livro - fertilizantes

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EDITORES: F.E. LAPIDO-LOUREIRO, R. MELAMED E J. FIGUEIREDO NETO FERTILIZANTES agroindústria & sustentabilidade Entrar CD e livro fazem parte do projeto executado pelo CETEM, com apoio financeiro da PETROBRAS.

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CD e livro fazem parte do projeto executado pelo CETEM, com apoio financeiro da PETROBRAS.

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FERTILIZANTESagroindstria & sustentabilidadeEDITORES: F.E. LAPIDO-LOUREIRO, R. MELAMED E J. FIGUEIREDO NETO

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ApresentaoA agroindstria convive com situaes antagnicas: altas taxas de produtividade e crise alimentar; abundncia em certos pases e fome em outros; aumento da produo de biocombustveis e diminuio das reservas de cereais; tecnologia de ponta em vrias regies e precariedade em muitas outras; busca de qualidade/ quantidade e agresso ao meio ambiente. Neste livro procura-se analisar fatos e indicar solues que faam prevalecer as primeiras palavras desta enumerao de antteses e mostrar a importncia dos fertilizantes na produtividade/fertilidade dos solos e no desenvolvimento sustentvel da agricultura. So 25 captulos agrupados em cinco blocos temticos, antecedidos da "Abertura" que, apresenta uma sntese sobre a evoluo e caractersticas do agronegcio brasileiro. No primeiro bloco, mostram-se os antecedentes histricos, a evoluo e acentua-se como a correta fertilizao e calagem dos solos, quando bem executadas, podem "substituir a terra", racionalizar o avano das fronteiras agrcolas e reduzir ou at eliminar impactos ambientais. Nos cinco captulos do segundo bloco, so abordadas as fontes, produo e funes dos macro e micronutrientes na agricultura e a problemtica da forte dependncia externa do Brasil em relao aos fertilizantes. No terceiro bloco, abordam-se, nos seus nove captulos, as vantagens e complementaridade de materiais fertilizantes alternativos e moderadores, as suas caractersticas, processos de fabricao, contribuio na produtividade dos cultivares e na melhoria da qualidade dos produtos agrcolas. Rotas alternativas de produo de fertilizantes fosfatados, como os termofosfatos e os organo-fosfatados, e o estudo de dois casos de lixiviao clordrica de minrios fosfticos, o primeiro associado recuperao de terras-raras, so apresentados no quarto bloco. No ltimo bloco, Eurpedes Malavolta e Milton Morais apresentam uma excelente sntese sobre "Nutrio de Plantas, Fertilidade do Solo, Adubao e a Economia Brasileira". Nela definem os meios e finalidade do Agronegcio e a sua participao na economia do Pas. Referem os autores que a adubao um "meio maior, mais rpido e mais barato para se aumentar a produo via ganhos de produtividade. Adubo e corretivo so dois insumos indispensveis para uma agricultura sustentvel, que no necessita ser sustentada pelo artifcio dos subsdios, barreiras alfandegrias, taxas e outros instrumentos protecionistas." Esto de parabns:

o CETEM, por cumprir uma de suas principais misses, a de difundir conhecimentos e tecnologia para o setor mineral, neste caso o dos agrominerais; a PETROBRAS, pelo apoio financeiro que viabilizou a edio deste livro; os editores, autores e a reduzida equipe tcnica, pela realizao, com qualidade e dedicao, de um trabalho de tal dimenso.

Esperamos que, como afirmou o professor Eurpedes Malavolta, seja uma obra de referncia obrigatria para no sei quantas profisses. Rio de Janeiro, novembro de 2008. Ado Benvindo da Luz Diretor

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SumrioApresentao Nota dos Editores Agradecimentos Prefcio Abertura Bloco 1 - O uso da tecnologia favorecendo o princpio da substituio da terra Captulo 1 - Fertilidade do solo e produtividade agrcola: histrico Captulo 2 - Importncia scio-econmica-ambiental dos fertilizantes numa agricultura sustentvel Captulo 3 - Desafios do milnio Captulo 4 - Implicaes das interaes fsico-qumicas no manejo de fertilizantes para sistemas de produo agrcola em solos tropicais Captulo 5 - Fertilizao natural: rochagem, agricultura orgnica e plantio direto. Breve sntese conceitual Captulo 6 - Agricultura familiar: multifuncionalidade e sustentabilidade. O Caso do calcrio agrcola Bloco 2 - Nutrientes: fontes, produo e sua importncia na agroindstria Captulo 7 - O nitrognio na agricultura brasileira Captulo 8 - O fsforo na agroindstria brasileira Captulo 9 - O potssio na agricultura brasileira: fontes e rotas alternativas Captulo 10 - Macronutrientes secundrios Ca, Mg, S Captulo 11 - Micronutrientes na agricultura brasileira: disponibilidade, utilizao e perspectivas 5 7 11 13 21 31 33 81 133 139 149 173 209 211 257 305 337 369

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Bloco 3 - Agricultura e sustentabilidade. Materiais fertilizantes e moderadores Captulo 12 - P-de-rocha como fertilizante alternativo para sistemas de produo sustentveis em solos tropicais Captulo 13 - Aplicao dos produtos da pirlise rpida de biomassa como fertilizante natural Captulo 14 - Calcrio agrcola no Brasil Captulo 15 - O gesso nos agrossistemas brasileiros: fontes e aplicaes Captulo 16 - Gipsita: caractersticas geolgicas e sua aplicao na agricultura Captulo 17 - O gesso na agricultura brasileira Captulo 18 - Uso de zelitas na agricultura Captulo 19 - Caracterizao e perspectivas para o uso e manejo da turfa Captulo 20 - Impactos radiolgicos da indstria do fosfato Bloco 4 - Rotas alternativas de produo de fertilizantes fosfatados Captulo 21 - Uso agronmico do termofosfato no Brasil Captulo 22 - Fabricao de um fertilizante organo-fosfatado Captulo 23 - Lixiviao clordrica de rochas fosfticas com recuperao de terras-raras: estudo de caso Angico dos Dias Captulo 24 - Ensaios de lixiviao clordrica e sulfrica de concentrado fosftico: estudo de caso Bloco 5 - Concluindo Captulo 25 - Nutrio de plantas, fertilidade do solo, adubao e a economia brasileira Siglas Glossrio

383 385 397 409 445 479 485 493 509 525 545 547 573 585 615 629 631 643 649

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Anexos Anexo I - Apresentaes no Seminrio de Lanamento Anlise do mercado de fertilizantes Aplicao dos produtos da pirlise rpida de biomassa como fertilizante Produo de potssio: panorama do Brasil e do mundo Oportunidades para o fortalecimento da indstria brasileira de fertilizantes Nutrio e adubao da cana-de-acar Remineralizao de solos agrcolas Anexo II - Apresentaes do CETEM no I Congresso Brasileiro de Rochagem Avaliao de um minrio de amazonita como fonte alternativa de potssio Tecnologias de aplicao de glauconita como fonte de potssio na agricultura: o caso brasileiro e a experincia indiana Ao de micro-organismos na solubilizao de agrominerais Potencial de uso de zelitas na agropecuria

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Nota dos EditoresA aplicao de fertilizantes e a definio dos caminhos que levam ao desenvolvimento da fertilidade e da bioprodutividade dos solos so temas complexos que envolvem conhecimentos profundos sobre o comportamento de, pelo menos, metade dos elementos qumicos da Tabela Peridica e sobre os minerais e rochas que os contm. O seu estudo requer equipes especializadas em diferentes campos da cincia. essa a razo, e a principal caracterstica, da abordagem abrangente feita nos 25 captulos do livro, Fertilizantes: Agroindstria e Sustentabilidade. Todos os nutrientes, exceo do nitrognio, so de origem mineral. Cabe, pois, s entidades da rea mineral, em conjuno com a agronmica, desenvolverem, com urgncia, estudos intensivos e abrangentes que possam contribuir para o equacionamento da problemtica dos materiais fertilizantes pela definio de parmetros agrogeolgicos, mnero-metalrgicos e bioqumicos, se necessrio percorrendo caminhos inovadores. Neste caso, a biotecnologia reveste-se j de grande importncia, que certamente aumentar no futuro. Os solos esto a deteriorar-se em todo o mundo, e 20% da terra cultivada j considerada degradada de algum modo. Em termos de micronutrientes, a m nutrio atinge 3 bilhes de pessoas, segundo afirmam R.M. Welch e R.D. Graham no no 396 de 2004 do Journal of Experimental Botany. Alm disso, essa carncia ceifa anualmente a vida de mais de 5 milhes de crianas nos pases em desenvolvimento, como divulgou a FAO em 2004. Lembra-se tambm que a perda de biomassa e de matria orgnica libera carbono na atmosfera e afeta a qualidade do solo e a capacidade de reter gua e nutrientes. Hoje em dia o uso de fertilizantes contribui de tal forma para o aumento da produtividade que comum dizer-se que "alimentam o mundo". Por outro lado, a ampliao da produtividade e da eficincia na agricultura criam presses adicionais nos solos que exigem estudos abrangentes em vrias reas da geologia (agrogeologia), 7

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pedologia e da qumica dos solos, para evitar o seu empobrecimento ou at mesmo a sua exausto, pela carncia ou m utilizao das fontes naturais ou importadas de nutrientes. Estudos de longa durao realizados em vrios pases mostraram que, pelo menos, 30% a 50% da produo das culturas (40% a 60%, nos EUA e Inglaterra) atribuvel utilizao de nutrientes oriundos de fertilizantes comerciais. No Brasil e Peru, a contribuio mdia dos fertilizantes NPK associados calagem atingiu, praticamente, valores de 100%, no caso da soja, e superiores a 95%, para arroz e milho, como afirmaram Stewart et al. no volume 97 do Agronomy Journal. Hoje exige-se, cada vez mais, que quantidade seja acompanhada de qualidade. No gigantismo da produo agrcola e do agronegcio brasileiros h um ponto fraco: os fertilizantes. O Pas depende fortemente de importaes que, em 2006, se traduziram em mais de 12 milhes de toneladas de matrias-primas e produtos fertilizantes importados, a um custo de 2,7 bilhes de dlares. Mesmo assim, o dficit de nutrientes, por rea, continua a ser da ordem de 25 a 30 kg ha-1, fato que abordado em vrios captulos do livro. Esses nmeros, segundo referiu a FAO em 2004, e admitindo-se uma eficincia mdia de 60% para o N, 30% para o P e 70% para o K, traduziam um dficit de 859.000 toneladas de N, 514.000 de P2O5 e 324.000 de K2O nos cultivares do Brasil. Alm de produzir alimentos que satisfaam a premente necessidade do combate fome e subalimentao, principais alvos, a agroindstria tem de atender forte demanda quantitativa resultante do crescimento populacional, mudana do padro alimentar nos pases em desenvolvimento, progressiva procura por produtos de melhor qualidade e, mais recentemente, a um novo desafio de grandes propores: a produo de biocombustveis, campo em que o Brasil j ocupa posio de destaque, com amplas perspectivas de ampliao. O Diretor-geral da International Fertilizer Association (IFA), L. M. Maene, mostra a importncia dos fertilizantes na disponibilidade de alimentos, afirmando que os fertilizantes comerciais contribuem, em escala global, com quase metade do nitrognio contido nos cultivares. Por outro lado, a agricultura responde por 3/4 do nitrognio consumido pela humanidade por meio das protenas da carne (pecuria). Assim pode-se concluir que 1/3 das protenas da alimentao humana resultam da ao dos fertilizantes. Para atender aos trs pilares fundamentais da agroindstria - produtividade, qualidade e sustentabilidade - a agricultura brasileira ter de considerar, alm da correta utilizao de fertilizantes, os caminhos da agricultura de conservao/plantio direto, agricultura orgnica, rotao de culturas, desenvolvimento de variedades de plantas perenes (substituio de culturas de uma nica estao por perenes), calagem, gessagem e remineralizao dos solos, com aplicao direta de vrios materiais sob a forma de 'pde-rocha' (rochagem / "rocks-for-crops"), envolvendo diversas rochas, minerais, min8

