marcelo moreno dos reis
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ESCOLA NACIONAL DE SADE PBLICA
AVALIAO DE RISCO DE BENZENO EM VOLTA REDONDA:
AS INCERTEZAS NA AVALIAO DA EXPOSIO
por
Marcelo Moreno dos Reis
Dissertao apresentada com vistas obteno do ttulo de Mestre em Cincias na rea de Sade Pblica.
Orientadora: Prof. Dr. Maria de Ftima Barrozo da Costa
-
Catalogao na fonte Centro de Informao Cientfica e Tecnolgica Biblioteca da Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca R375a Reis, Marcelo Moreno dos
Avaliao de risco de benzeno em Volta Redonda: as incertezas na avaliao da exposio. / Marcelo Moreno dos Reis. Rio de Janeiro : s.n., 2004.
xii, 74 p.
Orientador: Costa, Maria de Ftima Barrozo da
Dissertao de Mestrado apresentada Escola Nacional de Sade Pblica.
1.Benzeno. 2.Exposio ambiental-efeitos adversos. 3.Medio de risco. I.Ttulo.
CDD - 20.ed. 615.9511
ii
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memria da minha querida
amiga Luciana Rita Lima Silva pela
dedicao e garra nos estudos e na
vida, e pela curta, mas intensa, amizade
que nos uniu.
iii
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AGRADECIMENTOS:
minha famlia, em especial aos meus pais, Humberto e Eli, pelo apoio,
compreenso e carinho;
minha orientadora, Prof. Dr. Maria de Ftima Barrozo da Costa, pela orientao
acadmica, pacincia e compreenso, nos meus momentos de ausncia;
Ao Prof. Dr. Carlos Machado de Freitas, pela orientao, principalmente nos momentos
de definio do objeto deste estudo;
Secretaria Municipal de Sade de Volta Redonda, em especial secretria de sade,
Analice Silva Martins, pelo apoio, mesmo indireto, para a realizao deste trabalho;
Ftima Sueli Neto Ribeiro, da Assessoria de Sade do Trabalhador/SES-RJ, pela
amizade, apoio e incentivo no meu caminho profissional na rea de Sade do
Trabalhador;
Auxiliadora Tavares Vieira, a Dodora, e Vera Regina do Carmo Mendona, a
Verinha, da Secretaria Municipal de Sade de Volta Redonda, pelo constante apoio, e
pelas palavras de fora e carinho durante a realizao desta pesquisa;
Secretaria de Estado de Sade do Rio de Janeiro, pelo apoio financeiro;
Aos companheiros do Programa de Sade do Trabalhador de Volta Redonda;
Ao Clauber Arajo, da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente de
Volta Redonda, e Maria Isabel, da Fundao Estadual de Engenharia do Meio
Ambiente, pelas informaes prestadas;
A todos aqueles que me incentivaram e contriburam, direta ou indiretamente, para a
realizao deste trabalho, em especial aos camaradas Ceclia, Hara e Eluza.
iv
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RESUMO
A exposio humana aos poluentes qumicos pode resultar em efeitos adversos
sade. Com a inteno de determinar a probabilidade dos efeitos sade associados
exposio humana s substncias qumicas, dois mtodos so recomendados pela
Agncia Americana de Proteo Ambiental (US EPA) e pela Agncia Americana para
Substncias Txicas e Registros de Enfermidades (ATSDR), respectivamente,
Avaliao de Riscos e Avaliao de Sade. Uma das etapas das duas metodologias a
Avaliao da Exposio, cujo objetivo a determinao da natureza e extenso do
contato humano com as substncias qumicas.
Buscando contribuir com o campo da sade ambiental no Brasil, este estudo foi
conduzido para analisar os dados ambientais e de sade disponveis para a
caracterizao e avaliao da exposio humana ao benzeno em Volta Redonda/RJ. A
metodologia aplicada consistiu na reviso dos elementos necessrios para a avaliao da
exposio, recomendados pela EPA e ATSDR, e no levantamento das informaes
sobre sade e meio ambiente disponveis no Municpio relacionadas contaminao por
benzeno.
Atualmente, as informaes disponveis em Volta Redonda acerca da exposio
humana ao benzeno so insuficientes para uma adequada avaliao da exposio a esta
substncia, devido s incertezas e variabilidades presentes nos dados das medies da
exposio.
Este estudo ressalta a importncia da integrao de vrias disciplinas e dos
diversos atores sociais, envolvidos em situaes ambientais complexas, como a da
contaminao ambiental por benzeno em Volta Redonda/RJ, na conduo das aes de
avaliao e caracterizao da exposio humana s substncias qumicas. Tambm, a
no validao, ou legitimao, dos dados ambientais disponveis no Municpio, pela
populao, um outro aspecto que deve ser levado em considerao para assegurar que
o gerenciamento de riscos seja apropriado para a proteo da sade humana.
Palavras chaves: Avaliao da Exposio; Avaliao de Risco; Benzeno;
Complexidade; Sade Ambiental.
v
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ABSTRACT
Exposure to chemical pollutants can result in adverse health effects. In attempt
to determine the likelihood of health effects associated with human exposure to
chemicals, two methods are recommended by U.S. Environmental Protection Agency
(US EPA) and by Agency for Toxic Substances and Disease Registry (ATSDR), they
are, respectively, Risk Assessment and Public Health Assessment. One of the steps of
each method is the Exposure Assessment, which has the aim of determining the nature
and extent of humans contact with chemical substances.
In order to contribute to Brazilian environmental health field, this study was
conducted to analyze environmental and health data available to characterize and assess
human exposure to benzene in Volta Redonda/RJ. The methodology applied to it, was a
review of the theoretical elements needs on human exposure assessment, recommended
by EPA and ATSDR, and a survey of environmental and health data available in the
municipality related to benzenes contamination.
Currently, data on humans exposure to benzene available in Volta Redonda are
insufficient to adequately assess exposures to its chemical, due to uncertainty and
variability present in the exposure measurements.
This study highlights the importance of integrating a variety of disciplines and
all of social actors involved in situations of complexity, as the issue of benzene
environmental contamination in Volta Redonda/RJ. Besides, public non-validation of
environmental data available in Volta Redonda is another aspect to be taken into
consideration to ensure risk management appropriately to protect human health.
Key words: Exposure Assessment; Risk Assessment; Benzene; Complexity; Industrial
Cities.
vi
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SUMRIO
LISTA DE FIGURAS........................................................................................................... ix
LISTA DE MAPAS.............................................................................................................. x
LISTA DE QUADROS......................................................................................................... xi
ABREVIATURAS E SIGLAS................................................................................................ xii
INTRODUO....................................................................................................................
01
OBJETIVOS DO ESTUDO...........................................................................................
07
METODOLOGIA.......................................................................................................
08
CAPTULO 1: AVALIAO DE RISCOS: ELEMENTOS NECESSRIOS AVALIAO DA
EXPOSIO..............................................................................................
10
PRINCIPAIS MTODOS DE AVALIAO DOS EFEITOS DAS SUBSTNCIAS
QUMICAS SOBRE A SADE HUMANA......................................................................
10
A AVALIAO DA EXPOSIO................................................................................
