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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO,
DIVERSIDADE E INCLUSÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ – DEPARTAMENTO DE
HISTÓRIA DO CERES
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E
AFRO-BRASILEIRA
LIZ COUTINHO E PAIVA
ESCRAVIDÃO E LIBERDADE EM JARDIM DO SERIDÓ (1872-1888)
CAICÓ
2016
1
LIZ COUTINHO E PAIVA
ESCRAVIDÃO E LIBERDADE EM JARDIM DO SERIDÓ (1872-1888)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
curso de Especialização em História e Cultura
Africana e Afro-Brasileira, do Centro de Ensino
Superior do Seridó, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito final para a
obtenção do título de Especialista em História e
Cultura Africana e Afro-Brasileira, sob a orientação
do Professor Dr. Muirakytan Kennedy de Macêdo.
CAICÓ
2016
2
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus e a minha família.
A Jaime da Costa Cirne Neto, por me compreender e principalmente por estar
sempre ao meu lado em todos os momentos de minha vida. Te amo.
Sou grata aos meus professores, em especial ao meu orientador Muirakytan
Kennedy de Macêdo, por sua paciência e compreensão na construção da ideia e
elaboração deste artigo. A Ariane de Medeiros Pereira, pela disponibilidade e por sua
colaboração, sendo uma verdadeira referência para a minha pesquisa. Agradeço aos
membros da banca examinadora por aceitarem este convite.
Aos colegas de turma o meu muito obrigada, pelos anos de convívio. Obrigada
a Adriana Macêdo pelo companheirismo e a Mônica Sabino pela amizade fraterna que foi
construída durante esse curso de especialização.
3
ESCRAVIDÃO E LIBERDADE EM JARDIM DO SERIDÓ (SÉCULO XIX)
Liz Coutinho e Paiva1
Dr. Muirakytan Kennedy de Macêdo2
RESUMO
A história da escravidão no Seridó ainda não é muito conhecida, devido aos poucos
trabalhos acadêmicos e sua divulgação. Tentando colaborar com a visibilidade urgente
dessa temática, o presente estudo tem como objetivo, perceber a dinâmica da escravidão
e a busca pela liberdade na Cidade do Jardim, (atualmente, Jardim do Seridó), no período
entre 1872 a 1888. O eixo norteador é a análise das práticas da libertação dos escravos
por eles mesmos e por outrem. Desse modo, buscaremos compreender a dinâmica social
dos processos de libertação no final do século XIX na Cidade do Jardim, dando
visibilidade à documentação acerca dos afro-brasileiros cativos de Jardim do Seridó,
especialmente, as Alforrias, o Fundo de Emancipação e a Comissão Libertadora
Jardinense. Diante desta temática e fontes, realizamos pesquisas documentais no acervo
do LABORDOC do Centro de Ensino Superior do Seridó, CERES/UFRN, como também,
foi efetivada uma entrevista com o Senhor Sebastião Arnóbio de Morais, secretário da
Paróquia de Jardim do Seridó, sobre a Comissão Libertadora Jardinense, assim como, foi
analisado o Censo de 1872. Os aportes historiográficos para a análise do problema de
pesquisa, basearam-se no plano regional, nas dissertações produzidas sobre o assunto
pelas historiadoras Ariane de Medeiros Pereira (2014), Michele Soares Lopes (2011) e
Cláudia Cristina do Lago Borges (2000). Para uma discussão da historiografia nacional
nos baseamos nas produções de Sidney Chalhoub (1990), Wlamyra R. de Albuquerque
(2009), Francisco Vidal Luna e Herbert S. Klein (2010).
Palavras-chave:
Escravidão. Liberdade. Processos de liberdade.
1 Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de
Caicó, Departamento de História (DHC). Graduado em História pela UFRN, CERES, Campus de Caicó.
Professora do Educandário Imaculada Conceição (Jardim do Seridó-RN), onde ministra as disciplinas de
História e História da África. E-mail: [email protected].
2 Professor do DHC, CERES, UFRN. E-mail: [email protected]
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ABSTRACT
The history of slavery in Seridó is not still well known, due to the few academic papers
and disclosure. Trying to cooperate with the urgent visibility of this theme, this study
aims to realize the dynamics of slavery and the search for freedom in City Jardim,
(currently Jardim do Seridó) in the period from 1872 to 1888. The guiding principle is the
analysis of the practices of the liberation of slaves for themselves and for others. Thereby
we seek to understand the social dynamics of liberation processes in the late nineteenth
century in Jardim do Seridó, giving visibility to the documentation about the captives
african-Brazilian of Jardim do Seridó, especially manumission, the Emancipation Fund
and the Commission Liberating Jardinense. On this theme and sources we conducted
documentary research in LABORDOC the acquis, Higher Education Center Seridó,
UFRN, as it was also carried an interview with sir Sebastião Arnóbio de Morais, secretary
of Jardim do Seridó Parish, on the Commission Liberating Jardinense, so as it was
analyzed the 1872 Census. The historiographical contributions to the research problem
analysis were based on the regional level in the dissertations produced on the subject by
historians Ariane de Medeiros Pereira (2014), Michele Soares Lopes (2011) and Claudia
Cristina Lake Borges (2000). For a discussion of national historiography we rely on the
production of Sidney Chalhoub (1990), Wlamyra R. de Albuquerque (2009), Francisco
Vidal Luna and Herbert S. Klein (2010).
