lucas evangelista: o lucas da feira

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  • 8/19/2019 Lucas Evangelista: o Lucas da Feira

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    X m e m o r a d e

    2acf1eu de Lima,

    meu pa•¿

    PaAa

    TeAeza A¿vez Wogue-¿Aa L¿wa,

    mxn/itt mãe

    e

    Ed¿on Je¿u¿ de l . ¿ma,

    meu

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    Hã mi l argument os a f avor da l i ber dade,

    nemum 8ó a f avor da escr avi dão.

    (A Sent in e la S io F id ê l i s , 17.12.1885)

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    AGBADECIMEUTOS

    .Ao CNPq e ã CAPES^ pela oonoeeaào de auxílio financeiro   a-

    travéa de boleae, durante a realização do ourao.

    .Ao Orientadorf Prof. Dr. RONALDO SALLES DE SENtíA^ amigOt 

    oolega da Univeraidade Eatadual de Feira de Santana e ori-  

    entador deeta diaeertaçãot a quem devo o incentivo e a co- 

    laboração neatee anoa de eatudo.

    Ao prof. JOÃO JOSÉ REISt mestre querido, e ao colega BEN- 

    RIQUE LYRAj que procederam ã leitura inicial do projeto e 

    oujaa augeatõea foram extremamente valiosas.

    Ã profa. JOSELITA DE CASTRO LIMA, amiga de todaa ae horaa, 

     pelo muito que me auxiliou no fichamento de livroa e pe- 

    riódiooa.

    Âa profae. MARLY GERALDA TEIXEIRA e MARIA JOSÉ SOUZA AN~ 

    DRADE, mestraa amigaa, pelaa críticas e augeatõea proferi- 

    daa no papel da banca examinadora.

    Aos amigoa Monaenhor RENATO CALVÃO, HUMBERTO ARGOLO e FRAN  

    KLIN MACHADO CERQJJEIRA, pelo apoio no fornecimento de fon- 

    tes de peaquiaa mediante longaa conversaa aobre historias 

    regionais.

    Ao colega e peaquisador JORGE ANTONIO DO ESPÍRITO SANTO BA 

    TISTA, reaponaãvel pela difícil tarefa de tranacriçao doa 

    Inventários e Correapondenciaa conaultadoa, noa Arquivos 

    de Salvador, Feira de Santana e Cachoeira.

    . bibliotecária MARLENE DE DEUS MOREIRA, colaboradora de- 

    dicada durante o levantamento bibliográfico.

    ,A JOSÉ TADEU pela ineatimável colaboração nos trabalhoa  me

    canográficoa.

    . minha FAMÍLIA, e ã NALVA, pela compreensão e força que 

    me proporcionaram neste período de trabalho árduo.

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    s u m a r i o

    I NTRODUÇÃO 01

    CAPI TULO I — A BAHI A EM QUE LUCAS VI VEO 28

    1 FEI RA DE SANTANA ENTRE O RECONCAVO E O AGRES' PE 29

    1. 1 AS ORI GENS: FEI RA DE SANTANA XSÃO J OSÉ DAS

    I TAPOROROCAS 32

    1. 2 A SOCI EDADE 371. 3 A ECONOMI A 4 4

    1. 3. 1 A Fazenda "Saco do Ll mao" 69

    - A mão- de- obr a escr ava 6 a r eação cont r a

    os cast i gos 72

    1. 4 POLI TI CA 76

    1. 4. 1 A Vi l a e seu Ter mo 88

    2 CRONOLOGI A DAS REVOLTAS DE ESCRAVOS ENÃO- ESCRAVOS ANTES

    DE 1849 100

    CAPI TULO I I — LUCAS EVANGELI STA DOS SANTOS: LUCAS DA FEI RA 121

    1 I DENTI FI CAÇÃO. CARACTERÍ STI CAS 123

    2 A FAMl LI A. AS ATI VI DADES. AS MULHERES 127

    2. 1 A FAMI LI A 127

    2. 2 AS ATI VI DADES 131

    2. 3 AS MULHERES 133

    4 0 BANDO 155

    4. 1 OS PRENÜNCI OS DA ORGANI ZAÇÃO 159

    4. 2 A COMPOSI ÇÃO DOS BANDOS. UNI VERSO DE AÇÃO

     TRUQUES E TÃTI CAS 165

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    5 ALGUNS ASPECTOS SOBRE CRI MI NALI DADE E OS CRI MES DE

    ESCRAVOS DO BANDO DE LUCAS 179

    5. 1 OS CRI MES DE ESCRAWS E A LEI 184

    5. 2 CRI MES DO BANDO DE LUCAS 186

    6 A CAPTURA. 0 J ULGAMENTO E A PONI ÇÃO 191

    6. 1 A CAPTURA 191

    6. 2 O J ULGAMENTO E A PUNI ÇÃO 202

    CAPI TULO I I I — LUCAS E A SOCI EDADE ESCRAVI STA

    1 A VI SAO DE MUNDO DOS CONTEMPORÂNEOS DE LUCAS X ATUALI DADE 219

    CONSI DERAÇÕES FI NAI S 234

    PONTES E BI BLI OGRAFI A 23 

    ANEXOS 255

    * * *

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    I NTRODUÇÃO

    . 0 TEMA( *)

    A quest ão cent r al de nosso t r abal ho pr ende- se às r a-

    zõcs que l evar am o escr avo Lucas Evangel i st a dos Sant os a se-

    par ar - se do domi ni o de seus t r ês senhor es e a f or mar um bando

    de sal t eador es, bem como ao mot i vo de t er - se mi t i f i cado t ant o

    esse per sonagem, quando out r os escr avos, na mesma época e r e-gi So, pr at i car am at os semel hant es.

    Dent r e as f oi mas de rebel di a que o escravo, no Br asi l , en-

    cont r ou par a demonst r ar a sua i nsat i sf ação, dest aca- se o f enô-

    meno do bandi do negr o( ** ) . 0 apar eci ment o e a pr ol i f er ação des-

    se t i po de bandi do dat am âa pr i mei r a met ade do sécul o XI X, mai s

    pr eci sament e após a I ndependênci a Pol í t i ca do Paí s. Na opor t u-

    ni dade, as el i t es domi nant es encont r avam- se di vi di das em t or no

    do pr ocesso de f or maçao e consol i dação do Est ado Naci onal , quando

    a Bahi a, a exempl o de out r as Pr oví nci as, f oi sacudi da por movi -

    ment os escr avos e l i vr es, desde o ant i - l usl t ani smo at é as t en-

    dênci as f eder al i st as.

    (*) 0 escudo sobr e o escravo Lucas é part e de umpr oj eto de pesqui sa deno-ni nado "Memóri a Hi st ór i co Cul t ur al do Muni cí pi o de Fei r a de Sant ana 1830-1930", que obj et i va o l evant ament o das f ont es e document os hi st ór i cos dessemuni cí pi o, como at i vi dade das di sci pl i nas do cur so de Hi st ór i a, na Uni versi *dade Est adual de Fei r a de Sant ana, desde 1985.

    (**) Est amos usando o t ermo bandi do, tal como o poeta Cast r o Al ves

    empregou na poesi a — "Bandi do Negro". I n ALVES, Ant oni o de Cast r o — "OsE8cr avos ', Edi t ora Pr ogr esso, Sal vador , 1936, p. A9.

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    02

    LucaS/ escr avo e bandi do ( sal t eador de est r adas) , ê 

    par t e daquel e moment o^ e dest aca- se pel as car act er í st i cas e pr o

    porções assumi das por sua at uação, apr oxl mi dam̂t e dur ant e 20 anos.

     Tr at a- se de um per í odo l ongo, se cons i der ar mos a ef i cáci a r e-

    pr essi va da época( *}, a i mpor t ânci a que adqui r i u pol í t i ca e

     j ur i di cament e num f at o de not abi l i dade naci onal ,̂ bem como o

    t er r or que causava aos habi t ant es da Vi l a de Fei r a de Sant ana e

    seu Ter mo, pr i nci pal ment e aos t i pos de ví t i mas por el e pr ef e-

    r i dos: vaquei r os, homens de negóci o e f ei r ant es.

    Por t odas essas r azões, o est udo do caso Lucas j ust i -

    f i ca- se na medi da em que per mi t e compr eender a i mpor t ânci a só-

    ci o- econômi ca do escr avo em Fei r a de Sant ana, na pr i mei r a met a-

    de do sécul o XI X; of er ece cont r i bui ções â hi st ór i a do bandi do;

    e, ai nda, pr opi ci a um pont o de par t i da par a a el abor ação de t r a

    bal hos i nt el ect uai s com novas abor dagens de uma f ace do escr a-

    vi smo ai nda pouco est udada.

    Anal i sando o cont ext o que pr opi ci ou o sur gi ment o dos

    bandos vi ncul ados âs conj unt ur as econômi cas especi f i cas sobr e a

    r egi ão de Fei r a de Sant ana, t r ês obj et i vos se def i nem: (a) as

    r el ações soci ai s ent r e os di ver sos gr upos ( senhor es de cur r ai s,comer ci ant es, pequenos pr opr i et ár i os, t r abal hador es e out r os;

    (b) os f at or es que cont r i buí r am par a a f or mação dos bandos, t am

    bém conheci dos como quadr i l has; (c) as car act er í st i cas da l i de-

    r ança do escr avo Lucas nas f or mas de r esi st ênci a ao escr avi s-

    mo — i ndi vi dual e col et i va.

    (*) Ref er i mo- nos à r epr essão que o Est ado e 08   senhores de engenhos col ocavamem prSt i cd, par a cont er 08  i mpul sos dos escravos rebel des emdi f er ent esntomentos do r egi me escr avi st a.

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    . A METODOLOGI A

    O model o met odol ógi co par a o est udo do caso Lucas, no

    ámbi t o da hi st or i a soci al , f undament a- se na r el ação r ecí pr oca

    ent r e escr avos e soci edade, ou sej a, par t e- se de uma condi ção

    sÕci o- econôml ca especí f i ca que nos per mi t e compr eendê- l o dupl a

    ment e ñas cat egor i as de escr avo e bandi do. Par a t ant o, buscou-

    se r euni r as di ver sas ver sões e anál i ses el abor adas por di f er en

    t es aut or es, apr esent ando um r ot ei r o das pr i nci pai s quest ões

    vol t adas par a aquel as cat egor i as, anal i sadas ao l ongo do t r aba-

    l ho. Pr ossegui ndo, pr i or i 2a- se a base t eór i ca e a ut i l i zação

    das f ont es.

    . A BASE TEÓRI CA

    0 hi st or i ador J oão J osé Rei s em " NEGOCI AÇÃO E CONFLI -

     TO" (*) (1989) danonst rou que dur ant e um l ar go t empo a hi st or i ogr a-

    f i a naci onal , acost umou- se a ver o escr avo, aci ma de t udo, como

    um OBJ ETO: obj et o de seus i mpul sos e desej os e, por f i m obj et o

    da pr ópr i a di sci pl i na que o pr i vi l egi ava enquant o t ema de r ef l e

    xão.

    0 escr avo enquant o per sonagem hi st ór i co apar eci a ana-

    l i sado por mei o de model os r í gi dos que t endi am a r epr esent á- l o

    or a como ví t i ma or a como her ói , or a mi t i f i cado em seu car át er

    or a r ei f i cado em "peça" i ner t e f r ent e às vi c i ss i t udes do si st e-ma. No i nt er i or desses model os não sobr avam, por t ant o, espaços

    de i ndef i ni ção nos quai s pudéssemos per ceber e r ecuper ar as bar

    ganhas e os ar r anj os cot i di anos empr eendi dos pel os cat i vos, e

    (*) Ver a segui r pagi na 26, nota I I .

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    mesmo a per cepção de como ent endi 2un o 8eu VI VER, mui t o mai s do

    que o mer o SOBREVI VER.

    O escr avo Lucas, 3 quesn consi deramos per sonagem hi st ó-

    r i co, não f ugi u à r egr a. Apar ece anal i sado at r avés de model os

    conser vador es que t endem a r ecr i mi ná- l o por seus at os de r e-

    bel di a, despr eocupando- se de associ ar t ai s at os às condi ções

    r eai s e especí f i cas em que se desenvol ve sua r eação» pr ef er i n-

    do i dent i f i cá- l o sob vár i os r ót ul os, como, por exempl o, cr i mi -

    noso, mal f ei t or , f ací nor a, monst r o e out r as denomi nações nega-

    t i vas, ou, em out r os casos, posi t i vament e como her ói ou mi t o.

