espírito Santo do
Cerrado”, que foi desenvolvida na periferia de Uberlândia, é apresentada:
Nos anos 80, há que destacar os titãs Oscar Niemeyer e dona Lina Bo Bardi. Niemeyer fez o projeto do centro cultural para a prefeitura municipal em 1990 e Lina projetou em 1978, com os jovens arquitetos Marcelo Ferraz e André Vainer, a singeleza da obra franciscana localizada na periferia pobre da cidade: a Igreja Espírito Santo do Cerrado (Projeto 149), nome sugerido pela autora da obra aos franciscanos. O projeto de Niemeyer – completo, diga-se de passagem – está engavetado, enquanto o de Lina foi construído “pela mão do povo do cerrado”. Ambos foram oferecidos: o do centro cultural para a Secretaria da Cultura, tendo como intermediário o então ministro da Cultura José Aparecido, enquanto Lina e os jovens arquitetos “ofereceram o trabalho desinteressadamente aos padres, recebendo um presunto, balas e uma benção do papa e alguma coisinha em vinho”(AU7). Dona Lina Bo Bardi e os jovens arquitetos foram para no bairro Jaraguá, ao passo que os outros três profissionais – os mineiros Éolo Maia e Saul Bilela e o goiano Sylvio de Podestá, todos radicados em Belo Horizonte -, infelizmente, não tiveram a oportunidade de construir o arranha-céu projetado e, 1983, inspirado na década de 30 e em Flash Gordon. As fotografias de maquetes e desenhos do projeto foram parar nos portifólios dos autores, e no terreno de 60 x 60m há um edifício de apartamentos alto com supergraphics style, que esta em voga em Uberlândia como está em Goiânia, como está em Londrina e como está em tantas outras cidades do interior.131
A matéria traz também foto ilustrativa da igreja:
131 Revista Projeto, edição 163, pág.83, 1993.
143
Fig.160: Altar da Igreja do Espírito Santo do Cerrado
Edição 163, pág. 84, 1993.
A reportagem segue com um competente passeio fotográfico de obras
arquitetônicas da cidade, incluindo informações como equipe e ficha técnica.
Essa reportagem traz ao leitor da Projeto a oportunidade de conhecer um pouco
das obras realizadas longe dos grandes centros do país.
EDIÇÃO 166,1993
Na página 20 dessa edição, na coluna “Plano Geral”, o leitor encontra uma
chamada intitulada “MASP reúne eventos sobre Lina Bo Bardi”. Está ilustrada por
desenho de Lina, feito em 1946, e foto em que está acompanhada do arquiteto
modernista Gregori Warchavichik (1896-1972) no Baile do Mau Gosto, no Antigo
Trianon em 1949.
Inicia caracterizando Lina como cosmopolita com raízes profundamente ligadas
às do povo brasileiro.
144
Fig.161: Desenho. Fig.162: Lina e Gregori Warchavichik Edição 166, pág. 20, 1993. Edição 166, pág. 20, 1993.
Noticiava evento paralelo a 2ª Bienal Internacional de Arquitetura (BIA), que foi
realizada entre os dias 19 e 20 de agosto no MASP. No dia 19, um ato no vão livre do
MASP oficializou aquele espaço como “Esplanada Lina Bo Bardi”. Às 19 horas, foi
exibido um vídeo em que as idéias de Lina foram relembradas, e um livro sobre ela foi
lançado: Lina Bo Bardi (esgotado). Foi inaugurada também exposição com seus
trabalhos.
A mostra temática apresentava desenhos originais pouco conhecidos e fotos das
obras. A exposição foi subdividida em 3 partes, “A Casa”, “Espaços Cênicos” e
“Recuperação e Restauro” para melhor mostrar as várias faces do trabalho de Lina.
Nessas diferentes vertentes da exposição, podiam-se encontrar na “Casa” exposta as
poucas casas que projetou incluindo a “Casa de Vidro”; no “Espaços Cerânico”, objetos
e seus usos, que englobava as cadeiras, jóias e trajes; e na “Recuperação e Restauro”,
diversos projetos.
No centro da exposição haviam 10 maquetes de projetos e cerca de dez cadeiras
idealizadas por ela.
O Projeto Lina Bo Bardi finalizou-se no dia 20 com mesa-redonda: “Lina,
Arquitetura e o Brasil.”
Nessa reportagem, o leitor de Projeto tem acesso a informações sobre o evento
ocorrido, o que aconteceu, como e sua importância.
145
EDIÇÃO 167,1993
A coluna “Plano Geral” traz “TV a céu aberto no MASP gera polêmica”. A
pequena reportagem, bem escrita e coesa, levanta a grande problemática de intervenções
em prédios públicos tombados. O MASP foi tombado em 1982. O Condephat, órgão
estadual de defesa do patrimônio histórico, aprovou, por unanimidade, a instalação de
um luminoso de 12 X 8 metros em uma das fachadas laterais do museu (a do sentido
Paraíso Consolação).
Fábio Magalhães, diretor do MASP à época, garantia que as críticas eram por
“desinformação”:
Magalhães afirma que a decisão do Condephaat se baseou num projeto cuidadoso da TV a céu aberto, elaborado pela empresa coreana Rainbow Vision do Brasil, que detém alta tecnologia na área e vai explorar comercialmente o espaço. Segundo ele, o projeto teve aprovação do engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz, responsável pelo cálculo estrutural do museu, e de Pietro Maria Bardi, seu ex-diretor. A estrutura da obra foi acompanhada pelo escritório Brasil Arquitetura, que reúne arquitetos que trabalharam com Lina Bo Bardi.132
Magalhães admitiu que o outdoor interferiria no prédio, mas ressalvou que era apenas
uma pequena interferência. Deixou bastante claro a importância desse luminoso para a
manutenção do MASP:
O diretor do MASP afirma que esse outdoor é uma solução de momento da maior importância para a manutenção do edifício. O custo anual do museu é de 1 milhão de dólares. A carta de intenções assinada com a Rainbow para exploração do espaço por cinco anos especifica o pagamento de 1,2 milhões de dólares anuais ao Masp. “O próprio edifício vai se beneficiar, pois temos dificuldades de manutenção há anos e não podemos funcionar o dia todo por falta de dinheiro.”133
A novidade entraria em funcionamento em janeiro de 1994. Mas após críticas
ferrenhas, o projeto foi abandonado e o MASP seguiu imerso em crise financeira na qual
se encontrava.
Nessa reportagem o leitor inteira-se de acontecimentos que poderiam ter alterado
as características de uma obra arquitetônica, que é um dos símbolos da cidade de São
Paulo.
132 Revista Projeto, edição 167, pág.10, 1993. 133 Idem.
146
EDIÇÃO 168,1993
A coluna “Plano Geral”, entre as páginas 22 e 23, traz os premiados da 2ª Bienal
Internacional de Arquitetura e, entre os que o júri considerou hors concours, estavam
profissionais cuja obra é de indiscutível importância para a arquitetura brasileira. Entre
eles: Vilanova Artigas, Eduardo Kneese de Melo, Oswaldo Bratke, Flávio Motta, Lúcio
Costa, Oscar Niemeyer e Lina Bo Bardi.
Ainda nessa edição, na página 88, na coluna “Resenhas” intitulado “O Universo
de Lina” traz a resenha do livro Lina Bo Bardi do Instituto Lina Bo e P.M. Bardi.
Fig.163: Capa do livro Fig.164: Capa do livro publicada
Edição 168, pág. 88, 1993.
A crítica é favorável à leitura do livro a todos os arquitetos e finaliza com frase:
“Lina não volta mais, mas sua marca aí está.”
EDIÇÃO 172, 1994.
A página 20 dessa edição informa, com pequena nota, que a exposição de Lina
Bo Bardi estava percorrendo a Europa. Em 17 de março de 1994, havia sido inaugurada
em Lisboa, que era a primeira capital européia a ver os desenhos originais da arquiteta, a
foto de suas obras, os objetos e as maquetes.
147
Depois de Lisboa, a exposição viajou para Barcelona, Amsterdã, Milão, Genebra,
Paris e Londres. O curador da exposição, Marcelo Ferraz, que à época também era
conselheiro do Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, contou que o livro Lina Bo Bardi é o
grande “abre-alas” para a exposição. Ainda segundo ele, o livro desperta surpresa entre
os europeus e resulta na programação de outras datas para a mostra.
“Lina nunca fez nenhuma exposição porque não achava importante e por isso muita gente, mesmo no Brasil, desconhece o conjunto de sua obra”, lembra Marcelo Ferraz.134
A Mostra contava com 90 painéis de 1m2, com desenhos originais e fotos
coloridas e em preto e branco das principais obras, 16 cadeiras e 10 maquetes.
EDIÇÃO 176, 1994.
A sessão “Revistas” mostra a chamada da publicação do jornal Arquitetos, jornal
português, que, em sua edição número 133, trouxe um texto de Mário Chaves sobre Lina
Bo Bardi com base nos trabalhos apresentados no livro e na exposição da arquiteta que
excursionava pela Europa.
EDIÇÃO 181, 1994.
Essa edição noticia que, na 9ª Bienal Pan-Americana de Arquitetura realizada em
Quito, no Equador, o livro autobiográfico de Lina Bo Bardi foi premiado.
EDIÇÃO 186, 1995.
Na sessão “Resenhas”, sob o título “Design Funcional”, a arquiteta Anita Regia di
Marco anuncia o lançamento do livro Tempos de Grossura: O design no impasse de Lina
Bo Bardi, lançado pelo Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, em1994, com 78 páginas. Esse
148
livro, segundo a nota, começou a ser preparado por Lina em 1980, como testemunho da
sua atuação no Nordeste do país. A obra apresenta textos de pessoas ilustres como Jorge
Amado, Lívia Xavier, Flávio Motta, Celso Furtado, Abelardo Hora, Glauber Rocha e
Ariano Suassuna, além de artigo de Bruno Zevi, publicado no L´Espresso de Roma, em
1963, “A arte dos pobres apavora os generais” lembrando reação do poder militar à
época. Finaliza com essa parte do texto transcrita a seguir:
Apesar de sua afirmação de que “tudo vai acabar no vazio”, justificando a interrupção do livro que só agora veio à luz, Lina continuou lutando bravamente, como podem atestar suas obras, atitudes e palavras, sempre coerentes, destemidas e ousadas.135
A resenha foi ilustrada pela cadeira de três pés.
Fig.165: Cadeira 3 pés. Edição 186, pág. 97, 1995.
EDIÇÃO 210,1997.
Entre as páginas 32 e 39, apresenta-se a restauração do “Teatro Polythema” em
Jundiaí, São Paulo. O projeto é datado de 1995, e a obra foi concluída em 1996. O
projeto foi realizado pela equipe Brasil Arquitetura a partir de conceitos estabelecidos
junto com Lina Bo Bardi.
134 Revista Projeto, edição 172, pág.20, 1994. 135 Revista Projeto, edição 186, pág.9, 1995.
149
Os arquitetos da equipe Brasil Arquitetura eram os da equipe de Lina: Marcelo
Ferraz, Francisco Fanucci, Marcelo Suzuki e André Vainer.
