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Livro - As Classificação e Raça e Cor No Censo Demografico Brasileiro - IBGE - ARNALDO LYRIO BARRETO - Livro - As Classificação e Raça e Cor No Censo Demografico Brasileiro - IBGE - ARNALDO LYRIO BARRETO

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  • AS CLASSIFICAES DE RAA E COR E OCUPAO NOS CENSOS DEMOGRFICOS

    BRASILEIROS

    ARNALDO L YRIO BARRETO

    L ___ -------

    C~ IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatlstica

    ~

    I

  • UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Programa de Ps-Graduao em Histria das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia

    ARNALDO LYRIO BARRETO

    AS CLASSIFICAES DE RAA E COR E OCUPAO

    NOS CENSOS DEMOGRFICOS BRASILEIROS

    ' ..

    ~ ..

    Rio de Janeiro

    2009

  • B273 Barreto, Arnaldo Lyrio As classificaes de raa e cor e ocupao nos Censos Demogrficos brasileiros. I Arnaldo Lyrio Barreto. - Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. xvi, 492 p.

    Tese (Doutorado em Histria das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia)- Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto

    de Qumica, Rio de Janeiro, 2009.

    Orientador: Carlos Alberto Lombardi Filgueiras

    1. Classificao. 2. Conhecimento. 3. Estatstica, Pesquisa. I. Filgueiras, Carlos Alberto Lombardi (Orient). li. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Qumica. III. Ttulo

    CDD 500

  • iii

    ARNALDO LYRIO BARRETO

    AS CLASSIFICAES DE RAA E COR E OCllPAO NOS CENSOS DEMOGRFICOS BRASILEIROS

    Tese apresentada Coordenao do Programa de Ps-Graduao em Histria das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia como requisito parcial para a obteno do grau de Doutor em Histria das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia.

    Aprovada em 29 de maio de 2009.

    BANCA EXAMINADORA

    ~1 ["?J..~_.. .. t Prof. Dr. Carlos Alberto Lom~a~l;u~~ras (liFRJ)

    Presidente da Banca

    /W'I"-/Y\'\~ - Profa. Dra. Marina Massimi

    (llSP) Membro da Banca

    Prol. li.. /L UKi.i (l11:1) Membro da Banca

    :.t~ ~~ lll.t ~ Profa. Dra. Teresa Cristina de Carvalho Piva

    (UFRJ I CMRJ) Membro da Banca

    Pro~. ~ ~~~i Nogueira (UFF / IBGE) '

    embro da Banca

  • AGRADECIMENTOS

    Aos Professores Arnaldo Vieira, Maria Luiza Campos e Ivan da Costa Marques, pela entrada no doutorado e pelos votos de confiana;

    Ao Prof. Carlos Alberto Lombardi Filgueiras, pelo acolhimento, pelos exemplos acadmicos e de vida, pela extrema gentileza e carinho, por suas orientaes sempre

    inteligentes, prudentes e positivas, por indicar timos caminhos e proporcionar sonhos que vo se realizando, mais ainda pela Amizade e Generosidade, nunca vistas em tal

    proporo;

    Aos Professores Nelson Senra, Antonio Augusto e Ricardo Kubrusly, pela participao na banca de qualificao e sugestes ao trabalho;

    Aos Queridos Amigos que tenho no IBGE, em especial os que me ajudaram no doutoramento, Luiz Fernando Pinto Mariano, Paulo Csar Moraes Simes, Srgio Baa

    Ferreira, Robson Rodrigues Vaz, Martha de Mattos Seixas, Snia Vasquez, ngela Patrcio, Alberto Perez, Lria, Sheila, Aranha, Graa, Eduardo Romero, Maria Luza

    Zacharias, Rosa Porcaro, Sonia Albieri, Maria Clia Pellison, Valria Roitman, Regina, Odica Arantes, Deise e outros tantos queridos e queridas que sorrio s de lembrar;

    Aos Queridos Amigos que fiz no HCTE, Adlio Marques, Dalton Raphael e Cristina, Patrcia Barreto, Dayse Lima, Teresa Piva, Carlos Koehler, Jonas Federman, Cssio

    Vieira, Marcia Oliva, Ethel Kauffman, Paulo Srgio, Jefferson, Nadja Paraense, Regina Dantas, Cssia Turci e Jos Rubens, Rojane Fiedler e um batalho de timos parceiros,

    que felizmente se fizeram presentes;

    Aos Queridos mais que Amigos que acompanharam de perto esse perodo de estudos e pesquisas, Jos Luiz Thomaselli Nogueira, Andr Rodrigues Ceciliano, Carlos Humberto Gringo, Ricardo Morgado, Ricardo Brando e Fernando Siconha;

    minha Famlia: aos meus pais, Alberto e Maria Annita, por terem cumprido seus papis com grande xito, pois me deram a felicidade duradoura desde poucos anos e

    tudo mais de bom; minha mulher Andra e aos meus filhos, Anna e Joo, os trs que no me deram sossego para estudar mas que, sem eles, provavelmente a vida seria em preto-e-branco e sem a experincia magnfica dessa convivncia que me imprime ser marido e pai; Ktia, ao Fernando, Mariana e ao Felipe, um anexo de querer-bem

    recproco; aos meus avs, que tanto rezo por eles e eles intercedem por mim;

    insnia, que mais uma vez me permitiu escrever no silncio de uma casa viva, Ao humor, que muito aliviou minhas tenses e aflies,

    alegria, que me impulsiona e me levanta nas horas mais difceis;

    UFRJ, pelo curso, e ao IBGE, pela concesso de estudar;

    Ao pensamento franciscano, que muito me inspira e me rege, apesar de tantas faltas;

    A Deus, por me fazer feliz e me fazer passar por todos que aqui citei, ou pensei, rezei e vivi durante todos os anos de minha vida.

  • RESUMO

    Para se tentar conhecer determinados grupos de pessoas, fenmenos ou mesmo idias, nossa cultura ocidental se utiliza fartamente do uso dos nmeros, desejando representar esses grupos atravs de quantitativos de caractersticas escolhidas sob determinado critrio. Dentro da idia clssica de que saber poder, formalizada pelo filsofo ingls Francis Bacon ( 1561-1626), os Estados, desde a antiguidade, . se mostram preocupados em conhecer as caractersticas de seus pases, com nfase nas populaes e economias, para melhor se planejarem e progredirem. No entanto, para realizar estatsticas sobre um determinado universo de pesquisa so necessrias, entre outras, a atividade de classificao das caractersticas dos indivduos daquele grupo. Toda classificao, no entanto, uma reduo e, como tal, exclui elementos que poderiam estar includos caso fosse utilizado outro critrio. O objetivo principal desta pesquisa foi o de analisar a classificao estatstica oficial para os quesitos raa/cor e ocupao,

    sugerindo formas menos excludentes de agrupamentos e verificando como foi a evoluo histrica dessas classificaes no Brasil, a partir do uso nos Censos

    Demogrficos brasileiros. Interessou, pois, conhecer e analisar as motivaes das expanses de possibilidades de resposta, entendendo que se tratam de adequaes aos novos tempos e exigncias da sociedade e do Estado. Como objetivos secundrios foi analisada a contribuio de alguns autores de demografia histria brasileira, indicando

    os que considerei mais criteriosos em seus nmeros e pesquisadas as temticas de

    raa/cor e ocupao sob o vis histrico de suas origens.

    Palavras-chave: classificao, estatstica, censo, raa, ocupao, demografia.

  • ABSTRACT

    In order to know groups of people, phenomena or even ideas, westem culture makes

    wide use of numbers, wishing to represent those groups by means of quantitative data o f

    characteristics chosen by certain criteria. Within the classical idea that knowledge is

    power, formalised by the English philosopher Francis Bacon (1561-1626), since Antiquity States have paid much attention to obtaining knowledge of their domains.

    Emphasis has been given to their populations and economies, aiming at better planning

    and development. Nevertheless, in order to gather statistical data about a field of

    research it is necessary, amongst other factors, to classify the characteristics of

    individuais in each group. Every classification is, however, a reduction, and as such it

    excludes elements which could be included if different criteria were used. The chief

    goal of this research was to analyse the official Brazilian statistical classification for the

    items of race/colour and occupation, suggesting less excluding forms of groupings and

    checking the historical evolution of these classifications in Brazil, from their use in

    demographic censuses. Thus it was important to study and analyse the motivations that

    led to expansions in the possibilities of response, understanding them as befitting new

    times and demands of Society and State. As a secondary goal the contribution of severa!

    authors of Brazilian demographic History was also analysed. Amongst them I indicated

    those that I considered most judicious in their data. Another secondary goal was to search for the the themes of race/colour and occupation under the historical guise of

    their origins.

    Keywords: classification, statistics, census, race, occupation, demography.

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 2.1- Populao Mineira em 1776 e em 1821 por sexo ...................................... 78

    Tabela 2.2 - Contagens Populacionais segundo o IHGB ............................................... 82

    Tabela 2.3- Habitantes do Brasil em 1867- Exposio de Paris .................................. 83

    Tabela 2.4 - Distribuio da Populao do Brazil, 1772-1782 ...................................... 92

    Tabela 2.5- Pop. do Brasil entre os sc. XVI a XIX, por autores destas estimativas .. 114

    Tabela 3 .I - Extrato do Mappa da populao do Municpio da Corte no mez de Abril de 1870 ............................................................................................................................. 126 Tabela 3.2- Tabela-Resumo dos Censos Oficiais quanto raa/cor e ocupao ........ 226

    Tabela 4.1 -Populao residente por raa ou cor, situao e sexo ............................. 274

    Tabela 4.2- Tabela da PME sobre n de pessoas em idade ativa por cor ou raa ...... 276

    Tabela 4.3 - Tabela da PME sobre rendim. mdio segundo a cor ou raa (em R$) .... 277 Tabela 4.4- Tabela da PME sobre escolaridade mdia segundo a cor ou raa ......... 279

    Tabela 4.5 - Tabela da PME sobre rendimento mdio segundo a cor ou raa ............ 280

    Tabela 4.6 -Tabela da PME sobre rendimento mdio segundo a cor ou raa ........... 281

    Tabela 4. 7 -Tabela da PME sobre escolaridade mdia segundo a cor ou raa ......... 283

    Tabela 5.1 -Levantamento do Quantitativo de Ocupaes nos Censos ................... 313 Tabela 5.2- Demonstrao da Codificao da CBO ................................................ 319

    Tabela 5.3- Impacto dos empregos do setor TIC no mercado de trabalho brasileiro.328

    Tabela 5.4- N de Trabalhadores na Economia Informal por Grau de Instruo em

    2003 .. ~ ..................................................... : ................................................................... 330

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1.1 -rvore de Porfirio ............................................................................. :..... 31 Figura 1.2 - Embriologia Comparada de Vertebrados ........................ .. ...................... 36

