malsete arestides santana - portal da universidade … · quadro iii- distribuição dos alunos nos...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MALSETE ARESTIDES SANTANA
RELAÇÕES RACIAIS NO COTIDIANO ESCOLAR: PERCEPÇÕES
DE DIRETORAS E ALUNOS DE DUAS ESCOLAS MUNICIPAIS
DE CUIABÁ
CUIABÁ/MT
2012
2
MALSETE ARESTIDES SANTANA
RELAÇÕES RACIAIS NO COTIDIANO ESCOLAR: PERCEPÇÕES DE
DIRETORAS E ALUNOS DE DUAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE
CUIABÁ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação no Instituto de Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso como requisito para obtenção do título de mestre
em Educação na Área de Concentração Educação, Cultura e
Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e
Educação Popular.
Orientadora: Prof. Dra. Maria Lúcia Rodrigues Müller
Cuiabá/MT
2012
3
S232r
Santana, Malsete Arestides.
Relações raciais no cotidiano escolar: percepções de diretoras e alunos de duas escolas
municipais de Cuiabá./ Malsete Arestides Santana. -- Cuiabá (MT): Instituto de Educação/IE, 2012.
109 f.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de
Educação. Programa de Pós - Graduação em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Lúcia Rodrigues Müller.
Inclui bibliografia.
1. Educação – Discriminação racial. 2. Gestão escolar. 3. Cotidiano
Escolar – Escola municipal - Cuiabá. I. Título.
CDU: 37:323.14
5
DEDICATÓRIA
Aos profissionais da escola pública que se dedicam
na construção de uma sociedade mais justa, com
ensino de qualidade.
A minha mãe, Elena, que já passou para a
eternidade, mas que na sua simplicidade me ensinou
tudo e caminha comigo guiando meus passos.
Aos meus filhos Leonardo e Lívia e ao meu esposo
Firmo pelo carinho e compreensão.
A todos que de alguma forma sonham e lutam por
uma sociedade sem preconceito.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela fé e a força que me inspira e fortalece.
A minha mãe Elena (in memorian) que continua comigo nos momentos que eu
chamo o seu nome Mãe.
À professora Drª Maria Lúcia Müller, pelo respeito com que me orientou nas
minhas dificuldades e limitações apresentadas neste trabalho.
À professora Drª Ana Canen pelo carinho com que leu o meu trabalho e aceitou
o convite para a banca de defesa e pelas suas sugestões preciosas. Muito Obrigada.
À professora Drª Ozerina Victor de Oliveira que de forma carinhosa aceitou o
convite para a banca de defesa e pela sua valorosa contribuição ao meu trabalho.
A professora Drª Cândida Soares da Costa que carinhosamente aceitou ler o
meu trabalho e fazer as suas valiosas considerações.
Aos professores das disciplinas do curso pelas orientações, carinho e a atenção
durante os estudos das disciplinas.
A Luisa funcionária do Instituto de Educação do Programa de Pós-Graduação
pela sua competência no trabalho, sempre nos orientado. Obrigada.
A todos os colegas, pessoas importantes durante o Curso, nas conversas e trocas
de experiência. A todos os colegas do NEPRE, em especial as colegas do mestrado
Cleonice e Zilma pelas contribuições e força nos momentos difíceis durante esta
caminhada. Foi muito bom conviver com vocês, aprendi muito. Vocês fazem parte da
minha história no mestrado.
A minha família, irmãos, sobrinhos que me ajudaram muito com as suas orações.
Em especial ao meu companheiro Firmo pelo carinho e apoio em todos os
momentos, inclusive nas minhas ausências.
Aos meus filhos Leonardo e Lívia, meus amores, minha vida. A principal razão
de ainda eu continuar na luta.
7
A minha irmã Maria, pela força e apoio durante o curso cuidando da minha filha
sempre com muito carinho.
A todos os colegas de trabalho pelo apoio durante meu tempo de estudo.
Às diretoras e alunos, meu especial agradecimento pelas entrevistas que
colaboraram com esta pesquisa, principais protagonistas desta história.
8
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Á professora doutora Maria Lúcia Müller, pela sua paciência na busca do meu
entendimento nas suas orientações, pois, mesmo percebendo meus limites, acreditou em
mim e fez com que eu chegasse até aqui, muito obrigada. Sou-lhe eternamente grata por
este aprendizado.
A professora mestre Tereza Josefa Cruz dos Santos (in memorian) que,
durante um curso tive o privilégio de conhecê-la e tornar sua amiga. Saudades.
9
RESUMO
SANTANA, Malsete Arestides. Relações raciais no cotidiano escolar: percepções de
diretoras e alunos de duas escolas municipais de Cuiabá. 2012. 109 páginas. Dissertação
(Mestrado em educação) Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá.
Esta pesquisa de cunho qualitativo analisa as relações raciais no cotidiano escolar na
percepção de diretoras e alunos de duas escolas municipais de Cuiabá. Buscou-se com o
estudo compreender as percepções das diretoras e alunos sobre as relações raciais e
verificar quais os procedimentos e/ ou intervenções adotadas pelas diretoras com
relação às situações de discriminação racial entre os alunos. A pesquisa foi
desenvolvida em duas instituições escolares, uma na área central e outra na periferia. A
pesquisa teve como base teórica os estudos e pesquisas realizadas por vários autores
como Cavalleiro (2000); Oliveira (1999). Para a realização da pesquisa foram utilizados
os seguintes procedimentos metodológicos: a) Grupo focal (com os alunos); b) Pesquisa
nos documentos como: livros de ocorrências e projeto político pedagógico entrevistas
com as diretoras e observação. As entrevistas realizadas tiveram como base os autores
Becker (1999) e Minayo (1994). Os resultados sinalizam para a existência de
discriminação racial nas relações raciais entre os alunos. Compreendemos que as
diretoras negam ou minimizam a existência de manifestações de discriminação na
escola bem como desconhecem suas consequências no desempenho escolar, na
identidade e até da permanência dos alunos negros na escola. O mito da democracia
racial continua presente nas falas das diretoras, a busca da igualdade está no discurso,
mas na prática as desigualdades estão presentes.
Palavras-chave: discriminação racial; cotidiano escolar; gestão escolar.
10
ABSTRACT
SANTANA, Malsete Arestides. Race relations in school life: perceptions of principals
and students from two schools of Cuiaba. 2012. 109 pages. Thesis (MA in education)
Federal University of Mato Grosso. Cuiabá.
This qualitative research examines race relations in school life as perceived by
principals and students from two schools of Cuiaba. We sought to study to understand
the perceptions of principals and students about race relations and to determine which
procedures and / or interventions adopted by the directors with respect to situations of
racial discrimination among students. The study was conducted in two educational
institutions, one in the central area and another in the periphery. The research was based
on theoretical studies and research carried out by several authors as Cavalleiro (2000),
Oliveira (1999). For the research we used the following instruments: a) Focus group
(with students) b) Research in documents such as books, events and political
pedagogical project interviews with the directors and observation. The interviews were
based on the authors Becker (1999) and Minayo (1994). The results point to the
existence of racial discrimination in race relations among students. We understand that
the directors deny or minimize the existence of manifestations of discrimination in
school and unaware of its consequences in school performance, identity and even the
permanence of black students in school. The myth of racial democracy is still present in
the speeches of the directors, the pursuit of equality is in the speech, but in practice
inequalities are present.
Keywords: racial discrimination; school routine; directors.
11
LISTA DE ABREVIATURAS (SIGLAS)
MEC
SME
SEDUC
Ministério de Educação e Cultura
Secretaria Municipal de Educação
Secretaria de Estado e Educação
PNAD
IBGE
UFMT
SAEB
Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Universidade Federal de Mato Grosso
Sistema de Avaliação da Educação Básica
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Cor/raça dos alunos da escola A/Classificação da pesquisadora..................29
Tabela 2 – Cor/raça dos alunos da escola B/Classificação da pesquisadora..................29
Tabela 3 – Autoclassificação- pergunta aberta- dos alunos segundo a cor/raça-escola
A......................................................................................................................................31
Tabela 4 – Autoclassificação- pergunta aberta- dos alunos segundo a cor/raça-escola B-
.........................................................................................................................................31
Tabela 5 - Classificação racial dos alunos segundo cor/raça pergunta fechada- Escola
A.....................................................................................................................................34
Tabela 6 - Classificação racial dos alunos segundo cor/raça pergunta fechada- Escola
B......................................................................................................................................34
13
LISTA DE QUADROS
Quadro I – Dados sobre as participantes da pesquisa....................................................22
Quadro II – Distribuição dos alunos selecionados para pesquisa conforme faixa etária e
o ano correspondente á organização da escola organizada por ciclos de formação........22
Quadro III- Distribuição dos alunos nos grupos focais por sexo, ano/ série e escola...36
Quadro IV- Situações de conflitos registradas- Escola A.............................................56
Quadro V- Situações de conflitos registradas- Escola B...............................................56
Quadro VI- Registros das providencias tomadas- Escola A..........................................57
Quadro VII- Registros das providencias tomadas- Escola B.........................................57
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................15
CAPÍTULO I
O CAMINHO SE FEZ AO CAMINHAR....................................................................................21
Observação Participante...............................................................................................................24
Entrevistas....................................................................................................................................25
Os documentos............................................................................................................................26
Classificação racial dos alunos.....................................................................................................28
A classificação racial realizada pela pesquisadora.......................................................................29
A autoclassificação dos alunos pergunta aberta...........................................................................30
A autoclassificação dos alunos pergunta fechada........................................................................34
Entrevista com grupo focal...........................................................................................................35
CAPÍTULO II
RELAÇÕES RACIAIS NA EDUCAÇÃO...............................................................................37
Conceito de raça: construção social.............................................................................................37
Tríade que permeia as relações raciais: racismo, preconceito e discriminação racial..................39
Estereótipo e Estigma...................................................................................................................42
O mito da democracia racial.........................................................................................................43
Desigualdades raciais na educação...............................................................................................45
Mecanismos intraescolares de discriminação...............................................................................47
CAPÍTULO III
RELAÇÕES RACIAIS NA ESCOLA: A QUESTÃO RACIAL NOS DOCUMENTOS E
NAS PERCEPÇÕES DE ALUNOS......................................................................................... 51
51
15
A questão racial no Projeto Político Pedagógico........................................................................50
Livros de ocorrência: o encontro com os alunos..........................................................................55
A discriminação racial revelada pelos alunos..............................................................................61
O cabelo como critério de exclusão..............................................................................................65
Comemorações escolares: os convidados e os excluídos.............................................................66
O recreio: momento de discriminação..........................................................................................68
Ofensas, xingamentos e apelidos..................................................................................................70
CAPÍTULO IV
ORGANIZAÇÃO ESCOLAR E O CONTEXTO DO TRABALHO DAS DIRETORAS
NAS ESCOLAS PESQUISADAS.....................................................................................72
Relações raciais na escola: Percepções de diretoras..........................................................77
Discriminação racial: o que dizem as diretoras............................................................................77
As diretoras e os conflitos raciais entre alunos............................................................................82
Patologização do aluno: Cadê o médico?.....................................................................................89
Reuniões com as famílias: a ata da exclusão................................................................................91
A gestão escolar na educação das relações raciais.......................................................................92
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................96
REFERÊNCIAS........................................................................................................... 99
ANEXOS.......................................................................................................................107
16
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa buscou compreender as percepções das diretoras e alunos sobre as
relações raciais e verificar quais os procedimentos e/ ou intervenções adotadas pelas
diretoras com relação às situações de discriminação racial entre os alunos. O interesse
para desenvolver esta pesquisa na área de relações raciais é resultado de várias
indagações a respeito das políticas educacionais que vêm se apresentando ao longo
desses anos, com ausência de uma reflexão sobre relações raciais, racismo, preconceito,
discriminação racial e devido às situações de discriminação e preconceito constatadas
no dia a dia na escola, estas questões me provocaram inquietações e mostraram a
necessidade de buscar explicações. Não é fácil encontrar respostas claras e diretas para
entender essas situações devido à complexidade que envolve este tema, mas elas podem
fornecer pistas e entendimentos que ajudarão a melhorar o trabalho no cotidiano escolar.
A ideia de realizar esta pesquisa se fortaleceu quando entrei para o curso
“Trabalhando as diferenças na educação básica, Lei nº 10.639/03” e se intensificou pelo
momento profissional que estou vivendo, faço parte da equipe gestora de uma unidade
escolar da rede municipal e presencio, muitas vezes, o silêncio e a naturalização de
manifestações racistas por parte dos profissionais da educação.
Dentre os fatos vivenciados durante esses anos na escola, um me marcou
profundamente. Aconteceu em uma sala de aula. Passando pelo corredor, deparei-me
com gritos, risadas vindas da sala de aula. Aproximei e indaguei o que estava
acontecendo. Vi uma aluna com o cabelo todo para cima, andando de um lado para o
outro da sala e todos rindo daquela cena inclusive a professora. Chamei a aluna para
conversar levando-a até a minha sala. Ela relatou o seguinte, que todos os colegas riam
dela e colocava apelidos, e então ela resolveu fazer o que estava fazendo, para que
talvez, ela agindo desta forma eles deixassem de mexer com ela.
Naquele momento fiquei sem saber o que fazer como eu poderia ajudá-la. Havia
começado a estudar sobre o assunto há pouco tempo. Esta situação mexeu muito
comigo e comecei a pensar essa pesquisa. Como gestora o que poderia fazer para
17
compreender e dar visibilidade a essas situações presentes nas escolas e sob a nossa
responsabilidade. E diante dessa inquietação foi construída essa pesquisa.
A pesquisa teve como objetivo a análise das percepções das diretoras e alunos
nas relações raciais. Buscou-se identificar a ocorrência de preconceito e discriminação
racial no cotidiano escolar.
A escolha de diretora como sujeito desta pesquisa se deu porque esta
profissional assume dentro da unidade escolar um conjunto de responsabilidades e
tomam um grande número de decisões. Exercem certa liderança na unidade escolar em
que atuam e podem desenvolver ações significativas e interventivas associadas à
transformação. Nesse sentido, compreender como as diretoras lidam com as relações
raciais e discriminação racial no espaço escolar é importante porque a atuação delas
pode ou não ajudar os alunos negros a permanecerem na escola.
Infelizmente as situações de discriminação racial no espaço escolar são
freqüentes e ocorrem na presença de professores, coordenadores e diretores, sem que
esses muitas vezes tomem atitudes. Geralmente os apelidos pejorativos relacionados à
cor da pele ou cabelo que os alunos negros recebem na escola são vistos pelos
profissionais da escola como normal.
Pesquisas1 nos mostram também que as situações citadas acima acarretam nos
alunos negros a autorrejeição, o desenvolvimento de baixa autoestima, ausência de
reconhecimento de capacidade pessoal, dificuldades no processo ensino-aprendizagem,
entre outros. Penso que essas situações de preconceito e discriminação racial envolvem
outros âmbitos que não só o espaço escolar, contudo acredito que nesse espaço existem
possibilidades de mudança que podem contribuir para a sua melhoria.
1 Cavalleiro, num estudo realizado em uma escola com crianças de educação infantil, mostra que as
professoras na maioria das vezes tratam de forma diferenciada as crianças brancas e negras, destinando as
primeiras estímulo, carinho, atenção, elogios, aconchegos e afetos. E, para as negras, às vezes, de forma
inconsciente, desatenção, distanciamento e desafeto. Enfocando a questão da superioridade/inferioridade
na dinâmica dessas relações.
Nas pesquisas relacionadas ao cotidiano escolar Moitinho (2006) constatou que para as crianças negras,
ser negro é feio, há negatividade atribuída á categoria preto/negro, que coloca as crianças nela
classificadas em situações de inferiorização, assim são objetos de gozações e xingamentos. Os negros
também se encontram em situação de desvantagem em relação aos meninos brancos, em defasagem
série/idade em relação á série que estavam cursando.
18
É pertinente dizer que em Cuiabá existem alguns cursos de formação continuada
(presencial e a distância) para os professores, gestores, voltados para a educação das
relações étnica raciais, financiada pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC), e
ofertadas pela Secretaria Municipal de Educação (SME), Secretaria de Estado de
Educação (SEDUC) e também pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações
Raciais e Educação (NEPRE), grupo de pesquisa da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT). Desse modo, a falta de formação profissional a que me refiro muitas
vezes é resultado da ausência de busca/procura pelos cursos oferecidos.
Nesta pesquisa, utilizo o termo diretor e não gestor como são chamados hoje,
devido à especificidade da função. A palavra “gestor”, segundo Gomes (2005, 76) “tem
sido empregada para designar o diretor, coordenador que formam a equipe gestora”.
Investigar a percepção das diretoras sobre relações raciais no ambiente escolar é
importante. Como nos afirma Silva (2002, p. 32) “… na relação alunos-agentes
educativos (diretores, coordenadores, inspetores) é marcada por autoritarismos e visões
estereotipadas que podem afastar o aluno negro da escola”.
De acordo com Santos (2005, p. 14):
a discriminação racial se reproduz em vários contextos sociais das relações
entre negros e brancos. Nesse contexto a escola não se encontra isenta dessas
reproduções. Muito embora ela não seja meramente reprodutora de tais
relações, acaba por refletir as tramas sociais existentes no espaço macro da
sociedade.
O diretor pode contribuir significativamente para a educação das relações raciais
na escola, pois a sua ação é um ponto chave na construção de uma educação equitativa
que, em médio e longo prazo, poderá mudar a situação dos alunos negros contribuindo
para mudança nas desigualdades educacionais que afligem esses alunos. Nessa
perspectiva, é necessário que o diretor tenha sensibilidade sobre a discriminação racial
existente em nossa sociedade, inclusive na escola, que muitas vezes aparece sob o
manto de democracia racial.
19
A pesquisa realizada por Mary Castro e Miriam Abromovy (2006) 2, a partir de
dados do sistema de avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2003, evidenciou que a
desigualdade no desempenho escolar entre alunos brancos e negros está ligada às
práticas discriminatórias na escola. Essas autoras analisaram também como a postura de
diretores/as contribui para a disseminação do racismo. Elas destacam, ainda, o total
despreparo dos diretores diante dos conflitos raciais, bem como a crença deles na
ausência de racismo no ambiente escolar, o que evidencia o desfalque na formação dos
diretores.
Estudos sobre relações raciais demonstram a existência da discriminação racial
na escola. Conforme Cavalleiro (2000), se olharmos superficialmente o cotidiano
escolar brasileiro temos a impressão da existência de um ambiente de relação
harmoniosa entre adultos e crianças, sejam eles brancos ou negros, dando a entender
que todos usufruem das mesmas oportunidades dentro dessa sociedade. Entretanto,
algumas pesquisas como a de Santos (2007), Pinho (2007) e Alexandre (2007), apontam
que o preconceito racial permeia as relações sociais dos alunos no espaço escolar.
Faz parte da função do diretor participar da construção de uma proposta
curricular que contemple as questões raciais, assim como corroborar para que essa
proposta seja colocada em prática. Todavia, alguns diretores e os outros profissionais da
educação têm se mostrado indiferentes em relação ao desempenho de seu papel diante
das diferentes evidências de discriminação racial no processo educativo. Talvez isso
ocorra pela falta de preparo desses profissionais da educação para lidar com as situações
de racismo no cotidiano escolar. Assim, faz-se necessário sua participação nos cursos de
formação na perspectiva antirracista, para que tenham suporte teórico que possibilite a
diminuição de índices expressivos de desigualdades raciais na educação brasileira.
Uma educação antirracista respeita as diferenças raciais no discurso e na prática,
discute as desigualdades na sociedade e busca combater estereótipos e idéias
preconcebidas, o que visa erradicar o preconceito e a discriminação racial, pois valoriza
2 A pesquisa foi realizada em escolas públicas e privadas nas diferentes regiões do Brasil, inclusive na
região Centro-Oeste, especificamente no Distrito Federal. As autoras constataram o caráter institucional
do racismo desvelando suas facetas, assim como revelam que os/as alunos/as negros/as estão
concentrados em maior proporção nas escolas públicas.
20
a igualdade de tratamento nas relações e possibilita uma vivência positiva entre todos
(CAVALLEIRO, 2001).
A formação do profissional antirracista da educação possibilita compreender a
diversidade étnica e racial da espécie humana e torna o educador mais apto a lidar com a
temática, possibilitando que os alunos construam comportamentos mais receptivos às
diferenças. Segundo a mesma autora, o professor informado sobre as questões raciais
pode contribuir para tornar a escola um espaço de respeito a diversidades e possibilita
que alunos de grupos estigmatizados racialmente possam usufruir de elementos que
contribuam para a autoestima deles.
No ano de 2010, dediquei-me para realização da pesquisa bibliográfica no
intento de identificar estudos relacionados ao tema. Passei por um período de muita
angustia, pois, apesar de existirem estudos relevantes sobre a função do diretor escolar
no Brasil, não encontrei estudos referentes à relação dos diretores e relações raciais na
escola. Isso me fez acreditar na importância dessa pesquisa.
Diante das algumas questões problematizadoras que envolvem racismo,
discriminação e preconceito racial nas relações foram propostas alguns questionamentos
de orientação a esta pesquisa: Qual a percepção das diretoras sobre as relações raciais
entre os alunos? Qual a concepção das diretoras sobre discriminação racial? As diretoras
identificam preconceito e discriminação racial nas situações de conflitos entre alunos?
Qual a atitude das diretoras diante dos conflitos de cunho racial entre alunos? Qual a
percepção dos alunos sobre relações raciais no cotidiano escolar?
Este trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo apresenta
a metodologia. Na primeira parte, os autores que deram fundamentação teórica para a
pesquisa qualitativa; Howard S. Becker (1999) foi o autor que deu base a essa pesquisa
para a definição dos critérios e análise dos dados. Utilizei também na metodologia, as
orientações de Bogdan (1994), Lüdke (1995) Minayo (1994). Apresento também, neste
capítulo, a classificação racial dos alunos pautada nos estudos de Teixeira (1998),
Petruccelli (1998).
O segundo capítulo apresenta uma discussão teórica sobre os conceitos raça,
estigma, mito da democracia racial e as desigualdades na educação. Os mecanismos
21
intraescolares na educação também se evidenciaram confirmando que eles interferem na
trajetória dos alunos negros. Sobre os conceitos de raça, preconceito, discriminação,
estigma e estereótipo, recorri aos teóricos Goffman( 1982), Da Matta( 1987), Valente
(1987), Guimarães (2002), Silva Junior (2002), Munanga (2004), Osório (2003), Elias e
Scotson (2000). Sobre desigualdades no ambiente escolar e mecanismos de
discriminação Hasenbalg (1979), Pahim Pinto (1987), Rosemberg (1987, 2003),
Oliveira (1999), Cavalleiro (2000), Henriques (2001, 2002), Jaccoud (2002), Pinho
(2004), Costa (2005), Alexandre (2006), Santos (2004) Müller (1999), Souza (2007).
No terceiro capítulo dedico-me ás análises da questão racial no Projeto Político
Pedagógico das escolas, nos livros de ocorrência, e nas observações do cotidiano da
escola principalmente o recreio, quando as manifestações de discriminação racial ficam
mais evidentes nas relações entre os alunos e nas análises dos dados evidenciados nas
percepções dos alunos.
O quarto capítulo tem como objetivo a análise da organização escolar como
contexto do trabalho das diretoras, nos dados no qual são evidenciadas as percepções
das diretoras diante das relações raciais no cotidiano das escolas considerando o
tratamento dado por estas ás tensões racial na escola. A observação e as interlocuções
com as diretoras em diferentes momentos complementaram os dados obtidos na
entrevista. Apresento ainda as características de uma gestão para educação das relações
raciais respaldada na Lei nº 10639/03 que torna obrigatório em toda rede de ensino
nacional, a inclusão no ensino de história e demais disciplinas a história e cultura Afro-
brasileira. Para compreender a gestão escolar os autores Luck (2002), Paro (1996),
Canen (2001,2005,2009), Rangel (2011), Souza (2005) e Andreotti (2010) deram a
contribuição.
Enfim, depois das apresentações dos dados, faço as considerações finais
enfatizando os dados obtidos na pesquisa.
22
CAPÍTULO I - O CAMINHO SE FEZ AO CAMINHAR
A pesquisa no campo das relações raciais, nesse caso sobre as percepções das
diretoras e alunos, constitui importante objeto na compreensão das desigualdades raciais
estabelecidas no espaço escolar. Este capítulo apresenta os caminhos percorridos no
desenvolvimento desta pesquisa.
Para o desenvolvimento da pesquisa, empregou-se a abordagem qualitativa por
entender ser esta a que melhor se adapta à pesquisa que tem como objeto concepções e
conhecimento de atores sociais. De acordo com Minayo (1994), a pesquisa qualitativa
se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser
quantificado, ou seja, ela trabalha com “o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes” (1994,p. 21). A abordagem qualitativa não pode pretender o
alcance da verdade, com o que é certo ou errado, deve ter como preocupação primeira a
compreensão da lógica que permeia a prática que se dá na realidade.