12
CAPTULO 2: A COMPLEXIDADE DA CONTAMINAO AMBIENTAL POR BENZENO NO
MUNICPIO DE VOLTA REDONDA............................................................
18
A EXPOSIO AO BENZENO E SEUS IMPACTOS SOBRE A SADE HUMANA.............. 18
DISPOSITIVOS LEGAIS RELACIONADOS EXPOSIO HUMANA AO BENZENO........ 24
A CONTAMINAO AMBIENTAL POR BENZENO EM VOLTA REDONDA: ASPECTOS
DE SUA COMPLEXIDADE..........................................................................................
26
ABORDAGENS INTEGRADORAS E ARTICULAO INTERSETORIAL FRENTE
COMPLEXIDADE DA SITUAO...............................................................................
37
vii
-
CAPTULO 3: AS INFORMAES DISPONVEIS NO MUNICPIO PARA A AVALIAO DA
EXPOSIO HUMANA AO BENZENO........................................................
41
INFORMAES DO SETOR SADE............................................................................ 41
INFORMAES DO SETOR MEIO AMBIENTE............................................................ 42
INFORMAES DE ESTUDOS ACADMICOS............................................................. 53
A QUALIDADE DAS INFORMAES SOBRE EXPOSIO........................................... 54
A VALIDAO SOCIAL DAS INFORMAES............................................................ 57
CONCLUSO..................................................................................................................... 60
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................................... 63
viii
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LISTA DE FIGURAS
2-1 PRINCIPAIS FONTES DE EXPOSIO AO BENZENO PARA FUMANTES, DE
ACORDO COM O ESTUDO TEAM/U.S.EPA. .................................................
20
2-2 PRINCIPAIS FONTES DE EXPOSIO AO BENZENO PARA NO FUMANTES, DE
ACORDO COM O ESTUDO TEAM/U.S.EPA. .................................................
20
ix
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LISTA DE MAPAS
2-1 LOCALIZAO REGIONAL DE VOLTA REDONDA..............................................
30
3-1 MAPA ESQUEMTICO DO MUNICPIO DE VOLTA REDONDA MOSTRANDO A
LOCALIZAO DAS ESTAES AUTOMTICAS DE
MONITORAMENTO................
50
x
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LISTA DE QUADROS
2-1 PROPRIEDADES QUMICAS E FSICAS DO BENZENO..............................................
21
2-2 DISTRIBUIO DOS CASOS DE BENZENISMO NO BRASIL, NO PERODO
DE 1983 A 1993....................................................................................................
33
3-1 CONCENTRAES MDIAS DOS POLUENTES PRIMEIRA CAMPANHA.................. 45
3-2 CONCENTRAES MDIAS DOS POLUENTES SEGUNDA CAMPANHA.................. 46
3-3 CONFIGURAO DA REDE DE MONITORAMENTO DA QUALIDADE DO
AR DO MUNICPIO DE VOLTA REDONDA.............................................................
49
3-4 QUADRO COMPARATIVO ENTRE AS INFORMAES REQUERIDAS
EM UMA AVALIAO DA EXPOSIO E OS DADOS DISPONVEIS
EM VOLTA REDONDA...........................................................................................
59
xi
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ABREVIATURAS E SIGLAS
atm......................... Atmosfera
ATSDR.................. Agency for Toxic Substances and Disease Registry
BTX....................... Benzeno, Tolueno e Xilenos
CNTP..................... Condies Normais de Temperatura e Presso
CO......................... Monxido de Carbono
CONAMA............. Conselho Nacional de Meio Ambiente
COORDEMA........ Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente de Volta Redonda
COSIPA................. Companhia Siderrgica Paulista
COV...................... Compostos orgnicos volteis
CSN....................... Companhia Siderrgica Nacional
EC.......................... European Commission
FEEMA................. Fundao Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
FUNASA............... Fundao Nacional de Sade
Fundacentro........... Fundao Jorge Duprat Figueiredo de Segurana e Medicina do
Trabalho
IARC..................... International Agency for Research on Cancer
IBGE...................... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IIA......................... Istituto Inquinamento Atmosferico
IPCS...................... International Programme on Chemical Safety
IPPU...................... Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Volta Redonda
IQA........................ ndice de Qualidade do Ar
m3.......................... Metro cbico
MACBETH........... Monitoring of Atmospheric Concentration of Benzene in European
Towns and Homes
MEP....................... Movimento tica na Poltica
mg/l........................ Miligrama por litro
mg/m3.................... Miligrama por metro cbico
mmHg.................... Milmetros de mercrio
xii
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NO2........................ Dixido de nitrognio
NOX....................... xidos de nitrognio
C.......................... Graus centgrados
O3........................... Oznio
OMS...................... Organizao Mundial de Sade
PM10...................... Partculas inalveis
PMVR.................... Prefeitura Municipal de Volta Redonda
ppb......................... Partes por bilho
ppm........................ Partes por milho
PTS........................ Partculas Totais em Suspenso
SEMADUR........... Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano
do Rio de Janeiro
SO2........................ Dixido de enxofre
SUS........................ Sistema nico de Sade
TAC....................... Termo de Ajustamento e Conduta
TEAM.................... Total Exposure Assessment Methodology
UFRJ...................... Universidade Federal do Rio de Janeiro
UK......................... United Kingdon
US EPA................. Environmental Protection Agency
VIGISUS............... Projeto de Estruturao da Vigilncia em Sade do Sistema nico de
Sade
VRT....................... Valor de Referncia Tecnolgico
WHO..................... World Health Organization
g/l........................ Micrograma por litro
g/m3..................... Micrograma por metro cbico
xiii
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INTRODUO
Na atualidade as relaes entre o ambiente e a sade continuam sendo objeto da
preocupao de diversos setores da sociedade, como a academia, as organizaes no-
governamentais, o poder pblico, entre outros, em funo da exposio humana a
diversos tipos de agentes agressivos para a sade, principalmente, as substncias
qumicas. Os efeitos sobre a sade podem surgir a curto, mdio e longo prazos e so
relacionados toxicidade das substncias.
Neste contexto, as populaes podem ser atingidas de forma aguda, pelos
acidentes industriais, e de forma crnica, caracterizada pela poluio industrial (Franco
& Druck, 1998).
De maneira abrupta, podem ser citados os acidentes qumicos ampliados,
principalmente aqueles envolvendo emisses acidentais, cuja amplitude pode se dar
tanto em termos espaciais, devido possibilidade de atingir grandes extenses e, um
grande nmero de pessoas, como em termos temporais, uma vez que podem atingir
geraes futuras (Freitas et al., 2000).
O desastre de Bhopal configura um excelente exemplo de acidente qumico
ampliado. Este acidente aconteceu em 1984, na ndia, quando um vazamento na fbrica
da Union Carbide liberou, aproximadamente, 40 toneladas de um coquetel de gases
letais, entre eles o isocianato de metila (GREENPEACE, 2002). Esta emisso txica,
resultou na morte de aproximadamente 8.000 trabalhadores e moradores da regio e
causou leses em mais de 150.000 pessoas (GREENPEACE, 2002).