Keywords:
Slavery. Freedom. Processes of freedom.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6
2. A CIDADE DO JARDIM NO SÉCULO XIX ............................................................. 8
3. POPULAÇÃO LIVRE E ESCRAVA ........................................................................ 10
4. AÇÕES PARA LIBERDADE DE ESCRAVOS NA CIDADE DO JARDIM .......... 14
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 21
FONTES E BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 22
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1. INTRODUÇÃO
A sociedade e economia da ribeira do Seridó, onde se localizava a Cidade do
Jardim no século XIX, foram produzidas no processo da ocupação colonial que surgiu
atrelada à criação de gado e por meio das práticas voltadas para o auto sustento. A figura
do escravo negro emergiu como agente primordial desse sistema econômico, como
também, esse mesmo indivíduo se afirmou como sujeito que buscava o livramento da
escravidão ou a luta por um cativeiro mais justo. Deste modo, pesquisaremos as ações de
libertação dos escravos dessa espacialidade, levando em consideração, os processos de
liberdade através das cartas de alforria e o chamado Fundo de Emancipação, instrumento
estatal que pagava ao senhor dono do cativo um valor indenizatório, em virtude do
transcurso da emancipação promovida pelo próprio Estado. Também é foco de nossa
pesquisa buscar a possível relação de trabalho entre escravos e livres, ambos trabalhando
juntos na manutenção da produção econômica da localidade. De forma que analisaremos
através de estudo de caso, como se deu esse processo de aforamento em um complexo
que envolve o escravo, o senhor e o Poder Público na Cidade do Jardim. Para além das
ações institucionais jurídicas, outras possíveis formas de promoção da libertação eram as
campanhas animadas pelas Associações ou Sociedades Libertadoras que surgiram no
cenário norte-rio-grandense como uma ferramenta importante para a construção de uma
nova visão de liberdade.
Nossas fontes são de tipologia documental impressa, digitalizada e oral. Os dois
primeiros conjuntos documentais correspondem aos processos de liberdade, por exemplo,
justificações de escravidão: a venda da escrava Joaquina, datada de 1877; a do escravo
Clemente no ano de 1878; como também, a do cativo pertencente a Pedro Paulo de
Azevêdo no mesmo ano; e a justificação de Joaquina Theresa de Jesus. Destaca-se
também, a ação de liberdade da escrava Heduvirges, tendo como curador Olypio Horácio
d´Oliveira Azevedo em 1880. Estes documentos são referentes às ações ocorridas na
Comarca da Cidade do Jardim e hoje encontram-se custodiados no LABORDOC -
Laboratório de Documentação Histórica - do Centro de Ensino Superior de Seridó -
CERES/UFRN. Ainda como fonte documental que utilizaremos, destaca-se o Censo de
18723. Foi necessário também a realização de uma entrevista descrita com o pesquisador
3 Disponível no site da Associação Brasileira de Estudos Populacionais no endereço eletrônico:
<http://www.org.br/?q=destaques/censo-1872abep>.
7
e secretário da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Jardim do Seridó, Sebastião
Arnóbio de Morais, conhecedor da história da cidade. Na entrevista foi esclarecido o
papel da Comissão Libertadora Jardinense e a participação dos Padres Luiz Inácio de
Moura e José Antônio da Silva Pinto. Ambos estiveram à frente da paróquia já
mencionada e foram membros do grupo de libertação dos escravos locais.
Com relação a metodologia empregada, inicialmente fizemos leituras de
dissertações de mestrado que trataram da escravidão no Seridó. Lemos o texto defendido
por Ariane de Medeiros Pereira, que teve como título Escravos em ação na Comarca do
Príncipe - Província do Rio Grande do Norte (1870-1888), 2014, e a dissertação de
Michele Soares Lopes, intitulada de Escravidão na Vila do Príncipe, Província do Rio
Grande do Norte (1850-1888), 2015. Posteriormente, realizamos uma revisão
bibliográfica a partir dos autores Sidney Chalhoub, Visões de Liberdade: uma história
das últimas décadas da escravidão na corte,1990; Wlamyra R. de Albuquerque, O Jogo
da Dissimulação Abolição e Cidadania Negra no Brasil,2009 e por fim, Francisco Vidal
Luna e Herbert S. Klein, Escravismo no Brasil, 2010. Após as leituras e análises das obras
acadêmicas e bibliográficas, tivemos contato direto com as fontes, cuja análise é expressa
no presente artigo.
Dividimos nosso trabalho em três tópicos. O primeiro, intitula-se A Cidade do
Jardim no século XIX, onde enfocamos a relação do escravismo com as atividades
econômicas desenvolvidas naquela localidade. O segundo tópico denomina-se de
População livre e escrava na Cidade do Jardim, onde traçamos um perfil populacional
da cidade para entendermos o impacto da população livre, liberta e escrava. Por fim, no
último tópico, Ações para liberdade dos escravos na Cidade do Jardim, sintetizamos os
principais meios pelos quais os escravos buscavam adquirir a sua libertação, assim como,
nesse processo, analisamos o papel da Comissão Libertadora Jardinense, como peça de
apoio à construção da ideia de liberdade na Cidade do Jardim.
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2. A CIDADE DO JARDIM NO SÉCULO XIX
Os primeiros relatos sobre a penetração colonial no território onde se assentava
a Fazenda Conceição, atual Jardim do Seridó, ocorreram nos últimos anos do século
XVII, como destacou José Nilton de Azevedo no livro Um passo a mais na História de
Jardim do Seridó (1989). Antes ocupada pelos índios chamados de tapuia no período
colonial, a região foi aos poucos sendo tomada pela pecuária. Reagindo a essa ocupação
colonial os índios ficaram em pé de guerra. Eram a Guerra dos Bárbaros. Para debelar os
confrontos, se dirigiu para a região do Seridó uma expedição comandada por Domingos
Jorge Velho com o objetivo específico de reprimir a revolta dos índios tapuia. Desse
modo, percebemos que os meios de povoação colonial do sertão da Capitania do Rio
Grande do Norte tiveram como destaque a presença de portugueses colonizadores que se
interiorizavam na busca de organizar novas áreas. Em recorte menor, o início do espaço
onde se construiria a Cidade do Jardim foi moldado a partir da Fazenda Conceição
comprada nos idos de 1770, por Antônio de Azevedo Maia, ficando a povoação conhecida
como Conceição do Azevedo em 1856. Logo, tornou-se Vila da Conceição em 1858 e
com o passar do tempo, cidade, em fins do século XIX.