    Et i mol ógi cament e, bem como at r avés de at i t udes e com

    por t ament os, não podemos duvi dar de que o escr avo Lucas f oi um

    bandi do( *) . Fugi t i vo desde cr i ança, aos vi nt e anos de i dade

    consegui u f or mar um bando, pr at i car vár i os t i pos de " cr i mes״

    e dest acar - se como um l í der , at uando num espaço gr ande dur ant e

    l ongo t empo, se compar ado à sobr evi vênci a de l í der es da mesma

    época e que vi veram nas pr oxi mi dades de Fei r a de Sant ana. Dadas

    as l i mi t ações em se est abel ecer um model o de bandi do negr o

    ( 1807- 1849) , t ent ar emos anal i sar duas f or mas de r ebel di a: a de

    escr avo e a de bandi do, par a j ust i f i car os moment os de at uação

    do per sonagem, aqui anal i sados.

    a) Por r ebel di a escr ava( ** ) ent endemos t oda e qual quer f or -

    ma de cont est ação da mass a negr a ao si st ema ger i do pel o seg-

    (*) Abordar emos a cat egor i a bandi do como uma var i ant e da r ebel di a do cat l -vo» anal i sada, no decorr er do Capi t ul o 1.

    (**) 0 termo rebel di a escr ava est á sendo tr atado, da manei r a como o empre-ga o hi st or i ador J oi o J osé Rei s, em seu Trabal ho "REBELI ÃO ESCRAVA NO BRA-SI L" (1986) onde el e i dent i f i ca essa cat egori a comas i nsur r ei ções urba-nas. Acr escent amos o bandi do negr o cono componente dessa cat egor i a.

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    ment o domi nant e. A r ebel di a escr ava, expr essa em qual quer uma

    das f or mas — i ndi vi dual ou col et i va — ,  sempr e r epr esent ou

    uma ameaça aos senhor es, cuj as at i vi dades econômi cas ut i l i za-

    r am a mão- de- obr a servi l . No campo ou na ci dade, onde a con-

    cent r ação de negr os excedi a a de br ancos, a exempl o das r e-

    gi ões agr o- expor t ador as, mi ner ador as ou zonas por t uár i as, quan

    do est our ava um conf l i t o, a r eaçao dos senhor es er a i medi at a

    e, às vezes, ant eci pada. Apesar di sso, a r ebel di a f oi \1m at o

    cont í nuo no i nt er i or do si st ema escr avi st a.

    Ent r e os escr i tores que estxidaran a rebel di a escrava no Br a-

    si l , pr i vi l egi amos Rai mundo Ni na Rodr i gues, Cl óvi s Mour a e

     J oão J Osé Rei s .̂

    Ni na Rodr i gues f oi um dos pr i mei r os e mai s dest aca-

    dos est udi osos das r evol t as escr avas na Bahi a. Médi co l egi s-

    t a, pr of essor da Escol a de Medi ci na da Bahi a, mar cou os anos

    30, 40 e 50 do sécul o at ual com sua i nt er pr et ação sobr e o ne-

    gr o, suas r eações e post ur a f r ent e ao soci al . Li mi t ado por pr e

    f er ênci as t eór i cas( *) , dei xou- se l evar por par adi gmas consi de-

    r ados, hoj e, em demasi a val or ados, enocênt r i cos e at é mesmo

    r aci stas.

    No l i vr o “As Conect i vi dades Anor maes - 1939״

    , RODRj C

    GUES dedi cou um capí t ul o ao escr avo Lucas da Fei r a, abor dando

    duas cat egor i as: a de bandi do ou cr i mi noso e a de chef e, como

    se pode ver :

    Lucas er a umnegr o cr i oul o escravo. Em 1828» el e f ugi udo seu senhor e organi zou, c o d   a aj uda de al guns out r osescravos f ugi t i vos ( . . * ) 1   um bando que desde esse t empoat é 1848, I nf est ou as gr andes est r adas de Fei r a de Sant a-na, ent ão si mpl es vi l a. Dur ant e vi nt e anos, esses bandl -

    (*) Ver capí t ul o I I , I cem 5.

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    dos coneteramcr i nes de Coda a especi e ( . . . ) Mesmo semi nst r ução, Lucas se f «r chef e do baodo. Nao agl u absol u-t amente coso 08   negr os escr avos, que se sui ci davam: el et OBou a of ensi va .̂

    Embor a o aut or concor de em que Lucas, ao cont r ar i o

    de out r os escr avos que se sui ci davam, t oma a of ensi va, não es■*

    t abel ece urna di st i nção ent r e as cat egor i as soci ai s de bandi do

    e cr i mi noso, apr of undando- se na úl t i ma cat egor i a, conf or me

    anal i sar emos post er i or ment e( *) . Mesmo di scor dandoda t ese do

    aut or , de que Lucas se f ez chef e, por acr edi t ar mos que el e f oi

    mul t o mai s um l í der ( ** ) , o que nos causa est r anheza é que os

    poucos t r abal hos sobr e Lucas, i ncl usi ve ar t i gos de j or nai s r e-

    cent es, com r ar a exceção, t oma de empr ést i mo o concei t o de Ni -

    na Rodr i gues e ut i l i za- o sem apr esent ar qual quer coment ar i o

    cr í t i co, como ver emos a segui r e em out r as opor t uni dades.

    Cl Óvi s Mour a, i nspi r ado na concepção mat er i al i st a da

    hi st or i a, nos anos 50 dest e sécul o, escr eve seu t r abal ho pi o-

    nei r o sobr e r ebel di a escr ava no Br asi l , " Rebel i ões na Senza-

    l a", publ i cado num moment o de agi t ação pol í t i ca e soci al ( i m-

    pl ant ação do model o econômi co e " popul i st a" do gover no de Var -

    gas" ) .

    Depoi s de t ent ar expl i car de f or ma si st emát i ca os f ¿

    t or es est r ut ur ai s que t er i am condi ci onado o sur gi ment o dos

    conf l i t os escravos, o aut or r ef er i u- se à si t uação econômi ca e

    demogr áf i ca da Bahi a ( 1807- 1835) , est abel ecendo, em segui da, a

    cadei a causci l ent re f at or es e conf l i t os; mas não se det eve nas

    conj unt ur as especí f i cas, nem esc l ar eceu como est as t er i am i n-

    (*) Ver capí t ul o I I , i t em 5.

    (**) I dem, i t em 4.

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    f l uencl ado nas âecl sões dessa ecl osão de movi ment os r ebel des

    ent r e os escr avos.

    Dent r e as f or mas de r esi st ênci a ao escr avi smo est u-

    dadas por MOURA r̂ r essal t amos a f uga e o qui l ombo, pel a vi n-

    cul ação que t em coro o nosso t r abal ho.

    A f uga par a a l i ber dade nunca f oi t ar ef a f áci l , vi s-

    t o que a escr avi dão, como sabemos, não t er mi nava nas por t ei r as

    de f azenda al guma. El a f azi a par t e da l ei ger al da pr opr i edade

    e, ero t er mos ampl os, da or dem soci al ment e acei t a. Al ém di sso,

    não f oi uma r eação especí f i ca do sécul o XI X, por quant o ocor r eu

    dur ant e t oda a vi gênci a do si st ema escr avi st a.

    O qui l ombo f oi a f or ma mai s si gni f i cat i va de r ebel -

    di a do negr o, const i t ui ndo aqui l o que se pode chamar de "uni -

    dade bási ca de r esi st ênci a" . Anal i sando a or gani zação dos qui -

    l ombos, MOURA esc l ar ece que el es não f orei m apenas uroa f or ça

    de desgast e, at uando nos f l ancos do si st emas, mas, pel o con*■

    t r ár i o, agi am em seu cent r o, i st o é, at i ngi ndo, em di ver s os

    ní vei s, as f orças pr odut i vas do escr avi smo e, ao mesmo t empo,

    cr i ando uma soci edade al t er nat i va que, pel o seu exempl o, mos-

    t r ava a possi bi l i dade de uma or gani zação f or mada de homens

    l i vr es. Est a per spect i va que os qui l ombos apr esent avam ao con-

     j unt o da soci edade na época, er a um "per i go", e cr i ava as pr e-

    mi ss as par a a r ef l exão de gr andes camadas da popul ação opr i mi -

    da .̂

    0 aut or , apôs r ef er i r - se à f uga, ao qui l ombo, à ex-pansão geogr áf i ca da qui l ombagem, t r at ou do bandi t i smo qui l om-

    bol a e af i r mou que, "em casos ext r emos o qui l ombol a t er mi nava

    bandol ei r o, como Lucas da Fei r a, t ão conheci do na Bahi a" .̂ *Pro¿

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    06

    segui ndo, MOURA t oma por empr ést i mo o di scur so de Ni na Roâr i -

    gues em seu t r abal ho A8 Col l ect i vi dades Anor maes  , ant er i or -

    ment e menci onado, acei t ando- o sem qual quer i nf er ênci a, apenasr essal t ando que o qui l ombol a não er a móvel como o gr upo de ban

    dol ei r os que const ant ement e at acava nas est r adas e f azendas®•

    Est a t ese t ant o pode ser encont r ada em " Rebel i ões na

    Senzal a" ( 1971) , como em " Qui l ombol as" ( 1987) , sem nada acr es-

    cent ar de novo. Por ém, aí , há um dado i mpor t ant e — a i dent i -

    f i cação de duas cat egor i as: qui l ombol a ( sedent ár i o) e bandi do

    ( móvel ) . Do pont o de vi st a da r esi st ênci a soci al , o pr i mei r o

    f er e os pr opósi t os do si st ema escr avi st a, enquant o que o se-

    gundo desaf i a as per spect i vas da soci edade concr et a. A di st i n-

    ção ent r e essas duas cat egor i as aj uda- nos a compr eender o pr o-

    cesso de t r ansi ção da r ebel di a de Lucas par a a cat egor i a debandi do, embor a o aut or não t enha i nvest i do t empo na quest ão

    da mobi l i dade espaci al ou i t i ner ant e( *) .

    Val e r essal t ar que Lucas não f oi um qui l ombol a. Na

    document ação or i gi nal , const at amos que el e vi veu em esconde-

    r i j os após a f or mação do bando, como ver emos no Capi t ul o I I .

    Ao ref er i r - se à met amor f ose do esc r avo Lucas ( de qui -

    l ombol a a bandol ei r o) , o aut or at eve- se ao di scur so de Ni na Ro

    dr i gues, não t ecendo consi der ações a r espei t o das conj unt ur as

    especí f i cas, o que di f i cul t ou o ent endi ment o daquel e pr ocesso

    com uma var i ant e da r ebel di a do escr avo ao bandi do sal t eador

    de est r adas.

    Est amos usândo o t emo mobi l i dade no sent i do conunent en ei npregãdo pel aSoci ol ogi a» e a pal avr a i t i nerant e como uma i dent i f i cação de desl ocament ocont i nuo.

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    09

     J oão J osé Rei 8, hi st or i ador bai ano, des t aca- se como

    especi al i st a na r esi st ênci a escr ava no Br asi l , pr i nci pal i nent e

    nas duas úl t i mas décadas dest e sécul o.

    Consi der ando que os escr avos const i t uí am uma cat ego-

    r i a soci al det ent or a de poucos r ecur sos pol í t i cos, sem qual **

    quer r espal do j ur í di co e t ot al ment e dependent es dos senhor es

    per ant e a l ei e o Est ado, o aut or af i r ma que a úni ca f or ma de

    def esa que l hes r est ava er a a r ebel i ão. " Rebel i ões escr avas

    ocor r er am em t oda par t e, dur ant e t odo t empo que dur ou a escr a»

    vi dão" .̂

    Assi m, par a o escr avo exi st i a l i mi t e de acei t ação

    quant o às i mposi ções do si st ema vi gent e. Devi do a i sso, homens

    mul her es e cr i anças r ebel avam- se, mesmo que t al at i t ude r esul -

    t asse em cast i gos vi ol ent os ou em mor t e, enquant o out r os, at é

    cer t o pont o, submet i am- se. 0 aut or t omando de empr ést i mo uma

    obser vação f ei t a por Shwar t z, most r a que o escr avo al ém de t r a

    bal har , comer e t er onde mor ar , pr eci sava t er a cer t eza de

    " poder br i ncar , f ol gar e cant ar "®.