A pesquisa foi realizada em duas escolas públicas municipais de Cuiabá – MT.
A fim de preservar a identidade das escolas estas serão identificadas como escola A e
escola B. A Escola A se localiza próxima ao centro de Cuiabá e atende ao 1° e 2° ciclos,
que englobam do 1º ao 6º ano. É composta por sete salas de aulas, pátio interno e quadra
coberta. No ano de 2010, funcionou com 390 alunos. É considerada de médio porte.
A escola B se localiza em bairro periférico da cidade e atende ao 1° ciclo, que
engloba do 1° ao 3° ano e educação infantil. Funciona apenas no período matutino. No
vespertino funciona o projeto denominado “Educa Mais”, no qual os alunos participam
de atividades diferenciadas como: coral, judô, letramento, xadrez, entre outras. No
período da pesquisa (ano de 2010) a Escola A contava 110 alunos no período matutino,
distribuídos em cinco salas de aulas. Em relação à estrutura física, é considerada de
pequeno porte.
Os sujeitos participantes desta pesquisa são duas diretoras e alunos de escola
municipal de Cuiabá. Para preservar a identidade das diretoras, elas foram identificadas
pelas letras A e B que também são as duas letras que as escolas são identificadas. Os
alunos serão identificados pelas iniciais dos nomes. As diretoras possuem formação
23
superior distinta – a diretora A é graduada em Letras e a diretora B em Pedagogia. O
tempo de experiência profissional entre as diretoras tem pouca diferença: a diretora A
possui 10 e a diretora B, 14 anos. Quanto à classificação racial das diretoras foi utilizada
a auto classificação. A diretora da escola A se identificou como branca e a diretora da
escola B como negra.
Quadro I. Dados sobre os participantes da pesquisa
DIRETORAS
ESCOLAS
FORMAÇÃO
PROFISSIONAL
EXPERIÊNCIA
PROFISSIONAL
CLASSIFICAÇÃO
RACIAL
A A Letras 10 anos Branca
B B Pedagogia 14 anos Negra
Os alunos compreendem um total de 100, sendo 30 alunos da escola A e 20
alunos da escola B. Eles foram selecionados por meio dos registros dos livros de
ocorrências a escolha desses registros se deu porque este livro é um instrumento que as
diretoras utilizam para registrar os conflitos ocorridos entre os alunos na escola. O
critério de escolha dos alunos foi selecionar os que mais apareciam nos registros. São
alunos do 1° e 2° ciclos. Essas escolas têm seus currículos organizados por ciclo “3 e as
suas turmas são distribuídas entre anos de escolarização e idades.
Quadro II: Distribuição dos alunos selecionados para pesquisa conforme faixa
etária e os anos correspondentes à organização da escola organizada por ciclos de
formação:
Anos Ciclo Faixa etária
3° 1° Ciclo 07 a 08
4° 2° Ciclo 08 a 09
5° 2° Ciclo 09 a 10
6° 2° Ciclo 11 a 12
Fonte: Dados retirados do Projeto Político Pedagógico das escolas pesquisadas
3 Nova organização curricular que segundo documento da Secretaria Municipal de Educação considera as
fases de formação e desenvolvimento humano, tanto para o trabalho com o conhecimento escolar como
para realizar as enturmações dos alunos.
24
Os primeiros contatos para realização da pesquisa se deram com pedido de
autorização à direção das escolas selecionadas e foram feitos no final do ano de 2010.
Nesses contatos, apresentei-me como aluna do mestrado em educação da Universidade
Federal de Mato Grosso e informei sobre a pesquisa. As diretoras fizeram uma reunião
para que eu explicasse a pesquisa. Informei que as observações ocorreriam nos espaços
da escola, durante o recreio, na quadra etc. Não havia um espaço específico e expliquei
os dias e horários. As duas diretoras autorizaram a realização da pesquisa.
Desse modo, fiz uma pesquisa exploratória nas escolas escolhidas. Essa fase foi
de fundamental importância para compreender e definir o objeto de pesquisa. A fase
exploratória é “[…] o momento de especificar as questões ou pontos críticos, de
estabelecer os contatos iniciais para entrada em campo, de localizar os informantes e as
fontes de dados necessárias para o estudo” (LÜDKE, 1986, p. 22). O estudo
exploratório visa aumentar a familiaridade do pesquisador com o fato ou fenômeno,
modificando ou clarificando conceitos e possibilitando a realização de pesquisas futuras
mais precisas.
No início de 2011, no mês de fevereiro, retornei às escolas. Na segunda semana,
continuei a pesquisa de campo, que foi realizada durante cinco meses (fevereiro a junho
2011). Organizei o horário nas escolas da seguinte forma: 04(quatro) horas diárias em
cada escola durante 03 (três) dias, quando necessário invertia o turno. As observações
ocorriam no pátio da escola, durante o recreio, entrada e saída dos alunos e também nas
atividades de datas comemorativas.
Num primeiro momento, senti a necessidade de apenas entrevistar as diretoras e
fazer observação. Após realizar a primeira entrevista com a diretora da Escola A,
percebi, a partir de seus relatos, que seria necessário conversar com os alunos, pois a
diretora em seu discurso transmitia que não havia discriminação racial nas relações
entre os estudantes. Além disso, eu presenciava, na observação, situações de
discriminação racial. Utilizei a técnica de grupo focal para verificar se os alunos sabiam
o que era discriminação racial e se eles tinham sofrido esse tipo de discriminação.
Os dados obtidos foram registrados em caderno de campo, dia a dia, buscando
sempre, ao sair da escola, registrar as situações percebidas que eram pertinentes à
pesquisa. O caderno de campo foi importante no auxílio para sistematizar os registros
25
das informações coletadas, nas observações na direção, recreio, reuniões e formação
continuada.
Destaco a importância do registro e me remeto a Bogdan e Biklen (1994, p. 49),
quando estes afirmam que:
A palavra escrita assume particular importância na abordagem qualitativa,
tanto para o registro dos dados como para a disseminação dos resultados. Ao
recolher dados descritivos, os investigadores qualitativos abordam o mundo
de forma minuciosa.
O objetivo da observação era analisar as percepções e atitudes das diretoras
sobre as relações raciais no cotidiano escolar. Para a realização da pesquisa foram
utilizados também os seguintes procedimentos metodológicos: a) Grupo focal (com os
alunos); b) Pesquisa nos documentos como: livros de ocorrências e projeto político
pedagógico.
Observação Participante
A observação, conforme Becker (1999) possibilita ao pesquisador, tendo em
vista seu objetivo, observar as pessoas para verificar as situações com que se deparam
normalmente e como se comportam diante dela. Nesse processo, o pesquisador deve
acompanhar a dinâmica das relações desses indivíduos, anotar os fatos e situações
ocorridas, bem como estabelecer conversações sempre que for necessário, a fim de
compreender a realidade investigada. Na observação, foram feitos os registros das
práticas, das ações, dos gestos e das falas dos sujeitos.
Observar o espaço escolar permitiu conhecer a dinâmica e as relações entre os
alunos e as diretoras no cotidiano das escolas.
Ainda segundo Becker (1999), a observação participante aliada à entrevista,
permite acesso a uma gama de dados que, às vezes, nem foi previsto pelo pesquisador.
Para ele, o pesquisador observa nos tipos de pessoas que interagem umas com as outras,
o conteúdo e a consequência da interação, ainda, como ela é discutida e avaliada.
26
Bogdan e Biklen (1994) acrescentam que a observação participante também
permite ao investigador se introduzir, no mundo das pessoas que pretende estudar,
elaborando um registro sistemático de tudo o que ouve e observa. A observação
possibilita algumas vantagens na investigação e foi um dos instrumentos desta pesquisa,
combinada com outros recursos. Nesse sentido, Lakatos e Marconi (1986, p.66)
apontam que:
[…] algumas vantagens em se utilizar a observação na investigação:
possibilita meios diretos e satisfatórios para estudar uma ampla variedade de
fenômenos; permite a coleta de informações sobre um conjunto de atitudes
comportamentais típicas; permite a evidência de informações não constantes
no roteiro de entrevistas e questionário.
Entrevistas
Para continuidade do levantamento e coleta de dados, foi utilizada a técnica de
entrevista com as diretoras, por entender que a referida técnica permite estabelecer
diálogo com os sujeitos entrevistados, em momento de trocas de ideias e significados.
Além disso, as entrevistas aprofundam as questões e esclarecem os problemas
observados (ANDRÉ, 1998).
Minayo (1994, p. 57) assinala que a entrevista pode ser entendida sob dois
aspectos:
“[…] num primeiro nível, essa técnica se caracteriza por uma comunicação
verbal que reforça a importância da linguagem e do significado da fala. Já
num outro nível, serve como um meio de coleta de informação sobre um
determinado tema cientifico”.
O uso da entrevista no contexto desta pesquisa contribuiu para obtenção da
percepção das diretoras sobre as relações raciais entre os alunos.
As entrevistas autorizadas pelas diretoras foram gravadas em áudio; para tanto,
utilizou-se aparelho digital (MP 3). As diretoras autorizaram a gravação. Após a
realização das entrevistas, elas foram transcritas por mim preservando a fala das
diretoras. A dificuldade da entrevista foi romper com o silêncio de uma das
entrevistadas. A entrevista foi agendada várias vezes porque ela cancelava alegando
sempre algum compromisso. Depois de várias tentativas consegui entrevistá-la.
27
Os documentos: Projeto Político Pedagógico e Livro de ocorrência
O documento escrito também foi um dos instrumentos utilizados para coleta de
dados. Segundo Cellard (2008, p. 295), “o documento escrito constitui, portanto, uma
fonte extremamente preciosa para todo pesquisador nas ciências sociais. […] ele
permanece como o único testemunho de atividades particulares ocorridas num passado
recente”. Para Lüdke e André (1986, p. 39), “os documentos constituem também uma
fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentam afirmações e
declarações do pesquisador”.
Os documentos utilizados na pesquisa foram o livro de ocorrências e o Projeto
Político Pedagógico. O objetivo de conhecer o Projeto Político Pedagógico das escolas
consistiu em verificar se esse documento contemplava as questões raciais. O Projeto
Político Pedagógico constitui um processo democrático de decisões, preocupa-se em
instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que supere conflitos,
relações competitivas, corporativas e autoritárias. É um dos instrumentos de maior
significado para a escola, uma vez que indica direção das ações definidas pelo coletivo
da escola. Dentro dessa perspectiva, afirma Veiga (1995, p. 12):
[…] que o Projeto Político Pedagógico vai além de um simples agrupamento
de planos de ensino e de atividades diversas. O projeto não é algo que é
construído e em seguida arquivado ou encaminhado às autoridades
educacionais como prova do cumprimento de tarefas burocráticas. Ele é
construído e vivenciado em todos os momentos por todos os envolvidos com
o processo educativo da escola.
Nas escolas o Projeto Político Pedagógico é um instrumento de gestão no qual os
diretores podem desenvolver os projetos da escola de forma participativa com os outros
funcionários da escola e com a comunidade escolar, com o objetivo de melhorar a
qualidade de ensino, buscando tanto eficácia como eficiência na implementação dos
projetos.
O Projeto Político Pedagógico pode e deve ser um instrumento útil, servindo aos
fins ao qual foi instituído, ou seja, resgatar a escola como espaço público, lugar de
28
debate, de diálogo, reflexão coletiva, enfim, delinear sua própria identidade, sua
autonomia. Espera-se do diretor “capacidade de saber ouvir, alinhavar ideias,
questionar, interferir, traduzir posições e sintetizar uma política de ação com propósito
de coordenar efetivamente o processo educativo, o cumprimento da função social e
política da educação escolar […]” (PRAIS, 1990, p. 86).
Ao construir seu Projeto Político Pedagógico, a escola constrói a sua identidade,
nesse sentido, ele deve ser único, singular, razão pela qual não é transferível de uma
escola para outra. Tendo como um dos seus objetivos gestar uma nova organização do
trabalho pedagógico que reduza os efeitos de fragmentação e do controle hierárquico,
deve ser visto e entendido como um instrumento para contrapor a fragmentação no
trabalho pedagógico.
Solicitei as duas escolas pesquisadas o Projeto Político Pedagógico que me foi
apresentado pelas coordenadoras, pois, conforme as diretoras, o Projeto Político
Pedagógico fica sob responsabilidade delas. As diretoras destacam que o citado projeto
é importante e que foi construído pelo coletivo da escola com discussões com todos os
segmentos da escola.
Outro documento analisado foi o livro de ocorrências das duas escolas
pesquisadas. Ratto (2002, p. 102) afirma que os livros de ocorrências:
parecem fazer parte de um movimento que busca absorver-nos através da
culpabilização do outro, tendo em vista que os critérios de julgamento ficam
reduzidos ao simplismo da exclusão recíproca das duas balizes de valoração,
sintetizados nas grandes figuras do bem e do mal.
É comum as escolas terem um livro para registrar os fatos ocorridos em seu
cotidiano. Normalmente, os registros são feitos pela secretária ou pela coordenadora da
escola. Além disso, geralmente o livro de ocorrência não é disponibilizado para
consulta. O acesso a esse material é restrito à diretora, coordenadora e secretária.
Acredito que a permissão recebida para averiguar o livro de ocorrência foi dada porque
sou professora da rede municipal de Cuiabá há muito tempo e as duas diretoras me
conhecem. Ter um livro de ocorrência na escola é uma das recomendações da
Secretaria, pois os fatos ocorridos na escola devem ser registrados.
29
O livro de ocorrência foi utilizado para identificar quem eram os alunos que
constavam nos registros no período de novembro de 2010 a março de 2011. Feito isso,
busquei conhecer os alunos e fiz a classificação racial. Constatei que os alunos negros
eram os que constavam com maior freqüência no livro de ocorrência das duas escolas
onde se realizou a pesquisa.
Os livros de ocorrências têm como função registrar os comportamentos e
atitudes dos alunos considerados “inadequados” para a escola. Em algumas instituições
esses livros são conhecidos como livro “preto”, evidenciando que a cor preta tem um
significado relativo à indisciplina. Esses registros parecem ter se naturalizado de tal
forma que as diretoras ou coordenadoras registram os comportamentos considerados
inadequados aos alunos na maioria das vezes sem fazer nenhum questionamento a
respeito da sua função e das intervenções que devem ser feitas.
O próximo assunto a ser tratado se refere à classificação racial dos alunos
realizada na pesquisa de campo.
Classificação racial dos alunos
Para a classificação racial dos alunos foram utilizados três procedimentos.
Primeiro, foi realizada a classificação racial da pesquisadora. Segundo, empregou-se a
autodeclaração do pertencimento racial dos alunos tendo por quesito a pergunta aberta.
Nessa forma de classificação os estudantes se autoclassificaram sem opção de cor ou
raça. O terceiro procedimento de classificação racial corresponde à autoclassificação
dos alunos por meio de pergunta fechada, na qual foram utilizadas as categorias de cor
ou raça do IBGE4: preto, branco, pardo, indígena e amarela. Foram classificados 100
alunos, sendo 50 estudantes de cada escola. Para a realização do grupo focal do total de
100 alunos, foram selecionados 50, sendo 30 da escola A e 20 da escola B. Realizei o
grupo focal com 48 estudantes divididos em 05 grupos, 04 grupos com 10 alunos e 01
grupo com 08 alunos este último foi realizado com 08 porque não obtive autorização da
família de dois alunos.
4 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
30
A classificação racial realizada pela pesquisadora
A classificação racial, realizada pela pesquisadora, utilizou-se as categorias de
cor preto, branco e pardo5, considerando-se a aparência dos sujeitos, especificamente os
traços fenotípicos. O ato de classificar é complexo. Segundo Oliveira (1999), para
efeitos de classificação racial é importante considerar também os traços físicos da
pessoa, tais como textura de cabelos, formato de nariz e espessura dos lábios.
Na tabela 1, verifica-se a distribuição dos alunos da escola A, segundo a
cor/raça. A escola A possui 29 alunos pretos; 15 pardos e 06 brancos. Totalizando 50
alunos, dos quais 39 são do sexo masculino e 11 do feminino. Segundo essa
classificação, predominou alunos pretos.
Tabela 1 – Cor/raça dos alunos da Escola A/ Classificação da pesquisadora
COR/RAÇA QUANTIDADE PORCENTAGEM (%)
Preta 29 58%
Parda 15 30%
Branca 06 12%
TOTAL 50 100%
Fonte: dados da pesquisa
No livro de ocorrência da escola B, também predominou a categoria preta.
Assim ficou a classificação racial dos alunos segundo cor/raça: 34 pretos, 14 pardos e
02 brancos. Totalizando 50 alunos, dos quais 41 são do sexo masculino e 09 do
feminino.
Tabela 2 – Cor/ Raça dos alunos da Escola B/ Classificação da pesquisadora
COR/RAÇA QUANTIDADE PORCENTAGEM (%)
Preta 34 68%
Parda 14 28%
Branca 02 4%
TOTAL 50 100%
Fonte: dados da pesquisa
5Essas categorias de cor/raça aqui empregadas são as mesmas utilizadas pelo IBGE nos Censos
Demográficos. Além dessas, existem as categorias amarela e indígena. Essas não apareceram na
classificação das duas escolas.
31
A autoclassificação dos alunos na pergunta aberta
Na pergunta aberta, foi utilizada uma ficha, os alunos se autoclassificaram
quanto a sua cor/raça e percebi algumas variações: moreno, moreno claro, moreno
escuro, marrom, preto, negro, branco, amarelo queimado, pardo, preto marrom, marrom
preto, meio preto, meio moreno, branco meio torrado. Durante essa classificação, os
alunos pensavam para falar, alguns apresentavam reação de susto, ficavam surpresos
com a pergunta, pediam para repetir a pergunta, tinham dúvidas ao responder a questão.
A utilização de gradações de cor pelos indivíduos dá margem a diversas
interpretações. Cada indivíduo guarda em si certo limite nas possibilidades, tanto de
classificação por outros quanto de autoclassificação (Teixeira, 2003). O amplo
campo de categorização faz com que os indivíduos variem entre um possível
clareamento e escurecimento da pele. Oracy Nogueira (1985, p. 147) assim analisa a
questão:
[…] a variedade de combinações de traços, que podem ir do preto “retinto”,
de cabelos encarapinhados, lábios grossos e nariz platirrínio ao branco de
cabelos finos e loiros, lábios finos e nariz afilado, uma vez posto o critério de
origem e considerado apenas o fenotípico, faz com que os limites entre as
diversas categorias-brancos, mulatos claros, mulatos escuro, pretos sejam
indefinidos, possibilitando o aparecimento de casos de identificação
controversa […].
Na pesquisa realizada em 1976, a PNAD6 revelou 136 cores autoatribuídas pela
população brasileira. Essa quantidade revela uma ambiguidade que remete ao mito das
três raças e ao branqueamento. Este faz parte do imaginário acerca da mobilidade social,
ou seja, quanto mais escura a pele do indivíduo, mais próximo da base piramidal ele se
encontra. O uso de variáveis de cor, nesse sentido, constitui em “simbolismo de fuga”,
no qual o sujeito procura se aproximar do “modelo tido superior”, o branco. (Munanga,
1999).
Entretanto, não posso afirmar que todas as categorias mencionadas como
variáveis de cor, que apareceram nesta pesquisa, constituem uma negação de sua
6 Pesquisa Nacional de Amostra a Domicílio.
32
identidade, dados que podem ser utilizados como forma a diminuir as ações
discriminatórias. Ou, como forma de representação de sua origem, já que a classificação
racial brasileira é bastante flexível permitindo que as pessoas se aloquem em uma escala
intermediária entre o negro e o branco, configurando-se na categoria mestiço.
Na Tabela 3 e 4, verifica-se a autoclassificação racial dos alunos da escola A e B
– quesito aberto.
Tabela 3 – Autoclassificação – pergunta aberta – dos alunos segundo a cor/raça – escola A
COR/RAÇA QUANTIDADE PORCENTAGEM (%)
Moreno 01 2%
Moreno claro 05 10%
Branco meio torrado 08 16%
Marrom 04 8%
Preto 04 8%
Negro 01 2%
Branco 03 6%
Amarelo queimado 01 2%
Pardo 03 6%
Preto marrom 01 2%
Marrom preto 01 2%
Meio preto 01 2%
Meio moreno 02 4%
Moreno escuro 15 30%
Tabela 4 – Autoclassificação – pergunta aberta – dos alunos segundo a cor/raça – escola B
COR/RAÇA QUANTIDADE PORCENTAGEM (%)
Moreno 21 42%
Pardo 04 8%
Moreno escuro 11 22%
Moreno claro 02 4%
Marrom 02 4%
Chocolate 02 4%
33
Moreno queimado 01 2%
Preto 04 8%
Amarelo 01 2%
Loira 01 2%
Meio marrom 01 2%
Conforme os dados da tabela 3 e 4, percebe-se que os estudantes utilizaram
diferentes tipos de denominações para se classificar. Agrupando essas variações de
cores, tem-se: moreno (incluindo moreno claro, moreno escuro, moreno queimado,
meio moreno); marrom (preto marrom, marrom preto, meio marrom, chocolate); branco
(branco meio torrado, loira); preto (meio preto, negro); amarelo (amarelo queimado). O
que se constatou é que a categoria „moreno‟ foi a que mais apareceu na autodeclaração
de cor ou raça dos alunos em ambas as escolas.
Para entender a preferência dos alunos por essa cor, busco a contribuição de
Seyferth (1995) que discute a utilização dessa categoria, a partir de um relato de época.
Refere-se à existência de distinções feitas pelos brasileiros entre vários grupos étnico-
negros trazidos para o Brasil, dentre os quais os negros que tinham traços caucasoides
como nariz, boca e feições finas, semelhantes às do branco, eram alvo de elogios e
atribuídos como os mais avançados. Nesse sentido, esse tipo de negro era eleito o
modelo ideal de preto, cujas características físicas variavam entre as cores claras e
morenas, com cabelo fino, alternando liso a crespo. A autora argumenta que essa
situação não se tratava de um critério puramente estético, mas de uma estética branca,
atrelada ao ideário da civilização.
Talvez uma explicação acerca da escolha pela cor morena leve ao raciocínio de
que o aluno negro, ao se identificar dentro dessa categoria, pensa estar menos suscetível
aos estereótipos negativos direcionados à população negra. Nesse modo de pensar, ser
moreno significa estar bem mais próximo dos padrões estéticos brancos, o que propicia
uma suposta aceitação do negro nos ambientes sociais. Como nos afirma Nogueira
(1979), a marca principal que permite a identificação das vítimas do preconceito são os
traços negroides. Desse modo, existe uma escala de gradação que vai do estritamente
34
branco ao completamente preto. O preconceito se intensifica na razão direta dessa linha
de cor e do porte de outras marcas: quanto mais negra é uma pessoa maior é a
probabilidade de ser vítima do preconceito.
Isso pode ser explicado também pelo fato de que as práticas pedagógicas, os
materiais didáticos, continuam a manter a invisibilidade da população negra. Os
materiais didáticos, utilizados nas escolas, os cartazes nos murais mostram sempre as
pessoas negras em situação de desprestígio social. Os personagens das histórias infantis,
os seus heróis são sempre brancos. Os rituais pedagógicos têm punido a criança negra,
na medida em que dificulta sua participação, não considera a sua especificidade e a
homogeniza num padrão que não lhes é favorável.
Acredita-se que devido à escola ainda ter como parâmetros os padrões que
valorizam a cor branca e os modelos eurocêntricos, isso contribua para que a criança
negra não se identifique como tal, como constatado nesse trabalho. Para Osório (2003,
p. 35), “o termo moreno revela uma espécie de recalque coletivo que leva a rejeição da
ascendência negra e da valorização das muitas contribuições realizadas pelos africanos
transmigrados para o Brasil e por seus descendentes”.
O uso de variáveis de cores pelos brasileiros corresponde, muitas vezes, à
tentativa de se aproximar do tipo branco e se distanciar do tipo negro. Segundo D‟
Adesky (2005, p. 137), “o sistema de classificação está associado ao critério de
hierarquização, influenciado pelo ideal de branqueamento e pelo mito da democracia
racial”. Dessa forma, a classificação popular reflete, antes de tudo, uma hierarquização,
em que a categoria branco se situa no topo e a categoria negro na base.
Os resultados das respostas dos alunos possibilitaram constatar o que os autores
aqui apresentados afirmam sobre a complexidade atinente à classificação racial, pois
não é tarefa simples quando uma classificação admite gradações de cor.
