manejo da pesca dos grande bagres

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O MANEJO DA PESCA DOS GRANDES BAGRES MIGRADORES

PIRAMUTABA E DOURADA NO EIXO SOLIMES-AMAZONAS

O MANEJO DA PESCA DOS GRANDES BAGRES MIGRADORESPiramutaba e Dourada no Eixo Solimes-Amazonas

Ministrio do Meio Ambiente

Marina SilvaSecretaria de Coordenao da Amaznia

Muriel SaragoussiPrograma-Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil

Nazar Lima SoaresInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

Marcus Luiz Barroso BarrosDiretoria de Fauna e Recursos Pesqueiros

Rmulo Jos Fernandes Barreto MelloCoordenao-Geral de Gesto de Recursos Pesqueiros

Jos Dias NetoProjeto Manejo dos Recursos Naturais da Vrzea

Mauro Luis Ruffino Letcia Domingues Brando Gerente do Componente Estudos Estratgicos: Maria Clara Silva-ForsbergCoordenador: Gerente Executivo: Perito

Darren Andrew Evans (DFID)Perito

Wolfram Maennling (GTZ)Assessora de Comunicao

Marins da Fonseca FerreiraEquipe ProVrzea

Adriana Melo, Alexandre Voss, Alzenilson Santos Aquino, Antonia L.F. Barrosso, Anselmo de Oliveira, Aubermaya Xabregas, Csar Teixeira, Cleilim Albert de Souza, Cleucilene da Silva Nery, Emerson Soares, Evandro Leal Cmara, Flavio Bocarde, Joelcia Ribeiro de Figueiredo, Kate Anne de Souza, Manuel da Silva Lima, Marcelo Derzi, Marcelo Parise, Marcelo B. Raseira, Mrcio Magalhes Aguiar, Maria Clara Silva-Forsberg, Mario Jos Fonseca, Thom de Souza, Marins Ferreira, Natlia Aparecida de Souza Lima, Nbia Gonzaga, Raimunda Queiroz de Mello, Rosilene Bezerra da Silva, Simone Fonseca, Tatiane Patrcia dos Santos, Tatianna de Souza Silva e Tiago Viana da Costa.

Financiadores

O MANEJO DA PESCA DOS GRANDES BAGRES MIGRADORESPiramutaba e Dourada no Eixo Solimes-AmazonasNdia Noemi Fabr e Ronaldo Borges Barthem(Coordenadores do Estudo)

MANAUS, AM 2005

Copyright 2005 - ProVrzea/Ibama Esta publicao faz parte da coleo Documentos Tcnicos: Estudos Estratgicos - DT-EE, produzida pelo Componente Estudos Estratgicos do ProVrzea/Ibama.Coordenao Editorial

Mauro Luis RuffinoEditorao - Gerncia dos Estudos Estratgicos

Maria Clara Silva-ForsbergEdio de Texto e Reviso

Tatiana Corra Verssimo Maria Clara Silva-Forsberg Maria Jos Teixeira - Edies Ibama Vitria Rodrigues - Edies IbamaEditorao Eletrnica e Capa

Tito FernandesEdio

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Vrzea - ProVrzea/Ibama Rua Ministro Joo Gonalves de Souza, s/n. Distrito Industrial Manaus-AM Brasil. 69075-830 Tel: (92) 3613-3083/ 6246/6754/ Fax: (92) 3237-5616/6124 Correio Eletrnico: [email protected] Pgina na Internet: www.ibama.gov.br/provarzea. Centro Nacional de Informao. Tecnologias Ambientais e Editorao Edies Ibama SCEN Trecho 2, Bloco B - Subsolo Ed. Sede do Ibama 70818-900 - Braslia, DF Telefone (61) 316 1065 E-mail: [email protected]

Catalogao na Fonte Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis F123b Fabr, Ndia Noemi & Barthem, Ronaldo Borges O manejo da pesca dos grandes bagres migradores: piramutaba e dourada no eixo Solimes-Amazonas / Ndia Noemi Fabr; Ronaldo Borges Barthem, organizadores Manaus: Ibama, ProVrzea, 2005. p.114 il; 16x23 cm. (Coleo Documentos Tcnicos: Estudos Estratgicos)I ISBN 85-7300-201-8 1. Pesca. 2. Recursos pesqueiros. 3. Grandes bagres. 4. Manejo da pesca. 5. Amaznia. I. Ndia Noemi Fabr. II. Ronaldo Borges Barthem. III. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis. IV. Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Vrzea ProVrzea. V. Ttulo. CDU (2.ed.) 639.2(811.3) A reproduo do todo ou parte deste documento permitida somente com a autorizao prvia do ProVrzea/Ibama

Impresso no Brazil Printed in Brazil

SUMRIOAutores ............................................................................................... 6 Lista de Siglas .................................................................................... 9 Apresentao ...................................................................................... 11

PARTE I. Bioecologia - Dinmica populacional dos bagres e diferenciao gentica: implicaes para o manejo e polticas pblicas ...... 13

Captulo 1. Variabilidade gentica da dourada e da piramutabana bacia amaznica .................................................................. 15

Captulo 2. Dinmica populacional e estado atual da explorao depiramutaba e de dourada .............................................................. 19

PARTE II. Relevncia social e econmica da pesca de bagres no eixoSolimes-Amazonas .............................................................. 27

Captulo 3. Aspectos sociais e conhecimento ecolgico tradicionalna pesca de bagres ................................................................. 31

Captulo 4. A pesca e a economia de bagres no eixoSolimes-Amazonas ................................................................ 47

PARTE III. Gesto e manejo da pesca de grandes bagres nabacia amaznica: aes, diretrizes e polticas pblicas para a manuteno do setor e dos recursos ............................................ 67

Captulo 5. Legislao e plano de manejo para a pesca debagres na bacia amaznica ..................................................... 69

Captulo 6. Sistema integrado para o manejo dosgrandes bagres migradores ..................................................... 75

ANEXOSAnexo 1. Caracterizao das espcies degrandes bagres da Amaznia .............................................. 102

Anexo 2. ndice de Desenvolvimento dos Pescadoresde Bagres - IDPB .................................................................... 104

Anexo 3. Caractersticas da pesca de bagres no eixoSolimes-Amazonas ........................................................... 108

AUTORESAdriana Rosa Carvalho: Biloga, Mestre em Cincias da Engenharia Ambiental pela Universidade de So Paulo, USP [S.Carlos], Doutora em Ecologia de Ambientes Aquticos Continentais pela Universidade Estadual de Maring, UEM. Professora da Universidade Estadual de Gois, Campus de Anpolis, Unidade de Cincias Exatas e Tecnolgicas. Elisabeth Farias Vieira: Biloga, Mestre e Doutora em Biologia degua Doce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia, INPA. Integrante do Programa Integrado de Recursos Aquticos e da Vrzea - Pyr - Universidade Federal do Amazonas UFAM

Izeni Pires Farias: Biloga, Mestre em Biologia de gua Doce e PescaInterior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia, INPA. Doutora em Cincias Biolgicas pela Universidade Federal do Par, UFPA. Professora Adjunta da Universidade Federal do Amazonas, Instituto de Cincias Biolgicas, Departamento de Biologia.

Jacqueline da Silva Batista: Biloga, Mestre em Biologia de guaDoce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia, INPA. Tecnologista do INPA, Laboratrio Temtico de Biologia Molecular, Coordenao de Pesquisas em Biologia Aqutica.

Jos Antonio Alves Gomes: Oceangrafo, Especialista emBiosegurana pela Associao Nacional de Biosegurana, Anbio. Especialista em Taxonomia Molecular Para La Exporacion de La Biodi pelo Centro Argentino Brasileiro de Biotecnologia, Cabbio. Doutor em Biologia Marinha pela University Of California, San Diego - Scripps Institution Of Oceanography, UCSD - SIO. Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia, INPA.

Jos Fernandes Barros: Socilogo, Especialista em Gesto emEtnodesenvolvimento e Mestre em Cincias do Ambiente e Sustentabilidade na Amaznia pela Universidade Federal do Amazonas -

Ufam / Instituto de Cincias Humanas e Letras, Departamento de Cincias Sociais. Integrante do Programa Integrado de Recursos Aquticos e da Vrzea - Pyr - Ufam

Juan Carlos Alonso Gonzalez: Bilogo Marinho, Mestre e Doutorem Biologia de gua Doce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia, INPA. Pesquisador do Instituto Amaznico de Investigao Pesqueira - Sinchi.

Kyara Formiga de Aquino: Biloga, Especialista e Mestre emBiologia de gua Doce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia, INPA. Tecnologista do Departamento de Biologia Aqutica e Limnologia, Diviso de Biologia e Ecologia de Peixes do INPA.

Lilianne Esther Mergulho Pirker: Biloga, Especialista emPiscicultura pela Universidade Federal de Lavras, Ufla. Mestre em Zoologia e Doutoranda em Recursos Pesqueiros pelo Museu Paraense Emlio Goeldi, MPEG.

Maria Olvia de Albuquerque Ribeiro Simo: Biloga, Mestreem Entomologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia, INPA. Integrante do Programa Integrado de Recursos Aquticos e da Vrzea - Pyr - Ufam Biloga, Doutora em Cincias Biolgicas pela Universidad Nacional de Mar Del Plata, UNMDP. Professora da Universidade do Amazonas, Ufam, Instituto de Cincias Biolgicas, Departamento de Biologia.

Ndia Noemi Fabr:

Ronaldo Borges Barthem: Bilogo Marinho, Mestre em Biologia degua Doce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia, INPA. Doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas, Unicamp. Pesquisador Titular do Museu Paraense Emlio Goeldi - MPEG, Departamento de Zoologia.

Ronaldo Angelini:

Eclogo, Especialista em Estatstica Aplicada pela Universidade Estadual de Maring, UEM. Mestre em Cincias da Engenharia Ambiental pela Universidade de So Paulo, USP. Doutor em

Ecologia de Ambientes Aquticos Continentais pela Universidade Estadual de Maring, UEM. Professor da Universidade Estadual de Gois, Campus de Anpolis, Unidade de Cincias Exatas e Tecnolgicas.

Valdenei de Melo Parente:

Economista, Mestre em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRJ. Professora da Universidade Federal do Amazonas - Ufam.

