marcelo moreno dos reis

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ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA “AVALIAÇÃO DE RISCO DE BENZENO EM VOLTA REDONDA: AS INCERTEZAS NA AVALIAÇÃO DA EXPOSIÇÃOpor Marcelo Moreno dos Reis Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências na área de Saúde Pública. Orientadora: Prof. Dr.ª Maria de Fátima Barrozo da Costa

Author: dinhphuc

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  • ESCOLA NACIONAL DE SADE PBLICA

    AVALIAO DE RISCO DE BENZENO EM VOLTA REDONDA:

    AS INCERTEZAS NA AVALIAO DA EXPOSIO

    por

    Marcelo Moreno dos Reis

    Dissertao apresentada com vistas obteno do ttulo de Mestre em Cincias na rea de Sade Pblica.

    Orientadora: Prof. Dr. Maria de Ftima Barrozo da Costa

  • Catalogao na fonte Centro de Informao Cientfica e Tecnolgica Biblioteca da Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca R375a Reis, Marcelo Moreno dos

    Avaliao de risco de benzeno em Volta Redonda: as incertezas na avaliao da exposio. / Marcelo Moreno dos Reis. Rio de Janeiro : s.n., 2004.

    xii, 74 p.

    Orientador: Costa, Maria de Ftima Barrozo da

    Dissertao de Mestrado apresentada Escola Nacional de Sade Pblica.

    1.Benzeno. 2.Exposio ambiental-efeitos adversos. 3.Medio de risco. I.Ttulo.

    CDD - 20.ed. 615.9511

    ii

  • memria da minha querida

    amiga Luciana Rita Lima Silva pela

    dedicao e garra nos estudos e na

    vida, e pela curta, mas intensa, amizade

    que nos uniu.

    iii

  • AGRADECIMENTOS:

    minha famlia, em especial aos meus pais, Humberto e Eli, pelo apoio,

    compreenso e carinho;

    minha orientadora, Prof. Dr. Maria de Ftima Barrozo da Costa, pela orientao

    acadmica, pacincia e compreenso, nos meus momentos de ausncia;

    Ao Prof. Dr. Carlos Machado de Freitas, pela orientao, principalmente nos momentos

    de definio do objeto deste estudo;

    Secretaria Municipal de Sade de Volta Redonda, em especial secretria de sade,

    Analice Silva Martins, pelo apoio, mesmo indireto, para a realizao deste trabalho;

    Ftima Sueli Neto Ribeiro, da Assessoria de Sade do Trabalhador/SES-RJ, pela

    amizade, apoio e incentivo no meu caminho profissional na rea de Sade do

    Trabalhador;

    Auxiliadora Tavares Vieira, a Dodora, e Vera Regina do Carmo Mendona, a

    Verinha, da Secretaria Municipal de Sade de Volta Redonda, pelo constante apoio, e

    pelas palavras de fora e carinho durante a realizao desta pesquisa;

    Secretaria de Estado de Sade do Rio de Janeiro, pelo apoio financeiro;

    Aos companheiros do Programa de Sade do Trabalhador de Volta Redonda;

    Ao Clauber Arajo, da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente de

    Volta Redonda, e Maria Isabel, da Fundao Estadual de Engenharia do Meio

    Ambiente, pelas informaes prestadas;

    A todos aqueles que me incentivaram e contriburam, direta ou indiretamente, para a

    realizao deste trabalho, em especial aos camaradas Ceclia, Hara e Eluza.

    iv

  • RESUMO

    A exposio humana aos poluentes qumicos pode resultar em efeitos adversos

    sade. Com a inteno de determinar a probabilidade dos efeitos sade associados

    exposio humana s substncias qumicas, dois mtodos so recomendados pela

    Agncia Americana de Proteo Ambiental (US EPA) e pela Agncia Americana para

    Substncias Txicas e Registros de Enfermidades (ATSDR), respectivamente,

    Avaliao de Riscos e Avaliao de Sade. Uma das etapas das duas metodologias a

    Avaliao da Exposio, cujo objetivo a determinao da natureza e extenso do

    contato humano com as substncias qumicas.

    Buscando contribuir com o campo da sade ambiental no Brasil, este estudo foi

    conduzido para analisar os dados ambientais e de sade disponveis para a

    caracterizao e avaliao da exposio humana ao benzeno em Volta Redonda/RJ. A

    metodologia aplicada consistiu na reviso dos elementos necessrios para a avaliao da

    exposio, recomendados pela EPA e ATSDR, e no levantamento das informaes

    sobre sade e meio ambiente disponveis no Municpio relacionadas contaminao por

    benzeno.

    Atualmente, as informaes disponveis em Volta Redonda acerca da exposio

    humana ao benzeno so insuficientes para uma adequada avaliao da exposio a esta

    substncia, devido s incertezas e variabilidades presentes nos dados das medies da

    exposio.

    Este estudo ressalta a importncia da integrao de vrias disciplinas e dos

    diversos atores sociais, envolvidos em situaes ambientais complexas, como a da

    contaminao ambiental por benzeno em Volta Redonda/RJ, na conduo das aes de

    avaliao e caracterizao da exposio humana s substncias qumicas. Tambm, a

    no validao, ou legitimao, dos dados ambientais disponveis no Municpio, pela

    populao, um outro aspecto que deve ser levado em considerao para assegurar que

    o gerenciamento de riscos seja apropriado para a proteo da sade humana.

    Palavras chaves: Avaliao da Exposio; Avaliao de Risco; Benzeno;

    Complexidade; Sade Ambiental.

    v

  • ABSTRACT

    Exposure to chemical pollutants can result in adverse health effects. In attempt

    to determine the likelihood of health effects associated with human exposure to

    chemicals, two methods are recommended by U.S. Environmental Protection Agency

    (US EPA) and by Agency for Toxic Substances and Disease Registry (ATSDR), they

    are, respectively, Risk Assessment and Public Health Assessment. One of the steps of

    each method is the Exposure Assessment, which has the aim of determining the nature

    and extent of humans contact with chemical substances.

    In order to contribute to Brazilian environmental health field, this study was

    conducted to analyze environmental and health data available to characterize and assess

    human exposure to benzene in Volta Redonda/RJ. The methodology applied to it, was a

    review of the theoretical elements needs on human exposure assessment, recommended

    by EPA and ATSDR, and a survey of environmental and health data available in the

    municipality related to benzenes contamination.

    Currently, data on humans exposure to benzene available in Volta Redonda are

    insufficient to adequately assess exposures to its chemical, due to uncertainty and

    variability present in the exposure measurements.

    This study highlights the importance of integrating a variety of disciplines and

    all of social actors involved in situations of complexity, as the issue of benzene

    environmental contamination in Volta Redonda/RJ. Besides, public non-validation of

    environmental data available in Volta Redonda is another aspect to be taken into

    consideration to ensure risk management appropriately to protect human health.

    Key words: Exposure Assessment; Risk Assessment; Benzene; Complexity; Industrial

    Cities.

    vi

  • SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS........................................................................................................... ix

    LISTA DE MAPAS.............................................................................................................. x

    LISTA DE QUADROS......................................................................................................... xi

    ABREVIATURAS E SIGLAS................................................................................................ xii

    INTRODUO....................................................................................................................

    01

    OBJETIVOS DO ESTUDO...........................................................................................

    07

    METODOLOGIA.......................................................................................................

    08

    CAPTULO 1: AVALIAO DE RISCOS: ELEMENTOS NECESSRIOS AVALIAO DA

    EXPOSIO..............................................................................................

    10

    PRINCIPAIS MTODOS DE AVALIAO DOS EFEITOS DAS SUBSTNCIAS

    QUMICAS SOBRE A SADE HUMANA......................................................................

    10

    A AVALIAO DA EXPOSIO................................................................................

    12

    CAPTULO 2: A COMPLEXIDADE DA CONTAMINAO AMBIENTAL POR BENZENO NO

    MUNICPIO DE VOLTA REDONDA............................................................

    18

    A EXPOSIO AO BENZENO E SEUS IMPACTOS SOBRE A SADE HUMANA.............. 18

    DISPOSITIVOS LEGAIS RELACIONADOS EXPOSIO HUMANA AO BENZENO........ 24

    A CONTAMINAO AMBIENTAL POR BENZENO EM VOLTA REDONDA: ASPECTOS

    DE SUA COMPLEXIDADE..........................................................................................

    26

    ABORDAGENS INTEGRADORAS E ARTICULAO INTERSETORIAL FRENTE

    COMPLEXIDADE DA SITUAO...............................................................................

    37

    vii

  • CAPTULO 3: AS INFORMAES DISPONVEIS NO MUNICPIO PARA A AVALIAO DA

    EXPOSIO HUMANA AO BENZENO........................................................

    41

    INFORMAES DO SETOR SADE............................................................................ 41

    INFORMAES DO SETOR MEIO AMBIENTE............................................................ 42

    INFORMAES DE ESTUDOS ACADMICOS............................................................. 53

    A QUALIDADE DAS INFORMAES SOBRE EXPOSIO........................................... 54

    A VALIDAO SOCIAL DAS INFORMAES............................................................ 57

    CONCLUSO..................................................................................................................... 60

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................................... 63

    viii

  • LISTA DE FIGURAS

    2-1 PRINCIPAIS FONTES DE EXPOSIO AO BENZENO PARA FUMANTES, DE

    ACORDO COM O ESTUDO TEAM/U.S.EPA. .................................................

    20

    2-2 PRINCIPAIS FONTES DE EXPOSIO AO BENZENO PARA NO FUMANTES, DE

    ACORDO COM O ESTUDO TEAM/U.S.EPA. .................................................

    20

    ix

  • LISTA DE MAPAS

    2-1 LOCALIZAO REGIONAL DE VOLTA REDONDA..............................................

    30

    3-1 MAPA ESQUEMTICO DO MUNICPIO DE VOLTA REDONDA MOSTRANDO A

    LOCALIZAO DAS ESTAES AUTOMTICAS DE

    MONITORAMENTO................

    50

    x

  • LISTA DE QUADROS

    2-1 PROPRIEDADES QUMICAS E FSICAS DO BENZENO..............................................

    21

    2-2 DISTRIBUIO DOS CASOS DE BENZENISMO NO BRASIL, NO PERODO

    DE 1983 A 1993....................................................................................................

    33

    3-1 CONCENTRAES MDIAS DOS POLUENTES PRIMEIRA CAMPANHA.................. 45

    3-2 CONCENTRAES MDIAS DOS POLUENTES SEGUNDA CAMPANHA.................. 46

    3-3 CONFIGURAO DA REDE DE MONITORAMENTO DA QUALIDADE DO

    AR DO MUNICPIO DE VOLTA REDONDA.............................................................

    49

    3-4 QUADRO COMPARATIVO ENTRE AS INFORMAES REQUERIDAS

    EM UMA AVALIAO DA EXPOSIO E OS DADOS DISPONVEIS

    EM VOLTA REDONDA...........................................................................................