No Brasil, mais recentemente, em maro de 2003, um derramamento de 1,4
milhes de m3 de efluente industrial, composto basicamente por licor de madeira e soda
custica, proveniente do rompimento da barragem de rejeitos da Fbrica Cataguazes de
Papel, localizada no estado de Minas Gerais, afetou a qualidade das guas dos rios
1
-
Pomba e Paraba do Sul, provocando a interrupo da oferta de gua potvel para uma
populao de aproximadamente 600.000 habitantes, em oito municpios do estado do
Rio de Janeiro (Alecrim, 2003).
Lenta e gradualmente, mas de forma constante, a poluio industrial, presente
nos espaos urbano-industriais, rompe os limites geogrficos das empresas, atingindo
insidiosamente as populaes residentes nas reas circunvizinhas s indstrias. Assim,
as pessoas expostas aos poluentes oriundos dos processos industriais podem adoecer em
funo de agentes agressivos especficos, presentes no ambiente em que vivem. Devido,
na maioria das vezes, a exposio se dar a baixas concentraes dos poluentes, o longo
perodo de latncia entre a exposio e o agravo sade resultante, bem como os
possveis fatores de risco associados ao adoecimento, torna-se difcil estabelecer a
causalidade entre a exposio a certos contaminantes ambientais, de origem
antropognica, e os efeitos deletrios sobre a sade humana.
Situaes como as citadas anteriormente despertam a reao do pblico, por
conta dos efeitos conhecidos ou desconhecidos da poluio, fazendo com que sejam
exigidas respostas e a interveno do Poder Pblico para a mitigao dos impactos,
sobre a sade humana e sobre o ambiente, decorrentes da poluio (Brilhante, 1999).
Portanto, a relao ambiente-sade configura um dos grandes desafios dos
rgos de sade pblica. A incorporao do campo da Sade Ambiental no Sistema
nico de Sade se torna imprescindvel, para que em conjunto com o Setor Meio
Ambiente, seja possvel prover as respostas demandadas pela sociedade acerca dos
riscos ambientais. A estruturao de um sistema de vigilncia ambiental em sade e,
consequentemente, o desenvolvimento de metodologias que permitam estabelecer as
relaes existentes entre possveis efeitos sade decorrentes da exposio a agentes
agressivos presentes no meio ambiente a estratgia que vem sendo adotada pelo Setor
Sade. A Fundao Nacional de Sade (2002), define a Vigilncia Ambiental em Sade
como:
um conjunto de aes que proporcione o conhecimento e a deteco de qualquer mudana nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na sade humana, com a finalidade de identificar as medidas de preveno e controle dos fatores de risco ambientais relacionados s doenas ou outros agravos sade (p.7).
2
-
A Avaliao de Risco um dos instrumentos de anlise empregado atualmente
como uma excelente estratgia para a construo de um sistema de Vigilncia
Ambiental em Sade. De acordo com a Agncia de Proteo Ambiental Americana
(Environmental Protection Agency - US EPA), a Avaliao de Risco definida como
um processo qualitativo e quantitativo conduzido para descrever os potenciais efeitos
adversos sade pblica decorrentes da exposio a substncias perigosas. Este
processo inclui a identificao do perigo, seguido pela avaliao da dose-resposta e pela
avaliao da exposio. Todas estas etapas combinadas geram a caracterizao do risco,
que fornece uma estimativa do risco sade humana resultante da exposio a
determinado agente ambiental, sob circunstncias especficas. A caracterizao do risco
serve como um elo entre a prpria avaliao do risco e o seu gerenciamento,
constituindo-se em uma etapa-chave no processo de tomada de deciso (Corburn, 2002;
Funasa, 2002; IPCS, 1999; Veiga & Fernandes, 1999).
Os processos decisrios, que configuram o gerenciamento do risco,
normalmente, consistem na seleo e implementao de medidas apropriadas para o
controle e preveno de riscos, envolvendo a formulao, ou reformulao, de
legislao, a utilizao de tecnologias de controle e remediao ambiental, a anlise de
custo/benefcio, a aceitao dos riscos e a anlise de seus impactos nas polticas
pblicas (Brilhante, 1999). Todavia, o modelo clssico da avaliao de riscos, pautado
na Toxicologia e na Epidemiologia, no permite uma compreenso das inter-relaes e
interdependncias de todos os atores envolvidos, que compem o meio onde se
desenvolve a questo ambiental. Acarretando, assim, na possibilidade de limitao na
formulao de estratgias de preveno e controle dos riscos (Augusto & Freitas, 1998;
Freitas et al., 2002).
Partindo do princpio que o objetivo principal de uma avaliao de risco
propiciar os subsdios necessrios e, por vezes, imprescindveis para a tomada racional
de deciso por parte do poder pblico, De Marchi e Ravetz (1999), enfatizam que a
compreenso da complexidade do problema o primeiro passo fundamental para um
melhor gerenciamento do risco. Freitas et al.(2002), consideram a relao entre os
vrios atores sociais envolvidos na questo, uma condio essencial para o efetivo
gerenciamento do risco e governana.
3
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Do ponto de vista acadmico, o municpio de Volta Redonda, localizado na
regio Sul, do Estado do Rio de Janeiro, configura um timo exemplo de problema
ambiental complexo. Uma vez que sedia, em sua rea urbana, a maior siderrgica da
Amrica Latina, e traz consigo todos os benefcios e malefcios do processo de
desenvolvimento industrial ocorrido no Pas nas ltimas dcadas. Uma das principais e
mais preocupantes questes ambientais existentes no Municpio a contaminao
ambiental por benzeno. Tal problemtica, configura uma possibilidade mpar de estudo,
haja vista sua vultosa repercusso social, que culmina na formao das chamadas
"comunidades ampliadas de pares", por envolver vrios segmentos sociais envolvidos
na questo (Funtowicz & Ravetz, 1997:220).
A dinmica do desenvolvimento industrial acelerado, e de certa forma
desorganizado de Volta Redonda, aliada aos estudos ambientais sobre qualidade do ar
desenvolvidos pela Fundao Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), no
final da dcada de 90 (FEEMA, 1999), torna patente a necessidade de se dimensionar os
impactos negativos da poluio do ar na sade da populao, caracterizando seus
principais danos, a fim de subsidiar estratgias de controle da qualidade do ar e orientar
aes de ateno sade. Contudo, a contaminao ambiental por benzeno em Volta
Redonda ultrapassa os limites das cincias biomdicas, assumindo a conotao de um
problema de carter socioambiental. Portanto, pode-se inferir que qualquer anlise que
no leve em considerao as repercusses sociais da contaminao qumica pelo
benzeno e as relaes estabelecidas ao longo dos anos entre a Companhia Siderrgica
Nacional (CSN) e o municpio, tende a representar uma fragmentao da realidade
vivida em Volta Redonda, podendo acarretar em propostas limitadas de interveno.
Atualmente, possvel inferir que os problemas causados pelo benzeno
extrapolaram os espaos intrafabril, pois, potencialmente, em virtude da atividade
econmica, no somente os trabalhadores que desenvolvem atividades laborativas em
seu interior podem ser atingidos, mas a populao de uma forma geral, principalmente
aquela parcela que reside ou desenvolve atividades, laborativas ou no, na rea de
influncia dos poluentes (Franco & Druck, 1998).