LISTA DE SIGLASAfeam - Agncia de Fomento do Estado do Amazonas Aipam - Associao das Indstrias de Pesca da Amaznia Cepa/AM - Comisso Estadual de Planejamento Agrcola do Amazonas Cepnor/Ibama - Centro de Pesquisa e Extenso Pesqueira do Norte do Brasil CPP/PA - Conselho Pastoral da Pesca do Par Dipoa/AM - Diretoria de Pesca e Agricultura. Secretaria de Produo do Amazonas Emater/PA - Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Par Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria FDPB - Fundo de Desenvolvimento dos Pescadores de Bagres FNS - Fundao Nacional de Sade Fepa - Federao dos Pescadores do Par Iara - Instituto Amaznico de Manejo Sustentvel dos Recursos Ambientais Jica - Agncia de Cooperao Tcnica do Japo Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica Idam - Instituto de Desenvolvimento Agropecurio do Estado do Amazonas IDPB - ndice de Desenvolvimento da Pesca de Bagres IDSM - Instituto de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau Incra - Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria Inderena - Instituto Nacional de Recursos Naturales y Renovables Del Medio Ambiente - Colombia INPA - Instituto Nacional de Pesquisas do Amazonas Ipaam - Instituto de Proteo Ambiental do Estado do Amazonas MMA - Ministrio do Meio Ambiente Monape - Movimento Nacional dos Pescadores Mopebam - Movimento das Colnias de Pescadores do Baixo Amazonas Mopepa - Movimento dos Pescadores do Estado do Par OEA - Organizao dos Estados Americanos ProVrzea - Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Vrzea Ufam - Universidade Federal do Amazonas Snuc - Sistema Nacional de Unidades de Conservao Sebrae - Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas Sepra - Secretaria de Produo Rural Sepror/AM - Secretaria de Estado da Produo Rural e Abastecimento

Setrab/AM - Secretaria Estadual do Trabalho do Amazonas SIF - Servio de Inspeo Federal Sinchi - Instituto Colombiano de Investigaciones Cientficas Sinpesca - Sindicato da Indstria de Pesca dos Estados do Par e do Amap Susam - Secretaria Estadual de Sade do Amazonas UHE - Usina Hidreltrica UEG - Universidade Estadual de Gois

APRESENTAODurante a dcada 70, a abertura de novas rotas de transporte, a criao de incentivos para a abertura de frigorficos e a ampliao da frota pesqueira intensificaram a captura dos bagres na regio do esturio amaznico. Ao mesmo tempo, inaugurou-se a explorao industrial desses peixes nos rios amaznicos, com destaque para a explorao da piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii). Paulatinamente, os pescadores artesanais tambm passaram a capturar bagres, e essa atividade passou a representar uma das principais fontes de renda para as populaes ribeirinhas na Amaznia Ocidental. Apesar da importncia atual da pesca dos bagres na regio amaznica, o conhecimento sobre a distribuio e caractersticas biogenticas das principais espcies exploradas (piramutaba e dourada), bem como sobre o estado atual da pesca desses bagres no eixo Solimes-Amazonas ainda insuficiente. Ao considerar as lacunas existentes nesse conhecimento, o Provarzea/Ibama decidiu incluir esses temas como objeto de um dos oito Estudos Estratgicos que compem o projeto. O estudo Bases para o Manejo dos Grandes Bagres Migradores, coordenados pela Dra. Nidia Fabr da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Dr. Ronaldo Barthen do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) em colaborao com pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia (Inpa), Museu Paraense Emlio Goeldi (MPGE) e Instituto Sinchi da Colmbia, interdisciplinar e abrange a principal rota de migrao da dourada e piramutaba na calha do Solimes/Amazonas, uma vez que essa calha sustenta os principais centros de produo e comercializao dessas espcies. Este estudo aborda os componentes bioecolgicos, sociais e econmicos para explicar a dinmica dessas espcies e caracterizar a pesca dos bagres na regio. O estudo, portanto, disponibiliza informaes confiveis e atualizadas para a discusso e planejamento do manejo e administrao da pesca da dourada e piramutaba no eixo Solimes/Amazonas. O conhecimento sistematizado sobre esses bagres, associado articulao poltico-institucional no Brasil e demais pases amaznicos exploradores dessas espcies, permitir formular um programa integrado para o uso sustentvel desses recursos sobre bases ecolgicas, econmicas e sociais que promova a conservao dos recursos pesqueiros na Amaznia. Assim, o objetivo deste Documento Tcnico disponibilizar o conhecimento adquirido sobre a bioecologia das espcies piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) e dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), bem

como o estado atual da pesca dessas espcies e seus benefcios sociais e econmicos para as populaes ribeirinhas na bacia amaznica. Este estudo serve como subsdio para a formulao de polticas pblicas que assegure o manejo sustentvel do recurso pesqueiro na regio. Portanto, destina-se a um pblico de tcnicos e tomadores de deciso na rea de recursos pesqueiros no mbito federal e estadual, assim como aos responsveis pelas polticas de cooperao tcnica entre os pases da bacia amaznica.

Mauro Luis RuffinoCoordenador do ProVrzea/Ibama

Maria Clara Silva-ForsbergGerente do Componente Estudos Estratgicos do ProVrzea/Ibama

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Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

PARTE I

BIOECOLOGIA - DINMICA POPULACIONAL DOS BAGRES E DIFERENCIAO GENTICA: IMPLICAES PARA O MANEJO E S POLTICAS PBLICAS

Captulo I

VARIABILIDADE GENTICA DA DOURADA E DA PIRAMUTABA NA BACIA AMAZNICAJacqueline Batista Kyara Formiga Aquino Izeni Pires Farias Jos Alves Gomes

IntroduoEntre a variedade de peixes existentes na Amaznia, a piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) e a dourada (Brachyplatystoma rousseauxii) so alvos preferenciais da pesca em quase toda a rea de distribuio. De acordo com estudos cientficos realizados e relatos de pescadores, essas espcies realizam longas viagens (mais de 3.000 km) no eixo Solimes-Amazonas para completar o seu ciclo de vida. Nascem e se reproduzem no alto das cabeceiras de vrios braos (afluentes) dos rios SolimesAmazonas, como os rios Juru, Purus, Madeira, I, Japur e outros. Alimentam-se no esturio, em Belm, e crescem na Amaznia Central (de Almeirim/Santarm, at Manaus). Para a reproduo, migram numa viagem de volta aos afluentes onde provavelmente nasceram (Figura 1).

Os estudos de gentica, ciclo de vida, dinmica de populaes e estado atual da explorao dos bagres migradores so essenciais para orientar o manejo e a conservao dessas espcies. Alm disso, a espacializao desses estudos, ao longo do eixo Solimes-Amazonas, permite que as sugestes de manejo e conservao sejam mais especficas em relao s macrorregies estudadas, a saber: Esturio, Santarm, Manaus, Tef e Alto Solimes.

Figura 1. reas de criao, alimentao e desova de dourada e de piramutaba no eixo Solimes-Amazonas (Barthem & Goulding, 1997).

Ciclo de vida da piramutada e da douradaO estudo do DNA da piramutaba e da dourada revelou informaes sobre o seu comportamento e o ciclo de vida, confirmando algumas informaes j existentes na literatura. A Figura 2 mostra que o grupo de piramutabas apresentou o maior nmero de indivduos diferentes entre si, em relao ao grupo de douradas. Nos mapas apresentados a seguir (Figuras 3 e 4), verifica-se que essas espcies nascem nos rios Madeira, Purus, Juru, I e Japur. No entanto, no foram encontradas piramutabas no Purus e no Juru. Cada cor nesses mapas representa um grupo de indivduos iguais geneticamente. Depois de nascidas nesses rios, as piramutabas e as douradas vo para o Solimes e descem o Amazonas migrando rumo ao esturio, em Belm. No16Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

Figura 2. Diferena dos nveis de variabilidade gentica entre indivduos de dourada e de piramutaba.

esturio, alimentam-se de pequenos animais e permanecem na regio at atingirem 2 anos de idade. Em seguida, comeam a subir os rios AmazonasSolimes numa viagem de volta, passando por Santarm, Manaus, Tef e Alto Solimes, at a regio do Peru, perto da cordilheira dos Andes. Nesse regresso, essas espcies se alimentam e crescem at estarem prontas para a reproduo (Figura 3 e 4).

Figura 3. Representao e distribuio dos indivduos de piramutaba ao longo da calha dos rios Solimes-Amazonas e seus afluentes Madeira, I e Japur, evidenciando uma migrao aleatria e os mesmos nveis de variabilidade gentica em todo o sistema (cores diferentes indicam a grande variabilidade gentica para a populao de piramutaba).Jacqueline Batista, Kyara Formiga Aquino, Izeni Pires Farias, Jos Alves Gomes

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Figura 4. Representao e distribuio dos indivduos de dourada ao longo da calha dos rios Solimes-Amazonas e seus afluentes Madeira, Purus, Juru, I e Japur, evidenciando um padro que sugere uma migrao preferencial parcial pelos tributrios (cores diferentes indicam a variabilidade gentica para a populao de dourada).

O grupo de piramutabas diminui quando os indivduos migram do esturio at o Alto Solimes, uma vez que alguns entram nos rios Madeira, I e Japur. No entanto, o grau de diferena gentica entre as piramutabas no diminui - isso sugere que a piramutaba no tem preferncia na escolha do rio para reproduzir (Figura 3). O grupo de douradas diminui quando sai do esturio em direo a Santarm. Vrios indivduos provavelmente entram nos rios Xingu e Tapajs, segundo o relato de alguns pescadores. O grupo diminui muito ao chegar a Manaus, porque, provavelmente, muitos indivduos entram no rio Madeira para fazer a desova. E, menor, continua sua jornada, diminuindo cada vez mais at chegar aos Andes. Isso porque alguns indivduos entram no rio Japur-Caquet, I-Putumayo, Purus e Juru, para tambm desovarem. Assim, com a reduo do grupo distribudo nos tributrios dos rios SolimesAmazonas, pouqussimas douradas foram encontradas no Alto Solimes, em Tabatinga (Figura 4).18Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

Provavelmente, boa parcela do grupo de douradas retorna para o rio onde nasceu, o que acaba gerando douradas geneticamente diferentes entre os afluentes dos rios Solimes-Amazonas, ou seja, o grau de parentesco entre as vrias douradas, de cada afluente, distante (Figura 4).

Concluso para o manejoOs resultados das anlises gentico-populacionais para as duas espcies de bagres sugerem que h uma nica populao com grande padro de migrao, ao longo de toda a calha e tributrios do rio Amazonas. Ou seja, os indivduos amostrados nos tributrios e na calha no comportam populaes geneticamente diferentes. Os afluentes devem ser vistos como verdadeiros berrios para a dourada e a piramutaba, por serem os locais de desova e tambm por contriburem com uma boa parcela da diversidade gentica para todo o grupo, a ser formado na calha, que migra rumo ao esturio amaznico. Os tributrios contribuem para a manuteno de todo o sistema dinmico de migrao. Dessa forma, as medidas de manejo aplicadas no Alto Solimes e seus afluentes afetaro o sistema como um todo, uma vez que estamos lidando com um nico estoque de grandes bagres.

Jacqueline Batista, Kyara Formiga Aquino, Izeni Pires Farias, Jos Alves Gomes

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Captulo 2

Dinmica populacional e estado atual da explorao de piramutaba e de douradaJuan Carlos Alonso Lilianne Esther Mergulho Pirker

IntroduoA dinmica de populaes estuda as mudanas no tamanho das populaes, ao longo do tempo, e os fatores que causam essas mudanas. Tambm verifica o ciclo de vida dos indivduos. O levantamento de informaes sobre o ciclo de vida, padres de migrao dos indivduos, crescimento individual e mortalidade, fundamental para entender como as populaes de piramutaba e de dourada respondem explotao pesqueira. Tal compreenso, por sua vez, permite avaliar o estado atual de explotao e a relao entre o esforo de pesca e o rendimento do recurso. Com base nesses dados, possvel propor polticas de manejo em todo o sistema Solimes-Amazonas para atender as necessidades das populaes humanas que dependem diretamente dessa atividade. A descrio dos tamanhos e idades que compem a populao que est sendo capturada permite verificar em que locais de sua rea de distribuio os peixes desovam, criam-se, alimentam-se e crescem. O impacto da pesca sobre cada uma dessas parcelas da

populao ser diferenciado. Assim, se houver explorao predatria dos adultos desovantes, os peixes no podero gerar o nmero necessrio de filhos para renovar a populao a cada ano. Nesse caso, ocorre a sobrepesca de recrutamento. Do mesmo modo, se houver pesca de jovens e de pradultos de forma desmedida, por exemplo, na rea de criao da espcie, no ser possvel que eles atinjam o tamanho no qual o rendimento em peso seja mximo. Nesse caso, ocorre a sobrepesca de crescimento.