    Figura 2.1 - Estatsticas Histricas do Brasil ............................................................... 85

    Figura 2.2 -Resumo Geral da Povoao do Brasil ..................................................... 96

    Figura 3.1 - Mappa da populao do Municpio da Corte no mez de Abril de 1870. 126

    Figura 3. 2- Exemplo de Tabulao de Raa/Cor de Escravos do Censo de 1872 .. 133

    Figura 3.3- Exemplo de Tabulao de Ocupao do Censo de 1872 ...................... 135

    Figura 3.4- Lista de Famlia preenchida do Censo de 1872 .................................... 138

    Figura 3.5- Reproduo do Terceiro Boletim do Censo de 1890- item Cor ....... .. . 142

    Figura 3.6- Profisses listadas no Censo de 1890 ................................................... 145

    Figura 3. 7 - Tab. Profisses dos Habitantes, por nacionalidade e sexo, em 1900 ... 150

    Figura 3.8- Quadro Geral das Profisses, at grupo, do Censo de 1920 ................ 163 Figura 3.9- Modelo de Carto Perfurado para o Censo de 1920 ............................. 165

    Figura 3.1 O- Tab. do Censo de 1950 que faz cruz. de cor com escolaridade .......... 185 Figura 3.11 - Tab. do Censo de 1950 que faz cruz. de cor com ramo da atividade .. 186

    Figura 3.12- Tab. do Censo de 1950 que faz cruz. de ocupao com atividade ..... 187

    Figura 3.13- Tabulao do Censo de 1960 relativa Cor ....................................... 193

    Figura 3.14- Tab. do Censo Demogr. de 1991 que cruza rendimento com raa ..... 212

    Figura 3.15- Tabulao do Censo 2000 quanto ao rendimento e cor/raa .............. 221

    Figura 4.1- Quadro "A Redeno de Cam", de Brocos, 1895 .................................. 232 Figura 4.2 -Representao dos fentipos na tumba de Seti I ................................... 233

    Figura 4.3 - Lbios, nbios, srios, bedunos e hititas repres. na tumba de Ramss III .. 233

    Figura 4.4- Estudos antropomtricos realizados na Europa .................................... 235

    Figura 4.5 - Os primos Charles Darwin e Francis Galton ........................................ 236

    Figura 4.6- Propaganda representativa da composio da cincia Eugnica .......... 237

    Figura 4. 7 -Autorizaes de Esterilizaes na Sucia ............................................. 239

    Figura 4.8- Estudos sobre o crebro na antiga URSS ............................................. 240

    Figura 4.9- Estudos antropomtricos em crianas .................................................. 241

  • Figura 4.10 - Certificado de Eugenia nos EUA .......................................................... 241

    Figura 4.11 - Charles Davenport trabalhando em seu EscritriQ de Gravao Eugnica .. 243 Figura 4.12- Marcha de integrantes da KKK em Washington, DC, em 1928 ............. 244

    Figura 4.13 - Carta sobre convite a um encontro acadmico-cientfico sobre Eugenia ... 245

    Figura 4.14- Mapa sobre o Status Legislativo sobre esterilizaes eugnicas nos EUA

    em 1935 ............................................ : .......................................................................... 246

    Figura 4.15 - Movimento do Governo do Kansas, EUA, em Prol da Eugenia ........... 247

    Figura 4.16 - Medalha com a inscrio, "Sim, eu tenho uma boa hereditariedade" ... 247

    Figura 4.17 - Cartilha de Higiene ............................................................................... 251

    Figura 4.18 -Mapa de Habitaes Coletivas e Populao ......................................... 251 Figura 4.19 - Jornal do Departamento Estadual de Sade em Porto Alegre .............. 252

    Figura 4.20- Renato Kehl .. : ....................................................................................... 255 Figura 4.21 - Monteiro Lobato ........................................................ ........................... 255

    Figura 4.22- Propaganda comercial utilizando o perfil caipira do Jeca Tatu ........... 256

    Figura 4.23 -Propaganda Poltica Sua no ano de 2009 .......................................... 257

    Figura 4.24- Representao das Raas Humanas no sculo XVIII ................. ......... 260

    Figura 4.25 - Imagens da Revista VEJA sobre Raa ............. ....... ............................. 267

    Figura 4.26 - Escala de Cores para Identificao Racial ........................................... 269

    Figura 4.27- Deslocamentos para Habitao Mundial ............................................. 287

    Figura 5.1 -Exemplo de um Tripalium ..................................................................... 298

    Figura 5.2 -As mui ricas horas do duque de Berry (representao do trabalho na Idade Mdia) ........................................................................................................................ 300 Figura 5.3 - Trabalho Infantil nas manufaturas inglesas do Sc. XIX ...................... 305

    Figura 5.4 -Propaganda Poltica Francesa para a Regulao do Trabalho .......... ..... 308 Figura 5.5 - O cinismo nazista no porto: 'O trabalho liberta' ................................... 309

    Figura 5.6 - Trabalho Infantil no Brasil atual ........................................................... 309 Figura 5. 7 - Trabalho Infantil no Brasil atual ........................................................... 309

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 5.1- Imagem do sistema de busca de ocupaes do MTb ............................ 320 Quadro 5.2- Imagem do sistema de busca de ocupaes do MTb ............................ 321 Quadro 5.3 -Grandes Grupos de Ocupaes segundo a CIUO 88 ............................ 323 Quadro 5.4- CBO 2002- Grandes Grupos e Nveis de Competncia ...................... 323 Quadro 5.5 -Quadro explicativo do Min. do Trabalho para Grandes Grupos .......... 324

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 4.1 -Distribuio da populao em idade ativa por raa ou cor ................... 276

    Grfico 5.1- Local de Funcionamento da Economia Urbana em 2003 ..................... 329

  • LISTA DE QUESTIONRIOS

    Questionrio 3.1- Censo de 1870 -Mapa no 2 .............................................. , ......... 124 Questionrio 3.2- Recenseamento Geral do Imprio em 1872 ................................ 132 Questionrio 3.3 - Quest. do Censo de 1890, com destaque para o item Profisso .... 141 Questionrio 3.4- Quest. do Censo de 1900 com destaque para o quesito Profisso. 148 Questionrio 3.5 - Quest. do Censo de 1906, com destaque para o item Profisso .... 152 Questionrio 3.6- Quest. do Censo de 1920, com destaque para o item Profisso ... 160 Questionrio 3.7- Censo Demogrfico de 1930, que no ocorreu ............................ 169 Questionrio 3.8 - Questionrio do Censo Demogrfico de 1940 ............................. 173 Questionrio 3.9- Questionrio do Censo Demogrfico de 1950, com destaques .... 180 Questionrio 3.1 O - Questionrio do Censo de 1960 com destaques .......................... 190 Questionrio 3.11 - Quest. do Censo Demogr. de 1970 com destaque para Ocup ...... 196 Questionrio 3.12- Questionrio do Censo Demogrfico de 1980 com destaques ... 201 Questionrio 3.13 - Questionrio do Censo Demogrfico de 1991 com destaques ... 207 Questionrio 3.14- Quest. do Censo Demogr. 2000 com destaque para raa/cor ..... 216 Questionrio 3.15 - Quest. do Censo Demogr. 2000 com destaque para ocupao ... 21 7

  • SUMRIO

    LISTA DE TABELAS............................................................................................... VIl

    LISTA DE FIGURAS .............................................................................................. VIn

    LISTA DE QUADROS............................................................................................... X

    LISTA DE GRFICOS ............................................................................................. X

    LISTA DE QUESTIONRIOS................................................................................ Xl

    MOTIVAO PARA ESTE TRABALHO ............................................................ 17

    INTRODUO .......................................................................................................... 20

    Objetivo ......................................................................................................... :.. 23 Hipteses .......................................................................................................... 24

    Metodologia e Fontes ....................................................................................... 25

    Justificativa ...................................................................................................... 26

    Organizao do Trabalho ................................................................................. 27

    CAPTULO 1 - Prolegmenos sobre a Classificao como Forma de Conhecimento ... 30 1.1 - Introduo ........................................................................................................... 30

    1.2 - Percepo - Um Primeiro Estgio para a Classificao ....................................... 34

    1.2.1 - Seria Possvel Descrever uma Realidade de Maneira Fidedigna?

    1.3 - Linguagem - o Segundo Estgio para as Classificaes ...................................... 39

    1.4 - Conhecimento - o Terceiro Estgio das Classificaes ....................................... 41

    1.4.1 - Um pouco de Histria... Conhecimento e Classificaes

    1.4.2- O Modelo Formador-Inovador de Conhecimento

    1.4.3 - O Novo Modelo de Conhecimento

    1.4.4 - A Estatstica como vertente da Matematizao do Mundo e como

    Representao da Realidade

    1.5 - Classificao - o Quarto Estgio ......................................................................... 57 1.6 -Bibliografia ......................................................................................................... 60

    CAPTULO 2 - Introduo aos Inquritos Populacionais e Censos Demogrficos .. 63 2.1 - Os inquritos populacionais do Brasil Colnia e do Brasil Imprio ..................... 65

    2.2 - Nmeros Requintados e Nmeros Requentados:

  • Autores e Trabalhos Considerados Importantes na Demografia Histrica Brasileira .. 84

    2.3- Velhos Nmeros e Bons Autores: A Csar o que de Csar ............................ 114

    2.4 - Bibliografia ........................................................................................................ 116

    CAPTULO 3- Os Quesitos Raa/Cor e Ocupao nos Censos Demogr. Brasileiros ... 120 3.1 - O Censo Demogr. na Corte em 1870- O "projeto-piloto" do Censo de 1872' ... 123

    3.1.1- O Questionrio de 1870 3.1.2- As instrues para o preenchimento do censo de 1870

    3.1.3- Alguns destaques no censo de 1870

    3.1.4 -Tabulaes oficiais encontradas para o Censo de 1870

    3.2- Censo de 1872 .................................................................................................... 131

    3.2.1- O Questionrio de 1872 3.2.2- As instrues para o preenchimento do questionrio no Censo de 1872

    3.2.3- Alguns destaques do Censo de 1872

    3.2.4 -Tabulaes oficiais encontradas para os quesitos raa/cor e ocupao no

    Censo de 1872

    3.3- O Censo de 1890 ............................................................................................... 140 3.3 .1 - O questionrio de 1890

    3.3.2- Instrues para o preenchimento no Censo de 1890 3.3.3 - Algumas consideraes sobre o Censo de 1890

    3.3.4 -Tabulaes oficiais encontradas para os quesitos raa/cor e ocupao no

    Censo de 1890

    3.4- 1900- A transio do Sculo XIX para o Sculo XX ...................................... 147 3.4.1 - O questionrio de 1900

    3.4.2- Instrues para o preenchimento do questionrio do Censo de 1900

    3.4.3 - Algumas consideraes sobre o Censo de 1900 3.4.4- Tabulaes oficiais encontradas para o quesito ocupao no Censo 1900