Assim, h na populao de Volta Redonda a crena de que qualquer pessoa com
reduzido nmero de glbulos brancos seja portadora de doena ocasionada pela
poluio ambiental (Cmara de Deputados, 2001; SMS, 2003a). Esta situao
4
-
observada, empiricamente, na parcela mais carente da populao, principalmente dentre
aqueles que detm menos informaes acerca dos fatores de risco associados alterao
dos glbulos brancos, a leucopenia. Por outro lado, quando se busca fazer uma
discusso mais detalhada dos problemas decorrentes da poluio ambiental, relatando as
causas da doena e as possibilidades de interveno, observa-se um desvio na conduo
da discusso e raramente h a culpabilizao, ou a inteno de responsabilizao, da
Companhia Siderrgica Nacional, como uma das principais geradora da poluio
qumica. Geralmente, o foco da discusso desviado para o trnsito ou para as empresas
com menor influncia sobre a vida da cidade (Agenda 21, 1999). fcil perceber que a
populao e o governo local apesar de sofrerem com as consequncias do
desenvolvimento desordenado de Volta Redonda, no tem condies de lutar contra o
mito da Grande Empresa, pois acredita-se que enfrentar de forma contundente a
situao pode implicar diretamente no encerramento de suas atividades no Municpio, e
consequentemente nos impactos negativos em mbito econmico e social (Agenda 21,
1999).
Este estudo torna-se prioritrio neste momento em funo das iniciativas locais,
por parte do poder pblico, pressionado pelo movimento social, visando a compreenso
dos impactos sobre a sade humana decorrentes da poluio atmosfrica,
principalmente relacionada contaminao por benzeno. E, tambm, em virtude da
maioria dos estudos cientficos desenvolvidos no Pas tendo o benzeno como objeto de
pesquisa serem conduzidos sob a vertente da exposio ocupacional. Pretende-se, com o
presente trabalho, contribuir com o processo de construo da rea da Sade Ambiental
no Sistema nico de Sade (SUS), a partir da anlise dos dados requeridos para a
realizao da avaliao da exposio humana s substncias qumicas e da qualidade
das informaes disponveis, no municpio de Volta Redonda, para a contaminao
ambiental por benzeno.
Esta dissertao composta por trs captulos. No primeiro, apresentada uma
reviso bibliogrfica das metodologias empregadas pela Agncia de Proteo Ambiental
Americana (Environmental Protection Agency / US EPA), pela Agncia Americana
para Substncias Txicas e Registros de Enfermidades (Agency for Toxic Substances
and Diseases Registry / ATSDR) e pelo Programa Internacional de Segurana Qumica
(International Programme on Chemical Safety / IPCS), para a avaliao da exposio
humana s substncias qumicas
5
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O captulo 2 encontra-se dividido em quatro partes e enfoca o problema da
contaminao ambiental pelo benzeno em Volta Redonda / RJ. Nas duas primeiras
partes so apresentadas informaes acerca da substncia qumica, suas principais
fontes de emisso e aspectos toxicolgicos, bem como as legislaes brasileira e
internacional relativas exposio humana ao benzeno. Outro item constituinte do
captulo, descreve os aspectos que tornam a contaminao ambiental por benzeno uma
situao complexa no Municpio. Por fim, so analisadas as informaes organizadas no
captulo e apresentadas possveis formas de abordagem do problema..
No terceiro captulo, feita uma descrio sobre os dados disponveis no
Municpio para a avaliao da exposio ao benzeno, obtidos junto aos rgos estaduais
e municipais de sade e meio ambiente, bem como aqueles disponveis em estudos
cientficos realizados em Volta Redonda. No final do captulo, feito uma discusso
acerca das informaes obtidas no trabalho de campo, as quais so analisadas luz da
reviso bibliogrfica das metodologias empregadas para a avaliao da exposio
humana s substncias qumicas e da legitimao social dos dados de monitoramento da
qualidade do ar de Volta Redonda.
Finalizando a dissertao so apresentadas as concluses do estudo.
6
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OBJETIVOS DO ESTUDO:
Buscando contribuir com o campo da Vigilncia Ambiental em Sade, ora em
construo no Sistema nico de Sade (SUS), os objetivos deste estudo foram:
- Revisar as metodologias de avaliao de risco desenvolvidas pela Agncia de
Proteo Ambiental Americana (Environmental Protection Agency / US
EPA), pela Agncia Americana para Substncias Txicas e Registros de
Enfermidades (Agency for Toxic Substances and Diseases Registry /
ATSDR) e pelo Programa Internacional de Segurana Qumica (International
Programme on Chemical Safety / IPCS);
- Analisar se as informaes disponveis sobre contaminao ambiental por
benzeno possibilitam o desenvolvimento de avaliao de risco sade
pblica decorrente da exposio humana substncia em Volta Redonda;
- Verificar o envolvimento da sociedade no processo de produo e uso das
informaes referentes exposio humana a benzeno em Volta Redonda.
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METODOLOGIA:
A metodologia utilizada para a realizao da anlise qualitativa dos dados
disponveis no municpio de Volta Redonda, para a avaliao da exposio humana ao
benzeno, consistiu das etapas descritas a seguir:
- Pesquisa bibliogrfica e documental:
Foram selecionados os dois principais mtodos de avaliao da exposio
humana, empregados mundialmente, e recomendados pela Agncia de Proteo
Ambiental Americana (Environmental Protection Agency / US EPA) e pela Agncia
Americana para Substncias Txicas e Registros de Enfermidades (Agency for Toxic
Substances and Diseases Registry / ATSDR), respectivamente a Avaliao de Risco e a
Avaliao de Sade.
A partir desta seleo foi realizado levantamento de material bibliogrfico
referente s duas metodologias. Verificou-se tambm o mtodo para avaliao da
exposio recomendado pelo Programa Internacional de Segurana Qumica
(International Programme on Chemical Safety / IPCS), do Programa de Meio Ambiente
das Naes Unidas (United Nations Environment Programme / UNEP).
Foram tambm levantados os estudos cientficos, mais recentes, sobre a
avaliao da exposio humana ao benzeno, bem como os dispositivos legais nacionais
e internacionais relacionados exposio humana ao benzeno, principalmente aqueles
referentes aos parmetros de qualidade do ar.
Outras informaes relevantes para a compreenso do problema em foco, como
os aspectos histricos relacionados formao da cidade e s caractersticas gerais do
Municpio tambm foram pesquisadas.
8
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- Levantamento dos dados disponveis acerca da contaminao ambiental por benzeno
em Volta Redonda:
Estes levantamentos foram conduzidos atravs de observao participante e
dilogos com representantes dos rgos ambientais do Estado e do Municpio
(Viegas,1999).
Durante a observao participante, o pesquisador participou de vrias reunies,
oficinas de trabalho, seminrios, entre outros eventos, realizados no municpio de Volta
Redonda que tiveram como tema central a contaminao por benzeno ou a poluio
atmosfrica. importante frisar que a participao e insero do autor nestes eventos
no se deu somente em funo do estudo, mas tambm na qualidade de coordenador do
Programa de Sade do Trabalhador, ocupado pelo pesquisador na Secretaria Municipal
de Sade de Volta Redonda. Desta forma, o pesquisador viveu, de fato, como um
integrante do problema em estudo (Viegas, 1999).
