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Novela de Lunna Guedes, narrando a história de Alexandra Mendes, jovem que vive seus dias na pequena e fictícia Teodoro... sonhando ir embora. De malas prontas para a Faculdade, a estudante de Letras vai viver ao mesmo tempo seu maior sonho e, também seu pior pesadelo: conhecer-se.

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A Autora

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“Eu pouco sei sobre essa garota,

faltam peças nesse quebra-cabeças

chamado ‘Raissa Mendelson’...

mas uma coisa eu sei: ela não me

ama... no momento, ela vive mais

uma de suas paixões. Ela é assim... é

momento, precipitação e não a

amo menos por isso...

a amo mais porque, quando

se abre em sorrisos, minha vida é

primavera. E, quando se fecha,

é inverno. E eu espero pela estação

seguinte, porque em algum momento

será verão novamente.”

Lua de Papel

Scenarium Plural,

Lunna Guedes, 2014

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Livro Artesanal

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Apresentação

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Lua de Papel Lua de Papel Um livro artesanal feito com palavras, papel, agulha e linha...

Lua de Papel

H.S

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“ — Não, mas é que há coisas que não

são passíveis de tradução, como um poema

escrito em outro idioma. Não basta saber as

palavras, conhecer a língua… o contexto. Eu

me lembro de que passei um bom tempo

pensando em como iria ser. Disse “não” vá-

rias vezes até que, numa noite eu finalmente

disse “sim”. De todos os movimentos que fize-

mos, o melhor foi o beijo: a maneira como

nossas bocas tomaram uma à outra me fez

mergulhar naquele encontro de salgado

sabor. Senti como se estivesse me afogando,

e com a vida prestes a afastar-se do corpo,

num sopro… voltei a respirar.

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Primeiro Capítulo A cidade é um chão de palavras pisadas

Na primeira página ela anotou o ano em letras grandes, como se a-

costumara a fazer ao longo dos últimos anos… era o seu oitavo caderno.

Sempre de capa preta, com folhas brancas e linhas retas.

Ainda se lembrava do primeiro — um presente de sua mãe — o mais

caro dos presentes. O único a fazer diferença de fato. A deixá-la feliz. Salti-

tante. Empolgada... nunca antes um presente havia causado tal efeito na me-

nina do interior.

O ritual surgiu por acaso, permanecendo ano após ano: sentava-se

em sua cama. Costas contra a parede. Pés com meias brancas e os dedos em

movimento ali dentro... silêncio imperfeito no quarto escuro. Um único fe-

cho de luz atravessava as frestas da janela, indo pousar àquela hora — pouco

depois das seis de uma tarde quente de primavera — bem em cima do lençol

branco. Alexandra agitava o lápis preto entre os dedos das mãos, batendo o

lado sem ponta na capa do caderno, enquanto se distraía com as “poeiras de

luz”.

O olhar, pouco a pouco, perdia-se junto ao pedaço de paisagem que

chegava a sua mente, misturando-se a qualquer coisa sua... era tão fácil velar

aquela paisagem com um suspiro próprio. Conhecia tão bem aquele cenário

que, mesmo com os olhos e as janelas fechadas, seguia revisitando os luga-

res... ela tinha suas desordens pessoais.

A estrada entre plantações, em primeiro lugar… e era assim, porque

já tinha percorrido aquele pedaço de chão de terra batida, com imensas árvo-

res ao lado e, o som das águas do rio, que cortava a cidade, fazendo-se ou-

vir… centenas de vezes! Era sua rota de fuga daquele lugar, seus planos to-

dos passavam por ali... o prédio da escola — do lado oposto — em segundo,

sua vida aconteceu entre os corredores, salas, cadeiras e lousas daquele lugar

que era silencioso quando o sinal gritava, mandando os alunos para as seis

salas de aulas do prédio com dois andares... o pátio e os corredores esvazia-

vam-se em poucos segundos, o fim do mundo acontecia ao mesmo tempo

que as lendas urbanas. No banheiro vivia uma mulher de branco… na hor-

ta, o menino repolho… em todos os seus anos de colégio, não tinha visto

nenhum dos dois e, ao se lembrar das histórias repetidas à exaustão, sorri-

a, incrédula... havia meninas no colégio que somente iam ao banheiro acom-

panhadas, mas a maioria preferia evitar o local antes do intervalo entre au-

las.