A Arquiteta Lina Bo Bardi trouxe como princípio para o desenvolvimento de sua idéia de restauração do Polytheama a reflexão de conceito de teatro polivalente: “Um exemplo de convivência humana, de grandes esperanças, de uma grande idéia, e deve ser conservado”. A questão do restauro se define à visão mais ampla e profunda sobre o significado do edifício. Pouco valia manter os escassos detalhes ornamentais no interior da platéia. O aparelhemento dos tijolos, sim, era importante, assim como as delgadas estruturas de ferro da cobertura. O essencial é o que importa. O valor de seu pensamento reside sobretudo no profundo respeito à realização humana e no seu amor às sinceras manifestações culturais.136
Fig.166: Teatro Polytheama Edição 210, pág. 33, 1997.
Os arquitetos que vivenciaram, desde 1985, a interpretação dos espaços e da
elaboração do projeto, desenvolveram ainda com Lina Bo Bardi a base do que é esse
teatro. Lina catalisou o espírito de atuar no mundo através da idéia.
136 Revista Projeto, edição 210, pág.32, 1997.
150
Fig.167: Croqui de Lina (Edição 210, pág. 33, 1997).
Fig.168: Teatro Polytheama Edição 210, pág. 34, 1997.
Fig.169: Teatro Polytheama
Edição 210, pág. 35, 1997.
151
O texto, escrito por Denise Alcântara, é claro e a diagramação precisa. É
um convite a conhecer a arquitetura do teatro.
O “Teatro Polytheama” estava abandonado desde 1968. Em 1996 volta a
viver o esplendor de seu tempo áureo.
O teatro de 1911 se bastava naquele espaço. Hoje, o Polytheama tem que ampliar os seus limites, proporcionando a perfeita articulação de fluxos de artistas, técnicos e equipes de apoio no seu interior. A expansão do teatro foi resolvida por um edifício anexo, que será construído agora atrás do corpo principal, acompanhando a escarpa de 45 graus e de aproximadamente 13 metros de altura entre as ruas Vigário Rodrigues e Barão de Junduaí, onde se erguem quatro pavimentos destinados a serviços técnicos (oficinas e depósitos), áreas administrativas, salas de ensaios e um restaurante. Com o cuidado de não interferir na visão que a cidade tem da volumetria do Polytheama atrás da ria Vigário Rodrigues, os arquitetos projetaram esse novo edifício orientados pelo nível de cota abaixo da linha do palco, e fizeram uso de elevador para transporte de carga, abastecimento e de todo o fluxo operacional da casa.137
Fig.170: Teatro Polytheama Edição 210, pág. 36, 1997.
O moderno tratamento arquitetônico de frisas e camarotes convivem com a
forma tradicional em ferradura, e a fusão do novo e do antigo é coroada com uma
escultura-lustre composta de 365 peças de cristal que refletem a luz.
137 Revista Projeto, edição 210, pág.36, 1997.
152
Fig.171: Teatro Polytheama Edição 210, pág. 37, 1997
Fig.172: Teatro Polytheama Edição 210, pág. 38, 1997.
153
A matéria é finalizada com as plantas, a ficha técnica e os fornecedores.
Fig.173: Plantas. Fig.174: Plantas. Edição 210, pág. 39, 1997. Edição 210, pág. 39, 1997.
Essa reportagem mostra que a arquiteta Lina Bo Bardi fez escola. As obras
que não realizou em vida, como a desse teatro, é realizada segundo seus princípios
e projeto-base, depois de sua morte. Transmitiu seu legado a seus pupilos, que
perfeitamente absorveram e desenvolveram suas características em novas obras.
Por essa sintonia, mais um monumento arquitetônico é trazido à vida, realizando o
presente histórico tão proclamado e vivenciado por Lina.
Teatros- Uma Memória do Espaço Cênico no Brasil, São Paulo, 2002, p.234 e p.235.
Fig.175: Fachada do Teatro Fig.176: Vista Interna
154
EDIÇÃO 212, 1997.
Entre as páginas 102 e 105, apresenta-se o artigo do arquiteto Luís Antônio
Jorge “As lições da arquitetura brasileira de Lina Bo Bardi”. O texto inicia-se
poético, com citação do livro Seis Propostas para o Próximo Milênio, de Ítalo
Calvino:
“Chove dentro da alta fantasia” é um verso de Dante, lembrado por Ítalo Calvino ao explicar o papel da imaginação na criação literária. Imagens chovem do céu, enviadas por Deus ao poeta, e constituem sua fantasia, seu poder de formar imagens. A visibilidade, para ele, é um valor estético na literatura e decorre da capacidade criativa de projetar imagens em nossa tela interior. Essa forma peculiar de entender o papel da imaginação no processo criativo do poeta ilustra nossa primeira impressão quando observamos as aquarelas de Lina Bo Bardi: é a de estarmos presenciando uma chuva de imagens, provenientes de uma inesgotável fonte de imaginação. Alegria, irreverência e despojamento de um desenho minucioso ao inventariar nos objetos do homem.138
Jorge fala da aquarela realizada por Lina da janela do hotel onde se vê o
largo Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, em 1946, e divaga sobre o lugar (o Brasil) que
ela considerava inimaginável, onde tudo seria possível.
Fig.177: Desenho.
Edição 212, pág.103, 1997.
138 Revista Projeto, edição 212, pág.102, 1997.
155
Segundo Jorge, os projetos de Lina são marcados por croquis que parecem
narrativas e evitam a retórica do desenho pelo desenho. O projeto resulta de um
processo de trabalho devotado à sociedade. Diz que ela é um legado para a
reflexão do problema da representação na arquitetura: uma educação dos sentidos.
Deixar a Europa e vir para o Brasil significava criar o novo. Terras novas
onde não habitava um ranço das tradições sociais européias e herdeira do
racionalismo. No trecho a seguir pode-se notar tal afirmação:
Porém, o branco e europeu sempre tendeu a arrogar-se como padrão, como modelo civilizatório. Oswald advertia-nos contra esse mito: “Nós sofremos duma terrível mentalidade colonial. Bom é o que nos é imposto”. Lina, na sua transnacionalidade, encarnava o instinto antropofágico, reconhecendo no nacional e no universal vasos comunicantes onde os dados e as informações devem transitar para que haja o salto qualitativo. A simplicidade define um procedimento projetual, resultando numa sensibilidade construtiva aliada a uma grande capacidade de síntese, que pode ser presenciada no apuro e na economia de elementos que constituem sua produção gráfica. A poltrona Bardi’s Bowl é talvez o melhor exemplo do que disse Bruand, referindo-se à Casa do Morumbi: “concepção audaciosa, que resulta de uma sutil mistura entre um gosto artesanal muito seguro e o emprego de uma técnica industrial avançada”.139
Fig.178: Croqui Bardi’s Bowls
Edição 212, pág. 104, 1997.
“Lina apostou num projeto racionalista sensível aos aspectos culturais dos
trópicos”, nessa frase, Jorge define Lina. Brutalista e moderna assimilava a cultura local
e a instituía em suas criações. Segundo ele, Lina compreende, como poucos, a cultura
popular e soube utilizá-la em suas criações, como se vê neste trecho a seguir:
156
A astúcia do design de um banquinho que remete àquela posição do sentar-se sobre os calcanhares, a posição de cócoras do caboclo, abraçado às suas próprias pernas, atesta a lição da experiência popular, não como romantismo folclórico, mas como experiência de simplificação. Ela certamente desejou despir as manifestações populares de toda aura sentimental que as distâncias de uma efetiva práxis social e de possibilidade de inserí-las nas relações de produção e de consumo. Não se trata de comercializá-las como fetiche, como souvenir de um tempo e lugar distantes ou como singularidades exóticas de uma pseudoprática artesanal, mas de extrair de suas soluções a inventividade, para ampliar o repertório da produção industrial, agora nutrida do saber regional.
Também, segundo Jorge, a radicalidade dessa estética crua estava sem dúvida
relacionada com a ida de Lina à Bahia, no final dos anos 50. Lá, ela conheceu Glauber
Rocha e seu primeiro filme “Barravento”. Ela percebe sua afinidade com as teses do
Cinema Novo e liberta-se definitivamente dos padrões europeus. Apresenta-se, então, a
“Lina antropofágica” em alusão a obra de Oswald de Andrade, Manifesto Antropofágico.
Revista AU, no 40, pág. 26, 1992.
Fig.179: Lina e Glauber no sertão
139 Revista Projeto, edição 212, pág.102 e 103, 1997.
157
Para Lina a confluência entre projetos e idéias, e a possibilidade de recuperação
de aspectos do projeto moderno da arquitetura não conflitava com a evolução da
arquitetura moderna brasileira em direção às técnicas tradicionais e populares de
construção.
Para o arquiteto da década de 70, o projeto era feito no escritório e executado no
canteiro de obras. Lina alterou essa característica ou premissa, como o leitor percebe no
trecho a seguir:
A inauguração do Sesc-Pompéia veio exorcizar a culpa que consumiu e freou a arquitetura brasileira dos anos 70, embatucada entre o desenho e o canteiro. Esse projeto é um acontecimento para a geração de arquitetos formada nos anos 80, que reconheciam na obra um ponto de inflexão na história da arquitetura contemporânea: dissonante num contexto marcado pela afasia; extravagante, provocativo e delirante onde só se via repetição; poético e criativo, ocupando um vazio de debates e reflexões. 140
Jorge finaliza seu texto sob a reflexão de que a obra de Lina faz com que se pense
na cultura brasileira em suas raízes, seus caminhos, suas metas e seus mitos.
EDIÇÃO 216, 1998.
Essa edição é um “índice” das revistas até então publicadas. Se o leitor
recorre a ele, apenas grandes matérias são citadas, o que é justo em se tratando de um
índice genérico. Porém, há um erro grave nele. Aponta que na edição 92, de 1986, na
página 78, existe um artigo intitulado “O jogo dos Estilos” como sendo de autoria de
Lina Bo Bardi. Ao recorrer a tal edição, comprova-se que isso não é verdade, pois o
texto é de autoria de P.M. Bardi, marido de Lina, como é mostrado a seguir:
140 Revista Projeto, edição 212, pág.105, 1997.
158
Fig.180: Página 78 da edição 92, 1998.
EDIÇÃO 220, 1998.
A coluna “Em dia” dessa edição noticia “Roteiros de arquitetura em São Paulo e
Rio de Janeiro”, em que dois arquitetos paulistas, Fernando Serapião e Ilana Volcov,
organizaram um programa de visita especificamente paulista para profissionais e
estudantes de arquitetura. Até o momento descrito pela reportagem, haviam sido
montados três roteiros: O primeiro centrado nos anos 80 e incluía o “Memorial da
América Latina” (Oscar Niemeyer), “Sesc Pompéia” (Lina Bo Bardi), “Museu Brasileiro
de Esculturas” (Paulo Mendes da Rocha) e torres comerciais da avenida Berrini (Carlos
Bratke, Königsberger e Vanucchi, Aflalo e Gasperini,e Botti Rubin). O segundo roteiro
incluía obras mais recentes e, no terceiro, as edificações da avenida paulista, em que
Lina é novamente visitada.