    59

    xi

  • ABREVIATURAS E SIGLAS

    atm......................... Atmosfera

    ATSDR.................. Agency for Toxic Substances and Disease Registry

    BTX....................... Benzeno, Tolueno e Xilenos

    CNTP..................... Condies Normais de Temperatura e Presso

    CO......................... Monxido de Carbono

    CONAMA............. Conselho Nacional de Meio Ambiente

    COORDEMA........ Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente de Volta Redonda

    COSIPA................. Companhia Siderrgica Paulista

    COV...................... Compostos orgnicos volteis

    CSN....................... Companhia Siderrgica Nacional

    EC.......................... European Commission

    FEEMA................. Fundao Estadual de Engenharia do Meio Ambiente

    FUNASA............... Fundao Nacional de Sade

    Fundacentro........... Fundao Jorge Duprat Figueiredo de Segurana e Medicina do

    Trabalho

    IARC..................... International Agency for Research on Cancer

    IBGE...................... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IIA......................... Istituto Inquinamento Atmosferico

    IPCS...................... International Programme on Chemical Safety

    IPPU...................... Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Volta Redonda

    IQA........................ ndice de Qualidade do Ar

    m3.......................... Metro cbico

    MACBETH........... Monitoring of Atmospheric Concentration of Benzene in European

    Towns and Homes

    MEP....................... Movimento tica na Poltica

    mg/l........................ Miligrama por litro

    mg/m3.................... Miligrama por metro cbico

    mmHg.................... Milmetros de mercrio

    xii

  • NO2........................ Dixido de nitrognio

    NOX....................... xidos de nitrognio

    C.......................... Graus centgrados

    O3........................... Oznio

    OMS...................... Organizao Mundial de Sade

    PM10...................... Partculas inalveis

    PMVR.................... Prefeitura Municipal de Volta Redonda

    ppb......................... Partes por bilho

    ppm........................ Partes por milho

    PTS........................ Partculas Totais em Suspenso

    SEMADUR........... Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano

    do Rio de Janeiro

    SO2........................ Dixido de enxofre

    SUS........................ Sistema nico de Sade

    TAC....................... Termo de Ajustamento e Conduta

    TEAM.................... Total Exposure Assessment Methodology

    UFRJ...................... Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UK......................... United Kingdon

    US EPA................. Environmental Protection Agency

    VIGISUS............... Projeto de Estruturao da Vigilncia em Sade do Sistema nico de

    Sade

    VRT....................... Valor de Referncia Tecnolgico

    WHO..................... World Health Organization

    g/l........................ Micrograma por litro

    g/m3..................... Micrograma por metro cbico

    xiii

  • INTRODUO

    Na atualidade as relaes entre o ambiente e a sade continuam sendo objeto da

    preocupao de diversos setores da sociedade, como a academia, as organizaes no-

    governamentais, o poder pblico, entre outros, em funo da exposio humana a

    diversos tipos de agentes agressivos para a sade, principalmente, as substncias

    qumicas. Os efeitos sobre a sade podem surgir a curto, mdio e longo prazos e so

    relacionados toxicidade das substncias.

    Neste contexto, as populaes podem ser atingidas de forma aguda, pelos

    acidentes industriais, e de forma crnica, caracterizada pela poluio industrial (Franco

    & Druck, 1998).

    De maneira abrupta, podem ser citados os acidentes qumicos ampliados,

    principalmente aqueles envolvendo emisses acidentais, cuja amplitude pode se dar

    tanto em termos espaciais, devido possibilidade de atingir grandes extenses e, um

    grande nmero de pessoas, como em termos temporais, uma vez que podem atingir

    geraes futuras (Freitas et al., 2000).

    O desastre de Bhopal configura um excelente exemplo de acidente qumico

    ampliado. Este acidente aconteceu em 1984, na ndia, quando um vazamento na fbrica

    da Union Carbide liberou, aproximadamente, 40 toneladas de um coquetel de gases

    letais, entre eles o isocianato de metila (GREENPEACE, 2002). Esta emisso txica,

    resultou na morte de aproximadamente 8.000 trabalhadores e moradores da regio e

    causou leses em mais de 150.000 pessoas (GREENPEACE, 2002).

    No Brasil, mais recentemente, em maro de 2003, um derramamento de 1,4

    milhes de m3 de efluente industrial, composto basicamente por licor de madeira e soda

    custica, proveniente do rompimento da barragem de rejeitos da Fbrica Cataguazes de

    Papel, localizada no estado de Minas Gerais, afetou a qualidade das guas dos rios

    1

  • Pomba e Paraba do Sul, provocando a interrupo da oferta de gua potvel para uma

    populao de aproximadamente 600.000 habitantes, em oito municpios do estado do

    Rio de Janeiro (Alecrim, 2003).

    Lenta e gradualmente, mas de forma constante, a poluio industrial, presente

    nos espaos urbano-industriais, rompe os limites geogrficos das empresas, atingindo

    insidiosamente as populaes residentes nas reas circunvizinhas s indstrias. Assim,

    as pessoas expostas aos poluentes oriundos dos processos industriais podem adoecer em

    funo de agentes agressivos especficos, presentes no ambiente em que vivem. Devido,

    na maioria das vezes, a exposio se dar a baixas concentraes dos poluentes, o longo

    perodo de latncia entre a exposio e o agravo sade resultante, bem como os

    possveis fatores de risco associados ao adoecimento, torna-se difcil estabelecer a

    causalidade entre a exposio a certos contaminantes ambientais, de origem

    antropognica, e os efeitos deletrios sobre a sade humana.

    Situaes como as citadas anteriormente despertam a reao do pblico, por

    conta dos efeitos conhecidos ou desconhecidos da poluio, fazendo com que sejam

    exigidas respostas e a interveno do Poder Pblico para a mitigao dos impactos,

    sobre a sade humana e sobre o ambiente, decorrentes da poluio (Brilhante, 1999).

    Portanto, a relao ambiente-sade configura um dos grandes desafios dos

    rgos de sade pblica. A incorporao do campo da Sade Ambiental no Sistema

    nico de Sade se torna imprescindvel, para que em conjunto com o Setor Meio

    Ambiente, seja possvel prover as respostas demandadas pela sociedade acerca dos

    riscos ambientais. A estruturao de um sistema de vigilncia ambiental em sade e,

    consequentemente, o desenvolvimento de metodologias que permitam estabelecer as

    relaes existentes entre possveis efeitos sade decorrentes da exposio a agentes

    agressivos presentes no meio ambiente a estratgia que vem sendo adotada pelo Setor

    Sade. A Fundao Nacional de Sade (2002), define a Vigilncia Ambiental em Sade

    como:

    um conjunto de aes que proporcione o conhecimento e a deteco de qualquer mudana nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na sade humana, com a finalidade de identificar as medidas de preveno e controle dos fatores de risco ambientais relacionados s doenas ou outros agravos sade (p.7).

    2

  • A Avaliao de Risco um dos instrumentos de anlise empregado atualmente

    como uma excelente estratgia para a construo de um sistema de Vigilncia

    Ambiental em Sade. De acordo com a Agncia de Proteo Ambiental Americana

    (Environmental Protection Agency - US EPA), a Avaliao de Risco definida como

    um processo qualitativo e quantitativo conduzido para descrever os potenciais efeitos

    adversos sade pblica decorrentes da exposio a substncias perigosas. Este

    processo inclui a identificao do perigo, seguido pela avaliao da dose-resposta e pela

    avaliao da exposio. Todas estas etapas combinadas geram a caracterizao do risco,

    que fornece uma estimativa do risco sade humana resultante da exposio a

    determinado agente ambiental, sob circunstncias especficas. A caracterizao do risco

    serve como um elo entre a prpria avaliao do risco e o seu gerenciamento,

    constituindo-se em uma etapa-chave no processo de tomada de deciso (Corburn, 2002;

    Funasa, 2002; IPCS, 1999; Veiga & Fernandes, 1999).

    Os processos decisrios, que configuram o gerenciamento do risco,

    normalmente, consistem na seleo e implementao de medidas apropriadas para o

    controle e preveno de riscos, envolvendo a formulao, ou reformulao, de

    legislao, a utilizao de tecnologias de controle e remediao ambiental, a anlise de

    custo/benefcio, a aceitao dos riscos e a anlise de seus impactos nas polticas

    pblicas (Brilhante, 1999). Todavia, o modelo clssico da avaliao de riscos, pautado

    na Toxicologia e na Epidemiologia, no permite uma compreenso das inter-relaes e

    interdependncias de todos os atores envolvidos, que compem o meio onde se

    desenvolve a questo ambiental. Acarretando, assim, na possibilidade de limitao na

    formulao de estratgias de preveno e controle dos riscos (Augusto & Freitas, 1998;

    Freitas et al., 2002).

    Partindo do princpio que o objetivo principal de uma avaliao de risco

    propiciar os subsdios necessrios e, por vezes, imprescindveis para a tomada racional

    de deciso por parte do poder pblico, De Marchi e Ravetz (1999), enfatizam que a

    compreenso da complexidade do problema o primeiro passo fundamental para um

    melhor gerenciamento do risco. Freitas et al.(2002), consideram a relao entre os

    vrios atores sociais envolvidos na questo, uma condio essencial para o efetivo

    gerenciamento do risco e governana.

    3

  • Do ponto de vista acadmico, o municpio de Volta Redonda, localizado na

    regio Sul, do Estado do Rio de Janeiro, configura um timo exemplo de problema

    ambiental complexo. Uma vez que sedia, em sua rea urbana, a maior siderrgica da

    Amrica Latina, e traz consigo todos os benefcios e malefcios do processo de

    desenvolvimento industrial ocorrido no Pas nas ltimas dcadas. Uma das principais e

    mais preocupantes questes ambientais existentes no Municpio a contaminao

    ambiental por benzeno. Tal problemtica, configura uma possibilidade mpar de estudo,

    haja vista sua vultosa repercusso social, que culmina na formao das chamadas

    "comunidades ampliadas de pares", por envolver vrios segmentos sociais envolvidos

    na questo (Funtowicz & Ravetz, 1997:220).

    A dinmica do desenvolvimento industrial acelerado, e de certa forma

    desorganizado de Volta Redonda, aliada aos estudos ambientais sobre qualidade do ar

    desenvolvidos pela Fundao Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), no

    final da dcada de 90 (FEEMA, 1999), torna patente a necessidade de se dimensionar os

    impactos negativos da poluio do ar na sade da populao, caracterizando seus

    principais danos, a fim de subsidiar estratgias de controle da qualidade do ar e orientar

    aes de ateno sade. Contudo, a contaminao ambiental por benzeno em Volta

    Redonda ultrapassa os limites das cincias biomdicas, assumindo a conotao de um

    problema de carter socioambiental. Portanto, pode-se inferir que qualquer anlise que

    no leve em considerao as repercusses sociais da contaminao qumica pelo

    benzeno e as relaes estabelecidas ao longo dos anos entre a Companhia Siderrgica

    Nacional (CSN) e o municpio, tende a representar uma fragmentao da realidade

    vivida em Volta Redonda, podendo acarretar em propostas limitadas de interveno.