    3.5- 1906- Censo do Rio de Janeiro ........................................................................ 151 3.5.1 - O questionrio de 1906

    3.5.2- Instrues para o preenchimento no Censo do Rio de Janeiro em 1906 3.5.3- Algumas consideraes sobre o Censo do Rio de Janeiro em 1906

    3.5.4- Tabulaes oficiais encontradas para o quesito ocupao no Censo do RJ em 1906

  • 3.6- 1910- O primeiro censo do Sculo XX no aconteceu ..................................... 156 3.6.1- O questionrio de 1910 3.6.2- Instrues para o preenchimento do Censo de 1910 3.6.3 -Algumas consideraes sobre o Censo de 1910 3.6.4- Tabulaes oficiais encontradas no Censo de 1910

    3.7- O Censo de 1920 ................................................................................................ 159 3.7.1- O Questionrio de 1920 3.7.2- Instrues para o preenchimento no Censo de 1920 3.7.3- Algumas consideraes sobre o Censo de 1920 3.7.4- Tabulaes oficiais encontradas para o quesito ocupao no Censo de 1920

    3.8- Censo de 1930 ................................................................................................... 168 3.8.1 -O Questionrio de 1930 3.8.2- Instrues para o preenchimento no Censo de 1930 3.8.3- Algumas consideraes sobre o Censo de 1930 3.8.4- Tabulaes oficiais encontradas para os quesitos raa/cor e ocupao no

    Censo de 1930 3.9- Censo de 1940 ................................................................................................... 171

    3.9.1- O Questionrio de 1940 3.9.2- Instrues para o preenchimento no Censo de 1940 3.9.3- Algumas consideraes para o Censo Demogrfico de 1940 3.9.4- Tabulaes oficiais encontradas para os quesitos raa/cor e ocupao no Censo de 1940

    3.10- O Censo de 1950 ............................................................................................. 179 3.10.1- O questionrio do Censo de 1950 3.10.2- Instrues para o preenchimento do questionrio do Censo de 1950 3.10.3- Algumas consideraes sobre o Censo de 1950 3.1 0.4- Tabulaes oficiais encontradas para os quesitos cor e ocupao no

    Censo de 1950 3.11- O Censo de 1960 ............................................... , ............................................ 189

    3.11.1 - O questionrio do Censo Demogrfico de 1960 3.11.2- Instrues para o preenchimento do questionrio do Censo de 1960 3 .11.3 - Algumas consideraes sobre o Censo de 1960

  • 3.11.4 - Tabulaes oficiais encontradas para os quesitos cor e ocupao no

    Censo de 1960

    3.12 - O Censo de 1970 ............................................................................................... 195 3.12.1 - O questionrio do Censo Demogrfico de 1970

    3.12.2 - Instrues para o preenchimento do Censo de 1970

    3.12.3 - Algumas consideraes sobre o Censo Demogrfico de 1970

    3.12.4 - Tabulaes oficiais encontradas para o quesito Ocupao no Censo de

    1970 3.13 - O Censo de 1980 .............................................................................................. 200

    3.13.1 - O questionrio do Censo Demogrfico de 1980 3.13.2 - Instrues para o preenchimento no Censo de 1980

    3.13.3 - Algumas consideraes sobre o Censo de 1980

    3.13.4 - Tabulaes oficiais encontradas para os quesitos cor e ocupao no

    Censo de 1980

    3.14 - O Censo de 1991 .............................................................................................. 206

    3.14.1 - O questionrio do Censo Demogrfico de 1991

    3.14.2 - Instrues para o preenchimento no Censo de 1991

    3.14.3 - Algumas consideraes sobre o Censo de 1991

    3 .14.4 - Tabulaes oficiais encontradas para os quesitos raa/cor e ocupao

    em 1991

    3.15 - O Censo de 2000 ............................................................................................ 215 3.15 .1 - O questionrio do Censo Demogrfico de 2000

    3.15.2 - Instrues para o preenchimento no Censo Demogrfico de 2000 3.15.3 - Algumas consideraes sobre o Censo 2000 3.15.4 - Tabulaes oficiais encontradas para os quesitos raa/cor e ocupao

    3.16 - Finalizando o Captulo 3 .................................................................................. 224

    3.17- Bibliografia ....................................................................................................... 227

    Captulo 4- Discusses acerca do quesito raa/cor na histria e na estatstica .. 231

    4.1 - Introduo ........................................................................................................... . 231 4.2 - Um Breve Panorama sobre a Eugenia ................................................................. 236

    4.3 - A Eugenia no Brasil ............................................................................................ 249

    4.4- Raas Humanas .............................. ; .................................................................... 258

  • 4.4.1 -Algumas classificaes e um breve Histrico

    4.4.2 -Problemas com as classes por conta dos termos utilizados

    4.5 - Novamente os censos e algumas dificuldades ................................................... 266

    4.6- Mtodos de Identificao Racial ...................................................................... 268

    4. 7 - Algumas consideraes para discusses futuras .............................................. 272

    4.8- Alguns nmeros, para tristezas imediatas e boas reflexes .............................. 274

    4.9 - Biologicamente falando .................................................................................... 285

    4.1 O - Reflexes para o final do captulo .................................................................. 288

    4.11 -Bibliografia .................................................................................................... 292

    Captulo 5 -Discusses sobre Ocupao e Trabalho na histria e na estatstica .. 295

    5.1- Uma breve introduo ...................................................................................... 295

    5.2- A Evoluo das Ocupaes ............................................................................... 311

    5.3 - A Classificao Brasileira de Ocupaes - CBO 2002 ............ .............. .......... 319

    5.4 -Estrutura CB02002 ........................................................................................... 322

    5.5- Alguns problemas para as Classificaes de Ocupao ................................... 326

    5.5.1 -Ocupaes TIC

    5.5.2- O Trabalho Informal

    5.6- Reflexes para o final do Captulo ................................................................... 331

    5.7- Bibliografia ........................................................... ~ ........................................... 332

    ' 6 - A Guisa de Concluses ....................................................................................... 335

    7 - Bibliografia Geral .............................................................................................. 343

    8 - Apndices ........................................................................................................... 358

    9 - Anexos ................................................................................................................ 446

  • 17

    Classificaes de Raa/Cor e Ocupao a partir dos Censos Demogrficos Brasileiros

    Arnaldo Lyrio Barreto

    Motivao para este trabalho

    Realizar escolhas para funcionarem como critrios de separao de elementos,

    quaisquer que sejam eles, sempre me pareceu instigante. O impulso de criar grupos homogneos quando temos que contar vrias moedas acumuladas durante meses absolutamente necessrio para chegarmos a um montante de valores. Desde atividades

    banais como a arrumao de garfos, facas e colheres, separadamente, na gaveta de talheres desejvel organizao de documentos pessoais, passando pela seleo de alimentos do nosso gosto e fora dele, de filmes prprios ou imprprios para crianas, de padres de beleza ou "fealdade", da escolha entre o bom e o mau, do sagrado e do profano, classificamos quase tudo que est ao redor. No senso comum o caos, apesar

    de sua riqueza, no nos parece to agradvel quanto a arrumao. Contar elementos tambm inerente ao Homem. Ao olhar um pequeno grupo

    de pssaros que voam em "V" no cu temos rapidamente o 'instinto' de desejar cont-los, assim como fazemos, infantilmente, ao ver a quantidade de carros dos bombeiros que passam, ou na contagem gulosa do nmero de bifes no prato do pai, as viagens

    feitas ao exterior, a brincadeira de ensinar as crianas bem pequenas a contar os dedinhos da mo ...

    Contar, arrumar, classificar, agrupar, separar, escolher ... todas essas atividades

    nos esto to prximas que, por vezes, no percebemos sequer que estamos realizando. Pensadores gregos j se preocupavam com isso e para aqueles que pensam que somos fruto exclusivo desse conhecimento to apolneo, os ndios isolados da Amaznia tambm contam os elementos, os agrupam e os separam, logicamente sua maneira.

    Enfim, no sei se por acaso ou por destino, tive a sorte e a oportunidade de trabalhar no IBGE, instituto oficial do Governo para a realizao de pesquisas estatsticas do interesse do pas. Apesar de sempre trabalhar na rea de informtica

    nessa to importante Instituio, tambm tive admirao e curiosidade em analisar os

    mtodos e resultados de inquritos das mais variadas temticas. A minha primeira formao tcnica, em informtica, se seguiu a uma graduao em Administrao, que me mostrou o lado das Cincias Humanas, igualmente interessante e instigante. A

  • 18

    vontade de conhecer um pouco mais me levou aos cursos de bacharelado e licenciatura em Filosofia onde, apesar de no os ter concludo por ter optado por outros voos, pude

    aproveitar to boas leituras e discusses sobre lgica, teoria do conhecimento, sobre os

    filsofos desde os gregos at os ainda vivos e atuantes, sobre taxonomias, um pouco de

    antropologia e sociologia e at docncia. O estgio de licenciatura em Filosofia no

    Colgio de Aplicao da UERJ foi fundamental para a minha opo, no excludente das

    tcnicas e do IBGE, pela docncia. E l fui eu para cursos de ps-graduao, um em

    Recursos Humanos, pois j vivia em equipes heterogneas, e um em Docncia Superior, minha ento nova vocao. Ainda sem terminar tais cursos, iniciei o mestrado em

    Educao, na rea de gesto, onde aprendi, com muito esforo, a gostar de pesquisa

    acadmica e busquei investigar algo me que servisse ao prazer de estudar, s

    universidades em que eu j lecionava noite e ao IBGE, meu sempre principal empregador. A convergncia de interesses foi uma preocupao especial em minhas

    pesquisas. Um novo mestrado em educao, agora na temtica de tecnologias,

    aconteceu, e entre os dois mestrados os artigos publicados e as aulas que dava nos

    cursos de Administrao, Cincia da Computao, Pedagogia e Tecnlogo em

    Informtica me regiam. Com todo o respeito e admirao que tenho pelos especialistas,

    eu optei por ser generalista. O conhecimento me diverte e no quero fazer dele um lote

    murado. Fui rechaado por meus diretores universitrios quando abandonei o

    doutorado em informtica e, pior ainda, quando optei por este doutorado em Histria

    das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia (HCTE), que agora busco concluir. Todas aquelas "pontas soltas" de interesses que foram se acumulando ao longo de tantos anos

    pareciam convergir para o curso que, por sua criao e composio formal,

    interdisciplinar. A proposta do HCTE me irresistvel.