    Nos seus t r abal hos sobr e r esi st ênci a ao escr avi smo, J oão Rei s apr of unda- se nas ques t ões t eór i cas, pr ocur ando of e-

    r ecer cont r i bui ções par a novos debat es e r ef l exões. Em "Rebe-

    l i ão Escr ava no Br asi l " ( 1986) , o aut or expl or a com pr of undi -

    dade a document ação or i gi nal e r esgat a os modos de vi da, bem

    como os pr ocessos e mecani smos de l ut a e r esi st ênci a dos af r i -

    canos e l i ber t os que não se r ender am ou se i nt i mi dar am com as

    i mposi ções do si st ema escr avi st a. Par a mel hor compr eensão de

    sua anál i se, o aut or começa si t uando as condi ções ger ai s e

    especí f i cas em que ocor r eu a " Revol t a dos Mal es" — no ano de

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    1835 — , e nos f az ver que dél a par t i ci par am não 8õ nagos e mu

    cul manos escr avos, mas l i ber t os e af r i canos, uma vez que o

    movi ment o estava di retamente envol vi do com as r el ações escr avi s-

    t as na ci dade da Bahi a.

    Na l ut a pel a l i ber dade, os r ebel des pr ocur ar am mani -

    pul ar t r ês campos de poder , sobr e os quai s acr edi t avam cont ar

    cora uma vi t ór i a. O poder do Est ado pr edomi nant ement e escr avo-

    crat a, que est ava di vi di do em duas f acções na di sput a pel o con

    t r ol e desse poder . O poder dos senhor es apar ent ement e r el axa-

    do, sera raai ores vi gi l anci a cora escr avo por se t r at ar das come-

    mor ações da f est a de Nossa Senhor a da Gui a (24 de j anei r o) . O

    poder de Al á de quem dependi am pr ot eção par a execut ar os seus

    pl anos. Sobr e est a quest ão, J oâo Rei s anal i sa desde as car ac-

    t er í st i cas dos l í der es e movi ment os e mi l t ant es escr avos â raul

    t i pl i c i dade de sent i dos r el i gi osos, ét ni cos e c l ass i st as, e

    most r a como i st o i nf l uenci ou nas deci sões da " Revol t a dos Ma-

    l ês", que t eve r eper cussão naci onal .

    No seu "Ensai o un Bal anço dos E5tuâכs sc±)re as Revol tas Es-

    cr avas na Bahi a (1988)", o autor ressal ta, i ni ci aLnente, o cresci mento doi nt er esse por par t e de pesqui sadores scbre a rebel di a de escravos noBr a

    si l e no exter i or, e depoi s f az i ma anál i se cri t i ca da hi stor i ograf i a des

    sas revol tas ocorr i das na Proví nci a da Bahi a. Nest e ensai o, J oão Rei s

    cl ass i f i cou os t rabal hos consul tados empi onei ros, vel ha, e novas i n-

    t erpr et ações, mater i al i stas e cul t ural i stas. Por f i m, ref ere- se à sua

    pr ópr i a t ese de dout or ament o, " Rebel i ão Escr ava no Br asi l " .

    Pr ossegui ndo, di scut e, a par t i r dessa c l assi f i cação,

    como os di ver sos est udi osos do t ema def i ni r am o car át er das

    r ebel i ões, par t i cul ar ment e a dos mal es, em 1835; quest i ona os

    pr ocessos soci ai s que f aci l i t ar ar a a ecl osão das r evol t as, o

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    papel que desempenhar am o i sl ami smo e a i dent i dade ét ni ca, as

    si m como a r el ação ent r e escr avi dão e r ebel i ão •̂

    Em sua t ese "Rebel i ão escr ava no Br asi l " ( 1986) REI S

    dei xou cl ar o o quant o f oi i mpor t ant e expl or ar si st emat i cament e

    a document ação ant er i or ment e r ef er i da, que l he per mi t i u mont ar

    as di f er ent es peças da r ebel i ão e anal i sar , cr i t i cament e, os

    el ement os pol í t i cos, cul t ur ai s, econômi cos, demogr áf i cos, es-

    paci ai s e out r os. Quant o ao seu di scur so, decl ar ou não t ê- l o

    escr i t o num t om pol êmi co, dei xando cl ar a as suas di f er enças,

    t ant o no que se ref ere ao mant i si o vul gar quant o ao ”j i hadi si o" mecâni co

    abor dado pel os est udi osos do teni a(*). Sal i entou que mesmo di scor dan-

    do dos j i hadi st as, nunca duvi dou de que o i sl ã f ôr a o ei xo do

    movi ment o de 1835. No ent ant o, consi der a necess ár i o vi ncul ar

    o papel do i s l ã a out r os pr ocessos hi st ór i cos s i gni f i cat i vos,par a exper i ênci a dos af r i canos r ebel des.

    Nest e e em out r os t r abal hos, o aut or most r a que, em

    1835, a r el i gi ão não f oi o úni co i nst r ument o de mobi l i zação,

    nem os mal es pensar am em f azer mn l evant e excl usi vament e mu-

    çul mano. Mui t os escr avos, e t al vez at é al guns l i ber t os, l ut a-

    r am por se t r at ar de mai s um l evant a da nação nagô. E, ant es

    da hor a da l ut a, er a ent r e os escr avos nagôs que a " soci edade

    mal ê" mai s cr esci a. Quer di zer , ser escr avo, assi m como ser na

    gô, f aci l i t ava a ent r ada nas host es muçul manas. Dest a f or ma, a

    pr ópr i a or gani zação r el i gi osa est ava per meada por sent i ment os

    de cl asse, al ém de ét ni cos^̂ .

    No l i vr o, " Negoci ação e Conf l i t o" ( 1989, J oao Rei s e

    (*) J i hadi smo, si gni f i ca a *' guerr a sant a" cont r a t odos os i nf i éi s e pagãos.

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    Eduar do Si l va, como j á nos r epor t amos, most rara que, ent r e a pas

    sl vl dade absol ut a e a agr essi vi dade cega que os hi st or i ador es

    cost umam at r i bui r ao escravo, havi a uma posi ção i nt er medi ar i a:

    a negoci ação, a do compr omi sso com o si st ema, a da engenhosi da

    de no sent i do de conqui st ar , em mei o a t odas as adver si dades,

    um espaço onde se pudesse const r ui r o pr ópr i o vi ver ^̂ .

    Dent r e os assunt os t r at ados por esses aut or es, os ca-

    pi t ul os "a f unção i deol ógi ca da br echa camponesa״, "f ugas, r e-

    vol t as e qui l ombos", pr opi ci ar am f or t e cont r i bui ção ao nosso

    t r abal ho, na medi da em que aj udam a escl ar ecer os f atores econô-

    mi cos, pol í t i cos e est r ut ur ai s do per í odo de nosso i nt er esse,

    ou sej a, num moment o de cr i se da hegemoni a senhor i al da Bahi a,

    pol i t i cament e di vi di da, quando ocor r eu o caso Lucas.

    Embora nos 'i dent i f i quemos com as t eses l evant adas so-

    br e r esi st ênci a ao escr avi smo pel o hi st or i ador J oão J osé Rei s

    e por Eduar do Si l va, i ncl usi ve const at ando o conheci ment o de

    causa que os aut ores t êm sobr e a exi st ênci a dos bandos — em t r a

    12bal hos ant er i or es — ; Rei s dei xa cl ar o que as duas forrtas pr i n

    ci pai s de conf l i t o escr avo col et i vo f or am os qui l ombos e as i n-

    sur r ei ções^̂ . Evi dent ement e, f or am as que t i ver am mai or or gani -

    zação e r eper cussão naci onal , sobr et udo a que ocor r eu em 1835.

    Ent r et ant o, não se pode despr ezar uma out r a f ace do

    escr avi smo: a f or mação dos bandos de sal t eador es, que, no t em-

    po, vai al ém das i nsur r ei ções ocor r i das em Sal vador e no Recôn-

    cavo, ou sej a, t al si t uação per dur ou at é 1849, par a o nosso ca-

    80  em par t i cul ar .

    b) 0 t er mo bandi do, segundo Aur él i o Buar que de Hol anda, é

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    de or i gem i t al i ana ( bandi t o), e s i gni f i ca bandol ei r o, mal f ei -

    t or , f ací nor a, sal t eador . Ao cont r ar i o do que t em f ei t o a hi־ s-

    t or i ogr af i a t r adi ci onal ^̂ » apr opr i ando- se dessas denomi naçõesde f or ma pr econcei t uosa, t r at ar emos o caso Lucas, j á menci ona-

    do ant er i or ment e, como"bandi do sal t eador de est r adas"

    Quant o a essa quest ão, r essal t am doi s aspect os: pr i -

    mei r o, a cat egor i a de bandi do f oi por nós anal i sada como uma

    var i ant e da r ebel di a do per sonagem. Em segundo l ugar , Lucas

    nao se cor por i f i cou na cat egor i a de bandi do comum com os val o-

    r es e car act er es dos r ebel des não- escr avos que vi ver am at é a

    década de 30 desse sécal o, como Fr eder i co Per nambuco de Mel o,

     J úl i o Chi avenat o e Eduar do Sant os Mai a, dent r e out r os, t ent a-

    r am most r ar em seus t r a b a l h o s a s .

    Apoi ando- se no t r abal ho de Fel i pe Guer r a " Ai nda no

    Nordest e" ( 1927) , MELLO most r ou que cer t os pr of i ss i onai s, à

    medi da que ent r am par a o cr i me, pr ocur am at r i bui r t ons de r o-

    manee às suas vi das de per ver si dade. Os el ement os humanos são

    at i r ados par a o cr i me por uma af r ont a( *) , pel a mor t e do pai ,

    do i r mão a vi ngar , por uma cr uel i nj ust i ça ®̂. Ass i m, o cangaço

    ser i a um i nst r ument o de vi ngança que agi r i a como causa e f i m

    par a os que se i nt egr assem nos gr upos exi st ent es, cr i ando um

    bando pr ópr i o. Apr esent ando xi ma sér i e de r egi st r os especí f i cos

    nest a or dem, MELLO concl ui u que o cangaço não r evel a a exi s-

    t ênci a de um sent i do f i nal i s t a na at i vi dade dos gr upos em ge-

    r al , 0 cangacei r o vi vi a o pr esent e, pr eocupando- se t ão- soment e(*) En Hobsbavm a si t uação não er a di f er ent e. Segundo o aut or , "a car r el -

    de umbandi do quase sempr e começa por al gum i nci dente que, em sl mes-mo, não é grave, mas que o conduz â cr i mi nal i dade: a quei xa de umpol i ci alapr esent ada por of easa mai s di r i gi da cont r a o homem do que cont r a o cr i me,f al so t est emunho er r o J udi ci ár i o ou i nt r i ga e sent ença i nj ust a em r el açãoa domi cí l i o f or çado ( conf i no) ou o sent i ment o de est ar sendo i nj ust i çado*l n Hobsbavum - r ebel des pr i mi t i vos; Est udos sobr e as f or mas arcai cas de

    movi ment os soci ai s nos sécul os XI X e XX. Zahar, 1970, p. 29.

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    coro a ûa exi st ênci a i medi at a*

    Pr ossegui ndo, o aut or i nscr eve Lucas na cr ôni ca dos

    bandi dos do Nor dest e Br asi l ei r o e est abel ece doi s par al el os:

    Lucas est ava par a a Bahi a ass i m como Cabel ei r a par a Per nambu-

    co. “Mi t o em vi da, como est e, segui u- l he a sor t e t ambém ao se

    conver t er em assombr ação usada cont r a meni nos t r el osos, após

    o seu enf or cament o a 25 de set embr o de 1849, na ent ão Vi l a de

    Fei r a de Sant ana^̂ . Depoi s de t r anscr ever t r echos do l i vr o deNi na Rodr i gues "As col l ect i vi dades anor maes" ( 1939) , onde o au

    t or r ef er i u- se à canhot i ce, o ol har f er oz, a anál i se do cr áneo

    e o l ongo per í odo de at uação do per sonagem, MELLO se vol t a pa-

    r a a quest ão ecol ógi ca, compar ando Lucas com Lampi ão.