    Atualmente, possvel inferir que os problemas causados pelo benzeno

    extrapolaram os espaos intrafabril, pois, potencialmente, em virtude da atividade

    econmica, no somente os trabalhadores que desenvolvem atividades laborativas em

    seu interior podem ser atingidos, mas a populao de uma forma geral, principalmente

    aquela parcela que reside ou desenvolve atividades, laborativas ou no, na rea de

    influncia dos poluentes (Franco & Druck, 1998).

    Assim, h na populao de Volta Redonda a crena de que qualquer pessoa com

    reduzido nmero de glbulos brancos seja portadora de doena ocasionada pela

    poluio ambiental (Cmara de Deputados, 2001; SMS, 2003a). Esta situao

    4

  • observada, empiricamente, na parcela mais carente da populao, principalmente dentre

    aqueles que detm menos informaes acerca dos fatores de risco associados alterao

    dos glbulos brancos, a leucopenia. Por outro lado, quando se busca fazer uma

    discusso mais detalhada dos problemas decorrentes da poluio ambiental, relatando as

    causas da doena e as possibilidades de interveno, observa-se um desvio na conduo

    da discusso e raramente h a culpabilizao, ou a inteno de responsabilizao, da

    Companhia Siderrgica Nacional, como uma das principais geradora da poluio

    qumica. Geralmente, o foco da discusso desviado para o trnsito ou para as empresas

    com menor influncia sobre a vida da cidade (Agenda 21, 1999). fcil perceber que a

    populao e o governo local apesar de sofrerem com as consequncias do

    desenvolvimento desordenado de Volta Redonda, no tem condies de lutar contra o

    mito da Grande Empresa, pois acredita-se que enfrentar de forma contundente a

    situao pode implicar diretamente no encerramento de suas atividades no Municpio, e

    consequentemente nos impactos negativos em mbito econmico e social (Agenda 21,

    1999).

    Este estudo torna-se prioritrio neste momento em funo das iniciativas locais,

    por parte do poder pblico, pressionado pelo movimento social, visando a compreenso

    dos impactos sobre a sade humana decorrentes da poluio atmosfrica,

    principalmente relacionada contaminao por benzeno. E, tambm, em virtude da

    maioria dos estudos cientficos desenvolvidos no Pas tendo o benzeno como objeto de

    pesquisa serem conduzidos sob a vertente da exposio ocupacional. Pretende-se, com o

    presente trabalho, contribuir com o processo de construo da rea da Sade Ambiental

    no Sistema nico de Sade (SUS), a partir da anlise dos dados requeridos para a

    realizao da avaliao da exposio humana s substncias qumicas e da qualidade

    das informaes disponveis, no municpio de Volta Redonda, para a contaminao

    ambiental por benzeno.

    Esta dissertao composta por trs captulos. No primeiro, apresentada uma

    reviso bibliogrfica das metodologias empregadas pela Agncia de Proteo Ambiental

    Americana (Environmental Protection Agency / US EPA), pela Agncia Americana

    para Substncias Txicas e Registros de Enfermidades (Agency for Toxic Substances

    and Diseases Registry / ATSDR) e pelo Programa Internacional de Segurana Qumica

    (International Programme on Chemical Safety / IPCS), para a avaliao da exposio

    humana s substncias qumicas

    5

  • O captulo 2 encontra-se dividido em quatro partes e enfoca o problema da

    contaminao ambiental pelo benzeno em Volta Redonda / RJ. Nas duas primeiras

    partes so apresentadas informaes acerca da substncia qumica, suas principais

    fontes de emisso e aspectos toxicolgicos, bem como as legislaes brasileira e

    internacional relativas exposio humana ao benzeno. Outro item constituinte do

    captulo, descreve os aspectos que tornam a contaminao ambiental por benzeno uma

    situao complexa no Municpio. Por fim, so analisadas as informaes organizadas no

    captulo e apresentadas possveis formas de abordagem do problema..

    No terceiro captulo, feita uma descrio sobre os dados disponveis no

    Municpio para a avaliao da exposio ao benzeno, obtidos junto aos rgos estaduais

    e municipais de sade e meio ambiente, bem como aqueles disponveis em estudos

    cientficos realizados em Volta Redonda. No final do captulo, feito uma discusso

    acerca das informaes obtidas no trabalho de campo, as quais so analisadas luz da

    reviso bibliogrfica das metodologias empregadas para a avaliao da exposio

    humana s substncias qumicas e da legitimao social dos dados de monitoramento da

    qualidade do ar de Volta Redonda.

    Finalizando a dissertao so apresentadas as concluses do estudo.

    6

  • OBJETIVOS DO ESTUDO:

    Buscando contribuir com o campo da Vigilncia Ambiental em Sade, ora em

    construo no Sistema nico de Sade (SUS), os objetivos deste estudo foram:

    - Revisar as metodologias de avaliao de risco desenvolvidas pela Agncia de

    Proteo Ambiental Americana (Environmental Protection Agency / US

    EPA), pela Agncia Americana para Substncias Txicas e Registros de

    Enfermidades (Agency for Toxic Substances and Diseases Registry /

    ATSDR) e pelo Programa Internacional de Segurana Qumica (International

    Programme on Chemical Safety / IPCS);

    - Analisar se as informaes disponveis sobre contaminao ambiental por

    benzeno possibilitam o desenvolvimento de avaliao de risco sade

    pblica decorrente da exposio humana substncia em Volta Redonda;

    - Verificar o envolvimento da sociedade no processo de produo e uso das

    informaes referentes exposio humana a benzeno em Volta Redonda.

    7

  • METODOLOGIA:

    A metodologia utilizada para a realizao da anlise qualitativa dos dados

    disponveis no municpio de Volta Redonda, para a avaliao da exposio humana ao

    benzeno, consistiu das etapas descritas a seguir:

    - Pesquisa bibliogrfica e documental:

    Foram selecionados os dois principais mtodos de avaliao da exposio

    humana, empregados mundialmente, e recomendados pela Agncia de Proteo

    Ambiental Americana (Environmental Protection Agency / US EPA) e pela Agncia

    Americana para Substncias Txicas e Registros de Enfermidades (Agency for Toxic

    Substances and Diseases Registry / ATSDR), respectivamente a Avaliao de Risco e a

    Avaliao de Sade.

    A partir desta seleo foi realizado levantamento de material bibliogrfico

    referente s duas metodologias. Verificou-se tambm o mtodo para avaliao da

    exposio recomendado pelo Programa Internacional de Segurana Qumica

    (International Programme on Chemical Safety / IPCS), do Programa de Meio Ambiente

    das Naes Unidas (United Nations Environment Programme / UNEP).

    Foram tambm levantados os estudos cientficos, mais recentes, sobre a

    avaliao da exposio humana ao benzeno, bem como os dispositivos legais nacionais

    e internacionais relacionados exposio humana ao benzeno, principalmente aqueles

    referentes aos parmetros de qualidade do ar.

    Outras informaes relevantes para a compreenso do problema em foco, como

    os aspectos histricos relacionados formao da cidade e s caractersticas gerais do

    Municpio tambm foram pesquisadas.

    8

  • - Levantamento dos dados disponveis acerca da contaminao ambiental por benzeno

    em Volta Redonda:

    Estes levantamentos foram conduzidos atravs de observao participante e

    dilogos com representantes dos rgos ambientais do Estado e do Municpio

    (Viegas,1999).

    Durante a observao participante, o pesquisador participou de vrias reunies,

    oficinas de trabalho, seminrios, entre outros eventos, realizados no municpio de Volta

    Redonda que tiveram como tema central a contaminao por benzeno ou a poluio

    atmosfrica. importante frisar que a participao e insero do autor nestes eventos

    no se deu somente em funo do estudo, mas tambm na qualidade de coordenador do

    Programa de Sade do Trabalhador, ocupado pelo pesquisador na Secretaria Municipal

    de Sade de Volta Redonda. Desta forma, o pesquisador viveu, de fato, como um

    integrante do problema em estudo (Viegas, 1999).

    Os dilogos foram conduzidas com profissionais dos rgos estadual e

    municipal de meio ambiente. Essas conversas foram norteadas por perguntas gerais,

    abertas, conforme a natureza do objeto e a finalidade da pesquisa, cujo principal

    objetivo foi a identificao das aes realizadas por esses rgos frente ao problema da

    contaminao ambiental pelo benzeno em Volta Redonda.

    - Anlise dos dados:

    A anlise dos dados disponveis no Municpio foi feita a partir dos parmetros

    para avaliao da exposio humana s substncias qumicas estabelecidos pela EPA,

    ATSDR e IPCS, constantes respectivamente no Guidelines for Exposure Assessment

    (US EPA, 1992), Public Health Assessment Guidance Manual (ATSDR, 2002) e

    Environmental Health Criteria 214 - Human Exposure Assessment (IPCS, 2000).

    9

  • CAPTULO 1

    AVALIAO DE RISCOS:

    ELEMENTOS NECESSRIOS AVALIAO DA EXPOSIO

    Este captulo encontra-se sistematizado de maneira a propiciar o conhecimento

    sobre as principais metodologias empregadas para a avaliao dos efeitos nocivos

    sade humana decorrentes da exposio substncias qumicas. Porm, enfatiza uma

    das etapas primordiais no estabelecimento da associao sade-ambiente: a Avaliao

    da Exposio.

    Principais Mtodos de Avaliao dos Efeitos das

    Substncias Qumicas sobre a Sade Humana

    O conhecimento dos efeitos deletrios sobre a sade humana associados

    exposio do homem aos mais diversos agentes ambientais, pode ser obtido atravs das

    duas metodologias mais difundidas na atualidade: a Avaliao de Risco metodologia

    proposta pela Agncia de Proteo Ambiental Americana (United States Environmental

    Protection Agency / US EPA) e difundida pelo Programa Internacional de Segurana

    Qumica (International Programme on Chemical Safety / IPCS) e, a Avaliao de

    Sade metodologia proposta pela Agncia Americana para Substncias Txicas e

    Registros de Enfermidades (Agency for Toxic Substances and Diseases Registry /

    ATSDR).

    Apesar de ambas as metodologias apresentarem o mesmo objetivo, possuem

    distintos enfoques e propsitos, conforme descritos a seguir.

    10

  • A Avaliao de Risco baseada em evidncias cientficas, e caracteriza o risco1

    potencial para a sade pblica, a partir de estimativas de exposies presente e futura a

    determinadas concentraes de substncias qumicas. Este processo utilizado pelos

    rgos reguladores com a finalidade de subsidiar e definir as aes de gerenciamento do

    risco, com vistas eliminao, ou quando esta no for possvel, reduo do risco a um

    valor mnimo aceitvel, e possvel de ser alcanado. Normalmente, os resultados da

    Avaliao de Risco culminam em legislaes que definem os limites para a exposio

    humana s substncias, no planejamento das aes de remediao ambiental a ser

    empregadas em situaes especficas e na avaliao destas (IPCS, 1999; Graham et al.,

    1992).