A Cidade do Jardim, no período que correspondeu ao século XIX, experimentou
tanto a pecuária quanto o cultivo do algodão. Esta porção de terra localizada na Ribeira
do Seridó tinha características que serão de ampla importância para a compreensão de sua
estrutura econômica. Localizada no semiárido, a princípio, a pecuária tornou-se
proeminente na região se comparada às outras atividades econômicas. E é nessa atividade
que se desenvolverá o trabalho escravo (BORGES, 2000).
A atividade econômica seridoense baseada na criação de animais foi motivada
por sua incompatibilidade com a plantation açucareira. Segundo Michele Soares Lopes
(2011, p. 23):
A própria conquista portuguesa sob o sertão seridoense foi
impulsionada pela impraticabilidade de criação de gado vacum em
comunhão com o cultivo da cana-de-açúcar nas regiões litorâneas. Tudo
isto devido ao fato de que a expansão do cultivo da cana teve a princípio
como obstáculo a pecuária, cujo pastos foram requisitados para o
plantio canavieiro. De maneira que o criatório na zona canavieira,
tornou-se uma atividade antieconômicas, pois competia com as
plantações na disputa por pastos em terras férteis destinadas a
exploração da cana.
9
A pecuária também era acolhida no interior pelos vastos pastos e por ter uma
infinidade de terras que poderiam ser transformadas em sesmarias e fazendas voltadas
para a criação de gado, produto muito requisitado no mercado interno. Sendo assim, a
economia pecuarista acabou definindo um esboço de sociedade para o século XIX. Ariane
de Medeiros Pereira na dissertação Escravos na Comarca do Príncipe – Província do Rio
Grande do Norte (1870-1888), destacou esse modelo de sociedade: “A partir daí o cenário
pastoril que dominou a economia seridoense e modelou uma sociedade em cujo topo
estavam os proprietários de terras, de gado e de escravos” (2014, p. 18).
Fazendo uma síntese desse período e da principal atividade econômica
predominante no Seridó no início do século XIX, percebemos que a pecuária desenvolveu
também uma característica significativa na formação da sociedade seridoense,
considerando que esta prática utilizou números inferiores de escravos em suas
realizações, de modo a se construir uma população cativa diferenciada: “Neste sentido,
as escravarias eram relativamente pequenas se comparadas com as do litoral nas quais se
desenvolvia as atividades açucareiras destinadas à exportação” (MACÊDO, 2007, p. 33).
Assim, entende-se que este menor número de cativos seria devido à atividade pastoril que
não requisitava muitos escravos, por sua baixa rentabilidade, tornando-se uma economia
limitada no interior do Seridó.
Seguindo essa lógica, a Cidade do Jardim no século XIX, do mesmo modo que
outras localidades do Seridó, como a vizinha Cidade do Príncipe, atualmente Caicó, não
possuía números elevados de escravos por propriedades. Câmara Cascudo no livro Rio
Grande do Norte, relatou que: “Em 1884, o quadro de escravos em Jardim era de 432”.
(CASCUDO, 1965 apud AZEVEDO, 1991, p. 171). Essa cifra demostra que, de fato, o
processo de escravidão na Cidade do Jardim acompanhou o modelo das demais cidades
do interior do país que não tinham uma economia voltada para o mercado externo, mas
sim, voltada por uma cultura econômica para o comércio interno. Wlamyra Albuquerque
e Walter Fraga, na obra Uma História do Negro no Brasil, fizeram alusão a utilização da
mão-de-obra escrava na agricultura de subsistência, bem como em outras atividades
cotidianas (2006, p. 65):
Os escravos também trabalhavam na agricultura de subsistência, na
criação de gado, na produção de charque, nos ofícios manuais e nos
serviços domésticos. Nas cidades, eram eles que se encarregavam do
transporte de objetos e pessoas e constituíam a mão-de-obra mais
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numerosa empregada na construção de casas, pontes, fábricas, estradas
e diversos serviços urbanos.
No tocante ao Seridó, os escravos eram comprados principalmente das
Províncias de Pernambuco e Paraíba, devido não existir na Província do Rio Grande do
Norte um propício mercado fornecedor. Os cativos eram utilizados nos mais variados
tipos de trabalhos braçais, na região do Seridó. Chegavam a trabalhar em quase todas as
atividades das fazendas, passando pela criação do gado, alcançando até serviços de
fabricação de utensílios: “Os escravos trabalhavam em todas as tarefas da fazenda, desde
o trato com o gado, passando pela criação de pequenos animais, ao cultivo de gêneros
alimentícios e à fabricação de artefatos domésticos” (PEREIRA, 2014, p. 38-39). Além
das atividades pecuaristas e domésticas, os escravos também eram utilizados na produção
algodoeira que surgia como nova forma econômica da região.
Devido a fatores climáticos da região do Seridó, como os longos períodos de
seca, e pela reorientação do mercado interno, a atividade pecuarista se enfraqueceu, da
mesma maneira que a agricultura de auto sustento: “A partir da década de 1840, com a
grande seca que dizimou parte considerável do rebanho da região, o campo foi animado
com a destinação mercantil de um produto que vinha sendo cultivado para o consumo
doméstico: o algodão”. (PEREIRA, 2014, p. 40-41). A cotonicultura mostrava-se como
uma alternativa para as economias produtivas, todavia, devemos levar em consideração
que a prática da pecuária não foi deixada de lado, pois essas duas atividades econômicas
proporcionaram de certo modo uma acomodação das terras e das operações agrícolas
como expôs Luciano Lima: “As terras de plantar eram aquelas de solo fértil. As destinadas
ao criatório eram localizadas em terrenos mais áridos” (LIMA, 2009, p. 88 apud
PEREIRA, 2014, p. 42). Na zona rural da Cidade do Jardim, embora com limitações de
fertilidade do solo e poucas precipitações ao longo do ano, foi possível a produção de
culturas de subsistência, como o plantio de milho e feijão.
