[livro ufsc] literatura portuguesa iii

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Literatura Portuguesa III Florianópolis - 2013 Susan Aparecida de Oliveira Izabel Cristina da Rosa Gomes dos Santos Período

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Literatura Portuguesa III

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  • Literatura Portuguesa III

    Florianpolis - 2013

    Susan Aparecida de OliveiraIzabel Cristina da Rosa Gomes dos Santos9

    Perodo

  • Governo FederalPresidncia da RepblicaMinistrio de EducaoSecretaria de Ensino a DistnciaCoordenao Nacional da Universidade Aberta do Brasil

    Universidade Federal de Santa CatarinaReitora: Roselane NeckelVice-reitora: Lcia Helena Martins PachecoSecretrio de Educao a Distncia: Ccero BarbosaPr-reitora de Ensino de Graduao: Roselane Ftima CamposPr-reitora de Ps-Graduao: Joana Maria PedroPr-reitor de Pesquisa: Jamil AssreuyPr-reitor de Extenso: Edison da RosaPr-reitora de Planejamento e Oramento: Beatriz Augusto de Paiva Pr-reitor de Administrao: Antnio Carlos Montezuma BritoPr-reitor de Assuntos Estudantis: Lauro Francisco Mattei Diretor do Centro de Comunicao e Expresso: Felcio Wessling MargottiDiretor do Centro de Cincias da Educao: Wilson Schmidt

    Curso de Licenciatura Letras-Portugus na Modalidade a DistnciaDiretor da Unidade de Ensino: Felcio Wessling MarguttiChefe do Departamento: Rosana Cssia KamitaCoordenadora de Curso: Sandra QuarezeminCoordenador de Tutoria: Josias HackCoordenao Pedaggica: Cristiane Lazzarotto Volco

    Comisso EditorialTnia Regina Oliveira RamosSilvia Ins Coneglian Carrilho de VasconcelosCristiane Lazzarotto Volco

  • Equipe de Desenvolvimento de Materiais

    Coordenao: Ane GirondiDesign Instrucional: Daiana AcordiDiagramao: Tamira Silva SpanholCapa: Tamira Silva SpanholTratamento de Imagem: Tamira Silva Spanhol

    Copyright 2011, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Coordena-o Acadmica do Curso de Licenciatura em Letras-Portugus na Modalidade a Distncia.

    Catalogao na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitria da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Ficha Catalogrfica

    O48l Oliveira, Susan Aparecida de Literatura portuguesa III : 9 perodo / Susan Aparecida de Oli veira, Izabel Cristina da Rosa Gomes dos Santos. - Florianpolis : UFSC/CCE/LLV, 2013. 184 p. : il., grafs, tabs.

    Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-61482-63-3

    1. Literatura portuguesa. I. Santos, Izabel Cristina da Rosa Gomes dos. II. Ttulo. CDU: 869.0

  • Sumrio

    Unidade A ..........................................................................................131 A modernidade portuguesa.....................................................................15

    1.1 Introduo ...........................................................................................................15

    1.2 Contexto histrico de Portugal: O colonialismo e o imperialismo ...... 17

    Referncias da Unidade A................................................................................ 28

    Unidade B ...........................................................................................292 Influncias do Modernismo......................................................................31

    2.1 Introduo ...........................................................................................................31

    3 As revistas portuguesas .............................................................................35

    3.1 A Revista Orpheu ............................................................................................. 35

    3.2 A Revista Portugal Futurista ......................................................................... 36

    4 O ultimatum na gerao de Orpheu .....................................................39

    5 O fim da gerao de Orpheu ....................................................................41

    Referncias da Unidade B................................................................................ 41

    Unidade C ...........................................................................................436 O Contexto Histrico da 2 fase do Modernismo Portugus .......45

    6.1 Introduo ...........................................................................................................45

    6.2 A Propaganda e a imagem ............................................................................46

    7 A gerao de presena ...............................................................................49

    8 O fim da gerao da presena .................................................................53

    9 A gerao de presena e Fernando Pessoa ........................................55

    Referncias da Unidade C............................................................................... 57

    Unidade D ..........................................................................................5910 Fernando Pessoa: um poeta singular e plural .................................61

    10.1 Fernando Pessoa, ele mesmo (1888-1935) ...........................................61

    10.2 As obras assinadas por Fernando Pessoa ..............................................61

    11 As teorias poticas de Fernando Pessoa ...........................................65

  • 11.1 O Paulismo ........................................................................................................65

    11.2 O Interseccionismo ........................................................................................66

    11.3 O Sensacionismo ............................................................................................68

    12 Os Heternimos de Fernando Pessoa ................................................69

    12.1 Alberto Caeiro (1889 - 1915) ......................................................................69

    12.2 Ricardo Reis (1887 - 1935?) .........................................................................71

    12.3 lvaro de Campos (1890 - 1935?) .............................................................73

    12.4 Bernardo Soares ..............................................................................................75

    Referncias da Unidade D................................................................................ 78

    Unidade E ...........................................................................................8113 Florbela Espanca: a potica de uma aprendizagem .....................83

    13.1 Trocando Olhares com Florbela ................................................................87

    13.2 Um livro s de mgoas .................................................................................93

    13.3 Sror Saudade, a personagem intertextual ..........................................95

    13.4 O campo rido volta a florir: tempo de Charneca em Flor ...........97

    Referncias da Unidade E...............................................................................100

    Unidade F ........................................................................................ 10114 O neorrealismo e a literatura como denncia social .................103

    15 Influncias das artes plsticas no Neorrealismo ..........................107

    15.1 A arte visual e a potica nas obras neorrealistas ..............................109

    16 O Programa para uma Literatura Neorrealista .............................111

    16.1 Gaibus e as questes de contedo e forma .....................................111

    Referncias da Unidade F........................................................................116

    Unidade G ....................................................................................... 11917 A Literatura Portuguesa Contempornea ......................................121

    17.1 Introduo ......................................................................................................121

    18 Literatura Portuguesa pr-74 .............................................................125

    18.1 O existencialismo e as rupturas ...............................................................125

    18.2 As mulheres tomam posio na literatura ..........................................127

  • 19 Literatura portuguesa ps-74 ............................................................129

    19.1 O ps-colonialismo na literatura de lngua portuguesa ................129

    19.2 A identidade portuguesa sob os riscos da memria da Guerra de Independncia Colonial ......................................................................................130

    19.3 Ps-modernismo na literatura portuguesa contempornea .......132

    19.4 Jos Saramago .............................................................................................133

    Referncias da Unidade G..............................................................................136

    Unidade H ....................................................................................... 13720 Guerra de Independncia Colonial ..................................................139

    20.1 Guerra de Independncia Colonial ........................................................139

    20.2 A emergncia das literaturas africanas de lngua portuguesa aps a Guerra de Independncia Colonial ..............................................................141

    20.3 As literaturas africanas de lngua portuguesa e os pressupostos da sua produo literria independente. ............................................................144

    20.4 Oralidade e griots: guardies da memria..........................................150

    20.5 Oralidade e suas implicaes pedaggicas .......................................154

    20.6 Paisagens Geobiogrficas das Literaturas Africanas de Lngua Portuguesa ...............................................................................................................156

    Para finalizar... ..........................................................................................................174

    Referncias da Unidade H..............................................................................175

  • Apresentao

    Caro(a) aluno(a),

    Estamos iniciando a disciplina de Literatura Portuguesa III e espera- mos que voc se sinta motivado(a) a ler, refletir e discutir os vrios pontos que compem essa disciplina. A nossa ementa extensa e complexa: significa abordarmos a literatura do sculo XX inteiro e todas as questes que definem a modernidade, o modernismo e o ps-modernismo em Portugal. necessrio ter como pressuposto que modernidade e o modernis-mo so conceitos diferentes, mas interdependentes e que esto articulados aos vrios aspectos de uma sociedade, no somente ao literrio. Para isso, contex-tualizaremos historicamente as principais expresses literrias e refletiremos sobre questes histricas e estticas que se entrelaam para tecer a moder-nidade e criar a partir dela a identidade portuguesa. Veremos que a criao dessa identidade moderna e o questionamento dela so chaves mestras para o entendimento do modernismo e do ps-modernismo.

    A literatura portuguesa dialoga profundamente com sua histria, isso quer dizer que sem a compreenso dos contextos histricos no conseguimos alcanar o entendimento das principais manifestaes literrias portugue-sas. O sculo XX repleto de fatos marcantes do ponto de vista social e de inquietaes que atingem indivduos e comunidades, as quais a literatura expressa e d vazo esttica para os significados subjetivos, ideolgicos e polticos de tais inquietaes.

    Trata-se, nessa disciplina, da literatura de um pas que, embora tenha sido nossa metrpole colonial, est na periferia do capitalismo europeu, ou seja, no uma grande economia capitalista moderna, porque durante o sculo XIX, quando as naes europeias se industrializavam, Portugal mantinha-se predominantemente agrrio e dependente da economia colonial africana ba-seada no trabalho compulsrio. No sculo XX, Portugal investiu suas foras econmicas e polticas para manter um regime nacional fascista combinado a uma poltica colonial na frica, alm de enfrentar uma guerra que durou 13 anos (de 1961 a 1974) contra os pases africanos colonizados que lutavam para se libertar do jugo portugus.

  • No dia 25 de abril de 1974, ocorreu a Revoluo dos Cravos em Portugal e, com ela, terminou o perodo fascista e tambm a Guerra de Independncia

    Colonial, com a independncia dos pases africanos colonizados por Portugal (Angola, Moambique, Guin-Bissau, Cabo-Verde e So Tom e Prncipe). A autonomia poltica desses pases significa que cada um deles passa a ter tam-bm uma literatura autnoma, uma literatura nacional e no mais colonial. Assim, para a Literatura Portuguesa III cabe a tarefa de introduzir alguns as-pectos da histria da autonomia dessas literaturas e apresentar a voc os prin-cipais autores que compem esse cenrio multifacetado da literatura de lngua oficial portuguesa no sculo XX. Desse modo, voc precisar agregar aos seus estudos mais um novo conceito: ps-colonialismo.

    Um dos principais objetivos dessa disciplina , portanto, oportunizar a voc o contato com as principais questes estticas e histricas que compem o debate sobre a modernidade, o modernismo e o ps-modernismo portugus, bem como introduzir as reflexes sobre o colonialismo e o ps-colonialismo, que so a base para o entendimento das literaturas africanas de lngua portu-guesa que surgem no sculo XX.

    Na Unidade A, veremos a questo da modernidade portuguesa, seus princi-pais eventos histricos e conceitos que refletem as preocupaes das naes modernas europeias, e como Portugal se coloca nesse cenrio, destacando-se a questo colonial do Brasil e da frica que servem de apoio criao da identi-dade imperial de Portugal. No entanto, essa identidade como Imprio revela--se frgil e a monarquia que a sustenta acaba sucumbindo aos reclames sociais pelo republicanismo. A ideia de modernismo se diferencia em parte do pro-blema da modernidade como estrutura poltica e social, pois o modernismo diz respeito mais a problemas elaborados do ponto de vista cultural, esttico e subjetivo sobre as condies em que se apresenta a modernidade.