    Por outro lado, a Avaliao de Sade conduzida para a identificao de

    exposies passadas, presentes e futuras associadas a reas contaminadas ou outras

    formas de contaminao ambiental e os problemas de sade advindos de tais

    exposies, para a determinao das aes de sade pblica necessrias para a proteo

    da sade humana. Outro objetivo desta metodologia prover a comunidade com as

    informaes obtidas acerca das implicaes sobre a sade decorrente da exposio s

    substncias perigosas. Investigaes mais detalhadas da exposio, aes de educao

    em sade, adequao dos servios de sade ao problema e aes de vigilncia da sade

    das populaes expostas, so algumas das atividades desenvolvidas aps o resultado da

    Avaliao (ATSDR, 2002; Brilhante, 1999).

    Apesar da diferena entre os propsitos dos mtodos, suas etapas so similares,

    principalmente no que tange avaliao da exposio e avaliao toxicolgica. A

    Avaliao de Risco composta de quatro etapas distintas e essenciais para a sua

    concluso, a saber: Identificao do Perigo, baseada em informaes sobre a toxicidade

    da substncia, consiste na identificao das caractersticas capazes de provocarem

    efeitos adversos sade; Avaliao Dose-Resposta, refere-se intensidade de um efeito

    adverso em relao a dose, administrada ou recebida, de determinada substncia para

    um especfico de exposio; Avaliao da Exposio, corresponde uma avaliao

    quantitativa e/ou qualitativa para determinar ou estimar a natureza e extenso do contato

    experimentado por populaes com substncias qumicas; Caracterizao de Risco,

    rene as informaes das trs etapas anteriores e apresenta uma estimativa quantificada

    1 O conceito de Risco utilizado neste trabalho equivale quele empregado na toxicologia ambiental, que se refere probabilidade medida ou estimada de dano, doena ou morte causada por um agente qumico em um indivduo a este exposto (Caldas,1999).

    11

  • do excesso de risco para o homem provocado pela exposio s substncias txicas

    (IPCS, 1999, Veiga & Fernandes, 1999, Freitas et al., 1997; Nurminen, 1996; Upton,

    1988). Com relao Avaliao de Sade, ela desenvolvida para a avaliao de stios

    contaminados compreendendo, no mnimo, cinco questes: Contextualizao da rea

    contaminada, com informaes sobre a histria do local, aes desenvolvidas pelo

    poder pblico, entre outros dados relevantes para a compreenso do problema;

    Preocupao da comunidade com a sade, incluindo a natureza da preocupao, as

    populaes afetadas e outros informaes fornecidas pela comunidade; Informaes

    sobre a contaminao e trajetria da exposio, incluindo dados ambientais

    disponveis, informaes da maneira como as pessoas se expem substncia perigosa,

    informaes sobre as propriedades qumicas, fsicas e toxicolgicas que podem afetar o

    destino da substncia no ambiente ou no corpo humano; e, Informaes de efeitos

    sade, incluindo estatsticas relevantes sobre cncer, estudos do estado de sade da

    populao e dados de monitoramento biolgico (ATSDR, 2002).

    Apesar da similaridade entre as etapas dos dois processos, observa-se, contudo,

    que a Avaliao de Sade avana em mais uma importante etapa, que a incorporao

    da preocupao e do saber da populao frente ao problema ambiental, que pode se

    expressar atravs de um efeito particular observado ou temido, como por exemplo o

    cncer.

    A Avaliao da Exposio

    A exposio2 descrita atravs de quatro caractersticas: magnitude, relacionada

    concentrao do agente3; durao, representa o tempo que a pessoa permanece em

    contato com o agente; frequncia; e, a via, se a entrada da substncia no organismo

    ocorre atravs da inalao, ingesto ou absoro drmica (Sexton et al., 1992). A

    concentrao da substncia qumica presente no ambiente e no ponto de contato com o

    corpo humano, denominada concentrao de exposio, normalmente expressa em

    mg/L, mg/kg, g/m3.

    2 Neste trabalho adotou-se a definio de exposio proposta pela Agncia de Proteo Ambiental Americana (US EPA), que significa o contato das pessoas com as substncias qumicas, ou outro agente, ao nvel dos limites externos do corpo (pele, boca, narinas etc) durante determinado perodo (US EPA, 1992). 3 Dado o objetivo desta dissertao, o agente ambiental ser tratado sempre como uma substncia qumica, apesar de outros agentes (fsicos e biolgicos) tambm serem objeto de estudos relacionados exposio humana.

    12

  • Matematicamente, a exposio pode ser definida como: E = C (t) dt t1

    t2

    onde: E a magnitude da exposio; C(t) a concentrao de exposio, que varia em

    funo do tempo; t o tempo, sendo t2 t1 a durao da exposio (US EPA, 1992;

    Lioy, 1990).

    A avaliao da exposio uma das etapas dos processos de Avaliao de Risco

    e de Avaliao de Sade, que tem como objetivo mensurar ou estimar a concentrao da

    exposio e o nmero de pessoas expostas s substncias txicas (IPCS, 2000; Freitas et

    al., 1997; Sexton et al., 1992), com vistas a subsidiar os processos decisrios para o

    controle e limitao dos riscos decorrentes da exposio (Burke et al., 1992).

    A avaliao da exposio humana a um agente ambiental envolve tanto sua

    descrio qualitativa, como a estimativa quantificada da exposio e da dose. Embora

    duas avaliaes da exposio no sejam exatamente iguais, existem elementos similares

    que as permeiam, como: a quantidade de pessoas expostas a concentraes especficas

    durante o perodo de interesse; a dose resultante; e a importncia da contribuio das

    fontes e trajetrias da contaminao e dos comportamentos ambientais relacionados

    exposio e dose (ATSDR 2002; IPCS, 2000).

    Para a conduo da avaliao da exposio, vrios elementos so requeridos e a

    integrao de todos deve propiciar uma estimativa, com a maior acurcia possvel, da

    exposio s substncias txicas experimentadas pelos indivduos.

    Os elementos, propostos pela US EPA (1992), ATSDR (2002) e ICPS (2000),

    enfatizam a necessidade de em um primeiro momento conhecer detalhadamente, e

    qualitativamente, todos os aspectos relacionados contaminao qumica, atravs:

    - da identificao das caractersticas fsico-qumicas do poluente, que

    exercero grande influncia no transporte e destino do mesmo no meio

    ambiente, tais como: presso de vapor, que determina a volatilizao do

    poluente; constante de Henry, que reflete a tendncia da substncia passar de

    uma soluo lquida para a fase de vapor; entre outras; 13

  • - da identificao dos aspectos toxicolgicos da substncia qumica, que

    implicar no impacto sobre a sade humana;

    - das principais fontes de contaminao, incluindo os aspectos histricos

    relacionados rea contaminada, como incio da contaminao e das formas

    de controle adotadas pelos rgos do poder pblico para o seu controle, bem

    como a percepo da populao frente poluio qumica;

    - do conhecimento das formas em que se d o contato entre as pessoas e os

    poluentes, isto , a trajetria da exposio, bem como as vias de seu ingresso

    no organismo;

    - da identificao da populao potencialmente afetada pelos poluentes,

    incluindo a relao dos locais onde ocorrem a exposio s substncias

    txicas e o tempo de durao em cada local;

    - dos fatores climticos que podero influenciar na disperso dos poluentes.

    Aps esta primeira etapa, de carter qualitativo, deve se proceder quantificao

    da exposio, que pode ser realizada atravs da avaliao pessoal ou de rea, ou

    respectivamente de forma direta ou indireta, segundo Lioy (1990).

    A avaliao pessoal inclui dois tipos de medio: (a) amostragem individual, que

    consiste na integrao da concentrao da substncia que alcana o organismo com a

    durao da exposio, (b) monitoramento biolgico4, se refere quantificao de uma

    substncia exgena ou de seus metablitos ou do produto da interao entre o agente

    xenobitico com substncias que ocorrem normalmente no corpo humano e, expressa a

    exposio total de um indivduo, independente da via de ingresso da substncia no

    organismo (IPCS, 2001; Dor et al., 1999; Rappaport et al., 1995; Sexton et al., 1992).

    A estimativa da exposio atravs da avaliao de rea, combina as

    concentraes do poluente, medidas em locais especficos, com as informaes relativas

    s atividades desenvolvidas pelo homem nestes locais (IPCS, 2000). Outras estratgias

    utilizadas so a construo de modelos matemticos, que tem o objetivo de predizer a

    distribuio da concentrao de exposio para determinada populao, e a aplicao de

    questionrios, que visam reconstruir a exposio (IPCS, 2000; Sexton et al., 1992).

    4 Na avaliao da exposio so usados apenas os indicadores biolgicos de exposio. Os outros dois tipos de indicadores, de efeito e de suscetibilidade, possuem definies e aplicaes distintas, inclusive em outras etapas do processo de avalio de risco (IPCS, 2001; Rappaport et al., 1995; IPCS, 1993a).

    14

  • As trs abordagens usualmente empregadas para a estimativa da exposio so

    independentes, uma vez que so baseadas em informaes diferentes. A independncia

    das abordagens permite que seja possvel comparar seus resultados, a fim de valid-los e

    aumentar a credibilidade da avaliao da exposio. A amostragem pessoal dentre as

    estratgias possveis de serem utilizadas a que leva em conta a mobilidade do indivduo

    em vrios microambientes5, o que implica em levar em considerao concentraes

    ambientais e durao de exposio diferenciadas (Armstrong et al., 1992).

    Alguns microambientes so potencialmente importantes para a avaliao da

    exposio a poluentes atmosfricos. Os microambientes podem ser definidos em dois

    tipos, ambientes externos e ambientes internos. Os ambientes externos incluem as reas

    urbanas e rurais, que so influenciados pelas fontes mveis (veculos) e estacionrias

    (indstrias). Neste contexto, considerando os poluentes no encontrados nas atividades

    agrcolas, as reas rurais devido s suas caractersticas so importantes para a

    compreenso da contribuio das fontes antropognicas de poluio do ar, permitindo,

    pois, o estabelecimento, ainda que com reservas, de concentraes background6 (basais)

    para algumas substncias txicas. Os ambientes internos, podem ser classificados em

    ocupacionais e no-ocupacionais (IPCS, 2000).

    Alguns estudos cientficos, tem utilizado diferentes estratgias para a estimativa

    da exposio do homem s substncias qumicas, como o emprego concomitante de

    diferentes abordagens de monitoramento direto e/ou indireto (Egeghy et al., 2000;

    Romieu et al., 1999; Ovrebo et al., 1995; Rappaport et al., 1995) ou avaliaes

    conduzidas simultaneamente em diferentes microambientes (Meininghaus et al., 2003;

    Tashiro & Taniyama, 2002; Meneses et al., 1999).

