livro metodologia - prof. marta e prof. patrícia
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Referencia: BELLINI, M; SILVA, A.C. (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em educação. Maringá: EDUEM, 2005. (Formação de professores EAD, n. 2)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Capítulo 1A ciência e os diferentes tipos de conhecimentoCleide Riva Campelo
Capítulo 2A ética na pesquisa científicaEloísa Parolin
Capítulo 3Ética na pesquisa e o lugar do pesquisador no mundoJosé de Arimathéia Cordeiro Custódio
Capítulo 4 Orientações para o primeiro projeto de pesquisaAna Cristina Teodoro da Silva
Capítulo 5O que é metodologiaLuzia Marta Bellini
Capítulo 6Métodos e técnicas de pesquisa em educação: subsídios metodológicosLuzia Marta Bellini
Capítulo 7Orientações para a utilização de entrevistas, questionários, tabelas e gráficos em pesquisas educacionaisPatrícia Lessa p. 88-101
Capítulo 8Instrumentos de mensuração: algumas consideraçõesCarlos Alberto Mororó Silva
Capítulo 9Normas para elaboração de trabalhos científicosAdão Aparecido Molina; Ângela Mara de Barros Lara; Helaine Patrícia Ferreira
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Apresentação
A disciplina Metodologia e técnicas de Pesquisa (METEP) II tem
como objetivos: 1) discutir ciência e conhecimento; 2) elaborar um projeto
inicial de pesquisa científica; 3) discutir métodos e técnicas de pesquisa
em educação.
No Manual do Acadêmico, o aluno encontra o programa completo
deste curso. Na concepção original do livro, cada tópico programático
inspiraria dois capítulos, com o objetivo de evidenciar o fato de que os
temas podem ser abordados de formas diferentes. Conseguimos executar
essa idéia em dois tópicos, que correspondem aos capítulos II e III; VII e
VIII. Aproveitem para estudar como um mesmo tema é abordado por
autores diferentes.
Planejamos um capítulo intitulado “as fontes da pesquisa”, porém o
texto, intempestivamente, não nos chegou à mão. Há muitas coisas entre o
céu e a terra... Apesar de a discussão sobre as diferentes fontes de
pesquisa estar presente em outros textos, há, aí, uma falha. Mas olhemos
para o conteúdo positivo.
Filosofia, religião, artes e mesmo o senso comum são formas de
conhecimento, além da ciência e de outras. Cada um dos “tipos” de
conhecimento não está isolado, bebe e dialoga com o vizinho. Como fazer
a história da ciência, por exemplo, sem relacioná-la com os aprendizados
do senso comum, ou sem discutir fundamentos filosóficos? Como separar
arte, religião e senso comum?
O primeiro capítulo do livro, escrito por Cleide Riva Campelo, traz
uma definição de ciência – que, certamente, não é a única. A partir desta
definição, a autora discute a ciência que sonhamos, interligada com outros
saberes. O capítulo seguinte (II), “a ética na pesquisa científica”, de Eloísa
Parolin, traz uma providencial recuperação de algumas concepções de
ciência. Enfoca as capacidades desenvolvidas pelo homem, alertando-nos
que essas capacidades podem ser construtivas e destrutivas.
Na seqüência, José de Arimathéia Cordeiro Custódio discute a
“ética na pesquisa e o lugar do pesquisador no mundo” (capítulo III),
mostrando-nos que a ética associada à ciência e à pesquisa não é tema
distante de nós, fazemos opções éticas cotidianamente; trata-se de como
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encaramos o mundo e as “gentes” à nossa volta (como diria Dersu Uzalá,
personagem de filme de Akira Kurosawa).
Com felicidade percebemos que transparece no livro uma visão
problematizadora da ciência e dos conhecimentos. Neste livro emerge a
crítica do que fomos capazes de construir até aqui, o que, vimos em
METEP I, é tarefa da universidade. Vivemos a tensão de produzir e criticar
o conhecimento.
Precedido pela discussão ética, o capítulo IV traz “orientações para
o primeiro projeto de pesquisa”. Ana Cristina Teodoro da Silva questiona o
que é pesquisa e porque pesquisar, além de se deter nas partes de um
projeto de pesquisa. É necessário encarar essas questões, pois vocês
precisarão compor um projeto de pesquisa que os acompanhará nesse
trilhar e resultará no trabalho de conclusão de curso.
Fundamental à discussão do projeto de pesquisa, é a discussão
metodológica. Tanto que é considerada em capítulo à parte (V).
Diferenciada de procedimentos, a metodologia aparece como momento
privilegiado para pensar que a ciência por nós produzida, é uma
“elaboradora de condutas”. E, com isso, vamos tecendo a trama que
envolve ciência, ética, pesquisa e o pensar sobre isso tudo. Já no capítulo
VI, “Metodologia e técnicas de pesquisa em educação” (como o anterior,
de autoria de Luzia Marta Bellini), a reflexão sobre os procedimentos é
voltada especificamente à área de educação.
Alguns dos procedimentos mais comuns em pesquisas das áreas
educacionais serão abordados no capítulo VII. Patrícia Lessa dos Santos
faz-nos refletir sobre como e porque levantar dados, e qual a melhor forma
de comunicá-los. Aqui teremos a oportunidade de comparar abordagens,
pois o capítulo VIII enfoca o mesmo tópico programático, sob
responsabilidade de Carlos Alberto Mororó Silva.
Por fim, no capítulo IX, informações muito úteis para a formalização
de trabalhos científicos, que devem ser seguidas em qualquer trabalho
acadêmico, com base no instituído pela Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT). Talvez o formato do trabalho científico não seja visto
com simpatia por alguns, mas percebe-se nele o propósito de sermos
compreendidos, é o que está implícito no trabalho de Adão Aparecido
Molina, Ângela Mara de Barros Lara e Helaine Patrícia Ferreira.
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Retomamos três parágrafos da apresentação do livro METEP I, que
são apropriados também aqui.
Devemos registrar que essa é a primeira experiência da maior parte
dos autores com material didático. A tarefa é para nós um desafio,
estamos fazendo nosso melhor, que sabemos não ser o suficiente.
Pedimos aos alunos e leitores que sugiram, critiquem, explorem os limites
desse livro, e que nos dêem o retorno dessa crítica. Contamos com esse
retorno para que, em uma oportunidade (não distante!) possamos melhorar
o material e o curso, que deve estar em constante avaliação.
A consecução deste livro deve-se ao arrojo e à capacidade de
trabalho de alguns professores que se interessaram pela proposta, a ponto
de priorizá-la diante das inúmeras atividades de nosso cotidiano. Nesse
contexto, torna-se especial a participação dos autores aqui presentes, que
trabalharam em ‘quarto turno’, dentro de um prazo inadequado, para
preparar seus textos, frutos do esforço de sistematizar o diálogo de nossas
pesquisas, de nossa ação/reflexão em sala de aula, com os alunos e
colegas, com os livros, em bibliotecas, corredores, por meio de bilhetes,
brigas e abraços (e mesmo em salas de espera de médicos e psicólogos!).
Aos autores, a convicção de que estamos participando de algo que
extrapola nossa imaginação. Nossas palavras estarão em milhares de
caminhos e casas; marcadas por cores das mais diferentes. E o “nosso”
será ampliado, o verbo será também de cada aluno-leitor, que criará e
recriará significados. Esperamos que o livro seja inspirador a vocês,
alunos, que façam bom proveito. Por vocês, nosso trabalho vale a pena.
Ana Cristina Teodoro da SilvaLuzia Marta Bellini
organizadoras
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A CIÊNCIA E OS DIFERENTES TIPOS DE CONHECIMENTO
Cleide Riva Campelo
Saber, conhecimento, verdade provisória: tudo isso é ciência, o
amplo espectro do arquivo que é todo o conhecimento da história evolutiva
do homem e seu universo. Chamamos ciência especificamente a
organização desse saber, que, no Ocidente, nos vem de uma herança
grega, que iniciou a sistematização do conhecimento particularmente entre
os século VI e IV a.C., a partir de uma reflexão cuidadosa que partia da
observação e posterior descrição dos fenômenos. Mecanismo que outras
culturas, em outros tempos – até anteriores – e em outros espaços,
também foram codificando na forma de diferentes arquivos de
conhecimento. É da natureza do homem observar e tirar dessa observação
uma reflexão: a descrição desse processo é a própria criação do que
entendemos hoje por ciência: um conhecimento codificado, que pode ser
transmitido e verificado. Eis aí o orgulho do Homo sapiens, justamente,
homem de ciência.
Assim, para nós, ocidentais, as sementes de nossas indagações
que tem nos levado a séculos de aventuras e empreendimentos na trilha
de nossos “por quês?” nos chegam dos gregos antigos, como nos conta
um de nossos heróis modernos no campo do conhecimento, o físico
brasileiro Marcelo Gleiser:
Quando nos perguntamos de onde vieram as primeiras idéias filosóficas, as sementes do pensamento moderno ocidental, não temos a menor dúvida quanto à resposta: da Grécia antiga, em particular do período entre os séculos VI e IV a. C. O início dessa aventura intelectual é marcado pelo aparecimento dos filósofos pré-socráticos, que acreditamos terem sido os primeiros a tentar responder a questões sobre a Natureza usando a razão, e não a mitologia ou a religião.
Esse apetite pelo saber racional, motivado pelo mesmo senso de mistério que inspira o pensamento religioso, está na raiz de toda a ciência. (GLEISER, 1999, p. 20)
Quando enfatizamos que essas observações são válidas para nós
ocidentais, queremos salientar que outros campos do conhecimento
estavam sendo desbravados, ao mesmo tempo, em outros espaços do
planeta, e não devemos esquecer que são partes integrantes da história do
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homem. Apenas, o foco aqui é para facilitar o entendimento de um pedaço
da história, no caso a que nos diz respeito mais de perto, por questões de
proximidade e familiaridade.
Assim, a medicina moderna, por exemplo, teve seu nascimento na
Escola Hipocrática, no século IV a. C., que inaugurou esse novo olhar em
relação ao corpo, através da observação e da descrição, base científica do
conhecimento médico, que abandonava a visão anterior, sacerdotal,
centrada na teologia, no misticismo. É uma nova era, o tempo de um
conhecimento compartilhado, feito a muitas mãos, e, por meio de suas
descrições guardadas pela escrita, um conhecimento que vai sendo
construído independente do tempoespaço em que é descrito: a Física de
hoje, por exemplo, é um grande texto da ciência construído por mãos que
viveram em tempos e espaços diferentes, mas participaram dessa grande
roda do saber, através do registro de suas observações e experimentos
que foram sendo retomados e reavaliados.
À medida em que fomos organizando esse grande arquivo de
nossos saberes, fomos também mitificando o próprio arquivo e hoje, para
muitos, a ciência tomou o pedestal em que os deuses de todos os tempos
foram sempre colocados. Assim, é sempre bom retornar aos sábios, como
Edgar Morin, um sábio do nosso tempo, e repensar a própria ciência:
A ciência não tem verdade, não existe uma verdade científica, existem verdades provisórias que se sucedem, onde a única verdade é aceitar essa regra e essa investigação. Portanto, existe uma democracia científica, como funcionamento regulamentado e produtivo da conflituosidade. (MORIN,1996, p.56)
Pensar de modo científico é, assim, manter a mente aberta para
surpreender-se sempre no caminho do conhecimento, no qual a certeza e
a incerteza caminham lado a lado. É preciso saber suportar as mudanças
de paradigmas, mesmo que para isso tenhamos de reconstruir um
caminho de uma vida inteira; é preciso saber dar boas vindas às
complexidades que acompanham o trilhar desse pensar científico; é
preciso cultivar a convivência dos conflitos. Não é na busca da
homogenização, da pasteurização de todos os elementos, da
domesticação do próprio pensar que vamos nos sentir confortavelmente
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cientistas. É preciso uma boa dose de liberdade e aceitação do sentido de
perigo para que o pensamento científico possa ficar à vontade para
exercitar o que Edgar Morin chamou de sua principal regra:
Sobre a regra do jogo: é evidente que a característica original da regra do jogo científico é o teste. “Testar”, através de observadores/verificadores, diferentes opiniões ou diferentes idéias. Há uma idéia de que não há nenhum limite moral, religioso ou político à crítica e à investigação. É isso que a diferencia da regra do jogo medieval ou de outros jogos. A última regra do jogo é empírica, ou melhor, empírico-crítica. Ela é também empírico-lógica porque, assim, podemos contestar uma teoria naquilo que ela tem de incoerência; porém, sobretudo, é o teste empírico que é decisivo. Essa é a regra fundamental do jogo. É claro que um teste – prestem bem atenção – não tem valor absoluto, ou seja, uma, duas ou três experiências aparentemente decisivas talvez não sejam decisivas. (MORIN, idem, p. 66)
Assim, considerando essas palavras de Edgar Morin, a ciência
estabelece seus fundamentos no confronto e na experimentação
verificativa de premissas que, desde sempre, se sabem provisórias e
substituíveis. E é preciso que na prática, na experimentação, verifique-se
sempre a sustentabilidade, ainda que provisória, das premissas propostas.
Fica claro, já de saída, que o território ideal da ciência não é o local
seguro intramuros que muitos sonham; ao contrário, é na contramão do
que se isola para permanecer seguro e puro, que caminha a ciência. É
mais no solo mestiço dos saberes contaminados e não bem definidos ou
delimitados que o melhor pensar científico pode lançar suas asas e alçar
seu vôo.
Reafirmando esse caráter provisório das verdades científicas, o
cientista-pensador Ilya Prigogine nos leva a aprofundar alguns desses
temas:
Quanto mais a ciência avança, mais nos espantamos com ela. Fomos da idéia goecêntrica de um sistema solar para a heliocêntrica, e de lá para a idéia das galáxias, e, por fim, para a dos múltiplos universos. Todos já ouviram falar do Big Bang. Para a ciência, não existe um evento único, e isso conduziu à idéia de que múltiplos universos podem existir. Por outro lado, o homem é até agora a única criatura viva consciente do espantoso universo que o criou e que ele, por sua vez, pode alterar. A condição humana consiste em aprender a lidar com essa ambigüidade. Minha esperança é de que as gerações futuras aprendam a conviver com o espanto e com a
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ambigüidade. (...) Esse espanto nos leva a respeitar os outros. Ninguém é dono da verdade absoluta, se é que essa expressão significa alguma coisa. Acredito que Richard Tarnes esteja certo: “A paixão mais profunda da alma ocidental é redescobrir a unidade com raízes de seu ser”.
Essa paixão leva à afirmação prometéica do poder da razão, mas a razão também pode conduzir à alienação, a uma negação daquilo que dá valor e significado à vida. (...)
Estamos apenas no começo da ciência, e muito distantes do tempo em que se acreditava possível descrever todo o universo em termos de algumas poucas leis fundamentais. Encontramos o complexo e o irreversível no domínio microscópico (tal como associado às partículas elementares), no domínio macroscópico que nos cerca e no domínio da astrofísica. Cabe às futuras gerações construir uma nova ciência que incorpore todos esses aspectos, porque, por enquanto, a ciência continua em sua infância. (PRIGOGINE, 2001, p.19-20)
Ao formular sua crítica sobre alguns aspectos da ciência
contemporânea, Ilya Prigogine, prêmio Nobel da Química de 1977, faz seu
alerta para a pretensa soberania da razão. O pensamento ocidental lógico-
científico, que é o coroamento daquele que se autodenomina homem de
ciência, o Homo sapiens, traz uma grande sombra como contrapeso desse
jogo. O jorrar de luzes que a razão ocidental busca lançar sobre todos os
fenômenos do universo, traz uma cegueira conseqüente: luz em excesso
passa a ser como a escuridão – também aí não se pode ver com clareza.
Talvez seja preciso, em vez de tantos focos de luz forte, uma delicadeza
no olhar que desenvolva um outro modo de perceber, ligando mais o
conhecimento ao sentir, a razão lógica à experimentação empírica,
estabelecendo mais paralelos que liguem o homem ao universo, que criem
possibilidades de trânsito mais fecundo entre os territórios fronteiriços que
a razão ocidental tem tentado continuamente separar: fora e dentro, razão
e emoção, micro e macro.
Para se pensar sobre uma atitude científica como pedagogia a ser
exercitada em nossas escolas, o eixo desse fazer-ciência deveria girar em
torno de duas palavras: curiosidade e tolerância. As escolas deveriam
aproveitar a natural curiosidade das crianças como agente fertilizador para
dar início aos estudos de ciência. Começando pelo conhecimento do corpo
e da vida de cada aluno e da troca desse conhecimento particular, o
ensino e o estudo das ciências seriam beneficiados pelo frescor das
primeiras perguntas e das primeiras descobertas e por uma
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interdisciplinariedade saudável e necessária para dar conta de tantas
questões que fatalmente seriam levantadas em sala de aula, por onde
muitas teorias científicas poderiam passar sem dificuldade. E, cada passo
desse processo de aprendizado estaria reforçando um paradigma de
tolerância, na relativização das verdades individuais e das verdades
provisórias que seriam elencadas, trazendo mais confiança no desejo
natural do ser humano em experimentar hipóteses, em arriscar soluções,
em sonhar o ainda inalcançável, em saborear as variações, em dar espaço
ao imperfeito, ao inacabado e ao fragmento.
O pensamento científico precisa se nutrir de outras áreas do
conhecimento, como as Artes e as diversas manifestações da cultura, o
conhecimento popular ancestral, os sonhos, até mesmo a loucura e as
outras doenças. É preciso apagar as linhas com as quais o Ocidente vem
demarcando com rigidez os territórios da ciência, para deixá-la respirar e
contaminar-se com outros saberes. Uma ciência claustrofóbica precisa ser
substituída por uma ciência-ponte entre vários segmentos, que conecte e
abra mais bifurcações, sugerindo caminhos ainda não pensados,
reinventando riscos, inspirando percepções e reflexões inesperadas.
Voltando ao cientista Marcelo Gleiser:
Hoje, o imperfeito é muito mais inspirador do que o perfeito.
Na física moderna, o imperfeito ocupa um lugar de honra. De fato, se a Natureza fosse perfeita, o Universo seria um lugar extremamente sem graça. Do microcosmo das partículas elementares da matéria ao macrocosmo das galáxias e mesmo no Universo como um todo, imperfeição é fundamental.(...)
Segundo nossas teorias atuais, a geração de estruturas complexas a partir de componentes simples é um processo que depende fundamentalmente de alguma imperfeição.(...)
Na história do Universo, houve várias quebras de simetria. Como produto dessas imperfeições, apareceram as massas dos elétrons, prótons e nêutrons, as partículas que constituem a matéria. Podemos dizer que a matéria da qual somos feitos é um fóssil dessa imperfeição cósmica.(...) A Natureza precisa do imperfeito para criar. Mudando um pouco as palavras do grande poeta Vinícius de Moraes, os perfeccionistas que me perdoem, mas imperfeição é fundamental. (GLEISER, 1999, p.190-192)
Muito antes dos cientistas, disso já sabiam os poetas e os artistas
em geral, os sonhadores, as crianças e os apaixonados. Enfim, todos
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aqueles que ousaram e ousam romper as barreiras do senso comum, do
que já está estabelecido e do que já se conhece. Aqueles que se arriscam
pelos caminhos ainda não pisados. Os que brincam de desbravar o
desconhecido. Os que abrem mão do conforto dos paradigmas protetores
para se aventurar por caminhos imperfeitos, que talvez não levem a nada.
Para a sobrevivência do homem e da ciência, correr o risco e experimentar
as bifurcações ambígüas do caminho da vida podem ser as propostas mais
férteis para se trilhar o futuro.
REFERÊNCIAS:
BROCKMAN, John e MATSON, Katinka (org.). As coisas são assim: Pequeno Repertório Científico do Mundo que nos cerca. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
GLEISER, Marcelo. Retalhos cósmicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. (s/ trad.) Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas.(s/ trad.) São Paulo: Ed. UNESP, 1996.
______. Ciência, razão e paixão. Edgard de Assis Carvalho e Maria da Conceição de Almeida (orgs.). Belém: EDUEPA, 2001.
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A ÉTICA NA PESQUISA CIENTÍFICA
Eloísa Parolin
“Eu me tornei a morte, a destruidora dos mundos.” (NEVES, 1999,
p. 209) O pequeno trecho do Bhagavad Gita, texto sagrado dos hindus,
pronunciado pelo físico norte-americano Julius Robert Oppenheimer em
16 de julho de 1945, resumiu as emoções que sentira ao presenciar a
explosão da primeira bomba atômica da história. Naquele dia de verão,
logo nas primeiras horas da manhã, uma bomba de plutônio apelidada de
Gadget foi detonada no deserto de Alamogordo, no estado americano do
Novo México. (CASTELLANI e CASTELLANI, 2005, p. 47)
Como uma das mais temíveis armas de destruição em massa
desenvolvida pelo engenho humano, a bomba atômica nasceu de um
programa militar secreto do governo americano durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). Entretanto, a trajetória que conduziria a fabricação
do novo artefato bélico originou-se antes mesmo do conflito mundial ter
sido deflagrado. Em 02 de agosto de 1939, o já conceituado físico Albert
Einstein enviara uma carta ao Presidente Franklin Roosevelt, alertando-o
sobre a possibilidade de uma aplicação da energia atômica na construção
de armas com potencial muito superior ao das armas convencionais
existentes na época:
Algumas pesquisas desenvolvidas recentemente por E. Fermi e Szilard, cujas comunicações me foram entregues em manuscritos, induziram-me a considerar que o elemento urânio possa ser transformado, num futuro próximo, em uma nova e importante fonte de energia. (...) Nos últimos quatro meses, foi confirmada a possibilidade (graças aos trabalhos de Joliot-Curie, na França e, os de Fermi e Szilard, na América) que torna possível produzir, em uma grande massa de urânio, uma ‘reação nuclear em cadeia’ capaz de gerar grande quantidade de energia e numerosos elementos com características semelhantes ao rádio. (“...) Este novo fenômeno poderá permitir a construção de bombas extremamente potentes. (MARTINS, 2001, p. 143)
Em resposta ao alerta dado pelo cientista, o presidente americano
institui o Comitê de Pesquisa de Defesa Nacional (National Defense
Research Committee), cujo objetivo principal seria promover pesquisas
voltadas para os “problemas de defesa” (MARTINS, 2001, p.146) de seu
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país. A mobilização de cientistas para a causa militar tomaria um rumo
significativo em junho de 1942, quando se inicia o Projeto Manhattan,
criado exclusivamente para a confecção de armas nucleares.
O Projeto reuniu em torno de seus propósitos um grupo seleto de
físicos como Edward Teller, Leo Szilard, Von Neumann, Enrico Fermi,
Richard Feynman, entre outros que, sob a direção de Robert
Oppenheimer, tinha a tarefa de transformar todo o conhecimento científico
disponível sobre as partículas elementares da matéria, em um novo
instrumento voltado para a guerra. O desenvolvimento do Projeto
envolveria uma quantidade considerável de pessoas, equipamentos e
dinheiro (estima-se que o valor investido tenha sido superior a 2 bilhões de
dólares).
O resultado bem sucedido, alcançado em Alamogordo na manhã de
julho, foi descrito de forma muito particular por suas diversas testemunhas.
As cores e os sons produzidos por uma explosão atômica ainda hoje
deixa-nos perplexos:
(...) ‘um raio terrível’, depois a luz que se tornava amarela e depois laranja’. Nuvens se formaram e se desfizeram, devidas às ondas de choque, e ‘uma enorme esfera de cor laranja, cujo centro é muito luminoso’ se ergueu e inchou, tornando-se escura nas bordas, até formar ‘uma grande bola de fumaça com raios que saíam de seu centro incandescente’. Cerca de um minuto e meio mais tarde, ouve-se ‘subitamente um ronco de trovão’. (CASTELLANI e CASTELLANI, 2005, p. 48)
Ao perceberem o impacto produzido pela bomba no deserto, os
cientistas envolvidos direta ou indiretamente no Projeto, divergiram em
suas opiniões quanto ao uso da arma em alvos humanos. O governo e as
Forças Armadas norte-americanas, por seu lado, argumentavam que o
experimento nuclear em seres humanos, poderia evitar a morte de milhões
de norte-americanos em uma invasão direta ao Japão.
Ignorando os argumentos contrários às suas intenções, o
presidente Harry Truman, sucessor de Roosevelt, ordena o bombardeio de
duas cidades japonesas. Em 06 de agosto de 1945, por volta das 08 horas
e 16 minutos, uma bomba de urânio é lançada sobre a cidade de
Hiroshima, cerca de 70.000 pessoas morrem com a explosão; três dias
depois uma bomba de plutônio é despejada sobre Nagasaki, o número de
mortos: em torno de 36.000 pessoas. (NEVES, 1999, p. 215) As cifras
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tornam-se maiores se acrescentarmos as milhares de vítimas que ficaram
feridas, e que conseqüentemente morreram nos meses e anos seguintes
ao término da guerra, em decorrência dos efeitos provocados pela
radiação no organismo humano.
Para a lógica burocrática dos militares americanos os seus
propósitos foram atingidos; ao mesmo tempo em que conquistaram a
destruição física e psíquica do adversário, puderam realizar uma
demonstração de força para obter a humilhação e o aniquilamento moral
do suposto “inimigo”, representado também no final da guerra pela antiga
União Soviética.
Contudo, os físicos não seriam os únicos cientistas a contribuírem
para o esforço de guerra. Nos Estados Unidos calcula-se que mais de 70%
dos antropólogos estiveram parcial ou totalmente a serviço das Forças
Armadas. A contribuição de antropólogos e outros cientistas sociais como
historiadores, sociólogos, geógrafos e cientistas políticos, não se limitou
apenas ao fornecimento de informações sobre a cultura dos povos
“inimigos”. Nas décadas seguintes ao conflito armado, muitas pesquisas
realizadas por profissionais destas áreas ajudaram no processo de
controle imperialista promovido pelos Estados Unidos e países europeus
junto a diferentes nações distribuídas em todos os continentes. (MOONEN,
1988, pp. 40-50)
A história das ciências está repleta de eventos em que a atitude e o
conhecimento produzidos por alguns cientistas apresentaram uma
cumplicidade explícita com as estruturas de poder dominante. Um outro
exemplo pode ser oferecido novamente pela Antropologia que nas
primeiras décadas do século XX, assumiria a forma de uma “antropologia
colonial”, sendo colocada “a serviço dos administradores coloniais para a
solução de problemas entre colonizadores e colonizados, visando a
manutenção do sistema de dominação e exploração colonial”. (MOONEN,
1988, p. 8)
Os exemplos selecionados para ilustrar as implicações sociais e
políticas do saber científico, e o papel desempenhado pelo cientista neste
contexto, estão situados em um momento de significativas mudanças no
quadro geral das ciências. Os traços mais marcantes deste quadro seriam
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fortemente redesenhados a partir dos acontecimentos científicos que se
desenrolaram nos bastidores do Projeto Manhattan.
A entrada de nossa civilização na era atômica, segundo Mauro
Grun, representou o marco inicial do que denominou a "ecologização das
sociedades ocidentais”, (GRÜN, 1996, p.16) ou seja, a partir deste
momento, os homens teriam adquirido a "autoconsciência" do poder que a
espécie humana possui para destruir a si mesma e a todo o meio natural
que habita. Em uma fração de segundos somos capazes de eclipsar
nossas existências e carregar com elas uma multiplicidade de outras vidas
com as quais compartilhamos florestas, rios, vales, montanhas, uma
infinidade de paisagens que recobrem nosso planeta.
Um rápido retorno aos nossos conhecidos físicos da bomba
atômica, e poderemos perceber que a experiência de uma
“autoconsciência” sobre a possibilidade de silenciarmos definitivamente as
formas de vida na Terra, parece não representar uma unanimidade entre
eles. (autor, ano)
Albert Einstein como outros cientistas envolvidos em pesquisas
militares, condenou os ataques a Hiroshima e Nagasaki, e passou o
restante de sua vida em um conflito de consciência que o levaria a afirmar
mais tarde: “Não se pode manter a paz pela força. Ela só pode ser obtida
pelo entendimento”. (NEVES, 1999, p. 233) Porém, uma postura
divergente se expressaria nas palavras de Von Neumann: “Nós não
devemos nos sentir responsáveis pelo mundo no qual vivemos”.
(CASTELLANI e CASTELLANI, 2005, p. 49) (autor, ano)
Apesar do sentimento de indignação, motivado pelo sofrimento da
população japonesa, ter atingido várias pessoas nos mais distintos grupos
sociais, as diferentes posições emitidas pela comunidade científica nos
revelam mais do que um simples choque de opiniões pessoais. Antes, o
contraste de posições como as de Einstein e Von Neumann pode mostrar-
nos qual é a visão que cada cientista tem em relação a ciência que
escolheu estudar. Uma “visão” de ciência, ou se preferirmos, um conceito
de ciência próprio a cada um de nós e que está intimamente ligado a
nossa ação no mundo. (autor, ano)
Para refletirmos um pouco mais sobre esta relação entre idéia de
ciência e conduta científica, seria interessante fazermos um breve passeio
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pelos últimos cinco séculos, para neles visualizarmos as transformações
da ciência moderna e da dimensão ética que lhe corresponde.
Um pouco de história...
Desde a origem dos primeiros hominídeos nas savanas africanas
há milhares de anos, a espécie humana desenvolveu diversas formas de
organizar a sua sociedade, e de criar mecanismos que facilitassem a
obtenção dos recursos necessários para a manutenção física de seus
membros. Das primeiras comunidades de caçadores-coletores do Período
Paleolítico ao aparecimento das antigas “civilizações” com organização
social mais complexa como: mesopotâmios, egípcios, persas, gregos,
romanos entre outras, até alcançarmos as sociedades contemporâneas, o
engenho criativo humano aprimorou-se em um diálogo constante com as
forças da natureza. (autor, ano)
O homem, portanto, não é um ser isolado, abstrato, mas um ser
concreto que se relaciona com outros homens e ao mesmo tempo se
relaciona com tudo que o cerca. Importante observar, como na expressão
de Marilena Chauí, que tais relações são "invenções históricas e
construções culturais”. (CHAUÍ, 2000, p. 57) Ao fabricar os mais diferentes
tipos de equipamentos para facilitar a obtenção de alimentos; interferir no
curso de rios; construir lagos artificiais; aprender a cultivar a terra, e erguer
cidades, os homens alteraram profundamente a paisagem a sua volta; e ao
fazê-lo transformam a si mesmos e criam também novas formas de
relacionamento com outros homens e com a natureza.
Em seu conjunto, estas relações formam o complexo tecido onde
se manifesta a vida humana em todas as suas múltiplas dimensões: como
uma unidade biológica (espécie) o homem é ao mesmo tempo um ser
psico-social, cultural, econômico, político. (autor, ano)
Este homem “multidimensional”, (MORIN, 1979, p. 102) em seu
processo contínuo de auto-criação, encontraria ainda diferentes maneiras
de produzir, organizar e distribuir a riqueza gerada pelo trabalho humano.