    Misturar assuntos de filosofia, estatstica, classificaes, histria, antropologia,

    sociologia, tcnicas e outras tantas me confirmam como generalista. Peo, de antemo

    portanto, que me desculpem os passeios histricos sem ser historiador, os devaneios

    filosficos sem ser filsofo, a intromisso nas pesquisas e classificaes sem ser

    estatstico... Pode parecer uma posio confortvel, um desvencilhamento de

    responsabilidades, mas no isso, pois busco aprofundar cada assunto, ainda que tenha

    que voltar sculos para tentar conseguir chegar sua origem. Mergulho nos temas com

    o auxlio de alguns importantes autores, que podem ou no corresponder aos autores que

    alguns leitores especialistas recomendariam, mas quem conseguiria unanimidade de

  • 19

    mtodos e idias num s trabalho? Admiro os especialistas mas abomino os que so

    narcisistas. . imaturo esperar o aplauso de todos, principalmente de alguns especialistas que ficam assustados com idias diferentes das suas, como nos mostra a prpria Histria. Quero e ando pelas reas do conhecimento que me interessam e, talvez numa atitude arrogante que no condiz com minha alma, no peo permisso aos

    grileiros do conhecimento para adentrar. Devo, portanto, suportar a ira deles, crdulos e amedrontados posseiros, mas para mim a Vida generalista e no quero concorrer com

    eles, pois h espao para todos e seus conhecimentos so importantssimos. Duvido, no

    entanto, que o leitor no se interesse por alguns dos tantos assuntos abordados, nem que

    seja pela curiosidade, que o pai e a me do conhecimento humano. Certamente todos tero muitas contribuies a fazer a cada um dos inmeros pargrafos deste trabalho de

    pesquisa, pois o conhecimento inesgotvel e eu me reservo o direito de errar, ainda

    que no o quisesse. Meu desejo , portanto, o de contribuir com o seu conhecimento e, quem sabe, estimular a sua curiosidade e a sua vontade de pesquisa para um ou vrios

    temas que abordei. Tive aliados e cmplices neste trabalho, que listei nos

    agradecimentos, assim como crticos vorazes que vociferaram algumas falhas. Estou

    certo que todos contriburam, cada um sua maneira.

    Procurei abordar a histria das cincias, a histria das tcnicas e a epistemologia,

    em total adequao ao Programa que me filiei. A vinculao da tese aos assuntos do

    IBGE bvia e, para mim, necessria, em pleno respeito sua importncia como

    Instituio de pesquisa e por desejar contribuir, minha maneira, Casa que me acolheu, me estimulou e me permitiu estudar.

    nesse conjunto de experincias, vontades, desculpas, ousadias, estudos e trabalhos que apresento, pois, esta pesquisa que me deu grande prazer em construir,

    abriu muitas outras portas do conhecimento e me fez conhecer pessoas especialssimas.

    A vida novamente me sorri, felizmente! Essas foram e so as minhas motivaes.

  • 20

    Introduo

    Para se tentar conhecer determinados grupos de pessoas, fenmenos ou mesmo idias, nossa cultura ocidental se utiliza fartamente do uso dos nmeros, desejando representar esses grupos atravs de quantitativos de caractersticas escolhidas sob

    determinado critrio. Dentro da idia clssica de que saber poder, formalizada pelo filsofo ingls Francis Bacon (1561-1626), os Estados, desde a antiguidade, se mostram preocupados em conhecer as caractersticas de seus pases, com nfase nas populaes e economias, para melhor se planejarem e progredirem. As argumentaes baseadas em nmeros se tomam quase imbatveis, pois refutar tais nmeros enseja uma contra-anlise criteriosa, que pode ser cara, trabalhosa e demorada. Vindos tais

    nmeros de grandes instituies, habitualmente pblicas, repletas de especialistas e com

    uma enorme quantidade de recursos, o discurso tcnico hermeticamente fechado e

    indecifrvel aos olhos comuns se alia autoridade adquirida pela instituio e, enfim, temos estatsticas oficiais que nortearo polticas pblicas de sade, educao,

    transporte, alimentao, segurana, trabalho, economia e todas as reas que precisam de

    um planejamento mnimo para o seu desenvolvimento. A avaliao do mtodo para conseguirmos chegar a tais nmeros, no entanto,

    necessria. A transparncia deste mtodo, assim como de todo o processo de pesquisa

    estatstica, deve contemplar desde a real avaliao da necessidade de levantamento de alguma informao at a divulgao dos resultados, passando obrigatoriamente pelos

    recursos utilizados (como os questionrios, por exemplo), pela clara definio da populao estudada e pela forma de analisar as informaes levantadas. Esta ltima atividade, de anlise dos dados, extremamente subjetiva pois uma mesma informao pode ser entendida de vrias formas, principalmente em grupos heterogneos em

    cultura, conhecimentos, credos e interesses. Talvez essa seja a mais complexa, e portanto a mais perigosa atividade dos levantamentos estatsticos, pois se pode usar os

    mesmos nmeros de acordo com as convenincias, bastando dar interpretaes

    inteligentes para os nmeros. Mostrarei algumas nuances disso nos Captulos 4 e 5, das discusses sobre raa/cor e ocupao respectivamente.

    Ressalto aqui uma peculiaridade tcnica: O IBGE e as antigas instituies que o

    precederam nas atividades de contagens populacionais brasileiras desde o I Censo

  • 21

    Nacional em 1872 tm em seus questionrios perguntas abertas, que se caracterizam pelo preenchimento de respostas na forma dita (ou aproximada) pelo entrevistado, e/ou perguntas fechadas, onde algumas opes de resposta j so pr-fixadas e no h possibilidade de incluso de outra resposta que no estivesse prevista pelo Instituto de Pesquisa. Enquanto nos inquritos de raa/cor as opes de resposta so em menor

    nmero, possibilitando as perguntas fechadas, os inquritos de ocupao eram muitas vezes realizados atravs de perguntas abertas e somente depois, na codificao das respostas (que um trabalho obviamente posterior ao preenchimento, j dentro dos Institutos de Pesquisa), que se fazia uma identificao da ocupao descrita textualmente com os cdigos do Instituto de Pesquisa. Perguntas abertas, portanto, dependem de interpretaes posteriores coleta da informao, o que pode causar distores de algumas respostas. Fao aqui tambm, antecipadamente, o aviso de que nos censos demogrficos de 1900, 1920 e 1970 no houve inqurito para raa/cor e isso ser discutido no Captulo 3.

    Um outro problema, interligado ao do pargrafo anterior, para os dois inquritos aqui pesquisados (raa/cor e ocupao), desde o I Censo at o Censo Demogrfico de 2000, a autenticidade das informaes que so coletadas, sob o aspecto de quem est

    informando os dados das pessoas no questionrio. Habitualmente existem dois mtodos para o preenchimento do questionrio censitrio: o de auto-atribuio e o de heteroatribuio. No primeiro, o prprio entrevistado declara suas informaes (no caso aqui, de raa/cor e ocupao) mas, no segundo, tanto o chefe da famlia quanto o recenseador (quando solicitado pelo chefe da famlia) respondem pelos moradores daquele domiclio, o que pode causar algumas divergncias quanto opes e interpretaes pessoais da cor de sua pele ou da denominao de sua ocupao (assim como de renda, religio e outros tantos quesitos). O IBGE, assim como os rgos que o antecederam na tarefa censitria, se utiliza desses dois mtodos e este um problema at hoje no resolvido.

    Portanto, para realizar estatsticas sobre um determinado universo de pesquisa so necessrias, entre outras, as atividades de codificao e classificao das

    caractersticas dos indivduos daquele grupo. Toda classificao, no entanto, uma reduo e, como tal, exclui elementos que poderiam estar includos caso fosse utilizado

  • 22

    outro critrio e tal idia m~ parece muito lgica: se busco contar homens de uma regio para o servio militar, devo excluir as mulheres de todas as idades, os idosos e os meninos, devendo estabelecer critrios de incluso e excluso, como, por exemplo, considerar idosos para a luta os homens acima de 40 anos e meninos os homens menores de 16. Mas certamente muitas mulheres estariam aptas luta, assim como homens que ficaram fora do segmento escolhido, alm de ter includo erroneamente os homens dentro daquela faixa etria que tm deficincias impeditivas luta. A definio de critrios de classificao uma atividade habitualmente complexa e tem

    consequncias significativas, pois algumas excluses podem ser graves se estas estatsticas servirem para a criao de polticas pblicas, por exemplo.

    Quanto s classificaes, duas formas comuns so frequentemente utilizadas pelas cincias estatsticas: as convencionais institudas pelo Direito (estado civil, profisses controladas, educao formal) e as no convencionais, que se aproximam do que acontece na sociedade mas que no esto devidamente regulamentadas ou mesmo embasadas, como a questo de raa, que no um conceito minimamente unnime, e

    cor da pele, que muito subjetivo. Busquei pesquisar os dois quesitos, raa/cor e ocupao, justamente para perceber as facilidades e dificuldades desses dois plos, definidos por Laurent Thvenot, Alain Desrosieres, Luc Boltansky e tantos outros.

    Um ponto fundamental para o entendimento de minha pesquisa o de entender

    sobre alguns mtodos e palavras que utilizo. Quando falo de acurcia obviamente estou trazendo um preciosismo atual que antes no era utilizado e alguns leitores poderiam me criticar por isso. Acurcia uma palavra que indica preciso ou, para este

    trabalho, uma busca responsvel pela preciso. O que conclamo aqui que alguns autores sobre demografia histrica brasileira, muitos bastante famosos no ambiente

    acadmico, realmente no dizem suas fontes ou seus mtodos para suas estimativas das populaes de poca, sem qualquer memria de clculo ao menos. Acato plenamente

    autores de poca como, por exemplo, Jos de Anchieta, que escrevia que em

    determinadas regies havia "cerca de 2000 vizinhos", pois era espectador da poca. A

    exatido, no era significativa naquele contexto e ele ainda utilizou prudentemente a

    palavra "cerca". Autores mais recentes, do sculo XIX por exemplo, como Cndido Mendes de Almeida, vo at os documentos mais antigos, como listas de desobrigas e antigos levantamentos regionais, e mostram exemplarmente seus nmeros, assim como

  • 23

    o material por eles estudados. Aq contrrio disso, alguns autores do sculo XX

    querem dar suas estimativas prprias, sem referenciar os anti-gos autores ou apresentar quais documentos utilizaram para chegar a tais nmeros. Pior ainda, alguns declaram arrogantemente que suas obras no tm bibliografia e que todas as informaes ali presentes so snteses pessoais. Diante desse quadro que uso a palavra acurcia, mais

    no sentido de qualidade no uso e explicitao de informaes do que de exatido. Outro ponto que merece ser destacado que no invalido as obras desses autores

    de demografia histrica brasileira e suas contribuies para as outras reas do conhecimento. Algumas obras aqui so analisadas somente por suas contribuies s estatsticas histricas demogrficas, ou seja, no esto sendo avaliadas outras temticas, como histria geral, histria econmica, economia e outras que venham a surgir. O foco somente quanto s estatsticas histricas demogrficas.