    Na compar ação ent r e os doi s per sonagens, MELLO car aç

    t er i za Lucas como bandi do de r egi ão f ér t i l , e Lampi ão, como de

    r egi ão sáf ar a, per cebe, ai nda, i dent i dades que ext r apol am os

    aspect os mesol ógi cos da ação dos r ebel des, ass i m como dest aca

    as i dent i dades especí f i cas de cada um, no cont ext o soci al em

    que seus at os se pr ocessar am̂ ®. Em out r as passagens de seu l i -

    vr o, MELLO r ef er e- se ao l ongo per í odo de dur ação das pr át i cas

    r ebel des e de seus aspect os or gani zaci onai s no i nt er i or do

    bando, t omando sempr e Lampi ão como par âmet r o de sua anál i se.

    Sem i nt er esse de mai or apr of undament o nest a quest ão que ocor r e

    num moment o hi st ór i co di f er ent e do per í odo em est udo ( 1807-

    1849) , apenas r essal t amos que MELLO não di st i ngui u os par t i -

    ci pant es de movi ment os pr é- pol í t i cos dos i nt egr ant es de out r os

    movi ment os cont i dos na acepção de Hobsbavnn.

    Col ocando bandi dos de épocas di f er ent es — Cabel ei -

    r a, Lucas e Lampi ão, sécul o XVI I I , XI X e XX — num mesmo ní vel

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    de i nt er pr et ação, MELLO t r ansf or ma as car act er í st i cas e os va-

    l or es especí f i cos das pr át i cas de t ai s r ebel des em aspect os co

    muns, di f i cul t ando o ent endi ment o das semel hanças e di f er en-

    ças ent r e os r ebel des escr avos e os r ebel des nSo- escr avos. Pa-

    r a a anál i se de Lampi ão, o aut or f undament a- se em f ont es pr i -

    már i as que I he per mi t i r am uma r ef l exão cr í t i ca, a nosso ver ,

    sat i sf at ór i a. Por ém, no que concer ne a Lucas da Fei r a, el e não

    associ ou sua t ese à r eal i dade especí f i ca ou a out r os pr oces-

    sos si gni f i cat i vos que escl ar ecessem a quest ão.

    Essa t ambém f oi a t ôni ca de Eduar do Sant os Mai a. Ana

    l i sando o bandi t i smo na Bahi a, r essal t ou a quest ão dos cl avi -

    not ei r os ou j agunços do f i m do sécul o passado. Dent r e os rebe_l

    des que pr i vi l egi ou, ci t a J osé Al ves Leão, vul go Zeca Pet i sco;

    Manoel Mar ques da Si l va, o Ze2 i nho- dos- Laços, e Lucas da Fei -

    ra. Dest acou o aut or , ai nda o bandi do Ant oni o Si l vi no, no sé-

    cul o XX.

    Os cl avi not ei r os at uar am no Ar r ai al da I l ha Gr ande,

    pr óxi mo ao Ter mo de Bèl mont e. Par a Eduar do, t ant o esses r ebel -

    des como Lucas e Ant oni o Si l vi no f or am bandi dos cél ebr es por

    seus at os " cr i mi nosos" e f er ozes^̂ . 0 aut or não di st i ngui u os

    r ebel des escr avos e não- escr avos. Af i r mou que as causas do bai i

    di t i smo na Bahi a er am ant r opol ógi cas e mesol ógi cas, não se

    pr eocupando com os pr ocessos hi st ór i cos de cada um.

    Lampi ão e seu bando, l onge de vi ver em numa soci edade

    escr avi st a, f or am per sonagens hi st ór i cos do Nor dest e, na Repú-

    bl i ca ( at é a década de 30) , onde o Est ado convi vi a com "A For -

    ça do Cor onel " , na expr essão de J úl i o Chi avenat o Ô. Assi m, a

    l i der ança, o pact o e a or gani zação do bando de Lampi ão, r ef l e-

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    t i ara un nanent o de ¿dl ança-ooronel i f l mo-pol í t i oo- cangaço. Enquant ol sso,

    Lucas era par t e do r egi me escr avi st a que est ava a cami nho

    da desi nt egr ação ( ai nda que de f or ma l ent a), f at o que coi nci -di a com o decl í ni o da agr i cul t ur a na r egi ão de Fei r a de Sant a-

    na.

    O j or nal i st a J úl i o Chi avenat o l̂ t ambém consi der ou Lu

    cas um bandi do.

    Bandi do de uma ar vore geneal ógi ca, da qual a brot ava Lam-pi ão; t al vez f osse pi or do que Cabel ei r a, que vi veu emPer nambuco no f i nal do sécul o XVI I I .

    Sem apr of undar - se na quest ão, o aut or apoi ando- se no r omance

    22de Sabi no de Campos, ass i m se expr essou :

    Lucas era um negro f r anzi no, escr avo f ugi do de um padre,que assal t ava em t orno de Fei r a de Sant ana, e comr el açi oàs mul heres, t i nha uma car act er í st i ca mar cant e — est r u-pava as ví t i i nas e, em segui da, amarr ava- as nuas em ár vo-res no mat o, para mor r erem de f ome devoradas pel os i nse-tos{*).

    Em Hobsbawm buscamos al go que nos aj udas se, mesmo que

    l i gei rf i uuente, a l i gar o bandi t i smo negr o do sécul o XI X ao ban-

    di t i smo soci al do sécul o XX.

    (*) Chi avenat o, usando expr essões demasi adament e val oradas» a exempl o dacompar ação ent r e Lucas e Cabel ei r a, e baseando- se numa vi sao romanceada sobre 08   r ebel des, pode compr ometer a obj et i vi dade ci ent í f i ca da anál i se deum personagem hi st ór i co. Mas, pr eocupado em desmi st i f i car a hi st óri a deLampi ão, f ez um est udo das r ai zes do bandi t i smo em geral no Brasi l , con-t r i bui ndo para a compreensão do f enômeno do bandi do negro, coai o ver emos noCapí t ul o "Cr onol ogi a das Revol t as E8cr avas '.

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    t r adi ção or al e as r eduz ao papel de f ont es auxi l i ar es, como

    el e pr ópr i o escl ar ece: "baseei - me numa f ont e hi st ór i ca um* t an-

    t o capr i chosa — poemas e bal adas" .

    Pr ossegui ndo, o aut or af i r ma que os r egi st r os r ef e-

    r ent es aos aspect os f act uai s do bandi t i smo na memór i a públ i ca e

    do mi t o, são nat ur al ment e, pouco di gnos de cr édi t o, ai nda que

    se basei em em acont eci ment os ver í di cos. Apesar di sso of e-

    r ecem mui t as i nf or mações i nci dent ai s quant o ao mei o ambi ent e do

    bandi t i smo, pel o menos na medi da em que não há r azão par a que

    t ai s i nf or mações est ej am det ur padas.

    Par t i ndo do expost o o aut or f or mul a uma i ndagação:

    At é onde o mi t o escl ar ece o compor t ament o r eal do bandi do? Em

    out r as pal avras, at é que pont o os bandi dos cor r espondem ao pa-

    pel soci al que l he f oi at r i buí do no dr ama da vi da camponesa? Pa

    r a HODSBAWN, exi st e al guma r el ação^̂ .

    Fi ca cl ar a, por t ant o, que, mesmo par a est udi osos que

    encar am a quest ão com gr ande r i gor c i ent í f i co, nem sempr e as

    f r ont ei r as ent r e o per sonagem e o mi t o most r am- se t ão bem del i -

    mi t adas possi bi l i t ando- l hes uma compr eensão concr et a. Assi m,t or na- se di f í ci l i nser i r Lucas i nt ei r ament e no model o do bandi -

    do r et r at ado pel o aut or , embor a possamos ut i l i za- l o como ura su-

    por t e que nos per mi t a ver esse escr avo como ura r ebel de pr i -

    mi t i vo.

     Tomando por empr ést i mo o model o de HOBSBAWN, sobr e a

    quest ão do bandi do pode- se apr esent ar semel hanças e di f er enças

    ent r e Lucas e Lampi ão. Ambos se r ebel am como ví t i mas de uma es-

    t r ut ur a soci al . Nenhum del es possuí a pr oj et os ou r ei vi ndi cações

    par a modi f l cã- l a. Acei t avam a cor r el ação de f or ças exi s

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    t ent es como nor mal , cont i nua e per manent e, excet o pel o f at o de

    i mpor em- se pel a f or ça.

     Tant o no cangaço como no bandi t i smo negr o, est abel e-

    cer am se códi gos i nt r gr upai s cal cados numa mor al do bando, a

    exempl o do pagament o da honr a( *) ; at i t udes de vi ngança, pr i n-

    c i pal ment e cont r a del at or es ou i nf or mant es da pol í c i a; f i del i -

    dade aos cúmpl i ces ( di f er ent es camadas s oci ai s ) ; uso do pat uá;

    cor por i f i cação do t í t ul o de capi t ão; t át i cas de despi st e ou

    espi onagem; est i gmas, o l ongo per í odo de at uação e o que i sso

    r epr esent ou par a as suas soci edades concr et as, dent r e out r os.

    Ai nda que esses r ebel des t enham desenvol vi do at i t u-

    des compor t ament ai s em comum, não si gni f i ca que f or am bandi dos

    da mesma ár vor e geneal ógi ca, como nos r ef er i mos ant er i or ment e.

    For am di f er ent es e suas pr át i cas t ambém o er am ou sej a, Lucas

    vi veu um sécul o ant es de Lampi ão. Ass i m, compar ar o escr avo

    Lucas como um bandi do comum nos par âmet r os do bandi do do sécu-

    l o XX, par ece- nos acei t ar a vi são do senso comum. J á que as-

    si m não o car act er i zamos, f ace às l i mi t ações t eór i cas que t ai s

    t er mos compor t am, vamos t r at á- l o como uma const r ução i nt er me-di ár i a ent r e as duas cat egor i as ( escr avo r ebel de e " bandi do ne

    gr o") , por quant o el ement os s i mból i cos e compor t ament ai s de am-

    bas se encont r am em suas at i vi dades.

    . AS FONTES

    As f ont es ut i l i zadas nest e t r abal ho podem ser di vi -

    (*) ' 1 0 8 )11>   68 lח evama sér i o seu códi go de honr a. No cangaço a quebr a dessecompromi sso foi sempr e r i gor osament e puni da. 0 escupro■obedeci a cer t as re-gras. Era l i ci t o quando se t r at ava de i mpor o páni co ou hutal har I ni mi go.De out r o modo era condenável ". I n J úl i o Chi avenato - Cangaço e Força doCoronel , p. 102. Quant o a Lucas, ver Capí t ul o I I , i t em  A8 Mul ha ê8  .

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    di das em t r ês cat egor i as:

    I . Font es Manuscr i t as

    A Cor r espondênci a de Del egados e J ui zes par a o Che-

    f e de pol í ci a da Pr oví nci a da Bahi a — 1824- 1860 — é ext r e-

    máment e r i ca em i nf or mações a r espei t o da sobr evi vênci a dos

    bandos. Sua or gani zação t át i ca e esconder i j os, uso de ar mas

    e muni ção, mai or ou menor f r eqüênci a dos assal t os, r oubos,

    cr i mes e est upr os. Rel at a di f i cul dades acer ca da segur ança po

    l i ci al nas est r adas, pr i nci pal ment e nos di as da f ei r a sema-

    nal , com o af l uxo de pessoas de f or a; apr esent a quei xas con-

    t r a a pr ecar i edade das cadei as, que f unci onavam em casas de

    al uguel . Tal Cor r espondênci a i ncl uí a ai nda, mapas est at í st i -cos de pr esos e cr i mes, pedi dos de pr ovi dênci as par a aumen-

    t ar o ef et i vo pol i ci al vi sando a per segui ção dos bandi dos em

    esconder i j os di st ant es do Ter mo de Fei r a; pedi dos de pr êmi o

    em di nhei r o par a a pr i são dos mesmos, devi do à f al t a de apa-

    r el hamcnt o da pol í ci a ( uma vez que ci vi s t ambém par t i ci pavam

    do pr ocesso) , quei xas const ant es cont r a a pr ot eção di spensada

    aos escr avos e r ebel des por r epr esent ant es das di ver sas cama-

    das soci ai s e do Ter mo em est udo; i ndi ca a exi st ênci a de es**

    conder i j os de Lucas.

