manias, panicos e crises - uma - charles p. kindleberger

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    Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutandopor dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo

    nvel.

  • MANIAS,PNICOSE CRISESUma histria dascrises financeiras

    www.editorasaraiva.com.br

  • Charles P. KindlebergerRobert Z. Aliber

    MANIAS,PNICOSE CRISES

    Uma histria dascrises financeiras

    TraduoEduardo Kraszczuk

    Reviso TcnicaPaulo Gala

    Professor da Escola de Economia de So Paulo da Fundao Getlio Vargas. doutor e mestre em Economia pela Fundao Getulio Vargas/SP

    e graduado em Economia pela Universidade de So Paulo.

  • Examine o registro da histria, lembre-se do que aconteceu no crculo da sua prpria vida,considere com ateno o que ocorreu com quase todos os grandes infortunados, seja navida privada ou pblica, de quem voc pode ter lido ou ouvido a respeito, ou de quem serecorde, e voc descobrir que a maioria esmagadora dos infortnios surge por ele nosaber quando estava em boa situao ou quando era apropriado ficar parado e sesatisfazer.

    Adam SmithTeoria dos sentimentos morais

    Muito se escreveu sobre os pnicos e manias, muito mais que o maior dos intelectos seriacapaz de acompanhar ou conceber. Mas uma coisa certa, que em certos momentos muitaspessoas estpidas tm muito dinheiro estpido. [...] De tempos em tempos, devido a causasque no vem agora ao caso, o dinheiro dessas pessoas o capital cego do pas, como ochamamos particularmente grande e desejoso. Ele procura por algum para o devorar,e ocorre uma pletora. Ele encontra algum, e ocorre especulao; ele devorado, eocorre um pnico.

    Walter BagehotEnsaio sobre Edward Gibbon

  • SOBRE OS AUTORES

    Charles P. Kindleberger

    Ph.D. pela Columbia University, foi professor de economia no Massachusetts Institute ofTechnology (MIT) por 33 anos, historiador econmico e autor de 30 livros. consideradouma autoridade em assuntos monetrios internacionais, aludido pela The Economist como omaior especialista em crises financeiras.

    Faleceu em Cambridge em 2003, deixando um grande legado. Dentre suas maisimportantes obras est o clssico Manias, pnicos e crises.

    Robert Z. Aliber

    Ph.D. pela Yale University, professor de economia internacional e finanas na BoothSchool of Business da University of Chicago e autor de diversas obras sobre moedas eproblemas monetrios internacionais. conhecido por sua contribuio para a Teoria doInvestimento Direto Estrangeiro.

    Na University of Chicago, ele desenvolveu o Programa de Estudos Internacionais na reade Negcios e criou o Centro de Estudos em Finanas Internacionais.

  • PREFCIO

    UM QUARTO DE SCULO DEPOIS DE SUA PUBLICAO em 1978, esta obra deCharles P. Kindleberger (1910-2003) ainda merece o galardo de melhor e mais completaanlise das crises financeiras dos ltimos quatro sculos. Atualizado em sucessivas edies (altima em 2005, com a contribuio de Robert Z. Aliber), o livro agora oferecido aosleitores brasileiros pela Editora Saraiva. Passados cinco anos desde a maior crise financeiradas ltimas oito dcadas aquela iniciada com a quebra do banco Lehman Brothers emsetembro de 2008 , mais do que oportuno entender as origens e as consequncias defenmenos semelhantes que causaram turbulncias e sofrimentos ao longo do perodoabrangido pelo trabalho de Kindleberger.

    Impressiona a semelhana entre as causas dessa crise de 2008 e as de muitas outras crisesfinanceiras do passado. Os componentes iniciais so os mesmos: expanso vigorosa daliquidez e do crdito e/ou mudanas institucionais que promovem longos ciclos decrescimento. A euforia da resultante contribui para a assuno imprudente de riscos. Comoaconteceu em 2008, os reguladores sempre foram incapazes de perceber os riscos doprocesso. Formam-se bolhas especulativas e muitas delas transformam-se em manias. Oestouro da bolha produz invariavelmente pnico e quebras.

    O atual sistema financeiro emergiu de mudanas institucionais na Holanda e na Inglaterrano sculo XVII, que criaram a segurana jurdica e os incentivos para a formao de bancos ea oferta de crdito s empresas. Seguiu-se a revoluo do crdito no sculo seguinte, quecontribuiu decisivamente para a Revoluo Industrial, e iniciou-se ento o mais longo eintenso ciclo de crescimento e bem-estar da Humanidade. O surgimento do crdito aoconsumidor no sculo XIX constituiu ingrediente essencial para acelerar o processo. No hhistria bem-sucedida e sustentvel de desenvolvimento sem a participao de um sistema decrdito slido e bem regulado.

    Apesar de sua importncia para a prosperidade, o sistema financeiro inerentementeinstvel. Isso porque opera alavancado, isto , empresta o dinheiro dos outros em nveisvrias vezes maior do que o capital dos bancos. Os prazos das operaes superam os dosrecursos captados, e crises de confiana geram corridas para sacar os depsitos; sem poderdevolv-los, os bancos enfrentam crises de liquidez, que podem evoluir para a insolvncia e aquebra. Lies de crises como as descritas por Kindleberger estimularam a criao demecanismos institucionais para lidar com os riscos da quebra sistmica das instituiesfinanceiras, que teriam como consequncia quedas dramticas da oferta de crdito e adestruio do sistema de pagamentos. Sem esses dois ingredientes, nenhuma economiafunciona bem nos dias atuais.

    A anlise de Kindleberger evidencia a reduo do tempo entre as crises financeiras. At o

  • sculo XIX, elas ocorriam, em mdia, a cada dez anos. Tornaram-se mais frequentes depoisda Segunda Guerra, medida que o sistema financeiro se sofisticava e se globalizava. Doisprofessores universitrios de Economia norte-americanos, Barry Eichengreen, de Berkeley, eMichael Bordo, de Rutgers, identificaram 139 crises entre 1973 e 1997 (das quais 44aconteceram em pases desenvolvidos) contra apenas 38 entre 1945 e 1971. Segundo eles, ascrises tornaram-se duas vezes mais comuns do que antes de 1914.

    As crises financeiras chamam a ateno pelos seus efeitos na atividade econmica. Acorrespondente contrao do crdito provoca falncias, perda de riqueza e desemprego.Pouco notada a contribuio do sistema financeiro para o desenvolvimento. A intermediaofinanceira e os mercados de capitais costumam alocar os recursos da sociedade em seusmelhores usos alternativos, o que promove ganhos de produtividade, crescimento econmico ebem-estar.

    No prefcio da edio de 2005, Robert Solow, ganhador do prmio Nobel de Economiaem 1987, assinala uma omisso da obra de Kindleberger: precisamente essa contribuio dosistema financeiro para o desenvolvimento. Quais so, pergunta Solow, os benefcios da livrecirculao de capitais em suas diversas formas? A omisso, diz Solow, se explicaria pelo fatode o tema estar fora do escopo da obra.

    Para Solow, essa omisso no prejudica o grande legado do trabalho de Kindleberger,qual seja, suprir os reformadores do sistema financeiro das lies que emergem da descriocriteriosa e pormenorizada das crises. Particularmente neste momento, o grande desafio doslderes polticos e dos especialistas do setor pblico evitar que a necessria rerregulao dosistema financeiro tome por base diagnsticos equivocados. A m regulao to prejudicialquanto a ausncia dela. O excesso de regras poderia at impedir o surgimento de novas crises,mas obstruiria os canais por onde circulam os incentivos inovao no sistema financeiro.

    Como sempre aconteceu depois das grandes crises financeiras, os reguladores e oslegisladores apressaram-se em redesenhar as normas, buscando evitar a repetio de falhasregulatrias do governo e do comportamento imprudente e mesmo irresponsvel dosparticipantes do sistema financeiro. A mais destacada dessas inovaes institucionais a LeiDodd-Frank, aprovada em julho de 2010 pelo Congresso dos Estados Unidos. Em sua ediode 18/2/2012, a revista The Economist mostrou como leis desse tipo se tornamcrescentemente copiosas. A lei que instituiu o sistema bancrio em 1864 tinha 29 pginas; aque criou o Federal Reserve em 1913 tinha 32 pginas; a que reestruturou o sistema financeironorte-americano aps a crise de 1929 a chamada Lei Glass-Steagall ocupava 37 pginas; alei Dodd-Frank tem nada menos do que 848 pginas.

    Voltemos ao livro. As pesquisas de Kindleberger permitiram que ele catalogasse asdiversas crises do perodo, definisse as manias e identificasse sua formao. As maniasdefinem-se como um padro frentico de compra de ativos (particularmente imveis e aes),que produz aumentos de preos e do volume dos negcios; os indivduos ficam ansiosos paracomprar antes que os preos aumentem mais. As manias geram bolhas, e vice-versa. Em algummomento, por um acontecimento qualquer, os preos param de subir e comeam a cair,provocando o estouro da bolha. O pnico instala-se, e assiste-se a quedas acentuadas dospreos de imveis e a quebras nos mercados de aes. Manias implicam a ideia de

  • irracionalidade e ganham intensidade em momentos de expanso do crdito e da moeda.Bolhas sempre estouram.

    Kindleberger recorreu ao padro de crises financeiras desenvolvido por Hyman Minksy,que estudou os efeitos dos altos e baixos da oferta de crdito nos Estados Unidos, no ReinoUnido e em outros pases desenvolvidos. Na fase de expanso, os empresrios enxergam ofuturo com otimismo, revisam para cima suas estimativas de lucratividade e buscamendividar-se para pr em marcha novos projetos. Ao mesmo tempo, os bancos tornam-semenos rigorosos na avaliao dos riscos de seus clientes e mais dispostos a financiaratividades, incluindo as que anteriormente eram consideradas mais arriscadas. Processoinverso ocorre quando as condies econmicas pioram.

    Expanses de liquidez e juros baixos tambm podem ser provocadas por reaes a crisesocorridas em outros pases, que do lugar a atpicos movimentos internacionais de capitais. Olivro sustenta que houve uma relao sistemtica entre as bolhas japonesas de imveis e domercado acionrio na segunda metade dos anos 1980 e fenmenos semelhantes na Tailndia,na Malsia e em outros pases asiticos.

    A imploso das bolhas no Japo gerou uma sada de capitais em busca de outrasoportunidades, o que elevou os investimentos japoneses naqueles pases. Os fluxos financeiroscontriburam para uma valorizao de suas moedas e para o aumento dos preos de imveis eativos financeiros. Formou-se uma bolha que estourou em 1997 e causou a crise asitica. Essacrise teve repercusses em vrias partes, contribuindo para a crise da Rssia em 1998 e paraa crise cambial do Brasil em 1999.

    A ltima edio do livro saiu antes da instaurao da atual crise financeira. Por isso, noregistra uma das suas origens, que um movimento de capitais de caractersticas semelhantes.Trata-se do fluxo de recursos de pases emergentes para os pases ricos, que contribuiu paraelevar a liquidez e reduzir as taxas de juros nos pases desenvolvidos, particularmente nosEstados Unidos.

    Tradicionalmente, os pases em desenvolvimento importam capitais dos pases ricos. Foio caso dos Estados Unidos no sculo XIX, quando comeou a emergir como potnciaeconmica. Dessa vez, a situao se inverteu. Segundo alguns analistas, as crises dos anos1980 e 1990 teriam convencido os pases emergentes a preparar-se para melhor enfrent-lasno futuro. Esses pases adotaram polticas macroeconmicas responsveis, que contriburampara expandir as exportaes e para gerar supervits em conta-corrente no balano depagamentos.