PiramutabaOs dados de 6.686 piramutabas capturadas pela pesca comercial artesanal, nos perodos de safra e entressafra, indicam que esto sendo capturados peixes com tamanho entre 22 cm e 72 cm, com mdia de 42,70 cm. Mais de 80% dos peixes amostrados tinham 3 e 4 anos de idade, e 58% tinham 5 anos. Com freqncia menor que 10%, as piramutabas so capturadas com 1, 2, 6 e 7 anos de vida. O Esturio apresentou piramutabas com tamanhos menores. Em Manaus, encontrou-se a menor mdia de comprimento furcal, medida da ponta do focinho ao pednculo caudal, (41,13cm 5,81), seguida pelo Esturio (41,48cm 8,30). As maiores piramutabas foram encontradas no Alto Solimes (72 cm), com mdia de 43,01 cm ( 5,41). A maior mdia de comprimento de 45,86 cm ( 9,05) foi encontrada em Santarm. Nas cinco macrorregies estudadas, a maior porcentagem de peixes tinha 3 anos, com maior freqncia no Esturio (63%). Entre as macrorregies, Santarm apresentou a maior porcentagem de piramutabas com 6 e 7 anos, enquanto em Tef a maior porcentagem de peixes tinha de 4 e 5 anos. Observamos peixes com 7 anos no Alto Solimes (0,11%) e 1 ano no Esturio (0,10%). Portanto, o Esturio pode ser considerado representativo dos indivduos de menores tamanhos e idades (Figura 5).

DOURADAMediram-se 7.184 indivduos na safra de 2002 (agosto a novembro) e entressafra de 2003 (fevereiro a maio), indicando que a pesca comercial no sistema Amazonas-Solimes captura douradas entre 14 cm e 156 cm, com mdia de 71,11 cm ( 18,94). Cerca de 77% dos peixes tinham entre 1 e 2 anos; 43% tinham 2 anos; e 15%, 3 anos de vida. Menos freqentes

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Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

Figura 5. Distribuio de idade da piramutaba.

foram os peixes com 5, 4, e 1 ano de vida. As menores douradas so pescadas no Esturio, com mdia de 57,41 cm (+/- 12,48). Peixes maiores foram capturados entre Tef (90,45 +/-18,31) e Alto Solimes (98,97 +/-12,02). No Esturio, a maioria (65%) das douradas capturadas na pesca comercial

Juan Carlos Alonso, Lilianne Esther Mergulho Pirker

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tinha 1 ano. Em Santarm, 67% tinham 2 anos e, no Alto Solimes, 48% tinham 3 anos de vida (Figura 6).

Figura 6. Distribuio de idade da dourada.

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Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

Implicaes para o manejoPiramutabas jovens que no migram (menores de 20 cm) no foram capturadas pela pesca comercial artesanal. Entretanto, os 56% dos peixes com comprimento furcal entre 20 cm e 40 cm, que migram, esto sendo capturados no Esturio, determinando a sobrepesca de crescimento. A pesca comercial atua mais sobre os peixes pr-adultos maiores que 40 cm nas cinco macrorregies estudadas, o que tambm provoca a sobrepesca de crescimento. Com esses resultados, pode-se considerar duas reas a serem tratadas, de forma diferenciada, para o manejo e conservao: o Esturio do Amazonas e a regio entre Santarm e Tabatinga. No Esturio, Santarm e Manaus, a pesca comercial est atuando com maior intensidade na parcela da populao das douradas jovens, que possuem a capacidade de migrar, incluindo indivduos entre 40 cm a 80 cm de comprimento furcal. Douradas jovens no-migrantes (< 40 cm) foram registradas no Esturio, Manaus e, em menor proporo, em Tef. Embora os peixes adultos (> 80 cm) tenham sido registrados em todas as macrorregies, em Tef e no Alto Solimes eles so pescados com mais freqncia. Portanto, trs unidades de manejo diferenciadas para a dourada so evidentes: Esturio, Santarm-Manaus e Tef-Alto Solimes. A taxa de crescimento indica que a dourada cresce mais do que a piramutaba. A piramutaba pode alcanar at 110,5 cm, enquanto a dourada pode atingir at 132 cm de comprimento. Peixes com esse comprimento so freqentes em Tabatinga (Figura 7 e 8). As piramutabas e as douradas so capturadas pela pesca a partir de 2 anos de vida. Nas macrorregies do Esturio, Santarm e Manaus, um grande nmero de indivduos de dourada j est sendo capturado pela pesca comercial, antes mesmo desses indivduos iniciarem o seu ciclo reprodutivo. As mortalidades por pesca ideal da piramutaba e da dourada (Ftimo = de 0,30 ano-1 e 1 ano-1) sugerem que a primeira encontra-se em estado de sobrepesca de crescimento e a segunda est no limite de um estado estvel de explotao (Tabela 1).

Juan Carlos Alonso, Lilianne Esther Mergulho Pirker

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Tabela 1. Parmetros populacionais de dourada e de piramutaba.Piramutaba Taxa de crescimento (K) Comp. mximo esperado (L) Idade comp. Zero (to) Idade de primeira captura (Tc) Primeira maturidade sexual (T50) Idade de recrutamento (Tr) Esperana de vida (A95) Mortalidade natural (M) Mortalidade total (Z) Mortalidade por pesca (F) Taxa de explorao Rendimento mximo sustentvel, por recruta (RMS) Mortalidade por pesca ideal (Ftimo) 0,13 110,5cm - 0,32 2 anos 3 anos 2 anos 22 anos 0,30 ano-1 0,69 ano-1 0,39 ano 0,57 630 g, por recruta 0,30 ano-1-1

Dourada 0,33 132cm - 0,56 2 anos 2 anos 1,6 anos 8,5 anos 0,35 ano-1 1,25 ano-1 0,9 ano-1 0,72 5,4 kg, por recruta 1,0 ano-1

ConclusoNossos resultados confirmam que o ciclo de vida da piramutaba e da dourada implica no uso continuado de todo o eixo Solimes-Amazonas. Ano aps ano, os jovens oriundos de todos os afluentes de gua branca da bacia amaznica chegam ao Esturio. A fartura de alimento e a disponibilidade de espao nessa regio favorecem o crescimento rpido dessas espcies nos primeiros anos de vida. Portanto, o Esturio pode ser caracterizado como um berrio onde esses bagres permanecem at aproximadamente os 2 anos de idade. A partir desse momento, comeam a migrar rio acima, empreendendo uma viagem de mais de 3.000 km. Durante a migrao, alimentam-se vorazmente dos caraciformes (peixes de escama), aproveitando a fartura das reas de vrzea. Por essa razo, os grandes lagos de vrzea, como o Arari (Figura 7), o Coari e o Tef, no eixo SolimesAmazonas, so detentores de uma alta proporo de jovens de dourada, que so capturados pelos pescadores de mapar entre os meses de maio e junho. Finalmente, as cabeceiras dos grandes rios de gua branca, afluentes do SolimesAmazonas (dos quais se dispe de poucos dados sobre a ecologia das populaes de dourada e de piramutaba) seriam as reas de desova desses migradores. Os seus filhotes so carregados pela correnteza rio abaixo, durante a poca de entressafra, para mais uma vez reiniciarem um longo e cansativo

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Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

Figura 7. Distribuio de tamanhos de douradas do lago Arari, no municpio de Itacoatiara.

ciclo de vida. Este estudo recomenda algumas medidas para o uso sustentvel dos grandes bagres migradores (dourada e piramutaba) distribudos na bacia amaznica que esto apresentadas no Quadro 1 a seguir:

Juan Carlos Alonso, Lilianne Esther Mergulho Pirker

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Quadro 1. Propostas de manejo de dourada e de piramutaba. Piramutaba Dourada

No Esturio, considerado rea de criao da piramutaba, sugere-se manter por todos os anos o perodo de defeso dessa espcie durante a poca de seca (outubro a dezembro) pela pesca industrial. Estipular tamanho mnimo da malha das redes de pesca, para no capturar os peixes jovens que ainda no conseguiram se reproduzir pela primeira vez na vida. Manter a ligao entre essas diferentes regies, pois a piramutaba migradora e utiliza toda a calha Esturio-AmazonasSolimes no seu ciclo de vida. Seria uma ameaa para essa espcie a construo de usinas hidreltricas nas regies dos tributrios do sistema.

Sensibilizar os pescadores do Esturio sobre o efeito negativo da pesca de douradas menores que 40 cm. Implementar de forma participativa medidas que restrinjam as capturas de jovens na rea de criao. Criar medidas em conjunto com a frota industrial, indstrias pesqueiras e mercados locais para que no sejam aceitos nos desembarques os peixes menores que 75 cm. Criar medidas de conservao dos ambientes em que a dourada conclui seu ciclo reprodutivo, nos trechos altos dos rios da regio mais ocidental da Amaznia e nos pases que fazem limite com o Brasil (Bolvia, Colmbia, Equador e Peru) e nas reas de criao da macrorregio do Esturio.

Criar um sistema de cotas de captura para as macrorregies Esturio, Santarm-Manaus e Tef-Alto Solimes, restritas a perodos de tempo especficos para cada rea. Manter a ligao entre essas diferentes regies, pois a dourada migradora e utiliza toda a calha EsturioAmazonas-Solimes no seu ciclo de vida. Seria uma ameaa para essa espcie a construo de usinas hidreltricas ao longo desse sistema.28Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

PARTE II

RELEVNCIA SOCIAL E ECONMICA DA PESCA DE BAGRES NO EIXO SOLIMES-AMAZONAS

Captulo 3

Aspectos sociais e conhecimento ecolgico tradicional na pesca de bagresJos Fernandes Barros Maria Olvia de Albuquerque Ribeiro

IntroduoA pesca dos bagres na Amaznia como atividade produtiva e social apresenta-se cada vez mais em crise. O incio das relaes de mercado no interior dos grupos pesqueiros tradicionais e as situaes conflituosas em que essas populaes humanas usurias dos recursos esto envolvidas tm gerado mudanas significativas no modelo de organizao socioprodutiva da regio. Os impactos sociais e ecolgicos causados por uma nova conjuntura so visveis e precisam ser investigados. Para isso, necessrio um entendimento maior sobre os aspectos organizacionais e o conhecimento tradicional dos pescadores de bagres. Este captulo traz informaes sobre o perfil social e a organizao poltico-institucional do pescador de bagres e descreve o conhecimento ecolgico tradicional desses pescadores sobre as espcies estudadas. Essas informaes podem orientar o manejo das espcies piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) e dourada (Brachplatystoma rousseauxii) no eixo Solimes-Amazonas e

contribuir para a concepo de polticas pblicas voltadas ao setor pesqueiro. A incorporao do conhecimento ecolgico tradicional concepo do manejo importante pelas informaes locais e especficas sobre a biologia e ecologia das espcies e porque permite verificar a percepo dos pescadores de bagres sobre a dinmica do recurso pesqueiro e o grau de vulnerabilidade da atividade.

Perfil social do pescador de bagresA pesca artesanal de bagres est presente tanto entre as populaes indgenas, caboclas e/ou ribeirinhas quanto em algumas parcelas dos moradores urbanos. Estes ltimos, utilizando instrumentos simples ou tecnologias mais sofisticadas, avanam desde a orla martima at as margens de rios e lagos interiores. A dinmica social dos pescadores de bagres bastante varivel, ou seja, eles esto distribudos em grupamentos com organizao social prpria e modos de produo relativamente diferenciados. No interior dessas unidades sociais existem vrios tipos de pescadores que vo desde os possuidores de instrumentos de trabalho queles que pescam em forma de parceria. Esse cenrio contribui para a configurao de duas categorias distintas de pescadores artesanais: o pescador-lavrador, polivalente (Furtado, 1990) ou ribeirinho, que combina diferentes atividades como a agricultura, o extrativismo, a criao de gado, a coleta e a prestao de servios; e o pescador semiprofissional, monovalente (Furtado, 1990), que ocupa o seu tempo quase que exclusivamente com as atividades de pesca, durante todo o ano, sem o incremento de outras atividades. Nas localidades tratadas neste estudo, a pesca de bagres no a nica atividade econmica dos pescadores. A agricultura aparece com grande destaque entre as atividades complementares, principalmente no perodo da entressafra. Alm disso, a pesca de outras espcies de peixes, o comrcio e a prestao de servios representam alternativas de renda no decorrer do ano (Figura 8). O Esturio chama a ateno pela freqncia de pescadores dedicados a atividades ligadas ao comrcio e prestao de servios (60%). Essa situao parece estar relacionada ao fato de a macrorregio abrigar grande parcela dos maiores centros de comrcio e desembarque do pescado, estando presente a o pescador citadino que nos perodos de menor esforo da pesca passa a prestar servios no comrcio e na construo civil.32Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

Figura 8. Outras atividades e ocupaes dos pescadores, alm da pesca de bagres, por macrorregio.