A estas formas específicas de produzirmos nossa existência coletiva, ou
seja, a forma como em distintos momentos históricos, conduzimos a
produção agrícola, estabelecemos os critérios de distribuição de alimentos
e bens materiais, organizamos as relações de trabalho e as relações de
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poder no interior das sociedades, costumamos definir como modo de
produção. E, dentre os modos de produção, o capitalismo merece aqui
uma atenção especial, pois são nos séculos nos quais a sociedade
capitalista lentamente se despedia do mundo feudal, que vemos surgir a
ciência moderna. (autor, ano)
O modo de produção capitalista originou-se nas sociedades feudais
da Europa Ocidental por volta do século XI, e em um longo período de
transição que se estende até o século XVIII, extrapolou os limites do
continente europeu, atingindo todos os demais continentes. As grandes
navegações iniciadas no século XV e a expansão do sistema capitalista
levariam a implantação do sistema colonial em territórios africanos,
asiáticos, americanos e em regiões da Oceania. Gradativamente as
culturas não-européias foram convertidas em mercados consumidores de
produtos manufaturados europeus, ou em simples fornecedoras de
matérias-primas extraídas abundantemente para o abastecimento das
metrópoles. (autor, ano)
Ainda que se preserve economias de subsistência, artesanatos, patrimonialismos, tribos, clãs, nacionalidades e nações, entre outras formas de organização da vida e do trabalho, ainda assim o processo capitalista influencia, tensiona, modifica, dissolve ou recria todas e quaisquer formas com as quais entra em contato. (IANNI, 1997, p. 136)
Como observou Octávio Ianni, o modelo capitalista de produção
moldou-se às várias culturas com as quais entrou em contato,
transformando-as, ou mesmo, destruindo-as. Em pouco mais de
quinhentos anos, o extermínio físico e cultural de milhões de pessoas nas
sociedades colonizadas, garantiu a acumulação primitiva de capital i
responsável pelo enriquecimento das metrópoles européias, e pela
concentração de capital em escalas notáveis, nas mãos de uma pequena
parcela de pessoas e instituições. (autor, ano)
O nascimento da indústria capitalista a partir da segunda metade do
século XVIII, possibilitado entre outros fatores pelo capital acumulado com
a exploração colonial, provoca novas mudanças na forma de
relacionamento entre os homens, e destes com a natureza. A introdução
das máquinas no interior das fábricas européias, durante a revolução
16
industrial, ampliou a divisão do trabalho e acelerou o processo de
produção de mercadorias. (autor, ano)
O trabalho fragmentado realizado nas antigas manufaturas tornou-
se ainda mais especializado na indústria. O parcelamento do trabalho
representou o parcelamento dos próprios trabalhadores, pois, ao
participarem da confecção de uma mercadoria, realizando apenas uma
etapa da produção, os operários não se sentiam mais como “criadores”,
como responsáveis pelo produto final de seu trabalho. A mecanização do
trabalho distancia o homem de sua criação, aumentando o seu sentimento
de frustração, e impedindo-o de perceber a si mesmo como um ser capaz
de agir no mundo, e competente para revolucionar o meio em que vive.
(autor, ano)
As indústrias começam aparentemente a fabricar a si mesmas,
máquinas produzindo máquinas, neste turbilhão de "coisas", de
mercadorias que invadem o mercado, como imaginar que tudo isto não
tenha vida própria? As relações humanas parecem desaparecer, e os
homens “divididos”, incapazes de conhecer o processo global de produção,
sentem-se meros coadjuvantes na história de suas vidas. (autor, ano)
Este fenômeno, onde as relações sociais entre os homens
assumem "a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas"(MARX,
1989, p. 81), denominado por Marx de fetichismo da mercadoria, explica o
processo através do qual a mercadoria parece adquirir vida própria e
passa a dominar a vida dos próprios homens. (autor, ano)
Se no sistema capitalista a força humana de trabalho é convertida
em mercadoria, e a relação entre os homens se apresenta como a uma
relação entre coisas, a atitude dos homens com a natureza segue um
caminho semelhante: para “atender” a expansão industrial, a devastação
dos recursos naturais atingiu proporções inimagináveis. A exemplo dos
nativos africanos e asiáticos, aborígines australianos e índios americanos;
milhares de espécies de animais e plantas também desapareceram ou
foram destruídas durante o período colonial, juntamente com a extinção de
florestas, com a poluição de rios e mares, ou mesmo através da caça
indiscriminada. (autor, ano)
17
Enquanto isso, na ciência moderna...
Neste cenário de revolução tecnológica que marcou a segunda
metade do século XVIII e o contexto geral do século XIX, as ciências ditas
sociais ou históricas, encontravam-se fortemente inspiradas pelo
racionalismo cartesiano. Para o filósofo francês René Descartes (1596-
1650) a razão ou o senso "é a única coisa que nos torna homens e nos
distingue dos animais” (DESCARTES, 1991, p. 29), e portanto, somente
por meio da razão é que somos capazes de conhecer e explicar a
realidade. De outro lado, e com uma posição contrária, alguns cientistas
(sobretudo nas ciências “naturais” ou biológicas) se inspiravam na
chamada tradição empirista que tinha no filósofo inglês John Locke (1632-
1704) o seu mais radical defensor. Locke acreditava que sem a
experiência não teríamos condições de conhecer, pois é necessário
primeiro interagirmos com o mundo através de nossos sentidos para então
elaborarmos a partir deles, uma explicação confiável da realidade.
No século XIX, as ciências seriam ainda fortemente marcadas pelo
positivismo, corrente filosófica fundada pelo francês August Comte (1798-
1857). Para os positivistas as ciências sociais e as ciências biológicas
poderiam compartilhar dos mesmos métodos e técnicas, elaborar teorias
comuns que explicassem tanto o "mundo natural" quanto a sociedade
humana. Nesta prática científica, não apenas os fenômenos sociais
tornavam-se "coisas, como poderiam ser explicados por "leis naturais"
(LÖWY, 1988, p. 26), que uma vez descobertas, desvendariam todos os
segredos das ações e das relações humanas. (autor, ano)
O racionalismo cartesiano, o empirismo de Locke, bem como a
tradição positivista, estabeleceram um corte na análise da realidade;
imaginam o homem como se este estivesse vivendo em um "mundo à
parte", deslocado de um outro "mundo", repleto de "coisas" esperando
para serem conhecidas. E, este homem, sentado em um trono, à
semelhança de Deus na "tradição teológico-metafísica” (CHAUÍ, 1995, p.
43), se comunicaria com os objetos a sua volta. A comunicação poderia
ocorrer ou pela consciência, operando através de idéias, simples
representações destes objetos localizados "fora" do homem, a exemplo da
18
tradição idealista; ou pelos sentidos que recolhem os dados "exteriores"
para posteriormente serem transformados em idéias, como na tradição
empirista.
É interessante observarmos que nesse momento em que o sistema
capitalista se torna hegemônico, estes homens fracionados, angustiados,
incapazes de se perceberem como produtores da realidade, com suas
consciências “deslocadas” do mundo, passam então a produzir uma
ciência igualmente fragmentada, “hiperespecializada” como prefere Edgar
Morin.
Ao tomar os fenômenos sociais como ”coisas”, a ciência e a
filosofia positivistas criaram a ilusão de uma suposta “neutralidade
científica”, que permite ao cientista sentir-se independente do que
denomina “objeto/coisa”, ao qual se dedica a investigar. O cientista-filósofo
se configuraria então, como um homem inacessível, inatingível, incapaz
de ser tocado pelos fenômenos sociais, políticos e culturais de seu tempo.
Um ser sobrenatural, que podendo se despojar de sua identidade humana
a qualquer tempo, tornar-se-ia uma “criatura” absolutamente neutra.
(autor, ano)
Assim, a relação entre ciência-cientista que emerge neste contexto
filosófico-científico, se constrói sobre uma ética da irresponsabilidade. A
sensação de autonomia experimentada pelo pesquisador que acredita ser
neutro, vem ainda acompanhada do distanciamento de sua consciência
com relação a realidade, e da ausência do sentimento de responsabilidade
que possui diante das escolhas que faz. A opinião de Von Neumann, físico
envolvido no Projeto Manhattan, ilustra claramente este exemplo de crença
no “mito” da neutralidade científica como uma possibilidade real. (autor,
ano)
Esta visão dicotômica, na qual homem e realidade são
considerados elementos separados e independentes, sofreu diversas
críticas ainda no século XIX. A inter-relação entre a subjetividade humana
e o mundo concreto em que os homens vivem foi discutida nos trabalhos
de Marx, em especial na obra A Ideologia Alemã. As relações humanas
para o autor, estão assentadas sobre aquilo que ele definiu por "base real
da história", história entendida como processo no qual os homens
19
produzem a si mesmos e ao conjunto de estruturas e significados com os
quais se comunicam entre si e com a natureza.
Com a análise da filósofa Marilena Chauí podemos completar:
Não se trata de supor que há, de um lado, a "coisa" física ou material e, de outro, a "coisa" como idéia ou significação. Não há, de um lado, a coisa-em-si, e, de outro, a coisa para-nós, mas entrelaçamento do físico-material e da significação, a unidade de um ser e de seu sentido, fazendo com que aquilo que chamamos "coisa" seja sempre um campo significativo. (CHAUÍ, 1988, p. 17-18)
A compreensão da "unidade do ser e de seu sentido” permitiu a
Marx elaborar uma crítica à interpretação positivista presente na economia
política clássica, que procurava explicar os fenômenos sociais e
econômicos a partir do produto da ação humana, ou seja, o mercado, a
indústria, a tecnologia não eram tomados como invenções humanas, mas
como seres dotados de vida própria. As diferenças sociais estariam
associadas ao talento, ao esforço individual do burguês capitalista que
soube poupar e aplicar com diligência o seu capital, enquanto aos demais,
convertidos em força de trabalho "livre", restou a submissão aos princípios
reguladores da lei da oferta e da procura. (autor, ano)
No contexto do século XIX, a ciência moderna assimilaria também o
discurso do progresso, já incorporado ao imaginário das sociedades
industrializadas.
A marca de uma instrumentalização da natureza pela utilização da racionalidade técnica está profundamente inscrita na ciência (...) Ela traz em seu bojo a idéia de progresso e desenvolvimento. A ciência moderna realiza uma ruptura na relação homem-natureza, ‘desantropomorfizando’ a natureza e, concomitantemente, ‘desnaturalizando’ o homem (ALMEIDA, 2001, p. 170)
Nesta nova sociedade inaugurada com o capitalismo industrial, a
idéia de progresso técnico seria considerada um parâmetro adequado para
identificar uma sociedade "civilizada". Antropólogos como Edward Tylor
argumentavam que todas as sociedades humanas passaram por um
processo único de evolução (evolucionismo unilinear): enquanto as
sociedades industrializadas da Europa, tomadas como modelo, seriam
consideradas "avançadas" e “superiores”, as comunidades não-
20
industrializadas que viviam em uma economia de subsistência foram
lançadas à barbárie e à selvageria. (LARAIA, 1996, pp. 30-36)
A concepção de civilização pautada na idéia de progresso,
convenientemente utilizada pelos países colonizadores para justificar o
domínio que exerciam sobre os territórios colonizados, apresentou um
conjunto de valores próprios, que muitas vezes determinaram o destino da
vida no planeta. A conversão dos homens e do meio ambiente em
instrumento de troca, contribuiu para o fortalecimento de uma concepção
utilitarista da natureza: as árvores "servem" para fabricar objetos "úteis"
aos homens, portanto, o reflorestamento é necessário; as algas produzem
o oxigênio necessário à sobrevivência, assim o equilíbrio físico-químico
das águas do planeta deve ser mantido; os animais domésticos são
necessários porque "servem" de alimento ou diversão e para tanto deverão
ser protegidos. (autor, ano)
Se, por um lado, a assimilação das idéias de progresso e
desenvolvimento pela ciência moderna no século XIX, se refletiu no
resultado da pesquisa científica, elaborada principalmente por cientistas
sociais, de outro lado, as primeiras décadas do século passado iriam
conhecer o gradativo aumento da “industrialização da ciência”. Segundo a
análise de Boaventura de Sousa Santos, esta industrialização levou a uma
aproximação mais íntima das ciências com os “centros de poder
econômico, social e político, os quais passaram a ter um papel decisivo na
definição das prioridades científicas”. (SANTOS, 1998, p. 34)
A aliança entre cientistas e militares, em torno de projetos
armamentistas, como na Segunda Guerra Mundial, transformou diversos
cientistas em trabalhadores remunerados pelo Estado. A transferência da
produção científica, atividade até então exclusivamente universitária, para
a esfera estatal e empresarial, e a respectiva “proletarização” do cientista,
recolocaria novamente em discussão o tema da autonomia da ciência e do
pesquisador. (SANTOS, 2001, pp. 127-131)
Para o sociólogo português, a transformação de cientistas em
operários no século XX, representaria apenas um dos aspectos do quadro
geral de crise enfrentada pela ciência moderna, a qual chamou de “crise do
paradigma dominante”. Ao mesmo tempo em que o paradigma dominante
é colocado em cheque, a ciência viveria às voltas com a emergência de
21
um novo paradigma, marcado pela aproximação das ciências sociais com
as ciências naturais, por uma superação da excessiva especialização do
saber científico, e pela idéia de conhecimento como “auto-conhecimento”.
(SANTOS, 1998, p. 36-58)
Neste novo paradigma, o homem em todas as suas dimensões
retorna para o centro do debate científico, espaço onde se intensificam as
críticas contra o modelo de ciência herdado dos séculos que marcaram a
transição da sociedade feudal para a sociedade capitalista.
A ciência não é apenas uma coleção de leis, um catálogo de fatos não-relacionados entre si. É uma criação da mente humana, com seus conceitos e idéias livremente inventados. (EINSTEIN e INFELD, 1988, p. 235)
Pela primeira vez no decurso da História, “o homem está sozinho
em frente de si próprio”, (HEISENBERG, p. 22) a descoberta do Princípio
da Incerteza pelo físico Werner Heisenberg e a Teoria da Relatividade
Geral e Especial formulada por Albert Einstein, no início do século
passado, abalaram profundamente os alicerces da ciência moderna.
A noção de relatividade introduzida por Einstein na análise do
movimento, demonstra que tempo e espaço são conceitos indissociáveis e,
portanto, não podem se expressar na realidade de forma absoluta. Se
imaginarmos um trem em movimento, o tempo experenciado por um
observador parado em uma estação qualquer, será diferente daquele
sentido por uma outra pessoa dentro do trem em movimento. (autor, ano)
Em Heisenberg, por sua vez, na mecânica quântica a natureza não
apresenta um “estado objetivo”, que tomado como referência, permitiria a
dedução de seu “estado” em um momento seguinte, pois “não podemos
fazer observações sem perturbar os fenômenos”. (HEISENBERG, 1996, p.
124) A concepção de ciência como uma representação fiel da natureza é
abandonada, para Heisenberg, a ciência seria apenas uma expressão da
relação entre os homens e a natureza. (autor, ano)
Ainda neste momento, a auto-reflexão não se tornaria exclusividade
apenas da Física: para a concepção de história, sustentada por preceitos
filosóficos da tradição positivista, as únicas fontes “verdadeiras” de
pesquisa válidas para o historiador investigar, seriam as chamadas fontes
22
oficiais, os documentos escritos e expedidos por instituições supostamente
“neutras”, como: jornais, livros, revistas, textos expedidos por órgãos do
Estado, documentos de cartório. A História dentro desta concepção,
construir-se-ia apenas pela ação de um grupo pequeno de homens
capazes de se expressarem através da escrita. Desta forma, um
considerável número de pessoas seria jogado ao “universo paralelo” dos
“sem história”, principalmente os povos ágrafos. (autor, ano)
No século passado, os historiadores franceses, que orbitavam o
movimento dos Annales, ii rediscutiram as teorias e métodos da História,
questionando a prática de historiadores dos séculos XIX e XX. Entre as
principais críticas que dirigiram a interpretação positivista da História, a
noção de fonte histórica limitada aos documentos escritos, foi sendo
paulatinamente superada por novos métodos de pesquisa que levam em
consideração o conjunto da produção humana. Tudo o que o homem
produz em sua existência torna-se fonte histórica, inclusive a suas
recordações, e os seus esquecimentos. (autor, ano)
A “Nova História” inaugurada com o movimento dos Annales, ao
abarcar na História, vida de pessoas até então excluídas dos grandes
compêndios, promoveu a ampliação do conceito de fonte histórica, e
conseqüentemente, a ampliação de nossa compreensão do passado.
A auto-reflexão foi igualmente intensa na Antropologia. Severas
críticas foram feitas ao modelo de Antropologia praticado por europeus e
norte-americanos (Antropologia Colonial e Imperialista), e em contrapartida
propõe-se uma Antropologia voltada para as minorias étnicas: índios,
negros, homossexuais, favelados e outros setores marginalizados das
sociedades. (MOONEN, 1988, p. 59) falta nas referencias finais
Todo o processo de mudança pelo qual passaram as ciências, seja
este, resultante da realização de suas auto-avaliações, ou da aplicação
técnica do saber científico, foi acompanhado de uma “retomada filosófica”
de questões relacionadas ao resultado social das “inovações científicas,”
(DOSSE, 2003, p. 347) ou seja, os cientistas responsáveis por estas
transformações tiveram que repensar a sua prática, e o impacto de suas
pesquisas na sociedade.
Como vemos aqui, a dimensão ética não está separada do
contexto histórico em que o conhecimento científico é produzido, pois a
23
ciência é, ela mesma, “um produto da história humana e está ligada a
essa história”. (FOUREZ, 1995, p. 173)
O cientista é antes de tudo um ser humano. E, aquilo que o
constitui como pessoa: seus atributos psíquicos, os valores envolvidos
em sua formação, o meio social em que foi criado, em suma, o conjunto
complexo de fatores que participaram da realidade, na qual produziu a
si mesmo, e com a qual interage, está presente em cada decisão
tomada. (autor, ano)
O filósofo francês Henri Bergson já havia observado que nossas
atitudes não estão dissociadas daquilo que somos como pessoas
humanas, e nesta interdependência entre o ser e o agir nós nos
construímos constantemente. (BERGSON, 1948, p. 7) A essa relação
entre ser-agir, somamos a dialética da responsabilidade-liberdade,
como fora pensada pelo filósofo Jean-Paul Sartre, para o qual na
medida em que somos naturalmente e incondicionalmente livres, todas
as nossas escolhas afetam a toda a humanidade.
Os homens seriam responsáveis por si mesmos e ao mesmo
tempo por todos os homens, e a esta condição ninguém absolutamente
pode escapar, pois, “é necessário que o homem se reencontre a si
próprio e se persuada de que nada pode salvá-lo de si mesmo, nem
mesmo uma prova válida da existência de Deus.” (SARTRE, 1985, p.
28) A responsabilidade do homem para com todos os de sua espécie é
também a responsabilidade da espécie humana para com todos os
demais seres vivos do planeta, e por fim para com o próprio planeta.
Seguindo uma linha de raciocínio diferenciada, Edgar Morin
propõe em seu debate sobre ética e responsabilidade científica, o
conceito de “ecologia da ação”, segundo o qual, as ações humanas
participam na sociedade de uma cadeia de múltiplas interações. Uma
vez tomada uma decisão, nossas ações se perderiam nesta “cadeia”,
sobre a qual não temos nenhum controle; isto explicaria porque nem
sempre os objetivos que cada pessoa visa em suas atitudes são
atingidos. (autor, ano)
Para ilustrar a sua “ecologia da ação”, o autor recorda o famoso
episódio da participação de Einstein na construção da primeira bomba
atômica. O resultado fatídico da experiência nuclear nas cidades
24
japonesas levou o físico alemão a questionar se a sua decisão de enviar
uma carta ao presidente americano, contendo informações sobre a
pesquisa com energia nuclear e sua aplicação na construção de
bombas, estava mesmo correta. Entretanto, como muitos, Einstein não
poderia controlar todas as múltiplas ações e combinações de ações que
a sua atitude, representada pela envio da carta, desencadeou. (autor,
ano)
Contudo, neste momento singular de redimensionamento do
papel que as ciências desempenham nas sociedades humanas,
podemos estender a reflexão sobre as questões éticas presentes na
relação ciência-sociedade para um espaço ainda anterior ao da
formação do cientista: a dimensão da intencionalidade e da descoberta.
Quais são os motivos que nos levam a escolher um ciência para
estudar? Procuramos um curso universitário, onde esperamos nos
tornar cientistas, porque temos um desejo sincero de conhecer?
Buscamos o conhecimento pelo conhecimento, ou estamos apenas
interessados em um diploma universitário?
Aristóteles já nos dizia que a filosofia nasce do espanto, um
quase susto diante da novidade. Imaginamos que o filósofo grego
estivesse falando daquela sensação que todas as crianças
experimentam quando se deparam com o desconhecido, e na medida
em que o decifram, seus olhos são invadidos por um brilho intenso,
indisfarçável.
No transcurso do processo gradativo que nos conduziria ao
“Sapiens Demens” (MORIN, 1979, p. 102), ao qual Morin batizou de
“morfogênese multidimensional”, a espécie humana desenvolveu uma
forma aprimorada de consciência, que lhe permitiu construir e
posteriormente questionar os significados do mundo à sua volta. Ao
fazê-lo descobriu a si mesma e a íntima ligação que mantém com o que
os antigos gregos chamavam kosmos.
A experiência do conhecimento como um exercício constante de
auto-descoberta, ou de ”auto-conhecimento”, como prefere Boaventura de
Souza Santos (ano), pela qual por meio de um esforço desinteressado
buscamos o saber, parece distante da realidade vivenciada na maioria das
estruturas responsáveis pela formação de novos pesquisadores.
25
A universidade que surge na “era” capitalista, reproduz em seu
meio modelos de organização adotados em outras estruturas sociais: a
divisão em departamentos especializados; a existência de um poder
político-científico, baseado entre outros critérios na titulação acadêmica;
esta última por sua vez, também expressa uma forma de hierarquia
baseada em um saber prévio e academicamente comprovado.
A idéia de homem foi desintegrada. Do mesmo modo, as especializações biológicas eliminam a idéia de vida em benefício das moléculas, dos genes, de comportamentos etc. Finalmente, não existe mais nada daquilo que é a natureza do problema fundamental – O que é o homem? Qual o seu sentido? Qual é seu lugar na sociedade? Qual é o seu lugar na vida? Qual é o seu lugar no cosmo? A prática científica nos leva à irresponsabilidade e à inconsciência total. (MORIN, 1998, p. 129)
Em um meio acadêmico institucionalizado, onde o trabalho de
pesquisa está submetido a uma lógica produtivista, representada pela
exigência de uma produção científica em escala industrial, onde a relação
entre pesquisadores muitas vezes se baseia menos na cooperação
científica do que na concorrência entre pessoas, que preferem impor suas
idéias a compartilhá-las; as questões existenciais levantadas por Edgar
Morin passam despercebidas.
Se o caminho que escolhemos trilhar em nossa formação científica
é resultado de um processo complexo constituído por vários fatores, como
afirmamos antes; se neste percurso em que nos construímos como
cientistas, nossas ações revelam quem somos, ao mesmo tempo em que
aquilo que somos revela nossas ações; todas as nossas escolhas trarão
escondidas sob si mesmas ainda, a exemplo de Morin, a idéia de homem
que acreditamos ser. Ao mesmo tempo, estas escolhas indicam o que
entendemos como conhecimento: o conhecimento como “um modo de
criação contínua”, (BACHELARD, 2004, P. 19) como afirmou Bachelard,
que permanentemente questiona a si mesmo, ou o conhecimento tomado
como um saber fossilizado, imutável e eterno.
Se, por outro lado, não há como fugir de nossa liberdade de
escolha, a dimensão ética, além de sua condição histórica dada, pode ser
examinada face ao livre exercício da prática científica, pois a forma, a ação
da ciência no mundo, dependerá das escolhas que fizermos.
26
REFERÊNCIAS
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BERGSON, Henri. L’evolution créatice. Paris: PUF, 1948.
CASTELLANI, Elena e CASTELLANI, Leonardo. Feynman: A lâmpada da nano. In: Revista Cientific American. Edição Especial. Gênios da Ciência. São Paulo: Ediouro Segmento-Duetto Editorial, 2005.
CHAUÍ, Marilena. Espinosa. Uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 1995.
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______. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.
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FOUREZ, Gerard. A construção das ciências. Introdução à filosofia e à ética das ciências. São Paulo: Unesp, 1995.
GRÜN, Mauro. Ética e educação ambiental. A conexão necessária. São Paulo: Papirus, 1996.
HEISENBERG, Werner. A imagem da natureza na Física Moderna. Lisboa: Livros do Brasil.
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LARAIA, Roque de Barros. Cultura. Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.
27
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MARX, Karl. O capital. Livro I volume 1. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
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______. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 2001.
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1985. Col. Os pensadores.
Segundo Marx, a acumulação primitiva de capital corresponde ao momento histórico no qual surgem as primeiras formas de capital acumulado na Europa. A acumulação primitiva se iniciou com o processo de expulsão dos camponeses de suas terras na Inglaterra, entre os séculos XIV e XVIII. A expropriação dos camponeses converteu a terra em propriedade privada, e transformou os camponeses em trabalhadores assalariados.
2O movimento dos Annales surgiu em torno de um grupo de historiadores franceses formado por: Lucien Febvre, Marc Bloch, Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie; os dois primeiros fundaram em 1929 a revista Annales d'histoire économique et sociale (Anais de história econômica e social). Para mais informações, o livro do historiador inglês Peter Burke: A Escola dos Annales 1929-1989. A Revolução Francesa da Historiografia. Publicado pela editora da Unesp, oferece um quadro geral do movimento desde sua formação na década de 20 do século XX, até geração de historiadores dos Anais nos anos 80.
Exercícios
I - A invenção da bomba atômica e a sua utilização nas cidades
japonesas de Hiroshima e Nagasaki em 1945, foram episódios
considerados como o marco inicial da corrida armamentista. A produção
28
de artefatos nucleares tornar-se-ia desejo de todos os países que se
tornaram potências econômicas ao final da Segunda Guerra Mundial, e
um dos traços característicos dos anos da Guerra Fria.
A Guerra Fria corresponde ao período da história mundial que se
inicia em 1945, com o término da Segunda Guerra Mundial, e se estende
até 1989 com as mudanças políticas que ocorreram no leste europeu
(fragmentação da ex-União Soviética), com a queda do muro de Berlim, e
a unificação das duas Alemanhas. Neste período a política mundial ficou
dividida em dois grandes blocos antagônicos (Bipolarização), um dos
blocos liderados pelos Estados Unidos (capitalista) e outro pela União
Soviética (“comunista”). Ambos os países nunca se enfrentaram em uma
guerra direta, daí o termo “Guerra Fria”, mas se envolveram em diversos
conflitos articulados política e militarmente com outros países. Segundo
José Arbex Jr, em seu livro Guerra Fria, Terror de Estado, Política e
Cultura, publicado pela editora Moderna, o cientista francês Raymond
Aron resume melhor o significado da expressão Guerra Fria: “foi um
período em que a guerra era improvável, mas a paz era impossível” (p.7).
O término do período em 1989 é motivo de divergências entre os
historiadores. Pela primeira vez na História da humanidade a espécie
humana poderia destruir a si mesma e ao planeta.
Sugestão de atividade: A partir da leitura dos textos, os alunos poderão
realizar um debate sobre a responsabilidade do cientista frente aos
resultados sociais da pesquisa que realiza. Ao final, o grupo elaboraria um
texto com as considerações gerais obtidas na discussão.
Albert EinsteinOld Grove Road
Long Island02 agosto 1939
F. D. RooseveltPresidente dos Estados UnidosCasa Branca, Washington D.C
Senhor Presidente,
Algumas pesquisas desenvolvidas recentemente por E. Fermi e Szilard,
cujas comunicações me foram entregues em manuscritos, induziram-me a
29
considerar que o elemento urânio possa ser transformado, num futuro próximo,
em uma nova e importante fonte de energia. Alguns aspectos da situação
justificam uma certa vigilância e uma rápida intervenção por parte da
administração estatal. Considero, portanto, que seja meu dever solicitar a Vª.
Excia grande atenção para os fatos e recomendações que se seguem.
Nos últimos quatro meses, foi confirmada a possibilidade (graças aos
trabalhos de Joliot-Curie, na França e, os de Fermi e Szilard, na América) que
torna possível produzir, em uma grande massa de urânio, uma “reação nuclear
em cadeia” capaz de gerar grande quantidade de energia e numerosos elementos
com características semelhantes ao rádio.
Atualmente, temos quase certeza que poderemos chegar a estes
resultados num futuro imediato.
Este novo fenômeno poderá permitir a construção de bombas
extremamente potentes. Uma única bomba deste tipo, transportada por uma
embarcação e explodindo num porto, poderá destruir inteiramente o porto e
grande parte do território adjacente. Todavia, elas devem ser relativamente
pesadas para serem transportadas por avião.
Os Estados Unidos dispõem de uma quantidade pequena de minérios
com baixo teor de urânio. Encontramos bons minérios de urânio no Canadá e na
Tchecoslováquia, sendo que o país que possui as melhores minas de urânio é o
Congo Belga. Em função de toda esta situação, seria interessante e oportuno um
contato permanente entre a alta administração do governo e o grupo de físicos
que estão estudando a “reação em cadeia” na América. Uma das maneiras de
realizar tal ligação seria a escolha de uma pessoa que gozasse de sua confiança
e que poderia agir de maneira não oficial. As suas atribuições seriam as
seguintes:
a- Manter o governo informado dos desenvolvimentos recentes neste campo
e formular recomendações através de intervenções do Estado para
assegurar aos Estados Unidos o suprimento necessário de material
uranífero;
b- Acelerar o trabalho no campo experimental que ser desenvolve
atualmente nos laboratórios das universidades de maneira limitada,
fornecendo mais financiamento, ou, caso seja necessário, mantendo
contato com empresas privadas dispostas a colaborar com esta causa, e
procurando a participação de laboratórios industriais que disponham de
aparelhagem necessária.
Sou conhecedor do fato de que a Alemanha efetivamente bloqueou a
venda de urânio das minas da Tchecoslováquia, das quais tomou posse. A
30
decisão de agir rapidamente desta forma pode ser explicada pelo fato do filho do
sub-secretário de Estado, Von Weizsacker, trabalhar no kaiserwilhelm-Institut de
Berlim, onde estão sendo realizadas, em parte, as mesmas pesquisas sobre o
urânio que se desenvolvem nos Estados Unidos.
Cordialmente,
Albert Einstein
(Carta de Albert Einstein ao presidente Franklin D. Roosevelt – citada em MARTINS, Jader Benuzzi. A história do átomo. De Demócrito aos quarks. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2001. p.143-144)
31
COMO SUPRIMIR A GUERRA
Minha responsabilidade na questão da bomba atômica se limita a uma
única intervenção: escrevi uma carta ao Presidente Roosevelt. Eu sabia ser
necessária e urgente a organização de experiências de grande envergadura para
o estudo e a realização da bomba atômica. Eu o disse. Conhecia também o risco
universal causado pela descoberta da bomba. Mas os sábios alemães se
encarniçavam sobre o mesmo problema e tinham todas as chances para resolvê-
lo. Assumi portanto minhas responsabilidades. E no entanto sou apaixonadamente
um pacifista e minha maneira de ver não é diferente diante da mortandade em
tempo de guerra e diante de um crime em tempo de paz. Já que as nações não se
32
resolvem a suprimir a guerra por uma ação conjunta, já que não superam os
conflitos por uma arbitragem pacífica e não baseiam seu direito sobre a lei, elas se
vêem inexoravelmente obrigadas a preparar a guerra. Participando da corrida
geral dos armamentos e não querendo perder, concebem e executam os planos
mais detestáveis. Precipitam-se para a guerra. Mas hoje, a guerra se chama o
aniquilamento da humanidade.