    Al ém desses aspect os, a cor r espondênci a escl ar eceu

    pont os como a di f er ença ent r e chef i a e l i der ança — assunt obast ant e menci onado pel os i nt er essados na hi st ór i a de Lucas,

    f or neceu os dados bási cos par a a el abor ação dos quadr os ane-

    xos a est e est udo, e, sobr et udo, f oi o pont o de par t i da par a

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    a mont agem das peças ão quebr a- cabeças par a a compr eensão das

    pr át i cas r ebel des de Lucas e seu bando.

    Consi der ando a ext ensão do uni ver so de ação de Lu-

    cas, r esol vemos consul t ar os mesmos t i pos de Cor r espondênci a

    par a 03 Ter mos de Cachoei r a, São Fél i x, Sant o Amar o, São Gon-

    çal o, Nazar é, Taper a e Ser r a Pr et a, donde concl uí mos que o

    t empo de sobr evi vênci a dos bandos al i exi st ent es, em r el ação

    ao de Lucas, er a mui t o pequeno. Essa cor r espondênci a escl a-

    r eceu, t ambém, a at i t ude do poder l ocal f r ent e aos acont eci -

    ment os, bem como apr esent ou r el ação dos nomes dos escr avos f u

    gi t i vos i ncl usi ve dos que f i zer am par t e do bando de Lucas, al 

    guns dos quai s seus i r mãos, cont i nha ai nda, mapas e l i st as de

    pr esos que os j ui zes envi avam par a Sal vador , no sent i do de

    passar em por um r ecr ut ament o di sc i pl i nar par a r ei nt egr á- l osnas at i vi dades cot i di anas das f azendas de or i gem.

    A Cor r espondênci a de ór gãos of i ci ai s ( 1824- 1850) a

    r espei t o do״Abast eci ment o e do Comér ci o” par a o Pr esi dent e da

    Pr oví nci a, f or nece dados sobr e gêner os al i ment í ci os — pr i n-

    ci pal ment e car ne ver de e f ar i nha — vi ndos do Ter mo de Fei r a

    de Sant ana e de out r os a que j á nos r ef er i mos. I st o poss i bi -

    l i t ou- nos associ ar os per í odos de mai or ou menor i nt ensi dade

    dos at aques de Lucas e seu bando.

    As f al as dos Presi dentes da Provl rci a (1840-1848), assi m co-

    mo a Correspondênci a do Presi dente da Provl i ci a para o Governo Di per i al (l ã

    vr os de Regi st ro números 688, 690, 692 e 697) nos deramuma i déi a da at i ■̂

    de of i ci al sobre a notabi l i dade naci cmal que o caso Lucas assumi u. O Go-

    ver no I mperi al , somente em  1848 resol veu autor i zar o pagament o do pr ê-

    mi o em di nhei r o par a a pr i são do per sonagem e de seus com-

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    panhel r os, r esol ução conf l naaâa at r avés de Edi t al bai xado pel o

    pr esi dent e da Pr oví nci a da Bahi a, anexo ao Capí t ul o I I dest e

    est udo.

    A Cor r espondênci a da Câmar a Muni ci pal ( ־1850*1633 ) pa•■

    ra 05 pr esi dent es da Pr oví nci a da Bahi a, t ant o de Fei r a de San«■

    t ana como de out r as l ocal i dades que j á mencl oneunos/ apr esent a

    r i ca i nf or mação r ef er ent e aos modos de vi da dos habi t ant es des-

    sas l ocal i dades no sécul o passado; pr eocupa- se com o f ut ur o do

    comér ci o do gado e o desenvol vi ment o da l avour a, que er am at i n-

    gi dos pel os at aques dos bandos. Essa Cor r espondênci a t ambém a~

    pr esent a uma ser i e de quei xas cont r a a f al t a de r i gor da Pol i -

    ci a e da J ust i ça par a com os pr esos que f ugi am const ant ement e

    das cadel as, assi m como pel a f al t a de puni ção cont r a as pr át i -

    cas cr i mi nosas, da par t e das aut or i dades. Tr az ai nda r el at os so

    br e as ví t i mas pr ef er i das pel os bandos e as conseqüênci as par a

    as f amí l i as das mesmas.

    O l i vr o Regi st o Ecl esi ást i co ( 1835- 1850) exi st ent e

    Ar qui vo Públ i co da Bahi a e a cer t i dão de óbi t o do escravo Lucas,

    ass i m como de al guns pr opr i et ár i os de f azendas que f or am seus

    cont empor âneos, encont r ados na Di ocese de Fei r a de Sant ana, nos

    per mi t i r am conf i r mar os dados da bi bl i ogr af i a auxi l i ar par a o

    desenvol vi ment o dos Capí t ul os I e I I . No Cent r o de Est udos Fel -

    r enses, encont r amos um Li vr o de Fogos do ano de 1835, cont endo

    dados em f or ma de censo da popul ação escr ava e dos l i ber t os. Foi

    i mpor t ant e, na medi da em que nos deu uma vi são da quant i dade de

    escr avos no moment o em que i ni ci a a agi t ação dos bandos na r e-

    gi ão est udada.

    I nvent ár i os Post Nort an dos Moradores da t' reguesi a de São

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     J osé das I t apor or ocas ( Ar qui vo Regi onal de Cachoei r a) .

    A consul t a a 116 i nvent ar l os r ef er ent es aos per i odos

    de 1794 a 1848 e de 1790 a 1848 escl ar eceu não só o modo de vi -

    da da popul ação r ur al da ant i ga Fr eguesi a de São J osé das I t a-

    por or ocas (o pont o de or i gem do Ter mo de Fei r a de Sant ana) , co-

    mo a quant i dade de f azendas, de t er r as e, de escr avos dos i n-

    vent ar i ados. A i mpor t anci a f undament al dest a i nvest i gação f oi

    a de aval i ar os bens dos descendent es das t r es f aj nl l i as que

    f or am pr opr i et ár i os da escr avo Lucas, per mi t i ndo- nos t r açar um

    per f i l da f azenda " Saco do Li mão” , onde o escr avo vi veu, no i ni

    ci o do sécul o passado.

    I I . Font es I mpr essas

    a) Document os Of i ci ai s

    Col eção de Lei s do I mpér i o do Br asi l , vol umes l a 10

    ( Ar qui vo Naci onal ) . Col eção de Lei s e Resol uções da Ass embl éi a

    Legi sl at i va da Bahi a, o Códi go Cr i mi nal do I mpér i o do Br asi l .

     Tai s document os engl obam a l egi sl ação especi al par a

    est abel ecer a puni ção cont r a os at os pr at i cados pel o bando ( r ou

    bos, assal t os, cr i mes, est upr os) , bem como as r espost as do Cõdi

    go Cr i mi nal par a r eal i zar a cl ass i f i cação desses at os, cont i -

    dos nos quadr os do anexo 5.

    b) Os J or nai s

    A " Fol ha do Nor t e" ( 1939- 1979) e o " Fei r a Hoj e" (1979)

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    f or am urna f ont e auxi l i ar em doi s sent i dos : apr esent am dados

    especí f i cos sobr e economi a, pol í t i ca e soci edade f el r enset r ans-

    cr l t os de l i vros e document os, e most r am as ver sÕes dos j or -

    nal l st as ou de i nt er essados na hi st ór i a do escr avo Lucas. O

    pr i mei r o sent i do f oi i mpor t ant e na medi da em que nos l evou a

    encont r ar al guns document os especí f i cos exi st ent es nos ar qui ״ 

    vos l ocai s e em Sal vador , bem como a l ocal i zar os l i vr os ut i l l

    zados pel os j or nal i st as, par a uma l ei t ur a mai s compl et a dos as

    sunt os t r anscr i t os par ci al ment e.

    c) A bi bl i ogr af i a auxi l i ar

    A bi bl i ogr af i a consul t ada par a a r eal i zação do t r a-

    bal ho pode ser cl assi f i cada em t r ês t i pos: obr as de car át er

    ger al , que abor dam as quest ões mai s ampl as sobr e o escr avi smo

    no Br asi l , as que t r at am da economi a e da pol í t i ca bai ana, mai s

    pr eci sament e, de Fei r a de Sant ana, e, f i nal ment e, a bi bl i ogr a

    f i a especí f i ca sobr e o escr avo Lucas.

    Um dos mai or es pr obl emas det ect ados na el abor ação

    dest e t r abal ho, e, podemos mesmo di zer , no est abel eci ment o doconcei t o de "t andi do negro" f oi j ust ament e a ausênci a de pes-

    qui sa e est udos sobr e o t ema, especi f i cament e par a a Bahi a.

    I I I . Test emunhos or ai s

    Heal l zamos, em novembr o de 1989, ent r evi st as com pr o

    f i ssi onai s l i ber ai s e com um r el i gi oso que escrever am sobr e o

    per sonagem em est udo ou que se i nt er essam pel a hi st ór i a do mes

    mo:

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    . hi st or i ador Ol eone Coel ho Font es

    . advogado e est udi oso de cor del Fr ankl i n Machado Cer que^

    r a

    . ant r opól ogo Vi cent e Ef eocl eci ano Mor ei r a

    . j or nal i st a e advogado Hugo Navar r o

    . Monsenhor Renat o Gal vão

    As ver sões desses pr of i ssi onai s f or am i mpor t ant es pa

    r a uma r ef l exão cr í t i ca sobr e os concei t os em t or no da r ebel -

    di a escr ava e nao escr ava.

    A di sser t ação que pr oduzi mos a par t i r dessas f ont es

    encont r a- se assi m est r ut ur ada: na Par t e I , di scut i mos o con-

    t ext o soci al , econômi co e pol í t i co da Bahi a, par t i cul ar ment e de

    Fei r a de Sant ana, na época. Na Par t e I I , f ocal i zamos a hi st ó-

    r i a do per sonagem, as di f er ent es ver sões e, sobr et udo, as r a-zões que nos l evar am a i nser i - l o numa cat egor i a i nt er medi ár i a

    ent r e o escr avo r ebel de e o bandi do " sal t eador de est r ada" . Fi^

    nal ment e, na Par t e I I I , di scut i mos a vi são de mundo da soci eda

    de escr avi st a em que Lucas vi veu, r essal t ando o posi ci onament o

    das aut or i dades, est udi osos, j or nal i s t as, cor del i s t as e ar t i s -

    t as que escr ever am a hi st ór i a de Lucas.

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    NOTAS

    RODRI GUES, Rai mundo Ni na. Os af r i canos no Br asi l . 2. ed. , São Paul o»Naci onal , 1935; MOURA, Cl óvl s. Rebel i ões da senzal a; Qui l ombos, i n-sur rel çôes, guer r i l has, 3. ed. , Sao Paul o, Li vrar i a Ed. Ci i nci ae Hu-*manas, 1981: Qui l oobos: Resi st ênci a ao escr avi smo, Si o Paul o, At i ca,1987 (Sér i e Pr i ncí pi os) ; REI S, J oi o J osé. Rebel i ão escrava no Br asi l ;Hi st ór i a das Mal es ( 1835) , Sao Paul o, 1966: umbal anço dos est udos 80bre as r evol t as escravas da Bahi a. I n: REI S, J oi o J osé. Escr avi dão eI nvenci o da l i berdade: est udo sobr e o negr o no Brasi l . Br asi l i ense/CNPq, 1986; SI LVA, Eduardo. Negoci ação e conf l i t o: a r esi st ênci a ne-

    gr a no Br asi l escr avl sca/ J oao J osé Rei s, Sâo Paul o, Companhi a das Le-t ras, 1989.

    2RODRI GUES, Rai mundo Ni na. As col l ect i vi dades anormaes. Pref aci o e Nota de Ar t hur Ramos. Ri o de J anei r o- RJ , Ci vi l i zaçao Br asi l ei r a, 1939,pp. 154- 55.

    ^ MOURA, Cl óvi s. Rebel i ões da senzal a; qui l ombos, i nsur r ei ções, guer r ll has. Op. cl t . , pp. l A- 15, 87- 88.

    4 — * _________  . Qui l ombos:■ r esi st enci a ao escravi smo, op. ci t . , p. 37.

    ^ I bl d. . op. ci t . , p. 15.

    ^ I bi d. , op. ci t. , pp. 15- 16.