Quanto ao grau de instruo, a grande maioria dos pescadores possui o 1 grau incompleto (1 a 4 srie) e, em alguns casos, o 2 grau completo. Embora em menor proporo, o analfabetismo e o semi-analfabetismo continuam presentes no interior dos grupos de pesca (Figura 9).

Figura 9. Grau de instruo dos pescadores.Jos Fernandes Barros, Maria Olvia de Albuquerque Ribeiro

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Nas localidades pesquisadas, os grupos domsticos esto organizados em torno da famlia nuclear, patriarcal e monogmica que varia de seis a sete pessoas, com uma mdia de dois a trs filhos por famlia1 (Tabela 2). A mdia de pescadores, por residncia, apresentou-se numa relao de seis moradores para dois pescadores. No mbito das relaes sociais ou dos grupos, a pesca no um trabalho tradicionalmente masculino. Embora seja praticada e reconhecida como atividade tpica de homens, as mulheres tambm a praticam ou colaboram na limpeza, eviscerao do pescado, manuteno dos equipamentos e confeco de artefatos.Tabela 2. Caractersticas das famlias dos pescadores de bagres, por macrorregio.Macrorregio No. Mdio de moradores No. Mdia filhos No. Mdio filhos >12 anos No.Mdio de familiares que contribuem com a renda 2,0 2,0 2,0 2,0 2,0 No. Mdio de pescadores

ALTO SOLIMES TEF MANAUS SANTARM ESTURIO

7,0 6,0 6,0 7,0 6,0

3,0 3,0 2,0 2,0 2,0

1,5 2,0 1,5 1,5 1,5

2,0 1,5 2,0 2,0 1,5

Na explotao dos recursos pesqueiros, homens, mulheres e crianas exercitam uma complexa teia de relaes de gnero; os homens atuam na pesca, as mulheres realizam as tarefas de casa e auxiliam os homens na atividade pesqueira, as meninas acompanham as mes nas tarefas domsticas, enquanto os meninos seguem a linha paterna. A relao entre pais e filhos marcada por uma espcie de reafirmao constante da autoridade paterna. Assim, quem se encarrega de encaminhar os filhos (sexo masculino) na pesca o patriarca. Em idade precoce, as crianas so iniciadas na atividade pesqueira, acompanhando o pai na canoa (como remadores), observando e aprendendo sobre os locais, mtodos e tcnicas de pesca. As mes julgam ser melhor para o filho estar na lida com o pai, exercendo uma atividade que possa contribuir para a subsistncia do grupo domstico.1 A famlia uma instituio social de grande importncia nos grupos de pescadores de bagres. A organizao do parentesco est construda com bases em laos biolgicos e culturais. No mbito da economia domstica, base econmica dos pescadores artesanais de bagres, o tamanho da famlia define a unidade de produo e a intensidade das atividades econmicas. Quanto maior o nmero de membros, maior ser o montante de trabalho e a capacidade de explorao do recurso.

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Organizao poltico-institucionalO processo organizativo dos pescadores artesanais desenvolve-se como uma estratgia coletiva para enfrentar as dificuldades de acesso a bens e servios sociais, via polticas pblicas. Embora extensa parcela dos pescadores desconhea seus direitos sociais, sofra retaliaes por parte de diversas instituies e seja vtima de estratgias politiqueiras que se aproveitam da condio de pobreza, a grande maioria possui documentao identificandoos como cidados (Tabela 3). No entanto, os pescadores de bagres esto ausentes de suas entidades representativas. Em geral, a maioria dos pescadores no est associada a colnias e associaes de pesca. As excees so o Esturio e Santarm, onde existem os maiores ndices de filiao dos pescadores s Colnias, provavelmente pela atuao dos movimentos sociais ligados pesca, no Estado do Par (Figura 10).Tabela 3. Porcentagem de documentao dos pescadores de bagres, por macrorregio.Tipo documento Batistrio Certido casamento CPF Carteira identidade Carteira do Ministrio da Agricultura Certido nascimento Outro Pis/Pasep Certificado reservista Ttulo Eleitoral Carteira trabalho ESTURIO SANTARM MANAUS TEF 62% 37% 79% 91% 41% 91% 18% 34% 64% 86% 81% 64% 52% 85% 91% 57% 93% 22% 47% 49% 91% 87% 33% 37% 76% 88% 29% 90% 3% 32% 52% 88% 72% 49% 32% 54% 73% 20% 90% 3% 15% 37% 82% 54% ALTO SOLIMES 50% 32% 65% 75% 29% 83% 14% 21% 38% 81% 72%

Este estudo mostrou que a grande maioria dos pescadores de bagres no est filiada a seus rgos de classe. Esse distanciamento reflete a fragilidade poltica pela qual o setor vem passando, sobretudo pela heterogeneidade de interesses pessoais dos dirigentes e pelos antagonismos internos, que se sobrepem aos anseios e necessidades do setor. Os ndices positivos de filiao nas macrorregies do Esturio e de Santarm podem estar relacionados atuao dos movimentos sociais ligados pesca (Monape, Mopepa, Mopebam e CPP), os quais tm demonstrado atuao e representatividade

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Figura 10. Nmero de pescadores de bagres filiados Colnia de Pesca.

relevantes junto aos pescadores nessas macrorregies. Algumas colnias, em parceria com esses movimentos sociais que atuam no Par, tm-se preocupado em desenvolver trabalhos voltados para a capacitao e conscientizao do pescador sobre direitos sociais, cidadania e conservao do meio ambiente, com o objetivo de disseminar princpios ticos e sociais para o fortalecimento poltico do setor. Embora os benefcios previdencirios sejam os agentes motivadores de filiao s colnias e de participao no processo de escolha das representaes polticas do setor, a maioria dos pescadores ainda no tem acesso a esses benefcios pblicos (Figura 11). Como mencionado anteriormente, esses

Figura 11. Porcentagem de benefcios pblicos recebidos pelos pescadores de bagres, por macrorregio.36Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

ndices podem ser o reflexo do atual estado de organizao poltica do setor pesqueiro, no qual grande parte dos pescadores distancia-se de suas entidades representativas por falta de informao ou mesmo de esclarecimentos acerca da estrutura e funcionamento do aparato burocrtico. Outro fator importante que deve estar influenciando esse cenrio o tempo de filiao de no mnimo trs anos, estipulado para o recebimento dos benefcios.

Conhecimento ecolgico tradicional e o manejo da pesca de bagresComunidades que exercem atividades tradicionais de estreita relao de uso e dependncia de recursos naturais incorporam conhecimentos dos processos do ambiente natural, que so conhecidos como conhecimento ecolgico tradicional (Johannes, 1989). O estado atual dos estudos etnoictiolgicos2 demonstra que os pescadores da regio amaznica acumularam, ao longo de geraes, um sofisticado conhecimento sobre os peixes, o qual inclui aspectos ecolgicos e da biologia das diversas espcies. Alm disso, a atividade pesqueira artesanal requer dos pescadores um conhecimento etnoecolgico que possibilite o acesso s espcies de interesse e garanta a sustentabilidade dessa prtica. O conjunto de informaes terico-prticas que os pescadores apresentam sobre a migrao, variao morfolgica, alimentao, medidas de ordenamento informal da pesca e conservao dos bagres oferece uma rica e desconhecida fonte de informaes sobre como manejar e conservar os recursos naturais de maneira mais sustentvel. Esse conhecimento est baseado na prtica cotidiana da pesca e seu registro mnemnico3. Compartilhar o conhecimento com pescadores, pesquisadores e gestores do setor pesqueiro importante para subsidiar a explorao sustentada desses recursos.

MigraoOs relatos de pescadores residentes ou dos que pescam em determinada rea h muito tempo demonstram um conhecimento bastante detalhado sobre a rota migratria dos cardumes de dourada e de piramutaba, informando sobre o local de travessia e as rotas preferenciais desses peixes. Os pescadores ribeirinhos, principalmente aqueles que pescam na frente2 3

Conhecimento popular dos pescadores sobre a biologia e distribuio das espcies de peixes. Mnemnico: relativo memria; que ajuda a memria; recurso mnemnico.

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das comunidades, relatam que esses bagres usam a rota do meio do rio para o deslocamento e a proteo e a margem do rio para a alimentao. A piramutaba e a dourada migram anualmente no sentido Esturio/Alto Solimes, momento em que ocorre a pesca intensiva das espcies ao longo de todo o eixo. Os pescadores relatam que tanto a dourada quanto a piramutaba sobem no somente a calha do Amazonas-Solimes, mas tambm o Tapajs, o Paru-Almeirim, o I-Putumayo, o Japur-Caquet, o MadeiraBeni e o Purus. Quanto descida dos cardumes, temos somente dois relatos de pescadores do Alto Solimes que citam a descida desses peixes em direo ao Esturio. Esses pescadores relatam que a descida ocorre pela parte mais profunda do rio (canal) e por isso passa despercebida pela maioria dos pescadores. Os pescadores reconhecem a migrao da dourada e da piramutaba e atribuem esse fenmeno ao perodo de reproduo e ao acompanhamento dos cardumes de peixe de escama, para a alimentao. No Esturio, a mudana na salinidade da gua tambm foi citada como responsvel pela fuga dessas espcies daquela regio numa determinada poca do ano. No caso da dourada, parte dos pescadores atribui a sua migrao subida para a reproduo. Na regio do Solimes, a variao no nvel da gua citada como responsvel pela migrao dessas espcies na poca da seca do rio. Para os pescadores das macrorregies de Santarm a Tabatinga, uma das principais causas da migrao da piramutaba a alimentao. Os pescadores de Manaus e Tef tambm atribuem a migrao da dourada alimentao; eles declaram que tanto a piramutaba quanto a dourada migram, alimentando-se de peixes de escama (Figura 12). Quanto reproduo, h relatos de desova de dourada somente no Alto Solimes, a partir das comunidades de Prosperidade e Terezina III. O Alto Juru e o Alto Madeira tambm foram citados como locais de desova da dourada. Tanto nas entrevistas quanto nos relatos orais, h registros da ocorrncia de dourada ovada, com ova madura, somente a partir de Santo Antnio do I. Alguns ambientes foram citados como estratgicos para a desova dessas espcies (principalmente da dourada) como, por exemplo, as reas rochosas e os trechos encachoeirados (os pedrais) das cabeceiras dos grandes rios, tal como o Madeira-Beni, o Japur-Caquet e o I-Putumayo. Essa informao tambm aparece na literatura cientfica e fortalece a necessidade de um manejo transfronteirio, uma vez que as cabeceiras de muitos rios da bacia amaznica no se encontram em territrio brasileiro.

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Figura 12. Porcentagem de respostas dos pescadores sobre a razo da migrao da dourada e da piramutaba.