    Finalizando a avaliao da exposio so conduzidos clculos para a estimativa

    da dose mdia diria da substncia qumica a que os indivduos so submetidos,

    considerando a concentrao da exposio medida, a durao e frequncia da exposio.

    Contudo estas variveis podem ser dependentes das atividades humanas e do tempo

    desperdiado em cada atividade ou local onde so realizadas. O Exposure Factors

    Handbook, editado pela US EPA em 1997, resume as informaes acerca do

    comportamento e das caractersticas humanas que podem contribuir para o incremento

    5 Denotam locais especficos onde a concentrao do poluente pode ser tratado como homogneo (US EPA, 1997). 6 O termo background deve ser compreendido nesta dissertao como os nveis de uma substncia no ambiente, que ocorrem naturalmente sem a influncia do homem (ATSDR, 2002).

    15

  • nos nveis da exposio aos contaminantes ambientais, bem como recomenda valores

    padres para esses fatores (US EPA, 1997).

    Por fim a avaliao da exposio deve levar em considerao dois fatores, a

    variabilidade e a incerteza, que podem afetar a preciso da estimativa da exposio.

    A variabilidade est relacionada heterogeneidade da exposio e pode ser

    classificada em trs tipos: (a) espacial, refere-se ao gradiente da concentrao da

    substncia em diferentes locais, como por exemplo em ambientes internos e externos,

    regionalmente em decorrncia de atividades industriais ou em decorrncia de fatores

    climticos, como direo do vento, entre outros; (b) temporal, relacionada variao na

    durao, se longa ou curta, este tipo de variablidade est relacionada sazonalidade no

    desenvolvimento de algumas atividades, s condies climticas, permanncia na

    execuo de atividades em reas contaminadas etc., e (c) entre indivduos, refere-se

    tanto s caractersticas populacionais, como idade ou peso, quanto s comportamentais,

    tais como realizao de atividades, recreacionais, ocupacionais ou do cotidiano (Zhao &

    Kaluarachchi, 2002; US EPA, 1997). De acordo com a US EPA (1997), existem quatro

    maneiras para lidar com com a variabilidade na avaliao da exposio: ignorar a

    variabilidade, estratificar a variabilidade, utilizar um valor mdio e utilizar os valores

    mximos e mnimos. Esta ltima forma a mais comum para tratar a variabilidade na

    avaliao da exposio, embora em alguns casos pode levar a uma superestimativa da

    exposio ou da dose, e, consequentemente, do risco (USEPA, 1997).

    As incertezas representam a falta de conhecimento acerca de fatores que

    influenciam a exposio ou o risco e levam impreciso da estimativa. As incertezas

    podem ser divididas em trs categorias, conforme classificao da US EPA (1992):

    - Incerteza relacionada falta de informaes ou informaes incompletas

    para uma completa caracterizao da exposio ou dose. Este tipo de

    incerteza refere-se ao cenrio da exposio;

    - Incerteza relacionada a parmetros, tais como: erros de medies, erros em

    amostragens, variabilidades etc. (Moschandreas & Karuchit, 2002);

    - Incerteza relacionada falta de conhecimento cientfico necessrio para

    realizar inferncias acerca da exposio, est relacionada s incertezas dos

    modelos matemticos utilizados.

    16

  • Alm das incertezas relacionadas diretamente exposio, importante

    que se tenha em mente tambm aquelas referentes toxicologia. As informaes sobre a

    toxicidade das substncias qumicas obtidas a partir de estudos em animais apresentam,

    no mnimo, dois problemas que devem ser considerados tambm durante a conduo da

    avaliao de risco: a) geralmente, os animais em estudos experimentais esto expostos

    doses altas da substncia sob estudo, enquanto que a exposio humana, geralmente, se

    d em cenrios de baixas doses; 2) os animais e os seres humanos freqentemente

    diferem em suscetibilidade, ou seja h diferenas na maneira como diversas espcies

    interagem com a substncia a que esto expostas (Eaton & Klaassen, 1996;

    Paumgartten, 1993).

    Algumas estratgias na reduo das incertezas incluem a coleta de dados

    utilizando uma amostra de maior tamanho, o desenho de um estudo com menos vises, a

    adoo de monitoramento direto para a quantificao da exposio ou da dose, a seleo

    mais apropriada da populao exposta e o uso de modelos matemticos mais

    sofisticados (US EPA, 1997).

    17

  • CAPTULO 2

    A COMPLEXIDADE DA CONTAMINAO AMBIENTAL

    POR BENZENO NO MUNICPIO DE VOLTA REDONDA

    Este captulo abordar as questes relacionadas contaminao ambiental pelo

    benzeno que caracterizaram-na como uma situao complexa, vivificada no Municpio.

    Para uma melhor compreenso este captulo encontra-se dividido em trs partes. Na

    primeira apresentada uma breve reviso sobre a substncia qumica, com as principais

    formas de exposio humana, aspectos toxicolgicos e alguns estudos cientficos

    conduzidos acerca da exposio humana ao benzeno. Os dispositivos legais, nacionais e

    internacionais, aplicados exposio substncia so tratados na segunda parte do

    captulo. A ltima parte faz uma breve apresentao do Municpio, buscando retratar as

    situaes que tornam a poluio qumica por benzeno um problema complexo.

    A Exposio ao Benzeno e seus Impactos sobre a Sade Humana

    O benzeno um hidrocarboneto aromtico, que se apresenta sob a forma lquida

    e incolor, nas Condies Normais de Temperatura e Presso (CNTP). um composto

    orgnico voltil (COV) altamente inflamvel, possuindo odor caracterstico possvel de

    ser identificado no ar em concentraes da ordem de 4,9 mg/m3 e na gua em

    concentrao da ordem de 2,0 mg/m3 (ATSDR, 1997).

    No ambiente o benzeno pode ser encontrado no ar, gua e solo. Uma das

    caractersticas mais importantes desta substncia, com grande repercusso na

    contaminao atmosfrica, seu alto poder de volatilizao, devido alta presso de

    vapor, da ordem de 95,2 mmHg, a 25 C (IPCS, 1993b). Outras propriedades que

    18

  • tambm influenciaro o transporte e o destino da substncia no meio ambiente so

    apresentadas no Quadro 2-1.

    A liberao do benzeno para o ambiente pode ser feita atravs de fontes naturais

    e/ou antropognicas. O fato de ser um componente do petrleo faz com que seja

    naturalmente encontrado, na concentrao aproximada de 0,8 g/L, nas proximidades

    de depsitos naturais de petrleo e gs natural. A ocorrncia de queimadas em florestas

    tambm contribui para sua presena no ambiente (IIA, 1998; IPCS, 1993b). J a

    contribuio das fontes antropognicas, estimada em mais de 90%, proveniente da

    exausto e do abastecimento de veculos, das emisses industriais e da fumaa do

    cigarro. (IIA, 1998; ATSDR, 1997; IPCS, 1993b).

    A exposio humana ao benzeno se d principalmente atravs do ar, sendo a via

    inalatria a responsvel por mais de 99 % da quantidade de benzeno presente no corpo

    humano. A populao de uma forma geral se expe ao benzeno, principalmente, pela

    fumaa de cigarro e pela inalao de ar contaminado, em reas com intenso trfego de

    veculo e ao redor de postos de combustveis (IIA, 1998; Wallace, 1996). O uso de gua

    contaminada para cozinhar, para o banho etc., tambm podem configurar uma fonte de

    exposio pela via respiratria em funo da capacidade de volatilizao do benzeno da

    gua (Giardino & Wireman, 1998; IIA, 1998). A exposio ao benzeno pode resultar

    tambm da ingesto de alimentos ou gua contaminados.

    Alm da exposio ambiental, que acomete a populao geral, a exposio pode

    se dar tambm ocupacionalmente, em ambientes industriais que utilizam a substncia

    em seus processos produtivos. A magnitude da exposio ocupacional ao benzeno

    bem superior quela observada para a populao geral.

    Dada sua toxicidade, reconhecidamente uma substncia carcinognica para o

    homem, (IARC, 1987), a exposio humana ao benzeno tem sido objeto de vrios

    estudos cientficos, a nvel mundial, para alm de mensurar a concentrao da exposio

    identificar as principais formas de contato.

    O Total Exposure Assessment Methodology (TEAM), um dos mais importantes

    estudos j conduzido para a avaliao da exposio da populao geral aos compostos

    orgnicos volteis, foi realizado no perodo de 1980 a 1987, pela US EPA (Wallace,

    19

  • 1996). Este estudo contribuiu para uma melhor compreenso das possveis formas de

    contaminao pelo benzeno, atravs do monitoramento pessoal de cerca de 800 pessoas,

    representando aproximadamente 800.000 pessoas em oito reas dos Estados Unidos

    (Wallace, 1996). Foram realizadas tambm medidas do ar em ambientes externos e

    internos, medidas de gua potvel e medidas do ar exalado. Os resultados mostraram

    quantidades insignificantes de benzeno na gua, em alimentos e bebidas. As

    concentraes mdias das amostragens individuais excederam as dos ambientes

    internos, que por sua vez foram superiores as dos ambientes externos (Wallace, 1996).

    A principal fonte de exposio para os fumantes foi a prpria fumaa de cigarro, j para

    os no fumantes a exposio foi derivada principalmente da exausto veicular e das

    emisses de vapores de gasolina (ATSDR, 1997), conforme pode ser observado nas

    Figuras 2-1 e 2-2 (Wallace, 1996).

    No Fumantes Fumantes

    F

    F

    org

    tra

    tra

    Hbito de Fumar89%

    Conduo de veculo

    2%

    Ambiente interno

    3%

    Ambiente externo

    4%

    ETS2%

    Cve

    onduo de culo

    19%

    Ambieinter

    31%

    nte no

    Ambiente externo

    40%

    ETS10%

    iguras 2-1 e 2-2: Principais fontes de exposio ao benzeno para fumantes e no

    fumantes, de acordo com o estudo TEAM/US EPA.

    onte: Wallace, 1996.