35
A autoclassificação dos alunos por meio da pergunta fechada – escolas A e B
A classificação racial dos alunos, na pergunta fechada, foi realizada conforme a
categoria do IBGE7: preto, branco, pardo, indígena e amarela. A classificação racial
com base nas categorias do IBGE representa “um indicador bastante confiável da
maneira pela qual os entrevistados se autoclassificam com relação à cor” (Oliveira,
1985, p. 10). De posse de uma ficha, perguntava aos alunos qual era a sua cor dando-
lhes as opções e conforme a resposta anotava na ficha. Percebi dificuldade nos alunos
no momento da classificação, muitos ficavam com dúvida de qual era a sua cor. Muitas
vezes queriam que a pesquisadora lhes atribuísse à cor. As tabelas 5 e 6, demonstram as
autodeclarações de cor/raça dos estudantes d.s escolas A e B.
Tabela 5 – Classificação racial dos alunos segundo cor/ raça pergunta fechada – Escola A
Alunos Escola A Branco Preto Pardo Amarelo Indígena
Quantidade 08 26 14 --- 02
Porcentagem 16% 52% 28% --- 4%
Tabela 6 – Classificação racial dos alunos segundo cor/ raça pergunta fechada – Escola B
Alunos Escola B Branco Preto Pardo Amarelo Indígena
Quantidade 05 29 16 ----- ---
Porcentagem 10% 58% 32% ----- ---
Nota-se, de acordo com as tabelas 5 e 6, que a maioria dos alunos das Escolas A
e B se classifica como pretos, entretanto, convém ressaltar que eles, no momento da
classificação, indagavam se não tinha a opção de cor „morena‟, o que demonstra que
havia certa preferência pelos alunos em se identificar como moreno.
7 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
36
Entrevista com grupo focal
O trabalho com grupo focal permite aproximar-se dos processos de construção
das realidades por determinados grupos sociais e compreender, nas práticas cotidianas,
ações e reações, comportamentos e atitudes. Para Minayo (1998), o específico do grupo
focal é compreender as opiniões, relevâncias e valores dos participantes, descrevendo-o
como […] reuniões com um pequeno grupo de informantes (1998, p. 129).
A realização da técnica do grupo focal permite verificar as diferentes concepções
contidas em um mesmo questionamento, no caso desta pesquisa, seria a compreensão
dos alunos sobre discriminação racial no cotidiano escolar. Para Gatti (2005), o papel do
grupo focal nas ciências sociais possibilita ao pesquisador perceber perspectivas
diferentes de uma mesma questão, como também lhe possibilita a compreensão de
ideias partilhadas por pessoas no seu dia a dia e dos modos pelos quais os indivíduos
são influenciados pelos outros. Ainda para Gatti (2005, p. 9), ao se fazer uso da técnica
de grupo focal, “há interesse não somente no que as pessoas pensam e expressam, mas
também em como elas pensam e por que pensam”. Daí a importância de utilizar essa
técnica de pesquisa.
Relacionei os alunos que tinham registros no livro de ocorrência no período
analisado8. E selecionados os nomes e turmas dos alunos, conversei com a direção sobre
esses alunos para conhecer a sua concepção sobre eles. A distribuição dos alunos que
participaram do grupo focal se deu da seguinte maneira: os 48 alunos foram distribuídos
em cinco grupos, sendo quatro grupos de dez alunos e um grupo com oito alunos. O
grupo focal foi realizado nas duas escolas, sendo 30 alunos da escola A e 18 alunos da
escola B. Os alunos foram identificados pelas letras iniciais dos seus nomes.
O encontro com os participantes do grupo focal foi dividido em dois momentos:
o primeiro foi dedicado ao acolhimento dos participantes, pois alguns apresentavam
aspectos de susto, preocupação sobre o que iria acontecer. No segundo momento, deu-se
início às questões propostas do trabalho.
8 Novembro de 2010 a maio de 2011.
37
A entrevista com os alunos foi realizada no período matutino. Houve certa
dificuldade9 nas entrevistas com os alunos do 3° ano da escola B, talvez porque são os
menores em termos de idade. Tive de fazer um trabalho para adquirir a confiança deles
e para que eles participassem das entrevistas, como por exemplo, conversar com eles
sem utilizar o gravador, pois ficaram um pouco assustados e também curiosos ao ver o
gravador. Perguntavam se a pesquisadora era do Conselho Tutelar, se a entrevista iria
passar em algum programa da televisão. Após responder a todos os questionamentos
dos alunos e explicar sobre o assunto da pesquisa, realizei o grupo focal, que foi feito
em três encontros em cada escola.
Quadro III– Distribuição dos alunos nos grupos focais por sexo, ano/série e escola:
Escolas Grupos Anos Quantidade de meninos Quantidade de meninas Total
A 1 4° 8 2 10
2 5° 7 3 10
3 6° 6 4 10
B 4 3° A 8 2 10
5 3° B 8 --- 08
Fonte: dados coletados pela pesquisadora.
9 Alguns estudantes, especialmente os menores, quando eram feitas algumas perguntas levavam na
brincadeira. Contavam histórias pessoais de suas vidas que aparentemente não tinham a mínima ligação
ou relação com o assunto da pesquisa.
38
CAPÍTULO II- RELAÇÕES RACIAIS NA EDUCAÇÃO
Conceito de raça: construção social
Para entender às relações raciais no espaço escolar, é importante fazer um estudo
sobre o conceito de raça, racismo, preconceito e discriminação racial para assim
compreender como emergiram e foram disseminados esses conceitos que até hoje são
vivenciados pelos alunos negros.
É importante salientar que essas diretoras foram educadas em uma sociedade em
que as ideias racistas foram altamente difundidas por parte da mídia, dos livros
didáticos, valorizando a população branca em detrimento da população negra, que é
negativamente estereotipada. Portanto, reproduzem nas suas atitudes, ou seja, imagens e
ideias pejorativas associadas ao negro.
O termo raça, segundo Munanga (2003), veio do italiano razza, que por sua vez
veio do latim ratio, designando sorte, categoria, espécie, que no latim medieval indica
descendência, linhagem. O conceito raça foi utilizado primeiramente na história das
ciências naturais (zoologia e botânica) com a finalidade de classificar as espécies
animais e vegetais. Mais tarde essas idéias são transferidas para a classificação de seres
humanos.
No século XVIII, a espécie humana foi categorizada, de acordo com a
concentração de melanina na pele, em três raças: branca, negra e amarela. No século
XIX, foram também considerados critérios como a forma do nariz, lábios e queixo bem
como formato do crânio. Essas classificações não teriam problema para a humanidade
se não fosse à hierarquização estabelecida no momento dessas classificações que
estabelecem relações das qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais às
características físicas. A hierarquização, com base na raça, deu razão ao
desenvolvimento de uma teoria, no século XX, denominada de raciologia, que segundo
Munanga (2003),
39
[…] apesar da máscara científica, a Raciologia tinha um conteúdo mais
doutrinário que científico, pois seu discurso servia mais para justificar e
legitimar os sistemas de dominação racial do que como explicação da
variabilidade humana. Gradativamente, os conteúdos dessa doutrina chamada
ciência, começaram a sair dos círculos intelectuais e acadêmicos para se
difundir no tecido social das populações ocidentais dominantes.
Esta hierarquização raciológica, ou seja, a noção de raça como subespécie,
“sustentou o racismo doutrinário por mais de um século, com base na crença de que
haveria diferenças fenotípicas, mas também de características intelectuais, morais e
comportamentais.” (VENTURI, BOKANY, 2005, p.24).
Ainda no século XIX, surgiu grande parte das teorias poligenistas10
. Para o
anatomista francês Cuvier, a utilização do conceito “raça” ficou vinculada a um sentido
de tipo, ou seja, de designação de espécie de seres humanos distintos. A diversidade dos
povos era considerada diversidade natural abrangendo, dessa forma, as diferenças nos
reinos animal e vegetal. Essas doutrinas perduram até os dias atuais, no entanto, são
frequentemente consideradas como um “racismo científico”, porque apregoam a
superioridade de determinadas “raças” (espécies).
Segundo Skidmore (1976, p.66),
… raças humanas tinham sempre exibido diferenças fisiológicas, em sua
conformação racial genética. […] a base do seu argumento era que a
pretendida inferioridade das raças índia e negra podia ser correlacionada com
suas diferenças físicas em relação aos brancos, e que tais diferenças eram
resultado direto da sua criação como espécies distintas.
Hoje a biologia e a genética, com o projeto genoma, já demonstram que raças
não existem. Há somente espécie humana independente da cor da pele. Segundo Pena
(et al. 2000), por meio das análises do genoma humano, concluiu-se que as raças não
existem como entidades biológicas e, sim, como construções sociais. Segundo o autor,
as diferenças físicas, observadas entre os indivíduos humanos, ocorreram a partir de
adaptação do meio no qual o indivíduo está inserido. Essas diferenças não podem
10
Teorias ligadas à genealogia, a origem do indivíduo, de caráter biológico.
40
caracterizar a existência de raças, pois o número de genes por elas responsáveis é uma
porção muito pequena do genoma humano.
Para Guimarães (2002, p. 50), raça não é apenas “uma categoria política
necessária para organizar a resistência ao racismo no Brasil, mas é também categoria
analítica indispensável: a única que revela que a discriminação e desigualdade de “cor”
são efetivamente raciais e não apenas de classe”. Ainda segundo este autor, raça é “[…]
cientificamente uma construção social” que deve ser percebida dentro do contexto das
relações sociais.
Contudo, cor e traços fisionômicos não indicam ascendência racial, “na
sociedade ainda se fala em raça. A palavra ainda tem valor social, ainda que não tenha
nenhum valor científico”. (MÜLLER, 2005, p. 8).
Para Munanga (2003, p. 6), “[…] o conceito de raça tal como empregamos hoje,
não tem de biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois, como todas as
ideologias, ele esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação
[…]”.
Conforme o autor, o uso do termo “raça” serve para perpetuar e justificar as
desigualdades existentes entre brancos e negros. É também uma categoria de dominação
e exclusão, presente nas relações sociais que se estabelecem e são permeadas por
práticas discriminatórias.
O assunto a seguir foi construído com a finalidade de trazer as discussões
teóricas sobre a definição de racismo, preconceito e discriminação racial, na intenção de
provocar reflexões acerca das falas das diretoras, ao se referirem aos alunos negros, bem
como entender como se dão as relações raciais entre alunos brancos e negros nas escolas
pesquisadas.
Tríade que permeia as relações raciais: Racismo, preconceito e discriminação
racial
Conforme Jaccoud e Beghin (2002, p. 38), o racismo é considerado uma
“ideologia que apregoa a existência de hierarquia entre grupos raciais”. Isto é, acredita-
41
se que os brancos sejam superiores aos negros em razão de suas diferenças fenotípicas.
O racismo surgiu e se consolidou entre os seres humanos gradativamente. Transmitido
por meio de gerações, o racismo, se entranhou na sociedade e reflete nas relações
sociais.
O racismo e o preconceito nem sempre têm explicações racionais. São
sentimentos construídos ao longo da vida, através do convívio com outras
pessoas racistas ou preconceituosas e que transmitem essas ideias pejorativas
sem nenhuma comprovação, apenas insistindo nos julgamentos negativos que
eles têm sobre os outros. É o caso dos professores que reproduzem
pressupostos racistas construídos no século XIX, repetindo esses pré-
conceitos automaticamente, sem se darem conta de que não tem nenhuma
comprovação empírica dos juízos que emitem. (MÜLLER, 2006, p. 123).
Com base em Munanga & Gomes (2006), o racismo é um comportamento, uma
ação resultante da aversão em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial,
no qual fatores observáveis como a cor da pele, o tipo de cabelo distinguem os
componentes de um grupo dos demais sujeitos e, por possuírem traços fenotípicos
diferentes daqueles considerados superiores, são vítimas de preconceito e de
discriminação.
Diretamente associado à noção de racismo está o preconceito racial, que parte de
uma ideia pré-concebida e não refletida de superioridade de uma “raça”. O preconceito
racial, por sua vez, “[…] limita-se à construção de uma idéia negativa sobre alguém
produzida a partir de uma comparação realizada com o padrão que é próprio àquele que
julga” (JACCOUD e BEGHIN, 2002, p. 38). Ou seja, é a predisposição aversiva de um
grupo em relação ao outro motivado pela cor da pele.
A discriminação racial é uma ação, uma manifestação de comportamento, ato,
que prejudica determinada pessoa ou grupo de pessoas em razão de sua raça/cor
(BEGHIN e JACCOUD, 2002). Impedir uma pessoa negra de ocupar uma posição de
destaque no mercado de trabalho por motivos injustificáveis é um exemplo de
discriminação racial.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que a discriminação tem o sentido de separar,
distinguir, estabelecer diferenças, segregar. Traduz-se em ações negativas concretas, em
práticas individuais e institucionais que violam os direitos sociais e humanos e a
42
igualdade de tratamento, com base em critérios pré-estabelecidos, de forma singela ou
não (GONÇA LVES, 2007, p. 32).
Segundo Nogueira (2007), o preconceito racial no Brasil é de marca, ou seja,
baseia-se na cor da pele, na aparência, nos traços fisionômicos das pessoas. O
preconceito racial, que se opera na sociedade brasileira, é diferente dos Estados Unidos.
Mas a discriminação no Brasil não deixa de ser cruel por ser de marca.
Nos Estados Unidos, o preconceito racial se ancora na hereditariedade racial do
indivíduo, em outras palavras, o preconceito é de origem. Significa que um indivíduo de
fenótipo branco de ascendência familiar africana também é considerado negro.
O autor afirma, ainda, que o preconceito de origem é exercido por meio da
exclusão incondicional dos membros do grupo atingido. Esse tipo de discriminação é,
predominantemente, exercido nos Estados Unidos mediante atitudes que desfavorecem
aqueles que possuem origem negra, posição essa que jamais poderá ser alterada, visto
que no país há uma linha de cor que separa brancos e pretos.
Para Algave (2005), não é possível entendermos a tríade: racismo, preconceito e
discriminação separadamente, pois os elementos estão interligados e prejudicam tanto a
subjetividade das pessoas que são discriminadas como também daquelas que
discriminam.
Conforme Munanga & Gomes (2006, p. 184), “a discriminação racial pode ser
considerada como prática do racismo e a efetivação do preconceito”. Devido a isso, faz-
se necessário discutir a superação do preconceito, juntamente com as formas de
superação do racismo e da discriminação racial, pois esses três processos se
complementam mutuamente, mas diferem entre si. (Munanga & Gomes, 2006).
No tópico a seguir, apresento os conceitos estereótipo e estigma, pois as
discussões teóricas de Goffman (1982) sobre esses conceitos deram sustentação às
análises dos discursos das diretoras, quando se referiam aos alunos negros. Os
estereótipos negativos atribuídos fazem com que a sociedade atribua características que
as depreciam.
43
Estereótipo e Estigma
Estereótipo pode ser definido como imagens prontas e disponíveis sobre os
grupos sociais. Os estereótipos dizem respeito à maneira de ver, predeterminadas, que
interferem e afetam as interações e estas, por sua vez, conduzem à discriminação racial
(PETTIGREW apud GOFFMAN, 1982).
Goffman (1982) utiliza o termo estigma para explicar as situações nas quais o
indivíduo se encontra inabilitado para ser plenamente aceito na sociedade em virtude de
possuir um atributo que impõe como alvo de atenção. Segundo Goffman “o estigma se
caracteriza pela marca negativa imputada à identidade de pessoas ou grupos”. É um
termo de origem grega que significa marca, sinal revelador de uma qualidade
desprezível de seu portador. Ainda segundo o autor, o indivíduo portador do estigma
não é considerado “normal”, ou seja, uma pessoa “impura”, “indigna” e
“merecidamente” excluída do convívio dos “normais”.
Em torno do negro foi criado historicamente o que Goffman (1978, p. 15) chama
de “teoria do estigma”. É um conjunto de atributos negativos que ideologicamente
rebaixam o ser negro à condição de parcialmente humano.
Goffman (1982) utiliza o termo estigma para explicar as situações em que o
indivíduo se encontra inabilitado para aceitação social plena em virtude de posse de um
atributo que se impõe como alvo de atenção. Para o autor, os estigmas se caracterizam
pela marca que é imputada à identidade dos indivíduos ou grupos. O autor utiliza duas
categorias de identidades para estudar o estigma: identidade social real são os atributos
que o indivíduo possui (a cor); a identidade social virtual são os atributos que lhes são
imputados baseados nos estereótipos vigentes na sociedade onde vive.
Goffman (1982, p. 15) construiu a teoria do estigma para explicar a inferioridade
da pessoa ou grupo a partir da diferença. Com base no estigma, fazem-se muitas
discriminações, e muitas vezes, sem pensar, reduzem as chances do estigmatizado. Com
base nessa afirmação, pode-se inferir que os estigmas atribuídos aos alunos negros,
pelas diretoras, reduzem, em muito, as chances de esses alunos alcançarem um nível
44
mais alto de escolarização, posto que o processo de discriminação que sofrem os afasta
da escola.
O Mito da democracia racial
Abordar o mito da democracia racial neste trabalho deve-se a sua importância
para a caracterização do racismo no Brasil, que aparece sob o manto de democracia
racial, ou seja, na sociedade brasileira há uma dificuldade para reconhecer as ações
racistas devido à forma difusa que o racismo ocorre e permeia as relações sociais.
Discutir o mito da democracia racial é importante para compreender a base das
atitudes discriminatórias existentes nas relações sociais na sociedade brasileira. Essa
crença, ao menos como ideal, começa a se desenvolver, segundo Guimarães (2002,
p.24), na década de 1930, com a mobilização dos movimentos negros brasileiros. Ainda
conforme o autor, “o Brasil é uma sociedade sem “linha de cor”, ou seja, uma sociedade
sem barreiras legais que impedissem a ascensão social de pessoas negras a cargos
oficiais ou posições de riqueza e prestígio”.
O mito da democracia racial de que somos uma sociedade mestiça dificulta a
discussão racial no Brasil. Segundo Munanga (1999), a ideologia da mestiçagem e do
branqueamento dificulta a luta do movimento negro no Brasil, dada a dificuldade de se
identificar ou ser identificado como negro. O mito mascara e “[…] encobre os conflitos
raciais possibilitando a todos a conhecerem como brasileiros e afastando das
comunidades subalternas a tomada de consciência de suas características que teriam
contribuído para a construção e expressão de uma identidade própria.” (MUNANGA,
1999, p. 80).
Cavalleiro (2000) compartilha com Munanga a ideia de que a democracia racial
no Brasil complica a situação do negro, pois trouxe para o povo brasileiro o sentimento
de orgulho por ser visto como não racista. Na verdade, o que essa ideia faz é manter os
conflitos raciais fora da pauta de discussão da sociedade e, dessa forma, em nada
contribui para melhorar as condições de vida dos negros.
45
Gomes (2007, p.101) afirma que o mito
[…] desvia o nosso foco das situações cotidianas de humilhação e racismo
vividas pela parcela da população preta e parda e da situação de desigualdade
por ela vivida na educação básica, saúde, acesso à terra, mercado de trabalho
e inserção universitária.
Segundo Gomes (1995,) democracia racial é uma corrente ideológica que
pretende eliminar as distinções e desigualdades entre a formação da sociedade brasileira
(negra, indígena e a branca), afirmando que existe igualdade entre todos. Essa
afirmação nega a existência de conflitos entre negros e brancos, tende a negar a
existência de preconceito e discriminação racial na sociedade brasileira, foi durante
muito tempo válido no país, ocultando o preconceito racial, e divulgando uma falsa
harmonia racial.
Valente (1987) vê no mito uma forma explicativa de aliviar a tensão social
oculta entre a realidade e o imaginário. A autora considera que o mito da democracia
racial busca esconder conflitos raciais existentes na escola e na sociedade. Por meio da
pretensa democracia racial, nega o passado e implanta na realidade algo que não é real.
Estudos e pesquisas sobre as relações raciais têm demonstrado que o racismo no
cotidiano escolar está presente sob vários aspectos, evidenciado de forma explícita e
implícita, naturalizado ou sutil. Para Pereira (1996, p. 20-21), essa crença de que
vivemos em harmonia racial foi “[…] fortemente consolidada no imaginário nacional e
que a historiografia e a ciência deram status de verdade”.
A democracia racial foi fundamentada nos primórdios da colonização e persiste
na atualidade. É uma falácia que serve para encobrir as práticas racistas existentes no
território nacional. No Brasil, a naturalização do preconceito e discriminação racial
contribui muitas vezes para a invisibilidade da violência exercida sobre a população
negra.
Munanga (1999) reforça dizendo que o mito da democracia racial teve uma
penetração profunda na sociedade brasileira, permitindo às elites dominantes dissimular
as desigualdades e impedindo aos membros da comunidade negra ter consciência acerca
de sutis mecanismos de exclusão dos quais são vítimas:
46
[…] encobre conflitos raciais, possibilitando a todos se reconhecerem como
brasileiros e afastando da comunidade subalternas a tomada de consciência
de suas características culturais que teriam contribuído para a construção e
expressão de uma identidade própria (MUNANGA, 1999, p. 89).
Em pesquisa recente, Gomes (2008) constatou, que famílias negras e brancas se
recusam a admitir a existência do problema no espaço escolar. Elas recorrem ao mito
para justificar que todos são iguais e que, na sociedade, e por extensão na escola, não há
preconceito e discriminação (p. 117). O mito da democracia racial perpetua na
sociedade ainda nos dias atuais. O discurso de suposta democracia racial opera no
imaginário popular, sendo reproduzido em nosso cotidiano.
Dessa forma, pode-se afirmar que os discursos do passado ainda sobrevivem,
continuam amparando a realidade presente. O mito da democracia racial continua
arraigado no imaginário das pessoas, e no contexto escolar não é diferente.
Como ressalta Valente (1994 p. 16):
A sociedade resiste em livrar-se de seus mitos porque é difícil encarar a
realidade. Quando se torna impossível sustentar a tensão entre o real e o
imaginário, entre o objetivo e o subjuntivo, são buscadas medidas paliativas
que pouco resolvem. No caso da sociedade brasileira, a realidade é a negativa
de que ele exista.
Na discussão seguinte apresentaremos os dados das desigualdades raciais na
educação, importante para compreendermos quem são os alunos que mais reprovam e
por isso estão em desvantagem na escolaridade, se comparados aos alunos brancos, e
como os mecanismos de intraescolares provocam exclusão dos alunos negros do sistema
educacional.
Desigualdades raciais na educação
47
Estudos sobre as relações raciais na educação apresentam desigualdades neste
campo. Várias pesquisas já foram realizadas comprovando desigualdades educacionais
entre brancos e negros.
Dentre os estudos, cito Carlos Hasenbalg e Nelson do Vale da Silva no estudo
das relações raciais, os quais utilizaram estatísticas e indicadores para comprovar a
existência e a realidade das desigualdades raciais no Brasil. Por meio de estudos
observaram que havia uma diferença entre as taxas de evasão e progressão escolar entre
brancos e negros. Quando comparados aos brancos, pretos e pardos têm probabilidade
três vezes de continuar sem instrução.
Segundo Guimarães (2006, p.281), os trabalhos de Hasenbalg e Silva atestaram
que “a democracia racial era realmente um mito e uma farsa tal como algumas
lideranças negras e alguns sociólogos já diziam desde o final dos anos de 1960”.
As autoras Jaccoud e Beghin, em 2002 mostraram no seu trabalho
Desigualdades Raciais no Brasil que, neste país, existem desigualdades raciais em
várias esferas. Concluíram que os negros não conseguiram alcançar mais do que 70% da
média de período de estudo dos brancos. Esses dados assinalam que a situação
educacional entre negros e brancos permanece inalterada, pois embora as taxas de
analfabetismo tenham diminuído desde os anos de 1990, a média continua duas vezes
mais alta para pretos e pardos do que para brancos.
Segundo Rosemberg (1987), que realizou estudo sobre rendimento escolar
utilizando dados da PNAD de 1982 constatou que os alunos negros apresentavam
índices de exclusão e de repetência superiores aos alunos brancos. São alunos que
tendem com maior freqüência repetir o ano. O estudo revela também que a trajetória do
aluno negro é mais acidentada do que do aluno branco, o sistema registra um maior
número de saídas e voltas destes alunos para a escola, e mostra também que apesar das
dificuldades o aluno negro tenta se manter na escola.
Para Henriques (2001) sobre a sua pesquisa sobre desigualdades raciais no
Brasil, mostra que escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira em
torno de 6,1 anos de estudo, um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de
estudo. O diferencial de 2,3 em qualquer recorte racial que se faça.