No Esturio, os pescadores relatam a presena de muitas piramutabas e douradas bem pequenas, com aproximadamente 5 cm a 7 cm, na poca de abril a maio. Porque a pra fora numa poca de abril, maio ele d muito essa, ele desse tamainho assim, a piramutaba e a dourada... Elas cravam no p que chega incha. (Pescador do lago Mami, Coari, AM, julho de 2002)Jos Fernandes Barros, Maria Olvia de Albuquerque Ribeiro

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Piaba ... a gente nem v, ele fica bem pretinho no meio da rede, se tu no souber ele, tu agarra ele mermo, agarra mermo e a ferroada segura.(Pescador de Porto do Cajueiro, Mosqueiro, PA, agosto de 2002)

Os pescadores do Esturio relatam que essas douradinhas pequenas tambm mudam de lugar: s uma poca, tem tempo que ela t l, como aqui, assim a nossa pescaria, tem tempo que ela t pra c, tem tempo que ela t pro lado de Vigia, tem tempo que ela t pro lado de Soure, tem tempo que ela t pro Pacoval... t mais pra fora... No vero (junho, julho, agosto), ela t aqui (fazendo referncia a Mosqueiro) ... No inverno, ela vai pra Pacoval, Soure e Vigia... O lugar mais longe que ela vai o canal.... dois dia de viagem daqui (Mosqueiro), a vai embora pra l, n? At pro Oiapoque ela vai... A, fica sempre do Oiapoque pra c... e essa viagem que ela faz pra l sempre assim, do vero pro inverno...elas vo pra l, vem pra c, vo pro Amazonas tambm, que l tambm tem, n? ....que tem barco daqui que pesca pra l... O pessoal pescam pro Amazonas; daqui o pessoal tem barco grande que pesca pra l....(Pescador de Mosqueiro, PA, agosto de 2003)

Os pescadores das macrorregies de Manaus e Tef tambm relatam a presena de douradas pequenas juvenis nos lagos com sadas em cano (lagos dentrticos4) e afirmam que elas so capturadas nas malhas das redes de mica dos pescadores de mapar ou jaraqui. Na macrorregio de Manaus, no lago do Arari, em Itacoatiara, verificaram-se douradas bem pequenas durante as coletas de material biolgico. O relato de douradas juvenis em lagos e de adultos que permanecem na rea (ou seja, que no seguem os cardumes migrantes e, portanto, podem ser pescados durante todo o ano) tem sido freqente entre os pescadores de Manaus, Tef e do Alto Solimes. Apesar de observar o fenmeno de migrao, a grande maioria dos pescadores no tem noo de que ela se faz da foz (Esturio) at o Alto

4 Lagos caractersticos da Amaznia Central que foram rios e se originaram pelo afogamento de sua desembocadura e acmulo de sedimentos. Possuem aspecto ramificado no qual no possvel definir um eixo principal. Por exemplo, lago Janauc, Manaquiri, entre outros.

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Solimes. Em todo o levantamento temos apenas duas declaraes que fazem citao da migrao total na calha. No Esturio, os pescadores afirmam que essas espcies vo pras bandas do Amazonas, fazendo referncia ao rio em seu trecho at Santarm. Na macrorregio de Santarm, alguns relatam que esses peixes chegam at Manaus. Nas macrorregies de Manaus e Tef, essas espcies migram at o Alto Solimes e de l elas vo para o Peru, principalmente a dourada. Os pescadores tm uma viso fragmentada do fenmeno, pois a maioria deles atua nos arredores das comunidades onde mora. Mas mesmo possuindo essa viso fragmentada, eles entendem o encadeamento da migrao e reconhecem que a pesca afeta diretamente a produtividade na rea subseqente. Assim, muitos pescadores atribuem a diminuio nos estoques da sua rea ao incio ou intensificao da pesca de peixe liso em comunidades que se encontram localizadas jusante. ...Vem de muito longe, n? Eu acho que vem do Par... de dentro do Par que vem juntando as pirabuto nessas beira de rio. Que eles vm acompanhando o cardume, tem muito paraense desses barcos grandes que vem, vem barco de Manaus, n? Vem tudo atrs da piracema e barco grande desses de pegar trs, quatro toneladas de peixe, tem vezes que em um lance enche o frigorfico e solta o resto...ento esse cardume de peixe, que hoje chega aqui por cardume, todo estraalhado... passa um pouco hoje, passa um pouco amanh. Porque j vem todo, todo cortado, n? Todo retalhado... (Quando indagado sobre at onde vai o peixe) ...Olha eu no tenho idia, eu no sei at onde vai esse peixe porque a minha idia a seguinte: que ele sobe e baixa, n? Eles to subindo e descendo, to num jogo, eu digo. Porque esse peixe o tempo todo s passa subindo aqui, que quantidade de peixe no teria l? Ou esse mundo d volta, claro!...porque aqui s passa peixe subindo, ningum pega o peixe passeando. Todo mundo rapaz t subindo, t subindo em piracemae pra onde esse peixe vai a pra cima, do jeito que pega aqui muito peixe, pegam ali pro Peru, pegam l pra cima, do mermo jeito...sempre subindo... No se v descer, nem do grande nem do pequeno...nem por cima nem por baixo... um mistrio. Nisso a que eu bato as

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minhas teclas e digo assim: Deus poderoso, n? Como fazer as coisas que at hoje todos os estudos, a gente morre e no chega concluso de como ele se livra e como a natureza faz, quantos se criaro em cada um peixe desse que desovou, n? E o pior que um come os do outro, n? s vezes eu digo: rapaz esse mundo horrvel de se pensar, porque um come o do outro.(I.B., 62 anos, Tabatinga, AM)

Alm de conhecerem a rota migratria dos bagres, os pescadores tambm percebem o efeito em cadeia da pesca ao longo da calha. Essa percepo importante para a concepo do manejo do sistema, uma vez que a quantidade explotada e a forma de explotao em um determinado trecho afetam os demais compartimentos.

Variao morfolgicaA partir das informaes coletadas entre os pescadores, identificou-se nas douradas uma variao morfolgica. Segundo os pescadores, existem duas variedades de dourada: dourada-branca e dourada-amarela. Essa variao relatada pelos pescadores desde o Esturio at o Alto Solimes e consiste nas caractersticas apresentadas no Quadro 2. Com base nesses relatos e na observao de indivduos, indicou-se ao grupo de gentica deste estudo uma coleta de indivduos das duas variedades, a fim de constatar essa variao. No Esturio, h relatos de douradas do salgado que so mais esbranquiadas e piramutabas que tm o dorso escuro. A dourada de gua doce mais amarela. E a piramutaba tambm quando tinha muito, tinha no salgado e tinha no doce, e a gente j conhecia a piramutaba do salgado, a gente j conhecia a que era do salgado e a que era do doce...a diviso no lombo dela... a piramutaba, ela tem uma divisa bem no centro da parte do corpo dela.... E quando ela do salgado, esse lombo daqui pro espinhao preto, bem escuro mermo e quando ela do doce tudo branco... a, a gente j decifrava por causa disso... Agora que tem pouca piramutaba mais difcil de ver a diferena...a dourada ainda se v a diferena... ainda tem umas douradas aqui... a dourada do salgado ...ela mais branquicenta e a do doce mermo, ela bem amarela42Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

mermo, s vezes, at a carne dela bem amarela mermo assim...do doce mais amarela.(Pescador de Vigia, PA, agosto de 2003)Quadro 2. Caractersticas das variedades de douradas.Variedade Dourada amarela Dourada branca Caractersticas Robusta, de dorso amarelo, indivduos menores e mais gordos. Delgada, mais clara (branca), indivduos mais compridos e mais magros.

AlimentaoQuanto s declaraes sobre a alimentao, registrou-se que a dourada e a piramutaba se alimentam de amur (Gobioides sp.), de sardinha e camaro, no Esturio; de sardinha e camaro, em Santarm e Almeirim; e de sardinha e branquinha na regio de Tef. As pequenas s comem o camaro... os pequeno tambm comem o amur... na barriga de dourada o senhor j viu o amur, sardinha ... na piramutaba amur tambm ... Esse amur que ela come em poucas horas a barriga dela estraga... porque a gente puxa a rede de manh, de manh cedo assim, se a gente no tirar logo o bucho dela, se a gente deixar passar horas, ela j t estragada...(Pescador de Vigia, PA, agosto de 2002)

Ela come outros peixe sarda; as sardinhas pequena.(Pescador de Mosqueiro, PA, agosto de 2002)

Come sardinha, branquinha.(Pescador de Tef, AM, maio de 2003)

Come todo peixe mido de escama.(Pescador de Tabatinga, Alto Solimes, AM, novembro de 2002)

H tambm relatos de canibalismo para a dourada. Alm disso, os pescadores de toda a regio relatam que existe um perodo em que esses peixes no se alimentam (variando de regio para regio) para lavar o bucho,

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ou seja, evertem o trato digestivo, para o meio externo, por meio da boca. Nessa fase, no possvel pescar essas espcies com espinhel. ... dourada come douradinha ..., que eu j vi.(Pescador de Tef, AM, novembro de 2002)

Medidas de ordenamento informal da pescaNa rea estudada, verificou-se a existncia de acordos de pesca formais e informais. Por exemplo, o acordo firmado entre os pescadores de Almeirim e as geleiras de Belm. Em 1996, numa reunio entre a Associao de Pescadores e os encarregados das geleiras, firmou-se que as geleiras deixariam de trazer pescadores embarcados de Belm e que seria contratada mo-deobra local. Assim, muitas geleiras passaram a atuar somente como compradores de peixe dos pescadores locais. Durante a pesca, a espera da vez, por ordem de chegada, baseada no princpio da respeitabilidade, uma forma de ordenamento adotada em toda a regio: ... assim: um lana com seis braas, outro lana com cinco, se no combinar a gente encosta uma na outra... cada um espera sua vez.(Pescador de bagres, Mosqueiro, PA, agosto de 2002)

...cada um espera a sua vez de lanar... um vai descendo o outro espera e depois lana e assim vai...(Pescador de Manacapuru, AM, setembro de 2003)

H tambm a instituio de zonas de pesca (situadas na frente das comunidades) como territrio de uso exclusivo dos pescadores. Essa forma de ordenamento foi encontrada a partir da macrorregio de Santarm. Na ilha de Comanda (Almeirim, PA), existe uma reserva de pesqueiro para as comunidades de parte da ilha. Nesse caso, os barcos das geleiras de Belm, quando se deslocam pela calha do rio, na regio abaixo de Almeirim, comunicam aos pescadores (por meio de um sistema de radiofonia) a aproximao dos cardumes. O objetivo dessa interao melhorar a captura e combinar a compra do peixe capturado. Alm disso, algumas reas de pesca so consideradas pesqueiros particulares, pertencentes ao pescador44Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

ou grupo que limpou a rea, responsvel pela manuteno do pesqueiro com o rateamento dos custos. Esses acordos de pesca podem estar integrados ao plano de manejo. O importante usar como base as relaes existentes, sem alterar formas eficientes de ordenamento da atividade, j praticadas pelos pescadores locais.