    Na Unidade B, veremos que, no incio da primeira Repblica em Portugal, surge a vanguarda modernista de Orpheu e, para ela, a modernidade, que o foco da discusso para a sociedade portuguesa do incio do sculo XX, surge como uma grande interrogao. A gerao de Orpheu, da qual o principal ex-poente Fernando Pessoa, interroga a modernidade, a histria e a identidade portuguesa de forma criativa, inovadora e irreverente.

    Na Unidade C, teremos como objetivo entender as aspiraes da segunda ge-rao modernista, a gerao de Presena, que no tem a impulsividade e a cria-

  • tividade da gerao de Orpheu, mas desejava manter viva a pulso modernista de criar uma literatura nova. O contexto da gerao de Presena, as dcadas de 20 e 30 so cruciais para as demais fases e expresses da

    literatura portuguesa do sculo XX, pois nesse contexto que se instituciona-liza o fascismo em Portugal, com o governo de Antnio de Oliveira Salazar, denominado de salazarismo e que duraria 41 anos. O fascismo que tinha como base o nacionalismo e o colonialismo na frica impe limites severos criao artstica, mas, paradoxalmente, tambm nos anos 20 e 30 que floresce a sur-preendente personalidade potica de Fernando Pessoa.

    Na Unidade D, passaremos a ter um contato mais prximo com Fernando Pes-soa e a sua criao potica. Criador de vrios heternimos, ou vrios poetas aos quais d nome e personalidade, Fernando Pessoa um dos escritores mais complexos e resistentes anlise literria. Os vrios poetas que vivem dentro de Fernando Pessoa o tornam uma fascinante indagao sobre o que a li-teratura e o que um autor. No entanto, o poeta, ao interrogar-se atravs de mltiplas vozes, pergunta tambm quem Portugal?.

    Na Unidade E, encontraremos outra personalidade potica fascinante. Trata- se de Florbela Espanca que, como Fernando Pessoa, morreu jovem, vendo ape-nas uma pequena parte de sua obra ser publicada e reconhecida, mesmo assim com grandes dificuldades. Sua vida breve e sua obra tm as marcas de um esprito inquieto e revolucionrio, acima de tudo de uma mulher em constante luta consigo mesma e com a sociedade portuguesa dos anos 20.

    Na Unidade F, abordaremos o neorrealismo, que visava discutir os grandes problemas sociais desencadeados pelo fascismo e pelo seu projeto de moder-nidade. Trabalhando com categorias marxistas como luta de classes e aliena-o, o neorrealismo pretendia ser a voz dos oprimidos pelo sistema capitalista e pelo seu lado mais perverso, o fascismo implementado e conduzido por An-tnio de Oliveira Salazar. Os artistas do neorrealismo foram grandes comba-tentes por uma arte comprometida com a transformao social.

    Na Unidade G, discutiremos as principais expresses literrias surgidas no contexto da Revoluo dos Cravos de 1974, ou seja, as literaturas de orientao ps-moderna e ps-colonial, que surgem nos perodos pr e ps-74.

    Na Unidade H, apresentaremos um panorama sobre as questes que definiram a emergncia autnoma das literaturas africanas de lngua portuguesa, bem como suas principais caractersticas sociolgicas, estticas e polticas.

  • Procuramos nesse livro apresentar os aspectos fundamentais que vo orien-tar a compreenso da literatura portuguesa e das literaturas africanas de ln-gua portuguesa nos sculos XX e XXI, entendemos que se faz necessrio, a partir dessa orientao, que sejam buscados mais textos e mais recursos que venham a complementar o nosso plano de curso. Para isso, disponibilizare-mos tambm no ambiente virtual textos e materiais audiovisuais que possam servir de apoio nesse percurso pela literatura portuguesa e literaturas africa-nas de lngua portuguesa. Bons estudos!

    Um abrao!

    Susan de Oliveira e Bel Gomes

  • Unidade AA Modernidade e o Modernismo Portugus

  • Captulo 01A Modernidade portuguesa

    15

    1 A modernidade portuguesa

    Conhecer o contexto histrico e identificar as condies em que as carac-tersticas da modernidade em Portugal surgiram e como estas se tornaram,

    para a vanguarda do modernismo, a base do questionamento da identidade portuguesa.

    1.1 Introduo

    Modernidade e modernismo so dois conceitos interdependentes, mas no idnticos, inclusive temporalmente. Isso quer dizer que, en- quan-to pode ser possvel falar de modernismo destacando as caractersticas es-tticas de uma determinada poca ou de algumas geraes, para falar de modernidade preciso ir mais atrs histria e observar que a ideia e o projeto de modernidade esto relacionados a processos longos e profundas transformaes. A modernidade leva tempo para ser gestada, pois se trata de gerar tanto aquelas alteraes visveis no modo e no ritmo de vida da sociedade quanto a conscincia do seu significado. A maioria das naes europeias levou, pelo menos, dois sculos para se considerar moderna.

    Assim como ocorreu em toda a Europa, o incio do sculo XX marca o incio do modernismo em Portugal trazendo inovaes estticas incenti-vadas por uma conscincia de que a modernidade portuguesa como trans-formao social, poltica e econmica no havia, no entanto, ocorrido no mesmo compasso em que acontecera no restante do continente europeu, onde fora guiada pela Revoluo Industrial. A modernidade portuguesa, acanhada, pouco industrializada e dependente do colonialismo, denotava a falta de um projeto de desenvolvimento nacional que fosse a porta de entrada de Portugal na modernidade europeia que seguia a pleno vapor.

    Portanto, Portugal conheceria, no incio do sculo XX, a esttica das vanguardas modernistas sem que a sua sociedade vivesse o senti-do pleno da modernidade, com suas indstrias, urbanizao, vitrines, tri- lhos, trens, automveis, velocidade, luzes e produo em massa. Por outro lado, Portugal tambm no havia amadurecido um projeto

  • Literatura Portuguesa III

    16

    de nao. A falta dele influenciaria a primeira gerao portuguesa mo-dernista do sculo XX: a gerao de Orpheu.

    A ideia de nao, alm de ser fruto de um longo processo histrico, corresponde ao conceito central da modernidade. Por isso, segundo o fi-lsofo e ensasta portugus Eduardo Loureno, o modernismo em Portu-gal surgiu interrogando a falta desse projeto de nao e com uma espcie de saudade dos tempos das grandes navegaes e descobertas, quando Portugal tinha uma autoimagem superlativa de si mesmo. Mas, a moder-nidade exps muitas faltas e trouxe outros tempos, em que Portugal ti-nha que se habituar a se enxergar menor. De outro modo, diramos que o modernismo portugus - como conscincia dessa modernidade cheia de conflitos entre perdas e ganhos - nasceu reclamando um projeto de futuro e, por isso, tinha a conotao de um acerto de contas com o que foi feito no passado. No entanto, o mesmo Eduardo Loureno enfatiza que o prprio modernismo que vamos estudar tem, precisamente, suas origens nas geraes de escritores que se sucederam durante o sculo XIX e que faziam a mesma interrogao (LOURENO, 1982, p. 85-94).

    Ento, de certo modo, o modernismo portugus do sculo XX atu-alizou uma pergunta crucial que j vinha sendo feita desde o sculo XIX: quem Portugal?. Mas, atualizar a pergunta diferente de ter a resposta e, sem responder a essa pergunta, sem obter xito na busca de sua iden-tidade como nao, Portugal no poderia fazer-se presente no moderno contexto das naes europeias. Essa necessidade de auto-conhecimento do ser portugus j era tema recorrente na sociedade portuguesa no sculo XIX e, naquele contexto, agitou os intensos debates polticos entre liberais, monarquistas e republicanos em torno do projeto portugus de nao.

    Um golpe particularmente importante na identidade portuguesa ocorreu com a fuga da famlia real portuguesa para o Brasil, em 1807, por ocasio das invases de Napoleo Bonaparte na pennsula ibrica. O auge dessa crise de identidade, no entanto, ocorreu a partir do episdio do ul-timatum da Inglaterra, em 1890. Inclusive, como veremos na Unidade B, o ultimatum ser um tema candente para a vanguarda modernista, para a gerao de Orpheu, que utilizar esse fato poltico, e para a questo da

  • Captulo 01A Modernidade portuguesa

    17

    identidade portuguesa, de que ele se torna pea chave como uma das suas matrias literrias. Por isso, para compreender o modernismo portugus importante que voc conhea alguns fatos histricos e os seus desdobra-mentos polticos, pois eles expressam caractersticas da modernidade e da identidade portuguesa a que o modernismo direta e indiretamente far referncia. Agora que vimos as linhas gerais e alguns pontos de destaque sobre a questo do modernismo e da modernidade em Portugal podere-mos detalhar um pouco mais essa histria. Vamos l?

    1.2 Contexto histrico de Portugal: O colonialismo e o imperialismo

    1.2.1 A invaso napolenica e o problema portugus

    Em primeiro lugar, trata-se de ter como foco a ideia de nao sobre a qual se assentam as caractersticas locais da modernidade. Segundo Eric Hobsbawn, a caracterstica bsica da nao moderna e de tudo o que a ela est ligado sua modernidade (HOBSBAWM, 1990, p. 27). Ou seja, definir a modernidade de uma nao significa, precisamente, entender o que essa nao. Dessa definio entende-se que a nao moderna con-tgua ao Estado (ou seja, a sociedade se expressa no governo) e que ambos tm, portanto, uma unidade interna fundada pela lngua falada e uma estrutura territorial delimitada por suas fronteiras geopolticas externas.

    No perodo das Guerras Napolenicas (1799-1815), em que ocorreu a invaso de vrios pases da Europa pelas tropas francesas de Napoleo Bonaparte, houve um episdio particularmente grave e consequncias definitivas para a geopoltica moderna de Portugal: Portugal foi invadi- do por Napoleo, a famlia real e a capital do Imprio se transferiram para o Brasil e este se tornou independente de Portugal que, portanto, ficaria sem a sua principal colnia. Ficar sem a colnia brasileira abalou profundamente a identidade de Portugal, que se reconhecia diante de outros povos europeus como centro de um imprio colonial e, quando esse imprio comeou a ruir, essa identidade imperial deixou de fazer sentido. Mas, vamos ver como aconteceram todos esses fatos.

    A nao moderna a que o historiador se refere seria o Estado--nao surgido do binmio territrio-ln- gua e cuja definio data de 1884.

    Voc poder pesquisar um pouco mais sobre as guer- ras napoleni-cas e a fuga da famlia real portuguesa que vamos abordar aqui.

  • Literatura Portuguesa III

    18

    1.2.2 Rivalidades na Europa

    Napoleo Bonaparte, Imperador da Frana aps o enfraquecimento da Revoluo Francesa tornou-se uma figura importante no contexto europeu entre 1804 e 1816 por causa dos seus anseios de ser Imperador da Europa.

    A Espanha, em 1799 (ano em que Napoleo assume o poder), era aliada da Frana contra os interesses mercantis ingleses na Europa e tam-bm favorvel ao plano de Napoleo Bonaparte de tornar-se o Imperador da Europa por meio da conquista de outros povos e territrios europeus.