48
Os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelaram que
as desigualdades raciais no acesso à educação diminuíram entre 1999 e 2009, apesar de
continuarem elevadas, segundo mostrou os indicadores divulgados. Os indicadores
apontaram que, enquanto 62,6% dos estudantes brancos de 18 a 24 anos cursaram o
nível superior em 2009, o percentual era de 28,2% para pretos e 31,8% para os pardos.
Os dados indicaram que houve forte expansão nesse indicador para todos os grupos. Em
1999, esses percentuais eram de 33,4% para brancos, 7,5% para pretos e de 8% para
pardos.
Os indicadores comprovam que há discriminação racial nos diferentes âmbitos
educacionais, isso pode ser explicado pela existência de mecanismos intraescolares que
têm contribuído para a permanência dessa situação.
As pesquisas apontam que os mecanismos intraescolares de discriminação são
responsáveis pelo fracasso e exclusão do aluno negro da escola. O currículo, a
metodologia, os livros didáticos, a prática dos professores, da gestão da escola tem
contribuído para que os alunos negros tenham baixo rendimento na escola.
A pesquisa de Gonçalves (2006) revelou o impacto da questão racial nas
relações que se estabelecem no cotidiano e no desempenho escolar. Os alunos negros
recebiam tratamento diferenciado desde a sua entrada na escola, pelo descaso do
professor, pelo não reconhecimento do aluno e suas potencialidades, por meio de
castigos e punições variadas, como comentários negativos. Todos esses aspectos
refletiam no desempenho escolar dos alunos negros.
Mecanismos intraescolares de discriminação
Os teóricos da área de relações raciais afirmam haver mecanismos intraescolares
que prejudicam a permanência do negro no sistema educacional. Algumas pesquisas
confirmam isso, como é o caso da pesquisa realizada por Mary Castro e Miriam
Abromovay (2006), em escolas públicas e privadas nas diferentes regiões do Brasil,
inclusive na região Centro-Oeste, especificamente no Distrito Federal, as autoras
constataram o caráter institucional do racismo desvelando suas facetas.
49
Pesquisas sobre racismo no cotidiano escolar apontam que os preconceitos
permeiam as relações sociais dos alunos entre si e reproduzem-se no espaço escolar.
Como a pesquisa de Oliveira:
Oliveira (1999) constatou que as crianças negras se mantinham em uma postura
introvertida, deixando, em vários momentos, de participar de tarefas propostas, com
medo de serem ridicularizadas. Essa situação é a que se observa. Porém, nos discursos
políticos, sociais, econômicos e culturais, nos quais se falam muito em escola para
todos, muitas vezes, o ambiente escolar aparece com outro formato, o da universalidade,
todos iguais, sem pensar as diferenças. Assim, na prática pedagógica ou administrativa,
o que se encontra são propostas curriculares que não contemplam a diversidade. Isso
denuncia um dos fatores responsáveis pela grande lacuna sobre a questão racial
existente nos currículos e na formação de professores.
Conforme Cavalleiro (2000 p.58),
[…] o sistema educacional brasileiro, da mesma forma que as demais
instituições sociais, está repleto de práticas racistas, discriminatórias e
preconceituosas, o que gesta, em muitos momentos, um cotidiano escolar
prejudicial para o desenvolvimento emocional e cognitivo da todas as
crianças e adolescentes, em especial as consideradas diferentes com destaque
para as pertencentes à população negra.
De acordo com Oliveira (2006), os profissionais da educação têm poder para
contribuir com a emancipação dos alunos. Entretanto, não é isso que acontece: Os
referidos profissionais têm se mostrado incapazes de exercer o poder que lhes foi
delegado em face da garantia da qualidade da educação de modo geral e, em especial,
diante das diferentes evidências de discriminação racial no processo educativo
(OLIVEIRA, 2006).
Segundo Cavalleiro (2002, p. 100), a escola precisa se organizar para demonstrar
a todos a importância da pluralidade racial na sociedade. Os educadores devem
contemplar a discussão de diversidade racial na sociedade, discutir os problemas raciais
em suas diferentes proporções, os quais atingem os grupos sociais.
50
Isso significa ruptura com um tipo de postura pedagógica que não reconhece as
diferenças resultantes do nosso processo de formação nacional na tentativa de resgatar a
contribuição do povo negro na construção da sociedade brasileira.
As pesquisas realizadas em Mato Grosso com as temáticas relações raciais, têm
demonstrado as várias manifestações de discriminação racial no interior da escola.
Entre elas, Pinho (2004) constatou na sua pesquisa que as alunas negras são
associadas à promiscuidade e degenerescência social. Na percepção dos professores os
alunos negros são danados, revoltados, agressivos e violentos. Observou-se também
grande dificuldade dos professores em trabalhar com os diferentes. Nas atividades
propostas pelos docentes, em grupo, dificilmente os alunos negros encontravam um par
para desenvolver as atividades, e os professores, percebendo a rejeição desses alunos
pelos colegas brancos, não tomavam atitudes para mudar essa situação.
Santos (2005) verificou a prática de discriminação racial no interior da escola
principalmente contra alunos negros, a qual se expressa por meio de manifestações
racistas por parte de alunos brancos, sugerindo uma retransmissão dos pensamentos e
sentimentos da família.
O livro didático utilizado pela escola tem sido alvo de críticas do movimento
negro e objeto de estudos de pesquisadores da área ao longo dos últimos anos: “o livro
didático é tido como um dos exemplos de desigualdades racial na educação
(Rosemberg, 2003, p. 53)”. Os materiais didáticos e paradidáticos passam por mudanças
em relação a conteúdos racistas e preconceituosos, mas, contudo, alguns livros ainda
veiculam imagens e textos que discriminam a população negra.
Os estudos realizados por Costa (2004) sobre percepções de alunos e professores
acerca dos conteúdos de discriminação racial contidos nos textos verbais e não verbais
nos livros didáticos de língua portuguesa apontou que, diferente dos professores que
negam a existência de conteúdos que subalternizam o segmento negro, os alunos
percebem-nos e reproduzem as situações de discriminação.
A pesquisa sobre as interações de alunos negros e não negros realizada por
Alexandre (2007), constatou que a discriminação racial ocorre nos espaços escolares,
seja de forma implícita ou explícita, como também é motivo para estigmatizar, depreciar
51
e evitar os colegas negros. Logo, a possibilidade de gozação e de utilização de
xingamentos raciais torna a interação com os demais um campo propício e básico para a
formação e o desenvolvimento de preconceitos raciais.
A omissão do professor e da escola diante das questões raciais foi também
constatada por Alexandre (2007) na sua pesquisa. O papel do professor é
importantíssimo diante das questões raciais para formação do aluno negro, podendo
atuar:
[…] na promoção e melhoria da qualidade educacional para o aluno negro,
fazendo as intervenções necessárias, conduzindo a prática pedagógica para
reflexão não somente sobre o material didático utilizado e os estereótipos
veiculados à imagem do negro; mas em todo discurso e comportamentos não
verbais que colaboram para a manutenção do preconceito (Alexandre, 2007,
p. 25).
O comportamento de omissão das diretoras em relação ao tratamento aos alunos
negros nas situações de discriminação racial, na maioria das vezes, é por despreparo
delas em lidar com essas situações: justificam atribuindo a culpa na formação superior.
Constituindo assim também mecanismos intraescolares de discriminação. É necessária
formação antirracista para os profissionais da educação, para que possa entender e
buscar transformar esses mecanismos que atuam determinando a trajetória de insucesso
escolar desses alunos.
52
CAPÍTULO III- RELAÇÕES RACIAIS NA ESCOLA: A QUESTÃO RACIAL
NOS DOCUMENTOS E NAS PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
A questão racial no Projeto Político Pedagógico
A Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá, na sua proposta curricular,
apresenta referência para uma Educação das Relações Étnicorraciais. O documento11
apresenta uma proposta no sentido de oferecer às escolas um suporte didático-
pedagógico, para que os profissionais da Educação possam desenvolver uma ação
educativa voltada para formação de valores e posturas que contribuam para que
cidadãos, valorizando seu pertencimento étnico-racial, tornem-se parceiros em uma
nova cultura antirracista, do fortalecimento da dignidade e da promoção da igualdade
real de direitos.
Cabe à escola rever a História e assumir a tarefa da reparação, de promover os
direitos culturais e educacionais de um povo na sua diversidade, na sua integridade.
Constitui-se, portanto, em uma referência estruturante do currículo das escolas
municipais, na direção da valorização da identidade e da autoestima dos discentes
negros que formam a maioria das salas de aulas no Município de Cuiabá e de
reeducação de todos acerca da necessidade de construirmos relações sociais não
racializadas.
A proposta afirma que não se trata de mais um documento formal, mas de
instrumento de trabalho docente, que se alimenta de uma prática coletiva de
planejamento pedagógico, balizado pela avaliação processual contínua. Esta se
subordina ao objetivo maior de um laboratório de construção coletiva, no interior de
cada escola, na luta pela redução da imensa disparidade de acesso ao sistema
educacional de qualidade entre negros e brancos na sociedade brasileira, especialmente
a cuiabana.
11
O documento refere-se à matriz curricular da rede Municipal de Cuiabá. Esse documento apresenta as
capacidades de cada disciplina para cada ano de escolarização. Dentre elas as capacidades para
educação das étcnicorraciais.
53
Nesse sentido, cada escola deve contemplar na sua proposta curricular ações
inclusivas na perspectiva da educação das relações raciais contempladas na matriz
curricular da Secretaria.
Nas escolas, onde se realizou esta pesquisa, as diretoras afirmam que a escola
possui o Projeto Político Pedagógico e que este é elaborado por todo segmento escolar.
Os relatos, a seguir, demonstram o exposto aqui:
O projeto político pedagógico é muito importante para a escola, é a cara da
escola, aqui todos participaram da elaboração (Diretora da escola A).
O nosso projeto político pedagógico foi elaborado por todo o segmento da
escola, é um projeto importante dentro da escola. (Diretora da escola B).
O Projeto Político Pedagógico da escola A diz que este é o plano global da
instituição, é a sistematização, nunca definitiva de um processo de planejamento
participativo, se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, define claramente o tipo de
ação educativa que se quer realizar. A diretora da escola A afirma que:
O Projeto Político Pedagógico da escola foi elaborado com a participação dos
professores, alunos, pais, funcionários, equipe gestora e conselho escolar
comunitário, uma vez que a escola, dentro de um processo de mudança sente
a necessidade de refletir e planejar ações que contemplem todos os alunos.
(Diretora da Escola A).
Ao analisar o Projeto Político Pedagógico, verificou-se a proposta curricular.
Pois, o currículo é base fundamental do Projeto Político Pedagógico, pois é a partir dele
que se define o que, para que, como e quem a escola deve ensinar.
O currículo só adquire sentido estando vinculado a reais necessidades da
comunidade escolar e ser resultado do trabalho desenvolvido com a participação de
todos. Requer discussão, considerando seu caráter histórico provisório que reflete
contradições da realidade, participação, análise reflexiva e crítica da sociedade. Ao
construir o currículo, não se pode ignorar a existência da múltipla diversidade presente
no contexto escolar.
54
Neste sentido o currículo que contempla as questões raciais e se realiza na práxis
pedagógica torna-se um dos mecanismos de enfrentamento do indivíduo negro contra
mecanismos sociais excludentes, definidos culturalmente na nossa sociedade, no sentido
de interromper o silêncio que ocorre acerca do racismo, preconceito e discriminação no
cotidiano escolar. Ao conhecer a proposta curricular das escolas pesquisadas e quais os
projetos desenvolvidos via currículo formal, percebi que as questões raciais não estavam
contempladas. Perguntamos para as diretoras então como as questões raciais estão sendo
trabalhadas na escola:
Em sala de aula a gente faz várias atividades e apresenta na culminância dos
trabalhos no final de cada bimestre. Também na consciência negra no dia 20
de novembro a gente trabalha, onde são apresentados vários trabalhos
voltados para a discriminação. Diretora da escola A
Trabalhamos no currículo principalmente na história e em todas as áreas. A
escola trabalha com textos que falam sobre discriminação. Diretora da escola
B
Ao analisar o Projeto Político Pedagógico da Escola A, percebemos que a
proposta curricular para a educação das relações raciais aparece na forma de um projeto
que aborda as questões de forma estereotipada, com festividades esporádicas - no dia 20
de novembro. As atividades nesse projeto ficam centradas em aspectos como costumes
alimentares ou dança. “Caracterizada pela folclorização e superficialidade da questão”
(OLIVEIRA, 2006, p. 199).
Na proposta curricular da Escola B, as questões raciais e as suas capacidades,
foram copiadas da Matriz de Referência da Secretaria Municipal de Educação de
Cuiabá, não houve construção da proposta. A seguir, as capacidades definidas na Matriz
de Referência, alusiva à temática racial da Secretaria Municipal de Educação.
CAPACIDADES – 1º ano
1. Realizar resgate de jogos e brincadeiras em tempos e espaços diferenciados.
2. Identificar e organizar os movimentos da cultura corporal nos Jogos e Danças regionais.
3. Produzir e registrar as manifestações corporais vivenciadas na escola e na comunidade.
4. Promover trabalho de pesquisa histórica sobre festas e danças religiosas, sobretudo aquelas
55
ligadas à cultura negra.
CAPACIDADES – 2º ano
1. Identificar os mitos africanos, montando representações teatrais e peças com fantoches
criados pelos próprios alunos.
2. Reproduzir através de dramatizações histórias infantis e contos africanos.
3. Reconhecer a invisibilidade de negros e negras na mídia.
4. Valorizar a leitura como fonte de formação, informação e via de acesso ao mundo das
diversas obras literárias, estimulando a leitura de textos de vários gêneros que valorizem a
cultura, as famílias e os antepassados dos alunos e alunas.
CAPACIDADES – 3º Ano
1. Compreender como a ancestralidade africana se manifesta na dança, na música e nas artes
visuais.
2. Identificar as linguagens matemáticas presentes no cotidiano, as quais expressam diversas
formas de quantificar, agrupar, medir, localizar, orientar e inferir.
3. Valorizar as variedades linguísticas da Língua Portuguesa, utilizando a língua para combater
preconceitos, discriminação, intolerância.
4. Desenvolver o senso crítico através de questionamentos sobre as identidades: racial, de
gênero, cultural, política, de classe, de regionalidade.
5. Identificar e desconstruir estereótipos de representação étnico-racial encontrados nas artes,
na publicidade e na mídia.
A inclusão do ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana no Projeto
Político Pedagógico e outros projetos voltados para a valorização da diversidade racial
não pode ser reproduzido, ele precisa ser realmente construído, precisa de uma gestão
que possibilite a participação democrática de todos os segmentos nessa construção. É
preciso que as pessoas envolvidas no processo escolar realmente entendam e coloquem
em prática uma educação para a igualdade, reconhecendo as práticas de racismo na
escola.
56
Segundo Canen (2005), cabe à escola e à formação de professores criarem
estratégias multiculturais a fim de preparar o profissional da educação para lidar com a
diversidade cultural e de diminuir ou extinguir os diversos tipos de preconceitos
presentes no ambiente escolar, por intermédio, por exemplo, da construção coletiva de
um Projeto Político Pedagógico em que a questão da identidade negra seja visível.
Segundo Candau (2003), o trabalho didático ainda tem se orientado por um
currículo que mantém a invisibilidade do negro, na qual as formas de discriminação
racial ainda se fazem presentes nesse currículo, que exclui a expressão cultural,
transitando pela linguagem não verbal até comportamentos e práticas explícitas.
A escola precisa se organizar para demonstrar a todos a importância da
pluralidade racial na sociedade. “Os educadores devem contemplar a discussão de
diversidade racial na sociedade, discutir os problemas raciais em suas diferentes
proporções, que atingem os grupos sociais” (CAVALLEIRO, 2002, p. 100).
A escola precisa construir e colocar em prática um currículo que contemple
todos os grupos que fazem parte do seu contexto.
Livros de ocorrência: o encontro com os alunos
O levantamento das situações registradas nos livros de ocorrência teve como
objetivo identificar se havia registros de conflitos de cunho racial entre alunos e quem
eram os alunos que apareciam nos registros.
O livro de ocorrência para registrar os fatos do dia a dia é comum nas escolas.
Para as diretoras da escola A e B:
O livro de ocorrência é de grande importância, pois é através dele que a
escola pode registrar as situações corriqueiras até as mais relevantes. Este
serve de apoio ou subsídio para que a equipe gestora tome as providências
necessárias em relação ao aluno. Cada unidade escolar determina os seus
critérios para registrar as ocorrências dos alunos (Diretora da escola A).
57
É muito importante, pois nós registramos as ocorrências dos alunos,
conversamos com eles, com a família, se precisar a gente chama o conselho,
é um documento para a escola, eu registro tudo aqui na escola (Diretora da
escola B).
Com a autorização das diretoras, deu-se início ao levantamento das situações
registradas nos livros de ocorrência. Foram analisados 80 registros12
, sendo 40 registros
da escola A e 40 da escola B. As situações que mais apareceram nesses livros de
ocorrências das duas escolas foram: agressão verbal entre alunos – xingamentos e
apelidos. Em seguida, aparece a agressão física (socos, pontapés, tapas e outros) que
acontecia quando um aluno colocava apelido no outro. Nenhuma das situações,
encontradas nos livros de ocorrência refere-se à questão racial de forma explícita, mas
sim implícita. Os quadros: III e IV - elaborados pela pesquisadora a partir dos livros de
ocorrência das escolas - demonstram o número de situações de conflitos registradas.
Quadro IV – Situações de conflitos registradas – Escola A
SITUAÇÕES DE CONFLITOS REGISTRADAS QUANTIDADE DE CASOS
Agressão verbal entre alunos/ xingamentos e apelidos 10
Agressão física entre alunos 05
Comportamentos inadequados13
dos alunos 15
Agressão verbal aluno para professor 05
Agressão verbal aluno para diretor 03
Destruição do patrimônio da escola 02
Fonte: Livro de ocorrência da escola A
Quadro V – Situações de conflitos registradas – Escola B
SITUAÇÕES DE CONFLITOS REGISTRADAS QUANTIDADES DE CASOS
Agressão física entre alunos 06
Comportamentos inadequados dos alunos 14
12
Os registros foram selecionados a partir de novembro de 2010 a abril de 2011 nas duas escolas.
13 Comportamentos inadequados segundo as ocorrências (fugiu da sala, não fez a tarefa, esqueceu o
livro, falta muito as aulas).
58
Agressão verbal aluno para professor 12
Agressão verbal aluno para diretor 05
Destruição do patrimônio da escola 02
Fonte: Livro de ocorrência da escola B
Percebe-se que, das ocorrências verificadas nas escolas A e B, 29 dizem respeito
ao comportamento inadequado dos alunos, 22 à agressão verbal. De acordo com os
registros, as agressões aconteciam verbalmente quando um aluno colocava apelido no
outro, provocava-o com palavrões, entre outras. Além disso, foram registrados os casos
de agressões físicas como socos, pontapés, tapas.
É importante destacar que os registros não representam a totalidade das situações
de conflitos naquelas instituições escolares. Os casos registrados, segundo as diretoras,
são aqueles que, de alguma forma, representam certa gravidade. Outra questão
registrada nas ocorrências dizia respeito às providências das diretoras diante das
agressões registradas. Dentre elas, a registrada com maior incidência é a comunicação/
convocação de responsáveis (57 casos) para esclarecimentos dos fatos. Houve ainda 15
advertências verbais, 02 casos de encaminhamento para o conselho tutelar, 04 para
atendimento médico em postos de saúde, 02 suspensão das atividades, como aulas de
educação física.
Quadro VI – Registros das providencias tomadas – Escola A
REGISTROS DE PROVIDÊNCIAS TOMADAS QUANTIDADE
Comunicação/ convocação dos responsáveis 30
Advertência verbal 06
Presença do conselho tutelar 02
Suspensão das atividades na escola 02
Fonte: Livro de ocorrência da escola A
Quadro VII – Registros das providências tomadas – Escola B
REGISTROS DE PROVIDÊNCIAS TOMADAS QUANTIDADE
Comunicação/ convocação dos responsáveis 28
Advertência verbal 11
Suspensão das atividades na escola 01
Fonte: Livro de ocorrência da escola B
59
O que se percebe, segundo os registros de ocorrências, que o diálogo com as
famílias e os alunos tem sido a principal alternativa das diretoras. Contudo, as relações
entre as diretoras, alunos e famílias nem sempre ocorria de forma pacífica. Durante a
observação, presenciei o registro de algumas ocorrências, nelas a secretária da escola
descrevia o motivo dos conflitos entre os alunos e as diretoras exigiam que eles
assinassem o livro. No momento dos registros, os alunos sentiam medo e muitos pediam
para os responsáveis não serem chamados. Nesse momento, recebia advertência da
diretora, que dizia que não adiantava chorar e ter medo, que o aluno provocou a situação
e tinha de assumir a sua indisciplina. Essas situações eram constantes na sala da
diretora.
Nos livros de ocorrências, verifiquei quais foram os motivos que levaram aos
registros; se havia algum que caracterizava discriminação racial e quais foram os
encaminhamentos dados pelas diretoras aos registros. Diante das leituras das
ocorrências e para apresentar nesta pesquisa, trouxe as que, de certo modo caracterizam
discriminação racial. Um foco de muitas incidências de problemas disciplinares,
registrados nos livros, refere-se aos momentos do recreio. Nesse momento de quinze
minutos, ocorriam conflitos entre os alunos e alguns por discriminação racial e esses
chegavam, na maioria das vezes na sala da diretora. Serão apresentadas algumas
ocorrências registradas. Foram utilizadas somente as iniciais dos nomes dos alunos e
responsáveis citados nas ocorrências. Algumas ocorrências estavam com datas e outras
não. Faz-se necessário também relatar que, nas ocorrências, não constava a cor dos
alunos, mas, ao fazer o levantamento e conhecer os alunos dos registros, a cor se
destaca: a maioria é negra. A identificação da cor dos alunos nas ocorrências foi
acrescentada pela pesquisadora.
Ocorrência 1: (turma 6° ano) Aos vinte e dias do mês de março, a diretora,
durante o recreio chamou os alunos P. (branco) e M. (negra) para uma
conversa. Os dois foram chamados porque estavam brigando durante o
recreio e o P. puxou o cabelo da M. falando que o cabelo dela era duro e
xingou a colega. O aluno disse a diretora que estava só brincando, que eles
sempre brincam. A diretora disse para M. não importar, que seu cabelo vai
crescer e ficar muito bonito. Após essa conversa os alunos foram mandados
de volta para o recreio.
Percebe-se que a diretora falou somente com a aluna que foi a vítima da
discriminação, em nenhum momento falou com o aluno que puxou o seu cabelo. A
atitude do aluno, ao insultar a colega e não ser punido reforça e legitima que o seu
60
comportamento não está errado em relação a sua colega. A autora Ana Canen (2006), ao
tratar sobre o assunto no Documentário „Eu Sou Assim‟, alerta que os professores,
gestores não podem admitir esse tipo de brincadeira. Precisam se questionar, porque só
é brincadeira quando todos acham graça. Agora, se só o opressor acha graça e a vítima
não, sente se ofendida, como pode ser considerada brincadeira. Isso é discriminação
nesse caso da ocorrência, sem dúvida de cunho racial.
Desde muito cedo, ainda nos primeiros anos do ensino fundamental, as crianças
negras já começam a serem vítimas de preconceito e discriminação racial, pois apelidos
pejorativos em forma de brincadeiras lhes são direcionados. Vê se assim, que a escola se
patenteia como um ambiente em que, além das questões de formação, propicia atitudes
discriminatórias.
Ocorrência 2: (turma do 6º ano) Aos 12 dias do mês de abril, a professora
trouxe os alunos K. e W. porque estavam brigando, a aluna K. (negra) disse
que W (negro) vive xingando ela de negra, ela disse que ele provoca muito
ela. A diretora conversou com os alunos e pediu que assinassem a ata.
A diretora não ouviu os alunos, a coordenadora escreveu a ata e mandou os
alunos saírem da sala. Esses registros parecem ignorar as diferenças étnicas raciais que
se fazem presentes nos espaços da escola. A não percepção da discriminação nas
relações dos alunos contribui para a permanência de manifestações racistas na escola.
Ocorrência 3: (turma 4° ano) Aos trinta dias do mês de maio o aluno G.
(negro) reclamou para a professora que o aluno W. (branco) está provocando-
o, tomou o seu pirulito. A professora encaminhou para a direção. A diretora e
a coordenadora conversaram com os alunos e pediram para o G. não fazer
mais isso.
