mapeamento da vegetaÇÃo e da paisagem do municÍpio...

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Artigo recebido em 05/2008. Aceito para publicação em 02/2009. 1 Parte da dissertação do primeiro autor. 2 Escola Nacional de Botânica Tropical, R. Pacheco Leão 2040, 22460-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 3 Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, R. Pacheco Leão 915, 22460-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 4 Universidade Federal Fluminense, Instituto de Geociências, Dep. Geografia, Av. Litorânea, 24210-340, Niterói, RJ, Brasil. 5 Autor para correspondência: [email protected] RESUMO (Mapeamento da vegetação e da paisagem do município de Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil) O município de Armação dos Búzios, que faz parte do Centro de Diversidade Vegetal de Cabo Frio, é caracterizado por uma grande variação de fisionomias vegetais, relacionadas à sua fisiografia e ao clima da região. Nos últimos quarenta anos o crescimento urbano vem reduzindo e fragmentando a sua cobertura vegetal natural. O objetivo deste estudo é fornecer informações sobre a extensão, distribuição e estado de conservação dos remanescentes de vegetação natural do município, através da elaboração de um mapa de vegetação e uso do solo, baseado na interpretação de fotografias aéreas, com o auxílio de mapas temáticos (geologia, solo e relevo) digitais, e trabalhos de campo, com coleta de material botânico, posteriormente identificado em herbário. Palavras-chave: vegetação, paisagem, uso do solo, mapeamento, Região dos Lagos, Rio de Janeiro. ABSTRACT (Vegetation and landscape mapping of Armação de Búzios, Rio de Janeiro, Brazil) Armação dos Búzios Municipality, which is part of the Cabo Frio Center of Plant Diversity, is characterized by a variety of vegetation physiognomies, related to the physical environment and climate. In the last forty years, rapid urban growth has reduced and fragmented the vegetation cover. This work aims to map the extension, distribution and conservation state of the remaining vegetation cover and land use of Armação dos Búzios, based on interpretation of aerial photographs, aided by digital thematic (geology, soil and relief) maps and field work, with collected plant samples identified in the herbarium. Key words : vegetation, landscape, land cover, mapping, Região dos Lagos, Rio de Janeiro. INTRODUÇÃO O município de Armação dos Búzios localiza- se na costa leste do estado do Rio de Janeiro e está totalmente incluído no Centro de Diversidade Vegetal de Cabo Frio. É caracterizado por uma grande variação de fisionomias vegetais, com campos, florestas e restingas, relacionadas à sua fisiografia e ao clima da região. Abriga ainda uma das poucas populações naturais de pau- brasil ( Caesalpinia echinata Lam.) da Região de Cabo Frio (Farág 1999) e uma grande riqueza de espécies, quando comparada com restingas da costa sudeste (Fernandes 2002). A ocupação da região de Búzios é muito antiga (Werneck 2002). A exploração do pau-brasil, que teve início com a chegada dos primeiros colonizadores, e posteriormente a agricultura, reduziram e fragmentaram a cobertura vegetal Heloisa Guinle Ribeiro Dantas 2,5 , Haroldo Cavalcante de Lima 3 & Claudio Belmonte de Athayde Bohrer 4 MAPEAMENTO DA VEGETAÇÃO E DA PAISAGEM DO MUNICÍPIO DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS, RIO DE J ANEIRO, B RASIL 1 natural. A partir dos anos 60, o processo de urbanização foi bastante intensificado em toda região, e em Armação dos Búzios de maneira particular. O crescimento urbano inicialmente se estendeu a partir das principais vias de acesso e nas áreas mais planas e gradativamente, foi tomando conta dos morros e costões. O ritmo acelerado deste crescimento vem causando forte impacto na paisagem, destruindo as regiões de mata no interior da península e a vegetação das áreas costeiras. Devido à sua importância ecológica, vários estudos florísticos e fitossociológicos foram realizados recentemente na área (Araujo et al. 1998; Farág 1999; Fernandes & Sá 2000; Lobão & Kurtz 2000; Fernandes 2002). Entretanto, ainda são escassas as informações relativas às diferentes fisionomias vegetais do município como um

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Artigo recebido em 05/2008. Aceito para publicação em 02/2009.1Parte da dissertação do primeiro autor.2Escola Nacional de Botânica Tropical, R. Pacheco Leão 2040, 22460-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.3Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, R. Pacheco Leão 915, 22460-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.4Universidade Federal Fluminense, Instituto de Geociências, Dep. Geografia, Av. Litorânea, 24210-340, Niterói, RJ, Brasil.5Autor para correspondência: [email protected]

RESUMO

(Mapeamento da vegetação e da paisagem do município de Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil) Omunicípio de Armação dos Búzios, que faz parte do Centro de Diversidade Vegetal de Cabo Frio, é caracterizadopor uma grande variação de fisionomias vegetais, relacionadas à sua fisiografia e ao clima da região. Nos últimosquarenta anos o crescimento urbano vem reduzindo e fragmentando a sua cobertura vegetal natural. O objetivodeste estudo é fornecer informações sobre a extensão, distribuição e estado de conservação dos remanescentesde vegetação natural do município, através da elaboração de um mapa de vegetação e uso do solo, baseado nainterpretação de fotografias aéreas, com o auxílio de mapas temáticos (geologia, solo e relevo) digitais, etrabalhos de campo, com coleta de material botânico, posteriormente identificado em herbário.Palavras-chave: vegetação, paisagem, uso do solo, mapeamento, Região dos Lagos, Rio de Janeiro.