3. POPULAÇÃO LIVRE E ESCRAVA
Com a economia voltada para a criação de gado, para o cultivo de alimentos
destinados ao mercado interno e o algodão, o cenário do Seridó foi ganhando um perfil
diferenciado de sociedade. Nesta localidade, percebemos que de fato, a comunidade
passou a ser dividida com mais ênfase em três grupos distintos e dependentes: os senhores
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proprietários, que formavam a elite social; a população livre e liberta não proprietária,
geralmente, mais pobre; e os escravos. O fato de, proporcionalmente, existirem poucos
cativos, não torna suave a presença do escravismo no Seridó, porque esta forma de
trabalho compulsório terminava por se imiscuir por toda estrutura social, como mostraram
Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga, na obra Uma História do Negro no Brasil (2006,
p. 66-68):
A escravidão foi muito mais do que um sistema econômico. Ela moldou
condutas, definiu desigualdades sociais e raciais, forjou sentimentos,
valores e etiquetas de mando e obediência. A partir dela instituíram-se
os lugares que os indivíduos deveriam ocupar na sociedade, quem
mandava e quem deveria obedecer. (...) A relação entre senhores e
escravos era fundamentada na dominação pessoal e estava determinada
principalmente pela coação.
De fato, a Cidade do Jardim também se caracterizou dessa mesma maneira, com
relação à divisão em grupos, onde no topo estavam os donos de terras e de escravos,
seguidos pela população livre e pelos cativos. De modo que, naquela cidade, encontramos
escravos pertencentes não só a grandes senhores fazendeiros de terras, mas a outros
membros da sociedade. Durante o século XIX, o escravo era uma posse comum entre
religiosos, militares, funcionários públicos, dentre outros. Vale salientar que nesta mesma
cidade, também encontramos sacerdotes, cujo rastro escravista foi deixado em seus
inventários, como foi o caso do Padre Francisco Justino Pereira de Brito que esteve em
terras jardinenses entre 1856 a 1871 (cf. informações fornecidas por Sebastião Arnóbio
de Morais). Sendo assim, compreende-se que a manutenção da escravidão era também
interesse de pequenos proprietários.
Até o ano de 1855, a freguesia do Seridó compreendia a do Príncipe (atual cidade
de Caicó), do Acary e a do Jardim (Jardim do Seridó). Nesse circuito, estavam as terras
mais propícias ao criatório e a cotonicultura. Em meados de 1872, a Cidade do Jardim
contava com 7.678 pessoas vivendo em suas terras, destas, 3.819 eram homens e 3.600
eram mulheres. Logo, 7.419, eram livres, restando 259 classificados como escravos (112
homens e 147 mulheres). Essa população, expressa no Censo de 1872, vem reafirmar as
colocações já feitas neste artigo, enfatizando o baixo número de escravos vivendo na
Cidade do Jardim, sendo uma característica presente em comunidades do interior do
Brasil, onde a economia era voltada para o consumo interno. Interessante é observarmos
a existência de um maior número de escravas, perfil demográfico improvável em regiões
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produtoras para o mercado externo, mas possível em localidades onde imperavam a
pecuária e agricultura de auto sustento.
No Censo de 1872, os 259 escravos vivendo na Cidade do Jardim foram
declarados católicos. Esse dado poderia expressar a presença da cultura ocidental cristã
na vida dos negros vindos de África. Evidente que uma presença cristianizada imposta na
violência da escravização, pois, os escravos eram obrigados a ser batizados e professarem
a fé católica. Nei Lopes, na obra Bantos, Malês e Identidade Negra, fez alusão a esse tipo
de prática de catequização (2006, p. 58):
Então antes de embarcar no navio negreiro, os cativos eram, em geral,
batizados à força, numa cerimônia rápida e superficial. (...) O segundo
passo na tarefa de ‘salvação’ das almas dos africanos escravizados era
dado no Brasil, logo que eles eram comprados. Recebiam um nome
cristão e, a partir desse momento, eram submetidos a um processo de
despersonalização, da perda da identidade.
Embora o Estado reconhecesse os escravos como católicos, muitos não
praticavam esta fé. Seguindo o Censo de 1872, todos os escravos da Cidade do Jardim
eram analfabetos e nenhum estava na escola. Sobre a mão-de-obra escrava, é interessante
mencionar que, no ato da compra, eram observadas as compleições físicas do cativo, já
que era imprescindível para o trabalho a não apresentação de nenhum problema físico,
mesmo os escravos que apresentavam algum quadro de doença e consequentemente
fossem oferecidos por preços mais compensatórios, ainda era difícil encontrar
compradores.