    O correspondente excesso de poupana, ao lado dos influxos de recursos parainvestimentos estrangeiros diretos e de portflio atrados pelas oportunidades surgidas empases como a China, a ndia, a Rssia e o Brasil , permitiu que os pases emergentesacumulassem volumes crescentes de reservas internacionais. Entre o fim de 1990 e o picodesse processo em julho de 2008, essas reservas atingiram a expressiva cifra de US$ 5,3trilhes.

    A esse elevado volume de capitais se agregaram os supervits tradicionais de pasesdesenvolvidos, como a Alemanha e o Japo, e dos pases exportadores de petrleo,

  • beneficiados com as fortes altas do produto. Esses recursos foram aplicados basicamente nospases ricos, em especial nos Estados Unidos. No pico, os norte-americanos absorveram cercade 70% do excesso de poupana de outros pases. A China tornou-se o maior credor doTesouro dos Estados Unidos. O Brasil virou o quinto. As taxas de juros dos papis doTesouro caram, mas a China e outros pases emergentes mantiveram suas aplicaes, queconsideravam um colcho de liquidez para momentos difceis.

    Como nas crises estudadas por Kindleberger, o aumento da liquidez e a consequente quedana taxa de juros contriburam para baratear e expandir o crdito, particularmente daqueledestinado ao consumo e ao financiamento habitacional. Nesse ambiente de facilidade nocrdito, o governo norte-americano, na gesto do presidente Bill Clinton, mudou as regras dealavancagem das instituies encarregadas de estimular o crdito hipotecrio a Fannie Maye a Freddie Mac. O objetivo era ampliar o acesso dos segmentos menos favorecidos casaprpria, ou seja, os subprime. A resultante bolha imobiliria foi estourada em 2007 eprovocou a queda dramtica do crdito imobilirio nos Estados Unidos. A quebra do BancoLehman Brothers foi uma das consequncias desse processo.

    A crise atual e seus desdobramentos tm explicao nessa e em outras causas, entre asquais o modo de securitizar recebveis nos Estados Unidos, pelo qual o vendedor do crditotransfere integralmente o risco ao adquirente. Criou-se o incentivo para o que se denominouoriginar e distribuir. As instituies financeiras que concediam o crdito perdiam ointeresse em avaliar a capacidade de pagamento de seus clientes, enquanto aquelas quecompravam o crdito tendiam a confiar na classificao das agncias de avaliao de riscos eno (como deveria ser) em suas anlises prprias. Para completar, os executivos efuncionrios das instituies financeiras recebiam bnus pelos resultados de curto prazo dasoperaes, ainda que elas se tornassem ruinosas no futuro, o que constitua um incentivoperverso originao de negcios de alto risco.

    A crise atual, moda de um desastre areo, foi causada por uma srie de fatores quevieram a ser conhecidos posteriormente, como aconteceu nas crises passadas. Estiverampresentes a expanso de liquidez, a queda dos juros, a m regulao ou a ausncia dela, umalonga expanso da atividade econmica, a euforia derivada do crescimento, a alta continuadados preos dos ativos, a especulao nociva e a imprudente assuno de riscos.

    Alm disso, criou-se o ambiente para a fraude e para a trapaa de espertalhes queprejudicaram milhes de pessoas. O Captulo 9 do livro dedicado narrativa dessesprocessos, como aqueles que levaram quebra da Enron e da WorldCom nos Estados Unidos.Como o leitor perceber, os picaretas so um componente indissocivel dos perodos debonana. A euforia e o relaxamento dos critrios de avaliao de risco costumam criar oambiente para a atuao desonesta de certos indivduos. No incio dos anos 1920, quando seformavam as condies que levaram quebra de 1929, Carlo Ponzi, um imigrante italiano quevivia nos subrbios de Boston, criou um tipo de trapaa que assumiu o seu nome desde ento.Ponzi prometia remunerar seus depositantes na base de 30% ao ms. Os rendimentos erampagos com novos depositantes que o esquema atraa. No momento em que o volume dedepsitos foi inferior aos juros prometidos, o esquema quebrou e ele foi para a priso. Muitosesquemas Ponzi surgiram posteriormente. Foi o caso de Bernard Madoff, que enganou

  • milionrios crdulos na solidez da rentabilidade de sua empresa gestora de recursos. Oescndalo da perda de cerca de US$ 50 bilhes, descoberto em 2008, transformou-se na maiorfraude financeira perpetrada por um nico indivduo.

    Nos captulos finais, o livro aborda o tema do emprestador de ltima instncia, isto , ainstituio que se incumbe do provimento de liquidez para as instituies financeiras. Nopassado, a ausncia desse emprestador provocava contrao desnecessria do crdito, daatividade econmica e do emprego. Antes da assuno desse encargo pelos bancos centrais, afuno foi exercida por banqueiros privados, como foi o caso de J. P. Morgan (o banqueiro,no o banco) entre o final do sculo XIX e o princpio do sculo XX nos Estados Unidos,quando ainda no existia o Federal Reserve.

    A obra discute tambm o atualssimo tema da criao de um emprestador internacional deltima instncia, com a funo de prover liquidez para amenizar os efeitos de mudanas nastaxas de cmbio e assim evitar que as crises produzam alteraes indesejveis nosfundamentos econmicos. Ainda no passa de sonho a ideia de criar uma organizao com talatribuio, e dificilmente ela caber ao Fundo Monetrio Internacional FMI, embora tenhasido esse um dos objetivos de sua criao no encontro de Breton Woods, em 1944. A ao doFundo tem sido pontual, socorrendo pases em desenvolvimento (e o Reino Unido na dcadade 1970) nas crises derivadas de ms polticas domsticas e de paradas sbitas nos fluxos derecursos externos. Papel semelhante foi exercido pelos bancos da Inglaterra, da Frana eoutros em crises financeiras ocorridas no sculo XIX e na primeira metade do sculo XX. Aatual crise da Zona do Euro evidenciou a necessidade de se criar uma instituiosupranacional com tais caractersticas, de modo a evitar que as crises bancrias setransformem em crises de endividamento pblico. Em vez dos Tesouros nacionais, a tarefa desalvar bancos caberia a essa organizao.

    No captulo final, a obra trata das lies que as crises deixaram, indicando que elascostumam ser esquecidas. Essa parece ser, todavia, uma concluso pessimista. Na verdade, aolongo dos ltimos quatro sculos os avanos na regulao e no funcionamento das instituiesfinanceiras foram o produto da experincia adquirida em lidar com as crises. Da a criaodos bancos centrais e de agncias reguladoras dos mercados de capitais. O mundo capitalistatornou-se mais rico em meio s crises. Os reguladores aprendem, mudam as regras para evitarsua repetio, mas como nunca se antecipam a elas, as crises continuaro a acontecer.

    A obra de Kindleberger uma excepcional anlise de um dos mais importantes aspectosda histria econmica: a evoluo do sistema financeiro. Suas lies podem ajudar osreguladores a entender a natureza e a dinmica das crises financeiras. fundamental entendera histria para encontrar o ponto de equilbrio no processo de rerregulao, de modo aprevenir a repetio dos mesmos erros e evitar que as normas inibam a inovao.

    Aplicada ao momento atual, a anlise de Kindleberger desmoraliza teses simplistas e/oumovidas por vises ideolgicas, como as que atribuem a crise ao neoliberalismo, desregulao, ganncia dos banqueiros ou a tolices semelhantes. Aps o recente falecimentoda ex-primeira ministra Margaret Thatcher, houve quem atribusse a ela uma das origens dacrise de 2008, por ter promovido as mudanas institucionais conhecidas como Big Bang, asquais, ao reduzirem a brutal interferncia do Estado no sistema financeiro britnico,

  • contriburam para tornar a City de Londres um dos maiores centros financeiros do mundo. Issocolaborou para deter o declnio da Gr-Bretanha e, posteriormente, para recuperar aeconomia.

    Depois de percorrer a fascinante trajetria das crises, o leitor poder concluir que ofenmeno complexo e recorrente. E ter a oportunidade de aprender e deleitar-se com aleitura desta monumental obra.

    Malson da NbregaEconomista e ex-ministro da Fazenda

  • APRESENTAO

    CHARLIE KINDLEBERGER (CPK, DAQUI EM DIANTE) foi um colega excelente:perceptivo, responsivo, curioso a respeito de tudo, cheio de carter, e, acima de tudo,animado. Essas mesmas qualidades esto evidentes em Manias, pnicos e crises. Eu acreditoque CPK comeou a trabalhar neste livro com a inteno de escrever uma histria natural, demodo similar ao que Darwin fez no Beagle coletando, examinando e classificandoespcimes interessantes. Manias, pnicos e crises tm uma vantagem sobre os roedores,pssaros e besouros, uma vez que foram acompanhados pela retrica dos contemporneos deCPK, s vezes com insights, s vezes simplesmente com tagarelices. O estilo de CPK comohistoriador da economia foi buscar por assuntos interessantes, e no perseguir uma agendasistemtica.

    claro, ele era um economista por treinamento e experincia, e logo descobriu padres eregularidades, causas e efeitos. O que chamou especialmente sua ateno foram asirracionalidades que pareciam muitas vezes abarcar as pessoas direta ou indiretamenteenvolvidas nos prprios eventos. Por si s isso seria simplesmente curioso. A histria tornou-se interessante para CPK, com a interao dos comportamentos e instituies. A ocorrncia demanias, pnicos e crises, e seu escopo final, tambm dependia muito das instituiesmonetrias e do mercado de capitais da poca.

    No incio, CPK no podia saber quanto as crises financeiras se mostrariam constantes erobustas. O quarto de sculo depois da publicao da primeira edio exibiu todo um novonvel de turbulncia nos sistemas bancrios nacionais, volatilidades nas taxas de cmbio ebolhas dos preos dos ativos. Havia sempre material novo para ser digerido nas ediessucessivas. Esta histria no pode ter sido meramente o resultado da crescente irracionalidadehumana, embora CPK tenha ficado encantado com o que um amigo alemo nosso chamou deDas Gesetz der Verschlechtigung aller Dinge (A lei da deteriorao de tudo). A riquezacrescente, comunicaes mais rpidas e baratas e a evoluo dos sistemas financeirosnacionais e internacionais tambm tiveram um papel indispensvel, como esboado noCaptulo 13, adicionado a esta edio por Robert Aiber. O esforo de CPK em histriaeconmica descobriu um assunto que parece no ter sado de moda.

    Uma nova arquitetura financeira e a possvel utilidade de um emprestador de ltimainstncia nacional e/ou internacional em conjunto com as instrues que deveriamgovern-la tambm faziam parte das preocupaes de CPK. Aqueles envolvidos na reforma(ou pelo menos na mudana) do sistema fariam bem em considerar as lies que emergemdeste livro.

    Uma dessas lies bastante geral, e mais aplicvel em contextos nos quais airracionalidade pode sobrepujar os clculos cuidadosos. CPK era um ctico por natureza, o

  • exato oposto de um doutrinrio. Ele desconfiava de sistemas intelectuais frreos, fossem seusproponentes defensores do mercado livre ou engenheiros sociais. De fato, ele considerava quese prender a crenas rgidas diante de evidncias desconcertantes era uma das formas maisperigosas de irracionalidade, especialmente quando praticada pelas pessoas no comando. Aeconomia internacional seria um lugar mais seguro se o ceticismo tolerante de CPK fosse maiscomum entre os poderosos. Eu penso, particularmente, nas discusses atuais sobre o chamadoconsenso de Washington, e sobre os prs e contras das taxas de cmbio livrementeflutuantes e dos mercados de capital livres.