    Por fim, para no ser acusado de querer destruir biografias por minha exigncia de acurcia, quero refletir sobre a importncia temporal dos estudos. Somente alguns

    trabalhos so atemporais e, por isso, no existe ofensa em dizer que um determinado

    autor foi superado. No h razo para discusses acirradas quando digo que a obra clssica de um autor renomado no contribui para as estatsticas histricas demogrficas, ainda que o mesmo seja amplamente utilizado em outras reas do conhecimento. Novamente ressalto que, especificamente na temtica desta pesquisa,

    algumas obras de alguns autores podem ou no ser reais contribuintes dessa rea, com as obras analisadas.

    Objetivo

    O objetivo principal desta pesquisa analisar a classificao estatstica oficial para os quesitos raa/cor e ocupao, sugerindo formas menos excludentes de agrupamentos e verificando como foi a evoluo histrica dessas classificaes no Brasil, a partir do uso nos Censos Demogrficos brasileiros. Interessa, pois, conhecer e analisar as motivaes das expanses de possibilidades de resposta,

    entendendo que se trata de adequaes aos novos tempos e exigncias da sociedade e do Estado.

    Como objetivos secundrios desejo analisar a contribuio de alguns autores de demografia histria brasileira, indicando os que considero mais criteriosos em seus

  • 24

    nmeros, e reavivar as temticas de raa/cor ~ ocupao sob o vis histrico de suas origens.

    Hipteses

    Uma vez que o Brasil um pas com complexa heterogeneidade tnica e de costumes, como poderamos criar classificaes de raa e etnia que tivessem mais acurcia ao retratar a populao brasileira? Seriam estas realmente necessrias e utilizadas conforme as tabulaes censitrias? So inquritos que interessam

    populao ou criam situaes embaraosas e humilhantes aos brasileiros como os relatos, do passado longnquo e do presente, de brasileiros informantes dos censos

    demogrficos que, mesmo sabendo sua origem tnica, acabam optando por responder

    algo que os identificam com o grupo social e/ou econmico mais proeminente, evitando

    preconceitos ou mesmo o 'receio [dos negros] de voltar aos ferros', como logo foi relatado no anais censitrios aps a escravido. Com as aes afirmativas implantadas

    por algumas instituies, a resposta sobre o quesito passou a ter uma consequncia

    direta de beneficios mas, em contrapartida, acirra disputas tnicas, que fazem tanto mal

    a alguns pases da atualidade. Minha primeira hiptese , portanto, a de que podemos mensurar a etnia dos

    brasileiros sem etiquetarmos, em nossas testas ou documentos, caractersticas que segmentem, ou mesmo fraturem o sentimento de pertena a um grupo nico de

    brasileiros, miscigenados na gentica ou nos costumes durante 5 (cinco) sculos de nativos e visitantes de todos os continentes.

    Outra hiptese, relativa s ocupaes, a que podemos abarcar, com maior preciso, inovaes advindas da economia informacional, da sociedade do

    conhecimento e do prprio mercado de trabalho, agora marcado nos grandes centros

    pela economia informal, criando novas classificaes sem, no entanto, comprometer as

    classificaes feitas nos anos anteriores e possibilitando comparabilidade internacional

    e com os censos passados.

  • 25

    Metodologia e Fontes

    Este estudo tem um forte vis exploratrio sobre as fontes existentes. Os relatrios finais dos Censos, os relatrios de preparao dos mesmos Censos, feitos pelas comisses censitrias, e os manuais de preenchimento dos questionrios, uma vez que trazem grande riqueza sobre a interpretao da resposta do entrevistado para os questionrios dos Censos, so uma forma de acompanhar tais evolues das classificaes. Outras fontes tambm foram consultadas, como decretos e leis,

    relatrios tcnicos, pareceres (anexo) e outros que remetam aos quesitos de interesse do Censo e desta pesquisa. O acervo do IBGE foi, certamente, uma grande base de dados para tal trabalho, assim como os acervos do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB), da Biblioteca Nacional e da Fundao Getlio Vargas, todos no Rio de Janeiro. Ressalto que, graas ao servio encomendado por D. Pedro 11 para que copistas reproduzissem o acervo de assuntos brasileiros do Arquivo Histrico

    Ultramarino de Portugal e depositassem tal trabalho no IHGB, tive acesso a

    documentos importantes para minha pesquisa, principalmente os relativos ao sculo XVII. A dificuldade no uso do Arquivo Ultramarino que ele no trata do Brasil como um pas, num nico bloco, mas sim de cada capitania isoladamente, com uma

    precria indexao feita posteriormente pelo IHGB.

    Apesar de ser uma pesquisa de carter exploratrio, alm do estudo das classificaes como forma de conhecimento, que fundamental para o entendimento

    das pesquisas, necessrio que pelo menos esses dois quesitos de classificao, raa/cor e ocupao, fossem contemplados na verso final da tese.

    Alm de analisar as tcnicas de codificao e classificao estatsticas, a partir do arcabouo terico-metodolgico dos grandes organismos internacionais de

    estatstica, como a OECD e UNESCO, usei os quesitos raa/cor e ocupao, utilizados nos Censos brasileiros, para analisar como foi a evoluo dessas classificaes. A partir dessas duas temticas, todas as leituras dos documentos teriam como objetivo buscar informaes a respeito desses dois quesitos desde o que se considera o I Censo nacional, feito no Brasil Imprio, em 1872 .

  • 26

    Justificativa

    Para um curso de Epistemologia, entender e discutir o conhecimento humano e

    cientfico, a partir de classificaes, sempre relevante. A pesquisa no tem como objetivo reescrever a histria dos censos do IBGE mas sim de agrupar, de maneira sistemtica e inteligvel aos interessados (principalmente aos no iniciados), alguns conhecimentos e classificaes feitos atravs dos tempos. Com rarssimas excees dentro do IBGE, mesmo no do seu corpo tcnico mais especializado, praticamente no

    se trata de histria e evoluo das classificaes e, quando isto feito, superficial e

    esquemtico, sem anlises que tomariam o tema bem mais interessante de ser estudado.

    O trabalho histrico sobre a origem do IBGE, sobre os censos e pesquisas estatsticas

    brasileiras e sobre personagens importantes da Estatstica no Brasil, realizado por

    Nelson de Castro Senra e Marco Aurlio Martins Santos merece, sem dvida, sinceros

    aplausos. No entanto, o desconhecimento geral dos relatrios/publicaes dos

    resultados dos Censos tambm uma grande lacuna dentro da Instituio e mais ainda

    fora dela. As fontes existentes so numerosas, riqussimas e pouco exploradas.

    As duas temticas, raa/cor e ocupaes, so assuntos muito em voga e de uma

    enorme importncia para o pas, uma vez que polticas pblicas de educao e trabalho

    esto sendo pensadas a partir de estatsticas oficiais que utilizam classificaes

    escolhidas pelo IBGE, como a poltica de cotas raciais nas universidades, e o trabalho

    de nossa poca, da economia da informao, da economia informal, do teletrabalho e da

    sociedade do conhecimento. Analisar como tais classificaes foram pensadas e

    utilizadas e como so refletidos os seus resultados demasiadamente interessante para

    estatsticos e historiadores que desejem conhecer um pouco da origem de alguns problemas e dos arranjos tcnicos para minimiz-los. A pesquisa interessante tambm porque mostra alguns contrapontos do discurso do Estado e da realidade do pas, como

    em pleno "milagre brasileiro" da dcada de 70, termos quase metade da populao

    classificados em trabalhadores de enxada, empregadas domsticas e balconistas ou, no

    I Censo brasileiro, de 1872, num Brasil com economia extremamente rural, termos

    classificaes "urbanas" para o quesito ocupao/profisso. No Brasil do sculo XXI,

    como estamos contabilizando os quase 10% da populao que se encontram na

    informalidade? Quais so as ocupaes que trabalham efetivamente com as tecnologias de informao e comunicao (TIC)? Quantos so os nanocientistas ou

  • 27

    geneticistas moleculares? Se no realizarmos levantamentos destas ocupaes, como oferecer sociedade (incluindo tambm a a indstria com sua demanda de mo-de-obra com elevada especializao) o indicativo de reas a investir?

    Quanto cor/raa, interessa saber a real motivao para tal inqurito, uma vez que desde o sculo XIX esta pergunta incomoda os brasileiros, como j escrevi acima, e no se obtm informaes realmente confiveis, de acordo com os prprios rlatrios censitrios que irei mostrar nos captulos seguintes.

    Organizao deste Trabalho

    Apesar da vontade de explorar ao mximo cada assunto abordado, existe obviamente uma necessidade de limitar o trabalho, para que no seja demasiadamente longo que espante o leitor e que tambm no seja to telegrfico que deixe lacunas significativas no conhecimento estudado.

    Este trabalho se compe, pois, desta pequena introduo, de 5 captulos, de uma breve concluso, de uma bibliografia completa e de muitos anexos. Buscando facilitar ao leitor que deseje aprofundar algum tema abordado, coloquei propositalmente uma bibliografia especfica ao final de cada captulo, que estar contida na bibliografia geral. Penso que esta seja uma maneira talvez mais objetiva de identificar obras e autores que usei.

    No Captulo 1, inicio, sob o ttulo Prolegmenos sobre a Classificao como forma de conhecimento, comentando o que julgo os pilares da classificao: a percepo, a linguagem, o conhecimento e, por fim, o prprio ato de classificar. Para cada um deles busquei elencar alguns filsofos e curiosidades, tentando unir as teorias e a realidade da vida. A matematizao, a estatstica, a busca incessante da representao da realidade, os modelos de conhecimento e os primeiros gabinetes de pesquisa, assim como uma experincia na entrevista com um deficiente visual tentam trazer tona todo

    um contexto para que o leitor verifique a complexidade de obtermos um nmero, um ndice, que represente de forma fidedigna a economia, a sade, o conhecimento adquirido, o bem-estar de uma populao e toda a vida que pulsa incessantemente.