    No Mxico, foram conduzidas avaliaes da exposio humana a compostos

    nicos volteis, dentre os quais o benzeno, em funo da emisso veicular. Nestes

    balhos, os pesquisadores avaliaram a exposio ao benzeno, de trs grupos de

    balhadores da Cidade do Mxico, atravs de amostragens individuais e de medies

    20

  • QUADRO 2-1: PROPRIEDADES QUMICAS E FSICAS DO BENZENO

    Propriedades Qumicas e Fsicas do Benzeno

    (Frmula Qumica: C6H6)

    Estado Fsico (CNTP)

    Lquido, incolor

    Peso Molecular

    78,11

    Ponto de Fuso

    5,5 C

    Ponto de Ebulio

    80,1 C, a 760 mmHg

    Ponto de Fulgor

    -11,1 C

    Ponto de Auto ignio

    498 C

    Presso de Vapor (25 C)

    95,2 mmHg

    Densidade

    0,878

    Densidade Relativa Vapor

    2,7 (ar = 1)

    Limites de Odor Ar gua

    4,9 mg/m3 2,0 mg/m3

    Solubilidade gua Solventes Orgnicos

    1800 mg/L, a 25 C miscvel com a maioria

    Coeficientes de Partio Log KOW (gua) Log KOC (carbono orgnico)

    2,13 1,8 1,9

    Constante de Henry

    5,5 x 10-3 atm/m3 por mol, a 25 C

    Limites de Inflamabilidade

    1,3 1,7 %

    Fatores de Converso

    1 ppm = 3,24 mg/m3, a 20 C e 1 atm 1 mg/m3 = 0,31 ppm

    Fontes: ATSDR (1997), IPCS (1993b)

    21

  • da concentrao no sangue. Os resultados mostraram diferenas significativas. A

    concentrao de exposio e os nveis de benzeno no sangue do grupo de trabalhadores

    de postos de gasolina foi maior que a dos grupos de vendedores de rua e dos

    trabalhadores de escritrios (Romieu et al., 1999; Meneses et al., 1999).

    Gilli et al. (1996), demonstrou a contribuio da fumaa do cigarro na exposio

    ao benzeno. Atravs do monitoramento individual de 88 alunos, detectou-se uma maior

    exposio dos fumantes ativos (35,09 ppb), em relao aos fumantes passivos (28,55

    ppb) e aos no fumantes (21,9 ppb). Os autores observaram que a exposio ao benzeno

    proporcional intensidade fumaa do cigarro.

    Vrios estudos, reportados por Wallace (1996), tem demonstrado as diferenas

    existentes entre as concentraes de exposio em ambientes internos e externos e nas

    exposies individuais. As amostragens individuais tem apresentado concentraes

    maiores de benzeno, que aquelas observadas nos ambientes internos, que por sua vez

    so maiores que os medidos nos ambientes externos (Wallace, 1996). Esta diferena

    est normalmente associada s atividades desenvolvidas pelas pessoas em

    microambientes distintos e o seu tempo de durao (Gilli et al., 1996).

    Outra importante informao advinda das pesquisas se refere diferena da

    concentrao de benzeno observada em diferentes estaes do ano, principalmente

    durante o inverno e o vero. Em um estudos realizado no Alaska, foram identificados

    concentraes de benzeno em amostragens individuais, ambiente interno e ambiente

    externo da ordem de 20, 15 e 5 g/m3, respectivamente, durante o vero, e da ordem de

    28, 25 e 11 g/m3, durante o inverno (IIA, 1998; Wallace, 1996).

    Alm de estudos como os relatados anteriormente, algumas aes de

    monitoramento tem sido conduzidas pelos rgos governamentais de alguns pases da

    Europa, objetivando subsidiar a tomada de decises para o controle das emisses.

    Um projeto financiado pela Comunidade Europia, denominado MACBETH

    (Monitoring of Atmospheric Concentration of Benzene in European Towns and Homes),

    foi conduzido para subsidi-la na formulao de legislao para o controle do nvel de

    poluio urbana por benzeno. Atravs deste Projeto foram realizadas seis campanhas de

    monitoramento da concentrao de benzeno em ambientes externos, internos e atravs

    22

  • de monitorizao individual, em seis cidades da Europa, em diferentes pases, durante

    os anos de 1997 e 1998. Os resultados preliminares mostraram uma variao no nveis

    de benzeno em ambientes externos de 6,1 g/m3, em Copenhagen, a 31,0 g/m3, em

    Murcia. Nos ambientes internos as concentraes encontradas variaram de 4,0 g/m3,

    em Copenhagen, a 23,0 g/m3, em Atenas. Os monitoramentos individuais apontaram

    para um exposio da ordem de 8,2g/m3, em Copenhagen, e 37,4g/m3, em Murcia

    (FSM, 2003).

    No perodo de 1995 a 2000, a Agncia Ambiental da Alemanha registrou um

    declnio nas concentraes mdias anuais de benzeno. Cerca de 75% das estaes de

    monitoramento de qualidade do ar registraram nveis de benzeno variando entre 1 e

  • No Brasil, alguns estudos foram conduzidos nos ltimos anos com o intuito de

    identificar as vantagens e limitaes do cido trans, trans-mucnico urinrio como

    indicador de exposio humana a baixas concentraes ambientais de benzeno (Costa,

    2001; Macedo, 1997). Tanto o estudo desenvolvido por Costa (2000), como o

    conduzido por Macedo (1997), foram realizados atravs de avaliao ambiental e

    monitoramento biolgico de trabalhadores expostos a baixas concentraes de benzeno.

    Coutrim (1998), realizou um estudo com vistas ao desenvolvimento de metodologia

    analtica sensvel para a determinao de indicador biolgico de exposio a baixas

    concentraes de benzeno. Estes trs estudos subsidiaram a Comisso Nacional

    Permanente de Acompanhamento do Acordo do Benzeno7 no estabelecimento de

    parmetros normativos de exposio ao benzeno.

    Dispositivos Legais Relacionados Exposio Humana ao Benzeno

    No Brasil, os padres de qualidade do ar, foram estabelecidos pelo Conselho

    Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), atravs da Resoluo n. 003, de 28 de junho

    de 1990, que os define como as concentraes de poluentes atmosfricos que,

    ultrapassadas, podero afetar a sade, a segurana e o bem-estar da populao, bem

    como ocasionar danos flora e fauna, aos materiais e ao meio ambiente em geral. Esta

    Resoluo, que atribui aos estados a competncia para o monitoramento da qualidade do

    ar, define padres apenas para os poluentes clssicos: Partculas Totais em Suspenso,

    Fumaa, Partculas Inalveis, Dixido de Enxofre, Monxido de carbono, Oznio,

    Dixido de Nitrognio. Portanto, com relao qualidade do ar, a legislao brasileira

    no define qualquer valor para a exposio no ocupacional ao benzeno.

    Os dispositivos legais brasileiros que preconizam valores para a exposio

    humana ao benzeno so as referentes qualidade da gua para consumo humano e

    exposio ocupacional.

    A Portaria do Ministrio da Sade n. 1.469, de 29/12/2000, que dispe sobre os

    procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilncia da qualidade da

    7 A Comisso Nacional Permanente do Benzeno - CNPBz, funciona como um frum tripartite (reunindo trabalhadores, empresas e governo) de discusso, negociao e acompanhamento do acordo do benzeno.

    24

  • gua para consumo humano e seu padro de potabilidade, preconiza o valor mximo

    permitido de benzeno na gua igual a 5 g/L, a fim de garantir o seu padro de

    potabilidade.

    A legislao brasileira para a exposio ocupacional ao benzeno, instituda pela

    Secretaria de Segurana e Sade no Trabalho, do Ministrio do Trabalho, atravs da

    Portaria n. 14, de 20/12/1995, considerando a inexistncia de limite seguro para a

    exposio substncia, dada sua comprovada carcinogenicidade, institui o Valor de

    Referncia Tecnolgico (VRT) como:

    a concentrao de benzeno no ar considerada exequvel do ponto de vista tcnico, definido em processo de negociao tripartite. VRT deve ser considerado como referncia para os programas de melhoria contnua das condies dos ambientes de trabalho. O cumprimento do VRT obrigatrio e no exclui risco sade.(Segurana e Medicina do Trabalho, 2002:211).

    Os valores a serem adotados pelas empresas correspondem a 2,5 ppm, para as

    indstrias siderrgicas, e 1,0 ppm, para as qumicas e petroqumicas (Segurana e

    Medicina do Trabalho, 2002:212).

    Com relao legislao internacional, a Organizao Mundial da Sade

    (OMS), em suas diretrizes para a qualidade do ar na Europa, reconhece que o benzeno

    uma substncia carcinognica para os humanos e que nenhum limite seguro de

    exposio pode ser recomendado. Preconiza, ento, o clculo de risco estimado por

    Crump, em 1994, cuja mdia geomtrica das estimativas do excesso de risco de

    leucemia em populaes expostas durante toda a vida a uma concentrao atmosfrica

    de 1g/m3 de benzeno de 6,0 x 10 6. O que equivale a seis casos de leucemia para

    cada um milho de pessoas expostas referida concentrao de benzeno durante toda a

    sua vida. As concentraes de benzeno no ar associadas a um caso de leucemia para

    10.000, 100.000 e 1.000.000 de expostos so, respectivamente, 17, 1,7 e 0,17 g/m3

    (WHO, 2000).

    A US EPA adota o mesmo conceito da OMS e estima o risco de adoecimento

    por leucemia da ordem de 2.5 x 10-6 a 7.1 x 10-6, para a exposio humana continuada

    ao benzeno concentrao de 1g/m3 (US EPA, 1998; IIA, 1998).

    25

  • Os padres adotados na Inglaterra so aqueles preconizados nos Padres

    Nacionais de Qualidade do Ar (National Air Quality Standards), como parte da

    Estratgia Nacional de Qualidade do Ar (National Air Quality Strategy), adotada pelo

    governo em janeiro de 2000, que estabelece a concentrao mdia anual de benzeno

    igual a 5 ppb (16,25 g/m3), a ser obtida at 31 de dezembro de 2003 (UK

    Environmental Agency, 2003).

    Na Alemanha, com a reduo dos nveis de dixido de enxofre (SO2) nas

    cidades e aglomerados urbanos, a ateno est sendo direcionada para a poluio

    atmosfrica gerada pelos veculos, em especial para os xidos de nitrognio (NOX),

    benzeno e fumaa, considerados pela Agncia Ambiental Federal da Alemanha como

    danosos para a sade humana. Com relao ao benzeno pretende-se alcanar o limite

    estabelecido pela Comunidade Europia de 5 g/m3, a partir de 1. de janeiro de 2010

    (Umweltbundesamt, 2002).

    A Comunidade Europia, atravs da Diretriz 96/62/EC, vigente desde novembro

    de 1996, estabeleceu os princpios bsicos para uma estratgia comum a ser adotada

    entre os pases para evitar, prevenir ou reduzir os efeitos deletrios para a sade humana

    e para o meio ambiente decorrentes da poluio atmosfrica. Uma outra diretriz,

    especfica, 2000/69/EC, em vigncia a partir de dezembro de 2000, estabeleceu o limite

    para a concentrao de benzeno, visando a proteo da sade humana, igual a 5g/m3,

    que dever ser alcanada em 1. de janeiro de 2010 (EC, 1996).