    Quem ler este livro sair com a sensao de que grandes quantidades de capital lquidocirculando pelo mundo poderiam transbordar a qualquer momento do recipiente. Um problemaomitido nesta obra porque estava fora do seu escopo o outro lado da questo: quais soos benefcios sociais do livre fluxo de capital (anlogo aos ganhos pelo comrcio) nas suasvrias formas? CPK, cujas especialidades como economista incluam comrcio e finanasinternacionais e desenvolvimento econmico, seria sensvel necessidade do equilbriopragmtico dos riscos e benefcios dessa questo. Pode-se somente esperar que adisponibilidade contnua de verses atualizadas deste livro ajude a propagar seu hbito depensar com a mente aberta.

    Ao atualizar a sexta edio, Aliber enfatiza a probabilidade de que as bolhas de crditoquase simultneas em diversos pases diferentes sejam eventos inter-relacionados,possivelmente respostas a um distrbio comum. Parece implausvel que o surgimento debolhas de crdito imobilirias nos Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda e Espanhasimplesmente reflitam jogadas independentes de dados. Aliber mostra como esses eventos sotransmitidos internacionalmente por meio de desequilbrios nas contas correntes, em ummundo onde o capital se move facilmente atravs das fronteiras. CPK, como especialista emeconomia internacional, provavelmente teria concordado com isso.

    Uma questo mais complexa, tambm levantada por Aliber, saber se existem ondassucessivas de bolhas de crdito com relao causal. Caso haja, isso teria implicaesimportantes para o projeto de regulamentaes futuras, domstica e internacionalmente. Agoraestamos bem alm da histria natural.

    Parece-me que a verso de Aliber preserva a orientao bsica de Kindleberger, masimpe um pouco mais de ordem no trajeto s vezes imprevisvel de CPK por seus armrios deespcimes. Mais manias, pnicos e crises podem nos afligir, mas pelo menos os leitores destelivro j tero sido vacinados.

    Robert M. Solow

  • SUMRIO

    Captulo 1 Crise financeira: uma constante robustaCaptulo 2 A anatomia de uma crise tpicaCaptulo 3 Manias especulativasCaptulo 4 Alimentando as chamas: a expanso do crditoCaptulo 5 O estgio crtico: quando a bolha est prestes a estourarCaptulo 6 Euforia e riqueza de papelCaptulo 7 Bernie Madoff: fraudes, golpes e o ciclo do crditoCaptulo 8 Contgio internacional de 1618-1930

    Captulo 9 Contgio da bolha: da Cidade do Mxico a Tquio, deBangkok a Nova York, de Londres a Reykjavik

    Captulo 10 Respostas polticas: negligncia benigna, exortao eferiados bancriosCaptulo 11 O emprestador domstico de ltima instnciaCaptulo 12 O emprestador internacional de ltima instnciaCaptulo 13 O pnico da Lehman uma quebra evitvelCaptulo 14 As lies da histriaCaptulo 15 Eplogo 2010-2020ApndiceRefernciasndice remissivo

  • CAPTULO 1

    Crise financeira:uma constante robusta

    OS ANOS QUE SUCEDEM 1970 no tm precedentes quanto volatilidade nos preos dascommodities, moedas, imveis e aes. Um grande nmero de bancos em trs, quatro ou maispases entrou em colapso quase ao mesmo tempo. Houve quatro ondas de crises financeiras.Cada uma foi seguida por uma recesso, e a desacelerao econmica que comeou em 2008foi a mais severa e mais global desde a Grande Depresso na dcada de 1930.

    A primeira onda de crises comeou nos anos 1980, quando Brasil, Mxico, Argentina edez outros pases em desenvolvimento no puderam pagar seus emprstimos de US$ 800bilhes. A segunda ocorreu em meados de 1990 e engolfou o Japo e trs pases nrdicos Finlndia, Noruega e Sucia. A terceira foi a crise financeira asitica de meados de 1997.Inicialmente, a Tailndia, a Malsia e a Indonsia envolveram-se, e, depois, o Brasil, aCoreia do Sul, a Rssia e a Argentina tambm sucumbiram. Em retrospecto, a crise financeiraque impactou o Mxico durante sua transio presidencial no final de 1994 foi a precursora datenso no sudeste asitico trinta meses depois. A quarta onda foi disparada no incio de 2007com a queda dos preos dos imveis nos Estados Unidos, Gr-Bretanha, Espanha, Irlanda eIslndia e ento dos ttulos dos governos grego, portugus e espanhol.

    Cada fase de crises seguiu uma onda de bolhas de crdito. As dvidas de gruposposicionados de modo similar aumentaram a uma taxa duas a trs vezes maior do que a taxa dejuros de trs, quatro ou mais anos. Geralmente, esses devedores usaram o dinheiro paracomprar imveis propriedades residenciais e comerciais. Entretanto, a primeira onda debolhas de crdito envolveu o rpido crescimento de emprstimos dos principais bancosinternacionais para os governos e as empresas estatais no Mxico e em outros pases emdesenvolvimento, o que continuou por quase dez anos. O Japo foi o pas-chave na segundaonda de bolhas, onde os preos dos imveis e aes aumentaram cinco a seis vezes na dcadade 1980.

    Ao mesmo tempo, os preos desses dois tipos de ativos tiveram um surto na Finlndia,Noruega e Sucia. A terceira onda de bolhas centrou-se inicialmente na Tailndia e em algunsdos seus vizinhos no sudeste asitico. A quarta ocorreu principalmente nos mercadosimobilirios dos Estados Unidos, Gr-Bretanha, Espanha, Irlanda e Islndia.

  • Cada uma dessas bolhas de crdito envolveu fluxos internacionais de dinheiro, queinduziram grandes aumentos nos valores das moedas e nos preos dos imveis ou aes nospases que recebiam esse dinheiro.

    As bolhas sempre implodem. Por definio, envolvem aumentos no sustentveis nasdvidas de um grupo de devedores ou nos preos das aes. A dvida pode aumentar maisrapidamente do que a receita por alguns poucos anos; no por um perodo extenso. Enquantoela aumenta 20 ou 30% ao ano, os devedores tm um registro impecvel de pagar os jurosprogramados no prazo. No devido tempo, a taxa de crescimento da dvida diminui, e chega ahora da verdade, quando no h dinheiro suficiente para novos emprstimos para pagar osjuros dos emprstimos pendentes. Ento os preos dos imveis e aes caem. Alm disso,quando a taxa de crescimento das dvidas diminui, as moedas sofrem depreciao, e muitasvezes, de modo muito rpido.

    Quando os preos dos imveis caem, os devedores so o primeiro grupo a sofrer perdas.Depois que eles deixam de pagar, as perdas transferem-se para os financiadores. A implosodas bolhas imobilirias e de aes no Japo levou falncia em massa dos bancos e a umprolongado perodo de crescimento abaixo da tendncia. A imploso da bolha dos preos deativos na Tailndia, em meados de 1997, disparou declnios nos valores das moedas e preosdos ativos por toda a regio, tendo como resultado recesses. Entretanto, no houve falnciassignificativas no mercado financeiro dos Estados Unidos quando os preos das aes caram40% entre 2001 e 2003, e a recesso resultante foi breve e superficial.

    A faixa de movimento nos valores das moedas nacionais desde o incio de 1970 foi amaior da histria. Em 1971, os Estados Unidos abandonaram a paridade de US$ 35 por onade ouro (aproximadamente US$ 1,23 por grama) que havia sido estabelecida em 1934. Oesforo para manter uma verso modificada do sistema Bretton Woods de moedas atreladas,formalizado pelo Acordo Smithsonian (Smithsonian Agreement) de 1972, fracassou, e, noincio de 1973, foi adotado como padro um regime de taxas de cmbio flutuantes. No incioda dcada de 1970, a viso dominante no mercado era de que o marco alemo e o yen japonspoderiam valorizar-se em 10 a 12%, porque suas taxas de inflao foram mais baixas nos anosanteriores do que as dos Estados Unidos. O marco alemo e o yen japons valorizaram-semais rapidamente do que o previsto durante a maior parte dos anos 1970, e ento as duasmoedas desvalorizaram-se significativamente na primeira metade dos anos 1980, embora noat os nveis de 1970. O peso mexicano, o cruzeiro brasileiro, o peso argentino e as moedasde outros pases em desenvolvimento desvalorizaram-se em 30 a 40% ou mais no comeo dosanos 1980. A markka finlandesa, a coroa sueca, a libra britnica, a lira italiana e a pesetaespanhola perderam mais de um tero do seu valor nos ltimos seis meses de 1992. O pesomexicano foi desvalorizado em mais da metade durante a transio presidencial no final de1994. A maioria das moedas asiticas o baht tailands, o ringgit malaio, a rupia indonsia eo won sul-coreano desvalorizou-se bastante durante a crise financeira asitica do primeirosemestre de 1997. O peso argentino perdeu mais de dois teros do seu valor nos primeirosmeses de 2001. A coroa islandesa perdeu metade do que valia em 2008. O euro, a nova moedaque onze membros da Unio Europeia adotaram no comeo de 1999, logo se desvalorizou em30%, valorizou-se em 50% no comeo de 2002.

  • As mudanas nos valores dessas moedas individuais foram muito maiores do que aquelasprevistas com base nas diferenas entre as taxas de inflao dos Estados Unidos e as de outrospases. O overshooting e o undershooting das moedas nacionais foram muito maiores do queem qualquer perodo anterior.

    Os aumentos nos preos das commodities nos anos 1970 foram espetaculares. O valor emdlares do ouro nos Estados Unidos aumentou de US$ 40 por ona (US$ 1,41 por grama) noincio dos anos 1970 para quase US$ 1.000 dez anos depois. Era de US$ 450 no final dosanos 1980, e US$ 283 no final dos anos 1990, e excedeu US$ 1.200 no vero de 2010. Opreo do petrleo era de US$ 2,50 por barril no incio dos anos 1970, e US$ 40 no fim dadcada. Em meados da dcada de 1980, era de US$ 12, e ao final da dcada, alcanou US$ 40depois da invaso do Kuwait pelo Iraque. O preo do petrleo atingiu US$ 150 no comeo de2008 e caiu para menos de US$ 50, aumentando, ento, para US$ 80.

    O nmero de falncias bancrias durante as dcadas de 1980 e 1990 foi muito, muitomaior do que nas dcadas anteriores. Muitas delas foram eventos isolados: tanto o FranklinNational Bank, em Nova York, quanto o Herstatt AG em Colnia, Alemanha, fizeram grandesapostas em mudanas de taxas de cmbio no incio dos anos 1970 e, subsequentemente,perderam muito. O Crdit Lyonnais, que j foi um banco estatal e o maior da Frana,aumentou rapidamente seus emprstimos no esforo de se tornar um banco internacional deprimeiro escalo. Seus emprstimos ruins custaram aos contribuintes franceses o equivalente amais de US$ 30 bilhes. Entretanto, a maioria das falncias de bancos e de outras firmasfinanceiras foi sistemtica, refletindo as mudanas neste ambiente. Trs mil associaes depoupana e emprstimos dos Estados Unidos faliram nos anos 1980, com perdas de mais deUS$ 100 bilhes para os contribuintes norte-americanos.