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rios pobres e rejeitos de diferentes indstrias, biofertilizao e biotecnologia. Estes caminhos tero de apoiar-se em estudos intensos, para tornar efetivo e economicamente vivel o desenvolvimento social e sustentvel da agroindstria no Brasil e para reduzir a dependncia externa de fertilizantes. O CETEM, com a edio deste livro, de ampla e oportuna abordagem temtica, os autores dos captulos, que transmitiram o seu saber graciosamente, e a Petrobras, que desde incio sempre se identificou com a idia e deu apoio financeiro, esperam poder dar uma contribuio vlida ao equacionamento da problemtica dos fertilizantes e da produtividade sustentvel, ambientalmente correta e socialmente justa, na agricultura do Brasil. Um agradecimento/homenagem muito especial ao professor Eurpedes Malavolta, um dos maiores nomes, das Cincias Agronmicas. Desde o momento em que lhe apresentamos a idia da edio do livro e da sua temtica, sempre a apoiou, colaborou e se identificou com ela. J o designava como "nosso livro". Seu saber e valiosssima colaborao esto presentes na "Abertura" e em dois valiosos captulos sobre o macronutriente "Nitrognio" (Captulo 7) e "Nutrio de Plantas, Fertilidade do Solo e a Economia Brasileira" (Captulo 25). O professor Malavolta desapareceu de nosso convvio, mas em nenhum momento deixar o melhor de nossas lembranas. Chama-se a ateno para o fato das notas explicativas utilizadas em alguns captulos poderem ser encontradas ao final de cada um deles, referenciadas por numerao seqencial. Correspondem a notas de rodap.

Rio de Janeiro, novembro de 2008.

Os Editores

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Agradecimentos Petrobrs pelo apoio financeiro que viabilizou a edio deste livro; aos autores dos captulos que aceitaram transmitir suas idias e saber graciosamente, com dedicao, competncia e entusiasmo; s instituies, onde os autores exercem suas atividades, por terem permitido que fossem divulgados os trabalhos de pesquisa, seus caminhos e resultados a Thatyana P. Rodrigues de Freitas pela minuciosa reviso gramatical e ortogrfica a Vera Lcia do Esprito Santo Souza que, com grande competncia e entusiasmo criou, montou e executou o projeto grfico.

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PrefcioDesde o incio da pesquisa cientfica sobre a nutrio mineral de plantas, no sculo XIX, que se buscam, estudam, aplicam e avaliam compostos qumicos e materiais diversos para alimento dos vegetais. O homem, e todos os animais, dependem totalmente das plantas para viver. Por outro lado, a planta, para se desenvolver, depende dos elementos qumicos (nutrientes) contidos no solo. Se a exportao dos nutrientes for superior reposio, o solo deteriora-se, a produtividade diminui e a qualidade do produto decresce. A percepo pblica sobre fertilizantes minerais e a sua importncia na fertilidade do solo no leva em conta, em geral, estes simples fatos. Surge assim a principal razo da edio de FERTILIZANTES: AGROINDSTRIA E SUSTENTABILIDADE, livro polivalente que inclui autores de renome, marcantes em diversas reas de pesquisa, e que aborda, de forma abrangente e interdisciplinar, os caminhos, importncia e funo dos fertilizantes numa agricultura que se quer economicamente desenvolvida, ecologicamente correta, socialmente justa, sustentvel e no sustentada. Como referia o Professor Eurpedes Malavolta, o homem, desde que surgiu sobre a Terra, uma planta, ou uma planta transformada.Por sua vez, a planta tambm necessita de alimento para viver, retirando-o do ar, da gua e do solo e, frequentemente, no todo ou em parte, do fertilizante mineral e/ ou do adubo orgnico necessrio alimentar o solo, que alimenta a planta, que alimenta o homem e o animal. Segue-se da que, sem comer, a planta no vive e, se no houver planta, o homem no vive. Dentro deste raciocnio simples cabe a cincia da Nutrio Mineral de Plantas (NMP). Para que seja aplicada na prtica agrcola indispensvel a colaborao de duas outras cincias: Cincia do Solo fsica, qumica, biologia, fertilidade e Adubos/ Adubao. Resumidamente, a NMP ensina o que a planta necessita, quanto e quando; a Cincia do Solo mostra o que o solo pode oferecer; Adubos e Adubao ensina

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como faz-lo em termos econmicos e sustentveis dos pontos de vista social e ambiental. A ao e interao positiva das trs cincias, ou reas do conhecimento, tem um papel maior na produo de alimento, fibra e energia renovvel, componentes do agronegcio e da riqueza das naes.

(In: Eurpedes Malavolta O futuro da nutrio de plantas tendo em vista aspectos agronmicos, econmicos e ambientais. - Informaes Agronmicas n 121 maro/2008) Fertilizantes minerais compreendem elementos que ocorrem naturalmente e que so essenciais para a vida. Do vida, no so biocidas. So 19 os elementos considerados necessrios e/ ou essenciais para as plantas superiores e que satisfazem os critrios estabelecidos por Arnon e Stout, 1939 (In: MALAVOLTA, 2008, op. cit.):

critrio direto o elemento faz parte de um composto ou de uma reaocrucial do metabolismo;

critrio indireto abrange as seguintes circunstncias: (a) na ausncia do elemento a planta morre antes de completar o seu ciclo, (b) o elemento no pode ser substitudo por nenhum outro; Trs dos nutrientes tm que ser aplicados em grandes quantidades: nitrognio, fsforo e potssio. Outros trs, enxofre, clcio e magnsio tambm so necessrios em quantidades elevadas. So os macronutrientes, principais e secundrios, respectivamente. Juntamente com o carbono, oxignio e hidrognio, so os constituintes de muitos componentes das plantas, tais como protenas, cidos nuclicos e clorofila. So essenciais para processos de transferncia de energia, manuteno da presso interna e ao enzimtica. Os metais so constituintes de enzimas que controlam diferentes processos nas plantas. Sete outros elementos so necessrios em quantidades pequenas e so conhecidos como micronutrientes.

Nutrientes Macronutrientes Micronutrientes

Metais K Ca Mg Fe Mn Zn Cu Mo - Co Ni

No-metais CHONP-S B Cl - Se

Todos tm uma grande variedade de funes, essenciais no metabolismo das plantas. A deficincia de qualquer desses nutrientes pode comprometer o desenvolvimento das plantas. Outros, como o sdio (Na) e o silcio (Si) so exemplos de elementos benficos, assim definidos porque sem les a planta vive, mas, em dadas condies, podem melhorar o crescimento e aumentar a produo. Os lantandeos, embora no referidos, h muito que so utilizados na China, como micronutrirntes. As entidades chinesas referem aumento de produtividade, pela

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sua aplicao, em vrios cultivares, entre os quais os de cana-de-acar. Citam ganhos de at 10%. assunto abordado nos Captulos 5 e 8. Por outro lado como o Si um micronutriente importante no cultivo da canade-acar, fica assim em aberto a possibilidade da utilizao, como material fertilizante, dos silicitos de Catalo (GO) e de Arax (MG), rochas abundantes neste dois complexos carbonatticos e que apresentam elevados teores de lantandeos (Ln) e de silcio (Si) Os fertilizantes, tema deste livro, so usados, na agricultura, para:

complementar a disponibilidade natural de nutrientes do solo com a finalidade de satisfazer a demanda das culturas que apresentam um alto potencial de produtividade e de levar a produes economicamente viveis;

compensar a perda de nutrientes decorrentes da remoo das culturas,por lixiviao ou perdas gasosas;

melhorar as condies no favorveis, manter boas condies do solopara produo das culturas ou contribuir para recuperar solos. Segundo referem Mrio A. Barbosa Neto, Presidente da Associao Nacional para Difuso de Adubos (ANDA), no Prefcio, e Wladimir Antnio Puggina, Presidente da International Fertilizer Industry Association, na Apresentao do livro Fertilizantes Minerais e o Meio Ambiente, de autoria de K.E. Isherwood, publicado pelas IFA / UNEP com edio em portugus da ANDA:O Brasil um dos poucos pases do mundo com enorme potencial para aumentar a sua produo agrcola, seja pelo aumento de produtividade, seja pela expanso da rea plantada. Com isto, estar contribuindo, no somente para uma maior oferta de alimentos no contexto mundial, mas, tambm, para atender a crescente demanda interna de sua populao. Tanto para o aumento da produtividade das culturas como para a expanso da fronteira agrcola no Brasil, o papel positivo dos fertilizantes minerais tem sido comprovado cientificamente pelos centros de pesquisa, universidades, empresas pblicas e privadas e pelos prprios agricultores. O uso eficiente de fertilizantes minerais o fator que, isoladamente, mais contribui para o aumento da produtividade agrcola. Os fertilizantes promovem o aumento de produtividade agrcola, protegendo e preservando milhares de hectares de florestas e matas nativas, assim como a fauna e a flora. Sendo assim, o uso adequado de fertilizantes se tornou ferramenta indispensvel na luta mundial de combate fome e subnutrio.