Os dilogos foram conduzidas com profissionais dos rgos estadual e
municipal de meio ambiente. Essas conversas foram norteadas por perguntas gerais,
abertas, conforme a natureza do objeto e a finalidade da pesquisa, cujo principal
objetivo foi a identificao das aes realizadas por esses rgos frente ao problema da
contaminao ambiental pelo benzeno em Volta Redonda.
- Anlise dos dados:
A anlise dos dados disponveis no Municpio foi feita a partir dos parmetros
para avaliao da exposio humana s substncias qumicas estabelecidos pela EPA,
ATSDR e IPCS, constantes respectivamente no Guidelines for Exposure Assessment
(US EPA, 1992), Public Health Assessment Guidance Manual (ATSDR, 2002) e
Environmental Health Criteria 214 - Human Exposure Assessment (IPCS, 2000).
9
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CAPTULO 1
AVALIAO DE RISCOS:
ELEMENTOS NECESSRIOS AVALIAO DA EXPOSIO
Este captulo encontra-se sistematizado de maneira a propiciar o conhecimento
sobre as principais metodologias empregadas para a avaliao dos efeitos nocivos
sade humana decorrentes da exposio substncias qumicas. Porm, enfatiza uma
das etapas primordiais no estabelecimento da associao sade-ambiente: a Avaliao
da Exposio.
Principais Mtodos de Avaliao dos Efeitos das
Substncias Qumicas sobre a Sade Humana
O conhecimento dos efeitos deletrios sobre a sade humana associados
exposio do homem aos mais diversos agentes ambientais, pode ser obtido atravs das
duas metodologias mais difundidas na atualidade: a Avaliao de Risco metodologia
proposta pela Agncia de Proteo Ambiental Americana (United States Environmental
Protection Agency / US EPA) e difundida pelo Programa Internacional de Segurana
Qumica (International Programme on Chemical Safety / IPCS) e, a Avaliao de
Sade metodologia proposta pela Agncia Americana para Substncias Txicas e
Registros de Enfermidades (Agency for Toxic Substances and Diseases Registry /
ATSDR).
Apesar de ambas as metodologias apresentarem o mesmo objetivo, possuem
distintos enfoques e propsitos, conforme descritos a seguir.
10
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A Avaliao de Risco baseada em evidncias cientficas, e caracteriza o risco1
potencial para a sade pblica, a partir de estimativas de exposies presente e futura a
determinadas concentraes de substncias qumicas. Este processo utilizado pelos
rgos reguladores com a finalidade de subsidiar e definir as aes de gerenciamento do
risco, com vistas eliminao, ou quando esta no for possvel, reduo do risco a um
valor mnimo aceitvel, e possvel de ser alcanado. Normalmente, os resultados da
Avaliao de Risco culminam em legislaes que definem os limites para a exposio
humana s substncias, no planejamento das aes de remediao ambiental a ser
empregadas em situaes especficas e na avaliao destas (IPCS, 1999; Graham et al.,
1992).
Por outro lado, a Avaliao de Sade conduzida para a identificao de
exposies passadas, presentes e futuras associadas a reas contaminadas ou outras
formas de contaminao ambiental e os problemas de sade advindos de tais
exposies, para a determinao das aes de sade pblica necessrias para a proteo
da sade humana. Outro objetivo desta metodologia prover a comunidade com as
informaes obtidas acerca das implicaes sobre a sade decorrente da exposio s
substncias perigosas. Investigaes mais detalhadas da exposio, aes de educao
em sade, adequao dos servios de sade ao problema e aes de vigilncia da sade
das populaes expostas, so algumas das atividades desenvolvidas aps o resultado da
Avaliao (ATSDR, 2002; Brilhante, 1999).
Apesar da diferena entre os propsitos dos mtodos, suas etapas so similares,
principalmente no que tange avaliao da exposio e avaliao toxicolgica. A
Avaliao de Risco composta de quatro etapas distintas e essenciais para a sua
concluso, a saber: Identificao do Perigo, baseada em informaes sobre a toxicidade
da substncia, consiste na identificao das caractersticas capazes de provocarem
efeitos adversos sade; Avaliao Dose-Resposta, refere-se intensidade de um efeito
adverso em relao a dose, administrada ou recebida, de determinada substncia para
um especfico de exposio; Avaliao da Exposio, corresponde uma avaliao
quantitativa e/ou qualitativa para determinar ou estimar a natureza e extenso do contato
experimentado por populaes com substncias qumicas; Caracterizao de Risco,
rene as informaes das trs etapas anteriores e apresenta uma estimativa quantificada
1 O conceito de Risco utilizado neste trabalho equivale quele empregado na toxicologia ambiental, que se refere probabilidade medida ou estimada de dano, doena ou morte causada por um agente qumico em um indivduo a este exposto (Caldas,1999).
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do excesso de risco para o homem provocado pela exposio s substncias txicas
(IPCS, 1999, Veiga & Fernandes, 1999, Freitas et al., 1997; Nurminen, 1996; Upton,
1988). Com relao Avaliao de Sade, ela desenvolvida para a avaliao de stios
contaminados compreendendo, no mnimo, cinco questes: Contextualizao da rea
contaminada, com informaes sobre a histria do local, aes desenvolvidas pelo
poder pblico, entre outros dados relevantes para a compreenso do problema;
Preocupao da comunidade com a sade, incluindo a natureza da preocupao, as
populaes afetadas e outros informaes fornecidas pela comunidade; Informaes
sobre a contaminao e trajetria da exposio, incluindo dados ambientais
disponveis, informaes da maneira como as pessoas se expem substncia perigosa,
informaes sobre as propriedades qumicas, fsicas e toxicolgicas que podem afetar o
destino da substncia no ambiente ou no corpo humano; e, Informaes de efeitos
sade, incluindo estatsticas relevantes sobre cncer, estudos do estado de sade da
populao e dados de monitoramento biolgico (ATSDR, 2002).
Apesar da similaridade entre as etapas dos dois processos, observa-se, contudo,
que a Avaliao de Sade avana em mais uma importante etapa, que a incorporao
da preocupao e do saber da populao frente ao problema ambiental, que pode se
expressar atravs de um efeito particular observado ou temido, como por exemplo o
cncer.
A Avaliao da Exposio
A exposio2 descrita atravs de quatro caractersticas: magnitude, relacionada
concentrao do agente3; durao, representa o tempo que a pessoa permanece em
contato com o agente; frequncia; e, a via, se a entrada da substncia no organismo
ocorre atravs da inalao, ingesto ou absoro drmica (Sexton et al., 1992). A
concentrao da substncia qumica presente no ambiente e no ponto de contato com o
corpo humano, denominada concentrao de exposio, normalmente expressa em
mg/L, mg/kg, g/m3.
2 Neste trabalho adotou-se a definio de exposio proposta pela Agncia de Proteo Ambiental Americana (US EPA), que significa o contato das pessoas com as substncias qumicas, ou outro agente, ao nvel dos limites externos do corpo (pele, boca, narinas etc) durante determinado perodo (US EPA, 1992). 3 Dado o objetivo desta dissertao, o agente ambiental ser tratado sempre como uma substncia qumica, apesar de outros agentes (fsicos e biolgicos) tambm serem objeto de estudos relacionados exposio humana.