Ocorrência 4: Aos dez dias do mês de março de dois mil e onze reuniram-se
na sala da diretora os alunos M. (negro), V. (negra), P. (branco) e J. (negro) e
as senhoras M, S, J, o senhor C, responsáveis por esses alunos. O motivo da
reunião foi que o aluno P foi na sala de material de limpeza, pegou um vidro
com Q‟boa, que não estava identificado, trouxe para a sala dizendo que ia
limpar as mesas da sala. Diante disso derramou nos colegas manchando as
camisetas, e jogou umas gotas na sua colega V, dizendo que ela iria ficar
branca. Os responsáveis colocaram suas posições exigindo que a responsável
do aluno comprasse outra camiseta para os alunos. Conversaram e tudo foi
resolvido, a responsável vai comprar camisetas novas para os alunos. Sem
mais nada a tratar encerro a presente ata.
61
A preocupação da direção era com a mancha da camiseta e quem ia
disponibilizar outras camisetas, em nenhum momento colocou o ato de discriminação
praticado pelo aluno para discussão.
Ocorrência 5: O aluno W. (negro) pulou a janela da sala xingando palavrão e
foi embora. A professora disse que este aluno só atrapalha a aula, é
indisciplinado, não faz as atividades, vem na escola só para brigar. A diretora
chamou o aluno de volta conversou com ele e lhe entregou um bilhete
chamando o responsável, e disse para o aluno que ele só entra com o
responsável.
Ao mandar o aluno ir embora, a diretora reforçou para o aluno que ele só entra
com o seu responsável, comentando que a família desse aluno não comparece à escola,
que esse aluno é muito agressivo. A falta de estrutura familiar é enfatizada pelas
diretoras como a causa dos comportamentos agressivos dos alunos. Elas reforçam nas
suas declarações que a dificuldade de relacionamento dos alunos é porque os pais não
acompanham a vida dos filhos.
Ocorrência 6: O aluno J. V. (negro) não faz as atividades, vive brigando com
os colegas , senta sempre na última carteira. A professora disse que é um
aluno já repetente, que está fora da faixa etária dos alunos da sala. Este é um
aluno se continuar assim vai reprovar novamente. O aluno tem muita
dificuldade para aprender. Os responsáveis foram chamados para conversar
sobre os aluno, este aluno tem a autoestima muito baixa que dificulta a sua
aprendizagem.
Essa ocorrência relaciona a discriminação com a dificuldade de aprendizagem
do aluno, pois constatei que os alunos que as diretoras falavam que eram repetentes, que
não iam aprender eram negros. Afirma que a sua origem familiar é desajustada e isso
afeta significativamente suas condutas, criando sérias dificuldades para o desempenho
escolar. As diretoras, ao se referirem a esses alunos, sempre destacam que eles não
sabem nada, não fazem nada. Quando aparecia algum responsável do aluno a diretora
pedia para que eles ajudassem essas crianças em casa e dizia que essas crianças
precisavam de apoio da família.
62
Ocorrência 7: Na aula de educação física aconteceu uma briga entre os alunos
N. (branco) e B. (negro). O aluno N. xingou o B. de ladrão. A professora de
Educação física disse que esses alunos são violentos, não respeitam as regras,
são indisciplinados. O aluno N. disse que o B. roubou o seu relógio, a
diretora disse que o aluno tem que devolver o relógio, o aluno B. disse que
não roubou. A diretora mandou um bilhete convocando o responsável do
aluno B. O aluno só entra com o responsável.
Ocorrência 8: A professora de língua estrangeira retirou o aluno W( negro).
da sua aula, pois o mesmo estava atrapalhando a sua aula, briga, xinga,
perturba os alunos. A diretora conversou com o aluno e disse que o mesmo
deve procurar outra escola para estudar, pois a escola não agüenta mais
conversar com este aluno, ele traz muitos problemas para a escola. O
responsável deve ser convocado.
Ocorrência 9: A professora do 6° ano B chamou a diretora na sua sala, pois a
sala está muito indisciplinada. A professora relatou que os alunos não
respeitam nada, estão sempre brigando. A diretora disse que estes alunos não
têm jeito. Os responsáveis desses alunos serão chamados para uma reunião.
Ocorrência 10: A diretora estava no corredor da escola quando um aluno V.
(negro) sai correndo da sala. A diretora chamou o aluno para a sua sala. O
aluno chorando diz que pegaram seu dinheiro. A diretora diz que vai chamar
a sua avó para confirmar se ele tinha dinheiro. O aluno confirma que tinha
dinheiro. A professora comparece na sala da diretora e fala que nem sabia
que o aluno tinha dinheiro. O aluno foi dispensado para comparecer com a
sua avó.
Essas ocorrências evidenciam racismo e revela uma forte associação da imagem
do negro à marginalidade. Nos conflitos escolares, quando se trata de sumiço de algum
objeto o negro é sempre “suspeito”. As ocorrências revelam que os alunos negros, no
ambiente escolar, em situações conflitivas, são constantemente sujeitos às depreciações.
Neste estudo, no levantamento das ocorrências e nas entrevistas com as diretoras, pude
perceber a dificuldade dessas profissionais para lidar com situações de conflitos no
contexto escolar, principalmente quando se tratava de conflitos de cunho racial.
A discriminação racial revelada pelos alunos
Explicitar a percepção dos alunos sobre as relações raciais são elementos
importantes para apreender as formas interpretativas dos alunos sobre os conflitos na
63
escola, uma vez que as suas falas confirmavam a existência de discriminação racial
contra os negros.
Foi realizado grupo focal com os alunos das turmas do 3° ao 6° anos, eles
falaram sobre as situações de discriminação racial vivenciadas no cotidiano escolar.
Como já foi relatado anteriormente, esse grupo focal foi realizado nas Escolas A e B
com 05 grupos, sendo 04 grupos com 10 alunos e um grupo com 08 alunos, no período
matutino, todos com autorização dos responsáveis. A princípio seriam 05 grupos com
10 alunos, mais um grupo ficou com 08 alunos porque os responsáveis não autorizaram
a participação dos seus filhos na pesquisa.
No dia marcado e no momento da realização do grupo focal os alunos chegaram
alegres, curiosos sobre o que iria acontecer, foi feita uma breve explicação e
começamos os trabalhos com as perguntas. Foram feitas duas perguntas: a) Vocês
sabem o que é discriminação? b) Vocês já sofreram alguma discriminação na escola?
Conte como aconteceu.
Com as respostas dos alunos sobre discriminação racial, o que se compreende é
que ela perpassa a vida desses alunos no espaço escolar e nos espaços que ultrapassam
esse contexto, ou seja, na comunidade. No início, ninguém falou sobre o assunto.
Quando perguntava se alguém já passou por situações de discriminação, a princípio
negava. Após um tempo de conversa, começaram a falar das situações de discriminação
vivenciadas por outras pessoas, colegas, parentes.
Professora, eu sei o que é discriminar […] um dia a professora foi trabalhar
sobre escravos, foi uma bagunça, os alunos começaram a rir e falar que a B.
era escrava, preta tinha que apanhar. A professora mandou parar, ela chorou.
(Aluno negro, 5° ano, Escola A).
[…] tem um guri, professora, na sala, ele fala para o outro, o L. que ele é
macaco, e ele fica quieto, fosse eu batia nele, a tia deixa. (Aluno negro, 6°
ano, Escola A).
Professora, eu acho que discriminar é colocar apelido, xingar o outro de
preto, fedido. Tem um guri lá perto de casa que fala que preto é macaco,
fedido, sujo. (Aluno negro, 4° ano, Escola A).
Minha avó não gosta de preto, ela fala que preto é bagunceiro, preguiçoso ela
é racista. (Aluna negra, 6° ano B, Escola A).
64
O que se observa é que os alunos têm consciência da discriminação racial nas
relações. Alguns alunos falam sobre as situações de discriminação decorrentes das suas
próprias experiências.
[…] eu não gosto que eles falam que eu sou biscoito torrado, carvão, eu brigo
com eles, na hora do lanche eles ficam me perturbando. A coordenadora foi
na sala e pediu para eles pararem, mas eles continuam me chamando por
apelido. (Aluna negra 5° ano A, Escola A).
[…] o C. fica falando que eu sou preto, macaco, eu falei para a tia, ela não
fala nada. (Aluno negro 3° ano A, Escola B).
[…] o tia, A. falou que eu sou feia, bruxa, ela não brinca comigo, na
educação física ela não brinca de roda comigo. (Aluna negra do 3° ano,
Escola B)
O depoimento de um aluno negro me chamou a atenção, ele disse que não sofre
discriminação, que na escola não tem discriminação. Os colegas insistiam para ele dizer
que sofre discriminação:
[…] eu não sinto nada, eu não ligo, eu não acho que é discriminação, meu
irmão é branco, porque meu padrasto é branco, minha mãe é morena, eu sou
moreno. Eu não sou preto. Eu sou mais claro do que o W., eu acho que ele é
preto. (Aluno negro, 6° ano B, Escola A).
Esse aluno estava sempre sozinho, era muito calado, não participava das
brincadeiras, comemoração e, poucas vezes, conversava com outros alunos. O silêncio
denuncia situação de discriminação. Esse aluno pode estar passando por um processo de
internalização de estigma de ser negro. É como se o aluno vivenciasse um ostracismo a
ele imposto, como nos traz Elias e Scotson (2000), quando se referem à internalização
dos estereótipos pelos outsiders, imputados pelo grupo estabelecido. Segundo esses
teóricos, a estigmatização aos quais os indivíduos são submetidos faz com que se
“sintam, eles mesmos, carentes de virtudes, julgando-se humanamente inferiores”
(2000, p. 20).
Havia outros alunos negros também isolados nos espaço da escola, no momento
do recreio, nas aulas de educação física, estavam sempre sozinhos e também percebi
que alguns alunos não saia da sala no recreio. O isolamento desses alunos no contexto
escolar é gerado por um sentimento de inferioridade decorrente da interiorização de
estereótipos negativos acerca da imagem do negro que circulam nos ambientes de
convivência desses sujeitos.
65
O mito da democracia racial no Brasil traz a ideia de que neste país há uma
relação harmônica entre as pessoas, isto é, não há preconceito nesta sociedade. Para D‟
Adesky (2005, p. 174), numa sociedade em que a ideia de cordialidade é disseminada,
na qual o mito da democracia racial persiste como um ideal, a ausência de conflitos é
uma norma de comportamento. Como também nos assinala Gomes (2001, p.92) “[...] o
racismo no Brasil é um caso complexo e singular, pois ele se afirma pela sua própria
negação. [...] mas mantém-se presente no sistema de valores que regem o
comportamento de nossa sociedade”.
Nas falas dos alunos, alguns casos exemplificam situações de discriminação nas
relações entre eles.
[…] tia, no trabalho em grupo a G. e P. não quer sentar com a A. nem com a
M. fala que ela é preta. (Aluno negro do 3° ano B, Escola A).
[…] o W. fica me chamando de preta, fedida, a professora não fala nada (5°
ano A)
De acordo com Silva (2001), “as pessoas agem com preconceito, desenvolvem
crenças simplificadas sobre as minorias, essas crenças simplificadas são o que
chamamos de estereótipos e nesse sentido eles podem produzir preconceitos”.
Compartilhando com essa afirmação, Fazzi (2004) diz que a discriminação, por sua vez,
é o aspecto comportamental do preconceito e, no que diz respeito ao preconceito racial,
abrange relações de exploração, comportamento competitivo, agressão e
comportamento de evitação.
A percepção da discriminação racial pelos alunos, evidenciada nas entrevistas,
leva a concluir que o mito da democracia racial não vigora no contexto nas relações
entre os alunos, as práticas de discriminação racial persistem no cotidiano escolar. A
discriminação racial é percebida pelos alunos em vários contextos sociais das suas
relações. No entanto, a consciência da existência do racismo não impede a manifestação
do preconceito e discriminação racial entre eles.
As percepções dos alunos sobre as relações raciais e as análises de como eles
percebem essas relações passam a ser elementos importantes para apreender sobre o
racismo.
66
O cabelo como critério de exclusão
O cabelo foi motivo de muitos relatos de discriminação dos alunos durante as
observações e grupo focal. Eles falavam de cabelo bonito, arrumado e se dirigiam às
crianças de cabelo crespo como cabelo ruim, feio, desarrumado. A escola estabelece
padrões de beleza como o cabelo que, para ser símbolo de beleza, deve ser liso,
comprido. É exigido dos alunos um padrão uniforme. Uma das exigências é arrumar o
cabelo. Mas o que é cabelo arrumado para a escola?
Na escola, a exigência de “arrumar o cabelo”, não é novidade para os alunos e
para a sua família. Mas essa exigência, muitas vezes, chega até a família com um
sentido muito diferente daquele atribuído pelas mães ao cuidarem dos seus filhos e
filhas. Em alguns momentos, o cuidado das mães não consegue evitar que, mesmo
apresentando-se bem penteada e arrumada, a criança negra deixa de ser alvo das piadas
e apelidos pejorativos no ambiente escolar. (GOMES, 2002, p. 45).
Nas observações, as meninas aparecem como os principais alvos de
discriminação por causa do cabelo. Constatei uma situação na escola que me chamou
muito a atenção. Essa situação aconteceu durante a entrada da aula. Uma aluna negra
chega à escola com os cabelos soltos. Os alunos começaram a rir. Um mostrava para o
outro e continuava rindo, a aluna foi para o final da fila. Uma professora comenta com a
outra professora e também ri/sorri. Nos outros dias, percebi que a aluna não soltou mais
os cabelos.
O fato de tratamento irônico em relação às crianças negras representa um dado a
ser considerado, pois todo comentário realizado no espaço escolar, principalmente
diante de outras crianças, poderá ser por elas absorvido e entendido como um
comportamento que pode ser reproduzido, visto que suas professoras o fazem. Ofensas
e ironias ocultam preconceito latente.
São freqüentes as situações de discriminações ocorridas nos espaços da escola
referentes ao cabelo, praticadas por crianças e professores, de maneira direta ou velada.
“… tia, os meninos fala que o meu cabelo é duro, cabelo de repolho.” [Como
você se sente] eu fico muito triste, lá em casa minha avó cortou o meu
cabelo, eu não queria cortar, mais ela cortou, e todo mundo riu. (aluna do 5°
ano, negra).
67
Os alunos negros, mesmo com os cabelos penteados, são alvos de apelidos
pejorativos e piadas no ambiente escolar. “[…] uma coisa é nascer negro, ter cabelo
crespo e viver dentro da comunidade negra, outra coisa é ser criança negra, ter cabelo
crespo e estar entre brancos” (GOMES, 2000, p. 45).
No espaço escolar, as relações interpessoais e a aprendizagem das crianças
negras muitas vezes são prejudicadas devido aos apelidos pejorativos dirigidos a essas
crianças pela sua cor ou seu cabelo. […] a rejeição do cabelo, muitas vezes, leva a uma
sensação de inferioridade e de baixa autoestima. (GOMES, 2002, p. 47).
Fazzi (2004), em sua pesquisa, perguntou a uma menina se ela gostava do seu
cabelo, ela disse que não, que ele necessitava de tratamento:
“[…] a gente tem que cuidar do nosso cabelo assim ele vai ficar igual ao de
qualquer um” a expressão “ficar igual ao de qualquer um” denuncia a
tentativa de igualar o cabelo crespo ao cabelo liso, constituindo este último
tipo de cabelo um modelo natural a ser seguido.” (Fazzi, 2004, p. 118).
Na realização da entrevista uma aluna fez um depoimento cheio de sentimento
de negatividade, de inferioridade sobre si mesma e o seu tipo de cabelo.
[…] tia, eu não gosto do meu cabelo, minha mãe vai alisar. [Porque você não
gosta do seu cabelo?] ele é feio, eu sou feia, minha prima alisou o cabelo
dela. Agora o menino não fica rindo dela. Eu quero o meu cabelo liso. (Aluna
do 4° ano, negra).
O tipo de cabelo, no contexto desta pesquisa, era requisito para ser aceito pelo
grupo. As crianças de cabelo liso tinham poder de escolher ou rejeitar quem participava
do grupo. O tipo de cabelo era o critério mais utilizado para discriminar e segregar. A
sociedade valoriza e padroniza determinadas qualidades e aquelas que fogem a esses
padrões geralmente não são aceitas:
Sabemos que em nossa sociedade de maneira geral, as concepções sobre o
negro são bastante negativas. Elas dizem respeito à estética, morais e
intelectuais. São essas concepções, que ocorrem de maneira, difusa em nossa
sociedade, que criam todas as maneiras e formas de evitação, de mal estar, de
“antipatia” que teimam por penalizar aqueles que não possuem um fenótipo
evidentemente branco. (MÜLLER; OLIVEIRA; TEIXEIRA, 2006, p. 14).
As referências negativas aos cabelos dos alunos negros aconteceram em vários
momentos no espaço da escola. As alunas negras percebiam e sofriam com a
discriminação com relação ao seu cabelo, mas prevalece o silêncio. Às vezes
68
reclamavam para a diretora, mas nenhum trabalho era realizado, a discriminação
continua no espaço escolar.
Diretora o K. falou que o meu cabelo é de bombril, seco. (aluna negra do 4º
ano). Deixa pra lá, vai brincar. (diretora da escola B).
Comemorações escolares: os convidados e os excluídos
Nas escolas pesquisadas, fazem parte do calendário as datas comemorativas. As
salas preparam as comemorações para os alunos apresentar nos dias marcados e os
responsáveis são convidados para assistir. Nas entradas das aulas, também fazem
pequenas apresentações com músicas, orações em que cada dia uma sala é responsável.
Percebi que os alunos que estavam nas apresentações eram sempre os mesmos. O que
não pude deixar de observar foi que alguns alunos não participavam das apresentações,
mesmo levantando a mão que queriam participar. Para Gonçalves (1987, p. 28), “na
escola existe um ritual pedagógico que vem reproduzindo a exclusão e,
consequentemente, a marginalização escolar de crianças e de jovens negros”.
Na ocasião da Páscoa uma cena me chamou a atenção.
Situação 1
Durante o ensaio, um aluno não queria pegar na mão de uma aluna negra. Fazia
brincadeira fingindo que ia pegar na mão da aluna e soltava. A professora começou a
falar para o aluno não fazer isso, que todos deveriam pegar nas mãos dos coleguinhas,
que todos são iguais, um tem que respeitar o outro. A aluna saiu do ensaio, a professora
continuou o ensaio e não chamou a aluna para o ensaio. No dia da apresentação essa
aluna não apareceu.
Já em outra situação no dia das mães, percebi que os alunos negros estavam
todos nas últimas filas, à frente estavam os alunos brancos. As roupas da escola para as
apresentações estavam com os alunos da frente, a escola dispõe de roupas para algumas
apresentações, perguntei por que só os da frente estavam com as roupas da
apresentação, as professoras disseram que a escola não tem roupa para todos os alunos.
69
Uma aluna se aproxima da professora e pede para participar dizendo que uma aluna
havia faltado.
… tia, deixa participar, eu sei dançar [você não sabe nada, erra tudo] deixa,
eu nunca danço, a P. faltou [não]. (Aluna negra).
Durante toda a observação, os alunos das apresentações eram sempre os
mesmos, a rejeição dos colegas para com os alunos negros e a não percepção dos
professores e da diretora reforçavam isso. Segundo Cunha (1987), as crianças negras
são impedidas de assumir posições de destaque em festividades e demais eventos na
escola:
Ocorre também situação em que a criança é impedida de ocupar
posição de destaque por ser negra. É muito frequente em festas escolares
onde, por exemplo, a noiva da dança da quadrilha não pode ser uma menina
negra; ou nos enquetes de teatro, quando os anjos também não podem ser
negros. (CUNHA, 1987, p. 53)
O que se percebeu é que a escola e os seus profissionais ainda não estão
preparados para lidar com as diferenças, ainda trabalham com alunos idealizados.
O recreio: momento de discriminação
No recreio, o que pude perceber é que nas “brincadeiras” acontecem muitas
discriminações. Alunos negros isolados das brincadeiras, que se constrangem ao falar
dos seus apelidos e tratamentos discriminatórios que enfrentam nas escolas. Os
profissionais da escola, inclusive as diretoras, negam que há práticas racistas na escola,
xingamentos, apelidos são justificados por esses profissionais como “brincadeiras”.
“[…] eles fazem muitas brincadeiras nas salas de aula e no recreio, os alunos negros não
gostam, ai sai às brigas. E complementou: … eu não vejo muita discriminação na
escola, às vezes tem uma briga por causa de apelidos, ou porque chamou de preto, mas a
gente resolve ou às vezes nem interfiro, pois logo estão brincando”. (Diretora da escola
A).
70
Segundo Abramovay (2006), mais problemático do que posturas que alimentam
o racismo é a miopia social, ou seja, o não reconhecimento que a diferença, a
discriminação e o preconceito existem e a falha em considerar brincadeiras, apelidos e
tratamentos violentos aos que são negros podem, na prática, significar a produção do
racismo.
Durante o recreio, observei que as crianças negras, na sua maioria, brincam com
as negras e são excluídas das brincadeiras das crianças brancas. Quando aceitas, elas
não podem escolher ou opinar sobre as brincadeiras. Em alguns momentos, percebi que
os alunos negros, para participar da brincadeira, devem dar algo em troca, veja:
“[… ]dá um pouco de skiny que eu deixo você brincar” (Aluna (branca) da
escola B).
“… deixa ficar com a sua bolacha, eu que mando nesta brincadeira” (Aluna
(branca) escola A).
Sobre os conflitos entre alunos negros e brancos na hora do recreio, Santos faz a
seguinte observação:
[…] mesmo com essas cenas de conflitos, o recreio não deixa de explicitar
uma aparente integração, exprimindo a dualidade das interações raciais. É
observável alguns dos alunos anteriormente envolvidos em desavenças,
participando do coletivo das brincadeiras durante o recreio, como pega-pega,
polícia e ladrão e outras. (SANTOS, 2006, p. 76).
Durante o recreio, observei várias situações de discriminação, os alunos
formavam grupos para brincar, alguns alunos negros ficavam próximos, mas não eram
chamados para participar e muitas vezes esses alunos se tornavam motivo das
„brincadeiras”.
[…] tia, o V. puxou o meu cabelo (aluna negra) [não importa, ele é bobo,
deixa este menino], mas ele não para. [ele está brincando com você.] (escola
B).
[…] oh, oh, o P. tomou o meu lanche (aluna negra) [que lanche menina, você
não traz lanche] o meu salgadinho [sossega, você não estava com salgadinho
nada] vai brincar, come o lanche da escola (escola B).
71
No ambiente escolar os estereótipos sobre o negro são amplamente difundidos
sob brincadeiras. Mesmo os alunos denunciando as práticas de discriminação, as
diretoras interpretavam estas atitudes como brincadeiras. As “brincadeiras” naturalizam
os preconceitos na escola. Assim a discriminação racial passa a ser minimizada
escamoteando o sofrimento dos alunos alvos dessas brincadeiras.
Ofensas, xingamentos e apelidos
As manifestações depreciativas em relação ao negro estão presentes nas relações
entre alunos através de apelidos, xingamentos que muitas vezes constituem
instrumentos na propagação do racismo.
Nas conversas com os alunos, eles revelavam a discriminação racial sofrida e
vivenciada no dia a dia da escola. O cabelo constituiu a característica fenotípica mais
marcada de discriminação aos alunos negros.
[como eles discriminam?] Eles fica colocando apelido nos outros, fala que meu cabelo é
feio… (Aluna do 6° ano, Escola A, negra).
Já sofreu alguma discriminação aqui na escola] Já, tia, eles (mostra os meninos) vivem me
chamando de cabelo de arame, até cortei o meu cabelo. (Aluna do 6° ano, Escola A, negra).
Segundo Gomes (2002), as experiências de preconceito racial vividas na escola,
que envolvem o corpo, o cabelo e a estética, ficam guardadas na memória do sujeito.
Mesmo depois de adulto, quando adquirem maturidade e consciência racial que lhes
permitem superar a introjeção do preconceito, as marcas do racismo continuam
provendo a sua memória.
No depoimento abaixo a diretora A diz o seguinte:
[Nos conflitos entre alunos você percebe se há discriminação racial?] Não, os alunos usa mais
apelido pela cor, à vezes chama de neguinho, e muitas vezes pelo cabelo, aqui a gente constata
muita briga por causa do cabelo das crianças. As crianças entram em conflito porque uma tem
cabelo liso, bom e o outro cabelo ruim, crespo, aí chama de cabelo seco, de Bombril. (Diretora
da escola A).
72
A diretora não faz a relação da discriminação racial com apelidos. Percebe-se
que a diretora ao referir ao cabelo liso reforça que é bom e o cabelo crespo é ruim. As
afirmações sobre uso de expressões pejorativas a respeito do cabelo dos alunos negros
são de fácil constatação. Gomes (2001) assinala que ambos, o cabelo e a cor da pele,
são largamente usados no nosso país como critério de classificação racial para apontar
quem é negro é quem é branco. Assim também afirma:
O cabelo do negro, visto como “ruim”, é expressão do racismo e da
desigualdade racial que recai sobre esse sujeito. Ver o cabelo do negro como
“ruim” e do branco como “bom” expressa um conflito. Estamos, portanto, em
uma zona de tensão. É dela que emerge um padrão de beleza corporal real e
ideal. No Brasil, esse padrão ideal é branco, mas o real é negro e pardo. O
tratamento dado ao cabelo pode ser considerado uma das maneiras de
expressar essa tensão. (Gomes, 2002, p.03).
