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José Farinha Professor Adjunto Psicologia do Adulto e do Idoso Manual Pedagógico

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José FarinhaProfessor Adjunto

Psicologia do Adulto e do IdosoManual Pedagógico

i

O PRESENTE MANUAL COBRE OS CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS

DA UNIDADE CURRICULAR DE

PSICOLOGIA DO ADULTO E IDOSO

DO CURSO DE EDUCAÇÃO SOCIAL

DA ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO DA

UNIVERSIDADE DO ALGARVE

ii

Dedicatória

Ao meu pai,

a pessoa que mais me ensinou o que

significa ser adulto e idoso.

Aos meus alunos,

a força que nos agarra ao futuro.

iii

Conteúdo

LISTA DE ILUSTRAÇÕES ................................................................................... V

LISTA DE GRÁFICOS ....................................................................................... VI

LISTA DE TABELAS ......................................................................................... VII

PONTO PRÉVIO .............................................................................................. VIII

ASPECTOS TEÓRICOS DE BASE ..................................................................... 1

O CONCEITO DE CICLO E DE LINHA DE VIDA .................................................. 1

TEORIAS DO CICLO DE VIDA ............................................................................ 11

Teoria do Curso da Vida Humana de Charlotte Bühler ............................ 12

A Teoria do Desenvolvimento Psicossocial de Erik ERIKSON ............... 16

O Modelo Integrativo e Multicausal do Desenvolvimento Humano de

Paul Baltes ................................................................................................... 28

CONCLUSÃO ...................................................................................................... 35

PROBLEMÁTICA PSICO-SOCIAL DA IDADE ADULTA ........................... 37

ASPECTOS GERAIS ............................................................................................ 37

TRABALHO E CICLO DE VIDA ........................................................................... 37

Trabalho e Qualidade de Vida .................................................................... 37

Identidade e Generatividade ...................................................................... 38

Ocupação e família ...................................................................................... 39

Ciclo ocupacional ........................................................................................ 42

Desenvolvimento da carreira ...................................................................... 52

Reforma: Um marco fundamental .............................................................. 53

ASPECTOS PSICOFISIOLÓGICOS DO ENVELHECIMENTO ................. 64

ASPECTOS GERAIS ............................................................................................. 64

Definição de envelhecimento fisiológico: .................................................. 64

Teorias do envelhecimento e mortalidade ................................................. 64

iv

Envelhecimento normal e patológico ......................................................... 70

ALTERAÇÕES FÍSICAS E FISIOL GICAS .............................................................. 71

Alterações físicas .......................................................................................... 72

Alterações fisiol gicas e sensoriais ............................................................ 73

ALTERAÇÕES PSICOLÓGICAS ............................................................................. 77

Alterações sociais e da personalidade ......................................................... 77

Alterações intelectuais e cognitivas ............................................................ 77

MORTE E LUTO ................................................................................................ 86

ASPECTOS GERAIS ............................................................................................. 86

DESENVOLVIMENTO PRÉ-MORTE ..................................................................... 88

A morte enquanto factor de desenvolvimento psicológico ........................ 88

Alteração da perspectiva temporal de vida ................................................ 89

O Processo de Revisão de Vida................................................................... 89

Ansiedade existencial e morte..................................................................... 98

Estudos sobre a aceitação da morte ........................................................... 99

O PROCESSO DE MORTE ................................................................................ 103

Aspectos gerais .......................................................................................... 103

PERDA, PESAR E LUTO ................................................................................... 117

Aspectos globais ........................................................................................ 117

Reacções psicológicas à perda .................................................................. 118

Pesar e luto ................................................................................................ 122

CONCLUSÃO .................................................................................................... 131

CONCLUSÃO GERAL ..................................................................................... 133

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 134

ÍNDICE .............................................................................................................. 138

ANEXOS ............................................................................................................. 139

v

Lista de Ilustrações

Ilustração 1 - Seven Ages of Man William Mulready, 1838. ................................. 5

Ilustração 2 - A linha de vida humana. ................................................................... 6

Ilustração 3 - Bertha Charlotte Bühler (1893 – 1974). ....................................... 12

Ilustração 4 - Erik Erikson (1902-1994) .............................................................. 16

Ilustração 5 - Paul B. Baltes (1939-2006) ............................................................ 28

Ilustração 6 - A interacção familiar pode ser uma fonte de satisfação emocional

para o adulto. ................................................................................. 41

Ilustração 7 - O trabalho temporário num Jardim de Infância pode levar uma

jovem a querer ser educadora de infância. .................................. 45

Ilustração 8 - Gémeos verdadeiros aos 5, 20, 55 e 86 anos de idade. ................. 66

Ilustração 9 - Gémeas verdadeiras após uma longa separação (dos 18 aos 65

anos). .............................................................................................. 66

Ilustração 10 - Parar para se olhar ao espelho durante vários momentos pode ser

um indicador de que está em curso um processo de revisão de

vida ................................................................................................. 93

Ilustração 11 - Elisabeth Kübler-Ross. .............................................................. 105

Ilustração 12 - O serviço fúnebre enquanto contexto institucionalizado para a

expressão da dor. ......................................................................... 122

Ilustração 13 - John Bowlby (1907-1990) .......................................................... 123

Ilustração 14 - J William Worden (1932 - ) ....................................................... 128

vi

Lista de gráficos

Gráfico 1 - Estrutura etária da população portuguesa em 2007. ........................ 54

Gráfico 2 – Percentagem de condutores responsáveis por acidentes. ................ 76

Gráfico 3 - QI Verbal, QI de Realização e QI Global

em função da idade (Grégoire, 1993). .............................................. 79

Gráfico 4 - Evolução do receio da morte

consoante a idade em três grupos étnicos. ...................................... 100

Gráfico 5 - Número médio de anos que os sujeitos

esperavam viver segundo a idade e grupo étnico. .......................... 101

Gráfico 6 - Reacções à perda de um cônjuge (Clayton et al. 1971) .................. 121

vii

Lista de Tabelas

Tabela 1 - Coisas que reformados (<65 anos) sentem falta

relativamente aos seus empregos anteriores ................................ 55

Tabela 2 - Coisas que reformados sentem mais falta por ocupação.

(Sheppard, 1988). .......................................................................... 56

Tabela 3 - Efeito dos factores externos e fisiológicos na duração da vida. .... 68

viii

Ponto prévio

a introdução a este texto, que aborda vários aspectos da Psicologia do

Adulto e Idoso numa perspectiva desenvolvimentista, gostaríamos de

chamar a atenção para algo que nem sempre é bem

compreendido: - estudar o desenvolvimento humano, mais do que coleccionar

informações sobre as características psicológicas deste ou daquele período, é

desenvolver uma certa forma de ver, ou seja, de conceber a realidade do

comportamento humano em constante mudança e evolução.

O desenvolvimento deverá, assim, ser encarado como um processo "aberto",

isto é, como um processo eminentemente adaptativo. Esta abertura tem origem

na própria natureza do desenvolvimento humano em que o agir, o sentir e o

pensar ocorrem em simultâneo ou com precedências alternadas e extremamente

rápidas.

Para além da perspectiva desenvolvimentista, este texto parte ainda de outra

posição de base que se relaciona com o propósito específico para que é escrito,

que é o de servir de leitura fundamental para os alunos da unidade curricular de

Psicologia do Adulto e do Idoso do 1º ano do Curso de Educação Social da Escola

Superior de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve. Não é, assim,

um texto dirigido a estudantes de Psicologia, ou, dizendo melhor, futuros

psicólogos, mas sim a estudantes, futuros profissionais, para quem os

conhecimentos em Psicologia serão essencialmente uma ferramenta conceptual

que deverá potenciar e alargar a sua capacidade de observação, análise e

intervenção nos contextos sociais em que vão trabalhar. Esses conhecimentos

deverão, por isso, ser essencialmente caracterizados pela operacionalidade e

utilidade, geradores de um saber fazer perfeitamente adequado às necessidades

dos futuros educadores sociais. Assim, mais do que fornecer-lhes conhecimentos

muito específicos deverão ser-lhes proporcionadas condições que lhes permitam,

como futuros profissionais, construir os seus próprios conhecimentos.

A organização do material proposto parte, assim, de uma filosofia de base que

partindo dos considerandos atrás explanados pode ser definida a partir dos

seguintes pontos:

Serão apresentadas diferentes abordagens do desenvolvimento humano,

tanto em termos das áreas de desenvolvimento, como dos modelos teóri-

cos utilizados no seu estudo;

É dada uma ênfase especial aos aspectos teóricos, adoptando-se uma posi-

ção ecléctica. As razões desta posição têm a ver com o facto de que o

estudo do desenvolvimento humano é hoje uma disciplina científica

N

ix

perfeitamente estabelecida. Para isso contribuíram um largo número de

investigadores através das teorias que foram capazes de elaborar assim

como da forma como souberam avaliar as respectivas hipóteses. Não

procuraremos, assim, levar os alunos a pensar que esta ou aquela teoria é

de uma forma global melhor ou pior que a outra.

Será defendido o princípio de que a investigação sistemática realizada

mais ou menos formalmente é a melhor fonte de informação sobre o

desenvolvimento do adulto e idoso. Pensamos que é importante confron-

tar os estudantes com a noção de que o saber psicológico não é um saber

feito e acabado, introduzindo-os ao método científico como via de eleição

para a aquisição de conhecimentos sólidos nesta área. As modernas teorias

do desenvolvimento serão apresentadas conjuntamente com as

abordagens metodológicas usadas para testar as respectivas hipóteses.

Adopta-se uma orientação geral em que o desenvolvimento é abordado

em termos de processo. Esta orientação baseia-se na crença de que os

estudantes tenderão a aprender melhor o que se desenvolve e quando se

compreenderem as razões ou processos na base desse mesmo

desenvolvimento.

O desenvolvimento humano é um processo global. Se bem que, por razões

de carácter prático, nos possamos dedicar a aspectos particulares tais como

o desenvolvimento físico, cognitivo, emocional, etc., o ser humano em si

desenvolve-se de uma forma global de tal forma que o que acontece numa

determinada área não pode deixar de afectar as outras. Apesar de nesta

disciplina nos centrarmos claramente no desenvolvimento social e afectivo

procuraremos definir um quadro global do ser em desenvolvimento

acentuando as inter-relações entre os factores biológicos, cognitivos,

sociais e ecológicos.

Falar de psicologia do desenvolvimento é, no fundo, falar de mudança e também

realçar que a vida é um fluxo contínuo. A psicologia do desenvolvimento procura

caracterizar o processo de mudança como progressão ao nível do comportamento,

progressão com sentido direccional, mas também como construção, ou seja, de

complexificação de estruturas e acréscimo de sentido. A psicologia do

desenvolvimento procura captar o fenómeno do movimento no evoluir do

humano, mas também o fenómeno da estabilidade - ou seja, ocupa-se também

das estruturas da identidade e da consistência, daquele que é o sujeito do

processo dinâmico em curso.

Assim, quando se fala hoje de desenvolvimento, referimo-nos a uma

multiplicidade de processos de mudança: - mudança ao nível da cognição, da

aprendizagem, da linguagem, da socialização, para citar só alguns processos que

caracterizam os comportamentos humanos.

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.90 27/01/2015

1

Aspectos teóricos de base

este capítulo pretende-se essencialmente definir um conjunto de

conceitos básicos de forma a esclarecer os fundamentos teóricos e

conceptuais da Psicologia do Adulto e Idoso. Assim, começaremos por

apresentar o conceito de Ciclo de Vida, que é a noção estruturante do

Desenvolvimento Psicológico Humano, e seguidamente faremos uma abordagem

abreviada de algumas das suas várias teorias.

O CONCEITO DE CICLO E DE LINHA DE VIDA

O conceito de Ciclo de Vida é um conceito central na Psicologia do

Desenvolvimento Humano1, portanto falar de Ciclo de Vida é assumir a

perspectiva de que o desenvolvimento psicológico não termina na adolescência,

mas acontece durante todo o período vital.

1 A Psicologia do Desenvolvimento é a área da Psicologia que se ocupa com as mudanças que

ocorrem no comportamento ao longo do ciclo de vida como resultado da passagem do tempo,

analisando igualmente as diferenças inter-individuais no que se refere à natureza dessas

alterações. A compreensão da Psicologia do Desenvolvimento Humano envolve não somente uma

abordagem descritiva das mudanças e diferenças comportamentais mas também uma tentativa de

explicação das semelhanças entre as pessoas de forma a compreender a natureza e acção dos vários

factores que estão subjacentes ao desenvolvimento humano. Este conhecimento é importante

para que possamos intervir no sentido da criação de contextos de desenvolvimento cada vez mais

favoráveis a um desenvolvimento saudável e equilibrado do ponto de vista psicológico. Para além

disso, a Psicologia do Desenvolvimento dá-se conta de que o comportamento individual se vai

alterando num mundo ele próprio em constante mutação e que as mudanças nos contextos de

desenvolvimento podem afectar a natureza das mudanças individuais. assim, a Psicologia do

Desenvolvimento acaba também por se ocupar das chamadas mudanças na ecologia

comportamental e da relação dessas mudanças com as mudanças dentro e entre os indivíduos.

N

Aspectos teóricos de base O Conceito de Ciclo e de Linha de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

2

Uma das concepções mais usadas para referir o ciclo de vida é a analogia entre

as estações do ano e os estádios da vida. Nesta linha, a Primavera seria o período

do crescimento e do florescimento; o Verão seria o tempo da maturidade e do

maior nível de produtividade; com o Outono chegaria o culminar de alguns

processos vitais e a oportunidade para recolher os frutos do trabalho, mas em que,

ao mesmo tempo, se lançam as sementes para as gerações futuras; finalmente, o

Inverno acarreta o declínio e a morte. Cada estação teria, assim, uma beleza

particular e única, haveria uma progressão inelutável de uma para outra e cada

ciclo acabaria por dar lugar a um outro. Naturalmente esta imagem é demasiado

simples para descrever o desenvolvimento humano, mas, de uma forma poética,

acaba por referir o essencial das várias teorias de desenvolvimento: — o

desenvolvimento é progressivo, sequencial e segue o mesmo padrão de geração

em geração; é igualmente circular no sentido em que cada geração amadurece e

cria as condições de subsistência para a geração seguinte. Uma outra analogia

interessante e que teve alguma importância na cultura popular foi a representação

do ciclo vital como sendo uma viagem ao longo de um determinado caminho, com

um certo número de locais interessantes assim como de bifurcações que permi-

tem escolher várias vias. Esta analogia faz algum sentido porque a investigação

realizada à volta deste conceito tem-se centrado essencialmente na forma como

as pessoas vão respondendo aos desafios específicos de cada período do ciclo vital.

É, contudo, importante salientar que esses períodos não estão somente ligados à

idade propriamente dita, mas também às expectativas sociais que envolvem cada

período. O ciclo vital é assim tanto uma realidade biológica, como psicológica e

também social.

Outro sinal de que a noção de ciclo de vida faz há muito tempo parte da

tradição cultural humana é a lenda relacionada com o enigma da esfinge que

aparece na mitologia grega clássica. Segundo a tradição da antiguidade grega a

esfinge era um animal mitológico com pernas e tronco de leão, asas de uma ave

grande e o rosto e peito de uma mulher. Segundo a lenda a esfinge guardava a

entrada para a cidade grega de Tebas e apresentava um enigma aos viajantes que

eles tinham que resolver para lhes ser permitida a passagem. Aqueles que não

dessem a resposta correcta ao enigma sofriam o destino típico em tais histórias

mitológicas - eram engolidos inteiros e crus, comidos por esse monstro voraz. O

teor exacto do enigma colocado pela Esfinge não foi especificado nas versões

primitivas da lenda e só foi padronizado na forma como o conhecemos

actualmente num período posterior da história grega.

Aspectos teóricos de base O Conceito de Ciclo e de Linha de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

3

Figura 1 – Esfinge de mármore datada de 540 A.C. no Museu da Acrópole, Atenas.

Segundo a lenda, Hera ou Ares enviaram a Esfinge de seu país de origem

(Etiópia) para Tebas na Grécia, onde ela coloca a todos os transeuntes o enigma

mais famoso na história: "Que criatura pela manhã anda com quatro pernas, ao

meio-dia com duas e à noite com três e ainda quantas mais pernas tem, mais fraco

é o seu andar?” Qualquer pessoa que não desse a resposta correcta era

estrangulada e devorada sem piedade. O rei Édipo foi o único a conseguir resolver

o enigma, respondendo: - o homem — que rasteja sobre quatro patas como um

bebé na parte inicial da sua vida (amanhã), e que em seguida caminha sobre dois

pés como um adulto (meio-dia) acabando por caminhar com o auxílio de uma

bengala na velhice (noite). Ainda de acordo com a lenda, ao ser finalmente

vencida a Esfinge, jogou-se de alto precipício e morreu.

Podemos observar ainda uma outra ocorrência da noção de ciclo de vida no

âmbito cultural e literário na obra do dramaturgo inglês do Sec. XVI William

Shakespeare, mais particularmente na fala do personagem Jaques na peça As You

Like It (Acto II, Cena VII, Linhas 139-166).

All the world's a stage,

And all the men and women merely players; O mundo inteiro é um palco,

e todos os homens meros actores, They have their exits and their entrances;

And one man in his time

plays many parts,

Têm as suas saídas e entradas,

E um homem durante o seu tempo

representa muitos papéis His acts being seven ages. At first the infant,

Mewling and puking in the nurse's arms;

And then the whining school-boy, with his

satchel

Os seus actos sendo sete idades. Primeiro, o

bebé,

Miando e vomitando nos braços da ama;

Depois aluno resmungão, com a sua sacola And shining morning face, creeping like snail

Unwillingly to school. And then the lover,

Sighing like furnace, with a woeful ballad

E brilhante rosto matinal, como um caracol

rastejando contrariado para a escola.

Depois o amante, arfando como uma

fornalha, com uma melancólica balada Made to his mistress' eyebrow. Then a soldier, Feita à sobrancelha da sua amada. Depois

um soldado,

Aspectos teóricos de base O Conceito de Ciclo e de Linha de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Full of strange oaths, and bearded like the

pard,

Jealous in honour, sudden and quick in

quarrel,

Seeking the bubble reputation

Even in the cannon's mouth. And then the

justice,

Cheio de estranhos juramentos, e barbudo

como um leopardo,

zeloso da sua honra, brusco e ágil na briga,

em busca da efémera glória, até na boca do

canhão. Depois o magistrado,

In fair round belly with good capon lin'd,

With eyes severe and beard of formal cut,

Full of wise saws and modern instances;

And so he plays his part. The sixth age shifts

Into the lean and slipper'd pantaloon,

com o seu belo e avantajado ventre de bom

capão farto, olhar severo e barba de corte

formal, cheio de sábios ditados e modernas

exemplos, assim lá vai desempenhando o

seu papel. A sexta idade transforma-se no

magro velhote de pantufas, With spectacles on nose and pouch on side;

His youthful hose, well sav'd, a world too wide

For his shrunk shank; and his big manly voice,

Turning again toward childish treble, pipes

And whistles in his sound. Last scene of all,

Com óculos no nariz e bolsa à cintura;

joviai s e bem tratadas calças, demasiado

largas

Para as suas mirradas pernas, e a sua

máscula voz voltando ao tremor infantil,

cheia de silvos e sibilos. A derradeira cena, That ends this strange eventful history,

Is second childishness and mere oblivion;

Sans teeth, sans eyes, sans taste, sans

everything."

Término desta estranha e preenchida

história, é uma segunda infância e puro

esquecimento;

Sem dentes, sem olhos, sem paladar, sem

nada.”

A ideia da divisão do ciclo de vida humano numa série de fases era familiar aos

espectadores da peça de Shakespeare pois, para além de ser algo corrente na arte

e na literatura tinha raízes bastante longínquas tanto na antiga filosofia grega

como em Agostinho de Hipona, um teólogo cristão do Sec. IV. O número de fases

em que era dividido o ciclo vital humano variava, sendo três e quatro idades o

mais comum nos filósofos antigos, por exemplo, Aristóteles. O conceito associado

às sete idades era derivado da filosofia medieval que seguia a tendência de realizar

agrupamentos de sete elementos pois, do ponto de vista teológico, sete era

considerado um número perfeito com propriedades místicas. É assim que

aparecem as sete virtudes, os sete pecados mortais, etc.. A primeira referência ao

número sete associado ao ciclo vital humano aparece no Sec. XII, sendo que o rei

Henrique V de Inglaterra tinha uma tapeçaria em que apareciam ilustradas as

sete idades do Homem.

Também nas artes visuais aparecem referências às sete idades do Homem

como podemos observar no quadro Seven Ages of Man" óleo do pintor do Sec.

XIX William Mulready que parece ter-se inspirado directamente em

Shakespeare.

Aspectos teóricos de base O Conceito de Ciclo e de Linha de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

5

Ilustração 1 - Seven Ages of Man William Mulready, 1838.

Apesar desta perspectiva tradicional ter algumas semelhanças com aquela que é

utilizada hoje em dia (Primeira infância, infância, adolescência, idade adulta,

meia-idade, velhice, senescência) não deixa de ser uma visão historicamente

datada pois, entre outros aspectos, trata-se de uma visão do desenvolvimento

expressa no masculino, dado que na época de Shakespeare só os homens eram

vistos como tendo um papel social relevante. Vemos assim que a compreensão do

ciclo vital compreende um processo influenciado pelo contexto histórico tendo

como factor comum a busca de um constante equilíbrio entre ganhos e perdas

dependente de múltiplos factores e variáveis.

O conceito de linha de vida é um conceito complementar e integrado no

conceito de ciclo de vida e pode, à primeira vista, aparecer como algo paradoxal

face ao conceito de ciclo de vida, porque, enquanto o conceito de ciclo de vida

remete para uma noção de algo com uma natureza cíclica, circular, repetitiva (ao

Inverno segue-se sempre a Primavera) num processo que à partida parece não

ter fim porque é também difícil estabelecer um início, o conceito de linha de vida

remete para a linearidade de um processo com um princípio um meio e um fim

e que evolui de acordo com um conjunto de fases determinadas.

Contudo, esta paradoxalidade é mais aparente do que real porque depende

essencialmente no nível em que perspectivamos os processos que lhe estão

subjacentes. Quer dizer, se perspectivarmos a vida num sentido global, ao nível

da espécie, vemos que em situações normais uma espécie se perpetua de acordo

Aspectos teóricos de base O Conceito de Ciclo e de Linha de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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com o ciclo generacional - a uma geração segue-se outra e depois uma outra e

assim sucessivamente num processo cíclico e circular, mas, se situarmos o nosso

olhar ao nível do indivíduo vemos que efectivamente a vida humana no sentido

psicobiológico segue uma vida bem definida com um início e fim bem

determinados.

Assim, podemos compreender que o conceito de linha de vida de alguma

forma acentua a natureza progressiva e sequencial do desenvolvimento humano.

Quer dizer, enquanto processo progressivo, o desenvolvimento psicológico

humano é visto como um processo direccionado, isto é, com um sentido único do

nascimento até à morte, mas que é também de uma forma geral um progresso no

sentido de uma maior complexidade e adaptação, sendo a adaptação geralmente

vista como uma forma de equilíbrio entre o indivíduo e o seu meio ambiente.

Enquanto processo sequencial, o desenvolvimento é visto como processando-se

por etapas, muitas vezes designadas por períodos ou estádios, que seguem uma

ordem determinada, isto é, a infância vem sempre antes da adolescência e esta é

sempre seguida juventude, a idade adulta, etc.. Na figura seguinte podemos ver

uma representação esquemática da linha de vida humana.

Ilustração 2 - A linha de vida humana.

Uma analogia interessante que nos permite compreender de forma intuitiva o

que é a linha da vida pode ser imaginá-la como uma viagem em que passamos por

uma série de lugares interessantes mas também nos deparamos com várias

encruzilhadas ao longo do caminho. Na nossa viagem percorremos estradas

marcadas com marcos quilométricos que nos indicam o ponto em que estamos,

mostrando-nos, por um lado, a distância que já percorremos e, por outro a

distância que nos faltam percorrer. Curiosamente acabamos por introduzir no

curso da nossa vida marcos similares, que acabam por funcionar como uma

espécie de marcos de desenvolvimento. Esses marcos referem-se a ocasiões que

são muitas vezes objecto de celebrações especiais, tais como a formatura na

universidade, o casamento, a reforma, etc.. Assim, uma das primeiras

características que podemos observar na linha de vida é que ela define marcos

importantes no percurso vital de um indivíduo, apesar de que as idades indicadas

para cada acontecimento significativo poderem variar de acordo com factores

culturais, individuais, de género, etc..

Aspectos teóricos de base O Conceito de Ciclo e de Linha de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Este aspecto leva-nos a colocar a questão do tipo de factores que influenciam

a forma como decorre a linha da nossa vida, isto é, saber o que faz com

determinadas coisas tendam a acontecer nas nossas vidas em determinadas

idades. Ora, uma forma tradicional de conceber os factores de desenvolvimento

é dividi-los em duas grandes categorias, que são os factores biológicos e os

factores sociais. Podemos assim, colocar a questão de saber de que forma os

factores biológicos e os factores sociais influenciam os acontecimentos que

preenchem a linha da vida de uma determinada pessoa. Ora, numa análise muito

geral, podemos constatar que os factores biológicos são importantes essencial-

mente nas fases iniciais e terminais do ciclo de vida, ao passo que os factores

sociais são mais importantes nas fases intermédias do ciclo vital. Com efeito, nos

primeiros anos da nossa vida as condições do nosso desenvolvimento são, acima

de tudo, determinadas pelo crescimento físico e maturação dos sistemas

neurológico e endócrino, assim como, nas fases terminais, a forma como vivemos

a nossa vida na idade avançada está igualmente dependente de factores biológicos

na medida em que são este tipo de factores que determinam a nossa saúde, a

degenerescência dos sistemas sensoriais (perda da visão, audição, gosto, etc.)

psicomotores, etc.. Mas, podemos também perguntar que tipo de variáveis

determinam os acontecimentos que não são influenciados por factores

biológicos? O que é que faz com que esses acontecimentos se tornem marcos

importantes na nossa linha de vida? Ora é aqui que entram em acção os factores

sociais que têm uma acção mais significativa no período intermédio da nossa linha

de vida.

Outra forma de olhar para os factores que condicionam a nossa linha de vida é

ter em atenção um conjunto de influências normativas, ligadas a acontecimentos

históricos, como não-normativas, de ocorrência imprevisível.

As influências normativas dependem de circunstâncias e características de

um determinado contexto social, cultural, económico, histórico, e que afectam da

mesma forma os membros de uma determinada comunidade. Exemplos? Bem…

contexto social –o facto de se viver numa pequena comunidade rural onde toda a

gente se conhece e onde se um jovem fizer algo fora do normal isso muito

provavelmente é observado por outros que o conhecem e assim que essas pessoas

encontram o os pais desse jovem vão dizer “Olha, vi o teu filho a fazer isto e

aquilo”, influencia o desenvolvimento desse jovem de forma diferente daquele

que vive num grande meio urbano onde as pessoas com quem contacta

habitualmente não conhecem a sua família. Contexto cultural:- por exemplo as

práticas educativas. O facto de numa sociedade ser habitual e aceitável o uso dos

castigos corporais na educação das crianças vai influenciar o seu desenvolvimento

de uma determinada maneira, diferente das sociedades onde os castigos corporais

não são bem vistos. Contexto económico: - por exemplo a forma como em cada

sociedade visto p trabalho infantil. O desenvolvimento das pessoas é influenciado

pelo facto de que, quando se tem, por exemplo, 14 anos, se estar na escola ou

numa fábrica a trabalhar. Contexto histórico: - por exemplo a própria noção de

infância é uma noção recente. Ainda no século XIX na Europa, uma criança que

Aspectos teóricos de base O Conceito de Ciclo e de Linha de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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cometesse um delito era julgada e punida como um adulto, pois de forma geral

entendia-se que aquilo que distinguia uma criança de um adulto era

essencialmente de tipo quantitativo, quer dizer, uma criança era mais pequena,

mais fraca, mais inexperiente, tec.. Só há relativamente poucos anos a

contribuição da psicologia do desenvolvimento permitiu a generalização da noção

de que as crianças não se limitam a ser mais ou menos qualquer coisa que os

adultos, mas são qualitativamente diferentes e durante o seu desenvolvimento vão

passando por estádios ou fases também qualitativamente diferentes e que, por

isso, deverão ser tratados como crianças que são e não como adultos em

miniatura.

Estes são somente alguns exemplos de influências normativas pois obviamente não dá para explicar, ou melhor, explicitar, em detalhe as influências de cada uma

delas porque senão não sairíamos daqui… mas, penso que com um bocadinho de reflexão dá para perceber os aspectos mais concretos e específicos. Ora vejamos, no exemplo acima relativo ao contexto social, em que ambientes, pequena comunidade rural, ou ambiente urbano, pensa que as pessoas tenderão a

desenvolver mentalidades mais conservadoras? Não é difícil de responder, pois não? Portanto, influências normativas são aquelas que resultam das circunstâncias normais de uma determinada comunidade, e que representam a norma para a

generalidade das pessoas, por isso se designam “normativas”. Vamos agora ver as influências não-normativas. Esta noção fica mais clara

depois de se definir normativo. Influências não-normativas resultam de

circunstâncias imprevisíveis, acidentais e que afectam exclusivamente os indivíduos que a elas ficam expostos. Poderíamos aqui também dar muitos e variados exemplos, mas vamos só referir um que é bastante actual – o caso de um casal com filhos que vive numa casa que vão pagando a em prestações e em que ficam ambos desempregados e em consequência disso vão perder a casa e têm que ir viver para casa dos pais de um dos membros do casal e viver dependentes

financeiramente deles. Isto vai ter uma influência enorme no desenvolvimento de todas as pessoas

daquela família, mas, mais uma vez seria cansativo estar a explicitar quais os tipos

específicos de influências a que nos estamos a referir… basta pensar um

bocadinho que se chega lá. Só um exemplo – dois irmãos, rapaz e rapariga adolescentes que tinham cada um o seu quarto e agora têm que partilhar um quarto. É natural que tenham tendência a passar mais tempo fora de casa, o que

pode aumentar o nível de conflitualidade com os pais… está a ver? Posto isto, não é difícil compreender que as influências normativas têm mais

influência nas idades jovens ao passo que na maturidade são as influências

não-normativas causam mais impacto. Podem ser apresentadas muitas razões

mais ou menos específicas para esse facto, que, obviamente, não é possível aqui

enumerar de forma exaustiva, mas é possível referir um aspecto de carácter mais

geral que poderá explicar este processo. Se verificarmos com atenção as

influências normativas estão relacionadas com características do meio (social,

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Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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cultural, histórico, etc.) onde o sujeito se desenvolve. Ora, se bem que, como

vimos, o desenvolvimento humano se realiza sempre em interacção com o meio,

também é verdade que a dependência do meio não é a mesma ao longo de todo

o ciclo de vida. Como é natural estamos muito mais dependentes do nosso meio

nas fases iniciais da nossa vida de tal forma que, ao contrário de alguns animais,

quando nascemos dependemos do nosso ambiente para podermos sobreviver e

continuamos em larga medida dependentes durante uma parte significativa da

nossa vida. Isto é assim porque necessitamos dessa dependência para podermos

desenvolver todas as nossas potencialidades e, segundo os biólogos, etólogos e

psicólogos, as principais diferenças entre o homem e os animais incidem numa

espécie de inacabamento biológico do primeiro, pois as outras espécies revelam

um acabamento desde muito cedo. Com efeito, o homem demora vários anos a

comportar-se como adulto; ao nascer apresenta-se como prematuro, destituído

de capacidades desenvolvidas, sendo que mesmo em adulto continua a manifestar

traços juvenis, daí a eterna perpetuação da infância. Esta característica de

prematuridade ou inacabamento biológico do ser humano designa-se por

neotenia e é denunciada através do atraso no desenvolvimento e consequente

dependência prolongada. Assim, a dependência do ambiente vai fazer com que

as influências normativas relacionadas com características desse ambiente

tenham um impacto especialmente significativo nas fases iniciais da nossa vida.

Por outro lado, à medida que vamos avançando na nossa idade, vamos

ganhando um cada vez maior controlo de nós próprios e das nossa condições de

vida e, de alguma forma, acabamos por influenciar o nosso ambiente do mais do

que sermos influenciados por ele. Talvez seja importante esclarecer este ponto

— em boa verdade, existe, durante toda a nossa vida um processo de influência

recíproca entre nós e o nosso ambiente, quer dizer, de alguma forma estamos

sempre a influenciar o nosso ambiente ao mesmo tempo que somos influenciados

por esse mesmo ambiente. O que estamos a querer dizer é que o peso relativo

dessa influência varia ao longo da vida sendo nós mais influenciados pelo

ambiente nas fases iniciais do nosso ciclo de vida e influenciamos mais o ambiente

nas fases mais adiantadas do ciclo de vida. Compreendido este processo, é

facilmente perceptível a razão pela qual as influências não-normativas acabam

por ter um impacto mais significativo nas fases mais adiantadas da nossa vida. O

impacto dos factores inesperados ou acidentais está naturalmente e em primeiro

lugar dependente da sua natureza específica pois um acidente de automóvel que

nos deixa paraplégicos vai certamente condicionar mais o nosso desenvolvimento

do que ficar desempregado. Contudo, o ficar paraplégico por motivo de acidente

vai ter um impacto diferente se acontecer a um jovem de 14 anos ou a um adulto

de 57 anos. No primeiro caso, muito provavelmente esse jovem vai ser apoiado

pela família, vai poder estudar e ser capaz de construir uma vida futura

relativamente autónoma e realizada. No segundo caso, irá muito provavelmente

implicar uma reforma antecipada com cessação total da actividade ocupacional

habitual e fazer reduzir drasticamente a capacidade para o sujeito voltar a ter uma

vida produtiva e integrada. Para terminar é importante salientar que este tipo de

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Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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influências interagem entre si, sofrem mudanças ao longo do tempo, variam de

pessoa para pessoa e têm efeito cumulativo. A teoria do curso da vida entende

que os processos de desenvolvimento são também regulados por factores

individuais tais como prioridades de vida, estabelecidos a partir dos papéis sociais

e das concepções subjectivas de curso de vida, que irão também reflectir as tarefas

evolutivas de cada um. Segundo NERI (1991), estas tarefas evolutivas são

indicadas pelas preferências individuais, expectativas quanto ao futuro,

realizações e metas pessoais. Cada indivíduo enfrenta as suas tarefas de maneira

diferente, em conformidade com suas peculiaridades. Para terminar este capítulo

sobre o ciclo de vida é importante referir que este conceito, sendo uma realidade

especialmente significativa em termos da vida humana, tem sido objecto de

muitas e variadíssimas abordagens realizadas a partir de uma multiplicidade de

perspectivas, entre as quais podemos salientar, as perspectivas filosóficas, sociais,

culturais, científicas, etc., cada uma delas oferecendo o seu contributo específico.

Contudo, como facilmente se compreende, neste trabalho privilegiaremos a

perspectiva psicológica, isto é, aquela que vê o indivíduo e o sistema relacional

imediato de que faz parte como agente fundamental do seu desenvolvimento.

Assim, a adopção de uma perspectiva psicológica tem conduzido a que todo o

curso da vida tenha sido perspectivado a partir da compreensão dos

acontecimentos antecedentes e eventos consequentes especialmente

significativos na vida do indivíduo, tentando compreender a lógica subjacente ao

respectivo encadeamento. Por exemplo, no âmbito do desenvolvimento em toda

a extensão da vida, a perspectiva psicológica tem-se concentrado em quatro

objectivos principais:

1. Descrever as mudanças que normalmente ocorrem em toda a extensão

da vida, nomeadamente as várias vias pelas quais os jovens adultos (dos

18 aos 29 anos) deixam de viver na casa dos pais e passam a ter uma

habitação própria e independente. É importante analisar e

compreender o número daqueles que iniciam uma actividade

ocupacional, os que vão para a universidade, os que ficam solteiros ou

optam pela coabitação ou vida de casado, ou assumem qualquer outra

opção relacionada com os vários tipos de subculturas que fazem parte

da nossa sociedade.

2. Explicar estas mudanças — especificar os determinantes dessas

mudanças desenvolvimentistas. Por exemplo, quais factores estão na

base da decisão de uma pessoa jovem para sair de casa e estabelecer

uma "nova" vida? De que forma os pares, a cultura, a economia ou

afiliação religiosa vão influenciar a decisão de atrasar essa saída, de sair

ou mesmo de retornar?

3. Prever as mudanças desenvolvimentistas. Quais as consequências

previsíveis de uma saída tardia de casa dos pais ou dos retornos

frequentes para o jovem adulto, para os pais e para a sociedade? Por

exemplo, famílias jovens que viram os seus rendimentos drasticamente

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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reduzidos pelo desemprego assim como jovens adultos divorciados ou

solteiros com filhos, têm taxas mais altas de retorno a asa dos pais.

4. Ser capaz de usar o conhecimento adquirido para intervir no curso de

eventos, a fim de os controlar num sentido mais favorável ao

desenvolvimento. Por exemplo, ultimamente tem sido descrita uma

geração boomerang composta por muitos jovens adultos nos seus vinte

anos e mais velhos que saem de casa dos pais e acabam depois por voltar

para o apoio da casa dos pais — levando a uma nova fase da vida em

sociedades industrializadas, chamada "adulto emergente" (ARNETT,

2000).

TEORIAS DO CICLO DE VIDA

Considerando que o desenvolvimento humano se caracteriza por uma certa

linearidade e sequencialidade, o objectivo das várias teorias desenvolvimentistas

tem sido, segundo KIMMEL (1980) compreender a natureza dessa sequência e

explicar a razão porque se desenrola desta ou daquela maneira. De uma forma

geral as teorias procuram identificar temas centrais a partir dos quais se articula

o desenvolvimento, definindo ao mesmo tempo uma série de fases ou estádios

qualitativamente diferentes.

Os primeiros modelos de análise do ciclo de vida, assentaram em pressupostos

organicistas, quer dizer, o ser humano é entendido antes de mais como um ser

vivo, que como tal está sujeito a um processo faseado de desenvolvimento

orgânico. Apesar de normalmente o desenvolvimento humano se desenrolar num

meio social, a sociedade é, nesta perspectiva, entendida essencialmente como o

campo ou contexto onde as fases se realizam. Quer dizer, o meio social poderia

acelerar ou modificar pontualmente o aparecimento de cada uma das fases de

desenvolvimento, mas não as pode anular nem alterar a ordem pela qual

aparecem. Assim, segundo os autores que se enquadram nestes modelos o

principal determinante do desenvolvimento reside em factores biológicos.

Dividir o desenvolvimento humano em fases significa partir do princípio que

há momentos em que uma função, uma categoria de realização ou uma forma de

vida são interrompidas e substituídas por outras novas, sendo estas mais

avançadas, mais complexas e mais equilibradas do ponto de vista da relação da

pessoa com o seu ambiente. Assim, a maneira como se divide a vida depende, em

suma, das transformações que o investigador considere essenciais, não sendo, por

isso, de espantar a falta de consenso sobre as divisões da vida humana. Por

exemplo, a partir dos anos 60, foi praticamente abandonada a classificação e

divisão dos períodos da vida por etapas fixas, optando-se por uma divisão genérica

em décadas, nas quais predominam um tipo de "temas" ou problemáticas

característicos (R. PECK, H. THOMNE, U. LEHR), ou "tarefas de

desenvolvimento" específicas (E. H .ERIKSON, R. J. JAVINGHURST). Estas

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Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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décadas não se tratam de idades com limites bem definidos, mas sim de pontos

de orientação para a compreensão de um fenómeno complexo.

TEORIA DO CURSO DA VIDA HUMANA DE CHARLOTTE BÜHLER

Aspectos históricos A psicóloga americana Bertha CHARLOTTE BÜHLER viveu entre 1893 e 1974.

Nascida em Stuttgart na Alemanha, casou-se com Karl BÜHLER, de quem

herdou o nome. CHARLOTTE BÜHLER começou por trabalhar e ensinar na

Alemanha, mas, como era de origem judaica, em 1938 foi obrigada a emigrar para

os Estados Unidos, por força da perseguição movida aos judeus pelo regime Nazi.

É considerada um dos fundadores da corrente teórica que ficou conhecida como

Psicologia Humanista, tendo ficado especialmente conhecida pelos seus trabalhos

sobre a idade e o teste de desenvolvimento do adolescente que foi projectado

para crianças pequenas.

Ilustração 3 - Bertha Charlotte Bühler (1893 – 1974).

CHARLOTTE BÜHLER propôs em 1943 um modelo psicológico pioneiro,

precursor de ideias mais contemporâneas, como a teoria do curso da vida. A

autora baseou-se em estudos de biografias analisadas segundo uma metodologia

desenvolvida para revelar uma progressão ordenada de etapas, procurou

determinar as várias fases do desenvolvimento humano desde o nascimento até à

morte. A primeira conclusão a que rapidamente chegou é que a vida da pessoa

está em constante alteração devido a factores biológicos, psicológicos e sociais.

Cada fase caracteriza-se por mudanças em termos de acontecimentos, atitudes e

realizações durante o ciclo de vida.

Aspectos teóricos O desenvolvimento da vida humana processa-se por fases, que abrangem toda a

sua extensão, conjugando a idade cronológica com processos que marcam

momentos de expansão (infância), culminância (vida adulta) e contracção

(velhice), sendo o amadurecimento psicológico orientado e organizado por metas

ao longo de todo o processo.

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Na tabela seguinte podemos observar o sistema de estádios proposto por

CHARLOTTE BÜHLER em que aparecem as definições etárias de cada fase,

assim como as respectivas características definidas em termos da forma como são

geridos os objectivos pessoais de cada indivíduo. É importante mais uma vez ter

em atenção que as idades apontadas para o início e fim de casa fase devem sempre

ser assumidas de forma aproximativa na medida em que estão naturalmente

ligadas às circunstâncias históricas e culturais em que esta teoria foi desenvolvida.

IDADE FASE

0 – 15 Criança/jovem vivendo em casa dos pais; não existe autodeterminação dos objectivos pessoais

15 – 25 Expansão preparatória e autodeterminação experimental dos objectivos pessoais

25 – 45 Culminação: autodeterminação definida e específica dos objectivos pessoais

45 – 65 Auto-avaliação dos resultados das tentativas e esforços para alcançar os objectivos pessoais

65 e + Realização dos objectivos ou sensação de falhanço; as actividades prévias continuam, nesta fase pode verificar-se o reaparecimento de objectivos de curto prazo centrados na satisfação de necessidades imediatas.

Horner (1968, cit in Kimmel. 1980)

Analisemos agora com maior pormenor as características e problemáticas

associadas a cada fase.

Assim, a primeira fase ou período do desenvolvimento humano segundo

corresponde ao intervalo entre o nascimento e mais ou menos os 15 anos de idade.

Enquadram-se neste período crianças e jovens vivendo em casa dos pais. Como

é fácil de compreender neste período não existe autodeterminação dos objectivos

pessoais, dado que os objectivos centrais na vida de uma pessoa até aos 15 anos

estão centrados na aquisição da instrução e competências que se consideram

essenciais numa determinada sociedade para um efectivo exercício da cidadania.

É por isso que em todas as nações evoluídas foi instituída a noção de escolaridade

obrigatória, que como sabemos, em Portugal vai até ao 9º ano de escolaridade, o

corresponde aos 15 anos de idade. Nesta fase o indivíduo é totalmente

dependente e não possui identidade própria.

A segunda fase corresponde ao período da juventude. Nesta fase a autode-

terminação tem ainda um carácter provisório e de tentativa. É a época em que

começam a ser realizadas as primeiras escolhas pessoais adquirindo assim alguma

autodeterminação. As realizações centram-se à volta das tarefas de preparação

para a profissão, dos inícios profissionais e das relações pré-conjugais.

Actualmente na nossa sociedade as realizações desta fase passam muitas vezes

pelo início da frequência do ensino superior o que pode implicar a mudança de

local de residência e uma expansão clara das relações sociais. O carácter

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Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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experimental destas realizações faz com que algumas vezes o jovem mude de

curso, de parceiro(a) romântico.

A terceira fase compreende um intervalo dos 25 aos 45 anos e inaugura o

período do de maturidade no qual se verifica a autodeterminação completa e

definitiva. Esta fase é marcada pelo desenvolvimento estável da capacidade de

procriação na área biológica e, na área psíquica, pela estruturação definitiva do

planeamento de metas e por uma expansão criativa, através da realização plena

de uma actividade profissional. Estamos no cume da vida, entre o crescimento e

a decadência.

A este período segue-se um outro entre os 45 e os 65 anos, em que de forma

geral se verifica a perda da capacidade de procriação2 e aparecimento da

necessidade de fazer um balanço dos objectivos de vida alcançados e não

alcançados. Com efeito, a idade dos balanços é determinada pelo pressuposto que

nesta fase os indivíduos examinam os resultados da sua vida, em função de

corresponderem ou não às expectativas e se a vida pode ainda ser remediada e

continuar num sentido progressivo ou não. O resultado deste processo vai ter

naturalmente um impacto significativo na forma como é vivida a próxima e final

fase do ciclo de vida. É esta também a época em que tomam importância os êxitos

e feitos da profissão, em que por vezes se dá um retrocesso profissional, e em que

os filhos saem de casa, se tornam independentes e talvez enriqueçam a primitiva

família mediante a fundação de uma família própria, ou então a empobrecem

separando-se da mesma. Outro aspecto interessante relacionado com esta fase é

o desfasamento entre nível biológico e psicológico pois o idoso utiliza a

experiência como uma forma de compensação das funções físicas em declínio.

Finalmente, a quinta fase, que começa por volta dos 65 anos, é marcada,

conforme os indivíduos, por um período de calma após a vida activa, e a que

corresponde também uma nítida decadência física e de elasticidade mental. É a

época em que as profissões primitivas são substituídas por profissões parciais ou

hobbies e em que muitas vezes se verifica a perda de um dos cônjuges. Neste

momento é clara a consciência que não mais lugar à realização de grandes

objectivos e metas pessoais, por isso, o idoso muitas vezes reformula os seus

objectivos restringindo-os a um plano mais concreto e imediato.