A importância constatada nessa pequena nota é a de que, com a especificação de
três roteiros por São Paulo, em dois deles a passagem por Lina é inevitável.
EDIÇÃO 227, 1998.
Essa edição apresenta o legado de Lina. É mostrado o “Centro de Educação em
Moda do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial” (SENAC-SP), em que é
apresentado o coeso, eficiente e plasticamente belo projeto do arquiteto Ricardo Chanin.
O prédio é da década de 30 e abrigava uma tecelagem. Ricardo o reformou e
ampliou, criando a escola com suas adaptações.
159
Cita-se que a proposta segue a tendência de dar nova ocupação às instalações
fabris na região, onde o pioneiro foi o SESC Pompéia de Lina Bo Bardi relativamente
próximo ao “Centro de Educação em Moda do Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial”.
Para este trabalho, se faz importante também a herança deixada por Lina. Não
apenas a dela, como também a marcação editorial da revista Projeto.
EDIÇÃO 228,1999.
Essa edição é comemorativa do cinqüentenário da FAU-USP. Há uma extensa
reportagem contando sua formação como instituição e a de seus arquitetos, entre as
páginas 42 e 93. Inicia-se desde que a FAU-USP era apenas um embrião dentro da
Escola Politécnica de São Paulo, em 1895. Tornou-se a segunda faculdade de arquitetura
do país, em 1948 (a primeira foi a faculdade de arquitetura da Universidade
Mackenzie).Ao longo dessas páginas, a matéria discorre sobre a formação de seu sólido
e diversificado corpo docente e o despontar dos primeiros frutos, que se tornaram
renomados arquitetos.
Na página 56, sob o título “A segunda metade dos anos 50”, a matéria conta que o
arquiteto racionalista Rino Levi (1901- 1965) e Lina Bo Bardi lecionaram na FAU-USP
e ajudaram a definir os fundamentos da escola paulista. Rino Levi ficou na FAU-USP de
1954 a 1959, quando foi contratado pelo governo da Venezuela para desenvolver obras
naquele país. Lina ficou apenas três anos, de 1955 a 1957, com presença marcante e que
mais tarde veio influenciar diversos arquitetos com seu trabalho.
Já na página 78, sob o título “A influência de Lina Bo Bardi”, a reportagem conta
que um grupo de arquitetos, formados entre o final da década de 70 e início da década de
80, trabalhou com Lina numa produção situada entre o racionalismo e busca de valores
populares. O trio de estudantes da FAU-USP que acompanhou a arquiteta era formado
por Marcelo Ferraz (1978), Marcelo Suzuki (1980) e André Vainer (1980).
Em 1977, por indicação do arquiteto paulista Joaquim Guedes (1932-), Marcelo
Ferraz foi trabalhar com Lina no projeto do SESC Pompéia. Ela preferia trabalhar com
estudantes. Ele levou André Vainer para o projeto. Eles permaneceram até o término da
obra em 1986. Esses arquitetos também trabalharam com Lina nas obras da “Igreja do
Espírito Santo do Cerrado”. Os Marcelos Ferraz e Suzuki acompanharam Lina em sua
160
segunda passagem pela Bahia, onde desenvolveram a “Casa do Benin”, a “Fundação
Gregório de Mattos” e alguns projetos na “Ladeira da Misericórdia”. O trecho a seguir
ilustra essa parceria e suas influências:
Além de proporcionar apoio técnico no desenvolvimento do trabalho da arquiteta, o grupo foi muito influenciado por ela. A influência da escola paulista foi humanizada pela presença de Lina. Ferraz e Francisco Fanucchi (1977) nasceram no sul de Minas Gerais, o que contribuiu para o entendimento e a identificação com a obra da arquiteta. Suzuki, nascido no interior de São Paulo, descendente de japoneses, incorpora elementos orientais em seus projetos. Os três criaram o escritório Brasil Arquitetura, hoje sem a presença de Suzuki. Sócios na marcenaria Baraúna, produzem parte do mobiliário desenhado por Lina.141
Fig.181: Escola Superior de Administração e Negócios Fig.182: Residência em São Sebastião- SP de São Paulo, Brasil Arquitetura André Vainer e Guilherme Paoliello Edição 228, pág. 78, 1999. Edição 228, pág. 79, 1999.
Ainda na edição 228, a página 97 traz um texto de Milton Braga, arquiteto
formado pela FAU-USP em 1986, sob o título “Nos anos 80, o interesse renovado pelo
projeto e domínio da prática”, fala sobre a dominância das premissas e referências da
FAU-USP com o projeto modernista brasileiro, enquanto, internacionalmente, há muito
já se produzia arquitetura pós-moderna. O interesse renovado por projetos de arquitetura
local fez com que muitos alunos se vinculassem há seus professores ou procurassem uma
alternativa à sua formação. Braga levanta os diferentes caminhos lançados a partir de
então:
141 Revista Projeto, edição 228, pág.78, 1999.
161
São visíveis na produção dessa geração algumas vertentes. Desdobramentos da obra dos arquitetos identificados com a chamada escola paulista, como Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha e tantos outros, muitos vinculados ao ensino na FAU/USP, de Lina Bo Bardi, de Joaquim Guedes, do escritório Rino Levi, das preocupações com o canteiro lançadas por Sérgio Ferro, das referências mais distantes da arquitetura moderna carioca e paulista dos anos 50 e da produção internacional, principalmente aquela vinculada às referências modernas.142
Os arquitetos formados nessa década caracterizavam-se pelo maior interesse e
proximidade com os acontecimentos diretamente vinculados ao exercício da arquitetura.
Mesmo Lina só tendo participado da área do ensino de arquitetura do país
efetivamente apenas durante três anos, sua contribuição e área de influência é vasta. Os
estudantes a procuravam e a tinham como exemplo.
A revista Projeto, nessa matéria escrita por Fernando Serapião e amplamente
ilustrada, faz um consciencioso passeio pela formação do arquiteto da FAU-USP e seus
projetos realizados a partir de então.
EDIÇÃO 237,1999.
Na coluna “Em dia”, na página 16, sob o título “Memória P.M.Bardi (1900-
1999), é anunciada a morte de Pietro Maria Bardi, em 1º de outubro de 1999, na “Casa
de Vidro” projetada por Lina. É apresentado um mini-curriculum do presidente de honra
do Museu de Arte de São Paulo.
EDIÇÃO 250, 2000.
Nessa edição, entre as páginas 6 e 8, é divulgada entrevista com o arquiteto
Joaquim Guedes, formado pela FAU-USP, em 1954, e doutor em planejamento urbano
pela mesma instituição em 1972. Dividiu sua carreira acadêmica entre o Brasil e a
França. Intransigente e corajoso na defesa de uma arquitetura que represente a cultura
brasileira, e do ensino da profissão para essa realidade, ele se aposentou no ano 2000,
quando concedeu entrevista à revista Projeto.
Na pergunta “E as arquiteturas eleitas pela sociedade: os anseios são errados ou
os arquitetos é que são ruins?”, Joaquim Guedes cita Lina:
142 Revista Projeto, edição 228, pág.97, 1999.
162
Sinto que tanto a sociedade quanto os governos não valorizam o trabalho do arquiteto. A sociedade deveria tratar nosso trabalho com mais consideração, não digo nem respeito, que poderia parecer muita pretensão. Dar o tempo necessário para o projeto, confiar no arquiteto e dialogar com ele, exigindo tudo o que é adequado ao pedido. A Lina dizia que a sociedade deveria ser muito mais exigente com os arquitetos. É preciso que se tenha grande contato com o cliente para que ele possa dialogar com o profissional sobre as realidades que quer ver atendidas, sobre os problemas que precisa resolver com os recursos disponíveis, com a sua cultura. É assim que se faz arquitetura contemporânea, que é aquela que se consegue resolver os problemas do tempo, os problemas reais.143
EDIÇÃO 251, 2001.
Entre as páginas 60 e 63, com o tema “Anos 90”, segue um artigo intitulado
“Bastante Construção, muita arquitetura e nenhum milagre”. Faz um balanço positivo da
arquitetura brasileira entre 1990 e 2000. É interessante como o texto lança o
distanciamento dos anos 80:
A década de 80 já nos parece muito distante: não falávamos em celulares, não usávamos internet, circulávamos em “carroças” e as colunas do Masp não eram vermelhas. Com toda a conturbação trazida pela abertura econômica da primeira metade da década, há nítido avanço. 144
Inicia contando o quanto o urbanismo esteve em alta nos anos 90. Jaime Leiner,
arquiteto que foi governador do Paraná e prefeito de Curitiba, conquistou visibilidade
mundial com soluções pontuais e seu planejamento urbano na capital do estado. Na
mesma toada segue Luiz Paulo Conde, primeiro como secretário municipal e depois
como prefeito do Rio de Janeiro, que implantou os projetos “Rio-Cidade” e “Favela-
Bairro”.
Outro ponto de destaque é a recuperação de centros históricos e revitalização de
antigos edifícios. O texto destaca o “Teatro Polytheama”, cujo projeto foi desenvolvido
por Lina Bo Bardi e seus colaboradores Marcelos Ferraz, Marcelo Suzuki, Francisco
Fanucci e André Vainer. O texto também destacou o fato de Marcelo Ferraz e Francisco
Fanucci terem vencido o concurso internacional para remodelação de bairro em Berlim.
O texto segue delineando os feitos de arquitetos ao longo dos anos 90. Ressalta,
então, a criação de fundações que administram acervos deixados por arquitetos célebres
143 Revista Projeto, edição 250, pág.8, 2000. 144 Revista Projeto, edição 251, pág.60, 2001.
163
e destaca que a mais ativa com publicações de livros e exposições é o Instituto Lina Bo e
P.M.Bardi.
Um fato levantado foi o ressurgimento da Bienal Internacional de Arquitetura
(BIA) de São Paulo. A primeira foi em 1973 e, após longo intervalo de 20 anos, foi
montada a 2ª BIA, em 1993. A terceira ocorreu em 1997 e a quarta em 1999. A matéria
apontou a ocorrência de outras bienais no país e exposições isoladas de grande
importância, em que foi citada a exposição de Lina Bo Bardi, realizada no MASP em
1993.
O texto ressalta que Lina Bo Bardi é redescoberta pela década de 90 como grande
personagem da década passada. Cita também os grandes arquitetos que morreram nessa
década, inclusive Lina. Essa reportagem de Fernando Serapião guia o leitor por uma
década arquitetônica. Serapião é um grande escritor e é um real ganho ao editorial da
revista Projeto.
Ainda na edição 251, entre as páginas 98 e 113, desenvolve-se o tema “Anos 90”
e dentro dele há a divisão em tópicos de projetos como reciclagens, edifício para
eventos, esportes e lazer e edifícios culturais.
