manifestaÇÕes das rezadeiras

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AS MANIFESTAES DAS REZADEIRAS EM TERESINA APARTIR DE MEADOS DA SEGUNDA METADE DO SCULO XX

Pedrina Nunes Arajo UFPI [email protected] urea da Paz Pinheiro UFPI

Este artigo tem por objetivo fazer uma discusso sobre as manifestaes de cura das rezadeiras em Teresina. Os rituais de curas desse sujeitos tinham caractersticas religiosas e que ao mesmo tempo desempenhavam funes sociais para com os indivduos residentes na comunidade. A religiosidade foi um mecanismo importante para a insero destes sujeitos ao contato com os textos escritos atravs das rezas catlicas, foi atravs dessa religiosidade catolicizada que foi possvel um contato com a leitura. A sacralizao das manifestaes das rezadeiras no esto atreladas somente ao reconhecimento institucional da Igreja, mas o sagrado est manifestado em suas prticas sendo reconhecido pelo homem religioso. Palavras Chaves: Rezadeira, Teresina, Religiosidade

This article aims to make a discussion of the manifestations of healing of mourners in Teresina. The rituals of healing characteristics of these subjects were religious and at the same time played for social functions with individuals living in the community. The religion was an important mechanism for the integration of these subjects in contact with the texts written by the Catholic prayer, it was through these religions catolicizada it was possible to make contact with reading. The sacralization of the manifestations of the mourners are not tied only to the institutional recognition of the Church, but the sacred is manifested in their practices and it recognized by the religious man. Keywords: Rezadeira, Teresina, Religiosity

* Aluna do mestrado em Histria do Brasil na Universidade Federal do Piau; Desenvolve a pesquisa Senhoras da F: Histria e Memria das rezadeiras no norte do Piau. Bolsista da Fundao de Amparo e Pesquisa do Piau (FAPEPI).** Doutora em Histria Cultural. Professora da UFPI e orientadora da pesquisa

Por muito tempo, Teresina foi uma cidade onde o rural era a extenso do urbano e esse mesmo campo prevalecia em diversos aspectos, as atitudes e o pensamento do homem do campo eram bastante vigentes. Teresina no estava preparada para comportar o contingente de pessoas que iriam habitar a cidade, em sua maioria eram sempre famlias pobres vindas de vrias partes do Nordeste e do interior do Piau. Uma cidade sempre tida como o lugar da esperana e da mudana, onde o indivduo pode romper com antigas tradies e ir busca de novas possibilidades na vida, esse o pensamento de quem chega urbe, porm, as dificuldades que iro surgir fazem diminuir as perspectivas de transformaes. Na obra A Cidade sob Fogo de Francisco Alcides Nascimento, perceber-se que a malha central de Teresina era o local mais desenvolvido. Muitas aes de infra-estrutura realizadas na cidade estavam inseridas no permetro que correspondia a regio central da cidade, isto deixava a periferia isenta da grande maioria do beneficiamento social que pudesse acarretar um desenvolvimento para a regio. Quando da sua fundao, Teresina localizava-se geograficamente em uma chapada entre os rios Poti e Parnaba, dois rios que limitavam a nova cidade, impossibilitando o crescimento para leste e oeste. Nestas circunstncias Teresina cresceu para norte e para sul com um direcionamento que seguia o curso dos rios. Em geral a periferia era habitada por indivduos oriundos de outras cidades do interior do Estado, alojavam-se em locais distantes do centro, deixando diversas bolhas de pobreza e descaso. Essa misria, como era visto pelos mais favorecidos, era considerada um empecilho diante dos ideais que compunham o moderno. As casas de palhas existentes na cidade era uma caracterstica bem marcante de um antimoderno. (NASCIMENTO, 2002). Existem vrios obstculos que distanciam a populao pobre do meio socialmente favorecido, porm em um aspecto h semelhanas significativas. A religiosidade pode ser considerada como sendo esse aspecto de integrao entre os indivduos. Em Teresina, as manifestaes das rezadeiras so um exemplo de como o sagrado possua uma abrangncia muito ativa no cotidiano das pessoas, o sentimento religioso era o fomento que alimentava essa integrao entre os teresinenses pertencentes a meios sociais diferentes. As rezas exercidas por essas senhoras rezantes segundo seus relatos, estavam direcionadas a qualquer pessoa munida da f em Deus independentemente de sua posio social.