ABSTRACT

(Vegetation and landscape mapping of Armação de Búzios, Rio de Janeiro, Brazil) Armação dos Búzios Municipality,which is part of the Cabo Frio Center of Plant Diversity, is characterized by a variety of vegetation physiognomies,related to the physical environment and climate. In the last forty years, rapid urban growth has reduced andfragmented the vegetation cover. This work aims to map the extension, distribution and conservation state ofthe remaining vegetation cover and land use of Armação dos Búzios, based on interpretation of aerialphotographs, aided by digital thematic (geology, soil and relief) maps and field work, with collected plantsamples identified in the herbarium.Key words : vegetation, landscape, land cover, mapping, Região dos Lagos, Rio de Janeiro.

INTRODUÇÃO

O município de Armação dos Búzios localiza-se na costa leste do estado do Rio de Janeiro eestá totalmente incluído no Centro de DiversidadeVegetal de Cabo Frio. É caracterizado por umagrande variação de fisionomias vegetais, comcampos, florestas e restingas, relacionadas à suafisiografia e ao clima da região. Abriga aindauma das poucas populações naturais de pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam.) da Regiãode Cabo Frio (Farág 1999) e uma granderiqueza de espécies, quando comparada comrestingas da costa sudeste (Fernandes 2002).

A ocupação da região de Búzios é muito antiga(Werneck 2002). A exploração do pau-brasil,que teve início com a chegada dos primeiroscolonizadores, e posteriormente a agricultura,reduziram e fragmentaram a cobertura vegetal

Heloisa Guinle Ribeiro Dantas2,5, Haroldo Cavalcante de Lima3

& Claudio Belmonte de Athayde Bohrer4

MAPEAMENTO DA VEGETAÇÃO E DA PAISAGEM DO MUNICÍPIO DE

ARMAÇÃO DOS BÚZIOS, RIO DE JANEIRO, BRASIL1

natural. A partir dos anos 60, o processo deurbanização foi bastante intensificado em todaregião, e em Armação dos Búzios de maneiraparticular. O crescimento urbano inicialmentese estendeu a partir das principais vias de acessoe nas áreas mais planas e gradativamente, foitomando conta dos morros e costões. O ritmoacelerado deste crescimento vem causando forteimpacto na paisagem, destruindo as regiões demata no interior da península e a vegetação dasáreas costeiras.

Devido à sua importância ecológica, váriosestudos florísticos e fitossociológicos foramrealizados recentemente na área (Araujo et al.1998; Farág 1999; Fernandes & Sá 2000; Lobão& Kurtz 2000; Fernandes 2002). Entretanto, aindasão escassas as informações relativas às diferentesfisionomias vegetais do município como um

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todo, bem como da distribuição e o estado deconservação dos fragmentos remanescentes davegetação natural, uma vez que os mapeamentosexistentes foram executados em escalaregional (CIDE 2003; RADAMBRASIL 1983;SOS Mata Atlântica 2003).

O presente estudo tem como objetivoidentificar e descrever as diferentes fisionomiasda vegetação natural do município de Armaçãodos Búzios e, através do mapeamento davegetação e do uso do solo, fazer uma análisedos remanescentes da vegetação naturalquanto à sua distribuição, extensão e estadode conservação. Os resultados deste estudopoderão apoiar os planos de recuperação epreservação da cobertura vegetal do município.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de EstudoO município de Armação dos Búzios,

localizado na costa sudeste brasileira, fica aaproximadamente 190 km da cidade do Rio deJaneiro (22°44' S; 41°53' W) e possui uma áreade 71,7 km 2 (Fig. 1). O clima da região é dotipo Bsh – clima árido quente, com temperaturasmédias anuais em torno de 25ºC podendo chegara 40ºC no verão, com precipitação média anualem torno de 800 mm e até cinco meses deseca. Medições feitas durante quarenta anosna estação de Álcalis em Arraial do Cabo(FIDERJ 1978), mostram que os ventos sãopredominantemente de nordeste, com velocidademédia em torno de 6 m/s e apenas 12% do anode calmaria. O balanço hídrico no mesmo períodomostra um déficit hídrico anual de 317 mm.

O município apresenta forma geográficade península, com relevo e formação geológicadiversificados (DRM-CPRM 1982; EMBRAPA2003). Os morros costeiros, formados porgnaisses, tiveram origem no Pré-Cambriano(Unidade Búzios) e variam entre 30 a 80 metrosde altitude. Apresentam solos do tipo Neossoloregolítico eutrófico e Oxissolo amarelodistrófico nas áreas mais íngremes, voltadaspara o mar, e Argissolo amarelo distrófico nascolinas no interior da península. A Serra dasEmerenças se destaca como o ponto mais altodo município, chegando a 180 m de altitude.

As áreas colinosas e planas a oeste da Serradas Emerenças são também formadas porgnaisses com origem no Pré-Cambriano(Unidade Região dos Lagos). Os solos variamde Argissolo vermelho eutrófico a Argissoloamarelo distrófico nas áreas colinosas, ePlanossolo hidromórfico eutrófico nas áreasplanas. Em uma pequena área do municípioocorrem tabuleiros costeiros da FormaçãoBarreiras (RADAMBRASIL 1983), comArgissolo vermelho-amarelo distrófico. Asplanícies de origem quaternária são constituídaspor Neossolos quartzarênicos com teor de matériaorgânica variável, ou por material argilo-arenosonas áreas brejosas, periodicamente inundadas,constituídas por Gleissolo háplico eutrófico.