    ^ REI S, J oão J osé. Resi st ênci a escr ava na Bahi a. Poder emos br i ncar ,f ol gar , cant ar . . . 0 pr ot est o na Amer i ca - Revi st a Af r o- Ãsi a, n9 14Cent r o de Est udos Af r o- Or i ent ai s, UFBA pp. 108- 120.

    8I bi d. , p. 120: SCHWARTZ, Stuar t B. Segr edos I nt ernos: Engenhos e Es-cr avos na soci edade col oni al - 1550- 1835, Trad. Laur a Tei xei r a Mot t a,Ci a. de Let r as, São Paul o, 1988, p. 142.

    9I bi d. , Umbal anço dos est udos sobr e as r evol t as escr avas na Bahi a.I n: Escr avi dão e Li ber dade, Br asi l i ense, 1988, p. 133 a 140.

    I bi d. , Rebel i ão escrava no Brasi l , op. cl t . , pp 136- 155.

    SI LVA, Eduar do. Negoci ação e conf l i t o: a r esi st ênci a negr a no Br asi lescr avi st a/ J oâo J osé Rei s, Sao Paul o, Ci a. das Let r as, 1989, pp 13, 1420. 21 e 70.

    12   « .REI S, J oao J osé. A el i t e bai ana f ace aos movi ment os soci ai s, Bahi a.1824- 1840. Rev. de Hi st óri a. USP n9 10, out / dez, pp. 370- 371: SI LVA,Eduardo. Negoci ação e conf l i t o, pp* 62- 78•

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    15 » - -REI S, J oao J ose. Resi st enci a escrava na Bahi a. Poder emos• br i ncar »f ol gar , cant ar . . . opr otest o da Amer i ca, op. ci t . , p. 108.

    FERREI RA, Aur él i o Buar que de Hol anda. Novo Di ci onár i o da Lí ngua Por -tuguesa, 2. ed. , rev. e aument . Ri o de J anei ro, Nova Front ei r a, 1986.p. 288.

    MELLO, Fr eder i co Per nambuco de. Guer r ei r os do 801: 0 bandi t i smo noNor dest e. Pref áci o de Gi l ber t o Frei re, Ed. Massagana/ Fundaçao J oa•*qui m Nabuco/ FUNDAJ , 1985, pp. 225- 228; CHI AVENATO, J úl i o J osé. Canga-ço a f or ca do cor onel , Sao Paul o, Br asi l l ense/ CNPq, 1990, pp. 08- 35;MAI A, Eduardo Sant os. 0 bandi t i smo na Bahi a ( cont os da mi nha cer ra) ,Rev. do I nst i t ut o Hi st , e Geogr áf i co da Bahi a e de Mi nas Ger ai s, 1928capí t ul o os cl avl not ei r os. Pr i nci pal ment e, pp. 181- 189.

    I dem. Os guerr ei r os do Sol , p. 59.

    I d. , i bi d. , op. ci t . , p. 225.

    1   f t

    I d. , i bi d. , op. ci t . , p. 226.

    19MAI A, Eduardo Santos. 0 bandi t i smo na Bahi a, op. ci t . , pp. 181- 189.

    20   - -

    CHI AVENATO, J ul i o J ose. Cangaço, a f or ca do Cor onel , op. ci t . , pp.37- 42.

    21I dem, i bi dem, op. ci t , p. 32.

    I d. , i bi d. , op. ci t. I p. 33.

    23HOBSBAWH, Eri c. J . Bandi dos. 2. ed. . Forense Uni ver si t ar i a, Ri o de J anei ro, 1976, pp. 11- 16, 38 e segui ntes. - Rebel des pri mi t i vos: E£t udo sobr e as f or mas ar cai cas dos movi ment os soci ai s nos secul os XI Xe XX, pp. 25- 43.

    24I d. , Rebel des pr i mi t i vos: Est udo sobr e as f ormas ar cai cas dos movl ~ment os soci ai s nos sécul os XI X e XX, p. 40 e segui nt es.

    25I d. , i bi d. , op. ci t . , p. 8.

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    CA P I T U L O I

     A BAHIA EM QUE LUCAS VIVEU

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    1 FEI RA DE SANTANA ENTRE 0 RECONCAVO E 0 AGRESTE

    Fei r a de Sant ana di st a de Sal vador 108 qui l ômet r os,

    t endo seu acesso por est r adas asf al t adas. Nos mapas a segui r

    podem ser vi st os t ant o a posi ção geogr áf i ca como os l i mi t es des

    sa l ocal i dade com os seus di st r i t os. Possui ndo uma ár ea de2

    1. 347 Km , sendo 111 na sede, Fei r a de Sant ana l ocal i za- se na

    zona de t r ansi ção ent r e o Recôncavo e o Agr est e{*) .

    O Recôncavo é uma r egi ão que ci r cunda a Baí a de Todos

    os Sant os, l i mi t ando- se desde as bar r ancas do r i o São Fr anci s-

    CO at é no ní vel do mar . Tendo apr oxi madament e duzent os qui l ôme-

    t r os de costa, di s t r i bui - se em di ver sos est r ei t os , sacos , en-

    seadas, angr a e l agamar es e com t r i nt a e ci nco i l has di f erentes.

    O Agr est e é i dent i f i cado como uma zona de t r ansi ção

    ent r e a cost a e o i nt er i or . Seu r el evo é basi cament e const i -

    t ul do p>or t abul ei r os. A veget ação car act er i za- se por umt i po mi s

    t o de f l or est a seca e de caat i nga que apar ecem associ adas. Est a

    perde as suas f ol has dur ant e a est ação seca pr edomi nando espê-

    ci es sem espi nho. 0 Agr est e possui di f er ent es r egi mes de chuvasapr esent ando per í odos secos var i ando ent r e t r ês e sei s meses.

     Todavi a, no mei o da caat i nga encont r a- se t r echos úmi dos deno-

    mi nados brej os, ou sej a, l ugares bai xos OTde hâ nascentes, ol hos d' água.

    0 sur gi ment o do povoado de Fei r a de Sant ana, nos t em-

    pos col oni ai s, est ava l i gado aos ol hos d' água exi st ent es nessa

    r egi ão. Naquel a época, as nascentes servi amcano fontes de água para abas -

    t eci ment o âanést i co e octi Dbebedouro para as boi adas que al i t r ansi t a-

    vam. Desde entao, Fei ra de Santana, t omou- se conheci da cano Santana dos

    "Ol hos d •Agua".

    (*) Ver mapa n9 2.

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    MAPA Fí s i co — MUNI CI PI O DE PEI RA DE SANTANA

    Mapa n9 1

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    ZONA GEOGRÁFI CA DA BAHI A

    ( AGRESTE)

    Mapa n9 2

    PONTE: LEXo ,  Sôni a de Ol i vei r a. Evol ução dos padr ões de uso

    do sol o agr í col a na Bahi a. p. 71

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    1. 1 AS ORI GENS — FEI RA DE SANTANA X SÃO J OSÊ DAS

    I TAPOROROCAS

    Si t uada a 14 qui l ômet r os âe Fei r a âe Sant ana como

    most r a o mapa númer o 1, São J osé er a a t er r a nat al de Mar i a

    Qul t êr i a de J esus Medei r os, e vi zi nha da f azenda " Saco do Li -

    mão", onde nasceu o escr avo Lucas. Esses doi s per sonagens f o~

    r am cont empor âneos.

    A hi st or i ogr af i a f ei r ense^ cost uma af i r mar que, emmeados do sécul o XVI I , Domi ngos Bar bosa de Ar aúj o e sua espo-

    sa, Ana Br andão, er guer am na f azenda Ol hos d Agua, de sua pr o-

    pr l edade, uma capel a{*) em l ouvor â Senhor a Sant ana e a São Do

    mi ngos. Em t or no del a t er i a sur gi do um povoado, que deu or i gem

    a Fei r a de Sant ana. Ent r et ant o, as f ont es por nôs consul t adas

    apr esent ar am uma ver são di f er ent e.

    Naquel a época, a f amí l i a de Ana Br andão j á vi vi a em

    sua pr opr i edade no I guape ( ver essa r egi ão no mapa númer o 6) ,

    e os Bar bosa, r i cos e poder osos senhor es de engenho, encont r a-

    vam- se i nst al ados no Recôncavo, chegando mesmo a i nvest i r em

    assunt os de t er r as nos Campos de Cachoei r a, no Ser t ão, e na r e..-

    gi ao das Mi nas . Quant o a Capel a de Sant ana, as r ef er enci as so

    br e o t er r eno par a a sua const r ução dat am de 28 de set embr o de

    1732 ,̂ por t ant o, época post er i or â cr i ação da Fr eguesi a de Sao

     J osé das I t apor or ocas ( 1696) , pel o ar cebi spo D. Fr anco de Ol i -A

    vei r a .

    (*) A capel a assumi a um si gni f i cado ecl esi ást i co por ser o pont o de r ef e-rênci a para a r eal i zação de mi ssas, bat i zados, casament os e f est as r el i -gl osas. Também cor r espondi a ao menor di st r i t o el ei t or al . Dur ant e o I mpe-ri o, os el ei t or es al i st avam- se nas Capel as mai s pr óxi mas de sua resi dênci a.

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    As Car t as de Sesmar i a de 1615, 1619 e 1653^ r evel a-

    r 2un que o J ul z J oao Lobo de Mesqui t a, da Cámar a de Sal vador, ven

    deu t er r as si t uadas ent r e I t apor or ocas, J acul pe e Agua Pr i a

    aos Pei xot o Vi egas, "e o vendedor ni o I he dava t í t ul o por se

    haver em per di do na t omada da Ci dade do Sal vador pel os hol án-

    deses” .̂ Exami nando pr ovi sões. Al var ás, Rel at os, Concessões e

    Aut os de Tombament o r el at i vos aos Vi egas ,̂ ver l f i cou- se que

    esses col onos, após a expul são daquel es i nvasor es, abr i r am ca-

    mi nhos de boi adas na baci a do r i o J acul pe, em di r eção âs I t a״ por or ocas, const r ui ndo, al i , sobr ados, casas e f azendas. For -

    mar am assi m o Mor gado de Sao J osé( *) , que cer t ament e deu or í -

    gem ao Ar r ai al e Fr eguesi a do mesmo nome.

    Out r os document os r ef or çam nossas obser vações sobr e

    as or i gens de Fei r a de Sant ana: as At as da Câmar a de Sal vador

    ( 1641~1643) most r am que os Pei xot o Vi egas f or neci am gado aosg

    i nvasor es hol andeses ; o r el at ór i o do Ar cebi spo D. J oão Fr anco

    Ol i vei r a, envi ado ao Vat i cano, quando de sua vi si t a past or al

    â Bahi a, r ef er e- se as casas e f azendas, povoados de gado às

    mar gens do r i o J acul pe( ** } e por f i m, a nomeação do pr i mei r o

    vi gár i o da Fr eguesi a de São J osé, at o que i ndi ca a exi st enci a

    (*) Morgado, do l at i mmai or i cat u, si gni f i ca o pr i mogéni t o, her dei r o dosbens ou pr opr i edades vi ncul adas, que nao podi am ser di vi di das. I n: FERREI **BA, Aur el i o B. de Hol anda - Novo Di ci onár i o. 2. ed. ס. 1160 , .

    Os f undadores do Morgado de Si o J osé r euni r am gr andes domi ni os— casas f a-sendas, engenhos, escravos, gado e out r os. Tani bem Corampr opr i etár i os denavi os negr ei r os e ai nda gr andes f i nanci st as ( agi ot as) . Segundo Mons. RenatoGal vão, el es se t or nar amavÕs potent ados comnetos esbanj adores, hi póte-cando grande par t e dos bens á Sant a Casa de Mi ser i cór di a na Bahi a e ao Convent o de Sant a Cl ara do Dest err o, dent r e out r as ent i dades. I n: GALVÀO, Re-nat o. Revi st a St i ent i bus, Fei r a de Sant ana 1( 1) : 25- 31, j ul / de*, 82.

    (**) Rel at i o de St at u Ar chi epi s I n Amér i ca - Rel at ór i o do Ar cebi spo J oão Franco de Ol i vei r a, pert i nente a Of í ci o past oral a servi ço de SantaSé Apost ól i ca, 1964. CÓpi a Bi bl i oteca do Vat i cano.