    A Contaminao Ambiental por Benzeno em Volta Redonda:

    aspectos de sua complexidade

    Para uma melhor compreenso da problemtica ambiental envolvendo a

    contaminao ambiental pelo benzeno optou-se por apresent-lo em quatro breves

    momentos, os quais so descritos a seguir:

    26

  • Uma breve caracterizao do municpio de Volta Redonda

    O municpio de Volta Redonda est localizado s margens do Rio Paraba do

    Sul, ao sul do Estado do Rio de Janeiro, na regio conhecida como Regio do Mdio

    Paraba. Limita-se ao norte, noroeste e oeste com o municpio de Barra Mansa; a

    sudoeste com Barra Mansa e Rio Claro; ao sul, sudeste e leste, com Pira e Pinheiral; e,

    a nordeste, com Barra do Pira e Pira, conforme pode ser observado no Mapa 2-1

    (IPPU, 1994).

    Volta Redonda abrange uma rea de 182 km2, dos quais 54 km2 correspondem

    ao seu permetro urbano (IPPU, 1994). Segundo o ltimo Censo realizado pelo Instituto

    Brasileiro de Geografia e Estatstica, a populao residente atual corresponde a 242.063

    habitantes, culminando em uma densidade demogrfica de cerca de 1.337,36 hab/km2.

    O rio Paraba do Sul divide Volta Redonda ao meio, estando a rea central do

    Municpio localizada s margens do Rio, em plancie circundada de colinas. A altitude

    da rea varia entre 350 e 707 m acima do nvel do mar (IPPU, 1994).

    O clima de Volta Redonda pode ser considerado como mesotrmico, com

    inverno seco e vero quente e chuvoso. A temperatura mdia mensal de 21 C, sendo a

    mdia mxima anual de 27,8 C e a mdia mnima anual de 16,5 C. A estao chuvosa

    vai de outubro a maro, englobando o vero, com um ndice pluviomtrico anual da

    ordem de 1.337 mm. A umidade relativa do ar alta, 77%, mesmo nos meses de inverno

    (FEEMA, 1999).

    Um breve histrico sobre a formao da cidade

    Originalmente, Volta Redonda era um distrito do municpio de Barra Mansa. A

    partir dos anos 40, a vida do pequeno povoado, com populao inferior a 3.000

    habitantes, comeou a se transformar rapidamente, devido implantao da Companhia

    Siderrgica Nacional (CSN), que anos mais tarde constituiria o maior plo siderrgico

    27

  • do Pas, sendo considerada at os dias atuais como a maior siderrgica da Amrica

    Latina. Alm do processo de desenvolvimento industrial e econmico em curso no Pas,

    na poca, a localizao geogrfica, devido ao eixo virio que interliga as duas maiores

    metrpoles brasileiras, Rio de Janeiro e So Paulo, foi fator preponderante para a

    definio da localizao da indstria.

    A CSN foi criada em 9 de abril de 1941 e no final deste ano comearam a chegar

    em Volta Redonda os primeiros trabalhadores incumbidos da construo da usina. Esses

    pioneiros foram abrigados em barracas armadas nos altos dos morros, enquanto eram

    construdos acampamentos para as famlias operrias. Paralelamente construo da

    usina era implantada a Cidade Operria, cujo projeto previa a construo de 4.000

    habitaes, em rea contgua a da Usina, com total disponibilidade de infra-estrutura e

    diversos equipamentos urbanos (IPPU, 1994).

    O povoado se transformava em um grande canteiro de obras, onde eram duras as

    condies de vida e de trabalho: insalubridade nos alojamentos, tarefas extenuantes,

    jornada de trabalho diria de 10 horas, disciplina rgida no trabalho e casos de represso

    e violncia por parte da polcia da CSN, eram comuns naquele tempo (IPPU, 1994).

    A dcada de 40 conheceu considervel incremento populacional, principalmente

    na sua segunda metade, devido inaugurao da Companhia em 1946. Pessoas oriundas

    de diversas origens, e com diversos interesses, se dirigiam a Volta Redonda. O espao

    urbano comeou a se desenvolver como consequncia da atividade industrial, o

    comrcio e pequenos estabelecimentos de servios eram instalados e a atividade

    industrial, diretamente relacionada produo da CSN, tambm foi estimulada logo nos

    primeiros anos de funcionamento da Usina. Constitui-se no apenas uma usina

    siderrgica, mas uma cidade para atend-la. Em 1948, a Companhia atingia a marca de

    3.003 casas entregues aos trabalhadores. Volta Redonda serve ento como um modelo

    de Company-town (cidade fbrica) que pode ser definido:

    ... cidades ou regies controladas por uma empresa, com dupla perspectiva, de um lado suprir com razovel grau de garantia as necessidade de fora de trabalho, atravs da fixao desta pelo fornecimento de moradia e, por outro lado, estender o domnio da empresa ao mbito privado dos trabalhadores, por meio de vrios mecanismos de disciplinamento.(Gandra, 2000:47).

    28

  • A moradia fornecida pela Empresa, cujo valor do aluguel era deduzido

    diretamente dos salrios e era inferior ao do mercado imobilirio, reproduzia em sua

    construo e localizao a hierarquia presente no interior da Usina (IPPU, 1994). De

    acordo com a escala hierrquica da Empresa, os trabalhadores que ocupavam os

    menores nveis residiam nas reas mais prximas da usina, enquanto aqueles que

    ocupavam altos cargos recebiam moradias mais afastadas, em reas mais nobres. O fato

    , segundo Gandra (2000), que a concesso destas, grandes ou pequena, prximas ou

    distantes, muito contribuiu para a imagem da companhia doadora ou CSN-me.

    Este momento marcado pela grande dicotomia entre a cidade-privada e a

    cidade-pblica, de um lado era erguida uma cidade planejada, sob a tica do

    desenvolvimento econmico, necessrio para o Pas, do outro a populao original

    crescia de forma desordenada, sem qualquer planejamento. Com vistas a melhorias

    urbanas, setores da populao da cidade no planejada se mobilizaram em prol da

    emancipao do distrito, culminando com a criao do municpio de Volta Redonda no

    dia 17 de julho de 1954 (IPPU, 1994).

    O primeiro governo municipal tomou posse no dia 06 de fevereiro de 1955.

    Contudo, a instalao do Municpio no conferiu ao governo local a administrao de

    toda a cidade. A cidade operria continuava a ser gerida pela CSN e a apresentar padro

    fsico-urbanstico de muito melhor qualidade (em termos de infra-estrutura,

    equipamento, servios urbanos, condies habitacionais) que a outra Volta Redonda,

    administrada pela Prefeitura Municipal (IPPU, 1994).

    A partir de 1967, a CSN comeou a se retirar das tarefas urbanas, com a

    transferncia para o Municpio do patrimnio pblico da Empresa ruas, praas etc. e

    encargos decorrentes de sua manuteno. De acordo com Gandra (2000), a ditadura

    militar e sua consequente brutalidade se manifestaram na mudana da relao da CSN

    para com seus empregados e a cidade, ruindo assim as idias de cidade-fbrica e CSN-

    me frente a superexplorao da fora de trabalho num ambiente militarizado de

    trabalho e de busca de produo a qualquer custo somados perseguio aos que se

    levantavam contra esta situao. Em 1. de janeiro de 1968, Prefeitura e CSN assinaram

    um termo de entrega e recebimento dos servios urbanos, dando incio ao processo de

    unificao do espao urbano, ao reunir sob a mesma administrao, a Cidade Operria e

    a Cidade Velha. A venda das casas da Companhia, iniciada em seguida, completou o

    processo de integrao espacial do municpio (IPPU, 1994).

    29

  • MAPA 2-1: LOCALIZAO REGIONAL DE VOLTA REDONDA 30

    30

    rea total: 181 km2 Nmero de habitantes: 242.063

  • Breves comentrios sobre a relao de dependncia econmica entre Cidade e

    Companhia e a inrcia na soluo dos problemas ambientais

    A preponderncia da Companhia sobre as demais atividades da cidade, fez com

    que se estabelecesse uma forte relao de dependncia econmica entre as duas,

    Companhia e Cidade. Esta relao foi acirrada a partir da privatizao da Empresa em 5

    de abril de 1993, haja vista o corte no quadro de funcionrios, passando de 17.768, no

    ano de sua privatizao, para 8.657, na atualidade, tendo chegado a aproximadamente

    23.000, na dcada de 80 (Villela, 2003). Assim, a empregabilidade configurou um dos

    principais problemas sociais decorrentes da privatizao, com reflexo direto sobre a

    inrcia para o enfrentamento dos demais problemas associados relao espao urbano,

    indstria e meio ambiente.

    Um estudo realizado entre 1997 e 1999, pelo Programa de Ps-Graduao em

    Antropologia Social, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro

    (UFRJ, 2000), denominado Participao da populao no controle da poluio

    industrial no Brasil e na Argentina, constatou que o que obstaculiza uma discusso

    mais efetiva frente aos problemas ambientais, que incorpore o conjunto da sociedade,

    a forte relao de dependncia econmica existente entre a Companhia e o Municpio.

    Fato esse que pde ser comprovado com o depoimento de um morador, lder

    comunitrio:

    Aqui em Volta Redonda tem muita gente que ainda tem saudades dos presidentes coronis da CSN. A grande me que era a CSN, a polcia era da CSN, ela trocava carrapeta, dava presente para as crianas no Natal, era a mezona. Todo mundo hoje tem medo de ser demitido (Lder de Associao de Moradores) (UFRJ, 2000:14).

    Segundo o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Volta Redonda

    (IPPU), os interesses da CSN se sobrepuseram historicamente ao da localidade, como

    descrito em um documento oficial: Em Volta Redonda quem merece viver a usina;

    cidade cabe acomodar-se ou retirar-se de sua proximidade. (IPPU, 1994:15). Esta

    afirmativa concretiza a concepo segundo a qual os altos custos ambientais urbano a

    serem arcados pela populao compensam o crescimento econmico, ou seja, as

    31

  • consequncias decorrentes de uma baixa qualidade ambiental seriam o preo a ser pago

    pelo emprego industrial, o acesso habitao e a outros benefcios (Costa, 2000).

    Contaminao ambiental por benzeno: da preocupao ocupacional ambiental

    Segundo Burgess (1997), a indstria siderrgica, em comparao com quaisquer

    outras atividades econmicas, possui os mais diversos problemas de sade do

    trabalhador, dado que as siderrgicas integradas incluem todas as operaes desde o

    manuseio do carvo at o carregamento do produto acabado. Dentre os processos

    industriais da siderurgia, a fabricao de coque a que apresenta a maior variedade de

    partculas, gases e vapores, quando comparada com quaisquer outras instalaes

    industriais (Burgess, 1997). Os principais contaminantes do ar oriundos deste processo

    so o CO, o CO2, o H2S, o SO2, o NH3, hidrocarbonetos aromticos, dentre os quais o

    benzeno, e hidrocarbonetos aromticos polinucleares.