MetodologiaNo mapeamento dos padrões de

cobertura do solo foi utilizado um total de 70fotografias aéreas coloridas (ortofotos) naescala 1:2.000, cedidas pela prefeitura domunicípio, obtidas em sobrevôo realizado emmaio de 2003, digitalizadas, georreferenciadase com as curvas de nível geradas através deaerotriangulação e restituição altimétrica,representadas a cada cinco metros. As fotosforam unidas em meio digital para obtençãode uma única imagem abrangendo todo omunicípio. Utilizando os programas Autocad2000 e ArcView 3.2, foi feita a delimitaçãomanual de polígonos de cada padrão observadoatravés da interpretação visual da imagem.Foram demarcados 180 pontos de controle decampo, georreferenciados através de GPS Garmin76S, com precisão de 15 m, visando o ajustedo mapeamento preliminar, o reconhecimentodas diferentes fisionomias vegetais e o detalha-mento das unidades mapeadas. O mapa finalfoi elaborado na mesma escala das fotos aéreas.

Um mapa síntese dos fatores físicos doterreno foi elaborado a partir da sobreposiçãoem meio digital da carta de geologia do DRM–CPRM (1982) em escala 1:50000, do mapa desolos da EMBRAPA (2003) em escala1:100000 e da base cadastral do município.

Para a descrição da vegetação foram feitasobservações e coleta de material botânico, visando

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Vegetação e paisagem de Búzios

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levantar dados gerais sobre as variaçõesfisionômicas, a presença das espécies maisrepresentativas e o grau de impacto antrópico. Ostipos fisionômicos foram definidos de acordo como hábito dos elementos dominantes: 1) vegetaçãoarbórea, com espécies lenhosas ≥ 3 m de altura;2) vegetação arbustiva, com espécies lenhosas≤ 3 m de altura; 3) vegetação herbácea comarbustos, apresentando espécies herbáceasdominantes com espécies lenhosas esparsasou formando agrupamentos; e 4) vegetaçãoherbácea, com espécies herbáceas dominantes.Posteriormente cada tipo fisionômico foisubdividido de acordo com a geologia e a formade relevo: 1) colinas, áreas levemente onduladase planas (Pré-Cambriano Unidade Região dosLagos); 2) morros costeiros, áreas onduladascom declividade acentuada e moderada (Pré-Cambriano Unidade Búzios); 3) tabuleiros costeiros(Formação Barreiras), áreas com declividadeacentuada nas vertentes voltadas para o mare relevo suave nas faces voltadas para o interior(Cenozóico); e 4) planícies, áreas planas de origemquaternária, constituídas por sedimentos litorâneos(restingas) ou aluviais (planícies de inundação).

Foram elaborados perfis esquemáticos apartir do levantamento da variação da alturada vegetação ao longo de uma transecção, os

quais foram posteriormente plotados sobre ascurvas de nível do terreno. As amostrasbotânicas coletadas foram tratadas com astécnicas habituais (IBGE 1992), para posterioridentificação, e inclusão no herbário do Institutode Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro(RB). A identificação do material foi feitaatravés de comparação com material doherbário RB e consulta a especialistas.

RESULTADOS

As classes de mapeamento associadas àsrespectivas unidades geológicas, de relevo e ostipos de solo são apresentados na Figura 2. Nestafigura, pode-se observar que os terrenos planos eas colinas do Pré-Cambriano Unidade Região dosLagos representam mais de 50% da área domunicípio. As planícies arenosas e as aluviaisseparam estes terrenos daqueles de relevo maisacentuado, os morros costeiros do Pré-CambrianoUnidade Búzios. Nota-se também que os soloseutróficos são predominantes independente daformação geológica. Este mapa evidenciatambém a variação altitudinal do município.

O mapa de vegetação e uso do solo (Fig. 3)diferencia dois grupos principais: áreas naturaise áreas antrópicas. As áreas naturais incluema cobertura vegetal natural, os corpos hídricos

Figura 1 – Localização do município de Armação dos Búzios no Centro de Diversidade Vegetal de Cabo Frio (WWF& IUCN, 1997), estado do Rio de Janeiro, Brasil.

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28 Dantas, H. G. R., Lima, H. C. & Bohrer, C. B. A.

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e as áreas alagadas; enquanto no segundogrupo estão incluídas as áreas urbanizadas e avegetação antrópica, composta por pastos e áreascom predomínio de espécies exóticas e/ouinvasoras. A extensão de cada unidade mapeadae a porcentagem da área ocupada em relação àárea do município é exemplificada na Tabela 1.As áreas de solo exposto natural, como praiase costões rochosos, apesar de representadasno mapa, não foram contabilizadas.

A seguir são descritas as unidades mapeadas.

Áreas Naturais1. Vegetação Arbórea1.a. Colinas

Os terrenos na parte oeste do municípioapresentam solos argilosos distróficos nasáreas de relevo ondulado e solos do tipohidromórfico eutrófico nas áreas mais planas.A cobertura vegetal natural, compostapredominantemente por vegetação arbórea,ocupa uma área de 1287 ha, equivalente a17,9% da área do município.

Esta vegetação, que pode ser classificadacomo Floresta Estacional Semidecidual dasTerras Baixas (Veloso et al. 1991) ou comoMata Litorânea Semicaducifólia (Farág 1999),apresenta um dossel contínuo, em torno de 10 m,com predominância de caules finos, sem umaestratificação definida, com indivíduos emergentesatingindo até 17 m. As epífitas são pouco frequentes,enquanto as lianas ou arbustos escandentes sãocomuns. O sub-bosque é composto por poucasespécies, e o solo em geral não apresentaserrapilheira, ou esta é pouco espessa. Entre asespécies de maior porte foram observadas Guapira

opposita (Vell.) Reitz, Joannesia princeps

Vell., Caesalpinia echinata, Parapiptadenia

pterosperma (Benth.) Brenan, Acosmium

lentiscifolium Schott, entre outras leguminosas.Várias mirtáceas e euforbiáceas são comuns entreas espécies arbustivas ou arbóreas de menorporte. No sub-bosque é comum a presença debromélias de grande porte, podendo atingir 3 mde diâmetro, principalmente nas áreas maisplanas. Tem-se registros, também, de arácease marantáceas nas áreas próximas à Serra dasEmerenças.