    Quando as bolhas dos imveis e aes japonesas implodiram, as perdas sofridas pelosbancos japoneses foram muitas vezes maiores do que seu capital. Eles passaram a serimplicitamente braos do governo. De modo similar, quando o peso mexicano e as moedasdos pases em desenvolvimento se desvalorizaram fortemente no incio dos anos 1980, amaioria dos bancos desses pases faliu. A combinao das grandes perdas com osemprstimos dos seus devedores domsticos foi mortal, em parte devido s grandes perdasque eles sofreram em consequncia da desvalorizao de suas moedas. Virtualmente, todos osbancos da Finlndia, Noruega e Sucia foram falncia quando as bolhas dos seus mercadosimobilirios e de aes implodiram na primeira metade dos anos 1990. A maioria dos bancosmexicanos faliu no final de 1994, quando o peso sofreu uma forte desvalorizao. De modosimilar, bancos da Tailndia, Malsia, Coreia do Sul e outros pases da regio exceto HongKong e Singapura faliram depois da crise financeira asitica em meados de 1997. O fortedeclnio nos preos dos imveis residenciais em pases como Estados Unidos, Irlanda e aGr-Bretanha, iniciado no final de 2006, levou a grandes investimentos governamentais resgates nas instituies financeiras. Em 2008, muitas das principais empresas ligadas abancos de investimentos dos Estados Unidos desapareceram ou foram foradas a procurarparceiros mais fortes para fuso. O governo britnico nacionalizou o Northern Rock, lderem hipotecas do pas, e tornou-se o principal acionista do Banco Real da Esccia (RoyalBank of Scotland). O governo irlands fez grandes investimentos nos seis maiores bancos do

  • pas. Na Islndia, os trs maiores bancos foram assumidos pelo governo. A CountrywideFinancial, lder em hipotecas dos Estados Unidos, foi adquirida pelo Bank of America que,subsequentemente, obteve o Merrill Lynch, um dos maiores bancos de investimento dosEstados Unidos mas o Bank of America solicitou uma grande injeo de capital do Tesourodos Estados Unidos. O governo do pas fez um grande investimento no Citibank. O governoholands proporcionou capital para a ING, o conglomerado de seguros.

    Essas crises financeiras e falncias bancrias foram resultado da imploso das bolhas depreos de ativos e das fortes desvalorizaes das moedas; em muitos casos, as crisesmonetrias dispararam as crises bancrias. O custo dessas crises bancrias foi extremamentealto, considerando vrias mtricas as perdas incorridas pelos bancos em comparao aoProduto Interno Bruto (PIB) de um pas e como parte dos gastos governamentais, asdesaceleraes das taxas de crescimento econmico e aumentos no desemprego e nas diversasrecesses.

    O grande nmero de falncias bancrias, as mudanas nos valores monetrios e as bolhasnos preos dos ativos foram relatadas sistematicamente resultado das rpidas mudanas noambiente econmico global. A dcada de 1970 ficou marcada pela inflao acelerada, ou seja,o maior nvel registrado de aumento de preos nos Estados Unidos em poca de paz. O preode mercado do ouro sofreu um pico porque alguns investidores confiaram no clich de que oouro uma boa proteo contra a inflao. Entretanto, o aumento do valor dele foi muitasvezes maior do que a elevao nos nveis dos preos no mundo. No fim da dcada de 1970, osinvestidores compravam ouro porque seu preo estava subindo justamente porque osinvestidores o compravam.

    A viso prevalecente no final dos anos 1970 era de que as taxas de inflao no mundoiriam acelerar. Alguns analistas previram que o preo do ouro atingiria US$ 2.500 por ona(cerca de US$ 88,18 por grama) e os do petrleo atingiriam US$ 80 a US$ 90 por barril em1990.

    A faixa de variao dos preos das aes e obrigaes em 1970 foi muito maior do quenas dcadas anteriores. Nessa poca as taxas reais de retorno dos ttulos do tesouro e aesnos Estados Unidos foram negativas. J em 1990, as taxas reais de retorno das obrigaes eaes foram, em mdia, de mais de 15% ao ano.

    As dvidas externas do Brasil e do grupo de pases em desenvolvimento, como Mxico eArgentina, aumentaram de US$ 125 bilhes em 1972 para US$ 800 bilhes em 1982. Umclich da poca era pases no vo falncia. Durante esse perodo, os devedores tinhamuma tradio excelente de pagar os juros dos seus emprstimos regularmente. Ento, no ltimotrimestre de 1979, o Banco Central dos Estados Unidos adotou uma poltica monetriabastante restritiva, e as taxas de juros sobre os ttulos financeiros norte-americanosdispararam. O preo do ouro teve um pico em janeiro de 1980 e ento comeou a declinarquando as previses inflacionrias foram revertidas.

    O grande aumento nos preos dos imveis e das aes no Japo durante a dcada de 1980foi associado com uma exploso de crescimento da economia nos ltimos anos. Japan asNumber One: Lessons for America (Japo como Nmero Um: Lies para os Estados

  • Unidos)1 foi um best-seller em Tquio. Os bancos japoneses aumentaram seus depsitos,emprstimos e capital muito mais rapidamente do que os bancos com base nos EstadosUnidos, na Alemanha e em outros pases europeus. Na poca, sete ou oito dos dez maioresbancos do mundo eram japoneses. Ento, no incio da dcada de 1990, os preos dos imveise aes no Japo implodiram. Em poucos anos, muitos dos principais bancos e instituiesfinanceiras do pas estavam quebrados, arruinados, falidos e insolventes, e continuaram nosnegcios somente devido a um acordo implcito de que o governo japons protegeria oscorrentistas de perdas financeiras se os bancos fossem fechados. Uma histria impactantesobre uma mania e uma quebra mas sem pnico, porque os correntistas acreditavam que ogoverno iria socializar as perdas com os emprstimos.

    Trs dos pases nrdicos Noruega, Sucia e Finlndia experimentaram bolhas em seusmercados imobilirios e de aes na mesma poca, como resultado de fluxos de entrada dedinheiro associados com a liberalizao financeira. Suas bolhas estouraram aproximadamenteno mesmo perodo em que a do Japo.

    O Mxico foi uma das grandes histrias de sucesso econmico no incio dos anos 1990,quando se preparava para entrar no Tratado Norte-Americano de Livre Comrcio. O Banco doMxico adotou uma poltica monetria altamente restritiva que reduziu a taxa de inflao de140% para menos de 10% em quatro anos. Durante o mesmo perodo, centenas de empresasestatais foram privatizadas, e as regulamentaes e restries para negcios no pas foramliberadas. O dinheiro fluiu para o pas porque as taxas reais de retorno dos ttulosgovernamentais e as de lucro sobre os investimentos industriais estavam elevadas. Asexpectativas universais eram de que o Mxico se tornaria uma base de baixo custo paraproduo de automveis e mquinas de lavar, e outros bens manufaturados para os mercadosdos Estados Unidos e Canad. O grande fluxo de dinheiro levou a uma valorizao real dopeso, o dficit comercial do pas aumentou para 7% e sua dvida externa, para 60% do seuProduto Interno Bruto. Ento, diversos incidentes polticos associados com a eleiopresidencial de 1994 levaram a um forte declnio no fluxo de capitais, e o governo mexicanono foi capaz de suportar o peso. Novamente a desvalorizao da moeda resultou em grandesperdas nos emprstimos, e a maioria dos bancos mexicanos que haviam sido privatizadosnos anos anteriores faliu.

    Em meados dos anos 1990, os preos dos imveis e aes dispararam na Tailndia,Malsia e Indonsia. Essas eram as economias drago que pareciam fortes candidatas aemular os sucessos econmicos dos tigres asiticos Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong eSingapura da gerao anterior. Empresas sediadas no Japo, na Europa e nos EstadosUnidos investiram nesses pases como fornecedores de baixo custo, assim como as empresasdos Estados Unidos e de outros pases haviam investido no Mxico como fornecedor para omercado norte-americano. Os bancos europeus e japoneses tambm aumentaram rapidamenteseus emprstimos para empresas e bancos nesses pases. Os financiadores domsticos naTailndia experimentaram ento grandes perdas em seus emprstimos domsticos no segundoe no terceiro trimestre de 1996, porque no haviam sido criteriosos o suficiente nasavaliaes da inteno dos clientes tailandeses em pagar os juros das suas dvidas.Financiadores estrangeiros reduziram drasticamente suas compras de ttulos tailandeses, e

  • ento o Banco da Tailndia, como o Banco do Mxico meses antes, ficou sem dinheiro parasuportar sua moeda. O grande declnio do valor do baht no incio de julho de 1997 levou afugas de capital nos demais pases asiticos e suas moedas (exceto pelo dlar de Hong Kong eo yuan chins, que continuaram firmemente atrelados ao dlar norte-americano) sedesvalorizaram em 30% ou mais. A rpia indonsia perdeu 80% do seu valor. A maioria dosbancos da rea exceto aqueles em Hong Kong e Singapura teria ido falncia em qualquerteste de mercado razovel. A crise espalhou-se para a Rssia; o rublo despencou e o sistemabancrio do pas entrou em colapso no comeo de 1998. Os investidores ficaram ento maiscuidadosos: venderam ttulos arriscados e compraram ttulos governamentais dos EstadosUnidos, mais seguros, e as mudanas no relacionamento entre as taxas de juros desses doisgrupos de ttulos levou ao colapso do Long-Term Capital Management, na poca o maiorfundo de hedge do pas.

    A BOLHA DAS AES DA NASDAQ NA DCADA DE 1990Nos Estados Unidos, as aes so negociadas no mercado de balco ou em uma das bolsas de valores organizadas,principalmente na Bolsa de Valores de Nova York. Segundo o padro tpico, as aes de empresas jovens eram inicialmentecomercializados no mercado de balco, e a maioria delas incorreria nos custos associados ao ser listada na Bolsa de Valoresde Nova York, porque acreditavam que isso aumentaria o mercado e levaria a maiores preos para suas aes. Algumasnovas empresas muito bem-sucedidas associadas com a revoluo na tecnologia da informao dos anos 1990 Microsoft,Cisco, Dell, Intel eram excees a esse padro. Elas escolheram no ser listadas na Bolsa de Valores de Nova Yorkporque consideravam que negociar aes eletronicamente no mercado de balco era melhor do que comercializar aescom o mtodo do prego viva voz usado naquela bolsa.

    Em 1990, o valor de mercado das aes negociadas na NASDAQ correspondia a 11% daquele das aes da Bolsa deValores de Nova York. Os preos comparveis para 1995 e 2000 foram de 19% e 42%. A taxa percentual mdia anual deaumento do valor de mercado das aes na NASDAQ foi de 30% durante a primeira metade da dcada e de 46% nosprximos quatro anos. Algumas das empresas mais novas que negociavam na NASDAQ acabariam-se tornando to bem-sucedidas quanto a Microsoft e a Intel, garantindo assim altos preos para suas aes. A probabilidade de que todas asempresas cujas aes negociadas na NASDAQ fossem to bem-sucedidas quanto a Microsoft era extremamente pequena,uma vez que isso implicava que a participao total dos lucros no Produto Interno Bruto norte-americano fosse duas ou trsvezes maior do que a maior participao j atingida na histria norte-americana.

    Em parte, o grande nmero de quebras nos mercados financeiros nacionais no perodoanalisado reflete o fato de que existem mais pases independentes. Apesar de ser difcilcomparar os perodos, a concluso inegvel a de que os fracassos financeiros foram maisextensos e profundos de 1970 at 2008.