O tema “Reciclagens” é de interesse para este trabalho por dar ênfase a
construções antigas que são recuperadas. Abaixo, parte do texto que discorre sobre a
requalificação de espaços:
Com grande destaque na Europa e nos Estados Unidos, a reciclagem de edifícios tornou-se, na década de 90, precioso programa para os arquitetos. Ela ganhou visibilidade entre os profissionais brasileiros com o sucesso do Sesc Pompéia (1980/86), de Lina Bo Bardi e equipe. Na maioria dos casos, recorre-se a programas culturais para dar vida nova a edifícios antigos – com ou sem valor histórico – que impulsionam a requalificação de áreas deterioradas.145
Há vários e excelentes projetos dessa categoria expostos na reportagem nessa
categoria. Um deles tem chamada especial: “Teatro Polytheama, o último ato de Lina Bo
Bardi”. É bonito de ver e ter a consciência de que as idéias de Lina não morreram junto
com seu corpo, e que os editoriais não esqueceram quem foi a grande arquiteta.
A matéria descreve o projeto e traz fotos. Seu título talvez resuma tudo: “...o
último ato de Lina Bo Bardi”. “Talvez”, pois o que não faltam na trajetória de Lina são
145 Idem, pág.98.
164
projetos propostos que não foram executados, como o do “Teatro Polytheama”, por
exemplo.
O texto é finalizado com frase especial e assertiva: “Assim, com uma aura
atemporal, que não deixa evidentes as intervenções, o “Teatro Polytheama” ganhou
vida”. E mais uma vez Lina trouxe de volta o “presente histórico”, tornando-se agora
parte dele.
Fig.183: Teatro Polytheama Edição 251, pág. 102, 2001.
EDIÇÃO 264, 2002.
Na página 12, na coluna “Em dia”, o texto de título “Mudanças ajudarão a
revitalizar o centro paulistano” permite ao leitor perceber que nem tudo se resume a um
projeto de arquitetura. Muitas vezes, quando um projeto é encomendado, faz parecer
que, com ele, tudo será resolvido, mas não é bem assim. Primeiro, porque nem sempre os
projetos são executados como são propostos. Outras vezes, os projetos são executados de
forma parcial e não permitem seu uso pleno ou até mesmo, quando finalizados, não
atendem às expectativas criadas em torno deles. Parece muito simples desenvolver um
projeto. Muitas vezes parece que basta ser criativo que tudo está resolvido. Mas existem
muito mais envolvidos em um projeto do que o cliente, o arquiteto e o dinheiro.
Infelizmente, nessa reportagem, o leitor pode perceber que resolver esses problemas
“projetuais” no Brasil, não é tão simples assim. Segue trecho da matéria que ilustra essa
colocação:
165
No início dos anos de 1990, quando a prefeitura de São Paulo instalou-se no Palácio das Indústrias, região central da cidade, havia a expectativa de que, com a chegada da administração municipal, a região se revigorasse. Os governos que sucederam a gestão petista abortaram a seqüência do projeto (de autoria da arquiteta Lina Bo Bardi) e não deram continuidade à recuperação do vizinho parque D. Pedro. A prefeita Marta Suplicy – também do Partido dos Trabalhadores – sepultou a idéia, anunciando a transferência da sede da prefeitura para o edifício Patriarca, no viaduto do chá, no centro. A previsão é de que, até março, a prefeitura paulistana mude-se para o prédio, atualmente ocupado pelo privatizado Banespa. Antes da venda do banco ao grupo Sanatander, cogitou-se que o governo estadual transferisse para ali sua sede, hoje no Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi. Pelo acordo, a prefeitura recebe “gratuitamente” o imóvel, abrindo ao banco a possibilidade de disputar contas correntes dos servidores municipais. Antes de ser ocupado pelo Banespa, o edifício (projetado pelo arquiteto Marcelo Piacentini) foi sede das indústrias Matarazzo.146
Não foi tentada a solução real. É como se não tivesse a menor importância deixar
o “Parque Dom Pedro II” degradado e o “Palácio das Indústrias” sem finalização e sem
uso. Sabe-se o que acontece com edifícios sem uso: eles ajudam na degradação de seu
entorno. Ou seja, a prefeitura não se preocupou com isso e preferiu barganhar e se
mudar. Deixar os problemas para traz, parece fazer parte da alma das políticas
brasileiras. Mas não só em projetos públicos que a política conturba realizações.
Parte do texto transcrito a seguir cita o que Marcelo Ferraz, como colaborador do
projeto de Lina, acha:
O arquiteto Marcelo Ferraz, colaborador de Lina no projeto de recuperação do Palácio das Indústrias, reconhece que, sem o anexo previsto originalmente, é mais apropriada a mudança. No contexto de revitalização do centro, porém, a indefinição sobre o destino do Palácio das Indústrias – um museu ou um centro cultural – é mais preocupante. 147
E assim segue o texto com expectativas e aspirações de realizações pontuais que,
quando o centro não é pensado como um “sistema” e sim como “peças avulsas” o
maquinário tende a não funcionar. Deve-se pensar no centro como um jogo de dominó,
em que se uma peça cai tudo se desmonta.
146 Revista Projeto, edição 264, pág.12, 2002. 147 Idem.
166
EDIÇÃO 265, 2002.
Na coluna “Entrevista”, dessa vez, encontra-se Marcelo Ferraz, arquiteto que fez
parte da equipe de Lina e que, durante nove anos foi diretor do Instituto Lina Bo e
P.M.Bardi, do qual se desligou em setembro de 2001.
Segundo a abertura da reportagem, Ferraz é polemista, sendo essa uma das
características que herdou de Lina Bo Bardi.
Já, na primeira questão levantada é se seu desligamento do Instituto foi
traumático. Ele deixa claro que sim, por sua visão ser diferente do caminho que o
Instituto estava tomando. E ao ser perguntado sobre o porquê, explica que estava
sentindo muita resistência e dificuldade para continuar com a turnê de exposição de Lina
que foi para 46 cidades, em 17 países e sem nenhum custo, uma vez que eram
convidados. Atribui isso ao Instituto querer dar um aspecto mais familiar e a arquitetura
deixava de estar em primeiro plano. Segundo ele, interesses domésticos se apoderavam
da Instituição o que é uma coisa muito comum no Brasil
Ferraz diz que sabia das intenções do casal Bardi e que eram pessoas com visão
pública. Quando o Instituto publicou um livro do sobrinho de Lina que, segundo ele, era
de menor interesse, então resolveu sair. Ferraz conta como foi seu início no instituto:
Entrei para o conselho a convite de Lina e do professor Bardi. Naquela época, queríamos – eu, Marcelo Suzuki e André Vainer, os assistentes mais próximos – fazer o livro sobre a obra de Lina junto com ela. Lina dizia: “Não quero livro. Façam depois que eu morrer”. Quando isso aconteceu, sentimos a obrigação de fazer o livro, que se desdobrou em exposição e documentário. Ao coordenar a publicação, por acidente, estava também dirigindo o instituto, que só existia no papel e passou a existir, de fato, em 1992, ano em que Lina morreu. Esse livro foi o primeiro trabalho do instituto, que, eu acreditava, poderia ser um espaço maravilhoso para a arquitetura. Fizemos várias publicações, com uma equipe muito boa. 148
Conta que foram feitos 28 livros, incluindo uma série com arquitetos brasileiros.
Já havia feito quatro: “Lina”, “Artigas”, “Reidy” e “Lelé”.
148 Revista Projeto, edição 265, pág.6 e 7, 2002.
167
Questionado sobre as críticas sofridas no meio acadêmico, em relação à maneira
como os livros foram feitos, responde:
O livro de Lina é fascinante, não só para arquitetos, mas para leigos. Acho difícil alguém não pensar assim, pois matéria-prima era maravilhosa. Os textos idem. Ouvi também muitas críticas. Mas tínhamos de ser pragmáticos, pois havia poucos recursos. Procurei patrocínio. Pagar fotógrafos para fazer fotos novas, nem sonhar. Fizemos com o material que possuíamos. Sem ser pretensioso, acho que valeu a pena. Em 1992, quase não existiam livros a sobre a obra de arquitetos brasileiros. Eu achava que tínhamos que fazer um panorama, um álbum cronológico, bilíngüe, na medida do possível, para ir para o exterior, no qual as pessoas poderiam conhecer Artigas, Reidy, Lelé. Nossos livros não têm texto crítico. Essa também é uma briga no campo editorial. Os arquitetos têm feudos, é uma coisa impressionante. 149
Ferraz é perguntado sobre o próximo arquiteto que seria abordado e ele responde:
Apesar de muitos livros publicados, o próximo seria Oscar Niemeyer. Fizemos ainda a série de livretes com a obra de Lina, cada um sobre um projeto, por sugestão do arquiteto holandês Aldo van Eyck. Quando esteve no Brasil, pouco antes de morrer, ele disse: “Façam pequenos livros com a obra de Lina, encham uma caixinha”. Foram publicados cinco: Masp, Sesc Pompéia, Teatro Oficina, igreja de Uberlândia e Casa de Vidro. E fizemos ainda a série Pontos sobre o Brasil. A idéia era editar publicações sobre qualquer área da cultura brasileira, como cinema, música e teatro. 150
Logo em seguida fala dos projetos em que seu escritório está trabalhando. Ao ser
abordado sobre o Palácio das Indústrias, fala de suas esperanças:
Tínhamos esperança, quando a prefeita Marta Suplicy assumiu, de que o projeto de Lina para o palácio fosse retomado. Mas acho bom a mudança para o prédio do Matarazzo, é propício para a prefeitura. E o Palácio das Indústrias vai voltar ser centro de exposições, sua função original.151
Porém, indagado sobre a gestão que Júlio Neves estava fazendo no MASP, respondeu:
Algumas coisas são inaceitáveis. Até certo momento, tentamos – eu e André Vainer – acompanhar, discutir o projeto junto com Júlio Neves. Mas ele só fazia metade, ou o que achava interessante. Então começamos a discordar com mais veemência – por exemplo, com a existência de uma sala vip para almoços ou com a mudança do piso. Depois de o piso ter sido trocado, sugerimos apenas que fosse tirado o brilho. Ele foi apicoado. Melhorou, mas não é original. Os
149 Revista Projeto, edição 265, pág. 7, 2002. 150 Idem. 151 Idem.
168
materiais fazem parte da arquitetura. É bobagem achar que o piso de pedra de Goiás não fazia parte do projeto do Masp: era característica da obra de Lina o aspecto da natureza bruta. Mas existem méritos, como a construção de mais um subsolo, discussão de qual participamos. O espaço para o acervo técnico é importante, assim como a climatização. Mas o mais grave é a retirada dos cavaletes de vidro: aquilo era a cara do museu, aquele oceano de pintura flutuando no vidro. Eu disse ao Júlio que vou brigar a vida toda pela volta dos cavaletes de vidro.
Ferraz conta que o processo de tombamento do MASP, que ele havia montado e
feito o pedido, estava em andamento, e considerou os cavaletes como parte integrante do
conjunto.