    O Captulo 2 traz o ttulo de Introduo aos Inquritos Populacionais e Censos

    Demogrficos. Talvez este tenha sido o mais trabalhoso captulo desta pesquisa e possivelmente seja o mais polmico captulo e explico agora o porqu. Comeo com

  • 28

    um breve histrico das contagens populacionais desde dois milnios antes de Cristo at

    o ano de 1872, ano em que, segundo os historiadores da estatstica demogrfica, ocorreu o primeiro censo demogrfico do Brasil. Busquei trazer exemplos de descries dos

    relatrios dos Capites-Mores e administradores sobre nmeros populacionais do pas

    desde o ano de 1500 a 1872 mas minha principal preocupao no foi a de montar uma

    tabela com esses totais mas sim a de tentar analisar quem foram (ou so) os melhores autores que ofereceram tais estatsticas, baseando minhas concluses em critrios que

    buscam maior fidedignidade aos quantitativos. Para isso analisei as obras de muitos

    autores, alguns de grande renome na Histria, na Economia, na Geografia, na Religio e

    em tantas outras reas. A ressalva que fiz anteriormente sobre o modo como utilizo o

    termo acurcia neste trabalho uma grande advertncia ao leitor, para que no caia na

    fcil armadilha de julgar que estou usando critrios atuais para analisar o passado. J o Captulo 3, Os Quesitos de Raa/Cor e Ocupao nos Censos Demogrficos

    Brasileiros, o mais volumoso e talvez o mais enfadonho captulo, porm

    extremamente necessrio minha pesquisa. Para cada ano de Censo Demogrfico, de

    1872 a 2000, tentei trazer elementos que enriquecessem o entendimento dos tais

    quesitos, incluindo desde o embasamento jurdico que permitiu a cada operao censitria at um modelo do prprio questionrio de cada ano, as possibilidades de

    resposta, os manuais de preenchimento, os agrupamentos realizados de algumas

    classificaes, alguns destaques que julguei importante ressaltar nos documentos pesquisados e at os ttulos das tabulaes oficiais encontradas para raa/cor e ocupao

    nos relatrios finais de cada censo. Por desejar tentar oferecer um panorama mais completo possvel, listei, ano a ano dos censos demogrficos, as possibilidades de

    resposta para o quesito ocupao, que tiveram que ficar no Anexo, de to longa e

    exaustiva lista.

    O Captulo 4, Discusses acerca do quesito raa/cor na histria e na estatstica,

    por si s j poderia ser tema de um trabalho stricto sensu, tamanha a riqueza de fontes e possibilidades de abordagens e anlises. A discusso de um assunto desse porte no

    mnimo instigante mas, ao mesmo tempo, a escrita sobre ele frustrante pois jamais se conseguiria ao menos tangenciar as tantas arestas que a temtica raa/cor pode trazer. Dediquei-me ao assunto de Eugenia, desde seu estgio inicial com a Antropometria e os

    primrdios da Antropologia e dei especial ateno a este movimento tambm no Brasil,

    por desejar entender mais sobre o preconceito racial que at hoje assola as naes.

  • 29

    Logo em seguida, abordo as classificaes da raa humana, desde a primeira que achei,

    do ano de 1684, at a necessria discusso sobre DNAs e geneticistas. Os mtodos de identificao racial, a etimologia das cores e das raas usadas, alguns nmeros do IBGE e uma anlise bastante diferenciada da que faz este Instituto esto tambm descritas

    neste captulo.

    De maneira bem similar ao Capitulo 4, o Captulo 5, Discusses sobre Ocupao e Trabalho na histria e na estatstica, tenta trazer baila como o trabalho se inseriu de forma to intrnseca na vida dos homens. Agricultura, comrcio, os elementos bsicos da Economia Clssica, o trabalho infantil, a entrada feminina no mercado de trabalho,

    os impactos da Revoluo Tecnolgica nos empregos, as padronizaes internacionais das classificaes de ocupao e a insero do Brasil neste contexto de comparabilidade

    internacional so apresentados e discutidos nessa parte da tese. O setor TIC, das' Tecnologias de Informao e Comunicao, e a economia informal mereceram destaque, uma vez que so afloramentos de mudanas econmicas e sociais que vm

    acontecendo nas ltimas dcadas e que nem sempre esto sendo devidamente

    mensuradas pelas estatsticas. Por fim, como ltimo captulo, uma concluso, que por ter certeza de sua

    amplitude parcial, foi chamado Guisa de Concluses. Nesse ltimo captulo, ouso fazer algumas sugestes para ampliar o debate sobre os quesitos de raa/cor e ocupao

    antes mesmo do incio do teste-piloto do Censo Demogrfico brasileiro de 201 O. No tenho a pretenso de sequer imaginar que esta pesquisa esgote qualquer tema,

    ainda que mnimo, mas penso que este trabalho possa ser complementar a tantos outros conhecimentos, escritos ou tcitos, existentes dentro e fora do IBGE. apenas uma contribuio com idias obtidas numa perspectiva multidisciplinar mas com uma

    abordagem e metodologia de trabalhos acadmicos.

    O Anexo 1 mostra uma viso oficial do IBGE, em linguagem bastante clara e acessvel, sobre a importncia do censo. Aps este documento, encontrado na pgina principal do IBGE na Internet, muitos outros comporo o Anexo para tentar enriquecer a leitura e o debate e, oxal, servir de consulta a colegas que se interessem por pesquisar as classificaes e seus usos na estatstica e na sociedade.

    Apresento ao leitor, pois, o Captulo 1, que vem a seguir.

  • 30

    Captulo 1 - Prolegmenos sobre a Classificao como Forma de Conhecimento

    Jorge Luis Borges escreve, em Otras lnquisiciones, que "uma certa enciclopdia

    chinesa" dividia os animais em: a) pertencentes ao imperador; b) embalsamados; c) domesticados; d) leites; e) sereias; f) fabulosos; g) ces vadios; h) includos na presente classificao; i) enfurecidos; j) inumerveis; k) desenhados com um pincel muito fino de plo de camelo; I) et coetera; m) os que acabaram de quebrar o vaso de gua; n) os que, de uma grande distncia, parecem moscas. Notoriamente que tal classificao nos parece extremamente absurda, principalmente sob a ptica do

    conhecimento vigente dos ocidentais, mas demonstra que a classificao uma

    atividade subjetiva de algum com critrios escolhidos e motivados por uma vontade, crua ou velada, justa ou injusta, fundamentada numa razo ou provinda de idias dspotas, e assim por diante.

    1.1 - Introduo

    Penso, logo classifico. Conheo, logo classifico. Talvez nosso raciocnio tenha

    sido estruturado para classificar coisas. Classificamos quase tudo: as cores para pintar

    carros e paredes, a propriedade dos filmes no cinema, classificamos as formas

    geomtricas, os tipos fsicos e tipos emocionais, classificamos doenas, trabalhos, fatos

    contbeis. Classificamos a nossa lngua e nossa matemtica. Classificamos animais,

    vegetais, minerais, povos, culturas, economias, elementos qumicos, cores de cabelos,

    olhos e pele, os alimentos de nossas dietas, o aproveitamento no aprendizado de nossos

    filhos, estrelas e galxias. "Classificar humano" (Bowker e Star, 2000, p.l ). A classificao um estado mental constantemente utilizado, consciente ou

    inconscientemente, por qualquer ser humano (Brown, 1916). Mesmo sem perceber o quanto utilizamos o mecanismo de classificao no nosso cotidiano, muito comumente

    estamos ordenando nossos afazeres, ambientes e objetos. Aristteles (cerca de 300 a.C.) foi o primeiro pensador que realizou um tratamento sistemtico de categorias, como forma de conhecer um objeto. Sua vontade de organizar o mundo e suas idias o levaram, no Organon ('ferramenta para o correto pensar'), a classificar as coisas em categorias, dando-lhes distintas maneiras de predicao (gnero, espcie, diferena, propriedade e acidente). Porfirio ilustra a classificao de conceitos numa sucessiva

  • 31

    subordinao, delineando uma verdadeira rvore taxonmica, chamada de 'rvore de Porfrrio', onde as substncias podem ser corpreas ou incorpreas; as corpreas podem

    ser animadas ou inanimadas; as animadas podem ser racionais ou irracionais, e assim

    por diante (Figura 1 ). Roger Bacon, no sculo XIII, John Locke e Francis Bacon, no sculo XVII, Carolus Linnaeus no sculo XVIII, Melvil Dewey, no sculo XIX, e

    outros tantos pensadores que classificaram conhecimentos, botnica, zoologia, sistemas

    mtricos e tantos outros poderiam ser facilmente citados e lembrados no nosso

    cotidiano. Buscar um livro numa grande biblioteca sem um classificador confivel de

    assunto, ttulo ou autor, certamente seria uma atividade complexa e talvez sem xito.

    Telefones, internet, CPFs, CEPs, linhas ~e pesquisa, patologias, conhecimento... Sem classificao, certamente estaramos em um estgio bastante diferente de

    desenvolvimento cientfico e social, inimaginvel talvez.

    Figura 1.1 -rvore de Porfirio (por volta de 300 a.C.)

    / Substncia ""

    Corprt-a Incoaprt-a

    Animado Inanimado

    Corpo Vivo

    / "" St-nsvt-1 Inst-nsvel ~ /Animal~

    Racional Inacional

    ~ Homt-m

    Scratt-s Plato e outaos

  • 32

    Compro um jornal e l vem um caderno de classificados. O que so os classificados? bvio concluir mas chamo a ateno para a estruturao do pensamento de quem os fez e de quem os usa, por se utilizarem dessa forma de conhecimento to comum que passa desapercebida. Os classificados so ofertas de

    vrios bens ou servios, ordenados por tipo, localizao, marca ou modelo, por idade ou

    por preo, numa seqncia em que rapidamente pode-se chegar ao nosso objetivo de procura, sem dar ateno aos demais. A mesma coisa para os catlogos telefnicos residenciais que chegam s nossas casas: nada mais so que dados uniformizados e

    postos em seqncia, ordenados segundo um critrio j historicamente aceito, que o ltimo sobrenome da pessoa seguido do primeiro nome, endereo e nmero de telefone.

    A partir da etimologia da palavra classificao podemos chegar a algumas breves 'verdades', que sero discutidas durante este primeiro captulo. A origem vem ...

    "Do latim classe mais o sufixo jicao, que vem do latim facere, fazer. o resultado da distribuio em classes e/ou grupos, de acordo com um determinado mtodo, apoiado num sistema de smbolos especficos a cada ramo do conhecimento. Na Histria Natural, a distribuio de um conjunto de seres e de seus agrupamentos, conforme suas analogias e/ou caracteres comuns. Neste ramo do conhecimento a classificao pode ser; Classificao artificial quando se procede ao agrupamento tendo em vista qualquer utilidade prtica, e baseada num carter nico ou um conjunto de caracteres comuns (Ex.: a classificao alfabtica). Classificao natural - quando fundada no maior nmero de propriedades comuns, isto , quando atende s caractersticas determinantes, o que vlido para as cincias biolgicas, psicolgicas ou sociais. Na classificao das espcies biolgicas, a classe uma das categorias. No sentido geral, classificar dividir conforme as semelhanas ou diferenas entre os seres."

    (Pinheiro, 1992, p.324.)

    Seguindo as idias de Pinheiro (op.cit), para distribuir em classes e/ou grupos por um mtodo primeiro preciso perceber as coisas para s depois criar um mtodo que

    as agrupe ou as separe. Quanto aos smbolos especficos a cada ramo do conhecimento,

  • 33

    nossa sociedade cientfica parece que elegeu a escrita e a matemtica como formas

    privilegiadas de representar a realidade. Essas linguagens nos so, portanto, preciosas

    para o conhecimento. Percepo, linguagem e conhecimento so, pois, necessrios classificao e, por isso, vou analis-los em maior profundidade.