Uma das primeiras constatações que podemos fazer acerca da teoria de

CHARLOTTE BÜHLER é o paralelismo evidente entre os processos biológicos

de crescimento, estabilidade e declínio, e os processos psicológicos de expansão

e culminação. Por outro lado, muitas vezes a curva biológica está à frente da curva

psicossocial do indivíduo. Isto é especialmente verdadeiro quando um bom

funcionamento a nível das faculdades mentais permite que uma pessoa possa

manter um alto grau de produtividade durante vários anos após o início do

declínio das capacidades físicas. Neste campo é também possível constatar uma

2 Nas mulheres a perda de capacidade reprodutiva é absoluta e está directamente relacionada

com a menopausa enquanto que nos homens a perda de capacidade é relativa pois está

indiretamente relacionada com a eventual menopausa da companheira sexual.

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considerável variação individual, uma vez que uma pessoa pode tornar-se

altamente produtiva um pouco tarde na vida e atingir a fase de culminação

psicossocial vários anos após atingir o período culminação biológica.

Talvez a consciência de que se trata de uma teoria historicamente datada levou

mais recentemente CHARLOTTE BÜHLER a introduzir algumas alterações na

sua teoria nomeadamente enfatizando o processo de estabelecimento de metas

para a vida, chamando a atenção para o facto de que cada fase é vista como

reflectindo diferentes perspectivas na forma como o indivíduo define os seus

objectivos e metas pessoais. Por exemplo, as metas que idealmente conduzem à

auto-realização da pessoa durante o período de culminação são gradualmente

estabelecidas durante as primeiras duas décadas de vida. Algumas pessoas podem

reformular esses objectivos e procurarem alcançar novas metas durante a quarta

fase, mas, para a maioria dos indivíduos, as metas na segunda metade da vida

provavelmente centram-se na estabilidade e na possibilidade de gozar uma

reforma e velhice descansadas. Assim, o ciclo de vida humano pode ser

caracterizado por uma "curva de expansão. e contracção.

Em suma, esta visão do desenvolvimento adulto sugere que o ciclo de vida

pode ser visto em termos de duas tendências gerais: - expansão e contracção. Por

isso, existe certamente um momento durante a meia-idade que funciona como

ponto de viragem importante entre essas duas tendências contraditórias, quer

dizer, o momento em que a expansão dá lugar à contracção. CHARLOTTE

BÜHLER sugere que o ponto de viragem se situa algures durante o período de

auto-avaliação após a fase de culminação da meia-idade (mais ou menos entre os

40 e os 45 anos). Claro que existem muitos factores que podem influenciar este

processo. Por exemplo, o ponto de viragem pode resultar da satisfação de alguns

motivos de crescimento e expansão anteriores o que permite o surgimento de

outros motivos. Pode também resultar de perdas físicas ou sociais, da sensação de

se estar “encalhado” numa situação, ou até da alteração de perspectiva temporal

que acontece num determinado momento da meia-idade e que resulta da noção

de já se ter vivido mais de metade da vida.

Provavelmente a forma como o adulto e idoso vai alterando a definição dos

seus motivos e objectivos pessoais resulta da interacção entre factores sociais,

biológicos e psicológicos que podem afectar homens e mulheres de forma

diferente e que podem também afectar de forma diferente pessoas com estatutos

socioeconómicos diferentes. No entanto, apesar de esta mudança na definição de

objectivos e metas pessoais (ou de motivação) ser muito importante,

CHARLOTTE BÜHLER concluiu, a partir dos seus estudos, que a sensação de

não se ter alcançado e cumprido de forma satisfatória os seus objectivos era um

factor mais importante que o declínio físico no desencadear de problemas de

adaptação na velhice. Neste aspecto o modelo de CHARLOTTE BÜHLER vai

ao encontro dos resultados da investigação mais recente no campo do

desenvolvimento do adulto e idoso.

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A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL DE ERIK ERIKSON

Aspectos históricos Erik Homburger ERIKSON nasceu em Frankfurt-am-Mein, Alemanha, em 15

de Junho de 1902 e faleceu em Harwich, EUA em 12 de Maio de 1994. Começou

a sua vida activa como artista plástico, contudo em 1927 na sequência de uma

viajem pela Europa, conheceu em Viena Anna Freud, filha de Sigmund FREUD.

Sob orientação dela, submeteu-se a uma psicanálise tendo-se ele próprio vindo a

tornar psicanalista. Mais tarde ERIK ERIKSON veio de alguma forma a

distanciar-se da psicanálise por esta não ter em conta as interacções entre os

indivíduos e o meio e ainda pela ênfase exagerada que, segundo ele, a psicanálise

colocava nos aspectos patológicos e defensivos da personalidade.

Ilustração 4 - Erik Erikson (1902-1994)

Em 1933 emigrou para os Estados Unidos e naturalizou-se americano. Leccionou

nas universidades de Harvard, Berkeley e Yale. Em 1936 transferiu-se para um

centro de estudos de relações humanas e começou a estudar a influência de

factores culturais no desenvolvimento psicológico. De notar que a

conceptualização de ERIKSON, ao contrário da perspectiva psicanalítica clássica,

não surge a partir do tratamento de casos patológicos, mas sim da observação de

aspectos ligados à interacção social, na qual teve muita influência um período de

tempo que habitou numa reserva de nativos americanos Sioux onde dedicou

especial atenção à forma como era aí praticada a educação infantil. Com base

nessas pesquisas formulou a teoria segundo a qual as sociedades criam

mecanismos institucionais que propiciam e enquadram o desenvolvimento da

personalidade, embora as soluções específicas para problemas similares variem

de cultura para cultura. ERIKSON estava mais interessado nas exigências de tipo

social e cultural que eram postas à criança do que nos impulsos sexuais

inconscientes. Procura, assim, explicar a orientação adequada do Eu (como parte

consciente da personalidade) nos diferentes contextos ambientais, pondo em

relevo a capacidade de integração da personalidade do ser humano.

Na década de 1940, ERIKSON concebeu o modelo que expôs na sua obra

Infância e sociedade (1950). ERIKSON publicou livros sobre Martinho Lutero,

Gandhi e Hitler e escreveu ensaios em que relaciona a psicanálise com a história,

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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política, filosofia e teologia, tais como A história da vida e o momento histórico

(1975). Apesar do trabalho de ERIKSON, quando foi desenvolvido por volta dos

anos cinquenta, não ter despertado grande entusiasmo, foi como que

redescoberto a partir dos anos 70 e tem servido de enquadramento para alguns

dos desenvolvimentos recentes mais interessantes no campo da psicologia da

criança e do adulto.

Aspectos teóricos ERIKSON parte da noção que o desenvolvimento do indivíduo se faz a partir do

contacto das suas funções psicobiológicas com os modelos de comportamento

típicos da sua cultura. Em consequência, por um mecanismo de feed-back, uma

função pode ser reforçada e assim manter ou aumentar a sua importância, ou

frustrada o que o vai conduzir a abandoná-la de um modo parcial. A partir desta

noção ERIK ERIKSON propôs a definição das seguintes modalidades sociais.

Receber - que levará a criança mais tarde, através da identificação com a

mãe cuidadora, a transformar-se por sua vez num provedor de cuidados,

afecto, etc..

Reter ou perder - Tem a ver fundamentalmente com os comportamentos

de tipo económico; troca, conservação, controle meticuloso de tudo o que

é perdido - afecto, tempo, dinheiro.

Alcançar uma meta ou representar um papel. É a época das identificações

edipianas com o progenitor do mesmo sexo.

Outras das problemáticas fundamentais para Erik ERIKSON era a questão da

identidade, pois estava fundamentalmente interessado em perceber como a

criança, e mais tarde o adulto desenvolve o seu sentido de identidade.

Contudo, o aspecto do pensamento de Erik ERIKSON que nos interessa

especialmente neste contexto é a sua noção de que o desenvolvimento humano é

um processo que percorre toda a vida do indivíduo. O desenvolvimento

psicológico é, assim, feito a partir de um conjunto de fases psicossociais, em que

cada fase representa a introdução de um novo elemento no ciclo afectivo e social

do desenvolvimento. Um aspecto interessante da teoria de Erik ERIKSON é a

forma como ele define as suas fases de desenvolvimento. Cada uma das fases é

definida em termos bipolares, no sentido em que o desenvolvimento representa

uma sucessão de fases críticas3 em que cada uma delas apresenta uma tarefa de

desenvolvimento, um desafio que tem que ser superado. São momentos de

decisão na qual são feitas opções importantes em termos de progresso ou

regressão, de sucesso ou falhanço. Se o conflito dialéctico entre os dois polos ou

tendências que caracterizam cada estádio for resolvido com sucesso o indivíduo

chega a uma síntese que representa uma das capacidades humanas: - esperança,

vontade, propósito, competência, fidelidade, amor, cuidar do outro, sabedoria.

3 O conceito de crise deve ser entendido aqui não como catástrofe ou dificuldade, mas como um

ponto de viragem, de maior vulnerabilidade, mas também de maior potencial.

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Este conflito dialéctico é ao mesmo tempo consciente e inconsciente e envolve

tanto processos psicológicos como processos sociais, ou melhor, psicossociais. As

qualidades humanas que resultam de uma síntese bem-sucedida são segundo

ERIKSON “uma adaptação activa mais do que um ajustamento passivo” do

indivíduo a um contexto social, de tal forma que “ele provoca alterações no

contexto ao mesmo tempo que faz um uso selectivo das oportunidades que esse

contexto lhe proporciona”. (ERIKSON, 1976, cit in Kimmel, 1980).

A teoria de ERIKSON parte assim de um conjunto de proposições básicas que

podemos resumir da seguinte forma:

Durante toda a sua vida, cada pessoa, atravessa uma série de períodos de

desenvolvimento distintos (estádios) em cada um dos quais tem uma tarefa

específica, o desenvolvimento de uma "qualidade do ego", como por ex.

autonomia, confiança ou intimidade.

As fases de desenvolvimento são parcialmente definidas pela cultura e

pela sociedade na qual a pessoa cresce.

Uma tarefa de desenvolvimento que não tenha sido realizada com sucesso

numa determinada fase deixa um resíduo que vai interferir na realização

das outras tarefas. Na realidade uma tarefa nunca é completamente

realizada.

Analisemos agora mais em pormenor cada um dos estádios propostos por Erik

ERIKSON. Cada um dos estádios vai ser descrito a partir de um conjunto de

critérios ou características distintivas, nomeadamente: - A) Modalidade

psicossexual; B) Crise psicossocial; C) Âmbito de relações significativas e a

D) Qualidade do ego ou recursos (forças) básicos. No que respeita aos limites de

idade para cada um dos estádios, o próprio ERIKSON nunca apresentou

nenhuma definição específica. Só posteriormente foram acrescentados por vários

autores referências etárias para cada estádio e aí podem verificar-se algumas

discrepâncias. Optou-se aqui por apresentar uma definição etária dos vários

estádios essencialmente com o objectivo ajudar o aluno a ter uma noção mais

clara do momento em que cada crise acontece na vida do indivíduo. Contudo, em

rigor, a questão de se saber exactamente em que idade começa e acaba cada

estádio não é especialmente importante, até porque, como vimos acima e o

próprio ERIKSON afirmou, este aspecto é influenciado por uma diversidade de

factores sociais, culturais, socioeconómicos e até históricos.

Estádio I: Meninice

Oral/sensorial (modo de incorporação, consumo);

Confiança básica versus desconfiança básica;

Agente cuidador, figura maternal;

Esperança.

Este estádio começa naturalmente com o nascimento até aos 18 meses. A

resolução da primeira crise psicossocial é realizada através dos cuidados

maternais. A capacidade inata do recém-nascido para a satisfação através da

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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incorporação oral vai interagir com a disponibilidade da mãe para o alimentar e

para o estimular sensorialmente. Este processo vai levar a que a criança

desenvolva uma confiança na mãe como omnipotente no sentido da realização do

desejo. A tarefa principal desta fase vai ser o assentar as bases da confiança futura

na previsibilidade do mundo e na sua capacidade para influenciar os

acontecimentos à sua volta. O comportamento da personagem cuidadora da

criança, essencial para uma realização satisfatória desta tarefa, deverá ser

carinhoso, constante e previsível.

Estádio II: Primeira infância

Muscular/anal (Retenção, expulsão);

Autonomia versus vergonha e dúvida;

Agente cuidador, figuras parentais;

Desejo, vontade.

Este estádio vai dos 18 meses até mais ou menos aos 3 anos. A aquisição mais

importante deste período é a crescente autonomia da criança conseguida através

da maturação muscular que proporciona uma maior mobilidade, uma maior

verbalização e discriminação de estímulos. O facto de se poder deslocar para

qualquer lado à sua vontade vai constituir a base do sentido de independência e

autocontrole. Contudo, se as explorações da criança não forem cuidadosamente

acompanhadas pelos pais e a criança se defrontar frequentemente com situações

de insucesso ou ridículo, então o resultado das novas oportunidades de

mobilidade e exploração poderão ser a vergonha e a dúvida em vez do sentido

básico de auto-controle e auto-estima.

Estádio III: Idade lúdica

Locomotor/genital;

Iniciativa versus culpa;

Família nuclear;

Propósito, orientação.

O terceiro estádio vai sensivelmente dos 3 aos 5 anos. Se bem que ERIKSON, ao

contrário de Freud, reconheça a importância dos factores ligados aos impulsos

resultantes do desenvolvimento sexual, tem em especial atenção, nesta fase, às

influências resultantes da aquisição de novas aptidões e capacidades. Nesta fase

a criança é já capaz de agir de uma forma planeada e toma frequentemente a

iniciativa na aquisição de determinados objectivos, podendo o seu

comportamento ser caracterizado por uma tentativa de conquista do mundo à sua

volta. Contudo a actividade da criança nesta fase pode atingir as raias da agressão

e ter, por vezes um carácter destrutivo, por exemplo de brinquedos ou de objectos

pessoais. Quando isto acontece, a criança pode ser assolada por sentimentos de

culpa que podem tornar-se inibitórios do seu comportamento. Cabe aqui aos pais

e às pessoas que lidam com a criança estarem atentos no sentido de a ajudarem a

concentrar-se em tarefas aceitáveis do ponto de vista social e a controlar os seus

impulsos para que o sentimento de culpa seja mantido a um nível mínimo.

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Estádio IV: Idade escolar

Latência;

Engenho versus inferioridade;

“Vizinhança”, Escola;

Competência.

Este estádio é talvez o que tem um início mais bem definido porque começa com

a entrada na escola, geralmente por volta dos 6 anos e termina antes da

puberdade, normalmente por volta dos 12. O início da escolaridade é o acon-

tecimento mais importante nesta fase. Aparece pela primeira vez uma distinção

clara entre brincadeira e "trabalho", entre "devoção" e "obrigação". A criança

enfrenta agora um momento no qual irá ser predominantemente recompensada

por comportamentos de tipo produtivo e as suas actividades são, mais do que

nunca, enquadradas num esquema rígido e pré-definido. É-lhe solicitado que

aprenda a ler, a escrever, a fazer contas e a adquirir um reportório de

conhecimentos típicos da cultura adulta. Há aqui um perigo real de que, por uma

razão ou outra, a criança se mostre incapaz de corresponder àquilo que se espera

dela desenvolvendo, em vez disso, um sentimento de inferioridade. Mais uma

vez, a influência parental tem uma importância fundamental para o sucesso, ou

insucesso, na realização das tarefas de desenvolvimento próprias desta fase.

Importa que os pais não tenham eles próprios problemas a este nível de forma

poderem estar disponíveis para ter em conta as capacidades próprias da criança,

não lhe impondo exigências de muito difícil ou até impossível realização.

Estádio V: Adolescência

Puberdade e Adolescência;

Identidade versus confusão;

Grupos de pares, modelos de liderança;

Fidelidade.

Normalmente considera-se a adolescência como o período que decorre entre os

12, 13 e os 18 a 20 anos. A tarefa de desenvolvimento a ser realizada na

adolescência - o estádio genital na linguagem freudiana - tem uma importância

capital no sentido em que o adolescente vai reexaminar a sua identidade assim

como os papéis que irá ter na sociedade. ERIKSON distingue dois tipos de

identidade, uma "identidade sexual" e "identidade ocupacional" que têm, por um

lado, a ver com a escolha do parceiro sexual e, por outro, com a escolha de uma

carreira ou profissão.

Se esta tarefa for realizada com sucesso o adolescente chegará ao fim desta

fase com um sentido do self adequadamente reintegrado, e com uma ideia

relativamente clara do que pretende ser no futuro em termos das duas iden-

tidades acima definidas. Para além disso, da resolução com sucesso desta fase

resulta também a emergência da qualidade de fidelidade, que, de acordo com

ERIKSON significa a capacidade para manter lealdades livremente assumidas

apesar das inevitáveis contradições e confusões dos sistemas de valores

(ERIKSON 1976, cit in. KIMMEL 1980, p. 15).

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Esta fase não é igualmente isenta de riscos. A profusão de papéis e de opções

que, por um lado são oferecidas actualmente aos adolescentes, e as

condicionantes que, por outro, na maior parte dos casos limitam o acesso dos

adolescentes à realização concreta das suas opções, podem ter efeitos nefastos na

realização das tarefas de desenvolvimento a este nível.

Estádio VI: Juventude Adulta

Genitalidade;

Intimidade versus isolamento;

Parceiros em relações de amizade, eróticas, de competição e de cooperação;

Amor.

Este é o primeiro dos três estádios do adulto que se supõe decorrer entre os 20,

21 anos e os 40 a 45 anos. A principal preocupação desta fase é a necessidade de

intimidade, isto é, de compartilhar a identidade com outra pessoa. É, de uma

forma geral, nesta fase que se lançam as bases ou se concretiza o envolvimento

pessoal numa relação afectiva estável. Para que isso se realize com um grau

razoável de sucesso é indispensável que se tenha anteriormente desenvolvido

uma identidade firme e definida. Se isso não acontecer existe o perigo de as

dificuldades que daí vão resultar, ao nível da relação afectiva, conduzirem a um

sentido crescente de isolamento e de incapacidade para a relação. ERIKSON

chama a atenção para o facto de que a intimidade sexual é só parte daquilo que

tenho em mente, porque é óbvio que a as intimidades sexuais muitas vezes

precedem a capacidade para desenvolver uma verdadeira e mútua intimidade

com outra pessoa, seja amizade, seja em encontros eróticos, seja em situações de

inspiração conjunta (ERIKSON 1968, cit in KIMMEL 1980, pp.15-16).

Estádio VII: Idade adulta

Procriactividade;

Generatividade versus estagnação;

Divisão do trabalho e partilha de uma habitação;

Cuidar do outro.

Este estádio refere-se à maturidade plena e abarca um período que pode ir dos

40, 45 anos até aos 55, 65 anos. ERIKSON estava convencido que alcançar a

intimidade através de uma relação sexual estável e madura, não era suficiente

para atingir um desenvolvimento pleno da personalidade. Cada adulto sente

ainda um certo impulso generativo, um desejo de criar de realizar qualquer coisa

que perdure. Na maior parte dos casos esta tarefa realiza-se através do gerar e

criar filhos, noutros casos através da realização de qualquer coisa útil em termos

de profissão, uma obra de arte, transmissão dos conhecimentos a outros, etc..

Nesta perspectiva, os adultos que não consigam de alguma forma realizar as

tarefas inerentes a esta fase correm o risco de virem a experimentar um

sentimento de estagnação, de empobrecimento pessoal e de falta de sentido de

vida. Este sentimento pode estar relacionado com a chamada "crise da meia-

idade".

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Estádio VIII: Velhice

Maturidade;

Integridade versus desespero;

“Mankind” “My Kind”;

Sabedoria.

Este estádio é geralmente assumido como começando por volta dos 65 anos,

contudo, mais do que uma idade definida, o que faz com que o indivíduo aceda a

este estádio é o processo psicológico caracterizado por uma progressiva

consciência da finitude da vida e da proximidade da morte, quer dizer, a morte

deixa de ser uma realidade meramente possível para passar a ser uma realidade

provável. Esta etapa final tem, segundo ERIKSON, a ver com a capacidade para

cada pessoa integrar e aceitar tudo aquilo o que fez e foi até aí. Para se atingir

uma real integração do ego é essencial ter-se realizado, com um razoável grau de

sucesso, as tarefas inerentes aos sete estádios anteriores. Nas suas próprias

palavras (ERIKSON, 1950, p. 247), só aquele que de alguma forma tem cuidado

de coisas e pessoas e se tem adaptado aos triunfos e desilusões inerentes a sua

condição de criador de outros seres humanos e gerador de produtos e ideias, só

nele pode amadurecer o fruto dessas sete etapas. Não conheço melhor termo para

isso que integridade do eu.

Para além desta definição, ERIKSON identifica um conjunto de indicadores

de integridade:

A pessoa aceita a vida que levou e não tem sentimentos fortes de pesar por

a sua vida não ter sido diferente;

A pessoa aceita que, salvo circunstâncias extraordinárias, cada um é

responsável pela sua vida;

A pessoa é capaz de defender a dignidade do seu estilo de vida, mesmo

estando consciente de que existem estilos de vida alternativos igualmente

defensáveis;

A pessoa reconhece o valor de outras formas de expressão da integridade;

A pessoa reconhece o seu próprio lugar no universo.

A resolução positiva deste dilema do final da vida humana tem como

consequência a aquisição de uma forma de sabedoria e serenidades pessoal. Se

isso não tiver acontecido uma das consequências pode ser um sentimento

crescente de inutilidade, de isolamento e de desespero. Segundo ERIKSON o

sentimento de desespero está de alguma forma associado à consciência da

proximidade da morte porque esta aparece como um sinal de que não se tem

tempo para voltar atrás e refazer as nossas opções fundamentais de vida e reparar

os erros que comentemos. Como alternativa, o idoso pode nesta altura fazer uma

espécie de fuga para a frente convencendo-se que se tem todas as respostas (uma

espécie de retorno à adolescência) num forte dogmatismo em que apenas admite

sua opinião como a correcta.

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A contribuição de Robert Peck A contribuição de Robert C. PECK para a compreensão do desenvolvimento

psicológico na segunda metade da vida parte da noção de que quase metade do

ciclo de vida é abrangido somente por dois estádios, ou seja, ¼ dos estádios. Isto

faz com que os dois últimos estádios sejam ainda mais gerais na sua abordagem

do que os estádios anteriores, como se em metade da vida não se passasse grande

coisa em termos de desenvolvimento psicológico.

Especificamente, PECK (1975), propôs dividir tanto o sétimo como o oitavo

estádio de ERIKSON em várias fases que representam "tipos de aprendizagem

bastante diferentes assim como várias formas de ajustamento psicológico em fases

diferentes na segunda metade da vida" (p. 88). De notar que PECK vai definir os

seus estádios a partir de uma lógica idêntica à utilizada por ERIKSON – os

estádios continuam a ser definidos de forma bipolar.

Relativamente à meia-idade, PECK distingue quatro estágios que podem

ocorrer em diferentes sequências, assim como as idades em que aparecem podem

variar de indivíduo para indivíduo.

MEIA-IDADE

Estádio I. Valorização da capacidade intelectual vs. valorização da

capacidade física

Uma das consequências inevitáveis do envelhecimento, especialmente a partir

dos 20 anos, é a diminuição do vigor físico, da capacidade de resistência e da

atracção, isto na medida em que a atracção é habitualmente identificada com um

ar jovem. Por outro lado, o capital de experiência acumulado pelas pessoas que

viveram mais tempo se for correctamente usado faz com que as pessoas da

meia-idade sejam capazes de ter uma capacidade de realização igual ou superior

às pessoas mais jovens, embora por diferentes meios.

Na nossa cultura costuma dizer-se que a idade traz sabedoria, contudo é

importante clarificar o que queremos dizer quando falamos em sabedoria. PECK

definiu sabedoria como a capacidade para fazer as escolhas mais eficazes entre as

várias alternativas que a percepção intelectual e a imaginação apresentam à nossa

decisão (PECK, 1975, P. 89). Assim a experiência de vida parece ser essencial

para que o adulto possa nesta fase desenvolver um círculo mais alargado de

relações emocionais, isto é, ir um pouco mais além da experiência

necessariamente limitada de pertencer a uma família e a uma subcultura durante

a infância e adolescência.

Assim, na meia-idade o êxito da adaptação às exigências desta fase da vida

implica que o autoconceito e comportamento já não dependam principalmente

dos aspectos físicos do self. Se o indivíduo não for capaz de realizar as alterações

psicológicas necessárias para se adaptar à realidade do declínio físico então

poderá cair na depressão e na amargura à medida que for envelhecendo. Este

parece, com efeito, ser o componente principal da chamada depressão da

meia-idade, especialmente nos homens.

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Efectivamente os indivíduos que passam melhor por esta fase são aqueles que

de forma calma e serena invertem a sua hierarquia de valores de forma fazerem

mais uso da cabeça do que do físico, tanto como padrão de auto-avaliação como

o seu maior recurso para resolver problemas.

Portanto, para concluir, podemos dizer que o melhor rumo para as pessoas que

chegam a esta primeira fase de declínio físico é mudar dos valores baseados no

físico para valores baseados na sabedoria, tanto no seu autoconceito como no seu

comportamento.

Estádio II. Socialização vs. Sexualização nas relações humanas

Paralelamente ao declínio do vigor físico verifica-se igualmente, mas num plano

algo diferente, uma certa perda ao nível da sexualidade. Assim, a resolução da

segunda fase, socializar versus sexualização em relações humanas, refere-se a uma

redefinição da parceria que acentua os aspectos da individualidade e

companheirismo em vez de aspectos sexuais. Com efeito, nesta idade é mais fácil

para homens e mulheres desenvolverem relações de amizade, sem que a questão

da sexualidade pareça estar sempre por detrás.

Estádio III. Flexibilidade vs. Empobrecimento catético

A terceira fase, flexibilidade versus empobrecimento catético4, refere-se a um

período de tempo durante o qual a maioria das pessoas são confrontadas com uma

série de perdas relacionais, como seja o crescimento e saída de casa dos filhos, a

morte de um pai, assim como a diminuição gradual das relações sociais com seus

pares. Simultaneamente, este é o período de tempo durante o qual a maturidade

e status adquirido acabam por oferecer as melhores oportunidades "para

reinvestir emoções em outras pessoas, outras actividades e outras definições de

vida" (PECK, 1975, P. 89). Com efeito, para muitas pessoas esta é a altura da vida

em que dispõem de um âmbito mais vasto de objectos catéticos e têm assim

oportunidade para construir relações mais variadas e diferenciadas.

Estádio IV. Flexibilidade mental vs. Rigidez mental

Uma das questões mais importantes relacionada com o desenvolvimento e a vida

humana parece ser o facto de sabermos qual o tipo de factores que determinam

a forma como decorre a nossa vida: - nós próprios, ou as experiências e

acontecimentos com que somos confrontados? Podemos fazer um uso flexível e

4 Catético refere-se a catexia ou investimento e foi um conceito introduzido por Sigmund fred

para designar o processo pelo qual a energia libidinal disponível na psique é vinculada à

representação mental de uma pessoa, ideia ou coisa ou investida nesses mesmos conceitos. Por

exemplo, a raiva que se sente contra uma pessoa é uma catexia ou fixação de energia na

representação mental dessa pessoa (e não nela como objecto externo). Juntamente com o conceito

de libido, Sigmund Freud dedicou os seus estudos a definir a catexia. Uma vez que a libido foi

catexizada, ela perde sua mobilidade original e não pode mais ser alternada para novos objectos,

como normalmente seria possível, ficando enraizada na parte da psique que a atraiu e reteve.

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Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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adaptado das nossas experiências ou ficarmos presos a elas. Quer dizer, podemos

usar a experiência como guia provisório para agir ou assumir o padrão de

acontecimentos e acções com que eventualmente nos vemos confrontados como

matriz para um conjunto de regras rígidas que de forma quase automática

utilizamos para orientar as nossas acções subsequentes e que acabam por

governar as nossas vidas. Por exemplo, uma pessoa vê-se envolvida numa situação

de emergência durante uma viagem de avião, conclui que andar de avião é muito

perigoso e a partir daí nunca mais anda de avião.

Esta quarta etapa da vida da pessoa de meia-idade refere-se ao risco de a

pessoa ficar cada vez mais limitada nas suas opções e cada vez menos aberto a

novas ideias, o que, como sabemos, é uma ideia recorrente acerca das pessoas

mais idosas. Contudo, é nesta fase que esta questão assume uma dimensão crítica.

Assim, uma boa adaptação às exigências desta fase de desenvolvimento implica

que "as pessoas aprendam a dominar suas experiências, atingir um grau de

perspectiva independente sobre elas e fazer uso delas como guias provisórios para

a solução de problemas novos" (PECK, 1975, p. 90).

VELHICE

Estádio I. Diferenciação do Ego vs. Preocupação com o papel

ocupacional

A problemática específica que caracteriza este estádio, particularmente para a

maioria dos homens na nossa sociedade, mas também para cada vez um maior

número de mulheres, é desencadeada pelo impacto da reforma, que acontece

normalmente por volta dos 60, 65 anos. O que se pretende aqui é caracterizar

uma alteração crucial no sistema de valores através do qual o indivíduo reformado

tem que redefinir e reavaliar o seu sentido de utilidade e valor pessoal. Como já

não o pode fazer com base no seu papel ocupacional, o indivíduo tem agora

oportunidade de retirar satisfação e valor de um conjunto variado de actividades

alternativas. A questão principal associada a este estádio pode ser colocada desta

forma: — “Será que sou uma pessoa útil e com valor só na medida em que tenho

uma profissão a tempo inteiro; ou será que posso também ter também alguma

utilidade e valor com outro tipo de actividades – isto é, desempenhando outros

papéis e acima de tudo tendo em conta a pessoa que eu sou?”

É óbvio que o processo de diferenciação do ego em termos de construção de

um sistema complexo e variado de identificações começa muito cedo na vida do

indivíduo, normalmente logo na primeira infância. Contudo, existem algumas

razões para que considerar esta problemática como uma questão de importância

central no momento em que o indivíduo cessa a sua actividade ocupacional

regular. Para a maioria das pessoas, mas para os homens em particular5, parece

5 Esta é uma questão que seria interessante discutir agora que um cada vez maior número de

mulheres estão envolvidas em carreiras profissionais. Contudo, é importante distinguir entre

“mulheres com carreiras profissionais” significativas e a mera situação de mulher empregada,

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

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claro que a capacidade para construir um sentido utilidade e de valor pessoal para

além da actividade profissional parece ser aquilo que decisivamente vai fazer a

diferença entre uma desesperante perda do sentido de vida e a manutenção de

um interesse pela vida. As mulheres que durante toda a vida de adulta se

ocuparam das tarefas domésticas podem ver-se confrontadas com o mesmo tipo

de dilema, ainda que normalmente um pouco mais cedo, por volta da meia-idade,

quando os filhos crescidos deixam a casa dos pais.

Assim, um requisito importante para uma boa adaptação bem-sucedida à

velhice parece ser o estabelecimento de um conjunto variado de actividades

significativas que permitam à pessoa definir um conjunto de auto-atributos

igualmente significativos. Desta forma a pessoa idosa poderá manter o seu sentido

de valor e satisfação pessoal. É este sentido de valor e satisfação pessoal que está

na base da integridade do ego enquanto problemática fundamental da velhice.

Estádio II. Transcendência do Corpo vs. Preocupação com o corpo

Este estádio está relacionado com o facto de que a velhice acarreta inquestio-

navelmente um declínio acentuado do vigor e outros atributos como a beleza

física assim como o aumento da probabilidade de ficar doente. Estes dois factores

estão relacionados com um aumento do tempo para se recuperar de um grande

esforço assim como uma crescente experiência com a dor, o desconforto e as

limitações físicas. Visto isto, fácil é compreender que as pessoas para quem a

satisfação e conforto significa essencialmente o bem-estar físico vão ter muitas

dificuldades em lidar com esta circunstância. Para estas pessoas o envelhecimento

significa naturalmente uma espiral descendente centrada numa preocupação

crescente com o estado dos seus corpos.

Outros idosos, contudo, apesar de experienciarem exactamente o mesmo tipo

de dificuldades e problemas físicos, parecem mesmo assim viver a sua vida com

um razoável grau de satisfação e bem-estar. Podemos pensar que se trata de

pessoas que aprenderam a definir os próprios conceitos de felicidade e bem-estar

não tanto em termos dos factores associados ao seu corpo, mas mais em factores

associados com a vivência de relações interpessoais satisfatórias e actividades

gratificantes cuja não exige grande esforço ou resistência física. No seu sistema

de valores as fontes de satisfação de tipo social ou mental acabam por transcender

as eventuais dificuldades dependentes do declínio físico.

É neste campo que se joga este dilema fundamental na terceira idade. Apesar

de as decisões pessoais subjacentes a esta problemática terem necessariamente

que ser efectuadas enquanto se é mais novo, é na terceira idade que vai aparecer

o teste mais crucial que nos vai mostrar o sistema de valores que a pessoa

construiu ao longo da sua vida. Esta problemática, e a forma como se colocada

neste ponto do ciclo vital acaba por se constituir como uma das metas do

pois não me parece que para uma mulher que foi durante toda a sua vida operária fabril,

operadora de caixa de supermercado ou empregada de limpeza a reforma represente uma crise

séria do ponto de vista do sentido de vida.

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

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desenvolvimento humano. Só reconhecendo e aceitando o declínio físico como

algo inexorável e ao mesmo tempo perceber que isso pode ser compensado

através de outras fontes de satisfação e gratificação pessoal, por exemplo através

das relações interpessoais e actividades de tipo intelectual, a pessoa idosa pode

passar por esta fase com um razoável grau de qualidade de vida e bem-estar.

Estádio III. Transcendência do Ego vs. Preocupação com o Ego

Outro aspecto necessariamente relacionado com o avançar da idade é o

aparecimento de uma determinada perspectiva relacionada com a própria morte.

Como já vimos quando abordámos o oitavo estádio de ERIKSON, sendo a morte

uma realidade que todas as pessoas têm como possível, as pessoas idosas, e tanto

mais quanto mais idosas, vêm-na não só como possível mas também como

provável. É esta consciência da proximidade da morte que está subjacente à

problemática característica deste estádio. Esta realidade do desaparecimento e

aniquilação física é de tal forma envolvente, especialmente neste grupo etário,

que tem sido tema de reflexão fundamental em todos os sistemas filosóficos

conhecidos. Com efeito, os filósofos chineses, hindus e ocidentais estão

geralmente de acordo em que uma forma de adaptação, digamos assim, positiva

a esta realidade é não somente possível, como até desejável para que o idoso

consiga obter na fase terminal da sua vida a paz e serenidade necessárias a um

usufruto completo da vida. Assim, uma atitude construtiva e positiva nos últimos

anos pode ser tentarmos viver de uma forma tão generosa e isenta de egoísmo

que a perspectiva da morte nos pareça de somenos importância face à convicção

firme de que aquilo que construímos ao longo da nossa vida vai perdurar para

além de nós, isto é, vai ter um futuro mais longo e vasto que do que o ego de

qualquer um de nós. A esta transcendência do ego se refere de uma forma

belíssima o nosso poeta maior Luís de Camões na segunda estrofe do canto

primeiro de Os Lusíadas “E aqueles que por obras valerosas/Se vão da lei da

Morte libertando”. Provavelmente as obras valorosas a que se refere o poeta não

estarão ao alcance de qualquer um, nem seriam hoje as mais adequadas, contudo,

existem muitas outras vias que podemos seguir para conseguir transcendência do

nosso ego. Podemos por exemplo gerar e criar filhos, realizar contribuições

significativas para a ciência e cultura, plantar uma árvore, ensinar ou muito

simplesmente cultivar boas amizades. Tudo isto são boas vias através das quais os

seres humanos podem alcançar um significado profundo para a sua existência que

naturalmente vai perdurar para além da duração estrita da sua vida neste mundo.

É talvez importante esclarecer que este tipo de adaptação à ideia da nossa

finitude física não representa de todo uma resignação passiva ou uma negação do

nosso ego. Implica e requer, pelo contrário, uma atitude activa e profunda no

sentido de tornar a vida mais segura, mais significativa e, eventualmente mais

feliz, para as pessoas que vão continuar a viver depois de nós morrermos. Sendo

a morte o único acontecimento absolutamente certo para todas as pessoas, este

tipo de adaptação é certamente a conquista mais crucial dos últimos anos da nossa

vida. O sucesso nesta tarefa de desenvolvimento pode ser avaliado tanto em

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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termos do estado interior do indivíduo de serenidade ou desespero como em

termos do impacto construtivo ou perturbador que o idoso tem nas pessoas à sua

volta. Parece ser razoável supor que podemos encontrar provas concretas dos

efeitos destrutivos causados por uma tentativa desesperada e egoísta de nos

agarrarmos à nossa identidade privada e egocêntrica, o que acaba muitas vezes

por ser feito às custas do bem-estar e felicidade daqueles que nos rodeiam. O

idoso bem-sucedido nesta etapa final será aquele que assume o propósito de

alcançar a transcendência do seu ego através do perpetuar da cultura que, mais

do que tudo, é aquilo que distingue o ser humano dos outros seres vivos. Essa

pessoa fará tudo ao seu alcance para deixar um mundo melhor para os seus

descendentes tanto biológicos como culturais.

O MODELO INTEGRATIVO E MULTICAUSAL DO DESENVOLVIMENTO HUMANO DE

PAUL BALTES

Pressupostos básicos

O modelo agora designado como Modelo Integrativo e Multicausal foi proposto

por Paul B. BALTES e alguns dos seus colaboradores.

Ilustração 5 - Paul B. Baltes (1939-2006)

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Este modelo assenta num conjunto de pressupostos básicos:

1. Em primeiro lugar, os processos de desenvolvimento podem ter início em

qualquer momento do Ciclo de Vida e por isso podem diferir entre si no

que respeita à duração, impacto e finalização. Logo, nem todos os

processos de desenvolvimento têm início com o nascimento do indivíduo,

ou na infância, ou mesmo na juventude – alguns começam mesmo na

terceira idade.

2. Em segundo lugar, nem todos os processos de desenvolvimento seguem

uma linha recta sendo que alguns podem mesmo seguir uma trajectória

curvilínea, isto é, podem ser importantes em fases iniciais e terminais do

ciclo de vida e não serem importantes na fase intermédia. Por exemplo,

temos potencialmente mais tempo livre para dedicarmos a actividades de

lazer na infância e na velhice, comparado com a idade adulta em que

temos normalmente um conjunto de responsabilidades relacionadas com

a nossa vida ocupacional e as tarefas familiares. A inversa também é

verdadeira, outros processos têm um peso mais significativo na juventude

e idade adulta do que na infância e velhice. Por exemplo, temos maior

vigor físico e capacidade atlética no período intermédio do ciclo vital do

que na infância ou velhice.

3. Em terceiro lugar, muitos processos de desenvolvimento variam no que

respeita ao seu início, duração, finalização e direccionalidade quando

perspectivados no quadro do ciclo de vida do indivíduo. Cada processo

tem início num determinado momento, vai aumentando de significado até

um nível depois estabiliza, sendo que a maior parte se mantém estável, ao

passo que outros sofrem algum declínio que normalmente não é muito

significativo se a pessoa mantiver um razoável grau de saúde.

4. Em quarto lugar, as pessoas variam consideravelmente entre si no que

respeita a padrões e ritmos de desenvolvimento e, o que é ainda mais

significativo, essas diferenças aumentam com a idade, particularmente na

idade adulta e na terceira idade.

Assim, BALTES conclui que o desenvolvimento é assíncrono e multidi-

mensional pois começa em pontos diferentes e segue rumos diversos

dependendo do aspecto ou área de desenvolvimento que está em causa. Também

é pluralista pois as influências no desenvolvimento podem tomar diversas

formas. Assim, de acordo com este modelo integrativo podem ser identificadas:

1. As influências ontogenéticas normativas ligadas à idade, que são

constituídas por determinantes biológicos e ambientais fortemente ligados

à idade cronológica;

2. As influências normativas ligadas à história, que são constituídas

pelos determinantes biológicos e ambientais associados ao contexto

histórico em que evoluem as diferentes coortes, isto é, os grupos de

pessoas nascidas num determinado momento da história. Estas influências

são normativas, tais como as ontogenéticas, na medida em que se aplicam

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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de maneira idêntica à maior parte das pessoas consideradas. Exemplos

deste tipo de influências podem se a guerra, depressão económica,

epidemias, condições de acesso à saúde, etc.;

3. Os acontecimentos significativos da vida, de natureza não

normativa, são constituídos pelos factores biológicos e ambientais que

afectam as pessoas sem que haja qualquer homogeneidade interindividual

ou, noutros termos, sem que haja qualquer regularidade em função da

idade ou em função da evolução histórica. Estes acontecimentos (ou

“crises”) podem afectar um ou mais indivíduos mas não acontecem da

mesma forma a todas as pessoas de uma determinada sociedade. Alguns

exemplos deste tipo de acontecimentos podem ser acidentes, alterações

bruscas de emprego, ficar desempregado por qualquer razão ligada ao

próprio, ganhar a lotaria, conversão religiosa, divórcio, etc..

Os impactos destes três tipos de influências interagem entre si, diferem de um

indivíduo para o outro e podem afectar de forma diferente diversos tipos de

comportamentos. Por exemplo, um acontecimento de natureza não normativa

como um acidente vai interagir com uma influência normativa ligada à história

como por exemplo as condições de acesso à saúde e de socorro e também com

uma influência ontogenética ligada à idade fazendo com que um mesmo acidente

que ocorra numa sociedade com meios de socorrer com rapidez com uma pessoa

nova, vai ter consequências diferentes daquelas que teria se ocorresse com uma

pessoa idosa numa situação em que não fosse socorrido com a necessária

brevidade. O que está aqui em causa é o conjunto de mudanças que se operam

nas capacidades adaptativas do organismo, sejam no sentido positivo ou negativo,

quer dizer, podem representar ganhos ou perdas. A interacção dinâmica entre

ganhos e perdas é, portanto, um processo adaptativo geral constituído pelos

processos de selecção, optimização e compensação, que constituem um elemento

essencial do designado “envelhecimento feliz” ou, como é designado por Paul

BALTES e outros investigadores, “envelhecimento bem-sucedido”.

Como vimos atrás, a perspectiva psicológica do Ciclo de Vida postula que o

desenvolvimento ao longo da vida compreende trajectórias de crescimento e de

ganhos (por exemplo, a aquisição da linguagem) mas, também de declínio e de

perdas (por exemplo, a diminuição da saúde na velhice), o que significa que os

recursos tanto internos como externos da pessoa são sempre limitados6. O avançar

da idade implica de forma generalizada mas não absoluta uma diminuição da

disponibilidade e da eficiência dos recursos, nomeadamente aqueles que estão

mais dependentes de factores psicofisiológicos. Isto implica que com o avançar

da idade a proporção de ganhos e perdas se torna menos positiva isto porque os

6 Em termos muito gerais, recursos podem ser definidos como características pessoais ou

ambientais que sustentam a interação de uma pessoa com seu ambiente.

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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recursos são restabelecidos com menos frequência ao mesmo tempo que são

gastos mais exaustivamente7.

Muito recentemente, nas chamadas sociedades urbanas ocidentais, a

espectativa de vida teve um incremento significativo fazendo com que as pessoas

vivam até uma idade avançada. Como as vantagens e benefícios da selecção

evolutiva tendem a diminuir com a idade, os recursos à disposição do indivíduo

tornam-se menos eficazes para desenvolver ou manter elevados níveis de

funcionamento. Para além disso, as culturas mais modernas não fornecem a

mesma riqueza de oportunidades às pessoas mais velhas que são concedidas aos

membros mais jovens da sociedade. Isto é assim, apesar do fato de que as

oportunidades culturais são especialmente necessárias aos adultos mais velhos

para compensarem o declínio de funcionamento relacionado com os factores

biológicos. Ainda, devido à redução de recursos, os adultos mais velhos podem

fazer uma menor utilização de condições ambientais favoráveis. Devido a esses

factores, o equilíbrio entre crescimento e declínio torna-se menos favorável com

o avançar da idade. Assim, na velhice, os indivíduos terão que alocar mais dos seus

recursos para a manutenção de um nível estável de funcionamento, em vez de os

aplicar nos processos de crescimento.

Todas estas condicionantes fazem surgir a necessidade que o indivíduo assuma

uma papel (pro)activo no envelhecimento bem-sucedido. A consecução deste

objectivo, contudo, levanta a questão de como poderão as pessoas idosas usar com

eficiência os recursos para promover o desenvolvimento efectivo assim como a

manutenção de um nível elevado de funcionamento tendo em conta as inevitáveis

perdas quando se aproxima a idade avançada? Uma primeira pista para

respondermos a esta questão pode ser a noção de que as pessoas não apenas

reagem às exigências ambientais, mas são também capazes de moldar o seu

ambiente de acordo com suas necessidades. Uma maneira importante de os

indivíduos desempenharem um papel activo no seu desenvolvimento passa pela

escolha e comprometimento na prossecução de determinado tipo de metas e

objectivos, como, por exemplo, querer permanecer saudável, querer aprender

mais, etc..

É óbvio que os objectivos que uma pessoa selecciona são em parte

determinados por factores socioculturais, biológicos e filogenéticos. Contudo,

quanto menor for a influência decorrente desses factores, maior será a liberdade

que uma pessoa tem para desenvolver e escolher sua metas e objectivos, assim

como os meios para os prosseguir. Se recuperarmos o conceito que vimos atrás

das influências ontogenéticas normativas ligadas à idade, verificamos que na

7 Veremos mais adiante que este processo é muito claro no que se refere à evolução do vigor físico

com a idade. Efetivamente, uma pessoa idosa pode manter o mesmo vigor que uma pessoa

jovem em termos absolutos, isto é, da capacidade de esforço num determinado momento. O

que se passa é que uma pessoa idosa tem menos resistência, quer dizer, é capaz de manter o

esforço durante menos tempo, cansando-se mais rapidamente, e precisa de mais tempo para

descansar de forma a recuperar a capacidade inicial.