Fig.184: Marcelo Ferraz Edição 265, pág. 9, 2002.
EDIÇÃO 270, 2002.
Nessa edição, a sessão “Entrevista” traz Josep Maria Botey, arquiteto espanhol,
autor de inúmeros projetos de restauração e reciclagem na Catalunha, Espanha. Entre
eles, o da famosa “Casa Battló”, de Gaudí. Estava no Brasil para participar do Seminário
Internacional de Preservação e Restauro do Patrimônio Cultural. Ao ser perguntado se
conhecia o projeto que Lina desenvolveu para a revitalização do centro histórico de
Salvador, respondeu: Próximo da Baixa do Sapateiro. Sim, eu o visitei, era muito bom.
Mas não foi adiante. O Pelourinho era horrível. Aquilo é um exemplo da
Disneylândia.152
Botey é questionado sobre a administração de certos dilemas projetuais, pois Lina
insistia que o “Pelourinho” só havia sobrevivido por causa de seus moradores, pois a
152 Revista Projeto, edição 270, pág. 8, 2002.
169
elite local há muito, não residia mais ali. Para Lina, não tinha sentido retirar aquela
população. No projeto executado, os moradores foram retirados e o local foi ocupado por
bares e restaurantes. Na época, era um local seguro o que agradava a população, Botey
responde:
Trata-se de um problema de recursos. As empresas não vão investir dinheiro se o lugar não for seguro. Elas compactuam com a municipalidade e condicionam seus investimentos à desocupação da área. Mas a municipalidade se equivoca, não deveria aceitar essas propostas. Ela deveria renovar o tecido humano, fazer pequenas intervenções de habitações sociais, para estudantes que queiram morar lá, para pessoas que saibam defender-se, e pouco a pouco o tecido social vai mudando. Assim, em algum tempo, um tecido velho e sujo passa a ser jovem e criativo. Isso é o que a municipalidade tem que fazer. Não se pode mudar a alma de uma cidade, não se pode transformar seu espírito. Isso é contra sua evolução.153
Fig.185: Josep Maria Botey Edição 270, pág. 9, 2002.
Ainda na edição 270, na página 98, na coluna “Memória Projeto” escrita por
Adilson Melendez, está o SESC Pompéia completando vinte anos e ainda um modelo
para obra de reciclagem. A reportagem lembra que na edição 92, de outubro de 1986, a
Projeto dedicou ao SESC Pompéia 18 páginas por conta da inauguração da nova parte
do complexo.
Danilo Santos de Miranda, à época diretor regional do SESC São Paulo, dá duas
razões para que a unidade da Pompéia seja a de maior visibilidade:
“A primeira e sua extensa programação cultural, com espetáculos, eventos e exposições de grande ressonância na vida cidade e mesmo do país. A outra é sua arquitetura, tanto pelo que representa em termos de memória industrial preservada, quanto pelas engenhosas soluções de restauro, reciclagem e novas intervenções feitas por Lina Bo Bardi”.154
153 Revista Projeto, edição 270, pág. 98, 2002. 154 Idem.
170
Na página 99, existe outra coluna “Memória Projeto”, o que não é usual para a
revista Projeto, que sempre se dedica a uma coluna por edição, também escrita por
Adilson Melendez e, desta vez, tratando do “Palácio das Indústrias” sob o título
“Edifício voltará às origens, depois de sediar Legislativo, delegacias e prefeitura”.
A reportagem abre praticamente expondo toda a polêmica agregada:
Nem museu, nem centro cultural. Com a programada transferência da sede da prefeitura de São Paulo para o edifício Patriarca, no viaduto do Chá, o Palácio das Indústrias, que hoje abriga parte da administração municipal, será repassado à Anhembi Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo. A empresa, que, entre outras funções, administra o Parque de Exposições Anhembi, pretende transformar a edificação num misto de centro de exposições e de artes. O arquiteto Mauro Scazufca, gerente de Planejamento, informa que há a intenção de incorporar ao conjunto a vizinha Casa das Retortas. “O Palácio das Indústrias será um local para exposições mais glamurosas e/ou delicadas”, diz o arquiteto Marcelo Ferraz, que, junto com André Vainer e Marcelo Suzuki, está trabalhando no projeto para alterar a atual ocupação do histórico prédio. De certa forma, a edificação retoma seu objetivo original. Projetada por Domiziano Rossi (colaborador do escritório Ramos de Azevedo) para abrigar exposições de produtos agrícolas e industriais, a construção dos anos 1920 é exemplo da arquitetura eclética. Em 1947, foi ali instalada a Assembléia Legislativa, que ficou no local por 21 anos. Na década de 1970, o palácio foi ocupado por repartições da Secretaria de Segurança Pública. 155
Em 1992, a então prefeita Luiza Erundina transferiu para a região do Parque Dom
Pedro II a sede da administração municipal. Lina e sua equipe desenvolveram o projeto
de restauração do “Palácio das Indústrias” que era uma parte importante, mas não teria
funcionamento adequado sem que o anexo fosse construído. Os prefeitos sucessores, o
engenheiro Paulo Maluf e Celso Pitta, também não fizeram nada para completar a obra.
A situação se manteve até que a prefeita Marta Suplicy decidiu que a prefeitura
abandonaria o local de vez.
O gerente do Anhembi frisa que estavam sendo preparadas outras intervenções no
Parque Dom Pedro II, porque, em sua opinião, apenas a mudança de uso do edifício não
seria o suficiente para revitalizar a região.
EDIÇÃO 287,2004.
O entrevistado dessa edição é Nestor Goulart dos Reis Filho, arquiteto formado
pela FAU-USP em 1955. Foi pró-reitor de cultura e extensão universitária da FAU-USP.
155 Idem, pág. 99.
171
É autor de diversos livros sobre história da arquitetura, como o Quadro da Arquitetura
Brasileira (1978).
Com a aproximação dos 450 anos da cidade de São Paulo, Reis faz duras críticas
ao grande número de tombamentos que estavam em tramitação. “A arquitetura não é
goiabada; sou contra adotar o sistema de tombamento no varejo”, diz ele. E assim vai
discorrendo sobre a cidade.
Em seu discurso, fala de fábricas em que a visão urbana e cultural era mais ampla
que a discussão de estilo. Não foram tombadas e deixaram que destruíssem os melhores
exemplares fabris de São Paulo, como a Antártica (indústria têxtil), cujo núcleo inicial
era de 1888. Ficava na Água Branca e a família Matarazzo o demoliu. E então Reis faz
menção a Lina:
Poderiam ter conservado a fábrica e feito coisas lindíssimas, preservando. Lina Bo Bardi, como boa italiana, conseguia trabalhar com o passado e o futuro com elegância insuperável. Sou contra o sistema de tombamento no varejo. Acho que se deve ter visão de conjunto, uma seleção geral, para depois entrar em casos raros. Senão, isso não tem fim, cada indivíduo vai propor o tombamento de uma coisa, como nos velhos armazéns de secos e molhados: os fregueses entravam e pediam de sal a goiabada, e o armazém precisava ter tudo.156
Fig.186: Nestor Goulart dos Reis Filho
Edição 287, pág. 6, 2004.
EDIÇÃO 290, 2004.
A página 15 dessa edição traz a notícia de que o MASP foi tombado pelo IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O IPHAN recomendou que
fossem preservados os cavaletes de vidro que serviam de suporte para as exposições das
pinturas, sem determinar a obrigatoriedade de seu uso. A decisão foi tomada antes da
posse de Antônio Augusto Arantes Neto, novo presidente do órgão.
156 Revista Projeto, edição 287, pág. 10, 2004.
172
EDIÇÃO 292, 2004.
A notícia é a de que o arquiteto Marcelo Suzuki estava projetando uma
intervenção na “Casa de Vidro”, que foi a residência dos Bardi. O objetivo é tornar a
casa mais acessível ao público. Seriam feitas algumas alterações como se objetiva neste
trecho:
As modificações previstas são discretas – até porque a construção foi tombada pelo patrimônio histórico estadual em 1987. Suzuki criou uma passagem de vidro para ligar o corpo principal da residência à atual área de serviços, onde se concentrará a administração do instituto. Desenhou também um auditório para 40 pessoas, a ser instalado no local onde hoje existe um depósito. As obras, inicialmente orçadas em 890 mil reais, devem ser financiadas com recursos captados pelo instituto com base na Lei Rouanet – o projeto já foi aprovado pelo Ministério da Cultura.157
Fig.187: Maquete da Casa de Vidro.
Edição 292, pág. 17, 2004.
EDIÇÃO 295,2004
Sob o título “Bienal e Exposição de Lina Bo Bardi em Veneza”, a pequena
matéria conta que a 9ª Exposição Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza abriu
ao público dia 12 de setembro de 2004 e que foi apresentada uma mostra paralela de
Lina Bo Bardi na Galeria Internacional de Arte Moderna de Ca’Pesaro, com curadoria de
Luciano Semerani, Antonella Gallo e Giovanni Manas.
157 Revista Projeto, edição 292, pág. 17, 2004.
173
EDIÇÃO 297, 2004.
Essa edição publicou um artigo de Fernando Serapião intitulado “Mulheres,
cadeiras e almofadas bordadas”.
Serapião inicia seu texto com a pergunta: “Qual relação pode existir entre a
cadeira B306, de Le Corbusier e Charlotte Perriand, e a Bowl’s, de Lina Bo Bardi? E seu
próprio texto responde criando uma aura de suspense sobre tema levantado:
As duas são peças de desenho moderno, criadas na primeira metade do século 20, com estrutura de aço tubular e assento de couro. Fechando o cerco, alguém poderia lembrar que ambas foram idealizadas por – ou com a participação de – mulheres. Outra semelhança diz respeito ao uso: elas foram criadas para momentos de relaxamento – ninguém trabalha em uma cadeira daquelas. Mas algo mais as aproxima: duas fotografias que reúnem as criadoras e sua criação. Imagens que podem estar envolvidas por uma aura metafórica bastante utilizada pelos publicitários e que relaciona a mulher ao mobiliário doméstico.158
Charlotte Perriand aos 25 anos, já havia adquirido fama ao se apresentar no salão
de Outono de 1927, mas ainda não estava certa de ser designer e pensava em ser
agricultora. Foi quando um amigo a convenceu de ler Por uma arquitetura de Le
Corbusier. Ela decidiu procurar por Le Corbusier e ouviu a humilhante frase: “A senhora
sabe, aqui não bordamos almofadas”.
Ele mudou de opinião ao visitar o famoso projeto da designer e viu que seria
muito útil ao seu escritório, onde ela trabalhou por dez anos.