Ao analisar as informações coletadas, o Censo de 1872 revelou que na Cidade
do Jardim 111 escravos realizaram trabalhos “urbanos”, segundo a categorização
censitária: domésticos, costureiras, operários em metais, em calçados e jornaleiros. Já os
escravos tidos como lavradores e que trabalhavam com agricultura e pecuária, somam
um número inferior se comparados com os que trabalhavam na cidade: apenas 59 escravos
entre homens e mulheres. Todavia, o que mais chama atenção, é que há neste período um
número expressivo de 82 escravos tidos como “sem profissão”: 44 do sexo masculino e
38 do feminino. Esse fato é compreendido se levarmos em consideração que apesar da
economia escravista estar baseada principalmente na agricultura e pecuária, os centros
urbanos também surgem como uma peça fundamental na utilização de mão-de-obra
escrava, a qual acabou muitas vezes desempenhando papeis fundamentais no dia-a-dia da
Cidade do Jardim. Muitos dos escravos, de ganho ou de aluguel, poderiam realizar tanto
13
trabalhos urbanos quanto rurais. Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga listaram as
atividades realizadas por estes escravos (2006, p. 83):
Além dos carregadores, havia os pedreiros, pintores, carpinteiros,
estivadores, marinheiros, canoeiros, cocheiros, carroceiros, sapateiros,
barbeiros, alfaiates, ferreiros, costureiras, bordadeiras, parteiras,
enfermeiras. (...) nas grandes cidades essas atividades eram exercidas
majoritariamente por negros e pardos, escravos e libertos, pois eram
geralmente rejeitadas pela população branca.
Consequentemente, percebe-se que os trabalhos desenvolvidos por escravos nas
sociedades urbanas eram aqueles que poderiam causar aos brancos livres remediados
algum sentimento de desonra, de forma que todos os afazeres que exigissem esforços
físicos eram para ser realizados pelos escravos. Entre a população livre, iremos encontrar
profissões como advogados, notários e escrivães, oficiais de justiça, professores e homens
de letras, artistas, manufatureiros e fabricantes, comerciantes e cacheiros, criadores de
jornais, entre outros ofícios. No entanto, é como lavradores que aparecem o maior número
de pessoas livres trabalhando, chegando esses números ao equivalente a 1.812 entre
mulheres e homens brasileiros e estrangeiros. Outra soma importante é a referente aos
trabalhos domésticos, somando-se 674 em seu total. Já quando é feita uma referência aos
livres que não tinham nenhuma profissão neste período, na Cidade do Jardim, esse índice
cresce significativamente, pois o valor é referente a 3.875 pessoas que não tinham
nenhuma ocupação econômica definida. Ao considerarmos que o número de pessoas
livres na Cidade do Jardim era de 7.419, observamos que mais da metade da população
não tinha nenhuma forma de trabalho específica ou uma única profissão. Ao defrontarmos
os números de escravos existentes nesta cidade que eram 259 com o número de cativos
sem qualquer profissão, percebemos que a maioria tinha uma ocupação específica. Outro
dado importante é que, dos 259 escravos, 56 eram casados, sendo 27 homens e 29
mulheres, esse dado é curioso se pensarmos nas dificuldades encontradas por estes cativos
na formação de famílias, pois era comum que o tráfico negreiro desse maior importância
a escravos do sexo masculino, dessa forma, haviam demograficamente mais homens do
que mulheres, dificultando assim a formação de casais. No entanto, cabe lembrar, que em
regiões da pecuária havia um relativo equilíbrio entre os sexos, devido a utilização
indiscriminada de escravos e escravas nas tarefas rurais.
De qualquer forma, torna-se indiscutível que esta sociedade tinha em sua base
uma formação voltada mais para o campo do que para as atividades urbanas, onde os
escravos eram aqueles que ficavam voltados aos trabalhos mais pesados e desonrados, os
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livres tinham ocupações mais ligadas à gestão ou as tarefas menos penosas,
principalmente, tratando-se dos senhores proprietários de terras. Logo, mesmo sem
privilégios, podemos compreender que os escravos na Cidade do Jardim, tanto quanto em
outras cidades do Seridó, tinham grande inserção econômica, porque sem este trabalho
compulsório não poderíamos entender a dinâmica produtiva da época.
4. AÇÕES PARA LIBERDADE DE ESCRAVOS NA CIDADE DO JARDIM
Diante da evidência de que haviam escravos, mesmo em uma região do
semiárido pouco interligada ao grande fluxo internacional de mercadorias, a escravidão
foi uma marca indelével. O seu pouco número, se comparado a outros de economias mais
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pulsantes, não fez desses indivíduos seres passivos. Muitos reagiram à violência no
processo escravista, fugindo ou lutando no interior do sistema por uma acomodação
menos danosa. Nesse último caso, a busca por um cativeiro mais justo foi ganhando
espaço, assim como, as lutas por liberdade, seja na justiça, seja em campanhas política
abolicionista. Desse modo, a Cidade do Jardim foi palco de movimentos contra a
escravidão e ações de libertação. Muitas cartas de alforria dão conta que nesta referida
comuna, o cativeiro foi negociado, libertando escravos muito antes da Lei Áurea ser
assinada em 1888, a qual extinguiu a escravidão no país. Percebe-se que as questões de
liberdade geravam muitos conflitos e embates, principalmente, no cenário político e
econômico nacional, tendo em vista que os grandes senhores de terras, poderiam perder
mão-de-obra, e consequentemente, capital. No Brasil a situação tornava-se cada vez mais
insustentável, como descreveu Wlamyra Albuquerque em O jogo da dissimulação:
abolição e cidadania negra no Brasil, observando-se que diante da propagação dos ideais
abolicionistas, da rebeldia dos cativos e da crescente ingerência do Estado Imperial nas
relações escravistas, cresciam as tensões e incertezas acerca do desfecho da questão servil
no Brasil (2009, p. 33).
Nesse ambiente, os escravos da Cidade do Jardim também puderam almejar e
lutar por liberdade, seja através de fugas, da compra da carta de alforria, por negociação
com os senhores, ou até mesmo, pelas Comissões e Associações Libertadoras, que
surgiram atendendo ao ideal abolicionista, na tentativa de pôr um fim ao cativeiro. A
busca por liberdade também surgiu em forma de resistência. Esta ocorria de várias formas,
desde as já citadas evasões, individuais ou em grupos, até a sabotagem das produções,
como a lentidão na realização das tarefas.