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

32

velhice há menos normativas relacionadas com a idade, pois não existe um

conjunto fixo de expectativas sobre os objectivos de que uma pessoa deveria

prosseguir. Quer dizer, ao contrário das crianças pequenas de quem se espera

que vão à escola e tenham sucesso escolar, ou do jovem adulto que é pressionado

para entrar no mundo ocupacional e depois casar, ter filhos, etc., do idoso

geralmente não se espera nenhum tipo de realizações particulares. Esta relativa

maior liberdade social na velhice dá mais peso à selecção e prossecução dos

objectivos e metas enquanto processos de regulação do processo de

desenvolvimento pessoal. Por outro lado, como vimos, a velhice também é

caracterizada pela diminuição de recursos que podem limitar o grau no qual uma

pessoa é capaz de moldar o ambiente de acordo com seus objectivos. Assim, na

velhice parece particularmente crucial seleccionar de forma sábia e cuidada os

domínios de objectivos em que se o idoso vais concentrar seus provavelmente já

escassos recursos pessoais.

O Modelo SOC (Selecção, Optimização e Compensação) Como vimos, segundo BALTES o processo de adaptação assenta em três

processos fundamentais de regulação do desenvolvimento que são essenciais para

um desenvolvimento bem-sucedido, são eles, os processos de selecção,

optimização e compensação (SOC). Estes três processos deverão actuar de forma

conjugada e articulada com o objectivo de maximizar os ganhos e minimizar as

perdas associadas ao envelhecimento, promovendo assim um envelhecimento

com um bom nível de qualidade de vida.

Assim, não é surpreendente que os processos de selecção e prossecução de

metas e objectivos tenham um lugar de destaque nos modelos de envelhecimento

bem-sucedido. De acordo com o modelo SOC, o envelhecimento bem-sucedido

engloba a selecção de domínios funcionais em nos quais o idoso vai concentrar os

seus recursos, optimizando o desenvolvimento potencial (maximização de

ganhos) e compensar perdas — assegurando assim a manutenção do

funcionamento e a minimização de perdas.

O modelo SOC constitui um modelo geral de desenvolvimento que define

processos universais de regulação do desenvolvimento. Como vimos atrás, estes

processos variam fenotipicamente, dependendo dos contextos socio-históricos e

culturais assim como da área de funcionamento (por exemplo, as relações sociais,

funcionamento cognitivo, etc.), bem como do nível de análise (por exemplo, nível

societal, grupal ou individual). Partindo de uma perspectiva de teoria-acção,

quando BALTES fala de selecção, optimização e compensação está a referir-se

aos processos de configuração, prossecução e manutenção dos objectivos

pessoais.

Selecção

A selecção refere-se ao desenvolvimento, elaboração e compromisso com

determinados objectivos pessoais. Durante todo o ciclo vital, condicionantes e

oportunidades ao nível biológico, social e individual levam à definição de um

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

33

conjunto de áreas alternativas de funcionamento. O número de opções,

geralmente superior à quantidade de recursos internos e externos disponíveis

para um indivíduo, tem de ser reduzido, o que o indivíduo vai fazer seleccionando

um subconjunto dessas áreas em que concentrar a aplicação dos seus recursos.

Isto é particularmente importante na velhice, porque esta é uma fase da vida em

que, como vimos atrás, os recursos vão declinar.

O processo de selecção direcciona o desenvolvimento porque os objectivos

pessoais orientam e organizam o comportamento. Para que o processo de

selecção de objectivos possa ser bem-sucedido, os indivíduos deverão seleccionar

os seus objectivos tendo em conta duas condições fundamentais:

1. Os indivíduos deverão desenvolver e estabelecer objectivos nos domínios

para os quais existam recursos disponíveis ou tenham possibilidades de os

vir a obter;

2. Os indivíduos deverão desenvolver objectivos que satisfaçam as suas

necessidades pessoais ou respondam a algum tipo de exigências ambientais.

O modelo do SOC distingue entre dois tipos de selecção: - 1) selecção electiva e

2) selecção baseada em perdas. Ambos os aspectos da selecção diferem na sua

função. A selecção electiva refere-se à definição de metas para corresponder às

necessidades ou motivos de uma pessoa com os recursos disponíveis ou atingíveis.

A selecção electiva visa alcançar níveis mais elevados de funcionamento. Por

outro lado, A selecção baseada em perdas é uma resposta à perda de recursos

anteriormente disponíveis que são necessários para manter o funcionamento. A

selecção baseada em perdas refere-se a mudanças nas metas ou no sistema de

objectivos, tais como reorganizar a hierarquia de objectivos centrando-se nos

objectivos mais importantes ou substituindo metas que deixaram de ser

realizáveis. Isso permite ao indivíduo concentrar ou redireccionar os seus esforços

quando os recursos usados para a manutenção do funcionamento positivo ou

como um substituto para uma perda funcional (compensação) ou não estão

disponíveis ou seriam investidos em detrimento de outros objectivos mais

compensadores.

A selecção promove o envelhecimento bem-sucedido de um número de

maneiras diferentes. Sentir-se comprometido com metas contribui para a

sensação de que a vida tem um propósito. Além disso, os objectivos ajudam a

organizar o comportamento ao longo do tempo e das situações e orientam a

atenção e o comportamento. Uma das funções centrais da selecção é concentrar

a quantidade limitada de recursos disponíveis. Na idade avançada e na velhice,

quando os recursos se tornam mais escassos, a selecção torna-se ainda mais

importante. A evidência empírica mostra que seleccionar algumas esferas da vida

em que se concentrar é particularmente adaptativo para os idosos, cujos recursos

são altamente restritos.

Aspectos teóricos de base Teorias do Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

34

Optimização

Para alcançar os resultados desejados nos domínios seleccionados, o indivíduo

precisa de adquirir, aplicar e refinar os meios relevantes para isso. Os meios que

são mais adequados para alcançar determinados objectivos variam naturalmente

de acordo com o domínio do objectivo (por exemplo, família, desportos),

características pessoais (por exemplo, idade, género) e o contexto sociocultural

(por exemplo, sistemas de apoio institucional). Formas típicas de optimização são

a) o investimento de tempo e energia para a aquisição de meios relevantes para a

meta, b) a modelagem de outras pessoas bem-sucedidas e c) a prática de aptidões

relevantes para a meta.

Na velhice, a optimização continua a ser de grande importância para o

desenvolvimento bem-sucedido porque o envolvimento na prossecução de metas

de crescimento tem funções de regulação positivas. Com efeito, procurar atingir

metas orientadas para o crescimento está associado a um maior grau de

auto-eficácia e conduz a emoções positivas assim como a um maior bem-estar. Na

velhice, quando as perdas são predominantes, pode ser de particular importância

para o indivíduo manter objectivos relacionados com o crescimento para

promover o bem-estar, em vez de se concentrar principalmente sobre as perdas.

A função positiva da optimização na velhice foi confirmada empiricamente pelos

dados resultantes do estudo de envelhecimento de Berlim8. Neste estudo, os

idosos que declararam participar em processos de optimização relataram as

emoções mais positivas e maior satisfação com o envelhecimento.

Compensação

Como é que as pessoas idosas conseguem manter um funcionamento positivo

apesar das perdas e restrições relacionadas com o declínio da saúde? Foi já

abordada a selecção baseada em perdas, enquanto estratégia relevante para a

regulação das perdas. Selecção com base em perda denota a reestruturação do

nosso sistema de objectivos quando, por exemplo, desistimos de metas que se

revelam inatingíveis e desenvolvemos novos objectivos mais realistas. Contudo, o

desenvolvimento de novos objectivos e o investimento na sua optimização, pode

também esgotar os recursos naturalmente muito limitados da pessoa idosa. Para

além disso, importantes objectivos pessoais podem ser centrais para o bem-estar

8 O Estudo do Envelhecimento de Berlim (Berlin Aging Study - BASE) é uma investigação

multidisciplinar iniciada por Paul BALTES em idosos a partir dos 70 anos de idade que vivem

na antiga Berlim Ocidental. No estudo principal (1990-1993), uma amostra de 516 indivíduos

foi investigada detalhadamente em 14 sessões acerca da sua saúde física e mental, o seu

funcionamento psicológico e sua situação social e económica. A partir daí o estudo continuou

como um estudo longitudinal e os participantes sobreviventes têm sido estudados

periodicamente. O BASE é um projecto realizado com a colaboração de várias instituições de

Berlim. Foi apoiado pelo Ministério Federal dos Assuntos da Família, Idosos, Mulheres e

Juventude e pelo grupo de pesquisa interdisciplinar "Envelhecimento e Desenvolvimento

Societal" da Berlin-Brandenburg Academy of Sciences. Desde 2008, é também copatrocinado

pelo Ministério Federal de Educação e Investigação e o Center of Lifespan Psychology no

Max Planck Institute for Human Development de Berlim.

Aspectos teóricos de base Conclusão

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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de uma pessoa e não são facilmente abandonados. Neste caso, talvez seja mais

adaptativo manter um determinado objectivo adquirindo novos recursos ou

activando recursos internos ou externos não utilizados conseguindo assim meios

alternativos de prossecução de objectivos. Este processo denomina-se

compensação.

Como vimos, os meios mais adequados para manter um bom nível de funcio-

namento face às perdas ou declínio dependem do domínio de funcionamento,

quer dizer, da área da vida do sujeito onde terão de ser feitas as necessárias

adaptações. A compensação, ao contrário da optimização, destina-se a neutralizar

ou evitar perdas, em vez de procurar atingir formas positivas de funcionamento.

Mais uma vez, dados do Estudo de Envelhecimento de Berlim confirmam o efeito

positivo da compensação na velhice — a compensação aparece associada a indi-

cadores subjectivos de envelhecimento bem-sucedido (ou seja, bem-estar emoci-

onal, satisfação com o envelhecimento e satisfação com a vida).

CONCLUSÃO

A análise dos conceitos de Ciclo de Vida e de Linha de Vida permitiu estabelecer

a noção de que o desenvolvimento psicológico é um processo que atravessa toda

a vida do indivíduo, literalmente do nascimento9 até à morte. Compreendemos

que esta não é uma noção recente, mas algo perfeitamente integrado na cultura

humana desde tempos imemoriais. Por outro lado, os modelos que abordámos

fornecem algumas linhas de reflexão interessantes para a compreensão do

desenvolvimento humano numa perspectiva de ciclo de vida. Mostram a forma

como um adulto ou idoso pode diferir de pessoas em outras fases mais iniciais da

vida e também chamam a atenção para os factores que de alguma forma acabam

por ter uma influência decisiva no desenvolvimento humano. Algumas teorias

sugerem a existência de uma crise de meia-idade em que as tendências de

crescimento e expansão características das etapas anteriores dão lugar a uma

tendência para a consolidação e, eventualmente, contracção dos níveis de

participação social nos anos que se seguem. Outros modelos não associam as

mudanças mais significativas a uma idade específica.

As primeiras duas perspectivas (BÜHLER e ERIKSON) têm sido por vezes

referenciadas como sendo demasiado gerais e até certo ponto idealistas porque

não oferecem indicações concretas sobre como as diferenças culturais, de género,

de estatuto socioeconómico ou associadas a factores puramente subjectivos

interagem com o desenvolvimento em geral. Num certo sentido descrevem um

processo de desenvolvimento que conduz a um ideal de “realização pessoal” ou

“envelhecimento bem-sucedido” segundo um modelo que é característico das

pessoas de classe média das nossas sociedades urbanas ocidentais. Não levam em

conta que para muitos seres humanos no nosso planeta a realização pessoal ou

9 Na verdade o desenvolvimento psicológico começa mesmo antes do nascimento porque sabemos

hoje que o feto é capaz de realizar aprendizagens significativas baseadas na estimulação exterior.

Aspectos teóricos de base Conclusão

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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envelhecimento bem-sucedido pode depender da simples sobrevivência física ou

de proporcionar à sua descendência algumas hipóteses de sobrevivência. Para

muitas pessoas o envelhecimento significa doença, pobreza, isolamento com

poucas oportunidades para realização ou sucesso. Não nos podemos esquecer que

existe maior variação interindividual entre adultos e outros grupos etários mais

avançados do que entre pessoas de grupos etários mais jovens.

O modelo integrativo e multicausal de BALTES e colaboradores apesar de

fornecer um enquadramento para analisar o efeito da influência dos factores

biológicos, socioculturais, psicológicos e ambientais no desenvolvimento não vai

muito mais além do que apontar linhas de investigação que permitam examinar

mais em detalhe o efeito específico de cada um desses factores.

Problemática Psicossocial da Idade Adulta Aspectos Gerais

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

37

Problemática Psicossocial da Idade Adulta

ASPECTOS GERAIS

té muito recentemente o campo da psicologia do adulto, ou melhor

dizendo, da psicologia do desenvolvimento do adulto, era um campo

praticamente inexplorado. A emergência de uma psicologia da criança,

entendida numa óptica de psicologia do desenvolvimento, implicou, por oposição,

que todos os outros campos fossem, de forma implícita, definidos como psicologia

do adulto. Isto é, entendia-se que o comportamento do adulto se mantinha de

certa forma estável ao longo do tempo, definindo assim a personalidade do

sujeito.

Ora, na nossa perspectiva, o conceito de adulto não é propriamente um

conceito, é uma palavra que não coincide com uma realidade psicológica perfei-

tamente identificável. Em termos biológicos a palavra adulto10

designa o fim do

crescimento, contudo, esta definição, que pode ser relativamente simples no

campo da biologia, não o é no campo da psicologia. Como vimos no capítulo

anterior em que estudámos o conceito e teorias do ciclo de vida, do ponto de vista

cognitivo-emocional tanto a nossa experiência pessoal como o corpo de investiga-

ção psicológica mostra que é mais correcto pensar que o ser humano se constrói,

se transforma, evolui, se enriquece até à morte. Esta ideia mostra que, do ponto

de vista psicológico, não é possível definir um estado de acabamento, de maturi-

dade sendo necessário fazer uma psicologia genética até à morte. Contudo os

trabalhos de investigação sobre a psicologia do adulto são ainda hoje uma minoria

apesar de verificar um interesse crescente pelos estudos nessa área.

Iniciaremos a abordagem da psicologia do adulto com uma definição dos

conceitos gerais e apresentação de alguma informação básica nesta área.

TRABALHO E CICLO DE VIDA

TRABALHO E QUALIDADE DE VIDA

A relação do trabalho com o ciclo vital, nomeadamente no que se refere à forma

como ele influencia a qualidade das nossas vidas, opera a partir de duas grandes

categorias de factores: — factores intrínsecos e factores extrínsecos

(SCHULZ & EWEN, 1993, p. 276)).

10 A expressão latina adultus est refere-se ao estado do organismo que deixou de crescer, tendo

adquirido a sua forma final.

A

Problemática Psicossocial da Idade Adulta Trabalho e Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

38

Os factores intrínsecos operam de forma directa e de alguma forma envolvem

a relação específica que temos com aquilo que nos acontece no próprio contexto

profissional. Pode ter a ver, por exemplo, com a nossa satisfação ou insatisfação

com aquilo que fazemos no nosso local de trabalho. Os factores extrínsecos

operam de forma indirecta e normalmente afectam outras áreas da nossa vida

como sejam a nossa vida pessoal e familiar. Efectivamente o trabalho em si pode

representar para nós uma actividade absorvente que contribui para a nossa reali-

zação pessoal ou, pelo contrário, envolver tarefas perfeitamente rotineiras e

monótonas, não apresentando qualquer oportunidade de desenvolvimento

pessoal ou profissional. Outro aspecto em que a ocupação está intrinsecamente

relacionada com a nossa qualidade de vida de um ponto de vista pessoal é a forma

como o facto de exercer uma profissão contribui para a definição da nossa identi-

dade social e permite dar expressão ao nosso sentido de generatividade. Mais

adiante, abordaremos estes aspectos de forma mais desenvolvida.

De uma forma indirecta e extrínseca o trabalho afecta a nossa qualidade de

vida na medida em que permite, ou não, o acesso a uma boa habitação, alimenta-

ção vestuário, educação dos filhos e actividades de lazer. Factores extrínsecos

associados à ocupação podem igualmente afectar a nossa qualidade de vida na

medida em que condicionam a relação com outros elementos do nosso espaço

vital como sejam a nossa família, os nossos amigos, etc.. Mais adiante veremos

mais em pormenor este aspecto.

Esta distinção entre factores intrínsecos e extrínsecos parece-nos interessante

na medida em que existem pessoas que dão mais valor aos factores intrínsecos

enquanto que outras valorizam mais os aspectos extrínsecos.

IDENTIDADE E GENERATIVIDADE

Como já vimos, especialmente para os homens, mas também cada vez mais para

a s mulheres, a área ocupacional implica um enorme investimento em termos de

tempo, energia e empenhamento pessoal. Normalmente o início deste período

de intenso envolvimento marca a resolução da questão da identidade segundo o

modelo de desenvolvimento psicossocial de ERIKSON. É assim porque a escolha

e entrada numa profissão é ela própria em certa medida determinada pelo nosso

sentido de identidade. Depois, a realização satisfatória e bem-sucedida de uma

carreira profissional acaba por reafirmar e reforçar esse sentimento de identidade

individual ao mesmo tempo que proporciona um reconhecimento social dessa

mesma identidade.

Aquilo que fazemos na área ocupacional acaba por ser um aspecto importante

da nossa identidade social, rivalizando em importância com outros elementos

como o nosso nome, género, cidadania, etc.. É óbvio que esta ligação entre o

trabalho e a nossa identidade é mais clara em profissões do género “Sou advo-

gado” ou “Sou médico” ou ainda “Sou professor universitário”, contudo, sempre

que alguém está integrado numa carreira profissional, esse facto acaba sempre

Problemática Psicossocial da Idade Adulta Trabalho e Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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por se reflectir nas atitudes, valores e até opções políticas. Não custa admitir que

se fizéssemos um estudo de opinião poderíamos encontrar mais pessoas com

posições conservadoras entre elementos da polícia e oficiais das forças armadas

do que entre professores ou operários fabris.

A distribuição das pessoas pelas várias áreas ocupacionais está também relaci-

onada com factores como classe social e educação, isto porque normalmente as

profissões de estatuto mais elevado exigem elevados níveis de instrução e, como

se sabe, o nível de instrução está directamente relacionado com classe social.

Ainda outro aspecto a considerar é que, segundo a teoria de ERIKSON, a

actividade ocupacional é um factor importante de generatividade porque é uma

das vias através da qual cada um de nós pode deixar a sua marca neste mundo.

Mais uma vez, esta relação entre ocupação e generatividade varia de acordo com

a profissão em causa. Esta ligação é mais óbvia em profissões criativas no domínio

das artes, ciência ou literatura do que em actividades mais rotineiras e

indiferenciadas.

OCUPAÇÃO E FAMÍLIA

A interacção entre a família e trabalho pode ser vista como um sistema de factores

mutuamente actuantes que podem agravar ou compensar problemas e dificulda-

des em ambos os contextos. Quer dizer, um emprego frustrante vivido num

contexto despersonalizante que não oferece qualquer oportunidade para a reali-

zação pessoal nem fornece nenhum sentido de utilidade muitas vezes vai realçar

o papel da família enquanto fonte de satisfação e sentimento de valor individual.

A família funciona neste caso como o lugar de satisfação e realização pessoal que

a pessoa não encontra no seu local de trabalho. Pode também acontecer que as

tensões que resultam de a pessoa transferir as suas frustrações do trabalho para a

família, introduzam uma perturbação familiar que acaba por amplificar os

problemas laborais que passam a ser experimentados não somente pela pessoa,

mas também pela sua família. Assim, se a família for demasiado solicitada a

compensar as frustrações ocupacionais isso pode gerar um efeito bola de neve

gerando uma crise familiar que por sua vez se reflecte no trabalho.

Por outro lado, problemas ao nível familiar como por exemplo uma relação

conjugal insatisfatória podem fazer com que o trabalho se torne a única fonte de

satisfação e gratificação, funcionando como uma espécie de escape das frustra-

ções da vida familiar. No concreto isto pode levar a pessoa a arranjar um segundo

emprego ou a dedicar mais tempo ao emprego existente.

Pode também acontecer que a família e a o mundo ocupacional entrem numa

forma de competição no que respeita às exigências que colocam à atenção e

disponibilidade da pessoa. Por exemplo uma pessoa com uma carreira exigente e

absorvente pode ter que sacrificar parte da sua vida familiar para alcançar metas

profissionais, como por exemplo, obter uma promoção.

Problemática Psicossocial da Idade Adulta Trabalho e Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Podemos assim verificar que existem muitas inter-influências entre família e

trabalho – algumas são óbvias e facilmente reconhecíveis enquanto que outras são

mais subtis e só perceptíveis após uma análise atenta. HOFFMAN (1986) fez uma

revisão da investigação sobre os efeitos do trabalho na família e chegou à definição

de 10 processos gerais através dos quais o mundo do trabalho afecta a vida

familiar.

1. Os recursos materiais que resultam do rendimento do trabalho afectam a

família de variadas formas. Por exemplo, a forma como as crianças são

educadas depende da adequação do alojamento familiar, da disponibili-

dade de electrodomésticos que reduzem o tempo gasto nas tarefas fami-

liares e da vulnerabilidade económica. Por exemplo. A forma como se

pune uma criança por partir ou estragar qualquer coisa em casa pode ser

um sinal mais significativo da realidade económica da família do que da

personalidade dos pais.

2. O autoconceito e a posição do trabalhador na família assim como a posição

da família na comunidade são afectados pelo estatuto ocupacional dos seus

membros. Isto vê-se, por exemplo, na escola onde a investigação mostra

que a forma como os professores se relacionam com os alunos depende da

sua origem familiar. Esta questão do estatuto, contudo, não tem

unicamente a ver com o nível de rendimento, mas, também com o tipo de

trabalho e ainda o tipo de relação contratual – normalmente um

trabalhador independente é mais valorizado que um trabalhador por conta

de outrem e dentro destes um emprego seguro tem mais peso que uma

situação precária.

3. Muitas vezes o comportamento ocupacional pode aparecer reflectido em

casa – exemplos típicos disto são os professores que parecem dar aulas aos

seus filhos e oficiais do exército que impõem em sua casa uma disciplina

militar. Contudo não está claro se este processo é unicamente reflexo da

influência do trabalho ou se haverá aqui também a influência de factores

de personalidade que levam as pessoas a escolherem determinadas áreas

ocupacionais.

4. As experiências ocupacionais influenciam os padrões educativos. Um

conjunto de estudos realizados por KOHN e colaboradores (1982, cit. in

KIMMEL, 1990, p. 281) mostram que a forma como os pais castigam os

filhos está relacionada com a classe social. Da mesma forma, os valores são

passados aos filhos (por exemplo, autodeterminação e independência vs.

obediência e conformismo) reflectem as expectativas e experiências dos

pais no seu local de trabalho.

5. A personalidade do trabalhador é afectada pelas suas experiências profis-

sionais e naturalmente as alterações a nível de personalidade acabam por

afectar a vida familiar assim como os estilos de educação das crianças. Por

exemplos, quando um membro da família trabalha num contexto profissio-

nal onde é chamado a tomar decisões, a resolver problemas e de forma

Problemática Psicossocial da Idade Adulta Trabalho e Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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geral a participar na vida nos vários aspectos da vida profissional isso vai

melhorar a sua capacidade para ouvir os outros, aumentar as suas

competências sociais e assim de forma geral promover a comunicação

como forma de resolver os problemas familiares.

6. Os padrões de exercício da autoridade na área ocupacional são muitas

vezes replicados nas relações familiares mas especificamente na interac-

ção dos pais com a criança. Este factor, como já vimos no ponto anterior,

está associado a outro tipo de factores como o nível de instrução e os

rendimentos do trabalhador.

7. O efeito do ambiente laboral no humor e disposição do trabalhador pode

ser transferido para o ambiente familiar. Esta é uma noção relativamente

intuitiva mas naturalmente algo difícil de investigar.

8. Os mundos da família e do trabalho podem complementar-se um ao outro

enquanto fonte de satisfação para um conjunto variado de necessidades

pessoais. Por exemplo um adulto pode investir muita energia e entusiasmo

às tarefas da paternidade, porque cuidar da sua prole pode satisfazer as

suas necessidades de interacção calorosa, carinho, alegria, de uma forma

que o trabalho não pode satisfazer. As interacções familiares podem ter

até um efeito reparador das frustrações e problemas laborais.

Ilustração 6 - A interacção familiar pode ser uma fonte de satisfação emocional para o adulto.

9. A relação entre a vida familiar e o tempo gasto no trabalho não é, ao

contrário do que algumas noções do senso comum poderiam levar a

pensar, nem simples nem directa. Sendo verdade que se o tempo gasto no

trabalho for excessivo isso pode ter implicações na qualidade da vida

familiar, contudo o facto de se ter todo o tempo para a família resultante

de uma situação de desemprego pode ser igualmente uma fonte de

estresse. Depois, a questão do tempo para o trabalho versus tempo para a

família, não é somente uma questão de quantidade, mas também de

qualidade. Por um lado um trabalhador pode gastar muito tempo no

trabalho, mas se tiver um trabalho gratificante tanto do ponto de vista

pessoal como material, o tempo que resta para a família pode ser vivido

Problemática Psicossocial da Idade Adulta Trabalho e Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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com qualidade sendo melhor aproveitado do que numa situação em que o

trabalhador tem bastante tempo para a sua família, mas ao mesmo tempo

tem tantos problemas e dificuldades no trabalho que isso acaba por

transbordar para a vida familiar. Por outro lado, passar 10 ou até 12 horas

fora de casa pode ser menos problemático do ponto de vista da vida

familiar se isso acontecer durante o dia, do que passar 8 horas fora de casa,

se isso corresponder a um horário nocturno.

10. Tanto as exigências da vida familiar como as exigências da vida laboral

podem ser uma fonte de estresse que acaba por ter um efeito prejudicial

nas relações familiares. A investigação mostra que os rapazes tendem a ser

mais vulneráveis ao estresse dos pais do que as raparigas.

Naturalmente, cada um destes pontos necessita de ser melhor investigado espe-

cialmente para identificar quais os processos específicos envolvidos, por exemplo,

nas reacções emocionais relacionadas com o trabalho, ou se dependem de outro

tipo de influência, como factores de personalidade.

CICLO OCUPACIONAL

O conceito de ciclo ocupacional deriva da análise da profissão numa perspectiva

desenvolvimentista, o que, significa ter em atenção a sua progressão ao longo do

tempo, reconhecer a existência de períodos críticos em que podem ser seguidas

várias vias. Obviamente, a existência de um ciclo ocupacional é mais facilmente

perceptível em carreiras que seguem um padrão ordenado tipo progressão por

etapas e categorias bem definidas. Contudo, muitas outras pessoas não possam

durante a sua vida ocupacional por uma sequência tão ordenada e progressiva.

Esta é uma tendência que tende a aumentar com a crescente precariedade das

situações laborais que faz com que um cada vez maior número de pessoas mude

de local de trabalho várias vezes durante a sua vida e até de área de actividade.

Assim, apesar de um ciclo ocupacional comportar dois momentos fundamen-

tais que são um momento inicial de entrada na profissão ou carreira e um

momento terminal de saída, normalmente com a passagem à reforma, a forma

como cada pessoa faz esse percurso pode seguir diversas vias entre estes dois

pontos. Dado que a reforma é um marco fundamental neste percurso, este

aspecto será abordado mais em detalhe num capítulo à parte. Já de seguida será

dedicada particular atenção a fase que marca a entrada no mundo ocupacional

assim como alguns factores envolvidos na escolha ocupacional. Serão igualmente

analisadas algumas variações nos padrões de desenvolvimento do ciclo ocupacio-

nal assim como o conceito de “relógio da carreira”.

Escolha ocupacional Há dois aspectos fundamentais a ter em conta no que diz respeito à escolha

ocupacional. Em primeiro lugar trata-se de um processo, isto é, algo que acontece

ao longo de um determinado período de tempo seguindo um conjunto de fases e

Problemática Psicossocial da Idade Adulta Trabalho e Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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etapas e que geralmente começa muito antes da opção efectiva. Quer dizer,

apesar de intuitivamente termos muitas vezes a noção de que optámos por um

curso ou uma profissão num momento determinado, na verdade a conjugação de

factores que nos levou a fazer essa opção começou a desenhar-se algum tempo

atrás, eventualmente mesmo antes de termos nascido. Em segundo lugar, é

importante ter a noção de que a escolha ocupacional é mais do que uma simples

questão de escolha de um curso ou de um emprego, mas envolve todo um

processo através do qual uma pessoa se enquadra num corpo profissional. Quer

dizer, a pessoa e a profissão encontram-se a partir da escolha ocupacional reali-

zada pelo indivíduo com vista à satisfação das suas necessidades pessoais e sociais

assim como através de um processo de aculturação e socialização desencadeado

pelos novos papéis e expectativas ocupacionais.

Efectivamente uma parte significativa do processo de socialização na infância

e adolescência tem como finalidade preparar o indivíduo para os eventuais

condicionalismos associados aos papéis ocupacionais. Alguma investigação reali-

zada nesta área mostra como a escola é um poderoso factor de condicionamento

das escolhas ocupacionais através dos processos de tipificação dos alunos através

de processos de estereotipização e rotulação dos alunos pelos professores através

daquilo que ficou conhecido como Efeito Pigmaleão. Este processo está muitas

vezes associado a formas de discriminação assentes na origem étnica, socioeconó-

mica, cultural, etc..

Assim, na verdade o processo de escolha ocupacional começa muitos anos

antes da entrada num determinado curso ou profissão e os factores condicionan-

tes dessa escolha começam a actuar muito antes da escolha efectiva. Podem ser

factores de background, (que reflectem os efeitos de uma socialização precoce),

de modelos identificatórios, experiência pessoal, interesses, personalidade e

eventuais pesquisas que a pessoa realizou acerca das várias profissões. Analisare-

mos em seguida, com mais pormenor, cada um destes factores condicionantes.

Factores de background

Os factores de background incluem aspectos tais como o estatuto socioeconó-

mico, origem étnica, inteligência, género, raça, etc. Este conjunto de factores

opera de forma complexa e muitas vezes de forma não muito explícita para

condicionar o leque de opções ocupacionais que se colocam a um indivíduo.

Significa isso que muitas vezes as pessoas conseguem através das suas opções

pessoais ultrapassar os condicionalismos que à partida lhe são colocados pelo seu

backgroung. É assim que vemos um aluno oriundo de uma família de fracos

recursos e progenitores pouco instruídos, por ser inteligente e motivado, ir para

a universidade e seguir uma carreira notável de nível superior. Isto é verdade,

mas também é verdade que se fizermos uma análise do backgroung de médicos,

juízes, engenheiros, vamos encontrar diferenças significativas de background

relativamente ao verificado em outras profissões como operários da construção

civil, pescadores, condutores de táxi.

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Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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De forma geral estes factores actuam da mesma forma que os factores que

condicionam a forma como um parceiro conjugal, isto é, delimitam o campo e o

âmbito dentro do qual fazemos a nossa busca por uma ocupação (ou um/a

namorada/o), assim como as experiências que nos são proporcionadas no quadro

dessa busca.

Para além disso, dado que muitas profissões exigem uma preparação e instru-

ção especializada, só estão naturalmente ao alcance das pessoas que possuem essa

preparação, por isso a opção que se coloca a muitos jovens num determinado

momento da sua vida, nomeadamente no final do ensino básico e secundário é

tentar arranjar um emprego com a qualificação que já possui ou continuar a

estudar. Ora, existem estudos que mostram que a forma como se faz esta opção é

profundamente condicionada pelos factores de background.

Modelos identificatórios

Muitas vezes acontece que escolhemos uma ocupação tendo como base a identi-

ficação com alguém dessa profissão. Normalmente trata-se de alguém que

respeitamos e admiramos e de alguma forma tentamos emular. Pode dar-se o caso

de ser alguém da nossa família frequentemente os nossos progenitores, dando

assim origem às conhecidas “famílias de militares”, “famílias de médicos”, famílias

de professores” etc., mas também pode acontecer tratar-se de alguém que não

partilha do nosso background, mas com quem contactamos enquanto “clientes”

dos seus serviços, como por exemplo professores ou educadores11

.

Experiência

Uma pessoa pode também escolher uma profissão com base em factores ligados

à sua experiência pessoal. Como já vimos, essa experiência pode consistir numa

experiência relativamente comum como por exemplo alguém que resolve seguir

uma carreira artística na área da música pelo facto de os seus pais serem músicos

e a música estar sempre presente no seu ambiente familiar, mas pode também

ser uma experiência ocasional como acontece quando uma jovem decide estudar

para ser educadora de infância como resultado de ter trabalhado como auxiliar

num Jardim de Infância durante as suas férias escolares.

11 Um aspecto particular da minha experiência enquanto professor em cursos de educação

confirma esta noção. Quando nas aulas de apresentação perguntava aos alunos, na verdade,

quase sempre alunas, o que as tinha levado a quererem ser professoras ou educadoras, muitas

delas referiam terem sido influenciadas por professoras e educadoras que elas próprias tinham

tido quando crianças.

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Ilustração 7 - O trabalho temporário num Jardim de Infância pode levar uma jovem a querer ser educadora de infância.

Convém mais uma vez realçar que este tipo de influências não opera de forma

directa nem linear pois de forma geral vão interagir com outro tipo de factores

como por exemplo os interesses individuais.

Interesses

Não é difícil de compreender que os interesses, preferências, valores, etc., de um

indivíduo jogam um papel essencial na escolha de uma área ocupacional, pelo

menos na medida em que essa opção está acessível ao sujeito. Essa acessibilidade

pode estar dependente de factores pessoais, por exemplo o jovem pode querer

ser médico, mas não possui média suficiente para entrar numa faculdade de

medicina, ou até de factores circunstanciais, como por exemplo, um jovem em

Portugal pode querer ser astronauta, mas, naturalmente vai ter algumas dificul-

dades porque o nosso país não participa em nenhum programa de voos espaciais

tripulados.

Outro aspecto importante é o facto de os interesses poderem ser definidos a

vários níveis, desde um nível mais geral e abstracto como “Estou interessado em

trabalhar com pessoas”, até um nível intermédio do género “Estou interessado

em ajudar as pessoas”, até um nível mais concreto do género “Estou interessado

em ser educador social”. Quanto mais gerais forem os interesses da pessoa maior

é o âmbito de opções em termos ocupacionais que cabem dentro dos seus

interesses.

De forma geral os interesses, valores e preferências das pessoas de alguma

forma reflectem o efeito de outros factores que já estudámos, como por exemplo

o background, os modelos identificatórios, as experiências individuais, assim

como as conquistas já alcançadas pela pessoa, os seus talentos capacidades, assim

como a sua noção de identidade pessoal expressa na resposta a questões do tipo

“Quem sou eu?”, “O que quero fazer com a minha vida?”.

Este aspecto dos interesses é muito importante porque a investigação nesta

área tem sistematicamente mostrado que são os interesses, mais do que as

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aptidões que vão determinar o sucesso e satisfação que uma pessoa vai ter na vida

ocupacional.

Personalidade

Para além dos interesses, a opção por uma área ocupacional muitas vezes reflecte

a adequação entre a pessoa e a função. Partindo desta noção, um conjunto de

estudos procurou identificar as características de personalidade de adultos em

várias profissões de forma a especificar a forma como os factores de personalidade

se encaixam nos padrões de atributos e papéis envolvidos nas várias profissões.

Esta necessidade de especificação é importante porque todos nós temos a

noção mais ou menos intuitiva que existem personalidades mais ou menos

adequadas a determinadas profissões. Por exemplo, não acharíamos normal que

uma pessoa que gosta de movimento, aventura, ar livre se orientasse para uma

profissão de contabilista. É importante por isso perceber esta relação de uma

forma mais sistematizada.

Um dos modelos mais conhecidos e que tem sido largamente utilizado em

contextos de orientação profissional é conhecido pela designação de Categorias

de HOLLAND12

por ter sido proposto pelo psicólogo americano John

HOLLAND em 1973. HOLLAND chegou à definição de seis categorias ou códi-

gos que podem servir tanto para caracterizar tipos de personalidade como

ambientes de trabalho. Este sistema ficou conhecido pelo modelo RIASEC

(Holland, 1997, pp. 21-27) sendo este acrónimo resultante das iniciais de cada

categoria:

Realista: - Conformista, dogmático, genuíno, inflexível, materialista,

persistente, actividade prática orientada para o uso de ferramentas,

realista, reservados;

Investigativo: - Actividade analítica, cauteloso, complexo, crítica,

independente, intelectual, rigoroso, racional, reservado, despretensioso;

Artístico: - Complicado, desordenado, emocional, expressivo, imagina-

tivo, impulsivo, intuitivo, não-conformista, aberto, sensível;

Social: - Agradável, cooperactiva, amigável, útil, idealista, gentil, paciente,

responsável, sociável, compreensivo;

Empreendedor: - Aventureiro, ambicioso, assertivo, dominador, enér-

gico, busca de emoção, enérgico, otimista, engenhoso, confiante;

Convencional: - Cuidadoso, conformista, consciente, dogmático, efi-

ciente, metódico, obediente, persistente, actividade bem estruturada e

repetitiva.

Naturalmente, ninguém se ajusta perfeita e unicamente a um destes tipos de

personalidade, sendo que a personalidade real de uma pessoa envolve algum tipo

de combinação entre os vários tipos. O que se procura é saber qual é o elemento

12 Para uma análise mais detalhada do modelo de Holland, consultar o anexo II.

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que tem maior peso na definição da maneira de ser de cada um e que vai condi-

cionar de forma decisiva a sua opção vocacional. Por exemplo, um educador social

pode combinar os tipos Social, Empreendedor e Investigativo (SEI), enquanto

que um professor do ensino superior pode combinar os tipos Social, Investigativo

e Artístico (SAI).

Naturalmente a adequação da personalidade a uma actividade ocupacional

pode ser descrita a partir de outro tipo de questões como por exemplo “Prefere

trabalhar com pessoas, com ideias ou com coisas?”; “Prefere trabalhar sozinho ou

em conjunto com outras pessoas?”; “Prefere trabalhar ao ar livre ou em ambientes

confinados?”, etc.. Estas dimensões assim como outro tipo de tropismos fornecem

pistas importantes em termos de compreendermos o papel que a personalidade

joga na escolha ocupacional.

Pesquisa sobre ocupações

Nos últimos anos temos assistido a uma consciencialização crescente da impor-

tância de se fazer uma escolha ocupacional consciente e informada para uma vida

profissional satisfatória e bem-sucedida. Essa consciência levou à introdução de

psicólogos nas escolas que trabalham com os alunos em orientação escolar e

profissional. Um das estratégias utilizadas é ensinar os alunos a procurarem

conhecer o mundo das profissões. Esse conhecimento pode passar pela leitura de

material informativo sobre as funções e actividades envolvidas em cada profissão,

visitas a locais de trabalho tais como escritórios, fábricas, escolas, hospitais, etc.,

entrevistas a profissionais, etc.. Falar com profissionais é particularmente interes-

sante porque proporciona um conhecimento de experiência feito, e em primeira

mão da realidade de uma determinada profissão.

Outra estratégia pode ser realizar actividades de voluntariado em vários

contextos profissionais o que, mais uma vez, vai permitir construir um conheci-

mento mais concreto, contextualizado e realista de uma profissão.

Entrada na profissão Um dos primeiros aspectos que é importante salientar no que respeita à entrada

na profissão é a de que se trata de um momento crucial na vida de um adulto,

mais concretamente na vida de um jovem adulto se bem que nas sociedades

modernas a entrada na profissão se verifique normalmente já muito para além

dos 20 anos de idade13

. Trata-se de um momento crucial essencialmente devido

a dois aspectos essenciais: - Por um lado, marca a transição para a vida adulta,

envolvendo necessariamente uma mudança de papel; por outro, implica altera-

13 Mais recentemente, à necessidade de formação juntou-se a falta de empregos o que tem feito

com que o momento de entrada na profissão tenha vindo a ser ainda mais protelado no tempo.

Esta situação tem levado a vários movimentos de protesto de jovens em vários países. Em

Portugal esse movimento ficou conhecido pela designação de “Geração à Rasca” numa alusão a

algumas referências depreciativas face à juventude atual, algumas vezes designada por “Geração

Rasca”.

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ções ao nível do self. No que respeita ao primeiro aspecto, a relação entre activi-

dade profissional/emprego e vida adulta, parece óbvio o estatuto de adulto assenta

fundamentalmente na autodeterminação e independência, sendo que essa inde-

pendência só é completa quando o indivíduo possui uma fonte de rendimentos

própria o que lhe é proporcionado pelo exercício de uma profissão. No que

respeita às alterações a nível do self, elas estão relacionadas com a mudança de

estatuto. O indivíduo passa a percepcionar-se como adulto e essa autopercepção

faz com que adopte um conjunto de comportamentos e faça opções consonantes

com essa percepção, como, por exemplo, casar, adquirir uma casa, etc..

Um segundo aspecto a considerar é o facto de o exercício de uma profissão

implicar a aquisição de competências que tradicionalmente eram adquiridas no

próprio local de trabalho. Normalmente o jovem aspirante a carpinteiro, alfaiate,

tipógrafo entrava como aprendiz para uma oficina e aí ia aprendendo, normal-

mente seguindo um plano bem definido, com os seus futuros colegas, tudo o que

precisava de saber para se tornar um verdadeiro profissional. Isto acontecia

quando as profissões predominantes envolviam saberes e competências obtidas

ao longo dos anos pela experiência de profissionais qualificados. Os conhecimen-

tos que iam para além dessas competências específicas (leitura, escrita, cálculo)

eram fornecidos pela escolaridade básica.

Actualmente, a maior parte das profissões, especialmente quando envolvem a

operação de equipamentos sofisticados, exigem conhecimentos de natureza

técnica e teórica que não são fornecidos pela escolaridade básica nem podem ser

adquiridos no local de trabalho. Isso levou ao aparecimento da noção de formação

profissional que é normalmente realizada através de cursos especializados em

escolas ou instituições formativas distintas dos locais de trabalho. Naturalmente

que esses cursos são muitas vezes seguidos de períodos de ensino prático em

estágios no local de trabalho. Contudo, o aspecto para o qual se pretende chamar

a atenção é para o facto de que este momento prévio de formação profissional

funciona como uma espécie de socialização antecipatória para aqueles que se vão

dedicar a uma determinada área ocupacional. Este processo de socialização ante-

cipatória vai permitir ao formando ter uma primeira noção das exigências, expec-

tativas e recompensas associadas a uma determinada ocupação.

Posteriormente, quando da entrada efectiva em funções, o jovem trabalhador

vai ser confrontado com uma tarefa psicológica importante que consiste em

comparar e ajustar as expectativas criadas durante o processo de socialização

antecipatória com a realidade profissional. Nesse momento pode gerar-se um

conflito entre o eventual idealismo das expectativas iniciais e a realidade efectiva

dando assim início a um processo de ressocialização que normalmente é feito com

a ajuda dos colegas de trabalho. Esse processo de ressocialização vai também

implicar uma redefinição da identidade pessoal nomeadamente através da incor-

poração da identidade profissional na identidade pessoal.

Como sabemos, até em termos legais, a identidade profissional, isto é, a nossa

profissão, é um dos elementos fundamentais da nossa própria identidade. Neste

caso o indivíduo deixa de se definir enquanto “estudante” e passa a definir-se

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enquanto, “professor”, médico”, “advogado”, “engenheiro” etc. Esta redefinição

da identidade passa também pela comparação das expectativas acerca de si

próprio e o seu comportamento e papel profissional, quer dizer, o indivíduo vai

finalmente poder verificar se a noção que tinha das suas capacidades, valores,

interesses são os mais adequados para a profissão que está a exercer. Considere a

título de exemplo o caso (imaginário) de um estudante de Educação Social que

começa a trabalhar numa instituição para a terceira idade e se depara com o seu

primeiro grupo de idosos. Provavelmente é a primeira vez que entra numa insti-

tuição deste género; precisa de definir a situação assim como o seu papel naquele

contexto. Normalmente os modelos identificatórios e o próprio processo de

ressocialização através de outros elementos do staff ajudam-no a lidar com a

situação nas primeiras semanas de trabalho, mas esta tarefa pode complicar-se se

não tiver nenhum colega com quem partilhar as suas experiências. Mesmo assim,

durante os primeiros meses este educador social pode chegar à conclusão que as

suas competências, os modelos de intervenção que aprendeu durante o curso e

os recursos à sua disposição na instituição estão longe de ser o ideal. Pode

começar a sentir que não vai conseguir ajudar as pessoas da forma como a sua

formação o tinham levado a acreditar. Assim, se bem que parte do idealismo

inicial possa persistir este nosso técnico de educação social imaginário vai ter que

reajustar as suas expectativas iniciais às exigências e aos condicionalismos do seu

contexto de trabalho concreto. Várias reacções são possíveis… pode ficar

frustrado e amargurado consigo próprio, pode tornar-se mais “radical” e trabalhar

para tentar alterar a situação, ou pode decidir tentar ser o melhor educador social

possível e fazer o seu trabalho da forma mais competente e inovadora possível.

Pode também, em último caso, tentar encontrar um trabalho mais fácil e mais

bem pago. Da mesma forma, um polícia, um contabilista, um empregado fabril

são ressocializados pelas condições concretas do seu novo contexto laboral,

passando por um período de “ajustamento” e eventual perturbação emocional

durante as primeiras semanas e meses de trabalho.

Podemos assim concluir que este momento da entrada ocupacional é um ponto

crucial na vida de um indivíduo não somente porque marca a transição para a vida

adulta e uma mudança de papéis, mas também porque envolve uma alteração

significativa no self e a crise emocional que normalmente a acompanha.

Uma vida - Uma carreira? Tradicionalmente o modelo de trabalhador com uma carreira bem sucedida era

aquele que fazia a sua entrada numa profissão, tornava-a parte da sua identidade,

e permanecia na mesma profissão até à reforma. Este modelo ficou conhecido

como o modelo uma vida – uma carreira. Contudo, as alterações verificadas

recentemente a nível socioeconómico nas sociedades modernas fazem com que

hoje em dia este modelo seja mais a excepção do que a regra. Naturalmente este

é um aspecto que depende das profissões em causa – há profissões onde as

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pessoas mudam mais de carreira do que noutras – contudo o facto é que actual-

mente um número crescente de pessoas muda de emprego pelo menos uma vez

durante o seu ciclo vital.