    Ainda de acordo com Burgess (1997):

    "O trabalhador da coqueria est exposto ao p de carvo, emisses de particulados dos fornos de coque, com significativa quantidade de componentes solveis de benzeno, monxido de carbono, dixido de enxofre, e uma vasta gama de outros contaminantes em concentraes menores." (Burgess, 1997:24)

    O problema da poluio qumica por benzeno comeou a ser tratada no

    Municpio, na dcada de 80, sob a vertente da sade do trabalhador. Nesta poca, o

    Sindicato dos Metalrgicos de Volta Redonda identificou cerca de 50 trabalhadores que

    desenvolviam atividades laborativas no interior da CSN com alteraes hematolgicas

    compatveis com intoxicao por benzeno. Esta situao no era diferente da vivificada

    em So Paulo, que envolvia trabalhadores da Companhia Siderrgica Paulista

    (COSIPA), e em vrios outros estados da Federao, que em um perodo de 10 anos

    afastou cerca de 3.331 trabalhadores de suas atividades de trabalho em funo do

    benzenismo, conforme demonstrado no Quadro 2.2 (Fundacentro, 1995). Tanto que

    culminou na realizao de duas grandes campanhas nacionais, promovidas pela

    representao dos trabalhadores, para divulgao da situao junto aos trabalhadores

    expostos ao benzeno (Fundacentro, 1995).

    32

  • Em Volta Redonda, com o apoio do Sindicato dos Metalrgicos, foi criada a

    Associao dos Trabalhadores Portadores de Benzolismo do Sul Fluminense, entidade

    representante dos trabalhadores adoecidos nas discusses sobre seus direitos trabalhistas

    e previdencirios. No decorrer dos anos 90, a Associao tornou-se bastante combativa

    por melhores condies de trabalho no interior da Usina Presidente Vargas e ganhou

    espao na mdia denunciando os casos de trabalhadores intoxicados. A ampla

    visibilidade da atuao da Associao, em conjunto com o Sindicato e com o Sistema

    nico de Sade, gerou uma resposta da Empresa, que valendo-se da sua hegemonia,

    contra argumentou acerca dos casos de leucopenia, afirmando que a etiologia da

    patologia no possua qualquer relao com a substncia qumica, mas sim com outros

    fatores como raa, uso de medicamentos etc. (Bento & Augusto, 1997). E, nesta poca

    sugeria que se a causa do adoecimento era o processo produtivo a soluo seria

    interromp-lo, encerrando as atividades da Empresa no Municpio. Esta situao no s

    assustou a populao, como a dividiu.

    QUADRO 2-2: DISTRIBUIO DOS CASOS DE BENZENISMO NO BRASIL,

    NO PERODO DE 1983 A 1993

    Estado

    Nmero de Trabalhadores Afastados

    Perodo

    Bahia

    351

    Maio/1991 a Junho/1993

    Esprito Santo

    18

    1990 a 1992

    Minas Gerais

    97

    1989 a 1992

    Rio de Janeiro1

    714

    1985 a Junho/1993

    So Paulo

    2.147

    1983 a 1993

    Piau

    04

    1992

    TOTAL

    3.331

    1 Dados relativos ao municpio de Volta Redonda Fonte: FUNDACENTRO, 1995

    33

  • Tambm, nesta poca, um outro conflito ocorria no Municpio, a disputa de duas

    centrais sindicais pelo comando do Sindicato dos Metalrgicos. Nesta disputa, a central

    sindical que comandava o Sindicato, e apoiava a ao da Associao, foi derrotada

    (Gandra, 2000). Consequentemente, pode-se inferir que todos os ataques dirigidos

    parte derrotada, de alguma forma, mesmo que indiretamente, atingiram a Associao.

    Assim, aliada contestao e ameaa por parte da Empresa e ao desgaste da

    Associao, a situao no Municpio ficou polarizada em dois segmentos da sociedade,

    de um lado parte da populao, atingida direta ou indiretamente, pela doena do

    trabalho, e do outro a que negava a situao, talvez estabelecendo uma estratgia

    defensiva para no ter que enfrentar as consequncias sociais de um possvel

    fechamento da Usina (Dejours, 1992). Dado o alcance da discusso no Municpio,

    outras situaes emergiram dos embates entre Empresa e trabalhadores, sendo a

    principal a estigmatizao de qualquer trabalhador que apresentasse a taxa de leuccitos

    reduzida, a leucopenia, fato que os impediam de conseguir emprego mesmo em funes

    que no os expunham substncias mielotxicas.

    A situao dos trabalhadores intoxicados se arrastou, ou melhor, vem se

    arrastando, ao longo dos anos, com momentos de maior intensidade de luta e outros de

    profunda apatia. Contudo, a discusso sobre a contaminao pelo benzeno sempre

    esteve presente no Municpio, em funo dos vrios debates promovidos, ao longo dos

    anos, pela Associao e pela Secretaria Municipal de Sade, atravs do seu Programa de

    Sade do Trabalhador.

    Nos encontros destinados a debater a situao dos trabalhadores adoecidos por

    benzenismo, uma situao peculiar comeou a surgir: a quantidade de pessoas, no

    ocupacionalmente expostas, preocupadas com a contaminao atmosfrica pelo

    benzeno. Normalmente, estas pessoas referiam-se a casos isolados, existentes nos

    bairros, de indivduos com alterao hematolgica, leucopenia, similar a dos

    trabalhadores. Em uma das reunies, ocorrida em 1997, houve um grande debate acerca

    dos casos de neoplasias do Municpio e a possibilidade de relao com a poluio

    atmosfrica. Nesta ocasio, foi apresentado um relatrio preliminar de uma campanha

    de monitoramento da qualidade do ar realizada pela Fundao Estadual de Engenharia

    do Meio Ambiente (FEEMA), que demonstrava as altas concentraes de benzeno na

    atmosfera de Volta Redonda. A afirmao de que o ar do Municpio encontrava-se

    34

  • altamente contaminado pelo benzeno, fez com que vrios segmentos sociais (Conselho

    Municipal de Sade, Secretaria Municipal de Sade, Conselho Gestor de Sade do

    Trabalhador, sindicatos etc.) solicitassem, oficialmente, mais informaes FEEMA,

    que nunca as respondeu (SMS, 1997).

    Em 1999, a FEEMA, divulgou o documento Qualidade do Ar em Volta

    Redonda Relatrio de resultados obtidos atravs de campanhas expeditas de

    monitoramento realizadas de dezembro/95 a maio/96 e de abril a maio/99. Este

    documento to aguardado, mostrava uma poluio considervel no Municpio. Porm,

    segmentos da sociedade no acreditavam nos dados apresentados, sugerindo que o

    decrscimo no nveis de concentrao dos poluentes no poderia condizer com a

    realidade do Municpio, principalmente em funo dos perodos em que foram

    realizadas as campanhas e do reduzido nmero de dias em que foi realizada a segunda

    campanha.

    Em funo desta desconfiana, a Agenda 21 Local, realizou no final de 1999, o I

    Frum Municipal sobre Poluio Atmosfrica de Volta Redonda, que contou com a

    participao, segundo informaes da organizadora do Evento, de aproximadamente, 30

    representantes da sociedade civil organizada de Volta Redonda (associaes de

    moradores, rgos do poder pblico, empresas etc.), para discusso da situao da

    qualidade do ar da cidade (Agenda 21, 1999).

    Logo aps a divulgao do Relatrio, a Companhia Siderrgica Nacional e o

    Governo do Estado do Rio de Janeiro celebraram, em 27 de janeiro de 2000, um Termo

    de Ajustamento de Conduta Ambiental (TAC), atravs do qual a Empresa se

    comprometeu a investir em equipamentos e aes de controle da poluio atmosfrica e

    hdrica, tratamento de resduos slidos, monitoramento, estudos para desativao de

    equipamentos e gesto de risco.

    O acompanhamento da execuo das aes constantes no TAC foi feito pela

    Fundao Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA) e por uma Comisso

    Popular, constituda por representantes de 19 entidades de Volta Redonda (Portugal,

    2000; Dirio do Vale, 2000). Algumas entidades, como a Agenda 21-Local e a Central

    nica dos Trabalhadores (CUT), se recusaram a tomar parte na Comisso. Estes

    segmentos sociais no participaram por discordarem das atribuies da Comisso e,

    35

  • tambm, por julgarem que o principal interesse para a formao do grupo seria a

    legitimao social das aes previstas no TAC, sem uma discusso mais crtica e tcnica

    acerca da eficcia das mesmas (Agenda 21, 2000).

    Em 2001, por ocasio de uma audincia pblica da Comisso de Direitos

    Humanos, da Cmara dos Deputados Federais, realizada em Volta Redonda para

    discusso sobre a contaminao ocupacional por benzeno, dada a demanda de

    representantes da sociedade por respostas acerca dos impactos sobre a sade da

    populao no-ocupacionalmente exposta, a contaminao ambiental pelo benzeno

    passou a ser ponto de discusso entre os rgos da sade envolvidos: Secretarias

    Estadual e Municipal de Sade e Fundao Nacional de Sade (Cmara de Deputados,

    2001).

    No ano seguinte, uma entidade no-governamental, chamada Movimento tica

    na Poltica, divulgou os resultados de sondagens realizadas junto populao, nos anos

    de 1999, 2000, 2001 e 2002, atravs das quais as pessoas externaram suas opinies

    sobre as questes ambientais existentes no Municpio, principalmente aquelas

    relacionadas poluio atmosfrica. Segundo estas sondagens, a populao acredita

    sofrer as consequncias da contaminao atmosfrica e relacionam a leucopenia, dentre

    os impactos sobre a sade associados a este tipo de poluio (MEP, 2001). Assim, fica

    evidente a preocupao da comunidade acerca da alterao hematolgica, leucopenia,

    que acreditam ser em decorrncia da poluio qumica por benzeno. Grande parte dos

    entrevistados atribuiu a existncia de doenas respiratrias e alrgicas emisso de

    poluentes pela Companhia Siderrgica Nacional. Tais resultados foram entregues ao

    poder pblico local, com a exigncia de que fossem tomadas as medidas cabveis para a

    soluo do problema.

    Como pode ser observado, as relaes histricas existentes entre o espao

    urbano, a indstria e o meio ambiente compe um cenrio complexo. Haja vista a

    expanso do espao urbano como consequncia da atividade industrial, no caso a

    siderurgia, culminando na onipresena da empresa poluidora no cotidiano da populao,

    que por sua vez passa a arcar com os altos custos ambientais urbanos. A baixa qualidade

    ambiental, neste contexto, seria o preo a ser pago pelo emprego industrial, pelo acesso

    habitao e a outros benefcios (Costa, 2000; Funtowicz & Ravetz, 1997). Incorpora-

    se a este cenrio a falta de prioridade das questes ambientais urbanas no elenco das

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  • polticas pblicas, aliada falta de credibilidade de parte da sociedade nos rgos

    ambientais.

    Contudo pode-se verificar facilmente, a partir do descrito, que h uma franca

    ampliao dos grupos de discusso, envolvendo todos os