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Matematicamente, a exposio pode ser definida como: E = C (t) dt t1
t2
onde: E a magnitude da exposio; C(t) a concentrao de exposio, que varia em
funo do tempo; t o tempo, sendo t2 t1 a durao da exposio (US EPA, 1992;
Lioy, 1990).
A avaliao da exposio uma das etapas dos processos de Avaliao de Risco
e de Avaliao de Sade, que tem como objetivo mensurar ou estimar a concentrao da
exposio e o nmero de pessoas expostas s substncias txicas (IPCS, 2000; Freitas et
al., 1997; Sexton et al., 1992), com vistas a subsidiar os processos decisrios para o
controle e limitao dos riscos decorrentes da exposio (Burke et al., 1992).
A avaliao da exposio humana a um agente ambiental envolve tanto sua
descrio qualitativa, como a estimativa quantificada da exposio e da dose. Embora
duas avaliaes da exposio no sejam exatamente iguais, existem elementos similares
que as permeiam, como: a quantidade de pessoas expostas a concentraes especficas
durante o perodo de interesse; a dose resultante; e a importncia da contribuio das
fontes e trajetrias da contaminao e dos comportamentos ambientais relacionados
exposio e dose (ATSDR 2002; IPCS, 2000).
Para a conduo da avaliao da exposio, vrios elementos so requeridos e a
integrao de todos deve propiciar uma estimativa, com a maior acurcia possvel, da
exposio s substncias txicas experimentadas pelos indivduos.
Os elementos, propostos pela US EPA (1992), ATSDR (2002) e ICPS (2000),
enfatizam a necessidade de em um primeiro momento conhecer detalhadamente, e
qualitativamente, todos os aspectos relacionados contaminao qumica, atravs:
- da identificao das caractersticas fsico-qumicas do poluente, que
exercero grande influncia no transporte e destino do mesmo no meio
ambiente, tais como: presso de vapor, que determina a volatilizao do
poluente; constante de Henry, que reflete a tendncia da substncia passar de
uma soluo lquida para a fase de vapor; entre outras; 13
-
- da identificao dos aspectos toxicolgicos da substncia qumica, que
implicar no impacto sobre a sade humana;
- das principais fontes de contaminao, incluindo os aspectos histricos
relacionados rea contaminada, como incio da contaminao e das formas
de controle adotadas pelos rgos do poder pblico para o seu controle, bem
como a percepo da populao frente poluio qumica;
- do conhecimento das formas em que se d o contato entre as pessoas e os
poluentes, isto , a trajetria da exposio, bem como as vias de seu ingresso
no organismo;
- da identificao da populao potencialmente afetada pelos poluentes,
incluindo a relao dos locais onde ocorrem a exposio s substncias
txicas e o tempo de durao em cada local;
- dos fatores climticos que podero influenciar na disperso dos poluentes.
Aps esta primeira etapa, de carter qualitativo, deve se proceder quantificao
da exposio, que pode ser realizada atravs da avaliao pessoal ou de rea, ou
respectivamente de forma direta ou indireta, segundo Lioy (1990).
A avaliao pessoal inclui dois tipos de medio: (a) amostragem individual, que
consiste na integrao da concentrao da substncia que alcana o organismo com a
durao da exposio, (b) monitoramento biolgico4, se refere quantificao de uma
substncia exgena ou de seus metablitos ou do produto da interao entre o agente
xenobitico com substncias que ocorrem normalmente no corpo humano e, expressa a
exposio total de um indivduo, independente da via de ingresso da substncia no
organismo (IPCS, 2001; Dor et al., 1999; Rappaport et al., 1995; Sexton et al., 1992).
A estimativa da exposio atravs da avaliao de rea, combina as
concentraes do poluente, medidas em locais especficos, com as informaes relativas
s atividades desenvolvidas pelo homem nestes locais (IPCS, 2000). Outras estratgias
utilizadas so a construo de modelos matemticos, que tem o objetivo de predizer a
distribuio da concentrao de exposio para determinada populao, e a aplicao de
questionrios, que visam reconstruir a exposio (IPCS, 2000; Sexton et al., 1992).
4 Na avaliao da exposio so usados apenas os indicadores biolgicos de exposio. Os outros dois tipos de indicadores, de efeito e de suscetibilidade, possuem definies e aplicaes distintas, inclusive em outras etapas do processo de avalio de risco (IPCS, 2001; Rappaport et al., 1995; IPCS, 1993a).
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As trs abordagens usualmente empregadas para a estimativa da exposio so
independentes, uma vez que so baseadas em informaes diferentes. A independncia
das abordagens permite que seja possvel comparar seus resultados, a fim de valid-los e
aumentar a credibilidade da avaliao da exposio. A amostragem pessoal dentre as
estratgias possveis de serem utilizadas a que leva em conta a mobilidade do indivduo
em vrios microambientes5, o que implica em levar em considerao concentraes
ambientais e durao de exposio diferenciadas (Armstrong et al., 1992).
Alguns microambientes so potencialmente importantes para a avaliao da
exposio a poluentes atmosfricos. Os microambientes podem ser definidos em dois
tipos, ambientes externos e ambientes internos. Os ambientes externos incluem as reas
urbanas e rurais, que so influenciados pelas fontes mveis (veculos) e estacionrias
(indstrias). Neste contexto, considerando os poluentes no encontrados nas atividades
agrcolas, as reas rurais devido s suas caractersticas so importantes para a
compreenso da contribuio das fontes antropognicas de poluio do ar, permitindo,
pois, o estabelecimento, ainda que com reservas, de concentraes background6 (basais)
para algumas substncias txicas. Os ambientes internos, podem ser classificados em
ocupacionais e no-ocupacionais (IPCS, 2000).
Alguns estudos cientficos, tem utilizado diferentes estratgias para a estimativa
da exposio do homem s substncias qumicas, como o emprego concomitante de
diferentes abordagens de monitoramento direto e/ou indireto (Egeghy et al., 2000;
Romieu et al., 1999; Ovrebo et al., 1995; Rappaport et al., 1995) ou avaliaes
conduzidas simultaneamente em diferentes microambientes (Meininghaus et al., 2003;
Tashiro & Taniyama, 2002; Meneses et al., 1999).
Finalizando a avaliao da exposio so conduzidos clculos para a estimativa
da dose mdia diria da substncia qumica a que os indivduos so submetidos,
considerando a concentrao da exposio medida, a durao e frequncia da exposio.
Contudo estas variveis podem ser dependentes das atividades humanas e do tempo
desperdiado em cada atividade ou local onde so realizadas. O Exposure Factors
Handbook, editado pela US EPA em 1997, resume as informaes acerca do
comportamento e das caractersticas humanas que podem contribuir para o incremento
5 Denotam locais especficos onde a concentrao do poluente pode ser tratado como homogneo (US EPA, 1997). 6 O termo background deve ser compreendido nesta dissertao como os nveis de uma substncia no ambiente, que ocorrem naturalmente sem a influncia do homem (ATSDR, 2002).
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nos nveis da exposio aos contaminantes ambientais, bem como recomenda valores
padres para esses fatores (US EPA, 1997).