A questão importante aqui é saber o que as várias mudanças ao longo da vida

ocupacional representam para o indivíduo. Isto porque a mudança de emprego

pode representar uma oportunidade de ascensão na escala profissional. Por

exemplo, encontramos actualmente nas nossas universidades muitos estudantes

trabalhadores que naturalmente procuram com a formação acrescida ter acesso a

novas oportunidades profissionais. Por isso, parece haver normalmente ganhos

psicológicos e económicos com a mudança de emprego.

Os ganhos associados às mudanças a nível de carreira parecem assim estar

dependentes do contexto em que é efectuada essa mudança. Se for uma mudança

voluntária e planeada pelo trabalhador, provavelmente resultará numa subida na

escala ocupacional, em termos de ganhos a nível de rendimento do trabalho,

estatuto, condições laborais, etc.. Se for uma mudança acidental resultante de

despedimento, doença, ou outro tipo de causas, o resultado da mudança é mais

incerto.

Podemos então concluir que o modelo tradicional de uma vida, uma carreira

parece ser cada vez mais uma relíquia do passado.

Variações no ciclo ocupacional Pelo que foi dito até aqui sobre o ciclo ocupacional parece óbvio que quando

abordamos o ciclo ocupacional podem estar em causa diversas concepções sobre

a própria noção de ocupação. Por exemplo, quando pensamos num padrão de

socialização consciente através de um longo período de formação, ou num

emprego em que as exigências de evolução podem interferir com a vida familiar,

estamos a pensar numa carreira estruturada em etapas que definem um padrão

de progressão em termos de estatuto, responsabilidade e remuneração. Mas, nem

todas as profissões seguem este padrão ordenado – quando pensamos em

ocupação pode também estar em causa um emprego frustrante, despersonalizado

e de baixo nível como por exemplo o trabalho numa linha de montagem ou nos

sectores mais baixos dos serviços.

Parece assim haver diferenças significativas entre as várias ocupações assim

como entre os vários padrões de desenvolvimento ocupacional. Os estudos nesta

área têm identificado essencialmente três tipos de padrões de variação:

1. Padrão ordenado: - O padrão ordenado designa uma carreira na qual se

verificam etapas bem definidas de progressão normalmente acompanhada

por uma subida na escala hierárquica dentro de um determinado contexto

profissional na qual o trabalhador vai subindo se realizar com sucesso os

requisitos necessários a essa progressão. Esta progressão pode passar por

um padrão vertical caracterizado por movimentos claros em sentido

ascendente em que a pessoa, como resultado formação acrescida, pode

mudar de profissão, sempre para algo que lhe proporciona uma subida de

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estatuto, de realização pessoal, de remuneração. Por exemplo um jovem

pode entrar para uma empresa como moço de recados, depois faz um

curso de formação profissional e passa a operário especializado, continua

a estudar e faz uma licenciatura em gestão e passa a ocupar um lugar de

gestor. O padrão ordenado pode também passar por um padrão horizon-

tal, isto é a pessoa segue uma progressão de dentro da mesma área funci-

onal. É este o caso de alguém que entra para uma empresa como aprendiz,

depois passa a operário especializado, depois a encarregado, etc.). Esta

progressão na carreira pode acontecer dentro da mesma organização, ou

pode implicar mudanças de local de trabalho.

2. Padrão desordenado: - Um padrão desordenado caracteriza-se pela

ausência de padrão na sequência de empregos pelos quais o indivíduo vai

passando. A pessoa vai mudando de emprego e muitas vezes de profissão

um pouco ao saber das circunstâncias, não se verifica qualquer tipo de

progressão sistemática tanto de tipo vertical como horizontal. Ocasional-

mente podem acontecer movimentos de alguma progressão, mas estes são

seguidos normalmente por mudanças regressivas confirmando o carácter

errático do padrão desordenado.

3. Padrão constituído por mudanças súbitas e radicais: - Um terceiro

padrão de desenvolvimento da carreira pode ser definido como uma situa-

ção intermédia entre o primeiro e segundo padrão. Não se trata de um

padrão ordenado porque não é mantida a uniformidade em termos ocupa-

cionais, nem desordenado porque não se verifica uma perfeita aleatorie-

dade nas mudanças, mas de um padrão em que a pessoa muda uma ou

duas vezes de carreira ao longo da sua vida. Trata-se de mudanças súbitas

e radicais que resultam de mudanças significativas na vida ocupacional do

indivíduo sejam essas mudanças motivadas por factores circunstanciais ou

pessoais. A pessoa pode ver o seu posto de trabalho terminar por falência

da empresa onde trabalha, ou pode sair de um emprego devido a frustra-

ção com as suas condições de trabalho com vista a procurar uma situação

mais satisfatória. Pode também acontecer que uma pessoa na sua

meia-idade chegue à conclusão que está numa área para a qual não está

verdadeiramente vocacionada. Pode ser por exemplo um médico que

seguiu medicina para não quebrar a tradição familiar, mas chega à conclu-

são que o que sempre quis foi ser cantor lírico, ou um engenheiro que

desenvolve um produto e resolve montar uma empresa para fabrico e

comercialização desse produto, tornando-se assim num homem de negó-

cios, ou até um futebolista que no final da sua carreira passa a treinador.

O que passa neste padrão é que a pessoa simplesmente segue uma ou duas

ou eventualmente três carreiras ao longo da sua vida, por períodos variá-

veis de tempo, mas, seguindo sempre, dentro de cada uma delas uma

progressão ordenada.

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Esta caracterização dos padrões de carreira que um indivíduo segue ao longo da

sua vida vocacional é importante porque segundo WILENSKY (1984) o tipo de

história ocupacional tem evidentes implicações na vida social das pessoas, mais

até que as posições específicas que uma pessoa pode assumir num determinado

momento. Por exemplo, verificou-se que pessoas com padrões de carreira orde-

nados têm um maior envolvimento social e comunitário adoptando variadas

formas de participação social. No dizer de WILENSKY, (1961, p. 338, cit. in

KIMMEL, 1990 p. 302):

“Homens que têm carreiras previsíveis durante pelo menos uma quinta

parte da sua vida laboral pertencem a mais organizações, participam em

mais reuniões, dispendem em média mais horas em actividades organizati-

vas. As suas ligações com a comunidade são mais fortes – indicadas pelo

apoio a escolas locais e, em menor grau, pelas contribuições para a igreja e

para acções de caridade… Se dermos a um homem alguma formação de

nível superior, o colocarmos numa carreira estável e progressiva e juntar-

mos a isto um rendimento familiar simpático, ele vai envolver-se na acção

social. Se dermos a um homem menos do que o ensino secundário, uma

sequência de empregos altamente imprevisível, um rendimento familiar

modesto, então muito provavelmente as suas ligações à comunidade serão

poucas e fracas.”

DESENVOLVIMENTO DA CARREIRA

Passado o momento de entrada na carreira, em condições normais segue-se um

percurso que segue os passos característicos de cada área ocupacional mas que,

enquanto processo fortemente ligado ao desenvolvimento da pessoa, possui

características suficientemente gerais para se poder assumir a existência de

momentos significativos no desenvolvimento da carreira.

Por exemplo, quando abordámos o desenvolvimento do adulto falámos da

chamada crise da meia-idade que acaba por ter consequências no ciclo ocupaci-

onal. Esta associação entre o desenvolvimento pessoal e o desenvolvimento da

carreira faz com que num determinado momento entre os 40 e os 55 anos reapa-

reça ao nível ocupacional um tipo de problemática que tem algumas semelhanças

com as questões que se verificam na entrada na profissão, no aspecto em que

envolve o reajustamento dos nossos objectivos e perspectivas idealistas àquilo a

que, nesta fase, é percepcionado como sendo realisticamente as nossas possibili-

dades futuras à luz do tempo que ainda nos resta na carreira. Um exemplo pode

ser o de um professor universitário que espera ficar famoso na sua área de estudo

escrevendo grandes livros sobre a matéria e que aos 50 anos decide que é melhor

começar a escrever o primeiro, senão muito provavelmente não vai escrever

nenhum.

Esta fase pode assim marcar um ponto de viragem desencadeado pela questão

de saber se se está ou não a dar os passos necessários nos momentos adequados,

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isto a partir da tomada de consciência do número de anos que faltam para a

reforma e da velocidade com que estamos a atingir os nossos objectivos. Se o

indivíduo chega à conclusão de que está significativamente atrasado ou de que os

seus objectivos e expectativas não são realistas vai ter que os ajustar de forma a

que possam ser realisticamente alcançados no tempo que lhe resta. Se, contudo,

a diferença entre as expectativas e a realidade for de tal forma marcada que um

simples ajustamento não pode resolver, resta outra opção ao indivíduo que é a de

mudar de emprego ou de carreira “antes que seja demasiado tarde”. O indivíduo

pode então procurar uma via alternativa para se realizar profissionalmente e assim

cumprir o sentido de generatividade de que nos fala ERIKSON.

REFORMA: UM MARCO FUNDAMENTAL

A retirada do mundo do trabalho, tratando-se de uma retirada definitiva, é, na

nossa sociedade, um acontecimento com uma importância considerável tanto do

ponto de vista pessoal como social (MADDOX, 1984). Isto porque, como já

vimos, o exercício de uma profissão para além de ser uma fonte de rendimento

que permite a autonomia e independência pessoal, é também um elemento

constitutivo fundamental da identidade pessoal e social. A reforma é assim um

ponto de viragem importante na vida adulta na medida em que funciona como

uma espécie de marco social que assinala a passagem da meia-idade para a

velhice. Pode ser visto como um ponto de transição (KIMMEL, 1990) tal como o

final do ensino secundário ou a graduação numa universidade, no sentido em que

vai implicar alterações significativas ao nível dos papéis e da identidade social da

pessoa em desenvolvimento. Mas, para além de ser um marco social, a reforma é

também um importante marco ocupacional no aspecto em que assinala o fim do

período activo e o início de um período de relativa inactividade.

Vamos agora continuar a nossa abordagem da reforma enquanto etapa funda-

mental do ciclo ocupacional do indivíduo, analisando-a a partir de três aspectos

inter-relacionados, mas distintos: - 1) A reforma como acontecimento, 2) a

reforma do ponto de vista do estatuto do reformado e 3) a reforma enquanto

processo. Esta distinção é importante porque quando pensamos em reforma

temos tendência a vê-la como um "acontecimento" quando na verdade, para além

de um acontecimento, pode ser perspectivada como um processo que requer

planeamento e adaptação a uma fase de vida que está associada a um determinado

estatuto que dura vários anos.

A reforma como acontecimento A reforma pode ser efectivamente perspectivada como um evento que assinala

um ponto de transição de uma situação social para outra. Funciona como uma

espécie de ritual de passagem que tende a ser celebrado publicamente com um

almoço oferecido pelos colegas ao reformado ao qual é também muitas vezes feita

uma oferta, em sinal de despedida e de reconhecimento pela actividade realizada.

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A idade da reforma tem-se situado nos países desenvolvidos à volta dos 65 anos,

tendo sido Otto Von BISMARCK, chanceler do Império Alemão que em 1889

através da Lei das Pensões para Idosos e Sobreviventes, estabeleceu pela primeira

vez este nível etário como ponto de referência para a idade da reforma. Contudo,

o aumento da esperança de vida aliada à quebra da taxa de natalidade conduziu a

uma inversão da pirâmide etária fazendo aumentar o peso da população idosa na

população geral e consequentemente os encargos para os sistemas de segurança

social.

Gráfico 1 - Estrutura etária da população portuguesa em 2007.

Esta situação faz com que se verifique uma tendência para reduzir os encargos

com os reformados partindo de duas estratégias básicas: - 1) Aumento da idade

da reforma, que se perspectiva em breve passar para os 67 anos, e 2) Redução das

pensões auferidas pelos reformados, através de penalizações das reformas anteci-

padas e controle das actualizações dos montantes das pensões. Esta é portanto

uma área onde se perspectivam grandes alterações para o futuro, pelo menos a

manterem-se os sistemas políticos e económicos que têm governado Portugal nos

últimos tempos.

Para além dos encargos acrescidos, o aumento da esperança de vida faz com

que as pessoas tendam a passar cada vez mais tempo reformadas, por isso, como

já vimos é um acontecimento que tem tendência a verificar-se numa idade cada

vez mais avançada. Para além das questões relacionadas com a idade, a reforma é

um acontecimento sem um significado social preciso, na medida em que tem

essencialmente um significado pessoal e familiar.

O estatuto de reformado O estatuto de reformado está relacionado com as problemáticas associadas à

própria situação de reformado. Ora, como vimos atrás, a existência de um cada

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vez maior número de reformados face à população activa, assim como o prolon-

gamento do período de reforma, faz com que o estatuto do reformado esteja

essencialmente dependente da situação particular de cada país, sendo difícil fazer

generalizações nesta área. Outro aspecto refere-se às alterações profundas que

têm estado recentemente a ser introduzidas nesse estatuto nomeadamente em

termos de perda de rendimentos e privilégios e segundo HOYER & ROODIN

(2003) os especialistas nesta área acreditam que a nossa perspectiva do estatuto

do reformado vai ser significativamente alterado na próxima década.

No fundo a reforma, como qualquer outra etapa do desenvolvimento humano,

é período da vida ao qual estão associados um conjunto de ganhos e perdas. Os

ganhos são evidentes e estão essencialmente relacionados com a possibilidade de

ter um tempo para si, livre de responsabilidades, preocupações e exigências do

trabalho, o que é tanto mais satisfatório quanto isso é acompanhado com uma

pensão que permita ao reformado um bom nível de vida. As perdas podem não

ser tão óbvias no sentido em que dependem do que os reformados lamentam mais

ter perdido com a retirada da vida activa – trata-se no fundo de saber do que é

que os reformados sentem mais falta face àquilo de que dispunham quando

estavam na vida activa. A tabela seguinte mostra os dados recolhidos por um

inquérito realizado nos EUA (National Council for the Aging, 1975) em que se

procurava saber de que é que os reformados sentiam mais ter perdido com a

reforma.

Sentem falta O que sentem mais falta

Sim Não Não tem a certeza

Do dinheiro 74% 24% 2% 28%

Dos colegas 73% 25% 2% 28%

Do trabalho em si 62% 36% 2% 10%

Do sentimento de utilidade 59% 38% 3% 11%

Da actividade à sua volta 57% 39% 4% 5%

Do respeito dos outros 50% 45% 5% 2%

De ter um horário fixo 43% 54% 3% 4%

Tabela 1 - Coisas que reformados (<65 anos) sentem falta relativamente aos seus empregos anteriores.

Estes dados permitem-nos concluir que os reformados sentem essencialmente

falta do rendimento mais elevado de que dispunham na vida activa assim como

dos colegas, o que nos mostra como o local de trabalho pode ser um importante

fonte de interacção social.

Partindo do princípio que aquilo de que as pessoas sentem mais falta enquanto

reformados poderia estar relacionado com o tipo de profissão que a pessoa

exerceu na vida activa, Harold SHEPPARD realizou um estudo em 1988 em que

apurou os dados constantes na tabela seguinte.

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Prof Lib/Tecn Sup Emp Escrit /Vendas Trab Espec Trab N Esp

O dinheiro 20% 23% 42% 40%

As pessoas 30% 27% 13% 24%

Do trabalho em si 15% 11% 15% 10%

Do sentimento de utilidade 11% 12% 6% 8%

Tabela 2 - Coisas que reformados sentem mais falta por ocupação.

Estes dados são interessantes e de alguma forma consonantes com os da tabela

anterior. Quando estão em causa profissões relativamente bem remuneradas com

funções bastante diferenciadas e que possibilitam níveis elevados de interacção

social no local de trabalho e que normalmente proporcionam pensões de valor

mais elevado, como é o caso da primeira e segunda coluna (Profissionais

Liberais/Técnicos Superiores e Empregados de Escritório/Técnicos de Vendas)

os reformados sentem mais falta das pessoas. Por outro lado, quando estão em

causa profissões menos diferenciadas, com menos interacção no local de trabalho

e que normalmente dão acesso a pensões menos elevadas, as pessoas tendem a

sentir mais falta do dinheiro que ganhavam a mais enquanto activos.

Ainda relativamente ao estatuto de reformado contrariamente àquilo que

parece ser a percepção de um certo senso comum, os estudos realizados a nível

nacional nos EUA mostram que são poucos os reformados que evidenciam sinais

de problemas de adaptação à reforma e mesmo assim, as variáveis que parecem

estar na base dos problemas de adaptação dos reformados são as mesmas que

afectam as pessoas não reformadas (por ex. rendimento, saúde, amigos,

actividades).

O processo de reforma O processo de reforma refere-se à forma como a reforma acontece, ou melhor

como se vai processando ao longo do tempo, pois, apesar de, do ponto de vista

formal ser, como já vimos, um acontecimento abrupto, do ponto de vista da

vivência de reformado é um processo de carácter adaptativo que se prolonga

durante um certo tempo. Como resultado de numerosos trabalhos de investiga-

ção, Robert ATCHLEY (2000) chegou à definição de seis fases descritivas do

processo de transição pelo qual passam os indivíduos quando abandonam perma-

nentemente o mundo do trabalho. Obviamente que estas fases podem não ser

aplicáveis da mesma maneira a todas as pessoas pois, para além da variabilidade

social, económica e cultural também acontece que a reforma é vivida numa base

individual e, como veremos mais adiante, depende até da personalidade da pessoa

reformada. A definição de um conjunto de fases pode, contudo, fornecer um

enquadramento interessante para reflectirmos sobre o que alguns indivíduos

podem encontrar quando chegam ao fim do seu ciclo ocupacional.

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FASE 1: PRÉ-REFORMA – Esta fase acontece antes da reforma em si, quer dizer,

é anterior à experiência de reforma real. Na verdade pode parecer estranho

pensar numa fase de adaptação à reforma antes desta efectivamente acontecer,

mas tudo fica mais claro se nos lembrarmos da distinção que foi feita entre os três

aspectos da reforma – acontecimento, estatuto e processo. Efectivamente

enquanto a reforma como acontecimento é um momento que acontece numa

data precisa, dependente de um processo administrativo, a reforma enquanto

processo tem essencialmente a ver com uma realidade psicológica e como tal

pode ser vivida de forma antecipatória pela pessoa. Pode compreender melhor

esta noção a partir de um exemplo familiar a qualquer estudante, como é a reali-

zação de um teste. O professor marca o teste para uma data e hora determinada

– isso é o teste enquanto acontecimento - contudo a realidade psicológica do teste

impõe-se, ou deveria impor-se, ao aluno, algum tempo antes dessa data concreta,

nomeadamente através de tudo aquilo que o aluno vai ter que fazer para se

preparar para realizar o teste com sucesso. É algo parecido com isto que se passa

nesta primeira fase de adaptação à reforma. A reforma ainda não aconteceu, mas,

desejavelmente, ela é já uma realidade para o sujeito que vai fazer o necessário

para estar preparado quando a reforma acontecer. Essa preparação pode passar

por um desligamento progressivo do trabalho14

e o planeamento da reforma. Os

planos relativos à reforma começam naturalmente por ser remotos que o indiví-

duo faz para quando planeamento da reforma começa por envolver

FASE 2: REFORMA – Esta fase inicia-se quando uma pessoa se reforma e por

conseguinte, já não participa no emprego remunerado. Segundo ATCHLEY (op.

cit.) O processo de adaptação a este nível pode seguir uma de três vias possíveis.

a) A Via "lua de mel" que se caracteriza por o reformado se sentir e agir como

estive de férias indefinidamente. As pessoas ficam de repente muito ocupadas

normalmente naquelas actividades de lazer a que não tinham tempo para se

dedicarem anteriormente, como por exemplo viajar, ler, pescar, etc.; b) A Via da

"rotina imediata de reforma" é seguida por aqueles reformados que já tinham uma

agenda preenchida com actividades alternativas para além de seu emprego

regular. Estas pessoas não têm normalmente dificuldade em adoptar rotinas que

incluem essas actividades estabelecendo horários confortáveis, mas que os

mantêm ocupados logo após a reforma; c) A Via do "repouso e relaxamento" é

seguida por aqueles reformados que vivem a reforma como um período de acti-

vidade muito baixa em comparação com a via "lua-de-mel". Isto normalmente

acontece com pessoas que tiveram carreiras muito exigentes e ocupadas que

absorviam a quase totalidade do seu tempo e que aproveitam a reforma como

uma oportunidade para descansar e relaxar, optando por fazer muito pouco.

14 Naturalmente este desligamento passa-se essencialmente a nível subjetivo, isto é, trata-se de

um desligamento mental e motivacional, pois de forma geral no mundo do trabalho não

existem esquemas de reforma progressiva. Normalmente é exigido ao trabalhador o

cumprimento do mesmo horário e obrigações até ao último dia de trabalho, antes da reforma.

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Frequentemente, contudo, os níveis de actividade destas pessoas tendem a

aumentar depois de alguns anos de descanso e relaxamento naturalmente quando

se mantêm com algum vigor físico e saúde razoável.

FASE 3: DESENCANTO - Para algumas pessoas, a adaptação à reforma não é uma

experiência fácil. Após o período de lua-de-mel ou de um tempo de descanso

contínuo e relaxamento, a pessoa pode passar por um período de decepção ou

incerteza. É como se a pessoa se começasse a cansar do descanso criando assim

as condições para o reaparecimento dos sentimentos de inutilidade resultante da

perda da produtividade que tinham durante o trabalho. O desencanto com

reforma também pode ocorrer se houver uma interrupção significativa na

experiência de reforma, tais como a morte de um cônjuge ou outro tipo de

acontecimento indesejado.

FASE 4: REORIENTAÇÃO - Após um período de descanso e relaxamento ou

sentimentos de desencanto é comum as pessoas "fazerem um inventário", uma

espécie de reavaliação da sua experiência da reforma. Este processo pode

conduzir a outras formas de adaptação que permitam à pessoa melhorar a sua

vida de reformado. Este movimento de reorientação pode naturalmente ir no

sentido de um aumento ou redução do nível de actividade. A pessoa pode

envolver-se em actividades comunitárias, adoptar um novo hobby ou pelo

contrário abandonar algumas das coisas que fazia até aí. Esta é uma espécie de

"segunda oportunidade" da reforma que tem como objectivo criar um estilo de

vida de reforma que seja agradável e gratificante.

FASE 5: ROTINAS DE REFORMADO – Esta fase assenta na noção de que dominar

uma rotina de reforma confortável e gratificante é o objectivo final da reforma.

Alguns reformados são capazes de fazer isso logo após deixarem o emprego,

enquanto outros demoram mais tempo, só encontrando o seu esquema pessoal

depois de anos lazer ou um período de desencanto. Uma vez que se tenha esta-

belecido uma rotina de reforma gratificante e confortável, esta fase de reforma

pode durar por muitos anos.

FASE 6: CESSAÇÃO DA REFORMA – Com o passar dos anos, à medida que as

condições de saúde se vão deteriorando e o idoso vai perdendo progressivamente

a sua autonomia, o papel de reformado torna-se menos relevante na sua vida.

Com efeito, quando uma pessoa já não pode viver de forma independente devido

à doença, debilidade física ou graves limitações sensoriais, passa a assumir maior

relevância o papel de pessoa idosa dependente.

Assim, pensar a reforma como processo está associado à noção de que se trata

de algo que tem que ser planeado, nomeadamente, começando por pensar sobre

como se pretende lidar com a perda do papel ocupacional. Depois, pensar como

queremos viver a nossa reforma – vamos ficar permanentemente na fase

"lua-de-mel" ou pretendemos passar para a rotina imediata de reforma? De

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qualquer maneira, como muitas pessoas poderão passar de 15 a 20 anos reforma-

das é importante que se pense algum tempo a pensar como se vai preencher estes

anos terminais da vida.

Analisadas as fases que parecem caracterizar o processo de reforma, parece

agora importante abordar um conjunto de factores que afectam a forma como

cada indivíduo vai passar por cada uma dessas fases. Analisaremos mais em

detalhe três tipos de factores: - 1) Factores biológicos, 2) Factores sociocul-

turais e 3) Factores psicológicos.

Factores biológicos

Os factores biológicos influenciam a forma como o indivíduo vive a sua reforma

na medida em que estão relacionados com a saúde e o vigor físico. O reformado,

normalmente mais idoso, acaba por ter uma saúde mais frágil e declínio físico por

vezes acentuado. Naturalmente que a importância destes factores é hoje mais

nítida porque muitas pessoas morriam antes mesmo de estarem em condições de

se reformarem ou logo a seguir à reforma.

Para além de influenciarem a experiência da reforma, os factores biológicos

muitas vezes influenciam o próprio momento da reforma porque muitas vezes

esta é antecipada por motivos de saúde. Por outro lado, tanto as condições de

saúde como os processos de involução biológica podem ser um factor significativo

para a capacidade do indivíduo encontrar satisfação na reforma. Se a pessoa

estiver já bastante incapacitada para aproveitar o tempo livre de que finalmente

dispõe então a satisfação que pode encontrar na reforma é necessariamente

bastante reduzida. Um estudo realizado em 1978 por KIMMEL, PRICE &

WALKER (KIMMEL, 1990) com idosos reformados em que era analisada a

interacção entre o nível de saúde e outros psicossociais mostrou que a saúde era

o factor que estava mais associado à satisfação na reforma.

As limitações físicas e sensoriais são também um factor importante que afecta

a capacidade da pessoa para viver a sua reforma de forma satisfatória e

gratificante. É importante distinguir este aspecto das questões relacionadas com

a saúde porque, como veremos mais adiante, o envelhecimento é um processo

involutivo que implica necessariamente uma redução da acuidade sensorial

(auditiva, visual, olfactiva etc.) assim como uma lentação de movimentos e conse-

quente perda de confiança no próprio corpo. Tudo isto faz parte do processo

involutivo e pode acontecer na ausência de qualquer problema de saúde no

sentido estrito.

Pode então concluir-se que na ausência de doença e graves limitações físicas

as alterações associadas ao declínio biológico são pouco significativas e raramente

afectam seriamente a vida pós-reforma. Naturalmente que, com os progressos da

medicina, esta situação tende a acentuar-se e conduzir a uma melhoria da quali-

dade de vida da pessoa idosa. É importante também salientar que, ao contrário

do que muitas vezes se pensa, a reforma em si não tem um efeito negativo na

saúde da pessoa reformada.

Problemática Psicossocial da Idade Adulta Trabalho e Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Factores socioculturais

Os factores socioculturais são importantes para a forma como o indivíduo vive a

sua reforma no sentido em que o significado da reforma é afectado por um

conjunto de variáveis sociais, entre as quais o significado sociocultural da reforma.

Ora, relativamente a este aspecto, temos assistido e continuaremos a assistir nas

próximas décadas a profundas alterações nas atitudes sociais face à reforma e aos

reformados. Com efeito, à medida que cada vez mais pessoas se estão a reformar

e a problemática dos reformados e tem ganhado uma certa visibilidade na comu-

nicação social, o estigma associado à inactividade da reforma foi de certa forma

aligeirado e os reformados têm passado a ser olhados como potenciais

consumidores.

Por outro lado, as ciências sociais têm olhado com interesse acrescido para a

população reformada procurando compreender os contornos e variedades da

experiência da reforma assim como os aspectos positivos da vida de reformado.

Este interesse e os resultados dos estudos efectuados têm, com efeito, compro-

vado a existência de uma enorme variedade ao nível da experiência de reformado,

o que contraria a visão estereotipada e monolítica que, por vezes, tendemos a ter

dos reformados.

Verificamos assim o significado da reforma para o indivíduo é afectado por um

conjunto de variáveis tais como as atitudes do indivíduo face à reforma, o desejo

de se reformar, os efeitos da baixa de rendimentos consequente à reforma e ainda

nas alterações na auto-imagem da pessoa após a reforma. E é aqui que os factores

socioculturais jogam um papel essencial.

Por outro lado a temos a considerar a relação da reforma com o padrão de

carreira que caracterizou a vida activa do indivíduo pois a vivência da reforma

tende a ser menos satisfatória em pessoas que tiveram padrões de carreira

desordenados.

Outro aspecto importante relacionado com os factores socioculturais refere-se

à interacção reforma com as relações familiares da pessoa reformada, nomeada-

mente no que se refere à relação conjugal. Com efeito, se o cônjuge é vivo e

também reformado ou inactivo, o facto de a pessoa reformada passar mais tempo

em casa vai colocar um conjunto de desafios à relação conjugal. Considerando

que o casal se vêm de repente “empurrado” para uma relação a tempo inteiro, se

a relação conjugar for boa, a reforma pode ser uma oportunidade para o casal se

envolver numa relação mais intensa e gratificante do ponto de vista emocional.

Se não for esse o caso, contudo, a relação a tempo inteiro pode reavivar problemas

e conflitos latentes, conduzindo o casal para um período mais problemático da

sua vida em comum. Segundo KIMMEL (1990, p. 315), DEUTSCHER e outros

investigadores apresentaram dados que mostram que estes anos pós-parentais15

;

são anos relativamente felizes para os casais em geral.

15 Anos pós-parentais são os anos que o casal passar depois de cumpridas as suas funções

parentais, isto é, depois de os filhos terem saído de casa e terem adquirido plena autonomia

pessoal e económica.

Problemática Psicossocial da Idade Adulta Trabalho e Ciclo de Vida

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Ainda no quadro da influência dos factores socioculturais é necessário ter em

conta a importância da preparação da reforma que acaba por funcionar como

uma espécie de socialização antecipatória para os novos papéis que se apresentam

ao reformado quando se retirar da vida activa. Dado que este processo leva algum

tempo, deve começar a ser preparado com alguma antecedência. Este planea-

mento deverá abranger aspectos tais como assegurar uma fonte segura de rendi-

mento, antecipar o tipo de papéis e actividades desejáveis e disponíveis na família

e comunidade, desenvolver interesses que possam ser convertidos em actividades

de lazer satisfatórias e, de uma forma geral, elevar o nível de consciência acerca

da reforma.

Para terminar este ponto podemos concluir que a reforma é uma alteração

social importante, mas não significa necessariamente uma crise psicossocial grave.

O significado da reforma reflecte uma gama complexa de factores sociais e cultu-

rais associados à situação de cada indivíduo assim como à sua percepção do signi-

ficado social da reforma.

Factores psicológicos:

No quadro do modelo de desenvolvimento psicossocial de E. ERIKSON, a

reforma pode desencadear a transição do sétimo para o oitavo estádio de desen-

volvimento. O oitavo estádio, como vimos atrás, implica que a pessoa faça uma

avaliação retrospectiva do que foi a sua vida, tanto na esfera ocupacional como na

esfera familiar. A realização dessa avaliação ganha uma importância crucial no

momento da reforma. A sensação de satisfação pessoal, a sensação de ter produ-

zido algo de significativo e a sensação de realização na ocupação (tal como na

família) são elementos fundamentais para a construção do sentido de integridade

nesta fase da vida. Pelo contrário, uma sensação de estagnação e frustração vai

aumentar as dificuldades nesta fase da vida. As oportunidades para a generativi-

dade, contudo, não terminam após a reforma, nem o dilema da Integridade vs.

Desespero é subitamente importante assim que a pessoa se reforma, pois pode-

mos verificar alguma sobreposição entre estes dois estádios que só podem ser

distinguidos através da ênfase relativa na generatividade ou na integridade. Com

efeito, a problemática fundamental do sétimo estádio é a generatividade, ao passo

que, a problemática fundamental do oitavo estádio é a integridade. Na verdade

podem passar alguns anos até que outras ocorrências façam aumentar a impor-

tância das questões da Integridade vs. Desespero. A introspecção e reflexão

subjacentes a este dilema podem ser potenciadas, por exemplo, pela crescente

consciência acerca da morte como algo pessoalmente relevante – alguns dos

nossos amigos e familiares entretanto vão morrendo e a saúde começa a dar sinais

de deterioração. Todo este conjunto de circunstâncias vai conduzir ao chamado

processo de revisão de vida que abordaremos mais em detalhe no capítulo dedi-

cado ao idoso.

Mas, a reforma não está só relacionada com processos psicológicos internos,

pois grande parte do mundo social do indivíduo desaparece o que conduz a uma

redução significativa das interacções pessoais significativas pois a maior parte dos

Problemática Psicossocial da Idade Adulta Trabalho e Ciclo de Vida

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colegas da pessoa reformada eram também seus amigos. Na verdade todo o

espaço vital do indivíduo é alterado com a reforma, nomeadamente no que se

refere à passagem de um mundo complexo no qual se tinha um papel significativo

enquanto elemento activo da sociedade para um mundo mais simples e relativa-

mente vazio. A reforma pode também levar a uma eventual alteração de residên-

cia, quando por exemplo a redução de rendimento torna necessária a mudança

para uma casa mais pequena o que implica a o estabelecimento de novas relações

sociais, assim como tarefas sociais diferentes.

A personalidade é outra variável que joga um papel fundamental enquanto

factor que influencia forma como cada pessoa vive a sua reforma, assim como

cada reformado percepciona as vantagens e da reforma. Um estudo já clássico de

REICHARD, LIVSON & PETERSON (1962, cit. in KIMMEL, 1990, p.317)

realizado com homens reformados permitiu identificar cinco tipos de personali-

dade que podem ser relacionados com a forma como o indivíduo se adapta à

reforma. Os primeiros três tipos de personalidade estão associados a uma

adaptação adequada ao passo que os dois últimos tipos de personalidade estão

associados a uma adaptação deficiente à reforma.

1. Personalidade madura: - As pessoas com este tipo de personalidade

aceitam facilmente a reforma, normalmente sem conflitos. Aceitam realis-

ticamente perda de valor produtivo e estão geralmente satisfeitas com as

suas actividades pós-reforma assim com as suas novas relações pessoais.

Vêm o envelhecimento como algo inevitável, de forma geral sentem que

as suas vida foi gratificante tendo tirado o melhor dela.

2. Personalidade “cadeira de baloiço”: - É assim designada porque as

pessoas com este tipo de personalidade adoptam uma atitude passiva face

à sua nova situação, apreciam não ter responsabilidades e a nova oportuni-

dade para o lazer. A reforma é sentida como tendo trazido vantagens que

em larga medida compensam as desvantagens.

3. Personalidade defendida: - As pessoas com este tipo de personalidade

elaboram um sistema complexo de defesas contra a passividade e inutili-

dade. Parecem utilizar actividade como forma de combater declínio físico

e o envelhecimento. De alguma forma a actividade é usada como uma

defesa contra o seu medo do envelhecimento.

4. Personalidade “amargurada”: - As pessoas com este tipo de personali-

dade ficam amarguradas porque sentem que não alcançaram os seus

objectivos durante a vida activa, culpam os outros pelo seu desaponta-

mento e não aceitam pacificamente o facto de estarem a envelhecer.

5. Personalidade “autoculpabilizante” - As pessoas com este tipo de

personalidade, tal como os do tipo de personalidade anterior sentem-se

desapontados com a sua vida e por terem falhado os seus objectivos, mas

voltam a sua ira contra si próprios e autoculpabilizam-se por isso. Têm

tendência a deprimirem-se porque o envelhecimento vai fazer aumentar

o seu sentimento de vulnerabilidade e incapacidade.

Problemática Psicossocial da Idade Adulta Trabalho e Ciclo de Vida

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Um dos aspectos que os autores deste estudo fazem notar é que estes tipos de

personalidade, com excepção da personalidade madura, parecem ter-se mantido

relativamente estáveis ao longo da vida do indivíduo, sendo que os problemas de

adaptação à reforma parecem ser um prolongamento de problemas anteriores. As

histórias pessoais das pessoas com personalidades “cadeira de baloiço” e “defen-

dida” parecem também terem mudado pouco ao longo da sua vida.

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Aspectos gerais

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

64

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento

ASPECTOS GERAIS

DEFINIÇÃO DE ENVELHECIMENTO FISIOLÓGICO:

m dos primeiros aspectos que é preciso ter em consideração é a própria

noção de envelhecimento – o que significa envelhecer?16

O que está na

base do envelhecimento humano? Que mudanças ocorrem neste período

de involução e declínio biológico, que é muitas vezes também designado por

senescência?

Estas questões podem parecer banais, mas são de crucial importância e de

certa maneira continuam ainda em aberto porque não foi encontrada ainda uma

resposta satisfatória para elas. A ciência actual tem investido fortemente na inves-

tigação em cada uma das áreas associadas ao envelhecimento, contudo a verda-

deira causa do envelhecimento não está ainda clara. É por isso, para instalar a

noção de que estamos perante um processo complexo e multifacetado que come-

çaremos por abordar algumas teorias do envelhecimento e mortalidade.

Apesar da complexidade associada à própria noção de envelhecimento, é

importante ter uma noção do que é na sua essência o envelhecimento e, para isso,

propões a seguinte definição: - O envelhecimento é um declínio na competência

fisiológica do organismo que inevitavelmente aumenta a incidência e intensifica

os efeitos de acidentes, doenças, e outras formas de estresse ambiental.

TEORIAS DO ENVELHECIMENTO E MORTALIDADE

O envelhecimento e mortalidade é uma realidade que assume muitas e variadas

formas no mundo vivo. Por exemplo, as bactérias segundo se pensa podem viver

indefinidamente desde que tenham as condições de alimento e espaço adequa-

das; temos plantas que têm um ciclo de vida anual definido a partir de um

programa genético preciso; teoricamente as árvores poderiam crescer até que

devido à força da gravidade não consigam fazer chegar a seiva até aos ramos

superiores; os animais selvagens de forma geral não chegam verdadeiramente a

envelhecer pois morrem antes disso, seja por acção de predadores ou à fome por

16 Apesar de o envelhecimento de certa forma ser um processo geral a todos os organismos vivos,

neste texto, por uma questão de economia, será feita referência unicamente ao envelhecimento

humano. Quer dizer, sempre que se falar de envelhecimento, sem qualquer outro qualificativo,

está a referir-se o desenvolvimento humano.

U

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Aspectos gerais

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

65

não poderem alimentar-se adequadamente por via do declínio das capacidades

físicas.

Factores hereditários Claramente existe uma componente hereditária envolvida na longevidade, isto é,

os factores hereditários funcionam como uma espécie de relógios biológicos que

determinam tempo de vida de cada espécie. Se olharmos para a longevidade em

várias espécies animais, vemos que os elefantes indianos vivem à volta de 60 anos,

os cavalos, hipopótamos e os burros podem chegar até aos 30 anos de idade, etc..

De forma geral a longevidade das várias espécies de mamíferos está relacionada

com o tamanho do animal, sendo que o homem a única excepção conhecida.

Alguns cientistas procuraram encontrar a variável que pudesse estar relacio-

nada com a longevidade. Uma das propostas mais consistentes foi apresentada

por SACHER (1959) que sugeriu que a relação entre o peso do cérebro e o peso

do corpo é a variável que correlaciona melhor com a longevidade das diferentes

espécies de mamíferos, incluindo humanos. Quer dizer, a explicação para a maior

longevidade no ser humano parece ser o facto de ter um cérebro comparativa-

mente grande face ao peso do seu corpo. A longevidade humana parece assim

estar relacionada também com as suas capacidades cognitivas, pois, de um ponto

de vista puramente biológico, não é clara a função evolutiva relacionada com o

facto de o ser humano viver um número significativo de anos mesmo depois de

ter a mulher ter pedido a capacidade reprodutiva. Outro tipo de dados que

mostram a influência dos factores hereditários na longevidade e outros aspectos

do desenvolvimento biológico tem sido obtido a partir dos estudos com gémeos

univitelinos17

, também designados como gémeos verdadeiros.

17 Gémeos univitelinos ou monozigóticos acontecem quando um óvulo é produzido e fecundado

por um só espermatozoide e se divide em duas culturas de células completas. Sempre possuem

o mesmo sexo. Os gémeos idênticos têm o mesmo genoma, e são clones um do outro, mas não

possuem as mesmas impressões digitais.

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Aspectos gerais

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

66

Ilustração 8 - Gémeos verdadeiros aos 5, 20, 55 e 86 anos de idade.

Ilustração 9 - Gémeas verdadeiras após uma longa separação (dos 18 aos 65 anos).

Um estudo realizado por KALLMANN & JARVICK (1959, cit. in KIMMEL,

1990) mostra que os gémeos verdadeiros tendem a ser mais semelhantes no que

respeita à duração da vida do que gémeos bivitelinos18

, ou seja gémeos falsos - isto

18 Os gémeos bivitelinos são dizigóticos ou multivitelinos, ou seja, são formados a partir de dois

óvulos. Nesse caso são produzidos dois ovócitos e esses são fecundados por dois

espermatozoides, formando assim, dois embriões. Quase sempre são formados em placentas

diferentes e não dividem o saco amniótico. Os gémeos fraternos não se assemelham muito entre

si, podem ter, ou não, o mesmo tipo sanguíneo e podem ser do mesmo sexo ou não. Também

são conhecidos como gémeos falsos. Na verdade são dois irmãos comuns que tiveram gestação

coincidente.

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Aspectos gerais

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

67

indica que, mesmo dentro da mesma espécie, os factores genéticos influenciam a

duração da vida. Este estudo revelou ainda a existência de outro tipo de seme-

lhanças entre gémeos verdadeiros que se estendem até a idades bem avançadas,

o que nos leva a pensar que a influência dos factores genéticos persiste mesmo

nas mudanças de aparência que acompanham o envelhecimento. Para além disto,

muitos estudos mostram que pessoas que tiveram pais e avós com elevada longe-

vidade tendem também a viver durante mais tempo. Contudo, apesar de este tipo

de dados indicar claramente uma influência da componente genética na longevi-

dade, esta não pode ser considerada como uma característica genética directa-

mente transmitida.

Uma revisão dos estudos sobre a longevidade levada a cabo por KIRKWOOD

(1985, cit. in KIMMEL, 1990) permite concluir que existem provavelmente uma

diversidade de causas hereditárias que influenciam o envelhecimento e a longe-

vidade. Milhares de genes poderão estar envolvidos na biologia do envelheci-

mento, contudo alguns poucos genes chave podem controlar o ritmo do envelhe-

cimento. Entre estes podem estar os genes envolvidos na manutenção e reparação

das células do nosso corpo já que, como veremos mais adiante, existe uma teoria

que relaciona o envelhecimento com a acumulação de erros dentro das células.

Factores externos Os factores hereditários são normalmente entendidos como proporcionando

potencialidades que só podem ser plenamente concretizadas se encontrarem um

ambiente favorável. Obviamente, um acidente, uma doença, a poluição, pode

influenciar drasticamente a nossa longevidade independentemente da longevi-

dade dos nossos pais e avós. Por exemplo, JONES (1959, cit. in KIMMEL 1990)

estimou que factores ambientais tais como o viver no campo ou o casamento

provocam em média um aumento da esperança de vida em cinco anos, enquanto

que a obesidade faz diminuir a esperança de vida entre quatro e 15 anos (Ver a

tabela seguinte). Podemos assim verificar que os factores biológicos (internos)

interagem com os factores externos de forma a determinar a vida do indivíduo.

Os factores externos podem ser agrupados em três categorias distintas, factores

ambientais, factores acidentais e factores patológicos. Outra distinção que

podemos fazer é considerar aqueles que podemos de alguma forma alterar e por

isso os seus efeitos são reversíveis e aqueles que têm um efeito permanente que

de forma geral não pode ser alterado. Estas distinções são importantes porque

temos assistido nos últimos tempos a um incremento da consciencialização tanto

a nível individual como comunitário da influência dos factores externos no enve-

lhecimento e longevidade assim como a tentativas de controlar o efeito deste tipo

de factores. Por exemplo, a consciência do impacto da poluição atmosférica na

esperança de vida tem levado pelo menos à tentativa de adopção de medidas para

a controlar como por exemplo o Protocolo de Kioto para a redução de emissão de

Co2

, a investigação de novas formas de energia para a locomoção automóvel, etc..

Temos também assistido a um conjunto de iniciativas legislativas visando a

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Aspectos gerais

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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promoção das condições de segurança rodoviária (uso de capacete pelos motoci-

clistas, cintos de seguranças e cadeirinhas adaptadas para crianças nos automó-

veis) que procuram controlar o efeito por vezes fatal dos acidentes rodoviários

que são uma importante causa de morte e deficiência em determinados níveis

etários. Por outro lado, o avanço da medicina, assim como dos cuidados de saúde

primários tem procurado controlar os efeitos dos factores patológicos e tem talvez

sido esta a maior causa do aumento da esperança de vida a que temos assistido

nas sociedades desenvolvidas.

A tabela seguinte mostra-nos o efeito na esperança média de vida de um

conjunto de factores tanto externos como fisiológicos, permanentes e reversíveis.

Reversíveis Permanentes

Comparação Anos Comparação Anos

Viver no campo vs. Viver na cidade +5 Sexo feminino vs. Sexo masculino .... +3 Casado vs. Solteiro .......................... +5 Constituição familiar Excesso de peso: 2 avós viveram até 80 anos............ +2

25% acima peso acima do ideal .... -3.6 4 avós viveram até 80 anos ........... +4

35% acima peso acima do ideal .... -4.3 Mãe viveu até 90 anos ................... +3

45% acima peso acima do ideal ... -6.6 Pai viveu até 90 anos ..................... +4.4

55% acima peso acima do ideal .... -11.4

Pai e mãe viveram até aos 90 anos ................................................ +7.4

Tabaco Mãe viveu até 80 anos ................... +1.5 1 maço de cigarros/dia ..................... -7 Pai viveu até 80 anos ..................... +2.2 2 maços de cigarros/dia ...................

-12 Pai e mãe viveram até aos 80 anos ................................................ +3.7

Colesterol Mãe morreu aos 60 anos ............... -0,7 25% abaixo do normal ...................... +10 Pai morreu com 60 anos ................ -1.1 Normal ............................................. 0 Ritmo cardíaco acelerado .................. -3.5 25% acima da média ......................... -7 Epilepsia ............................................. -20 Diabetes s/ controle ........................ -35 Traumatismo craniano ....................... -2.9 Diabetes controlada ........................ -10 Tuberculose ........................................ -1.8

Tabela 3 - Efeito dos factores externos e fisiológicos na duração da vida.

Teorias fisiológicas do envelhecimento Na espécie humana o nível de mortalidade, isto é, o risco de morrer, tem natu-

ralmente uma relação directa com a idade. Esta relação está já estabelecida

praticamente desde que o início da humanidade mas representada por uma

fórmula matemática por GOMPERTZ no século XIX (1852, cit. In KIMMEL,

1990). Por isso, muita investigação tem sido feita no sentido de identificar as

causas do envelhecimento, tendo recentemente aparecido um conjunto de teorias

que analisaremos em seguida.