Protestar hoje contra os armamentos não quer dizer nada e não muda
nada. Só a supressão definitiva do risco universal da guerra dá sentido e
oportunidade à sobrevivência do mundo. Daqui em diante, eis nosso labor
cotidiano e nossa inabalável decisão: lutar contra a raiz do mal e não contra os
efeitos. O homem aceita lucidamente esta exigência. Que importa que seja
acusado de anti-social ou de utópico?
Gandhi encarna o maior gênio político de nossa civilização. Definiu o
sentido concreto de uma política e soube encontrar em cada homem um
inesgotável heroísmo quando descobre um objetivo e um valor para sua ação. A
Índia, hoje livre, prova a justeza de seu testemunho. Ora, o poder material, em
aparência invencível, do Império Britânico foi submergido por uma vontade
inspirada por idéias simples e claras.
(Albert Einstein. Como vejo o mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1981. pp. 60-61.)
33
ÈTICA NA PESQUISA E O LUGAR DO PESQUISADOR NO MUNDO
José de Arimathéia Cordeiro Custódio
Este capítulo começa e termina com um conselho. Antes de
prosseguir com a leitura, refaça mentalmente os caminhos do capítulo
anterior, em que se refletiu sobre a ciência e os diferentes tipos de
conhecimento. Conforme o que você, leitor, entendeu por conhecimento
científico, ali estará sua ética, pois esta está subordinada, entre outros, aos
conceitos de ciência e conhecimento.
A ética na pesquisa tem muito a ver com a visão de mundo. O
pesquisador busca a legitimidade de sua pesquisa em algum fundamento
ético que lhe dá conforto intelectual ou moral. É deste “lugar” confortável
que ele desenvolve toda a sua pesquisa. Ética, porém, é muito mais do
que seguir um conjunto de regras escritas e consagradas (um Código).
Ética – em pesquisa ou em qualquer contexto – tem a ver com
diálogo: é o diálogo entre o pesquisador e os outros atores envolvidos na
pesquisa. Note que não falamos em “objeto” de pesquisa, como
normalmente acontece, porque nem sempre a pesquisa é sobre um objeto,
mas sobre outras pessoas. E pessoas nunca são objetos – nem de
pesquisa. Este é um ponto importante e bom início de reflexão ética.
Mas já lançamos vários pontos de reflexão de uma vez. Vamos nos
deter um pouco em cada um dos aspectos apresentados.
Quando se fala em ética, pensa-se logo num conjunto de princípios
e parâmetros de conduta. De fato, a ética é como um fundamento, um
alicerce assentado sobre o modo de ver o mundo. Ela é formada por um
conjunto de valores nascidos dessa visão de mundo, e deste fundamento
nascem condutas, leis, crenças, atitudes, normas e sanções.
Vamos dar um exemplo elucidativo: no livro do Gênesis, capítulo 4,
versículos 8 a 10, encontramos a passagem em que Deus pede contas de
Abel a Caim, que acabou de matar o irmão. Caim responde simplesmente:
“Por acaso sou guardião do meu irmão?”. Podemos falar aqui em uma
“ética de Caim”, que despreza seu semelhante com tal intensidade que
nem remorso há pelo homicídio.
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Uma sociedade pautada pela “ética de Caim” não se importará com
os mendigos nas calçadas, com as guerras no outro continente, com as
prisões superlotadas, com perseguições religiosas, nem mesmo com a
pesquisa experimental realizada em – outros – seres humanos. Placebo
para estudo comparativo em mulheres com AIDS na África? Ah, mas é lá
na África! Tudo pelo bem da aquisição de conhecimento. Por que não fazer
estudos em presidiários, negros pobres, idosos sem família em asilos ou
pacientes de hospitais psiquiátricos? Chegou tarde: já fizeram tudo isso em
décadas passadas, e demorou para alguma voz vencer a ética de Caim e
gritar contra esta prática antiética.
Infelizmente a sociedade como um todo ainda não grita pelo Abel
de hoje, talvez pelo motivo que o Skank apresentou: “a nossa indignação é
uma mosca sem asas; não atravessa a janela de nossas casas”. Menos
Caim e mais São Francisco de Assis, eis um bom fundamento ético.
Começa a se perceber como a ética está atrelada à visão de
mundo. Em outras palavras, tais visões definem os sistemas econômicos,
educativos, jurídicos e, claro, científicos. Qual é o mais importante Ministro
de Estado? Todos vão dizer que é o da Fazenda (ou Economia), portanto
estamos diante de uma sociedade que valoriza muito mais um orçamento
do que um projeto pedagógico ou o patrimônio cultural. Algum leitor dirá:
ora, mas como levar adiante um bom projeto pedagógico ou preservar o
patrimônio cultural sem recursos financeiros? Pois é: este já não escapa
mais da armadilha montada pela ética subjacente.
Agora faça um enquete e pergunte a algumas pessoas se são
felizes. A quem responder negativamente, pergunte-lhe por quê.
Possivelmente ela responderá que lhe “falta” alguma coisa, e
provavelmente vai se referir a algum bem material, ou seja, algo a ver com
“ter” ou “não ter”. Logo, temos uma sociedade que liga o conceito de
felicidade diretamente ao conceito de “ter”. E um grupo que mede sua
felicidade pela posse e propriedade logicamente será consumista. Haverá
os que oferecem novos e atraentes bens de consumo e aqueles que farão
o possível para adquiri-los. Sendo assim, que ética regula as atitudes
desse grupo? Quais valores estão sustentando esta sociedade? Reflita
sobre isso e sobre sua própria visão de mundo.
35
Numa sociedade como esta, até informação e conhecimento
passam a ser produto de vitrine. Será que esse frenesi por aquisição de
informação cada vez em maior quantidade e velocidade não é produto
dessa visão de mundo do “ter”? Quando foi que a quantidade e velocidade
da informação passaram a ser mais importantes do que a qualidade do
conhecimento? Pense a respeito.
É uma sociedade que privilegia a informação em quantidade em
detrimento da formação de qualidade que gera, por exemplo, os famosos
trabalhos acadêmicos “control C, control V”. Em tempos de Internet, aí
reside um perigo. A sociedade industrial também gerou escolas, cursos e
monografias produzidas em escala e comercializadas.
É exatamente por este motivo que afirmamos, lá no início, que onde
está a sua visão de mundo e de conhecimento, lá estará sua ética.
Mas dissemos também que a ética é bem mais do que uma
antologia de regras de conduta codificadas. Pois embora várias categorias
tenham seu Código de Ética – como médicos, dentistas, jornalistas, etc. –
esses “mandamentos” não dão conta de responder às demandas da
dinâmica da prática profissional. É preciso seguir a lei e observar as
normas codificadas, mas ter sempre em mente que a ética é mais ampla e
profunda.
GENTE NÃO É OBJETO
Falemos agora do objeto e dos “atores” de uma pesquisa.
No próximo capítulo, o leitor conhecerá mais sobre um projeto de
pesquisa e saberá como elaborar um. Até lá, deverá ter bem claro em
mente que tipo de conhecimento procura e em que bases filosóficas (pois
Filosofia é a base da Ética) irá buscá-lo. Por isso é tão importante, ao
iniciar uma pesquisa, ter clareza de objetivos.
Normalmente, fala-se num sujeito (o pesquisador) diante de um
objeto de pesquisa. Seja qual for a área de conhecimento, sempre se fala
em objeto: a intertextualidade nos contos de Machado de Assis pode ser
um objeto de pesquisa. A utilização das histórias em quadrinhos no
letramento pode ser outro. A presença do discurso religioso no jornalismo
científico é um objeto intrigante. E os mitos familiares no álbum de
36
fotografia? Guardariam relação com os antigos mitos greco-romanos? Eis
mais um. Já a percepção do tempo pelo homem medieval é outro válido
objeto de pesquisa. E assim por diante.
Qual seria o objeto de pesquisa de um psicólogo que observa a
hiperatividade de um grupo de crianças? Lembre-se: sua resposta
denuncia sua ética, e sua ética orienta seu comportamento e sua pesquisa.
Se sua resposta foi: “ora, o objeto de pesquisa são as crianças”,
nota zero para você. Um equívoco comum na pesquisa moderna é
considerar seres humanos como objeto de pesquisa. Há um nome para
isso: desumanização. E, como vimos, uma ética que reduz seres humanos
a objetos de pesquisa pode autorizar pesquisas muito pouco humanas –
uma redundância proposital, para fixar bem a idéia. Em outras palavras:
seres humanos são sempre sujeitos de pesquisa, seja em que ponta dela
estiverem.
Mas, se você respondeu que o objeto da pesquisa é o
comportamento hiperativo, você - por um artifício intelectual - separou o
objeto de estudo da pessoa estudada. Isso é típico da ciência cartesiana
(que você deve ter visto no primeiro capítulo), ou seja, uma ciência que
entende que é preciso “separar em pedaços” para estudar, compreender e
atuar sobre o objeto - este é o conhecimento do médico especialista, que
trata o ser humano por partes, ignorando muitas vezes o conjunto. Mas
será possível separar o comportamento hiperativo da criança dela mesma?
Ou seja, voltamos ao ponto inicial da possível e nada recomendável
desumanização.
Dificilmente, porém, você encontrará algum livro de metodologia de
pesquisa que escape a esta visão de ciência cartesiana. Além disso, ela é
aceita pela maioria da comunidade científica e acadêmica. Assim, tendo
em mente esse alerta contra a desumanização da pesquisa e da ciência,
vamos em frente, paralelo ao esquema de justificativa, hipóteses, objetivos
gerais e específicos, metodologia, etc.. Cabe, porém, lembrar que este é
mais um modelo baseado em determinada visão de mundo – mas não a
única e verdadeira.
Mas voltemos aos outros elementos de um projeto de pesquisa.
Provavelmente você, pesquisador, dentro deste modelo de projeto de
pesquisa, tem mais facilidade em definir e elaborar um ou outro. Conheço
37
uma professora que adora fazer justificativas longas e rebuscadas. Muitos
dirão que tudo tem sentido apenas a partir das hipóteses, que serão ou
não confirmadas. Este, por exemplo, é um raciocínio positivista, ou seja,
preocupado com resultados. Diante da expectativa de um novo princípio
ativo qualquer, pergunta-se: será que essa substância poderá se tornar um
eficaz remédio contra – digamos – a depressão? Só uma pesquisa
positivista o dirá. Se for bem sucedida, a indústria transformará o
conhecimento científico em produto tecnológico e, por conseqüência, um
bem de consumo – saúde para quem puder pagar. Se não, será
condenada ao esquecimento.
Estamos diante de uma ética (de pesquisa) de resultados, sem falar
na ética do consumo, a que já nos referimos. Dirão uns: e daí que para
testar o medicamento usaremos placebo em cem pessoas? Pense nos
milhões que serão beneficiados. Apresento-lhe a ética utilitarista. Ela lhe
parece razoável? Sim, parece justo somente quando o observador está
numa posição confortável. Agora imagine que você acabou de ver duas
vans escolares caírem num rio e as portas só abrem por fora. Numa estão
15 crianças; na outra, só uma: o seu filho. Não há tempo para abrir as
duas. Você vai ser utilitarista também?
Para outros pesquisadores, o importante não é provar nada, mas
apenas descrever ou constatar uma situação. Porém, naquela visão
cartesiana que mencionamos, o mais importante é a metodologia. Afinal –
argumenta-se – como saber se o conhecimento adquirido é confiável se
não é confiável o método que ajudou a chegar lá? Pergunta sem saída?
Não necessariamente, é tudo – sempre – uma questão de visão das
coisas.
Por outro lado, há os pesquisadores que partem de uma teoria
“consagrada”. Esta postura também envolve perigos, pois nem sempre a
tradição dá conta de fornecer os conhecimentos buscados. Na verdade,
recomendamos enfoques multidisciplinares. É preciso lembrar que uma
teoria é igualmente um ponto de vista, por melhor que seja.
Tampouco pode o pesquisador se ancorar na objetividade de sua
pesquisa, jurando por Deus que não interfere nem um pouquinho nos
resultados. A objetividade na pesquisa é um mito, assim como a
objetividade do jornalista que reporta um fato. Todo texto (verbal ou não) é
38
uma leitura de mundo. Certa vez, alguns pesquisadores estudavam
algumas cavernas. Mas, de tanto entrarem e passarem longos períodos lá
dentro, fizeram a taxa de gás carbônico naqueles locais subir muito acima
das condições naturais. A diferença começou a agir sobre o ambiente,
alterando-o.
A simples presença do pesquisador pode mudar tudo,
principalmente se ele carrega algum artefato de registro, como um
gravador ou câmera (fotográfica ou de vídeo), no caso de pesquisa com
outros seres humanos. Um simples caderninho de notas já pode
constranger o sujeito pesquisado. A possibilidade de interferência só pela
pesquisa é chamada de paradoxo do pesquisador ou paradoxo do
observador (cf. sugestões de leitura).
Lembra do psicólogo estudioso da hiperatividade? Ele fazia aquela
pesquisa em que não interfere no cenário sob hipótese alguma. As
crianças estão se batendo? Ele só observa. Vai derrubar a estante em
cima do outro? Só anota. Olha lá, rachou a testa! Escreve no caderninho.
Parece cruel? Pois é, tem seus fundamentos científicos: é o pesquisador-
observador. Mas que ciência é essa? Essa é sua reflexão.
Ocorre que, via de regra, as metodologias de pesquisa, herdeiras
do pensamento cartesiano, apóiam-se nas teorias objetivistas ou
subjetivistas. Ou seja, existem aquelas que dão importância suprema ao
objeto de pesquisa (como um documento histórico), considerando o sujeito
da pesquisa como um elemento neutro. Outra corrente vai ao outro
extremo e afirma categoricamente que o que se estuda se muda. É o
pensamento subjetivista, que diz também que todo conhecimento é um
ponto de vista. Uma terceira vertente tenta conciliar as anteriores. Ao
pesquisador cabe conscientemente escolher a sua, sabendo que sobre
essa escolha toda sua pesquisa estará fundamentada e, portanto, alguns
resultados podem até ser previstos de antemão.
Uma das obrigações irrefutáveis do pesquisador é retornar ao
grupo pesquisado, expor e discutir com ele os resultados de sua pesquisa.
Isso faz parte da humanização, porque do contrário seria considerar as
pessoas meros objetos de pesquisa. Contudo, também é obrigação do
pesquisador, antes e no momento da pesquisa, informar claramente o que
e porque está fazendo.
39
Agora imagine um pesquisador de fenômenos lingüísticos
chegando a um informante da zona rural e dizendo: “Oi, vim ver e gravar
como é que o senhor fala os plurais e conjuga os verbos”. Obviamente,
sabendo disso, o sujeito vai cuidar do modo como fala, o que vai viciar
irremediavelmente a pesquisa. No policiamento da própria linguagem, ele
pode até provocar o fenômeno da hipercorreção, que seria como dizer
assim: “Temos que jantarmos logo que anoitece”. Como, então, resolver
esse paradoxo? Em casos como a pesquisa lingüística, é preciso dizer ao
informante que se trata de uma pesquisa lingüística, mas não delimitar o
fenômeno pesquisado, e utilizar um instrumento bastante abrangente:
gravar horas e horas de conversa sobre todos os assuntos imagináveis.
Foi assim que fizeram muitos dos pesquisadores em Lingüística.
UMA PROPOSTA BIOÉTICA
Para enriquecer sua reflexão sobre Ética, sugerimos ainda uma de
suas vertentes mais atuais: a Bioética.
Há mais de uma década, no Brasil, tem se falado em Bioética.
Normalmente ela aparece quando o assunto são as novas tecnologias ou
temas ligados aos extremos da vida transgênicos, reprodução assistida,
aborto e eutanásia. O que é essa Bioética? Uma ética da vida?
A Bioética é uma proposta de levar a Ética a um nível mais elevado
ainda, sob um enfoque contemporâneo e, portanto, multidisciplinar. Em
outras palavras, trata-se de levar muito a sério a idéia do “outro”, e cultivar
como fundamentos éticos a tolerância e o respeito à diversidade – moral e
cultural.
A Bioética é também uma proposta de uma visão crítica de mundo
(de valores) em oposição a ideologias fechadas e dogmas. À Bioética não
interessam divisões, mas somas; união de pensamentos diferentes.
Ela se apresenta como uma grande possibilidade aberta de resolver
aqueles mesmos problemas que têm afligido a Humanidade desde
sempre, como a fome, a doença, a iniqüidade, a injustiça, o egoísmo;
assim como os males mais novos, como a destruição dos recursos
naturais, a divinização da tecnociência, o materialismo e a absolutização
do relativo.
40
Um dos grandes méritos da Bioética, sob este ponto de vista, é
provocar a reflexão de pensadores de todas as áreas, pois ninguém pode
se furtar de pensar sobre a vida, a saúde, o meio ambiente, a tecnologia e
as gerações futuras. Somente exercendo o pensamento o homem pode
amadurecer, e a Bioética oferece um caminho para o pensamento.
Abordar os novos problemas de forma contemporânea, eis o que a
Bioética propõe. A repetição de respostas tradicionais pode se revelar
inadequada e é aí que entra a Bioética: incentivando novos níveis de
reflexão e discussão que possam conduzir a soluções mais adequadas.
Não se está desprezando o conhecimento do passado. Pelo contrário, põe-
se a memória histórica como base do caráter interdisciplinar da Bioética.
Ao final, entre as sugestões de leitura, apresentamos algumas
sobre Bioética.
PARA FINALIZAR...
Se depois de toda esta reflexão ainda pairam muitas dúvidas sobre
a ética, não se preocupe. No início, era mesmo o Caos. Ética também é
uma questão de exercício, portanto é preciso praticá-la regular e
insistentemente. Também dissemos que Ética é diálogo, por isso um dos
melhores exercícios é dialogar com o outro, entendendo “diálogo” no
sentido mais amplo possível, isto é, conversar consigo mesmo, com o
outro, colocar-se no lugar do outro, experimentar o que o outro conhece, e
assim por diante. O importante é não agir sem reflexão. Abaixo, também
deixamos algumas sugestões de leitura para que você, leitor, dialogue com
elas.
Ah, sim, não esquecemos que prometemos um outro conselho ao
final deste capítulo. E o conselho é este: na dúvida sobre o seu
comportamento ético em pesquisa, siga este - seja honesto sempre:
honesto consigo mesmo, com seu próprio projeto, com seu objeto de
pesquisa, com seus parceiros, com seus métodos e técnicas, com seus
resultados e com suas avaliações. Assim provavelmente errará menos.
41
EXERCÍCIOS:
I. Reúna recortes de jornais e revistas sobre algum assunto que
ganhou destaque em todos eles. Observe as manchetes e as
fotografias, se houver. Repare as semelhanças e diferenças de
enfoque. Procure identificar as ideologias presentes nos textos e o
fundamento ético por trás delas. Procure também identificar
ideologias ausentes e, portanto, éticas ausentes. Num segundo
momento, estabeleça um diálogo – apresente seus argumentos a um
interlocutor ou grupo e promova uma discussão. Procure observar,
nos argumentos dos outros, que ética os fundamenta.
II. Tente fazer o mesmo exercício com anúncios publicitários e
observar o que eles valorizam ou desvalorizam em seus textos e
imagens: corpo humano; sentidos físicos; cores; sentimento familiar;
condição econômica; prazer; satisfação de desejos. Depois tente
expandir a observação para novelas, filmes e livros.
III. Passeie pelos espaços da sua cidade e observe a organização
das coisas: quem é privilegiado e quem fica em segundo plano.
Pergunte-se por quê. Observe o espaço dedicado ao verde, aos
animais, idosos, pedestres. Note as sinalizações, as filas, as vitrines,
os agrupamentos de pessoas. Qual lógica e quais regras estão sob
esta organização espacial?
IV. Pense sobre esse pequeno problema: você atropela um
cachorro sem querer. Você o leva ao veterinário e o devolve ao
dono, tratado. Se não socorresse o cachorro, você provavelmente se
sentiria mal. Eis a questão então: você o ajudou por ele (que sofria)
ou por você mesmo (para evitar o mal estar da culpa)? Ou sequer
ajudaria? Que ética é essa?
V. Faça uma auto-avaliação ética. Pense em que se baseiam suas
decisões quanto à família, ao trabalho, ao grupo social. Analise em
que se fundamentam suas opiniões sobre as grandes questões,
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como espiritualidade, justiça social, liberdade, verdade, amor,
ciência, conhecimento, ecologia, moral, ética. Como você define
estes valores? Será que você é dogmático em algum(ns) deste(s)
aspectos?
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2000.
Ótima leitura para quem inicia no estudo do pensamento filosófico. Aborda conceitos fundamentais como conhecimento, ciência, moral, Estética, em uma perspectiva histórica. Utiliza várias formas de expressão para a reflexão, como textos literários e histórias em quadrinhos. Todas as unidades terminam com exercícios.
BERNARD, Jean. A bioética. São Paulo: Ática, 1998.Panorama geral da Bioética, sua relação com a Medicina,
Biologia, Ética. Descreve e analisa essa proposta, delimitando suas fronteiras com a Filosofia, História, Cultura e Política.
BRASIL. Normas de pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução CNS 196/96) in Bioética. Brasília: CFM, v.4, n.2, 1996 (Suplemento).
Dispositivo legal que regulamenta a pesquisa em seres humanos de qualquer área do conhecimento.
CENCI, Ângelo Vitório. O que é ética. Passo Fundo: Ed. do Autor, 2000.Fala das origens da ética ocidental, as formas do saber
ético, especificidades da ética, normais morais, jurídicas e religiosas, assim como outros aspectos referentes aos fundamentos éticos, como a universalidade, a evolução e a prova moral e ética; senso comum, responsabilidade moral, liberdade, ideologia e limites da ética.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.Filosofia, razão, verdade, conhecimento, metafísica, ciência
e o mundo da prática são alguns dos grandes temas abordados. Cada parte termina com exercícios propostos. Questões como memória, imaginação, linguagem, cultura, arte, ética, liberdade e política são expostas à luz da Filosofia.
GUIMARÃES, Eduardo (org.). Produção e circulação do conhecimento: política, ciência, divulgação (volume II). Campinas: Pontes, 2003.
Livro que reúne uma série de artigos e está dividido em três partes. A primeira (A ciência e sua circulação) e a terceira (Produção de conhecimento e Estado) são úteis. O volume I (mesmo organizador e editora) também vale como leitura complementar.
MARCONDES FILHO, Ciro. Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo: Paulus, 2004.
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Apesar de dirigido mais às áreas de Comunicação e Filosofia, é recomendável às demais, pois todas – direta ou indiretamente – têm ligação com aquelas duas. Traz na primeira parte um claro panorama das correntes históricas de pensamento filosófico (bom para quem nunca se aprofundou em Filosofia), da Antiguidade até nossos dias. Na segunda, com base na Filosofia, discute se realmente o homem contemporâneo comunica.
PROTA, Leonardo; SIQUEIRA, José Eduardo de; ZANCANARO, Lourenço (orgs.). Bioética: estudos e reflexões. 2. Londrina: EDUEL, 2001.
Obra que reúne artigos de profissionais de diversas áreas (Medicina, Enfermagem, Jornalismo, Serviço Social, Psicologia, Biologia, Odontologia) que trazem fundamentos bioéticos aplicados em problemas da prática de cada um, somadas às reflexões filosóficas. Vários trabalhos foram apresentados no Congresso Mundial de Bioética (Brasília, 2002).
SINGER, Peter. Vida ética. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.Polêmico filósofo da atualidade, o autor discute a natureza
da ética e aborda temas como a fome, a riqueza e a moralidade; pesquisas com embrião, aborto, eutanásia e a pesquisa em animais, entre outros tópicos. Singer contesta, por exemplo, o especismo – a idéia de que o homem, enquanto espécie, tem o direito de dispor de outras para seus propósitos, incluindo a pesquisa científica.
TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolingüística. São Paulo: Ática, 1994.
Embora voltado mais para a pesquisa lingüística, abrange aspectos que vão além dessa área. É nele, por exemplo, que se fala do “paradoxo do observador”. A pesquisa em Lingüística enfrentou problemas semelhantes aos de outras áreas.
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A pesquisa em História. São Paulo: Ática, 1998.
Semelhantemente, apesar de ser voltado mais à pesquisa histórica, dá lições e provoca reflexão do pesquisador, ao questionar determinadas posturas científicas. Discute as fontes e os passos da pesquisa (incluindo problematização, delimitação do tema, etc.) e aborda até a relação entre professor-orientador e aluno.
SUGESTÕES DE FILMES COM PROBLEMAS ÉTICOS:
1. Cobaias Humanas.Mostra o caso real ocorrido em Tuskgee (Alabama/EUA), em
que centenas de pessoas sifilíticas, negras e pobres, tiveram negado o acesso à penicilina porque as autoridades sanitárias americanas queriam descobrir como a doença evoluiria naturalmente sem tratamento. O caso só foi denunciado depois de três décadas, nos anos 70. Também existe o livro.
44
2. Jenipapo.Filme brasileiro com um protagonista americano, que faz o
papel de um jornalista que tenta uma entrevista com um padre ligado ao movimento sem-terra. Como não consegue a entrevista, mas conhece o padre muito bem, ele inventa a entrevista e publica, o que põe em perigo a vida do padre pelas mãos dos latifundiários.
3. Projeto Secreto - Macacos.Discute a pesquisa em animais. Soldado vai trabalhar num
laboratório do Exército americano, onde presencia experiências com animais para testar a resistência de seres vivos. Sugestão para debate somado à leitura do livro de Peter Singer (cf. sugestões de leitura).
4. Erin Brockovich, uma Mulher de Talento.Mulher descobre poluição na água consumida por uma
população e denuncia indústria. Interesses corporativos e públicos se confrontam enquanto a investigação vai aos poucos mobilizando a comunidade.
5. Mera coincidência.Exemplo de construção de realidade com conseqüências
éticas. A fim de desviar a atenção do público de um escândalo envolvendo o presidente norte-americano, uma equipe de profissionais de relações públicas contrata um cineasta para criar uma guerra fictícia. Mera coincidência?
6. E a vida continua.Mostra os primeiros anos de pesquisa sobre a AIDS nos
EUA e as dificuldades em avançar. Os primeiros debates foram marcados pelos preconceitos e desconhecimento da doença (o que naturalmente gerou muita especulação), além de tentativas de isenção de responsabilidade ou envolvimento de algumas agências governamentais.
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ORIENTAÇÕES PARA O PRIMEIRO PROJETO DE PESQUISA
Ana Cristina Teodoro da Silva
... fazer uma tese significa divertir-se, e a tese é como porco: nada se desperdiça.Umberto Eco (1995, p. 169)
Este é um texto tecido em 2003 e 2004, por meio da experiência de
trabalho com a graduação em cursos diversos e, agora, em 2005,
atualizado e adaptado. São destacados argumentos importantes de
autores reconhecidos na discussão da metodologia da pesquisa,
acrescidos de um toque pessoal que procura atender nossa necessidade
específica e exemplificar o fato de que no diálogo com autores, na vivência
do trabalho ocorre a criação e recriação de idéias. iiiiv
O objetivo é auxiliar a produção de um primeiro projeto de pesquisa
de pequeno porte, já que ao final do curso vocês terão que fazer um
trabalho de conclusão. Este trabalho, conhecido como TCC (trabalho de
conclusão de curso) ou monografia de fim de curso, começa agora. O
projeto a ser executado refere-se ao planejamento do trabalho que será
executado no último ano.
Quanto a este texto, a sugestão é que façam uma leitura cética,
leitura crítica e de questionamento. Uma boa forma de compreender o
conteúdo é estudar a constituição do texto que quer comunicar o conteúdo.
Coloquem perguntas, observem em que momentos a redação está pouco
clara, provavelmente são momentos que merecem ser discutidos.
De início, serão feitas considerações sobre porque pesquisar; a
seguir, a exposição das partes fundamentais de um projeto de pesquisa;
concluindo com lembretes sobre a apresentação, a redação e a ética no
trabalho. Porém, fica uma indicação na primeira página: só se aprende a
fazer pesquisa fazendo, nada substitui o caminho próprio de cada
pesquisador, daquele que tem dúvidas, inquietações, que vê relações
intrínsecas entre seu trabalho e seu estudo. Esse caminho vocês estão
construindo, e ele vai construir vocês.
Por que pesquisar?
O pesquisador é um estudante que busca produzir conhecimento,
com isso produz também autonomia, pensamento próprio, soluções
próprias a seu contexto. Vocês podem ter boas noções sobre como fazer
pesquisa e, com isso, seguir suas perguntas e constituir seu próprio
caminho ou, então, acreditar que pesquisa é coisa para poucos
privilegiados e seguir reproduzindo um saber que não sabem como foi
feito; neste caso, a crítica ao conhecimento será, no mínimo, incompleta, e
até mesmo ignorante.
O ideal é que a pesquisa não seja para você uma obrigação ou
uma nota. Pesquisa pode ser descoberta, satisfação. Descoberta da
solução de problemas, satisfação de perceber que a realidade é por nós
constituída, com nossos instrumentos e limites. Até que ponto se pode
utilizar os instrumentos disponíveis e até que ponto se é limitado por outras
forças é questão que a pesquisa pode esclarecer. Por exemplo, o que
pode fazer o professor com os recursos que dispõe; e o que o professor
não pode fazer por conta de limitações de espaço, de salário, de currículo
ou outras esferas que não estão sob seu domínio. Mesmo o que não se
pode fazer deve ser esclarecido, pois é matéria de reflexão e de luta e de
diálogo cotidiano.
A pesquisa ajuda a compreender um tema de forma profunda. Mais
que isso, os instrumentos utilizados capacitarão o pesquisador a trabalhar
por conta própria, o que é útil em qualquer área e em qualquer atuação.
Ou seja, você aprende meios que utilizará em situações outras que não
apenas às do tema escolhido, e que não se restringem ao trabalho. Tais
meios são, ainda, instrumentos de cidadania, pois somos inundados por
pesquisas no dia a dia – pesquisas de mercado, de intenção de voto, sobre
o comportamento sexual, sobre as habilidades do estudante brasileiro... -,
para saber de seu alcance e questioná-las, é necessário saber como são
feitas, como são usadas as técnicas e a exposição dos resultados.
Uma pesquisa pode ter início quando se tem um problema, uma
questão ou um incômodo. Pensando bem, sempre se têm problemas no
trabalho, que podem se transformar em caminhos de pesquisa. Ou
questionam-se rumos, diretrizes, leis que não se consideram adequadas.
47
Caso não estejam claros os incômodos, são estimuladoras as leituras, a
participação em cursos, seminários e outras atividades, com destaque à
efetiva postura reflexiva nos estudos. O incômodo leva à procura de
informação, a diálogos, à procura de bibliografia especializada.
Pedro Demo lembra que o “pesquisador não somente é quem sabe
acumular dados mensurados, mas sobretudo quem nunca desiste de
questionar a realidade, sabendo que qualquer conhecimento é apenas
recorte.” (1996, p. 20) O conhecimento é um conjunto muito amplo, e
nossa participação será, necessariamente, em uma pequena parte, em
uma perspectiva.