    Antes disso, mas j desejando ir um pouco mais alm na reflexo, devo pensar sobre o que a ato de classificar. Primeiramente pode ser entendido como o resultado

    da experincia e/ou observao de algo em contraposio ou justaposio a uma idia j estabelecida. A partir desta observao, relacionam-se caractersticas prprias do objeto ou fenmeno, que pode ser concreto ou abstrato. , portanto, uma ao onde se analisa mais de um, pois o uno no permite classificao mas sim constatao de qualidades que o definem. Portanto, a partir da semelhana e da diferena, entre dois ou mais,

    que ocorre a classificao.

    Os critrios (ou caractersticas escolhidas, ainda que elementares) percebidos da coisa ou fenmeno que aparece frente aos olhos so chamadas classes ou categorias. Se

    penso ou vejo uma cadeira, por exemplo, busco caractersticas destas categorias que seriam inerentes a uma cadeira, tal como material de construo, cor, tamanho, peso,

    desenho e outros tantos. Busco, ento, primeiro, perceber aquele objeto ou fenmeno e descrever aquilo que consigo verificar em sua existncia. A partir da noo do objeto I fenmeno, tenho capacidade para compar-lo com outros, cujo processo de conhecimento j fica facilitado uma vez que tenho j alguns critrios ou categorias obtidos pela minha primeira percepo e, conseqentemente, posso verificar

    semelhanas e diferenas.

    Com vrias categorias estabelecidas para perceber e analisar objetos ou fenmenos diferentes, pode-se chegar s taxonomias, que podem ser representadas por

    um quadro comparativo com um cruzamento de informaes que se estabelece a partir

    do resumo das categorias por tipo de objeto ou fenmeno. As taxonomias facilitam a visualizao e o resumo de resultados de categorias, que podem ser iguais e diferentes

    entre as coisas analisadas. Na etimologia do prefixo grego taxi se percebe a adequao

    desta palavra, taxonomia: "ordem, orientao" (Cunha, 1994, p.758). Taxonomia , portanto, uma forma organizada de classificar coisas, idias ou palavras que possibilitam a ampla comparao entre elas, a partir de categorias estabelecidas, que

    resumiro as essncias, facilitando a concluso de identidades e diferenas.

  • 34

    Contudo, para se chegar no ato humano de classificar coisas, h necessidade de

    a':aliar como esse processo cognitivo se inicia e se processa. Por vrias leituras, que

    sero amplamente trazidas baila por razes bvias de fundamentao dos argumentos e pela prpria construo do conhecimento acadmico, trao um roteiro bsico para

    desembocarmos na classificao, que so, na ordem natural, percepo, linguagem,

    conhecimento e classificao.

    1.2- Percepo- Um Primeiro Estgio para a Classificao

    Etimologicamente a palavra percepo significa "adquirir conhecimento de, por

    meio dos sentidos', 'entender, compreender' (Cunha, 1994, p. 595). bem verdade que a percepo necessria para conhecer um objeto varia muito,

    de pessoa para pessoa, de povo para povo, de cultura para cultura, entre pocas e at

    mesmo de uma pessoa para ela mesma, dependendo do momento em que a mesma

    esteja analisando. Estamos falando de percepo a partir de um homem em seu contexto scio-cultural.

    , no entanto, a partir das distintas maneiras de perceber as diferenas das coisas que se inicia o processo classificatrio que hoje tanto utilizamos. Desde a primeira infncia somos ensinados a perceber objetos sob categorias clssicas ou naturais: separar brinquedos grandes dos pequenos, separar objetos pelas cores e pelas formas dos objetos, impedindo que as crianas possam continuar at que 'acertem' as escolhas. Todas essas brincadeiras parecem 'moldar' nossas mentes e nos 'capacitam' para essa

    forma 'organizada' de pensar. "A faculdade de percepo ou do reconhecimento de

    formas caracterizada por sua grande rapidez. O sistema cognitivo se estabiliza em

    uma frao de segundo na interpretao de uma determinada distribuio de excitao

    dos captadores sensoriais... A percepo imediata a habilidade cognitiva bsica"

    (Lvy, 1995, p.157). A contrapartida tambm bvia: no conseguimos pensar de maneira diferente daquela pela qual fomos 'adestrados' e, portanto, no conseguimos

    enxergar o mundo de forma diferente.

    Existe, alm disso, a problemtica da pouca acurcia da percepo humana e,

    por conta desse fato, por exemplo, demoramos muitos sculos para afirmar que a Terra

    no era plana e sustentada por colunas gigantes. Quanto percepo, algumas crianas conhecem a fbula dos quatro cegos que, diante de um elefante, apalparam uma parte do

  • 35

    mesmo, chegando a concluses bizarras: a) o que apalpou a pata, afirmou que se tratava de uma rvore; b) o que ap~lpou a cauda disse que era uma corda; c) o que apalpou a tromba disse que era uma grande serpente e; d) o que apalpou a presa de marfim afirmou que se tratava de uma espada (Cavalcanti, 1996, p.20). A 'viso' restrita de algo e a busca de 'conhecer' o que vemos I sentimos no que j conhecemos nos impede, muitas vezes, de entender outros objetos, pois estamos sempre partindo do que j est conhecido, mostrando claras dificuldades para imaginar algo realmente novo (ou uma explicao realmente nova para um fenmeno j conhecido). "Em Das Kapital Marx afirma que a cincia seria suprfula se a essncia e a aparncia coincidissem"

    (Oliva, 2005, p.49). Outro modo interessante de demonstrar a fragilidade de nossas percepes

    visuais pode ser vista no campo da embriologia comparada, quando verificamos os

    estgios iniciais de embries de diversos vertebrados, conforme mostrado abaixo

    (Lazarus, 1971 ). Provavelmente apenas os especialistas nesse campo da cincia poderiam classificar de maneira correta os seres descritos na linha I da figura 1.2 e ressalta-se que estou apresentando caractersticas fsicas visveis e no caractersticas e

    composio de DNA dos seres, que seriam de maior dificuldade de comparao para a

    maioria da populao. A partir de uma percepo errada, quer sej~ por desconhecimento, por categorias frgeis ou por descuido, podemos facilmente concluir

    e conceituar coisas de maneira enganosa, com conseqncias impensveis e por longos

    periodos de tempo.

  • 36

    Figura 1.2 - Embriologia Comparada de Vertebrados (Lazarus, 1971, p.96)

    111

    Fish Salamander Tnrtoil;c Chick Hng Calf Rabbil Human

    Plato escreve: "Supe que eu dissesse de mim para comigo: aquele.ali Teeteto

    visto ser homem e ter nariz, olhos e boca ... esse pensamento me permitir pensar mais

    em ti que em Teodoro ... E se eu no pensar apenas em algum como nariz e olhos, mas

    tambm de nariz chato e olhos saltados, por ventura pensarei mais em ti do que em mim

    mesmo?... Acho que no poderei fazer uma idia perfeita de Teeteto enquanto essa

    forma achatada de nariz no se diferenciar de todos os outros narizes rombos que eu j vi... Logo, a opinio verdadeira de qualquer coisa diz respeito s diferenas." (Plato, 1978, p. 512). A genial sutileza de Plato no uso do termo opinio, doxa em grego, em contraposio clara a techn, pois a opinio subjetiva e, portanto, variante.

    No entanto, simploriamente analisando as formas humanas de classificao, se

    verifica que so buscadas as semelhanas e diferenas visveis e que atravs delas que

    criamos categorias ou classes especficas, onde usualmente utilizamos critrios que

    efetivamente separem uma coisa das outras, sem sobreposio. Quando falamos que buscamos um carro verde no estacionamento, estamos logicamente excluindo todos os

    carros de outras cores e diminuindo o universo de dvida para somente os carros verdes

  • 37

    do local e a sim encontrar o automvel desejado. Classificar , ento, um processo de agrupamento por determinados critrios que, necessariamente, exclui elementos

    diferentes daqueles que foram agrupados, ou seja, aglutina alguns e exclui outros. Mas, se desde os filsofos gregos sabemos que a realidade est em permanente

    mudana, como poderamos analisar a mesma com critrios, se ela se encontra nesse

    fluxo constante de acontecimentos? Num mundo onde a escrita extremamente

    valorizada, como conseguir escrever sobre uma realidade to mutvel?

    1.2.1- Seria Possvel Descrever uma Realidade de Maneira Fidedigna?

    Como, ento, representar (no sentido de ser a imagem) a realidade de maneira fidedigna? Como evitar tantas interpretaes diferentes a partir de um mesmo signo,

    escrito, falado ou desenhado? Como representar a realidade se a mesma est em

    permanente fluxo, mudando e transformando-se a cada olhar? Como pensar algo que

    no conhecido sem se basear nas nossas experincias anteriores e como essas

    experincias atrapalham a representao do novo?

    Estas so perguntas comuns, feitas h sculos, estudadas por homens brilhantes

    em seus tempos e atravs dos tempos, mas ainda sem respostas. Na verdade, at mesmo

    na definio de realidade temos divergncias fortes entre autores clssicos e renomados.

    Ainda hoje, no incio do sculo XXI, pouqussimas so as certezas e as verdades so to frgeis que vacilam a cada boa argumentao feita. Os mtodos cientficos, simples ou

    complexos, no conseguem, de maneira unvoca, representar as realidades do mundo.

    Enxergando pelos Sentidos ou Enxergando pelo Passado?

    Para analisar a descrio de uma realidade no conhecida, fiz um teste: Dei uma

    aliana de prata, com desenhos externos, sem inscries de nomes ou datas na parte

    interior, a um deficiente visual1 e pedi a ele que descrevesse aquilo que s sentia com o

    tato. O resultado rpido foi que era uma aliana, com duas cores, com inscries na

    parte interior dela. Dito o que era certo e o que era errado na descrio para ele, percebi

    1 Agradeo a Eduardo Nogueira, analista de sistemas, deficiente visual h 20 anos, por acidente automobilstico, pela experincia realizada com a aliana de prata, em 04 de junho de 2005, na presena de Andrea Lyrio e Henrique Ferro.