    A bolha nos preos das aes nos Estados Unidos na segunda metade dos anos 1990 foiassociada a um notvel crescimento econmico no pas. A taxa de desemprego declinourapidamente, a de inflao caiu e as de crescimento econmico e de produtividadeaceleraram. O governo norte-americano teve seu maior supervit fiscal em 2000, depois de terseu maior dficit fiscal em 1990. O notvel desempenho da economia real contribuiu para aelevao significativa nos preos das aes que, por sua vez, levou ao aumento dos gastoscom investimentos e com consumo, bem como na taxa de crescimento econmico do pas.

    Os preos das aes comearam a cair no segundo trimestre de 2000. Nos prximos trsanos desvalorizaram 40%, enquanto as aes da NASDAQ, 80%.

    Os valores dos imveis comearam a aumentar acima da mdia em 2002. Isso ocorreu no

  • longo prazo, devido ao aumento no nvel geral dos preos e no Produto Interno Bruto nominal.(Muito do elevao nos preos dos imveis reflete aumentos no valor das terras.) O BancoCentral dos Estados Unidos manteve taxas baixas de juros (em parte como consequncia dalentido da economia), e os preos das casas subiram trs vezes mais rpido do que o nvelgeral. O grande aumento no valor dos imveis induziu a uma exploso nas construes, e onmero de novas edificaes atingiu dois milhes de unidades por ano cerca de 500 milunidades a mais do que o necessrio para satisfazer o crescimento populacional e as perdasdevidas a incndios, tempestades e fatores similares. Parte do aumento na demanda ocorreupor causa dos investidores que buscavam obter lucros com a elevao contnua dos preos.

    A grande queda nos valores dos imveis residenciais e o declnio nos preos dos ttulosrelacionados s hipotecas desde 2007 levaram produo de muitos livros focados nosEstados Unidos, os quais buscam explicar a bolha por falhas nas regulamentaes, erros dosreguladores, ganncia de banqueiros ou pelos problemas dos novos instrumentos financeirosdesenvolvidos no pas.

    Um dos temas deste livro a constatao de que as bolhas de crdito que muitas vezesocorrem em vrios pases ao mesmo tempo tm causas iniciais similares. Assim, o pico nasdvidas dos pases em desenvolvimento nos anos 1970 ocorreu porque os principais bancosinternacionais acreditavam que os preos das commodities continuariam a aumentar e que astaxas de crescimento nesses pases permaneceriam altas. A probabilidade de que as bolhasnos mercados imobilirios dos Estados Unidos, Gr-Bretanha, Irlanda, Islndia, Espanha,frica do Sul e diversos outros pases que comearam por volta de 2002 tenham sido eventosindependentes parece baixa. As bolhas imobilirias so sempre resultado de bolhas noaumento do crdito. Existem aspectos idiossincrticos nicos nesses diferentes mercadosnacionais. O mercado de hipotecas subprime (de segunda linha) parece ser exclusivamentedos Estados Unidos. O rpido crescimento no fornecimento de crdito levou a um forteaumento na demanda por hipotecas, que foi maior do que a proviso de emprstimos deprimeira linha, e ento os corretores de hipotecas incentivaram uma rpida elevao nofornecimento de hipotecas de segunda linha.

    Outro tema a probabilidade de que quatro ondas de bolhas em um perodo de trinta anosno estejam relacionadas bem baixa. Cada bolha levou a uma crise. Vrias dessas crisesparecem ter estabelecido a base para a prxima onda de bolhas. A crise financeira dos pasesem desenvolvimento no incio da dcada de 1980 teve um efeito domin que contribuiu para abolha dos imveis e aes no Japo na segunda metade da mesma dcada. A imploso dabolha em Tquio no incio dos anos 1990 levou a um aumento no fluxo de capital do Japopara Tailndia, Malsia e Indonsia, que provocou a valorizao de suas moedas e a elevaonos preos dos imveis e ttulos nesses pases. Quando implodiram as bolhas dos pases nosudeste asitico, houve um surto no fluxo de capitais para os Estados Unidos enquanto essespases pagavam seus emprstimos. O dlar norte-americano valorizou-se e o dficit comercialaumentou em US$ 150 bilhes por ano.

    Esse aumento no fluxo de capitais para um pas quase sempre leva valorizao de suamoeda e dos preos dos ativos, uma vez que os vendedores domsticos dos ttulos usam quasetodas as suas receitas para comprar outros ativos de distintos residentes do pas, que, por sua

  • vez, usam grande parte de suas receitas para comprar diversos ttulos domsticos de outrosresidentes. Essas transaes ocorriam a preos cada vez maiores: era como se o dinheiro davenda dos ttulos para estrangeiros fosse a proverbial batata quente que era passadarapidamente de um grupo de investidores para outro a preos cada vez maiores.

    1.1 Manias e crdito e livrosA produo de livros sobre as crises financeiras anticclica. Muitos apareceram nos anos1930, depois da bolha no mercado de aes dos Estados Unidos no final dos anos 1920 e asubsequente quebra e Grande Depresso. Apareceram relativamente poucos livros sobrecrises durante as dcadas que precederam a Segunda Guerra Mundial.

    A primeira edio deste livro foi publicada em 1978 nos Estados Unidos, depois que ospreos das aes no pas caram 50% em 1973 e 1974, aps quinze anos de tendncia altistanas aes. A queda do mercado de aes e a recesso norte-americana levaram s falnciasda ferrovia Penn Central, de algumas grandes companhias metalrgicas e de um grandenmero de corretoras de aes de Wall Street. A cidade de Nova York estava beira dedeclarar moratria em suas dvidas, e foi salva da insolvncia pelo estado de Nova York. Nofoi realmente uma quebra, a menos que voc fosse um oficial snior ou acionista de uma dasempresas que faliram ou fosse o prefeito.

    A quinta edio foi publicada depois da imploso da bolha ponto com das aes nosEstados Unidos no final dos anos 1990. As inovaes desde a quinta edio foi o advento dabolha dos imveis residenciais nos Estados Unidos, Gr-Bretanha, Irlanda, Espanha, Islndiae outros pases, e o grande aumento das dvidas dos governos da Grcia, de Portugal, daIrlanda e da Espanha.

    Cada uma dessas ondas de bolhas foi global, pois quatro, cinco ou mais pases estavamenvolvidos. Alm disso, elas parecem ser maiores, julgando pelo aumento da riqueza epatrimnio das famlias.

    LIVROS SOBRE A CRISE FINANCEIRA DE 2008O colapso dos bancos comerciais e de investimentos dos Estados Unidos em 2007, 2008 e 2009 levou ao surgimento de umgrande nmero de livros sobre a crise financeira, escrito por trs grupos principais de autores. Muitos foram produzidos porjornalistas, como Gillian Tett, que escreveu O ouro dos tolos: como a ganncia desenfreada corrompeu um sonho,despedaou os mercados e desencadeou uma catstrofe mundial; 2 Andrew Ross Sorkin publicou Too Big to Fail: Theinside Story of How Wall Street and Washington Fought to Save the Financial System and Themselves; RogerLowenstein escreveu The End of Wall Street ; Justin Fox publicou O mito dos mercados racionais: uma histria derisco, recompensa e decepo em Wall Street; 3 e Scott Patterson escreveu Mentes brilhantes, rombos bilionrios;como os quants, uma gerao de gnios da matemtica, dominou e quase destruiu Wall Street. O tema dairracionalidade do mercado tambm explorado em Como os mercados quebram: a lgica das catstrofes econmicas,de John Cassidy.4 The Big Shot: Inside the Doomsday Machine, de Michael Lewis, concentrou-se em alguns indivduosque perceberam logo que havia uma bolha no mercado imobilirio e lucros excepcionais poderiam ser obtidos vendendo-settulos de hipotecas a descoberto. H tambm o livro de Suzanne McGee, Chasing Goldman Sachs: How the Masters ofthe Universe Melted Wall Street Down... And Why They Will Take Us to the Brink Again, e The Meltdown Years: TheUnfolding of the Global Economic Crisis, de Wolfgang Munchau; O crash de 2008 dinheiro fcil, apostas

  • arriscadas e o colapso global do crdito, de Charles R. Morris;5 Mr. Market Miscalculates: The Bubble Years andBeyond, de James Grant; The Sellout: How Three Decades of Wall Street Greed and Government MismanagementDestroyed the Global Financial System, de Charles Gasparino; Bailout Nation: How Greed and Easy MoneyCorrupted Wall Street and Shook the World Economy, de Barry Rithholtz; e Meltdown: How Greed and CorruptionShattered Our financial System and How We Can Recover de Katrina Vanden Heuvel e os editores do Nation.

    Alguns dos livros foram escritos por acadmicos. Um dos primeiros foi The Failure of Capitalism, de Richard Posner.Robert J. Shiller produziu The Subprime Solution, e George A. Akerlof, juntamente com Shiller, escreveu O espritoanimal.6 Alguns dos captulos desse livro se concentram na crise. Simon Johnson e James Kwak so os autores de 13Bankers: The Wall Street Takeover and the Next Financial Meltdown. Raghuram G. Rajan escreveu Linhas de falha:como rachaduras ocultas ainda ameaam a economia mundial,7 e Joseph Stiglitz produziu O mundo em queda livre.8

    Nassim Nicholas Taleb escreveu A lgica do cisne negro,9 uma crtica do consenso prevalecente nas finanasacadmicas sobre a eficincia de mercado. A contribuio de Thomas Sowell foi The Housing Boom and Bust, enquantoum grupo de quinze clebres economistas escreveu The Swam Lake Report; Fixing the Financial System, com mais detrinta recomendaes para mudanas nas regulamentaes. Amar Bhride escreveu A Call of Judgement, que integra asfinanas modernas com a economia clssica, enquanto Nouriel Roubini e Stephen Mihm escreveram A economia da crise:um curso-relmpago sobre o futuro do sistema financeiro internacional.10

    H um terceiro grupo de livros publicados por insiders, indivduos que j fizeram parte de uma empresa financeira.Henry Paulson, secretrio do Tesouro dos Estados Unidos de 2007 a 2009 e anteriormente presidente da Goldman Sachs,escreveu beira do abismo financeiro .11 Lawrence McDonald, ex-funcionrio da Lehman Brothers, escreveu Umacolossal falta de bom senso; a histria por trs do colapso do Lehman Brothers.12 William D. Cohan, um ex-banqueiroque se tornou jornalista, escreveu Castelo de cartas,13 enquanto Alex Pollock, outro ex-banqueiro, publicou Boom andBust: Financial Cycles and Human Prosperity . George Cooper, um analista financeiro, escreveu The Origin ofFinancial Crises.

    A maior parte desses livros est concentrada nos Estados Unidos e ignora ou minimiza as bolhas nos mercadosimobilirios de outros pases. Entretanto, h trs livros sobre a crise da Islndia Meltdown Iceland: Lessons on theWorld Financial Crisis from a Small Bankrupt Island , de Roger Boyes, um jornalista britnico, Why Iceland? de AsgeirJonsson, um ex-banqueiro snior na Kaupthing, uma das empresas falidas, e Frozen Assets: How I lived Icelands Boomand Bust, de Eftir Armann Thorvaldsson, um ex-presidente do mesmo banco no Reino Unido. Alm disso, o governo daIslndia que subiu ao poder depois do colapso estabeleceu uma comisso especial de investigao que produziu Causes ofthe Collapse of the Icelandic Banks Responsability, Mistakes and Negligence. Os autores foram Pali Hreinsson,Tryggvie Gunnarsson e Sigridur Benediktsdottir.