Charlotte participou intensamente da criação de mobiliários no escritório de Le
Corbusier, como pode ser visto em parte transcrita do texto de Serapião:
Na área de design, ela participou da criação dos mais famosos móveis de Le Corbusier, desenhados para exposição no Salão de Outono de 1929. Fazem parte desse rol os modelos B301, B302, LC2 e LC3, clássicos do design moderno, reproduzidos em todo o mundo até hoje. Corbusier não demonstrou, nem antes, nem depois, grande interesse por mobiliário – ele sempre esteve mais preocupado com o urbanismo. A iniciativa de desenvolver esses móveis de estrutura tubular e couro foi inteiramente de Charlotte, e não se sabe a exata dimensão da participação do arquiteto nessas criações. Mas a preconceituosa frase dita por ele, dá uma idéia do envolvimento da mulher com os assuntos domésticos e seus desdobramentos, na época. Para Corbusier, se houvesse uma mulher dentro do escritório, só poderia ser para tratar de assuntos menores, como mobiliário. 159
158 Revista Projeto, edição 297, pág. 104, 2004.
174
Serapião traz à tona assunto ainda discutível e de grande desconforto, quando o tema é
tocado:
O trabalho de Charlotte no estúdio é uma conseqüência disso. Até hoje, queiram ou não as feministas, a atuação das mulheres é mais comum nas áreas do design e interiores do que em arquitetura e urbanismo. Nessa linha de raciocínio machista, o interesse feminino atual nada mais seria do que a modernização de seu papel ancestral na comunidade. Para o bem da sociedade, esse conceito, pelo menos no mundo ocidental, vem se transformando nas últimas décadas. No entanto, a associação não foi rompida, e a relação da mulher com a cadeira continuou bastante utilizada – na publicidade, por exemplo.
Não é bom ter que concordar com Serapião, mas ainda hoje (2007) é assim.
Muitas arquitetas trabalham na área de arquitetura, mas a grande dominância ainda é
masculina.
Seu texto fala, ainda, da relação da mulher e a ligação íntima com os afazeres
domésticos e com a sensualidade:
Na foto mais lembrada de Charlotte – aquela que a maioria das publicações utilizou para ilustrar seu obituário, em 1999 – ela está sentada na B306, a famosa chaise-longue criada pela equipe de Corbusier. A imagem – criadora e criação – foi feita para o Salão de Outono de 1929, onde a cadeira foi exposta pela primeira vez. Mas aí entra um dado novo: além de reforçar o vínculo feminino com a casa e os afazeres domésticos, a fotografia em preto e branco explora, em certa medida, a sensualidade. Naquele período, final da década de 1920, não era comum mostrar, de forma clara, poses sensuais. E a imagem de Charlotte é bastante provocadora: de saia, com as pernas para o ar, deixando o tornozelo à mostra. O rosto está virado, não se consegue ver nem o perfil. Não podemos identificá-la. Apesar de ser a idealizadora da peça, naquele momento Charlotte está representando o papel de mulher que esbanja sensualidade.160
Fig 188: Charlotte
Edição 297, pág.105, 2004.
159 Revista Projeto, edição 297, pág. 104, 2004. 160 Idem, pág. 104 e 105.
175
Serapião fala então da cadeira de Lina:
Para engrossar o caldo, outra foto, outra cadeira e outra designer: a imagem de divulgação da cadeira Bowls, criada na década de 1950 por Lina Bo Bardi. A designer-arquiteta, nascida e formada em Roma, chegou ao Brasil em 1946. Nos primeiros anos, começou a desenhar móveis e fundou, juntamente com Giancarlo Palanti, o Studio de Arte Palma e depois a Móveis Pau-Brasil. Ao contrário de suas peças de madeira, a Bowls é praticamente européia: o design equivale àquilo que a Casa de Vidro representa para a arquitetura de Lina, ou seja, ambas são trabalhos de um europeu recém-chegado aos trópicos. Fazendo as vezes de Charlotte, é Lina que está sentada na fotografia da Bowls. Também aqui o rosto não aparece e a sensualidade é bastante expressiva. Curiosamente, em outra imagem de divulgação da cadeira, quem aparece sentada é a atriz Odete Lara. Curiosamente, a foto é mais comportada, tem clima menos sensual, e a atriz, com o rosto à mostra, parece representar o papel de dona-de-casa.161
Fig 189: Lina
Edição 297, pág.105, 2004.
Ele faz várias indagações ao longo do texto por Charlotte e Lina não mostrarem
seus rostos nas fotos. Questiona se seria característica do design de Bauhaus o modelo da
mulher na era industrial? “Ou seria ainda uma relação da mulher com as coisas da casa?”
E então Serapião apresenta a audaciosa Chair-Sculpture, criação de Allen Jones:
A Chair-Sculpture, de 1969, é um dos móveis-escultura de Jones no universo da arte pop. Na peça, a mulher é a cadeira: um manequim com calcinha, botas longas e luvas foi colocado em desconcertante posição; nele foi amarrado um assento, enquanto as botas são o encosto.162
161 Revista Projeto, edição 297, pág. 105, 2004. 162 Idem.
176
Fig.190: Chair-Sculpture
Edição 297, pág.105, 2004.
Finalizando seu texto, faz uma colocação da qual foi questionado porteriormente
em entrevista concedida em 19 de março de 2007: “Mas Charlotte deixou uma lição para
as jovens designers: não façam cadeiras com almofadas bordadas”.163
Ao ser perguntado se realmente acreditava que não poderiam existir cadeiras com
almofadas bordadas, ou que essas tais almofadas diminuiriam a importância do design
dessa cadeira, ou então que seria sinônimo de ausência de design específico, ou se era
simples radicalismo machista tal indagação, ele sorriu e respondeu: “Era só uma
brincadeira”. E assim as “almofadas bordadas” continuam pontuando quem faz ou não
design de qualidade, mantendo a relevância se a criação é feminina ou masculina.
EDIÇÃO 298,2004
Essa edição, entre as páginas 8 e 10, traz entrevista com Danilo Miranda, diretor
regional do SESC-SP. A reportagem traz a ligação íntima do SESC com a arquitetura.
Uma das perguntas feitas em relação à identidade, foi sobre o SESC Pompéia
representar um marco diferenciador e então responde sobre os antecedentes desse
trabalho:
No final da década de 1970, o Sesc tomou a decisão corajosa de não derrubar a fábrica para construir uma unidade nova e contratou a arquiteta Lina Bo Bardi para restaurá-la. Hoje isso é comum, mas, no Brasil, o Sesc foi a primeira
163 Idem.
177
instituição a restaurar um grande conglomerado fabril para abrigar uma unidade voltada para o lazer, cultura, esporte e recreação.164
Quando perguntado se tinha alguma preferência por algum arquiteto, respondeu:
Adoro o traço de Lina e também de grandes figuras que estão por aí. Não poderia fazer destaques. Mas vou citar duas figuras que já passaram pela nossa história e pelas quais tenho muito respeito: Lina e Abrahão Sanovicz [autor do projeto do Sesc de Araraquara]. Acho também que eles têm pontos em comum, um caráter despojado.165
Fig.191: Danilo Miranda Edição 287, pág. 6, 2004.
EDIÇÃO 305, 2005.
Na “Carta do Editor”, que apresenta o que essa edição contém, Fernando Serapião
diz que o artigo exibido entre as páginas 106 e 108 aponta uma relação entre Lina Bo
Bardi, Giorgio Chirico e Massimiliano Fuksas. O artigo chama-se “Enigmas do
Triângulo Romano”. Serapião abre seu texto dizendo que aparentemente não existe
relação entre Lina e Fuksas. Expõe algumas características dos dois:
“Lina, discípula de Gio Ponti, desenvolveu no Brasil uma arquitetura contraditória, mas profundamente rica de significados, que mescla racionalismo internacional à valorização do artesanato local. Segundo Luís Antônio Jorge, a obra de Lina faz pensar a cultura brasileira, suas raízes, seus caminhos, suas metas e seus mitos”. Fuksas, por sua vez, é dos poucos arquitetos da cena internacional que surpreende por não ter uma fórmula, não seguir uma cartilha: os partidos arquitetônicos de seus trabalhos nascem das circunstâncias do lugar, do programa ou dos materiais. “Tal como o virtuose que faz da sensibilidade e da imaginação a matéria-prima de trabalho, sua subjetividade, quase
164 Revista Projeto, edição 298, pág. 9, 2004. 165 Idem.
178
indecifrável, transforma-se no último instrumento passível de ser verificado”, escreveu Francisco Spadoni.166
Assim Serapião segue a comparação. Fuksas e Lina são italianos, e os dois
fizeram fama fora de seus países de origem. Outra relação apontada é a de que são
nascidos em Roma e formados pela mesma faculdade de arquitetura, Lina em 1940 e
Fuksas em 1969. Então apresenta o terceiro vértice deste triângulo romano: o pintor
italiano Giorgio de Chirico (1888-1978) com quem Lina e Fuksas tiveram relações de
trabalho, convívio e amizade.
O texto aponta que é difícil identificar a influência da pintura na arquitetura.
Conta que Lina e De Chirico tiveram atelier na mesma rua em Roma e que ele era amigo
do pai dela, Enrico Bo que começou a pintar aos 62 anos de idade e, ao que indica,
influenciado por De Chirico.
Serapião apresenta os desenhos de Lina e Enrico, que já foram mostrados nesta
dissertação, e aponta um enigma:
Fig.192: Desenho de Enrico Fig.193: Desenho de Lina Edição 305, pág.107, 2005. Edição 305, pág.107, 2005.
Levanta duas hipóteses: Ou os desenhos foram realizados simultaneamente, ou o
mais provável, Enrico baseou-se no desenho de Lina para criar seu trabalho. A pintura de
166 Revista Projeto, edição 305, pág. 106, 2005.
179
Enrico é bem acabada como o seu acervo, enquanto os traços de Lina são pouco
definidos. A sensação é de que a imagem de Lina seja o rascunho da de seu pai.
Serapião continua a comparação:
Ainda no campo das artes plásticas, foi no ateliê de Milão, em 1943, que Lina criou a pequena litografia Quarto do Arquiteto, alvo de polêmica entre Olívia e Marcos Tonon. No texto em que analisa esse trabalho, a pesquisadora traça relações com a tela de De Chirico Os Arqueólogos, de 1927. Segundo ela, “as duas obras tratam do mesmo tema: da relação com o passado; uma do ponto de vista de um arqueólogo, outra do ponto de vista de um arquiteto”. Em seguida, no mesmo artigo, ela fala também das proximidades entre o espaço expositivo dos famosos (e que tanta falta fazem) cavaletes do Masp – cuja forma de encarar o passado já estaria presente na pequena litografia – e um texto de Chirico a respeito de museus. “Os museus de Lina ganham, assim, a força viva sugerida no texto de De Chirico”, relata Olívia.167
Compara ainda as casa do pintor e da arquiteta:
Nesse sentido, guardadas as diferenças de época das construções, vale comparar a organização caótica da disposição dos objetos e obras de arte na casa onde morou o pintor, no Palazzetto dei Borfognoni, em Roma (transformada no Museu De Chirico em 1998), e na Casa de Vidro, onde Lina e Pietro Maria Bardi viveram, hoje sede do Instituto lina Bo e P. M. Bardi. E a Casa de Vidro possui mais uma prova material das relações entre arquiteta e o artista. No alto da escada de acesso, junto à porta de entrada, existe um mosaico de De Chirico (executado por Enrico Galassi). Curioso que tão nobre espaço tenha sido reservado para pequeno mosaico.168
E, então, Serapião reintroduz Fuksas em seu texto, dizendo que o arquiteto é
pintor desde os 16 anos e foi assistente de De Chirico no início da década de 1960, o que
deixou marcas em sua formação.