A mancha de vegetação a sudoeste da Serradas Emerenças representa o maior remanescenteflorestal do município, embora nos últimos anosa expansão da urbanização venha fragmentandoe reduzindo a sua área. Nas áreas mais planasa vegetação arbórea natural encontra-sebastante reduzida, não só em função do usocontinuado destes terrenos como pastagens,mas também em função do aumento daurbanização. Além disto, muitas das áreasvizinhas às construções são quintais, jardins epomares, freqüentemente compostos por espéciesexóticas, impossíveis de serem diferenciadosda vegetação natural nas fotos aéreas.

1.b. Morros CosteirosA vegetação arbórea dos morros costeiros

ocupa uma área de 615 ha, equivalente a 8,6%da área do município, distribuída de formadescontínua, em três pontos distintos: na Serradas Emerenças, na Ponta do Pai Vitório e naparte leste do município. Os morros costeirosapresentam predominantemente solos litólicose eutróficos nas áreas de relevo mais acentuado, esolos argilosos e distróficos, nas colinas de relevomais suave. O morro entre a Praia de Manguinhose a Praia da Tartaruga tem características quediferem das demais áreas, apresentando solosargilosos e distróficos e relevo acentuado.

A vegetação que ocorre sobre os morroscosteiros, classificada como floresta estacional(Sá 2006), estepe arbórea (Ururahy et al. 1987)ou savana-estépica florestada (Veloso et al.1991), apresenta na parte leste do município ena Serra das Emerenças, porte menor nasáreas mais expostas aos ventos dominantes eporte maior nas áreas mais protegidas. Nasflorestas de menor porte, nas vertentes voltadaspara o norte e o nordeste ou no alto dos morros,o estrato arbóreo tem cerca de 4 m de altura,com indivíduos emergentes em torno de seismetros. Observa-se a predominância de caulesfinos e alta densidade de espécies lenhosas,freqüentemente com caules perfilhados. Astrepadeiras, diferentemente das epífitas, sãoabundantes. O sub-bosque é composto pelaregeneração das espécies do dossel e depoucas herbáceas, basicamente bromélias, que

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29Figura 2 – Síntese dos fatores físicos – mapa elaborado a partir da carta de geologia - DRM – CPRM (1982), de fotos aéreas de 2003 (relevo) e do mapa de solos da EMBRAPA (2003).

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uésia 60 (1): 025-038. 2009 Figura 3 – Mapa da vegetação e do uso do solo mostrando a distribuição e extensão dos remanescentes da vegetação natural associados ao ambiente físico.

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Vegetação e paisagem de Búzios

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por vezes formam extensos agrupamentos nosolo. Entre os indivíduos emergentes destacam-se Pachystroma ilicifolium M. Arg., Guapira

opposita, Zollernia glabra (Spreng.) Yakovleve Machaerium pedicellatum Vog., entre outras.Na Ponta do Pai Vitório, registrou-se a presençade Caesalpinia echinata e C. ferrea Mart.entre os indivíduos de maior porte. Neste localtambém é comum a ocorrência de Eschweilera

compressa (Vell.) Miers (Lecythidaceae).Nota-se a presença de espécies como Clusia

fluminensis Planch. & Triana e Myrsine

parvifolia A. DC. nas áreas mais abertas. Entreas espécies de porte arbustivo vê-se aocorrência de várias mirtáceas como: Eugenia

repanda O. Berg., E. neonitida Sobral, E.

olivacea O. Berg., E. tinguyensis Cambess.e Myrciaria floribunda (H. West ex Willd.)O. Berg. As rubiáceas também são comuns,em geral com altura entre 2 e 3 m, comoCoussarea capitata (Benth.) Benth. & Hook.f. e Rudgea umbrosa M. Arg.

Nas áreas mais protegidas, naconcavidade dos morros, nas grotas formadasentre as vertentes ou nos terrenos dedeclividade mais suave, o dossel destasflorestas tem cerca de 6 metros de altura, comindivíduos emergentes variando entre 8 e 10 m,e uma densidade menor de espécies lenhosase de indivíduos com caules múltiplos. O solonestas áreas apresenta-se muitas vezescoberto exclusivamente por marantáceas,principalmente nos locais mais úmidos. Na facesudoeste da Serra das Emerenças, a vegetaçãoatinge maior porte, com as espécies mais altaspodendo atingir 17 m. Dentre as espéciescomuns no dossel estão Guapira opposita,Aspidosperma pyricollum M. Arg., A.

ramiflorum M. Arg., Pachystroma ilicifolium

e Lonchocarpus virgilioides (Vog.) Benth.Algumas espécies só foram coletadas/registradas nestas áreas, como Chrysophyllum

januariense Eichl. e a Hornschuchia alba

(A.St.-Hil.) R.E. Fr. O perfil apresentado na

Tabela 1 – Extensão e porcentagem das unidades – legenda – do Mapa de Vegetação e Uso doSolo da Figura 2.