Por fim a avaliao da exposio deve levar em considerao dois fatores, a
variabilidade e a incerteza, que podem afetar a preciso da estimativa da exposio.
A variabilidade est relacionada heterogeneidade da exposio e pode ser
classificada em trs tipos: (a) espacial, refere-se ao gradiente da concentrao da
substncia em diferentes locais, como por exemplo em ambientes internos e externos,
regionalmente em decorrncia de atividades industriais ou em decorrncia de fatores
climticos, como direo do vento, entre outros; (b) temporal, relacionada variao na
durao, se longa ou curta, este tipo de variablidade est relacionada sazonalidade no
desenvolvimento de algumas atividades, s condies climticas, permanncia na
execuo de atividades em reas contaminadas etc., e (c) entre indivduos, refere-se
tanto s caractersticas populacionais, como idade ou peso, quanto s comportamentais,
tais como realizao de atividades, recreacionais, ocupacionais ou do cotidiano (Zhao &
Kaluarachchi, 2002; US EPA, 1997). De acordo com a US EPA (1997), existem quatro
maneiras para lidar com com a variabilidade na avaliao da exposio: ignorar a
variabilidade, estratificar a variabilidade, utilizar um valor mdio e utilizar os valores
mximos e mnimos. Esta ltima forma a mais comum para tratar a variabilidade na
avaliao da exposio, embora em alguns casos pode levar a uma superestimativa da
exposio ou da dose, e, consequentemente, do risco (USEPA, 1997).
As incertezas representam a falta de conhecimento acerca de fatores que
influenciam a exposio ou o risco e levam impreciso da estimativa. As incertezas
podem ser divididas em trs categorias, conforme classificao da US EPA (1992):
- Incerteza relacionada falta de informaes ou informaes incompletas
para uma completa caracterizao da exposio ou dose. Este tipo de
incerteza refere-se ao cenrio da exposio;
- Incerteza relacionada a parmetros, tais como: erros de medies, erros em
amostragens, variabilidades etc. (Moschandreas & Karuchit, 2002);
- Incerteza relacionada falta de conhecimento cientfico necessrio para
realizar inferncias acerca da exposio, est relacionada s incertezas dos
modelos matemticos utilizados.
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Alm das incertezas relacionadas diretamente exposio, importante
que se tenha em mente tambm aquelas referentes toxicologia. As informaes sobre a
toxicidade das substncias qumicas obtidas a partir de estudos em animais apresentam,
no mnimo, dois problemas que devem ser considerados tambm durante a conduo da
avaliao de risco: a) geralmente, os animais em estudos experimentais esto expostos
doses altas da substncia sob estudo, enquanto que a exposio humana, geralmente, se
d em cenrios de baixas doses; 2) os animais e os seres humanos freqentemente
diferem em suscetibilidade, ou seja h diferenas na maneira como diversas espcies
interagem com a substncia a que esto expostas (Eaton & Klaassen, 1996;
Paumgartten, 1993).
Algumas estratgias na reduo das incertezas incluem a coleta de dados
utilizando uma amostra de maior tamanho, o desenho de um estudo com menos vises, a
adoo de monitoramento direto para a quantificao da exposio ou da dose, a seleo
mais apropriada da populao exposta e o uso de modelos matemticos mais
sofisticados (US EPA, 1997).
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CAPTULO 2
A COMPLEXIDADE DA CONTAMINAO AMBIENTAL
POR BENZENO NO MUNICPIO DE VOLTA REDONDA
Este captulo abordar as questes relacionadas contaminao ambiental pelo
benzeno que caracterizaram-na como uma situao complexa, vivificada no Municpio.
Para uma melhor compreenso este captulo encontra-se dividido em trs partes. Na
primeira apresentada uma breve reviso sobre a substncia qumica, com as principais
formas de exposio humana, aspectos toxicolgicos e alguns estudos cientficos
conduzidos acerca da exposio humana ao benzeno. Os dispositivos legais, nacionais e
internacionais, aplicados exposio substncia so tratados na segunda parte do
captulo. A ltima parte faz uma breve apresentao do Municpio, buscando retratar as
situaes que tornam a poluio qumica por benzeno um problema complexo.
A Exposio ao Benzeno e seus Impactos sobre a Sade Humana
O benzeno um hidrocarboneto aromtico, que se apresenta sob a forma lquida
e incolor, nas Condies Normais de Temperatura e Presso (CNTP). um composto
orgnico voltil (COV) altamente inflamvel, possuindo odor caracterstico possvel de
ser identificado no ar em concentraes da ordem de 4,9 mg/m3 e na gua em
concentrao da ordem de 2,0 mg/m3 (ATSDR, 1997).
No ambiente o benzeno pode ser encontrado no ar, gua e solo. Uma das
caractersticas mais importantes desta substncia, com grande repercusso na
contaminao atmosfrica, seu alto poder de volatilizao, devido alta presso de
vapor, da ordem de 95,2 mmHg, a 25 C (IPCS, 1993b). Outras propriedades que
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tambm influenciaro o transporte e o destino da substncia no meio ambiente so
apresentadas no Quadro 2-1.
A liberao do benzeno para o ambiente pode ser feita atravs de fontes naturais
e/ou antropognicas. O fato de ser um componente do petrleo faz com que seja
naturalmente encontrado, na concentrao aproximada de 0,8 g/L, nas proximidades
de depsitos naturais de petrleo e gs natural. A ocorrncia de queimadas em florestas
tambm contribui para sua presena no ambiente (IIA, 1998; IPCS, 1993b). J a
contribuio das fontes antropognicas, estimada em mais de 90%, proveniente da
exausto e do abastecimento de veculos, das emisses industriais e da fumaa do
cigarro. (IIA, 1998; ATSDR, 1997; IPCS, 1993b).
A exposio humana ao benzeno se d principalmente atravs do ar, sendo a via
inalatria a responsvel por mais de 99 % da quantidade de benzeno presente no corpo
humano. A populao de uma forma geral se expe ao benzeno, principalmente, pela
fumaa de cigarro e pela inalao de ar contaminado, em reas com intenso trfego de
veculo e ao redor de postos de combustveis (IIA, 1998; Wallace, 1996). O uso de gua
contaminada para cozinhar, para o banho etc., tambm podem configurar uma fonte de
exposio pela via respiratria em funo da capacidade de volatilizao do benzeno da
gua (Giardino & Wireman, 1998; IIA, 1998). A exposio ao benzeno pode resultar
tambm da ingesto de alimentos ou gua contaminados.
Alm da exposio ambiental, que acomete a populao geral, a exposio pode
se dar tambm ocupacionalmente, em ambientes industriais que utilizam a substncia
em seus processos produtivos. A magnitude da exposio ocupacional ao benzeno
bem superior quela observada para a populao geral.
Dada sua toxicidade, reconhecidamente uma substncia carcinognica para o
homem, (IARC, 1987), a exposio humana ao benzeno tem sido objeto de vrios
estudos cientficos, a nvel mundial, para alm de mensurar a concentrao da exposio
identificar as principais formas de contato.