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Os ritos das rezadeiras foram repassados oralmente, muitas senhoras no possuam conhecimento atravs da escrita, pois estavam desprovidas de qualquer repasse educacional regulamentar. Alcebades Costa Filho expe que em Teresina na segunda metade no sculo XIX, o nmero de escolas na zona rural era inferior em relao as existentes no permetro urbano possuindo apenas dois prdios escolares de ensino secundrio: O liceu e a Escola Normal (COSTA FILHO, 2006). Entendo que esses problemas na educao prevaleceram at a segunda metade do sculo XX favorecendo a emergncia de formas alternativas de aprendizado para as rezadeiras. Um espao habitado pela religiosidade catlica ter como o principal elemento cognitivo as rezas e o catecismo, esses elementos de religiosidade agiam em concordncia, possibilitando a essas senhoras o contato com a leitura. A oralidade utilizada pelas rezadeiras atravs das rezas ativava o aprendizado e tambm o repasse a outras pessoas, a observao aliada ao sentimento de religiosidade construiu toda uma situao de ensino dos prprios costumes do lugar. Na ausncia de escolas que ensinassem a ler e a escrever, as rezas e os cantos religiosos eram fomento que pudessem suprir essa necessidade. O catecismo foi o ABC utilizado por muitos fiis em Teresina, o relato da rezadeira Virgilina Nunes1comprova esta afirmao:

[...] ento meu pai tinha comprado um catecismo para ensinar a ns a rezar a primeira comunho, eu tinha muita vontade de aprender a ler esse catecismo, mas isso foi antes dos quinze anos, ns fizemos a primeira comunho com dez anos a eu fui estudar, estudei o ABC todinho, pela letra que eu aprendi letra H, letra A, L, eu tirei a ABC, aprendi o ABC todo, ento fui levando, levando at que eu entendi as letras e comecei a ler o catecismo. Veio um dia que me deu uma vontade de rezar em um velho chamado Joaquim, isto porque eu queria mostrar que tinha aprendido a ler [...]2

Esta senhora obteve atravs da religiosidade um modo peculiar de desenvolvimento da leitura. O seu conhecimento oral em concordncia com a escrita do catecismo foram alinhados e mesclados durante sua vivncia. Essa vivncia munida do sentimento religioso passa a alimentar-se de instrumentos do catolicismo construindo e efetivando o aprendizado.Rezadeira que emprestou sua fala para a enunciao deste artigo. Reside em Teresina tambm h mais de quarenta dcadas, atualmente possui oitenta anos e continua a exercer suas rezas, apesar de algumas restries fsicas. 2 ROCHA, Virgilina Nunes. Entrevista concedida a Pedrina Nunes Arajo. Teresina, 2005.1

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Desde sua fundao at tempos atuais, Teresina sempre foi caracterizada como o lugar da esperana e da renovao. Muitas pessoas vinham habitar na capital em busca de sonhos, esses indivduos, em sua maioria, vinham do interior do Estado trazendo consigo uma grande leva de costumes interioranos e ajudando a compor e a transformar a identidade dos teresinenses. Dentre estes vrios costumes culturais imbricado na paisagem de Teresina por essas pessoas, a religiosidade seja um dos fatores de maior expresso no cotidiano da cidade. Carlos Rodrigues Brando3expe que a religio o elemento que para o homem do campo adquire aspectos mais duradouros, onde ele recria as prprias crenas e inventa respostas para o incrvel (BRANDO, 2007). As manifestaes das rezadeiras em Teresina so praticadas principalmente por senhoras oriundas do campo que ao fixarem residncia na nova cidade, continuaram exercendo as prticas de cura. As rezas catlicas so mais uma relao do catolicismo com a populao de Teresina, principalmente com os mais desfavorecidos socialmente que residem nas periferias. Carlos Brando elenca que na periferia em que muitas pessoas vinda do interior fixam moradia e neste local que os agentes religiosos4 desenvolvem e praticam a sua f (BRANDO,2007). As rezadeiras de Teresina em sua maioria residem em bairros menos desenvolvidos e estabelecem com os indivduos da comunidade relaes de amizades e confiana. Em vrias situaes do cotidiano as rezadeiras acabavam exercendo funes de lideres religiosos executando aes para o sagrado. No Brasil, desenvolveu-se um catolicismo sincrtico que ao ser inserido no Piau consegue fundir diversas manifestaes religiosas como o exemplo das rezadeiras. A religiosidade catlica foi introduzida primeiramente pelos colonizadores portugueses que trouxeram os primeiros ritos cristos, mesclando-os ao longo dos sculos com ritos religiosos dos escravos e indgenas. As manifestaes das rezadeiras so exemplos do sincretismo religioso implantado no Brasil e em Teresina manifesta-se de diversas formas. Cada rezadeira exerce seu rito de maneira bem particular iniciando sempre atravs do aprendizado das primeiras rezas com o seu referido mestre de reza5. Isto caracterizava a existncia de uma sociabilidade muito comum no dia-a-dia dessasGraduado em psicologia pela PUC-RJ, fez mestrado em antropologia pela UNB e doutorado em cincias sociais pela USP e atualmente livre docente em antropologia do simbolismo na UNICAMP. 4 Sujeitos que praticam uma ao religiosa: por exemplo, as rezadeiras (BRANDO: p21. 2007). 5 Rezadeira que ensinou as primeiras rezas a outra rezadeira durante o processo de iniciao.3