    O congresso dos Estados Unidos estabeleceu uma comisso de investigao da crise financeira composta por dezmembros dos dois partidos principais do pas, a qual realizou extensas audincias e entrevistou testemunhas das principaisfirmas financeiras. O ex-presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Alan Greenspan, e o ex-secretrio do tesouro,Robert Rubin, testemunharam perante a comisso. O relatrio da comisso foi publicado em dezembro de 2010.14

    Os ttulos e subttulos desses livros expressam temas comuns ganncia, o mau funcionamento dos mercados, acorrupo de Wall Street e o domnio dos banqueiros sobre Washington e os regulamentadores. E mais ganncia.

    O ponto negativo da maioria desses livros que eles no explicam por que a crise aconteceu naquele momentoespecfico, nem tm uma explicao sobre por que alguns pases foram envolvidos e outros no. Os problemas na Islndiaforam um desdobramento dos problemas nos Estados Unidos, ou os problemas dos grandes e dos pequenos pases afetadosforam resultado de um fator comum? Os banqueiros ficaram muito gananciosos logo depois do comeo do novo milnio, ouessa ganncia sempre esteve l e foi liberada por algum outro evento?

    Alm disso, o foco desses livros geralmente micro e centralizado no fracasso da racionalidade e na inabilidade dosfinanciadores em prever as consequncias do aumento do endividamento dos financiados. As bolhas dos ativos a maioriadas bolhas do ativos so um fenmeno monetrio e resultado do rpido crescimento do fornecimento do crdito. A visode que aumentos excessivamente rpidos nos preos dos bens e servios resultam do rpido crescimento da disponibilidadede moeda aceita o axioma a inflao sempre um fenmeno monetrio. A contraparte as bolhas imobilirias sosempre um fenmeno de crdito.

    A sexta edio deste livro aparece trinta e trs anos depois da primeira (em 1978) etambm depois de trinta dos anos mais tumultuados nos mercados financeiros globais; um

  • perodo sem precedentes histricos em termos de turbulncia monetria.

    AS DEZ GRANDES BOLHAS FINANCEIRAS1. A bolha das tulipas holandesas (1636).2. A bolha dos mares do sul (1720).3. A bolha do Mississipi (1720).4. A bolha dos preos das aes do final dos anos 1920 (1927-29).5. O surto nos emprstimos bancrios para o Mxico e outros pases em desenvolvimento nos anos 1970.6. A bolha nos imveis e aes no Japo (1985-89).7. A bolha de 1985-89 nos imveis e aes na Finlndia, Noruega e Sucia.8. A bolha nos imveis e aes na Tailndia, Malsia, Indonsia e em diversos outros pases asiticos (1992-97), e o surto

    nos investimentos estrangeiros no Mxico (1990-99).9. A bolha nas aes de balco nos Estados Unidos (1995-2000).

    10. A bolha imobiliria nos Estados Unidos, Gr-Bretanha, Espanha, Irlanda e Islndia entre 2002 e 2007 e a dvida dogoverno da Grcia.

    A primeira bolha no quadro envolve bulbos de tulipa na Holanda no sculo XVII. Duasdelas uma na Gr-Bretanha, e outra na Frana ocorreram no final das GuerrasNapolenicas. Existiram manias e crises financeiras no sculo XIX que foram associadasprincipalmente com a falncia de bancos, muitas vezes aps um extenso investimento eminfraestrutura, como canais e ferrovias. Crises monetrias e bancrias foram frequentes entre1920 e 1940. Os aumentos em porcentagem nos preos das aes nos ltimos 30 anos forammaiores do que nos perodos anteriores, e seis das dez bolhas no quadro ocorreram nesseperodo. As bolhas nos imveis e aes muitas vezes ocorreram ao mesmo tempo. Algunspases experimentaram uma nos imveis, mas no nas aes, enquanto os Estados Unidostiveram uma bolha no preo das aes na segunda metade da dcada de 1990 que no tevecontraparte no mercado imobilirio.

    As manias so dramticas, mas no tm sido frequentes. Em duzentos anos, ocorreramsomente duas nas aes nos Estados Unidos, e geralmente durante a fase de expanso do ciclode negcios em parte porque a euforia associada com a mania leva a aumentos nos gastos.Durante a mania, os aumentos nos preos dos imveis ou aes ou em uma ou diversasmercadorias contribuem para elevaes no consumo e gastos com investimentos que, por suavez, levam acelerao do crescimento econmico, que previsto por profetas da economia,e alguns mais aventureiros at mesmo proclamam o fim das recesses e declaram que osciclos de negcio tradicionais se tornaram obsoletos. O crescimento mais rpido induz osinvestidores e devedores a tornarem-se mais otimistas, e os preos dos ativos aumentam maisrapidamente.

    As manias especialmente as grandes esto associadas euforia econmica. Asempresas tornam-se cada vez mais otimistas, e os gastos com investimentos aumentam porqueo crdito abundante. Na segunda metade da dcada de 1980, as empresas industriaisjaponesas podiam pegar emprestado quanto quisessem dos seus amigveis banqueiros emTquio e Osaka. O dinheiro parecia ser grtis (dinheiro sempre parece ser grtis nasmanias), e os japoneses entraram em uma farra de consumo e de investimentos comprando,

  • por exemplo, 10 mil itens de arte francesa. Um empreendedor de pistas de corrida de Osakapagou US$ 90 milhes pelo Retrato do Dr. Guichet de Van Gogh, na poca o maior preo jpago por uma pintura. A Companhia Imobiliria Mitsui pagou US$ 625 milhes pelo ExxonBuilding em Nova York, embora o preo inicial pedido fosse de US$ 510 milhes. A Mitsuiqueria entrar para o Guinness o livro dos recordes por pagar o maior valor por um edifciode escritrios. Na segunda metade da dcada de 1990, nos Estados Unidos, as recm-fundadasempresas nas indstrias da tecnologia da informao e biotecnologia tiveram acesso a fundosvirtualmente ilimitados dos capitalistas de risco que acreditavam obter grandes lucros quandoas aes dessas firmas fossem vendidas para o pblico.

    Durante esses perodos de euforia, um nmero crescente de investidores buscou ganhos decapital de curto prazo com o aumento de preo dos imveis e aes. Esses investidoresfizeram adiantamentos na compra de apartamentos em condomnios em fase de pr-construo,prevendo que seriam capazes de vend-los com grandes lucros quando os prdios estivessemterminados, ou mesmo antes.

    No entanto, um dia ocorre um evento talvez uma mudana na poltica governamental, afalncia inesperada de uma empresa que achava ser bem-sucedida que leva a umainterrupo no aumento dos preos dos ativos. Logo, alguns investidores que estavamfinanciando a maior parte de suas compras com dinheiro emprestado tornam-se vendedores emdificuldades, porque o pagamento dos juros sobre o dinheiro emprestado para financiar suascompras maior do que a receita do investimento sobre os ativos. Os preos destes caemabaixo de seus valores de compra, e agora os compradores esto debaixo dgua asquantias devidas sobre o dinheiro emprestado para financiar as compras desses ativos somaiores do que seu valor atual de mercado. Suas vendas apressadas levam a fortes declniosnos preos dos ativos, e provvel que haja quebras e pnicos.

    A situao econmica em um pas depois de anos de comportamento de bolha lembra o deuma pessoa jovem em uma bicicleta: necessrio manter o movimento para a frente, ou abicicleta torna-se instvel. Durante a mania, os preos dos ativos caem imediatamente depoisque param de aumentar no existe patamar, nenhum meio termo. O declnio nos preos dealguns ativos leva preocupao, e assim se considera que os preos dos ativos iro cairmais e o sistema financeiro enfrentar dificuldades. A pressa em vender esses ativos setorna autossustentvel e to precipitada que se assemelha ao pnico. Os preos dascommodities casas, prdios, terras, aes, obrigaes reduzem para nveis pouco acimade 30 a 40% dos seus preos no pico. Ocorre um surto de falncias, a atividade econmicadesacelera e o desemprego aumenta.

    As caractersticas dessas manias nunca so idnticas, e ainda assim existe um padrosimilar. O aumento nos preos das commodities, imveis ou aes est associado com aeuforia. A renda das famlias e tambm os seus gastos elevam-se. Existe uma sensao deisso nunca foi to bom. Ento, os valores dos ativos atingem seu pico e comeam a cair. Aimploso de uma bolha leva a declnios nos preos de commodities, aes e imveis.Algumas crises financeiras foram precedidas por um rpido aumento no endividamento de umou vrios grupos tomadores de emprstimos, em vez de uma rpida valorizao no preo deum ativo ou ttulo.

  • A tese deste livro sustenta que o ciclo de manias e pnicos resulta das mudanasprocclicas no fornecimento de crdito, o qual aumenta rapidamente nos bons perodos, eento, quando o crescimento econmico diminui, a taxa de elevao do crdito muitas vezescai rapidamente. Uma mania envolve aumentos nos preos dos imveis, aes, moedas oucommodities no presente e no futuro prximo, no consistentes com os valores dos mesmosimveis ou aes no futuro distante. As previses de que o preo do petrleo poderiaaumentar para US$ 80 por barril, depois que passou de US$ 2,50 por barril no incio dos anos1970 para US$ 36 no final dessa dcada, foram manacas. Durante as expanses econmicas,os investidores tornam-se cada vez mais otimistas e mais ansiosos em procurar oportunidadesde lucro que daro retorno no futuro distante, enquanto os financiadores ficam mais avessosaos riscos. A exuberncia racional transforma-se em irracional; a euforia econmicadesenvolve-se e os gastos com investimentos e consumo aumentam. Existe uma sensaodifundida de que hora de pular no trem antes que ele deixe a estao, e as oportunidadesexcepcionalmente lucrativas desaparecem. Os preos dos ativos crescem ainda mais. Umaparte cada vez maior das compras desses ativos realizada em antecipao dos ganhos decapital de curto prazo, e uma parcela excepcionalmente grande dessas compras financiadacom crdito.

    As crises financeiras analisadas neste livro so grandes tanto em tamanho como em efeito,e a maioria internacional porque envolve diversos pases ao mesmo tempo ou de modocausal e sequencial.

    O termo bolha genrico para o aumento nos preos dos ativos na fase mania do cicloe no pode ser explicado pelas mudanas nos fundamentos econmicos. Nos anos 2000,bolhas imobilirias e no preo das aes ocorreram aproximadamente ao mesmo tempo noJapo e em alguns dos pases asiticos. As grandes valorizaes do ouro e da prata no finaldos anos 1970 constituram uma bolha, mas do petrleo cru no mesmo perodo no. Adistino que muitos dos compradores de ouro e prata naquela dcada tumultuada einflacionria previram que os preos dos dois metais preciosos iriam continuar a subir e quese obteriam lucros em comprar e manter essas commodities por perodos relativamente curtos.Em contraste, muitos dos compradores de petrleo estavam preocupados com problemas nosuprimento de petrleo devido ao cartel e guerra do Golfo Prsico, que levariam falta doproduto e ao aumento dos preos.