Durante a observação presencie um momento em que a diretora foi chamada
para resolver um conflito na sala de aula do 6º ano.
A diretora é chamada pela professora na sala do 6° ano para conversar com os
alunos. A professora relata que a sala está em constante confusão por causa de apelidos.
Um aluno negro diz para a diretora que tem um aluno que fica colocando apelidos em
todo mundo. Ele chama a M. de nariz de porco, preta, cabelo de arame, que o P. é
macaco chipanzé. A diretora leva o aluno (branco) apontado pelos alunos, pede para a
secretaria fazer o registro no livro de ocorrências e diz que ele não deve colocar
apelido: você tem que respeitar seus colegas (Diretora da escola A). E manda o aluno
voltar para a sala.
As declarações mencionadas aos alunos negros na situação acima, como “cabelo
de arame”, “nariz de porco”, “macaco”, são insultos raciais que para Guimarães (2002,
p. 173) “são instrumentos de humilhação eficazes para demarcar a diferença do
insultador em relação ao insultado, remetendo este último para o terreno da pobreza, da
anomia social, sujeira e da animalidade”.
O espaço da sala de aula parece ser um local privilegiado de manifestações de
práticas racialmente discriminatórias. “Isto se dá, principalmente, pela costumeira
vinculação do negro com situações ou coisas pejorativas, através de apelidos ou
comparações grosseiras e desagradáveis.” (Souza, 2005, p. 66).
73
CAPÍTULO IV- ORGANIZAÇÃO ESCOLAR E O CONTEXTO DO
TRABALHO DAS DIRETORAS NAS ESCOLAS PESQUISADAS
As diretoras sujeitos dessa pesquisa são efetivas (concursadas) da rede municipal
de Cuiabá, eleitas pela comunidade escolar para assumir a função de diretora. A diretora
da Escola A, está no seu primeiro mandato e a diretora da Escola B no seu segundo
mandato. A rede Municipal de Educação tem como forma de provimento da função
eleição respaldada na Lei nº 5029/07 de Gestão Democrática.
Durante a pesquisa verificou-se quais são os papéis exercido pelas diretoras no
cotidiano escolar, uma vez que essas profissionais representam fortes lideranças neste
contexto, principalmente diante de propostas, como a da educação para relações raciais.
Esta proposta requer mudança de postura dos diretores no desenvolvimento das suas
ações, requer o envolvimento de todos e todas no intuito de transpor o preconceito, a
discriminação e a exclusão.
Com a intenção de compreender o trabalho realizado pelas diretoras
cotidianamente, solicitei que elas relatassem um dia do seu trabalho.
Bom, chego dou uma olhada geral na escola faço entrada, converso com
alguns pais, há dias tranqüilos, outros não. Converso com funcionários,
professores. Recebo os alunos que os professores mandam para conversar.
Vou à cozinha olho a merenda. (Diretora da escola B).
Chego cedo à escola, olho tudo e converso com os funcionários, professores.
Faço entrada com a coordenadora, ai vou fazer o meu serviço com o
secretario, olhar os ofícios, e-mail da secretaria, preencho algum papel
(Diretora da escola A).
De acordo com as falas das diretoras e durante a observação percebe-se que elas
acompanham o que acontece na escola. No entanto a sua prática ainda está voltada para
as questões administrativas. Esta situação e outras que acompanhei revelam que há
ainda uma separação do pedagógico e do administrativo, no qual as questões
pedagógicas são de responsabilidade do coordenador e as administrativas do diretor. De
acordo com as diretoras o seu papel na escola é:
74
“estou aqui para administrar, cumprir as determinações da Secretaria, pois
temos as pessoas que ajuda a organizar a escola.” Diretora da escola A.
temos que cumprir as nossas obrigações de administração respondendo a
Secretaria os documentos que dela é solicitado. Diretora da escola B.
Durante muito tempo a administração escolar foi marcada por concepções
burocráticas, funcionalistas, sendo um reflexo da organização empresarial. Conforme
Libâneo (2005), “a escola era organizada de modo centralizado, hierarquizado é o
diretor decide , impõe as ordens e os direcionamentos a todo corpo administrativo e
pedagógico do espaço escolar”. Segundo ele, cada individuo da escola deve cumprir a
sua função que é especifica e limitada.
Algumas características dessa administração como a prescrição detalhada de
funções, a divisão técnica do trabalho escolar; poder centralizador, as relações de
subordinação ainda se fazem presente nas ações das diretoras:
[...] agora estou incorporando ser diretora, no começo apanhei na
administração, sempre fui coordenadora e trabalhava a parte pedagógica. No
começo fiquei perdida não tinha companheirismo na equipe. No começo
desta escola não tinha coordenadora fazia tudo sozinha. (Diretora escola B).
...aqui na escola cada um sabe o seu papel, e faz a sua parte, eu procuro
sempre cumprir com os meus compromissos, a parte administrativa eu tenho
que dar conta a pedagógica a coordenadora desempenha e resolve, ás vezes
eu também participo. (Diretora da escola A).
A partir da pesquisa percebe-se que a escola ainda continua reproduzindo o
sistema seriado, apesar de receber nos documentos o nome de escola ciclada (escola que
tem seus currículos organizados por ciclo que considera as fases de formação e
desenvolvimento humano), os alunos são divididos por classe, aulas com tempo
marcado , conteúdos divididos por bimestre entre outros. Esta forma de organização tem
como característica as tendências conservadoras que separa o pensamento/ ação.
Na visão burocrática a tarefa do diretor é cumprir as tarefas administrativas
deixando de lado o trabalho pedagógico. Este pensamento ainda faz parte da concepção
de administração das diretoras.
...Para mim a diretora tem que saber administrar, saber gerenciar a parte financeira,
administrativa e pedagógica dentro do ambiente escolar, ter a escola como ambiente
75
harmônico e sempre com objetivo de melhorar a administração e a aprendizagem dos
alunos. (diretora escola A).
Diretora tem que procurar o melhor para a escola, administrar bem os recursos, os
funcionários para tudo correr bem, uma coisa leva a outra. (diretora escola B).
Nas escolas pesquisadas havia uma grande preocupação das diretoras para
cumprir e responder os ofícios recebidos da secretaria. As diretoras faziam a seguinte
afirmação.
Aqui na escola, respondemos todos os ofícios da Secretaria rapidamente e
entregamos todos os documentos solicitados (Diretora da escola A).
A escola tem a prática de cumprir com os seus documentos, tentamos andar
em dia com a Secretaria (Diretora da escola B).
Verificou-se uma preocupação das diretoras com andamento da escola nos
aspectos como: merenda escolar, limpeza da escola, documentos requisitados pela
Secretaria, com a falta de algum funcionário.
Eu cumpro mais a parte administrativa, a coordenadora a parte pedagógica,
senão a escola não anda. A gente não dá conta de tudo, ás vezes nem
participo. (Diretora da escola A). E continua
Estou aqui para administrar, as determinações da Secretaria, pois temos as
pessoas que ajudam a organizar a escolar e fazê-la caminhar (Diretora da
escola A).
Eu faço de tudo um pouco, mais fico mais com a parte burocrática, às vezes
intrometo na parte pedagógica porque já fui coordenadora, mais eu falo,
espera ai, isso é da coordenadora ( Diretora da escola B).
Outro ponto de dificuldade na condução do trabalho pedagógico nas escolas segundo a
diretora é a participação dos responsáveis dos alunos, muitos são ausentes e não participam das
reuniões da escola.
Muitos pais são ausentes da escola, aqueles que mais precisam participar não
participam. Eles não ajudam a escola (Diretora da escola B).
Há uma participação dos pais, mais ainda não é a ideal. Eles deveriam
participar mais. Tem responsável que nunca veio à escola (Diretora da escola
A).
Há outros fatores segundo as diretoras que dificulta as suas atividades, entre eles
a mudança constante dos projetos de educação.
76
Os projetos de educação muda muito, conforme quem está no poder, no
governo na secretaria, não tem estabilidade. (Diretora B).
A autonomia da escola não é uma “autonomia” segundo a diretora da escola
A principalmente com relação a verbas (Diretora da escola A) E continua
Nós recebemos as verbas, mas temos que saber com que podemos gastar.
Não podemos comprar qualquer coisa, ou até mesmo algo que a escola está
precisando, mais se aquela verba não é destinada para aquilo não pode
adquirir. (Diretora da escola A).
Há projetos federais que as verbas vêm determinadas no que pode gastar.
Temos que fazer projetos, pesquisa, por um lado está certo, mas por outro
não. Por exemplo, às vezes temos outras necessidades no momento, mais a
verba vem para outra coisa, entende. (Diretora da Escola B).
O sistema educacional autoritário e hierárquico não deixa para a escola muita opção
para decidir os seus projetos, as suas prioridades. E dificulta uma educação voltada para o
respeito e valorização de todo alunado no sentido de promover uma educação antirracista.
Perguntei sobre a Lei 10639/03 se conheciam. Os depoimentos evidenciaram o
seguinte: já ouviram falar e a diretora da Escola B relata que já fez curso sobre a mesma.
É a lei que insere dentro do ensino a história da África, e a escola tem que
trabalhar. Nós aqui já estamos trabalhando. Desenvolvemos projetos com
música, bonecas, teatro, está no Projeto Político Pedagógico. (Diretora da
Escola B).
Sim. A Lei n° 10.639/03 refere-se ao ensino da história da África e dos afros-
descendentes e passa a ser incluído no currículo das escolas. Nós já
desenvolvemos a Lei aqui na escola, através do diálogo, conscientizando os
alunos por meio de leituras, histórias, filmes. (Diretora da Escola A).
Nas falas observa que as diretoras sabem o conteúdo da Lei, mais na prática não
está se efetivando, pois o que observamos foi discurso das diretoras, a respeito da
importância da lei 10.639/03, e que mesmo reconhecendo a importância do trato da
questão racial na escola para valorização da história do negro não há uma prática efetiva
nesse sentido.
Com relação aos projetos que as escolas desenvolvem para contemplar a Lei
10639/03 pedi que as diretoras relatassem como estes projetos são desenvolvidos:
77
eu e a coordenadora fazemos a implementação do projeto voltado para a
discriminação. Pedimos para os professores desenvolver os projetos para que
as crianças possam respeitar o outro, nós estamos pedindo para os professores
trabalharem isto na sala de aula, mostrando o que é certo ou errado.
Discriminar é errado. Diretora da escola A
Nós trabalhamos os projetos com músicas, teatro, danças, sempre
combatendo os preconceitos os alunos têm que saber conviver com o
diferente. Diretora da escola B
Nas relações interpessoais as diretoras relataram que hoje na escola esta questão
é administrada bem, os funcionários se relacionam muito bem. Mais que já tiveram
problemas na administração das relações.
Não temos problemas de relacionamento hoje aqui nessa escola os
professores, funcionários se dão bem um respeita o outro. (Diretora da Escola
B).
Aqui na escola antes tinha muito problemas de relacionamento, mais
melhorou, temos trabalhado muitos cursos de autoestima, isso vem mudando.
(Diretora da Escola A)
Mesmo diante dos relatos das diretoras no que se refere às relações interpessoais
constatei algumas dificuldades quanto essas questões. Na escola A presenciei alguma
dificuldade da diretora para conduzir as reuniões ou conversas com alguns funcionários
e professores. Apesar de afirmar que na escola tudo resolve no diálogo percebi a sua
imposição e autoridade na condução de algumas questões na escola. E reforça isso em
um dos seus depoimentos:
Estou aqui para administrar, e ás vezes tenho que impor alguma coisa, porque
senão a coisa não anda, há funcionário que confunde as coisas, acha que tem
que deixar tudo solto, confunde tudo, trabalho com o pessoal, confesso que
esta é uma parte difícil no nosso trabalho. (Diretora da Escola A).
A diretora da escola B disse que na escola hoje esta bem, mais no começo do seu
trabalho foi difícil, o relacionamento entre as pessoas era complicado. Percebi o
relacionamento entre as pessoas nessa escola muito distante, a diretora nas suas
atividades, a coordenadora na sua sala, entre os professores não vi muito diálogo. Os
funcionários também cada um na sua atividade. Em uma reunião administrativa percebi
78
que a diretora apesar de conduzir a mesma, ouve os segmentos mais decide as questões
com a coordenadora.
Quanto às relações raciais na escola também fiz entrevistas com as diretoras para
compreender melhor qual a sua compreensão sobre esse assunto.
RELAÇÕES RACIAIS NA ESCOLA: PERCEPÇÕES DAS DIRETORAS
Discriminação racial: o que dizem as diretoras
Após análise das percepções dos alunos e analisar o contexto do trabalho das
diretoras passaremos as suas percepções para maior compreensão sobre as relações
raciais no cotidiano escolar. Para conhecer essas percepções foram realizadas
observações e entrevistas. Nas entrevistas, foram elaboradas duas questões norteadoras.
A primeira foi à seguinte: “nos conflitos entre alunos você percebe discriminação
racial?”. A segunda questão foi: “qual a sua atitude frente a situações de preconceito
racial entre os alunos?”.
Em relação à primeira questão, as diretoras disseram que os conflitos que
acontecem entre alunos devido a apelidos, xingamentos, piadas são “brincadeiras”: “…
os alunos brancos fazem muitas brincadeiras nas salas de aula com os alunos negros e
eles não gostam, aí sai as brigas”, Diretora (A). E complementou: “[…] Eu não vejo
discriminação na escola, às vezes tem uma briguinha por causa de apelidos, mas a gente
resolve”.
Perguntei: “resolve como?”. E a Diretora A respondeu: “[…] Ah, a gente
conversa, diz que não pode fazer isso, e pedimos para os alunos pedir desculpas. Ou às
vezes não interfiro, pois logo estão brincando”. Também temos um projeto.
[…] Ah, também temos o projeto voltado para o bullying, pedimos para os
professores desenvolverem os projetos para que as crianças possam pesquisar
na internet, jornais, revistas, fazendo com que os alunos coloquem a teoria e
não a prática deste preconceito, nós estamos pedindo para os professores
trabalharem isto na sala de aula, mostrando às crianças o que é certo ou
errado (pausa), discriminar é errado, você não pode discriminar o outro
79
porque é branco ou preto, cabelo liso ou crespo, todos devem ser tratados da
mesma forma principalmente no ambiente escolar. Por isso eu falo aqui não
tem discriminação racial. (Diretora da escola A).
Entende-se nos depoimentos que as diretoras não percebem a extensão da
discriminação racial nesses conflitos. Não identifica neles atitudes de preconceito e
discriminação racial e sim brincadeiras, não percebe que elas podem causar marcas
profundas nos sentimentos dos discriminados, não há o estabelecimento do diálogo que
possa permitir aos alunos corrigir suas posturas, atitudes e palavras que impliquem
desrespeito e discriminação.
A criança branca não é punida e sua atitude agressiva implicitamente legitimada
quando qualificada como brincadeira. Cavalleiro (2000) mostra como a cumplicidade de
pais e professores no silêncio sobre as ideias e atitudes racistas reforçam o sentimento
de inferioridade e baixa autoestima de criança afro-brasileira.
É importante salientar que as diretoras entrevistadas negaram perceber conflitos
de motivação racial entre os alunos. Observei certa tendência entre elas em apontar
como conflito apenas comportamento agressivo que leva à violência física. Por
conseguinte, a reprodução da discriminação por meio de xingamentos, apelidos que não
deflagram a violência física, não é vista pelas diretoras como conflitos e sim como um
fator que colabora para a consolidação de relação hierarquizada entre os alunos. É
relevante lembrar que no grupo focal com os alunos nos seus depoimentos afirmaram a
existência de conflitos em muitos aspectos do relacionamento entre eles, indicando,
inclusive, a ocorrência de agressões físicas decorrentes de apelidos de cunho racial.
No depoimento da Diretora B, ela diz:
… quando acontece algum ato aqui, por exemplo, briga entre alunos brancos
e negros porque um falou mal do outro, discriminação, eu acho, a gente
resolve, converso com os alunos, falo para a criança negra não ligar, pois nós
somos todos iguais. E tudo se resolve. (Diretora B).
Notou-se que o comportamento da diretora diante dos atos discriminatórios de
crianças brancas para com as crianças negras é de „apoio‟ à criança negra, mas não
alerta a criança branca para a ação discriminatória cometida. E importante ressaltar que
esta atitude pode levar o aluno a não problematizar ou repensar os conteúdos da sua
fala. Ao contrário, pode reforçar a desvalorização da imagem do negro e provocar a
sensação de baixa estima.
80
Nos depoimentos das diretoras sobre o que é discriminação racial e se na escola
acontece discriminação, veja o que diz a Diretora A: “… não, aqui na escola não, as
crianças se comportam muito bem entre eles, as professoras não tratam as crianças com
discriminação.
O que fica evidente é que tanto professores, diretores e alunos são vítimas do
imaginário social que colabora para naturalizar a ideologia do branqueamento forjada
pela classe dominante branca que não quer perder seu poder e espaço.
Em entrevistas com a diretora B, percebe-se que quando ela diz: “… aqui
agimos com naturalidade, eu acho que deve agir com naturalidade, tudo é
discriminação, não é assim” (Diretora B). E continua: “… quando uma criança
discrimina a outra nós alertamos para não fazer isso” (Diretora B). Percebe-se que para
essa diretora discriminar é um ato natural.
Ou como nos afirma Piza:
“… prevaleceu no universo escolar, um estatuto de branquitude, na qual a
vítima precisa ser „alertada‟, mas ao vitimizador não tem o que dizer,
simplesmente porque este permanece no mesmo território de branquitude, no
qual atitudes e comportamentos discriminatórios são parte do cotidiano e de
território racial idêntico.” (PIZA, 2000, p. 59).
Segundo Cavalleiro (1998), o cotidiano escolar apresenta-se marcado por
práticas discriminatórias que condicionam a percepção negativa das possibilidades
intelectuais, profissionais, econômicas e culturais e propicia, ao longo dos anos, a
formação de indivíduos, brancos e negros, com fortes ideias e comportamentos
hierarquicamente racializados e carregados de estereótipos.
Quando perguntada sobre o conceito de discriminação, a Diretora B diz que é a
falta de igualdade, respeito, como nos revela o depoimento a seguir:
“… quando se fala em racismo e discriminação muito já falam sobre cor, ele
é negro, ele é preto, eu não quero ser amigo dele, então já olha com olhos
diferentes, aqui nós estamos trabalhando sobre igualdade e respeito, todos
nós somos iguais perante Deus” (Diretora B).
Segundo Gomes (1995, p. 61), democracia racial é uma corrente ideológica que
pretende eliminar as distinções e desigualdades entre a formação da sociedade brasileira
(negra, indígena e a branca), afirmando que existe igualdade entre todos, o que se
percebe é que ainda está presente o mito da igualdade. A impressão que se tem com as
81
respostas das diretoras é que tudo na sociedade está perfeito, nós é que temos de tolerar,
aceitar as normas e mesmo endossar as formas existentes de desigualdade racial, o
preconceito racial.
Quando a diretora A diz:
… às vezes a gente fala assim eu não discrimino ninguém, mas discrimina
sim, mas você tem alguma coisa, com a pessoa, de você mesma, e você sabe
que não é certo, mas está dentro de você.
Em outro depoimento ela reafirma: “… falar de discriminação é complicado,
porque a gente sabe que existe, mas não faz nada, mas eu respeito às pessoas… olha
aqui, na escola eu não percebo discriminação não, os alunos chamam o outro de preto,
mas não vejo briga por causa disso”.
Como se percebe, o relato dessa diretora evidencia que ela reconhece o
preconceito contido nos conflitos. No entanto, tem-se a impressão de que a sutileza é
tida por ela como uma característica que torna as práticas racistas mais amenas.
Segundo D‟ Adesky (2005, p. 174) os brasileiros podem até negar a existência do
preconceito racial, mas a sociedade em geral, rejeita o racismo explícito. Observa-se
ainda, que muitas vezes as diretoras fazem da sutileza uma desculpa para não agir, como
se isso retirasse do racismo sua violência. Assim, atribuem à sutileza a culpa pela
omissão na mediação de conflitos de motivação racial entre alunos.
O preconceito racial no Brasil envolve atitudes e comportamentos negativos das
pessoas em relação ao negro, os quais se dão em função da cor. Como nos afirma
Hasenbalg (1979, p.23), “a essência do preconceito racial reside na negação total ou
parcial da humanidade do negro e outros não brancos e constitui a justificativa para
exercitar o domínio sobre os povos de cor”. Falar que não existe preconceito ou
racismo no Brasil é uma falsa ideia. O preconceito está presente na sociedade brasileira,
no cotidiano dos indivíduos, nas relações sociais (família, escola, trabalho). Para
Cavalleiro (2000), a discriminação acarreta prejuízos econômicos, além de psicológicos
decorrentes das experiências traumáticas vividas pelos negros.
Algumas falas evidenciaram aquilo que os autores chamam de mito da
democracia racial. Quando se perguntou se percebia discriminação na escola: “… não,
eu não acho que existe discriminação aqui na escola, os alunos brancos brincam com os
82
negros, sentam juntos” (Diretora B); “… não, eu não vejo como discriminação as brigas
entre os alunos, ou na sala de aula, eles brigam por tudo, principalmente por lanche.
Mas isto não é discriminação.” (Diretora A).
Da Matta (1984) nos explica essas falas afirmando que o mito da democracia
racial nega a existência de conflitos entre brancos e negros. Tende a negar a existência
de discriminação na sociedade brasileira. E, Munanga (1999, p. 26) critica o “racismo
brasileiro silenciado” ou dissimulado, que nega a existência do preconceito e da
discriminação racial na educação básica. Para ele, esse tipo de racismo é fundamentado
pelo discurso da democracia racial.
Neste trabalho ficou evidente nas falas e atitudes das diretoras, que não existe
intervenção nos comportamentos discriminatórios ocorridos nos conflitos entre alunos.
Mesmo porque ela nem admite que atos de discriminação aconteçam entre alunos.
[…] nós não temos discriminação aqui, os alunos são maioria negros, com
relação à cor não tem discriminação. Aqui eles discriminam mais os
deficientes, por exemplo, eu dou boneca preta no recreio para eles brincarem,
arrancaram a perna da boneca negra, agora ninguém quer brincar com esta
boneca. (Diretora da escola B)
Observou-se que a escola não desenvolveu um trabalho com os alunos com
relação à destruição da boneca. Este fato poderia ser trabalhado na escola pela diretora,
professores mais este foi visto com naturalidade. Ficou evidente que não existe um
trabalho na escola que aborda o assunto sobre diversidade, como também é inexpressiva
a interferência pedagógica nos comportamentos discriminatórios dos alunos. Para Silva
Júnior (2002, p.38) “a sistemática negação de uma justa imagem do outro, a negação e a
visão estereotipada dos negros é um dos mecanismos mais violentos vividos na escola.”
A alegação da existência de uma maioria negra entre os alunos é utilizada pela
diretora para justificar que não existem discriminação e conflitos de motivação racial
entre os alunos.
Para Cavalleiro (2005, p.12) “a escola e seus agentes, os profissionais da
educação em geral, têm demonstrado omissão quanto ao dever de respeitar a
diversidade racial, reconhecer com dignidade as crianças e a juventude negra”. Essas
83
ações têm provocado a evasão e/ou fracasso escolar de milhares de estudantes negros.
Além de gerar nesses indivíduos um processo de total negação de identidade, é a
ausência de referência positiva na vida da criança e da família, no livro didático […]
“que esgarça os fragmentos de identidade da criança negra, que muitas vezes chega à
fase adulta com total rejeição a sua origem racial, trazendo-lhe prejuízo à sua vida
cotidiana” (MUNANGA, 2005, p. 120).
As diretoras e os conflitos raciais entre alunos
As diretoras afirmaram em vários momentos que na questão racial são os
próprios alunos que se discriminam, tem problema de autoestima, a escola não faz
distinção entre alunos. A escola trabalha com as diferenças, apresenta teatro, faz
brincadeiras de integração. Mesmo que as diretoras insistam em afirmar o tratamento
igualitário entre negros e brancos, a realidade escapa e mostra outra coisa. As situações
apresentadas abaixo revelam que as discriminações estavam presentes nos conflitos
entre alunos.