Teoria do Desgaste

Talvez a teoria mais evidente do ponto de vista do senso comum seja ver o orga-

nismo como uma máquina viva que se vai desgastando ao longo do tempo. A

investigação corrente em biologia molecular tem conceptualizado a noção de

desgaste como resultado de uma acumulação de falhas ao longo do tempo. Estas

falhas estão relacionadas com danos que o DNA responsável pela divisão celular

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Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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vai sofrendo, o que acaba por afectar os processos de reparação das lesões dos

vários órgãos do nosso corpo.

Outra linha de investigação dentro deste conceito de desgaste tem centrado a

sua atenção nos processos bioquímicos que afectam o funcionamento celular,

nomeadamente no que se refere ao papel dos radicais livres no envelhecimento.

Envelhecimento celular

É um erro comum pensar-se que a relação entre as células do nosso corpo e o

envelhecimento tem a ver com o facto de a partir de um determinado momento

as células começarem a morrer a um ritmo mais rápido do que se reproduzem. A

questão não é assim tão simples, pois apesar de haver células no nosso corpo que

nunca ou raramente se reproduzem (células do cérebro, sistema nervoso e

músculos) a maioria das células do nosso corpo continuam a reproduzir-se e

teoreticamente poderia fazer-nos viver indefinidamente.

Apesar de se ter verificado que em culturas laboratoriais algumas células se

reproduzem um número limitado de vezes a relação deste mecanismo com o

envelhecimento ainda não é clara. Esta questão levou a que os cientistas tenham

voltado a sua atenção para as células do nosso corpo que não se reproduzem.

Sabemos que esta é uma característica importante do ponto de vista evolutivo no

sentido em que permite uma linha de continuidade e regularidade no desempe-

nho e experiência que é importante para a sobrevivência dos indivíduos mais

jovens. Contudo, esta característica tem como contrapartida que com o avançar

da idade a acumulação de resíduos nos tecidos vai implicando a diminuição da

eficiência do funcionamento celular e no sistema enquanto um todo.

Desequilíbrio homeostático

Alguns autores, entre eles COMFORT (1964, cit. in KIMMEL, 1990) têm desen-

volvido a ideia de que o envelhecimento está relacionado com a eficiência de

mecanismos homeostáticos (sal, açúcar no sangue) que mantêm os equilíbrios

fisiológicos vitais para o organismo. Assim, nesta perspectiva o envelhecimento

resulta da perda de eficiência destes mecanismos. Mais concretamente, apesar de

em condições de repouso não haver diferenças significativas entre indivíduos

jovens e indivíduos idosos, a investigação nesta área tem mostrado que o orga-

nismo idoso precisa de mais tempo para recuperar a situação inicial de equilíbrio

após um período de esforço intenso. Por exemplo, a capacidade dos rins para

manter a homeostase, a capacidade para manter a temperatura corporal em

ambientes muito frios ou muito quentes, e ainda a eficiência da regulação do

açúcar no sangue, diminuem com a idade.

Esta menor capacidade de resposta fisiológica ao estresse assim como a adap-

tação a condições adversas constitui actualmente a teoria mais geral do envelhe-

cimento e é interessante porque evidencia uma ligação importante entre os

aspectos fisiológicos, sociais e psicológicos do envelhecimento. Talvez seja neces-

sário esclarecer que o estresse em si não provoca o envelhecimento, contudo, os

seus efeitos vão sendo cada vez mais significativos devido à perda de eficiência

dos mecanismos de auto-regulação que o organismo utiliza para se adaptar a

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Aspectos gerais

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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situação de estresse. Como resultado disso o corpo é menos capaz de responder

eficientemente ao estresse seja ele físico, emocional ou uma combinação dos dois,

e de retomar os níveis de equilíbrio anteriores num período razoável de tempo.

Se o estresse for demasiado pode levar a perturbações mais graves como doenças

ou mesmo a morte.

O conjunto de teorias que se centram nos mecanismos de regulação e controle

têm recebido muita atenção por parte dos investigadores nesta área porque

assumem o envelhecimento como um processo que envolve o organismo como

um todo. Apesar de as causas e efeitos destas alterações fisiológicas relacionadas

com a idade não serem ainda completamente compreendidas a neuroendocrio-

nologia do envelhecimento tem-se estabelecido como um campo de pesquisa

bem fundamentado. As alterações no sistema nervoso autónomo e no sistema

endócrino são assim vistos como um aspecto chave do processo de envelheci-

mento, apesar de não ser ainda claro se são mais uma causa ou mais um sintoma.

De qualquer forma espera-se que a compreensão deste processo permita ajudar

a tratar idosos mais vulneráveis.

ENVELHECIMENTO NORMAL E PATOLÓGICO

Vamos começar este tópico com uma reflexão sobre a necessidade e o interesse

de fazer referência à distinção “clássica” entre envelhecimento normal ou

primário que não implica a ocorrência de doença e envelhecimento patoló-

gico ou secundário (BIRREN & CUNNINGHAM, 1985 e LACHMAN &

BALTES, 1994, cit. in FONSECA, 2006), isto é aquele que é acompanhado da

existência de doenças que de alguma forma acabam por alterar o ritmo e a natu-

reza desse desenvolvimento. Em primeiro lugar esta distinção é há muito tempo

reconhecida no mundo ocidental pois já ARISTÓTELES afirmava “o envelheci-

mento não é uma doença porque não é contrário à natureza”. Ainda CÍCERO,

um filósofo, orador, escritor, advogado e político romano, em resposta à observa-

ção de que algumas pessoas idosas são inválidas, afirmou “Mas, uma incapacidade

deste grau não é característica da idade avançada, é mais a habitual concomitante

da fraca saúde.” É verdade que a probabilidade de ser adoecer aumenta com a

idade, e a referência a problemas de saúde é uma constante nos idosos o que faz

com que seja muitas vezes difícil distinguir os efeitos do envelhecimento e das

doenças. Contudo, doença e envelhecimento continuam a ser duas realidades

distintas e essa distinção poderá até tornar-se cada vez mais visível com os avanços

no campo da biologia do envelhecimento e da própria medicina. A definição mais

correcta será talvez dizer que o envelhecimento não é uma doença mas aumenta

o estado de vulnerabilidade e fragilidade do organismo de reduz a sua capacidade

para lutar contra a doença, fazendo com que os seus efeitos sejam acentuados.

Segundo FONSECA (2006, p.126) esta distinção conduz a distintos cenários

no que respeita à forma como encaramos o envelhecimento, sendo que o “factor

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações físicas e fisiológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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saúde” acaba por ser a pedra de toque que permite distinguir cada um dos cená-

rios. Um primeiro cenário é mais optimista e enfatiza a evolução das ciências

biomédicas e da gerontologia que tem possibilitado um cada vez maior controlo

das doenças crónicas típicas do envelhecimento patológico. A perspectiva actual

é assim que a maioria das pessoas idosas, pelo menos até aos 75 anos, sejam rela-

tivamente saudáveis (LACHMAN & BALTES, 1994, cit. in FONSECA, 2006).

Um segundo cenário adopta uma tonalidade mais pessimista pois parte da

constatação de que continua a existir uma grande probabilidade de os idosos

contraírem um conjunto de doenças típicas como sejam a Doença de Alzheimer,

Doença de Parkinson, demências várias, etc., fazendo diminuir de forma irrever-

sível a qualidade de vida dos idosos (BALTES & SMITH, 2003, cit. in

FONSECA, 2006).

É assim importante distinguir entre os efeitos da doença e do envelhecimento

ainda porque confundir estas duas realidades seria como que fazer do envelheci-

mento uma doença e considerar todos os idosos como pessoas doentes, como se

os idosos doentes fossem o único tipo de idosos o que manifestamente não é

verdade. Se cometermos este erro não somente estamos a esquecer os idosos que

se mantêm relativamente saudáveis, como ficaríamos sem saber se as caracterís-

ticas de pessoas idosas doentes resultam da sua avançada, da sua doença ou da

interacção entre ambas. Para além disso, o objecto de todos os que trabalham

nesta área é fazer com que o envelhecimento normal se torne a regra e não a

excepção (FONSECA, 2006).

ALTERAÇÕES FÍSICAS E FISIOL GICAS

As alterações físicas e fisiológicas relacionadas com o envelhecimento são aquelas

que se tornam mais evidentes e são especialmente significativas para o indivíduo

porque aparecem como os primeiros sinais do envelhecimento. Isto é, são os

primeiros sinais de alarme que levam a pessoa a aperceber-se de que está a enve-

lhecer. Contudo, é importante fazer uma distinção entre alterações física e

fisiológicas porque cada um deste tipo de alterações está relacionado com um tipo

diferente de consequências. Por um lado, alterações físicas tais como a perda e

embranquecimento do cabelo, o enrugar da pele, a diminuição da altura, a perda

de dentes, a diminuição do vigor e resistência física têm essencialmente efeitos ao

nível do autoconceito, isto é, da forma como o indivíduo se vê a si próprio. As

alterações fisiológicas como sejam a diminuição da acuidade sensorial, a lentação

do sistema nervoso central, a perda de eficiência do sistema hormonal têm essen-

cialmente efeitos no ajustamento psicossocial pois afectam a forma como o sujeito

se relaciona com os outros à sua volta.

É necessário, contudo, ter em conta a enorme variação interindividual na

extensão e gravidade destas alterações por isso a forma como afectam a vida do

indivíduo pode variar enormemente de pessoa para pessoa. Estas diferenças são

o resultado de um conjunto de factores tais como a nutrição, hereditariedade,

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações físicas e fisiológicas

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acesso a cuidados de saúde, exposição directa ao sol, e nível de exercício físico.

Dado que estas alterações são tipicamente associadas ao envelhecimento tendem

a ser conotadas negativamente pela nossa sociedade dando origem a uma atitude

negativa face aos idosos que tem sido designada por idadismo.

ALTERAÇÕES FÍSICAS

Uma das alterações físicas com a idade é a diminuição de estatura que resulta

essencialmente de dois problemas. Em primeiro lugar, com a idade verifica-se

uma diminuição da espessura dos discos intervertebrais devido às alterações do

colagéneo. A este problema está cumulativamente associado um outro que a

tendência das pessoas para adoptarem posturas caracterizadas por uma ligeira

curvatura para a frente. Esta tendência resulta por um lado da fraqueza muscular

e por outro de problemas de equilíbrio que tendem a aparecer com a idade. Há

ainda um outro aspecto, que pode estar relacionado com o facto de as pessoas

idosas aparecerem normalmente como tendo menos estatura que as pessoas mais

novas. Referimo-nos à tendência recente de as pessoas, como resultado de uma

nutrição mais rica em proteínas, crescerem mais do que era usual em tempos mais

recuados, pois é um facto que a altura média da população das sociedades desen-

volvidas tem vindo a aumentar. Temos por aqui um nítido efeito de coorte.

Ao nível da pele uma das alterações mais aparentes é a maior palidez, altera-

ções de textura, perda de elasticidade, maior secura e aparecimento de sinais e

manchas de pigmentação. Este tipo de alterações parecem estar essencialmente

relacionados com o nível de exposição à acção directa dos raios solares, por isso

temos aqui também um claro efeito de coorte pois o uso de protectores solares

era inexistente algumas décadas atrás. Por outro lado, o aparecimento das rugas

é o resultado da perda de elasticidade da pele assim como da perda de tecido

muscular subcutâneo. A secura da pele pode tornar-se um problema se conduzir

a uma frequente sensação de comichão o que pode levar a irritação e eventuais

infecções bacterianas se o idoso se coçar sem os devidos cuidados. Mas, para além

disto, temos cada vez mais um outro efeito do envelhecimento da pele que são o

efeitos emocionais resultantes das alterações ao nível do autoconceito de que já

falámos. As chamadas “manchas da idade” são produzidas por um grupo de

substâncias as lipofuscinas que se concentram em determinadas células nervosas

e que levam à pigmentação dessas células.

A perda da dentição é outra marca indelével da entrada na terceira idade,

contudo este é também um problema onde se verifica o efeito de coorte pois mais

recentemente o acesso a cuidados dentários tem reduzido a perda de dentes pelas

pessoas mais idosas.

Outra alteração significativa associada à idade é a perda e alteração da cor do

cabelo que adopta uma cor esbranquiçada independentemente da cor natural

anterior. A perda de cabelo tem essencialmente a ver com o declínio gradual da

secreção das glândulas suprarrenais se bem que a circulação sanguínea no couro

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações físicas e fisiológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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cabeludo pode estar também relacionada com este processo. O embranqueci-

mento dos cabelos resulta da perda de pigmentos por alterações na produção dos

melanocitos que fornecem os grãos de pigmentação para o cabelo. A forma como

se processa cada uma destas alterações parece estar essencialmente relacionada

com factores hereditários.

Verificam-se com a idade igualmente alterações na voz que se torna mais fraca

e com uma gama mais limitada de tonalidades. Isto parece ser determinado por

alterações corporais que actuam de forma gradual e que limitam a capacidade

para controla ar a emissão do ar necessário à voz, ou ainda por problemas de

congestionamento das vias respiratória superiores ou ainda da eventual atrofia

dos músculos da laringe.

O sistema digestivo não parece ser significativamente afectado pela idade se

bem que a diminuição do olfacto e do gosto possam conduzir a uma perda de

apetite.

ALTERAÇÕES FISIOL GICAS E SENSORIAIS

Nas pessoas idosas verifica-se uma tendência para a diminuição da acuidade em

pelo menos quatro dos cinco sistemas sensoriais, assim como no sentido do equi-

líbrio. Apesar de não ser ainda perfeitamente clara a relação entre a perda de

acuidade e o envelhecimento em si, é evidente uma diminuição da eficiência dos

órgãos receptores que se traduz num aumento dos limiares perceptivos que são

requeridos para a percepção. Esta característica pode ter dois tipos de implica-

ções. Em primeiro lugar, a pessoa idosa tem necessidade de níveis de estimulação

mais elevados em intensidade e qualidade para obter o mesmo nível sensorial e

perceptivo; em segundo lugar o declínio na acuidade sensorial pode ser tão

acentuado que exige o uso de próteses ou outros sistemas de compensação.

Esta perda de acuidade é muito importante, especialmente na visão e audição,

na medida em que não somente afectam a capacidade do indivíduo para funcio-

nar no seu ambiente mas, em casos mais graves, podem conduzir a um estado de

privação sensorial e isolamento social que acaba por ter efeitos significativos a

nível psicológico e social. É por isto que as pessoas idosas tendem a movimen-

tar-se mais lentamente e mais cuidadosamente que as pessoas mais novas. Apesar

de isso se dever à perda de visão e audição está também relacionado com uma

diminuição do sentido do equilíbrio que resulta de uma menor irrigação sanguí-

nea do ouvido interno, fazendo que acidentes e quedas sejam mais frequentes em

pessoas idosas. Ainda a lentação do processamento de informação pelo sistema

nervoso central reduz a velocidade que os inputs visuais são adquiridos e percep-

cionados que acaba por ter consequências a nível da capacidade do indivíduo para

lidar com o seu ambiente físico.

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações físicas e fisiológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Sistema circulatório É importante ter em conta os efeitos do envelhecimento do sistema circulatório

pois os problemas cardiovasculares são umas das principais causas de morte nas

pessoas a partir de uma certa idade. O que sabemos é que o envelhecimento é

acompanhado de uma diminuição da eficiência do coração, uma redução da

elasticidade e depósito de colesterol nas artérias o que é designado como

arteriosclerose.

Estas alterações têm como consequência a enorme prevalência de hipertensão

arterial na população idosa.

Outro tipo de problemas circulatórios habitualmente associados ao envelheci-

mento é a oclusão vasos sanguíneos por coágulos de sangue que podem provocar

flebites ou em casos mais graves acidentes vasculares cerebrais que podem ter

consequências incapacitantes ou mesmo a morte.

Sistemas sensoriais

Visão

Existe um conjunto de aspectos da visão que declinam com a idade. A acuidade

visual normalmente atinge o seu máximo no final da adolescência, depois perma-

nece mais ou menos estável até aos 45, 50 anos e a partir daí começa a declinar

gradualmente. Outro aspecto, o limiar de adaptação a condições de baixa lumi-

nosidade aumenta com a idade fazendo com que seja cada vez mais difícil às

pessoas idosas ver claramente quando há pouca luz, isto porque a facilidade com

que a luz atravessa a córnea, cristalino e humor vítreo diminui com a idade. Outra

alteração está relacionada com a capacidade de acomodação do cristalino que

declina a um ritmo constante entre os cinco e os 60 anos a uma taxa constante o

que prejudica especialmente a visão a curta distância. É por isso que quase todas

as pessoas a partir dos 45, 50 anos necessitam de óculos com lentes bifocais espe-

cialmente para lerem.

Contudo, apesar de a incidência das disfunções visuais aumentarem com a

idade, a maior parte das pessoas idosas não são afectadas por problemas graves

de visão. Isto acontece porque normalmente as alterações são graduais e as

pessoas vão-se adaptando a elas ou podem ser compensadas pelo uso de óculos

ou cirurgia ocular. A cirurgia ocular é especialmente indicada no caso de idosos

com problemas graves de cataratas. Este problema é mais comum em idosos que

trabalharam na agricultura ou em outra actividade em meio exterior o que por

isso estiveram expostos a de forma contínua à luz solar.

Audição

Tal como na visão, o declínio relacionado com a idade é um fenómeno complexo.

Como sabemos a audição depende de um conjunto de órgãos que se situam no

nosso ouvido interno. O declínio da acuidade auditiva especialmente nas frequên-

cias mais altas parece estar relacionado com a perda de células e da flexibilidade

das membranas sensíveis às ondas sonoras. Naturalmente ao declínio natural

podem juntar-se outros factores ambientais como a exposição prolongada a ruídos

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações físicas e fisiológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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elevados como acontece com idosos, especialmente homens, que trabalharam em

oficinas ou em outros ambientes laborais ruidosos numa época onde não era

comum o uso de protectores auditivos.

Mais uma vez, quando a perda é gradual e pouco significativa, os idosos

adaptam-se sem grandes dificuldades. Quando a perda de audição é de tal ordem

que se torna necessário o uso de próteses auditivas estas não são normalmente

tão bem aceites como os óculos, dado que parece evocar um certo estigma

associado à surdez.

Paladar e olfacto

Da mesma forma que já constatámos para a visão e audição, são necessários

maiores níveis de estimulação para as pessoas idosas terem as mesmas sensações

que pessoas mais novas. Na mesma linha, verifica-se igualmente uma perda de

papilas gustativas com o avançar da idade. Estudos comparativos mostram igual-

mente uma deterioração do sentido do olfacto nas pessoas mais idosas.

Estas alterações têm consequências essencialmente a nível dos hábitos alimen-

tares das pessoas idosas assim como do seu equilíbrio nutricional especialmente

dos idosos que vivem sozinhos, pois frequentemente assistimos a pessoas idosas

exigirem maiores quantidades de sal na comida e açúcar no chá e café. Percebe-se

assim como é importante ter um conhecimento deste tipo de alterações para nos

podermos relacionar com a pessoa idosa de uma forma mais correcta e equili-

brada. Com efeito, sabemos que são também vulgares as queixas das pessoas

idosas de que a “comida de hoje não sabe como a de antigamente”, e, assim, em

vez de reagirmos a afirmações deste tipo com um encolher de ombros ou com um

comentário mais ou menos explícito do género “lá está ele (ou ela) com a mania

de que antigamente é que tudo era bom” termos a noção de que num certo sentido

o idoso tem razão ao dizer aquilo que diz — efectivamente a comida já não tem

para ele o mesmo sabor que tinha antigamente. Isso deverá levar-nos a ter alguma

disponibilidade para ajudarmos o idoso a compreender que as diferenças que ele

nota no sabor da comida não tem a ver com o facto de a comida antigamente ser

melhor que a comida actual mas sim com alterações ao nível do seu olfacto e

paladar que, tal como a vista e a audição, sofreram uma deterioração com a

passagem do tempo.

Sistema Nervoso Central O aspecto mais geral que relaciona o funcionamento do sistema nervoso central

com o envelhecimento é a diminuição da velocidade de processamento do SNC

com a idade. Esta característica é significativa porque é uma das poucas alterações

relacionadas com a idade que parecem ocorrer independentemente de qualquer

tipo de patologia, embora, como é natural, a ocorrência de doenças o possa

agravar.

Por outro lado, dado que as células do sistema nervoso não se reproduzem é

óbvio que quando morrem neurónios estes não são substituídos, por isso, a morte

celular, a falta de oxigénio relacionada com os problemas circulatórios e ainda

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações físicas e fisiológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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alterações que se verificam no próprio interior das células tem como consequên-

cia a redução da eficiência do funcionamento do sistema nervoso. A perda de

células nervosas, especialmente a nível cerebral é de tal forma evidente que o

peso do cérebro vai diminuindo com a idade.

A lentação do funcionamento do sistema nervoso tem como consequência que

todos os comportamentos sensoriomotores ficam mais lentos, o que é visível nos

aumentos dos tempos de reacção do idoso. É importante, contudo, ter em atenção

que o tempo de reacção envolve diferentes aspectos do funcionamento do sistema

nervoso, por exemplo, a percepção, a atenção, a memória a curto prazo e a

transmissão do impulso nervoso, e ainda não está claro se todos estes processos

ficam mais lentos com a idade ou se isso só se verifica com alguns deles. Este é

contudo um problema mais do campo da fisiologia do que da psicologia e, por

isso, o que nos interessa aqui é considerar as implicações que estas alterações

podem ter na vida do idoso. Com efeito, essas alterações podem tornar-se críticas

numa sociedade como a nossa em que tudo acontece cada vez mais depressa e

exige de nós respostas cada vez mais rápidas. Um aspecto concreto em que isto é

notório é a condução de automóveis por idosos. O gráfico seguinte mostra-nos a

percentagem de condutores considerados responsáveis por acidentes rodoviários

em dois estados dos EUA e no Reino Unido. Verifica-se assim que a partir dos 40

anos essa percentagem cresce sistematicamente.

Gráfico 2 – Percentagem de condutores responsáveis por acidentes.

Podemos concluir este tópico com a noção de que as alterações, digamos assim,

“normais”, isto é, aquelas que estão essencialmente dependentes da idade, vão

acontecendo de forma gradual e normalmente permitem aos idosos adoptarem

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações Psicológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

77

estratégias de compensação para as limitações daí decorrentes, o que faz com que

na maior parte dos casos elas não resultem em alterações drásticas na vida do

idoso. Contudo, quando por qualquer razão, essas alterações são mais graves,

podem levar a situações de privação sensorial e isolamento social. Um idoso que

tem sérias dificuldades de visão pode, por exemplo, evitar sair de casa por receio

de sofrer algum acidente, ou um idoso com graves problemas auditivos pode

reduzir as interacções com outras pessoas. Estas dificuldades podem também

interagir com o tipo de ambiente físico em que o idoso habita, sendo que neste

caso os actuais ambientes urbanos apresentam enormes dificuldades para as

pessoas idosas devido à superestimulação e à rapidez com que tudo acontece.

ALTERAÇÕES PSICOLÓGICAS

ALTERAÇÕES SOCIAIS E DA PERSONALIDADE

Esta matéria não faz parte dos conteúdos do presente ano lectivo.

ALTERAÇÕES INTELECTUAIS E COGNITIVAS

Aspectos gerais Vamos iniciar este tópico fazendo uma chamada de atenção para alguns aspectos

gerais que é necessário ter em conta para alcançarmos uma perspectiva correcta

da problemática das alterações intelectuais e cognitivas com a idade. Em primeiro

lugar há a considerar um conjunto de questões metodológicas que estão na base

da dificuldade em fazer investigação na área das alterações intelectuais relaciona-

das com a idade e, por consequência, para os cuidados que devemos ter na inter-

pretação dos respectivos dados. Investigar alterações relacionadas com a idade

implica no fundo comparar o funcionamento intelectual de sujeitos idosos com o

funcionamento de sujeitos mais jovens. Começaremos por discutir a questão de

como e que sujeitos são comparados e em seguida abordaremos a questão de saber

em quê, quer dizer, a partir de que variáveis eles são comparados. Assim, compa-

rar sujeitos mais jovens com sujeitos idosos na base de resultados de testes psico-

lógicos pode ser problemático devido ao efeito de coorte, quer dizer, os sujeitos

mais idosos podem ter resultados mais baixos nos testes psicológicos, não porque

efectivamente sejam mais fracos mas simplesmente porque ou têm em geral

menos instrução ou estão menos familiarizados com este tipo de provas. Os

estudos longitudinais também apresentam dificuldades pois duram normalmente

bastante tempo e muitas vezes acontece que os sujeitos mais fracos tendem a

abandonar o grupo que está a ser investigado o que leva a uma inflação dos resul-

tados médios. Um sinal desta problemática é a discrepância de resultados relati-

vos à evolução da inteligência com a idade – ao passo que os estudos transversais

mostram um declínio significativo da inteligência, os estudos longitudinais

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações Psicológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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mostram pouco ou nenhum declínio. Agora, no que respeita ao tipo de tarefas em

que os sujeitos são comparados, abordaremos um aspecto paradigmático que são

os testes de inteligência que são utilizados e o tipo de inteligência que pretendem

medir. Aqui naturalmente vamos ter que simplificar pois não cabe aqui uma

discussão pormenorizada sobre a natureza da inteligência, assim vamos partir da

distinção clássica proposta por CATTEL (1963, cit in FONATAINE, 2000, p.83)

entre inteligência fluida e inteligência cristalizada. Resumidamente, para

CATTEL (1971, cit. in MARCHAND, 2005, p.47) a inteligência fluida designa o

conjunto de capacidades básicas tais como a atenção, a memória, e as capacidades

de raciocínio, que dependem mais das características próprias do sujeito do que

da escolaridade formal (por exemplo, o raciocínio indutivo e dedutivo) o passo

que a inteligência cristalizada designa o conjunto de capacidades e de conheci-

mentos que dependem da aculturação ou do conhecimento adquirido, por

exemplo, a capacidade resultante da aprendizagem e da experiência e que natu-

ralmente correlaciona com a instrução e a cultura (por exemplo, a compreensão

verbal, o vocabulário, a capacidade para avaliar a experiência, etc.). Outra distin-

ção importante para a nossa análise está relacionada com o tipo de testes utiliza-

dos para medir a inteligência (KIMMEL, 1990). Temos assim os testes que

medem o aspecto quantitativo da inteligência e os testes que medem o próprio

processo de pensamento. Veremos mais adiante como esta questão se relaciona

com a inteligência no idoso.

Mas, para além destas questões de tipo metodológico, há ainda dois aspectos

a considerar no que refere à natureza específica das alterações intelectuais e

cognitivas com a idade, referimo-nos em primeiro lugar às diferenças interindivi-

duais que aumentam com a idade e em segundo lugar à dificuldade em distinguir

os efeitos da idade dos efeitos de doenças ou outros factores não cognitivos.

Relativamente ao primeiro aspecto é importante ter a noção de que nas socieda-

des modernas os idosos se constituíram como uma categoria social e têm por isso

sido objecto de um processo de estereotipização que implicitamente assume que

os idosos são todos iguais, o que não pode estar mais longe da verdade. De facto,

há medida que o tempo passa as pessoas vão ficando cada vez mais diferentes

entre si na medida em que os sujeitos mais capazes podem até melhorar com a

idade enquanto que os sujeitos menos capazes podem regredir mais do que o

normal. Isto não tem nada de esotérico pois é fácil de compreender que um indi-

víduo com alto nível de capacidade, habituado a ter sucesso nas suas actividades,

vai sentir-se mais motivado para continuar a avançar o que faz com as melhores

obras de muitos artistas, escritores e intelectuais em geral sejam realizadas já na

sua velhice. Pelo contrário indivíduos de baixa capacidade, muitas vezes com

ocupações pouco estimulantes, vão ter maior tendência à estagnação o que

conduz a um maior declínio funcional. Relativamente ao segundo aspecto, o

efeito de eventual patologia assim como de um conjunto de factores não-cogniti-

vos tais como a instrução, a classe social, a motivação, perdas pessoais e até a

proximidade da morte pode condicionar largamente o funcionamento intelectual

das pessoas idosas.

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações Psicológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Alterações da inteligência com o envelhecimento Os dados disponíveis indicam que não existem alterações significativas ao nível

das estruturas do pensamento ao longo da idade adulta e, assim, podemos

constatar que, do ponto de vista qualitativo, se verifica uma relativa estabilização

na inteligência adulta. Contudo, podemos colocar a questão se o envelhecimento

tem necessariamente como consequência eventuais alterações de tipo quantita-

tivo, quer dizer, saber se a capacidade que designamos por inteligência mantém

o mesmo nível de eficiência durante toda a vida.

O conceito de inteligência adulta tem sido mais habitualmente operaciona-

lizado a partir do conceito de Quociente de Inteligência (QI)19

tendo este sido

obtido a partir da aplicação dos chamados testes de inteligência. Contudo, como

a inteligência é um conceito multifacetado que pode ser medido a partir de uma

multiplicidade de variáveis muitas vezes utilizam-se as chamadas escalas de inte-

ligência que consistem num conjunto de testes que são aplicados ao mesmo

sujeito. Uma das escalas mais conhecidas e mais utilizadas é a WAIS (Wechsler

Adult Intelligence Scale) assim designada por a primeira edição ter sido publicada

por David WECHSLER em 1955. GRÉGOIRE (1993) numa investigação com

a WAIS obteve os resultados que podemos observar no gráfico seguinte.

Gráfico 3 - QI Verbal, QI de Realização e QI Global em função da idade (Grégoire, 1993).

A análise dos dados permite constatar um perfil diferente para o QI Verbal que

se mantém estável até aos 80 anos, e o QI de Realização que declina a partir dos

45 anos e entra em queda acelerada a partir dos 70 anos. Estes dados confirmam

aquele que tem sido designado como o padrão clássico do envelhecimento

que aponta para um declínio significativo no resultado de testes que medem o

aspecto realização da inteligência ao passo que se verifica pouco ou nenhum

declínio no resultado de testes que medem capacidades verbais20

. No que

19 Consultar Anexo 1.

20 Testes que medem capacidades verbais consistem em perguntas ás quais a pessoa tem que

responder verbalmente normalmente questões de cultura geral, definição de séries de palavras,

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações Psicológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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respeita à inteligência fluida versus inteligência cristalizada verifica-se igualmente

que as duas aptidões possuem curvas de envelhecimento muito diferentes

(HORN & CATTEL, 1966 cit. in. FONTAINE, 2000) Segundo estes autores, a

inteligência fluida atinge o seu máximo aos 14-15 anos, idade a partir da qual

declina regularmente. A inteligência cristalizada, por seu lado, atinge o seu

máximo por volta dos 18-20 anos e mantém-se estável até à idade avançada.

Apesar da aparente consonância da noção de CATTEL com os dados de

GRÉGOIRE, este autor (GÉGOIRE, 1993) é de opinião que para além das

noções de inteligência fluida e cristalizada é importante ter em conta outros

factores explicativos entre os quais a rapidez dos processos visuais e motores para

compreender este padrão diferencial da evolução da inteligência com a idade.

Isto porque nos testes de realização normalmente intervém o factor tempo no

sentido em que é contado o tempo que o sujeito leva a realizar a tarefa sendo mais

cotadas as realizações mais rápidas. Esta característica naturalmente penaliza as

pessoas idosas que, como vimos, são mais lentas em tarefas psicomotoras.

Contudo como nota BOTWINICK (1977, cit. in KIMMEL, 1990) mesmo

quando factor tempo é removido as diferenças relacionadas com a idade não

desaparecem completamente, o que é um sinal de que o declínio nos processos

intelectuais pode ser responsável pelo declínio nos testes de realização em

pessoas idosas.

Os resultados dos testes verbais normalmente não mostram um declínio signi-

ficativo com a idade, podendo mesmo, em sujeitos de nível superior, aumentar

com a idade, particularmente no que se refere à competência vocabular. Isto

significa que o uso da informação e conhecimento adquirido, quando é recupe-

rado em circunstâncias normais sem pressões temporais, parece ser a função

menos afectada pela idade, ao passo que a capacidade para resolver problemas,

especialmente se forem problemas novos com pressão temporal, mostram um

declínio acentuado com a idade. Isto sugere que existem alterações no processo

de pensamento no sentido em que encontrar soluções para problemas novos,

onde a experiência passada não serve de ajuda, se torna mais difícil para as pessoas

idosas, pelo menos nos testes de inteligência.

Ainda nesta linha da distinção entre inteligência fluida e inteligência cristali-

zada BALTES (1987, 1984, 1986, 1976, cit. in MARCHAND, 2005) conceptua-

liza um modelo de inteligência com duas dimensões, a dimensão mecânica e a

dimensão pragmática. A dimensão mecânica pode ser identificada com a inteli-

gência fluida de CATTEL, é constituída pelo processamento de informação

básico, universal, ao passo que a inteligência pragmática, identificada com a inte-

ligência cristalizada, é constituída pelo conhecimento factual e processual, está

explicação do sentido subjacente a provérbios e lugares-comuns, determinação dos aspetos

comuns a dois objectos, etc.. Os testes de realização implicam que a pessoa tenha que fazer no

concreto uma atividade prática tal como construir um puzzle, reproduzir padrões com cubos,

etc., e normalmente implicam a variável tempo, isto é, a pessoa tem um tempo determinado

para realizar as tarefas.

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações Psicológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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dependente da cultura, decorrendo as diferenças individuais essencialmente da

experiência. Contrariamente aos resultados dos estudos de HORN & CATTEL,

os estudos de BALTES e colaboradores mostram que o declínio intelectual não é

universal pois não é manifesto em todas as pessoas. Embora admitindo que possa

haver algum declínio na dimensão mecânica da inteligência, especialmente a

partir dos 60 anos, quando esta é medida através de provas que envolvem tarefas

estranhas às actividades normais do sujeito, o declínio é menos inevitável do que

mostram os resultados obtidos pela generalidade dos investigadores nesta área, e

que poderá mesmo haver uma evolução na dimensão pragmática da inteligência

sendo este o processo que costuma ser designado por sabedoria da terceira idade

(BALTES & SMITH, 1990, cit. in MARCHAND, 2005).

Alterações da memória e aprendizagem com a idade Abordamos em conjunto os aspectos ligados às alterações da memória e aprendi-

zagem com a idade porque na verdade estes dois aspectos estão de tal forma liga-

dos que não faz sentido analisá-los separadamente. Na verdade todas as tarefas

de aprendizagem envolvem a memória e a memorização envolve sempre alguma

forma de aprendizagem.

Esta questão da memória é especialmente significativa no que respeita à

problemática do envelhecimento por via do estereótipo social associado à perda

de memória nos idosos. Efectivamente, do ponto de vista do senso comum, as

dificuldades ao nível da memória é aquilo que mais associamos à terceira idade.

Veremos mais adiante que a realidade é um pouco mais complexa do que esta

visão simplista tende a fazer crer.

Mas, antes de avançarmos mais nesta questão é importante esclarecer alguns

aspectos relacionados com a natureza e funcionamento da memória pois, como

veremos, é essencial ter uma noção clara sobre esta matéria para podermos

compreender a relação da memória com o envelhecimento. A memória é um

processo global composto essencialmente por três fases: - aquisição, retenção e

recuperação, sendo que, apesar de estarem naturalmente relacionados, cada uma

destas fases envolve aspectos distintos. A aquisição designa o processo através

do qual um estímulo é recebido por um órgão receptor e depois encaminhado

para o cérebro onde é processado de forma a gerar informação significativa para

o sujeito. A retenção envolve a capacidade para o cérebro criar os circuitos

necessários a que essa informação fique guardada para futura utilização. Final-

mente, a recuperação refere-se ao processo pelo qual a informação que foi

adquirida e depois retida seja recuperada pelo sujeito de acordo com a sua

necessidade.

BOTWINICK (1967, cit in KIMMEL, 1990, p.), baseando-se na revisão da

literatura nesta área que realizou é de opinião que não se pode concluir que o

avançar da idade acarreta necessariamente uma perda progressiva de memória;

em vez disso, os dados indicam que à medida que envelhecem mais pessoas

apresentam um declínio da memória, mas, mesmo assim um número significativo

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações Psicológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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de pessoas mantêm um bom funcionamento da memória independentemente da

sua idade.

Partindo da noção de que a memória é um processo em três fases, tem havido

um considerável debate acerca da questão se o declínio relacionado com a idade

tem mais a ver com problemas de aquisição ou de recuperação de memórias que

já foram adquiridas. Por exemplo, o senso comum admite que os idosos têm uma

boa memória a longo termo porque são capazes de recordar eventos que tiveram

lugar há bastante tempo, mas têm dificuldade em recordar nova informação

resultante de acontecimentos recentes. Esta noção não tem sido, contudo,

apoiada pelos dados da investigação. Por exemplo, CRAIK (1977, cit in

KIMMEL, 1990) conclui que a memória de eventos passados sofre um declínio

em função a idade e do tempo que passou desde o momento em que esses eventos

tiveram lugar e que, por isso, as pessoas mais novas são mais capazes de recordar

coisas antigas do que as pessoas mais idosas. O facto de as pessoas idosas conse-

guirem manter vivas memórias do passado distante pode ser resultado de essas

memórias serem como que actualizadas sempre que a pessoa conta a mesma

história e também do facto de muitos idosos manterem uma razoável capacidade

mnésica. Ainda nesta linha, apesar de alguns estudos mostrarem que os idosos

podem ter alguns problemas de aquisição que explicam o declínio na memória a

curto-prazo o que pode ter a ver com problemas de atenção e compreensão da

informação, outros estudos concluem que o declínio da aprendizagem com a

idade parece ser essencialmente um problema de recuperação mais do que aqui-

sição. Por exemplo, um estudo mostrou que sujeitos jovens têm um melhor

desempenho que os idosos em situações de “recordação livre”, mas que essa

diferença diminui em situações de “recordação com pistas” ou de “reconheci-

mento”. Quer dizer, as pessoas jovens tinham mais facilidade em recuperar a

informação quando não era dado qualquer tipo de pistas para ajudar à recordação,

mas essa diferença desaparecia quando eram dadas pistas para ajudar a recorda-

ção. Estes resultados indicam que o nível de aquisição tinha sido o mesmo para

ambos os grupos, mas os sujeitos mais idosos tinham mais dificuldade em recu-

perar a informação adquirida a menos que houvesse uma qualquer ajuda nesse

sentido. Outro aspecto importante é o factor tempo pois vários estudos indicam

que o declínio é mais aparente quando está envolvido o tempo, isto é, quando não

é dado qualquer tempo limite aos sujeitos para recuperarem a informação

memorizada o desempenho dos idosos melhora significativamente.

Parece também que o problema da memória nos idosos é também afectado

por factores de ordem social tais como as expectativas relacionadas com as

dificuldades dos idosos nesta área. Isto faz com que provavelmente se precisar-

mos que uma pessoa mais nova se recorde de uma informação memorizada vamos

gastar mais tempo e disponibilidade pessoal com essa pessoa até que acabe por

se lembrar, enquanto que, se o mesmo acontecer com uma pessoa idosa, rapida-

mente vamos chegar à conclusão de que ela não se vai conseguir lembrar e desis-

timos de a ajudar a recordar-se. Alguns idosos acabam por interiorizar eles

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações Psicológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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próprios estes estereótipos de forma que são os primeiros a queixarem-se de falta

de memória e a atribuírem esse problema à idade avançada.

Agora, no que diz respeito mais propriamente à aprendizagem, é óbvio que o

declínio na memória a curto prazo implica dificuldades na aprendizagem com o

avançar da idade, contudo, não está ainda clara a existência de puros défices de

aprendizagem relacionados com o envelhecimento. Como vimos quando estudá-

mos a questão da inteligência os idosos apresentavam essencialmente problemas

de realização, isto é, de resolução de problemas de ordem prática. Esses proble-

mas parecem estar essencialmente relacionados com a desaceleração do funcio-

namento do sistema nervoso assim como dos sistemas sensoriais e perceptivos.

Por isso, mais do que propriamente problemas específicos de aprendizagem os

idosos parecem mais ter um problema de desempenho, especialmente quando

esse desempenho tem que ser rápido e em condições novas para o sujeito. Pode-

mos ainda apontar a existência de outros factores extracognitivos como sejam a

motivação, os interesses e a instrução prévia que podem revelar-se mais impor-

tantes que a idade como factor explicativo das dificuldades dos idosos em termos

de aprendizagem. Isto é, a vida de alguns idosos pode tornar-se tão vazia e desin-

teressante que eles acabam por achar que não vale a pena investir na aquisição

de informação nova. Os baixos níveis de instrução aliados a tarefas ocupacionais

simples e rotineiras podem ser também um factor explicativo importante.

Alterações do pensamento e criatividade com a idade Como não podia deixar de ser, na abordagem desta temática das alterações do

pensamento e criatividade no idoso vamos recuperar muita da argumentação

apresentada nos pontos anteriores, isto porque a cognição humana é um sistema

integrado e solidário e só a necessidade de expormos o seu funcionamento de

forma ordenada nos leva a dividi-la em categorias sempre aleatórias e artificiais.

Na verdade, processos como o pensamento e a criatividade são como que o

culminar de processos mais elementares como a inteligência, a memória, etc., por

isso, alterações significativas nesses processos acabam inevitavelmente por ter

consequências na capacidade do idoso para pensar de forma original e criativa.

Vimos também que muitas vezes os idosos desenvolvem estratégias para compen-

sar as ligeiras perdas ao nível da memória e da capacidade para aprender de forma

que essas perdas acabam na prática por ter pouco ou nenhum impacto na sua

vida. De facto, são essas estratégias podem, pelo menos em parte, explicar a razão

porque os idosos são privilegiam normalmente abordagens aos problemas bem

estabelecidas, isto é, o idoso repete os processos mentais que normalmente se

revelam eficazes para resolver os seus problemas de vida diária, mas que de

alguma forma acabam por prejudicar o aparecimento de soluções novas para o

tipo de problemas com que são confrontados nos testes psicológicos.

Esta introdução pode ajudar a compreender a razão porque muitas vezes os

idosos apresentam sistematicamente resultados mais fracos nos estudos sobre a

relação entre pensamento e envelhecimento realizados em laboratório. Com

efeito, aparentemente as alterações do pensamento com a idade são muito mais

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações Psicológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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aparentes no laboratório do que fora dele. Apesar disto, vários estudo têm

mostrado que os idosos apresentam um declínio significativo na formação de

conceitos. Por exemplo, WETHERICK (1965, cit. in KIMMEL, 1990) verificou

que sujeitos mais idosos tinham menos tendência a tirar partido de informação

negativa e tinham mais dificuldade em mudar conceitos que não se revelavam

adequados. Estes dados estão em linha com outros resultados que já vimos que

apontavam para uma maior dificuldade dos idosos ao nível da resolução de

problemas. Em outro estudo BOTWINICK (1970, cit. in KIMMEL, 1990)

aponta como características do pensamento de sujeitos idosos a redundância,

dificuldade para lidar com novos conceitos e dificuldade em usar estratégias de

resolução de problemas eficientes.

Existem ainda outras duas características do processo de pensamento que são

aparentes a partir da observação do comportamento quotidiano de sujeitos idosos

– a rigidez e concretude – mas que são mais difíceis de observar em laboratório.

Mesmo assim alguns estudos têm chamado a atenção para o facto de os idosos

tenderem a correr mesmos riscos e aplicar as soluções de carácter prático que se

mostraram eficazes em ocasiões semelhantes.

Agora, no que se refere mais propriamente à criatividade, os dados de que

dispomos relativamente à evolução do pensamento com o envelhecimento

levam-nos a esperar um declínio concomitante ao nível da criatividade. Contudo,

testar esta hipótese do ponto de vista científico envolve sérios problemas meto-

dológicos – O que é a criatividade? Como pode ser medida? Estas questões estão

na origem de um largo debate que tem sido feito e que de alguma forma contínua,

porque os dados de que dispomos não são simples nem lineares. Por exemplo,

como vimos atrás, o pensamento do idoso parece ser caracterizado por uma certa

rigidez, o que parece limitador da criatividade, contudo, existem inúmeros

exemplos de artistas, escritores, pensadores que produziram as suas melhores e

mais criativas obras já em períodos avançados da sua vida o que prova que a

rigidez não é uma fatalidade. Muitos dos dados divergentes obtidos a partir de

estudos nesta área resultam da forma como se aborda o conceito de criatividade,

contudo não avançaremos mais na análise da controvérsia gerada pelo estudo da

relação entre a criatividade e a idade porque não nos parece caber num trabalho

deste género.

Independentemente da forma como pensamento e criatividade são definidos,

um olhar mais global e holístico sobre esta matéria permite concluir que pensa-

mento e criatividade são conceitos muito difíceis de definir quanto mais de

avaliar. Para além disso não são funções isoladas da cognição humana e por isso

têm que ser vistas no contexto mais global do funcionamento mental da pessoa,

mais particularmente da pessoa idosa. Assim, é adequado pensar que os picos e

declínios parecem ter mais a ver com factores extracognitivos e não unicamente

com as alterações intelectuais. Já fizemos referência a este aspecto, não é fácil

para um idoso reformado ser criativo quando a sua vida é composta essencial-

mente por comportamentos rotineiros. Contudo, e para concluir este capítulo,

Aspectos psicofisiológicos do envelhecimento Alterações Psicológicas

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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talvez o mais sensato seja pensar que na ausência de patologia, isto é, nas condi-

ções de um envelhecimento normal, o pensamento e criatividade, assim como

outros aspectos do seu funcionamento intelectual da pessoa idosa, têm mais a ver

com o que essa pessoa foi enquanto mais jovem - os seus estudos, a profissão que

teve, a sua maneira de ser – do que com o facto de ser idoso.

Morte e luto Aspectos gerais

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Morte e luto

ASPECTOS GERAIS

aremos início a este tópico final do nosso programa introduzindo a noção

de que a morte é ao mesmo tempo um tema assustador e profunda-

mente interessante. Para além disso, é o grande tema tabu dos tempos

modernos tendo mesmo já ultrapassado o sexo como o assunto de que as pessoas

não se sentem muito à vontade para abordarem em público. É, por isso, impor-

tante começar por reconhecer que para a pessoa comum não é fácil abordar de

forma livre e descontraída o tema da morte.