Isherwood, o autor do livro, acentua, logo no primeiro captulo, que:

fertilizantes minerais so materiais, naturais ou manufaturados, que contm nutrientes essenciais para crescimento normal e desenvolvimento das plantas;

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nutrientes de plantas so alimentos para as espcies vegetais, algumasdas quais so utilizadas diretamente por seres humanos como alimentos, para alimentar animais, suprir fibras naturais e produzir madeira;

a agricultura, em conjunto com outros elementos tais como gua, energia, sade e biodiversidade, tem uma funo de grande relevncia na conquista do Desenvolvimento Sustentvel;

a indstria de fertilizantes, por sua vez, tem desempenhado, por mais de150 anos, um papel fundamental no desenvolvimento da agricultura e no atendimento das necessidades nutricionais de uma populao continuamente crescente;

em geral, os fertilizantes so responsveis por cerca de um tero da produo agrcola, sendo que em alguns pases chegam a ser responsveis por at cinqenta por cento das respectivas produes nacionais;

os fertilizantes ao promovem o aumento de produtividade agrcola, protegem e preservam milhares de hectares de florestas e de matas nativas, assim como a fauna e a flora, pelo que o uso adequado de fertilizantes tornou-se ferramenta indispensvel na luta mundial de combate fome e subnutrio;

os fertilizantes so usados para: i) suplementar a disponibilidade naturaldo solo com a finalidade de satisfazer a demanda das culturas que apresentam um alto potencial de produtividade e lev-las a produes economicamente viveis; ii) compensar a perda de nutrientes decorrentes da remoo das culturas, por lixiviao ou perda gasosa; iii) melhorar s condies adversas ou manter as boas condies do solo para produo das culturas. Segundo Malavolta:Macro e micronutrientes exercem as mesmas funes em todas as plantas superiores. Por esse motivo, sua falta ou excesso provoca a mesma manifestao visvel o sintoma. Inicialmente h uma leso ou alterao no nvel molecular, no se forma um composto, uma reao no se processa. Em seguida, h alteraes celulares, no tecido e aparece o sintoma visvel. O que acontece com os elementos individualmente detalhado em Rmheld (2001) e Malavolta (2006) (In: MALAVOLTA, 2008, op. cit.) Tem sido acumulado um grande volume de informaes sobre as exigncias de macro e micronutrientes: quantidades totais, exportao na colheita, absoro durante o ciclo e repartio nos diversos rgos. No Brasil, dispe-se de dados das principais culturas: arroz, milho, trigo, cana-de-acar; hortalias folhosas e condimentares; hortalias de bulbo, tubrculo, raiz e fruto; plantas forrageiras; eucalipto e Pinus; cacau, caf, ch, fumo e mate; frutferas tropicais (RAIJ et al., 1996; FERREIRA et al., 2001; MALAVOLTA, 2000 - In: MALAVOLTA, 2008, op. cit.).

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Malavolta (2008), apresenta uma excelente sntese das funes dos macro e micronutrientes, reproduzida a seguir:MACRONUTRIENTES Carbono, hidrognio, oxignio Nitrognio

Estrutura dos compostos orgnicos. Aminocidos, protenas, enzimas, DNA e RNA (purinas e pirimidinas), clorofila, coenzimas, colina, cido indolilactico. H2PO4 regulao da atividade de enzimas. Liberao de energia do ATP e do fosfato de nucleotdeo de adenina respirao, fixao de CO2, biossntese, absoro inica. Constituinte dos cidos nuclicos. Fosfatos de uridina, citosina e guanidina sntese de sacarose, fosfolipdeos e celulose. Fosfolipdeo de membrana celular. Economia de gua. Abertura e fechamento dos estmatos fotossntese. Ativao de enzimas transporte de carboidratos fonte-dreno. Como pectato, na lamela mdia, funciona como cimento entre clulas adjacentes. Participa do crescimento da parte area e das pontas das razes. Reduo no efeito catablico das citocininas na senescncia. No vacolo, presente como oxalato, fosfato, carbonato regulao do nvel desses nions. Citoplasma: Ca-calmodulina como ativadora de enzimas (fosfodiesterase cclica de nucleotdeo, ATPase de menbrana e outras). Mensageiro secundrio de estmulos mecnicos, ambientais, eltricos. Manuteo da estrutura funcional do plasmalema. Ocupa o centro do ncleo tetrapirrlico da clorofila. Cofator das enzimas que transferem P entre ATP e ADP. Fixao do CO2: ativao da carboxilase da ribulose fosfato e da carboxilase do fosfoenolpiruvato. Estabilizao dos ribossomas para a sntese de protenas. Presente em todas as protenas, enzimticas ou no, e em coenzimas: CoA respirao, metabolismo de lipdeos; biotina assimilao de CO2 e descarboxilao; tiamina descarboxilao do piruvato e oxidao de alfacetocidos. Componente da glutationa e de hormnios. Pontes de bissulfato, -S-S-, participam de estruturas tercirias de protenas. Formao de leos glicosdicos e compostos volteis. Formao de ndulos das leguminosas. Ferredoxina assimilao do CO2, sntese da glicose e do glutamato, fixao do N2, reduo do nitrato.

Fsforo

Potssio

Clcio

Magnsio

Enxofre

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MICRONUTRIENTES Relacionado com crescimento do meristema, diferenciao celular, maturao, diviso e crescimento necessrio para a sntese de uracila, parte do DNA. Tem influncia no crescimento do tubo polnico. Proteo do cido indolilactico oxidase. Bloqueio da via da pentose fosfato, o que impede a formao de fenis. Biossntese de lignina. Exigido para a decomposio fotoqumica da gua (reao entre H e Cl): aumenta a liberao de O2 e a fotofosforilao. Transferncia de eltrons do OH para a clorofila b no fotossistema II. Parte da coenzima da vitamina B12 fixao simbitica do nitrognio. Ativao da isomerase da metilmalonil CoA sntese do ncleo pirrlico. Outras enzimas ativadas: mutase de glutamato, desidratase do glicerol, desidratase do diol, desaminase de etanolamina, mutase de lisina. Plastocianina enzima envolvida no transporte eletrnico do fotossistema II. Mitocndrios oxidases do citocromo parte da via respiratria. Outras enzimas reduo do O2 a H2O2 ou H2O. Membranas tilacides e mitocndrias: fenolases oxidam fenis que so oxidadas a quinonas. Fenis e lacase sntese da lignina. Cloroplastos: trs isoenzimas da dismutase de superxido (SOD) proteo da planta contra o dano do superxido (O2-) que reduzido a H2O. Neste caso, a protena SOD contm os ons Cu e Zn na sua estrutura. Citoplasma e parede celular: oxidase de cido ascrbico oxidado a dehidroascorbato. Oxidases de aminas: desaminao de compostos com NH3, inclusive poliaminas. Participante de reaes de oxi-reduo e de transferncia de eltrons. Componente de sistemas enzimticos: oxidases do citocromo, catalases, SOD, peroxidases, ferredoxina (protenas) exigida para a reduo do nitrato e do sulfato, fixao do N2 e armazenamento de energia (NADP). Papis indiretos: sntese da clorofila e de protenas, crescimento do meristema da ponta da raiz, controle da sntese de alanina. Atua na fotlise da gua, no processo de transferncia de eltrons que catalisa a decomposio da molcula de H2O. Cofator para: redutases de nitrito e hidroxilamina, oxidase de cido indolactico, polimerase do RNA, fosfoquinase e fosfotransferases. SOD: neutralizao de radicais livres formados na reao de Hill; controle de superxidos e radicais livres produzidos pelo oznio e por poluentes da atmosfera. Germinao do plen e crescimento do tubo polnico. Componente essencial da redutase de nitrato (NO3NO2) e da nitrogenase (fixao do N atmosfrico). Oxidases de sulfito e de xantina. Hidrogenase fixao biolgica do N, exigncia de nquel e selnio. Urease metal-enzima com Ni. Resistncia a doenas (ferrugens). Constituinte do RNA transferido (selenionucleosdeo). Aminocidos proticos. Ferredoxina com Se no lugar do S encontrado no sal (pinho). Enzima: anidrase carbnica, SOD, aldolase, sintetase do triptofano, ribonuclease (inibio).

Boro

Cloro

Cobalto

Cobre

Ferro

Mangans

Molibdnio Nquel

Selnio

Zinco

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Crditos

O Brasil um gigante na agroindstria mundial, pelo volume da produo e exportao conforme demostrado a seguir:

Produto Caf Acar Suco de laranja Carne bovina Soja e derivados Carne de frango Algodo

Produo 1 1 1 2 2 3 6

Exportao 1 1 1 1 1 1 3

Por outro lado, apresenta forte dependncia externa de nutrientes que, em 2007, se traduziu na importao de 17,5 milhes de toneladas de produtos fertilizantes. Mesmo assim, assumindo-se uma eficincia mdia de 60% para o N, 30% para o P e 70% para o K, h um dficit anual, na agricultura brasileira, de quase 900 mil toneladas de nitrognio (embora considerando-se todo o N da soja e do feijo como provenientes da fixao biolgica), um pouco mais 400 mil toneladas de P2O5 e igual quantidade de K2O. Este assunto analisado em vrios captulos do livro. Logo no primeiro mostra-se que o dficit total de nutrientes corresponde a cerca de 30% do consumo atual no Pas, ou seja, um dficit, por rea, de 25 a 30 kg ha-1 de nutrientes. Isto significa que o recurso solo est a ser minado e, a longo prazo, trazer conseqncias altamente danosas para a sustentabilidade da agricultura brasileira. Segundo E. Malavolta e M. Morais indicam no Captulo 7, se todo o lixo e o esgoto produzidos pelos paulistas fossem reciclados, o total de nutrientes seria, em 1000 t: N 33.972; P2O5 4.662; K2O 23.408. Esses nmeros so maiores que os correspondentes ao consumo de adubos minerais. Sntese esclarecedora sobre Adubao, Produtividade e Sustentabilidade apresentada, por aqueles autores, no item 6, do Captulo 7. O gigantismo do agronegcio brasileiro, que movimenta mais de 500 bilhes de reais, isto , cerca de 30% do PIB, contrape-se altssima dependncia externa de importaes de nutrientes para a agricultura que, no caso do potssio superior a 90%, leva seguinte concluso: o Brasil um gigante na agropecuria, mas gigante de ps de barro em que os fertilizantes so o lado frgil, tanto mais que os solos brasileiros apresentam fortes limitaes e necessitam de elevadas taxas de fertilizao.

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O estudo das vrias incidncias desta situao, e os caminhos para solucionla, o que os autores apresentam no livro: analisam e comentam situaes, desenvolvem idias, sugerem caminhos e mostram a necessidade de trabalhos, intensos e abrangentes, de P, D & I, tanto por parte das entidades oficiais como das prprias empresas, para que a rea mnero-qumica no continue a somar atrasos em relao ao desenvolvimento agrcola, ainda mais agora com o grande incremento dos cultivares para biocombustveis. Como foi referido, em 1989, pelo Comit Tcnico Executivo (TAC) do CGIAR, a sustentabilidade deve ser tratada como um conceito dinmico e uma agricultura sustentvel deve ter como objetivo manter a produo em nveis necessrios.

Rio de Janeiro, maro de 2009.

F.E. Lapido-Loureiro Gelogo, D.Sc / Geoqumica, Pesquisador Emrito CETEM / MCT

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Entre Aspas

Ao contrrio dos animais que so estreitamente solidrios com o meio ambiente, o homem s pode sobreviver se o transformar e o adaptar s suas necessidades (Carl Grimberg - Historiador ). A idade ecozica representa a culminao da idade humana da globalizao. A caracterstica bsica reside no novo acordo de respeito, venerao e mtua colaborao entre Terra e Humanidade. a idade da ecologia integral (Leonardo Boff - Telogo, escritor, professor universitrio). Water, Energy, Health, Agriculture, and Biodiversity. Five areas that can be remembered by a simple acronyme: WEHAB. You might think of it like this: We inhabit the earth. And we must rehabilitate our one and only planet (Kofi Annan - Ex-Secretrio Geral da ONU). Fertilizantes minerais compreendem elementos que ocorrem naturalmente e que so essenciais para a vida. Eles do a vida e no so biocidas (K.E. Isherwood). A maioria dos efeitos adversos do uso de fertilizantes resulta da sua aplicao inadequada pelos agricultores. /.../ Levar as informaes sobre tcnicas corretas aos agricultores e persuadi-los para que as adotem uma tarefa difcil (Jacqueline A.

de Larderel, Diretora da UNEP & Luc M. Maene, Diretor Geral da IFA). There is need for education not only to improve the knowledge of the farmer but also to inform politicians and decision-makers on the consequences of continuous soil nutrient mining due to unbalanced fertilization. /.../ Mineral fertilizer is the primary source of nutrients and usually contributes 35 to 50% to yeld increases // One kg mineral fertilizer can achieve, under farmer conditions, about 10 kg additional yeld (A. Kraus - Ex-Presidente do International Potash Institute - IPI). Only about 12% of the soils in the tropics have no inherente constraint. Of the remaing land, 9% has limited nutrient retention capacity, 23% Al toxicity, 15% high P fixation and 26% low K reserves (Hanson). Fertilizers play an essential role in securing food supplies around de World. Commercial fertilizers contribute almost alf of the nitrogene taken up by the world's crops These crops in turn provide about three quarters of the nitrogen in protein that humans eat, directly trough animals. In other words, about one third of the protein consumed by mankind is the direct result of fertilizer use (L.M. Maene, Diretor Geral / IFA).