    Portugal, que, por sua vez, mantinha tambm aliana com a Espanha, recebera um mandato da Frana para se juntar ao bloqueio continental contra a Inglaterra, o que significava: fechar os seus portos navegao britnica; declarar guerra Inglaterra e sequestrar os bens dos ingleses residentes em Portugal. Se Portugal assim fizesse, Napoleo prometia ga-rantias de permanncia no trono a D. Joo VI, o rei portugus.

    No entanto, em 1807, Napoleo faz secretamente um acordo com a Espanha, para dividirem o territrio de Portugal entre si, assim que D. Joo VI assinasse o acordo do bloqueio Inglaterra. O caso que havia um importante contrato comercial entre a Inglaterra e Portugal que impedia D. Joo VI de fechar os portos ao comrcio britnico. O contrato comercial previa a troca de vinhos portugueses por teci-dos ingleses. Assim, na prtica, Inglaterra e Portugal garantiam mtua exclusividade do comrcio para seus principais produtos, o que era altamente compensador para ambos. O detalhe que esse comrcio mostrava que Portugal no havia criado disposio para fazer a sua prpria revoluo industrial, pois os tecidos ingleses j eram produtos industrializados, enquanto os vinhos portugueses eram produtos arte-sanais, sem investimentos industriais.

    Assim, os laos entre Portugal e Inglaterra no seriam rompidos facilmente e, por outro lado, Napoleo mentia, pois no pretendia, de fato, dividir o territrio portugus com a Espanha. Ento, nesse mesmo ano de 1807, Napoleo atacou a pennsula ibrica invadindo

    A Revoluo Francesa, ocorrida entre 1789

    e 1799, reuniu v-rios acontecimentos

    de ordem poltica, econmica e social.

    Teve muitos avanos, mas experimentou

    um grave retrocesso quando, aps abolir a monarquia, Napoleo

    tomou o poder com um golpe de Estado e tornou-se Imperador

    da Frana.

  • Captulo 01A Modernidade portuguesa

    19

    o territrio portugus e nomeando seu irmo, Jos Bonaparte, rei da Espanha. Depois desse feito, o exrcito francs partiu rumo a Portugal para, tambm l, tentar destituir o rei, D. Joo VI.

    Portugal, descobrindo a inteno de Napoleo, reage contra a Frana sob a liderana da Inglaterra e, s pressas, a famlia real portu-guesa foge para o Brasil sob a proteo de esquadras inglesas. Conta-se que as tropas napolenicas ainda puderam ver as esquadras no mar, mas sem nada poder fazer. Em 1808, ao aportar no Brasil, o prnci-pe regente D. Joo VI assinou o Decreto de Abertura dos Portos s Naes Amigas, ampliando o comr-cio com a Europa e, especialmente, com a Inglaterra. Em 1810, D. Joo VI viria a assinar novos acordos comerciais com os ingleses que, por sua vez, ajuda-ram a expulsar o exrcito francs, retomando Lisboa aos portugueses e, em solo russo, seriam tambm os ingleses que derrotariam definitivamente o exrcito de Napoleo, pondo fim s Guerras Napolenicas.

    1.2.3 A Independncia do Brasil, os ingleses e o destino de

    Portugal

    A derrota da Frana de Napoleo fortaleceu a hegemonia in-glesa em toda a Europa e consolidou as bases da independncia econmica e poltica das colnias latinoamericanas, pois a partir da abertura comercial e poltica dos portos, tanto na Amrica his-pnica como no Brasil, houve motivao para os movimentos inde-pendentistas por aqui. De fato, no Brasil a transferncia da capital do Imprio para o Rio de Janeiro trouxe mudanas polticas, eco-nmicas e culturais definitivas que tornaram irreversvel o cami-nho para a Independncia que foi proclamada pelo filho de D. Joo VI, o Prncipe Regente D. Pedro I, que aqui ficou depois do retorno do pai ao comando de Portugal em Lisboa.

    A chegada da famlia real em 1808, no Rio de Janeiro.

  • Literatura Portuguesa III

    20

    A Inglaterra se interessava pela independncia das colnias por-tuguesas, pois, com isso, poderia fazer crescer os mercados consumi-dores para os seus produtos, e foi com essa inteno que exigia, a par-tir de 1822, cada vez com mais determinao, que Portugal pusesse fim ao comrcio escravista da frica.

    Enquanto D. Joo VI ainda no retornara a Portugal, l o poder ficara vago e a sociedade portuguesa comeava a se ressentir da falta prolongada do monarca no comando. Os monarquistas liberais, que eram partidrios de D. Joo VI e de D. Pedro I, comearam a sofrer presses dos monarquistas absolutistas que eram contra a Indepen-dncia do Brasil e queriam que o rei voltasse a seu posto mantendo a qualquer custo a colnia. Aps D. Joo VI retornar a Portugal em 1821, deu-se no ano seguinte, em 7 de setembro de 1822, a Indepen-dncia do Brasil, e com ela a perda da principal colnia portuguesa que, at ento, havia assegurado a posio de Portugal como detentora de um grande imprio colonial. O perodo de mais de uma dcada sem um rei a sustentar o comando em Lisboa, a independncia do Brasil proclamada e a presso pelo fim do comrcio de escravos, gera-ram a primeira grande crise da monarquia portuguesa e deram origem aos debates e conflitos civis em torno da ideia de nao, do tipo de mo-narquia (se absolutista ou monarquista) e dos rumos da modernidade em Portugal, tudo com grandes implicaes no s no governo mas, tambm, claro, no sentimento de identidade.

    Os conflitos existentes em Portugal ocorreram entre monarquistas

    absolutistas, que desejavam um rei como comandante nico de um

    imprio sem divises, e os monarquistas liberais, que pretendiam que

    D. Joo VI governasse com um conselho de notveis eleitos (Cortes,

    Deputados e Magistrados) e pautado nas leis de uma Constituio.

    Essa constituio era a de 1822 promulgada no Brasil -que rejeitava

    o princpio absolutista, pois permitia que D. Joo VI governasse junto

    com D. Pedro I, o qual seria designado Regente do Brasil e que, como

    tal, inclusive, poderia declarar a independncia brasileira como, de

    fato, ele o fez. Assim, a Constituio liberal de 1822 admitia:

  • Captulo 01A Modernidade portuguesa

    21

    1.2.4 Naes e nacionalidades

    Como vimos, no final do sculo XIX, o princpio de nacionalidade de um povo estava definido por sua identificao a um territrio e a uma lngua comum, bem como a um sentimento de pertencimento que daria ao povo sua caracterstica de unidade sem levar em conta as diferenas. O sentimento de pertencimento ao territrio e lngua, por sua vez, de-veria ser capaz de estabelecer-se tambm como um vnculo intemporal, ou seja, precisaria corresponder a uma evoluo histrica comum. Tal sentimento e sentido de continuidade histrica teriam como princpios a ideia de um passado compartilhado - entendido como uma tradio - e, tambm, a ideia de um futuro ou destino comum. Passado e futuro, ou seja, a tradio e a misso histrica uniriam o povo numa mesma unidade, em detrimento das diferenas culturais e sociais existentes.

    Haver no reino do Brasil uma delegao do poder executivo,

    en- carregada duma Regncia, que residir no lugar mais con-

    veniente que a lei designar. Dela podero ficar independentes

    algumas provncias, e sujeitas imediatamente ao Governo de

    Portugal. (Constituio Portuguesa de 1822, cap. II, art. 128)

    A Constituio de 1822, sobre a qual jurou D. Joo VI, foi revogada em

    1823 pelas presses de seu filho, D. Manuel, que era absolutista e to-

    mou o poder fora, traindo os acordos com a famlia e a Constituio

    vigente. Anos depois, em 1836, essa Constituio foi reabili- tada por

    D. Pedro I, que voltara a Lisboa para assumir o trono (l ele era chama-

    do D. Pedro IV) deixando no Brasil seu filho, D. Pedro II, como Regente.

    Na Frana, por exemplo, poca da Revoluo Francesa, a hetero-

    geneidade do povo francs sobretudo a diferena entre as classes

    operrias e camponesas - foi vista pelos revolucionrios jacobinos

    como um problema para a extenso da bandeira liberdade-igualda-

  • Literatura Portuguesa III

    22

    Em toda a Europa, durante o sculo XIX, houve mudanas em escala progressiva: o princpio de nacionalidade e o fortalecimento das fronteiras por causa das guerras napolenicas mudaram a poltica interna e o modo de vida da sociedade dentro de cada pas. O Estado--nao como base dos governos modernos constituiu-se territorial-mente e mudou no apenas o mapa poltico da Europa, mas de todo o mundo. No final do sculo XIX, tornou-se meta das naes modernas recolonizar a frica, pois acirrou-se a corrida imperialista por novos mercados, significando a revitalizao do colonialismo especialmente voltado para o continente africano, uma vez que a Amrica Latina j se adiantara na sua independncia colonial.

    A conquista de terras e povos para fazer crescer economicamente as naes europeias deu origem expanso colonial do final do sculo XIX, tendo a Inglaterra como centro irradiador do imperialismo europeu:

    O que temos um quadro lentamente construdo em que a Inglaterra

    mapeada e diferenciada social, poltica e moralmente nos mais nfimos

    detalhes ocupa o centro, tendo na periferia uma srie de territrios

    ultramarinos ligados a ela. (SAID, 1995, p. 113).

    Essa definio do crtico literrio Edward Said sobre a In-glaterra oitocentista vale tambm para outros pases da Euro-pa, como Frana e Portugal, duas naes que se serviram bem dessa periferia colonial ultramarina atravs da recolonizao da frica, no final do sculo XIX.

    de-fraternidade sobre o territrio da Frana. Essa fragilidade inspira-

    va medo alta burguesia francesa - os chamados girondinos - que

    no admitia ceder seus privilgios para o bem da maioria, e foi isso

    que levou Napoleo Bonaparte ao poder no golpe de Estado cha-

    mado Golpe de 18 Brumrio, assim chamado pelo calendrio da

    Revoluo Francesa, ou seja, 9 de novembro de 1799.

    A revoluo industrial

  • Captulo 01A Modernidade portuguesa

    23

    No entanto, como veremos, a condio da Inglaterra como centro irradiador do imperialismo estendeu-se e foi mantida sobre o restante da Europa e, nesse caso, especialmente sobre Portugal, que dela depen-dia. Portugal, no final do sculo XIX, seguia ocupando a problemtica posio de periferia numa Europa que se industrializava agressiva e ra-pidamente sob o comando da Inglaterra.

    A industrializao da cada nao significava sua modernizao, o que se tornava visvel atravs do crescimento das infraestruturas econmicas e sociais, da expanso urbana e dos mercados consumi-dores. Isso tudo dependia de investimentos em mquinas e matrias--primas, dependia, portanto, tambm do ajuste do colonialismo pra-ticado na frica a essas novas demandas, pois era nesses territrios coloniais que estava a possibilidade de acumulao das riquezas de que a Europa se serviria para continuar a investir na sua moderni-zao. Essa funo de alimentar o desenvolvimento europeu j havia sido desempenhada antes pela Amrica Latina e tambm pela fri-ca na primeira era colonial do sculo XVI. Mas, naquela poca, era principalmente sobre o comrcio de escravos que se assentavam os interesses europeus na frica. O interesse do colonialismo europeu do sculo XIX na frica tornou-se ainda maior, mas agora com foco especial nas riquezas do seu territrio.