  • 38

    que ele novamente a analisou, conseguiu perceber seus erros e justificou suas observaes. Sentindo uma forma semlhante a uma aliana, ele imediatamente

    imprimiu caractersticas que conhecia de uma aliana qualquer para o novo objeto que ele analisava com as mos. Por achar que se tratava de uma aliana, como sentiu ranhuras na parte externa, julgou mal que eram advindas de dois metais de cores diferentes e que havia uma inscrio no interior, que no existia. A questo dos dois metais foi sugerida por ele porque ele no imaginava que a aliana tivesse desenhos externos, pois no so comuns em alianas, e sua deduo foi a de materiais diferentes

    sobrepostos, como realmente existem hoje no mercado mas que no era o nosso objeto de questo. A suposta inscrio no interior da aliana a melhor caracterizao de

    como polumos as descries dos novos objetos com o nosso conhecimento prvio; por entender que era uma aliana, o deficiente visual deduziu que havia uma inscrio,

    como habitual nas alianas de casamento, apesar de no haver nenhuma ranhura na

    parte interna da mesma, sendo totalmente lisa. Segundo os socilogos Berger e Luckman (2000, p.72), "o homem constri sua

    prpria natureza, ou, mais simplesmente, que o homem se reproduz a si mesmo". Esta

    idia vai ao encontro do pensamento de Oliva (2005), quando discute sobre a divergncia entre entidades naturais e entidades psicossociais, ou o que seja Physis versus Nomus ou, traduzindo, o que natural (como a classificao . dos sexos -masculino e feminino) e o que conveno (como a classificao por ocupao de trabalho ou de renda familiar). Para este autor (op.cit, p.73), "a formao do eu deve tambm ser compreendida em relao com o contnuo desenvolvimento orgnico e com o processo social". Ambos citados neste pargrafo, Berger e Luckman e Oliva, nos

    reavivam o conceito de reificao da realidade social e, por conta disso, "o

    conhecimento deixa de ser sobre objetos para ser sobre o sujeito que tenta conhecer" (Oliva, 2005, p. 61 ).

    Tal experincia, bastante simples, reflete bem o que pode acontecer com os

    novos objetos de estudo, pois se busca ver algo baseado no que conhecido e por vezes no descrevemos a realidade do objeto. preocupante verificar que temos, a cada dia, novas descobertas, mas que podem ser to frgeis como a descrio acima da experincia com a aliana. No existem garantias, temos noo da temporalidade das

    verdades e somos conscientes de que no temos ferramentas de maior exatido.

  • 1.3 - Linguagem - o Segundo Estgio para as Classificaes

    "O relativista irnico no pra de citar e comemorar o fracasso dos filsofos do fundamento" (Stengers, 2002, p.87)

    39

    importante lembrar que, muitas vezes, na busca de uma explicao sobre as coisas e os fenmenos, criamos conceitos errados para estes a partir de uma impresso

    sensorial no condizente com a 'realidade' ou uma observao frgil. "Ora, a fora de

    um 'argumento nascido da observao' deriva do fato de os enunciados de observao

    estarem fortemente ligados s aparncias. De nada vale apelar para a observao, se

    no se sabe descrever o que se v, se a descrio hesitante, como a de algum que

    acabou de aprender a lngua em que a formula. Formular um enunciado de observao

    envolve, pois, dois eventos psicolgicos muito diversos: (1) uma sensao clara e inequvoca e (2) uma conexo clara e inequvoca entre a sensao e as partes da linguagem. Essa a maneira pela qual a sensao vem a falar. " (Feyerabend, 1989, p.l 09). Desejo agora adentrar no contexto da linguagem a partir da mxima italiana traduttore, traditore ...

    Na linguagem temos que adotar determinados padres de construo, sintaxe,

    gramtica e vocabulrio para podermos ser entendidos por outros volta. Minha escrita

    deve buscar transcender dimenses de tempo, espao e mesmo as sociais. a representao simblica daquilo que desejo perpetuar ou indicar a algum, porm, tal como qualquer representao, no real mas sim uma tentativa de aproximao dos

    fatos e fenmenos. Minha escrita , pois, um limitante minha experincia. Um leitor,

    fora do contexto social, temporal ou local do escritor, poder ter um entendimento

    diferente daquele que desejava ser entendido e, ainda mais, poder misturar suas prprias perspectivas e experincias na subjetividade natural do texto. Impossvel ser, pois, representar algo de maneira fidedigna a quem vivenciou ou imaginou a situao

    descrita.

    Mais do que como os objetos se parecem, pois dependem da perspectiva de anlise e da experincia pessoal para descrev-los, gostaramos (ns, humanos) de pensar em como descrever a realidade, com suas formas, pesos, cores, texturas e todas

    as caractersticas com que pudssemos bem represent-la. No entanto, vrios filsofos

    como Foucault percebem a fragilidade das descries. Kant nos pergunta se seria

  • 40

    possvel um conhecimento independente da experincia e sua resposta afirmativa,

    baseada nos a priori kantianos, mas ainda assim, talvez, esses a priori tambm nos

    atrapalhem pois so a priori dos homens com tradies humanas, religiosas e sociais, que podem balizar a nova experincia, a viso do novo, do atualmente indescritvel e do

    desconhecido. A expresso latina "tabula rasa" traz, de forma muito oportuna para este

    trabalho, a discusso entre Locke e Leihniz quanto do que inato e do que adquirido

    no conhecimento humano: Locke afirmava que o esprito humano uma tabula rasa,

    adquirindo conhecimentos a partir da experincia, enquanto Leibniz, contrariamente,

    acreditava que, nos homens, a idia de causa, de comparao e de nmeros, por

    exemplo, j eram sentimentos inatos e que no poderiam ser retirados da experincia. Enfim, Francis Bacon afirmava que a dialtica era improdutiva para a cincia

    porque, baseados em palavras, os silogismos eram completamente frgeis para serem

    sustentculos de teorias da natureza e do conhecimento. Se as palavras so confusas e

    extradas das coisas ao acaso, tudo que se constri em seguida sobre tal fundamento no

    pode ter solidez. Tambm Wittgenstein "clamara que logicamente a linguagem s

    permite dar nomes para apontar as coisas"(Rosa, sd, p.215, nota de rodap n. 631 ), Para Leibniz, Bacon, Descartes e tantos outros cientistas dos sculos passados e

    recentes, a matemtica seria a grande aliada das cincias, principalmente a fisica,

    colaborando em suas representaes e reforando importantes teorias que s poderiam

    ser validadas a partir dos clculos matemticos.

    Mas a matemtica no tem o mesmo apelo como a oralidade e a escrita como

    formas de linguagem. Sem a linguagem, como poderemos criar categorias, ou nomes

    de classes, e vincul-las s coisas e aos fenmenos de maneira inequvoca e excludente?

    "Se a representao nunca determinada pela natureza do que representado, s pode

    s-lo pela identidade individual e coletiva de quem representa. A alternativa seria um

    dilogo entre quem representa e o que representado" (Oliva, 2005, p.61). Para se analisar algo, busca-se descrever tal objeto ou fenmeno em suas

    caractersticas percebidas pelos sentidos e inicia-se uma descrio de tudo que pode ser

    verificado (Hempel, 1970, p.140). Na lista de vrios objetos e fenmenos descritos, por semelhanas e diferenas, pode-se agrup-los por vrios critrios, unindo-os e

    separando-os, de acordo com a seleo desejada. Uma sistematizao se torna quase um bvio passo seguinte. No raras vezes pesquisadores criam termos ou at mtodos

    para designar melhor uma caracterstica, uma vez que o vocabulrio muitas vezes no

  • 41

    consegue compreender a nova descrio. A incapacidade de abarcar uma r_ealidade,

    fenmeno ou objeto atravs de palavras enorme, pois dificilmente se esgota a capacidade humana (ainda que intermediada por equipamentos) de perceber novas caractersticas da coisa analisada. Na pesquisa cientfica, os casos limtrofes entre uma classificao ou outra que podem tornar as categorias frgeis, no permitindo, pois, a

    situao unvoca e inequvoca (op.cit., p.152). Stengers (2002, p.86) escreve que "o acontecimento no se identifica com os significados que os que o seguirem elaboraro a

    seu respeito ... " e que "sua dimenso torna-se objeto de interpretaes mltiplas". Mais ainda, para Foucault (2002, p.200), "Um animal ou uma planta no aquilo que indicado - ou trado - pelo estigma que se descobre impresso nele; aquilo que os outros no so; s existe em si mesmo no limite daquilo que dele se distingue" ... "definir as identidades pela rede geral das diferenas ... ". Problema maior chegar a um consenso sobre o que diferena (ou qualquer coisa) para um grande grupo de pessoas diferentes ...

    Dados os limites da representao, resta-nos pensar que "Classificar, portanto,

    no ser mais referir o visvel a si mesmo, encarregando um de seus elementos de representar os outros; ser, num movimento que faz revolver a anlise, reportar o visvel ao invisvel, como sua razo profunda, depois alar de novo dessa secreta

    arquitetura em direo aos seus sinais manifestos, que so dados superfcie dos corpos." (Foucault, 2002, p.315).

    1.4 - Conhecimento - o Terceiro Estgio das Classificaes

    George Sarton e Joseph Needham escrevem sobre a cincia na China, ndia e nos pases islmicos, antes mesmo das idias do ocidente, especificamente dos gregos,

    ganharem supremacia sobre as do oriente. Os egpcios com suas tcnicas de construo, coordenando obras 'faranicas' com mais de I 00.000 pessoas envolvidas, os sumrios inventando a escrita e os caldeus prevendo o movimento dos planetas j poderiam mostrar que realmente existia cincia bem antes dos gregos.

    Muitos estudiosos buscam, incessantemente, outras formas de conhecer, e o conhecimento tido como universal antes um conhecimento local europeu, difundido e estabilizado pelos prprios europeus e pelos seus conquistados, numa rede ampla, forte

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    e aceita pelos detentores das maiores economias. Outros conhecimentos locais existem

    e algumas reas do conhecimento, como a etnomatemtica, j estudam os elos mais frgeis das outras matemticas, que por pouco no foram esquecidos em decorrncia da

    supremacia europia (D 'Ambrsio, 2001 ). A questo da classificao em nossa 'forma europia de conhecimento'

    tambm estudada pelos psiclogos e por seu conhecido representante, Piaget ( 1973 ), que sabiamente vinculou conhecimento com percepo. O conhecimento, no entanto, no ocorre somente com a percepo, que age nos estgios mais elementares de

    formao do conhecimento, mas tambm do agir sobre ele ou transformando-o. Portanto, o conhecimento no resultado da simples impresso, depositada pelos objetos nos rgos sensoriais, mas sempre devido a uma assimilao ativa do sujeito, que incorpora os objetos aos seus esquemas sensrio-motores, isto , aquelas de suas aes capazes de se reproduzir e de se combinar entre si. Classifica-se e combina-se,

    portanto, a partir da percepo pessoal das semelhanas e diferenas dos objetos analisados.

    1.4.1- Um pouco de Histria ... Conhecimento e Classificaes

    Afora as j citadas organizaes do pensamento, dos sumrios aos gregos, Foucault (2002), Filgueiras (1990), Janeira (2002) e outros tantos autores nos remetem ao que consideram o incio das classificaes tal qual as conhecemos. Foi nos

    gabinetes de Histria Natural do sculo XVIII, numa poca de explorao de colnias territoriais e de seus recursos naturais e minerais, e