Áreas Naturais 2741 ha 38,2%1 - Vegetação Arbórea1a. Colinas 1286 ha 17,9%1b. Morros Costeiros 614 ha 8,6%1c. Tabuleiros Costeiros 20 ha 0,3%1d1. Planícies - sedimentos litorâneos 140 ha 2,0%1d2. Planícies - sedimentos aluviais 84 ha 1,2%

2145 ha 29,9%2 - Vegetação Arbustiva2a. Morros Costeiros 52 ha 0,7%2b. Planícies - sedimentos litorâneos 27 ha 0,4%

79 ha 1,1%3 - Vegetação Herbácea com Arbustos3a. Morros Costeiros 118 ha 1,6%3b. Planícies - sedimentos litorâneos 5 ha 0,070%

123 ha 1,7%Áreas Alagadas 312 ha 4,4%Corpos Hídricos 70 ha 1,0%

382 ha 5,3%

Áreas Antrópicas 3990 ha 55,7%Vegetação Antrópica 2929 ha 40,9%Áreas Urbanizadas 1061 ha 14,8%

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32 Dantas, H. G. R., Lima, H. C. & Bohrer, C. B. A.

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Figura 4 mostra a variação da fisionomia dosmorros costeiros no sentido mar-interior.

A cobertura vegetal arbórea mostradiferentes graus de impacto causados pela açãoantrópica, mas, de uma maneira geral, as áreasem melhor estado de preservação são locais dedifícil acesso. Desta forma, a vegetação dosmorros geralmente está mais preservada nasfaces voltadas para o mar. As vertentes voltadaspara o interior e os terrenos colinosos, queapresentam declividade mais suave, estãogeralmente ocupados pela urbanização.

1.c. Tabuleiros CosteirosA vegetação arbórea que ocorre sobre os

tabuleiros costeiros ocupa uma área de 20 ha,equivalente a 0,29% da área do município. Ostabuleiros costeiros da Formação Barreiras sãocompostos por terrenos argilosos e distróficos.

Esta vegetação, também classificada comofloresta estacional semidecidual de terras baixas(Veloso et al. 1991), apresenta na face voltadapara o mar, de relevo mais forte e mais exposta

aos ventos dominantes, grande densidade deespécies lenhosas, com altura variando entre 4 a6 m, predominância de caules finos e ocorrênciafreqüente de trepadeiras. O estrato inferior écomposto por bromeliáceas e aráceas, além deindivíduos jovens das espécies do dossel. Nasáreas menos íngremes, na face voltada para ointerior, a floresta apresenta dossel em torno de6 m e indivíduos emergentes com até 12 m, comuma densidade menor de indivíduos arbóreos,ocorrência de caules mais espessos, maiorquantidade de serrapilheira, e o sub-bosque commaior cobertura do estrato herbáceo.

Quanto à composição florística nota-se umagrande diversidade de espécies de leguminosas.Dentre as mais comuns pode-se citar: Caesalpinia

echinata, C. ferrea, Machaerium lanceolatum(Vell.) J.F. Macbr., M. oblongifolium Vog.,Chamaecrista ensiformis (Vell.) H.S. Irwin& Barneby, Swartzia glazioviana (Taub.)Glaz. e Acosmium lentiscifolium, entre outras.Entre as espécies de menor porte podemos citarActinostemon communis (M. Arg.) Pax, Annona

Figura 4 – Perfil nas proximidades da Ponta do Olho de Boi mostrando as diferentes fisionomias – herbácea com arbustos(0-3), arbustiva e arbórea nos morros costeiros.

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acutifolia Saff. ex R.E. Fr. e Erythroxylumsubrotundum A.St.-Hil., além de várias mirtáceas.Em áreas mais abertas é comum a ocorrênciade Myrsine parvifolia e Clusia fluminensis.Dentre as trepadeiras encontram-se Bauhinia

smilacina (Schott.) Steud., B. microstachyia

(Raddi) J.F. Macbr., Smilax sp., e espécies menosfreqüentes, coletadas apenas nesta área, comoChondrodendron platiphyllum (A.St.-Hil.)Miers (Menispermaceae). Nota-se que a áreadeste tipo de vegetação não está fragmentada,formando uma mancha única, porém os terrenosadjacentes sofrem constantes queimadas e oprocesso de urbanização é crescente nas áreasdo entorno.

1.d. PlaníciesA vegetação arbórea que ocorre nas

planícies foi dividida em dois grupos: áreasconstituídas por sedimentos litorâneos ourestingas (1.d.i.) e por sedimentos aluviais(1.d.ii.) ou planícies de inundação.

1.d.i. Planícies – sedimentos litorâneosEsta vegetação, conhecida como mata de

restinga, restinga arbórea, ou mata seca (Araujo2000) está distribuída na parte noroeste dapenínsula e ocupa uma área de 140 ha,equivalente a 2% da área do município. Apresentadossel contínuo, com altura em torno de 5 m,com indivíduos emergentes com cerca de 9 m.A alta densidade de espécies lenhosas, compredominância de caules finos e perfilhados, e agrande quantidade de trepadeiras e arbustosescandentes dão um aspecto fechado e denso àvegetação. Entre as espécies que compõem odossel destacam-se Schinus terebinthifolius

Raddi, Trichilia casaretti C. DC., Guapira

opposita e Eugenia uniflora L. Entre osindivíduos emergentes, são freqüentes Joannesia

princeps e Parapitadenia pterosperma.O solo, em geral, não apresenta formação

de serrapilheira, sendo o sub-bosque formado porindivíduos jovens das espécies do dossel; porarbustos típicos deste estrato, como Justiciabrasiliana Roth; e por espécies herbáceas, comoAnthurium harrisii (Grahan.) G. Don eStreptocalyx floribundus (Mart. ex Schult. f.)Mez. O perfil da Figura 5 mostra a variação da

fisionomia nas planícies litorâneas, no sentidomar-interior.

As planícies arenosas coincidem com asáreas mais densamente urbanizadas domunicípio, de forma que os poucos fragmentosdeste tipo de vegetação estão hoje bastantereduzidos. Na parte central do município avegetação natural foi completamente removida.