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pessoas, pois o ato da reza era uma ao tambm de respaldo diante dos diversos problemas que estavam enraizados na vida dos indivduos religiosos. A religiosidade pulsa no cotidiano da cidade, as vivncias estabelecidas atravs do sagrado acabam tornando estas manifestaes significativas para aqueles que as praticam: Para que haja verdadeiramente cultura, no basta ser autor de prticas sociais preciso que essas prticas sociais; tenham significado para aqueles que as realiza (CERTEAU, 1995:141). Mircea Eliade6 acredita que nenhum homem est dessacralizado por completo, este mesmo homem moderno guarda essncias religiosas nos seus mais simplrios gestos cotidianos e nos mitos modernos esconde a religiosidade do homem arcaico predecedente de toda estrutura religiosa para a atualidade (1992: p.147-163). A f a caracterstica principal usada pelo homem moderno para debruar-se a religiosidade, cercado pela sua nsia contempornea onde a cincia mostra suas garras, muitas vezes este mesmo homem sente-se perdido ao no encontrar respostas diante de um mundo to vasto e sbio. possvel afirmar que as rezadeiras de Teresina em diversos momentos dirios, adquiriam carter de lder religioso e tambm de figura mdica nas comunidades distantes dos hospitais da cidade. Os fiis ao depararem com situaes complicadas que envolviam doenas e ao mesmo tempo estando-os desprovidos de condies de deslocamentos at esses hospitais, buscavam no mundo religioso as solues para as suas lacunas cotidianas. Roberto Damatta enfatiza o porqu a religio e as suas prticas emergem esta ateno das pessoas crentes7 :

Assim a religio pode explicar porque existem ricos e pobres, fortes e fracos, doentes e sos, dando sentido pleno s diferenciaes de poder que percebemos como parte do nosso mundo social. Assim como h uma diferenciao no cu, haveria tambm uma diferenciao na terra, muito embora, aos olhos do criador, todos sejam singulares e amados igualmente. Nesse sentido, ou melhor, em todos esses sentidos, a religio serve para explicar e certamente o faz de modo satisfatrio que a filosofia ou a cincia, pois h sofrimento, doena, calamidade, injustia e aflio neste mundo. E mais: ela pode at mesmo dizer porque certa pessoa est sofrendo o que sofre, o de ser enorme consolo para quem vive e acompanha a aflio. Num certo sentido, portanto a religio oferece respostas e perguntas que, rigorosamente, no podem ser respondidas pela cincia, ou pela tecnologia (2001: 112).

Historiador das religies autor dos livros: O sagrado e o Profano, Mito do Eterno Retorno etc. 7Crentes: Pessoas que crem, no h uma noo especificamente referente a evanglicos protestantes.