    Comrcio de escravos

  • Literatura Portuguesa III

    24

    1.2.5 A crise portuguesa diante do ultimatum e a implanta-

    o da 1 Repblica

    Desde que foi iniciada a conquista da frica pelos europeus, no sculo XVI, os principais fatos histricos em territrio africano esto ligados a esse empreendimento e, principalmente, s disputas econ-

    micas e polticas dele decorrentes. At o sculo XIX, a presena europeia era limitada em certas propores e mto-dos de explorao para o mer cado co-lonial de escravos realizado entre fri-ca, Amrica e Europa.

    Ns vimos que um dos fatos mais importantes ocorridos no sculo XIX foi o acordo que se deu em 1810, entre Portugal e Inglaterra, quando estes pu-seram fim ao comrcio de escravos que era a principal atividade comercial dos

    portos brasileiros recm abertos aos ingleses. Mesmo assim, aps a negociao inicial, e contra a determinao dos ingleses, o trfico ne-greiro transatlntico era mantido clandestinamente por Portugal atra-vs de Luanda, Guin-Bissau e Cabo-Verde, e continuaram chegando escravos em quantidades cada vez maiores no Brasil.

    Somente em 1840 cessou o trfico de escravos atravs de Luanda, atual capital de Angola. No Brasil, cessaria o trfico aps 1850.

    O fim do trfico de escravos deu lugar a outra forma de explora-o europeia, destacando-se nesse contexto que a explorao portu-guesa foi intensificada nas plantaes extensivas (plantations) e a na explorao de diamantes, notadamente em regies como a Lunda, no interior de Angola. Para esse fim, trabalhadores escravos eram compe-lidos para o trabalho forado pelos portugueses nas plantations de So Tom e Prncipe aps 1850.

    Entre 1841 e 1845 en-traram ilegalmente no

    Brasil 97.742 negros escravos e, de 1845

    a 1851, esse nmero chegaria a 243.496.

    Mapa da rota do comrcio de escravos entre Europa, Amrica e frica.

  • Captulo 01A Modernidade portuguesa

    25

    s margens do Rio Kuanza, que nasce na regio de Bi, atravessa o territrio de Angola, chega capital Luanda e de-sgua no Atlntico, organizavam-se os tradicionais sobados, que se tornaram dependentes dos esquemas coloniais de trfico de escravos e matrias-primas. Em troca da obedin-cia dos sobas - chefes dos sobados - que facilitavam o acesso s regies, os mercadores se beneficiavam e garantiam a se-gurana dos povoados contra as ameaas de invases e sa-ques. Kabuko Kambilo, um dos maiores sobados da regio de Angola, por exemplo, aliou-se aos portugueses em 1875 e adotou uma poltica de agresso aos seus vizinhos.

    O fato colonial que mudaria a corrida imperialis-ta na frica no sculo XIX foi a Conferncia de Berlim (1884-1885). Proposta por Otto Von Bismar- ck, primeiro--ministro da Alemanha, a Conferncia tinha o objetivo de recolonizar a frica, adequando as suas fronteiras s necessidades da mo-dernidade e interesses do imperialismo europeu. As novas linhas divi-srias foram ratificadas por 13 pases da Europa, mais Estados Unidos e Turquia. Dentro dessas novas fronteiras foram reunidas diferentes etnias africanas em um mesmo espao nacional, o que viria a ser mais um moti-vo de rivalidades entre tribos nativas e lutas fratricidas, as quais permane-ceram at o final do sculo XX, mesmo aps a descolonizao da frica, como veremos em nossa ltima Unidade.

    A Inglaterra e a Frana, em virtude do acordo de Berlim, obtive-ram mais territrios, segui- dos de Portugal, Blgica e Espanha. Terri-trios menores foram ocupados pela Alemanha e Itlia, sendo que a Alemanha e Itlia perderam seus territrios coloniais logo aps a 1 e a 2 Guerras Mundiais, respectivamente.

    Na ocasio da Conferncia de Berlim, Portugal apresentou, atravs do Mapa Rosa, o projeto de unio territorial entre duas de suas colnias, Angola e Moambique, incorporando a faixa central entre elas. Essa faixa corresponde regio da Bacia do Congo (regio onde esto o Zimbbue, a Zmbia e Malawi), o que aumentaria a sua influncia territorial.

    Mapa atual de Angola (2004) com suas regies internas, que so as

    mesmas da poca

    Mapa Rosa, que incorporaria a Bacia do Congo (regio central)

    entre Angola e Moambique ao projeto colonial portugus. Motivo do

    Ultimatum.

  • Literatura Portuguesa III

    26

    1.2.6 O Mapa Rosa

    O Mapa Rosa contm a proposta de Portugal que originou a discor- dncia da Inglaterra, a qual dominava a parte sul da frica, apresentan- do, ento, a Portugal o ultimatum de 1890, para que as foras militares portu-guesas fossem retiradas daquela faixa territorial. A argumentao da Ingla-terra tinha como fonte a ideia de ocupao efetiva, o que significava que a ocupao colonial deveria ser feita mediante implantao de tecnologias e capacidade de investimentos. Isso deixava Portugal em desvantagem diante dos propsitos ingleses. Ora, a Inglaterra tinha as condies tecnolgicas e de investimentos para a ocupao efetiva e apresentava um projeto ambi-cioso de implantar nessa regio reclamada por Portugal uma estrada de fer-ro que ligaria o Cairo ao Cabo, ou seja, atravessaria a frica de Norte a Sul.

    As negociaes tumultuadas entre Inglaterra e Portugal duraram des-de a Conferncia de Berlim, entre 1875 e 1890, data do ultimatum ingls para que os portugueses sassem do territrio do Congo. Esse tenso conflito

    diplomtico e militar que culminou com o ultimatum e a consequente sada do exrcito portugus da Bacia do Con-go levou Portugal outra grave crise poltica.

    Portugal retirou-se da frica, depois da intimida-o sofrida, deixando o orgulho nacional ferido. Diante disso, as presses populares e do Partido Republicano Portugus contra a monarquia aumentaram e, por isso, os monarquistas no poder decidiram proibir manifesta-es pblicas, gerando a represso do governo portugus sobre as manifestaes da sociedade. Na verdade, o epi-sdio do ultimatum daria ao Partido Republicano a sua base ideolgica de enfrentamento contra a monarquia, notadamente pela forma como os monarquistas cederam s condies impostas pela Inglaterra. O orgulho nacio-nal ficara abalado diante dessa espcie de capitulao frente ao que era considerada a misso histrica e o des-

    tino de Portugal, ou seja, a expanso e manuteno do seu imprio ultra-mar. Como resultado da Conferncia de Berlim, Portugal no conseguiu

    Para ver o mapa com-pleto desse ambicioso projeto visite o site da

    Biblioteca Nacionalde Portugal, em

    Mapa do Atlas Vidal de La Blache, com o detalhe da Bacia do Congo no projeto ferrovi-rio da Inglaterra. As vias frreas esto represen-tadas nas linhas pontilhadas mais largas.

  • Captulo 01A Modernidade portuguesa

    27

    manter seus domnios, mas, entretanto, junto com Inglaterra e Frana, foi um dos pases que mais se beneficiou da nova diviso da frica.

    Pela diviso acordada por 13 pases europeus, mais os Estados Uni-dos e a Turquia, as vrias etnias presentes em toda a frica foram reunidas em diferentes territrios nacionais submetidos aos governos coloniais. Os efeitos dessa unio forada entre os povos africanos foram nefastos, pois isso aumentou as rivalidades internas entre as etnias e fomentou guerras fratricidas que se mantiveram, inclusive, aps as lutas de indepen-dncia colonial ocorridas entre 1962 e 1974.

    Concluindo: Vamos rever a questo colonial africana no final dos nossos estudos. Por ora, importante concentrarmos no contexto polti-co portugus, resultante das disputas geopolti-cas e coloniais e que se tornaram decisivas para o entendimento das condies da modernidade portuguesa, tambm chamada de modernidade semiperifrica pelo socilogo portugus Boaven-tura de Sousa Santos. A modernidade perifrica define um Portugal que en-trou na modernidade do sculo XX numa situao de dependncia poltica e econmica em relao Europa e tambm em relao sua principal co-lnia, o Brasil. A sociedade portuguesa, durante o scu- lo XIX, vivenciaria a sua realidade de dependncia colonial, pois, sem suas colnias, como Por-tugal manteria a imagem imperial? No incio do sculo XX, como decor-rncia do desgosto do ultimatum de 1890 e de um descontentamento social generalizado com a monarquia, houve a revolta republicana em Portugal.

    A primeira Repblica Portuguesa fora implantada em 1910. Havia, por parte dos republicanos, um projeto de resgate do orgulho nacional, mas no havia coextensivamente um projeto slido de modernidade da nao. Com isso, as insatisfaes populares, bem como as demandas so-ciais e econmicas, cresceriam face a um governo republicano inefi- ciente e que continuava a no assumir um papel na vitrine da Europa moderna. O modernismo portugus surge, nesse contexto republicano, questionan-do tudo o que foi e no foi feito at ento.

    Mapa da frica contempornea.

  • Literatura Portuguesa III

    28

    Referncias da Unidade A

    HOBSBAWN, Eric. Naes e Nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

    LOURENO, Eduardo. O labirinto da Saudade. 2 edio. Lisboa: D. Quixote, 1982.

    SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. So Paulo: Companhia das Le-tras, 1995.

  • Unidade BO Modernismo e a Vanguarda:a Gerao de Orpheu

  • Captulo 02Influncias do Modernismo

    31

    2 Influncias do Modernismo

    Identificar as principais expresses estticas da Gerao de Orpheu e as suas influncias.

    2.1 Introduo

    No contexto da transio da monarquia para a 1 Repblica, em Portugal, comeam a surgir os primeiros movimentos dos modernis-tas, ou seja, daqueles que comporiam a chamada Gerao de Orpheu. A Gerao de Orpheu foi assim chamada por ter sua produo potica e crtica vinculada quele que foi o seu principal veculo de divulgao: a Revista Orpheu.

    A gerao de Orpheu foi a vanguarda do modernismo portugus e teve influncia das teses futuristas do italiano Filippo Tommaso Mari-netti (1876-1944). A esttica futurista chega a Lisboa atravs de dois representantes da Gerao de Orpheu: o poeta Mrio de S-Carneiro (1890-1916) e o artista plstico Guilherme de Santa-Rita, conhecido como Santa-Rita Pintor (1889-1918). Ambos travaram contato com o Manifesto Futurista de Ma-rinetti em Paris, onde viviam. O manifesto fora publicado em 20 de fevereiro de 1909 no jornal francs Le Figaro e foi traduzido ao portugus pelo poeta Luis Francisco Bicudo, tambm em 1909, aparecendo publicado no jornal Diario dos Aores juntamente com uma entrevista de Marinetti.

    Entretanto, o futurismo, embora decisivo para o mo-dernismo portugus, ficaria restrito aos eventos efmeros de sua vanguarda, a Gerao de Orpheu, que produziu as Revistas Orpheu (1915, dois nmeros) e Portugal Futurista (1917, nico nmero). Publicao do Manifesto Futurista no Jornal Le Figaro, 1909.