Por fim, a memória acenava com os contornos da represa… onde

ficava por horas inteiras quando se cansava dos cenários mínimos de Teodo-

ro: o banco da praça em frente à Igreja e a avenida que a levava de volta pa-

ra casa... Perder-se seria impossível e esse era o seu maior lamento.

A escrita se precipitava junto aos seus passos imaginários — primei-

ro dentro da pele — depois, junto ao papel. Havia qualquer coisa de seme-

lhança e igualdade sendo preservada junto àquelas linhas que diziam a cida-

de, sua gente, os lugares… era uma espécie de baú de memórias, onde guar-

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dava suas coisas mais importantes. Ensaios de uma vida tão pequena, conti-

da, que não deveria interessar a ninguém e, mesmo assim, ela vivia na boca

daquelas pessoas, cuja realidade se preenchia de coisas alheias.

Depois de se deixar dizer nas linhas de seu caderno… guardava-o na

primeira gaveta da cômoda, embaixo de um punhado de toalhas de banho e

de rosto, que vinham sendo reservadas para o momento mais esperado na-

quela casa: o dia do casamento de Alexandra. Tudo era comprado aos pou-

cos: lençóis, fronhas, toalhas... O dinheiro era limitado, mas quando as fes-

tas chegavam à cidade de Teodoro, sempre sobrava um pouco para uma no-

va peça do enxoval.

A gaveta tinha sua chave, que Alexandra carregava junto ao peito,

pendurada em sua corrente de prata, presente dado por seu pai, ainda na in-

fância. Alguém a tinha esquecido na mesa do bar onde ele passava a maioria

de suas horas. Ele esperou alguns dias e, como ninguém apareceu, ao chegar

a casa — ele, homem sem jeito e de poucas palavras —, indagou: "Alguém

esqueceu lá no bar. Quer para você?". Foi a primeira e a única vez que ele

presenteou a filha, não por falta de amor por aquela menina que brilhava

junto aos seus olhos, mas por não ter habilidade em presentear. Não sabia

fazê-lo... ficava sem graça, sentia-se desconfortável. Embaraçado. Não sabia

o que fazer com os pés, as mãos, os olhos e as sensações que lhe cortavam

ao meio...

A chave presa ao peito tinha suas razões de ser… naquela casa, qual-

quer pessoa entrava e saía a qualquer hora, sendo necessários certos cuida-

dos, porque na pequena cidade em que vivia… viviam também aquelas pes-

soas frias, sem entusiasmo, que se contentavam com o pouco que lhe ofere-

ciam e, quando alguma coisa era outra, diferente do que todos deveriam ser,

o existir travava pequenas batalhas... indóceis!

…o quarto escuro — dentro da noite recém-chegada — era o seu

mundo, onde se podia não dizer absolutamente nada ou falar sem erguer a

voz, sem fingir ser. Era apenas ela e, mais ninguém… existia dentro das pá-

ginas em branco em que escrevia e também nas páginas dos poucos livros

que tinha. Era sua verdade — era pouca — mas era sua e, às vezes, pensava

que talvez tivesse sido assim o nascimento do personagem de Exupéry…

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Na segunda página ela escreveu,

“Teodoro é esse lugar sem poemas. Uma linha reta… traçada para

dividir os homens e seus movimentos. Damos voltas ao redor de um mundo

que não vai além da próxima esquina. É sempre o mesmo céu, o mesmo véu.

Todos os homens aqui são pequenas ilhas e todas as mulheres

pequenas cidades…

Há uma multidão existindo do lado de fora da minha janela, contan-

do antigas histórias com os mesmos nomes… e eu os conheço todos, embora

seja indiferente a eles.

Aqui não há norte — apenas esferas — e a vida pulsa esse estranho

ritmo que não me satisfaz. Todos envelhecem sem perceber os anos e as

rugas nos cantos da pele. Todos envelhecem… mas, olha-se tanto um para o

outro — todos os dias — que fica impossível perceber-se. Saber-se. Então,

não há diferença… é como se estivessem todos empalhados!

As casas nasceram grudadas umas às outras… elas contam a vida

alheia através das paredes finas, onde antigos retratos vão, aos poucos,

esmaecendo, como se fossem realidades líquidas. São os mesmos desenhos:

janelas iguais, abertas para a manhã e fechadas para a noite, jardins de

rosas amarelas e margaridas brancas e, os formigueiros, que nenhum vene-

no consegue deter... é sempre o mesmo portão a ranger, avisando visitas…

Tudo aqui se mistura — e se confunde — todo mundo sabe ou pensa

saber absolutamente tudo sobre a vida do outro… todo mundo vive ou pen-

sa viver!