1.d.ii. Planícies – sedimentos aluviaisA vegetação arbórea, ou mata periodicamente

inundada (Araujo 2000) que ocorre sobre asplanícies de inundação apresenta maior porte, como dossel em torno de 6 a 8 m, com indivíduosemergentes em torno de 12 m. Aparentemente, aproporção de caules perfilhados e finos é menor,assim como a ocorrência de trepadeiras e arbustosescandentes. Quanto à composição florística dodossel, aparentemente é semelhante á área anterior(1.d.i). No solo observa-se a formação deserrapilheira, ainda que pouco espessa, e o sub-bosque é composto basicamente por aráceas emarantáceas.

Estes terrenos, utilizados para agriculturae pastagens desde o princípio da ocupação daregião, foram muito modificados a partir de1980, com a construção de marinas e a aberturade ruas. Hoje estes fragmentos sofrem comcorte seletivo de madeira além da invasãoconstante do gado das áreas vizinhas.

2. Vegetação arbustiva2.a. Morros costeiros

A vegetação arbustiva que ocorre nos costõesrochosos, em áreas de declividade acentuada,cobre uma área de 52 ha, equivalente a 0,7%do município. Apresenta um aspecto fechadoe denso, com altura entre 1 a 3 m e grandequantidade de trepadeiras que se entrelaçam nasespécies arbustivas, o que realça ainda mais oaspecto compacto da vegetação, que nas facesmais expostas dos morros, tem a forma modeladapelo vento. Quanto à composição florística pode-sedestacar: Jacquinia armillaris Jacq.,Erythroxylum subrotundum , Capparis

flexuosa (L.) L., Sebastiania brasiliensis Spreng.;espécies arbóreas comuns a toda península, comoSchinus terebinthifolius, Eugenia uniflora eSideroxylon obtusifolium (Humb. ex Roem. &

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Schult.) T.D. Penn., e outras só observadas nestasáreas, como Pradosia lactescens (Vell.) Radlk.e as mirtáceas Plinia ilhensis G.M. Barroso,Myrciaria glazioviana (Kiaersk.) G.M. Barrosoex Sobral e Eugenia neosilvestris Sobral. Nasencostas voltadas para norte e nordeste, écomum a ocorrência de grandes cactos colunares,emergindo do dossel contínuo formado pelavegetação arbustiva, conferindo a esta paisagemum aspecto peculiar. Destaca-se a espéciePilosocereus ulei (K. Schum.) Byles & G.D.Rowley, endêmica da região de Cabo Frio, quepode atingir 5 m de altura. Dentre as espéciesde trepadeiras são comuns Serjania sp,Paullinia sp., Vanilla sp e Arrabidaea agnus-

castus DC., além de outras bignoniáceas.

2.b. Planícies arenosasA vegetação arbustiva das planícies

arenosas ocupa uma área de 27 ha, equivalentea 0,4% da área do município, com distribuiçãorestrita apenas a alguns locais. Nas Praias daGorda, Rasa e de Tucuns pode-se observarremanescentes desta vegetação, cuja fisionomiatem porte intermediário entre a vegetaçãoarbórea e a herbácea, apresentando aspectofechado e denso devido à densidade de indivíduosarbustivos e de trepadeiras. Na composiçãoflorística são encontradas basicamente as mesmasespécies da vegetação arbórea das planíciesarenosas, porém com porte menor, como:Zollernia glabra, Machaerium lanceolatum

e Trichilia casaretti ; e espécies próprias destaformação, como Ouratea cuspidata Tiegh.,Scutia arenicola (Casar.) Reissek e Psychotria

carthagenensis Jacq. Dentre as espécies detrepadeiras pode-se citar Manettia fimbriata

Cham. & Schltdl., Cratylia hypargiraea Mart.ex Benth. e Bauhinia microstachya.

3. Vegetação herbácea com arbustos3.a. Morros costeiros

Esta classe de vegetação ocorre noscostões rochosos e ocupa uma área de 118 ha,equivalente a 1,6 % do município. Acima da linhadas marés mais altas forma-se um gradiente nosentido mar-interior, onde a fisionomia nas áreasmais expostas aos ventos e à salsugem éherbácea, com predominância de gramíneas ebromélias. Onde o solo é mais profundo ocorremarbustos, com aspecto modelado pelo vento e umagrande proporção de espécies decíduas, dando aesta vegetação um aspecto acinzentado. Dentreas espécies herbáceas frequentes nestes locaisestão Neoregelia cruenta (Grahan) L.B. Sm.,Bromelia antiacantha Bertol. e Streptocalyx

sp. Entre as espécies arbustivas destacam-seSideroxylon obtusifolium , Pereskia aculeata

Mill., Erythroxylum pulchrum A.St.-Hil., alémde mirtáceas como Plinia ilhensis, Eugenia

uniflora, E. repanda, entre outras.Os costões são áreas em geral de difícil

acesso e, por isto, a vegetação herbáceaencontra-se em melhor estado de conservação.Porém em alguns locais já se nota a aberturade trilhas e a ocorrência de espécies invasoras.

3.b. Planícies arenosasEsta classe ocorre nos cordões de praia,

acima da linha das marés mais altas, e ocupauma área de apenas 5 ha, menos de 0,07% daárea do município. Esta fisionomia apresentaaspecto fechado, com até 1 m de altura, e modeladopelo vento nas áreas mais expostas. É comum aocorrência de espécies espinescentes e de trepadeiras.Dentre as espécies arbustivas comumenteencontradas pode-se destacar: Heteropterys

chrysophylla Kunth., Jacquinia armillaris,Opuntia brasiliensis (Willd.) Haw., Pisonia

Figura 5 – Perfil mostrando a transição entre planície de sedimentos litorâneos e aluviais, na Praia Rasa. Observa-se ogradiente de crescimento da vegetação no sentido mar-interior.