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Captulo 1 - Fertilidade do solo e produtividade agrcolaOs autores

Alfredo Scheid Lopes Eng. Agrnomo, D.Sc. Professor Emrito da UFLA, Consultor do ANDA. E-mail: [email protected] Luiz Roberto Guimares GuilhermeEng. Agrnomo, D.Sc. Professor UFLA - E-mail: [email protected]

1. IntroduoA agricultura brasileira experimentou um grande desenvolvimento durante os ltimos 100 anos, obtendo aumentos significativos na produtividade de um grande nmero de culturas, notadamente nas ltimas trs dcadas. Isto foi resultado de uma srie de inovaes tecnolgicas que surgiram baseadas em inmeras pesquisas e tambm na difuso do uso dessas tcnicas. Um dos componentes mais importantes para esse desenvolvimento da agricultura, principalmente no que diz respeito ao aumento da produtividade agrcola, sem esquecer os outros fatores de produo, foi a pesquisa em fertilidade do solo e as inovaes cientficas e tecnolgicas que permitiram o uso eficiente de corretivos e de fertilizantes na agricultura brasileira. Segundo dados da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), cada tonelada de fertilizante mineral aplicado em um hectare, de acordo com princpios que permitam sua mxima eficincia, equivale produo de quatro novos hectares sem adubao. , portanto, indissocivel a estreita inter-relao entre fertilidade do solo e produtividade agrcola. Embora a disciplina Fertilidade do Solo, como parte das cincias agrrias e afins, seja de implantao relativamente recente nas escolas e universidades, cada vez mais acentuada a importncia que ela tem para a segurana alimentar no Brasil e no mundo. Entretanto, estudantes dessa disciplina geralmente desconhecem relatos pertinentes s observaes prticas, aos trabalhos de pesquisa e a outros fatos importantes que, pela sua evoluo atravs dos tempos, permitiram que se alcanasse o

patamar de conhecimento em que nos situamos hoje, no mundo e no Brasil. Esses aspectos so abordados nos primeiros tpicos deste captulo. Discute-se, a seguir, o manejo da fertilidade do solo no contexto atual e futuro da agricultura brasileira, com enfoque para as causas da baixa fertilidade dos solos, a produtividade agrcola brasileira, o uso eficiente de corretivos e de fertilizantes e as perspectivas quanto a fatores que nos permitem antever um papel de destaque para o Brasil, face crescente demanda por alimentos no mundo. Finalmente, como consideraes finais, so mostrados trs exemplos de como o crescimento sustentvel da produtividade agrcola brasileira transcende aos seus efeitos apenas no campo, tendo, tambm, profundas implicaes na preservao ambiental e no desenvolvimento econmico e social.

2. HistricoO perodo do desenvolvimento da raa humana durante o qual o homem iniciou o cultivo das plantas marca o nascimento da agricultura. A poca exata em que isso aconteceu no conhecida, mas certamente foi h milhares de anos antes de Cristo. At ento, o ser humano tinha hbitos nmades e vivia quase exclusivamente da caa e colheita para a obteno de seus alimentos. Com o passar do tempo, o homem foi se tornando menos nmade e mais e mais dependente da terra em que vivia. Famlias, cls e vilas se desenvolveram e, com isto, o desenvolvimento da habi-

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lidade de produzir, ou seja, assim surgiu a agricultura. O que deve ser destacado que, desde a prhistria, quando o homem deixou as atividades nmades alimentando-se de produtos da caa e passou a se estabelecer em reas mais definidas, a fertilidade do solo e a produtividade das culturas passaram a interagir mais ou menos profundamente. Um dos captulos mais concisos e objetivos sobre o passado e o presente da fertilidade do solo no mundo foi escrito por Tisdale, Nelson e Beaton (1990), no livro Soil Fertility and Fertilizers. Os tpicos 2.1 a 2.6, a seguir, constituem-se numa traduo dessa literatura, acrescidos de outros pontos histricos relevantes descritos por outros autores. Na seqncia, so apresentados alguns fatos marcantes da histria da fertilidade do solo no Brasil.

Com o passar do tempo, o homem observou que certos solos no iriam produzir satisfatoriamente quando cultivados continuamente. A prtica de adicionar estercos de animais ou restos de vegetais ao solo, para restaurar sua fertilidade, provavelmente, foi decorrente dessas observaes, mas no se sabe como e quando a adubao realmente comeou. A mitologia grega, entretanto, oferece uma explicao pitoresca: Augeas, um lendrio rei de Elis, era famoso por seu estbulo, que tinha 3.000 cabeas de bovinos. Este estbulo no havia sido limpo por 30 anos, e o rei contratou Hrcules para limp-lo, concordando em dar-lhe 10% do seu rebanho em pagamento. Diz-se que Hrcules fez o seu trabalho, fazendo passar pelo estbulo o rio Alpheus, removendo os detritos e presumivelmente fazendo com que estes ficassem depositados nas terras adjacentes. O rei Augeas se recusou a pagar o prometido seguindo-se uma guerra na qual Hrcules matou o rei. Mesmo no pico poema grego a Odissia, atribudo ao poeta grego, cego, Homero, que se acredita ter vivido entre 900 e 700 a.C., mencionada a aplicao de estercos em videiras, pelo pai de Odisseu. Tambm mencionado um monte de esterco, fato que sugere uma sistemtica coleta e armazenamento deste material. Argos, o fiel co de caa de Odisseu, descrito como estando em cima de tal monte de esterco quando o seu dono voltou depois de uma ausncia de 20 anos. Esses escritos sugerem que o uso de estercos era uma prtica agrcola na Grcia, nove sculos antes de Cristo. Xenofonte, que viveu entre 434 e 355 a.C., observou que o estado tinha ido s runas porque algum no sabia que era importante aplicar esterco terra. E outra vez escreveu, ... no existe nada to bom como o esterco. Teofrasto (372-287 a.C.) recomendava o uso abundante de estercos nos solos rasos, mas sugeria que solos ricos fossem menos adubados. Ele tambm endossava a prtica hoje considerada boa - o uso de camas (palhas) nos estbulos. Ele mencionava que isso iria conservar a urina e as fezes e que o valor do hmus do esterco seria aumentado. interessante notar que Teofrasto sugeriu que

2.1. Relatos antigosUma das regies do mundo onde existem evidncias de civilizaes muito antigas a Mesopotmia, situada entre os rios Tigre e Eufrates, onde se localiza atualmente o Iraque. Documentos escritos em 2500 a.C. mencionam, pela primeira vez, a fertilidade da terra e sua relao com a produtividade de cevada, com rendimentos variando de 86 at 300 vezes em algumas reas, ou seja, uma unidade de semente plantada levou a uma colheita de 86 a 300 unidades. Cerca de 2000 anos mais tarde, o historiador grego Herdoto relata suas viagens pela Mesopotmia e menciona produtividades excepcionais obtidas pelos habitantes da regio. As altas produes eram, provavelmente, resultado de avanados sistemas de irrigao e solos de alta fertilidade, fertilidade esta atribuda, em parte, s enchentes anuais dos rios. Teofrasto foi outro que deixou relatos, cerca de 300 a.C., sobre a riqueza dos aluvies do rio Tigre, mencionando que a gua era deixada o maior tempo possvel, de modo a permitir que uma grande quantidade de silte fosse depositada.

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plantas com maior exigncia de nutrientes tambm teriam alto requerimento de gua. As reas de plantio de verduras e de oliveiras ao redor de Atenas eram enriquecidas com esgoto da cidade. Um sistema de canais foi usado e existem evidncias de utilizao de um sistema para regulagem do fluxo. Acredita-se que o esgoto era vendido aos agricultores. Os antigos tambm adubavam suas videiras e arvoredos com gua que continha esterco dissolvido. Estercos foram classificados de acordo com sua riqueza e concentrao. Teofrasto, por exemplo, listou-os na seguinte ordem decrescente de valor: humanos, sunos, caprinos, ovinos, bovinos e eqinos. Mais tarde, Varro, num dos primeiros escritos sobre a agricultura romana, desenvolveu uma lista semelhante, mas classificou estercos de pssaros e outras aves como superiores aos excrementos humanos. Columelo recomendava que se alimentasse o gado com trevo lucerna porque ele acreditava que isso iria enriquecer o esterco. Os antigos no apenas reconheciam os mritos do esterco, mas tambm observavam o efeito que os corpos mortos tinham sobre o aumento do crescimento das culturas. Arquiloco fez essa observao ao redor de 700 a.C., e as citaes do Velho Testamento so at anteriores a isso. No Deuteronmio mencionado que o sangue de animais deveria ser espalhado no solo. O aumento da fertilidade da terra que recebeu corpos mortos tem sido reconhecido atravs dos anos, mas provavelmente de uma forma mais potica por Omar Khayyam, o poeta-astrnomo da Prsia, que ao redor do fim do sculo XI escreveu:Eu s vezes penso que nunca floresce to vermelha A rosa como onde algum Csar enterrado sangrou; Que cada jacinto que brota no jardim Cado em seu regao de alguma vez cabea encantadora. E esta deliciosa planta cujo verde tenro Empluma a orla do rio na qual ns repousamos Ah! Repousemos sobre ela suavemente! Pois quem sabe

Da beleza de quem est enterrado sob essas plantas.

O valor dos adubos verdes, particularmente das leguminosas, foi logo reconhecido. Teofrasto observou que um tipo de feijo (Vicia fava) era incorporado pela arao por agricultores da Tesslia e Macednia. Ele observou que a cultura enriquecia o solo, mesmo quando densamente semeada e quando grandes quantidades de sementes eram produzidas. Cato (234-149 a.C.) sugeriu que reas pobres com videiras deveriam ser plantadas com cultura intercalar de Acinum. No se sabe que cultura essa, mas sabe-se que ela no era deixada at produzir sementes, inferindo-se que ela seria incorporada ao solo. Ele afirmava ainda que as melhores leguminosas para enriquecer o solo eram: feijo, trevo lupino e ervilhaca. O trevo lupino era muito popular entre os povos antigos. Columelo listou numerosas leguminosas, incluindo, trevo lupino, ervilhaca, lentilha, ervilha, trevo e alfafa, que eram adequadas para a melhoria do solo. Muitos dos escribas da poca concordavam, entretanto, que o trevo lupino era o melhor como adubo verde porque crescia bem sob uma grande variedade de condies do solo, fornecia alimento para o homem e para os animais, era fcil de semear e crescia com rapidez. Virglio (70-19 a.C.) recomendava o uso de leguminosas, como indicado na passagem seguinte:ou, mudando a estao, voc semear o trigo amarelo, onde antes voc tinha colhido gros de leguminosas com ferrugem nas vagens, ervilhaca e lupino amargo de talos frgeis ou arvoredos praguejados.