Os dois principais meios que os escravos buscavam para expor sua indignação
para com o processo de escravidão eram as fugas e as revoltas que eles mesmos
comandavam. Muitos eventos nesse sentido ocorreram durante o período de escravidão
no Brasil, como o Quilombo dos Palmares e a Rebelião dos Malês, onde ficaram notórios
os atos de rebeldia dos escravos. Porém, muitas outras estratégias em busca de
amortecimento do fardo servil ocorriam através da formação de irmandades religiosas,
casamentos e apadrinhamentos. Em se tratando das fugas, era comum que os escravos
tentassem evadir-se e buscar a sorte nos quilombos, já que estes eram tidos como um
lugar de refúgio e abrigo para os cativos, como também, eram vistos como uma forma de
resistência contra a escravidão. Os escravos fugiam por vários motivos, entre os quais
16
destacamos, o trabalho excessivo, os castigos físicos e principalmente, o simples desejo
de liberdade, como as razões mais frequentes. No entanto, muitos cativos fugitivos
acabavam sendo resgatados e devolvidos aos seus donos, como afirmou Sidney Chalhoub
(CHALHOUB, 2012, p. 233, apud PEREIRA, 2014, p. 39):
Ao fim e ao cabo, todo negro fora de sua área produtiva era suspeito de
ser cativo, e se esse não provasse por meio da carta de alforria,
passaporte ou do registro batismal que era livre, seria detido e entregue
ás autoridades para que tivesse seu nome inscrito no livro de registro
como “fujão”, até que seu dono viesse resgatá-lo.
A busca por escravos fugidos era de suma importância para os donos, pois a
captura dos “fujões” era uma forma de demonstrar para os demais que todo ato deste feitio
seria combatido e seus praticantes punidos, de modo que esta não era uma boa forma de
se conseguir a liberdade, mas, devemos mencionar que apesar do empenho nas buscas,
nem sempre os escravos evadidos retornavam ao cativeiro.
Na Cidade do Jardim não se tem documentados relatos de atos de violência
cometidos por escravos na busca por sua libertação, embora isto seja muito plausível. Foi
mais comum a negociação que tentou compensar ou indenizar os senhores de escravos.
Como foi o caso da escrava Heduvirges, que teve como curador Olympio Horacio de
Oliveira Azevêdo. Observou-se que sua liberdade só seria cedida mediante prestação de
serviços, porém, este não mais seria um trabalho escravo, como nota-se a seguir no
destaque:
Diz Olympio Horacio de Oliveira Azevêdo, que sendo curador da
libertanda Heduvirges a qual pronome a sua liberdade indemnisando
com prestação de serviços aos condôminos a: entre os que-lhe cederão
a sua liberdade, e devendo hoje proceder-se a esse summarissimo
processo a exofficio requerer a Vsª para que mande que o Escrivão
competente certifique em presença do inventario, qual o valor que-lhe
fora dado no inventario por morte de seo senhor assim como tudo que
constar no mmº inventario a respeito da sua matricula. 4
Neste trecho, percebemos que por morte do seu senhor a escrava Heduvirges
conseguiu a carta de liberdade, mediante o pagamento em forma de prestação de serviços
aos herdeiros. Contudo, em alguns casos, quando o senhor morria os escravos que
4 Ação de liberdade da escrava Heduvirges. Processos diversos – Cidade do Jardim. Documento disponível
em: LABORDOC/PD/CJ/Cx: 437/1877.
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ficassem em seus inventários eram vendidos e esse dinheiro distribuído em partes iguais
aos sucessores, de forma que o cativo passava a pertencer a um novo dono.
Vejamos um outro caso, relatado em Documento de Venda de Escravo dos
Processos diversos da Cidade do Jardim, Caixa: 437 – LABORDOC 1877. No dia 23 de
abril de 1877, a escrava de nome Joaquina, pertencente a Manoel Nunes da Costa, foi
deixada em seu inventário para suas filhas a menor Ignacia e Luiza:
Diz Clemente Luiz da Foncêca, como tutor da menor Ignacia filha do
finado Manoel Nunes da Costa, que tendo tocado de legitimo a sua
tutelada, no inventario, que se procede nos bens deixados por seu dito
pai, uma parte da escrava Joaquina, e outra a sua irmã de nome Luzia,
casada que é hoje com José Antonio Correia, e instando este para tirar
o seu legitimo valor, contido na referida escrava, alegando grande
necessidade, que tem de lançar mão deste recurso, de que ainda dispõe,
e como o meio que tem o suppe é vender essa mesma escrava, para fazer
entrega da parte pertencente a coherdeira Luzia (...).
À vista disso, percebemos a diferença entre os dois casos, onde por morte de seu
dono Heduvirges consegue a liberdade, e no outro, a escrava Joaquina é vendida, para
que as herdeiras dividam o montante.
Outra maneira de buscar a liberdade, era através do pagamento do valor cobrado
pelo senhor. Entretanto, para entendermos de que maneira um escravo poderia chegar a
comprar sua libertação, primeiro devemos compreender que era comum que cativos
ligados às atividades econômicas urbanas, conseguissem com maior facilidade acumular
pecúlio, que se tratava de uma reserva em dinheiro (PEREIRA, 2014, p. 69). Como
podemos observar no período ao qual nos referimos, onde aumentou a prática da compra
da alforria por parte dos escravos, os quais juntavam o preço e pagavam aos senhores.
Porém, o pecúlio apresentava uma questão complicada, pois sendo este do escravo, se o
mesmo fosse vendido, levava consigo todos os seus bens.