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    de at i vi dades r el i gi osas ant es da const r ução da Capel a de San

    t ana «̂*0 Padr e J osé Al ves Fr anco« senhor do esc r avo Lucas, f oi

    t ambém vi gár i o da Fr eguesi a de São J osé( *) .

    Monsenhor Renat o Gal vão e Eur i co Al ves Boavent ur a,

    anal i sando a economi a e o povoament o de Fei r a de Sant ana^̂ f a

    f i r mar am que os Pei xot os Vi egas f or am os ver dadei r os desbr a-

    vador es dess a ár ea. Par a Gal vão, al ém dos document os aqui men

    cl onados, os Li vr os de Casament os, Bat i zados e Obi t os do pe-

    r l odo em quest ão r ef or çam a pr esença desses pi onei r os, por

    const ar em seus nomes em cer i môni as r el i gi osas. Quant o ao ca-

    sal Ana Br andão e Domi ngos Bar bosa, sequer f orcun encont r ados

    r egi st r os sobr e bat i zados, j ust i f i cando l aços de compadr i o e

    af i l hado, mui t o comuns na época^̂ .

    São J osé er a uma das mai s i mpor t ant es Fr eguesi as

    nas t er r as e Campos de Cachoei r a. Est endi a- se por mai s de vi n

    t e l éguas na di r eção do r i o J acuí pe ( ver mapa númer o 6) , l i -

    gando o i nt er i or à capi t al . Na ár ea sob sua j ur i sdi ção, sur -

    gi r am vár i as povoações, a exempl o de Sant o Ant oni o de Tanqui -

    nho. Sant a Bárbara, Nossa Senhor a do Ri achão de J acuí pe, San-

    t ana da Fei r a^̂ . A Fr eguesi a ou Par óqui a r epr esent ava a pr i n-

    ci pal di vi são ecl esi ást i ca. Cor r espondi a a uma regi ão pr eci sa,

    com l i mi t es def i ni dos, onde havi a vár i as Capel as, e f i cava

    sob a j ur i sdi ção de uma pár oco. Poder i a assumi r , t odavi a, ura

    sent i do pol í t i co- admi ni st r at i vo, poi s er a compr eendi da t am-

    bém como um dos di st r i t os de um Muni cí pi o. No pl ano admi ni s-

    (*) 0 r el i gi oso vi veu acê o ano de 1847 — Bi aço 3115 — pol í ci a/ Assunt os1823/ 1853 o£. 22. 02. 1847 *— Ass i nado — J oSo J oaqui m Si l va — AEBA.

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    D . i i ‘ a^ m - r ri ’! d u   iK>ntf/ c t • S . ( o m d j . J . - j ( w n f < v d ; f r r a t x o i , - . d e \ n « » . . . S r o í m r « d .  / í o w 1> .   . d . t C a r A i x t r j o ; . • 1 8 3 ? r M i ». ־   u - f r i r ¿  u • . S . i n : «  ! .• * • . I S H t . l i i u . S in •l i t», i oír! uo. . d iirn .u.•  c: - t^ ci ra   r  a c f r e t. • d i   “

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    1<ז־ 

      f . jn ; . . o c A /ar i^O i i ii r r i .  f n .   / i r t m r n a C T r n .1   / 1. * r n  r..•

    FONTE: REI S J ÜNI OR, op. ci t . , p. 16.

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    t r at l vo, a Fr eguesi a est ava suj ei t a à ação âe f unci onár i os no

    meados pel os di r i gent es das Comar cas ou dos Ter mos( *) ou pe-

    l o Pr esi dent e da Pr ovl nci a^̂ . São J osê das I t apor or ocas er a

    um exempl o concr et o de Fr eguesi a submet i da à aut or i dade de um

     Ter mo e par t e i nt egr ant e da Comar ca de Cachoei r a.

    Por ser sede da par óqui a e da mat r i z, o povoado de

    São J osê das I t apor or ocas gozar i a de gr ande pr est i gi o« mesmo

    depoi s que Fei r a de Sant ana o al cançou em popul ação e i mpor -

    t ãnci a econômi ca. At é 1033, quando Fei r a de Sant ana f oi el eva

    da ã cat egor i a de Vi l a, al guns assunt os pol í t i co- admi ni st r at i

    vos er am r esol vi dos na Fr eguesi a de São J osé. Após a emanei -

    pação pol í t i ca, os mor ador es da Vi l a achavam que a sede da Pa

    r óqui a, de di r ei t o, dever i a est ar l ocal i zada em Fei r a de San-

    t ana. Por essa r azão, sol i c i t ar am do Gover no Pr ovi nci al a

    t r ansf er ênci a da sede da pr i mei r a Capel a de Sant ana dos

    Ol hos d  Ãgua que se el evava, ent ão, à di gni dade de mat r i z da

    Par óqui a âe Sant ana da Fei r a.

    Em 1864, f oi cr i ada uma nova Par óqui a, a de São J o-

    sé das I t apor or ocas, à cust a de par t e do t er r i t ór i o de Sant a

    Bár bar a e Sant ana da Fei r a^̂ . A Fr eguesi a de São J osé t or -

    nou- se um dos Di st r i t os do Ter mo da Fei r a.

    Post er i or ment e, em 1934 esse di st r i t o passou a cha-

    mar - se de Mar i a Qui t êr i a, em homenagem à her oí na das guer r as

    da I ndependênci a da Bahi a cont r a os por t ugueses^̂ •

     T*\ . . .A Comarca er a uma dl vl sao J udi ci ar i a j a exi st ent e na Col oni a e cuj o

    papel f oi ampl i ado no I mpér i o. Seu f unci onament o era compl exo, por quant ot odas as pessoas j ur í di cas I dent i f i cadas pel o di r ei t o ci vi l e cr i mi nal e£t avam sob sua r esponsabi l i dade. Podi a compreender mai s de ume Par óqui a oumai s de umMuni cí pi o» abr angendo por vezes» áreas bast ant e extensas. I n: TEI XEI RA, Mar l i Geral da & ANDRADE, Mar i a J osê. Memór i a Hi st ór i ca de SaoGonçal o dos Campos, p. 28.0 Ter mo er a uma subdi vi são da Comarca, sob a j ur i sdi ção de um j ui z ou protetor . No caso de Fei r a de Sant ana, mesmo após a cr i acao da Vi l a, f i cou soba j ur i sdi ção de Cachoei r a at é 1855, quando pel a Lei pr ovi nci al n9 532 dede 12 de J unho f oi cr i ada a sua Comarca.

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    1. 2 A SOCI EDADE

    A Boci edaâe escr avi st a, no sécul o XI X, não se r es״ t r i ngi a ao bi nômi o "gr upo domi nant e" e " gr upo domi nado". Os

    senhor es de engenho e os pr opr i et ár i os de t er r as e escr avos

    ( mui t as vezes est as duas cat egor i as podi am ser encont r adas na

    mesma pessoa) , cont r ol avam os mei os de pr odução, r epr esen-

    t ando, pol í t i ca e soci al ment e, a c£unada domi nant e. Os escr a-

    vos const i t uí al a o segment o mai s numer oso dent r e as camadas

    domi nant es. Apesar da pr esença dest a dual i dade, ser i a di f í ci l

    obt er- ' Se uma vi sao gl obal i zada da est r ut ur a soci al , sem con-

    si der ar , no seu boj o, a exi st ênci a de out r as cat egor i as( *) .

    A i nser ção dos gr upos soci ai s i nt er medi ár i os e l i -

    ber t os, no âmbi t o das r el ações senhor / escr avo, não só compr o-

    va a aber t ur a e a f l exi bi l i dade dessa est r ut ur a soci al , como

    (*) No oei o daquel a pol ar i dade, si t uavam- se out r as camadas I nt er medi ári as,tai s coo» i ndi ví duos l i vres, l i ber t os e cat i vos, br ancos, par dos ou negr osque er aD assal ari ados, desempenhando f unções admi ni st r at i vas, t écni cas e a£t esanai s. SCHAUARTZ cl assi f i ca os t r abal hador es assal ar i ados em quat r o ca-t egor i as: I ) pr of i ssi onai s que pr est avam servi ço, a exempl o dos advogadosque eramcont r at ados par a r esol ver os negóci os do engenho; I I ) os cai xei -

    ros da ci dade, aquel es que r egi st r avamcai xas de açúcar no t r api che l ocal ,assi mcomo t r atavamdos pr obl emas do t r anspor t e» t ar i f as al f andegár i a e ga-rant i a o envi o de supr i ment o ao engenho. Na ver dade os cai xei r os eram con־  si derados uma espéci e de agent e urbano do seahor de engenho; I I I ) capel aes,medi cos, enf er mei r as, par t ei r as, ci r ur gi Ões- bar bei r os e her banár i os. Osdoi spr i mei r os pr of i ssi onai s exi st i ammai s nos gr andes engenhos. 08 médi cos uni -ver si t ár i os erammai s raros; I V) os ar t esao, compunhamo segment o da el i t edos t r abal hador es rurai s. Ent r e est es, encont r avam- se ' mest r e  "of i ci al " eaprendi z. Havi a t ambém assi st ent es, of i ci ai s, saí dos das senzal as. 0 sal á-r i o denomi aava- se "sol dada 3eca  , er a pago de f or ma anual , havendo por émadi ant ament os mensai s, par a as duas pr i mei r as categori as. As demai s r ece-bi ampagament o di ári o ou por t aref a.SCHWARTZ, Stuar t B. Segredos i nternos. Engenhos e escr avos na soci edade co-l oci al ~ 1550- 1835. Si o Paul o. Trad. Laur a Tei xei r a Mot a. Companhi a de Le-t ras, 1988, pp. 262 e 263.

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    t ambém demonst r a que os escr avos não er am apenas pr opr i edade

    âo8 gr andes senhores e negoci ant es ur banos das di ver sas ci as-

    se8 e set or es. Havi a, i ncl usi ve, escr avos que possuí am out r osescravos«

    As r el ações soci ai s na Bahi a sâo pouco est udadas. A

    hi st or i ador a Kát i a Mat t oso f oi uma das pi onei r as nesse cam-

    po. Tomando por base as set e cat egor i as l evant adas por Vi l he-

    na, no sécul o XVI I I , e adapt ando- as par a o sécul o XI X, a au-

    t or a pr opôs um model o de est r at i f i cação soci al a par t i r dos

    segui nt es cr i t ér i os: o est at ut o soci al , o poder e a s i t uação

    econômi ca^̂ ■

    Dest a f or ma, a est r at i f i cação soci al deSal vador

    er a a sí nt ese de doi s model os: o r ur al , domi nant e, no Recôn-

    cavo, e o ur bano, t r azi do pel as aut or i dades col oni ai s por t u-guesas, em 1549^̂ . 0 pr i mei r o t i nha como base de est r at i f i ca-

    ção o est at ut o l egal de seus membr os, l i vr es e escr avos. 0 se

    gundo er a mai s f l exí vel , por quant o per mi t i a a f or mação de ca-

    madas i nt er medi ár i as, ger al ment e compost as de el ement os l i ga-

    dos às at i vi dades comer ci ai s secundár i as ( como, por exempl o,

    o var ej i st a, vi a de regr a l i ber t o e mest i ço) .

    A par t i r da mi st ur a dos model os, a aut or a const r ui u

    o seu t i po de est r at i f i cação soci al par a Sal vador , no sécul o

    XI X, di st i ngui ndo quat r o cat egor i as: a pr i mei r a, i nt egr ada

    pel os senhor es de engenho, gr andes negoci ant es, al t os f unci o-

    nár i os da I gr ej a e do Est ado; a segunda, const i t uí da por f un-

    ci onãr i os i nt er medi ár i os do Est ado e da I gr ej a, of i c i ai s e

    mi l i t ar es , comer c i ant es , mest r es âe of í c i os ; a t er cei r a, f or -

    mada pel os f unci onár i os subal t er nos da admi ni st r ação real , mi

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    l i t ar es , pr of i ss i onai s l i ber ai s secundar i os , of i c i ai s mecâni -

    cos e pequenos comer ci ant es que vi vi amdo comér ci o ambul ant e.