O uso do que atualmente chamado de corretivos e fertilizantes minerais a serem aplicados ao solo, no era totalmente desconhecido das antigas civilizaes. Teofrasto sugeria a mistura de diferentes solos com a finalidade de corrigir defeitos e adicionar fora ao solo. Esta prtica pode ter sido benfica sob vrios aspectos. A adio de solo frtil

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sobre um solo infrtil poderia levar a um aumento da fertilidade do solo, e a prtica de misturar um solo com o outro poderia, tambm, promover uma melhor inoculao das sementes de leguminosas em alguns campos. Tambm, a mistura de um solo mais arenoso com um mais argiloso ou vice-versa poderia melhorar as relaes de umidade e ar nos solos dos campos que recebiam esse tratamento. O valor das margas tambm era conhecido. Os primitivos habitantes de Aegina escavavam as margas e as aplicavam nas suas terras. Os romanos, que aprenderam esta prtica com os gregos e gauleses, chegaram a classificar os vrios materiais calcrios e recomendavam que um tipo fosse aplicado s lavouras produtoras de gros e outro s pastagens. Plnio (62-113 d.C.) afirmava que o calcrio deveria ser espalhado para formar uma fina camada sob o terreno e que um tratamento era suficiente para vrios anos, mas no para 50. Columelo tambm recomendava a distribuio das margas em um solo pedregoso e a mistura de cascalho com solos ricos em carbonato de clcio e densos. A Bblia menciona o valor das cinzas de madeira em referncia queima de roseiras selvagens e arbustos pelos judeus, e Xenofonte e Virglio reportam a queima de restolhos para limpar os campos e destruir as ervas daninhas. Cato aconselhava um proprietrio de videiras a queimar os restos da poda no local e enterrar as cinzas para enriquecer o solo. Plnio afirmava que o uso de calcrio queimado nos fornos era excelente para as oliveiras, e alguns agricultores queimavam o esterco e aplicavam as cinzas aos seus campos. Columelo tambm sugeriu a distribuio de cinzas ou calcrio em solos de baixada para destruir a acidez. Salitre ou nitrato de potssio (KNO3) foi mencionado por Teofrasto e Plnio como conveniente para adubar as plantas e isso mencionado na Bblia, no livro de Lucas. Salmoura foi mencionada por Teofrasto. Aparentemente, reconhecendo que palmceas necessitam de grandes quantidades de sal, os primeiros agricultores aplicavam salmouras nas razes de suas rvores.

Virglio escreveu sobre a caracterstica hoje conhecida como densidade do solo. Seu conselho em como determinar essa propriedade era:(...) primeiro, voc deve marcar um lugar e fazer um buraco profundo no terreno slido, e, a seguir, retornar toda a terra para o seu lugar, nivelando com seu p a parte de cima. Se for possvel nivelar ou ainda houver espao no buraco, o solo solto e mais adequado para o gado e videiras generosas; mas se no houver a possibilidade de voltar todo o material para seu lugar, e sobrar terra aps o buraco ter sido preenchido, trata-se de um solo denso; espere torres de terra relutantes e espinhaos rijos, e d a primeira aradura terra com touros robustos castrados.

Virglio descreve outro mtodo que poderia ser considerado hoje o prottipo de uma anlise de solo:(...) mas, o solo salgado, e com acentuado sabor amargo (onde o milho no se desenvolve), ir dar prova de sua caracterstica. Pegue do teto enfumaado esteiras de vime e peneiras das prensas de vinho. Encha-as com a terra de m qualidade, adicione gua doce que brota da fonte e esteja certo de que toda a gua ir drenar e grossas gotas passaro pelo vime. O seu gosto ser o indcio de sua qualidade e o amargor ao ser percebido, ser mostrado por um gesto de desagrado nos rostos dos provadores.

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Columelo tambm sugeriu um teste de sabor para medir o grau de acidez e salinidade dos solos, e Plnio afirmou que o sabor amargo dos solos poderia ser pela presena de ervas negras e subterrneas. Plnio escreveu que entre as provas que o solo bom est a espessura comparativa do colmo do milho e Columelo afirmou simplesmente que o melhor teste para a adequabilidade da terra para uma cultura especfica seria se ela poderia crescer no mesmo. Muitos dos escribas no passado (e, sobre este assunto, muitos ainda hoje) acreditavam que a cor do solo era um critrio para avaliar sua fertilidade.

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A idia geral que solos pretos eram frteis e que solos claros ou cinza eram infrteis. Columelo no concordava com este ponto de vista, ressaltando a infertilidade dos solos negros de pntanos e a alta fertilidade dos solos claros da Lbia. Ele acreditava que fatores como estrutura, textura e acidez eram muito melhores guias para se estimar a fertilidade do solo. A era dos Gregos de cerca de 800 a 200 a.C. foi, sem dvida, uma poca urea. Muitos dos feitos de homens deste perodo refletem um trabalho de gnio inigualvel. Seus escritos, sua cultura, sua agricultura foram copiados pelos Romanos, e a filosofia de muitos dos Gregos deste perodo dominou o pensamento do homem por mais de 2000 anos.

mentos empricos, superando-os e liberando-os dos sentidos msticos e sobrenaturais que os cercavam. O ambiente de tolerncia e admirao pela diversidade cultural permitiram a combinao da grande experincia asitica com a riqueza do conhecimento do mediterrneo. Durante a longa presena rabe na Europa a agricultura mediterrnica conheceu aperfeioamento e complexidade sem precedentes (MIRANDA, 1982). Na regio de Granada e Sevilha, Espanha, o agrnomo rabe-andaluz Ilu Al Awan (? 1145), agregando literatura o conhecimento local testou as diferentes tcnicas conhecidas gerando verdadeiros jardins de ensaios ou estaes experimentais. O conhecimento adquirido e testado transformou-se na obra O Livro da Agricultura, com cerca de 1500 pginas, trs volumes e 35 captulos. Nesta obra, se verifica que os agrnomos andaluzes atingiram grande domnio na escolha do material vegetal e no controle dos fatores de produo especialmente dos solos e da gua (MIRANDA, 1982). Nos captulos que tratam dos solos, eles so identificados em cerca de 12 classes, com sua origem explicada pela desagregao das rochas pela ao da gua e do calor. So descritas em detalhes as caractersticas que permitem identificar a terra de boa qualidade e as tcnicas necessrias para a recuperao daquelas consideradas imprprias agricultura. Os captulos sobre adubos e corretivos apresentam classificao dos diversos tipos de compostos e das tcnicas possveis de compostagem, indicam as formas de utilizao de margas e calcrios, das pocas mais adequadas de sua aplicao, das plantas e rvores que se beneficiam ou no dos diferentes tipos de fertilizao. Os captulos sobre irrigao tratam dos diferentes tipos de gua, quais so convenientes a cada tipo de planta; da construo de poos, do nivelamento dos terrenos e das vrias tcnicas de irrigao, em quadros, por submerso, em potes etc. (MIRANDA, 1982).FERTILIDADE DO SOLO E PRODUTIVIDADE AGRCOLA

2.2. Fertilidade do solo nos primeiros dezoito sculos da era cristO pensamento clssico grego e romano chegou ao ocidente graas ao florescimento das cidades islmicas, lugares de trabalho, centros de culto e tambm focos de cultura e cincia, como Cairo, Fez, Marrakesh e Alexandria, na frica; Bagd, Bassora, Damasco, Isfaham, Bukhara, Samarkanda e Lahore, na sia; Istambul e Crdoba, na Europa (CHATTY, 1981). Nas Medinas, acima de todo o saber humano, as cincias do mundo inteiro da China ou da ndia, da Grcia ou de Roma, do Egito ou de Caldia - tericas ou prticas, experimentais ou fundamentais foram minuciosamente recolhidas, cuidadosamente conservadas, traduzidas para o rabe e comentadas com sabedoria, foram aprofundadas, recriadas e repensadas de forma genial (CHATTY, 1981). Toda essa atividade intelectual gerou um desenvolvimento sem precedentes, sem o qual a modernidade atual teria sido impossvel. A contribuio da civilizao rabe-islmica foi muito marcante no desenvolvimento de uma agricultura prspera em regies ridas e semi-ridas. Esta civilizao criou as bases das cincias agrrias, ultrapassando o simples acmulo de conheci-

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A monumental obra de Ilu Al Awan, pelo adiantado da agronomia andaluza, influenciou a agricultura europia, especialmente a do mediterrneo, at o sculo XIX, pois a expanso colonial francesa no norte da frica se fundamentou no uso da traduo para o francs, como manual de tcnicas agrcolas a serem utilizadas pelos colonos. Aps o declnio de Roma, apareceram poucas contribuies para o desenvolvimento da agricultura, at a publicao de Opus ruralium comodorum, uma coleo de prticas agrcolas locais, por Pietro de Crescenzi (1230-1307). De Crescenzi considerado por alguns como o fundador da agronomia moderna, mas o seu manuscrito parece estar restrito ao trabalho de escritores do tempo de Homero. Sua contribuio foi principalmente fazer um resumo do material j existente. Ele, entretanto, sugeriu um aumento das doses de esterco acima das recomendadas naquela poca. Aps o trabalho de De Crescenzi, pouco foi adicionado ao conhecimento agrcola por muitos anos, apesar de ter sido atribudo a Palissy, em 1563, a observao de que o teor de cinzas das plantas representava o material que elas tinham retirado do solo. Ao redor do incio do sculo XVII, Francis Bacon (1561-1624) sugeriu que o principal alimento das plantas era a gua. Ele acreditava que a principal funo do solo era manter as plantas eretas e proteg-las do calor e do frio e que cada planta tirava do solo uma nica substncia para sua alimentao, em particular. Bacon afirmava tambm que a produo contnua de um mesmo tipo de planta em um solo iria empobrec-lo para aquela espcie em particular. Durante esse mesmo perodo, Jean Baptiste van Helmont (1577-1644), um fsico-qumico flamengo, relatou os resultados de um experimento em que ele acreditava provar que a gua era o nico nutriente das plantas. Ele colocou 200 libras de solo (90,7 kg) em um vaso, umedeceu o solo e plantou um p de salgueiro pesando cinco libras (2,3 kg). Ele cuidadosamente protegeu o solo no vaso da poeira, e adicionava somente gua da chuva ou gua destilada. Aps um perodo de cinco anos,