Os processos de liberdade na Cidade do Jardim, como percebemos, ocorriam da
forma que, para ser livre o cativo tinha de conquistar, a duras penas, sua carta de alforria,
esta comprada, na maioria dos casos, através de pagamento, com pecúlio ou com
prestação de serviços aos seus antigos senhores. Outras possibilidades, eram os processos
libertários que foram protagonizados pelas Associações ou Comissões Libertadoras, que
surgiram no cenário Norte-Rio-Grandense como uma ferramenta importante para a
construção de uma nova visão de liberdade. As Sociedades Libertadoras no âmbito geral,
foram gestadas inicialmente nas capitais provinciais do Brasil, instigando emancipar os
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cativos antes mesmo do fim da escravidão. Almir de Carvalho Bueno na obra Visão de
República: ideias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1880-1885) aludiu sobre
as ações e a interiorização das Libertadoras do Rio Grande do Norte (2002, p. 59):
A 30 de Setembro de 1883, através da atuação decisiva da Sociedade
Libertadora Mossoroense emancipava-se ‘todo o elemento servil’
existente no município. A partir daí, criaram-se, aos poucos mas
regularmente, inúmeras ‘libertadoras’ no interior da província e cidades
como Açu e Caraúbas seguiram o exemplo de Mossoró bem antes de
1888.
Como demonstrou este historiador, no interior da Província do Rio Grande do
Norte, as Libertadoras também ganharam fôlego, e na Cidade do Jardim, essa Sociedade
despontou com a denominação de Comissão Libertadora Jardinense, fundada em 1888,
tendo como membro fundador o Padre Luiz Inácio de Moura. José Nilton de Azevedo no
livro Um Passo a Mais na História de Jardim do Seridó fez menção à Libertadora local
(1989, p. 170-171):
Quer ainda promovendo a libertação dos escravos existentes na cidade,
antes que a lei de 13 de maio de 1888 viesse extinguir a escravidão do
Brasil, devido, sobretudo, aos esforços do Pe. Luiz Inácio de Moura e
demais membros da comissão local libertadora(...). No quadro de honra
do “Boletim da Libertadora”, em 23 de Janeiro de 1888, via-se já entre
as cidades livres a Província a de Jardim.
A Comissão Libertadora Jardinense tinha como membros, importantes senhores
da sociedade, que almejavam participar dos processos de liberdades da cidade. Dentre os
quais, estavam o Ten. Cel. José Tomaz de Aquino Pereira, o Capitão Ambrosio Florentino
de Medeiros, o Professor Jesuíno Ildefonso de Oliveira Azevedo, José Clemente Barbosa
e os Padres José Antônio da Silva Pinto e Luiz Inácio de Moura, ambos Vigários
Paroquiais da Cidade do Jardim em paroquiados distintos. É interessante analisar que
quando esta Comissão despontou em meados de 1887 e 1888, aquele último Sacerdote
não era mais o Vigário da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, pois o mesmo esteve
à frente da referida entre os anos de 1883 a 1885, de modo que teremos a presença de
dois Padres da Igreja Católica envolvidos com questões libertadoras na Cidade do Jardim.
Sobre as trajetórias e biografias daqueles Padres, existem poucas evidências
documentais. Escassos são os relatos referentes ao Padre Luiz Inácio de Moura, como nos
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afirmou em entrevista5 o senhor Sebastião Arnóbio de Morais, secretário da Paróquia de
Nossa Senhora da Conceição de Jardim do Seridó:
Aqui na relação dos vigários da época aqui na região do Seridó, só
aparece o Padre Luiz Inácio de Moura em Jardim do Seridó, ele não
aparece em outra paróquia. Infelizmente nós não temos nenhum dado
pessoal, biográfico do Padre Luiz Inácio de Moura. (...) Foto e
assinaturas nos termos de batizados e casamento aqui do arquivo
paroquial nesse período que ele foi pároco e essa fotografia que está na
galeria que é uma cópia de uma fotografia antiga que eu tenho com a
grafia muito antiga no verso dizendo – Padre Luiz Inácio de Moura.
Imagem Pe. Luiz Inácio de Moura. Acervo da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição
Através da imagem podemos observar que o Padre Luiz Inácio de Moura era
negro ou mestiço, devido a sua característica fenotípica. E certamente, sua condição
influenciou em sua luta abolicionista. Outro fato curioso, era a forma que se vestia, com
características e paramentos utilizados por Bispos. Sebastião Morais fez alusão a estas
características:
O Padre Luiz Inácio de Moura pela fotografia que nós temos ele era
negro, algo muito raro na época, um padre negro, é, mas existiram
padres negros, nós tínhamos notícias de padres negros. (...) Na
fotografia, ele usa um solidéu, na cabeça semelhante ao solidéu que os
Bispos usam e a alguns membros de congregações, e ele usa também
no peito um grande crucifixo muito parecido com o crucifixo que os
redentoristas usavam. Não sabemos se ele era membro de alguma
5 Entrevista realizada em 28 de janeiro de 2016, com o senhor Sebastião Arnóbio de Morais.
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ordem ou congregação religiosa, porque não têm iniciais de ordem
religiosa nem de congregação.
O Padre Antônio da Silva Pinto foi o quinto Vigário da Paróquia de Nossa
Senhora da Conceição, veio para o Rio Grande do Norte ainda na década de 1880 onde
passou por alguns ministérios como na cidade do Acari, Currais Novos, Caraúbas, Patu e
Jucurutu. Este sacerdote teve em suas mãos a missão, juntamente com os demais
membros, de lutar pela liberdade tão almejada pelos escravos na época, através dos
trabalhos da Comissão. Sebastião Morais justificou esse interesse da Igreja Católica nas
questões escravistas, afirmando que a rigor, esta instituição nada teria contra os escravos,
mas sim, defendia a pureza de sua fé:
A preocupação da igreja com a questão, com a cultura afro-brasileira
era o cuidado para não haver essa mistura que é o sincretismo,
justamente essa mistura, você por exemplo tem São Sebastião você diz
que é Oxum, que é uma das divindades do Candomblé e outras, que
dizer que a igreja tem muita essa preocupação essa pureza da fé, uma
fé é uma, outra fé e outra, e não essa mistura né, e diante dessa condição
social de dos escravos é ser tido como quase objetos a igreja sempre
foi muito boa assim de proteger né quer dizer agente via que os escravos
eram batizados né e tinham toda assistência religiosa.