Situação 1:
Uma aluna negra reclama para a diretora durante o recreio que as outras crianças
não querem brincar com ela e que a estão provocando. A diretora não dá muita atenção
e manda a aluna brincar. E diz: „esta menina vive reclamando que ninguém gosta dela,
eu acho que a autoestima dela é baixa, já falei com a mãe dela, mas ela não fez nada, ela
chora toda hora e vive pelos cantos da escola, ela nunca fica nos grupos‟. Momentos
depois a funcionária traz a aluna para a direção dizendo que ela estava brigando com
outros alunos (Escola B).
A ausência de iniciativas diante de conflitos raciais entre alunos pode manter o
quadro de discriminação. Diante disso, a omissão revela conivência com tais
procedimentos. Em vários momentos durante a pesquisa, alunos denunciavam para as
diretoras que estavam sendo discriminados, elas continuavam suas atividades
administrativas mandando os alunos voltarem à sala de aula. A sua intervenção ocorria
quando as brigas chegavam às agressões físicas. Não havia uma proposta efetiva nas
84
escolas para trabalhar as questões raciais. Havia trabalhos esporádicos, para cumprir
obrigações. Suas atitudes se resumiam em registrar nos livros de ocorrência e às vezes
chamar o responsável.
Cavalleiro (2003, p. 101) também confere grande destaque para o silêncio que
impera no ambiente escolar quanto ao tema das relações raciais:
Ao silenciar, a escola grita inferioridade, desrespeito e desprezo. Neste
espaço, a vergonha de hoje somada à de ontem e, muito provavelmente, à de
amanhã leva a criança negra a representar suas emoções, conter os seus
gestos e falas para, quem sabe, passar despercebida num espaço que não é
seu.
As duas escolas receberam do MEC (Ministério de Educação e Cultura) o
projeto „A Cor da Cultura‟, que é um projeto de valorização da cultura afro-brasileira. A
escola participou da formação do projeto e, após a formação, tem de desenvolver as
atividades. As duas escolas relataram que estão desenvolvendo o projeto. Presenciei o
desenvolvimento de algumas atividades do projeto nas escolas. Estas se resumiam em
danças, músicas, cartazes, mas de forma superficial. Não há um trabalho contínuo na
escola.
Gonçalves (1987), na sua pesquisa em escola pública, afirma que é possível
verificar a existência de um ritual pedagógico que vem reproduzindo a exclusão e,
consequentemente, a marginalização escolar da criança e do jovem negros. Para ele “o
ritual pedagógico do silêncio exclui dos currículos escolares a história de luta dos
negros na sociedade brasileira e impõe às crianças negras um ideal de ego branco”
(1987, p. 28).
Durante a pesquisa, as falas das diretoras são cercadas de cuidados em ser
corretas. Inicialmente, negam a ocorrência de comportamentos e atitudes racistas entre
alunos.
[…] aqui não há racismo, discriminação não. Eu não vejo. Aqui a
comunidade é composta de negros, a maioria dos alunos são negros.
(Diretora B). “o preconceito aqui é contra os deficientes, mas com o negro
não.” (Diretora Escola B).
85
Munanga (1996) critica o “racismo silenciado” ou dissimulado, brasileiro, que
nega a existência do preconceito e da discriminação racial e contribui para a produção
das desigualdades sociais e raciais dificultando a ascensão social do negro.
aqui na minha escola não há discriminação, as brigas são por outro motivo,
mas não vejo discriminação pela cor não. Hoje é mais o bullying, virou
modismo, é o que nós temos visto frequentemente na mídia e isto tem
refletido no comportamento dos alunos na escola. (Diretora escola A).
Percebe-se no depoimento da diretora, quando atribui à discriminação racial
como bullying, modismo, há minimização das consequências das práticas racistas no
trabalho com os alunos.
Segundo Pahim (1998) as escolas ao invés de engajarem na luta contra a
discriminação racial criam um ambiente hostil quando, em seu espaço, as questões
referentes às praticas são tratadas com indiferença e descaso, prevalecendo sempre o
silêncio ou a premissa de que o racismo não existe e que a discussão e a
problematização de tais questões fogem ao âmbito da escola.
A rotina da escola constituía-se com alunos que eram mandados para a sala da
diretora, os quais recebiam punição oral ou era relatado no livro de ocorrência em que
muitas vezes era chamado o responsável do aluno para vir à escola. Algumas vezes os
alunos eram impedidos de entrar na sala sem a presença do responsável. Outras vezes os
alunos ficavam na direção de castigo em pé ou fazendo cópias. E muitas vezes ficavam
sem educação física, a aula que eles mais gostavam. Quando esses alunos iam para a
direção a diretora lhes dirigia frases agressivas, conforme segue:
Esse aluno não tem jeito, parece um louco, ninguém aguenta mais esse aluno,
vou falar, a escola não está conseguindo controlar mais, eles não tem
controle. (Diretora A).
Na pesquisa, percebeu que a relação das diretoras com os alunos constitui
relações de poder à medida que as elas oferecem tratamento desigual para os alunos,
quando outorgam direitos e privilégios somente para alguns e usam da posição que
ocupam para preterição de alunos pela cor. Deixavam muitas vezes os alunos negros de
castigo e mandavam o aluno branco de volta para a sala, punindo somente o aluno
negro. Como nos afirma Elias (2000), na construção da auto-imagem de um grupo tido
como melhor, se constrói o poder deste sobre o outro.
86
A diretora dizia que o regimento e as regras de convivência eram para todos,
mas, no entanto, percebeu-se que alguns alunos “comportados”, “obedientes”,
“educados”, segundo ela não tinha nenhum castigo aplicado, mesmo sendo mandados
para a sua sala. Na verdade, quem sofria punições eram sempre os mesmos alunos
carimbados de “bagunceiros”, “desobedientes”, os que não têm jeito, candidatos à
reprovação, „assanhados‟,” não são “boa companhia”, segundo a diretora e outros
profissionais da escola. Os alunos que sempre estavam na sala da diretora com esses
atributos eram os alunos negros.
[…] a professora disse para a gente não ficar com a T. (negra) porque ela não
é boa companhia, ela é repetente, grita muito, não gosta de estudar, não é
bom andar com ela. (depoimentos de duas alunas brancas para a diretora
sobre a conversa com a professora. Alunas do 6° ano B, Escola A).
Os estereótipos citados acima dão origem ao estigma que, imputado ao aluno
negro no cotidiano escolar, dificulta sua aceitação, colocando-o na condição de
desacreditado. (Goffman, 1982).
Na sala da diretora, quando ela recebia os alunos brancos ficava evidente
tratamento diferenciado. Algumas vezes a diretora demonstrava preferência com
carinhos, gestos, para com os alunos brancos. Não presenciei nenhuma situação em que
as diretoras demonstrassem afeto para com os alunos negros. Essas profissionais ainda
não estão conscientes de que a manutenção de preconceitos seja um problema. Dessa
forma, interiorizam atitudes e comportamentos discriminatórios que passam a fazer
parte do seu cotidiano. Em uma situação:
Situação 2
A professora entra na direção com dois alunos, um negro e outro branco, e
reclama que eles não a deixam dar aula, que o aluno branco o tempo todo xinga o aluno
(negro) de frango de macumba, saci. A diretora da escola A olha para o aluno negro e
diz: por que você brigou, não tem jeito mesmo. Olha para o aluno branco e fala: até
você, eu não acredito, você sempre tão quetinho, faz todas as tarefas. Olha para o aluno
negro e diz: você está de castigo. Registra no livro de ocorrências e adverte o aluno
negro que ele deve trazer o responsável.
87
Ficava evidente a valorização do aluno branco nas atitudes das diretoras. Para
Munanga (1999):
A essência das teorias científicas sobre raça postula a raça branca como
suprema e pura. Na visão dos racistas os brancos ultrapassam todos os outros
em beleza física. Os brancos que não têm o sangue de brancos aproximam-se
da beleza, mas não a atingem.
Percebe-se na situação acima que quanto mais próximo o indivíduo se encontra
do extremo branco mais se percebe legitimado para utilizar insultos raciais contra outros
indivíduos de pele mais escura. Muita gente não gosta da denominação “preta” ou
“negra” por serem essas denominações utilizadas como insulto em situações de
relacionamento social conflituoso ou, então, como uma forma de inferiorizar alguém
(Guimarães, 2002).
Se voltarmos um pouco em nossa história, no final do século XIX e XX, há uma
tendência à defesa do branqueamento da nação. As teorias racistas da época apontavam
para influência negativa do negro, em virtude de sua herança inferior. Os negros serão
tidos como inferiores, no momento após a abolição, eles têm de se introduzir num novo
momento histórico. O racismo atribui a inferioridade a uma raça e está baseada em
relações de poder, legitimados pela cultura dominante.
Sabendo que existem relações de poder nas relações diretor/alunos e racismo na
sociedade brasileira, por meio das contribuições de Norbert Elias, entendeu-se essas
relações, bem como sua influência nos processos de estigmatização no comportamento e
tratamento aos alunos. Compreender o processo de desigualdade, estabelecida nas
relações de poder entre indivíduos ou grupos, no qual um exerce influência na vida do
outro, os estigmatizando.
Apresenta a seguir o estudo de Norbert Elias e Scotson (2000) que pesquisaram
as relações de poder entre grupos na Comunidade de Wiston Parva. No estudo dessa
comunidade foi constatada a demarcação das relações de poder, que se estabeleciam
entre os moradores residentes na região há duas ou três gerações, que se viam como
superiores, em relação aos recém-chegados.
Segundo os autores, o poder é um atributo das relações sociais, é fruto do
contato entre indivíduos e das suas ações a todo instante, sejam elas no campo político,
econômico, cognitivo, entre outros. „O poder deixa de ser uma substância para se
88
transformar numa relação entre duas ou mais pessoas ou objetos naturais, assim, o poder
é um atributo destas relações que se mantêm num equilíbrio instável de forças. ‟ (Nobert
Elias e Scotson, 2000)
Em Winston Parva, ainda da realização da sua pesquisa, os autores identificaram
uma determinada figuração marcada pela existência de um grupo de moradores antigos
que se colocava como pessoas de valor humano mais elevado que a dos moradores
novos, sendo estes estigmatizados pelos primeiros. Essa figuração foi classificada por
Norbert Elias como estabelecidos e outsiders.
Nas atitudes das diretoras em relação aos alunos, ficavam evidentes as relações
de superioridade caracterizando a figuração de estabelecidos e outsiders. As diretoras,
em vários momentos, demonstram preferência com gestos e palavras aos alunos
brancos:
Este aluno é indisciplinado, porque ele é muito carente, a mãe abandonou, ele
é bonzinho. (Diretora da Escola B).
Percebe-se que quando a diretora fala dos alunos brancos acrescenta sempre uma
justificativa para o seu comportamento. Nas situações de conflitos entre alunos brancos
e negros sempre é o negro que recebe a culpabilidade.
Esse aqui (aluno negro) não tem jeito, briga o tempo todo, parece que tem
uma coisa no corpo, esse aqui (aluno branco) não briga, não sei o que
aconteceu, mas com certeza V(negro) provocou. (Diretora da Escola A).
As práticas discriminatórias no cotidiano escolar sempre são acompanhadas de
justificativas que culpam a vítima pela agressão sofrida.
“… eles (alunos brancos) fazem muitas brincadeiras nas salas e os alunos negros
vão para as brigas” (Diretora da Escola A).
Segundo Cavalleiro (1998), o cotidiano escolar apresenta-se marcado por
práticas discriminatórias que condicionam a percepção negativa das possibilidades
intelectuais, profissionais, econômicas e culturais e propicia, ao longo dos anos, a
formação de indivíduos, brancos e negros com fortes ideias e comportamentos
hierarquicamente racializados e carregados de estereótipos.
89
Percebe-se, nesse depoimento, que a diretora não enxerga a extensão da
discriminação racial e que esta pode causar marcas profundas nos sentimentos dos
discriminados. Observe este fato acontecido:
Situação 3
Uma professora entra na sala da diretora com dois alunos negros, dizendo que
não aguenta mais os alunos; que os alunos são debochados; não fazem nada. A diretora
A olha para os alunos dizendo que novamente são eles que estão na direção, que eles
são alunos indisciplinados, não fazem nada, só atrapalham as aulas. Um dos alunos
argumenta com a diretora que a professora briga muito com eles e disse que vão ser
expulsos da escola e continua dizendo que a professora pensa que ela é maior ,que ela
manda aqui. A diretora continua dizendo para os alunos que eles não gostam de estudar,
que devem procurar outra escola, parar de dar trabalho na escola. A diretora em nenhum
momento conversa com a professora para saber o que realmente aconteceu.
Observa-se que durante todo o tempo os alunos tentam conversar com a diretora,
mas ela não ouve, não conversa com a professora, na sua concepção esses alunos não
têm jeito. Na sala da direção, durante a observação, muitos alunos procuravam a
diretora para fazer denúncia de algum colega por motivos de xingamentos, apelidos
entre outros. Muitos pediam providência da diretora. Sempre ela mandava esse aluno
voltar e resolver com a professora. Algumas vezes esse aluno que reclamou voltava de
castigo porque brigou na sala e bateu no colega. E muitos justificavam ao chegar à
direção:
“… diretora, eu disse que ele estava me xingando e agora rasgou o meu
caderno”. (Aluno 5° ano, negro).
A ausência de atitudes da diretora sinaliza ao aluno discriminado que ele não
pode contar com o seu auxílio. Para o aluno que discrimina, sinaliza que ele pode
continuar praticando discriminação, pois nada irá acontecer a ele. O consentimento por
parte dessas profissionais nas escolas banaliza a discriminação racial.
Segundo Elias e Scotson, os estabelecidos censuram frequentemente os
outsiders, atribuindo-lhes conduta anômicas, sendo esses últimos vistos como “indignos
de confiança”, „indisciplinados”, “desordeiros”. Ouvi durante a pesquisa que os alunos
negros são os “bagunceiros”, “indisciplinados”, “terror da escola”, “os que não
90
aprendem”. A questão da culpabilidade é tão forte que um aluno negro faltou à aula
vários dias da semana, ele é considerado por todos da escola como o “pior” da turma, o
culpado por toda bagunça da sala, e ele já assumiu os estigmas:
“… quando eu venho na aula eu bagunço, brigo com meus colegas, a
professora manda eu de castigo, ou fico sem educação física, aí eu bagunço
mesmo, falto aula, eu vou sair desta escola.” (Aluno 6° ano, negro).
Esse aluno provavelmente vai ser um excluído do espaço escolar, porque não
satisfaz as regras e padrões de comportamentos da escola. Ele é punido de diversas
formas, a escola contribui para a exclusão desse aluno.
De acordo com Dayrell (2002) a construção de auto-imagens, como a de “mau
aluno”, ou as reprovações são alguns dos mecanismos internos à organização escolar
que terminam por levá-los à exclusão. A forma como muitos elaboram a saída da escola
é marcada pela culpa e pelo arrependimento: consideram-se os únicos responsáveis pela
falta de qualificação na qual se encontram atualmente. Não levam em conta os
mecanismos sociais perversos que interferiram nas suas escolhas, com um sentimento
de culpa que tende a minar a autoestima.
A discriminação racial tem sido identificada como fator de estímulo à evasão
escolar e à baixa autoestima entre alunos afro-brasileiros, prejudicando seu rendimento
escolar, argumentando a possibilidade de repetência e reduzindo sua frequência às salas
de aula.
Patologização do aluno negro: Cadê o médico?
No cotidiano escolar, encontrei alguns alunos que já têm o diagnóstico feito
pelas diretoras: que não aprendem, têm dificuldade para entender as atividades porque
esses alunos (negros) são doentes. Observe o depoimento:
… Estes alunos não aprendem, já foram reprovados e vão continuar este ano.
Eles precisam ir ao médico, deve ter alguma coisa. Mas cadê o médico?
(Diretora da Escola A).
91
Patto (1990) discute o papel dessa prática indutora da “profecia auto realizada”,
por meio da qual as professoras vêem confirmadas suas previsões feitas logo no início
do ano a respeito do aluno. E afirma:
“na prática, outra motivação fala mais alto: cada professora tenta livrar-se dos
alunos que lhes são indesejáveis, ou porque contribuirão para aumentar os
índices de reprovação em sua classe ou porque perturbam a ordem…” (Op.
Cit., p. 214).
Os alunos que divergem das normas estabelecidas para aprendizagem são
“rotulados” de alunos que não aprendem, não são inteligentes, têm problema
neurológico. A escola faz uma ligação dos alunos que apresentam dificuldade na
aprendizagem como disfunção neurológica. Müller (1999, p.53) diz “espera-se que as
pessoas mais escuras não sejam inteligentes ou não sejam suficientemente esforçados,
espera-se o seu fracasso”.
Collares e Moysés (apud Gonçalves, 2006), ao estudarem as razões do “não
aprender”, mostram como os “achados” médicos e científicos podem ser tornar
distorcidos, sustentando uma ótica preconcebida, preconceituosa quanto às razões do
não aprender. Dentro dessa visão, os não aprendentes são estabelecidos como “doentes”
e doentes não se destinam à escola, mas a classes especiais. “Entre as crenças
inviabilizadoras da aprendizagem, os autores apresentam: fatores nutricionais,
disfunções neurológicas, imaturidade afetiva, imaturidade intelectual (p. 77)”.
O que observei foi que as diretoras acreditavam em fatores neurológicos como
causa dos problemas dos alunos.
[…] aqui tem uns alunos que não aprende, deve ter problema, mas a gente
conversa com a família, pede para levar ao médico, elas não levam, diz que
não encontra médico, e vai rolando aí, reprovando de um ano para o outro, a
escola não tem o que fazer. (Diretora da Escola A).
[…] esse aluno não aprende, vem aqui, só fazer bagunça, deve ter algum
problema na cabeça, briga demais (Diretora da Escola B).
A escola ou a diretora espera sempre que a família resolva os problemas dos
alunos, como aprendizagem, que é um problema da escola. O aluno não aprende o
conteúdo, não consegue fazer as tarefas em sala, mas e a escola o que está fazendo?
Quais são as ações desenvolvidas pela escola para que esse aluno aprenda? Já foi
realizado um diagnóstico desses alunos para saber quais são as suas dificuldades? A
92
escola não pode responsabilizar somente os alunos pelas suas dificuldades. As diretoras
revelam que a escola participa do Programa Saúde na escola e que já foram feitos
diagnósticos desses alunos mais que nem todos os responsáveis dão continuidade no
tratamento.
As falas das diretoras demonstram que está cristalizada a idéia de que os
problemas de aprendizagem apresentados pelos alunos são em virtude de uma pretensa
doença, que impede a aprendizagem escolar.
Collares e Moysés (1996) chamam a esse processo de buscar causas e soluções
médicas a nível organicista e individual, para problemas de origem eminentemente
social de “medicalização do ensino”.
Ao conversar com as diretoras sobre as dificuldades dos alunos, as reprovações,
elas sempre falam que o aluno é doente e culpa a família, diz que as maiorias das
famílias são desestruturadas; que os alunos não têm referência de família. O que se
percebeu é que a escola ainda trabalha com modelo de família composta de pai, mãe e
filhos. Ou às vezes coloca a culpa na falta de escolarização dos pais.
Reuniões com as famílias: a ata da exclusão
A discussão empreendida nesse tópico diz respeito a uma reunião que aconteceu
em uma das escolas pesquisadas. Achei oportuna trazer este assunto porque a presença
da família na escola é mais um ponto favorável na educação.
As escolas estabelecem a reunião de pais no seu calendário escolar para entrega
de avaliações. Essa é uma prática das escolas e também das escolas pesquisadas no
fechamento de cada bimestre. A reunião é marcada e os professores entregam as
avaliações realizadas durante o bimestre.
Participei de uma reunião para entrega das avaliações e presenciei uma prática
comum nas escolas, não sendo nesta diferente. Os pais dos alunos que obtiveram as
notas altas eram parabenizados. Os pais dos alunos que obtiveram notas consideradas
baixas ouviam que seus filhos eram indisciplinados, que não querem estudar. Percebe-se
93
que as escolas priorizam o comportamento dos alunos na reunião deixando de lado as
questões de aprendizagem.
Após essa reunião, em que muitos pais não compareceram, a diretora e os
professores resolveram fazer outra reunião com os responsáveis faltosos e dessa vez
convocar o conselho tutelar.
Nessa outra reunião o principal assunto foi à indisciplina dos alunos. A diretora
explicou que o conselho tutelar foi chamado para apresentar aos pais a sua
responsabilidade para com a educação dos seus filhos. Algumas mães questionaram a
presença do conselho tutelar na reunião dizendo que não achava necessária a presença
do conselho na reunião.
A diretora começou a reunião explicando o seu objetivo que era falar sobre o
comportamento dos alunos. Dizia que os alunos eram indisciplinados, que atrapalhavam
as aulas. Ela justificava o tempo todo que esses alunos eram os problemáticos da escola,
que o seu comportamento prejudicava as aulas, que se não melhorar vão receber a
transferência. As queixas de indisciplina dos alunos feitas pela direção eram muitas:
bagunça, agressividade, indisciplina vista como distúrbio, entre outras. Ao final da
reunião foi acordado que os pais devem comparecer à escola uma vez por semana e
assinar o caderno dos filhos.
Quando um aluno é publicamente rotulado de indisciplinado ele está sendo
violentado e excluído. A escola não ouviu esses alunos e não considerou as suas
justificativas, dessa forma está reproduzindo desigualdades e provavelmente esses
alunos que vão abandonar a escola.
A gestão escolar na educação das relações raciais
A gestão educacional pode exercer papel primordial no combate ao racismo
escolar, uma vez que a discriminação racial se manifesta nesse ambiente que,
aparentemente, é livre de preconceitos, mas pode gerar danos ao grupo negro inserido
na escola.
94
A educação das relações raciais surge a partir da Lei n° 10.639/03. O papel do
diretor é fundamental na implementação dessa Lei. Ela foi sancionada e alterou a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação14
nº 9.394/1996, estabelecendo a inclusão da temática
História e Cultura Afro-Brasileira, no currículo oficial da rede de ensino. A partir dessa
Lei, tornou-se obrigatória, no currículo escolar da educação básica, a inclusão do
“[…] estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinente à História do Brasil.” (BRASIL, 1996, SP).
A Lei 10.639/03 acrescentou à Lei n° 9.394/96 os seguintes artigos:
“Artigo 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais
e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira.
§ 1° O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil.
§ 2° Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.”
“Artigo 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como „Dia
Nacional da Consciência Negra‟” (Lei 10.639/03).
A Lei n° 10.639/03 traz a necessidade de aprofundar o estudo sobre a questão
racial no Brasil e estabelece a obrigatoriedade da temática história e cultura africana e
afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino, o que significa ruptura com um tipo de
postura pedagógica que não reconhece as diferenças resultantes do nosso processo de
14
A Lei 10.639/03 de 9 de janeiro altera o artigo 26 da LDB tornando obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e
privados.
95
formação nacional na tentativa de resgatar a contribuição do povo negro na construção
da sociedade brasileira.
A educação das relações raciais para o movimento negro relaciona-se com o
desarraigamento de práticas racistas no cotidiano escolar, ou seja, constitui-se em
educação antirracista. Para Cavalleiro (2001, p.157):
Uma educação antirracista prevê necessariamente um cotidiano escolar que
respeite, não apenas em discurso, mas também em prática, as diferenças raciais. É
indispensável para a sua realização a criação de condições que possibilitem a
convivência positiva entre todos.
Constitui-se em elemento essencial no processo de construção/reconstrução,
conhecimento/reconhecimento e valorização de diferentes perspectivas e compreensões
concernentes à formação e às configurações da sociedade brasileira contemporânea, no
sentido de desconstruir as significações e representações preconceituosas e racistas que
têm se configurado nos conteúdos didáticos e no espaço escolar (VALENTIM e
BACKES, 2007, p. 03). O alcance dos objetivos da Lei n° 10.639/03 está condicionado
à adoção de uma postura antirracista e inclusiva. A implementação da lei no contexto
escolar discutindo os temas propostos contribuirá para enfrentar as desigualdades raciais
na educação brasileira.
A Lei n° 10.639/03 vem reconhecer a escola como lugar da formação de
cidadãos e afirmar a relevância da escola para promover a necessária valorização das
matrizes culturais que fizeram do Brasil o país rico, múltiplo e plural que somos.
Outro documento surge para a implantação dos marcos legais da Lei, é o Plano
Nacional de implementação das diretrizes curriculares raciais que aborda a educação
das relações raciais passando pelos níveis da educação básica: educação infantil, ensino
fundamental, ensino médio, e educação de jovens e adultos (EJA), sinalizando que o
plano deve ser implantado por meio do Projeto Político Pedagógico e da proposta
curricular da escola.