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No caso de muitos teresineneses os instrumentos materializados que componham o moderno ( hospitais, mdicos, transporte urbano, lazer etc) no estavam integrados na vida rotineira dessas pessoas e em suas vivncias o sagrado era a mais propcia resposta para as suas mazelas. A rezadeira posicionava-se como uma ponte interligadora entre o fiel desejoso de cura para com a prpria cura em questo. Este mesmo fiel revestido tambm de um cidado desprovido da assistncia hospitalar, debruava-se a religiosidade que o servia de possibilidade, mas era um servir no somente no sentido de falta de opo, cabe o servir no sentido de costume herdado e repassado no cotidiano, sendo estas prticas um respaldo diante das dificuldades. A senhora rezadeira Odlia Francisca8 comprovadora disto tudo, quando relata os motivos que levaram estas pessoas a procur-la diante das inmeras preocupaes que o meio social daquela poca lhes propuseram:

Naquele tempo minha filha! No tinha doutor, era nesses interior vei, hoje muito bom, porque em todo lugar tem doutor, neste tempo se no fosse uma parteira que rezasse numa criana ou remdio que fizesse em casa. No existia doutor! eu mesma tive trs filhos e no precisei de doutor, foi s[...]o meu doutor Deus.9

Percebe-se haver uma juno da preciso social e da fidelidade em Deus, sendo ambos elementos motivadores da procura dessas pessoas doentes para com as rezadeiras em nossa sociedade teresinense. Nasce a solidariedade e a vontade de ajudar o prximo, sendo isso tudo embasado pela bno do Deus e da Virgem Maria, para compor e gratificar a verdadeira misso destas senhoras. Tnia Brando afirma que no Piau houve uma defasagem religiosa do catolicismo em meados do sculo XIX e que aqueles agentes religiosos elencados por Carlos Brando eram os responsveis para solucionar o vcuo religioso deixado pela

Rezadeira que reside em Teresina h mais de quarenta anos, morava sozinha em uma casa modesta no bairro Piarreira zona leste da cidade. Uma zona considerada nobre em Teresina, mas nobre mesmo por ainda existir rezadeiras naquela regio da nossa cidade. 9 FEITOSA, Odlia Francisca. Entrevista concedida a Pedrina Nunes Arajo Teresina, 20006.

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Igreja Catlica. A ao eclesistica no Piau, nesse perodo estudado pela historiadora, no possuiu uma efetivao concreta exercida pela Igreja que pudesse torn-la merecedora do mrito pelo crescimento do catolismo no Brasil. A religisiodade catlica tinha uma presena muito marcante no cotidiano das pessoas, porm esse catolicismo no estava totalmente preso as regras doutrinais da Igreja, pelo contrrio muitos cristos nem conheciam alguns dos principais elementos que compunha a liturgia. espera por sacerdote no tirava o nimo dessas pessoas de se praticar a religio e criar novas formas de religiosidade em suas comunidades:

[...] O mesmo pensamento era reservado ao batismo das crianas saudveis. Estas poderiam esperar pela visita do padre. Quanto aos enfermos, tratandose de crianas no batizadas ou de adultos carentes da extrema-uno, restavam as oraes de leigos piedosos e de rezadeiras para encaminhar suas almas. (BRANDO, [20-]: 255) (grifo meu).

Diante destas perspectivas concluo que resquicios daquilo analisado por Tnia Brando ainda existem no Piau e que em Teresina durante a segunda metade do sculo XX no havia muita diferena em relao ao sculo XIX. Os cristos catlicos ainda precisavam se deslocarem para muito longe com o intuito de assistirem uma missa, receber a comunho e confessar-se ao um padre. As capelas construdas nessas comunidades, na maioria das vezes eram erguidas e coordenadas pelos prprios fis, visto que sacerdotes e ministros eucarsticos no estavam continuamente nessas capelas. O Padre Raimundo Rocha10ao conceder um depoimento explica a relevncia religiosa que a rezadeira possuia dentro da comunidade.[...] nesse sentido no h proibies, pelo contrrio h at incentivos porque onde no h religiosos, os padres, os ministros da Igreja mais preparados academicamente, existem essas pessoas que se dispem a fazer um trabalho de evangelizao assim a partir dessa identidade com a religiosidade popular como o catolicismo popular e a partir da sua experincia de f naquilo que elas acreditam, elas desempenham esse trabalho de evangelizao atravs das bnos das rezas populares e das curas [...]11

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Padre comboniano que integra uma esfera mais liberal da Igreja ROCHA,Raimundo. Entrevista concedida a Pedrina Nunes Arajo Teresina, 2005.