    Est a úl t i ma cat egor i a soci al er a teunbém f or mada pel os l i ber -t os, pescador es, mar i nhei r os do Recôncavo e condut or es de gê-

    ñer os al i ment í ci os. Fi nal ment e, a quar t a cat egor i a, na qual

    18se enquadr avam os escr avos, mendi gos e vagabundos

    A est r ut ur a soci al i nc l uí a a r aça, t al qual er a vi s

    t a no cont ext o da época. Mai s do que o est at ut o l egal , que se

    par ava l i vr es e escravos, a or i gem e a cor da pel e er am f or ״

    t es det er mi nant es na si t uação do i ndi ví duo. Numa soci edade

    ( sécul o XI X) , assi m est udada pel a hi st or i ador a Kát i a Mat t o-

    1980   / em que a est r ut ur a or i gi nar i a nao se f undament ava na

    i nt er ação e no ci r cui t o de f amí l i a, mas nas r el ações de st at us,

    pr est í gi o e poder , a concepção de r aça, t endi a a ser mai s f r ã

    gi l do que aquel a mont ada em uma t i pol ogi a de cor . Daí encon-

    t r ar em- se i dent i f i cações como negr o, mul at o, par do, cabr a,

    af r i cano e out r os, segundo i nf or mam hi st or i ador es, ent r e os

    quai s J oão J osé Rei s e Mar i a J osé Andr ade^̂ . Nesse sent i do, o

    escr avo Lucas er a consi der ado, pel as f ont es escr l t as^̂ , como

    um el ement o negr o.

    A est r ut ur a soci al da r egi ão de Fei r a de Sant ana

    i ni ci ou- se no decor r er do sécul o XVI I , e, j ã, ent ão del i nea-

    r a- se a composi ção r aci al da popul ação. Quando os col onos eu-

    r opeus, not adament e por t ugueses, chegar am àquel a ár ea, mai s

    pr eci sament e aos "Campos da Cachoei r a" , encont r ar am- na habi -

    22■t ada pel os í ndi os pai ai as e ai mor és .

    A medi da que esses col onos desenvol vi am a at l vi da■*

    de cri at õr i a, os i ndí genas i am sendo i nser i dos no pr ocesso

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    das r el ações sõcl o- econôml cas. Al guns dedl cavam- se ao cul t i vo

    âo fui no ou t or navam- se vaquei r os, out r os emi gr avam, pr i ncl -

    pál ment e par a al ém da Ser r a de J acobi na.

    Par t i ndo do f at or r aci al , Poppi no suger e quat r o es-

    t r at os par a a soci edade f ei r ense, no sécul o XI X: gr andes fa-*

    zendei r os e comer ci ant es, vaquei r os, r ocei r os e escr avos^̂ .

    No pr i mei r o est r at o, al ém dos f azendei r os e comer -

    ci ant es, encont r am- se os r epr esent ant es da I gr ej a c do Est ado

    e os mi l i t ar es gr aduados (da Guar da Pol i ci al e da Guar da Na-

    ci onal ) . Os f azendei r os f or mavam a ar i st ocr aci a domi nant e da

    soci edade f ei r ense, à época( *) . O Gover no Muni ci pal f unci ona-

    va em consonânci a com a " convi vênci a" dos poder osos pr opr i e-

    t ár i os r ur ai s. 0 poder dos f azendei r os mani f est avam- se como

    mar ca de pr est i gi o, at r avés dos t í t ul os f or neci dos pel a Guar -24 _ 

    da Naci onal , que assegur ava pr ot eção a pr opr i edade e a f a-

    mí l i a, cal cada no pr est i gi o da est r ut ur a mi l i t ar — uma or i -

    ent açâo que er a r egr a no Br asi l . A al guns el ement os da soci e-

    dade br asi l ei r a f or am concedi dos t í t ul os de nobr eza, mas os

    post os de cor onel e de t enent e- cor onel er am os mai s al t os que

    os f azendei r os e cr i ador es de gado podi am at i ngi r .

     Tant o os f azendei r os como os gr andes comer ci ant es

    passavam pel o cr i vo da quest ão r aci al , ou sej a, a r aci al i dade

    r econs i der ada pel os padr ões sóc i o- cul t ur ai s . Er am cons i der a-

    dos br ancos, mesmo que exi bi ssem, no seu bi ot i po, mar cas vi -

    sl vei s de ascendênci a í ndi a ou negr a. Os comer ci ant es er amum gr upo em f or mação, cuj o pr est i gi o começou a avol umar - se a

    (*) A ar i st ocr aci a domi nant e er a a ar i st ocraci a dos cur r ai s, na expr essãode Eur l co Al ves Boavent ura. Essa canada soci al di vl di a- se em doi s gr u-pos. 0 pr i mei r o era const i t uí do por cr i adores, compr adores ou at r avessadores; o segundo, por el ement os l i gados â comerci al i zação da carne f resca

    carne de charque e dos couros«

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    par t i r âe 1660, com o decl í ni o da agr i cul t ur a no Ter mo de Fe^

    r a^̂ • Eur i co Al ves Boavent ur a most r a que, al ém dos por t ugue-

    ses, exi st i am comer ci ant es ár abes e j udeus, embor a em pequeno26númer o. Al guns j udeus f or am pass ador es de moedas f al sas ; ou

    t r os comer ci ant es vi vi cun das r endas ger adas pel a compr a e ven

    da de escr avos e de agi ot agem.

    A segunda cat egor i a era f or mada pel o vaquei r o, a

    pr i ncí pi o, de or i gem i ndí gena, mai s t ar de, const i t uí da por

    mamel ucos. Os vaquei r os que, nos t empos col oni ai s, começar am

    l ut ando cont r a os í ndi os pai ai ás, na ár ea de São J osé das I t a

    por or ocas, t or nar am- se, em 1860, um gr upo i mpor t ant e. Suas r e

    l ações soci ai s com o f azendei r o não er am r emuner adas; r ece-

    bi am, em t r oca do seu t r abal ho, um per cent ual em gado( *) . Po-

    r ém, o sur gi ment o de out r as f ei r as na r egi ão e o aument o do

    númer o de f azendas de gado par a cor t e det er mi nar am a sensí -

    vel r edução de i nt egr ant es dessa cat egor i a.

    Basi cament e f ormada pel os pequenos l avr ador es ( si -

    t i ant es) , que const i t uí am a mai or par t e dos habi t ant es de

    São J osé det ent or es âe uma ocupação def i ni da, a t er cei r a ca-

    t egor i a (os r ocei r os) , sur gi u no sécul o XVI I . Em vi r t ude da

    i nexi st ênci a de l ei que os aut or i zasse a compr ar t er r as, pas-

    sar am el es a expl or ar t r echos das sesmar i as da Fr eguesi a de

    São J osé, onde pr epar avam a t er r a par a suas r oças, subst i -

    t uí das por out r as nas i medi ações da ant er i or , t ão l ogo seu

    (*} 0 pagament o ao vaquei r o era f ei t o em gsdo, ou sej a, o vaquei r o rece-bl a 1/ 4 das cr i as! depoi s de decor r i do ci nco anos acuai ul ados. Quando re-cebl a as quotas desse per í odo, o vaquei r o! por vezes, ar r endava t er r asaos gr andes senhores vi sando cui dar do seu pequeno rebanho, o que cont r i -buí a. par a aument ar ai nda mai s o núnerc de f azendas de cr i ar". I n PRADO J ONI OR, Cal o. Formação do Br asi l Cont empor âneo: Col oni a. 8. ed. , Sao Pau-l o, Br asl l l ense, 1965, p. 166.

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    r endi ment o decl i nava.

    Os f azendei r os exi gi am par t e da pr odução dessas r o-

    ças como pagament o pel o uso de suas t er r as. Por out r o l ado, apr esença dos r ocei r os, com suas f amí l i as, f or t al eci a o pr es-

    t í gi o do senhor de t er r as ou f azendei r o, j ã que os í ndi os ada£

    t avam~se mel hor â vi da e à condi ção de vaquei r os.

    Fi nal ment e, a quar t a cat egor i a er a const i t uí da por

    escr avos, quase sempre cc1t(3raâos pel os f azendei r os nos mer cados

    de Sal vador e de out r as ci dades do Recôncavo, a exempl o do por

    t o de Cachoei r a e at é mesmo do pr ópr i o Ter mo da Fei r a de

     

    2^^Sant ana

    Ant es de f ocal i zar mos a popul ação de Fei r a de San-

    t ana, vol tamos a l entorar que esta Vi l a e seu Ter mo f i zer am par t e

    da j ur i sdi ção da Comar ca de Cachoei r a at é a década de 50 do sé

    cul o passado.

    Local i zada no Recôncavo, às mar gens do r i o Par agua-

    çu, Cachoei r a er a, depoi s de Sal vador , o cent r o ur bano mai s

    popul oso da Bahi a. Ti nha sob sua j ur i sdi ção vár i as Fr eguesi as,

    28sendo a de são J osé das I t apor or ocas uma das mai s povoadas

    Em 1 7 5   , Cachoei r a cont ava 986 casas e cer ca de 4. 000 habi t an-

    29t es. Em 1604, t i nha 1. 180 casas e cer ca de 5. 000 habi t ant es

     Tai s dados, no ent ant o, er am apenas uma est i mat i va.

    Ai nda no sécul o XI X, os ci ent i st as Spi x e Mar t i us apr esent ar am

    um cál cul o mui t o exager ado, i st o é, de cer ca de 10. 000 habi -

    t ant es par a a Vi l a^̂ . A opi ni ão de SCHWARTZ em 1819, er a a de

    que a r egi ão de Cachoei r a, ou sej a, a Vi l a e seu Ter mo, pos-

    suí am cerca de 69. 000 habi t ant es, dos quai s 30. 000 er am pr ova-

    vel ment e escr avos^̂ . No ano de 1826, quando a Câmar a post ul a-

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    va par a Cachoei r a t í t ul o de Cl dada Her oi ca, est a cont ava ape-

    nas 6. ' 000 habi t ant es na Vi l a e 60. 000 em t odo o Ter mo. O po-

    voado de Sao Fél i x, na mar gem opost a do r i o Par aguaçu, t i nha32apenas 2. 000 pessoas

    No que concer ne a Fei r a de Sant ana, exi st em poucas

    est i mat i vas sobr e o cál cul o de sua popul ação, no ci t ado pe-

    33r í odo. Ref er i ndo- se a 17D7, Ant oni o Cal das cal cul ou em 312

    casas e cer ca de 5. 000 o númer o de habi t ant es da Par óqui a de

    são J osé. Cer t ament e est es dados est ão l i gados a f at or es como

    a vocação de Fei r a de Sant ana par a a at i vi dade cr i at õr i a, a

    pr oxi mi dade de Sal vador e sua posi çao- chave, l i gando o Recôn-

    cavo ao Ser t ão.

    Quant o à Fr eguesi a de São J osé das I t apor or ocas, Spi x

    e Mar t i us (1819) ent r ar am em cont r adi ção. Exager ar am os dadosem r el ação a Cachoei r a, e cal cul ar am par a menos os de São J o-

    34se: 1. 554 o numer o de casas, e 6. 937 o de habi t ant es

    Ent r et ant o t ai s dados não condi zem com a r eal i dade

    poi s as f azendas agr opas tor i s , ou si t i os, pr ol i f er avam rapl -

    dament e, em especi al apÕs o desdobr ament o das sesmar i as e das

    engenhocas ^̂ . Havi a, em cada f azenda, uma médi a de 10 a 12 pes

    soas. Pesqui sas por nós r eal i zadas em I nvent ár i os post mor t em

    de mor ador es da Fr eguesi a de Sao J osé das I t apor or ocas evl den-

    ci am essa médi a^̂ . Rol l i e E. Poppi no, t ambém chegou à mesma

    - 37concl usão

    Não exi st i am dados compl et os s obr e a evol ução da po-pul ação de Fei r a de Sant ana ent r e 1807- 1849, per i odo de f or ma-

    ção e desenvol vi ment o do caso Lucas, o que di f i cul t a sensi -

    vel ment e, ao hi st or i ador , f azer af i r mações t axat i vas com o r i

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    gor c i ent i f i co sat i sf at ór i o. O úl t i mo r ecenseament o de Pel r a

    de Sant ana r ef er ent e aquel e per í odo f oi o de 1835.

    De acor do com a Tabel a I , a segui r de POPPI NO, po-

    de- se t er uma I dél a da popul açãot ot al da par óqui a de São J o-

    sé das I t apor or ocas. Da Capel a de Sant ana, após essa dat a, só

    f oi r eal i zado out r o censo no ano de 1872. No ent ant o, quant o ã

    escr ava