Conservao dos bagresDo Esturio at Almeirim e no Alto Solimes, os pescadores relatam uma diminuio da produo na pesca de dourada e da piramutaba. Essa reduo tem sido atribuda principalmente ao aumento no nmero de pescadores em todo o eixo Solimes-Amazonas. A falta de alternativas de renda e emprego e a ausncia de alguns financiamentos para a aquisio de insumos so as principais causas do aumento no nmero de pescadores e, conseqentemente, de barcos e redes em toda a calha. Cerca de 95% dos pescadores entrevistados em todas as macrorregies afirmam ser necessria a adoo de uma medida para a conservao dessas espcies. Esses pescadores sugerem medidas especficas para cada macrorregio. No Esturio, os pescadores sugerem o controle da pesca industrial. Segundo relatos, essa pesca invade as reas reservadas pesca artesanal, no respeitando a legislao vigente. Em diversas reas de pesca (Soure, Salvaterra, Vigia, Mosqueiro), os pescadores declaram que a pesca industrial deveria ser paralisada, ou pelo menos, sofrer uma fiscalizao severa para que a distncia mnima da costa fosse respeitada. Os pescadores relatam o desperdcio excessivo provocado por essa frota. No arraste, a rede da pesca industrial atinge o fundo do pesqueiro e causa danos a esse ambiente, pois mistura todo o sedimento, comprometendo a fonte de alimento dos peixes. Esse tipo de apetrecho tambm mata indivduos de tamanhos variados, pois os indivduos juvenis capturados, cujo tamanho no interessa para a indstria, so descartados. Alm disso, o descarte efetuado no rio, gerando uma diminuio nos nveis de qualidade da gua, provocada pelo material em decomposio. Segundo alguns entrevistados, os pescadores da pesca industrial ocultam essa ao predatria de duas formas: eles furam a bexiga natatria do peixe descartado, para evitar que ele permanea na superfcie da gua, ou jogam um produto (detergente) sobre os peixes para evitar que eles venham tona. ... Furam o pulmo do bicho (com o bico-de-pato) ... Eles to aplicando agora um ... detergente, eles usam uma espcie de um detergente, de um veneno, eles pem em cima do convs,Jos Fernandes Barros, Maria Olvia de Albuquerque Ribeiro

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em cima do peixe, e o peixe no bia mais... Pra ele no boi, isso que eles to botando agora... Com isso ficam envenenando no fundo do barro, n? ... O peixe apodrece, envenena o barro, envenena a gua.... Quando a gente arrasta s umas carcaa do peixe que a gente pega. A, outro bicho, outro peixe come, n? A fica s, no bia e se isso destri tudo, a, fica s aquela coisa pregada na rede... o Ibama poderia encontrar o seguinte: se eles chegar na hora que elas to colhendo aquele arrasto. A, ele pode v o peixe em cima do convs...(Reunio com pescadores de Jubim, Salvaterra, PA, agosto de 2002)

Os relatos de pescadores e as sugestes apresentadas nas reunies realizadas com grupos de pescadores, das diferentes macrorregies, reforam que a paralisao da pesca (pelo menos por um perodo) indicada principalmente nas regies de Santarm e Manaus. Para a piramutaba, foram indicados perodos de at cinco anos no Esturio. Os pescadores sugeriram esse mecanismo desde que fossem adotadas medidas compensatrias, tais como o pagamento de seguro-desemprego e emprstimo a juros baixos para a renovao da frota e dos apetrechos para a volta atividade, aps o perodo de paralisao estipulado (Figura 13). Os pescadores-lavradores sugeriram o estabelecimento de polticas de incentivo para o cultivo de novas espcies, bem como condies para o escoamento e a comercializao da produo agrcola, a fim de contribuir para a reduo da presso da pesca sobre essas espcies. No Alto Solimes, sugeriu-se a paralisao da pesca de peixes pequenos e o estabelecimento de uma lei de defeso reprodutivo. Os pescadores relataram a necessidade da adoo de perodo de defeso, associado ao pagamento de seguro-desemprego, como j adotado para outras espcies. Em virtude da intensa pesca nas macrorregies prximas ao municpio de Tabatinga, a produtividade da pesca nessa rea tem diminudo de forma significativa. Os pescadores relatam que muitas pessoas de Prosperidade II (Tabatinga), fundada na poca do auge da pesca do peixe liso, migraram para as comunidades do municpio Santo Antnio do I. Essa migrao vem ocorrendo devido escassez de peixe e das dificuldades de captura (cardumes desfeitos) dessas espcies, naquela rea.

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Figura 13. Medidas de ordenamento sugeridas pelos pescadores para a pesca dos grandes bagres.

ConclusoOs pescadores de bagres na bacia amaznica desenvolvem outras atividades como alternativas de renda no decorrer do ano (principalmente a agricultura). A maioria dos pescadores no est filiada s suas entidades representativas como, por exemplo, as colnias. Portanto, necessrio dar condies fsicas e financeiras para ampliar os trabalhos das colnias, a fim de associar os pescadores em suas entidades, bem como desenvolver aes voltadas para a capacitao e a conscientizao. Os pescadores tm acumulado ao longo do tempo um conhecimento sofisticado sobre a ecologia e a taxonomia de diversas espcies de peixes. Por exemplo, eles identificam como causas da migrao da dourada e da piramutaba o perodo de reproduo; o acompanhamento dos cardumes de peixe de escama para a alimentao; no caso do Esturio, a mudana na salinidade da gua; e, na regio do Solimes, a variao do nvel da gua. Os pescadores tambm reconhecem a variao morfolgica das douradas (dourada-branca e dourada-amarela), bem como identificam a fonte de alimentao das douradas e das piramutabas. Alm disso, possuem acordos de pesca formais e informais, por exemplo, a espera da vez, as zonas de pesca e o pesqueiro particular e uma compreenso da diminuio da produo na pesca de dourada e de piramutaba. Para eles, necessrio tomar medidas especficas para a conservao dessas espcies, entre as quais est o controle da pesca industrial. Um dos resultados importantes que deve ser considerado na implementao do manejo o conhecimento fragmentado que os pescadores

Jos Fernandes Barros, Maria Olvia de Albuquerque Ribeiro

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possuem sobre a migrao dessas espcies. Os pescadores atriburam a migrao a trechos que no ultrapassam um ou dois municpios, ou seja, no declararam uma viso de migrao envolvendo o eixo Solimes-Amazonas como um todo. Dessa forma, preciso difundir essa informao para que haja o engajamento dos pescadores na conservao das espcies, via manejo integrado, pois este estudo indica que o eixo ocupado por uma nica populao. Considerar o conhecimento tradicional dos pescadores de bagres essencial para garantir o sucesso de qualquer medida de manejo e ordenamento do setor, uma vez que esses pescadores j possuem acordos informais de pesca e estabelecem critrios de uso desses recursos.

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Captulo 4

A pesca e a economia da pesca de bagres no eixo Solimes-AmazonasValdenei de Melo Parente Elizabeth Farias Vieira Adriana Rosa Carvalho Ndia Noemi Fabr

IntroduoO pescado uma das principais fontes de abastecimento alimentar na Amaznia. Embora a oferta desse recurso seja historicamente abundante, em grande parte da regio, mudanas importantes vm ocorrendo na relao entre a oferta e a demanda de pescado oriundas da pesca extrativa nos ltimos vinte anos. No Par, a pesca empresarial vem-se destacando ao longo dos anos, embora a pesca comercial artesanal ainda seja a mais importante. No Amazonas, h a predominncia da pesca comercial artesanal; contudo, com a implantao de frigorficos no Estado, principalmente em Manaus e cidades circunvizinhas, a pesca empresarial comea a emergir para atender os mercados nacional e internacional. De fato, o nmero de frigorficos vem aumentando gradativamente aps a implantao da Zona Franca de Manaus, provavelmente por causa dos incentivos fiscais concedidos a investimentos realizados no Estado. Em 1977, a capacidade de congelamento era de apenas 14 toneladas/dia e a de

armazenamento atingia 260 toneladas (Cepa-AM, 1980). Em 1994, a capacidade de congelamento aumentou para 119 toneladas/dia e de armazenamento, para 3.600 toneladas. Em 1997, a capacidade de congelamento atingiu 230 toneladas/dia e a de armazenamento, 5.650 toneladas. E, finalmente, em 2002, a capacidade de armazenamento passou para 5.866 toneladas (Aipam, 1978, Pesquisa de campo/2002). Essa nova situao deu origem a uma categoria de pescadores especializada na pesca de bagres. Muitos deles residem na zona rural e mantm vnculos com o frigorfico diretamente ou por meio de uma cadeia de comerciantes intermedirios, responsveis pela compra e venda do pescado. A captura e a comercializao do pescado so viabilizadas graas ao financiamento feito pelos frigorficos. A captura de bagres em toda a calha dos rios Solimes-Amazonas uma atividade ligada principalmente aos frigorficos, os quais funcionam numa estrutura de mercado oligopsnica. Ou seja, os preos de compra so praticamente uniformes e so estabelecidos pelos poucos frigorficos, com oscilaes apenas em funo dos perodos de abundncia (safra) e escassez (entressafra) do produto. No perodo entre a safra de 2002 e a entressafra de 2003, a renda bruta dos pescadores entrevistados (10% a 15% do total de pescadores de dourada e de piramutaba do eixo Solimes-Amazonas) foi cerca de R$ 34,5 milhes, ou US$ 12 milhes5. As longas distncias e a disperso dos pescadores so fatores que dificultam o clculo da renda bruta da pesca de bagres, em toda a sua rea de ocorrncia.

A pesca de bagresDe acordo com a estatstica pesqueira do Par e do Amazonas, h no mnimo 16 centros de comercializao de grandes bagres, dos quais 11 foram abrangidos por este estudo: Belm, Vigia, Soure, Colares, Salvaterra, Santarm, Manaus, Itacoatiara, Manacapuru, Tef e Tabatinga. Esses centros, por sua vez, esto distribudos no Esturio, Santarm, Manaus, Tef e Alto Solimes. Nessas cinco macrorregies h 11.698 pescadores de bagres registrados nas Associaes de Pescadores (Tabela 4). A pesca de bagres oferece mercado de trabalho para cerca de 16.000 pescadores nas reas de ocorrncia dessas espcies. Esses pescadores esto divididos em trs categorias:5

Taxa de cmbio de novembro de 2003: US$ 1,00 = R$ 2,87.

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(i) o pescador ribeirinho residente na rea rural, que utiliza seus prprios meios de produo (pequena embarcao, apetrechos de pesca) e mo-deobra familiar; (ii) o pescador citadino da capital, representado pelo barco pesqueiro que rene um grupo de pescadores com tarefas definidas e remunerao, de acordo com a sua funo, nas viagens de pesca; e (iii) o pescador citadino do interior do Par, o qual pratica a captura em barcos pequenos ou bajaras, com uma equipe pequena de pescadores, geralmente em torno de quatro pessoas. Na comercializao do pescado, h uma complexa cadeia de agentes intermedirios que operam entre os pescadores e o consumidor final. Entre esses agentes, existem os atravessadores, como o barco-geleira, que atua na rea rural comprando pescado dos pescadores ribeirinhos, e os caminhesfrigorficos, intermunicipais, que adquirem o produto dos pescadores citadinos. Todos esses agentes vendem seus produtos ao balanceiro. Este ltimo faz a distribuio do pescado no mercado de Belm, no porto do Ver-o-Peso, tanto para atacadistas (frigorficos locais, caminhes-frigorficos de outros Estados e caminhes-frigorficos que revendem o pescado em outras cidades brasileiras) quanto para varejistas (feirantes, supermercados, vendedores de bairros etc.). O balanceiro tambm participa no processo de captura na medida em que financia, algumas vezes, as viagens de pesca. Setenta por cento dos balanceiros tm ligao direta com o processo de captura, seja como proprietrios de barco ou como filhos de proprietrios de barco. Como agentes de comercializao, recebem uma comisso de 5% a 6% pelos seus servios.Tabela 4. Nmero total de pescadores e nmero de pescadores de bagres, por macrorregio.Macrorregio Estimativa do n total de pescadores Esturio Santarm Manaus Tef Alto Solimes Total 11.779 5.434 2.622 4.698 1.751 26.284 Estimativa do n de pescadores de bagres 5.657/1.855* 1.934 684 1.698 1.725 11.698

Fonte: Registros das Colnias de Pescadores e pesquisa de campo, 2002. * Nmero de pescadores de dourada e piramutaba, respectivamente.