Um trabalho de pesquisa traz sempre muita reflexão pessoal.
Desde a escolha do tema, é necessário propor caminhos que possam ser
trilhados, de acordo com a maturidade e capacidade de trabalho de cada
um. Qualquer pesquisador sério poderá ratificar tal afirmação. Umberto
Eco dá um exemplo ilustrativo:
Pode-se executar seriamente até uma coleção de figurinhas: basta fixar o tema, os critérios de catalogação, os limites históricos da coleção. Decidindo-se não remontar além de 1960, ótimo, pois de lá para cá as figurinhas não faltam. Haverá sempre uma diferença entre essa coleção e o Museu do Louvre, mas melhor do que fazer um museu pouco sério é empenhar-se a sério numa coleção de figurinhas de jogadores de futebol de 1960 a 1970. (ECO, 1995, p. 4)
Não se quer com isso desencorajar quem queira fazer um museu.
Porém será necessário dividir a tarefa em muitos passos, e, com
humildade, olhar para as próprias ferramentas e capacidades para
distinguir qual seria o primeiro passo. Sem esquecer de verificar se
existem fontes para a questão posta (figurinhas no século XIX talvez sejam
impossíveis). E, ainda, se os instrumentos para fazer a análise proposta
estão disponíveis. Eu, por exemplo, não seria capaz de analisar as obras
do Louvre.
Para fazer pesquisa é necessário planejamento (eis aí a
importância do projeto!), e esta é uma experiência que se leva para toda a
vida, pois significa aprender a por ordem nas idéias. “Não importa tanto o
tema da tese quanto a experiência de trabalho que ela comporta.” (Eco,
1995, p. 5) Tudo o que for feito: pesquisas nas bibliotecas, fichamentos,
escritas e re-escritas, conversas com professores, comentários no bar...
48
tudo ajudará a esculpir uma nova pessoa - por isso é bom que seja bem
feito, são lições de formação.
Um requisito fundamental a um bom trabalho é que o pesquisador
faça boas leituras. Não sem razão os cursos de Metodologia da Pesquisa
via de regra são iniciados problematizando a questão da análise de textos. v Deve-se ler o máximo possível, resguardando a qualidade da leitura.
Reflexão não combina com pressa, com cumprir tabelas e horários. Vocês
estão se formando, e o que lembrarão é menos o conteúdo dos textos e
mais a experiência da leitura, o como leram, o movimento interior
envolvido, o despertar para outras formas de pensar o mundo.
O tema deve ser algo que apaixone. É comum pensar qual o tema
mais ou menos trabalhoso. Tema difícil é aquele trabalhado sem estímulo,
sem gosto. A pesquisa é criativa, pode descobrir relações novas,
questionar o saber vigente, estabelecer conhecimento novo, forçar o
surgimento de alternativas. “Uma definição pertinente de pesquisa poderia
ser: diálogo inteligente com a realidade, tomando-o como processo e
atitude, e como integrante do cotidiano.” (Demo, 1996, p. 36/7) Para Pedro
Demo, a pesquisa é científica e educativa, compõe o “processo
emancipatório” que constitui um sujeito crítico, auto-crítico e participante,
“capaz de reagir contra a situação de objeto e de não cultivar os outros
como objeto.” (Demo, 1996, p. 42) vi Tal processo apenas é possível se
estamos conectados à nossa realidade, em uma relação que é também
afetiva.
Pesquisa é “conquista lenta e progressiva”, porém há que se
começar. Primeiro, aprender a aprender, não copiar, não se recusar à
elaboração pessoal. (Demo, 1996, p. 64) É difícil ocorrer boa elaboração
com meras cópias, leituras ruins, feitas pela metade ou número prévio de
páginas estabelecidas. “É o aluno que deve saber descobrir o que ler,
quanto ler, como ler, para formar o seu próprio juízo. Sobretudo, deve
saber justificar quando e por que julga ‘ter dado conta do tema’, sem
empáfias exaustivas.” (Demo, 1996, p. 67) A autocrítica é fundamental.
Vocês estão constituindo um caminho profissional (lembrem-se: toda
professora deve ter postura de pesquisadora), um caminho cidadão,
constituindo suas opções políticas e éticas. Bom mesmo é, ao final de um
trabalho, poder dizer ‘fiz o meu melhor’.
49
Partes básicas do projeto de pesquisa
Projeto não pode ser confundido com o próprio trabalho de
conclusão de curso, projeto é planejamento, é o primeiro passo para
que ocorra a pesquisa. O projeto está no início de uma trajetória de
pesquisa, o trabalho de conclusão, de caráter monográfico, será o
relatório final da trajetória. Projeto é uma estratégia que apresente o
tema, demonstre sua importância e aponte um caminho pertinente para
a resolução de um problema levantado. Não existem regras fixas, este
texto não é uma receita e não há como estabelecer previamente o
número de páginas que deverá ter. Os itens obrigatórios do projeto
sofrem pequenas variações em instituições diferentes. Mesmo dentro de
uma mesma instituição tais itens podem ser diferenciados, de acordo
com os objetivos a que se propõem (afinal, já pesquisa de iniciação
científica, de mestrado, de doutorado, docente e outras). A bibliografia
sobre o tema também não traz consenso. Contudo, a análise concluirá
que os elementos constituintes dos diferentes projetos de pesquisa
seguem uma estrutura comum, com variações de forma, partindo-se
sempre da apresentação temática, até chegar à problemática e
hipótese. A discussão bibliográfica é sempre necessária, bem como a
justificativa, a apresentação de objetivos, a metodologia a ser utilizada,
o cronograma e as referências. Isso posto, serão consideradas as
seguintes partes:
o Título
o Resumo
o Palavras-chave
o Introdução
o Justificativa
o Objetivos
o Metodologia
o Cronograma
o Referências
50
Há coerência na seqüência acima, por exemplo, primeiro o tema é
apresentado na introdução, para depois ser justificado. Não seria normal
iniciar o texto justificando. Porém, o fato de existir coerência não significa
que o projeto deva ser escrito na mesma ordem em que deve ser
apresentado.
O Título corresponde às primeiras informações sobre a pesquisa e
é redigido com concisão e clareza, dizendo o máximo possível do trabalho
proposto. Títulos enigmáticos, que não esclarecem do que trata o trabalho,
devem ser evitados, bem como títulos amplos demais (por exemplo:
“Educação e Sociedade”). O bom título revela o recorte do trabalho.
O título deve “criar as expectativas certas” (Booth et al, 2000, p.
272) e introduzir os conceitos-chave. É preferível um título claro e
específico que um aparentemente criativo e que não comunique o que é a
pesquisa. Vejam o título deste texto, não é lá ‘criativo’ vii, mas não gera
falsas expectativas, pretende dizer a que vem o texto.
O resumo é apresentado em um único parágrafo, sem recuo, em
espaçamento simples. Apresenta o tema, a problemática e a hipótese de
trabalho; bem como as fontes, o método a ser utilizado, os objetivos que se
pretende alcançar. Tudo isso em mais ou menos vinte linhas (exigência
que pode variar um pouco).
As palavras-chave são aquelas que geram a identidade do
trabalho, sem as quais nem conseguiríamos falar do que estamos fazendo.
Servem para guiar o leitor e para catalogar o trabalho. Quais seriam as
palavras-chave deste texto, por exemplo? “Pesquisa” sem dúvida seria
uma delas, mas não apenas, pois o texto não fala da pesquisa em geral.
Outra palavra-chave seria “projeto” e, talvez, “iniciação científica”, para
marcar que se fala de um projeto de pesquisa de iniciantes.
Na introdução cabe apresentar o tema, o problema a ser
estudado, o fenômeno que se deseja analisar, explicar o enfoque, seus
contornos e limites. Pensem no leitor, o objeto de investigação precisa ser
reconhecido por ele. Apresente com clareza, narre como nasceu o
problema, como se chegou a ele. Explique os conceitos novos.
O espaço e o tempo da pesquisa precisam estar claros. Por
exemplo, não se investiga a educação especial, e sim uma proposta de
trabalho com crianças portadoras de deficiência autidiva, de 3 a 6 anos,
51
em um colégio de Maringá, em 2005. As opções feitas precisam ser
justificadas. Por que estudar necessidades especiais? Por que portadores
de deficiência auditiva? Por que de 3 a 6 anos? Por que a opção por um
colégio específico? Por que no período proposto?
O tema é abrangente, a problemática indica a dificuldade
específica. Há que se ter uma dificuldade, uma pergunta – boas perguntas
são bons inícios para chegar a uma problemática - , uma contradição, um
caminho a se testar. “Você terá um problema de pesquisa se e somente se
você e seus leitores concordarem que as duas partes, você e eles, não
sabem ou não entendem algo, mas que deveriam saber ou entender.”
(BOOTH et al, 2000, p. 303) Procure identificar a questão que deve ser
elucidada. Há que se ter uma inquietação, que vencer um desafio. Fazer o
projeto é sistematizar um trabalho futuro, este momento traz muitas
dúvidas, gera a angústia do desconhecido, ainda mais que a pesquisa
nasce de algo que não se sabe. Porém se aprende a suportar os limites do
conhecimento.
Propor um bom problema é muito importante. Em algumas
pesquisas, um bom problema é o melhor resultado. Alguns artigos
publicados chegam a ponto de propor problemas, e não a resolvê-los.
Achem um problema que seja importante e só prometam o que forem
capazes de cumprir. A problemática será, no decorrer da pesquisa, o guia
para a estruturação do raciocínio. Além disso, a formulação da pergunta dá
indícios do caminho metodológico a seguir.
Uma vez apresentada a temática e colocado o problema,
apresenta-se uma hipótese de trabalho que corresponde a um ensaio de
resposta ao problema levantado, uma suposição. viii A hipótese é sempre
provisória, pois ainda não foi demonstrada. Adquirida através de leitura,
observações e experiências pessoais. Pode ganhar o status de tese, se for
confirmada, após a conclusão da pesquisa.
A hipótese mostra o “marco teórico de referência”, que indica as
orientações e diretrizes da pesquisa a ser desenvolvida (SALOMON, 2001,
p. 218-220), ou seja, é enraizada no quadro teórico em que se assenta o
raciocínio. E o quadro teórico circunscreve a proposição do problema.
Para Severino, “o quadro teórico constitui o universo de princípios,
categorias e conceitos, formando sistematicamente um conjunto
52
logicamente coerente, dentro do qual o trabalho do pesquisador se
fundamenta e se desenvolve.” (1986, p. 203) Severino alerta que o quadro
teórico é uma diretriz, uma orientação, mas não um modelo.
Há que se demonstrar a capacidade de trabalhar a hipótese. Não
se pretende ter a última palavra, nem que se inventou algo original e
insuperável, mas se deve demonstrar um tratamento adequado do tema,
bem fundamentado, cercado de todos os lados, o que nos leva à
justificativa.
Ainda na introdução, contudo, cabe colocar sucintamente quais
fontes serão analisadas, levando em conta que elas devem ser adequadas
ao problema proposto, devem ser suficientes e confiáveis, já que será no
diálogo com essas fontes que se constituirá a demonstração da tese.
Este manual deveria ter um texto intitulado “as fontes da pesquisa”.
Porém não foi possível. Mas a proposta de sua presença evidencia a
importância da discussão. De forma excessivamente sintética, o que são
as fontes de uma pesquisa? Para responder a isso, pensem em que se
baseiam os pesquisadores para fazerem suas afirmações, onde foram
buscar os dados. Este texto, por exemplo, tem como fonte a experiência de
ensino na graduação e o diálogo com a bibliografia.
As fontes de uma pesquisa não trazem em sua natureza a
qualidade de fontes. É o pesquisador que, ao problematizar determinado
material, dá-lhe o status de fonte. Assim, há fontes escritas, tais como
documentos (atas, leis, processos); impressos (jornais, revistas, livros). Há
fontes visuais, como obras de arte, filmes, fotografias artísticas ou
jornalísticas. Há fontes sonoras, como as músicas ou material televisivo,
que é sonoro e visual. Algumas vezes o pesquisador produz sua fonte,
como no caso das entrevistas. A determinação da fonte e sua análise é
uma questão metodológica de extrema importância, pois se sabemos
como um trabalho é feito, poderemos refazê-lo ou criticá-lo.
As fontes podem ser do presente ou do passado, um fragmento de
caneca encontrado em um sítio arqueológico pode ter muito a dizer sobre
uma coletividade que esteve naquele local. Observem: foi usada
originalmente como caneca (ou teria sido como instrumento ritualístico?),
há séculos ou milênios. Mas hoje, para o pesquisador, é fonte de pesquisa,
53
fala a respeito dos hábitos de sua coletividade, da tecnologia disponível e
outras relações.
Sugere-se que, ao optar por uma ou mais fontes, o pesquisador
procure trabalhos importantes que tenham dialogado com fontes do
mesmo tipo, para,junto com os outros autores-pesquisadores, pensar e
discutir sobre o diálogo com seu material.
Muito mais poderia ser dito sobre as fontes, mas, por ora, basta
anotar que, na introdução do projeto, é necessário esclarecer quais serão
as fontes da pesquisa.
Na justificativa, responde-se qual a importância de investigar o
tema escolhido. Vale a pena trabalhá-lo? Não é um tema óbvio? Deve-se
mostrar qual a relevância da proposta, que contribuições traz para a
sociedade, quais as conseqüências e implicações de não se saber a
respeito do tema. Expõe-se também qual a experiência do pesquisador e
discute-se a viabilidade do projeto (no tempo disponível, por exemplo).
Deve ser discutida também qual a contribuição da proposta para o
conhecimento científico, para o que é necessária a revisão bibliográfica
sobre o tema, procurando identificar o que já se sabe a respeito. Busca-se
a consciência das matrizes teóricas que legitimam o projeto e quais os
interesses envolvidos. Com a revisão bibliográfica, um certo caminho pode
ser reconhecido como pertinente ou pode ser visto como equivocado. A
discussão com a bibliografia dá uma visão geral do tema, ajudando a medir
o tamanho do esforço necessário para a empreitada em comparação com
o “tamanho de nossas pernas”. “Diante de circunstâncias limitantes, como
tempo disponível, recursos, instrumentos empíricos, é possível assumir o
tema em maior ou menor profundidade.” (Demo, 1996, p. 66) Ou seja, não
é necessário desistir por conta de uma limitação de capacidade ou tempo,
e sim saber recortar os interesses.
Cada tema tem seus clássicos que precisam ser consultados, pois
não se podem desprezar os caminhos já trilhados por séculos de
conhecimento. Apenas tendo noções prévias do conhecimento já existente
que uma problemática pertinente é capaz de surgir. A ausência de um
trabalho muito importante na área de estudo indica imaturidade da
proposta. É comum a contraposição a trabalhos anteriores, para o que a
capacidade de abordar criticamente a bibliografia é fundamental.
54
A introdução e a justificativa são apresentadas em forma de texto, o
que não é o caso dos objetivos, usualmente em tópicos e com os verbos
no infinitivo. No objetivo geral, responde-se que meta se quer alcançar,
para que se propõe o estudo, qual seu sentido, sua utilidade, que
resultados são esperados; nos objetivos específicos, que etapas devem
ser atingidas para solucionar o problema, quais os passos teóricos e
práticos. Quando cumpridos os objetivos específicos, o objetivo geral terá
sido cumprido, por conseqüência. Ambos, geral e específicos, são
apresentados separados, porém na mesma página.
Na metodologia, responde-se como proceder, quais os passos da
análise. A natureza do problema determina o método. Busca-se deixar
claro qual o caminho do pensamento na apreensão da realidade, qual a
sistematização escolhida para o trabalho de pesquisa. Nesta parte do
projeto, “aparece a tonalidade ideológica própria do autor, que é ator.”
(DEMO, 1996, p. 66) O método é o procedimento que será utilizado para
dialogar com as fontes. Aqui aparecem as fontes novamente, e é
necessário discutir como serão abordadas. A metodologia é a reflexão
sobre o método, em que procuramos questionar se o método escolhido é
adequado para responder à problemática e cumprir os objetivos.
A “análise inspirada” sempre discute o “como” fazer. “Teoria coloca
a discussão sobre concepções de ciência [explicações parciais da
realidade]. Método é instrumento, caminho, procedimento, e por isso nunca
vem antes da concepção da realidade. Para se colocar como captar, é
mister ter-se idéia do que captar.” (DEMO, 1996, p. 24) Todo projeto de
pesquisa sério discute o método. “Entende-se por métodos os
procedimentos mais amplos de raciocínio, enquanto técnicas são
procedimentos mais restritos que operacionalizam os métodos, mediante
emprego de instrumentos adequados.” (SEVERINO, 1986, p. 204)
Deve-se definir quais as fases, quais as estratégias que serão
utilizadas; que técnicas serão usadas para a coleta e análise de dados e
para o teste da hipótese. Vocês já devem desconfiar que não há consenso
sobre métodos “bons” ou “ruins”, melhores ou piores. Não há consenso
nem mesmo sobre quais são os métodos da ciência. A discussão é
extensa e intensa e vocês devem entrar nela e procurar se situar. ix
55
No cronograma visualiza-se a distribuição das atividades ao longo
do tempo disponível. No nosso caso, trabalharemos com doze meses,
correspondentes ao tempo que vocês terão para fazer o trabalho de
conclusão de curso. Colunas mostram os períodos e fileiras as tarefas a
cumprir. O cronograma serve para avaliar se a pesquisa é exeqüível e para
testar seu andamento.
Por fim, as referências, seguindo as normas da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que serão trabalhadas em capítulo
à frente. É necessário procurar os textos fundamentais do tema a ser
investigado. Um dos primeiros passos da pesquisa é procurar conhecer a
produção existente sobre o tema e sobre questões afins, ou seja, fazer o
levantamento bibliográfico. As referências podem ser encontradas em
bibliotecas, na internet, junto aos professores. As pesquisas são feitas
tendo em mãos nomes de autores, títulos de obras ou palavras-chave do
tema. Além de livros, há teses, monografias e periódicos especializados. x
Conversem com professores que trabalhem com o tema, que podem dar
dicas importantes e indicar autores especializados para uma nova consulta
à biblioteca. Pensem se há possibilidade de adquirir aqueles livros que, de
tão fundamentais, serão “companheiros diários” no trajeto da pesquisa.
Dica: visitas aos sebos de livros sempre oferecem surpresas baratas.
Parte das referências básicas deve ser estudada já para o projeto.
A apresentação daquelas que serão lidas no processo da pesquisa é
indispensável, em nosso caso. Portanto, apresentem separadamente as
referências estudadas para compor o projeto e o levantamento bibliográfico
que incorporará todo o material encontrado sobre o tema e que poderá ser
útil no processo de pesquisa.
Por último, mas não menos importante
Não sem razão, os textos anteriores discutirem ética e ciência.
Booth, Colomb e Williams, em seu livro que tematiza a “arte da pesquisa”,
associam a ética ao desenvolvimento do ethos, ou caráter, e elencam
alguns pontos que merecem ser lembrados:
Os pesquisadores éticos não roubam, plagiando ou reivindicando os resultados de outros.
56
Não mentem, adulterando informações das fontes ou inventando resultados.
Não destroem fontes nem dados, pensando nos que virão depois deles.
Pesquisadores responsáveis não apresentam dados cuja exatidão têm motivos para questionar.
Não encobrem objeções que não podem refutar.Não ridicularizam os pesquisadores que têm pontos de vista contrários aos seus, nem deliberadamente apresentam esses pontos de vista de um modo que aqueles pesquisadores rejeitariam.
Não redigem seus relatórios de modo a dificultar propositalmente a compreensão dos leitores, nem simplificam demais o que é legitimamente complexo. (2000, p. 326)
Tudo isso às vezes exige bastante disciplina. Vocês podem
imaginar o quanto um pesquisador deve ser responsável. Porém, dá
orgulho fazer um trabalho assim.
A apresentação do projeto deve ser de acordo com as normas da
ABNT para trabalhos científicos. Cada parte do projeto deve iniciar em
uma nova página. O trabalho deve ser digitado de acordo com as
configurações presentes nas normas, que devem nortear também as
referências e citações. xi
Lembrem-se que sempre escrevemos para alguém, pensem no
leitor, é uma boa estratégia de clareza. Escrevam explicando bem as
idéias, é assim que agem os grandes autores. Definam os termos
utilizados. Passem o texto para colegas lerem e utilizem o professor de
cobaia, é necessário saber se estamos sendo entendidos, para isso, é útil
que outros leiam nossos textos.
Textos raramente ficam bons na primeira versão. É preciso
reconhecer que ler um texto mais de uma vez pode ser fundamental e que
escrever exige fazer e refazer. A imagem de papéis que embolamos e
jogamos fora é normal, compõe o processo. Vocês devem entender a
necessidade da crítica. Se alguém diz apenas “legal” ao ler um texto,
desconfiem.
É comum ouvir: ‘certo, professora, entendi as partes do projeto,
mas, como escrever?’ Pergunto-me como responder a isso, pois a
habilidade de leitura e escrita parece estar na raiz de tudo isso. Por ora,
57
consigo dizer que é necessário valorizar o erro, na medida em que o erro
dá oportunidade de superação. Escrever é trabalhoso, e pouca gente é
capaz de escrever de uma vez, do começo ao fim, sem hesitar ou precisar
revisar.
Enfim, o projeto de pesquisa é o planejamento do caminho, explicita
as etapas de trabalho e como será feito, o que possibilita pensar
previamente sobre a viabilidade do que se propõe quanto aos métodos, as
técnicas e ao tempo disponível. Pode ser alterado no decorrer da
pesquisa, com o surgimento de novos dados ou referências imprevistas.
Tais alterações devem ser bem pensadas e discutidas com o orientador.
Projeto é já um início de trabalho, o esforço de pensar (e sonhar) o
caminho. É um preparo que demonstra a pertinência da trilha a ser
percorrida. Projeto não traz resultados de pesquisa, o que só ocorrerá com
a pesquisa pronta. No caso de nosso curso (METEP), vocês terão sido
bem sucedidos se aprenderam a questionar como é feita a ciência; se
aprenderam que é necessário planejar os trabalhos científicos e se
retomarem essas orientações em seus trabalhos de conclusão de curso,
que é um outro momento da mesma história.
REFERÊNCIAS
BOOTH, Wayne C.; COLOMB, Gregory G.; WILLIAMS, Joseph M. A arte da pesquisa. Tradução de Henrique A. Rego Monteiro. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 7. ed. Cortez: São Paulo, 1996.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese.12. ed. Tradução de Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1995.
FREIRE, Paulo. Considerações em torno do ato de estudar. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 14. ed. São Paulo: Cortez, 1986.
58
Exercícios
Visitem algumas bibliotecas e procurem saber como são
organizadas, que setores possuem, como é feita a catalogação das obras.
Procurem saber qual a diferença entre um periódico da
grande imprensa e um periódico científico.
Três palavras foram sublinhadas no texto: intrínsecas,
autonomia e emancipação. Procurem suas definições em um bom
dicionário e retomem a leitura do trecho em que foram utilizadas, refletindo
sobre o que querem dizer.
Tentem exemplificar qual a diferença entre problema,
questão e incômodo.
Na escola, o que poderia ser fonte de pesquisa?
Quando ouvir falar em pesquisa (na televisão, no jornal,
no estudo), procure saber qual a fonte utilizada e como foi abordada.
Lembre-se que um dos critérios do estudo científico é divulgar suas fontes
e seus métodos.
Sua cidade tem um sebo de livros? Visite-o e veja o
que tem que diz respeito à Educação. Caso viaje a outra cidade, procure
visitar suas bibliotecas e sebos.
59
O QUE É METODOLOGIA
Luzia Marta Bellini
O objetivo deste texto é realizar uma reflexão sobre o significado de
metodologia não somente para discutir como realizar o trabalho de
elaboração do planejamento de pesquisa, mas para, também, expor um
conjunto de regras que favorece o labor científico. Para iniciar apresento
uma tese central que subdivido em duas partes:
1) Metodologia e procedimentos metodológicos são campos
diferentes. Existe uma confusão terminológica entre metodologia e
procedimentos metodológicos, porém metodologia refere-se ao campo
geral de estudo dos métodos chamado de meta-nível ou meta-
conhecimento por Michel Thiollent (1988). Thiollent (idem) define meta-
nível ou meta-conhecimento como o campo ou a área que estuda as
metodologias, os métodos, suas qualidades e seus defeitos. Este campo
abrange a metodologia como atividade filosófica (estudo dos valores, da
visão política, da sociologia do conhecimento) e como atividade cognitiva
(como ocorre a representação dos fenômenos tanto pelo pesquisado, no
caso, uma pessoa ou um grupo de pessoas, como pelo pesquisador). Os
procedimentos metodológicos constituem o campo do método efetivo e da
técnica, são o que Thiollent (idem) chama de métodos em pequena escala.
2) Metodologia é a disciplina ou o campo de reflexão que apresenta
ao investigador um conjunto de regras que orientam o seu pensamento a
adotar o caminho mais correto para compreender os conceitos da teoria
que escolhe, para elaborar problemas, para construir hipóteses que são
tarefas inerentes ao pesquisador.
Citemos aqui Paulo Salles de Oliveira (1999, p.17):
Qual é o sentido que se pode emprestar à noção de método? Trata-se de um conceito que comporta múltiplas acepções. [...] Método indica, portanto, estrada, via de acesso e, simultaneamente, rumo, discernimento de direção. Concluindo com as palavras de Marilena Chauí, “methodos significa uma investigação que segue um modo ou uma maneira planejada e
60
determinada para conhecer alguma coisa; procedimento racional para o conhecimento seguindo um percurso fixado”. [...]
O método assinala, portanto, um percurso escolhido entre outros possíveis. Não é sempre que o pesquisador tem consciência de todos os aspectos que envolvem este caminhar; nem por isso deixa de assumir um método. Todavia, neste caso, corre muitos riscos de não proceder criteriosa e coerentemente com as premissas teóricas que norteiam seu pensamento.
Paulo Salles de Oliveira chama a nossa atenção para o estudo dos
métodos na empreitada da pesquisa. Este estudo abre caminhos para
evitar erros, para precisar detalhes, para refinar o sentido ético na
investigação. Ganhamos com o estudo dos diferentes métodos a
capacidade de identificar e relacionar teoria e prática, tornar claro o
vocabulário, os conceitos a que vamos recorrer; não tomar posições
reducionistas, isto é, não trabalhar o método meramente como técnica.
Porém, o autor pontua que este estudo não pode nos deixar inseguros na
medida em que, ao estudar os diferentes métodos, façamos opção por um
e inibamos as aproximações entre áreas que comportam outros métodos.
Os métodos trazem dimensões diferentes, mas muitos podem ter
explicações comuns para uma investigação. Falaremos disso mais adiante
neste texto.
Resumindo, metodologia é um campo de estudo dos diferentes
métodos; este estudo é necessário para a orientação correta da pesquisa,
mas não deve, por outro lado, cercear a capacidade de o investigador de
aproximar diferentes métodos desde que eles não venham de teorias que
se contradigam ou se anulem.
Por que é necessário o estudo do método? Pergunta Oliveira (1999
p21). É que precisamos deixar claro que método não é um conjunto de
procedimentos e de técnicas; quando falamos, por exemplo, método Paulo
Freire isto não significa falar da um tipo de recurso para a alfabetização.
Para descrever um método, no caso, o de Paulo Freire, será “necessário ir
além para perceber o embasamento teórico, que dá suporte e consistência
ao método. De que modo encara a educação? Quais são os pressupostos
da relação entre educador e educando? Como tais questões podem
interferir na produção do saber? E assim por diante” (OLIVEIRA, idem, p.
21)
61
Metodologia como disciplina filosófica e cognitiva
Metodologia é a disciplina que estuda os vários os métodos; mas
não é uma coleção destes métodos. Podemos dizer que a metodologia se
alimenta de considerações epistemológicas e da filosofia da ciência
(THIOLLENT, 1988) para dar um “parecer” sobre os métodos da pesquisa
que selecionamos em nossa investigação. Trata-se de um campo que nos
permite elaborar condutas para a pesquisa que queremos realizar e,
também, avaliar as condutas que adotamos como pesquisadores.
A metodologia analisa as dimensões dos vários métodos, avalia
“[...] suas capacidades, potencialidades, limitações ou distorções [...]” e faz
a crítica de “[...] seus pressupostos ou as implicações de sua utilização [...]”
(THIOLLENT, 1988, p.25). Assim, de um lado, a metodologia permite a
avaliação das técnicas de pesquisa, dos modos como captamos e
produzimos informações e, de outro, permite-nos estudar o conhecimento
geral e necessário que orienta o pesquisador na delimitação de seu objeto
de pesquisa, na escolha de conceitos, na construção de suas hipóteses e
de seus procedimentos e técnicas.
Enfim, podemos dizer mais claramente ao leitor, que o estudo da
metodologia tem uma função pedagógica, pois “[...] permite a formação do
estado de espírito e dos hábitos correspondentes ao ideal de pesquisa
científica [...]” (THIOLLENT, 1988, p.25). O estudo deste campo (meta-
conhecimento) traz ao estudante conhecimentos teóricos e metodológicos
que vão ajudá-lo a avaliar as teorias com as quais pretende abordar um
tema, permite pensar e articular conceitos, elaborar análises e fazer
generalizações.
Michel Thiollent (1984, p. 46) resume o campo de estudo da
metodologia da seguinte maneira:
A) Metodologia geral (de nível epistemológico) aborda os problemas da
explicação em ciência social, causalidade, teologia, compreensão etc e a
discussão da especificidade das orientações gerais: positivismo,
pragmatismo, behaviorismo, experimentalismo, fenomenologia,
hermenêutica, dialética etc.
62
B) Metodologia aplicável na arte de conduzir projetos de pesquisa social
ou educacional, incluindo: definição de temas, formulação de hipóteses,
análise de técnicas, de suas capacidades e distorções.
c) Estudo aprofundado das técnicas convencionais, com aspectos
qualitativos e quantitativos: questionários, entrevistas, análise de
conteúdos etc.
D) Técnicas quantitativas: amostragem, inferências, correlações, análise
fatorial, “pacotes” de computação etc.
E)Técnicas qualitativas formalizadas: grafos, modelagem, gramáticas,
estruturas lógicas, inclusive, ao nível das relações e contradições sociais.
(Naville, 1983).
F) Métodos especiais que incluem os:
- Métodos de intervenção: pesquisa participante, pesquisa-
ação, intervenção sociológica, análise institucional etc.
- Métodos de avaliação: com aplicações em educação,
organização e tecnologia.
- Métodos de projetação: com aplicação em organização,
arquitetura, engenharia.
- Métodos de prognosticação: técnica Dephi e outras técnicas
prospectivas em ciência, tecnologia e políticas públicas.
Vemos que no campo de estudo da metodologia na área de
ciências humanas, há um conjunto de temáticas e de conhecimentos que
orientarão o estudante na busca de fundamentos para sua investigação.
O estudante da graduação e da pós-graduação precisa conhecer
esse conjunto da metodologia para que possa realizar o exercício de
algumas técnicas de pesquisa e elaborar seus procedimentos de pesquisa
em consonância com os aspectos teóricos que escolheu. A produção de
monografias, dissertações e teses necessita de “[...] justo equilíbrio entre
os aspectos teóricos abstratos e aspectos de levantamento e
processamento de dados concretos[...]” (THIOLLENT, 1984, p.46).