Podemos tentar compreender porquê, porque é que uma realidade tão geral

e absoluta como a morte tende a estar tão fora da nossa consciência quotidiana.

Será porque no mais profundo de nós, a negação da morte é necessária para

funcionarmos num mundo onde doenças, acidentes, desastres naturais, guerras,

etc. nos atiram continuamente essa realidade à cara? Talvez precisemos de sentir

que esse tipo de coisas só acontece aos outros, não a nós, pois a não ser assim não

conseguiríamos assumir qualquer tipo de risco, conduzir um automóvel, ou

mesmo sair de casa. Contudo, uma negação sistemática e persistente como defesa

contra a o sentido da sua própria mortalidade e do medo da morte pode afectar a

nossa atitude perante a vida em geral assim como as atitudes face às pessoas idosas

que tendem a ser vista como estando mais perto da morte. Neste sentido a

negação inconsciente da morte acaba por significar uma negação da vida.

Talvez a maioria de nós normalmente evita pensar acerca da morte e, por isso,

também não gostamos de pensar nas pessoas doentes em estado terminal, isto

porque de alguma forma nos fazem lembrar o nosso destino comum de seres

humanos mortais. Muitas vezes evitamos as pessoas muito idosas como se elas nos

pudessem transmitir a velhice e a morte por contágio. Por isso, à medida que nos

sentirmos mais à vontade com a nossa mortalidade e mais conscientes do nosso

medo da morte, talvez isso faça com que nos sintamos mais à vontade na relação

com as pessoas idosas e com os doentes terminais. Até na forma como vivemos…

talvez possamos apreciar melhor a oportunidade única e irrepetível que significa

cada dia de vida que nos é oferecido do que se ignorássemos a finitude da nossa

vida e pensássemos que cada dia é mais um numa série infinita de dias.

O que acontece é que apesar de racional e conscientemente sabermos que um

dia vamos morrer, no mais fundo de nós próprios muitas vezes de forma perfei-

tamente inconsciente estamos convencidos de que nunca vamos morrer – aciden-

tes, ataques cardíacos e doenças mortais acontecem aos outros, mas não a nós.

Sabemos que existe este lado irracional e mítico da mente humana porque muitas

D

Morte e luto Aspectos gerais

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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vezes ele aparece à superfície em algumas doenças mentais, especialmente

psicoses, onde a pessoa forma a convicção delirante de que é uma personagem

imortal. Contudo, na realidade, a morte é algo incontornável para todo o ser

humano, e todos nós experienciámos ou vamos experienciar a morte de alguém

próximo de nós, ao longo das nossas vidas. Assim, espero que esta reflexão que

vos é agora proposta sobre esta temática nos estimule a construir uma atitude

mais humana para aqueles que estão perto da morte. O mistério e o medo da

morte é algo muito real, mas também é algo que podemos elaborar dentro de nós

e chegar a uma compreensão da nossa mortalidade o que certamente nos vai

ajudar a lidar com os nossos receios da morte. Um primeiro passo nesse sentido

é abandonarmos a crença mágica de que falar ou pensar em algo torna esse algo

mais real, não só em termos de realidade mental mas também em termos de reali-

dade concreta, material, é como se falar da morte fizesse com que ela ficasse mais

próxima. Ora, manifestamente não é assim, falar de uma coisa não faz, só por isso,

que essa coisa aconteça. Neste caso da morte, pode ser até o contrário… ao

melhorarmos a nossa relação com a morte, podemos, como vimos, melhorar

também a nossa relação com a vida e assim talvez viver mais, mas mais importante

do que isso, viver melhor. Se recordarem o filme que vimos “The Bucket List”

Edward, (a personagem interpretada por Jack Nicholson), afirma na cerimónia

fúnebre de Carter (a personagem interpretada por Morgan Freeman), “os últimos

meses da sua vida foram os melhores da minha. Ele salvou-me a vida. E sabia

disso, mesmo antes de mim.” Edward faz esta afirmação porque Carter, ao elabo-

rar uma lista de coisas que gostaria de fazer antes de morrer e posteriormente

embarcar com ele numa odisseia para realizar algumas dessas aspirações, o ajudou

a enfrentar a realidade próxima da morte, o que, ele tinha até aí tentado evitar. É

isso que Edward quer dizer - Carter, ao ajudá-lo a lidar com a morte, salvou-lhe

a vida não a vida física que depende do respirar e do bater do coração, mas a

forma como a vida é vivida.

Como veremos mais adiante quando abordarmos o trabalho da médica ameri-

cana Elisabeth KÜBLER-ROSS, a negação ainda que inconsciente da morte

acaba por conduzir a uma desumanização do processo de morte e consequente-

mente a uma desumanização da vida, porque a morte está ligada à vida. Por isso,

se a nossa reflexão nos permitir chegar a uma concepção mais humanizada da

morte e a uma relação serena e harmoniosa com a nossa própria mortalidade, isso

irá certamente ter como consequência uma vida mais rica e cheia de significado,

e, num certo sentido, mais real. Pois, de um ponto de vista existencial, a realidade

de uma vida consciente da sua própria finitude é necessária para que a vida tenha

significado, logo, se negarmos a morte, estamos de alguma forma a negar a vida.

Neste capítulo vamos abordar três aspectos desta fase da vida que precede a

morte. Começaremos pelas questões que parecem anteceder o próprio processo

de morte e que caracterizam o desenvolvimento pré-morte, isto é, as alterações

psicológicas que parecem ser desencadeadas e ritmadas pela aproximação da

morte. Não nos esqueçamos que segundo a perspectiva de life-span delineada no

início deste manual o desenvolvimento psicológico é uma realidade que percorre

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

88

toda a vida do indivíduo, isto é o mesmo que dizer que o indivíduo se desenvolve

psicologicamente desde que nasce, talvez até desde antes do nascimento, até ao

momento exacto em que morre. Por isso faz todo o sentido falar em desenvolvi-

mento pré-morte porque, como veremos, a morte desencadeia um conjunto de

processos psicológicos específicos que têm claramente um carácter desenvolvi-

mentista. Num segundo momento será abordado o modelo de Elisabeth

KÜBLER-ROSS que para além de nos propor um conjunto de reflexões e

insights extremamente interessantes sobre a morte em si, apresenta também um

conjunto de cinco reacções características que, segundo esta autora, podem ser

observadas tanto na pessoa que está a morrer, como naquelas que junto dela

sofrem de forma antecipatória a sua perda. Na última parte abordaremos as

questões psicológicas que se colocam aos sobreviventes que passam por um

processo de dor e luto como resultado da perda do seu ente querido.

DESENVOLVIMENTO PRÉ-MORTE

A MORTE ENQUANTO FACTOR DE DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO

Como vimos no ponto anterior, a consciência da aproximação da morte implica

alteração de processos psicológicos que vão acontecendo ao longo de tempo e é,

por isso, um factor de desenvolvimento. Como veremos quando abordarmos dois

autores fundamentais nesta área, Robert BUTLER e Erik ERIKSON, a consci-

ência da proximidade da morte pode levar até a uma reestruturação da persona-

lidade fazendo com que as pessoas mudem a sua maneira de ser por vezes de

forma dramática. Pudemos observar um exemplo interessante deste processo na

personagem Edward Cole interpretada por Jack Nicholson no filme de 2007 The

Bucket List (Nunca é Tarde Demais) que, como vimos, declara no final que o seu

companheiro de aventura Carter salvou a sua vida. Queria com isto dizer que

Carte o ajudou a tornar-se numa pessoa diferente, a ver a vida de forma diferente,

o que lhe permitiu dar um novo sentido à sua vida, salvando-o da sensação de

final de que a sua vida teria sido um falhanço completo e eventualmente a morrer

em paz e serenidade.

Abordaremos em seguida mais em detalhe alguns dos processos psicológicos

através dos quais se concretiza o desenvolvimento psicológico nos anos terminais

da vida. Resta-nos chamar a atenção para um aspecto interessante e inovador que

caracteriza o desenvolvimento psicológico na fase terminal da vida. Com efeito,

até este momento, o nosso desenvolvimento é essencialmente determinado por

acontecimentos passados, isto é, vão-nos acontecendo coisas que de alguma forma

nos empurram para a frente porque temos que nos adaptar a esses acontecimen-

tos no nosso espaço vital. Contudo, neste caso do desenvolvimento pré-morte, o

factor determinante do desenvolvimento não está no passado, mas sim no futuro,

quer dizer temos que nos adaptar a algo que ainda não aconteceu, a nossa morte,

mas que adquire essa capacidade de estimular o nosso desenvolvimento na

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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medida em que, por qualquer razão, nos convencemos que vai acontecer em

breve, ou melhor, num espaço de tempo mais ou menos bem determinado.

ALTERAÇÃO DA PERSPECTIVA TEMPORAL DE VIDA

Até agora temos abordado o desenvolvimento humano, os vários marcos que

assinalam alterações significativas ao longo do ciclo de vida, as várias fases e etapas

que caracterizam esse desenvolvimento, tudo isso tendo como referência

temporal a idade da pessoa, isto é, os anos que passaram desde que ela nasceu.

Contudo, NEUGARTEN (1976b, KIMMEL, 1990, p.524) chama a atenção para

um processo psicológico que acontece algures na meia-idade que representa uma

alteração na perspectiva temporal de vida, isto é, a pessoa começa a ter uma noção

do seu tempo de vida, contado já não a partir do momento em que nasceu, mas a

partir do tempo que ela imagina que vai ainda viver.

Como veremos mais em detalhe o próximo ponto, o último estádio de E.

ERIKSON caracterizado pelo dilema Integridade versus Desespero é desenca-

deado pela noção da proximidade relativa da morte.

Assim, nos últimos anos da vida da pessoa é um acontecimento futuro e final - a

morte – que serve de marco e de referencial a partir do qual a pessoa organiza a

sua perspectiva temporal de vida.

O PROCESSO DE REVISÃO DE VIDA

Aspectos introdutórios

Eu estou a escrever um diário ao qual chamo de livro dos mortos. Quando eu

o terminar estarei morta. Eu quero estar pronta, quero ter as coisas todas juntas

e arrumadas como quem se prepara para uma grande jornada final. Eu pretendo

tornar-me inteira aqui neste inferno. É a coisa que está perante mim para eu fazer.

Então, de certa forma, este caminho para o interior de mim e para o passado é

como um mapa, o mapa do meu mundo. Se eu conseguir desenhá-lo com precisão,

saberei onde estou.”

Caro Spencer em As We Are Now (Sarton, 1973)

Caro Spencer é uma personagem de um romance escrito por May Sarton em

1973. Trata-se de uma mulher de 76 anos, que sofreu um ataque cardíaco e foi

internada num lar para idosos. Miss Spencer está consciente de que vai morrer

nesse lugar e então começou a escrever um diário. Esse diário representa uma

reminiscência da sua vida. Com essa viagem por águas passadas, Miss Spencer

pretende compreender o seu passado, integrá-lo no presente e ao mesmo tempo

aceitar e preparar-se para sua mortalidade.

As reminiscências na idade avançada, sejam verbais ou escritas, como no diário

de Miss Spencer, têm sido muitas vezes vistas negativamente, meramente como

divagações de uma pessoa idosa incapaz de lidar com o presente. Por exemplo,

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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no romance referido acima, o diário de Miss Spencer era visto pela equipe do lar

de idosos como desabafos de uma mulher louca. No entanto, o processo de remi-

niscência tem sido descrito na literatura mais recente sobre psicologia do idoso

como uma tarefa de desenvolvimento normal na terceira idade. O diário de Miss

Spencer é um exemplo do processo descrito por BUTLER (1963), como o

processo de revisão de vida.

Tem sido teorizado que todos os indivíduos experienciam a revisão de vida

durante em fases adiantadas da vida adulta (BUTLER, 1963). Segundo

BUTLER, à medida que os indivíduos se apercebem que há um tempo limitado

restante para eles, eles irão examinar que tipo de vida que viveram e se sentem

que sua vida foi um sucesso ou um fracasso. Segundo BUTLER o processo de

revisão de vida muitas vezes se manifesta como reminiscência e leva a reorgani-

zação de personalidade na terceira idade. Note-se que esta teoria segue em para-

lelo as ideias de ERIKSON (1980). ERIKSON propõe que o factor crítico para a

aceitação da morte é a aceitação do nosso curso de vida pessoal.

Neste capítulo será em primeiro lugar abordada a teoria de revisão de vida

proposta por BUTLER (1963) que será depois comparada com a posição teórica

de ERIKSON (1980, 1982). Será igualmente abordada a relação da revisão de

vida com o processo de morte, a relação entre a revisão e o desligamento da vida,

a utilização terapêutica da revisão de vida e das reminiscências, uma visão histó-

rica do conceito de revisão de vida e minha própria perspectiva pessoal sobre este

assunto.

O processo de revisão de vida na perspectiva de Butler Segundo Robert BUTLER (1975, p.487)

(…) eu concebo a revisão de vida como um processo mental universal que

ocorre de forma natural caracterizado pelo progressivo retorno à consciên-

cia de experiências passadas e particularmente a ressurgência de conflitos

não resolvidos; normal e simultaneamente estas experiências e conflitos

revividos podem ser reavaliados e reintegrados. Presumivelmente este

processo é desencadeado pela noção de que a dissolução e morte se estão a

aproximar, assim como a incapacidade para manter o sentido próprio de

invulnerabilidade pessoal.

Esta definição do processo de revisão de vida possui várias características que

devem ser destacadas. Em primeiro lugar, o processo é descrito como uma

"ocorrência natural, processo mental universal". Por outras palavras, é uma tarefa

de desenvolvimento normal da terceira idade. Como tal, o processo de revisão de

vida é hipoteticamente para ser vivido por todos os adultos mais idosos, consciente

ou inconscientemente.

Uma segunda característica do processo de revisão de vida é que ocorre como

resposta à consciência da aproximação da morte. Este enfrentar da sua mortali-

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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dade e o concomitante sentido de vulnerabilidade que daí resulta motiva o indi-

víduo a olhar para trás e reavaliar sua vida tendo como pano de fundo a morte

que sente como algo mais ou menos iminente.

A última característica relevante da definição de BUTLER é o próprio

processo de revisão. O processo de revisão de vida tem sido muitas vezes descrito

como uma forma de reminiscência, contudo, para BUTLER (1975), a revisão de

vida e as reminiscências não são exactamente a mesma coisa, não devendo, por

isso, ser confundidas. Embora o processo de revisão de vida possa ser responsável

pela importância que as reminiscências adquirem no espaço mental da pessoa, o

processo de revisão de vida representa mais do que apenas um olhar para trás,

mais do que a pura lembrança de eventos passados. O processo de revisão de vida

tem uma componente avaliativa, reorganizadora e integradora da personalidade

que falta às reminiscências enquanto tais. Outro aspecto de particular importân-

cia para a revisão de vida são os conflitos não resolvidos, no sentido em que esta

representa uma oportunidade final para o indivíduo chegar a uma nova compre-

ensão e resolução desses conflitos antigos. BUTLER acredita que a única via para

uma aceitação pacífica e serena da morte passa pela resolução dos conflitos e a

integração de personalidade daí resultante. Para isso, o processo de revisão de

vida fornece novos insights que podem resultar na resolução de problemas

antigos, reconciliação com entes queridos, expiação pelos erros do passado e

integração do passado com o presente.

Existem contudo algumas características do processo de revisão de vida que

não aparecem na definição acima apresentada. BUTLER (1975) sustenta que a

revisão de vida ocorre não somente no idoso, mas também pode ocorrer em

pessoas mais novas com doenças graves potencialmente fatais ou em outras

pessoas que por qualquer razão possam ver a morte como algo iminente. Nestes

casos, a revisão de vida é mais uma vez desencadeada pela noção da proximidade

da morte. Para além disso, reminiscências semelhantes à revisão de vida podem

ser observadas como resultado da introspecção e, em particular, da introspecção

em indivíduos mais novos que, por questões de personalidade, estão especial-

mente preocupados com a morte. Assim, a revisão de vida não é propriedade

exclusiva da terceira idade, pois só acontece com maior frequência nos idosos

porque a idade avançada e a inevitabilidade da morte estão inextricavelmente

ligadas, fazendo assim com que a revisão de vida seja um processo natural na

velhice. Além disso, BUTLER (1975) afirma que a velhice é também propícia ao

processo de revisão de vida no sentido em que os indivíduos vão-se desvinculando

da sociedade e assim, têm mais tempo e disponibilidade para a auto-reflexão.

As manifestações psicológicas da revisão de vida podem assumir várias formas.

Em primeiro lugar, o processo pode ser silencioso, isto é, a pessoa não fala do que

se está a passar consigo, ou partilhado oralmente com outros. A revisão de vida

pode também fazer-se com diversos graus de consciência ou ser mesmo comple-

tamente inconsciente. Isso depende em parte da estrutura de personalidade do

indivíduo. Para alguns indivíduos que tiveram vidas altamente problemáticas do

ponto de vista emocional, o processo de olhar para trás pode ser especialmente

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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doloroso. Portanto, para evitar que o processo se torne demasiado angustiante só

atingem a consciência vislumbres do passado sendo que a maioria da revisão de

vida ocorre fora da esfera da consciência. Por exemplo, grande parte da revisão

pode ser experienciada através de sonhos. Para outras pessoas o processo de

revisão de vida é experienciado muito mais conscientemente, podendo muito do

trabalho de revisão de vida assumir a forma de reminiscências que são comparti-

lhadas e experienciadas com outras pessoas significativas para o idoso. Na

verdade, BUTLER sustenta que a narrativa oral da revisão de vida tem muito a

oferecer às pessoas com quem a experiência de revisão de vida é compartilhada.

A intensidade com que a revisão de vida é vivida também pode variar. Para

alguns indivíduos, a revisão de vida é vivida apenas através de breves reflexões

insignificantes. Para outros, o processo pode assumir a forma de nostalgia suave

ou arrependimento. Na sua forma severa, digamos assim, pode ser experienciada

como depressão, ansiedade e/ou culpa. O grau de severidade da revisão de vida

é, em parte devido ao próprio resultado da revisão. De acordo com BUTLER

(1975), à medida que os indivíduos percebem que o tempo que lhes resta é cada

vez mais limitado, eles vão tentar perceber que tipo de vida é que eles viveram.

Outra manifestação interessante da revisão de vida é o “olhar-se ao espelho”.

Aliás, este pode ser um dos poucos indicadores exteriores de que a pessoa está

passar por este processo. A pessoa passa em frente de um espelho, para por uns

momentos, olha para a sua imagem reflectida e pode mesmo fazer alguns comen-

tários para si própria. Um episódio exemplar desta experiência é relatado por Leo

TOLSTOY na sua novela A Morte de Ivan Illyich

Ivan Illyich fechou a porta e começou a examinar-se ao espelho, primeiro

de frente depois de perfil. Pegou numa fotografia sua tirada juntamente com

a sua esposa e comparou-a com o que via no espelho. As mudanças em si

próprio eram imensas. Então arregaçou as mangas até ao cotovelo, olhou

para os seus braços, baixou novamente as mangas, sentou-se num cadeirão

e a sua disposição foi-se tornando mais negra que a noite.

(Tolstoy, 1886, p. 127 cit. in Kimmel, 1990.)

Uma interpretação possível deste processo pode ser a de que a pessoa está a

tentar integrar o novo Eu (físico) no sentido relativamente contínuo de self e,

desta forma, está tentando conseguir um domínio e integração do Eu físico alte-

rado nas suas vivências interiores. Trata-se aqui de construir um sentido de

continuidade e consistência entre o Eu passado, o Eu presente e o Eu futuro à luz

da realidade actual e daquela que será a realidade futura. Provavelmente nesta

fase pode ser muito importante o feedback recebido das pessoas à sua volta e é

aqui que um Educador Social pode ser de muito útil para trabalhar com idosos.

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Ilustração 10 - Parar para se olhar ao espelho durante vários momentos pode ser um indicador de que está

em curso um processo de revisão de vida

O processo de revisão de vida pode naturalmente ser mais ou menos bem-suce-

dido, isto é, pode seguir uma via positiva ou uma via negativa. Uma via positiva

implica um conjunto de manifestações ou resultados que têm uma função

construtiva e adaptativa. Pelo contrário um processo de revisão de vida falhado

adopta uma via negativa tendo normalmente como consequência uma série de

manifestações de carácter psicopatológico. Analisemos mais em pormenor cada

uma destas possibilidades. Segundo BUTLER (1975) um processo de revisão de

vida bem-sucedido tem como consequência dois resultados positivos que, num

certo sentido, acabam por ter um efeito terapêutico, ou melhor, psicoterapêutico.

Em primeiro lugar, temos a reorganização da personalidade num todo mais

integrado e mais coerente. Com efeito, à medida que os vários acontecimentos

da vida da pessoa passam de novo perante a sua consciência eles são reanalisados

e reavaliados de forma reflexiva o que normalmente conduz à atribuição de novos

significados a esses mesmos acontecimentos o que faz com que a pessoa adquira

uma perspectiva mais alargada da sua vida. Aspectos da vida passada tais como os

filhos, a amizade, a natureza, o humor e contacto humano, muitas vezes ganham

grande importância à medida que pessoas identificam as coisas que lhes são mais

queridas e essenciais e tendem a minimizar os aspectos menos importantes das

suas vidas. A resolução de conflitos de vida pode resultar em obras criativas, tais

como a escrita de memórias, obras de arte e música, ou num novo interesse em

compartilhar histórias da sua vida. Em segundo lugar, a revisão de vida pode ser

vista como uma preparação para a morte. Como o indivíduo é capaz de aceitar a

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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sua vida, isso vai dar-lhe uma serenidade e sabedoria que o ajudam a aceitar a sua

morte.

Contudo, é preciso também ter em conta que, para além destes aspectos mais

construtivos da revisão de vida, podem aparecer em alguns idosos certos aspectos

mais defensivos que têm essencialmente um carácter adaptativo. Isto acontece,

por exemplo, quando os idosos constroem a ilusão de um “passado dourado” e

completamente feliz onde se refugiam de forma a se protegerem da realidade do

presente muitas vezes difícil e angustiante. Apesar de estes mecanismos não

serem construtivos, ainda assim ajudam o idoso a manter uma certa estabilidade

a nível do seu funcionamento psicológico. Há que ter contudo algum cuidado

com esta estratégia pois, se for exagerada, o idoso pode cair numa realidade

perfeitamente ilusória que o leva a desligar-se das pessoas à sua volta e, num certo

sentido, até de si próprio.

O processo de revisão de vida quando não é bem-sucedido, segue uma via

negativa, podendo tornar-se muito doloroso para a própria pessoa que pode

chegar à noção relativamente trágica de que a sua vida foi um desperdício total

sentindo-se perto da morte sem nunca ter verdadeiramente vivido. Em vez da

crescente consciencialização de si próprio e flexibilidade a revisão de vida resulta

assim numa maior rigidez. Esta via negativa tem tendência a ocorrer em idosos

isolados ou que sofreram contracções súbitas e drásticas das suas ligações emoci-

onais por morte do cônjuge, entrada num Lar de Terceira Idade, reforma forçada,

etc.. Dado que as manifestações emocionais da revisão de vida não estão directa-

mente relacionadas com acontecimentos exteriores ao indivíduo, as consequên-

cias emocionais mais dolorosas são muito difíceis de ser notadas pelas pessoas que

rodeiam o idoso. O idoso pode também ter alguma dificuldade em partilhar esses

sentimentos dolorosos, considerando o próprio contexto de negatividade e desa-

dequação que os originam. Isto faz com que as situações mais trágicas sejam

também as mais difíceis de lidar, o que talvez seja uma explicação para muitos

dos suicídios em idosos. BUTLER (1975) sugere que existem três grupos de

pessoas que apresentam um risco significativo de apresentarem alterações de tipo

psicopatológico como resultado da revisão de vida. O primeiro grupo que

BUTLER descreve como estando em risco é composto por indivíduos que

sempre olham para o futuro como forma de evitarem a memória do passado ou a

vivência do presente. Para estes indivíduos, é no futuro que são projectadas todas

as promessas e possibilidade de felicidade e realização pessoal. O olhar para o

futuro funciona assim como uma maneira de evitar conflitos e frustrações actuais

e passadas. Ora, se esta defesa pode funcionar em pessoas mais novas que

acreditam ter ainda muito tempo à sua frente, para pessoa idosa, o futuro por um

lado é demasiado curto para ser capaz de cumprir as suas promessas, por outro o

tem mais naturalmente para oferecer é a crescente inevitabilidade e proximidade

da morte. O segundo grupo de risco no que se refere à culpa patológica, depressão

ou ansiedade é composto por aqueles indivíduos que, em algum momento de sua

vida, têm a noção de terem severamente e conscientemente ferido ou causado

prejuízo a outros. Para essas pessoas, a culpa é real. Não é possível reverter o

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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prejuízo. Portanto, essas pessoas muitas vezes não conseguem vislumbrar

nenhuma maneira de alcançar um resultado de revisão de vida positiva. Os indi-

víduos narcisistas compõem o terceiro grupo em risco de apresentar manifesta-

ções psicopatológicas resultantes do processo de revisão de vida. BUTLER (1975)

sugere que a ameaça da morte constitui uma ameaça intransponível para seu

narcisismo. Por conseguinte, a revisão de vida para a pessoa com um carácter

orgulhoso e arrogante pode resultar em extrema depressão.

Para além de considerar a revisão de vida como uma tarefa de desenvolvimento

normal, BUTLER defende que pode também ser usada como uma ferramenta

terapêutica, no contexto de um processo psicoterapêutico formal, ou até na

relação de ajuda com um carácter mais informal que podemos estabelecer com o

idoso. A sua proposta assenta em três razões fundamentais. Em primeiro lugar,

BUTLER argumenta que o processo de reminiscência muitas vezes tem um

benefício terapêutico, pois permite ao indivíduo a oportunidade de falar sobre os

conflitos e frustrações do passado. Isso proporciona ao indivíduo um ambiente

favorável à integração, reorganização e resolução de experiências passadas. Em

segundo lugar, BUTLER afirma que os lapsus linguae21

, que muitas vezes

ocorrem durante a narrativa de uma reminiscência ou durante uma revisão oral

da história ou vida, fornecem informações valiosas que podem ser usadas na

relação terapêutica ou de ajuda. A terceira razão que BUTLER apresenta para

demonstrar o valor da revisão de vida refere-se ao facto de ser uma ferramenta

com que adultos mais velhos podem deixar um legado, satisfazendo assim o

eventual desejo de deixar algo que perdure para além deles. BUTLER é de

opinião que os idosos são as pessoas mais indicadas para nos dizerem algo sobre

a natureza da vida humana com todos os seus sucessos e problemas e, assim, as

histórias resultantes da revisão das suas vidas podem fornecer um meio pelo qual

os mais velhos podem deixar sua marca nas gerações seguintes.

O Oitavo Estádio de Erik ERIKSON Erik ERIKSON é um dos poucos teóricos da personalidade que assumiram o

envelhecimento como uma fase de desenvolvimento. Como vimos no primeiro

capítulo deste manual, de acordo com a teoria de ERIKSON o desenvolvimento

da personalidade passa por uma série hierarquicamente ordenada de oito

estágios. Associado a cada fase aparece um dilema psicossocial que o indivíduo

resolve com êxito ou em caso contrário implica o desenvolvimento incompleto da

personalidade. O estádio final da teoria de ERIKSON que acontece normalmente

em fases avançadas da terceira idade é caracterizado pelo dilema Integridade

versus Desespero. ERIKSON propõe que esta fase começa quando o indivíduo,

ou porque tem já uma idade avançada ou por qualquer outro motivo como por

exemplo uma doença grave, adquire uma noção clara da sua mortalidade, isto é,

21 Erro acidental ao falar, que altera o sentido que se pretendia dar à frase e que é interpretado

(por influência da psicanálise) como expressão de pensamentos reprimidos, sendo por isso

utilizado terapeuticamente como uma das vias para o inconsciente.

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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a morte deixa de ser uma realidade meramente possível, para passar a ser uma

realidade provável. Isso pode ser em resposta à reforma, à morte de um cônjuge

ou amigos próximos, ou simplesmente pode resultar da mudança de papéis

sociais. Mas, o que é importante salientar é que, independentemente da sua

causa, esta vivência da mortalidade precipita a crise final de vida que tem como

característica principal o processo de revisão de vida, isto é, a pessoa vai rever a

sua vida e carreira ocupacional com o objectivo essencial de determinar se foi um

sucesso ou insucesso, se aquilo que foi e fez tem sentido em termos daquilo que

eram os seus objectivos pessoais.

Um dos pólos a partir do qual se define a resolução deste dilema é o sentido

de integridade do Ego que é visto como um dos pontos-chave para o desenvolvi-

mento harmonioso da personalidade, no sentido em que permite ao indivíduo

adquirir uma perspectiva integrada e coerente da sua vida. O outro pólo é um

sentido de desespero: “O tempo é curto, demasiado curto para começar de novo

e tentar seguir outras vias para a integridade.” (ERIKSON, 1968, p.140 cit. in

KIMMEL, 1990) ERIKSON via os idosos como aqueles que permitem a ligação

a herança do passado e as gerações futuras, dando assim uma perspectiva e

permitindo a renovação contínua do ciclo de vida. A qualidade de ego que emerge

de uma resolução positiva deste dilema é sabedoria: “uma visão clara e amadure-

cida das coisas… conhecimento adquirido, raciocínio maduro e uma compreensão

global e inclusiva das coisas” (p. 140). De acordo com ERIKSON a essência da

sabedoria assenta muitas vezes na tradição e na consideração daquelas que são as

preocupações últimas, no sentido de mais elevadas, que transcendem as limita-

ções da identidade individual, isto é, quando o indivíduo se sente parte de algo

superior que está para além dele. Podemos aqui considerar dois tipos de sabedo-

ria – uma sabedoria filosófica que se ocupa de questões mais transcendentes

como seja chegar a uma compreensão do nosso papel no universo; e uma filosofia

prática que se ocupa essencialmente de questões relevantes para a vida de cada

dia.

Na novela A Morte de Ivan Illyich escrita por Leo TOLSTOY, a que já fizemos

referência, o personagem principal entrou num processo de morte lenta como

resultado de um ferimento aparentemente sem importância. Durante a sua vida

ele tinha sido um juiz na Rússia do final do século XIX. Apresentamos em seguida

um extracto em que o conceito de luta entre integridade e desespero é claramente

representado (TOLSTOY, 1886, p.131, cit. in KIMMEL, 1990):

Ivan Illyich via que estava a morrer e isso colocava-o num estado de contí-

nuo desespero. No fundo do seu coração ele sabia que estava a morrer, mas

não só ele não estava acostumado a esse pensamento, como também não o

conseguia apreender. Ocorreu-lhe que o que lhe tinha parecido perfeita-

mente impossível algum tempo antes, nomeadamente que não tinha vivido

a sua vida como deveria, afinal era verdade. Ocorreu-lhe que as suas fracas

e imperceptíveis tentativas para lutar contra aquilo que era considerado

bom pelas pessoas mais importantes, aqueles quase inexistentes impulsos

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que ele tinha imediatamente suprimido, poderiam ser afinal a coisa real e

verdadeira e tudo o resto falso. E ainda todas as suas responsabilidades

profissionais assim como toda a organização da sua vida e da sua família, e

todos os seus interesses oficiais e sociais, poderiam ser todos falsos. Ele

tentou defender todas essas coisas para si próprio e agora subitamente

dava-se conta da fragilidade das coisas que estava a defender. Não havia

nada a defender. “Mas, se é assim,” disse ele para si próprio, “e eu vou deixar

esta vida com a consciência de que perdi tudo aquilo que me foi oferecido e

que é impossível rectificar isso – e então, depois?”

Neste caso estamos perante o resultado da resolução negativa ou falta de resolu-

ção deste dilema final de vida o que tem como consequência o desespero e o

medo da morte, a noção de que a vida é já muito curta e depressão. De acordo

com ERIKSON, esta viagem ao passado ou introspecção é mais produtiva quando

é feita no contexto da interacção com outros significativos, pessoas com quem

temos uma relação próxima e que significam algo para nós.

Comparação entre a teoria de Butler e de Erikson Esta análise justifica-se porque naturalmente existem algumas semelhanças e

diferenças entre BUTLER e ERIKSON. Comecemos por analisar as semelhan-

ças verificando que existe convergência em quatro pontos. Em primeiro lugar os

dois autores assumem que a revisão de vida é uma tarefa de desenvolvimento final

que surge da necessidade de dar uma resposta à consciência da proximidade da

morte. Por outras palavras, ambos sugerem que a proximidade da morte precipita

uma revisão da vida. Em segundo lugar, BUTLER e ERIKSON concordam que

esta revisão muitas vezes pode assumir a forma de reminiscências. Em terceiro

lugar, de acordo com ambas as teorias, uma resolução positiva dos resultados da

revisão de vida implica uma reorganização da personalidade. Ambos também

concordam que esta reorganização positiva pode ser vista em adultos mais velhos

como serenidade ou sabedoria. Em quarto lugar, ambos os teóricos propõem que

uma resolução negativa da vida resulta em desespero e na sensação de que o

tempo está se esgotando.

Contudo, podem ser encontradas também algumas diferenças entre as duas

posições teóricas. Em primeiro lugar, BUTLER, ao contrário de ERIKSON, não

apresenta a sua teoria ou o próprio conceito de revisão da vida enquadrado numa

teoria global da personalidade. Em segundo lugar, BUTLER não relaciona o

conceito de revisão de vida uma fases específica do desenvolvimento. Quer dizer,

de acordo com BUTLER, a revisão de vida pode ocorrer em qualquer ponto da

linha de vida. A chave para o desencadear do processo de revisão de vida não é

tanto a idade avançada, mas mais a noção de morte iminente. ERIKSON, no

entanto, coloca a revisão de vida dentro de um contexto de estádios de desenvol-

vimento. Em terceiro lugar, BUTLER sustenta que a revisão de vida pode ser

feita exclusivamente pelo próprio indivíduo dado que parte do processo está

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Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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principalmente fora da consciência individual. A interacção com outros indiví-

duos não é assim necessária para o processo de revisão de vida. Esta posição

contrasta com a noção de ERIKSON de que a revisão de vida é melhor realizada

com outros indivíduos significativos.

ANSIEDADE EXISTENCIAL E MORTE

O processo de revisão de vida que abordámos nos pontos anteriores pode ser

relacionada com a perspectiva existencial que define a morte como a escolha

que é sempre possível e que, por isso, nos constitui como radicalmente livres – é

como se estivéssemos sempre a caminhar ao longo da borda do abismo tendo a

qualquer momento a possibilidade de escolher entre saltar ou continuar a

caminhar – é esta liberdade radical e absoluta que, nesta perspectiva, constitui o

cerne do sentido da existência. Dito de outra forma, “nós encontramos sentido na

vida quando nos comprometemos com algo pelo qual estaríamos dispostos a

aceitar a morte” (BARNES, 1959, cit. in KIMMEL, 1990, p.526). Ainda na

mesma linha, “o confronto com a morte dá a mais positiva realidade à própria

vida. Torna a existência individual real, absoluta e concreta.” (MAY, 1958, cit. in

KIMMEL, 1990, p.526). Contudo, a morte também representa a ameaça da não

existência e isso torna a ansiedade existencial uma característica essencial dos

humanos, que, apesar de tudo, são talvez os únicos animais que podem tomar

consciência da sua própria mortalidade. Um psicólogo precursor da perspectiva

existencialista em psicoterapia, Rollo MAY (1958, cit. in KIMMEL, 1990, p.526)

define esta ansiedade como o “estado subjectivo do indivíduo que toma consciên-

cia de que a sua existência pode ser terminada, que ele pode perder-se a si próprio

e a este mundo, de que pode tornar-se “nada”.

Contudo, por mais profundas que estas reflexões sobre a natureza da condição

humana possam ser, nós questionamo-nos se elas não se referem à contemplação

da morte por aqueles para quem a morte não é vista como algo iminente. Quer

dizer, será que a ansiedade existencial tem o mesmo impacto num idoso, martiri-

zado pelas dores de um cancro em estado terminal do que numa pessoa jovem

saudável ou até numa pessoa de meia-idade numa posição de poder que não tem

qualquer razão para enfrentar a morte? Será que esta perspectiva implica que os

doentes num hospital para doentes crónicos, de onde quase todos sabem que não

vão sair vivos, estão em estado de constante contemplação do sentido das suas

vidas e procurando resolver a sua ansiedade relativa ao facto de se tornarem um

não-ser? Simone de BEAUVOIR a conhecida escritora, feminista e filósofa

existencialista francesa, no seu tratado sobre a velhice mostrou que a morte para

os mais idosos pode não ter aquela carga negativa e assustadora porque pode ser

em muitos casos uma alternativa aceitável a uma vida que perdeu todo o sentido.

Nas suas próprias palavras (BEAUVOIR, 1972, cit. in KIMMEL, 1990, p. 526):

“Mesmo que a pessoa de idade não seja atingida por qualquer desgraça

particular (sofrimento físico, sobrevivência a todos os seus entes queridos),

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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normalmente ela já perdeu todas as razões para viver ou deu-se conta da

sua inexistência. A razão porque a morte nos enche de ansiedade reside no

facto de significar o inescapável reverso de todos os nossos projectos: quando

uma pessoa já não tem qualquer tipo de actividade, quando se acabaram

todos os seus empreendimentos, todos os seus planos, então não resta nada

que a morte possa destruir. Costumamos avançar o desgaste e a fadiga como

sendo as razões pelas quais algumas pessoas muito idosas se resignam face

à morte, contudo se tudo o que precisássemos fosse vegetar então talvez

pudéssemos aguentar viver esta vida em câmara lenta. Mas, para o ser

humano viver significa alguma forma de autotranscendência. Uma das

consequências do declínio biológico é a incapacidade para nos ultrapassar-

mos a nós próprios e tornarmo-nos apaixonadamente vinculados a alguma

coisa; liquida todos os nossos projectos e é por esse expediente que torna a

morte algo aceitável.”.

Então, pode ser que a ansiedade perante a não existência, a introspecção acerca

do sentido da vida, e a preocupação com as questões da revisão da vida - em suma

a resolução da questão da morte – não sejam muito significativos na idade muito

avançada quando a morte parece iminente. Efectivamente a ansiedade existencial

pode estar mais presente em pessoas mais novas eventualmente próximas da

morte assim como em pessoas na meia-idade tardia que não têm a morte à porta,

por assim dizer, e que mantêm um elevado interesse pela vida mas que se vêm

confrontados com a morte de parentes, amigos, colegas, etc.. Então, para

concluir, apesar de a revisão de vida poder ser desencadeada pela noção da

proximidade da morte, isso não significa que os últimos os anos finais de uma

pessoa muito idosa sejam gastos a resolver essa questão, podendo até ocorrer uma

ou duas décadas antes.

ESTUDOS SOBRE A ACEITAÇÃO DA MORTE

Em linha com o que discutimos no ponto anterior a investigação realizada por

LIEBERMAN & COPLAN, 1970 permitiu concluir que a aceitação da morte é

uma questão mais importante para pessoas da meia-idade do que para pessoas

mais idosas. Muitos dos sujeitos que participaram neste estudo que viviam em

lares ou integrados na comunidade tinham já “elaborado o significado da morte

para si próprios e muitos deles tinham desenvolvido um ponto de vista pessoal

acerca da sua própria morte.” Ao contrário do que se poderia pensar, estes idosos

mostravam-se desejosos de falar abertamente acerca da morte e a maior parte da

ansiedade ou perturbação acerca da morte estavam relacionadas com alterações

nas suas condições socioambientais. Quer dizer, aqueles sujeitos que, como se

veio a verificar, estavam mais próximos da morte que viviam num Lar ou num

ambiente estável na comunidade pareciam estar a lidar com a tarefa de confron-

tação com a morte sem grandes perturbações ou inquietações; “era como se

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

100

estivessem a lidar com uma tarefa de desenvolvimento que estavam a ultrapassar

de forma adequada” (p.82). Em contraste com esta situação, as pessoas que

estavam à espera de serem admitidas no Lar ou tinham sido admitidas há pouco

tempo evidenciavam maior ansiedade e perturbação e muitos deles pareciam não

ter ainda desenvolvido uma filosofia pessoal acerca da morte. Era como se estas

alterações nos seus espaços vitais os forçasse a reajustarem-se mais uma vez e

perturbassem a sua anterior forma de resolução da questão da morte. Assim,

apesar de as pessoas mais idosas estarem muitas vezes disponíveis para falarem

acerca da morte, essa não parece ser uma questão psicologia crucial na última, ou

duas últimas décadas da vida.

Num estudo mais alargado BENGSTON, CUELLAR & RAGAN (1977) sobre

o medo da morte segundo a origem étnica foram investigadas as atitudes perante

a morte de americanos de origem mexicana, africana e anglo-saxónica a partir de

uma amostra representativa de cada um dos grupos entre os 45 e os 74 anos. Os

dados mostram que somente um quarto dos sujeitos mais idosos expressaram

medo da morte ao passo que cerca de metade dos sujeitos de meia-idade. Facto-

res tais como o género, grupo étnico, e estatuto socioeconómico parecem ter

pouco efeito em termos de comparação face ao medo da morte quando compa-

rados com o efeito da idade. No gráfico seguinte temos um conjunto de dados

que nos mostram a percentagem de pessoas que responderam estar “muito rece-

osos” ou “algo receosos” da morte.

Gráfico 4 - Evolução do receio da morte consoante a idade em três grupos étnicos.

A análise do gráfico anterior permite-nos constatar que claramente o receio da

morte não aumenta com a idade, muito pelo contrário, decresce sistematica-

mente entre os 45 e os 74 anos em todos os grupos étnicos, com uma pequena

excepção que tem a ver com um aumento do receio da morte nos sujeitos

anglo-americanos entre o período dos 60-64 anos e o período dos 65-69 anos.

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

101

Estes dados reforçam a noção de que nem o receio da morte, nem os pensamen-

tos acerca da morte são dominantes nos últimos anos da vida, parecendo até ser

mais significativos no período da meia-idade. Contudo podem subsistir algumas

diferenças interétnicas relacionadas com factores culturais nas atitudes face à

morte. Um exemplo dessas diferenças que podem reflectir a negação da morte é

a expectativa dos sujeitos face ao número de anos que vão ainda viver. Com efeito,

o gráfico seguinte mostra que, apesar de a expectativa de vida ser menos para os

não brancos, os sujeitos afro-americanos tinham uma maior expectativa de vida

que os anglo-americanos. Estatisticamente, a expectativa de vida para os

anglo-americanos era de 26,4 anos para pessoas com 50 anos de idade, e de 12,2

anos para pessoas com 70 anos de idade, e para não brancos era de 23,8 e 12 anos

respectivamente. Assim, apesar de os anglo-americanos tenderem a afirmar que

não pensavam na morte muitas vezes, eles foram capaz de prever a sua expectativa

de vida futura com relativa exactidão. Os mexicanos-americanos tendiam a pensar

na morte mais frequentemente que os anglo-americanos, mas também previram

a sua expectativa de vida com relativa exactidão. Os afro-americanos afirmaram

pensar na morte com mais ou menos a mesma frequência dos mexicanos ameri-

canos, mas mostraram-se muito mais optimistas e estatisticamente irrealistas no

que se refere ao número de anos que esperavam viver.

Gráfico 5 - Número médio de anos que os sujeitos esperavam viver segundo a idade e grupo étnico.

Estes resultados sugerem que a investigação neste campo da aceitação da morte

é altamente complexa e que não é possível retirar conclusões simplistas dos dados

recolhidos. Apesar de outros estudos terem encontrado dados que sugerem que

um nível mais elevado de instrução está relacionado com menos pensamentos

acerca da morte, especialmente entre pessoas mais novas, assim como atitudes

mais positivas perante a morte (RILEY, cit. in KIMMEL, 1990), os dados do

estudo tricultural de BENGSTON, CUELLAR & RAGAN não confirmaram a

Morte e luto Desenvolvimento pré-morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

102

importância dessa variável ou de qualquer outra variável de tipo socioeconómico.

Assim, a única conclusão segura que podemos tirar é a de que os adultos mais

idosos tendem a recear menos a morte do que os de meia-idade, conclusão que é

confirmada por outros estudos.

Segundo KALISH (1976, cit. in KIMMEL, 1990) o medo da morte não se

parece ser especialmente significativo face a outros medos na maioria das pessoas,

pois num seu estudo com pessoas de várias origens étnicas só um em cada quatro

sujeitos relatou sentir receio da morte. Ainda, RILEY (1963, cit. in KIMMEL,

1990) estudou nos EUA uma amostra de âmbito nacional composta por 1500

adultos tendo concluído que em todos os níveis etários a atitude era mais de

aceitação do que de medo. Por outro lado, de forma geral o receio da morte tende

a ser menor em pessoas religiosas d que em pessoas não religiosas, apesar de

alguns estudos terem mostrado que pessoas moderadamente religiosas, que só

ocasionalmente vão à igreja e que provavelmente têm uma crença algo incerta,

têm mais medo da morte do que pessoas profundamente religiosas ou até do que

pessoas não religiosas (KALISH, 1976, cit. in KIMMEL, 1990).

Há também alguns dados que mostram que a preparação para a morte

aumenta com a idade especialmente para pessoas com mais instrução (RILEY,

1963, cit. in KIMMEL, 1990). Os dados de um estudo a nível nacional nos EUA

sugerem que as pessoas que fizeram pelo menos o ensino secundário começaram

a fazer planos específicos relacionados com a sua morte, como por exemplo faze-

rem um testamento ou tratarem do funeral durante as décadas dos quarenta e

cinquenta anos. Para as pessoas que tinham adquirido menos que o ensino secun-

dário, essa preparação só começava na década dos seus sessenta anos. Contudo,

em termos absolutos, só uma minoria das pessoas se preparavam para a morte,

por exemplo PHALON (1978, cit. in KIMMEL, 1990) relatou que sete em cada

10 pessoas morriam sem deixar testamento.

Um estudo interessante com estudantes do ensino superior mostrou que o

receio da morte estava relacionado com receio do envelhecimento, mas não dos

idosos (SALTER & SALTER, 1976, cit. in KIMMEL, 1990) ao contrário do que

seria de esperar, pois como vimos mais atrás, muitas vezes a atitude perante a

morte influencia a atitude perante o idoso.