  • Literatura Portuguesa III

    32

    Manifesto Futurista de Marinetti.

    1. Ns queremos cantar o amor ao perigo, o hbito da energia e da

    temeridade;

    2. A coragem, a audcia, a rebelio sero elementos essenciais de

    nossa poesia;

    3. A literatura exaltou at hoje a imobilidade pensativa, o xtase, o

    sono. Ns queremos exaltar o movimento agressivo, a insnia febril,

    o passo de corrida, o salto mortal, o bofeto e o soco;

    4. Ns afirmamos que a magnificncia do mundo se enriqueceu de

    uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automvel de cor-

    rida com o seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a

    serpentes de hlito explosivo um automvel rugidor, que parece

    correr sobre a metralha, mais bonito que a Vitria de Samotrcia;

    5. Ns queremos glorificar o homem que segura o volante, cuja has-

    te ideal atravessa a Terra, lanada tambm numa corrida sobre o cir-

    cuito da sua rbita;

    6. preciso que o poeta prodigalize com ardor, esforo e liberdade,

    para aumentar o entusistico fervor dos elementos primordiais;

    7. No h mais beleza, a no ser na luta. Nenhuma obra que no te-

    nha um carcter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve

    ser concebida como um violento assalto contra as foras desconhe-

    cidas, para obrig-las a prostrar-se diante do homem;

    8. Ns estamos no promontrio extremo dos sculos! Por que

    haveramos de olhar para trs, se queremos arrombar as misterio-

    sas portas do Impossvel? O Tempo e o Espao morreram ontem. J

    estamos vivendo no absoluto, pois j criamos a eterna velocidade

    omnipotente;

    9. Queremos glorificar a guerra nica higiene do mundo , o mi-

    litarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertrios, as belas

  • Captulo 02Influncias do Modernismo

    33

    Depois do impacto inicial do Manifesto Futurista, a sua influncia sobre a Gerao de Orpheu foi minimizada, abrindo espao para a cria-tividade caracterstica do grupo que, em linhas gerais, estabeleceu:

    a experimentao esttica com inovao e ousadia; o tempo das criaes estticas de Fernando Pessoa (o sensacionismo, in-terseccionismo e o paulismo) e tambm dos seus heternimos;

    o futurismo manifestado na recusa do passado (mesmo em di-logo com este), mas sem lig-lo abertamente ao fascismo e guerra imperialista como fez Marinetti na Itlia. Os poetas de Orpheu, quando citam a guerra, o fazem mais como provocao classe poltica portuguesa e ao conformismo da burguesia;

    ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher;

    10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de

    toda a natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda a vile-

    za oportunista e utilitria;

    11. Cantaremos as grandes multides agitadas pelo trabalho,

    pelo prazer ou pela sublevao; cantaremos as mars multicores

    e polifnicas das revolues nas capitais modernas; cantaremos

    o vibrante fervor nocturno dos arsenais e dos estaleiros incen-

    diados por violentas lutas elctricas; as estaes esganadas, de-

    voradoras de serpentes que fumam; as fbricas penduradas nas

    nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaas; as pontes, seme-

    lhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao

    sol com um luzir de facas; os pirscafos aventurosos que farejam

    o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre

    os trilhos, como enormes cavalos de ao enleados de carros; e

    o voo rasante dos avies, cuja hlice freme ao vento, como uma

    bandeira, e parece aplaudir como uma multido entusiasta. (MA-

    RINETTI, 1909, p.1-2).

  • Literatura Portuguesa III

    34

    a exaltao ao maquinismo, presente tanto no contedo como na forma. A forma potica imita a produo industrial feita em srie e com movimentos repetidos, assim vemos maquinismo na seriao, na repetio e na multiplicao tanto na linguagem como no tipo de versificao de muitos poemas dos modernis-tas de Orpheu.

  • Captulo 03As revistas portuguesas

    35

    3 As revistas portuguesas

    Conhecer os principais veculos de formao e difuso da vanguarda modernista portuguesa.

    3.1 A Revista Orpheu

    Foi nas pginas da Revista Orpheu, lanada em maro de 1915, com apenas dois nmeros, que se uniram os principais autores da vanguarda modernista portuguesa.

    Os escritores Fernando Pessoa, Mario de S-Carneiro, Almada Ne-greiro, Lus de Montalvor, entre outros, criaram a revista Orpheu, que causou muita polmica, por apresentar uma concepo de arte inovado-ra, principalmente para o ambiente conservador de Portugal.

    A proposta dos criadores era de que a revista Orpheu fosse publi-cada trimestralmente. Entretanto, s foram publicados dois nmeros, tendo em vista que o pblico leitor era pequeno e o custeio era feito pe-los prprios autores. Os diretores da 1 edio foram Luis de Montalvor (Portugal) e Ronald Carvalho (Brasil).

    A primeira edio de Orpheu apresenta os principais autores da ge-rao e tambm as suas tendncias estticas. Mrio de S-Carneiro abria a Revista com o seu conjunto de poemas Indcios de Oiro. Fernando Pessoa apresentava o seu O Marinheiro, drama esttico em um quadro, com o forte carter da esttica que viria a ser designada por ele como paulismo. Tambm representavam atributos do paulismo os poemas de Armando Cortes-Rodrigues e Alfredo Guisado. Apresentava- se, tam-

    Os principais autores da gerao de Orpheu foram:

    Fernando Pessoa e seu heternimo lvaro de Campos, Mrio de S-

    Carneiro, Jos de Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, entre outros

    colaboradores, como Luis de Montalvor.

  • Literatura Portuguesa III

    36

    bm, nesse primeiro nmero de Orpheu, o heternimo de Fernando Pessoa (lvaro de Campos), com dois poemas que expunham duas ca-ractersticas estticas: Ode Triunfal (cuja caracterstica o futurismo) e Opirio (com fortes influncias do simbolismo e decadentismo). L estava tambm a se apresentar Almada Negreiros, com poemas um tan-to tmidos, com nfases simbolistas e sentimentais, cujo ttulo geral era Frizos do Desenhador, mas esse poeta ainda haveria de se revelar numa escrita mais rebelde no futuro prximo.

    No segundo nmero de Orpheu, as influncias simbolistas j ha-viam se dispersado um pouco mais. A direo desta publicao ficaria a cargo de Fernando Pessoa e de Mrio de S-Carneiro. Entre os cola-boradores estavam os poetas ngelo de Lima, com poemas fragmen-trios ao modo interseccionista, e Raul Leal, com contedo ertico e mstico. Tambm estava o poeta brasileiro Eduardo Guimaraens, e Violante de Cysneiros, o heternimo feminino de Cortes-Rodrigues. A segunda publicao de Orpheu especialmente importante para Mrio de S-Carneiro, que apresentava o seu poema Manucure, mais ligado ao futurismo e ao sensacionismo. Tambm nesse nmero de Orpheu, Fernando Pessoa, assinando como lvaro de Campos, apre-sentaria um poema sensacionista, o Ode Martima, e um poema inter-seccionista, Chuva Oblqua, assinado por Pessoa ortnimo.

    Graficamente, o nmero dois de Orpheu estava enriquecido pela cola-borao futurista-cubista de Santa-Rita Pintor, sinalizando a influncia re-cproca entre a literatura e as artes plsticas que seria a marca dessa gerao.

    3.2 A Revista Portugal Futurista

    A Revista Portugal Futurista teve uma nica edio, lanada em Lisboa em 1917, num evento no Teatro Repblica preparado por Al-mada Negreiros e Santa-Rita Pintor. O evento, segunda grande data do modernismo portugus (SEABRA, 1988, p. 194), no obteve repercus-so junto ao pblico e a revista foi apreendida pela polcia. Segundo Jos Augusto Seabra,

    Os termos sensacionis-mo, interseccionismo e

    paulismo, que voc est vendo aqui, so dados

    s teorias estticas de Fernando Pessoa

    - aplicadas pelos seus heternimos - , as quais

    voc conhecer em detalhes na Unidade D.

    Revista Orpheu

    Cabea (1910). leo sobre tela de Santa Rita-Pintor.

  • Captulo 03As revistas portuguesas

    37

    Enquanto Fernando Pessoa continua a multiplicar-se em heternimos,

    disseminando aqui e alm os seus textos e prosseguindo, por outras

    vias, as suas experincias esotricas, a iniciativa da agitao de vanguar-

    da face qual tinha alis tomado, desde 1915, uma certa distncia

    passa para outras mos. agora a hora futurista que soa: Almada Negrei-

    ros e Santa-Rita Pintor apressam-se em montar um grande espetculo,

    que se esgotaria numa nica sesso e num nico nmero da revista

    (SEABRA, 1988, p. 193).

    Principais textos da Revista Orpheu:

    Fernando Pessoa: O marinheiro (1913)

    Chuva Obliqua (1914)

    Almada Negreiros: A cena do dio (1915)Manifesto anti-Dantas (1916)Ultimatum futurista s geraes portuguesas do sculo XX (1917)

    Mrio de S-Carneiro: Manucure (1915)Apoteose (1915)

    lvaro de Campos: Ode triunfal (1914)Ultimatum (1917)

    Ode Martima (1915)

    Revista Portugal Futurista.

  • Captulo 04O ultimatum na gerao de Orpheu

    39

    4 O ultimatum na gerao de Orpheu

    Entender as bases do questionamento dos modernistas de Orpheu nao portuguesa a partir de um dos fatos por eles tornado emblemtico: o

    ultimatum.

    O tema do ultimatum que estudamos na Unidade A foi um dos temas de destaque da produo potica da Gerao de Orpheu. O Ul-timatum de lvaro de Campo e o Ultimatum s geraes portuguesas do sculo XX de Almada Negreiros foram os textos representativos da reflexo desse tema pelos modernistas. Os dois textos poticos foram publicados na Revista Portugal Futurista em dezembro de 1917.

    Como vimos na Unidade A, o caso do ultimatum feriu o orgulho nacional por questionar a competncia colonial de Portugal e o seu pro- jeto histrico na frica, alm de rejeitar as suas intenes expansionis-tas. No entanto, o ultimatum discutido pelos dois poetas inclui abordar tambm o que estava acontecendo naquele contexto em que escreviam, ou seja, era o momento da Primeira Repblica em Portugal e tambm da Primeira Guerra Mundial. Os dois poetas fizeram referncia guerra, como voc poder constatar, mas interessante notar que o Ultimatum de lvaro de Campos critica as naes europeias em guerra, colocando essa experincia como inferior. Diz Campos:

    Agora a guerra, jogo do empurra do lado de c e jogo de porta do

    lado de l!

    Sufoco de ter s isto minha volta! (CAMPOS, 1917, p. 2, grifos nossos).

    O Ultimatum de Almada Negreiros, ao contrrio de Campos e se-melhana do Manifesto de Marinetti, adota simpatias pela guerra e uma atitude elogiosa ao domnio dos mais fortes, o que significa uma for-ma de adeso ideologia fascista, junto com a rejeio democracia, igualdade e ao socialismo como enfatizara Negreiros em todo o poema.