O campo de estudo da metodologia: alguns aspectos sobre as
correntes teórico-metodológicas
63
Para compreendermos um pouco mais o quadro delineado por
Thiollent (1984) acerca dos estudos efetivados em metodologia, vamos
descrever algumas dimensões da área. Um estudo importante para o
jovem pesquisador é o das chamadas tendências ou correntes teórico-
metodológicas.
No início de nossa vida na universidade, o campo das tendências
teórico metodológicas é marcado pelos estudos sobre o empirismo, o
racionalismo, o positivismo, o marxismo entre outras. Para ilustrar como se
dão esses estudos tomemos de autores como Michel Thiollent )1984,
1985, 1986, 1988,) Ângela Bello (2001), Allan Chalmers (1993) um resumo
para o estudo das tendências para relacionar a epistemologia e a
avaliação e controle das técnicas.
O empirismo. O empirismo privilegia o fato, o dado. Nesse caso, o
conhecimento independe do observador, já que se supõe que o fato se
repete sempre. Queremos dizer que para o empirismo, o conhecimento
vem de fora para dentro do sujeito do conhecimento. É o fato, o dado que
produz conhecimento. O método é o indutivo, ou seja, o investigador parte
premissas singulares, obtidas pela observação e/ou experimentação para
uma afirmação universal. O conhecimento é definido, como diz Chalmers
(1993), como uma coleção de dados que são obtidos pela repetição do
experimento.
O formalismo. Essa tendência opera com a lógica formal, opera
com a matematização. O formalismo privilegia a dedução (tipo de
raciocínio baseado na lógica), não parte do fato, isto é, privilegia o sujeito
do conhecimento (THIOLLENT, 1988a). Por exemplo, no caso dos
matemáticos o raciocínio é dedutivo. A matemática é, por excelência, uma
ciência dedutiva. O matemático não necessita de trabalho experimental
para produzir dado ou conhecimento.
O positivismo. O positivismo buscou o equilíbrio entre o
formalismo e o empirismo (THIOLLENT, 1988a) .
O positivismo nasceu na França impulsionado pela Revolução
Francesa. O termo positivismo significa segundo Ângela Bello (2001), “[...]
64
fixemos a atenção sobre aquilo que é positivo [...]”. Para Comte (1798-
1857) positivo é o que “[...] é útil, experimentável e concreto, sendo
definido como útil, experimentável e concreto tudo aquilo que pode ser
investigado e evidenciado pela ciência [...]” (BELLO, 2004, p. 42). Após
Comte, o positivismo mudou bastante e foi chamado de neopositivismo
com os filósofos do Círculo de Viena que pretendiam reunir as exigências
da comprovação do fato pela lógica formal. A idéia central, no entanto, era
a unidade básica entre as ciências naturais e as sociais.
Ao lado dessas três tendências, vamos chamar à discussão o
método quantitativo. Ao formalismo não interessa este método, pois não
há o dado como marco do conhecimento. O formalismo trabalha com a
dedução, com a lógica formal. Nesse caso, não se trabalha com o método
quantitativo1. O empirismo, por sua vez, entende que a teoria ou as leis
são decorrentes da capacidade de o pesquisador obter dado ou fatos. Aqui
o método quantitativo é a base para se produzir conhecimento. Já o
positivismo toma o legado destas duas correntes e também privilegia o
aspecto quantitativo, mesmo não abdicando da lógica formal.
A metodologia é capaz de, por meio desta gama de correntes,
estabelecer muitos aspectos necessários ao debate acerca do
encaminhamento da pesquisa. O primeiro, deles podemos dizer que é a
definição de ciência. De acordo com o empirismo, por exemplo, ciência é
definida como conhecimento comprovado e objetivo; teorias científicas são
produtos de rigorosa experimentação. Se, nesse caso, a ciência é baseada
na experimentação, por meio desta, obtenho dados pelos quais posso
extrair afirmações singulares e generalizar, ou seja, elaborar afirmações
universais, as leis ou teorias. Método científico para essa corrente significa
método experimental.
Chalmers (1993) apresenta ao estudante que inicia seus estudos o
debate sobre o empirismo, a crítica de Karl Popper (falsificacionismo),
aborda Lakatos e Paul Feyrabend. Para o estudante de pedagogia é um
livro que permite compreender as bases da filosofia da ciência. Como o
pedagogo vai se deparar com o ensino de ciências em sua carreira é
desejável que ele conheça a metodologia das ciências naturais. Alem
1 Não podemos confundir método quantitativo com a matemática. A matemática – ciência ou lógica – é um campo de construções dedutivas, não é uma área que lida com quantidades, lida com idéias que podem ser aplicadas.
65
disso, esse livro permite compreender algumas pesquisas na área da
educação2.
No âmbito das ciências humanas as tendências teórico-
metodológicas como o funcionalismo, o estruturalismo, o marxismo, o
pragmatismo, a teoria crítica da Escola de Frankfurt, a fenomenologia, o
marxismo, a socioanálise, a teoria dos campos de Kurt Lewin entre outras
são importantes e bastantes presentes na orientação de investigações. Na
educação encontraremos também o behaviorismo, o cognitivismo, o
construtivismo e o interacionismo. Nas áreas de política e economia da
educação vamos encontrar o marxismo, a teoria crítica da Escola de
Frankfurt como fonte de muitas e excelentes pesquisas (THIOLLENT,
1988a).
Um parêntese: Há livros mais simples, mas não menos rigorosos
para que estudemos essas tendências de modo tranqüilo, ou seja, com
uma linguagem mais acessível, mas rigorosa. Para você iniciar uma
caminhada pela fenomenologia indicamos o livro de Ângela Ales Bello
(2201). Bello aborda a fenomenologia de Husserl e para apresentar esta
corrente teórica, a autora apresenta como o termo experiência – base da
fenomenologia – foi definido por descartes e por Santo Agostinho. Para
discutir as origens da fenomenologia, Bello faz o caminho da filosofia dos
gregos ao renascimento, da idade moderna á época contemporânea e, ao
abordar a fenomenologia contemporânea, faz uma exposição criteriosa das
noções de essência, percepção, ato de percepção, ato de cognição e ato
de imaginação, próprios de Husserl. Por meio deste livro vamos saber que
não há uma corrente fenomenológica, existem várias. Este é um dos
papéis da metodologia, conhecer as diversas teorias, as vezes, de uma
mesma corrente.
Destacamos, também neste texto, o marxismo. Trata-se de uma
corrente muito importante para apreendermos algumas categorias de
análise da sociedade produtora de mercadorias, a capitalista. Karl Marx
escreveu O Capital ou a crítica da economia política no século XIX e essa
obra contém preciosas lições acerca do funcionamento da sociedade
2 É o caso da pesquisa de Fernando Becker publicada no livro A epistemologia do professor. O cotidiano da escola, Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1993. No livro ele descreve três tipos de condutas dos professores diante da aprendizagem de seus alunos, a empirista, inatista e construtivista. Nós, professores, mesmo sem conhecer essas correntes, apresentamo-las no dia a dia da sala de aula.
66
capitalista. A mais espetacular delas, em nossa interpretação, é o primeiro
capítulo do volume I do Capital, intitulado A mercadoria. Para os passos
iniciais com Marx, talvez o texto O trabalho alienado seja uma leitura
básica para todos nós. Nesse texto, Marx parte das premissas básicas da
economia política. Discute suas leis. Você leitor, entrará em contato com o
vocabulário marxista: a propriedade privada dos meios de produção, a
oposição entre capital e trabalho, capital e terra, salário, lucro e mais valia
e trabalho alienado (Oliveira, 1998).
Vale a pena investir na leitura do texto, pois a noção de trabalho
alienado permite ao estudante compreender sua jornada na instituição
escola.
Há muitas investigações na área de aprendizagem, na psicologia,
na psicopedagogia que, a despeito de trabalharem com referencial
metodológico da psicologia e da epistemologia genética, empregam
conceitos marxistas e debatem o papel da alienação na manutenção da
ordem burocrática nas instituições escolares. Estudos interessantes nessa
área, para o estudante de pedagogia são os de Sara Pain (década de 90)
e de sua discípula, Alicia Fernandes. Sara Pain escreveu um livro clássico
A função da ignorância. Ignorância aqui no sentido do desconhecimento de
algo. Alicia Fernandes escreveu A inteligência aprisionada, de 1990 e A
Mulher escondida na professora, de 1994. Todos os livros são da Editora
Artes Médicas. Abordando os conceitos da psicanálise e da epistemologia
piagetiana em suas pesquisas, as autoras, de modo indireto, trabalham o
conceito de alienação na prática pedagógica.
Quando falamos em marxismo como corrente que influencia os
métodos em pesquisa na área educacional, estamos nos referindo às
várias correntes no interior da tendência. Thiollent (1988a) mostra que o
marxismo e o comportamentalismo coexistem em Pierre Naville na área de
educação; o estruturalismo e o marxismo em Althusser; marxismo e
pesquisa empírica em Vaillancourt, marxismo e crítica dos métodos
tradicionais em Adorno; marxismo e incorporação da filosofia analítica em
Habermas; marxismo aplicado à pesquisa-ação em Heinz Moser. Existe
também a aproximação entre marxismo e fenomenologia em Karel Kosik.
O que estamos dizendo é que algumas tendências se aproximam
para a explicação dos mesmos fenômenos. Como não são tendências que
67
se auto-excluem podem ser escolhidas pelo pesquisador para explicação
de um determinado objeto. Podemos escolher duas ou mais teorias pelo
pesquisador para orientar metodologicamente sua investigação.
Assim, dependendo dos objetos e objetivos propostos e de nossa capacidade teórica e prática tecnológica, freqüentemente devemos construir nosso próprio modelo teórico, geralmente de alcance médio (ou seja, pretende explicar somente um aspecto determinado do real), a partir de uma teoria, ou de várias teorias existentes ou a partir do estudo dos conceitos utilizados por historiadores que abordaram temáticas comparáveis, todo o qual implica sempre em um desafio a nossa criatividade. Somos também partidários de um ecletismo teórico, sempre que os elementos das teorias utilizadas não se contradigam ou se anulam mutuamente. Isto até pouco tempo soava a heresia [...] (DOESJVWIJ, 1993, p. )
O livro de Paulo Salles de Oliveira, já citado aqui neste texto,
constitui um exemplo para a compreensão de muitas dimensões da
metodologia de pesquisa, a saber, a relação epistemológica entre objeto e
sujeito do conhecimento, entre a constituição e politização do método e
discute de um modo criativo, por meio da leitura de textos de diversos
pensadores, o significado de ecletismo metodológico e teórico.
Reproduzimos aqui um trecho belíssimo de seu livro, do item
Constituição e politização do método (1999, p.23/24.
O método existe para ajudar a construir uma representação adequada das
questões a serem estudadas. Ele foi constituído no âmbito de um
movimento que remonta aos séculos XVI e XVII e que valorizava a
capacidade do pensamento racional. Acreditava-se que, pelo uso da razão,
seria possível aos homens não só conhecerem o mundo, mas, além disso,
transformá-lo. [...] Cuidou-se, então, de construir meios confiáveis para
observar, para promover experimentos, bem como para elaborar hipóteses
e princípios. O desenvolvimento desses princípios foi concomitante ao das
técnicas; postulava-se, afinal, uma ciência de intervenção, que fosse
atuante na prática e que estivesse, a um só tempo, sintonizada com a
expansão capitalista e com o aumento da capacidade produtiva. Ordenar
as coisas, sistematizá-las, identificar unidade e diversidade, mensurar,
decompor o todo em partes, analisar, eis resumidamente a empreitada que
se queria consolidar. Quem iria operacionalizar o método? [...] Quando
68
desenvolvimento metodológico se torna recurso imprescindível para
insinuar, estabelecer ou mesmo justificar intervenções modificadoras da
sociedade, as relações entre ciência e sociedade se alteram: a produção
do saber se consagra como fonte de poder. [...] Não deixa de ser curioso
notar, com Maria Sylvia de Carvalho Franco, que a esse movimento de
dessacralização do conhecimento correspondeu a sacralização do
trabalho. Foram veementemente contestados o exercício contemplativo, o
ócio, as festas, as formas de ocupação do tempo economicamente
improdutivas, ao mesmo tempo em que se cultuava a disciplina do corpo e
do pensamento, a mecanização do corpo pela técnica e o adestramento da
mente pelo método. A construção deste modo de pensar foi concomitante
à ascensão burguesa e à constituição das bases jurídicas em que se
assentou sua emergência como força política preponderante. [...] No caso
das ciências humanas, porém um paradoxo se interpõe: afinal é do homem
que se trata. Isto quer dizer que o homem se torna, ao mesmo tempo,
sujeito e objeto na investigação científica. Além disso, sendo o sujeito do
conhecimento representado pela figura do homem-cientista, ele em tese
pode tudo, mas, ao exercitar este poder, torna-se prisioneiro de uma
situação que, supostamente, é capaz de controlar e, portanto, dominar.
Como assim? É que ao submeter o real ao método – supondo-o neutro e
eficiente para desvendar as tramas sociais em sua transparência plena e
exata – o sujeito do conhecimento é conduzido a olhar a sociedade como
quem a vê de fora, de longe, ostentando olímpica exterioridade. Neste
empreendimento, recorta, disseca, decompõe e manipula o real em partes,
desejoso de melhor analisá-lo. Esta prática, aparentemente rigorosa e
ascética, acaba por mutilar o universo social, imobilizando-o. O mundo
social aparece congelado, sem contradições, sem lutas, sem
enfrentamentos, sem paradoxos. É a mortificação do objeto. Os homens
transformam-se me objetos inertes, tal qual cadáveres, prontos para o
exercício científico da anatomia, nas mãos do médico legista ou do
patologista. [...] O estudo da metodologia em ciências humanas necessita
ser cuidadoso e zelar para que homens concretos, sujeitos e objetos de
suas indagações, não fossem mutilados ou, então, não se tornassem
objetos nas mãos de cientistas dispostos a fazer da ciência outro poderoso
instrumento de dominação.
69
As tendências teóricas e as técnicas de pesquisa
Falamos do estudo das correntes, porém podemos avançar mais
um pouco. Aqui, neste item, cabem perguntas como: Como se comporta o
pesquisador no processo de investigação? Como ele obtém dados de uma
pesquisa de alfabetização, por exemplo, com catadores de lixo? Quais são
as propostas do pesquisador? Quais são as crenças do pesquisador?
Qual o papel da linguagem na pesquisa?
O estudante deve se orientar também pelos estudos que debatem o
papel dos valores, da linguagem para a compreensão das diferentes
interpretações e da argumentação etc.
Para exemplificar podemos solicitar aos leitores que peguem um
jornal com conteúdo com um tema voltado para a análise da concepção ou
do significado de professor para os governantes. Podemos, então, pensar
na análise dos discursos do governador, do prefeito, do secretário da
educação ou outros que se envolvem diretamente com o exercício da
profissão docente.
Qual a primeiro encaminhamento metodológico?
Para esta tarefa precisamos de estudos sobre a sociologia da
linguagem, das técnicas da análise de conteúdo, da análise léxica, da
análise de discurso e da análise da argumentação. Teoricamente, vamos
saber que o crescimento da análise de conteúdo da linguagem deveu-se à
escola estruturalista. Vamos conhecer também a necessidade que temos
de conhecimento da lingüística para não cometer um erro muito comum e
perverso que é pensar que a linguagem é a expressão da realidade.
Vamos, também, levantar os questionamentos: Nesta pesquisa, vamos
interpretar o que as pessoas dizem ou o que elas querem dizer? O que é
uma crença em termos lingüísticos? É um conteúdo proposicional ou uma
atitude proposicional do tipo Eu acho que...? (THIOLLENT, 1988a)
Além desses questionamentos, o estudante que vai fazer a
pesquisa com os discursos de jornal, vai estudar a argumentação para
70
compreender a tipologia das relações possíveis na argumentação, a idéia
de locutor e de platéia etc.
Aqui vamos aprender que os fatos e os dados não falam por si
mesmos (como no empirismo ingênuo). Não podemos desconhecer que
sempre há características culturais e sociais e políticas dando o “tom” dos
dados do jornal, por exemplo. Dependendo de quem faz o discurso algo
pode ficar oculto. Alguém que quer fugir deste impasse (quem faz o
discurso) pode usar a quantificação para escapar do chamado viés da
subjetividade e tomar o positivismo tradicional. O pesquisador que enfrenta
este conflito tem ao seu alcance recursos reflexivos e metodológicos para
tornar seu conhecimento uma quase verdade, ou seja, um conhecimento
aceitável e factível.
Uma sugestão para este percurso são os livros de Michel Thiollent
Crítica metodológica, investigação social e enquête operária (1985) e
Opinião pública e debates políticos (1986), ambos da Editora Polis. A partir
daí, o estudante poderá ler sobre as teorias sobre a argumentação.
Para terminar expomos um resumo: propomos que o termo
metodologia seja compreendido como uma área de discussão dos diversos
métodos de pesquisa; que metodologia seja tomada como um meta-nível
do conhecimento necessário ao estudo dos métodos. É uma disciplina. Já
os métodos e as técnicas são níveis diferenciados a partir do campo de
metodologia. Métodos são elaborados de acordo com os objetivos ou
metas da pesquisa e técnicas são os métodos de alcance menor (ou
procedimentos metodológicos) como o da coleta, da probabilidade entre
outras.
A metodologia contém um campo de estudos que permite a
elaboração do referencial teórico – nível 1 – que permite o acesso à uma
etapa do percurso da investigação, ou seja, à noção de ciência, teorias, ao
vocabulário, aos conceitos, à formulação dos problemas e hipóteses de
pesquisa; o nível 2 nos permite a discussão sobre sujeito e objeto de
pesquisa, a relação entre os métodos e o nível 3 nos permite aprofundar a
metodologia e os níveis de métodos e técnicas para a realização da
pesquisa.
71
Para continuar estudando:
O livro Introdução à Filosofia da Ciência, de Inês Araújo
Lacerda (2003), trata, de modo acessível e ao mesmo tempo rigoroso, da
ciência e seus métodos. Aborda o neopositivismo, o método dialético
marxista, o funcionalismo e o estruturalismo. Debate, também, o
pragmatismo, apontando o enfoque crítico de Habermas, o enfoque
hermenêutico de Paul Ricoeur, o enfoque anarquista de Paul Feyerabend
e o enfoque arqueogenealógico de Michel Foucault.
Propostas de atividades
1) Leia uma pesquisa sobre uma dimensão da vida
escolar (aprendizagem e alfabetização, fracasso escolar,
política educacional na década de 30 do século XX ou
outras pesquisas). Procure analisar o vocabulário, os
conceitos, a apresentação do problema, as hipóteses e faça
uma avaliação do campo metodológico.
2) A partir da questão anterior, apresente os
procedimentos de pesquisa.
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.) Pesquisa participante. 4. ed. São Paulo: Eitora Brasiliense, 1981.
BECKER, Fernando. A epistemologia do professor. O cotidiano da escola. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1993.
BELLO, Agnes Ales. Fenomenologia e Ciências Humanas. Bauru: Editora da Universidade Sagrado Coração, 2004.
CHALMERS, Alan F. O que é ciência, afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993.
DOESWIJK, Andréas Leonardus. La funccion de la teoria em la investigacion historiográfica. In: CADERNOS DE METODOLOGIA E TÉCNICA DE PESQUISA.Universidade Estadual de Maringá. No 4, 1993.
72
FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
FERNÁNDEZ, Alicia. A mulher escondida na professora. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
OLIVEIRA, Paulo Salles. Org). Metodologia das ciências humanas. São Paulo: Editora Hucitec/Editora Unesp, 1998.
THIOLLENT, Michel. Aspectos qualitativos da metodologia de pesquisa com objetivos de descrição, avaliação e reconstrução. In: CADERNOS DE PESQUISA. 49: 45-50, maio de 1984.
THIOLLENT, Michel. Crítica metodológica, investigação social e enquête operária. 4. ed. São Paulo: Editora Polis, 1985.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. 4ª edição. São Paulo: Editora Cortez, 1988.
THIOLLENT, Michel. Opinião pública e debates políticos. São Paulo: Editora Polis, 1986.
THIOLLENT, Michel. A Captação de informação nos dispositivos de pesquisa social: problemas de distorsão e relevância. In: CADERNOS CERU, NO 16, NOV. 1981, PP. 81-105.
THIOLLENT, Michel. Pesquisa-ação: aspectos de sua diversidade. Texto apresentado no 14º Encontro de Estudos Rurais e Urbanos organizado pelo Ceru. São Paulo, 12-15 de maio de 1987.
THIOLLENT, Michel. Tendências metodológicas em pesquisa social. Curso ministrado no Departamento de Educação. Universidade Estadual de Maringá. De 18 a 22 de abril de 1988.
THIOLLENT, Michel. www .itoi.ufrj.br/sempre Acesso: abril de 2005.
73
MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO:
SUBSÍDIOS METODOLÓGICOS
Luzia Marta Bellini
Métodos e técnicas: estabelecendo normas metodológicas
No capítulo O que é metodologia de pesquisa, estabelecemos que
o estudo da metodologia qualifica o estudante a examinar a teoria ou
teorias para dialogar com o tema de sua escolha. Observamos, ainda, que
o termo metodologia pode ser compreendido como o campo que estuda os
vários métodos ou as diversas correntes teóricos metodológicas. Cada
método – caminho para se chegar a um fim – expressa o conjunto de
regras e normas que são estabelecidas para evitarmos erros nos
procedimentos de investigação científica. Indicamos, também, que
diferentes métodos, algumas vezes, não são antagônicos entre si, de
modo que o estudante não necessariamente, ao abordar um tema, precisa
contar com uma teoria. Ele pode sustentar em seu trabalho mais de uma
teoria, pois se trata, nesse caso, de recorrer a um conjunto de
argumentações e procedimentos para efetuar o diálogo com o objeto de
pesquisa.
A teoria ou teorias constituem o campo de argumentação, da
exposição dos enunciados favoráveis ou desfavoráveis para a elaboração
das idéias que o estudante vai estabelecer para o exame de seu objeto de
trabalho.
Para Mazzotti e Oliveira a argumentação confere ao objeto de
discussão sentido no âmbito dos conhecimentos já constituídos. Siga o
exemplo dos autores (2000, p.10-11) para compreender um pouco mais
como se dá este debate:
A pedagogia moderna foi constituída no século XVII e teve por base o seguinte enunciado: não há idéias prévias na cabeça das crianças. Este enunciado sustentava-se em duas noções: a) as crianças nascem sem pecado, um argumento teológico próprio da Reforma Cristã; b) todas as crianças podem e devem ser educadas, um enunciado que expressa os valores emergentes na sociedade moderna. (...)
74
A argumentação dos teóricos modernos da educação, aqueles que no século XVII deram origem aos estudos pedagógicos, era bastante clara: uma vez que as crianças não são boas nem más por natureza, elas são inocentes, é a educação (a sociedade) que as torna o que serão quando adultas. Este é o tema central de todas as teorias pedagógicas modernas, pois a resposta favorável ou contrária à noção de “inocência” da criança conduz a práticas educativas muito diversas.
Os autores comentam que, graças ao enunciado “as crianças
nascem sem pecado”, Comenius (1592-1670) estabeleceu a sua noção de
didática e a arte de ensinar tudo a todos como a tipografia, na qual a folha
de papel é a cabeça do aluno, a tinta é a voz do professor e a disciplina a
prensa. Os caracteres seriam as ciências, o que deve ser repassado às
crianças. (idem, p.12).
Os argumentos ou metáforas cognitivas de Comenius aparecem
em muitas outras teorias. Os autores sustentam que a noção de tabula
rasa pode ser mantida na teoria sobre aprendizagem, por exemplo, mesmo
quando se aceita que as crianças chegam à escola com concepções
prévias. Adota-se o argumento que as crianças apresentam concepções
prévias e como prévias, podem ser substituídas pelas corretas por meio
das disciplinas escolares.
Estamos descrevendo o debate (por meio de argumentos) que
estabelece os conhecimentos em uma área. Este processo estabelece o
modo de pensar do pesquisador e de seu procedimento de pesquisa.
Buscando, então, estabelecer a relação entre teoria e os métodos e
entre estes e as técnicas da pesquisa em educação, tomamos de Zaia
Brandão a lembrança de que a pedagogia trabalha com muitas áreas de
conhecimento; antropologia, psicologia, história, sociologia, filosofia,
epistemologia genética entre outros ramos de conhecimento. Isto permite,
de um lado, uma riqueza de matizes e procedimentos de pesquisa, por
outro, é, às vezes, “campo fértil para a semeadura dos exclusivismos ou
modismos teórico/metodológicos” como o gramscianismo que sucedeu o
reprodutivismo, ou o vygotscismo destronando o piagetianismo. Este
debate está no livro Pesquisa em educação. Conversas com pós-
graduandos, de 2004.
75
Técnicas para a pesquisa educacional:
Uma primeira observação metodológica que fazemos vem de
Michel Thiollent (1985, p.22): “as técnicas de pesquisa não deveriam ser
ensinadas como receitas ou instrumentos neutros e inter-trocáveis, mas
sim como dispositivos de obtenção de informações cujas qualidades,
limitações ou distorções devem ser metodologicamente controladas”.
Uma técnica é uma teoria em atos, diz Thiollent (1985), referindo-se
à observação feita por Pierre Bourdieu, não pode existir obtenção ou coleta
de dados sem pressupostos teóricos. Se ocorrer a separação entre método
e técnica ocorrerá fatalmente que o estudante desenvolverá seu trabalho
teórico divorciado da prática. O estudante poderá se orientar pelos
pressupostos teóricos da fenomenologia e elaborar um questionário com
uma abordagem positivista. Ora, são métodos antagônicos que conflitam
entre si.
As técnicas de investigação são várias. Podemos dizer, grosso
modo, que temos as técnicas convencionais, as quantitativas e as técnicas
de abordagem qualitativa. Porém, em pesquisa não precisamos trabalhar
com esta divisão, desde que o sujeito que se propõe a realizar uma
pesquisa avalie a junção de técnicas com os pressupostos teóricos que
orientam seu trabalho.
Tomando a pesquisa qualitativa Thiollent (1985) descreve as
técnicas de obtenção de informações (alguns falam coleta de dados,
mas propomos aqui o termo obtenção). Podemos obter informações por
vários meios: arquivos, documentação, livros, pessoas (por questionários,
entrevistas, observação de comportamento), laboratório e em situações de
campo tanto em ciências humanas quanto em ciências naturais.
Vamos recorrer novamente a Thiollent (idem) para compreender o
termo observação de um modo necessário à pesquisa e como parte de
nossa vigilância metodológica.
76
De acordo com a terminologia corrente, que não problematiza a
situação de observação, questionários e entrevistas são considerados
como técnicas de observação direta pelo fato de estabelecerem um
contato efetivo com as pessoas implicadas no problema investigado. A
observação indireta consiste em análise de documentos ou de imagens
relativos ao fato. A principal técnica de observação indireta é a análise de
conteúdo que é frequentemente aplicada à leitura da imprensa.
(THIOLLENT,1985, p.32)
O estudante pode lançar mão de técnicas para obtenção de
informações ou dados na educação em várias situações. Por exemplo: o
candidato à monografia quer verificar como as crianças iniciam sua
alfabetização. Primeiro passo, perguntar: qual o método mais adequado
para este tema? Qual ou quais os argumentos que o pesquisador vai
adotar para seguir sua investigação?
Pressupomos para esta caminhada, que o candidato à monografia
já tenha delimitado seu tema e elaborado seu objeto de investigação.
Lembrete colhido no livro de Alda-Judith Alves-Mazzotti
(1995,p.150): Pesquisadores iniciantes frequentemente confundem um
tema ou um tópico de interesse com um problema de pesquisa. É comum
um aluno procurar o orientador dizendo, por exemplo: “Eu quero fazer
minha pesquisa sobre o movimento sem-terra”. O interesse pelo tema,
embora seja um aspecto importante, não é suficiente para conduzir uma
pesquisa. É necessário problematizar, refletindo sobre o que, mais
especificamente, nos atrai, nos preocupa ou intriga nesse movimento: é
sua capacidade de organização? É o papel das mulheres nessa
organização? É o fato de que o movimento se desenvolveu em uns
estados e não em outros? É a maneira como ele é visto pela opinião
pública? É a observação de que determinada teoria sobre movimentos
sociais parece se aplicar às características dos sem-terra?
Determinado que o candidato à monografia vai buscar argumentos
da psicologia da aprendizagem e da epistemologia genética, por exemplo,
para analisar a capacidade de atenção dos professores na análise dos
77
desenhos iniciais que a criança de 5 anos faz, ou seja, como estes
docentes classificam a representação dos alunos. A técnica é de
observação que poderá ser realizada em sala de aula ou uma situação
similar. Para tal tarefa, os pesquisadores/professores têm como material os
desenhos das crianças e a entrevista com os professores. A entrevista
pode se dar de muitas formas. Perguntando ao professor como ele
classifica os desenhos da criança (como desenho gráfico, como texto) e,
também propondo ao professor que ele escreva do “jeito” do professor.
São técnicas derivadas da psicologia e da entrevista clínica, método
proposto por Jean Piaget para avaliar a elaboração/resolução de
problemas.
Se você, leitor, está curioso para aprender mais sobre estas
técnicas, leia o livro de Ana Teberosky, Aprendendo a escrever.
Perspectivas e implicações educacionais. Editora Ática.
Outra técnica de informação pode ser empregada no trabalho com
fontes documentais. Em educação podemos ler o trabalho organizado
por Carlos Monarcha, professor e pesquisador da Universidade Estadual
Paulista – Unesp – que resgatou documentos sobre a vida e obra do
educador Anísio Teixeira (1900-1971), um dos pensadores do Manifesto
dos Pioneiros de 1932. Os pesquisadores trabalham a relação educação e
história e debatem os rumos da educação brasileira sob o chamam de
“tradição pedagógica liberal brasileira”.
O livro Anísio Teixeira: a obra de uma vida, organizado por Carlos
Monarcha, da editora DP&A, traduz a boa pesquisa sobre a história da
educação brasileira e sobre a luta entre os defensores da escola pública e
os guardiões da escola privada. Além da recuperação da memória de
Anísio Teixeira, o livro traz importante contribuição ao resgatar
documentos e fotografias que demonstram a escola desenhada em termos
arquitetônicos propostos pelo próprio Anísio Teixeira.
Pesquisas sobre a história de uma escola, sobre os fundadores da
escola de uma cidade podem ser feitas com fontes documentais sobre as
78
primeiras escolas em uma cidade, seus fundadores, seus projetos
pedagógicos. Os documentos podem ser jornais, fotografias, documentos
da escola e, se houver professores vivos, as entrevistas podem ser uma
técnica importante.
As entrevistas e questionários constituem importante técnica para
as investigações, mas há passos a realizar. São eles: Quais os tipos de
dados ou informações que queremos? Quais os mecanismos para as
entrevistas? Há dados objetivos, por exemplo, a data de nascimento,
porém há dados que queremos obter que são subjetivos como conhecer as
opiniões, atitudes, preferências.