van Helmont terminou o experimento. A rvore pesava 169 libras e trs onas (76,7 kg). Ele s no pode explicar a variao de peso de duas onas (56,6 g) das 200 libras (90,7 kg) de solo originalmente usadas. Em funo de ter adicionado apenas gua, sua concluso foi que a gua era o nico nutriente da planta. Ele atribuiu a perda de duas onas de solo (56,6 g) ao erro experimental. O trabalho de van Helmont e suas concluses errneas foram, na verdade, contribuies valiosas para o nosso conhecimento, pois apesar de serem erradas, estimularam investigaes posteriores cujos resultados levaram a um melhor entendimento da nutrio de plantas. Este trabalho foi repetido vrios anos mais tarde por Robert Boyle (1627-1691), na Inglaterra. Boyle provavelmente mais conhecido por expressar a relao do volume de um gs a uma dada presso. Ele tinha tambm interesse por biologia e era um grande defensor de mtodos experimentais na soluo de problemas relacionados cincia. Acreditava que a observao era o nico caminho para a verdade. Boyle confirmou os resultados de van Helmont, mas foi mais alm. Como resultado das anlises qumicas que fez em amostras de plantas, concluiu que as plantas continham sais, terra e leo, todos eles formados da gua. Mais ou menos na mesma poca, J.R. Glauber (1604-1668), um qumico alemo, sugeriu que salitre (KNO3) e no a gua era o princpio da vegetao. Ele coletou o sal de currais de gado e ponderou que o sal vinha das fezes dos animais. Afirmando que como os animais comem forragem, o salitre deve ter sido originado das plantas. Quando aplicou esse sal s plantas, observou um substancial aumento no crescimento das mesmas, concluindo, ainda, que a fertilidade do solo e o valor do esterco eram totalmente devidos ao salitre. John Mayow (1643-1679), um qumico ingls, deu suporte s afirmaes de Glauber. Mayow estimou as quantidades de salitre no solo em vrias pocas durante o ano e encontrou a maior concentrao na primavera. No encontrando nada durante o vero, concluiu que o salitre tinha sido absorvido ou adsorvido pela planta, durante seu perodo

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de crescimento rpido, medida que era aplicado ao solo. Por volta do ano de 1700, entretanto, foi feito um estudo que pode ser considerado excepcional e que representou um avano considervel para o progresso das cincias agrrias. Um ingls de nome John Woodward, que estava familiarizado com o trabalho de Boyle e van Helmont, fez crescer plantas de hortel em amostras de gua que tinha obtido de vrias procedncias: gua de chuva, gua de rio, gua de esgoto e gua de esgoto acrescida de mofo de jardim. Cuidadosamente mediu a quantidade de gua transpirada pelas plantas e anotou o peso das plantas no incio e no fim do experimento. Observou que o crescimento das plantas foi proporcional quantidade de impurezas na gua e concluiu que o material da terra ou solo, ao invs de gua, era o princpio da vegetao. Apesar de sua concluso no ser totalmente correta, ela representou um avano no conhecimento, e sua tcnica experimental foi consideravelmente melhor do que qualquer outra anterior. Havia muita ignorncia em relao nutrio de plantas naquela poca. Muitas idias estranhas surgiram, tiveram evidncia efmera e foram esquecidas. Parte dessas idias foi introduzida por outro ingls, Jethro Tull (1674-1741). Tull foi educado em Oxford, o que era considerado um pouco fora do comum para uma pessoa com propenso agricultura. Parece ter tido interesse pela poltica, mas problemas de sade o foraram a uma aposentadoria no campo e a levou a cabo vrios experimentos, a maioria envolvendo prticas agrcolas. Acreditava que o solo deveria ser finamente pulverizado para dar o sustento adequado para a planta em crescimento. De acordo com Tull, as partculas do solo seriam na verdade ingeridas atravs de aberturas nas razes das plantas. Ele acreditava que a presso causada pela expanso das razes em crescimento forava as partculas finas do solo para dentro das bocas dos vasos das razes, aps o que, entraria no sistema circulatrio das plantas.

As idias de Tull sobre nutrio de plantas eram, no mnimo, bizarras. Seus experimentos, entretanto, levaram ao desenvolvimento de dois valiosos equipamentos de cultivo: a plantadeira em linha e o cultivador puxado por cavalos. Seu livro Horse Hoeing Husbandry foi, por muito tempo, considerado um texto importante no meio agrcola ingls. Ao redor de 1762, John Wynn Baker, um partidrio de Tull, estabeleceu uma fazenda experimental na Inglaterra, cuja finalidade era a exibio pblica dos resultados dos experimentos agrcolas. O trabalho de Baker foi elogiado mais tarde por Arthur Young que, entretanto, alertava os leitores para terem cuidado ao dar crdito excessivo aos clculos tomando por base os resultados de somente alguns anos de trabalho, um cuidado que to importante hoje como quando foi feito originalmente. Um dos mais famosos agricultores ingleses do sculo XVIII foi Arthur Young (1741-1820). Young conduziu trabalhos em vasos para encontrar aquelas substncias que poderiam melhorar a produtividade das culturas. Ele fez crescer cevada em areia qual adicionava materiais, como carvo, leo de mquinas, esterco de galinha, vinho, salitre, plvora, piche, ostras e numerosos outros materiais. Alguns dos materiais promoveram o crescimento das plantas e outros no. Young, um escritor prolfico, publicou o trabalho intitulado Annals of Agriculture, em quarenta e seis volumes, que foi muito considerado e teve um grande impacto na agricultura Inglesa. Muitas das publicaes envolvendo agricultura nos sculos XVII e XVIII refletiam a idia de que as plantas eram compostas de uma substncia, e a maioria dos autores durante esse perodo estava buscando este principio da vegetao. Por volta de 1775, entretanto, Francis Home afirmou que no havia apenas um princpio, mas provavelmente vrios, entre os quais se inclua ar, gua, terra, sais, leo e fogo em um estado fixo. Home acreditava que os problemas da agricultura eram essencialmente aqueles de nutrio das plantas. Ele conduziu experimentos em vasos para avaliar os efeitos de diferentes substncias no crescimento das

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plantas e fez anlises qumicas de materiais das plantas. Seu trabalho foi considerado valioso pilar no progresso da agricultura cientfica. O descobrimento do oxignio por Priestley foi a chave para inmeras outras descobertas que avanaram muito na explicao dos mistrios da vida das plantas. Jan Ingenhousz (1730-1799) mostrou que a purificao do ar ocorre na presena de luz, mas no escuro o ar no purificado. Juntamente com essa descoberta, ocorreu a afirmao de Jean Senebier (1742-1809), um filsofo e historiador suo, de que o aumento no peso do salgueiro no experimento de van Helmont foi resultado do ar.

Agricultural Chemistry, em 1813, afirmou que, embora algumas plantas pudessem absorver seu C do ar atmosfrico, a maior parte era absorvida pelas razes. Davy estava to entusiasmado com sua crena que recomendava o uso de leo como fertilizante em funo do seu teor de C e H. A segunda metade do sculo XIX at o incio do sculo XX foi o perodo em que ocorreu grande progresso na compreenso da nutrio de plantas e da adubao das culturas. Dentre os homens desse perodo que deixaram grandes contribuies est Jean Baptiste Boussingault (1802-1882), um qumico francs muito viajado, que estabeleceu uma propriedade na Alscia, onde levou a cabo experimentos de campo. Boussingault utilizava as tcnicas cuidadosas de de Saussure, pesando e analisando os estercos que ele aplicava aos seus experimentos e tambm s culturas que ele colhia. Ele manteve um balano que mostrava quanto dos vrios nutrientes de plantas vinham da chuva, do solo e do ar, analisava a composio das culturas durante vrios estdios de crescimento e determinava que a melhor rotao de culturas foi aquela que produziu a maior quantidade de matria orgnica alm daquela adicionada por meio do esterco. Boussingault considerado por alguns como o pai da experimentao de campo. Justus von Liebig (1803-1873), um qumico alemo, muito efetivamente fez desabar o mito do hmus. A apresentao de seu trabalho em um respeitado congresso cientfico mexeu com os conservadores de tal forma que somente alguns cientistas desde aquela poca ousaram sugerir que o contedo de C nas plantas vem de outra fonte que no o CO2. Liebig fez as seguintes afirmaes: 1. A maior parte do C nas plantas vem do dixido de carbono da atmosfera. 2. O H e O vm da gua. 3. Os metais alcalinos so necessrios para a neutralizao dos cidos formados pelas plantas como resultado de suas atividades metablicas. 4. Os fosfatos so necessrios para a formao das sementes.

2.3. Progresso durante o sculo XIXEssas descobertas estimularam a mente de Theodore de Saussure, cujo pai estava familiarizado com o trabalho de Senebier. Ele atacou dois dos problemas nos quais Senebier tinha trabalhado - o efeito do ar e a origem dos sais nas plantas. Como resultado, de Saussure foi capaz de demonstrar que as plantas absorvem O2 e liberam CO2, o princpio da respirao. Alm disso, observou que as plantas poderiam absorver CO2 e liberar O2 na presena da luz. Se, entretanto, as plantas fossem mantidas em um ambiente livre de CO2, elas morreriam. De Saussure concluiu que o solo fornece somente uma pequena frao dos nutrientes necessrios s plantas, mas ele demonstrou que o solo fornece cinzas e N. Afastou efetivamente a idia de que as plantas geravam espontaneamente o K e afirmou ainda que as razes das plantas no se comportam como um mero filtro. Alm disso, as membranas so seletivamente permeveis, permitindo uma entrada mais rpida da gua do que dos sais. Ele tambm mostrou a absoro diferencial dos sais e a inconstncia da composio das plantas, que varia com a natureza do solo e com a idade da planta. A concluso de De Saussure de que o carbono contido nas plantas vinha do ar no foi imediatamente aceita por seus colegas. Sir Humphrey Davy, que havia publicado seu livro The Elements of

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5. As plantas absorvem tudo indiscriminadamente do solo, mas excretam de suas razes aqueles materiais que no so essenciais. Nem todas as idias de Liebig, entretanto, eram corretas. Ele pensava que o cido actico era excretado pelas razes. Tambm acreditava que o NH4+ era a nica forma de N absorvida e que as plantas poderiam obter esse composto do solo, do esterco ou do ar. Liebig acreditava firmemente que analisando a planta e estudando os elementos que ela continha, poder-se-ia formular um conjunto de recomendaes de fertilizantes, com base nessas anlises. Era sua opinio, tambm, que o crescimento das plantas era proporcional quantidade de substncias minerais disponveis nos fertilizantes. A lei do mnimo estabelecida por Liebig em 1862 um guia simples mas lgico de se fazer a previso das respostas das plantas adubao. Essa lei diz o seguinte:...cada campo contm um mximo de um ou mais e um mnimo de um ou mais nutrientes. Com esse mnimo, seja calcrio, potssio, nitrognio, cido fosfrico, magnsia ou qualquer outro nutriente, as produtividades apresentam uma relao direta. Este o fator que governa e controla ...produtividades. Se o mnimo for calcrio ...a produtividade ... ser a mesma e no maior mesmo que as quantidades de potssio, slica, cido fosfrico, etc ... sejam aumentados em cem vezes.