  • Literatura Portuguesa III

    40

    Veja o seguinte trecho de Negreiros para comparar com o de Campos:

    Ide buscar na guerra da Europa toda a fora da nossa nova ptria. No

    front est concentrada toda a Europa, portanto a Civilizao actual.

    A guerra serve para mostrar os fortes mas salva os fracos.

    A guerra no apenas a data histrica de uma nacionalidade; a guerra

    resolve plenamente toda a expresso da vida. A guerra a grande expe-

    rincia. (NEGREIROS, 1917, p. 3)

    O Ultimatum de Campos procura dar uma resposta a toda as im-posies vindas de fora de Portugal, seja no campo ideolgico, literrio, filosfico, econmico ou poltico. Campos d o seu ultimatum a tudo o que signifique uma imposio externa sobre Portugal. O fora de Cam-pos seria uma resposta ao fora recebido por Portugal das naes euro-peias e especialmente da Inglaterra.

    O Ultimatum de Almada Negreiros, pelo contrrio, tem como alvo a prpria nao portuguesa que, por estar sob o comando de um pen-samento saudosista e conservador, acabaria sempre sendo inferiorizada (como ocorreu, emblematicamente, no episdio do ultimatum de 1890) e no poderia ser tratada de outra forma pelas naes europeias se no se modificasse internamente. Almada Negreiros pretende dar um ul-timatum s geraes portuguesas do futuro para que construam uma nova nao.

    Leia os dois poemas, o de lvaro de Campos e o de Almada Negreiros,

    disponveis na internet seguindo os links da bibliografia e compare-os.

    Interprete como o tema do ultimatum sofrido por Portugal passa a ser

    o do questionamento da identidade portuguesa.

  • Captulo 05O fim da gerao de Orpheu

    41

    5 O fim da gerao de Orpheu

    Identificar a ltima fase da gerao de Orpheu.

    Em 1915, a Revista Orpheu inicia sua publicao, mas por falta de con-dies financeiras no consegue ir alm do segundo nmero. Em 1916, um grave acontecimento abala os companheiros de Orpheu. O poeta Mrio de S-Carneiro, o melhor amigo de Fernando Pessoa, suicida- se e deixa uma lacuna irreparvel para o grupo modernista. Em 1917, a Revista Portugal Futurista chega ao pblico com um nico nmero apreendido pela polcia e no consegue retomar suas atividades. Dois dos artistas plsticos da gerao de Orpheu que haviam trabalhado ativamente para a edio nica de Por-tugal Futurista, Santa Rita-Pintor e Amadeu de Sousa Cardoso, morrem no ano de 1918. Com tais perdas agregadas aos demais problemas, a gerao de Orpheu, vanguarda do modernismo portugus, enfrenta o seu fim. Mas, para os que ficaram, aquele seria apenas um comeo...

    Referncias da Unidade B

    CAMPOS, lvaro. Ultimatum [1917]. Disponvel em: . Acesso em: 18 jan. 2010.

    CASTRO, E. M. de Melo. As vanguardas na poesia portuguesa do sculo XX. Lisboa: Ministrio da Educao/ Instituto de Lngua Portuguesa, 1987.

    DALGE, Carlos. A experincia futurista da gerao de Orpheu. Lisboa: Ministrio da Educao/ Instituto de Lngua Portuguesa, 1989.

    LIND, Georg Rudolf. Teoria Potica de Fernando Pessoa. Porto: Editorial Inova, s/d.

    MARINETTI, Filippo T. Manifesto Futurista. [1909]. Disponvel em: . Acesso em: 18 jan. 2010.

  • Literatura Portuguesa

    42

    NEGREIROS, Almada.Ultimatum futurista s geraes portuguesas do sculo XX [1917]. Disponvel em: . Acesso em: 18 jan. 2010.

    SEABRA, Jos Augusto. O heterotexto pessoano. So Paulo: Perspectiva, 1988.

  • Unidade CO Modernismo Portugus da Gerao de Presena

  • Captulo 06O Contexto Histrico da 2 fase do Modernismo Portugus

    45

    6 O Contexto Histrico da 2 fase do Modernismo Portugus

    Conhecer o contexto histrico de surgimento da Gerao de Presena.

    6.1 Introduo

    Como j vimos na Unidade A, a Primeira Repblica Portuguesa entrou em vigor em 1910 e coincidiu com o surgimento da Revista Or-pheu em 1915. Todos os integrantes da Gerao de Orpheu viveram o incio daquele perodo da 1 Repblica, que terminaria em 1926. No entanto, somente Fernando Pessoa e Almada Negreiros, alm de outros colaboradores de Orpheu, puderam ver a transformao poltica e social ocorrida nesse perodo (especialmente aps 1926), que ficaria conheci-do como Estado Novo ou salazarismo.

    A crise republicana tornou-se incontornvel em 1926, quando um golpe de Estado liderado pelo General Gomes da Costa derrubou o go-verno liberal, suspendeu a constituio provisria de 1911 e instaurou uma ditadura militar. O professor universitrio especialista em finanas, Antnio de Oliveira Salazar, ocupou o cargo de ministro das Finanas por um curto perodo, saindo logo em seguida. Retornou ao governo em 1928 e aplicou um rgido controle sobre as finanas do governo por-tugus, incluindo a poltica de preos tabelados e o aumento dos im-postos, medidas que garantiram um saldo positivo nas contas pblicas.

    No posto de Ministro da Fazenda, Salazar rapidamente controlou a economia de Portugal e viria a controlar todo o Estado portugus. Para isso, em 1930, Salazar comeara as negociaes com o partido catlico, cujo apoio o levaria ao mais alto posto, o de Chefe do Estado portugus. Apoiado em uma intensa propaganda pessoal, criou a Unio Nacional, que pretendia ser uma espcie de partido nico e, de fato, mesmo sem uma proibio formal dos partidos, a censura progressiva em relao

  • Literatura Portuguesa III

    46

    aos discursos de oposio ao governo era muito grande, chegando rapi-damente a estgios de intensa represso. Qualquer critica era rotulada como antinacionalista e deveria ser reprimida.

    Assim, muitos partidos e agremiaes passaram a atuar na clandes-tinidade aps 1933.

    Contudo, ainda em 1932, foi publicado o projeto de uma nova constituio a constituio do Estado Novo que criaria o modelo de governo que ficou conhecido como salazarismo, pois tal constituio fora idealizada por Salazar. Em 1933, a constituio do Estado Novo foi votada e aprovada num plebiscito popular, garantindo a Salazar o comando do Estado Portugus.

    O Estado Novo, que durou de 1933 a 1974, foi um regime de governo de tipo fascista por ter sido: centralizado na figura de Salazar e, portan-to, autoritrio e antidemocrtico, alm de antiparlamentarista, repressor, conservador, nacionalista, corporativista, tradicionalista e colonialista.

    6.2 A Propaganda e a imagem

    Salazar queria o apoio de todos indistintamente, desde as massas tra-balhadoras at as elites, fossem mulheres, homens, idosos e jovens, e at as crianas no escapavam da propaganda de Salazar. Alis, a educao era seu ponto forte. Desde cedo, as crianas eram educadas dentro das con-cepes fascistas. No entanto, embora quisesse o apoio geral, Salazar tinha interesses bem focados. Por isso, seu governo baseava-se em organizaes corporativas de trabalhadores, organizao das mes, dos jovens e assim por diante, evitando a diversificao de discursos ideolgicos como o era os dos partidos. Assim, permitiam-se reivindicaes de setores, mas nun-ca oposio ao governo. Na verdade, Salazar queria, aos poucos, eliminar qualquer oposio ideolgica a ele e por isso intensificaria a propaganda pessoal como grande chefe, lder e pai da nao portuguesa. A propagan-da do salazarismo era vista em retratos, painis, exposies e cartilhas escolares durante os 41 anos de vigncia do fascismo em Portugal.

    Plebiscito uma con-sulta ao povo feita an-

    tes de ser instaurada uma nova lei. O povo

    vota diretamente sea aprova ou no. No

    ple- biscito e na cons-tituio portuguesa, o

    voto das mulheres fora garantido.

    Cartaz feito por Almada Negreiros conclamando o povo a votar na Constitui-o do Estado Novo.

  • Captulo 06O Contexto Histrico da 2 fase do Modernismo Portugus

    47

    Alguns rgos estatais criados por Salazar garantiram a ele a produ-

    o de sua imagem, o controle e a represso sobre a sociedade, que

    deram a longevidade de seu governo:

    Secretariado de Propaganda Nacional (SPN): foi criado em 1933 e substitudo pelo Secretariado Nacional de Informao (SNI)

    em 1945. Foi responsvel pela propaganda pessoal de Salazar e pela

    divulgao da arte e da cultura que seriam exemplares para a exal-

    tao do nacionalismo e do governo salazarista. Almada Negreiros

    trabalhou para a SPN tendo feito, entre outras produes, o cartaz

    que conclamava o povo a votar na Constituio do Estado Novo e os

    vitrais do Pavilho da Colonizao na Exposio Mundo Portugus

    em 1940. Tambm, Fernando Pessoa teve uma obra sua reconhecida

    e premiada pela SPN no ano de 1934. Trata-se de Mensagem, sua obra de carter nacionalista, publicada em portugus pouco antes

    do poeta falecer em 1935;

    Mocidade Portuguesa A Organizao Nacional Mocidade Portuguesa foi criada pelo Decreto-Lei n. 26.611, de 19 de Maio de 1936. Pretendia abranger a formao dos jovens de 7 a 14 anos e

    pretendia estimular o culto ao patriotismo e ao militarismo, levando

    ao desenvolvimento fsico e moral segundo a ideologia e a discipli-

    na fascista;

    PIDE Esta a sigla pela qual ficou conhecida a Polcia Interna-cional e de Defesa do Estado, criada entre 1945 e 1969 pelo Decreto-Lei n. 35.046, de 22 de Outubro de 1945. Exerceu funes

    de uma polcia poltica, aplicando mtodos de represso e de con-

    trole sobre a sociedade, visando extinguir as organizaes que se

    opunham ao regime fascista de Salazar. Tinha autonomia extrajudi-

    cial, o que lhe dava liberdade para atuar independente do estado de

    direito. Por causa disso, a tortura e o assassinato eram ocorrncias

    derivadas da sua atuao.

  • Literatura Portuguesa III

    48

    Pesquise um pouco mais sobre esses rgos. Eles ajudaram a moldar

    meio sculo da cultura portuguesa e, em vrias obras literrias que en-

    focam o perodo do salazarismo, so feitas referncias sobre as aes

    desses rgos do governo e sua atuao na sociedade portuguesa.

  • Captulo 07A gerao de presena

    49

    7 A gerao de presena

    Identificar as principais caractersticas estticas da Gerao de Presena e as suas influncias.

    A Gerao de Presena surgiu em pleno regime fascista e, como a de Orpheu, tambm deve seu nome a uma revista, trata-se da Revista Presen-a, que foi o principal veculo de expresso das ideias de muitos intelectu-ais portugueses entre 1927 e 1940, tendo dela sido publicados 54 nmeros.

    Os fundadores da Revista Presena foram Branquinho da Fonseca, Joo Gaspar Simes e Jos Rgio, mas houve inmeros outros colabora-dores que passaram pela Revista durante os seus treze anos de existncia.