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aculeata L. e várias mirtáceas, como Eugenia

uniflora , E. neonitida e Campomanesia

schlechtendahliana (O. Berg.) Nied. Entre asespécies herbáceas encontram-se váriasbromélias: Bromelia antiacantha, Streptocalyx

floribundus, Quesnelia quesneliana (Brongn.)L.B. Sm. e Billbergia amoena (Lodd.) Lindl.;espécies rasteiras: Ipomoea pes-caprae (L.)R. Br., Acicarpha spathulata R. Br. eBlutaparon portulacoides (A.St.-Hil.) Mears,além de Cyperaceae e Poaceae. A cactáceaPilosocereus arrabidae (Lem.) Byles & G.D.Rowley e a palmeira Allagoptera arenaria

(Gomes) Kuntze também são encontradas empraticamente todos os remanescentes destaformação.

Esta classe é uma das mais impactadaspelo uso, já que as praias são o maior atrativo,tanto para a população local quanto para oturismo. Além disto, corresponde à área maisdensamente urbanizada do município.

4. Áreas alagadas e corpos hídricosEstas áreas estão localizadas predominante-

mente na parte oeste do município, ocupam umaárea de 312 e 70 ha respectivamente, variandode acordo com a precipitação do ano em queforam feitas as fotos, as quais serviram de basepara o mapeamento. O mapeamento econsequentemente a delimitação das mesmas, éem geral problemática, devido à efemeridadedestes ambientes. No caso do município deArmação dos Búzios, esta dificuldade é agravadapor dois fatores. O primeiro relaciona-se aoregime de chuvas da região, pois a baixapluviosidade com estações secas marcadasacentua a transitoriedade destas áreas, sendodifícil a delimitação precisa entre corpo hídrico,brejos e áreas circundantes. O segundo pontoreside no fato de que os brejos e as pequenaslagoas estão localizados em áreas predominadaspor pastagens ou adjacentes a estradas, de formaque a vegetação herbácea natural destas áreasé facilmente confundida nas imagens com pastosou espécies invasoras. A vegetação herbáceacaracterística das áreas inundadas e das margensdos corpos hídricos só é encontrada em poucospontos no município de Búzios. Pode-se observar

nestes locais a predominância de gramíneas eciperáceas, além da ocorrência de Typha sp.,Acrosticum sp. e Blechnum sp., entre outras.

De forma geral, os terrenos nas planíciesaluviais encontram bastante alterados, devidoprincipalmente à obras de drenagem, aterrose a construção de marinas. Estes impactosocasionaram a descaracterização de grandeparte da cobertura vegetal natural destas áreas.

Áreas antrópicas1. Vegetação antrópica

A vegetação antrópica ocupa uma áreade 2929ha, o equivalente a 40,9% da área domunicípio. Na parte oeste do município, osterrenos planos ou levemente ondulados sãopredominantemente cobertos por pastos,enquanto nas áreas de relevo mais acidentado,na parte leste do município, ao longo das ruasou em terrenos que tiveram a vegetação naturalremovida e foram posteriormente abandonados,a vegetação é formada por espécies ruderais,invasoras e pioneiras nativas.

2. Área urbanizadaAs áreas urbanizadas cobrem 1062ha, o

equivalente a 14,8% do município. Considerou-secomo área urbanizada para efeito do mapeamento,não só as edificações, mas também as ruas,caminhos e locais de solo exposto não natural. Nomapa de vegetação e uso do solo (Fig. 3) é possívelobservar que as áreas urbanizadas “isolaram” avegetação natural das porções oeste e leste domunicípio, e já fragmentaram a vegetação dosmorros costeiros de forma irreversível.

DISCUSSÃO

Os fatores condicionantes das variações nafisionomia e na estrutura da vegetação podem serconsiderados em diferentes níveis ou escalasespaciais (Bohrer 1998), sendo o clima e a geologiafatores, geralmente, condicionantes em uma escalaregional. Numa escala local ou de paisagem, devemser considerados fatores como o tipo e a umidadedo solo, e o relevo, que no caso de Armação dosBúzios também está relacionado com a exposiçãoaos ventos dominantes e à salsugem (Araujo et

al. 1998). Com relação à comunidade vegetal, a

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ecologia das espécies e o grau de ação antrópicasão condicionantes importantes na variaçãoestrutural da vegetação.

As florestas estacionais secas ocorrem,de modo geral, em áreas onde a precipitaçãoé igual ou inferior a 1300 mm ao ano eapresentam uma estação seca de até seismeses, com menos do 100 mm de precipitação(Gentry 1995; Graham & Dilcher 1995 apud

Pennington et al. 2004). A precipitação anualmédia da região de Cabo Frio é de 800 mm,com uma estação seca marcada. Tal condiçãoclimática se reflete na fisionomia da vegetação,que apresenta um aspecto acinzentado,causado pela decidualidade de boa parte dasespécies do dossel, principalmente nos mesesmais secos. Além deste aspecto, a predominânciade grandes cactos colunares nas faces maisexpostas dos costões fez com que a vegetaçãofosse classificada como uma disjunçãofisionômica da caatinga (“estepe”) nordestina(Ururahy et al. 1987). Numa escala maisampla, esta disjunção poderia ser explicadacomo uma extensão das matas secas do interiordo país, que se aproximam da costa nestaregião de baixa pluviosidade, formando uma“interrupção” ou enclave de vegetação secanas florestas pluviais (Pennington et al. 2004).Na classificação da vegetação brasileira doIBGE (Veloso et al. 1991), as florestas quecompõem esta “interrupção” foram classificadascomo florestas estacionais semideciduais e, nocaso específico da vegetação que recobre osmorros costeiros da região de Cabo Frio, desavanas estépicas (Caatingas).