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Na Europa, o costume religioso da cura era uma prtica muito comum, pessoas procuravam curandeiros para curar as enfermidades. Essas doenas possuiam no imaginrio europeu um carter sobrenatural e que deveriam ser curadas atravs dos elementos que compunham a natureza. Segundo a tradio europia, curandeiro era o encarregado de curar as pessoas. No Brasil, a prtica ganhou aspecto sincrtico tornando-se um belo espelho colorido, traduzindo Cristo como um mulato no configurado pela prpria Igreja, mas sim uma cultura religiosa praticada pela f que tornou Jesus Cristo um mestio no Brasil. As manifestaes das rezadeiras so exemplos das diversas prticas do catolicismo imperfeito12 que ao longo do tempo passou por transformaes e ainda so procuradas pelos catlicos. Na Colnia, a prtica de benzimento era exercida em animais, muito importante para a subsistncia naquele perodo. Segundo Laura de Melo as perseguies contra esse tipo de manifestao no foram to rigorosas como s exercidas em feiticeiros e isto facilitou a permanncia destes ritos ate o momento (SOUSA, 1986). Acredito que ao longo do tempo estes rituais passaram por adaptaes sendo direcionados tambm para humanos. A mesclagem com ritos de cura esabeleceu e caracterizou esses sujeitos chamado de rezadeiras ou benzedeiras. Apesar de no serem reconhecidas pela Igreja como sagradas as rezadeiras desenvolvem uma ao que as tornam tambm sagradas. O sagrado no advm somente atravs dos preceitos eclesitiscos, mas ele se manifesta como sendo um elemento diferente do profano. A hierofonia13 faz com que o mesmo no esteja regrado somente pela Igreja. (ELIADE, 1992: 17-18). Em Teresina, muitos fiis procuram as manifestaes das rezadeiras porque esto entrelaados pelo sentimento religioso e o costume cutural, isso os impedem de notarem a relevncia que a Igreja impe ao reconhecimento que ela mesma d aos ritos religiosos. Essas pessoas acreditam que o reconhecimento importante, porm no necessrio pois o poder de cura destas senhoras rezantes um dom de Deus. Dona Ana Maria14uma fiel onde muitas vezes

Termo utilizado por Laura de Melo e Sousa na obra O Diabo e a Terra de Santa Cruz para explicar o catolicismo sincrtico praticado na colnia. 13 Manifestao do sagrado. E o homem toma conhecimento desse sagrado porque ele se mostra como algo absolutamente diferente do profano. (ELIADE, 1992) 14 Senhora que levava seus filhos a uma rezadeira que residia prxima a sua casa no bairro Piarreira I.

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precisou das rezas para curar os vrios quebrantes15que apareciam em seus filhos expe sua opinio sobre o assunto:

So! Porque uma pessoa que cura que ajuda a curar com a fora de Deus, elas curam e praticam o bem elas so especiais sim! Nem s essas que moram no bairro, como qualquer outra rezadeira que ajuda a fazer o bem, porque eu acho que a rezadeira que faz mal no rezadeira, aquelas pessoas que trabalham com bruxaria com coisas, com magia negra. muito simples a orao coisa boa, no faz mal no! faz bem! por isso que ela especial e tinha que ser reconhecida, porque um dom de Deus.16 (grifo nosso).

O Padre Raimundo Rocha admite que a Igreja no possui nenhum documento que regularize as manifestaes, mas segundo ele, as prticas no so proibidas e por realizarem uma ao benfica devem, sim, obter o respeito dos catlicos e de todos aqueles que creem em Deus:

oficialmente o catolicismo no dispe de um requisito, de uma orientao sobre as prticas da rezadeiras ou benzedeiras como ns popularmente conhecemos. possvel que haja pelo menos no mbito da Igreja no Brasil na CNBB uma carta orientativa algum documento especificando ou esclarecendo algumas prticas relativas a ao dessas pessoas que trabalham com oraes, com cura com bnos n? em nvel popular. Mas eu no tive acesso, ento assunto que no mbito do catolicismo oficial muito esclarecido portanto se refere algo mais regional e de respeito as vrias Igreja locais, ento em nvel oficial no catolicismo no h um documento assim uma diretriz orientativa n, porm no h proibies, porque se percebe que a prtica das benzedeiras ou rezadeiras uma prtica que em benefcio, em prol da vida e traz um bem as pessoas sobretudo as crianas, portanto no algo que se pode proibir, no algo contra a doutrina crist ou doutrina Catlica.(grifo nosso).17

O sagrado manifesta-se nas prticas das rezadeiras, porque essas aes diante do profano exerce um carter diferenciado e que supre uma necessidade, servindo muitas vezes de solues para diversas dificuldades que os moradores de Teresina perpassavam.