    As caractersticas estticas defendidas pela Revista Presena eram o individualismo, a introspeco, o subjetivismo, a exaltao da autono-mia do ideal esttico (arte pela arte), a negao dos valores polticos e ideolgicos. Os propsitos da Revista Presena eram, basicamente, os que Jos Rgio havia apresentado num texto chamado Literatura Viva, no nmero 1 da Revista Presena.

    Nesse texto, Rgio afirmava que a literatura viva expressa o homem (autor) por inteiro, em sua originalidade e sinceridade, ou seja, o autor deve viver o que expressa em sua arte. As suas atitudes sociais, ticas e polticas se refletem na arte quando esta sincera e, portanto, a arte no deveria ser usada propositalmente para refleti-las ou coloc-las a servi-o de algo que fosse considerado socialmente til.

    Diz Rgio no Manifesto Literatura Viva:

    Eis como tudo se reduz a pouco: Literatura Viva aquela em que o ar-

    tista insuflou a sua prpria vida, e que por isso mesmo passa a viver de

    vida prpria. Sendo esse artista um homem superior pela sensibilidade,

    pela inteligncia e pela imaginao, a Literatura Viva que ele produza

    ser superior; inacessvel, portanto, s condies do tempo e do espao.

    (RGIO, 1927, p. 1).

    Revista Presena com o Manifesto Literatura Viva de Jos Rgio

  • Literatura Portuguesa III

    50

    Como vimos no fragmento anterior, a ideia de Literatura Viva era responsvel por estabelecer uma conduta individual do artista baseada em preceitos como: originalidade, intimidade, profundida-de, verdade. Mas tal conduta no deveria ser posta a servio da po-ltica ou do que pudesse servir sociedade. Para Jos Rgio, a arte deve servir somente arte e, desse modo, j cumpre a sua funo. A individualidade do artista, contudo, o colocaria acima dos grupos e partidos e daria a ele (artista) uma superioridade diante dos demais indivduos e da sociedade em geral, tornando a arte inacessvel e impermevel aos processos histricos e sociais.

    Falando contra a utilidade da arte e contra a sua irredutibilidade ao tempo e espao, estava Jos Rgio entrando em polmica contra aqueles intelectuais que queriam fazer da arte um instrumento de denncia do governo fascista vivido naquele contexto em Portugal.

    Antes mesmo da publicao do Manifesto Literatura Viva em 1927, a liberdade de expresso e a averso aos grupos e partidos ficaram registra-das no poema Cntico Negro, de Jos Rgio, que o poeta escreveu em 1925:

    Cntico Negro (1925)

    Vem por aqui dizem-me alguns com os olhos doces

    Estendendo-me os braos, e seguros

    De que seria bom que eu os ouvisse

    Quando me dizem: vem por aqui!

    Eu olho-os com olhos lassos,

    (H, nos olhos meus, ironias e cansaos)

    E cruzo os braos,

    E nunca vou por ali...

    A minha glria esta:

    Criar desumanidades!

    No acompanhar ningum.

    Que eu vivo com o mesmo sem-vontade

    Com que rasguei o ventre minha me

  • Captulo 07A gerao de presena

    51

    No, no vou por a! S vou por onde

    Me levam meus prprios passos...

    Se ao que busco saber nenhum de vs responde

    Por que me repetis: vem por aqui!?

    Prefiro escorregar nos becos lamacentos,

    Redemoinhar aos ventos,

    Como farrapos, arrastar os ps sangrentos,

    A ir por a...

    Se vim ao mundo, foi

    S para desflorar florestas virgens,

    E desenhar meus prprios ps na areia inexplorada!

    O mais que fao no vale nada.

    Como, pois, sereis vs

    Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem

    Para eu derrubar os meus obstculos?...

    Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avs,

    E vs amais o que fcil!

    Eu amo o Longe e a Miragem,

    Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

    Ide! Tendes estradas,

    Tendes jardins, tendes canteiros,

    Tendes ptria, tendes tetos,

    E tendes regras, e tratados, e filsofos, e sbios...

    Eu tenho a minha Loucura!

    Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

    E sinto espuma, e sangue, e cnticos nos lbios...

    Deus e o Diabo que guiam, mais ningum!

    Todos tiveram pai, todos tiveram me;

    Mas eu, que nunca principio nem acabo,

    Nasci do amor que h entre Deus e o Diabo.

  • Literatura Portuguesa III

    52

    Ah, que ningum me d piedosas intenes,

    Ningum me pea definies!

    Ningum me diga: vem por aqui!

    A minha vida um vendaval que se soltou,

    uma onda que se alevantou,

    um tomo a mais que se animou...

    No sei por onde vou,

    No sei para onde vou

    Sei que no vou por a!

    (RGIO, 1925-1926, p. 1-2)

  • Captulo 08O fim da geao da presena

    53

    8 O fim da gerao da presena

    Identificar a ltima fase da Gerao de Presena.

    O movimento de Presena propunha valores artsticos que se re-velaram estticos por no poderem absorver nenhuma mudana so-cial ou individual que houvesse sua volta. Essas perspectivas doutri-nrias levaram os representantes da gerao de Presena a enfrentar problemas entre si. Alguns dos colaboradores de Presena ocuparam cargos de direo na Revista, outros saram diretamente de Orpheu para as pginas de Presena, outros, ainda, saram de Presena por no se identificarem mais com ela. Em 1930, Branquinho da Fonseca, que at ento era o diretor da Revista, abandona o cargo por entender que o programa da Revista defendido por Jos Rgio era limitador da liberdade criativa. Assume a direo Adolfo Casais Monteiro. Do mesmo modo que Fonseca, tambm abandonaram a Revista o poeta Edmundo de Bettencourt e Miguel Torga.

    Alm dos problemas internos que a Revista enfrentava, havia os rivais tericos de Jos Rgio, principalmente Jos Rodrigues Miguis, que per-tencia ao grupo da Revista Seara Nova, fundada em 1921, que propunha para a arte o oposto da Revista Presena, ou seja, propunha uma crtica militante atravs de expresses estticas comprometidas com as mudanas sociais e que combatessem ideologicamente o salazarismo. Esse debate en-tre os grupos de Presena e Seara Nova foi muito importante para o ama-durecimento da intelectualidade e da cultura portuguesa em geral.

    So esses alguns nomes representativos da gerao presencista e

    colaboradores da Revista Presena:

    Branquinho da Fonseca (1905-1974); Jos Rgio (1901-1969); Adolfo

    Casais Monteiro (1908-1972); Miguel Torga (1907-1995); Edmundo de

    Bettencourt (1889-1973); Vitorino Nemsio (1901-1978); Alberto de

    Serpa (1906-1992); Luis de Montalvor (1891-1947); Raul Leal (1886-

    1964); Joo Gaspar Simes (1903-1987); Antonio Botto (1887-1957).

    Capa da Revista Seara Nova.

  • Captulo 09A gerao de presena e Fernando Pessoa

    55

    9 A gerao de presena e Fernando Pessoa

    Entender a importncia da relao entre os autores de Presena e Fernando Pessoa.

    Alm de formular seus interesses estticos especficos, os ideali-zadores da Revista Presena pretendiam que ela fosse uma espcie de continuadora do modernismo de Orpheu. notvel, especialmente, a influncia de Fernando Pessoa sobre o grupo presencista, pois do esfor-o de alguns de seus representantes publicou-se a primeira biografia e a primeira antologia potica pessoana.

    Joo Gaspar Simes foi o primeiro bigrafo de Fernando Pessoa e manteve correspondncia com ele entre 1929 e 1934, alm de publicar es-tudos dedicados a ele, como Temas (1929) e vrios artigos na Revista Pre-sena. A esperada biografia de Fernando Pessoa s veio a pblico em 1950, intitulada Vida e Obra de Fernando Pessoa. Histria de uma Gerao.

    Quando Adolfo Casais Monteiro assume a Revista Presena em 1930, dedica a Fernando Pessoa expressivas pginas da sua crtica liter- ria, mantendo, inclusive, uma importante correspondncia com ele. Em 1942, Monteiro organizou uma antologia potica de Fernando Pessoa. No final da dcada de 50, Casais Monteiro publica, ento, Estudos so bre a poesia de Fernando Pessoa e organiza a primeira antologia potica de Fernando Pes-soa, alm de comear a organizar a publicao de suas obras completas.

    Nas dcadas de 20 e 30, como veremos na prxima Unidade, Fer-nando Pessoa tinha projetos pessoais, mas continuava a colaborar em revistas, entre elas a Revista Presena, na qual publicou em 1927 o poe-ma Marinha e um texto em prosa chamado Ambiente, assinados por ele e subscritos como lvaro de Campos com uma frase: Fingir conhe-cer-se, alm de outros poemas assinados por ele mesmo como Autop-sicografia (1932), O ltimo sortilgio (1930), Isto (1933), Eros e Psiqu (1934). Publicou como lvaro de Campos, na Revista Presena, os poe-

    A primeira biografia de Fernando Pessoa, de autoria de Joo Gaspar Simes

  • Literatura Portuguesa III

    56

    mas Aniversrio (1930) e Tabacaria (1933), e tambm as Odes de Ricar-do Reis (1927). Fernando pessoa publicou em 1928, ainda em Presena, a sua Tbua Bibliogrfica de Fernando Pessoa, a qual, em 1936, um ano aps sua morte, seria republicada em homenagem pstuma na Revista Presena nmero 48, apresentada por Jos Rgio.

    O poema Eros e Psiqu, apresentado a seguir, foi publicado na Re-vista Presena de 1934. Nesse belo poema, Fernando Pessoa narra o mito clssico de Eros e Psiqu, revisitado pelos contos de fadas. O poema uma narrativa em terceira pessoa relatando um sonho no qual a procura de Eros por Psiqu significa a busca do autoconhecimento. O encontro entre eles significa o encontro consigo mesmo resgatado da dicotomia entre pensar e sentir, entre masculino e feminino, entre corpo e alma.

    Eros e Psiqu (1934)

    Conta a lenda que dormia

    Uma Princesa encantada

    A quem s despertaria

    Um Infante, que viria

    De alm do muro da estrada.

    Ele tinha que, tentado,

    Vencer o mal e o bem,

    Antes que, j libertado,

    Deixasse o caminho errado

    Por o que Princesa vem.

    A Princesa Adormecida,

    Se espera, dormindo espera,

    Sonha em morte a sua vida,

    E orna-lhe a fronte esquecida,

    Verde, uma grinalda de hera.

    Longe o Infante, esforado,

    Sem saber que intuito tem,

  • Captulo 09A gerao de presena e Fernando Pessoa

    57

    Rompe o caminho fadado,

    Ele dela ignorado,

    Ela para ele ningum.

    Mas cada um cumpre o Destino

    Ela dormindo encantada,

    Ele buscando-a sem tino

    Pelo processo divino

    Que faz existir a estrada.

    E, se bem que seja obscuro

    Tudo pela estrada fora,

    E falso, ele vem seguro,

    E vencendo estrada e muro,

    Chega onde em sono ela mora,

    E, inda tonto do que houvera,

    cabea, em maresia,

    Ergue a mo, e encontra hera,

    E v que ele mesmo era

    A Princesa que dormia.