Seja a frente de seu próprio processo de libertação, seja sendo considerado alvo
de associações abolicionistas, os escravos jardinenses não ficaram passivos a sua
condição servil. Lutaram em todos os espaços domésticos e públicos, pela única coisa que
valia a pena respirar com dignidade, sua liberdade.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na Cidade do Jardim, o escravo tornou-se um agente primordial do sistema
econômico vigente, assim como, com todos os percalços, comprovou-se como sujeito que
a todo instante buscou sua emancipação.
Vale ressaltar que existiu durante o período abolicionista uma relação de trabalho
estruturada por homens livres e escravos. Concluímos que estes ficavam encarregados de
trabalhos mais forçados e penosos, até mesmo, absorvendo para si os ofícios rejeitados
pelos “homens livres” da sociedade. Ambos, livre e cativos, estavam imbricados na
mesma teia laboral.
Lutas, Resistências e Embates, perpassaram o cotidiano dos escravos durante o
período abolicionista na Cidade do Jardim. A todo momento, os cativos ansiavam ou
mesmo “negociavam” sua libertação. Como ações emancipacionistas que nortearam a
vida do escravo negro naquela comuna, destacaram-se, por meio de documentos
históricos: as cartas de alforrias, os fundos de emancipação e a Comissão Libertadora
Jardinense. Esta, formada por “homens considerados” da sociedade local, davam apoio
aos cativos, utilizando de ideais abolicionistas. Destacou-se o Padre Luiz Inácio de
Moura, negro ou mestiço, que usando de sua condição de sacerdote, juntamente com outro
clérigo, José Antônio da Silva Pinto levou a Igreja Católica a atuar nas questões
escravistas. Infelizmente, pouco ou quase nada se tem documentado sobre os feitos e
ações desta Comissão, a não ser os membros que a formaram.
Por fim, apesar da já comprovada existência de escravos na Cidade do Jardim,
os relatos não passaram de sua quantificação, de seus ofícios e de suas ações libertárias.
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FONTES E BIBLIOGRAFIA
a) FONTES MANUSCRITAS
Justificação de Escravidão do escravo Joaquim Theresa de Jesus, solicitado por Thomas
Pereira Corumbá da Cidade do Jardim. LABORDOC. Processo Diverso, Cidade do
Jardim. Caixa: 437/1979. Transcrição Ariane de Medeiros Pereira.
Ação de Liberdade da escrava Edivirges, solicitada pelo curador Olympio Horacio de
Oliveira Azevêdo ao Juiz Municipal e de Órfãos da Cidade do Jardim. LABORDOC.
Processo Diverso. Cidade do Jardim. Caixa 437/1880. Transcrição Ariane Medeiros
Pereira.
Licença de venda da escrava Joaquina, solicitada por Clemente Luiz da Foncêca ao Juiz
Municipal de Órfãos da Cidade do Jardim. LABORDOC. Processo Diverso. Cidade do
Jardim. Caixa: 437/1877. Transcrição Ariane Medeiros Pereira.
Licença de venda de escravo João, solicitada pelo senhor Pedro Paulo de Azevedo ao
Curador Geral dos Órfãos José Jeronymo d´Azevedo, da Cidade do Jardim.
LABORDOC. Processo Diverso. Villa do Jardim. Caixa 437/1878. Transcrição Ariane
Medeiros Pereira.
Licença de venda de escravo Clemente, solicitada por Ana Joaquina do Sacramento ao
Juiz Municipal de Órfãos da Cidade do Jardim, LABORDOC. Processo Diverso. Cidade
do Jardim. Caixa 437/1878. Transcrição Ariane Medeiros Pereira.
b) FONTE DIGITAL
CENSO de 1872. Disponível em: <http://www. org.br/?q=destaques/censo-1872abep>.
C) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBURQUERQUE, Wlamyra R. O jogo da Dissimulação: abolição e cidadania no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
ALBUQUERQUE, Wlamyra R., FILHO, Walter Fraga. Uma história do negro no Brasil.
Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.
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AZEVEDO, José Nilton de. Um passo a mais na História de Jardim do Seridó. Brasília:
Centro Gráfico do Senado Federal, 1989.
BORGES, Cláudia Cristina do Lago. Cativos do Sertão: Um estudo da escravidão no
Seridó – Rio Grande do Norte. Franca: UNESP, 2000.
BUENO, Almir de Carvalho. Visões de República: ideias e práticas políticas no Rio
Grande do Norte (1880-1895). Natal: EDUFRN – Editora da UFRN, 2002.
CHALHOUB, Sidney. Visões de Liberdade: uma história das últimas décadas da
escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
LOPES, Michele Soares. Escravidão na Vila do Príncipe, Província do Rio Grande do
Norte (1850-1888). 2011. 131 f. Dissertação (Mestrado em História) – UFRN, Natal,
2011. Disponível em: <http://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/16945>. Acesso em:
09 out. 2015.
LOPES, Nei. Bantos, Malês e Identidade Negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. A transcrição do cativeiro para a liberdade.
In. Escravismo no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2010.
PEREIRA, Ariane de Medeiros. Escravos em ação na Comarca do Príncipe-Província
do Rio Grande do Norte (1870-1888). 2014. 157 f. Dissertação (Mestrado em História) –
UFRN, Natal, 2014. Disponível em:
<http://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/16989>. Acesso em: 09 out. 2015.