O texto aponta que esta influência adquire um caráter imagético e fala sobre dois
projetos em especial:
Pelo menos em dois projetos, nos cemitérios de Castellana e de Orvieto, Kuksas utiliza literalmente duas tipologias criadas ou ao menos registradas em trabalhos de De Chirico. As construções de Castellana, elevadas sob pilotis, lembram, por exemplo, Os banhos misteriosos, de 1966. Já as torres de Orvieto assemelham-se à edificação que compõe Presente e Passado, de 1970. Curioso notar que Kuksas recorre às imagens metafísicas produzidas em época próxima ao momento em que conviveram e, principalmente, volta-se para trabalhos em que o tema é a morte. Enigmas metafísicos.169
167 Revista Projeto, edição 305, pág. 107, 2005. 168 Idem. 169 Revista Projeto, edição 305, pág. 108, 2005.
180
Fig.194: Fig.195: Fig.196: Fig.197: Os Banhos Misteriosos ...Cemitério de Castellana, Em 1970, De Chirico criou ...no anexo do cemi- De Chirico, 1966... projeto Fuksas, 1985 e 1992. Presente e Passado... tério em Orvieto, . projeto de Fukas, 1980.
Edição 305, pág.108, 2005.
Serapião, então, compara o meio de produção de Lina e Fuksas:
Por outro lado, tanto Lina quanto Kuksas pensam a arquitetura por meio da produção de imagens incomuns. Ou seja, a criação de suas obras é realizada com aquarela, croquis, pinturas etc. Curioso também que seja esse o tema dos textos de Luis Antônio Jorge (sobre Lina) e Francisco Spadoni (sobre Fuksas), dois arquitetos paulistas da mesma geração, com afinidades projetuais e pessoais. Além disso, ou em conseqüência disso, tanto Lina como Fuksas possuem visões semelhantes em relação ao detalhe construtivo. Para a arquiteta, “o detalhe escraviza a obra”, em uma clara referência de quem construía projetando, desenvolvendo no canteiro os pormenores que achava necessários. Fuksas afirma que “o detalhe é um crime”, contradizendo a idéia de que seja um arquiteto high-tech.170
O texto também levanta uma curiosidade, pois a cobertura da circulação da nova
Feira de Milão é apoiada em colunas como se fossem árvores. E guardando a relação de
escala, esse elemento estrutural foi imaginado por Lina no concurso do Vale do
Anhangabaú em 1981 e Serapião pergunta: “Será que Fuksas viu esse projeto? E afirma:
“Uma coisa é certa: ele conhecia a obra de Lina”. E exemplifica essa afirmação
correlacionando os dois arquitetos:
Em dezembro de 1988, num questionário realizado pela edição 379 da revista italiana Abitare, ele cita o Masp como uma das obras mais importantes do século 20. E, no fundo, no fundo, a obra de Lina e a de Fuksas têm a essência daquilo que De Chirico pensava. Dizia ele: “Uma obra de arte, para ser realmente imortal, deve estar totalmente além dos limites do humano: o bom senso e a lógica estarão ausentes. Por esse caminho, chega-se à proximidade da condição
170 Idem.
181
do sonho, e também da mentalidade infantil”. Não serve para o trabalho de ambos?171
E Serapião finaliza seu texto com o trecho a seguir:
E a chave de tudo é a relação com o tempo, uma certa negação do movimento, como se compartilhássemos, todos, de um mesmo período histórico. Em uma de suas frases mais famosas, Lina diz: “Mas o tempo linear é uma invenção do Ocidente, o tempo não é linear, é um maravilhoso emaranhado onde, a qualquer instante, podem ser escolhidos pontos e inventados soluções, sem começo nem fim”. Talvez só um romano possa pensar assim.172
Ao analisar esse texto, o leitor de Projeto pode relacionar os trabalhos dos
arquitetos e pensar sobre as relações levantadas por ele e sua pertinência. Abastece a
massa crítica com informações e incita-a à pesquisa e novas correlações sobre tema
apresentado.
EDIÇÃO 307,2005.
Entre as páginas 6 e 8 dessa edição, está a entrevista com Hans Gunter Flieg, à
época com 82 anos e considerado por muitos um dos maiores e mais importantes
profissionais da fotografia moderna brasileira. Radicado no Brasil, desde 1939, o alemão
trabalhou com publicidade e suas lentes captaram obras de alguns dos maiores arquitetos
de sua época, entre eles, Lina Bo Bardi.
Ao ser perguntado se houve alguma encomenda direta de um arquiteto, Hans
Gunter respondeu:
Com Lina (Bo Bardi) sempre foi direto. Fiz trabalhos para o Masp, na cidade, solicitados por museus estrangeiros. Lina tinha fotos, em certa época, de móveis para o Masp. Eu fotografei a construção do Masp, tenho fotos de plantas do museu. Acompanhei sua construção e, quando ele estava pronto, Lina me pediu para fotografar o auditório.173
Logo em seguida, foi perguntado se Lina dirigia o fotógrafo e a resposta foi:
171 Revista Projeto, edição 305, pág. 108, 2005. 172 Idem. 173 Revista Projeto, edição 307, pág. 7 e 8, 2005.
182
No caso do Masp, sim. Não atrapalhava nem um pouco. Quando as coisas funcionavam, nos dávamos muito bem. Houve um caso em que saiu fogo do ponto de vista dela, talvez com razão. Foi quando Lina esteve na Bahia, no Museu do Solar do Unhão. Ela tinha me encomendado uma fotomontagem do Masp. Eu estava com outros trabalhos, e um dia resolvi começá-lo. Tirei fotos do parque, porque eu precisava de imagens dele visto debaixo da maquete para fazer o fundo. Faltava fotografar a maquete. Quando Lina voltou, foi razoavelmente desagradável. Não foi fácil. Eu sei que quem fez a montagem depois foi Luiz (Hossaka), mas não demorou muito tempo e entramos em contato novamente. Com Bardi sempre me dei bem, com a devida distância. Fiz a fotomontagem, para Lina, do projeto do museu na praia de São Vicente, que felizmente nunca saiu da prancheta porque eu sei o que teria acontecido com os quadros por causa do ar-condicionado. O pessoal está usando e abusando desse tipo de montagem atualmente.174
Ao ser perguntado de suas preferências, responde:
Não sou fotógrafo de arquitetura. Arquitetura para mim é um dos muitos campos que foram adquiridos. A exemplo de Lina, cada trabalho era um trabalho. Essa maquete era uma coisa, a construção do Masp era outra. A foto do Masp quase pronto teve talvez oito ou dez exposições, mas de repente a foto com um grupinho de crianças é diferente. Cada foto é um trabalho.175
Fig.198: Hans Gunter Flieg
Edição 307, pág.6, 2005.
EDIÇÃO 309, 2005.
Sob o título “Arquitetura brasileira em Paris”, na coluna “Em dia”, relata-se a
notícia de que os organizadores do Ano do Brasil na França intensificaram os debates e
mostras sobre arquitetura. Até 15 de janeiro de 2006 teve dois núcleos: a fase heróica do
modernismo no Brasil e a produção atual de jovens arquitetos. Entre os arquitetos da fase
moderna discutida, encontrava-se Lina Bo Bardi.
174 Idem, pág. 8. 175 Idem.
183
EDIÇÃO 312,2006.
A página 36, na coluna “Em dia”, traz a notícia da exposição da obra de Lina Bo
Bardi no MASP. Com cerca de 200 obras, os curadores selecionaram também trabalhos
menos conhecidos do público em geral, como seu design de móveis, de brinquedos e
projetos de urbanismo. A exposição trazia também fotos, perspectivas, croquis e estudos.
A mostra referida terminou dia 19 de fevereiro de 2006.
Ainda na edição 312, nas páginas 54 e 55, a reportagem “Quatro temas para a
arquitetura brasileira” era dividida em quatro sub-temas: “Ambiente e clima”; “Forma e
Estrutura”; “Massa e Leveza” e “Renovação e Cidade”. O texto é de Fernando Serapião
e ilustra uma possível resposta para a pergunta: “Como será a arquitetura brasileira dos
próximos anos?” Então divide em quatro agrupamentos os futuros edifícios, com os
quatro diferentes temas.
No quarto tema proferido, “Renovação e Cidade”, o leitor encontra mais um
pouco de Lina, como vê-se a seguir:
Apesar de a revitalização de edifícios e áreas urbanos estar presente na história da arquitetura brasileira há poucas décadas, hoje é um dos programas mais comuns. Isso sem contar a relação de proximidade entre edifícios contemporâneos e antigos, aí sim um pouco mais antiga por estas bandas. Ele prefere o contraste à aproximação estilística com o prédio ao lado. Em contrapartida, valoriza o traçado histórico, não um bem arquitetônico, mas comunitário. As lições de Lina Bo Bardi não foram esquecidas pelo escritório Brasil Arquitetura em seu projeto às margens do rio Piracicaba. A equipe leva parte do sucesso espacial do Sesc Pompéia para o interior de São Paulo. E, por falar em Sesc, é ele a instituição responsável pela encomenda da transformação de um edifício comercial em centro cultural. Mudança incomum, em geral realizada em edifícios mais antigos.176
Lembrando que o escritório Brasil Arquitetura é composto por arquitetos que
compunham a equipe de Lina, a exemplificação da continuidade do emprego de seus
ideais pregados nesse projeto desenvolvido em Piracicaba, fazem mais uma vez com que
ela permaneça viva.
176 Revista Projeto, edição 312, pág. 55, 2006.
184
Fig.199: Croqui.
Edição 312, pág.55, 2006.
EDIÇÃO 314, 2006.
Entre as páginas 8 e 11, está a entrevista com Sérgio Ferro, arquiteto, único
remanescente do trio contestador da escola paulista. Os outros dois eram Flávio Império
(1935-1985) e Rodrigo Lefèvre (1938-1984). Sérgio Ferro é defensor saudosista do
artesanato na construção.
Sobre a participação e importância do operário na obra, é perguntado como via o
trabalho de Lina Bo Bardi que utilizava técnicas artesanais. Resumiu em simples e
profundas palavras: “É belísimo”. E na pergunta seguinte, se ele achava que, no trabalho
de Lina, havia algo folclórico, responde:
Não. Pode parecer, porque ela usa formas quase grosseiras, arredondadas. Mas ali há uma possibilidade grande de outra plástica. Uma das muitas dificuldades que teremos quando mudar todo esse sistema será criar uma nova plástica, pois esta está inteirinha embebida pelo capital. Não basta tirar o capital. Na União Soviética fizeram isso e não deu em absolutamente nada. Mas eles não transformaram a relação do canteiro, ela continuou praticamente a mesma, talvez ainda mais sacralizada, pois era em nome do povo, do partido.177
177 Revista Projeto, edição 314, pág. 11, 2006.
185
Fig.200: Sérgio Ferro
Edição 314, pág. 8, 2006.