Questionários e entrevistas são técnicas diferentes, mas são
complementares. O questionário pode ser aplicado sem a presença do
pesquisador em alguns casos. Podemos enviar o questionário por correio,
por e-mail. Em uma abordagem qualitativa o questionário pode conter
questões abertas, ou pode ser substituído por roteiro de entrevista; se for
uma pesquisa não-diretiva, o entrevistador pode optar por um tema chave
ou dar uma instrução ao respondente. A diferença entre questionário, que
pode ser aplicado em uma entrevista dirigida, é aplicada em um conjunto
de pessoas escolhidos por critérios, por exemplo, de representatividade da
população global, e as entrevistas semi-estruturadas e não-diretivas,
reside na extensão destes instrumentos. Geralmente o questionário é feito
para ser aplicado a um grande número de pessoas, e as entrevistas semi-
estruturadas e não diretivas é dirigida, para um pequeno número de
pessoas com perguntas com mais aberturas para as respostas para captar
maior profundidade. (THIOLLENT, 1985, p. 33)
Na entrevista não-diretiva há a formulação de um problema que é o
eixo da entrevista. Por exemplo, pedir a um indivíduo que descreva a vida
política de país e o deixamos livre para falar. Há, aqui, necessidade de
gravar a entrevista, pois há muitos lapsos e silêncios e é preciso que
tomemos o maior número de informações possíveis. A concepção que
ampara esta técnica é a cognitivista para a qual o entrevistado fala e o
entrevistador faz as representações do entrevistado.
Atenção leitor: é freqüente, mas não é desejável que façamos o
caminho mais fácil ou o caminho ingênuo. Por exemplo, em uma pesquisa
79
sobre estudantes na década de 60, conforme Thiollent (1988), propôs-se
estudar a freqüência com o que os alunos de alto e de baixo “status” se
relacionavam com os professores. A pergunta feita: O senhor acha que os
alunos de “baixo status” se relacionam menos com os professores? Trata-
se de uma relação direta com o percurso opinativo, da crença que Thiollent
chama de delito metodológico recorrendo a Pierre Bourdieu.
Outro procedimento possível seria definir alto e baixo “status” como
indicadores de renda, Operacionalizar a relação professor e aluno
definindo o que é bom relacionamento, faixa de relacionamento etc.
Thiollent chama nossa atenção para a natureza da pergunta nas
entrevistas e alerta sobre os erros mais comuns.
O pesquisador pode elaborar questões pelas quais ele faz a
imposição de sua problemática. O pesquisador toma sua
problemática como a da pessoa ou do grupo social estudado.
Ocorre, sobretudo, com grupos excluídos. Entramos em uma
favela para discutir com os moradores sobre percepções ou
conceitos que talvez os entrevistados nunca tenham pensado.
O entrevistador pode enfatizar as atitudes radicais ou
tradicionais do grupo. Ou para falar em educação, o
pesquisador chega à escola para ouvir sobre a indisciplina dos
alunos. Se ele inicia sua pesquisa com a problemática da
indisciplina e sobrepõe a sua visão à dos alunos, ele pode
chegar à conclusão de que os alunos são mesmos
indisciplinados, não querem estudar etc. Aliás, há muitos
estudantes que são professores que, em suas monografias,
querem trabalhar este tema, pois ele é parte de seu cotidiano.
Para evitar o erro de impor aos alunos a sua visão, está a nossa
frente a tarefa de levantar muitos estudos sobre o tema. Nesta
área há muitas pesquisas de qualidade que fazem com o que
investigador relacione a instituição escolar – sua história, sua
estrutura e funcionamento – com a realidade pedagógica do
colégio. O estudante NÃO pode realizar nenhum trabalho de
pesquisa sem CONHECER as pesquisas da área.
80
Desconsiderar o papel da linguagem é um erro também comum.
Thiollent diz que não podemos esquecer que a linguagem não é
neutra. Entre usar a palavra regime, sistema político ou
governo, a última é mais compreensível para as pessoas,
sobretudo, se forem de classes sociais diferentes.
A formulação de uma pergunta poderá induzir respostas
enviesadas caso uma pergunta com respostas fechadas não dê
alternativas suficientes para o entrevistado. A pergunta: “Por
que o Sr. resolveu alugar a casa onde mora?”, seguida de
alternativas: a) O aluguel é baixo; b)a casa é confortável e c) a
vizinhança é boa”, pode resultar em uma resposta tendenciosa,
pois não havia, por exemplo, uma alternativa como: “A casa fica
perto de meu trabalho”. (THIOLLENT, 1985,p.56).
Há outras técnicas importantes para a pesquisa como a análise da
argumentação que traz contribuições para a pesquisa em educação.
Podemos indicar a análise de teorias da educação com base em seus
argumentos. Mazzotti e Oliveira (2000) dão importante contribuição para a
análise dos textos educacionais quando demonstram na análise do livro
Escola e Democracia de Dermeval Saviani.
Os autores apresentam as três teses centrais dos textos de
Saviani: 1ª Do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do
caráter reacionário da pedagogia da existência. 2ª Do caráter científico do
método tradicional e do caráter pseudocientífico dos métodos novos. 3ª
De como, quando menos se falou em democracia no interior da escola,
mais ela esteve articulada com a construção de uma ordem democrática; e
quando menos se falou em democracia no interior da escola, menos ela foi
democrática. (MAZZOTTI; OLIVEIRA, 2000) A partir da exposição das
teses, os autores argumentam: 1º O uso da metáfora da curvatura da vara
é um argumento com forte poder de persuasão, pois Saviani trabalha com
a idéia de que há interesses contrários às classes oprimidas e isso precisa
mudar. A metáfora da curvatura da vara é empregada para dar a idéia de
retidão. A metáfora da curvatura constitui-se por meio do principio da
81
mecânica newtoniana – a toda ação corresponde uma reação em igual
intensidade e em sentido contrário. 2º Os autores demonstram que a
metáfora não cabe para a explicação da história, da sociedade e da
escola. Perguntam “Em que medida a história, a sociedade e a escola são
comparáveis às varas mecânicas?” 3º A pedagogia nova não é a antítese à
pedagogia tradicional, nem em termos hegelianos, nem em termos lógicos.
4º Qual a visão de ciência está em jogo quando Saviani afirma que os
métodos tradicionais são científicos e os da a escola nova
pseudocientíficos? 5º O que é mais ou menos democrático?
Com estas argumentações, os autores, desenvolvem, em
nossa opinião uma argumentação bem consistente às teses do livro de
Demerval Saviani, Escola e democracia e inauguram um outro modo de ler
a escola tradicional e a escola nova do ponto de vista histórico e
pedagógico.
Outro tipo de análise é a análise de conteúdo: podemos fazer
análise de jornais, por exemplo. Como exercício, pensemos em selecionar
um jornal segundo critérios de tema e dar para várias pessoas
categorizarem, ou seja, reunirem os conteúdos conforme suas
compreensões. Podemos ver que cada uma delas fará a categorização de
modo diferente.
A análise léxica também é interessante como técnica de
pesquisa: trata-se de tomar um documento, um livro para analisar a
ocorrência das palavras, a distância entre as palavras, o número de
palavras. Por exemplo, podemos ver quantas vezes um documento
apresenta as palavras democracia, política, neoliberalismo. Para esta
análise é importante o uso do computador.
Como apresentamos neste capitulo, as técnicas são os
métodos em uma escala menor; ninguém faz uma pesquisa sem
estabelecer seus pressupostos teóricos, sem fundamentação ou
referencial teórico e quando formos elaborar as técnicas é importante que
o orientador seja o interlocutor mais presente. Não há modo mais eficaz do
que dialogar com o orientador para tratar da construção dos argumentos
do novo pesquisador.
Para finalizar, traçamos os tipos de pesquisa que são possíveis
para a realização de sua monografia utilizando os as técnicas descritas
82
neste capitulo. Alguns autores classificam as pesquisas em vários tipos. É
necessário consultar vários manuais de metodologia para termos uma
visão mais correta. No âmbito das pesquisas participativas ou não, mas
que trabalham com técnicas de observação (incluindo aí entrevistas,
questionários), documentos, temos o estudo de caso (que pode ser uma
escola, uma sala de aula, um grupo de estudantes), pesquisa etnográfica
(que utiliza os recursos da antropologia como ficar em uma escola por um
período mais longo como observador de várias instâncias, a relação
professor/aluno, a relação professor/professor, a relação professor/diretoria
administrativa, a relação aluno/livro didático/caderno) e as técnicas podem
ser elaboradas com recursos da observação com fichas, gravação de
entrevistas, análise dos cadernos dos alunos, descrição da escola.
Falta-nos neste final apontar que os tipos de pesquisa descritiva,
explicativa e exploratória de pequeno porte também devem atender as
exigências metodológicas expostas aqui. É necessário enfatizar que a
pesquisa exploratória, por exemplo, quase sempre é feita realizando-se
levantamento bibliográfico, em pesquisas em websites, com entrevistas a
pessoas que atuam na área (SANTOS, 2004). Para esta tarefa, o
pesquisador deve também anotar as considerações metodológicas como
delimitar o tema, procurar levantar questões sobre seu interesse. Se for
entrevistar pessoas que trabalham na área de educação que deseja
efetuar seu trabalho monográfico, todas as observações metodológicas de
Thiollent são condições necessárias para a realização do estudo.
As pesquisas explicativas são investigações que se propõe a
analisar e criar uma explicação (no caso de pesquisas de grande porte,
teorias) de um fenômeno. Esta pesquisa deve ser compreendida no âmbito
das técnicas enunciadas neste capitulo. As pesquisas descritivas
(SANTOS, 2004) “são constituídas por levantamentos de características
conhecidas que compõem um fenômeno”. Devemos dizer que, embora
estejamos imbuídos de apresentar levantamentos de coisas que
conhecemos, isto não implica em ignorar o conjunto de regras
estabelecidas para realizar as pesquisas. Por exemplo, o pesquisador vai
levantar o número de crianças e jovens repetentes de uma determinada
escola e descrever em termos temporais como está ocorrendo esta
dinâmica. A tarefa deste levantamento não pode ser em vão. Ela pode se
83
constituir em algo mais significativo se, ao lado deste intento, o
pesquisador se propuser a relacionar esta dinâmica a outras variáveis na
escola como trabalho infantil, projeto pedagógico da escola, mudanças
freqüentes de professores ou outras questões.
De qualquer maneira, em nossa frente, em primeiro lugar está a
necessidade do estudo crítico das questões educacionais.
Para continuar estudando
Há livros imprescindíveis para a leitura e reflexão sobre as técnicas
de pesquisa. Um deles é o de Michel Thiollent, Crítica metodológica,
investigação social e enquête operária, que expõe com muita propriedade
as orientações críticas que o pesquisador deve tomar no processo de
investigação. Além disso, apresenta e debate a famosa enquête operária
realizada por Karl Marx em 1880.
Outro livro importante para estudantes de pedagogia é de Menga
Ludke e Marly André, de 1986, Pesquisa Educacional: abordagens
qualitativas, editora EPU. Neste livro são apresentadas as bases da
pesquisa etnográfica para a educação e os estudos de caso. Também
importante leitura é o do livro de Alda Judith Alves-Mazzotti e Fernando
Gewandsznajder, O método nas ciências naturais e sociais. Pesquisa
quantitativa e qualitativa da editora Pioneira.
Uma atitude importante para o estudante que está iniciando sua
jornada pela pesquisa é ler relatos de pesquisa, livros e artigos que trazem
a temática da educação desde o início de seu curso de graduação. A
busca em sites é um grande recurso. Indico para aqueles que gostam de
pesquisas sobre a história das teorias pedagógicas o livro de Marcus
Vinícius da Cunha, John Dewey. A utopia democrática, da editora DP&A,
de 2001. Um livro cuja edição é mais antiga é o de Áurea Maria
Guimarães, Vigilância e depredação escolar, da editora Papirus, 1985,
mas trata-se uma reflexão sobre as bases educacionais da escola. Um
artigo que podemos encontrar na internet é o de Helena Moussatche, Alda
Judith Alves-Mazzotti e Tarso Bonilha Mazzotti intitulado A arquitetura
escolar como representação social de escola.
84
Exercícios:
Imagine que você saiba de uma sala de aula de 5ª série de ensino
fundamental, cujas crianças são tidas como tidas pelos professores como
indisciplinadas. Como pesquisador, você:
a) Levantaria estudos sobre o tema indisciplina na escola?
Como e por que?
b) Conversaria com os professores para saber o que dizem os
professores sobre os seus alunos? Como você faria?
c) Conversaria com os alunos sobre sua percepção dos
professores e da escola? Como iniciaria essa conversa?
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.) Pesquisa participante. 4. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
BRANDÃO, Zaia. Pesquisa em educação. Conversas com pós-graduandos. Rio de Janeiro: Editora Loyola;Editora PUC Rio, 2004.
MAZZOTTI, Tarso Bonilha; OLIVEIRA, Renato José. A retórica das teorias pedagógicas: uma introdução ao estudo da argumentação. 22ª Reunião Anual da Anped. 26 a 30 de setembro de 1999.
MONARCHA, Carlos (org). Anísio Teixeira: a obra de uma vida. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
MAZZOTTI, Tarso Bonilha; OLIVEIRA, Renato José. Ciências da Educação. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2000.
SANTOS, Antonio Raimundo. Metodologia científica. A construção do conhecimento. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
TEBEROSKY, Ana. Aprendendo a escrever. Perspectivas psicológicas e implicações educacionais. São Paulo: Editora Ática, 1994.
THIOLLENT, Michel. Aspectos qualitativos da metodologia de pesquisa com objetivos de descrição, avaliação e reconstrução. In: CADERNOS DE PESQUISA. 49: 45-50, maio de 1984.
85
THIOLLENT, Michel. Crítica metodológica, investigação social e enquête operária. 4ª edição. São Paulo: Editora Polis, 1985.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. 4. ed. São Paulo: Editora Cortez, 1988.
THIOLLENT, Michel. Opinião pública e debates políticos. São Paulo: Editora Polis, 1986.
THIOLLENT, Michel. Tendências metodológicas em pesquisa social. Curso ministrado no Departamento de Educação. Universidade Estadual de Maringá. De 18 a 22 de abril de 1988.
86
ORIENTAÇÕES PARA A UTILIZAÇÃO DE ENTREVISTAS, QUESTIONÁRIOS, TABELAS E GRÁFICOS EM PESQUISAS
EDUCACIONAIS
Patrícia Lessa
1) O que são instrumentos de pesquisa
A realização de uma pesquisa exige uma organização; a partir da
escolha de um tema selecionamos o material bibliográfico disponível e
atualizado para que possamos eleger nossos objetivos. Dependendo dos
objetivos que foram eleitos e do marco ou quadro teórico, faremos a
escolha dos instrumentos que devem ser utilizados para a coleta dos
dados. Os instrumentos disponíveis, referentes às técnicas selecionadas
para a coleta de dados são muitos e diversificados, a escolha de um ou
outro irá depender dos objetivos da pesquisa, do tipo de informação que
necessitamos e do número de envolvidos. Por exemplo, em uma pesquisa
sobre o perfil sócio-econômico de um determinado bairro de sua cidade
pode ser utilizado o questionário, pela sua capacidade de abranger um
grande número de pessoas, já em uma pesquisa sobre a aquisição de
força em praticantes de musculação é mais adequado o uso de testes de
medidas.
Nem toda informação é válida para a pesquisa. A informação da
qual tratamos aqui não é um simples amontoado de dados, mas sim sua
organização metódica, ou seja, os resultados dos testes, as tabelas, as
planilhas, os gráficos, os quadros comparativos resultantes da coleta e
análise de dados servem para recortar, ordenar e estruturar algumas
dimensões do conhecimento. Mesmo que as informações sejam infinitas
sua organização e sistematização não são, dependem de procedimentos
adequados aos critérios de classificação como: tipos de informações,
nomes, locais e intervalos de tempo. Ao realizarmos uma pesquisa sobre
“liderança estudantil” temos que ter em mente: 1º - se a pesquisa será
revisão bibliográfica ou pesquisa de campo; 2º - caso seja pesquisa de
campo, deve ser definida a escola ou grupo de escolas, por exemplo. Por
isso, as informações que teremos que colher no levantamento de dados
serão recortadas de acordo com critérios pré-estabelecidos.
87
Alguns temas terão um maior número de fontes que outros. As
fontes podem ser escritas (livros, revistas, periódicos, documentos etc) ou
orais (diálogos, palestras, depoimentos, programas televisivos, lições de
aula, julgamentos e representações jurídicas etc). As fontes escritas
podem ser subdivididas em: impressas (leis, teses, relatórios, romances
etc) e não-impressas (cartas, entrevistas, provas e exames de alunos etc).
Os instrumentos de pesquisa terão que ser adequados às fontes
que queremos ou podemos utilizar para, assim obter conhecimentos sobre
o objeto investigado. Esse conhecimento é sempre parcial, relacional e
provisório, pois não devemos ter a pretensão de abarcar a totalidade ou a
verdade absoluta sobre determinado fenômeno ou objeto de estudo.
Devemos ter claro quais os nossos objetivos de estudo e como podemos
nos organizar para estudá-lo:
Uma tese estuda um objeto por meio de determinados instrumentos. Muitas vezes o objeto é um livro e os instrumentos, outros livros. É o caso de, suponhamos, uma tese sobre O Pensamento Econômico de Adam Smith, cujo objeto é constituído por livros de Adam Smith, enquanto os instrumentos são outros livros sobre Adam Smith. Diremos então que, nesse caso os escritos de Adam Smith constituem as fontes primárias e os livros sobre Adam Smith constituem as fontes secundárias. [...]
Em certos casos, pelo contrário, o objeto é um fenômeno real: é o que acontece com as teses sobre movimentos migratórios internos na Itália atual, sobre o comportamento de crianças problemáticas, sobre opiniões do público a respeito de debates na televisão. Aqui as fontes não existem ainda sob a forma de textos escritos, mas devem tornar-se os textos que você inserirá na tese à guisa de documentos: dados estatísticos, transcrições de entrevistas, talvez fotografias ou mesmo documentos audiovisuais (ECO, 1996, p. 35).
A diferença entre as fontes e os instrumentos é que as fontes tanto
podem ser um livro como podem não existir em formato de texto original tal
como explicou Umberto Eco na citação anterior. Já os instrumentos, como
o próprio nome diz, são os materiais previamente selecionados pelo
pesquisador que irão servir de acesso aos dados provenientes das fontes
(na pesquisa bibliográfica geralmente são livros, enquanto, na pesquisa de
campo podem ser livros ou fontes orais que posteriormente o pesquisador
irá transformar em texto escrito). Tomemos como exemplo uma pesquisa
que tenha como tema: “O movimento gay na cidade do Rio de Janeiro na
88
década de 70”. As fontes podem ser jornais e materiais de divulgação de
algum grupo organizado (utilizaríamos a análise de conteúdo ou a análise
do discurso na análise dos dados), os discursos de algum militante
(estudos sobre memória social ou história oral podem ser úteis),
documentos, fotos ou jornais. Já os instrumentos seriam as entrevistas
realizadas com os militantes, que deveriam ser submetidas a análise de
conteúdo, a análise iconográfica ou à análise de discurso.
Os instrumentos da pesquisa estão relacionados às técnicas
utilizadas para a coleta dos dados e devem estar previamente descritos no
projeto de forma organizada e detalhada, de modo que o pesquisador
saiba o que fazer, como fazer e onde fazer durante a execução da
pesquisa. Um pesquisador avançado, digamos, com certa experiência na
área, com conhecimentos prévios acerca do tema e, além disso, com
disponibilidade de tempo poderá selecionar mais de um instrumento para a
coleta de dados. Dentre os mais comuns podemos citar: o questionário, a
entrevista, a observação, o formulário, os testes de medida de opinião,
testes para medida e avaliação corporal e o diário de campo.
Bauer e Gaskell (2002) indicam enfoques analíticos para texto,
imagem (parada e em movimento) e som. O importante é sabermos que
em pesquisa tudo irá se transformar em texto, por exemplo, ao utilizarmos
algumas gravações jornalísticas de televisão sobre a Guerra do Golfo
devemos planejar quais irão servir para nossa investigação, verificar se os
registros originais são claros e possíveis de serem encontrados por outros
pesquisadores e, por fim, sua transcrição irá exigir metas, normas e uma
sistematização rigorosa dos dados.
2) O questionário
O questionário é um instrumento muito utilizado em enquetes (que
são pesquisas baseadas em testemunhos, opiniões, etc., sobre
determinado assunto, geralmente organizadas pelos meios de
comunicação) para um público amplo como, por exemplo, um
levantamento de casos de pessoas atingidas por uma doença com vistas a
realizar um planejamento de controle do problema. Os estudos
epidemiológicos muito usuais em enfermagem, saúde pública, educação
89
física e áreas afins, muitas vezes, adotam o questionário em conjunto com
outros instrumentos de coleta de dados como: a anamnese3, as medidas e
avaliações antropométricas4, bem como exames laboratoriais ou testes
psicológicos.
Trabalhar com uma grande amostra é a maior vantagem da
aplicação do questionário, caso no qual o uso da entrevista não é
aconselhado. Dentre suas características está a precisão dos dados, para
tanto é necessário que as questões sejam claras e não deixem margem
para dúvida. As questões podem ser fechadas, com alternativas
determinadas o que limita a resposta e torna a coleta padronizada e de
fácil aplicação. Podem ser abertas, que se destinam a obter respostas
mais espontâneas ou então mistas; são os questionários que incluem
perguntas abertas e fechadas (NEGRINE, 1999).
A popularidade comercial do uso dos questionários, que são
facilmente encontrados nas avaliações sobre o impacto causado no
lançamento de novos produtos no mercado, não são indicadores da falta
de regras no controle das informações. Um questionário assim como
outros instrumentos de pesquisa deve ter critérios rigorosos,
sistematizados no planejamento da pesquisa, dentre suas características
destacamos que ele deve ser intencional, digo, deve ter objetivos
determinados e, deve ser sustentado, ou seja, guiado por um corpo de
conhecimentos. Ver questionário elaborado por Karl Marx em 1880
realizado com operários franceses no livro de Michel Thiollent, 1985.
O emprego do questionário é mais comum quando há um grande
número de pessoas a serem interrogadas sobre determinada informação.
Isso pode ser visto na atuação das agências de pesquisa estatística como
o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) e o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que realiza o censo
(pesquisas para levantamento de dados populacionais e outros censos
como político partidários) reúnem grandes quantidades de informações
que servirão a um banco de dados e em muitos casos sofrerão um
3 Anamnese: “é a reunião de informações sobre a história passada da pessoa com respeito a certos aspectos da sua vida. É usualmente conduzida em forma de entrevista” (BARBANTI, 1994, p. 15). 4 Avaliação antropométrica: “é a avaliação das medidas do corpo humano, através das dimensões do corpo [...]. Algumas medidas incluem: circunferências, diâmetros, perímetros, etc” (BARBANTI, 1994, p. 15).
90
tratamento estatístico posterior a fim de organizar as informações que
serão apresentadas em formatos de quadros, tabelas ou gráficos.
Tanto no momento de elaborar um questionário, assim como, uma
entrevista ou na preparação do trabalho de observação é importante
destacarmos como procedermos para o inicio dos registros das
informações, depois a análise dos dados, segundo uma classificação e
categorização e finalmente, a interpretação dos mesmos. Caso a pesquisa
seja realizada por um grupo é necessário que sejam realizadas reuniões
para discussão do instrumento, bem como um treinamento para que todo
grupo possa saber aplicar o mesmo. Quando as perguntas são feitas pelo
próprio investigador é necessário ter uma voz clara e pausada. Quando o
questionário é respondido pelo informante é importante verificar sua
disponibilidade, se ele tem o tempo necessário para preencher os dados,
se está com paciência, enfim se tem disposição para colaborar. Para isso a
atuação do pesquisador é fundamental, antes do preenchimento do
questionário, o pesquisador deve conversar com o entrevistado,
procurando explicar suas intenções, seus objetivos, deixar claro que os
dados fornecidos não serão usados para expor o informante. Deve
esclarecer todas as dúvidas do informante antes de dar inicio às perguntas
de seu questionário (NEGRINE, 1999).
3) A entrevista
A entrevista é um instrumento muito útil nas pesquisas de caráter
qualitativo. Sua característica fundamental é a relação dialógica entre duas
ou mais pessoas, daí a ênfase maior em seu caráter subjetivo. É subjetivo
porque implica o uso de algumas técnicas e métodos escolhidos
propositalmente pelo entrevistador/pesquisador com vistas a alcançar
algumas informações do entrevistado. Portanto, a interação entre
entrevistador e informante caracteriza um diálogo que deverá ser
sistematicamente anotado pelo entrevistador em um diário de campo,
podendo ser acrescido de uma gravação em cassete, vídeo ou mesmo
fotografia.
A entrevista é um recurso muito usado no jornalismo, na
investigação policial, no inquérito judicial, na seleção de trabalhadores para
91
determinado cargo ou função, para desvendar uma opinião a respeito de
um determinado momento, situação ou assunto polêmico, para seleção em
concursos variados e muitas outras funções. Na pesquisa científica, como
em outras atividades, é importante a elaboração de uma pauta ou roteiro
que servirá de guia na seleção das perguntas chaves para uma coleta de
dados eficiente e condizente com a proposta teórico-metodológica da
pesquisa, que deverá prever, dentre outras questões, o número de
entrevistados, o número de entrevistas realizadas com um mesmo
informante, o tempo para realização das mesmas. Um pesquisador,
mesmo que bastante experiente, deve fazer um estudo preliminar até
chegar a um formato acabado do instrumento que será usado na coleta
dos dados. Ao elaborar o instrumento devemos ter em mente nossa
capacidade de diálogo e de improviso para obter do informante os dados
que necessitamos.
Técnicas ou modelos conceituais como o survey, as entrevistas
narrativas (BAUER; GASKELL, 2002), a entrevista em profundidade
sugerida por Denise Jodelet (JODELET, 2001; SÁ, 1989), a anamnese
(TURATO, 2003), que é muito usual na área da saúde, as técnicas de
entrevista para a perspectiva da História Oral (THOMPSON, 2002; RAGO,
2002) são alguns dos possíveis exemplos que se encontram disponíveis
para os pesquisadores, que podem optar pela utilização de dois ou mais
instrumentos. Isso irá depender dos objetivos da pesquisa, do tempo
previsto para a pesquisa bem como da experiência e habilidades do
pesquisador.
Ao pesquisar as memórias da anarco-feminista Luci Fabri,
Margareth Rago utilizou entrevistas que foram gravadas e, posteriormente,
trasncritas, buscando ali as implicações políticas, sociais e culturais do
silênciamento que os discursos dominantes da história operam nos grupos
excluídos. A pesquisadora relata que estava imbuída do “sentimento
benjaminiano” (RAGO, 2002, p.33) que põe como tarefa ao historiador
salvar a memória e livra-la do esquecimento, assim ela diz:
O contato com essa senhora erudita e reflexiva, profundamente aberta à vida, fez-me inevitavelmente pensar na utilidade da história, na importância da preservação da memória, sobretudo daquela silenciada pelos jogos do poder e, mais ainda, levou-me a valorizar os aportes da história oral, área em que havia
92
incursionado timidamente em outra ocasião. A re-apresentação oral do passado, ‘fazendo emergir do tempo/experiência os fatos considerados mais significativos do ponto de vista do narrador’ (Guimarães Neto, 2000, p.99) traz coloridos, cheiros e emoções que dificilmente se encontrariam no texto histórico, na maior parte das vezes muito asséptico em sua pretensão de objetividade (RAGO, 2002, P. 32).
Aqui temos apenas um exemplo de entrevista, fundamentada e
elaborada de acordo com a perspectiva da história oral. Para cada ponto
de vista ou modelo teórico-metodológico haverá uma abordagem
diferenciada da entrevista. A escolha do tipo de entrevista (ver próximo
item abordado no texto) irá depender da abordagem ou do tipo de
pesquisa a ser adotado.
Deixamos algumas sugestões para elaboração de um roteiro de
entrevista:
Não existe a neutralidade ou objetividade científica; o
próprio ato de elaborar uma entrevista supõe questões
subjetivas dos investigados. As perguntas são elaboradas
segundo um ponto de vista acerca da realidade e não a
realidade propriamente dita (recorte da realidade);
A entrevista não é uma simples conversa. O entrevistador
não pode se perder tornando-se um amigo do entrevistado;
Faça um estudo preliminar a respeito das informações que
deseja obter para decidir como alcançá-las e qual
instrumento é o mais adequado;
Crie códigos, símbolos, sinais para facilitar a transcrição dos
dados;
Se você tem dificuldade em anotar com certa rapidez utilize
suportes auxiliares como um gravador, por exemplo;
na transcrição dos dados procure ser fiel às palavras do
entrevistado.
Enfim, a precisão dos dados, a coerência das idéias e o controle
das distorções são importantes fatores que irão influenciar os resultados
da pesquisa, por isso um instrumento bem planejado, testado e adequado
aos objetivos do projeto resulta positivamente.
93
4) Tipos de entrevista: estruturada, semi-estruturada e não-
estruturada
Os três tipos de técnicas adotados na elaboração de uma entrevista
são válidos também para a observação, por isso apresentaremos alguns
exemplos de observação estruturada, semi-estruturada e não-estruturada
juntamente com os tipos de entrevistas. Também encontramos entrevistas
individuais e em grupo, realizadas por um pesquisador ou por uma equipe.
No caso das equipes de pesquisadores é importante enfatizarmos o
treinamento do grupo.
Estruturada: o observador centra sua atenção na ocorrência de
certos comportamentos ou fenômenos e faz suas anotações segundo
essas premissas. Exige uma seqüência de perguntas fixas.
Semi-estruturada: o pesquisador delimita algumas partes a serem
observadas, mas não se fecha a outras ocorrências que podem surgir no
percurso do processo de pesquisa.
Não-estruturada: A estratégia depende do tipo de pesquisa e do
referencial teórico adotado, por exemplo, na pesquisa etnográfica o
pesquisador deve ficar desprovido de um indicador inicial assim pode
adotar a “observação não-estruturada” (MATTOS; ROSSETO JÚNIOR;
BLECHER, 2004, p. 37).
5) A observação
A técnica de observação aplicada ao objeto de estudo é um estado
de atenção voluntária e seletiva, ou seja, aquilo que deve ser observado
está previamente planejado. O material usado na observação resume-se
em papel, caneta e prancheta, que servirão para realizar o registro que
deve ser o mais descritivo possível. Para o registro é feita uma pauta de
observação, evitando a ilusão de que estamos observando ‘tudo que se
passa’. Em função disso podemos afirmar que a técnica da observação
deve ser intencionada, com objeto determinado e, sustentada, ou seja,
guiada por um corpo de conhecimentos (NEGRINE, 1999).
Ao realizar o trabalho de observação outros recursos como
filmagem, gravação sonora e/ou registro fotográfico podem ser associados
94
ao relatório de observação, no qual deve encontrar-se registrado de forma
metódica: o local, a data, hora, grupo observado e uma descrição o mais
precisa possível dos acontecimentos e fenômenos que foram observados.
A observação na coleta dos dados é muito usada na pesquisa
sociológica ou mesmo na antropologia. Alguns modelos advindos
prioritariamente destas áreas expandiram-se para educação e saúde. A
técnica é empregada geralmente quando o pesquisador quer analisar as
relações sociais, as ações das pessoas, a interação entre pessoas de um
grupo ou comunidade.