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Um dos vrios tipos de doenas que as rezadeiras curam atravs de seus rituais. CUNHA, Ana Maria da Costa da. Entrevista concedida a Pedrina Nunes Arajo Teresina, 2006. ROCHA,Raimundo. Entrevista concedida a Pedrina Nunes Arajo Teresina, 2005.

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CONSIDERAES FINAIS A cidade um espao multicolor. profano, sagrado, moderno e antimoderno. Para o homem religioso o espao no homonno, possui roturas e quebras, isto porque o espao sagrado diferencia-se do espao profano (ELIADE, 1992: 25). Pode-se concluir que a cidade tambm como o espao para o homem religioso, fragmentado e heterogneo sendo composto por: uma imensa diversidade de personagens, comportamentos, hbitos, crenas, valores. (MAGNANI, 2008:16) (grifo nosso). E por ser abrangente em demasia, o espao urbano comporta personagens (as rezadeiras ) e crenas ( os rituais de cura) dentro de sua estrutura. As manifestaes das rezadeiras em Teresina so consequncia de uma colonizao religiosa implantada no Brasil com caracteristicas sincrticas. Ao longo do tempo estas prticas das rezadeiras foram sofrendo transformaes e adaptaes religiosas pelo qual foram sendo inseridas dentro do espao brasileiro e especificamente em Teresina. E ao exercerem aes relevantes para aqueles que as procuravam, as rezadeiras so consideradas sacras. A religiosidade praticada dentro de um espao em que certas materialidades do moderno no estavam presentes, passa a adquirir uma relevncia considervel para o homem religioso. As rezadeiras atravs de seus rituais de cura so um exemplo de que o religioso supria uma necessidade social. O descaso ou o atraso de algumas regies em Teresina, faziam emergir dentro do cotidiano da comunidade um respaldo divino para suprir a falta de um mdico. 10

As rezadeiras em sua maioria eram oriundas de cidades interioranas e traziam consigo toda uma leva de costumes religiosos para a nova cidade. As rezas e o catecismo catlico que as mesmas executavam em muitas situaes, serviam-lhe de instrumentos de aprendizado, pois a oralidade em concordncia com o escrito faziam surgir uma situao de ensino. Entendo ser a religiosidade uma espcie de teia compositria da Histria, capaz de transmitir sinais emitidos pelo homem religioso atravs do sentimento de religiosidade. Interpretar como esse sentimento atua em nossas vidas leva-nos a enveredarmos por vrios caminhos, muitas vezes considerados triviais em nosso dia-adia. Caminhos que nos mostram manifestaes como as praticadas pelas rezadeiras e que em nossa cidade ainda exercem uma funo de religiosidade bem marcante em diversas comunidades. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS: ARAJO, P Nunes: As rezadeiras: Quando f possibilita a cura o poder de cura das rezadeiras em Teresina (1950-2000). BRANDO, C. Rodrigues. Os deuses do povo um estudosobre religiosidade popular.Uerlndia: EDUFU, 2007. BRANDO, T. A Religiosidade no Piau: Catolicismo Adaptado ao modo de vida. Clio Srie do Nordeste n. 22, [-20]. CERTEAU, M. de. A Cultura no Plural. Traduo: Erid Abreu Dobrnsky. 4 edio. Campinas, SP: Papirus, 1995. DAMATTA, R. O que Faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2001. ELIADE, M. O Sagrado e o Profano. Traduo: Rogrio Fernandes. So Paulo, SP: Martins Fontes, 1992. MAGNANI, J. Guilherme Cantor. Quando o Campo a cidade: Fazendo Antropologia na Metrpole. In:MAGNANI, J. Guilherme Cantor (Org) e TORRES. L. de Lucas (Org). Na metrpole - textos de antropologia urbana. 3.ed. So Paulo: Fapesp, 2008. NASCIMENTO, F. Alcides do. A cidade sob o fogo: Modernizao e violncia policial em Teresina (1937-1945). Teresina: Fundao Mosenhor Chaves, 2002 SOUSA, L. de Melo: O diabo e terra de Santa Cruaz: Feitiaria e religiosidade popular no Brasl colonial.So Paulo, Companhia das Letras 2005.

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