As características para uma gestão antirracista são: Reconhecer a existência do
racismo na sociedade brasileira; Implementar a Lei nº 10639/03 para a construção
positiva , valorização e reconhecimento da identidade dos afro-brasileiros; Considerar a
96
diversidade e a pluralidade cultural da sociedade brasileira; Comprometimento ético
com relação á questão racial; Estudos e reflexões aprofundadas acerca das questões
raciais na sociedade brasileira; Contemplar na matriz curricular as diretrizes que aborda
a educação das relações raciais; Promover diálogos nos conflitos raciais com todos os
envolvidos; Contextualizar os conflitos raciais e ampliar as discussões. Os conflitos
raciais devem ser vistos como possibilidade educativa.
Promover uma educação antirracista é levar para o espaço escolar a discussão
sobre as desigualdades na sociedade. Promover uma gestão antirracista precisa de um
posicionamento claro diante dos desafios e vontade que fazem a diferença. A educação
antirracista reconhece o ambiente escolar como espaço para a realização de um trabalho
que possibilite o conhecimento respeitoso das diferenças raciais.
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa procurou compreender as relações raciais no ambiente escolar de
duas escolas municipais de Cuiabá-MT, com enfoque nas percepções de diretoras e
alunos. Percebi pelos dados da pesquisa que ao retratar a discriminação racial, as
diretoras asseguram algumas ideias constituídas em seus discursos, ora negando a
discriminação, ora a demonstrando e até mesmo denunciando algumas das suas facetas.
Os relatos dos alunos permitiram entender no movimento das suas relações que
estereótipos sobre o negro circulam entre eles por meio de piadas, apelidos entre outros.
Nesse sentido, características como a cor, cabelos, formato dos lábios, nariz dos alunos
negros são referências negativas que atuam anulando o negro.
Com relação à percepção dos alunos, evidenciou-se que eles têm consciência de
que a discriminação racial existe e que ela vigora tanto no cotidiano escolar quanto fora
dele, mas essa preocupação não os impede de práticas e atitudes de preconceito e
discriminação, como xingamentos e apelidos de cunho racista como “brincadeiras”.
Os depoimentos dos alunos permitiram perceber que os estereótipos sobre o
negro circulam entre eles através de piadas, apelidos, entre outros. Desta forma,
características como a cor e cabelos dos alunos negros são referenciais negativos que
agem anulando o ser negro.
Na análise dos dados na percepção dos alunos, pôde-se verificar que a falta de
trabalhos acerca das relações raciais na escola leva muitos alunos negros a serem
vitimizados, ocasionando até mesmo a auto negação de sua identidade.
A pesquisa mostrou, na percepção das diretoras, que tudo está caminhando
dentro da normalidade e não há nada que as incomoda. Entretanto, a situação dos alunos
negros continua a mesma, ou seja, continuam sendo discriminados, esquecidos,
recebendo julgamentos negativos.
Vi uma discriminação caracterizada pelo silêncio e pelo mito da democracia
racial. Presenciei a invisibilidade da questão racial na escola e a reprodução do racismo
98
no seu cotidiano. Faz-se necessário uma reflexão-ação em torno dos problemas que
coexistem no cotidiano escolar, racismo, discriminação racial e preconceito que são
negados ou ignorados pelos agentes educacionais.
Destacou-se o silêncio das diretoras em relação às práticas racistas entre os
alunos, acompanhadas da falta de atitude firme e contundente diante das ocorrências de
conflitos. Não há trabalhos, diálogos que permitem aos alunos corrigir suas posturas,
atitudes que aludam discriminação e não há um trabalho de amparo aos que sofrem
discriminação. O silêncio, a minimização das ofensas de cunho racial entre alunos, por
parte das diretoras, evidencia certa conivência com os comportamentos e atitudes
racistas na trajetória de vida dos alunos, assim como as sequelas, decorrentes de
preconceito e discriminação, na formação de suas identidades.
As entrevistas com as diretoras evidenciaram que a atuação delas frente à
educação das relações raciais encontra-se bastante superficial, faltam ações voltadas
para promoção de uma educação antirracista. Em nenhum momento questionam sobre a
extensão de atitudes racistas na vida dos alunos.
As entrevistadas revelaram que para a escola todos são tratados como iguais, e
que nenhum professor ou funcionário apresenta atitudes racistas. Isso de alguma forma
colabora para que as questões raciais não sejam propostas e discutidas de forma a
combater manifestações de discriminação e preconceito racial. Quando na prática esses
alunos na concepção das diretoras são os danados, agressivos, revoltados, doentes, são
estigmatizados como incapazes intelectualmente, desinteressados. Essas percepções das
diretoras estão enraizadas no imaginário social que teve forte influência das teorias
racistas.
Enfatizei que pouco pode ser feito sem o comprometimento e sensibilidade do
educador mediante o reconhecimento da sua responsabilidade neste processo de
mudanças proposto pela Lei nº 10.639/03, e sobre o reconhecimento da história e
cultura africana e afro-brasileira, como construtores de uma educação das relações
raciais.
É importante ressaltar que, apesar da existência da Lei n° 10.639/03, as relações
sociais no ambiente da escola continuam carregadas de ideologias racistas contra os
99
alunos negros. É incontestável a maneira naturalizada do preconceito racial que
alimenta relações de poder desiguais entre alunos negros e brancos.
É preciso ressaltar a necessidade de formação do educador, gestor para a prática
profissional que considere a diversidade étnica racial no contexto escolar. Entretanto, o
não acesso à formação específica sobre as questões étnicas raciais, não o excetua da
responsabilidade e sensibilidade com o tratamento da diversidade e amparo dos alunos
frente às situações de discriminação. A omissão das diretoras diante das discriminações
raciais acaba autorizando que continue a prática do racismo no cotidiano das relações
estabelecidas na escola.
Procurei mostrar a partir dos dados coletados como as relações raciais no
cotidiano escolar são marcadas por conflitos raciais, que confirmam um contexto de
desigualdades entre negros e brancos na sociedade brasileira. As incidências de racismo
estão presentes nas relações hierarquizadas entre os alunos e nas atitudes das diretoras
quando privilegiam o aluno branco em detrimento do aluno negro.
Ademais, gostaria muito de externar o quanto foi importante realizar esta
pesquisa considerando este tema tão relevante, apresentando as percepções das diretoras
a respeito das relações raciais entre os alunos, ou seja, o foco desta vez foi à gestão da
escola e os alunos, não professores, família. Entendo que a gestão educacional pode
exercer papel primordial no combate ao racismo escolar, uma vez que a discriminação
racial se manifesta nesse ambiente que, aparentemente, é livre de preconceitos, mas
pode gerar danos ao grupo negro inserido na escola. Nesse sentido, foi sofrido
desenvolver esta pesquisa, ao me deparar com as manifestações de discriminação racial
na escola, mas foi gratificante porque pude dar visibilidade ao papel da gestão,
segmento importante para que a educação das relações raciais realmente se efetive na
escola.
100
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ivone Jesus. Relações raciais: um estudo com alunos, pais e
professores. Cuiabá: EdUFMT, 2010.
ALGAVE, V.A. Cultura negra na sala de aula: pode um cantinho de africanidades
elevar a auto-estima de crianças negras e melhorar o relacionamento entre crianças
negras e brancas? Dissertação de mestrado. São Carlos: UFSCAR, 2005, CAP.02.
ALONSO, Myrtes. O papel do diretor na administração escolar. 1988, 6° edição, Rio
de Janeiro.
ANDREOTTI, Azilde L., Lombardi, José Claudinei e Minto Lalo Watanabe. História
da Administração Escolar no Brasil. Do Diretor ao Gestor. Editora Alínea.2010
ANTUNES, Rosmeiri Trombini. Artigo: O gestor escolar. Maringá 2008.
APPLE, Michael W.; BEANE, James A. (Org.). Escolas Democráticas. Tradução
Dinah de Abreu Azevedo, 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
AQUINO, Júlio Gropa. Diferenças e preconceitos na escola. São Paulo: Summus,
1998.
BECKER, Howard S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. Tradução de Marco
Estevão e Renato Aguiar. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
BOGDAN, Roberto C.; BIKLER, Sari Knopp. Investigação qualitativa em educação.
Tradução de Maria João Álvares, Sara Bahia dos Santos e Telmo Marinho Baptista.
Portugal: Porto, 1994.
CANDAU, Vera Maria (Coord.). Somos todas (os) iguais? Escola, discriminação e
educação em direitos humanos. Rio de Janeiro: DP & A 2003.
CANEN, A. MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa (orgs.). Ênfases e omissões no
currículo. Campinas, SP: Papirus, 2001.
101
________. SANTOS, Ângela Rocha dos (orgs.). Educação multicultural: Teoria e
Prática para professores e gestores em educação. Rio de Janeiro: Editora Ciência
Moderna, 2009.
________. G., CANEN, A. Organizações Multiculturais: a logística na Corporação
Globalizada. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda., 2005.
CASTRO, Mary Garcia; ABRAMOVAY, Miriam (coord.) Relações Raciais na escola:
reprodução de desigualdade em nome da igualdade. Brasilia: UNESCO, 2006.
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo,
preconceito e discriminação. São Paulo: Contexto, 2000.
CERQUEIRA, Luciene Souza Santos. As muitas faces do sucesso escolar: do real ao
ideal. Salvador, (dissertação de mestrado), 2005.
COLLARES, Cecilia A. L. A transformação do espaço pedagógico em espaço
clínico: a patologização da educação. Séries ideias. São Paulo: FDE, Nº 23, 1994.
COSTA, Cândida Soares da. O negro no livro didático de Língua Portuguesa:
imagens e percepções de alunos e professores. Dissertação (mestrado em educação)
UFMT, Cuiabá, 2005.
CUNHA Jr, Henrique. A indecisão dos pais face a percepção de discriminação racial
na escola pela criança. Cadernos de pesquisas Carlos Chagas, São Paulo, 1987.
D‟ ADESKY, J. Pluralismo Étnico e Multiculturalismo: Racismo e anti-racismo no
Brasil. Rio de Janeiro, 2005.
DA MATTA, Roberto. Digressão: a fábula das três raças, ou problema do racismo à
brasileira. In: Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro:
Racco, 1987, p. 58-85.
DAYRELL, Juarez. Múltiplos olhares sobre educação e cultura. 2002
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os Outsiders: sociologia das
relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
102
FAZZI, Rita de Cássia. O drama racial das crianças brasileiras: socialização entre
pares e preconceito. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
FERNANDES, Viviane Barbosa. Educação e relações raciais: percepções de alunos
e professores de uma escola pública de São Carlos. Dissertação, 2010.
FREITAS, Sueli Aparecida l. O diretor e sua concepção de educação: influência na
efetividade do processo de ensino em escolas da rede pública de Cuiabá: UFMT. 2001.
Dissertação (Mestrado em Educação). Instituto de Educação. UFMT. 2001.
GATTI, Bernadete Angelina. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e
humanas. Brasília: Líber Livro, 2005.
GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade
deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
GOMES, Candido Alberto. A escola de qualidade para todos. Rio de Janeiro, 2005.
GOMES, Marcia Regina Luiz. Relações raciais no cotidiano escolar: percepções de
famílias no município de Cuiabá- entre o visível e o invisível. Dissertação de
mestrado- UFMT, Cuiabá, 2007.
GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo:
reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural? In: Revista Brasileira de
Educação. Campinas: autores associados, 2002, v.21, p.40-51.
____________________. Educação cidadã, etnia e raça: o trato pedagógico da
diversidade. In: Cavalleiro, E. (Org.) Racismo e anti- racismo na educação:
Repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro 2001.
GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira. O silêncio: um ritual pedagógico a favor da
discriminação racial como fator de seletividade na escola pública de primeiro grau
de 1º a 4ª série, 1985.
GONÇALVES, Vanda Lúcia Sá. Tia, qual é o meu desempenho? Percepções de
professores sobre o desempenho escolar de alunos negros. (Coleção Educação e
Relações Raciais, vol.7)- Cuiabá: EdUFMT, 2007. Dissertação de mestrado-Cuiabá:
UFMT, 2OO6.
103
GUIMARÃES, Antônio Sergio Alfredo. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo:
Editora 34, 2002.
___________. Preconceito racial: modos, temas e tempos. São Paulo: Cortez, 2008.
HASENBALG, Carlos A. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de
Janeiro: Graal, 1979.
HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade racial no Brasil: Evolução das condições de
vida na década de 90. Rio de Janeiro: IPEA, 2001.
____________________Raça e gênero no sistema de ensino: Os limites das políticas
universalistas em educação. Brasília: UNESCO, 2002.
JACCOUD, Luciana Barros e BEGHIN, Nathalie. Desigualdades raciais no Brasil:
um balanço da intervenção governamental/ Luciana de Barros Jaccoud e Nathalie
Beghin. Brasília: IPEA, 2002.
LIBÂNEO, José Carlos. Educação Escolar: política, estrutura e organização. São Paulo:
Cortez, 2003.
LIBANÊO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia.
Alternativa, 2005.
LUCK, Heloisa. A escola participativa: o trabalho do gestor escolar. 6° edição. Rio de
Janeiro. 2002.
LUCK, Heloisa. Gestão educacional: uma questão paradigmática. Petrópolis: Vozes,
2008.
LÜDKE, Menga. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU,
1986.
MARQUES, Luciana R. Caminhos da democracia nas políticas de descentralização
da gestão escolar. Ensaio: Avaliação e Política Pública em Educação, Rio de Janeiro,
v.14, nº. 53, p. 507-526, out/dez.2006. Disponível em: HTTP://www.scielo.br/.Acesso
em: 06 de fevereiro 2012.
104
MINAYO, Maria Cecilia de Souza (org.). Pesquisa social: Teoria, método e
criatividade. Petrópolis-RJ: Vozes, 2004.
MOITINHO Sara. A Criança Negra no Cotidiano Escolar. Rio de Janeiro, 2009.
161p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Petrópolis: Vozes, 1994.
MONTEIRO, Tereza Leones. Gestão democrática: o papel do gestor escolar na
construção de processos democráticos na escola. Tereza Leones Monteiro-Cuiabá-
2009.
MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues. As construtoras da nação: professoras primárias
na Primeira República. Niterói: Editora Intertexto, 1999.
MÜLLER, Maria Lúcia; PAIXÃO, Lea Pinheiro. Educação, diferenças e
desigualdades. Cuiabá: EdUFMT, 2006.
MUNANGA, K; Gomes N. L. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, 2006-
(Coleção para entender).
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional
versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999.
NOGUEIRA, Madza Julita. Diretor dirigente: a construção de um projeto pedagógico
na escola pública.
NOGUEIRA, Oracy. Preconceito de marca: as relações raciais em Itapetininga. São
Paulo: EdUSP, 1979.
OLIVEIRA, Ana Angélica Rodrigues de. A eleição para diretores e a gestão
democrática da escola pública. Democracia ou autonomia do abandono? Editora Alfa
Omega. São Paulo, 1996.
OLIVEIRA, Iolanda de. Desigualdades Raciais: Construções de Infância e da
Juventude. Niterói: Intertexto, 1999.
105
OLIVEIRA, Iolanda. A formação de profissionais da educação para a diversidade
étnico racial In: Müller, Maria Lúcia Rodrigues e Paixão, Lea Pinheiro (orgs.).
Educação diferenças e desigualdades. Cuiabá: EdUFMT, 2006. p.127-160.
OLIVEIRA, Ozerina Victor, MIRANDA, Claudia. Multiculturalismo crítico, relações
raciais e política curricular: a questão do hibridismo na escola Sarã. Revista
Brasileira de educação, nº 25, 2004.
OSÓRIO, Rafael Guerreiro. O sistema Classificatório de cor ou raça do
IBGE.Brasília: IPEA, 2003, nº 996.
PAHIM, Pinto Regina. Raça Negra e educação. Cadernos de Pesquisa: a educação
do negro uma revisão bibliográfica. São Paulo, nº 62, 1987.
PARO, Vitor Henrique. Eleição de diretores: a escola pública experimenta a
democracia. Campinas SP: PAPIRUS, 1996.
PATTO, Maria Helena de Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de
submissão e rebeldia. São Paulo: T.A. Queiroz, 1990.
PEREIRA, João Batista Borges. Cidadania em preto e branco/; discutindo as
relações raciais. São Paulo, Ática,1998.
PEREIRA, Maria Jose Morais. Disciplina e castigo nas escolas: um estudo a partir das
trajetórias de duas professoras do ensino fundamental. Dissertação de mestrado Belo
Horizonte, 2000.
PETRUCCELLI, José Luís. A cor denominada: Estudos das informações do
Suprimento da PME, 2000.
PINHO, Vilma Aparecida. Relações raciais no cotidiano escolar: percepções de
professores de educação física sobre alunos negros. Cuiabá: EdUFMT, 2007.
PIZA, Edith. Porta de vidro: entrada para a branquitude. In: CARONE, Iray; BENTO,
Maria silva. Psicologia Social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento
no Brasil. Petrópolis: Vozes 2002.p. 59-90.
PRAIS, Maria de Lourdes Melo. Administração Colegiada na escola pública.
Petrópolis: Vozes 1999.
106
RANGEL, Mary (org.). Diversidade, diferença e multiculturalismo: valores
essenciais da pluralidade social. Niterói: Intertexto, 2011.
RATTO, Ana Lúcia. Livros de ocorrências: In: Poupart, Jean etall. A pesquisa
qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis. 2008.
ROSEMBERG, Fúlvia. Relações raciais e rendimento escolar. In: PINTO, Regina
Pahim. Raça negra e educação. Cadernos de pesquisa. São Paulo: Editora, n° 62, nov.
de 1987. p. 19-23.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: numa reflexão sobre a prática. Porto Alegre:
ARTMED, 1998.
SANT‟ANA, Antônio Olímpio. História e conceitos básicos sobre racismo e seus
derivados. In: MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na escola.
Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e
Diversidade, 2005.p.39-65. SANTOS, Ângela Maria. Vozes e silêncio do cotidiano
escolar: as relações raciais entre alunos negros e não negros. Cuiabá: EdUFMT, 2007.
SANTOS, Genivalda e SILVA, Maria Palmira da (orgs). Racismo no Brasil:
Percepções da discriminação e do preconceito no século XXI. São Paulo, editora
Fundação Perceu Abramo, 2005.
SANTOS, I. A. dos. A responsabilidade da escola na eliminação do preconceito
racial: alguns caminhos. In: Cavalleiro, E. (org.). Racismo e anti-racismo na
educação: repessando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001.
SEYFERTH, Giralda. A invenção da raça e o poder discricionário dos estereótipos.
Anuários Antropológicos/ 93. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro 1995.
SILVA, Hédio. Discriminação racial nas escolas: entre a lei e as praticas sociais.
Brasília: UNESCO, 2002.
SILVA, Maria Aparecida da. Formação de educadores/as o combate ao racismo:
mais uma tarefa essencial. In: Cavalleiro, Eliane. Racismo e anti- racismo na escola:
repensando nossa escola. São Paulo: Summus, 2001.
107
SILVA, Nilson Robson Guedes. O diretor da escola e a gestão democrática: a
influência dos meios de acesso ao cargo de dirigente escolar. Unicamp, 2001.
SKIDMORE, Thomas R. Preto no branco; raça e nacionalidade no pensamento
brasileiro. Tradução de Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1976.
SOUZA, Ângelo Ricardo. Gestão democrática da escola pública. Universidade
Federal do Paraná, Pró Reitoria de Graduação de ensino profissionalizante. Curitiba.
Editora da UFPR, 2005.
TABACCHI, Jesus Rudney. O cargo de diretor de escola: origem e evolução no
sistema escolar paulista. Dissertação (mestrado). São Paulo: PUC, 1979.
TEIXEIRA, Beatriz de Bastos. Artigo: Diretores de escola: Reflexões sobre a função e
provimento do cargo. Universidade Federal de Juiz de Fora. 2003.
TEIXEIRA, Moema de Poli. Negros na universidade: identidade e trajetória de
ascensão social no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003.
TORRES, Artemis; Correa, Rose Cléia da Silva. Diretores de escola, gestão escolar e
participação – Revista de Educação Pública – Cuiabá, v.8 n° 13, p. 176-186, janeiro-
junho-1999.
VALENTE, Ana Lúcia. Ser Negro no Brasil de hoje. São Paulo:Moderna,1987.
VALENTIN, Rute M & BACKES. José L. A Lei n° 10.639/03 e a educação étnico
cultural/racial: reflexões sobre novos sentidos na escola. In:
http.www.neppi.org/anais/textos/pdf/lei_ n° 10639/03. Pdf. Consulta em 05/03/2011.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.) Projeto Político Pedagógico da escola: uma
construção possível. 14ª edição, Papirus, 2002.
VENTURI, G; BOKANY, V. Pesquisando discriminação institucional e identidade
racial considerações metodológicas. In: SANTOS, G. SILVA, M. P. (Org.). Racismo
no Brasil: percepções da discriminação racial no século XXI. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2005
108
ANEXOS
ANEXO A- TERMO DE CONSENTIMENTO DE ENTREVISTA
Prezada senhora
Na condição de Mestranda da Universidade Federal de Mato Grosso, eu Malsete
Arestides Santana, encontro-me, no momento, realizando uma pesquisa sobre Conflitos
entre alunos em duas escolas municipais de Cuiabá/MT. Na referida pesquisa busco
compreender quais são os fatores que leva os alunos entrarem em conflitos. Para tanto,
necessito de sua colaboração, enquanto diretora da unidade escolar, no sentido de
conceder-me entrevista sobre o assunto desta pesquisa.
Um dos procedimentos metodológicos a serem utilizados nesta pesquisa resume-
se aos depoimentos obtidos em entrevista realizada com as diretoras. As entrevistas
serão gravadas, posteriormente transcritas, e de uso exclusivo para esta pesquisa. Os
dados coletados serão utilizados, ainda, para apresentação em eventos acadêmicos, além
de publicação de artigos.
Asseguro que a sua participação é totalmente voluntária, garantindo-lhe a total
liberdade de participar ou não desta pesquisa. Informo ainda, que seu depoimento
permanecerá totalmente confidencial, caso não queira se identificar, esclarecendo que
neste caso o uso das informações fornecidas se dará de forma completamente anônima.
Eu, ___________________________________________________________________,
li e entendi as informações fornecidas pela pesquisadora e sinto-me esclarecida para
participar da pesquisa.
Local e data
109
ANEXO B- PERGUNTAS ORIENTADORAS PARA AS ENTREVISTAS COM
AS DIRETORAS
Nome
Tempo de serviço na rede Municipal
Para você o que é ser diretora?
Quais aspectos no desempenho da sua função consideram mais relevantes? E quais
consideram relevantes e não consegue desempenhar?
Quais são os principais problemas enfrentados pelo diretor (a) na gestão da escola?
Quais são as situações de conflitos entre alunos que você mais presencia na escola?
Poderia descrever os fatores dos conflitos entre alunos?
Como você faz a intervenção nos conflitos entre alunos?
Dentre estes conflitos algum está relacionado à questão racial? O que você entende por
discriminação racial?
Como você lida com as situações de discriminação racial no ambiente escolar? Se você
percebe algum tipo de discriminação entre os alunos qual é a sua intervenção?
A escola desenvolve algum trabalho na perspectiva da lei 10.639/03? Como são
trabalhadas as questões raciais aqui na escola?
A escola possui Projeto Político Pedagógico? Como foi elaborado?
Qual a importância do livro de ocorrência para a escola?
ANEXO C- PERGUNTAS ORIENTADORAS PARA O GRUPO FOCAL COM
OS ALUNOS
1- Você tem apelido, gosta do seu apelido?
110
2- Você sabe o que é discriminação?
3- Você sabe o que é preconceito?
4-Já passou por alguma situação de discriminação aqui na escola? Conte como
aconteceu.
ANEXO D -QUADRO 1 – FICHA DE CLASSIFICAÇÃO DE COR
1-QUAL O SEU NOME?________________________
2-QUANTOS ANOS VOCÊ TEM?______________________
3- QUAL É A SUA COR? _______________________
4-A COR QUE VOCÊ SE IDENTIFICA É:
BRANCA ( ) PRETA ( ) AMARELA ( ) PARDA( ) INDÍGENA( )
5-CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISADORA
BRANCA ( ) PRETA ( ) AMARELA ( ) PARDA( ) INDÍGENA( )
ANEXO E- TERMO DE CONSENTIMENTO DA PESQUISA
Senhores pais ou responsáveis
Estou realizando uma pesquisa nesta escola com a participação do seu filho (a). Para
tanto, necessito da sua autorização. Serão realizadas entrevistas. O depoimento será
confidencial, o uso das informações se dará de forma anônima (sem colocar o nome do
aluno).
Eu.....................................................................................................autorizo meu filho(a)
.........................................................................................................participar da pesquisa.
Obrigada