    (PESSOA, 2008, p. 157-158)

    Referncias da Unidade C

    LIND, Georg Rudolf. Teoria Potica de Fernando Pessoa. Porto: Editorial Inova, s/d.

    LISBOA, Eugnio. Jos Rgio Uma literatura viva. Lisboa: Ministrio da Educao/ Instituto de Lngua Portuguesa, 1989.

    _____. Poesia Portuguesa: do Orpheu ao neo-realismo. Lisboa: Minist-rio da Educao/ Instituto de Lngua Portuguesa, 1986.

    PESSOA, Fernando. Cancioneiro. Porto Alegre: L&PM, 2008.

  • Literatura Portuguesa III

    58

    RGIO, Jos. Manifesto Literatura Viva. Revista Presena. Coimbra, n.1, mar. 1927, p. 1.

    _____. Cntico Negro [1925-1926]. Disponvel em: . Acesso em: 18 jan. 2010.

    SEABRA, Jos Augusto. O heterotexto pessoano. So Paulo: Perspectiva, 1988.

  • Unidade DFernando Pessoa

  • Captulo 10Fernando Pessoa: um poeta singular e plural

    61

    10 Fernando Pessoa: um poeta singular e plural

    Identificar a obra ortnima de Fernando Pessoa.

    10.1 Fernando Pessoa, ele mesmo (1888-1935)

    Fernando Pessoa, ele mesmo ou ortnimo, assim chamado para diferenciarmos o poeta quando ele escreve em seu nome, pois muitos de seus escritos so assinados pelos vrios heternimos que constituem a sua caracterstica mais marcante e inconfundvel. Fernando Pessoa escreveu sua obra potica atravs de dezenas de heternimos, sendo os principais Alberto Caeiro, Ricardo Reis, lvaro de Campos e Bernardo Soares. Aqui importa-nos destacar que Fernando Pessoa escreve em seu prprio nome e tambm em nome de outros poetas, os heternimos, criados por ele.

    De certo modo, poderamos dizer que na dispersa e fragmentria tra-

    ma textual de que se entretece a obra de Pessoa se repercutem todos

    os movimentos contraditrios que foram percorrendo o terreno hoje

    fraturado da teoria da literatura, abrindo falhas ou interstcios por onde

    da velha potica emergiram novas poticas possveis, num horizonte

    raiado de modernidade. (SEABRA, 1988, p.16).

    10.2 As obras assinadas por Fernando Pessoa

    O livro Mensagem, assinado por Fernando Pessoa, foi escrito em 1934. Com Mensagem, Pessoa concorrera a um prmio da Secretaria de Propaganda Nacional, patrocinado pelo governo de Antnio Salazar, cujo tema era o nacionalismo.

    Os poemas do livro Mensagem esto organizados de forma a compor uma epopeia da nao portuguesa, em que o conjunto dos textos lricos acaba formando uma mitologia histrica de Portugal. O livro Mensagem est dividido em trs partes: Braso, Mar portugus e O Encoberto.

    Fernando Pessoa assi-nou com seu prprio nome: 35 sonetos (em ingls), Mensagem (em portugus) e Cancio-neiro (pstuma, tam-bm em portugus).

    Braso de Portugal

  • Literatura Portuguesa III

    62

    A primeira parte de Mensagem (Braso) se estrutura como o braso portugus, que formado por um poema que apresenta os sete castelos ao redor do Braso, representando as personagens da realeza que fundaram Portugal (Dom Henrique, Dona Tareja, Dom Afonso Henriques, O Infan-te Dom Henrique - que fundou a Escola de Sagres, e Dom Afonso de Al-buquerque) e, tambm, o heri Ulisses, que fundou a cidade de Lisboa (na antiguidade, chamada de Ulissepona); o outro poema da primeira parte apresenta as cinco quinas que esto em forma de cruz dentro do braso.

    Na segunda parte, Mar Portugus, so apresentadas as navegaes e conquistas martimas de Portugal, o motivo do espao destacado que Portugal tinha no mundo durante at os sculos XVI e XVII:

    E ao imenso e possvel oceano

    Ensinam estas Quinas, que aqui vs,

    Que o mar com fim ser grego ou romano:

    O mar sem fim portugus.

    (PESSOA, 1934, p. 9)

    Na terceira e ltima parte, O Encoberto, apresentado o mito se-bastianista que significa o retorno de Portugal s pocas de glria diante do mundo. Nesse conjunto de poemas, Pessoa apresenta o mito do Rei portugus Dom Sebastio, desaparecido em 1578 no combate contra os mouros em Alccer-Quibir e cuja frota fora dizimada. O mito do retor-no de Dom Sebastio, O Encoberto, j fora anunciado profeticamente pelo sapateiro trovador Bandarra e pelo Padre Antnio Vieira. A volta de Dom Sebastio daria origem ao Quinto Imprio, como forma de re-cuperar a fase de conquistas territoriais de Portugal. Nessa ltima parte de Mensagem, Fernando Pessoa autoproclama-se o terceiro profeta do sebastianismo, unindo seu nome aos de Bandarra e Padre Vieira.

    Mesmo anunciando o Quinto Imprio, Pessoa encerra Mensagem de forma enigmtica, apontando mais incertezas do que utopias:

  • Captulo 10Fernando Pessoa: um poeta singular e plural

    63

    Ningum sabe que coisa quer.

    Ningum conhece que alma tem,

    Nem o que mal nem o que bem.

    (Que nsia distante perto chora?)

    Tudo incerto e derradeiro.

    Tudo disperso, nada inteiro.

    Portugal, hoje s nevoeiro...

    a Hora!

    (PESSOA, 1934, p.18)

    O Cancioneiro, obra publicada postumamente, uma coletnea composta por poemas lricos, rimados e metrificados, entre os quais se encontra o clebre poema Autopsicografia, publicado em 1932, na Revista Presena, no qual Fernando Pessoa reflete sobre a dor da existncia, sobre si mesmo e seu ofcio potico. O poeta deve fingir uma dor que realmente sente para poder escrev-la. Pode-se dizer que todos os poemas do Can-cioneiro refletem sobre a existncia e a linguagem potica.

    Autopsicografia

    O poeta um fingidor.

    Finge to completamente

    Que finge que dor

    A dor que deveras sente.

    E os que lem o que escreve,

    Na dor lida sentem bem,

    No as duas que ele teve,

    Mas s a que eles no tm.

    E assim nas calhas da roda

    Gira, a entreter a razo,

    Esse comboio de corda

    Que se chama corao.

    (PESSOA, 2008, p. 131)

  • Captulo 11As teorias poticas de Fernando Pessoa

    65

    11 As teorias poticas de Fernando Pessoa

    Conhecer as principais caractersticas das teorias poticas de Fernando Pessoa a fim de compreender e analisar expresses de sua obra.

    Depois de Orpheu, Fernando Pessoa dirigiu outra revista na qual pde dar vazo sua experimentao potica e, inclusive, apresentar seus textos programticos de teoria potica. Trata-se da Revista Athena, publicada em 1924-1925. Nessa revista, Fernando Pessoa exporia as teorias poticas que se encontravam na base de sua produo (ortnima e heternima) desde a poca de Orpheu. Tambm foi nas pginas de Athena que os heternimos iriam abertamente conviver e discutir entre si. As teorias poticas de Fer-nando Pessoa podem ser resumidas nos subcaptulos a seguir.

    11.1 O Paulismo

    O estilo pulico se faz presente na potica constituda pela ma-nipulao sinttica, por frases exclamativas e pelo uso de maisculas que imprimem uma existncia espiritual a certas palavras, aproxi-mando-se do simbolismo.

    O poema que d nome e substncia a essa esttica pessoana Im-presses do Crepsculo, publicado no nico nmero da revista A Renas-cena, em 1914. O termo pauis, com que Pessoa abre o poema, significa pntano e h em todo ele a caracterstica esttica marcante do paulismo: o elogio ao que esttico, ao silncio, ao inalcanvel e ao tdio.

    Georg Lind chama ateno para o fato de que no centro do po-ema que concretiza a concepo de Pessoa da arte de sonho esttica aparece o meio-verso: To sempre a mesma, a Hora!, meio-verso este que caracteriza o tema: o tdio de viver. (LIND, [s/d], p. 41).

  • Literatura Portuguesa III

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    Impresses do Crepsculo (1914)

    Pauis de roarem nsias pela minhalma em ouro...

    Dobre longnquo de Outros Sinos...Empalidece o louro

    Trigo na cinza do poente... Corre um frio carnal por minhalma...

    To sempre a mesma, a Hora!...Balouar de cimos de palma!

    Silncio que as folhas fitam em ns... Outono delgado

    Oh que mudo grito de nsia pe garras na Hora!

    Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora!

    Estendo as mos para alm, mas ao estend-las j vejo

    Que no aquilo que quero aquilo que desejo...

    Cimbalos de Imperfeio... to antiguidade

    A Hora expulsa de si- Tempo! Onda de recuo que invade

    O meu abandonar-se a mim prprio at desfalecer,

    E recordar tanto o Eu presente que me sinto esquecer!...

    Fluido de aurola, transparente de Foi, oco de ter-se.

    O Mistrio sabe-me a eu ser outro... Luar sobre o no conter-se...

    A sentinela a lana que finca no cho

    mais alta do que ela... Para que tudo isto... Dia cho... Trepadeiras

    de despropsitos lambendo de Hora os Alns... Horizontes

    fechando os olhos ao espao em que so elos de erro... Fanfarras de

    pios de silncios futuros... Longes trens...

    Portes vistos longe... atravs de rvores...to de ferro!

    (PESSOA, 2008, p. 41-42)

    11.2 O Interseccionismo

    O interseccionismo uma teoria potica com caractersticas mo-dernistas, de inspirao cubista e se aproxima da expanso futurista. O enquadramento geomtrico atravs da repetio, seriao e sobreposi-o de planos e de signos tanto lembra um quadro cubista como lem-bra o movimento das mquinas. O principal texto potico do intersec-cionismo Chuva Obliqua, datado de 1914, e aparece em Orpheu em 1915. Conforme Georg Lind, Se chamamos a este poema paradigma

  • Captulo 11As teorias poticas de Fernando Pessoa

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    da corrente interseccionista porque a sua estrutura segue com uma nitidez geomtrica uma nica directriz fundamental: a interseco de duas superfcies, ou sejam, uma paisagem vivida e um porto imagina-do. Desta interseco resulta uma sequncia de grande nitidez plsti-ca. [...] O poema muito mais, de princpio a fim, uma montagem em dois planos e os efeitos de contraste so produzidos pela sobreposio de dois todos, o sonhado e o vivido (LIND, [s/d], p. 60).

    Chuva Obliqua (1914)

    Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito

    E a cor das flores transparente de as velas de grandes navios

    Que largam do cais arrastando nas guas por sombra

    Os vultos ao sol daquelas rvores antigas...

    O porto que sonho sombrio e plido

    E esta paisagem cheia de sol deste lado...

    Mas no meu esprito o sol deste dia porto sombrio

    E os navios que saem do porto so estas rvores ao sol...

    Liberto em duplo, abandonei-me da paisage