Em resumo, apesar de tanto o oitavo estádio de ERIKSON, como o processo

de revisão de vida de BUTLER aparecerem no período final da vida, os dados

dos estudos empíricos disponíveis mostram que a consciência crescente da morte

assim como a redução do medo da morte parecem começar durante a meia-idade.

Apesar de naturalmente ser necessária ainda muita investigação sobre a aceitação

da morte, parece que essa questão é durante algumas décadas e que o receio da

morte durante os últimos meses ou anos de vida resulta mais de uma eventual

crise no ambiente social que vem perturbar uma forma de resolução das questões

d a aceitação da morte que já tinha sido alcançada. Então, apesar de a resolução

das questões acerca do sentido existencial da vida e da aceitação da morte serem

uma tarefa que normalmente assumimos quando começamos a ver o fim da nossa

Morte e luto O Processo de Morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

103

vida no horizonte, aparentemente não é algo que domine a última década ou as

últimas duas décadas da vida. A primeira ocorrência da questão da integridade

versus desespero pode acontecer bem dentro da meia-idade., talvez como parte

da meia-idade.

O PROCESSO DE MORTE

ASPECTOS GERAIS

No capítulo anterior abordámos alguns processos psicológicos que de alguma

forma permitem configurar aquilo que podemos designar por desenvolvimento

pré-morte. Como dissemos este período de desenvolvimento tem o seu início

quando a morte deixa de ser possível e passa a ser provável, quer dizer, quando

adquire uma realidade que vai um pouco mais além da mera noção que todos

temos de que um dia vamos morrer. Neste capítulo sobre o processo de morte

continuamos no fundo dentro da mesma temática, só que aqui vamos abordar o

desenvolvimento psicológico enquadrado no processo de morte, isto é quando a

morte já não é só provável, mas quase certa dentro de um determinado período

de tempo – quando o sujeito tem razões fortes para acreditar que só vai ter um

tempo determinado de vida. É tudo o que se passa a nível psicológico da pessoa

quando se vê confrontada com a morte certa num determinado período de tempo

que designamos aqui por processo de morte.

Contudo a morte e o processo de morrer ainda constituem um assunto tabu na

sociedade ocidental contemporânea. Ainda assistimos à negação da própria fini-

tude, atitude que acaba por se repercutir na diminuição da atenção e do cuidado

aos que se encontram na fase final da vida. É por isso importante que um técnico

de educação social tenha alguma formação nesta área para que possa ajudar a ir

contra o tabu social instituído que marca a prática da sociedade em geral e dos

profissionais de saúde em particular, nos cuidados ao doente em fase terminal.

Alterações psicológicas indicadoras da proximidade da morte Apesar de só recentemente os aspectos psicossociais relacionados com o processo

de morte terem merecido a atenção da comunidade científica, existe já um

crescente corpo de dados que sugerem a existência de alterações psicológicas

importantes indicadoras da proximidade da morte, quer dizer, alterações que não

podem ser justificadas unicamente pela idade, mas sim pela proximidade da

morte. Estes dados são interessantes porque sugerem a existência de um processo

de desenvolvimento nos últimos anos de vida e que aparentemente é condicio-

nado pela morte natural. Para além disto, estes dados indicam que em muitos

casos estas alterações podem revelar-se melhores indicadores da proximidade da

morte do que os factores físicos.

Morte e luto O Processo de Morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

104

Morton LIEBERMAN (1965 cit. in KIMMEL, 1990) foi um dos pioneiros do

estudo nesta área relatou ter desenvolvido um interesse pelo estudo pelas possí-

veis alterações psicológicas que precedem a morte quando uma das funcionárias

de um Lar de Idosos apresentava uma extraordinária exactidão ao prever a morte

de idosos internados com meses de avanço e mesmo antes de terem sido notas

quaisquer alterações do ponto de vista médico. Ela não foi capaz de concretizar

os elementos que a levavam a ter essa percepção, limitava-se a dizer que uma

pessoa que se aproximava do seu fim “simplesmente agia de forma diferente”.

Para investigar este fenómeno LIEBERMAN administrou vários testes psico-

lógicos a um grupo de 25 sujeitos voluntários. Os dados apontavam para um

declínio na energia, complexidade e organização em desenhos feitos por pessoas

que morreram menos de três meses depois após terem realizado cinco desenhos

(1965 cit. in KIMMEL, 1990). Num outro estudo (LIEBERMAN & COPLAND,

1970) estes autores compararam 40 sujeitos que estavam a um ano ou menos

afastados da morte, com um grupo de 40 sujeitos que estavam pelo menos três

anos longe de morte, em 21 variáveis de personalidade, pensamentos e sentimen-

tos em direcção da morte e símbolos de morte. Os sujeitos mais perto da morte

mostraram um desempenho cognitivo mais pobre, menor orientação introspec-

tiva, uma auto-imagem menos agressiva e mais dócil, mais medo e preocupação

com a morte sob determinadas circunstâncias da vida e mais símbolos de morte

em resultados do TAT22

. Qualidades psicológicas associadas com morte iminente

puderam assim ser detectadas até a um ano antes da morte. Estes resultados

suportam a hipótese de que mais do que a idade cronológica a distância da morte

parece ser a dimensão temporal mais útil para organizar as alterações de funcio-

namento psicológico nos idosos.

Num estudo longitudinal que durou 11 anos usando uma amostra aleatória de

pessoas acima dos 70 anos em Gotemburgo na Suécia, BERG (1987, cit. in

KIMMEL, 1990) encontrou uma ligação clara entre a proximidade da morte e o

declínio acentuado em medidas de “significado verbal” e “raciocínio”. Alguns

dados de outros estudos têm mostrado padrões variados de alterações contudo,

verificou-se sempre um aspecto comum a todos os estudos e que tinha a ver com

as alterações significativas a nível de diversas varáveis do funcionamento psicoló-

gico, quando a morte se aproximava.

Ainda, num estudo preliminar, mas cuidadosamente desenhado que tinha em

conta a idade dos sujeitos BOTWINICK, WEST & STORANDT, (1978, cit. in

KIMMEL, 1990) procuraram determinar quais os testes e questionários psicoló-

gicos permitiam prever quais os sujeitos que estavam mais perto da morte.

Usando uma amostra de 732 idosos candidatos à entrada num Aldeamento para

22 O TAT é a designação abreviada de um teste projetivo de estudo da personalidade designado

por Thematic Apperception Test. O teste consiste num conjunto de gravuras que são mostradas

ao sujeito, pedindo-se-lhe em seguida que invente uma história que possa ser relacionada com

a figura. Umas das figuras mais conhecidas é a de um rapaz com cerca de 9, 10 anos que olha

com ar triste para um violino em cima de uma mesa.

Morte e luto O Processo de Morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

105

a terceira Idade, verificaram que 13 indicadores psicológicos - velocidade de

resposta (3 indicadores), aprendizagem e memória (2 indicadores), depressão,

auto-avaliação da capacidade de controlo, auto-avaliação das condições de

saúde - e dois indicadores médicos permitiam diferenciar os sujeitos que acaba-

ram por morrer dentro de um período de cinco anos daqueles que ainda estavam

vivos passados cinco anos. Um aspecto interessante é que a auto-avaliação que os

sujeitos faziam das suas condições de saúde tinham um melhor valor preditivo da

sua sobrevivência que as avaliações feitas pelo médico.

Contudo, uma análise mais elaborada dos resultados destes estudos é ainda

necessária para que se possa chegar a uma combinação com um nível preditivo

elevado da proximidade da morte.

A abordagem de Elisabeth Kübler-Ross Elisabeth KÜBLER-ROSS, M.D. (1926 — 2004) foi uma psiquiatra nascida na

Suíça, autora do inovador livro On Death and Dying, publicado em 1969 no qual

ela apresentou pela primeira vez o que é agora conhecido como Modelo de

KÜBLER-ROSS. O seu interesse pelo estudo da temática da experiência da

morte começou quando trabalhava no hospital da Universidade de Chicago e um

grupo de estudantes de teologia a abordou para lhe pedir ajuda na realização de

um trabalho sobre doentes em situação terminal. A sua abordagem foi “se vocês

realmente querem partilhar e experienciar o que é ter um tempo limitado de vida,

sentem-se ao lado de pessoas que estão às portas da morte e escutem” (KÜBLER-

ROSS, 1970, cit. in KIMMEL, 1990, p.540). A partir desta ideia KÜBLER-ROSS

criou um seminário sobre a morte e o morrer dedicado a profissionais de profis-

sões de ajuda. Inicialmente este projecto enfrentou uma enorme resistência por

parte do pessoal médico que se baseava na suposição de que seria cruel e

traumático ir falar de morte com pessoas que estavam a morrer. Na verdade,

como a própria KÜBLER-ROSS constatou, com poucas excepções, uma vez

iniciada a conversa, as pessoas mostravam-se profundamente aliviadas por pode-

rem partilhar as suas últimas preocupações e expressar os seus sentimentos a

alguém que genuinamente estava interessado em os ouvir.

Ilustração 11 - Elisabeth Kübler-Ross.

Morte e luto O Processo de Morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

106

Muito do trabalho de KÜBLER-ROSS pode ser visto como uma tentativa de

humanizar o processo de morte e reinstalar o processo de morte no pleno curso

da vida humana de forma a contrariar a tendência que muitas vezes o sistema

médico e hospitalar tem em despersonalizar a pessoa em estado terminal,

transformando-a num “caso”, em algo avariado que tem que ser reparado.

A desumanização da morte

Efectivamente nas nossas sociedades modernas ocidentais a morte tem sido

objecto de um processo de crescente alienação, isto é, algo estranho e contrário

á vida que tem que ser combatido e escondido a todo o custo. O próprio "sítio"

ou "local" onde se morre hoje habitualmente, tão diferente dos tempos de outrora,

contribui para este sentimento de não familiaridade com a morte. A morte como

acontecimento da vida passou do domínio familiar para o domínio dos técnicos

de saúde. Gerações houve em que a pessoa morria em casa, despedia-se da

família, resolvia os últimos compromissos em vida e todos assistiam a este

acontecimento num ambiente profundamente natural. Actualmente, e desde a

década de 60 do século passado, os progressos na área da reanimação e do inten-

sivismo médico conduziram à hospitalização da morte. Em certos países, estas

transformações foram tão evidentes que, hoje, a maior parte das pessoas morre

nos hospitais, tendência que se verifica também em Portugal, onde aproximada-

mente 80% dos óbitos ocorrem em unidades hospitalares (SERRÃO, 1998: 86,

cit in MACEDO, 2004). Esta transformação social quanto ao local da morte

conduziu a um progressivo esquecimento da mesma no contexto comunitário e,

inclusive, à sua negação:

[...] o materialismo e hedonismo reinantes não suportam que o pensamento

da morte venha perturbar um crescendo do consumismo de bens e de

prazeres, a morte é vista como uma facto unicamente biológico e não como

uma realidade profundamente humana [...] (Barros de Oliveira, 1998: 17).

Esta morte “escamoteada” e hospitalizada tem repercussões na saúde da pessoa

que está no fim da vida, dos familiares e, também, dos próprios técnicos de saúde

que diariamente lidam com doentes em fase terminal. Todos estes factos

conduzem-nos a reflectir sobre o binómio morte/saúde e o actual desenraiza-

mento da morte na vida comunitária. Por um lado, morre-se no hospital, sozinho,

rodeado de batas brancas, e, muitas vezes, a pessoa que está a morrer não conse-

gue encarar e introduzir a morte nos seus horizontes pois nunca teve oportuni-

dade discutir este assunto durante a vida; por outro lado, os familiares e amigos,

também pela não inclusão da morte como parte integradora da vida, podem

desenvolver processos de luto prolongados e suscitadores de doença.

Como diz KÜBLER-ROSS:

“Pode clamar por repouso, paz e dignidade, mas recebe em troca infusões,

transfusões, coração artificial ou faz uma traqueostomia, se necessário. Pode

desejar que alguém pare por um instante para fazer só uma pergunta, mas

o que vê é uma dúzia de pessoas atarefadas, todas muito preocupadas com

Morte e luto O Processo de Morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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as batidas de seu coração, com seu pulso, com o electrocardiograma, com o

funcionamento dos pulmões, com as secreções ou excreções, mas não com o

ser humano que há nele. Pode querer lutar contra tudo, mas será uma luta

em vão, pois tudo isto é feito na tentativa de que ele viva e, se salvarem sua

vida, podem pensar em prestar atenção à sua pessoa mais tarde. Quem

dispensa atenção à pessoa em primeiro lugar, pode perder um tempo

precioso para salvar-lhe a vida! Pelo menos, este parece ser - ou é? - o motivo

ou a justificativa que se esconde por trás de tudo. Nossa capacidade de

defesa será a razão desta abordagem cada vez mais mecânica e despersona-

lizada? E será esta abordagem o meio de reprimirmos e lidarmos com as

ansiedades que um paciente em fase terminal ou gravemente doente

desperta em nós? O facto de nos concentrarmos em equipamentos e em

pressão sanguínea não será uma tentativa desesperada de rejeitar a morte

iminente, tão apavorante e incómoda, que nos faz concentrar nossas

atenções nas máquinas, já que elas estão menos próximas de nós do que o

rosto amargurado de outro ser humano a nos lembrar, uma vez mais, nossa

falta de omnipotência, nossas limitações, nossas falhas e, por último mas não

menos importante, nossa própria mortalidade? “(KÜBLER-ROSS, 1989,

p.20)

Na verdade, ainda Segundo esta autora, encarar a morte significa encarar a

questão final acerca do sentido da vida. Se realmente queremos viver uma vida

completa e verdadeira temos que ter a coragem para reconhecer que a vida é no

fundo muito curta e que tudo aquilo que fazemos tem importância e quando a

morte acontece após prolongados anos de vida podemos olhar para trás e achar

que valeu a pena termos vivido porque vivemos plenamente.

Reacções psicológicas durante o processo de morte

KÜBLER-ROSS, a partir dos dados obtidos em mais de duzentas entrevistas

efectuadas junto de doentes em fase terminal encontrou um padrão específico de

reacções psicológicas que o ser humano percorre à medida que a morte se

aproxima. Apesar de ela numa primeira fase designar essas reacções como

“estádios” não fica claro se eles têm necessariamente que ocorrer num determi-

nada sequência ou se a pessoa não pode expressar as reacções típicas de cada um

num breve período ou mesmo simultaneamente. Na mesma linha de pensa-

mento, e quando lhe perguntam se o facto de um doente se encontrar em deter-

minada fase e retroceder para outra significa que não superou a anterior,

KÜBLER-ROSS é peremptória:

[...] Espero ter deixado claro que os pacientes não seguem necessariamente

um padrão clássico desde o estádio de Negação até ao estádio de Aceitação.

Muitos dos meus pacientes exibiram dois ou três estádios simultaneamente

e os próprios estádios nem sempre ocorrem na mesma ordem [...]

(KÜBLER-ROSS, 1974, p. 25-26).

Morte e luto O Processo de Morte

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Assim, apesar de estarmos aqui claramente perante um processo de desenvolvi-

mento, estas reacções deverão ser vistas essencialmente como respostas caracte-

rísticas que as pessoas exibem enquanto se confrontam com a realidade iminente

da morte assim como um conjunto de questões cruciais que permitem aumentar

a nossa compreensão da experiência emocional da pessoa que está a morrer e não

rigorosamente enquanto estádios de desenvolvimento.

Esta distinção é importante porque algumas pessoas bem intencionadas pode-

riam ser tentadas a ajudar as pessoas a desenvolverem-se simplesmente “empur-

rando-as” de um estádio para outro. Outro cuidado que devemos ter é não utilizar

estas designações como etiquetas e assim anular a especificidade e subjectividade

da resposta individual e dizer “o doente da cama 12 está na fase da raiva”. Com

efeito, apesar de todo este tipo de conceptualização não podemos perder de vista

a noção de que o processo de morte é em larga medida pessoal e subjectivo e, por

isso, devemos respeitar a subjectividade das vivências de cada pessoa em estado

terminal. Devemos, ao fim e ao cabo seguir o exemplo de Elisabeth KÜBLER-

ROSS e começarmos por simplesmente ouvir as pessoas, com atenção e dedica-

ção mas também com a maior abertura e disponibilidade para reconhecermos a

especificidade de cada experiência particular.

Elisabeth KÜBLER-ROSS concluiu, assim, que a maioria dos doentes passaria

pelas seguintes fases: - negação e isolamento (denial and isolation); raiva

(anger); negociação (bargaining); depressão (depression); aceitação

(acceptance). Examinemos mais em pormenor cada uma destas fases.

1ª FASE: Negação e isolamento: - A primeira reacção psicológica que

KÜBLER-ROSS detectou nas entrevistas com doentes em fase terminal foi a

negação. O doente, quando confrontado com a notícia de que tinha uma doença

potencialmente mortal, reagia negando a própria verdade que lhe tinha sido

comunicada. KÜBLER-ROSS constatou que o doente entrava num estado de

choque inicial e, logo de seguida, verbalizava a impossibilidade do acontecido.

Ao tomarem conhecimento da fase terminal de sua doença, a maioria dos

mais de duzentos pacientes moribundos que entrevistamos reagiu com esta

frase: "Não, eu não, não pode ser verdade," Esta negação inicial era palpável

tanto nos pacientes que recebiam directamente a notícia no começo de suas

doenças, quanto, naqueles a quem não havia sido dito a verdade, e ainda

naqueles que vinham saber mais tarde por conta própria.

(KÜBLER-ROSS,1989: p.49)

A negação funciona como uma defesa perante a possibilidade da morte, mais ou

menos próxima. O doente não quer acreditar no que está a acontecer, há uma

ameaça que é necessário negar para continuar a vida. Contudo, a negação não é

definitiva e muitos doentes irão ultrapassá-la e aceitarão a dura verdade. Durante

o seu contacto com os mais de duzentos doentes em fase terminal,

KÜBLER-ROSS refere que apenas três permaneceram numa fase de negação

Morte e luto O Processo de Morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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até à morte (cf. KUBLER-ROSS, 1989: p.51). KÜBLER-ROSS é de opinião que

esta reacção

[…] deve ser encarada como uma forma saudável de lidar com a situação

dolorosa e desagradável em que muitos desses pacientes são obrigados a

viver durante muito tempo. A negação funciona como um para-choques

depois de notícias inesperadas e chocantes, deixando que o paciente se

recupere com o tempo, mobilizando outras medidas menos radicais [...]

(KUBLER-ROSS, 1989, p.50)

Há a referir que muitos doentes apresentam uma negação parcial, isto é, negam

a doença e a sua gravidade, e, contudo, permanecem internados nas instituições

de saúde, continuando a efectuar os tratamentos médicos e não exercendo

qualquer recusa. Um dos casos descritos por KÜBLER-ROSS apresenta a situa-

ção de uma doente com cancro da mama que sempre recusou o tratamento

cirúrgico até pouco tempo antes de morrer. Evitava relacionar-se com os profis-

sionais de saúde, furtando-se a falar sobre a sua doença. Maquilhava-se exube-

rantemente e vestia-se com roupas de cores muito berrantes, numa tentativa de

escamotear a situação. A sua negação era parcial porque continuava a aceitar a

hospitalização e os restantes tratamentos oferecidos, e só mais tarde aceitou

efectuar a cirurgia. Inclusive após o acto cirúrgico, referia-se à intervenção como

algo necessário para retirar uma ferida e, desse modo, curar-se mais rapidamente

(cf. KÜBLER-ROSS, 1969: p.51-52).

Refira-se que a negação poderá ocorrer noutras situações, em que o próprio

doente já se encontra em fases emocionais posteriores. Não se tratará de um

recuo, mas antes de uma necessidade que o próprio doente sente, imprescindível

para a sua sobrevivência. Segundo KÜBLER-ROSS, quem se abeirar destes

doentes nesta fase deverá não interferir e deixar que sigam o seu curso de

consciencialização da gravidade do seu estado.

No contexto da negação, o doente poderá numa fase posterior cair numa

situação de isolamento pessoal:

Em geral, só muito mais tarde é que o paciente lança mão, mais do isola-

mento do que da negação. É quando fala de sua morte, de sua doença, de

sua mortalidade e imortalidade, como se fossem irmãs gêmeas coexistindo

lado a lado, encarando assim a morte, sem perder as esperanças

(KÜBLER-ROSS, 1989, p.52.

É importante esclarecer que quando KÜBLER-ROSS fala de isolamento não se

está a referir tanto ao facto de a pessoa se isolar, quer dizer, se afastar dos outros

procurando ficar a maior parte do tempo sozinho, mas mais ao processo através

do qual a pessoa procura isolar essa realidade da sua consciência, isto é, procurar

não pensar nisso. no seguimento do pensamento de KÜBLER-ROSS, a chave

para cuidar dos doentes nesta fase e nas fases seguintes é sempre, e sobretudo, a

escuta e a presença amiga. Não obstante podermos pensar que, de acordo com a

autora, a cada fase corresponderá uma atitude ou atitudes diferenciadas por parte

Morte e luto O Processo de Morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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de quem cuida da pessoa doente, isso é algo que acabamos por não constatar na

sua obra.

A propósito de uma questão que lhe foi dirigida, sobre qual deveria ser o

comportamento das pessoas perante um doente que se encontrava numa fase de

negação até à sua morte, KÜBLER-ROSS é explícita:

[…] tratá-lo como qualquer outro ser humano e lembrar-se de que algumas

pessoas necessitam da negação e isso não deve ser interrompido artificial-

mente simplesmente porque nós gostaríamos que eles abandonassem a sua

negação [...] (KÜBLER-ROSS, 1974: p.19.)

2ª FASE: Raiva: - Após um período inicial em que a negação está presente no

discurso e acção do doente, este poderá enveredar por sentimentos de raiva e

cólera, questionando-se: “porquê eu?” Segundo KÜBLER-ROSS (1989, p.62)

Contrastando com a fase de negação, é muito difícil para a família, amigos

e pessoal hospitalar lidar com a fase da raiva. Deve-se isso ao facto de esta

raiva se propagar em todas as direcções e projectar-se no ambiente, muitas

vezes sem razão plausível. Os médicos não prestam, não sabem que

exames·pedir e qual regime prescrever; mantêm os pacientes nos hospitais

mais do que o necessário ou não respeitam os desejos deles quanto a certos

privilégios; permitem que acomodem no quarto outro doente, mesmo grave,

quando se paga tanto por um pouco de sossego e privacidade, etc.. Na

maioria das vezes, as enfermeiras são alvo constante da raiva dos pacientes.

Tudo o que pegam, pegam errado; assim que deixam o quarto, a campainha

toca de novo; nem bem se sentam para fazer o relatório para o pessoal do

turno e já se acende a luz de chamada; quando vão arrumar a cama e

arranjar os travesseiros são acusados de jamais deixá-los em paz; quando

são deixados em paz, a luz se acende de novo para que elas venham ajeitar

a cama com mais conforto. As visitas dos familiares são recebidas com pouco

entusiasmo e sem expectativa, transformando-se num penoso encontro. A

reacção dos parentes é·de choro e pesar, culpa ou humilhação; ou, então,

evitam visitas futuras, aumentando no paciente a mágoa e a raiva.

(KÜBLER-ROSS, 1989, p.62)

Para Elisabeth KÜBLER-ROSS grande parte dos problemas de relacionamento

com os doentes terminais nesta fase é a dificuldade de nos colocarmos no seu

lugar. Diz ela:

“Talvez ficássemos também com raiva se fossem interrompidas tão prema-

turamente todas as actividades da nossa vida; se todas as construções que

começamos tivessem que ficar inacabadas, esperando que outros as termi-

nassem; se tivéssemos economizado um dinheiro suado para desfrutar mais

tarde de alguns anos de descanso e prazer, viajando ou nos dedicando a

Morte e luto O Processo de Morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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passatempos predilectos e, no final, nos deparássemos com o fato de que

“isso não é para mim” (KÜBLER-ROSS, 1989, p.62).

Talvez nestas circunstâncias também não fôssemos capazes de conter a nossa

raiva e a jogássemos sobre todos à nossa volta, todos aqueles que vão e vêm

atarefados com as coisas das suas vidas, enquanto nós vamos morrer. Acima de

tudo não podemos assumir essa raiva em termos pessoais porque na sua origem

pouco ou nada tem a ver com as pessoas em quem é descarregada. Não podemos,

ou não devemos agir em espelho, isto é, responder à raiva com raiva pois como é

óbvio isso só vai piorar as coisas. Segundo esta autora, se tivermos a compreensão,

tolerância e, no fundo, o respeito necessário para as pessoas nesta fase elas pouco

a pouco vão baixar a sua raiva, falar com modos menos agressivos, e fazer menos

exigências sem sentido.

O baixar da pressão provocada pela raiva é importante e necessário porque vai

permitir à pessoa evoluir para a fase seguinte do seu desenvolvimento pré-morte

que, como veremos, assenta num tipo de relação emocionalmente mais positiva

entre o doente terminal e as pessoas á sua volta.

3ª FASE: Negociação: - Segundo KÜBLER-ROSS, esta fase é a menos óbvia,

quer dizer, eventualmente mais difícil de detectar, mas muito importante para o

doente durante um curto período de tempo (cf. KÜBLER-ROSS, 1989: 91).

Depois de na fase o anterior o doente se ter zangado com tudo e com todos,

inclusivamente com Deus, agora ele resolve mudar de estratégia – decide nego-

ciar, tentar algum tipo de acordo que possa adiar o desfecho inevitável, prome-

tendo normalmente a entidades divinas, mas também a outro tipo de pessoas á

sua volta, mudanças de comportamento. Esta evolução é compreensível se

olharmos para a forma como as pessoas, especialmente as crianças, normalmente

funcionam. Quando se deparam com um “não” aos seus desejos e projectos

primeiro começam por se zangar e bater os pés, trancar-se no quarto, etc., mas,

depois, quando esta estratégia não funciona negoceiam uma alteração da nossa

posição oferecendo algo que nós lhes costumamos pedir, arrumar sempre o

quarto, ficar mais tempo em casa a estudar, etc..

O doente em fase terminal nesta fase usa o mesmo tipo de expediente, como

refere KÜBLER-ROSS:

A maioria das negociações são feitas com Deus, são mantidas geralmente em

segredo, ditas nas entrelinhas ou no gabinete privado do capelão. […]

ficamos impressionados com o número dos que prometiam “uma vida dedi-

cada a Deus” ou “uma vida ao serviço da Igreja”, em troca de um pouco

mais de tempo de vida. Muitos pacientes prometiam também doar parte dos

seus corpos “à ciência” caso os médicos usassem os seus conhecimentos

científicos para prolongar-lhes a vida. (KÜBLER-ROSS, 1989: 93).

Do ponto de vista psicológico, as promessas podem estar associadas a uma culpa

escondida, por isso não devemos menosprezar as observações feitas por esses

Morte e luto O Processo de Morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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pacientes. Frequentemente é importante ajudarmos a pessoa a descobrir quais

essas culpas interiorizadas de forma a elaborá-las, ultrapassá-las e eventualmente

acederem a uma fase final com mais paz e serenidade.

Alguns doentes tentam obter um alargamento do seu tempo de vida para

concretizarem um objectivo específico. Um caso relatado por

KÜBLER-ROSS descreve uma doente em fase terminal que fizera uma série

de promessas para conseguir viver até ao dia do casamento do seu filho.

Conseguiu assistir ao casamento e, nas palavras de KÜBLER-ROSS,

“Ninguém teria imaginado o seu estado real. Ela era a pessoa mais feliz do

mundo e parecia radiante (KÜBLER-ROSS, 1989: 92).

Os exemplos concretos dos “acordos” que os doentes tentam fazer de forma a

“comprarem” algum tempo podem ser mais ou menos evidentes e abertos,

podendo nalguns casos até ser bastante subtis. Contudo, mais uma vez, não

devemos desencorajar essa estratégia, desde que feita dentro de contornos

adequados, porque ela é uma tentativa para lidar com a ansiedade da morte.

4ª FASE: Depressão: - Quando já não é mais possível negar a doença, quando o

doente se encontra bastante debilitado e, mais uma vez, foi internado no hospital,

poderá ocorrer uma fase de depressão. Como diz Elisabeth KÜBLER-ROSS

“[…] o seu alheamento e estoicismo, sua revolta e raiva cederão lugar a um senti-

mento de grande perda. […] (KÜBLER-ROSS, 1989, p.95).” do qual vai resultar a

depressão.

Segundo KÜBLER-ROSS, a depressão nesta fase pode assumir duas formas

diferenciadas, as quais é importante distinguir porque cada uma deles deve

merecer uma atenção, ela própria diferenciada, por parte dos profissionais de

saúde e da própria família: - Uma delas pode ser designada por depressão

reactiva porque aparece como reacção às perdas passadas que resultaram da

doença terminal e que pode ser acompanhada por sentimentos de culpa e vergo-

nha associados a essas perdas. Pode ser uma mulher com cancro na mama a quem

é cirurgicamente removido o peito e que reage aos efeitos que isso vai provocar

na sua auto-imagem de mulher objecto de desejo, ou até uma mãe que reage ao

facto de o internamento a impossibilitar de cuidar dos seus filhos pequenos que

têm que ser levados para casa de parentes aumentando a sua tristeza e sentimento

de culpa. Todas estas pessoas podem reagir com uma profunda depressão à perda

de elementos especialmente significativos na sua vida. Nesta situação,

KÜBLER-ROSS sugere que se deve em primeiro lugar ouvir atentamente a

pessoa com o objectivo de detectar a causa da depressão e depois incutir coragem

e alento no doente ajudando-o a construir uma perspectiva mais adequada da

situação o que poderá ajudar a aliviar um pouco a culpa e vergonha irreais que

frequentemente acompanham a depressão. A mulher que se deprime por perder

o peito e não se sentir mais mulher pode ser elogiada por alguma característica

essencialmente feminina, pode ser tranquilizada porque continua mulher tal

como antes da operação e mostrar-lhe que em termos de heteroimagem pode

Morte e luto O Processo de Morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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usar uma prótese de mama que lhe permite manter a figura feminina. A mãe que

está preocupada com os filhos sozinhos em casa pode ser informada dos arranjos

que foram feitos para remediar a situação, dizer-lhe, por exemplo, que os filhos

estão bem que estão passando mais tempo em casa dos vizinhos, que estão felizes

brincando no jardim com filhos dos vizinhos, que continuam a ir á escola, a festas,

etc.. A autora refere que pode ser impressionante a forma como acaba a depressão

de um paciente quando estas questões vitais para a pessoa são resolvidas. Torna-

se óbvio, no entanto, que não bastará o conforto psicológico se não se resolver, de

facto, o problema do doente. Para isso, como vimos, pode recorrer-se aos serviços

do/a assistente social ou a outros recursos comunitários existentes para encontrar

uma solução eficaz que, por um lado, possa resolver o problema social, e, por

outro, contribua para o bem-estar do doente.

O segundo tipo de depressão não está relacionado com perdas passadas mas

sim com as perdas que vão ocorrer no futuro iminente. Logo, em vez de aparecer

como um movimento reactivo, este tipo de depressão é mais um movimento

proactivo através do qual a pessoa se prepara para o que lhe vai acontecer no

futuro próximo, e por isso tem sido designado por depressão preparatória.

Segundo KÜBLER-ROSS, este tipo de depressão de ser lidado de uma forma

completamente diferente pelas pessoas que rodeiam o doente terminal. Quando

a depressão é um instrumento na preparação da perda iminente de todos os

objectos amados, o encorajamento e a confiança não fazem muito sentido

enquanto facilitadores do processo de aceitação. O doente não deverá ser enco-

rajado a olhar o lado risonho das coisas, porque simplesmente não há um lado

risonho para onde olhar e isso significaria que ele não deveria contemplar a sua

morte iminente. Dizer-lhe para não ficar triste seria contraproducente, pois todos

nós ficamos profundamente tristes quando, perdemos um ser amado, e o paciente

à nossa frente está prestes a perder tudo e todos a quem ama. Se deixarmos que

exteriorize o seu pesar, aceitará mais facilmente a situação e ficará agradecido a

todos os que puderem estar com ele neste estado de depressão sem repetir

constantemente que não fique triste. Este segundo tipo de depressão geralmente

é silencioso, contrariamente ao primeiro que requer muita conversa e até inter-

venções activas por parte dos que estão á sua volta e em que o paciente tem muito

para comunicar. No pesar preparatório há pouca ou nenhuma necessidade de

palavras. É mais um sentimento que se exprime mutuamente, que pode ser

traduzido, em geral, por um toque carinhoso de mão, um afago nos cabelos, ou

apenas por um silencioso "sentar-se ao lado". É esta a hora em que o paciente

crente pode pedir para falar com Deus, em que começa a se ocupar com as coisas

que estão à sua frente e não com s que ficam para trás. É a hora em que a inter-

ferência excessiva de visitantes que tentam animá-los retarda sua preparação

emocional, em vez de incentivá-la.

Nesta fase pode ser também necessário informar a família do doente acerca da

razão de ser desta forma de depressão e a ajudá-la compreender que é necessária

e benéfica para o doente terminar os seus dias num estado de aceitação e de paz,

Morte e luto O Processo de Morte

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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evitando-se assim muita angústia e perturbação para ambos os lados. Esta preo-

cupação com a família do doente é importante porque em certas circunstâncias,

pode ocorrer uma dissociação entre a vontade da família em desejar a vida do seu

familiar e a vontade do doente em partir. Caberá ao pessoal técnico ajudar a

família a compreender que aquilo de que o doente mais precisa naquele

momento é de companhia, podendo os apelos ao ânimo e à coragem prejudicar a

caminhada do familiar para o desprendimento e para a aceitação do terminus da

vida (KÜBLER-ROSS, 1989).

5ª FASE: Aceitação: - Um doente terminal que tiver tido o tempo necessário (isto

é, que não tiver tido uma morte súbita e inesperada) e tiver recebido alguma ajuda

para superar tudo conforme descrevemos nas fases anteriores, atingirá uma fase

em que não mais sentirá depressão nem raiva quanto a seu "destino". Terá podido

expressar os seus sentimentos, a inveja pelos outros à sua volta que continuam

vivos e sadios e a sua raiva por aqueles que não são obrigados a enfrentar a morte

tão cedo. Terá lamentado a perda iminente de pessoas e lugares queridos e

contemplará seu fim próximo com um, certo grau de tranquila expectativa. Estará

na maioria dos casos cansado e bastante fraco, podendo sentir também um desâ-

nimo resignado e sem esperança, uma atitude de "o que adianta?" ou “não

aguento mais lutar". Embora se ouçam também por vezes estas frases elas são

indicadoras do começo do fim da luta, mas não significam ainda aceitação.

Esta fase representa assim o culminar de todas as reacções emocionais do

doente em fase terminal. É um “baixar das armas”, uma rendição do doente

perante a iminência da morte. Para KÜBLER-ROSS, muitos doentes, quando

ajudados, alcançarão esta fase, apresentando uma necessidade de acompanha-

mento em que a comunicação verbal é quase nula. Contudo, apesar do silêncio a

presença, nesta fase, junto do doente em fase terminal é muito rica emocional-

mente e também significa o seu não abandono. Elisabeth KÜBLER-ROSS refere

que é por vezes o próprio doente que pode fazer um gesto com a mão convi-

dando-nos a sentar ao seu lado por uns instantes. Isto é importante porque o estar

ao lado do doente ajuda-o a sentir que apesar de não falar ele não foi abandonado,

que respeitamos o seu silêncio e um pequeno apertar de mão, um olhar olhos nos

olhos, um ajeitar das almofadas pode significar mais do que muitas e barulhentas

palavras. KÜBLER-ROSS relata na sua obra que preferia visitar estes doentes no

fim do dia quando se sentia já bastante cansada e apreciava ter uns minutos de

paz e silêncio. Um aspecto interessante é que estes contactos podem ser também

benéficas para as visitas, na medida em que nos ajuda a compreender que a morte

pode não ser assim uma experiência tão horrível e aterradora como poderíamos

pensar.

Nas suas entrevistas KÜBLER-ROSS verificou que os doentes a quem foi

possibilitado exteriorizar os medos, a raiva e a ansiedade, apresentam um

percurso mais facilitado até à aceitação. Também os doentes mais idosos, que têm

uma vida construída, com filhos já adultos, com uma situação profissional já

percorrida e que olham para o passado com saudade mas com a sensação de ter

Morte e luto O Processo de Morte

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cumprido a sua missão, necessitam de menos ajuda e alcançam a fase de aceitação

mais rapidamente. Não obstante as dificuldades do doente em alcançar a fase de

aceitação, KÜBLER-ROSS é peremptória: “[…] nós vimos a maioria dos nossos

doentes morrer na fase da aceitação, uma existência sem medo nem desespero

[…]” (KÜBLER-ROSS, 1989, p.127). É contudo importante tomarmos

consciência da enorme tarefa que representa para um doente terminal alcançar

esta fase de aceitação que implica uma separação gradual (decatexia) das coisas

deste mundo, o entrar num deserto seco e vazio de sentimentos onde não há

espaço para o diálogo.

O cunho da esperança: - Terminaremos este capítulo sobre as reacções psico-

lógicas características do doente terminal chamando a atenção para o facto de que

segundo KÜBLER-ROSS em todas as fases há um traço comum que está

presente em todos os doentes: - a esperança. Segundo KÜBLER-ROSS,

“[…] ao ouvirmos os nossos doentes terminais ficámos sempre impressiona-

dos pelo facto de que mesmo os doentes mais conformados e mais realistas

deixavam em aberto a possibilidade de aparecer uma cura, a descoberta da

descoberta de um novo medicamento, ou de que tivesse êxito um projecto

recente de pesquisa […]” (KÜBLER-ROSS, 1989, p.146).

Este fio de esperança que atravessa todas as fases funciona como um sustentáculo

para os doentes num nível tal que permite que se sujeitem a mais e mais exames

médicos, sempre com a expectativa de encontrarem uma derradeira cura para os

seus problemas de saúde. Esta esperança como vimos na citação acima pode

assumir variadas formas, mas devemos sempre permitir que seja mantida pelo

doente. Aliás, ela notou que os doentes tendiam a confiar mais nos médicos que

permitiam aos doentes manter uma réstia de esperança, e ainda que os doentes

pareciam evidenciar alguma recuperação depois de falarem da gravidade da sua

doença e de recuperarem a tal noção de que não estão esquecidos nem

abandonados.

KÜBLER-ROSS constatou que, quando os doentes deixavam de apresentar

sinais de esperança, encontravam-se preparados e, pouco tempo depois, morriam.

Para além deste facto, KÜBLER-ROSS também evidenciou dois tipos de

esperança: - a esperança inicial, que está relacionada com a possibilidade de

aparecimento de uma terapêutica curativa, e uma esperança tardia, de curto

prazo, que o doente sente quando se apercebe de que a terapêutica já não é eficaz

e envereda então por uma esperança numa vida após a morte e/ou uma esperança

dirigida para as pessoas que irá abandonar a curto prazo.

KÜBLER-ROSS exemplifica:

[...] uma jovem mãe que estava às portas da morte alterou a sua esperança

declarando: - “Espero que o meu filho consiga aguentar”. Outra doente que

era crente disse-me “Espero que Deus me aceite no seu jardim”[…]

(KÜBLER-ROSS, 1969: 158).

Morte e luto O Processo de Morte

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Ainda a propósito da esperança, KÜBLER-ROSS refere alguma conflitualidade

que, por duas razões básicas, poderá ocorrer entre a pessoa doente e as pessoas

que a rodeiam:

quando os técnicos de saúde e a família já não acreditam na cura e o

doente ainda precisa que lhe acalentem alguma esperança para continuar

a viver e não se sentir desamparado;

quando a família se agarra a uma esperança férrea e é incapaz de aceitar

o fim do seu ente querido numa altura em que o próprio doente já não

espera mais nada excepto o seu fim (KÜBLER-ROSS, 1989, p.147).

Para KÜBLER-ROSS, esta conflitualidade seria evitada através do acompanha-

mento do doente, isto é, mesmo quando a situação é profundamente grave e não

há perspectiva de cura, há que assegurar ao doente que fizemos tudo o que era

possível para o ajudar e que continuaremos a fazer o possível para fazer com que

ele se sinta o mais confortável possível.

Contudo, a situação que se vive nas unidades de saúde actuais não é anima-

dora, isto é, os cuidados prestados à pessoa no fim da vida não estão informados

pelas ideias de KÜBLER-ROSS. Esta situação é devida em grande escala ao

escamoteamento da morte do discurso da sociedade. Na senda do que foi

afirmado por KÜBLER-ROSS, é imprescindível falarmos da morte como algo

intrínseco à vida.

Críticas à abordagem de Elisabeth Kübler-Ross Uma abordagem à problemática da morte como a de Elisabeth KÜBLER-ROSS

inovadora tanto na forma como no conteúdo despoletou naturalmente uma

intensa actividade de investigação nesta área com o objectivo de testar as suas

hipóteses através de métodos mais rigorosos do ponto de vista científico, se bem

que nos possamos questionar se a abordagem de um assunto tão pouco conven-

cional possa ser adequadamente feita com os métodos convencionais usados nas

ciências humanas.

Como já demos a entender anteriormente a maior parte das críticas ao Modelo

de KÜBLER-ROSS baseiam-se na noção de que as reacções características do

doente terminal que ela descreve não podem ser considerados verdadeiros

estádios de desenvolvimento, porque lhe faltam algumas das propriedades essen-

ciais para tal. O aspecto mais problemático é a sequencialidade dos estádios pois

é a própria autora a admitir que muitas vezes as reacções não aparecem de forma

sequencial, isto é, não seguem uma particular ordem na forma como as pessoas

as manifestam.

Outra crítica prende-se com o facto de alguns investigadores terem encontrado

um maior leque de reacções do que aquelas descritas por KÜBLER-ROSS,

sugerindo que a sua abordagem para além de demasiado simples tende também

a ser demasiado sanitária, no sentido em que procurar ver o processo de morte

num sentido demasiado positivo.

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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Outro aspecto que segundo alguns autores deveria ser melhor esclarecido é a

importância de factores como o tipo de doença terminal assim como as circuns-

tâncias que rodeiam a doença e a hospitalização na forma como o doente vive os

últimos dias da sua vida.

Em suma, estas críticas da perspectiva proposta por KÜBLER-ROSS chamam

á atenção para a necessidade de expandir este modelo de forma a incorporar toda

a variedade de estilos individuais na vivência da morte assim como a complexi-

dade das reacções que essa experiência envolve.

PERDA, PESAR E LUTO

ASPECTOS GLOBAIS

Até agora temos abordado o processo de morte na perspectiva do doente termi-

nal, isto é, da pessoa que está a morrer, contudo, como vimos, a humanização da

morte passa essencialmente por viver esse momento doloroso de uma forma que

respeite a vida da pessoa – humanizar a morte é integrar a morte na vida, o que

significa integrar a pessoa que está a morrer naquele que foi o seu contexto

normal de vida, e, por conseguinte, no meio das pessoas que lhe são queridas.

Logo, para termos um quadro completo da morte e do morrer, temos que incluir

também as pessoas que fazem parte do espaço de vida familiar do doente terminal

Neste capítulo vamos fazer uma alteração de perspectiva e abordar o processo de

morte na perspectiva dos sobreviventes, das pessoas que ficam, aqueles sobre

quem cai todo o pesar e luto que se segue à morte do ente querido.

Contudo, quem já passou por esta experiência pode achar um pouco estranha

a ideia de que algo tão pessoal e subjectivo como o luto possa ser objecto de

estudo científico e pode até ter dificuldade em imaginar um grupo de pomposos

académicos, sentados ao redor de uma mesa teorizando e generalizando sobre a

angústia e a dor que sentimos quando perdemos alguém querido. Vêm com

etapas e fases e tarefas e rótulos que podem ser totalmente estranhos à nossa

própria experiência. Alguém nos diz que estamos na fase de "raiva" o que tem

como único efeito ficarmos irritados com essa pessoa por achar que sabe alguma

coisa acerca do sofrimento por que estamos a passar. Num certo sentido temos

razão, contudo, as teorias têm ainda assim um lugar apesar de a dor e sofrimento

enquanto experiências subjectivas serem algo tão único quanto a pessoa que as

experienciam. É evidente que as teorias não vão funcionar em todas as circuns-

tâncias e, se nem mesmo os teóricos estão na maior parte dos casos de acordo uns

com os outros, porque haveríamos nós de concordar com eles? (não esperamos

que você concorde com todos eles). Então para quê falar deles? Bem… porque

apesar de experiência pessoal ser subjectiva e, por isso, naturalmente única, se,

em vez de olharmos para um indivíduo em particular, olharmos para as pessoas

em geral verificamos que as pessoas na realidade reagem de modo relativamente

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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uniforme a circunstâncias semelhantes, e, assim, é possível definir padrões mais

ou menos regulares e previsíveis.

Antes de avançarmos na abordagem a esta problemática convém, por uma

questão de clareza conceptual analisar a terminologia que é utilizada no estudo

desta problemática, em português, mas também em inglês, dado que é a língua

do que existe publicado em termos de investigação mais recente e ajudar assim

os alunos a orientarem-se nesta área do conhecimento. A literatura anglo-saxónica

aborda esta problemática a partir de três conceitos fundamentais: — “bereave-

ment”, “grief” e “mourning”. Como veremos mais adiante em português temos

somente as duas palavras que servem de título a este capítulo — pesar e luto.

Vamos agora ver agora o significado de cada um destes termos. Em língua inglesa

usa-se a palavra “bereavement”, para designar o conjunto de reacções psicológicas

à perda de um ente querido, a palavra “grief” é utilizada para designar a nossa

resposta emocional interior à perda e “mourning” para referir a forma como

exteriormente expressamos nossa dor, por exemplo, chorar num funeral ou vestir

de preto. Podemos assim concluir que o conceito de “bereavement” designa um

processo mais geral do qual fazem parte os conceitos de “grief” e “mourning”.