Outro fato marcante aps o famoso trabalho de Liebig foi o estabelecimento, em 1843, de uma estao experimental agrcola em Rothamsted, na Inglaterra. Os fundadores dessa instituio foram J. B. Lawes e J. H. Gilbert. Os trabalhos conduzidos nessa estao experimental seguiam a mesma linha daqueles conduzidos por Boussingault, na Frana. Lawes e Gilbert no acreditavam que todas as afirmaes de Liebig eram corretas. Doze anos aps a fundao da estao de Rothamsted, apresentaram os seguintes pontos: 1. as culturas necessitam de ambos, P e K, mas a composio da cinza das plantas no se constitui em uma medida das quantidades desses constituintes necessrios planta; 2. culturas no leguminosas necessitam do fornecimento de N. Sem este elemento, no se obter crescimento, independentemente das quantidades de P e K presentes. A contribuio da quantidade de N na forma de amnia, pela atmosfera, insuficiente para as necessidades das culturas; 3. a fertilidade do solo poderia ser mantida por alguns anos por meio de fertilizantes qumicos; 4. o efeito benfico do pousio est no aumento da disponibilidade de compostos de N no solo. Por muito tempo, e mesmo hoje em alguns lugares, os agricultores foram relutantes em acreditar que a fertilidade poderia ser mantida somente pelo uso de fertilizantes minerais. Os primeiros trabalhos em Rothamsted, entretanto, provam de maneira conclusiva que isso pode ser feito. Uma das provas mais inquestionveis nesse sentido o relato do experimento denominado Broadbalk Winter Wheat, comparando fertilizantes orgnicos e minerais, iniciado em 1843 e sendo conduzido at hoje (LAWES Agriculture Trust, 1984). Desde o incio, vm sendo aplicados, anualmente, uma srie de tratamentos. De 1979 a 1983, portanto 150 anos aps o incio do experimento, foi colhido trigo sarraceno, cujos valores de produo mdia (cinco anos) podem ser conferidos no Guide to the Classical Experiments, do Lawes Agriculture Trust j citado.

A lei do Liebig ou lei do mnimo dominou o pensamento dos pesquisadores na agricultura por muito tempo e tem tido uma importncia universal no manejo da fertilidade do solo. Liebig produziu um fertilizante com base nas suas idias de nutrio de plantas. A formulao de uma mistura fazia sentido, mas ele cometeu um erro fundindo sais de K e P com calcrio. Como resultado, o fertilizante foi um completo fracasso. No obstante, as contribuies de Liebig para o desenvolvimento da agricultura foram monumentais, e ele muito merecidamente reconhecido como o pai da qumica agrcola.

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obvio que uma aplicao anual de 35 toneladas de esterco de curral (o que envolveu um grande volume de material e um trabalho intenso para aplicao ao solo), durante 150 anos, pode substituir a adubao com fertilizantes minerais. tambm bvio que a adubao mineral balanceada, que produziu a mdia de 5,7 toneladas por hectare, pode substituir a adubao orgnica e que o simples enriquecimento da adubao orgnica com 96 quilos por hectare de nitrognio mineral por ano levou s maiores produes. O problema do N do solo e das plantas permanecia sem soluo. Vrios estudiosos tinham observado o comportamento no convencional das leguminosas. Em alguns casos elas cresciam bem sem a aplicao de N, enquanto em outras situaes no havia crescimento das plantas. Plantas no leguminosas, por outro lado, sempre deixavam de crescer quando havia quantidade insuficiente de N no solo. Em 1878, alguma luz surgiu nessa confuso, pelo trabalho de dois bacteriologistas franceses, Theodore Schloessing e Alfred Mntz. Esses cientistas purificaram gua de esgoto fazendo-a passar por um filtro feito de areia e calcrio. Analisaram o filtrado periodicamente e por vinte e oito dias somente detectaram amnia. No fim desse perodo comeou a aparecer nitrato no filtrado. Schloessing e Mntz constataram que a produo de nitratos poderia ser paralisada pela adio de clorofrmio e que poderia ser reiniciada pela adio de um pouco de gua de esgoto. Concluram que a nitrificao era resultado da ao bacteriana. Os resultados destes experimentos foram aplicados a solos por Robert Warrington, na Inglaterra. Ele mostrou que a nitrificao poderia ser paralisada pelo bissulfeto de carbono e clorofrmio e que o processo poderia ser reiniciado pela adio de solo no esterilizado. Tambm demonstrou que a reao era um fenmeno que ocorria em duas fases, primeiro a amnia sendo convertida em nitrito e, subseqentemente, em nitrato. Warrington, entretanto, no foi capaz de isolar os organismos responsveis pela nitrificao. Esta tarefa foi resolvida por S. Winogradsky, que fez o

isolamento usando uma placa com slica-gel, ao invs do meio de cultura de gar, porque esses organismos so autotrficos e obtm seu C do CO2 da atmosfera. Com referncia ao comportamento errtico das plantas leguminosas em relao ao N, dois alemes, Hellriegel e Wilfarth, em 1886, concluram que uma bactria deveria estar presente nos ndulos das razes das leguminosas. Mais tarde, estes organismos foram associados sua capacidade de assimilar N2 gasoso da atmosfera para convert-lo em uma forma que poderia ser utilizada por plantas superiores. Esta foi a primeira informao especfica em relao fixao de N2 pelas leguminosas. Hellriegel e Wilfarth utilizaram como base para os seus argumentos as observaes feitas em alguns dos seus experimentos. Eles, entretanto, no isolaram os organismos responsveis por esse processo. Isto foi feito mais tarde por M. W. Beijerinck, que denominou o organismo de Bacillus radiccola.

2.4 2. 4 . Desenvolvimento da fertilidade do solo nos Estados UnidosApesar de a maioria dos avanos na agricultura do sculo XVIII terem sido alcanados no continente europeu, umas poucas contribuies de americanos foram suficientemente importantes para serem mencionadas. Em 1733, James E. Oglethorpe estabeleceu uma rea experimental nas encostas ngremes do Rio Savana, onde hoje se localiza a cidade de Savana, na Georgia. A rea era dedicada produo de culturas alimentcias exticas e era citada como um lugar de belezas enquanto foi mantida. Houve perda de interesse pela mesma e logo ela deixou de existir. Mas como essa rea foi na maior parte resultado do interesse de britnicos, ela provavelmente no pode ser considerada, em sua essncia, como um empreendimento americano. Benjamin Franklin demonstrou o valor do gesso agrcola. Em uma colina em sua propriedade, ele aplicou gesso num padro de distribuio com a seguinte frase: Esta terra foi gessada. O aumento de crescimento da pastagem na rea onde o gesso havia sido aplicado serviu como uma demonstrao efetiva do seu valor como fertilizante.

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Em 1785, uma sociedade foi formada na Carolina do Sul e tinha, entre seus objetivos, o estabelecimento de uma fazenda experimental. Onze anos aps, o Presidente George Washington, em sua mensagem anual ao congresso, defendeu o estabelecimento do comit nacional de agricultura. Algumas das contribuies mais importantes para a agricultura americana no passado foram feitas por Edmond Ruffin, da Virgnia, entre 1825 e 1845. Acredita-se que ele tenha sido um dos primeiros a utilizar calcrio em solos da regio mida para repor nutrientes perdidos pela remoo das culturas e lixiviao. Ruffin era um observador cuidadoso, um leitor estudioso e possua uma mente aguada e inquisitiva. Apesar do uso do calcrio para aumentar a produo das culturas ser conhecido em outros continentes, essa foi aparentemente uma nova experincia na Amrica. Foi somente em 1862 que o Ministrio da Agricultura foi estabelecido, e, no mesmo ano, a Lei Morril levou ao estabelecimento das escolas estaduais de agricultura. A primeira estao experimental agrcola estabelecida em 1875,em Middletown, Connecticut, teve suporte de fundos estaduais. Em 1877, a Carolina do Norte estabeleceu uma unidade semelhante, seguindo-se New Jersey, New York, Ohio e Massachusetts. Em 1888, a lei Hatch levou implantao de estaes experimentais estaduais que seriam operacionalizadas em conjunto com os land-grant colleges, e uma dotao anual de US$15.000,00 foi disponibilizada para cada estado como suporte. Apesar da maioria dos primeiros trabalhos experimentais terem sido muito mais demonstraes de resultados, uma metodologia cientfica nos estudos dos problemas da agricultura foi gradualmente desenvolvida no pas. A idia de se proceder extrao de nutrientes de solos com cidos para determinar sua fertilidade persistia, e E. W. Hilgard (1833-1916) estabeleceu que a solubilidade mxima dos minerais do solo em HCl foi obtida quando o cido tinha peso especfico de 1,115 kg L -1 (~7,9 mol L -1 ), o que corresponde concentrao do cido obtida aps fervura prolongada. Hilgard deu significncia particular para esse fato. A digesto em cido forte

tornou-se muito popular e grande nmero de anlises de solos foram feitas por esse mtodo. Mais tarde, foi mostrado que havia pouca fundamentao para assumir que esta tcnica poderia obter dados de maior valor e o seu uso foi descontinuado. Dois cientistas que muito contriburam para o desenvolvimento do interesse por fertilidade do solo nos Estados Unidos foram Milton Whitney e C. G. Hopkins. No incio do sculo XX, eles se envolveram em uma controvrsia que atraiu ateno nacional e que, de fato, tornou-se muito amarga. Whitney defendia que o suprimento total de nutrientes nos solos era inexaurvel e que o fator importante sob o ponto de vista de nutrio de plantas era a taxa pela qual estes nutrientes iam para a soluo do solo. Hopkins, por outro lado, acreditava que essa filosofia levaria exausto do solo e a srio declnio na produo das culturas. Fez um levantamento dos solos de Illinois e considerou a fertilidade do solo a um sistema semelhante contabilidade. Como resultado desses estudos exaustivos, concluiu que os solos de Illinois necessitavam apenas de calcrio e P e pregou essa doutrina de forma to eficaz que o uso de calcrio e fosfato de rocha nas culturas do milho, aveia e rotaes com trevo foi uma prtica contnua nesse estado por muitos anos. A controvrsia entre Whitney e Hopkins finalmente diminuiu. As idias de Whitney foram mostradas pelo menos parcialmente incorretas, mas os argumentos conflitantes muito fizeram para estimular o pensamento dos cientistas agrcolas desse perodo. Logo na virada do sculo XX, a maior parte das estaes experimentais tinha parcelas experimentais no campo que mostravam os benefcios extraordinrios da adubao. Como resultado desses experimentos, os principais problemas de fertilidade do solo podiam ser geralmente delimitados. Foi mostrado, por exemplo, que havia uma generalizada necessidade de fertilizantes fosfatados, que K era geralmente deficiente nos solos da regio da plancie costeira e que N era particularmente deficiente nos solos do sul do pas. Os so-