    ESQUEMAS PONZI, CORRENTES, ESQUEMAS DE PIRMIDE,MANIAS E BOLHAS

    Esquemas Ponzi, correntes postais, bolhas, esquemas de pirmide, finanas e manias so termos que se sobrepem umpouco, usados para padres no sustentveis de comportamento financeiro, nos quais os preos dos ativos hoje no soconsistentes com os mesmos em datas futuras. Os esquemas Ponzi geralmente envolvem promessas de pagamento de taxasde juros de 30, 40 ou 50% ao ms. Os empreendedores que desenvolvem esses esquemas sempre alegam ter descobertouma nova frmula secreta para conseguir essas altas taxas de retorno. Eles fazem os pagamentos dos juros prometidosdurante os primeiros meses com o dinheiro recebido dos novos clientes atrados pelas altas taxas de retorno prometidas. Noquarto ou quinto ms, o dinheiro recebido desses novos clientes menor do que a promessa para os primeiros clientes, e osempreendedores vo para o Brasil, ou para a cadeia, ou para os dois.

    Uma corrente postal uma forma particular de arranjo de pirmide. No procedimento, os indivduos recebem uma cartapedindo que enviem US$ 1 (US$ 10 ou US$ 100) para a pessoa no topo da pirmide, devendo enviar a mesma carta para

  • cinco amigos ou conhecidos em cinco dias. A promessa de que dentro de trinta dias voc ir receber US$ 64 para cadaUS$ 1 investido.

    Os esquemas de pirmide muitas vezes envolvem a diviso de comisses de venda de ttulos, cosmticos ou suplementosalimentares feita por quem realmente realizou as vendas com aqueles que os recrutaram para a equipe de vendas.

    A bolha envolve a compra de um ativo, geralmente um imvel ou valor mobilirio, e no por causa da taxa de retornosobre o investimento, mas na esperana de que o ativo ou valor mobilirio possa ser vendido para mais algum a um preoainda maior. O termo the greater fool (o maior tolo) foi usado para sugerir que o ltimo comprador est sempre contandoem encontrar mais algum para quem vender a ao, o apartamento ou carto de beisebol.

    O termo mania descreve o padro frentico de compras, muitas vezes um aumento nos preos acompanhado por umcrescimento nos volumes negociados. Os indivduos esto ansiosos para comprar antes que os preos aumentem mais. Otermo bolha sugere que quando os preos estabilizam, provvel quase certo que eles caiam.

    As correntes postais e pirmides raramente tm consequncias macroeconmicas, pois envolvem segmentos isolados daeconomia e a redistribuio da renda daqueles que chegaram por ltimo para os que chegaram primeiro. As bolhas nospreos dos ativos muitas vezes esto associadas com a euforia econmica e o aumento nos gastos empresariais e pessoais,porque o futuro parece ser brilhante pelo menos at que a bolha estoure.

    Virtualmente, todas as manias esto associadas a uma robusta expanso econmica, massomente poucas expanses esto associadas a uma mania. Ainda assim, a associao entreelas frequente e uniforme o suficiente para merecer mais estudos.

    Alguns economistas contestaram a viso de que o uso do termo bolha realmenteapropriado, pois sugere um comportamento irracional muito improvvel ou implausvel. Emvez disso, eles buscam explicar o rpido aumento nos preos dos imveis ou aes em termosconsistentes com mudanas nos fundamentos econmicos. Assim, para esses economistas, osurto nos preos das aes da NASDAQ na dcada de 1990 ocorreu porque os investidoresprocuraram comprar aes de firmas que poderiam repetir os sucessos espetaculares daMicrosoft, Intel, Cisco, Dell e Amgen.

    1.2 As implicaes polticasO surgimento de uma mania ou bolha levanta uma questo: os governos devem ou no procurarmoderar os surtos nos preos dos ativos para reduzir a probabilidade ou severidade da crisefinanceira que se seguir? Virtualmente, todos os grandes pases estabeleceram um bancocentral como emprestador de ltima instncia domstico para reduzir a probabilidade deque uma falta de liquidez possa-se tornar uma crise de solvncia. A prtica leva questo dopapel de um emprestador internacional de ltima instncia que pudesse auxiliar os pases aestabilizar o valor das suas moedas e reduzir a probabilidade de sua forte desvalorizao, emconsequncia da falta de liquidez que poderia causar um grande nmero de falncias.

    Durante uma crise, muitas empresas que recentemente pareciam robustas vo falnciaporque o fracasso de algumas delas muitas vezes leva a um declnio nos preos dos ativos e auma desacelerao da economia. Quando isso ocorre, a interveno governamental pode serdesejvel para proporcionar o bem pblico da estabilidade. Durante as crises econmicas, odeclnio nos preos dos ativos pode ser to grande e abrupto que as mudanas de valorespassam a justificar a si prprias. Quando eles caem violentamente, um pico na demanda por

  • liquidez pode levar muitos indivduos e firmas falncia, e a venda de ativos nessascircunstncias perturbadoras pode induzir mais declnios em seus valores. Nesses momentos,um emprestador de ltima instncia pode proporcionar estabilidade ou atenuar a instabilidadefinanceira. O dilema que se os investidores soubessem antecipadamente que o governoofereceria suporte financeiro sob condies generosas quando os preos dos ativos cassemmuito, os mercados poderiam quebrar com mais frequncia, porque esses investidores seriammenos cuidadosos nas suas compras de ativos.

    O papel do emprestador de ltima instncia em uma quebra ou pnico est repleto deambiguidades e dilemas. Thomas Joplin comentou sobre o comportamento do Banco daInglaterra durante a crise de 1825: H momentos em que as regras e precedentes no podemser quebrados. Outros, quando no podem ser seguidos com segurana. Quebrar uma regraestabelece um precedente e uma nova regra que pode ser seguida ou rompida conforme aocasio exija. Nessas circunstncias, a interveno uma arte, e no uma cincia. As regrasgerais de que o estado deve sempre intervir ou que nunca deve intervir esto erradas. Essamesma questo da interveno reapareceu quando se ponderou se o governo dos EstadosUnidos deveria ter resgatado a Chrysler (1979), a cidade de Nova York (1975) e oContinental Illinois Bank, em 1984 (de fato, o Continental Illinois faliu, embora osdepositantes do banco no tenham sido afetados). Questionou-se tambm se o Banco daInglaterra no deveria ter resgatado a Baring Brothers em 1995, depois que o negociantedesonesto, Nick Leedon, no escritrio da filial de Singapura, desfalcou o capital da empresapor meio de transaes ocultas em contratos de opo. A questo parece envolver um grupode devedores, bancos ou outras instituies financeiras, os quais incorrem em perdas tograndes que provavelmente sero forados a fechar, pelo menos sob a direo ento vigente.Os Estados Unidos agiram como emprestador de ltima instncia durante a crise financeiramexicana no final de 1994, assim como o fez o FMI durante a crise financeira russa de 1998,principalmente depois de ser estimulado pelos governos norte-americano e pelo alemo. Noentanto, nem os Estados Unidos e nem o Fundo Monetrio Internacional estavam dispostos aagir como emprestador de ltima instncia durante a crise financeira argentina no comeo de2001. Assim, essa lista destaca que lidar com crises financeiras continua sendo um grandeproblema.

    A concluso de The World in Depression, 1929-1939 foi de que a depresso dos anos1930 foi ampla, profunda e prolongada, porque no havia emprestador internacional de ltimainstncia.15 A Gr-Bretanha no foi capaz de realizar esse papel porque estava esgotada pelaPrimeira Guerra Mundial, obcecada em atrelar a libra inglesa ao ouro com a paridade pr-1914 e tonta com a interrupo da recuperao econmica da dcada de 1920, e os EstadosUnidos tambm no estavam dispostos a agir como emprestadores internacionais de ltimainstncia. Mas, na poca, os norte-americanos achavam que seu pas deveria terdesempenhado esse papel. Mais adiante, no Captulo 12, a anlise desse papel ser estendida.

    Os aspectos monetrios das manias e pnicos so importantes, e sero examinados emprofundidade em diversos captulos. Segundo a viso monetria pelo menos do ponto devista monetarista , a mania no ocorreria se a taxa de crescimento da base monetria fosseestabilizada ou constante. Muitas das manias esto associadas com um pico no crescimento do

  • crdito, mas nem todas. Uma taxa de crescimento constante do suprimento monetrio podereduzir a frequncia das manias, mas improvvel que as mande para a lata de lixo dahistria. A taxa de aumento nos preos das aes nos Estados Unidos na segunda metade dadcada de 1920 foi excepcionalmente alta em relao do suprimento monetrio, assim comoa taxa de aumento nos preos das aes da NASDAQ na segunda metade da dcada de 1990em relao ao crescimento do suprimento monetrio do pas. Alguns monetaristas distinguementre crises financeiras reais, causadas pelo encolhimento da base monetria ou dinheiro dealta potncia, e as pseudocrises, ou seja, no causadas por esses fatores. As crisesfinanceiras nas quais a base monetria muda no incio ou final do processo devem serdistinguidas daquelas em que o suprimento monetrio no aumenta significativamente.

    As primeiras manias, discutidas na primeira edio norte-americana deste livro (1978),corresponderam s bolhas dos Mares do Sul e do Mississipi em 1719-20. As analisadas napresente edio so a Kipper-und Wipperzeit, uma crise monetria (1619-22) que ocorreu naecloso da Guerra dos Trinta Anos, e a muito discutida tulipomania de 1636-37. Oentendimento de que o comrcio de tulipas na Repblica Unida dos Pases Baixos constituiuuma bolha veio do amplo reconhecimento, mesmo na poca, de que espcimes exticos detulipa so difceis de cultivar, mas uma vez cultivados se propagam facilmente o que fariaseus preos carem rapidamente.16

    O tratamento histrico inicial concentra-se nas experincias europeias. A crise maisrecente coberta nesta edio se concentra nos mercados imobilirios dos Estados Unidos,Gr-Bretanha, Irlanda, Espanha e Islndia. O foco nas crises financeiras da Gr-Bretanha dosculo XIX reflete tanto a importncia central de Londres nos acordos financeirosinternacionais como os abundantes trabalhos escritos por analistas contemporneos. Emcontraste, Amsterd foi o poder financeiro dominante por grande parte do sculo XVIII, masos eventos foram tratados muito superficialmente por causa das dificuldades em acessar aliteratura holandesa.

    As ondas de bolhas de crdito e crises desde meados dos anos 1970 sugerem que esseseventos de mercado foram muito mais globais do que no passado. A maioria dos pases queexperimentaram bolhas de crdito tambm recebeu um fluxo de dinheiro. Uma vez que poucastaxas de cmbio eram fixas, os fluxos levaram a uma valorizao de suas moedas e j que odinheiro tem de ir para algum lugar a aumentos nos preos dos ativos. Cada um dessespases experimentou um boom econmico isso no poderia estar melhor. Como as moedasse valorizaram, a alta presso nos preos dos bens e servios foi menor do que talvez fosse seas moedas estivessem fixas. Mesmo assim, os bancos centrais de muitos pases aumentaram astaxas de juros o que teve o impacto de atrair mais dinheiro do exterior.

    Uma caracterstica nica desses desenvolvimentos monetrios o fato de que comvnculos maiores entre os mercados globais mais provvel que o dinheiro v para fora dopas por causa de pequenos retornos maiores que o esperado. A novidade um pool muitomaior de fundos lquidos com denominao em dlares norte-americanos que os investidorespodem usar quando quiserem comprar ativos e ttulos em pases cujos retornos financeiros eeconmicos parecem subitamente muito melhores.