Não temos na língua portuguesa uma palavra equivalente a “bereavement”, ou,

mais exactamente, a palavra “luto” tem um sentido duplo de “bereavement” e

“mourning” pelo que neste manual vai ser utilizada a palavra “perda” como

equivalente a “bereavement”, a palavra “pesar” para exprimir o sentido de “grief”

e apalavra “luto” para exprimir o sentido subjacente a “mourning”. Convém ainda

realçar que apesar de “pesar” e “luto” se referirem à forma como reagimos à perda

de um ente querido, não significam exactamente a mesma coisa. A palavra

“pesar” refere a experiência emocional interior pessoal e subjectiva, isto é, a dor

e a tristeza, os pensamentos depressivos o desejo de isolamento ou até a raiva,

que resultam da perda e que são essencialmente determinados pelo tipo de

relação que tínhamos com a pessoa falecida, pelas circunstâncias da morte assim

como pelas características da nossa personalidade. A palavra “luto”, por outro

lado designa a forma como exprimimos o nosso pesar, isto é, o conjunto de

comportamentos e reacções exteriores que mostramos aos outros e que são

essencialmente determinados pelo contexto sociocultural.

REACÇÕES PSICOLÓGICAS À PERDA

Como vimos no ponto anterior designamos como pesar Tal como no doente

terminal pode verificar-se na pessoa enlutada um conjunto de reacções psicoló-

gicas à perda do seu ente querido. Para além dos factores individuais e subjecti-

vos, as reacções à morte de um ente querido estão relacionadas com um grande

número de variáveis, como por exemplo, a idade do falecido, as circunstâncias da

morte, a relação com o falecido, o género e idade da pessoa enlutada, o estado de

saúde da pessoa enlutada, o background cultural e étnico da pessoa enlutada, e

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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ainda muitas outras que podemos imaginar, mas que seria fastidioso estar aqui a

enumerar.

Agora mais em pormenor, não é difícil compreender que a forma como

lidamos com a perda de um ente querido é claramente diferente se quem morre

é uma pessoa idosa e bastante limitada pelo processo de declínio associado ao

envelhecimento, ou é uma pessoa mais jovem, muitas vezes ainda com responsa-

bilidades familiares, cuja perda representa um rude golpe, muitas vezes afectando

seriamente a própria estabilidade económica e estrutura familiar. Imaginemos

um pai de família com vários filhos menores cuja mulher não tem emprego que

de repente morre num acidente de trabalho. Neste caso, para lá da perda emoci-

onal esta família perde também a sua única fonte de rendimento.

Também, certamente reagiremos de forma diferente à perda de um ente

querido segundo a morte ocorra de forma repentina e inesperada ou como

culminar de uma doença prolongada. No primeiro caso vemo-nos confrontados

com uma situação crítica sem estar preparados e nestes casos muitas vezes

acontece que só passados alguns dias nos damos realmente conta do que aconte-

ceu. No segundo caso, quando a morte finalmente ocorre isso representa unica-

mente o vivenciar no concreto uma situação que já provavelmente tínhamos

vivido imaginariamente muitas vezes. Acontece também nos casos de doenças

graves que se perde o contacto com a pessoa algum tempo antes de ela morrer.

A perda acontece assim na realidade antes da morte efectiva e tivemos tempo

para nos adaptarmos a ela.

Analisando ainda outra variável, não é difícil de compreender que a forma

como reagimos à morte de uma pessoa está naturalmente relacionada com a

relação que tínhamos com essa pessoa. Não nos afecta da mesma maneira a perda

de um irmão ou irmã com quem tínhamos uma relação muito chegada ou de um

cônjuge ou qualquer outra pessoa com quem convivíamos quotidianamente, do

que a morte de um avô ou avó que viviam na aldeia e que só víamos pelas festas,

ou de um primo afastado emigrante no estrangeiro e que já não víamos há anos.

Seria fastidioso estar aqui a pormenorizar a forma como a nossa reacção é

afectada por um conjunto de variáveis associadas à morte de um ente querido,

pois, para além de serem muitas variáveis a maior parte delas tem sido pouco

estudada e não têm sido utilizadas metodologias científicas rigorosas. A maior

parte dos estudos limitam-se a pegar numa amostra de pessoas enlutadas e depois

determinar quais as características que têm em comum, ou, as características em

que essa amostra difere de uma amostra de pessoas que não estão de luto.

As reacções psicológicas que foram encontradas têm por vezes uma intensi-

dade patológica. GORER (1965, cit. in KIMMEL, 1990) relatou que muitos dos

seus sujeitos mostravam-se incapazes de se conformarem com as suas perdas e

caracterizou as manifestações de luto de um terço dos seus sujeitos como “ilimi-

tadas”. Na mesma linha, LOPATA (1973, cit. in KIMMEL, 1990) descobriu que

um quinto dos seus sujeitos viúvos e viúvas recentes sentiam que a dor do luto

durava “para sempre” e “nunca vou ultrapassar isso.” Um outro estudo mais antigo

realizado por LINDENMANN (1944, cit. in KIMMEL, 1990) com pessoas que

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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tinham perdido entes queridos num incêndio num clube nocturno nos EUA,

verificou que as alterações somáticas, preocupação com a imagem da pessoa

falecida, sentido de irrealidade, culpa, reacções hostis, perda de padrões de

conduta e irritabilidade eram características presentes nas pessoas enlutadas. É,

contudo, importante ter em conta dois factores que podem explicar o carácter de

certa forma extremo dos sintomas do luto apresentados por estes estudos. Em

primeiro lugar, eles podem estar relacionados com as causas da morte, especial-

mente no caso em que a morte ocorre de forma acidental, o que naturalmente

aumenta a reacção de choque e incredulidade. Em segundo lugar, pode estar aqui

em causa um efeito do próprio estudo, especialmente da metodologia utilizada.

Como sabemos as formas de expressão do luto seguem padrões determinados

socialmente, em que de forma geral a severidade dessas reacções são vistas

socialmente como sinal da relação que se tinha com o falecido. Quer dizer,

manifestar a sua dor de forma explícita e notória com sinais por vezes extremos

de perturbação emocional, choro, gritos, etc., é um comportamento que é valori-

zado socialmente como sendo indicador que a pessoa tinha uma boa relação com

o falecido, e que está a sentir muito a sua falta. Para além dos naturais sentimentos

de luto, está também aqui em jogo essencialmente a imagem social tanto da

pessoa enlutada como da pessoa falecida, por isso, não espanta que, quando surge

um investigador a fazer perguntas acerca do que a pessoa está a sentir, especial-

mente em caso de mortes trágicas e passado pouco tempo da ocorrência, as

pessoas se mostrem incapazes de ultrapassar o pesar e mostrem sinais de pertur-

bação emocional extrema.

A ideia de que as reacções extremas de pesar que aparecem em alguns estudos

podem ser devidos a enviesamentos dos próprios estudos é confirmada pelos

resultados de um estudo realizado por CLAYTON, HALIKES & MAURICE

(1971, cit. in KIMMEL, 1990) no qual foram realizadas entrevistas a 109 viúvo/as

durante o primeiro mês de luto. Este estudo mostrou que a manifestação de pesar

mais frequente era o choro, sentimentos de depressão, dificuldade em adorme-

cer, dificuldades de concentração ou perturbação da memória, perda de apetite

ou perda de peso, e a necessidade de recorrer à ajuda de medicamentos para

dormir ou para reduzir a ansiedade. Contudo, reacções de tipo patológico eram

relativamente raras (Cf. gráfico seguinte).

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

121

Gráfico 6 - Reacções à perda de um cônjuge (Clayton et al. 1971)

Cerca de um terço dos sujeitos queixaram-se acerca dos médicos ou do hospital,

muitas vezes alegando que o médico não os tinha informado da gravidade da

doença, especialmente se essa doença tinha tido uma evolução relativamente

rápida e inesperada, ao passo que 21% dos sujeitos relatavam sentimentos de

culpa. Estes investigadores verificaram também que as pessoas enlutadas

sentiram-se mais aliviadas ao reverem as circunstâncias da morte à medida que

decorria a investigação e, por isso, sugerem que fazer uma revisão, eventualmente

com o médico assistente, da doença e do processo que a conduziu à morte pode

ser benéfico para a família enlutada na medida em que lhes permite a expressão

de emoções e os ajuda a internalizar a realidade da morte.

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

122

Ilustração 12 - O serviço fúnebre enquanto contexto institucionalizado para a expressão da dor.

Talvez o serviço fúnebre, processo esse também muito regulado socialmente,

forneça ele próprio um contexto institucionalizado para que esse processo de

revisão possa ocorrer, pois as pessoas enlutadas são levadas a descrever as circuns-

tâncias da morte a muitos dos familiares e amigos que estão presentes. Os sujeitos

relataram ainda que os seus filhos foram as pessoas do seu ambiente imediato que

os ajudaram mais a viver os momentos de dor e pesar, apesar de o pessoal da

agência funerária e o advogado que trata da herança do falecido terem sido

também úteis na medida em que os ajudam a tomar decisões imediatas e

urgentes. Estes autores sugerem ainda que ajudar a fazer planos no curto prazo

pode ser a melhor forma de ajudar a pessoa enlutada e que os planos para o futuro

mais distante devem ser evitados, pelo menos no primeiro mês de luto.

Podemos assim concluir que o pesar e a dor assim como muitas da manifesta-

ções emocionais que lhe estão associadas são reacções normais que não são em si

patológicas pois representam uma resposta necessária que nos ajuda a recuperar

do sentimento de perda quando um ente querido morre. É, assim, importante

compreender a dor e o pesar enquanto parte da experiência humana. Natural-

mente, em determinadas pessoas e em determinadas circunstâncias, a expressão

do pesar e da dor pode assumir formas patológicas, mas essa, como vimos é mais

a excepção do que a regra.

PESAR E LUTO

Existem muitos e variados modelos e teorias que estudam o processo de pesar e

luto, contudo todos eles convergem na noção de que o rompimento da ligação

geralmente por morte, com um ente querido, desencadeia uma série de reacções

e sentimentos que apesar de muitas vezes envolverem sofrimento e desorganiza-

ção psíquica em maior ou menor grau não atingem habitualmente uma dimensão

patológica sendo considerados normais e até necessários para uma completa

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

123

recuperação da pessoa enlutada. Nesta perspectiva o processo de luta funciona

como um processo de recuperação do equilíbrio perdido e readaptação a uma

vida sem a pessoa que morreu

John BOWLBY e J. William WORDEN foram os primeiros autores a apresen-

tar o processo de luto como uma sucessão de fases ou tarefas que possuem carac-

terísticas próprias. Mesmo tendo perspectivas distintas — BOWLBY refere-se a

“fases” e WORDEN a “tarefas” do luto — ambos concordam no que respeita a

muitas das reacções e sentimentos experienciados pela pessoa enlutada e assim

as suas ideias podem ser vistas como complementares. Por terem sido os primei-

ros a descrever o luto de modo sistemático, as teorias destes dois autores passaram

a servir de referencial para a maioria dos trabalhos realizados sobre este tema a

partir da primeira publicação de suas obras (1969 e 1982, respectivamente). Por

esse motivo e também por uma questão de clareza, a abordagem desta questão

será neste manual limitada às propostas destes dois autores que aparecem como

especialmente marcantes.

Edward John Mostyn BOWLBY (1907-1990) foi um psicólogo e psiquiatra

britânico muito influenciado pela psicanálise que é mais conhecido pelo seu

trabalho pioneiro no estudo dos processos de vinculação infantil23

. BOWLBY

estava especialmente interessado na juventude perturbada e em compreender

que circunstâncias familiares contribuíam para um desenvolvimento infantil

saudável e equilibrado. Trabalhando em estreita parceria com a sua estudante

Mary AINSWORTH, BOWLBY definiu o princípio que a vinculação era um

mecanismo evolutivo com valor de sobrevivência e que as crianças faziam o luto

de eventuais separações das pessoas cuidadoras iniciais. BOWLBY vai depois

utilizar as observações e teorias acerca da vinculação e separação para explicar

muito do que se passa no processo de pesar e luto, porque, segundo este autor,

em ambas as situações está em causa um sistema relacional que é quebrado24

. A

interrupção irremediável da relação tem como consequência natural uma reacção

23 Vinculação é um conceito usado para designar o processo de ligação entre uma criança pequena

e a pessoa que dela cuida, normalmente a mãe.

24 A existência de um sistema relacional significa que as pessoas estão em interacção constante

satisfazendo dessa forma um conjunto de necessidades pessoais e sociais.

Ilustração 13 - John Bowlby (1907-1990)

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

124

de pesar e dor, tendo também, segundo BOWLBY essa reacção uma função

adaptativa.

No que respeita ao luto propriamente dito, BOWLBY (1985) parte dos estudos

realizados por PARKES (1972, 1983) com viúvos. Estes estudos visavam descre-

ver os comportamentos típicos de reacção à perda de um cônjuge durante o

primeiro ano de luto utilizando dados resultantes de entrevistas semi-estrutura-

das nas casas das pessoas enlutadas que tinham como objectivo de possibilitar que

o enlutado falasse livremente sobre sua experiência. Os participantes da pesquisa

eram na sua maioria mulheres que haviam perdido seus maridos, embora

houvesse também homens enlutados pela morte de suas esposas. Ao analisar estes

estudos, BOWLBY propõe a existência de quatro fases ao longo das quais

acontece o luto. Apesar de geralmente se sucederem da mesma maneira, a ordem

das fases pode variar, podendo também haver oscilações entre elas. Além disso,

não se pode estabelecer uma duração exacta para cada uma.

As quatro fases propostas por BOWLBY (1985) são as seguintes:

1. Entorpecimento ou choque;

2. Anseio e busca da figura perdida;

3. Desorganização e desespero; e

4. Reorganização.

Vejamos agora mais em pormenor cada uma destas fases.

FASE 1: CHOQUE, DORMÊNCIA E PROTESTO. Esta fase abrange as reacções que

aparecem imediatamente após a morte podendo durar de algumas horas a

aproximadamente uma semana. Naturalmente esta fase é mais evidente quando

está em causa uma morte inesperada. A pessoa tem de se adaptar rapidamente e

então começa por sentir incredulidade depois choque, angústia, medo, e talvez

raiva pela perda. O protesto pode assumir formas de negação, tais como "Não:

isso não pode não ter acontecido comigo. Não acredito. É tudo um sonho mau."

São comuns momentos de tranquilidade que são interrompidos por crises de

choro que podem funcionar tanto como um protesto contra a perda como uma

tentativa de chamar a atenção para a perda e implorar por ajuda. A pessoa oscila

entre uma posição de pedido de ajuda e de raiva e hostilidade que pode ser

dirigida para o pessoal hospitalar "Você não o salvou; Você poderia ter feito

mais…", para si mesmos: "Eu devia ter estado lá; Eu poderia ter ajudado.", ou

mesmo para a pessoa morta: "Por que você me deixou? Eu preciso de você." Em

alguns casos pode ser muito difícil lidar com esta raiva noutros um comentário

empático do género “Deve ser muito duro o que aconteceu…” ajuda a diluir a dor

e pode reduzir a raiva.

FASE 2: ANSEIO E PROCURA DA PESSOA PERDIDA. Durante esta fase a pessoa

enlutada começa a percepcionar o falecimento como algo real. Essa percepção

gera desânimo e a sensação de que o mundo parece vazio e sem sentido sem a

pessoa falecida. Ao mesmo tempo a pessoa começa a orientar-se para pessoa

perdida pensando nela constantemente tendo por vezes a sensação de que o

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

125

morto ainda está presente, o que pode fazer a pessoa em luto interpretar alguns

sinais como indicativos de seu retorno. Certos barulhos na porta de casa, por

exemplo, podem dar a impressão de que o falecido está chegando, tal como

acontecia antes. Os enlutados podem pensar sobre a pessoa perdida durante

horas, revivendo memórias, mesmo sendo isso bastante doloroso. A emoção

predominante é de tristeza dolorosa. Este parece ser um processo de transferên-

cia de sentimentos de fixação da pessoa em si para as memórias da pessoa; como

cada memória é revivida, a pessoa gradualmente elabora a noção interna que o

relacionamento terminou. Pode haver retorna a negação durante este processo.

Nesta fase, duas sensações opostas se alternam. Por um lado — mais racional —

o enlutado sabe que a morte ocorreu e sofre com essa percepção. Por outro —

mais subjectivo ou emocional — ele ainda tem dificuldades em acreditar nisso. A

descrença na realidade do falecimento leva ao comportamento de busca pela

pessoa morta, principal característica desta segunda fase. Este comportamento,

que traduz a esperança de ter o falecido de volta, pode ser observado em tentati-

vas — às vezes bastante concretas — de recuperar o morto através de determina-

dos tipos de comportamentos. Um bom exemplo é citado por BOWLBY (1980)

ao mencionar algumas viúvas que têm consciência de estarem buscando o marido

falecido. Uma delas chega a dizer, textualmente: "Eu ando à procura.", enquanto

outra diz: "Vou ao cemitério... mas ele não está lá." (BOWLBY, 1980, p. 93). A

pessoa enlutada torna-se preocupada com a pessoa perdida; o mundo parece

vazio e sem sentido sem ela. Os enlutados podem pensar sobre a pessoa perdida

por horas, reviver memórias, mesmo que isso é doloroso. A emoção predominante

é de tristeza dolorosa. Este parece ser um processo de transferência de sentimen-

tos de fixação para a pessoa para as memórias da pessoa; como cada memória é

revivida, a pessoa gradualmente monta a realização interna que o relacionamento

terminou. Pode haver retoma da negação durante este processo.

FASE 3: DESORGANIZAÇÃO E DESESPERO. Através do processo de reprodução

mental através da memória e da busca da pessoa perdida característicos da fase

anterior, a pessoa enlutada vem a aceitar a perda permanente ao mesmo tempo

que toma consciência de que tudo mudou e não vai voltar a ser como era ou como

a pessoa imaginava. Isto leva a uma falta de esperança e desespero, assim como a

raiva e o questionamento. A pessoa sente que a vida nunca irá melhorar ou fazer

sentido novamente sem a presença da pessoa que morreu. Pode isolar-se e

tornar-se retraída, introvertida e irritável. Como a raiva, a depressão acaba por

afastar as outras pessoas, corre-se o risco de a relações da pessoa enlutada com os

outros à sua volta perderem calor e espontaneidade e de a pessoa se sentir

culpado e zangado com os seus sentimentos. Sintomas somáticos podem incluir

distúrbios digestivos, perda de apetite, sensações de asfixia, falta de energia e

exaustão física. A maioria das pessoas nesta fase tenta evitar lembrar-se da pessoa

perdida.

FASE 4. REORGANIZAÇÃO. Nesta fase a dor começa a diminuir e a pessoa começa

a estabelecer novos padrões e objectivos para a sua vida, um processo que pode

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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levar meses ou até anos. Memórias dolorosas começam a desaparecer e a dor é

substituída por memórias mais agradáveis, prazer e afecto. Podem ser iniciados

novos relacionamentos e novas actividades, porém, a culpa de sobrevivente25

pode reaparecer se um novo objecto de amor entra a vida da pessoa. Quando o

processo evolui com êxito, a pessoa pode amadurecer e crescer a partir da expe-

riência de luto. Uma viúva pode tornar-se mais independente, sentir-se mais

capaz de cuidar de si mesma e realizar projectos que nunca poderia enquanto seu

marido estava vivo.

Tanto o pesar como o luto são necessários para a resolução completa e bem

sucedida da perda, resolução que se caracteriza essencialmente por uma reorga-

nização do comportamento. Contudo, BOWLBY era de opinião que uma pessoa

podia “encalhar” em qualquer uma das fases deste processo. Chamou também a

atenção para o facto de que nos adultos mais jovens que perdem um cônjuge a

fase de reorganização do comportamento que se caracteriza habitualmente pela

escolha de um novo parceiro romântico pode ser antecedida por um período de

relativa promiscuidade, isto tanto para homens como para mulheres. Apesar de

isto ser verdade para pessoas mais jovens, no que respeita viúvos ou viúvas mais

idosas as pressões sociais vão limitar enormemente uma reorganização desse tipo,

o que pode ser uma dificuldade suplementar para a resolução do luto.

Estudos mais recentes conduzidos por Colin PARKES (GLICK, WEISS &

PARKES, 1974; PARKES, 1987, cit. in KIMMEL, 1990) propuseram um modelo

mais simples constituído por três fases de luto que duram ao todo mais ou

menos um ano. A primeira fase designa-se resposta inicial e dura poucas semanas

e envolve sentimentos de choque e incredulidade seguidos de choro. Nesta fase

é comum as pessoas terem por vezes a sensação que não vão conseguir resistir à

dor, que vão ter um “esgotamento”. Algumas pessoas nesta fase recorrem ao

álcool ou a tranquilizantes para controlarem a sua ansiedade outros simplesmente

procuram manter-se ocupados. Nesta fase, para além dos factores de personali-

dade podem também intervir factores de ordem social e cultural porque a expres-

são do luto é algo profundamente regulamentado em muitas sociedades.

Também, a forma como numa sociedade se verifica, ou não, uma pressão no

sentido de controlarmos as nossas emoções pode de alguma forma inibir a expres-

são do pesar e dor. Contudo, de forma geral, é benéfico para a pessoa enlutada

poder expressar a sua dor, podendo mesmo ser encorajada nesse sentido. A fase

de resposta inicial é seguida de uma fase intermédia que dura durante a maior

parte do primeiro ano de luto. Normalmente nesta fase a pessoa revê repetida-

mente a morte assim como os acontecimentos a ela conducentes, tudo isto como

forma de busca do sentido da morte. Muitas vezes há como que uma procura da

25 A culpa de sobrevivente designa o sentimento de culpa irracional e normalmente inconsciente

que pode afectar a pessoa que sobreviveu, especialmente quando há razões para pensar que

seria mais natural que fosse a pessoa sobrevivente a morrer primeiro, como é o caso de um pai

que faz o luto da morte de um filho, ou de um cônjuge mais velho que faz o luto de outro mais

novo.

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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pessoa que morreu podendo até a pessoa achar algum conforto no sentimento de

que a pessoa ainda está presente. Segundo PARKES (1987, cit. in KIMMEL,

1990, p.559):

As pessoas que tentam evitar as memórias dolorosas da pessoa falecida

mudando de casa normalmente voltam atrás e a pessoa enlutada que

procura evitar tudo o que lhe faça lembrar o ente querido falecido tem

muitas vezes a sensação de estar a ser puxado em duas direcções opostas.

Uma viúva, por exemplo, que mudou para o quarto das traseiras da sua casa

para fugir às suas memórias, acabou por chegar á conclusão que sentia tanta

falta do seu marido que voltou a dormir no quarto que era do casal “para

estar ao pé dele”. Duas viúvas sentiam-se atraídas para o hospital onde os

seus maridos tinham falecido, e uma delas até deu por ela a entrar no

hospital antes de se ter apercebido que ele já não estava lá. Outra viúva dava

consigo a pensar que o seu marido ainda esta no quarto do primeiro andar

na cama onde ele tinha passado alguns meses antes de ter falecido. Dava

com ela a prestar atenção a ver se ouvia alguma coisa e por vezes parecia-lhe

que ouvia o marido chamar por ela.

A fase de recuperação tem o seu início normalmente após o primeiro ano de luto.

Muitas vezes verifica-se nesta fase uma decisão consciente de prosseguir com a

sua vida, um aumento de envolvimento social e sentimentos renovados de capa-

cidade e competência. Aqui mais uma vez, os factores pessoais são importantes

assim como os factores sociais, pois muitas vezes a pessoa viúva tende a ser estig-

matizada, podendo até acontecer se for uma pessoa nova, mudar de cidade e de

trabalho e na nova situação ocultar a sua situação de viuvez. Obviamente, tudo

isto está relacionado com um conjunto de variáveis tais como a idade da pessoa

enviuvada, do facto de serem homem ou mulher, ou ainda outras características

pessoais.

James William WORDEN (1932 — ) professor de Psicologia na Faculdade de

Medicina da Universidade Harvard, desenvolveu um modelo que ele chama de

"tarefas de luto". Este autor parte da premissa de que o luto é uma tarefa que

requer comprometimento e participação activa por parte da pessoa que está de

luto, assim como daqueles que estão à sua volta e desejam ajudá-los. WORDEN

(2009) prefere usar o termo “tarefa” em vez de “fase” porque para ele, falar em

“fases” pressupõe um sujeito passivo, que nada faria a não ser “passar” por essas

fases. Ao utilizar a palavra “tarefa” vai deixar bem claro que o enlutado é activo,

o que é mais condizente com a realidade, já que cabe a ele agir diante de seu

sofrimento. Sobre isso, o autor diz:

(…) A pessoa enlutada vê o conceito de fases como algo que deve ser

atravessado, enquanto a abordagem de tarefas dá ao enlutado algum sentido

de alavanca e esperança de que haja algo que ele possa efectivamente fazer”

(WORDEN, 2009, p.51).

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

128

As características de cada tarefa podem ser comparadas àquelas das fases

propostas por BOWLBY. Isso, no entanto, não significa que a cada fase corres-

ponda uma tarefa. WORDEN, tal como BOWLBY, pensa que o processo de luto

não é linear, podendo haver oscilações entre as diferentes tarefas.

WORDEN sugere que existem quatro tarefas que devem realizadas para "o

processo de luto para ser concluído" e o "equilíbrio ser restabelecido". Ele deixa

claro que a realização das tarefas não segue nenhuma ordem particular, embora

haja alguma ordem natural no sentido em que a realização de algumas tarefas

pressupõe a realização de outra tarefa. Também pode acontecer que que as

pessoas precisem de voltar a realizar certas tarefas ao longo do tempo, que o luto

não é linear e que é difícil determinar um cronograma para completar as tarefas

de luto. Quais são as tarefas, você provavelmente está perguntando? Bem, aqui

vamos nós...

Tarefas a realizar:

1. Aceitar a realidade da perda;

2. Elaborar a realidade da dor do luto;

3. Adaptar-se a um ambiente onde falta a pessoa falecida;

4. Redefinir a ligação com a pessoa falecida baseada na memória e avançar

para uma nova vida.

Tal como BOWLBY, WORDEN pensa que qualquer morte de uma pessoa

próxima começa por gerar um sentimento de incredulidade sendo difícil para a

pessoa enlutada aceitar a realidade extremamente dolorosa. Por isso é comum,

após o falecimento, o comportamento de busca, também referido por BOWLBY,

que consiste numa tentativa de reencontrar ou de alguma maneira comunicar

com a pessoa falecida. Assim a primeira tarefa do luto é assumir a realidade da

morte como algo de definitivo e irreversível o que permitirá à pessoa enlutada ir

pouco a pouco desistindo da busca do falecido e reconhecer que este não mais

retornará.

Esta primeira tarefa pode ser ao mesmo tempo simples e complexa. Existem

muitas maneiras simples e básicas de se aceitar a realidade de uma perda: — todo

o ritual do funeral ou dos serviços religiosos, começar a falar (e pensar) na pessoa

em tempo passado, guardar ou descartar os objectos e roupas pertencentes ao

Ilustração 14 - J William Worden (1932 - )

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

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falecido, etc. Num nível mais complexo, trata-se de aceitar a realidade do signifi-

cado da perda. Por exemplo, podemos por um lado falar de alguém no passado e

aceitar a sua morte, mas, por outro, negar o significado dessa perda minimizando

a importância do nosso relacionamento com essa pessoa ou ignorando o impacto

da perda na nossa vida. Quer dizer, a um nível básico a pessoa pode aceitar a

realidade da perda, mas a um nível mais profundo esta tarefa só estará realizada

quando aceitar plenamente a profundidade do relacionamento e o consequente

impacto da perda. Outro problema que pode estar associado a esta tarefa é a

aceitação das circunstâncias da morte. Uma morte por suicídio, overdose ou outra

circunstância estigmatizada pode apresentar um desafio acrescido para realizar

essa tarefa, se a família ou amigos forem incapazes de aceitar a realidade das

circunstâncias da morte. Outra circunstância, felizmente relativamente rara, que

pode constituir uma dificuldade acrescida é quando a morte acorre como resul-

tado de um acidente, naufrágio ou catástrofe natural em que não é possível recu-

perar o corpo da pessoa falecida.

Quando há dificuldades em aceitar a perda pode acontecer a negação da morte

que se pode manifestar através de uma recusa persistente em acreditar na reali-

dade do falecimento, paralisando o processo de luto numa das suas primeiras

etapas. Isto acontece quando, por exemplo, os objectos da pessoa morta são

deixados muito tempo nos mesmos locais como se ela o pudesse voltar a utilizar,

ou acontecer que, especialmente na morte de filhos, o quarto da pessoa falecida

fica intocado durante anos. É importante notar que este tipo de reacção pode ser

considerado normal e até necessário nos primeiros tempos de luto pois permite à

pessoa obter uma moratória, uma espécie de almofada temporal, que a vai ajudar

a adaptar-se de forma mais lenta mas mais serena à realidade da morte, só

devendo ser considerado quando se estende por um período demasiado

prolongado.

A partir do momento em que a realidade da morte é aceite de forma profunda

e significativa pode iniciar-se a segunda tarefa do luto que segundo WORDEN

consiste na elaboração do pesar e da dor daí resultantes. Esta definição pode

parecer um pouco abstracta e demasiado geral, porque... bem, porque é mesmo

assim! Mas isso não é uma coisa má, pelo contrário, pois permite uma abertura e

flexibilidade que são essenciais num processo que tem muito de pessoal e subjec-

tivo. Explicando melhor, em vez de tentar identificar todas as emoções de dor

que uma pessoa pode experienciar e que precisa elaborar, o modelo de

WORDEN reconhece que cada pessoa e cada perda são únicas e, por isso,

implicam elaborar uma gama de emoções diferentes que vão desde tristeza,

medo, solidão, desespero, desespero e raiva até sentimentos de culpa, vergonha,

alívio e inúmeros outros. O que é importante nesta tarefa é reconhecer e aceitar

a existência dessas emoções e sentimentos, falar delas, tentar compreendê-las em

toda a sua complexidade pois é nisso que consiste um processo de elaboração

bem-sucedido.

O perigo assim como o maior risco neste processo é negar as próprias emoções

e sentimentos tentando ao mesmo tempo evitá-las. Este é um risco real tendo em

Morte e luto Perda, Pesar e Luto

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

130

conta o desconforto com que a sociedade actual, centrada na busca do prazer e

boa disposição imediatos e superficiais, encara o sofrimento psicológico. Neste

contexto uma pessoa enlutada às voltas com o pesar resultante da perda pode

sentir-se um pouco estranha e até deslocada. É importante criar condições para

que isso não aconteça porque a tentativa de evitar o sofrimento favorece o apare-

cimento de sintomas patológicos, podendo fazer com que o luto se prolongue

desnecessariamente (WORDEN, 2009; PARKES, 1983).

A terceira tarefa consiste na adaptação ao ambiente em que o falecido está

ausente. WORDEN reconhece que essa tarefa também pode significar coisas

diferentes para pessoas diferentes dependendo da sua relação com pessoa que

morreu, bem como as funções que são impactadas pela perda. Naturalmente o

nível de adaptação necessária será maior para aquelas pessoas que tinham uma

relação mais próxima com a pessoa falecida, como são os familiares próximos e os

amigos íntimos. Este reajuste acontece durante um período prolongado de tempo

e pode exigir ajustes internos, ajustes externos e ajustes emocionais. Pode

demorar um período significativo de tempo para a pessoa enlutada perceber na

totalidade os diferentes papéis e funções que o seu ente querido preenchia assim

como os ajustes internos e emocionais que é necessário realizar. Isto pode ser

especialmente difícil para viúvos ou viúvas, que podem precisar de aprender uma

grande variedade de novas competências e tarefas, que vão desde saber quais as

contas a pagar, como gerir os bens da família e cuidar da casa, até mudanças

ambientais, como viver sozinho, fazer as coisas sozinhos e redefinir o self sem a

outra pessoa. Isso também pode significar ajustando a um novo ambiente espiri-

tual, que pode ter sido alterado pela experiência da morte. Esta tarefa exige

desenvolver as habilidades necessárias para avançar com confiança nos ambientes

alterados – internos, externos e espirituais. Quando esta tarefa não é cumprida

adequadamente a pessoa enlutada vai ter dificuldades em se adaptar à perda o

que pode ter como consequência a dificuldade em adquirir novas capacidades e

desenvolver novos relacionamentos.

Finalmente, a realização bem-sucedida da tarefa três vai permitir à pessoa

avançar para a realização da tarefa quatro que consiste em construir uma perma-

nente com o falecido assente em novas bases enquanto se embarca para uma nova

vida. WORDEN repensou e reformulou esta última tarefa várias vezes, mas, a

que se apresenta agora é a formulação na mais recente edição do seu livro. Uma

das questões que tem sido colocada relativamente a esta formulação da quarta

tarefa é saber exactamente o que se entende por “embarcar para uma nova vida”.

Embora se possa entender o que o autor pretende dizer, fazer depender o sucesso

da realização desta tarefa do “embarcar para uma nova vida” parece um pouco

redutor, pois a pessoa enlutada pode perfeitamente optar por manter a vida que

tinha até aí, efectuando unicamente as alterações impostas pelo desaparecimento

do seu ente querido. Por exemplo, um viúvo ou viúva pode ser claramente

bem-sucedido na realização desta tarefa sem necessariamente voltar a casar. Isto

porque existe uma enorme gama de opções entre voltar a casar e ficar todo o

tempo em casa a olhar para as fotografias da pessoa falecida recusando qualquer

Morte e luto Conclusão

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

131

outro tipo de interacção social. A essência da quarta tarefa refere-se à necessidade

de encontrar um lugar adequado para a pessoa falecida na nossa vida emocional

e afectiva ao mesmo tempo que seguimos em frente com a nossa vida. Não se

trata aqui de esquecer o ente querido que desapareceu, mas reposicioná-lo em

termos emocionais de forma a que a pessoa que faleceu ganhe um novo papel na

vida daqueles que ficaram. Este momento pode ser associado à fase de reorgani-

zação proposta por BOWLBY (1985), quando há a percepção de que a vida deve

continuar apesar do falecimento ocorrido. Como nas outras tarefas, isto pode

significar coisas diferentes para diferentes pessoas enlutadas mas, muitas vezes

significa permitirmo-nos ter pensamentos e memórias do passado, ao mesmo

tempo que nos começamos a envolver de forma significativa com coisas que nos

dão prazer, coisas novas ou novas relações.

Assim, para WORDEN (2009) percebe-se que esta tarefa está completa

quando a pessoa enlutada se consegue lembrar do falecido no seu quotidiano de

uma maneira mais serena e tranquila e essas memórias não interferem significa-

tivamente nas suas opções de vida, o que aconteceria, por exemplo, se um viúvo

ou viúva desistisse de uma nova ligação emocional para manter o sentido de

lealdade ao cônjuge falecido. Por outro lado, a não realização dessa tarefa significa

abdicar de continuar a viver, quer dizer, ficar agarrado à sensação que a vida

parou quando essa pessoa morreu e que não se é capaz de retomar a vida de uma

forma significativa, com uma forma de conexão diferente com a pessoa que

morreu. Esta última tarefa pode levar um longo tempo e ser uma das mais difíceis

de realizar.

Em conclusão, a reacção psicológica à morte de um ente querido envolve um

período (um ou dois anos) de luto e dor em que o funcionamento normal da

pessoa pode ser algo afectado, mas geralmente não envolve outros sintomas

patológicos, a menos que outros sintomas patológicos estivessem já presentes na

pessoa antes do luto. Nem todas as pessoas reagem ao luto da mesma maneira, e

os estudo que têm proposto a existência de fases características do luto, de alguma

forma acabam por fornecer uma visão talvez demasiado simplificada deste

processo. Assim, um indivíduo pode não viver o seu luto de acordo com as fases

que têm sido definidas e mesmo assim podemos dizer que está a ter um luto

normal. Por outro lado, pode ser importante rever os acontecimentos que condu-

ziram à morte, por exemplo, falar com o médico que acompanhou a pessoa

durante o seu estado terminal – talvez que um dos aspectos mais traumáticos da

perda de alguém querido seja a perda de um confidente. O ter um confidente

pode ajudar a pessoa idosa a ultrapassar as suas perdas e a viver o luto de uma

forma mais serena.

CONCLUSÃO

A morte termina a relação que temos com a pessoa falecida, por isso pode ser

também interessante estimular um processo de revisão do sentido da relação com

Morte e luto Conclusão

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

132

o falecido o que poderá ajudar a aliviar algum sentido de culpa que possa perma-

necer na mente da pessoa enlutada. Trata-se de ajudar a pessoa a tomar consci-

ência de que foi uma relação que valeu a pena, mas que chegou o momento de

dizer adeus, a compreender que o desenvolvimento humano é feito de princípios

e de fins. Esta nova consciência é essencial para que, à medida que vamos conse-

guindo somar anos à vida, possamos também somar vida aos anos.

Sabendo que um dia vamos morrer, saibamos agora viver a nossa vida de uma

forma rica de autêntica – cheirar as flores, ouvir o canto dos pássaros, apreciar as

nossas relações e tomar atenção àqueles aspectos das nossas vidas que nos são

mais queridos. Esta parece ser a principal lição que as pessoas que estão às portas

da morte nos podem deixar, por isso termino desejando que as vossas vidas sejam

longas e os vossos anos cheios de vida.

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.90 27/01/2015

133

Conclusão geral

ESTE CAPÍTULO ESTÁ AINDA BASTANTE INCOMPLETO

Neste manual procurou-se abordar alguns aspectos relacionados com a psicologia

do adulto e idoso. Explorámos novas perspectivas sempre com o objectivo de

descobrir novos conceitos que nos permitam ver a realidade psicológica humana

de uma forma mais útil para nós e para os outros à nossa volta, especialmente

aqueles que vai encontrar no âmbito da sua actividade como educador/a social.

Espero que este manual o/a tenha ajudado a desenvolver uma maior consideração

pelas pessoas idosas e, como resultado disso, uma consciência mais alargada e

aprofundada do seu próprio curso de vida. Procurei acima de tudo elevar o nível

de consciência acerca da diversidade, beleza e potencial do desenvolvimento

humano enquanto processo que percorre toda a nossa vida, repito TODA a nossa

vida.

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.90 27/01/2015

134

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Índice

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

138

Índice

ATENÇÃO: - O ÍNDICE ESTÁ MUITO INCOMPLETO

A

adaptação · 6

C

ciclo de vida · 10 conceito de Ciclo de Vida · 1

E

Enigma da esfinge · 2

F

factores biológicos · 7 factores sociais · 7

I

influências normativas · 7

L

linha da vida · 6 linha de vida · 5, 6

W

William Shakespeare · 3

Anexos

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

139

Anexos

Anexo 1:

O QI COMO MEDIDA DA INTELIGÊNCIA ADULTA

O QI (Quociente de Inteligência) representa uma forma de avaliar a capacidade

mental baseada na relação entre a idade mental (aquilo que se espera que os

sujeitos de uma determinada idade sejam capazes de realizar) e a idade

cronológica do sujeito. Por exemplo, um sujeito que tenha 12 anos de idade, mas

a mesma capacidade de um sujeito de 15 anos terá um QI=125.

O teste de QI para adultos mais conhecido e utilizado individualmente é a

Wechsler Adult Intelligence Scale (WAIS) cuja primeira versão data de 1958. A

WAIS é composta por um conjunto de 11 testes que podem ser agrupados,

consoante o tipo de resposta a que fazem apelo, em Testes Verbais e Testes de

Realização.

Como se pode ver na tabela seguinte todos os testes verbais envolvem o uso da

linguagem, ao passo que os testes de realização se compõem principalmente de

testes não -verbais.

A aplicação da WAIS permite, assim, obter três resultados diferentes: um QI

Verbal, um QI de Realização e um QI total. O principal problema relacionado

com o uso da WAIS é o de que se trata de uma escala que necessita de ser utilizada

individualmente o que obviamente limita o interesse do seu uso em investigação.

Testes Verbais Descrição

Informação Perguntas sobre factos gerais

Compreensão Compreensão de relações entre vários conceitos.

Aritmética Problemas verbais que envolvem o cálculo numérico.

Anexos

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

140

Semelhanças Semelhanças entre dois objectos ou entre dois conceitos relacionados.

Números Memorização de sequências de números.

Vocabulário Definições de palavras comuns.

Testes de Realização Descrição

Código Comparação de números e símbolos dentro de um prazo limitado.

Completar figuras Identificação de objectos e desenhos incompletos

Cubos Cópia de padrões usando cubos coloridos (ver imagem seguinte)

Arranjo de figuras Organização de sequências de figuras de modo a formarem uma história completa.

Composição de Objectos Composição de figuras a partir de peças separadas (puzzle)

Cubos coloridos usados no Teste de Cubos

A WAIS é adequada para avaliar a inteligência de indivíduos com idades

compreendidas entre 16 e 90 anos de idade. Para indivíduos menores de 16 anos,

são usadas a Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC, 6-16 anos) e

a Escala de Inteligência Wechsler Pré-escolar e Primário (WPPSI, 2½–7 anos, 3

meses).

Anexos

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

141

Anexo 2:

AS CATEGORIAS DE HOLLAND

As Categorias de Holland representam um conjunto de tipos de personalidade no

âmbito da teoria das carreiras e escolha profissional propostas pelo psicólogo

americano John L. Holland. Holland argumentou que "a escolha de uma vocação

é uma expressão da personalidade" e que a tipologia dos seis factores que ele

propôs poderia ser usada para descrever tanto as pessoas como os ambientes de

trabalho.

A sua tipologia assenta na inventariação dos diferentes interesses profissionais,

incluindo as duas medidas que ele desenvolveu: - O Inventário de Preferência

Profissional e a Pesquisa auto-dirigida.

A Teoria da Holland não defende que uma pessoa é apenas um tipo ou que há

"apenas seis tipos de pessoas no mundo". Em vez disso, assume que qualquer

pessoa poderia ser descrita como tendo interesses associados a cada um dos seis

tipos em ordem decrescente de preferência. Esta suposição permite que os

códigos de Holland sejam usados para descrever seis padrões de personalidade

diferentes. A teoria é aplicada em inventários de interesse e classificações de

profissões, sendo de forma geral usados apenas os dois ou três códigos mais

dominantes para orientação profissional.

Os seis tipos de Holland podem ser representados graficamente como

constituindo os seis vértices de um hexágono. Esta representação gráfica serve

para descrever empiricamente determinadas correlações entre os tipos. Quanto

menor a distância entre os vértices do hexágono, maior é a relação entre cada

tipo. Os códigos de Holland são geralmente referidos pelas suas primeiras letras:

RIASEC (Realista, Investigativo, Artístico, Social, Empreendedor,

Convenciona):

Os seis tipos de personalidade e ambiente de trabalho descritos por Holland são

os seguintes:

1. Personalidade Realista: - Os realistas atuam com sensatez e comunicam

abertamente. Pessoas com personalidades realistas são determinadas,

práticas e inclinadas para actividades na área da mecânica, ou qualquer

outra actividade em que se trabalhe com ferramentas e produza ou

Anexos

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

142

trabalhe com objectos concretos. Eles preferem a actividade física ao ar

livre em vez de outras actividades que impliquem falar ou estar sentado e

pensar. As personalidades realistas têm normalmente como aptidões

inatas a coordenação motora, manipulação de ferramentas e capacidade

atlética. Carreiras potenciais para a personalidade realista incluem:

artesão, mecânico, agente policial, técnico de fitness (ex. treinador físico,

professor de ginástica) e engenheiro.

2. Personalidade Investigactiva: - As pessoas com personalidades

investigactivas gostam de observar e pensar sobre as suas observações.

Eles são pessoas organizadas que gostam de trabalhar com informações.

Personalidades investigactivas tendem a gravitar em direção a actividades

intelectuais e científicas. Elas têm uma capacidade natural de

compreender o problema a resolver. Carreiras potenciais para a

personalidade de investigação incluem: médico, investigador científico,

bibliotecário, desenvolvedor de software, historiador e químico.

3. Personalidade Artística: - Como o nome sugere, as pessoas com uma

personalidade artística são imaginactivas e criativas. Caracterizam-se pela

originalidade, mas também podem agir impulsivamente e parecer pessoas

complicadas. Personalidades artísticas têm uma capacidade inerente de

expressar seus pensamentos e sentimentos e usar sua imaginação para

criar. Personalidades artísticas podem usar música para expressar seus

pensamentos ou sentimentos. Carreiras potenciais para a personalidade

artística incluem: - escritor, músico, artista, designer gráfico e arquiteto.

4. Personalidade Social: - As pessoas com personalidades sociais têm

excelentes aptidões interpessoais e uma consistente preocupação com o

bem-estar dos outros. Personalidades sociais são "helpers" que gostam de

trabalhar com os outros, agindo com generosidade. Eles são grandes

conselheiros que têm uma capacidade natural de empatia e capacidade

para inspirar os outros à sua volta. Personalidades sociais fazem bons

professores, e normalmente trabalham bem em grupo. Carreiras

potenciais para a personalidade social incluem: psicólogo, assistente social,

enfermeira, treinador e professor.

5. Personalidade Empreendedora: - As pessoas com personalidade

empreendedora são persuasivas, sociais e ambiciosas. Eles são

instintivamente otimistas que muitas vezes agem como líderes

energéticos. Personalidades empreendedoras são capazes de ver a

"big-picture" e tendem a ser motivados pela ambição e concorrência.

Personalidades empreendedoras são muitas vezes líderes empresariais

ambiciosos. Carreiras potenciais para a personalidade empreendedora

incluem: empresários, representantes de vendas, advogados, gerentes de

finanças, políticos e empresários.

6. Personalidade Convencional: - As pessoas com personalidade

convencional apreciam estrutura e eficiência. Eles atuam com cautela e

Anexos

Psicologia do Adulto e do Idoso Ver. 0.915 - 27/01/2015

143

tendem a ser conservadores. São naturalmente organizados com boa

atenção aos detalhes. Carreiras potenciais para a personalidade

convencional incluem: contabilistas, editores, secretários, técnicos,

gerentes e banqueiros.

A Teoria de Holland postula que as pessoas tendem a orientar-se para ambientes

ocupacionais onde eles podem usar as suas competências e habilidades e

expressar seus valores e atitudes. Por exemplo, tipos de personalidade

investigativos tendem a ir para ambientes de investigação; Tipos artísticos

procuram ambientes artísticos e assim por diante. As pessoas que optam por

trabalhar em um ambiente semelhante ao seu tipo de personalidade são mais

susceptíveis de ser bem sucedidas e obterem mais satisfação no seu trabalho.