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H um gradiente no esforo de pesca de bagres entre as macrorregies. No Esturio, o esforo de pesca de quatro pescadores por pescaria, enquanto em Santarm e Manaus de dois pescadores por pescaria. Em Tef e no Alto Solimes, o esforo de pesca aumenta na entressafra em relao ao nmero de pescadores. Entretanto, em todas as macrorregies, o nmero de dias de pesca manteve-se igual na safra e na entressafra (Tabela 5). O rendimento da pesca de dourada, por pescador, por dia de pesca, maior nas macrorregies de Tef e Esturio (28 kg e 29 kg, respectivamente). Nas macrorregies de Santarm e Manaus, o rendimento menor, com 25 kg por pescador, por dia, enquanto no Alto Solimes de apenas 18 kg por pescador, por dia (Figura 14).Tabela 5. Esforo de Pesca e Captura por Unidade de Esforo (CPUE), da dourada e da piramutaba, na safra de 2002 e na entressafra de 2003.Macrorregio Nmero mdio de Dias de pesca, Lances de pescadores Safra Esturio Santarm Manaus Tef 4 2 2 3 Entres 4 2 2 5 4 por semana pesca, por dia CPUE Dourada CPUE Piramutaba (kg/pescador/dia) (kg/pescador/dia) Safra 29,43 24,05 24,75 28,53 18,62 Entres 27,81 12,09 9,42 5,92 7,54 Safra 34,61 22,76 84,88 24,37 15,41 Entres 11,71 3,16 1,06 0,30 2,06

Safra Entres Safra Entres 7 6 6 6 4 7 6 6 6 4 2 4 4 3 5 2 6 4 3 7

Alto Solimes 2

O rendimento da piramutaba varia tanto entre a safra e a entressafra quanto entre as macrorregies do estudo. Considerando a safra excepcional de piramutaba (a maior dos ltimos cinco anos, segundo relatos dos pescadores), os dados de rendimento, por pescador, para essa espcie, foram ajustados com base nos valores mdios anuais dos ltimos anos disponveis na literatura. Os resultados mostram uma captura alta na macrorregio de Manaus (85 kg/pescador/dia) em relao s outras macrorregies estudadas durante a poca de safra. Esse alto valor de captura pode estar relacionado presena na regio de barcos de pesca piramutabeiros equipados com motor de centro, os quais durante a poca de safra concentram seus esforos na captura de piramutaba. Destaca-se que o ndice de captura da piramutaba encontrado para a regio do Esturio (35 kg/pescador/dia) o padro da pesca artesanal, j que no foram considerados neste estudo os dados de captura da pesca industrial. O cenrio muda na entressafra: o ndice de captura maior para o Esturio (11,7 kg/pescador/dia) seguido de Santarm52Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

Figura 14. Captura por Unidade de Esforo CPUE de pesca da dourada e da piramutaba, na safra de 2002 e entressafra de 2003.

(3,16 kg/pescador/dia). Nas macrorregies de Manaus, Tef e Alto Solimes, cada pescador captura menos de 2 kg de piramutaba por dia (Tabela 5). Nas macrorregies pesquisadas, a pesca tem uma participao fundamental na economia, representando em mdia 68,6% da renda familiar (amplitude 56% a 81%). A grande maioria da renda proveniente da pesca de bagres. H um gradiente na renda familiar mensal lquida: de R$ 129,73, no Alto Solimes, passando por Manaus (R$ 189,21), Santarm (R$ 247,4), Esturio (R$ 323,58), at R$ 427,68 em Tef. Esse maior valor em Tef decorre do equipamento mais econmico utilizado (motor de rabeta) nessa regio (Figura 15).

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Figura 15. Renda familiar lquida mensal do pescador, por macrorregio.

A renda per capita mensal nas macrorregies insuficiente para suprir as necessidades bsicas do pescador. Ela varia de R$ 18,53, no Alto Solimes, a R$ 71,30 em Tef (Figura 16). Um dos fatores responsveis por essa baixa remunerao a complexa rede de agentes de comercializao existente entre os pescadores e o frigorfico, o principal agente comprador6. De fato, os frigorficos so responsveis pela compra de 87,5% do pescado dos pescadores artesanais (Quadro 3). Em Tabatinga, por exemplo, os preos pagos aos pescadores, em novembro de 2002 foram R$ 0,50/kg, para a piramutaba, e R$ 3,00/kg para a dourada de primeira (> 4 kg). Em Letcia (Colmbia), os preos foram um pouco melhores: R$ 1,00, para a piramutaba, e R$ 5,00/kg para a dourada de primeira.

Figura 16. Renda per capita mensal lquida do pescador, por macrorregio.6 Quanto mais complexas forem essas cadeias de comercializao (cadeias produtivas da pesca de bagres) maiores sero as margens de comercializao entre os preos pagos aos pescadores, pelos agentes intermedirios, e os preos aplicados pelos frigorficos.

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Quadro 3. Quantidade de dourada e de piramutaba comprada pelos frigorficos, por macrorregio, em relao oferta total.Macrorregio Kg Tabatinga Tef Manaus Santarm Esturio Total comprado frigorfico Total da oferta Fonte: Pesquisa de campo, 2002/2003. 458.967 141.841 2.019.265 32.500 276.490 2.929.063 3.347.412 Quantidade % 13,7 4,2 60,3 1,0 8,3 87,5 100,0

Centros de atividade pesqueira de bagresDois centros na Amaznia se destacam na atividade pesqueira de bagres: o Estado do Par e Letcia, na Colmbia. H frigorficos, embora em menor proporo, em Santarm e Manaus. Em Santarm, a maioria dos frigorficos locais presta servios a atravessadores vinculados a frigorficos de outros Estados. Em Manaus, o suprimento do pescado feito largamente por pescadores ribeirinhos ao longo da bacia do Solimes, arredores de Manaus e municpios prximos. Uma parte dos bagres comercializados pelos frigorficos destinada ao mercado internacional. Em 2001, a grande maioria (85%) do peixe comercializado em Letcia (Colmbia) era oriunda do Amazonas. Em 2002, o Par exportou US$ 10 milhes oriundos da pesca de bagres.

ParA indstria da pesca em Belm, representada pelos frigorficos bastante desenvolvida quando comparada s outras reas do estudo. A localizao da cidade (prxima ao esturio) responsvel pela oferta regular de pescado durante o ano todo, uma vez que h a opo de captura de forma alternada no rio Amazonas, na costa do Amap, e no mar. Alm disso, sua ligao por rodovia ao restante do Brasil garante um mercado mais amplo para os seus produtos pesqueiros. De fato, 27, de um total de 38 empresas pesqueiras associadas ao Sinpesca esto localizadas em Belm (Tabela 6).

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De acordo com o Ministrio da Agricultura, h 20 frigorficos com SIF no Estado do Par com capacidade de estocagem para 7.852 toneladas de pescado e 6.832 toneladas de gelo. Esses frigorficos trabalham com uma variedade de espcies de bagres processados em forma de fils, postas, inteiros eviscerados, entre outras.Tabela 6. Nmero e localizao de empresas de pesca associadas ao Sinpesca, 2002.Finalidade Icoaraci So Joo Pirabas Captura e industrializao Captura Total Fonte: Sinpesca 24 27 0 1 0 1 3 4 1 1 1 2 1 2 30 38 3 1 1 1 1 1 8 Localizao Vigia Belm Tapan Curu Santana Total

Letcia (Colmbia)No Alto Solimes, boa parte da comercializao de pescado e de gelo ocorre em Letcia com o desembarque do pescado realizado no porto daquela cidade. Em Letcia, h 20 frigorficos com capacidade de estocagem para 1.613 toneladas de pescado e 20 silos para 1.263 toneladas de gelo (Quadro 4). A indstria pesqueira de Letcia movimenta cerca de 10 mil toneladas de pescado, por ano, destinadas em grande parte aos mercados de Bogot, Cali e Medelin. importante registrar que a quase totalidade das bodegas de Letcia no pratica o beneficiamento do pescado, restringindo-se no mximo eviscerao, uma vez que o processamento realizado em Bogot. O movimento de pescado nos frigorficos de Letcia est resumido na Tabela 7. A grande maioria (90%) do pescado comercializado pelos frigorficos de Letcia oriunda do Amazonas, principalmente entre Tef e Tabatinga. Outros municpios do Amazonas como Itacoatiara, Iranduba e a cidade de Manaus tambm participam desse comrcio, embora em menor proporo.

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Quadro 4. Frigorficos, capacidade de estocagem e fbricas de gelo, em Letcia, 2002.Nome-Fantasia Capacidade estocagem(t) MAC Cenpez 2 JMPez La Esperanza Vitapez Dispez Amazonas Edgar M. Salamina Amapez Diz-Pez-Mar Distri. M&S Copezmar Pesquera Amazonas Pirarucu Eufrates Los Pescadores B. Lucho El Defin La Ceiba Cenpez 1 Tiburn TOTAL 150 60 26 70 130 122 6 20 85 37 110 40 30 18 530 20 15 24 18 56 46 1.613 Fbricas de Gelo NO 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 2 1 1 1 9 0 0 0 0 4 0 20 NO 40 0 0 0 0 0 0 0 0 40 169 120 48 70 530 0 0 0 0 246 0 1.263

Fonte: Inpa Instituto Nacional de Pesca y Aqicultura da Colmbia.

No Amazonas, a produo de pescado ocorre praticamente durante todo o ano, com exceo de abril. O pico da oferta, no entanto, ocorre nos meses de fevereiro e maro e de julho a novembro. A dourada e o pintado (Pseudoplatystoma fasciatum) so as espcies mais importantes compradas pelos frigorficos de Letcia. A piramutaba tem uma pequena participao no contexto do mercado de peixe (Tabela 8). Vale ressaltar que as bodegas compram tambm peixes salgados secos, o que propicia ao pescador ribeirinho, principalmente para aqueles que residem em locais distantes,

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melhores condies de aproveitamento do pescado e, conseqentemente, melhoria na renda familiar.Tabela 7. Volume (kg) de pescado comercializado em Letcia, no perodo de 1996 a 2001.Meses Janeiro Fevereiro Maro Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro TOTAL 1996 397.130 489.117 548.264 219.462 268.826 347.166 636.090 672.990 591.050 935.102 852.290 525.510 6.482.997 1997 473.338 446.703 843.920 299.996 374.658 413.839 1.069.192 1.125.842 1.170.841 1.296.149 910.393 680.447 9.105.318 1998 629.071 591.990 678.453 482.503 405.771 599.265 778.884 1.097.265 938.782 966.006 738.320 799.111 8.705.421 1999 704.150 1.011.490 1.191.938 310.735 550.377 777.042 1.035.487 840.319 1.132.223 1.075.780 810.035 719.908 10.159.484 2000 581.250 768.406 929.718 819.000 406.830 453.070 424.740 954.940 919.413 755.569 758.609 674.365 8.445.910 2001 748.430 801.227 1.088.264 358.522 450.619 545.304 631.081 908.761 839.272 789.969 1.165.114 796.804 9.123.367

Fonte: Instituto Nacional de Pesca y Aqicultura da Colmbia.

Tabela 8. Quantidade de pescado (kg) comercializada em Letcia, por espcie (1996 a 2001).Espcies 1996 Dourada Piramutaba Pintado Outras espcies TOTAL 1.816.951 633.139 1.236.672 2.796.235 6.482.997 1997 2.105.757 622.771 1.511.191 4.865.599 9.105.318 Quantidade - em kg 1998 2.171.078 464.592 1.393.020 4.676.731 8.705.421 1999 2.293.184 970.331 2.005.896 4.890.051 10.159.462 2000 1.846.785 6.750 1.867.810 4.724.565 8.445.910 2001 2.191.478 266.419 2.381.687 4.283.783 9.123.367

Fonte: Instituto Nacional de Pesca y Aqicultura da Colmbia.