  • 1.3 A histria captulo por captuloUm modelo estilizado de especulao, expanso de crdito, problemas financeiros e crise queacaba em pnico e quebra ser apresentado no Captulo 2 A anatomia de uma crise tpica.Ele aborda as ideias clssicas iniciais de volume excessivo de negcios seguido porrevulso e descrdito termos bolorentos usados por geraes antigas de economistas,incluindo Adam Smith, John Stuart Mill, Knut Wicksell e Irving Fisher. Esses conceitos forammais desenvolvidos por Hyman Minsky, que argumentou que o sistema financeiro em umaeconomia de mercado instvel, frgil e predisposto a crises. O modelo dele explica bem asprimeiras crises nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, as bolhas dos preos dos ativosno Japo na segunda metade da dcada de 1980 e as bolhas imobilirias nos Estados Unidos,Gr-Bretanha, Irlanda, Espanha e Islndia entre 2002 e 2007.

    A fase mania da expanso econmica o assunto do Captulo 3 Manias especulativas.O foco central analisar se os mercados so sempre racionais ou se a especulao pode serdesestabilizadora, ou seja, se os investidores em imveis e aes desenvolvem estimativasdos preos previstos com base na valorizao recente desses ativos ou se suas previses depreos so baseadas nas suas estimativas de lucro. A natureza do choque externo, exgeno,que dispara a mania, examinada em diferentes situaes histricas: antes e no fim de umaguerra, em uma srie de colheitas boas e ruins, na abertura de novos mercados e novas fontesde suprimento e no desenvolvimento de diferentes inovaes a ferrovia, a eletricidade e o e-mail. Uma forma recente de deslocamento que atingiu o sistema foi a liberao financeira oudesregulamentao no Japo, nos pases nrdicos, em alguns pases asiticos, no Mxico, naRssia e na Islndia, que levou expanso monetria, a emprstimos estrangeiros einvestimentos especulativos.17

    Os investidores especularam em commodities, terras para agricultura, locais deconstruo urbana, ferrovias, novos bancos, lojas de desconto, aes, ttulos (tantoestrangeiros quanto domsticos), aes especiais, conglomerados, condomnios, shoppingcenters e prdios de escritrios. Excessos moderados acabam sozinhos, sem danos economia, embora investidores individuais sofram grandes perdas. A questo saber se aeuforia da escalada econmica pe em risco a estabilidade financeira somente quandoenvolve pelo menos dois ou mais objetos de especulao (uma colheita ruim, por exemplo)com uma mania ferroviria ou uma orgia de especulao de terras, ou uma bolha ao mesmotempo no setor imobilirio e nas aes.

    As dimenses monetrias das manias e pnicos so analisadas no Captulo 4 Alimentando as chamas: a expanso do crdito. As ocasies em que um boom ou pnico foraminiciados por um evento monetrio uma recunhagem, a descoberta de metais preciosos, umamudana na relao dos preos do ouro e prata sob o bimetalismo, um sucesso inesperado daestreia de alguma ao ou ttulos, reduo drstica nas taxas de juros como resultado de umaconverso massiva de dvidas ou uma rpida expanso da base monetria so destacadas.Inovaes financeiras, bem como nos processos produtivos, podem afetar o sistema e levar aoexcesso de investimentos em alguns tipos de servios financeiros.18

  • Os setores financeiros expandiram-se rapidamente nos Estados Unidos, Gr-Bretanha,Irlanda e Islndia durante seus booms imobilirios em consequncia do ligeiro crescimentodas hipotecas e ttulos ligados a elas. Um grande aumento nas taxas de juros pode induziralguns investidores a retirar seu dinheiro dos bancos e instituies de poupana, que so entoespremidos porque os preos dos seus ttulos de longo prazo declinam quando precisamreduzir seu quadro de funcionrios. Os problemas associados com a administrao domecanismo monetrio para evitar manias e bolhas so destacados nesta edio. A maioria dasbolhas, e especialmente aquelas que ocorreram desde 1970, resultou do rpido aumento nocrdito disponvel para um grupo de devedores, muitas vezes compradores de imveis. Ocontrole monetrio pelos bancos centrais limita o crescimento do dinheiro e crdito. Odinheiro um bem pblico, mas arranjos monetrios muitas vezes foram explorados porparticulares. Alm disso, os bancos so difceis de regular porque desenvolvem novasinstituies que contornam as regulamentaes. Muitos monetaristas insistem que vrias dasdificuldades cclicas do passado talvez a maioria foram resultado da m administrao domecanismo monetrio. Tais erros foram frequentes e srios. Entretanto, o argumentoapresentado no Captulo 4 sustenta que, mesmo quando o suprimento de dinheiro foi ajustados demandas de uma economia, o mecanismo monetrio no permaneceu regulado por muitotempo. Quando o governo produz uma quantidade do bem pblico dinheiro , as pessoaspodem comear a produzir muitos substitutos para ele, assim como os advogados encontramnovos furos nas leis tributrias quase to rapidamente quanto velhas lacunas so tapadas. Aevoluo do dinheiro para as notas bancrias, letras de cmbio, depsitos bancrios e papelfinanceiro ilustra o ponto. A Escola Monetarista podia estar certa sobre a necessidade de umsuprimento constante de dinheiro, mas estava errada em acreditar que o de moeda poderia serconstante.

    Os aspectos domsticos da crise so revistos no Captulo 5 O estgio crtico quando abolha est prestes a estourar. Uma questo levantada saber se as manias podem serimpedidas por alertas oficiais persuaso moral ou convencimento. As evidncias sugeremque no, ou pelo menos que, antes de muitas crises, houve avisos com objetivo de evit-las.H uma frase bastante citada de Alan Greenspan, presidente do Banco Central dos EstadosUnidos. Ele declarou, em 6 de dezembro de 1996, que achava o mercado de aes dosEstados Unidos irracionalmente exuberante. A mdia industrial do Dow Jones na poca era6.600 e, subsequentemente, teve um pico de 11.700. A NASDAQ estava em 1.300 no momentoda declarao de Greenspan e teve um pico de mais de 5.000 quatro anos depois. Um alertasimilar foi feito em fevereiro de 1929 por Paul M. Warburg (banqueiro privado e um dos paisdo sistema de bancos centrais dos Estados Unidos), que mesmo assim no conseguiu reduzir asubida dos mercados de aes. A natureza do evento que produz um ponto de ruptura discutida: algumas falncias, deflao ou reas problemticas reveladas ou sugeridas, ou umaumento brusco na taxa de descontos do banco central para interromper a hemorragia dedinheiro em circulao domstica ou no exterior. E h a interao de preos caindo umaquebra e seu impacto sobre a liquidez na economia.

    Os impactos da mania sobre os gastos domsticos e a euforia resultante so discutidos noCaptulo 6 Euforia e riqueza de papel. As bolhas levam a gastos extravagantes. Malsia,

  • Dubai e alguns outros pases construram o prdio mais alto do mundo para mostrar quepodiam faz-lo e pagar por ele. Os japoneses, como visto, importaram arte francesa nos anos1980 porque outros japoneses estavam fazendo isso tambm. O dinheiro parece ser grtis,como se as leis fundamentais da economia no se aplicassem mais. Mas as observaes dosgastos extravagantes por fim originaram questes sobre a existncia de uma bolha por baixodeles.

    A imploso da bolha leva sempre descoberta de fraudes e golpes que se desenvolveramcom a mania. Esses eventos so revisados no Captulo 7 Bernie Madoff: fraudes, golpes e ociclo do crdito. Fraude e corrupo baseiam-se na desinformao tanto na falsificaoquanto na interpretao incorreta das informaes. Algumas tambm envolvem o roubo deinformaes privadas antes que elas se tornem disponveis para o pblico. Podem serpessoais ou corporativas. Bernie Madoff conduziu um dos maiores esquemas Ponzi j vistos, eos investidores perderam mais de US$ 20 bilhes. Os proprietrios de alguns conglomeradosde negcios na Islndia capturaram o controle dos bancos e ento fizeram emprstimos paraaumentar seu consumo e seus investimentos. A combinao de instituies financeiras falidase o rpido crescimento de ttulos podres na dcada de 1980 custaram aos contribuintes norte-americanos mais de US$ 100 bilhes. Alguns desses ttulos foram adquiridos por indivduosque dependiam deles para o seu financiamento. Enron, MCIWorldCom, Tyco, Dynegy eAdelphia fizeram parte da galeria de viles da dcada de 1990. Muitas das grandes famliasde fundos mtuos dos Estados Unidos foram expostas porque davam tratamento preferencialaos fundos de hedge. Quebras e pnicos muitas vezes so precipitados pela revelao dealguma prevaricao, transgresso ou suborno (a corrupo de oficiais) ocorrido durante amania. Uma concluso possvel que os golpes so uma resposta ao apetite por fortuna (oupura e simples cobia) estimulada pelo boom grupo A quer igualar-se ao grupo B, e paraisso alguns membros do grupo A tomam atitudes fraudulentas. Conforme o sistema monetrio forado, as instituies perdem liquidez e, quando golpes malsucedidos parecem estar prestesa ser revelados, a tentao de pegar o dinheiro e fugir torna-se irresistvel.

    O contgio internacional das manias e crises do sculo XVII at a primeira metade dosculo XX o assunto do Captulo 8 Contgio internacional de 1618-1930. Dois, trs,quatro ou mais pases experimentam sintomas de bolha similares ao mesmo tempo, e para issoexistem duas narrativas concorrentes. Uma envolve a metfora do Sol e da Lua: a maniacomeou em um pas, muitas vezes grande, e ento foi irradiada para seus vizinhos menoresou parceiros comerciais. Essa alternativa afirma que esses pases esto sujeitos ao mesmochoque ou inovao. Existem muitos vnculos possveis entre pases, incluindo comrcio,arbitragem de ttulos, fluxos de capital, mudanas nas reservas de ouro ou outros ativos dereserva internacional nos bancos centrais, e assim contgio direto dos especuladores naeuforia ou desnimo. Algumas bolhas so nacionais, outras, globais. Algumas crises sonacionais, outras, internacionais. Qual a diferena? O pnico de 1907 em Nova York, porexemplo, precipitou o colapso da Societ Bancaria Italiana por meio da presso sobre Paris,comunicada a Turim mediante retiradas dos depsitos bancrios? Existe uma ambiguidadefundamental condies de juros altos e pouca oferta de crdito podem tanto atrair fundoscomo os repelir, dependendo das expectativas que um aumento nas taxas de juros gera. Com

  • expectativas inelsticas sem medo de crise ou de desvalorizao da moeda , um aumento nataxa de juros atrai fundos do exterior e ajuda a proporcionar o dinheiro necessrio para elevara liquidez. Com expectativas de mudana elsticas ligadas a queda de preos, falncias oudesvalorizao da moeda , aumentar a taxa de juros pode sugerir a necessidade de tomarmais fundos em vez de trazer novos. Esse dilema familiar na vida econmica em geral. Avalorizao de uma mercadoria pode levar os consumidores a postergar a compra enquantoesperam por uma reduo no preo, ou acelerar antes que aumentem mais. E mesmo quando asexpectativas so inelsticas e a elevao na taxa de juros no banco central inicia as reaescorretas, os atrasos nas respostas podem ser to longos que a crise comea antes que acavalaria chegue.

    Um gatilho complexo mas no incomum que leva a crises financeiras a sbitainterrupo dos emprstimos estrangeiros, talvez decorrente de um boom domstico. Assim, oboom na Alemanha e na ustria em 1873 resultou em um declnio dos fluxos monetriosexternos e contribuiu para as dificuldades de Jay Cooke nos Estados Unidos. Acontecimentossimilar