EDIÇÃO 315, 2006.
A coluna “Memória Projeto” dessa edição, na página 98, sob o título de
“Atrasado, centro cultural vai ocupar edifícios de velha estação”, traz a “Estação
Guanabara”, em texto escrito por Adilson Melendez. A reportagem mostra que a
UNICAMP está buscando parceiros para recuperar a estação e transformá-la em Centro
Cultural.
O armazém foi construído em 1883 e é representativo da arquitetura paulista do
século 19. Sua recuperação é a primeira etapa do projeto que transforma o complexo
ferroviário em centro cultural de inclusão e integração social. Todo esse contexto foi
anunciado pelo jornal Correio Popular de Campinas, em 20 de março de 2006.
Melendez faz um adendo ao texto do jornal, já que a notícia é nova, mas o fato
não, pois, em 1990, a UNICAMP havia recebido aquele conjunto em comodato e
encomendou à arquiteta Lina Bo Bardi o desenvolvimento de um projeto para a sua
recuperação. Ele fala da publicação do projeto:
Na edição 141, de maio de 1991, PROJETO DESIGN mostrava em três páginas como Lina e seus Marcelos (Ferraz e Suzuki) pretendiam transformar a antiga estação em centro cultural. Curiosamente, a proposta recomendava a retirada do já alterado terminal, que, depois, seria tombado pelo patrimônio histórico. Lina morreu sem ver sua solução tomar forma. E para o bloco a ser construído a Unicamp contratará – com 15 anos de atraso – outro projeto, que aproveitará em parte a proposta da arquiteta, mas em local diferente daquele que ela havia inicialmente planejado. Pode ser interessante, como também o são os dois museus/estações publicados nesta edição de PROJETO DESIGN. Mas o “trem da Unicamp’, que transportaria exposições para o estado de São Paulo e outras localidades do Brasil – idéia lançada por Lina -, desligou-se da composição. Parece que para sempre.178
178 Revista Projeto, edição 315, pág. 98, 2006.
186
Fig.201: Antiga Estação Guanabara Fig.202: Projeto de Lina Bo Bardi Edição 315, pág.98, 2006. Edição 315, pág.98, 2006.
Em síntese, a revista Projeto de Arlindo Mungioli é nostálgica em relação a Lina.
A revista de Vicente Wissembach trazia a notícia do projeto e obra realizada, a novidade.
A revista de Mungioli traz o que aconteceu com tais projetos. As edições se completam
como causa e conseqüência.
A revista de Mungioli trouxe o projeto do “Teatro Polytheama”, obra realizada
após a morte de Lina e trouxe também ao leitor o conhecimento das dificuldades da
execução do tombamento do “MASP”.
A Lina da revista de Mungioli é objeto de estudo em alguns artigos que fazem o
leitor refletir sobre a trajetória e obras da arquiteta. Traz seu legado contemplado em
algumas obras de outros arquitetos, realizadas após a sua morte.
Lina, na revista de Wissembach, é realizadora. Na revista de Mungioli é exemplo,
é história.
187
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lina Bo Bardi, arquiteta ítalo-brasileira, teve sua vida dedicada à arte
arquitetônica e à cultura. Tem sua carreira temporalmente maior do que a da revista.
Chega ao Brasil, em 1946, e a revista Projeto, propriamente dita lança sua primeira
edição (no 11) em 1979. A partir de então, Lina também é mostrada ao país por meio de
suas páginas.
A primeira vez que é publicada uma de suas obras na Projeto, é no ano de 1982,
na edição 40, quatro anos após o lançamento da revista. Nessa edição, Lina é apresentada
sucintamente ao leitor, era ainda uma desconhecida do grande público.
A análise desse trabalho feita na revista Projeto traçou um percurso que reproduz
o caminho histórico do desenvolvimento das principais obras projetuais de Lina. Seja
com edição inteiramente dedicada a ela ou como nota informativa, Lina está em 55
edições da revista Projeto entre as edições 11 e 324. Se imaginarmos que o corpus deste
trabalho foram 313 edições de Projeto, Lina esteve presente em 17.6%.
Refletimos que Lina não é extensivamente aproveitada pela Projeto de Vicente
Wissembach. Algumas vezes, sua obra não recebe a devida importância, pois ao
analisarmos a revista para este trabalho, sentimos falta na construção de um perfil. Mas
existem análises bastante elaboradas, verdadeiros passeios detalhados pela arquitetura de
Lina, como por exemplo, no artigo de Ruth Verde Zein, na edição 92, de 1986, ou na
aula magna na FAU-USP dada por Lina e transcrita pela edição 133, de 1990. Sua obra é
considerada de forma contínua na Projeto de Arlindo Mungioli, com base em
reportagens, entrevistas, textos e artigos fornecendo reflexões e conhecimento ao leitor.
Foram estudadas 145 edições da Projeto sob a tutela de Vicente, com a Lina viva,
e 168 edições da Projeto de Arlindo, com ela morta. Das 145 edições com a Lina viva, a
arquiteta esteve presente em 13 (9%), e uma delas (a edição 149, 1991) foi dedicada
inteiramente a seu trabalho. Seguem os levantamentos identificados ao longo da pesquisa
sobre as edições publicadas pela Projeto de Vicente Wissembach :
188
03 Capas da revista Projeto. Duas edições como capa total (chamada e ilustração) e uma capa como chamada.
03 Participações dentro de reportagens.
10 Projetos arquitetônicos publicados.
03 Notas informativas.
01 Texto da autoria de Lina Bo Bardi.
07 Textos ou artigos dedicados a obra de Lina.
01 Pequenos textos informativos ilustrados.
02 Textos dedicados à pessoa bibliográfica de Lina.
Das 168 edições com a Lina morta, a arquiteta esteve presente em 42 delas (25%),
sendo publicado inclusive o projeto “Teatro Polytheama”, executado após a morte da
arquiteta.
Seguem os levantamentos identificados ao longo da pesquisa sobre as edições
publicadas pela Projeto de Arlindo Mungioli:
01 Capa como projeto ilustrativo
01 Reportagem em que Lina é fonte de inspiração projetual.
02 Projetos arquitetônicos publicados.
03 Artigos sobre a obra da arquiteta.
10 Notas informativas.
08 Pequenos textos informativos ilustrados.
08 Participações dentro de artigos.
01 Reportagem técnica.
01 Participação no índice geral da revista.
06 Citada em entrevistas.
189
04 Participações na coluna “Memória Projeto”
Pela análise feita da revista Projeto, imaginamos ter podido traçar um perfil
arquitetônico de Lina Bo Bardi. Obtivemos um maior número de informações
concedidas por meio da Projeto de Arlindo que, no período estudado, dedicou 25% de
suas edições às publicações que também referenciavam Lina. A Projeto de Vicente, em
13 edições, contribuiu pouco, mas profundamente. O leitor foi apresentado a um Sesc
Pompéia mais interessante pelas páginas da revista, ou mesmo detalhes importantes das
obras de Lina na Bahia.
Foi por meio da revista que o leitor teve contato com algumas obras em sua
concepção e, ao longo dos anos, as informações de seu estado, reformas, ou
peculiaridades. O leitor tomou ciência dos tombamentos, como o da “Casa de Vidro” e o
do “MASP”. Assim como dos acordos projetuais e o não-cumprimento posterior à
conclusão, como no “Pelourinho”. Do não-uso dos cavaletes de vidro tão
cuidadosamente pensados por Lina e soube da defesa ineficiente que os órgãos
protetores do patrimônio puderam dar, permitindo que os cavaletes continuassem
escondidos. Soube da importância da recuperação do “Solar do Unhão” e da
compreensão equivocada de seu diretor ao fazer novas janelas. Pôde ter contato com o
pensamento brutalista de Lina e viu que o legado dela ficou ainda mais respeitado após a
sua morte.
Alain de Botton, em seu livro Arquitetura da Felicidade, conta como o
modernismo fazia questão de ser apenas “útil” e não “belo”:
Governado por um etos concebido por engenheiros, o modernismo disse ter dado a resposta definitiva para a questão do belo na arquitetura: o objetivo de uma casa não era ser bela, mas sim funcionar bem. No entanto, a nítida separação entre a discutível importância da funcionalidade sempre girou em torno de uma distinção ilusória. Embora à primeira vista associemos a palavra “função” com a provisão eficiente de abrigo físico, no final das contas é improvável que respeitemos uma estrutura que não faça mais do que nos manter secos e aquecidos.179
190
Lina era modernista radical. Dizia construir o “feio”, porque o belo era fácil,
como declarou sobre o Sesc Pompéia. Como se o “feio” fosse realmente “feio” e não
inovador, e como se o “belo” fosse único e não tivesse várias faces, até mesmo aquela
despida de pretensão. Lina era brutalista até na forma de negar a beleza de sua própria
obra. Não construiu apenas obras funcionais. Por meio da função inovou o conceito de
beleza.
As obras de Lina estão sendo deterioradas ou destruídas pelas mãos do
capitalismo devastador, que prefere substituí-lo ao invés de reciclá-lo. Infelizmente
muitas das obras da arquiteta farão apenas parte dos arquivos publicados por revistas em
alguns anos, já que a descaracterização tem sido gradativa e rápida. Mas o legado de
Lina se perpetua como a Projeto mostrou a seus leitores, quando publicou obra que
segue o mesmo preceito, ou quando mostra os pupilos da arquiteta que nutrem seus
conceitos e os aplicam. Que o ideal de Lina perdure e não finalize tão simples quanto
esse verso de Vinícius de Moraes: “Mas que seja infinito enquanto dure.”180
Este trabalho propôs a revelação do ideal brutalista de Lina através das páginas da
revista Projeto que, mesmo que sejam destruídas completamente suas obras, deixa seu
legado vivo e pulsante. Pois, mais importante que suas edificações são suas idéias
fundamentadas nas quais suas obras foram concebidas. Seus conceitos continuarão sendo
discutidos pelas novas gerações de arquitetos e analisados por veículos de comunicação
importantes como a revista Projeto.
Em síntese, a revista Projeto deixa claro que o futuro é construído com raízes e
análise do passado. Enquanto os ideais de Lina forem disseminados e repensados seus
leitores podem imaginar um futuro arquitetônico melhor.
179 Botton, Alain. Arquitetura da Felicidade, p.62. 180 MORAES, Vinícius. Livro de Sonetos, Soneto da Fidelidade, p.63.
191
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http://www.ipea.gov.br. Consultado em 16 de novembro de 2006.
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http://www.tvcultura.com.br/culturanointervalo/perfil.asp?programaid=44. Consultado em 27 de dezembro de 2007.
http://www.prolivros.com.br. Consultado em 06 de maio de 2006.
http:www.institutobardi.com.br. Consultado em 28 de março de 2006.
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