Em Letcia, foram estudados 7 dos 21 frigorficos existentes (Quadro 5). No levantamento, observa-se algumas caractersticas do perfil da organizao da atividade pesqueira na regio. Os frigorficos, como representantes do capital industrial, so responsveis em ltima instncia pela estrutura de organizao da produo (captura), transporte, acondicionamento e comercializao do pescado. Isso porque financiam direta ou indiretamente todos os insumos - do gelo, combustvel, bens durveis e de capital

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(apetrechos de pesca, pequenas embarcaes e motor) at o capital de giro para os barcos compradores. O financiamento concedido diretamente para o pescador, comerciante local da zona rural, comprador rural fixo ou para o comprador ambulante. De fato, as bodegas possuem, em geral, fbricas de gelo, barcos prprios ou fretados para a compra do pescado nas localidades mais distantes. Os fornecedores das bodegas so, em geral, pescadores que utilizam canoa.Quadro 5. Caractersticas dos frigorficos estudados em Letcia.Frigorficos Ano de implantao Dizpez Amazonas 1987 Capacidade de armazenamento (t) 122 Bogot Destino da produo Mdia compra de pescado/ ms (t) 80 75% do Brasil (Belm, Manaus, Coari, Tef, Sto. Antonio do I, S. Paulo de Olivena), 15% do Peru e 10% da Colmbia Arca de No ,,, 100 Bogot 30 70% do Brasil (Belm, Tupi, Sto. Antonio, Juta) e 30% do Peru e da Colmbia Dizpezmar ,,, 30 (peixe fresco), Bogot 25 (peixe seco com frio), 30 a 40 (peixe seco sem frio) Cenpez 1992 40 (peixe fresco), Bogot 40 (peixe seco) Distribuidora M&S 1982 150 Bogot, Medelin, Cali, Giradot e outras cidades pequenas Redpez 1999 70 Bogot, Mendelin e outras cidades 40 50% do Brasil (Amazonas, So Paulo de Olivena, Sto. Antonio do I), 25% da Colmbia e 25% do Peru La Esperanza ,,, 80 Bogot 40 (vero); 20 (nov.-abr.) Fonte: Pesquisa de campo, 2002/2003. 30% do Amazonas e 70% do Peru 40 (entressafra) e 60 (safra) 80 90% do Brasil (desde Tef), 8% do Peru e 2% da Colmbia 90% do Brasil (Tef at So Paulo de Olivena) e 10% do Peru 30 (atual) 80% do Brasil, 20% do Peru e Colmbia Origem do pescado

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Santarm e ManausEm Santarm existem trs frigorficos envolvidos na atividade pesqueira. Apenas um deles realiza o processamento do pescado, os outros dois tm como atividade principal a prestao de servios a terceiros, geralmente atravessadores vinculados a frigorficos de outros Estados, os quais necessitam legalizar o produto junto ao SIF. As caractersticas desses frigorficos esto descritas no Quadro 6.Quadro 6. Frigorficos com SIF, em Santarm, 2002.Nome fantasia Capacidade de rmazenamento (t) Espcies Produtos elaborados Destino da N funproduo cionrios safra entressafra Filhoto 350 Dourada, Surubim, Filhote, Mapar, peixe inteiro congelado, peixe Filhoto

Jandi, Pirarara, Ja, eviscerado, peixe Tambaqui, Tucunar, Pirarucu, Pacu em postas, fil de peixe, pedaos de peixe, lombo de peixe Peixo 250 Piramutaba, Dourada, peixe inteiro Pescada, Pirarucu, Surubim, Mapar, Filhote, Pirarara, Ja, outras Edifrigo 600 Dourada, Surubim, Filhote, Piraba, congelado, peixe eviscerado, peixe em mantas, fil de peixe fil de peixe, peixe em posta, So Paulo 100% Par - 25% Outros Estados 75% 92 ... 64 20

Piramutaba, Barbado, lombos de peixe, Ja, Pirarara, Bacu, Tambaqui, Pirarucu, Pescada, Tucunar, Apap, Pirapitinga, Mapar, Mandira, Cascudo, Douradinha, Cujuba, Dourada Pequena Total 1.200 181 20 ventrecha de peixe, cubinho de peixe, tirinhas de peixe, pedaos de peixe

Fonte: Pesquisa de campo, 2002/2003.

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Quanto cadeia produtiva em Santarm, observa-se uma organizao formada por duas categorias de pescadores: o pescador ribeirinho e o barcogeleira que , ao mesmo tempo, pescador e comprador de peixes do pescador ribeirinho. H tambm a presena de atravessadores de outros Estados brasileiros que atuam, via servios terceirizados disponveis, nos frigorficos Filhoto e Peixo. Esses atravessadores tm contrato com frigorficos de outros Estados de fora da regio amaznica. Os servios terceirizados compreendem beneficiamento, congelamento, ensacamento e armazenamento. Para o beneficiamento, as taxas cobradas variam de R$ 0,40/kg, para eviscerao, e R$ 0,52/kg para filetagem. Essas taxas podem variar de acordo com o tamanho, por exemplo, taxa de R$ 0,40/kg para peixes grandes (4 kg e maior) e R$ 0,23/kg para peixes pequenos (abaixo de 4 kg). Em Manaus, muitos dos frigorficos implantados no Estado com o objetivo de atender aos mercados nacional e internacional no se mantiveram. Atualmente, existem implantados nessa macrorregio, oito frigorficos sifados, com uma capacidade de armazenamento para 5.866 toneladas. O fornecimento de peixe para esses frigorficos feito basicamente por pescadores ribeirinhos, dispersos ao longo do rio Solimes e seus tributrios, nos arredores de Manaus e nas cidades circunvizinhas.

A produo pesqueira de dourada e de piramutabaExistem vrias estimativas para a produo pesqueira na Amaznia, principalmente no Amazonas-Solimes. Neste estudo, estimou-se o montante capturado e o seu significado tanto para a economia regional quanto para o pescador de bagres. Para isso, usou-se a estimativa de pescadores, o rendimento por pescador e o nmero de dias que os pescadores pescam no perodo de safra. Dessa forma, obteve-se para a rea de estudo uma produo de quase 18.600 toneladas de dourada e 14.100 toneladas de piramutaba. Analisando de forma comparativa as estatsticas de desembarque, disponveis para os ltimos anos, e a produo pesqueira estimada neste estudo, pode-se observar que os volumes de produo apresentados superam amplamente os registros existentes nos locais de desembarque. Por exemplo, de acordo com os dados disponveis, a produo do Esturio, com base apenas no desembarque do Ver-o-Peso, seria de 1.258 toneladas. Entretanto, se outros pontos importantes de desembarque como Mosqueiro, Salvaterra,

Valdenei de Melo Parente, Elizabeth Farias Vieira, Adriana Rosa Carvalho , Ndia Noemi Fabr

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Soure e principalmente Vigia forem includos, a produo estimada sobe para 9.989 toneladas (Tabela 9).Tabela 9. Produo e capacidade de estocagem da dourada, por macrorregio.Produo/ Fonte Ibama/Cepnor Ibama/Cepnor 2000* (toneladas) Macrorregio Esturio Santarm Manaus Tef Alto Solimes Total 81** 6116* 1.258 530 295 128 412 2.623 2001** (toneladas) Produo total por tipo de embarcao*** (toneladas) 3.530 753 331 784 852 6.250 1.613 14.918 Capacidade de estocagem frigorfica**** (toneladas) 7.852 1.200 4.253 Produo por pescador na safra***** (toneladas) 9.989 2.791 1.016 2.906 1.927 18.629

*Dados cedidos pelo Cepnor, correspondentes estatstica de desembarque de 2000. ** Dados cedidos pelo Ibama/Tabatinga, correspondentes estatstica de desembarque de 2001. ***Pesquisa de campo 2002-2003: produo total capturada, por tipo de embarcao, considerando o total de pescadores entrevistados no presente estudo. **** Pesquisa de campo 2002: dados cedidos pelos frigorficos, com SIF, em cada macrorregio do presente estudo. ***** Pesquisa de campo 2002-2003: produo, por pescador, ponderado pelo esforo de pesca.

Quanto s estatsticas de Manaus e de Tef, deve-se ressaltar que nesses centros de desembarque praticamente no h a comercializao de peixe liso, justificando a baixa produo apresentada por essas estatsticas. Nesses centros, ocorre principalmente o desembarque de peixes de escamas (caraciformes). Outro exerccio importante verificar a produo do Alto Solimes. De acordo com Bayley (1981), nessa regio comercializam-se entre 9.000 a 10.800 toneladas, por ano. No final da dcada de 1990, Fabr e Alonso estimaram para essa mesma regio um total de 12.737 toneladas anuais. O desembarque de dourada em Letcia, registrado pelo Sinchi para 2000 e 2001, variou entre 1.800 e 2.100 toneladas, valores muito prximos aos estimados no presente estudo (Tabela 10). Os altos valores de produo de piramutaba, sem dvida, no refletem os nveis produzidos, pelo menos nos ltimos trs anos, j que, como anteriormente mencionada, a safra de 2002 dessa espcie foi excepcionalmente alta. No caso de Manaus, a atuao dos piramutabeiros elevou significativamente os valores de captura por pescador.

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Coleo Estudos Estratgicos : Grandes Bagres Migradores

Tabela 10. Produo e capacidade de estocagem da piramutaba, por macrorregio.Produo/ Fonte Ibama/Cepnor 2002* (toneladas) Macrorregio Esturio Santarm Manaus Tef Alto Solimes Total 125 3.473 2.871 494 756 180 539 4.840 Ibama/Cepnor 2001** (toneladas) Produo total, por tipo de embarcao*** (toneladas) 2.007 603 350 518 714 4.192 1.613 14.918 Capacidade de estocagem Produo, por pescador,

frigorfica**** na safra***** (toneladas) 7.852 1.200 4.253 (toneladas) 3.915 2.641 3.484 2.483 1.595 14.118

*Dados cedidos pelo Cepnor, correspondentes estatstica de desembarque de 2000. ** Dados cedidos pelo Ibama/Tabatinga, correspondentes estatstica de desembarque de 2001. ***Pesquisa de campo 2002-2003: produo total capturada, por tipo de embarcao, considerando o total de pescadores entrevistados neste estudo. **** Pesquisa de campo 2002: dados cedidos pelos frigorficos, com SIF, em cada macrorregio do presente estudo. ***** Pesquisa de campo 2002-2003: produo, por pescador, ponderado pelo esforo de pesca.

Se considerarmos o preo de compra da dourada e da piramutaba, por macrorregio, e os nveis de produo pesqueira estimados neste estudo, podemos concluir que a explotao dessas espcies gera em torno de R$ 37 milhes por ano (Tabela 11). Desse total, 60% estariam associados s comunidades pesqueiras que ocupam as reas de vrzea do eixo SolimesAmazonas.Tabela 11. Preos de compra e venda da dourada e da piramutaba, praticados nas diferentes macrorregies pesquisadas em 2002 e 2003.Macrorregio Preo de compra R$ dourada piramutaba Preo de venda R$ Dourada piramutaba

Alto Solimes Esturio Manaus Santarm Tef

2,41 1,32 2,02 1,82 2,29

0,64 0,71 0,65 0,39 0,83

3,21 2,86 2,32 2,28 2,81

1,56 1,46 1,30 0,59 1,17

Fonte: Pesquisa de campo, 2002/2003.

Valdenei de Melo Parente