Considerando-se elementos condicionantesda paisagem na escala local, na região de CaboFrio em geral (Araujo et al. 1998) e no municípiode Armação dos Búzios em particular, observa-se que a vegetação, tanto arbórea como aarbustiva, apresenta variações fisionômicas eflorísticas ao longo de gradientes ambientaiscondicionados por características dos solos,especialmente textura e umidade, e ao relevo,relacionado à exposição aos ventos e à salsugem.

A composição florística das fisionomiasflorestais do município apresenta as famíliasMyrtaceae e Leguminosae como as mais ricas

em espécies, fato comum entre as florestasda Mata Atlântica (Peixoto & Gentry 1990),não só nas florestas ombrófilas (Lima &Guedes-Bruni 1994), como também parademais formações florestais (Leitão-Filho1992; Araujo 2000). Outra característicaimportante é a riqueza da família Euphorbiaceaee a baixa freqüência de Lauraceae, provavelmenterelacionada ao clima seco, aspecto este jáobservado por Araujo et al. (1998) para aRegião de Cabo Frio como um todo.

As restingas da região de Cabo Frioapresentam o maior número de espéciesendêmicas do litoral fluminense (Araujo 1997;Araujo & Maciel 1998; Araujo 2000). Nomunicípio de Armação dos Búzios, as praiasnão apresentam grande extensão e as planíciesarenosas subseqüentes encontram-sefortemente impactadas pela ação antrópica.Apesar disto, em um levantamento florísticorealizado nas restingas do município (Fernandes& Sá 2000), foram encontradas 15 espéciescomo primeiro registro de ocorrência para asrestingas fluminenses, além de espéciesendêmicas da região ou do estado.

A vegetação arbustiva e herbácea, tantodos morros como das restingas, apresentamvariações na composição florística, com aocorrência de muitas espécies comuns,provavelmente pela proximidade entre os doisambientes (Fernandes & Sá 2000). No casodas restingas, a composição florística destavegetação varia em função principalmente dograu de conservação dos remanescentes(Araujo & Henriques 1984). No municípionota-se que as áreas perturbadas tendem a serdominadas por poucas espécies, como porexemplo, a palmeira Allagoptera arenaria,principalmente nos terrenos que apresentarama vegetação alterada pelo fogo.

Pode-se verificar (Tab. 1) que as áreasnaturais correspondem hoje a 38,2%, enquantoque as áreas antrópicas cobrem 55,7% da áreatotal do município, mostrando uma situaçãopreocupante. Porém, uma análise da realidadeatual e das tendências prováveis de ocupaçãoaponta para um quadro ainda mais grave, pordois motivos. O primeiro reside no fato de que

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apenas 8% da área de vegetação natural estãoem área de proteção ambiental, no caso a APAEstadual do Pau-Brasil, situada a oeste da Serradas Emerenças, que se estende até o municípiode Cabo Frio. Sendo uma unidade deconservação de uso sustentável, esta condiçãonão garante a sua proteção efetiva, fato realçadopela existência de projetos da implantação deempreendimentos turísticos de grande porte,com evidente impacto sobre a vegetação,independentemente da adoção de medidasmitigadoras. As demais áreas de coberturavegetal natural estão em áreas com tendênciade ocupação residencial, sendo que boa parteé de propriedade privada, portanto, factíveisde terem a vegetação eliminada. As outrasáreas protegidas do município, como a APAda Azeda e os costões rochosos tombados porlegislação estadual, ainda não foram efetivadas.O segundo motivo é que as áreas edificadas, aabertura de ruas e a manutenção das áreas depastagens, para citar apenas alguns fatores,ocasionaram a fragmentação da coberturavegetal, e consequentemente, o aumento dasáreas de borda, propiciando alteraçõesestruturais e florísticas na vegetação. Embordas criadas pela ação antrópica, as mudançasnas condições físicas, como incidência de luz,aumento do vento e ressecamento, entre outros,afetam diretamente a abundância e distribuiçãodas espécies junto a borda a médio e longoprazo, uma vez que apenas aquelas resistentesàs novas condições devem permanecer(Murcia 1995). As novas condições favorecema proliferação de espécies ruderais ou exóticas.

CONCLUSÃO

Os resultados comprovam a influência daheterogeneidade ambiental sobre a fisionomiae estrutura da vegetação, com reflexos sobrea composição florística das comunidadesvegetais e a distribuição espacial das espéciesno município. A alta proporção de áreasantropizadas indica a necessidade de açõesimediatas para a preservação e restauração dacobertura vegetal do município. A implantaçãoefetiva do plano diretor da APA do Pau-Brasil,

a efetivação da APA da Azeda e do tombamentodos costões rochosos parecem ser as maisevidentes. Além disto, a delimitação das áreaspúblicas poderia aumentar a extensão das áreasde preservação ou apontar áreas para aimplantação de projetos de recuperaçãoambiental. A aplicação da legislação ambientalexistente e a inserção de medidas restritivas ede incentivo à restauração da vegetação nativana legislação municipal (Plano Diretor, CódigoAmbiental) são instrumentos adicionais quepodem ser utilizados pelo poder público.Finalmente, recomenda-se o estudo da paisagemcomo um todo, de forma a subsidiar outrasestratégias de recuperação e conservação dacobertura vegetal natural do município.

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