A técnica para a utilização da observação comporta alguns
elementos como:
a) o sujeito: como ele observa
b) o objeto ou o indivíduo: o que será observado
c) os meios: sentidos usados para captar a informação (visão,
audição, tato)
d) as ferramentas ou instrumentos
e) o marco teórico: referencial que parte do investigador
relacionado ao seu recorte da realidade, suas prioridades cognitivas
(NEGRINE, 1999).
As pesquisas que mais utilizam à observação são: a pesquisa
participante, a pesquisa-ação e a etnográfica. André (1991) realizou uma
pesquisa etnográfica sobre o cotidiano de uma escola na qual utilizou a
observação porque proporcionava: “um contato direto e prolongado do
pesquisador com a situação e as pessoas ou grupos selecionados”
(ANDRÉ, 1991, p.38). Sugeriu ainda que os dados da observação possam
ser conjugados a outros dados, como por exemplo, registros de
documentos, atas, fotografias ou mesmo resultados de entrevistas.
A seguir indicamos algumas estratégias para o registro da
observação:
Elaboração de uma pauta de observação;
Uso de diário;
Fichas de observação (se for realizada apenas uma
observação);
Elaboração de mapas e esquemas;
Uso de símbolos para facilitar o registro das informações.
95
Esses procedimentos auxiliam na precisão do registro, lembrando
que ao observar não estaremos ‘olhando para tudo’ e sim exercendo um
olhar dirigido, por isso se o trabalho for realizado em equipe é importante o
treinamento das pessoas que irão coletar os dados.
6) Tabelas e gráficos
Tabelas e gráficos são formas comuns para apresentar de maneira
visualmente acessível e organizada os dados encontrados nos resultados
de uma pesquisa. Mais comuns nas pesquisas quantitativas as tabelas e
gráficos são também usuais em pesquisa qualitativas.
As tabelas, também conhecidas como quadros estatísticos são
importantes na apresentação dos dados de uma pesquisa por facilitarem a
compreensão dos dados para o leitor. Lakatos e Marconi (2001)
argumentam que uma tabela bem elaborada deve possuir a capacidade de
apresentar idéias e relações entre as mesmas com certa independência do
texto informativo. Sua função é justamente explicitar as informações de
forma clara e concisa, de modo que qualquer leitor possa visualizar os
resultados alcançados na pesquisa.
São quatro os elementos que irão compor uma tabela:
1) nome seguido de um número (Tabela 1);
2) título (aquilo que está sendo apresentado);
3) dados dispostos em colunas;
4) dados dispostos em linhas.
Os gráficos são figuras usadas para representar os dados de forma
clara e objetiva. Normalmente são empregados para enfatizar relações
entre dados e dar destaque ao trabalho. Apresentamos a seguir um
modelo de tabela e um modelo de gráfico (Observação: os dois exemplos
foram criados pela autora ):
Ex1: Tabela 1
Número de alunos que fizeram provas de matemática por ano
96
Série Número de alunos
3ª série diurna de 1997 290594
4ª série diurna de 1998 270265
5ª série diurna de 1999 269942
Ex2: Gráfico
Índice de desempenho de resistência em atletas fundistas das
regiões norte, leste e oeste do Paraná.
REFERÊNCIAS
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BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
CAMPELLO, Bernardete Santos; CÉNDON, Beatriz Valadares; KREMER, Jeannette Marguerite (orgs.). Fontes de informação para pesquisadores e profissionais. Belo Horizonte: editora UFMG, 2000.
CAUDURO, Maria Teresa (org). Investigação em educação física e esportes: um novo olhar pela pesquisa qualitativa. Novo Hamburgo: FEEVALE, 2004.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 14.ed. São Paulo: Perspectiva 1996.
FAZENDA, Ivani (org.). Metodologia da pesquisa educacional. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1989.
JODELET, Denise (org.). As Representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, M. Fundamentos de metodologia científica. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2001.
97
______. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. São Paulo: Atlas, 1983.
MATTOS, Mauro Gomes de; ROSSETO JUNIOR, Adriano; BLECHER, Shelly. Teoria e prática da metodologia da pesquisa em educação física. São Paulo: Phorte, 2004.
MOLINA NETO, Vicente. Etnografia: uma opção metodológica para alguns problemas de investigação no âmbito da Educação Física. MOLINA NETO, Vicente; TRIVIÑOS, Augusto N. S. A pesquisa qualitativa na Educação Física: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS/Sulina, 1999. p. 107-139.
NEGRINE, Airton. Instrumentos de coleta de informação na pesquisa qualitativa. MOLINA NETO, Vicente; TRIVIÑOS, Augusto N. S. A pesquisa qualitativa na Educação Física: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS/Sulina, 1999. p. 61-93.
RAGO, Margareth. Audácia de sonhar: memória e subjetividade em Lucce Fabri. In: HISTÓRIA ORAL. Revista da Associação Brasileira de História Oral. n.5, v.5. São Paulo: Associação Brasileira de História Oral, p. 29-44, jun. 2002.
SÁ, Celso Pereira de. A Construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998.
THIOLLENT, Michel J. M. Crítica metodológica, investigação social e enquête operária. 4.ed. São Paulo: Pólis, 1985.
THOMAS, Jerry R.; NELSON, Jack K. Métodos de pesquisa em atividade física. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.
THOMPSON, Paul. História oral e contemporaneidade. In: HISTÓRIA ORAL. Revista da Associação Brasileira de História Oral. n.5, v.5. São Paulo: Associação Brasileira de História Oral, p. 9-28, jun. 2002.
TURATO, Egberto Ribeiro. Tratado de metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
Propostas
1. Ao realizar uma pesquisa com crianças na faixa etária de 7-10
anos de idade sobre: “A violência entre crianças no horário do recreio
escolar”, que teve como objetivos: 1- analisar o discurso que as crianças
apresentam sobre o que é violência, e 2 - verificar o número de incidências
98
de queixas de violência entre as crianças no recreio escolar e os motivos
do ato, você escolheria como instrumento para coleta de dados:
(a) entrevista
(b) questionário
(c) observação
Por quê? Justifique sua escolha: ________________________
2. Se você tivesse que fazer uma coleta de dados em cinco escolas
da rede pública da sua cidade para verificar os números de reprovação nas
disciplinas de Português e de Matemática entre alunos da 6ª série do
ensino fundamental, você iria utilizar:
(a) entrevista
(b) questionário
(c) observação
Por quê? Justifique sua escolha: ________________________
3. Em uma pesquisa experimental sobre a utilização do laboratório
para aulas de ciências você poderia usar:
(a) entrevista
(b) questionário
(c) observação
(d) nenhuma das opções
Por quê? Justifique sua escolha: ________________________
4) Elabore um roteiro de entrevista tendo como base: a – deverão
ser entrevistadas 20 professoras da rede pública; b – o foco da entrevista
será dado na compreensão das entrevistadas sobre a avaliação, seus
métodos e resultados no cotidiano da sala de aula; c – o estudo terá como
preocupação avaliar os modelos avaliativos usados no ensino atual.
5) Observando o gráfico abaixo, descreva quais são os dados que
estão sendo apontados pela mesma e os resultados obtidos:
GRÁFICO 1: Origem dos entrevistados na Expoingá - 2001
99
Vermelho: Maringá –
Azul: Região de Cianorte –
Rosa: Região de Campo Mourão
Amarelo: Região de Londrina - Verde: Região Metropolitana -
Cinza: Outros Estados
1
00%
7
0%
5
100
INSTRUMENTOS DE MENSURAÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Carlos Alberto Mororó Silva
A Monalisa, aspirante a pesquisadora,A Úrsula, pesquisadora iniciante,
A Marta, pesquisadora por excelência.
INTRODUÇÃO
A pesquisa é, sem dúvida, um trabalho árduo, muitas vezes solitário,
que requer dedicação e disciplina do pesquisador, como também evoca a
sistematização e a organização teórica e metodológica enquanto estudo.
São muitas as noções de pesquisa encontradas nos manuais de
metodologia cientifica, citá-las aqui seria escrever um livro somente com
essas. Diante da leitura de parte desse universo, ouso fazer uma predição
do que seja a pesquisa: um procedimento investigativo para reunir um
conjunto de informações necessárias para solucionar um problema
especifico diante de determinado fato ou fenômeno.
Neste sentido, a pesquisa busca apreender o objeto, compreendê-lo,
conhecendo-o, explicando-o, naquilo que se propõe enfocar como estudo.
Não é intenção deste texto definir todos os tipos de pesquisa:
pesquisa pura, aplicada, de campo, participante, ação, exploratória,
experimental, descritiva, bibliográfica e outras tantas mais.
Quer-se introduzir uma reflexão filosófica acerca do ato de pesquisar e
indicar alguns de seus instrumentos de mensuração, inclusive
descrevendo uma experiência prática de um principiante à pesquisa.
As armadilhas da pesquisa
Antes de qualquer coisa, o leitor aqui não deve se assustar com a
pesquisa e seus instrumentos de coleta de dados, principalmente se estiver
dando início ao seu primeiro projeto de pesquisa. A princípio, esse caminho
parece apresentar grande dificuldade: o processo de escolher um assunto,
identificar a problemática, definir os objetivos, revisar a literatura, sistematizar os
instrumentos de mensuração, enfim, passar por etapas pertinentes à pesquisa.
101
Não se preocupe, isto pode provocar “frisson” até nos mais experientes
pesquisadores; logo verá que isso faz parte do processo da pesquisa.
Podemos afirmar que todos os iniciantes à pesquisa passam pela leitura
dos manuais de metodologia científica, geralmente para conhecer as
metodologias e técnicas empregadas na pesquisa acadêmica ou à procura de
uma receita infalível que irá proporcionar a condução da pesquisa. Gosto de
chamar essa fase à procura da ‘receita de bolo’, parece que basta seguir a
mistura dos ingredientes que tudo vai dar certo.
Não querendo desanimar: ‘a coisa não é bem assim’; os manuais de
metodologia são de grande valia, pois a forma didática com que tratam dos
aspectos da pesquisa é importante para quem pretende elaborar um projeto.
Mas então, “Onde está a dificuldade?”, deve estar se perguntando o meu caro
leitor. Talvez esteja, em não esquecer que o objeto de pesquisa, sobretudo, nas
ciências humanas é por demais dinâmico. Sem muita delonga, vou tentar
passar, aqui, caro leitor, minha primeira experiência pela investigação.
Essa primeira pesquisa acadêmica fazia parte de um projeto aprovado
para o curso de mestrado na Universidade Federal da Paraíba. Tinha como
objeto de estudo a comunidade pesqueira de Baía da Traição, litoral norte da
Paraíba. Ao me debruçar sobre o assunto a ser abordado e, em algumas
observações empíricas, cheguei à conclusão de que o objeto de pesquisa
seriam as relações de trabalho e poder estabelecidas no ‘rol de pesca’, (este
termo significa as relações estabelecidas entre os componentes de um pequeno
barco artesanal, ou seja, um Mestre e três Pescadores no desempenho de sua
atividade produtiva).
Neste momento da pesquisa, estava convencido de que as relações de
trabalho e o poder do conhecimento informal da pesca, presentes na figura do
Mestre seriam o grande problema da pesquisa (isso faz lembrar o Hilton
Japiassú ao discutir a interface entre objetividade, subjetividade e neutralidade
na ciência; fica aqui a dica para quem quiser se aprofundar no tema). Neste
sentido, parti para uma leitura direcionada sobre os símbolos, as representações
e os imaginários sociais, para abordar o mundo do trabalho na pesca. Por outro
lado o meu olhar na comunidade pesqueira se voltava para captar a relação de
poder entre dois atores sociais o Mestre e o Pescador.
Como pesquisador iniciante, percebi que o pescador Mestre detinha o
poder da pesca, por meio de seu conhecimento informal das atividades
pesqueiras, adquiridas ao longo de sua experiência (escolha dos apetrechos de
pesca, local da pescaria, tipo de pesca, condução da embarcação, entro outros,
são elementos que caracterizam a figura do Mestre). Todavia a autoridade do
102
Mestre se diluía à medida que ele também desempenhava as tarefas comuns
aos outros pescadores no rol de pesca (como jogar a rede de pesca, puxar a
rede, colher o pescado, entre outras).
Na realidade, percebi que estava classificando como poder do Mestre,
era um fenômeno sutil e não era motivo de conflito entre os pescadores
envolvidos. Ao mesmo tempo percebia que este fenômeno, ou seja, o poder do
Mestre, era mantido na comunidade, símbolo do respeito por seu maior
conhecimento da atividade pesqueira.
O conhecimento empírico deste fato, mudou o enfoque do meu problema
de pesquisa, pois, como discutir um problema se ele não existia mais? Pois , as
relações de compadrio estabelecidas entre esses atores sociais, velavam
qualquer possibilidade de conflito. E ao abordar qualquer suposto conflito entre
eles, eu obtinha sempre a mesma resposta “Isso não existe, ‘nois’ é tudo
pescador”.
Mas como era isso possível? Era minha indagação e indignação, pois
me achava respaldado pelos princípios teóricos e metodológicos da pesquisa.
Seguia à risca a ‘receita de bolo’, porém não era a garantia de o bolo ficar bom.
Assim, nem sempre ficar monitorado pelos ditames da ciência, significa
o sucesso da pesquisa. Isto não significa ‘jogar no lixo’ os princípios científicos,
mas sim, considerar os pressupostos teóricos metodológicos e a sua dinâmica.
Resultado: percebi que haviam outros vieses metodológicos para serem
analisados naquela comunidade e que estes, sim, se caracterizavam como reais
problemas a serem explorados. Resumindo: o objetivo a ser pesquisado passou
a ser a intervenção do Estado, por meio de suas políticas públicas, na pesca
artesanal e suas implicações para os pescadores artesanais.
O propósito de exemplificar, com um caso concreto, a problemática na
escolha do objetivo da pesquisa: é de refletir sobre a susceptibilidade que é a
pesquisa cientifica e, principalmente, se ela envolve uma pesquisa de campo. O
cuidado que deve ter o pesquisador ao escolher seu tema. No caso de uma
pesquisa educacional, estar atento à viabilidade operacional da pesquisa, à
adequação dos objetivos aos reais problemas do objeto, escolha e uso
adequado dos instrumentos de coleta.
103
QUESTIONÁRIO
Os estudos sobre a construção e aplicação de questionários nos
fornecem o entendimento sobre a melhor forma de utilizar este
instrumento de coleta de dados. Neste sentido, o questionário como
instrumento de pesquisa permite a apreensão de informações do
fenômeno estudado.
As recentes sofisticações tecnológicas como o computador e o
envio de “mala-direta” pela internet e e-mail, não apenas modificaram a
forma de aplicação do questionário, como ampliaram as possibilidades de
atingir um público espacialmente diversificado.
Na medida em que a pesquisa científica busca investigar aspectos
da realidade, não é estranhanho perceber que cada ciência desenvolve
seus métodos e técnicas mais apropriadas aos objetivos de estudo.
Algumas dessas técnicas e métodos são comuns e amplamente difundida
entre ciências pertencentes a uma mesma área ou a áreas afins.
Embora os métodos e as técnicas sejam largamente difundidos no
campo do conhecimento cientifico, é preciso que o pesquisador perceba a
necessidade, importância e adequação desses métodos e técnicas para
assegurar o bom resultado dos objetivos de sua pesquisa.
Além de ser utilizado como um instrumento de coleta de dados, o
questionário se caracteriza pelo fato de ser o próprio informante que
preenche as respostas. Neste sentido, é essencial que o questionário seja
bem elaborado e estruturado de modo a atender ao objetivo proposto na
pesquisa, ou seja, que seus elementos sejam diretos e claros, não
permitindo, assim, ambigüidades não apenas para quem esteja
respondendo, mas também para que o pesquisador evite equívocos no
momento de sua análise. Por exemplo, uma pergunta do tipo: “Como você
avalia a educação?”. Ora, trata-se de uma pergunta muito ampla. Afinal
pode o entrevistado enveredar pelo entendimento do sistema educacional
público de sua cidade, de seu estado ou de seu país, ou ainda, nestes
mesmos referenciais, do sistema privado. Pode, ainda, levar a diversos
eixos conceituais da educação. Assim, objetivar a pergunta “como você
avalia a educação ofertada nas escolas municipais da cidade X”, possibilita
104
a exatidão para quem esta respondendo e para quem vai analisar a
posteriori.
Mais uma possibilidade na elaboração é a de se estabelecer
perguntas fechadas com o intuito de obter respostas precisas como: “Você
estudou em escola pública municipal – Sim – Não”. Também é bastante
utilizada no questionário pergunta fechada e abertas tais como: “Você
estudou em escola pública municipal – Sim – Não, caso afirmativo, como
você avalia o ensino nesta escola?”.
Deve-se porém, deve-se ter bem claro que as perguntas fechadas
- pela sua padronização – são facilmente aplicadas e de fácil análise
posteriormente. Ao contrario, as perguntas abertas, apesar da riqueza de
informações disponibilizadas, são mais difíceis de serem analisadas e,
algumas vezes, podem dificultar as análises.
Mesmo assim, a grande vantagem do questionário está no fato de
que ele pode atingir um grande público heterogêneo e, dispersadamente,
espacializado, pois é possível enviar pelo correio, por e-mail, em site. Uma
outra vantagem na aplicação, por ser ele respondido pelo próprio
informante. Além de garantir o anonimato do respondente, proporciona a
este mais segurança ao responder as perguntas.
Embora o questionário seja um instrumento de mensuração
fidedigno na coleta de dados, alguns cuidados o pesquisador deve ter. Em
primeiro lugar, como este é preenchido pelo próprio informante. No
questionário deve estar impresso em detalhes a que se objetiva e as
instruções para o seu preenchimento. Se for enviado pelo correio ou
internet, ou entregue a indivíduos e grupos, deve conter as condições e
informações para que este retorne às mãos do pesquisador.
Elaborar um questionário e aplicá-lo, também requer passos a
serem seguidos. SELLTIZ, etall (198,p.25), elaboram passos para a
construção do questionário, quais sejam: “decidir quais informações serão
necessárias, decidir que tipo de questionário deverá ser empregado,
escrever um primeiro esboço, reexaminar e revisar questões, realizar pré-
teste, editar o questionário e especificar procedimentos para o seu uso”.
Para esses autores a preocupação com esses itens facilita na captação
das informações desejadas. Mas, é bom lembrar que nem tudo no
questionário é positivo. Não se pode esquecer a dinâmica da sociedade e
105
que nem todos os indivíduos interagem em um mesmo grau de instrução,
entendimento, compreensão, disponibilidade em informar. Um outro
cuidado que se deve ter na escolha e aplicação do questionário é o seu
público alvo. Deve-se observar que uma pesquisa busca, essencialmente,
conhecer um objeto ou fenômeno. Em se tratando de uma pesquisa em
educação, esta, geralmente, está ligada a grupos de indivíduos que
apresentam um nível formal de educação eclético, o que pode causar
alguns problemas operacionais significativos. Como, por exemplo, se em
um grupo pesquisado, os níveis educacionais forem muito distintos:
ensino fundamental, médio, superior, um questionário padrão pode vim a
acarretar um desnivelamento no entendimento e nas respostas. Não
adianta apresentar uma pergunta tipo: “Como você avalia o modelo
cognitivo de Jean Piaget?”, para um público tão heterogêneo. Assim, deve-
se ter o zelo em formular questões que sejam de fácil entendimento para o
público alvo.
E o que fazer na aplicação de um questionário para uma população
de analfabetos ou semi-analfabetos? Este, sem dúvida, é um gargalo
operacional na aplicação do questionário. Mas, é para problemas
operacionais como este, que se tem um outro instrumento de mensuração,
tão eficaz quanto o questionário: o formulário. O formulário é, comumente,
confundido com o questionário, por apresentar, quase que as mesmas
características formais de apresentação.
No processo de levantamento de dados para a pesquisa
educacional ou qualquer outra, é fundamental ao pesquisador a clareza ao
empregar um questionário, considerando a relação com o objeto em
estudo, os objetivos a serem alcançados. As vantagens e desvantagens
deste instrumento de mensuração podem proporcionar fidedignidade ou
não do estudo.
FORMULÁRIO
O formulário é mais um instrumento de coleta de dados
largamente usado nas pesquisas em ciências humanas. Esta
ferramenta de mensuração se caracteriza por um elenco de perguntas
que são aplicadas e preenchidas pelo próprio investigador.
106
Quase sempre se confunde o formulário com o questionário, por
apresentarem as mesmas características estruturais. Ou seja, podem ter
perguntas fechadas, abertas, ou ambas. Diferenciam-se, no entanto,
quanto ao modo de aplicação. O formulário acolhe públicos alvos, os quais
o questionário não atende. Por exemplo, permitem pesquisas com pessoas
analfabetas, semi-analfabetas, portadores de necessidade especiais.
Porém, como qualquer outro instrumento de mensuração, o formulário
apresenta seus pontos fortes e fracos. Sua vantagem, como se observa,
esta no fato de atender a públicos específicos e possibilitar ao
investigador, ao aplicar perguntas abertas, captar e registrar, com maior
clareza, as respostas obtidas. Observando o informante em sua fala, o
investigador pode captar a veracidade e sinceridade das respostas dadas.
Entretanto, o tempo gasto na aplicação do formulário pode ser um
limitante na pesquisa, caso seja apenas um investigador designado para a
tarefa, ou ser dispendioso, se precisar envolver um grande número de
pessoas envolvidas em sua aplicação.
Por outro lado, o fato de ser o próprio investigador responsável pela
aplicação do formulário, em alguns casos, isso pode inibir o informante em
seu discurso – mesmo com a garantia do seu anonimato - ou fazer com
que o informante mascare o conteúdo de suas respostas.
Embora o questionário e o formulário sejam dois instrumentos de
mensuração comumente difundidos no campo científico, em ambos casos
deve-se ter a preocupação e o cuidado na elaboração das questões. Por
exemplo: estruturar as perguntas em unidades lógicas e seqüenciais, para
o entendimento e fluidez ao informante, e, conseqüentemente, possibilitar
o mesmo na hora analisar as respostas. As perguntas devem ser
estruturadas de forma clara e objetiva; evitar perguntas – abertas ou
fechadas – que levem a um dúbio entendimento, ambigüidade, distorções,
ou constrangimento para o informante.
Assim, perguntas como: “Você se considera um bom professor?”,
“O que significa ser professor ‘caxias’?” “Qual seu salário como
professor?”, devem ser evitadas pois, o que é bom professor? É o que é
Autoritário? Disciplinado? Eficiente? “Chato”?. A compreensão dos termos
é necessária. O informante não deve confundir os termos ou se sentir
pouco à vontade ao ter, por exemplo, que informar seu salário.
107
Em ambos instrumentos, se devem ter o zelo de conduzi-los de
forma a evitar mudanças bruscas de perguntas ou num vai e vem de
perguntas e decodificações como: “Como você avalia o comportamento de
seus alunos em sala de aula?” E em seguida “Em que Instituição Superior
você se formou?” E, posteriormente, “Como é o nível intelectual de seus
alunos?”.
Também se faz importante nestes instrumentos de mensuração,
ficar atento para que estes não sejam excessivamente longos e complexos
e venham a causar fadiga ao investigador e investigado.
Freqüentemente, na aplicação desses instrumentos, é comum o
anonimato do informante, seja ele físico ou jurídico. Entretanto, não é uma
condição sine qua non, pois, conforme os objetivos da pesquisa e com o
consentimento do informante, este pode ser identificado.
ENTREVISTAS
A entrevista em seu sentido lato é definida como uma conversa
sistematizada e orientada para uma finalidade objetiva: colher por meio de
interjeições verbais ao informante, elementos pertinentes a um
determinado assunto.
Muito em voga nas pesquisas sociais, a entrevista é mais um
instrumento de mensuração que permite ao pesquisador obter informações
e esclarecimentos a respeito de um fato cujo conteúdo não se expressa
em fontes documentais. Ou, ainda, possibilita o enriquecimento da
pesquisa com a fala de indivíduos ou de instituições por ele representado.
Enquanto no questionário e formulário a ausência/presença do
investigador é uma variável, na entrevista este ou seu representante se faz
necessariamente presente – salvo o uso de instrumentos tecnológicos
como o telefone, internet, e videoconferência – mas, uma coisa é certa, a
entrevista se caracteriza pelo contato direto entre o investigador e
investigado, ou se quiser, entre o entrevistador e o entrevistado.
Mais que o questionário e o formulário, a entrevista requer maiores
cuidados ao ser utilizada, tais como: é necessário manter e obter a
confiança do entrevistado. Para isso, o entrevistador deve expor em
detalhes o motivo e o objetivo da pesquisa; identificar-se como pessoa
108
física e jurídica se for o caso; garantir ao entrevistado o anonimato; e se
necessário que seja revelado, ter a permissão do entrevistado.
É importante ao entrevistador fazer as perguntas de forma clara e
objetiva, interferir pouco na fala do entrevistado, ou seja, ouvir em vez de
falar, a não ser que seja necessário, em alguns momentos, sua
interpelação para melhor desempenho da entrevista. Porém, o
entrevistador deve estar atento à fala de seu informante para não se
afastar de seus objetivos, pois, mesmo sendo essencial a livre expressão
do entrevistado é bom lembrar dos objetivos da entrevista.
Neste sentido, é conveniente – principalmente em se tratando de
pessoas que representam entidades jurídicas, ou que contenham
perguntas que possam aferir recusa - dispor ao entrevistado as perguntas
com uma certa antecedência.
Geralmente, as entrevistas são denominadas em sua estrutura de
entrevistas formais e informais. No primeiro caso, são oficialmente
marcadas e estruturadas em um conjunto de perguntas planejadas. No
segundo caso, a entrevista se dá de uma forma menos planejada, as
perguntas são formuladas na medida em que a conversa flui e o
entrevistador dialoga com o seu entrevistado.
Ainda, pode-se caracterizar as entrevistas como sendo
estruturadas ou fechadas, não estruturadas ou abertas, semi-estruturada.
No primeiro tipo trata-se de uma entrevista planejada segundo os objetivos
a serem alcançados, com perguntas previamente definidas, a exemplo: “O
senhor pode informar de onde vem os recursos a serem destinados ao
‘Projeto X’?”. No segundo caso, as perguntas atendem, evidentemente, a
um objetivo estabelecido, mas, no decorrer da entrevista conforme “a
deixa” do respondente as perguntas são reformuladas. A título de exemplo:
“O senhor fala em investimento na infra-estrutura das escolas, entretanto,
parece não haver investimentos previstos na qualificação do corpo de
professores?”.
Nas entrevistas semi-estruturadas, ocorrem as duas coisas: há um
esboço de perguntas, mas dadas às respostas obtidas outras perguntas
são formuladas, como: “O senhor afirma que o ‘Projeto X’ atenderá toda a
população em fase escolar do ensino fundamental, o que será feito para
atender a população das outras fases escolares?”.
109
Evidentemente, uma entrevista, seja que forma esta venha a ter,
sem dúvida, requer uma maior experiência e sagacidade do entrevistador
para perceber o momento exato de intervir, conduzir e reconduzir a
entrevista e perceber quando o entrevistado se envereda por aspectos
pessoais e valorativos. Embora a entrevista seja um instrumento bastante
flexível e esclarecedor, requer experiência do entrevistador e
disponibilidade do entrevistado em cooperar com a pesquisa. Mas um
adendo, muitas vezes, prejudica a entrevista; a falta de experiência do
entrevistador e o mais grave, a inibição do entrevistado, ou mesmo, a falta
de motivação em cooperar.
Em muitos casos a entrevista não possibilita o emprego em uma
série de pessoas com as mesmas perguntas – salvo as especificidades do
objeto de pesquisa. Nestes casos, impossibilita a análise comparativa
entre as entrevistas e, por outro lado, sua análise fica mais difícil e
complexa.
Estes fatores podem limitar quantitativamente o emprego da
entrevista, contudo, é inquestionável a sua utilidade na pesquisa em
ciências humanas e o seu emprego não invalida o emprego do
questionário e do formulário, aliás, estes três instrumentos de coleta de
dados podem, tranqüilamente, ser aplicados, concomitantemente, em uma
pesquisa na área da educação.
A experiência da entrevista
Descrever, explicar, como se deve proceder no momento de aplicar os
instrumentos de coleta de dados, sejam eles questionário, formulário ou entrevista
parece tarefa fácil, bastaria seguir a ‘receita de bolo’. Mas será isso mesmo? As
‘receitas’ são mesmo infalíveis? Creio, que todo pesquisador, ‘bem lá no fundo’
acredita que sim, as ‘receitas’ são infalíveis. Os pesquisadores de ‘primeira
viagem’, esses sim acreditam ‘piamente’. E ansiosos esperam que, com os
instrumentos de mensuração, são o suficiente para entrarem em contato com o
seu objeto de pesquisa.
Isso que aconteceu comigo “Dei com os burros n’água” no meu primeiro
contato com a comunidade. Mas, o que esta minha ‘experiência’ tem haver com
este texto?
Era inicio do semestre letivo do ano de 1987. Eu, recém formado em
filosofia pela Universidade Federal da Paraíba e recém ingresso no Mestrado em
110
Serviço Social na mesma Universidade. Meu “objeto” de pesquisa era a
comunidade pesqueira da Baía da Traição, litoral norte do Estado da Paraíba.
Evidentemente, estava empolgado e era inexperiente. Acreditava que o
fato de ser mestrando e aspirante a ‘pesquisador e intelectual’ já era o suficiente
para compreender o meu universo de pesquisa e ser compreendido em meus
objetivos pela comunidade pesqueira. Ledo engano. Ignorava por completo as
‘artimanhas’ da pesquisa’.
Armado de um arsenal bibliográfico – já havia lido alguns livros sobre
comunidades pesqueiras, metodologia cientifica e feito algumas visitas para
observação da comunidade – me sentia preparado para dar inicio a pesquisa de
campo.
Em conversa com a minha orientadora - Simone Maldonado - expressei a
minha vontade de dar inicio à coleta de dados. Evidentemente, ela ‘sacou’ a
precocidade do ato, mas, sabiamente, não interferiu, apenas deixou que eu
concretizasse meu desejo de ir para o campo.
Primeiro ato: como era de costume, passei um fim de semana acampado
na Baía da Traição, coisa que sempre fazia. Já era comum a minha presença
caminhando na praia. Dessa forma foi fácil um contato com o presidente da
Colônia de Pescadores. Disse a ele quem eu era, a pesquisa que pretendia fazer e
lhe solicitei que convocasse alguns pescadores para que eu pudesse me
apresentar e fazer-lhes algumas perguntas. Tudo conforme os preceitos
científicos. A receptividade foi boa, pois na próxima semana, como o presidente
mesmo falou, bastava eu chegar “lá pela quatro horas” que os pescadores sempre
estavam reunidos “ali” embaixo “daquela árvore”. Ele também estaria presente. Sai
dali satisfeito, foi mais fácil que eu esperava.