As cartilhas são as mesmas entregues em sala de aula — reza-se o

mesmo rosário — o Deus na Igreja é o mesmo que faz a missa vestindo a

batina sagrada e, a ele, oferecemos a promessa de ser sempre as mesmas

pessoas! Pelas ruas da cidade, as cabeças acusam as maldições que carre-

gamos e que são denominadas como pecado. Uma confissão basta para nos

resgatar de nossos infernos mais íntimos… eu só me confessei uma vez, dias

antes da primeira comunhão e, como punição por ser quem sou, tive que

rezar uma dúzia de ave-marias e meia dúzia de pai-nossos. Isso porque não

confessei ao homem que pretendia, desde os meus dez anos, fugir da cidade.

Ir embora para nunca mais. Disse apenas o que era necessário dizer: quan-

do tinha sete anos, roubei laranjas do quintal de alguém e, aos nove, espiei

janelas e vi coisas que não devia.

As pessoas de Teodoro são pequenas-miúdas-encolhidas — e fazem

muito ruído dentro da manhã, da tarde e da noite.

Às vezes, um silêncio crescente se apodera da paisagem e o único

som a se repetir lá fora é o dos grilos… nessa hora, as poucas luzes da

cidade enfrentam a escuridão. Dizem por aqui que os mortos se levantam e

andam sob o luar… mas eu nunca dei por eles.

Vivo a espiar a rua pelas frestas de minha janela, entre uma página

ou outra dos livros que leio, mas o único movimento que percebo lá fora é

de um cão vira-lata, que veio não se sabe de onde, há mais tempo do que eu

consigo contar. Anda de um lado para o outro, em busca de alimento nas

latas de lixo enfileiradas sobre as calçadas. Pela manhã, ele está deitado na

porta do bar do Delegado, que o alimenta e trava com ele um estranho diá-

logo particular. Conversam o cão e o homem… mas, não se sabe, olhando

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de longe, quem pergunta e quem responde.

Mesmo sabendo não haver mortos, não ouso visitar as poucas vias

de Teodoro, pois o medo se precipita em mim, dizendo fantasmas que essa

gente inventou e eu agasalhei.

A cidade de Teodoro e seu punhado de ruas começa a esvaziar-se

por volta das seis horas no inverno, quando os dias são invariavelmente

mais curtos e a sopa é servida pouco depois da ave-maria… Nos dias de

verão, o horário é outro — oito horas — porque, nesses dias, as senhoras

levam para a calçada a cadeira, lãs, agulhas e uma interminável vontade de

tagarelar, dando um novo sentido à palavra “tricotar”… Falam da vida

alheia como se falassem da novela das oito e de seus personagens comuns.

Inventam histórias. Acrescentam verdades pessoais e acusam os desafetos.

Sempre achei estranho os sorrisos e os acenos que elas entregam

para as vizinhas desprezadas por gestos — ditos — inconvenientes. No do-

mingo, no entanto, sentam-se lado a lado e fazem o sinal da cruz para o ho-

mem de olhar amendoado no altar, pouco depois dizem ‘amém’ e já estão

livres para pecar mais um punhado de vezes…

E eu, aqui nesse meu mundo pequeno-estreito, escondo-me a fim de

sobreviver. Eu só penso em resistir para não desaparecer, como fazem to-

dos nessa cidade.

Na semana passada, morreu Lurdes Maria… no velório discursou o

padre Antônio, com suas palavras de sempre, que veem surgir novas pausas

em cada frase. Em dezesseis anos, já ouvi dúzias de vezes aquele mesmo

discurso demorado…

A cidade inteira participou do cortejo — rezando as mesmas preces

— e no dia seguinte ela se tornou apenas um nome na lápide, ninguém mais

se lembrava de quem ela era ou do que tinha feito… era apenas mais uma

fotografia na parede da loja do Paulo, que é esse homem que herdou do pai

a profissão de fotografar os habitantes da cidade... do nome verdadeiro dele

ninguém se lembra, porque nessa cidade existir e desaparecer é quase a

mesma coisa”.

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Lua de Papel Lua de Papel

Lua de Papel — Lunna Guedes

Scenarium Plural, 2014

Livro Capa Papel Couchê Encadernação Artesanal

Costura Oriental — 240 páginas Exemplares numerados

R$ 50,00