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los a leste do rio Mississipi eram geralmente cidos e precisavam de calcrio, enquanto aqueles a oeste desse rio eram, regra geral, bem supridos de Ca. Embora um quadro geral do estado de fertilidade dos solos dos Estados Unidos tenha sido razoavelmente bem definido, logo se tornou aparente que recomendaes generalizadas de fertilizantes, com base nesse conhecimento, no deveriam ser feitas. Cada propriedade requeria ateno individual, assim como cada talho da propriedade. O interesse por anlises para avaliao da fertilidade do solo explodiu mais uma vez. Durante os ltimos 30 anos, muito progresso foi alcanado no sentido de compreender os problemas de fertilidade do solo. Enumerar aqueles estudos cujas contribuies levaram ao progresso no conhecimento iria requerer muito mais espao do que o disponvel neste captulo. Esses avanos no foram de trabalhos de cientistas de um nico pas. Os ingleses, que comearam seus trabalhos ao redor de 1600 continuaram a dar grandes passos nesse sentido. Os pesquisadores da Frana, Alemanha, Escandinvia, Rssia, Canad, Austrlia, Nova Zelndia, assim como dos Estados Unidos, alm de outros pases, solucionaram muitos problemas que dificultavam o progresso da cincia. Os frutos desses estudos so aparentes em todos os lugares, fazendo com que a produo agrcola nos pases desenvolvidos seja mais alta hoje do que nunca antes, e o mundo livre, de maneira geral, hoje mais bem alimentado, com melhores vesturios e moradias do que em qualquer poca no passado. Isto no poderia ser possvel se a produo das culturas hoje estivesse no patamar da Europa durante o escurantismo da Idade Mdia, quando a produtividade mdia de gros era de 6 a 10 bushels acre-1 (450 a 750 kg ha-1).

alimentada e vestida. Avanos nas pesquisas foram alcanados, nos centros de pesquisas agrcolas e outros, que podem contribuir para o aumento da produo agrcola no futuro. Alguns dos avanos que surgem no horizonte, ou, de fato, j colocados em prtica, mostram grandes perspectivas para aumentar a produtividade das culturas e aumentar a eficincia da produo agrcola. Estes avanos vo colocar presso adicional na terra e faro aumentar ainda mais a importncia que a fertilidade do solo exerce na produo das culturas. O sensoriamento remoto, constitudo de fotografias infravermelhas tomadas de grandes altitudes, usado para determinar as condies das culturas. Problemas relativos a solos, irrigao ou controle de pestes podem, freqentemente, ser detectados e corrigidos a tempo de prevenir srias diminuies na produtividade. Pesquisas tm demonstrado que o plantio direto pode aumentar a eficincia de uso da gua e diminuir a eroso do solo, provocando aumento na produtividade das culturas. Este tipo de manejo pode ter efeito considervel nas exigncias das culturas em relao a certos nutrientes, especialmente nitrognio, fsforo, potssio e enxofre, porm mais pesquisas so necessrias para desenvolver prticas adequadas de fertilidade do solo para utilizao no plantio direto. Em muitas reas nos mais diversos pases, grandes extenses de terra, que eram consideradas marginais para a produo das culturas por causa da falta de gua, esto hoje com altos nveis de produtividade em decorrncia do desenvolvimento dos sistemas de irrigao com pivots centrais. Poos so perfurados no centro desses campos, a gua transferida para as lavouras por aspersores ligados a tubos condutores alto-propelidos que se movem em crculos sobre a rea. Centenas de hectares podem ser irrigados com os maiores sistemas. Fertilizantes fludos e pesticidas podem tambm ser distribudos por esses sistemas. Em decorrncia da eliminao da umidade do solo como um fator limitante, pode-se obter maior eficincia

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2.5. Olhando para o sculo XXI medida que as civilizaes entram no sculo XXI e a populao do mundo continua a aumentar, obvia a importncia de um contnuo aumento na produo de alimentos. A continuidade das pesquisas em todas as fases da produo agrcola necessria, se a populao crescente tem que ser

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no uso de fertilizantes, e os custos de produo podem diminuir. Para que essas fontes de gua de alto custo sejam utilizadas de modo mais eficiente pelas culturas, o suprimento de nutrientes disponvel deve ser otimizado. Em vrias regies semi-ridas do mundo, existem desenvolvimentos promissores na captao de gua e uso mais eficiente da umidade para a produo das culturas. Sistemas de produo das culturas envolvendo esses mtodos de manejo da umidade do solo, em conjunto com outros fatores para a obteno de altas produtividades, tais como adubao, variedades e hbridos e poca de plantio, precisam ser estudados. A eficincia da irrigao um tema importante em vrias reas do mundo que apresentam limitado suprimento de gua para uso agrcola. A irrigao por gotejamento pode reduzir em 50% a gua atualmente em uso nos sistemas convencionais de irrigao. A necessidade de fertilizantes e sistemas para sua aplicao sob irrigao por gotejamento precisa de mais estudos. Anlises de solos e de plantas como instrumentos para determinar as necessidades de fertilizantes e calcrio para as culturas tm sido utilizadas por muitos anos. A utilizao dessas tcnicas no s continua como est aumentando. Um nmero considervel de informaes adicionais necessrio antes dessas anlises se tornarem mais do que guias refinados de adubao e calagem das culturas. Adubao foliar de outros nutrientes alm dos micronutrientes promete tornar-se uma prtica agrcola geral em algumas reas. Entretanto, em decorrncia de resultados inconsistentes, mais pesquisas so necessrias para se determinar quais condies so determinantes para a obteno de respostas claras em relao a esse mtodo de adubao. Melhorias tm sido obtidas e devero continuar a ser alcanadas no desenvolvimento de materiais fertilizantes mais eficientes. Alguns dos materiais que tm sido ou esto sendo desenvolvidos incluem os fertilizantes nitrogenados de liberao len-

ta, polifosfatos de alta concentrao, compostos magnesianos adequados ao uso em fertilizantes fludos completos, micronutrientes na forma de quelatos e fertilizantes com altos teores de enxofre para uso em fertilizantes slidos e lquidos. Concomitantemente ao desenvolvimento dessas novas tecnologias e produtos deve-se efetuar uma avaliao contnua de sua eficincia por meio de experimentaes de curto e longo prazos. Esse tipo de experimentao no campo uma exigncia necessria para o contnuo aumento da eficincia de produo das culturas. Altas produtividades das culturas impem diferentes exigncias de nutrientes. Doses de fertilizantes que do respostas satisfatrias com produtividades do milho de 8 t ha-1 no sero adequadas aos tetos de produtividades de 12 t ha-1 ou mais. Alm disso, com a calibrao das anlises de solos geralmente obtidas anos atrs, doses dos nutrientes necessrias para teores diferentes de anlises de solo podem ser muito baixas para as altas produtividades das culturas hoje obtidas e maiores ainda no futuro. Um novo desenvolvimento aparece com destaque no horizonte, o qual pode ter um impacto profundo na produo agrcola e do desenvolvimento recente da cincia de gentica molecular. Por meio desta tcnica de transplante de genes, qualidades desejveis de um gnero ou espcie podem ser transferidas para outra. Se e quando esta cincia tornar-se perfeita, concebvel que maior eficincia fotossinttica, mais altos teores de protenas e vitaminas, melhor resistncia a doenas e pragas e outros fatores podem ser introduzidos em outras espcies desejveis de culturas. Estas alteraes genticas podero causar um grande impacto nas exigncias nutricionais e, conseqentemente, nas prticas de adubao. Progressos na agricultura dependem de pesquisas de alta importncia. Para cada problema resolvido por um cientista, hoje, muitos outros aparecem. Pesquisadores agrcolas devem investigar questes de natureza fundamental, aquelas que tratam mais do porqu das coisas do que do o qu.

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No objetivo desse captulo cobrir todos os eventos significativos do desenvolvimento da cincia da Fertilidade do Solo. Muitos dados foram omitidos, e muito mais poderia ter sido escrito. Certamente, os avanos obtidos no fim do sculo XIX e no sculo XX foram grandes responsveis pelo estdio atual de nosso conhecimento. Esses avanos foram apenas superficialmente cobertos neste captulo, mas nos captulos seguintes deste livro confirma-se a importncia de tais eventos para o progresso da fertilidade do solo. Em resumo, espera-se que este captulo possa dar ao estudante algumas idias em relao ao tempo, esforo e pensamentos que foram dedicados nos ltimos 4.500 anos para acumular aquilo que ainda conhecimento insuficiente.

sua implicao com a produtividade das culturas at os dias atuais.

bal pioneiros fertilidade erti 2.6.1. Trabalhos pioneiros em fertilidade do solo e adubaoSegundo Heitor Cantarella, pesquisador do Instituto Agronmico de Campinas (IAC), o primeiro diretor desta instituio, 119 anos atrs, o austraco Dr. Franz W. Dafert, profundo conhecedor da qumica agrcola de sua poca, trouxe para o Brasil a experincia europia sobre anlise de solo e no primeiro relatrio da ento Estao Agronmica de Campinas, em 1889, esto os registros das anlises de solos pioneiras no Brasil. Em 1892, o IAC j realizava anlises de solo para cafeicultores paulistas, fornecendo inclusive pareceres sobre adubao. Nessa poca, j havia uma publicao do IAC sobre mtodos para a determinao de nitrognio em solos. Os demais mtodos empregados em anlise de solo foram publicados em 1895, pelo Dr. Bolliger, outro qumico importante que trabalhava no IAC na poca. Tambm em 1895 foi publicado um dos primeiros trabalhos sobre fertilidade do solo no Brasil, de autoria do Dr. Franz W. Dafert, que fornece detalhes sobre a anlise qumica de fertilizantes orgnicos, na poca chamados de estrumes nacionaes (DAFERT, 1895). At aquela poca, os fertilizantes utilizados nas lavouras eram basicamente produtos orgnicos, dos quais se tinha pouca informao sobre caractersticas qumicas, composio e modos de aplicao. As anlises qumicas realizadas no ento Instituto Agronmico do estado de So Paulo, hoje IAC, envolviam a determinao em partes por mil de agua, substancias organicas, azoto, acido phosphorico, potassa, soda, cal, magnesia, acido sulfrico, chloro e fluor, acido silicico e areia, oxydo de ferro e alumina nos mais diferentes tipos de estercos animais produzidos nas fazendas: compostos, excrementos humanos, casca de caf, palhas de milho e feijo, turfa, bagao de cana, restos de criao (ossos, chifres, cabelos, sangue, etc.), alm de outros estrumes, como re-

marcan cantes ev fer er2.6. Fatos marcantes da evoluo da fertilidade do solo no BrasilA histria do desenvolvimento da agricultura no Brasil, desde o seu descobrimento, est diretamente, mas de forma emprica no passado, ligada fertilidade do solo. Os grandes ciclos da canade-acar e do caf se aliceraram, no incio, na fertilidade natural dos solos das matas e na migrao para novas reas quando essa fertilidade natural se exauria.FERTILIZANTES: AGROINDSTRIA E SUSTENTABILIDADE

Passaram-se muitas dcadas at que, por meio de observaes prticas do incio, seguindo-se trabalhos envolvendo fertilidade do solo e o uso de fertilizantes orgnicos e minerais mais tarde, estabelecessem-se as bases para a prtica da adubao que permitisse a explorao contnua das propriedades rurais. muito difcil destacar os fatos mais marcantes da evoluo da fertilidade do solo no Brasil, uma vez que, no Pas, esse segmento do conhecimento bastante recente como cincia, estando muito mais atrelado a programas envolvendo essa rea do conhecimento do que a pesquisadores individualmente. Entretanto, mesmo com a possibilidade de pecar por omisso, sero relatados a seguir alguns pontos importantes da evoluo dessa rea do conhecimento da Cincia do Solo no Brasil, bem como

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sduos da fabricao do gs de iluminao, apatita, cinzas de bagao de cana, resduos de destilao da cana, bagao de sementes de oleaginosas, restos de curtume e serragem. Em relao ao composto,