Segundo ato: o fim de semana seguinte, mais uma vez acampado. Fim de
tarde de um sábado, como combinado ‘lá pelas quatro’ me dirijo à ‘árvore’. Dessa
vez, como ‘pseudopesquisador’ - calça jeans, camiseta, tênis, pasta e um gravador
de lado. O tradicional ‘boa-tarde’, foi o primeiro contato. Apresentei-me e discorri
sobre a pesquisa e meus objetivos. Sem perceber, falo como se estivesse falando
para colegas da universidade. Estava sendo ‘academicamente correto’. Enquanto
isso, os pescadores ficaram em silêncio, – cerca de quinze - uns observando,
outros fazendo pequenas atividades pesqueiras (conserto de rede). Enfim, bloco
de anotações e caneta , com gravador, devidamente posicionado, fiz perguntas do
tipo: Vocês são filiados na Colônia? O que vocês acham da administração da
Colônia? - e o presidente presente – Como é a relação de vocês com os
atravessadores? E a relação com os Mestres? – alguns presentes – tive as
respostas: sorrisos ‘amarelos’ olhares desconfiados; silêncio; algumas respostas
111
vagas. Aos poucos me vi com o presidente da Colônia e uns três pescadores
tecendo suas redes. Desconcertado fique sem saber o que fazer: os pescadores,
discretamente, foram saindo.
Terceiro ato: na semana seguinte ao encontrar a orientadora, fiz o relato
da entrevista frustrante. Relatei em detalhes o ocorrido. Sorrisos e a explicação
cientifica de uma antropóloga experiente no trabalho de campo em comunidades
pesqueiras. Os pescadores artesanais são muito arredios a conversas sobre seu
universo com estranhos; as relações de compadrio existente entre eles velam os
conflitos; a desconfiança de minha pessoa; o receio de falar com a presença do
gravador. Estes foram os indicadores, naquele momento, da frustrada entrevista e
eu não havia percebido.
Bom, moral da história.
É importante para os estudos de campo, sobretudo em comunidades,
principalmente as denominadas de tradicionais, um conhecimento sobre os
instrumentos de mensuração a ser usado. É bom ficar atento que nem sempre a
comunidade está disposta ou pode contribuir. O cuidado com as perguntas tem
que ser redobrado, para não causar mal entendido ou constrangimento, nem ao
pesquisador, nem aos entrevistados. O uso de algumas ferramentas com o
gravador, filmadora, máquina fotográfica podem inibir o informante. Fazer uma
entrevista com muitas pessoas presentes pode levar ao insucesso. É necessário
familiaridade e confiança da comunidade com o pesquisador.
Tratando-se de uma pesquisa na área da educação, esta não foge a regra.
Faz-se necessário o bom senso ao estabelecer contato com seus informantes.
Nem sempre as expectativas e a posse adequada dos instrumentos, sua
ordenação, sistematização, significam o êxito da coleta de dados.
TABELA
Procurando dar ênfase à demonstração dos instrumentos de
mensuração, anteriormente descritos, nas pesquisas sociais, uma forma
de se demonstrar, visualmente, a decodificação dos dados coletados é a
sua representação em tabelas e gráficos.
A tabela mostra um ou mais conjunto de dados organizados e
sistematizados. Além de visualizar os dados analisados, a tabela possibilita
uma série de cálculos estatísticos e representações gráficas. Assim, a
tabela como ferramenta não discursiva de demonstração dos dados
112
analisados revela a descrição e/ou cruzamento em dados numéricos ou
estatísticos, os resultados das informações colhidas em pesquisa,
facilitando a leitura e interpretação dessas informações.
Algumas regras norteiam e caracterizam a tabela. Em primeiro
lugar o objetivo principal de uma tabela é expressar de forma simples e
objetiva as informações analisadas. Outra característica é a de não
produzir uma tabela com expressivo número de variáveis e, por último, não
se deve fechar a lateral esquerda e direita da tabela, pois, se assim for
feito esta deixa de ser tabela para se transformar em um quadro, outra
forma de visualizar os dados.
Toda a tabela deve conter alguns elementos essenciais que a
caracterizam, assim a tabela deve conter:
Número – Na tabela o número tem a finalidade de facilitar
sua localização no corpo do trabalho, que deve ser em
ordem crescente por capítulo, ou em ordem crescente até o
final do trabalho.
Título – Este deve ser o mais completo, claro e objetivo
possível, revelando de imediato de que trata a tabela.
Cabeçalho – Contém todos os componentes e variáveis que
estarão presentes nas respectivas colunas. Utilizado um
para cada coluna precisa ser sintético e objetivo.
Coluna Indicadora – É nesta coluna que deve conter
especificado os elementos que comporão o corpo da tabela.
Corpo da Tabela – Deve mostrar a descrição dos elementos
disposto coluna por coluna, segundo a disposição da coluna
matriz.
Fonte – Localizada em baixo da tabela, indica a referência
dos dados demonstrados.
Nota – Localizada abaixo da fonte, serve para informar ou
completar um dado relevante à tabela, sendo identificada
por números.
113
Tabela nº 1 Título (deve ser claro e objetivo)
Coluna Indicadora (informa o conteúdo de cada linha)
Cabeçalho (inf. o conteúdo da
coluna)
Corpo da Tabela (Mostra o
cruzamento de linhas e colunas
Fonte: Indica de onde foi extraído os dados
Nota: Enumeradas, informa ou esclarece dados importantes apresentados na
tabela
Tabela nº 2 Grau de escolaridade no município x – Ano 1975
Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino
Superior
3.450 7.135 1.280
Fonte: Secretaria Municipal de Educação do Município x
Nota: Essa informação se refere a indivíduos inseridos no mercado de trabalho
Se a tabela não couber em uma única pagina, esta pode ser
apresentada na página seguinte com a denominação ‘continua...’ No seu
fim, e na pagina seguinte logo em cima ‘continuação...’.
Dessa forma, as tabelas são muito usadas para representar dados
escritos em forma resumida ou sob forma de dados numéricos,
proporcionando um rápido entendimento ao leitor.
A tabela pode ser de dois tipos:
1) Tabela estatística que apresenta uma série de dados
numéricos representando informações quantitativas e qualitativas de um
determinado fenômeno;
2) Tabela especial ou técnica, que apresenta a especificação
técnica de um produto ou de uma área de interesse.
114
GRÁFICOS
O uso da representação gráfica é uma ferramenta de demonstração
dos dados mensuráveis cada vez mais freqüente em trabalhos
acadêmicos, favorecido pelo desempenho dos pacotes estatísticos
disponíveis ao uso no computador.
Com o uso da tecnologia do computador, os gráficos ganharam
possibilidades infinitas de formas, cores, dimensões, tamanhos, isso facilita
a interpretação das informações. Geralmente, os gráficos são muito
utilizados quando se deseja transformar os dados qualitativos em
indicadores quantitativos por meio de codificadores numéricos, ou
estabelecer dados estáticos, comparações e percentuais de variáveis.
Geralmente os gráficos utilizam o sistema cartesiano, composto
pelo cruzamento do eixo de duas linhas chamadas de abcissa uma vertical
e outra horizontal. Que tem em seu eixo de encontro 0,0 o ponto
denominado de origem, de onde compõe as das escalas, positiva e
negativa.
O gráfico também possui elementos que os caracterizam, quais
sejam:
Numero: é o identificador do gráfico no texto, determinado de ordem
crescente e sempre precedido da palavra Gráfico escrito em maiúsculo;
Titulo: é como o gráfico é descrito, compondo a descrição do fato
descrito e com sua data de referência;
Fonte: indica a entidade responsável pela informação contida;
Nota: serve para fornecer esclarecimento a respeito do que foi
informado no gráfico. Escrita em letra maiúscula, vem logo abaixo da
fonte.
115
Gráfico nº 1 Relação entre escolaridade na década de 80 e 90
25
3335
43
29
36
40
48
10
10
20
30
40
50
60
De 80 a 82 De 82 a 84 De 84 a 86 De 86 a 88 De 90 a 92 De 92 a 94 De 94 a 96 De 96 a 98
Seqüência1 Seqüência2
Fonte: Secretaria Municipal de Educação do Município X - 1998
80 a 8282 a 84
84 a 8686 a 88
90 a 9292 a 94
94 a 9696 a 98
S1
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Gráfico nº 2 Relação entre escolaridade na década de 80 e 90
Seqüência1
Fonte: Secretaria Municipal de Educação do Município X - 1998
116
Gráfico nº 4 Relação de escolaridade entre as décadas de 80 a 90
19%
24%
26%
31%
90 a 92 92 a 94 94 a 96 96 a 98
Fonte: Secretaria Municipal de Educação do Município X - 1998
É bom lembrar que as tabelas e os gráficos são instrumentos
disponibilizados ao texto como forma de reforçar, representar, facilitar,
visualizar, objetivando a clareza na informação a ser passada. Dessa
forma, não se deve utilizar essas ferramentas apenas com o intuito de
ornar o texto.
Assim, é bom salientar que com a disponibilidade tecnológica em
se produzir tabelas e gráficos os mais variados possíveis, estes
instrumentos devem ser utilizados de preferência, na sua forma mais
simples e objetiva, a fim de cumprir com o seu real objetivo de informar de
forma rápida e objetiva a mensagem.
Finalmente,
Quando pensei em escrever este texto, o meu propósito, como dito
no inicio, foi o de provocar uma reflexão ao leitor sobre os instrumentos de
mensuração aqui descrito. É claro nem tudo foi descrito minuciosamente.
Entendo que se assim o fizesse, estaria mais uma vez reproduzindo uma
‘receita de bolo’ e inibindo você, caro leitor, de ‘alçar vôos’ na procura de
117
seus próprios eixos metodológicos, de perceber em seu objeto de pesquisa
as nuances e particularidades, que o faz melhor qualificado para um
determinado tipo de instrumento de mensuração. Dessa forma, penso,
você pode ficar livre para a escolha de seu próprio instrumento de
mensuração, desde que faça a reflexão teórica dessas metodologias em
suas pesquisas.
REFERÊNCIAS
CERVO, Amado L. & BEVIAN, Pedro A. Metodologia Cientifica. 4. ed. São Paulo: Marro Livros, 1996. GOODE, Willian J. HATT, Paul K. Métodos em Pesquisa Social. 7. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1979.
IINSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL – IPARDES. Normas para Apresentação de Documentos Cientifico. Curitiba: Editora da UFPR, 2000.
MANN, Peter H. Métodos de Investigação Sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
SELLTIZ, TAHODA,DEUTSCH,COOK. (Org.). Métodos de Pesquisa nas Relações Sociais. 2a Ed. Herder, São Paulo: 1967.
SELLTIZ, WRIGHTSMAN, COOK (Org.). Métodos de Pesquisa nas Relações Sociais. Vol. 2. Medidas na Pesquisa Social. São Paulo: EPU, 1987.
SILVA, Carlos A. M. Colônia de Pescadores: a reprodução da dependência. João Pessoa: UFPB/MSS, Dissertação de Mestrado (Mimeo.), 1992.
SANTOS, João A., PARRA, Filho Domingos. Metodologia Científica. São Paulo: Futura, 1998.
118
NORMAS PARA ELABORAÇÃO DE TRABALHOS CIENTÍFICOS
Adão Aparecido MolinaÂngela Mara de Barros Lara
Helaine Patrícia Ferreira
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os trabalhos científicos são desenvolvidos pelos acadêmicos
durante o período de duração dos cursos de graduação e são a primeira
etapa de uma série de trabalhos que os acompanham, também, nos
cursos e programas de pós-graduação. Por isso, compreendem desde os
trabalhos acadêmicos, solicitados pelos professores em sala de aula, até
os trabalhos mais bem elaborados como os de conclusão de curso e
aqueles que demonstram resultados de pesquisas realizadas em
diferentes cursos ou programas.
Dessa forma, podem ser apresentados por meio da redação
científica de um artigo, monografia, dissertação ou tese. Para que esses
trabalhos obtenham um caráter científico devem ser planejados, realizados
e escritos dentro dos padrões científicos normalizados no Brasil pela
ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), que segue os padrões
estabelecidos pela ISO (Organização Internacional de Normalização).
Este texto tem como objetivo apresentar as normas para a
elaboração de trabalhos científicos, propondo-se a tratar dos aspectos
mais relevantes no que diz respeito à apresentação gráfica desses
trabalhos, possibilitando aos acadêmicos a utilização dessas informações
na estruturação de seus trabalhos.
APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS ACADÊMICOS - NBR 14724 - AGO.
2002
1 REGRAS GERAIS DE APRESENTAÇÃO
1.1 FORMATO
Os textos devem ser apresentados em papel branco, formato A4
(21 cm X 29,7 cm), digitados ou datilografados na cor preta, com exceção
das ilustrações, no anverso das folhas, exceto a folha de rosto. (O verso da
119
folha de rosto deve conter a ficha catalográfica, conforme o Código de
Catalogação Anglo-americano vigente).
Recomenda-se para a digitação, a utilização da fonte tamanho 12
para o texto e tamanho menor para citações de mais de 3 linhas (11) e
notas de rodapé (10). Nas citações com mais de 3 linhas, deve-se
observar o recuo de 4 cm da margem esquerda.
1.2 MARGEM
As folhas devem apresentar margem esquerda e superior de 3 cm;
direita e inferior de 2 cm.
1.3 ESPACEJAMENTO
Todo o texto deve ser digitado com espaço duplo.
As citações com mais de 3 linhas, as notas, as referências, as
legendas das ilustrações e tabelas, a ficha catalográfica, a natureza do
trabalho, o objetivo, o nome da instituição a que é submetida e a área de
concentração devem ser digitados ou datilografados em espaço simples.
As referências, ao final do trabalho, devem ser separadas ente si
por espaço duplo. Os títulos das subseções devem ser separados do texto
que os precede ou que os sucede por dois espaços duplos.
Na folha de rosto e na folha de aprovação, a natureza do trabalho,
o objetivo, o nome da instituição a que é submetida e a área de
concentração devem ser alinhados do meio da mancha para a margem
direita.
1.3.1 Notas de rodapé
As notas devem ser digitadas dentro das margens, ficando
separadas do texto por um espaço simples de entrelinhas e por filete de 3
cm (observamos que o programa Word faz automaticamente), a partir da
margem esquerda.
1.3.2 Indicativo de seção
O indicativo numérico de uma seção precede seu título, alinhado à
esquerda, separado por um espaço de caractere (não usar – traço).
120
1.3.3 Títulos sem indicativo numérico
Os títulos, sem indicativo numérico – errata, agradecimentos, lista
de ilustrações, lista de abreviaturas e siglas, lista de símbolos, resumos,
sumário, referências, glossário, apêndice(s), anexo(s) e índice(s) – devem
ser centralizados, conforme a NBR 6024.
1.3.4 Elementos sem título e sem indicativo numérico
Fazem parte desses elementos a folha de aprovação, a dedicatória
e a epígrafe.
1.4 PAGINAÇÃO
Todas as folhas do trabalho, a partir da folha de rosto, devem ser
contadas seqüencialmente, mas não numeradas. Numera-se a partir da
primeira folha da parte textual, em algarismos arábicos, no canto superior
direito da folha, a 2 cm da borda superior, ficando o último algarismo a 2cm
da borda direita da folha. No caso de o trabalho ser constituído de mais de
um volume, deve ser mantida uma única seqüência de numeração das
folhas, do primeiro ao último volume. Havendo apêndice e anexo, as suas
folhas devem ser numeradas de maneira contínua e sua paginação deve
dar seguimento à do texto principal (o primeiro número que aparece no
texto é na segunda folha da introdução).
1.5 NUMERAÇÃO PROGRESSIVA
Para evidenciar a sistematização do conteúdo do trabalho, deve-se
adotar a numeração progressiva para as seções do texto. Os títulos das
seções primárias, por serem as principais divisões de um texto, devem
iniciar em folha distinta (ver 1.3.2). Destacam-se gradativamente os títulos
das seções, utilizando-se os recursos de negrito, itálico ou grifo, caixa alta
ou versal, e outro, conforme a NBR 6024, no sumário e de forma idêntica
no texto.
1.6 CITAÇÕES
As citações devem ser apresentadas conforme a NBR 10520.
121
1.7 SIGLAS
Quando aparece pela primeira vez no texto, a forma completa do
nome precede a sigla, posta entre parênteses.
Exemplo: Associação Brasileira de Normas técnicas (ABNT).
1.8 EQUAÇÕES E FÓRMULAS
Aparecem destacadas no texto de modo a facilitar sua leitura. Na
seqüência normal do texto, é permitido o uso de uma entrelinha maior que
comporte seus elementos. Quando separadas do parágrafo são
centralizadas e, se necessário, deve-se numerá-las.
Exemplo: x + y= z (1)
(x + y) / 5 = n (2)
1.9 ILUSTRAÇÕES
Qualquer que seja seu tipo (desenhos, esquemas, fluxogramas,
fotografias, gráficos, mapas, organogramas, plantas, quadros, retratos e
outros) sua identificação aparece na parte inferior, precedida da palavra
designativa, seguida de seu número de ordem e ocorrência no texto, em
algarismos arábicos, do respectivo título e/ou legenda explicativa de forma
breve e clara, dispensando consulta ao texto, e da fonte. A ilustração deve
ser inserida o mais próximo possível do trecho a que se refere, conforme o
projeto gráfico.
1.10 TABELAS
As tabelas apresentam informações tratadas estatisticamente,
conforme IBGE (1993).
1.11 Elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais
Estes elementos compõem a apresentação do texto acadêmico,
conforme ABNT – NBR 14724 – AGO. 2002.
122
Estrutura Elemento
Pré-textuais
Capa (obrigatório)
Lombada (opcional)
Folha de rosto (obrigatório)
Errata (opcional)
Folha de aprovação
(obrigatório)
Dedicatória(s) (opcional)
Agradecimento(s) (opcional)
Epígrafe (opcional)
Resumo na língua vernácula
(obrigatório)
Resumo na língua estrangeira
(obrigatório)
Lista de ilustrações (opcional)
Lista de tabelas (opcional)
Lista de abreviaturas e siglas
(opcional)
Lista de símbolos (opcional)
Sumário (obrigatório)
Textuais
Introdução
Desenvolvimento
Conclusão
Pós-textuais
Referências (obrigatório)
Glossário (opcional)
Apêndice(s) (opcional)
Anexo(s) (opcional)
Índice(s) (opcional)
123
ESTRUTURA PARA A APRESENTAÇÃO DA MONOGRAFIA
ELEMENTOS PRÉ-TEXTUAIS
1- Capa
2- Folha de rosto
3- Folha de aprovação
4- Dedicatória (opcional)
5- Agradecimentos (opcional)
6- Epígrafe (opcional)
7- Resumo
8- Sumário
ELEMENTOS TEXTUAIS (CORPO DA MONOGRAFIA)
1 Introdução (caracterização da área temática, contextualização,
problema, hipóteses, justificativas, objetivo geral do trabalho e
metodologia)
2 Desenvolvimento
2.1 Revisão da literatura ou fundamentação teórica
2.2 Pesquisa de campo (estudo de caso, estudo teórico-prático)
2.3 Análise e interpretação dos dados
3 Conclusão
ELEMENTOS PÓS-TEXTUAISReferências
Anexos
RESUMO E SUMÁRIO
. RESUMO – NBR 6028 – NOV. 2003
1 DEFINIÇÃO: Apresentação concisa dos pontos relevantes de um
texto.
124
2 UTILIZAÇÃO: O resumo visa fornecer elementos capazes de
permitir ao leitor decidir sobre a necessidade de consulta ao texto original
e/ou transmitir informações de caráter complementar.
O resumo deve ser utilizado em artigos, relatórios, monografias,
dissertações, teses.
3 LOCALIZAÇÃO: Precedendo o texto na língua original.
4 REDAÇÃO: O resumo deve ressaltar o tema discutido no texto,
os objetivos, a metodologia utilizada, os resultados alcançados e as
conclusões.
Deve-se evitar: O uso de parágrafos, de fórmulas, de equações,
diagramas, etc.
5 EXTENSÃO:
- Para notas e comunicações breves, os resumos devem ter até
100 palavras;
- Para artigos e monografias, até 250 palavras;
- Para relatórios, dissertações e teses, até 500 palavras.
PALAVRAS-CHAVE E DESCRITORES: Quando forem
empregados no resumo devem ter destaque especial.
SUMÁRIO – NBR 6027 – MAIO 2003
Segundo a ABNT - NBR 6027 (2003, p. 2), o sumário é uma “[...]
enumeração das divisões, seções e outras partes de uma publicação, na
mesma ordem e grafia em que a matéria nele se sucede”. O sumário é o
último elemento pré-textual, antecedendo a introdução do trabalho.
Regras para apresentação
A palavra SUMÁRIO deve estar centralizada e escrita com o
mesmo tipo e tamanho da fonte utilizada para as seções primárias do texto
(Times New Roman, tamanho 12, em caixa alta e negrito).
125
Os itens do sumário, também, devem estar de acordo com o tipo e
tamanho da fonte utilizada no texto, no corpo do trabalho.
Os elementos pré-textuais (capa, folha de rosto, folha de
aprovação, dedicatória, agradecimentos, epígrafe, resumo, etc.) não
devem constar no sumário.
A ordem numérica dos elementos deve seguir a mesma divisão e
subdivisão das seções distribuídas no desenvolvimento do trabalho. (Para
tirar dúvidas sobre essa questão consultar a NBR 6024 de maio de 2003
que determina as diretrizes para a numeração progressiva das seções de
um documento escrito).
Indicativos numéricos: Os indicativos numéricos que devem
compor o sumário na apresentação gráfica dos trabalhos científicos são os
mesmos estabelecidos na NBR 6024 de maio de 2003. O indicativo de
seção é um número ou um grupo de números que antecede cada seção do
documento. A seção é cada uma das partes em que se divide o texto de
um documento, para a ordenação dos assuntos apresentados.
Os indicativos de seção devem preceder o título (nome) ou
subtítulo de cada seção, alinhados à esquerda e separados por um espaço
de caractere entre o número e o título.
Exemplos:
1 SEÇÃO PRIMÁRIA (Caixa alta, negrito)
1.1 SEÇÃO SECUNDÁRIA (Caixa alta, sem negrito)
1.1.1 Seção terciária (Letra inicial maiúscula, negrito)
1.1.1.1 Seção quaternária (Letra inicial maiúscula, sem negrito)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As informações apresentadas neste texto cumprem o propósito de
contribuir com os acadêmicos no esclarecimento de questões referentes
126
aos procedimentos na apresentação gráfica de trabalhos científicos, que
fazem parte das exigências acadêmicas durante a realização dos cursos
de graduação.
Buscamos apresentar de forma didática e sucinta as normas
contidas na ABNT, através da NBR 14724, NBR 6028 e NBR 6027 que
regulamentam as normas gerais de apresentação gráfica de trabalhos
científicos e também as normas para a elaboração de resumos e sumários,
respectivamente.
Esperamos que as informações aqui contidas contribuam para que
a organização e a apresentação gráfica dos trabalhos, feitos pelos
acadêmicos, transformem-se em algo organizado, culminando em um
conjunto harmonioso no qual forma e conteúdo se complementem.
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e documentação: referências: apresentação. Rio de Janeiro, 2002.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6027: informação e documentação: sumário: apresentação. Rio de Janeiro, 2003.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6028: informação e documentação: resumo: apresentação. Rio de Janeiro, 2003.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: informação e documentação: citações em documentos: apresentação. Rio de Janeiro, 2002.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724: informação e documentação: trabalhos acadêmicos: apresentação. Rio de Janeiro, 2002.
CRUZ NETO, Otávio. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. Cap. 3, p. 51-66.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de Pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MARX, Karl. Prefácio. In: ______. Contribuição à crítica da economia política. 2. ed. Tradução de Maria Helena Barreiro Alves. São Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 21-29.
127
MEDEIROS, João Bosco. Redação Científica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1996.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
MOLINA, Adão Aparecido. Políticas Educacionais, Infância e Linguagem: uma análise a partir das categorias históricas de Marx e Vygotsky. 2004. 152 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2004.
PÁDUA, Elisabete Matallo Marchesini de. O trabalho monográfico como iniciação à pesquisa científica. In: CARVALHO, Maria Cecília M. de (Org.). Construindo o Saber. 9. ed. Campinas: Papirus, 2000. Cap. 5, p. 147-175.
SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma Monografia. 4. ed. São Paulo: Martins fontes,1996.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 21. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
SILVA, Jani Alves da. Reflexões sobre as políticas educacionais para a infância brasileira nas décadas de 1980 e 1990. 2004. 55 f. Monografia de conclusão de curso (Especialização em educação)- SOETI – Sociedade Nacional de Educação, Ciência e Tecnologia, Maringá, 2004.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Três enfoques na pesquisa em ciências sociais: o positivismo, a fenomenologia e o marxismo. In: ______. Introdução à pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1987. cap. 2, p. 30-79.
EXERCÍCIOS:
1 Faça a leitura de um texto (artigo científico), depois elabore um resumo
apresentando as principais informações contidas nesse texto (observe a
NBR 6028).
2 Defina Sumário e Índice, procure exemplos, apresentando-os e
salientando suas diferenças.
3 Nos elementos pós-textuais encontramos Anexo e Apêndice: dê
exemplos.
128
ANEXOS:
129
Modelo de capa:
FERNANDO CÉSAR DA SILVA
UM ESTUDO SOBRE A INCLUSÃO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO BRASIL NA DÉCADA DE 1990
MARINGÁ
2005
130
Modelo de folha de rosto:
FERNANDO CÉSAR DA SILVA
UM ESTUDO SOBRE A INCLUSÃO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO BRASIL NA DÉCADA DE 1990
Trabalho apresentado como requisito
para aprovação na disciplina Estágio
Supervisionado em Educação, do curso
de Pedagogia da UEM – Universidade
Estadual de Maringá, orientado pelo
Prof. Ms. Adão Aparecido Molina.
MARINGÁ
2005
131
Modelo de folha de aprovação:
FERNANDO CÉSAR DA SILVA
UM ESTUDO SOBRE A INCLUSÃO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO BRASIL NA DÉCADA DE 1990
Aprovado em __/__/2005
Trabalho de Conclusão como requisito para
a obtenção do grau de licenciatura, no
curso de Pedagogia da UEM –
Universidade Estadual de Maringá, sob a
avaliação da seguinte banca examinadora:
_______________________________________________
Prof. Ms. ---------------------------------------- (UEM)
Orientador
_______________________________________________
Prof. ----------------------------------------- (UEM)
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Prof. ------------------------------------------ (UEM)
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Modelo de dedicatória:
DEDICATÓRIA
Para meus pais, que me apoiaram nesta
caminhada.
Para meus irmãos, que acreditaram na
realização dos meus sonhos.
Para minha esposa e filhos, que sempre
estiveram presentes durante o tempo que
passei estudando.
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Modelo de agradecimentos:
AGRADECIMENTOS
À Professora Helaine Patrícia Ferreira, que participou de minha
Banca de Defesa contribuindo para a efetivação deste trabalho.
À Professora Drª. Ângela Mara de Barros Lara , membro da banca
examinadora, também por sua valiosa contribuição.
Ao Professor Ms. Adão Aparecido Molina, pela sua orientação, por
suas críticas, sugestões e por sua incansável assistência com a finalidade
de tornar este trabalho produtivo.
Aos professores do Curso de Pedagogia da UEM, principalmente
àqueles que me
apoiaram e me incentivaram até o final do curso.
À minha família, em especial à minha esposa, que sempre me
apoiou durante o período que estive estudando.
Às pessoas que, de certa forma, contribuíram durante a realização
da pesquisa e a redação desta monografia.
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Modelo de epigrafe:
“Não é a consciência dos homens que
determina o seu ser; é o seu ser social que,
inversamente, determina a sua consciência”
(MARX, 1983, p. 24).
Modelo de resumo:
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Resumo
Este texto apresenta uma discussão sobre a educação infantil a
partir das reformas neoliberais e das políticas públicas para a infância na
década de 90, no Brasil. O objetivo é mostrar que, nesse período, a
criança passou a ser considerada “cidadã de direitos”, fazendo parte de
políticas destinadas a atender suas necessidades em instituições
educacionais específicas para crianças de 0 a 6 anos de idade. A
discussão foi realizada a partir de documentos como a Constituição
Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) , a LDB
9394/96, entre outros que surgiram até o final da década. O estudo aponta
que esse período representa um grande avanço na legislação, garantindo
novos direitos à criança, estabelecendo um novo paradigma na concepção
de infância, constituindo a criança como um ator social, alguém que é, no
presente, e, portanto, sujeito de direitos. Contudo, durante toda a década
de 90, houve um investimento maior no ensino fundamental. A falta de
compreensão e de definições na área da educação infantil, gerou a falta de
articulação entre as autoridades municipais e outros segmentos da
sociedade, acarretando um prejuízo às políticas infantis, caracterizando o
atendimento das crianças, mais como uma perspectiva de necessidades
do que uma perspectiva de direitos.
Palavras-chave: Políticas públicas. Educação infantil. Direitos.
Necessidades.
Modelo de sumário:
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 5
2 SOCIEDADE CAPITALISTA E MOVIMENTOS DO CAPITALISMO........7
2.1 FASES DO CAPITALISMO: COMERCIAL, CONCORRENCIAL,
MONOPOLISTA E FINANCEIRO ......................................................... 8
2.2 DO LIBERALISMO CLÁSSICO AO NEOLIBERALISMO ................... 16
3 REPERCUSSÕES DO NEOLIBERALISMO NO BRASIL DO SÉCULO
XX ........................................................................................................22
3.1 INFLUÊNCIA DO NEOLIBERALISMO NO ÂMBITO ECONÔMICO E
POLÍTICO............................................................................................ 22
3.2 NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO ................................................... 27
4 INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL NO SÉCULO XX..................... 31
4.1 A INFÂNCIA BRASILEIRA NO SÉCULO XX: ALGUMAS REFLEXÕES
SOBRE A COMPREENSÃO HISTÓRICA........................................... 31
i
ii
iii iv Sobre a leitura que cria e recria idéias, ver Paulo Freire (1981).
v Para refletir a respeito, estudem o capítulo “Diretrizes para a leitura, análise e interpretação de textos” de Severino (1986, p. 121-135).
vi Demo lembra que a realidade é sempre maior do que conseguimos captar e que há outras portas paralelas para a emancipação – a arte, por exemplo. Ainda nesse livro, que se encontra na BCE, há um bom comentário sobre a distinção feita entre pesquisa qualitativa e quantitativa (1996, p. 20).vii
? Poderia ter sido “o primeiro projeto a gente nunca esquece”; seria bonitinho, mas perderia em clareza.viii
? Diferenciem hipótese de pressuposto. Hipótese é o que se quer demonstrar; já o pressuposto é dado, prévio. ix
? Muito vago? É a angústia do livre arbítrio. Melhor que determinar qual é o “bom” caminho. A discussão sobre metodologia será aprofundada nos dois próximos textos.x
? Para uma explicação sobre a organização dos materiais nas bibliotecas, é útil ver o capítulo “uso de biblioteca e documentação”, em Salomon. (2001, p. 289-298) xi
? Regras preciosas sobre quando e como citar são apresentadas por Umberto Eco (1995, p. 121-127). Mais à frente, trata também das notas de rodapé. O autor é debochado, dizendo coisas do tipo: não escolha um orientador por conveniência ou preguiça. Diversos exemplares desse livro são encontrados na BCE.
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4.2 A INFÂNCIA NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS
PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL ......................................................... 35
4.2.1 Constituição Federal de 1988 ....................................................... 36
4.2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei nº
8.069/90............................................................................................... 39
4.2.3 Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB nº
9.394/96............................................................................................... 41
4.2.4 Plano Nacional de Educação – PNE.............................................. 43
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 49
REFERÊNCIAS ........................................................................................ 53
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