O Total Exposure Assessment Methodology (TEAM), um dos mais importantes
estudos j conduzido para a avaliao da exposio da populao geral aos compostos
orgnicos volteis, foi realizado no perodo de 1980 a 1987, pela US EPA (Wallace,
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1996). Este estudo contribuiu para uma melhor compreenso das possveis formas de
contaminao pelo benzeno, atravs do monitoramento pessoal de cerca de 800 pessoas,
representando aproximadamente 800.000 pessoas em oito reas dos Estados Unidos
(Wallace, 1996). Foram realizadas tambm medidas do ar em ambientes externos e
internos, medidas de gua potvel e medidas do ar exalado. Os resultados mostraram
quantidades insignificantes de benzeno na gua, em alimentos e bebidas. As
concentraes mdias das amostragens individuais excederam as dos ambientes
internos, que por sua vez foram superiores as dos ambientes externos (Wallace, 1996).
A principal fonte de exposio para os fumantes foi a prpria fumaa de cigarro, j para
os no fumantes a exposio foi derivada principalmente da exausto veicular e das
emisses de vapores de gasolina (ATSDR, 1997), conforme pode ser observado nas
Figuras 2-1 e 2-2 (Wallace, 1996).
No Fumantes Fumantes
F
F
org
tra
tra
Hbito de Fumar89%
Conduo de veculo
2%
Ambiente interno
3%
Ambiente externo
4%
ETS2%
Cve
onduo de culo
19%
Ambieinter
31%
nte no
Ambiente externo
40%
ETS10%
iguras 2-1 e 2-2: Principais fontes de exposio ao benzeno para fumantes e no
fumantes, de acordo com o estudo TEAM/US EPA.
onte: Wallace, 1996.
No Mxico, foram conduzidas avaliaes da exposio humana a compostos
nicos volteis, dentre os quais o benzeno, em funo da emisso veicular. Nestes
balhos, os pesquisadores avaliaram a exposio ao benzeno, de trs grupos de
balhadores da Cidade do Mxico, atravs de amostragens individuais e de medies
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QUADRO 2-1: PROPRIEDADES QUMICAS E FSICAS DO BENZENO
Propriedades Qumicas e Fsicas do Benzeno
(Frmula Qumica: C6H6)
Estado Fsico (CNTP)
Lquido, incolor
Peso Molecular
78,11
Ponto de Fuso
5,5 C
Ponto de Ebulio
80,1 C, a 760 mmHg
Ponto de Fulgor
-11,1 C
Ponto de Auto ignio
498 C
Presso de Vapor (25 C)
95,2 mmHg
Densidade
0,878
Densidade Relativa Vapor
2,7 (ar = 1)
Limites de Odor Ar gua
4,9 mg/m3 2,0 mg/m3
Solubilidade gua Solventes Orgnicos
1800 mg/L, a 25 C miscvel com a maioria
Coeficientes de Partio Log KOW (gua) Log KOC (carbono orgnico)
2,13 1,8 1,9
Constante de Henry
5,5 x 10-3 atm/m3 por mol, a 25 C
Limites de Inflamabilidade
1,3 1,7 %
Fatores de Converso
1 ppm = 3,24 mg/m3, a 20 C e 1 atm 1 mg/m3 = 0,31 ppm
Fontes: ATSDR (1997), IPCS (1993b)
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da concentrao no sangue. Os resultados mostraram diferenas significativas. A
concentrao de exposio e os nveis de benzeno no sangue do grupo de trabalhadores
de postos de gasolina foi maior que a dos grupos de vendedores de rua e dos
trabalhadores de escritrios (Romieu et al., 1999; Meneses et al., 1999).
Gilli et al. (1996), demonstrou a contribuio da fumaa do cigarro na exposio
ao benzeno. Atravs do monitoramento individual de 88 alunos, detectou-se uma maior
exposio dos fumantes ativos (35,09 ppb), em relao aos fumantes passivos (28,55
ppb) e aos no fumantes (21,9 ppb). Os autores observaram que a exposio ao benzeno
proporcional intensidade fumaa do cigarro.
Vrios estudos, reportados por Wallace (1996), tem demonstrado as diferenas
existentes entre as concentraes de exposio em ambientes internos e externos e nas
exposies individuais. As amostragens individuais tem apresentado concentraes
maiores de benzeno, que aquelas observadas nos ambientes internos, que por sua vez
so maiores que os medidos nos ambientes externos (Wallace, 1996). Esta diferena
est normalmente associada s atividades desenvolvidas pelas pessoas em
microambientes distintos e o seu tempo de durao (Gilli et al., 1996).
Outra importante informao advinda das pesquisas se refere diferena da
concentrao de benzeno observada em diferentes estaes do ano, principalmente
durante o inverno e o vero. Em um estudos realizado no Alaska, foram identificados
concentraes de benzeno em amostragens individuais, ambiente interno e ambiente
externo da ordem de 20, 15 e 5 g/m3, respectivamente, durante o vero, e da ordem de
28, 25 e 11 g/m3, durante o inverno (IIA, 1998; Wallace, 1996).
Alm de estudos como os relatados anteriormente, algumas aes de
monitoramento tem sido conduzidas pelos rgos governamentais de alguns pases da
Europa, objetivando subsidiar a tomada de decises para o controle das emisses.
Um projeto financiado pela Comunidade Europia, denominado MACBETH
(Monitoring of Atmospheric Concentration of Benzene in European Towns and Homes),
foi conduzido para subsidi-la na formulao de legislao para o controle do nvel de
poluio urbana por benzeno. Atravs deste Projeto foram realizadas seis campanhas de
monitoramento da concentrao de benzeno em ambientes externos, internos e atravs
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de monitorizao individual, em seis cidades da Europa, em diferentes pases, durante
os anos de 1997 e 1998. Os resultados preliminares mostraram uma variao no nveis
de benzeno em ambientes externos de 6,1 g/m3, em Copenhagen, a 31,0 g/m3, em
Murcia. Nos ambientes internos as concentraes encontradas variaram de 4,0 g/m3,
em Copenhagen, a 23,0 g/m3, em Atenas. Os monitoramentos individuais apontaram
para um exposio da ordem de 8,2g/m3, em Copenhagen, e 37,4g/m3, em Murcia
(FSM, 2003).
No perodo de 1995 a 2000, a Agncia Ambiental da Alemanha registrou um
declnio nas concentraes mdias anuais de benzeno. Cerca de 75% das estaes de
monitoramento de qualidade do ar registraram nveis de benzeno variando entre 1 e
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No Brasil, alguns estudos foram conduzidos nos ltimos anos com o intuito de
identificar as vantagens e limitaes do cido trans, trans-mucnico urinrio como
indicador de exposio humana a baixas concentraes ambientais de benzeno (Costa,
2001; Macedo, 1997). Tanto o estudo desenvolvido por Costa (2000), como o
conduzido por Macedo (1997), foram realizados atravs de avaliao ambiental e
monitoramento biolgico de trabalhadores expostos a baixas concentraes de benzeno.
Coutrim (1998), realizou um estudo com vistas ao desenvolvimento de metodologia
analtica sensvel para a determinao de indicador biolgico de exposio a baixas
concentraes de benzeno. Estes trs estudos subsidiaram a Comisso Nacional
Permanente de Acompanhamento do Acordo do Benzeno7 no estabelecimento de
parmetros normativos de exposio ao benzeno.
Dispositivos Legais Relacionados Exposio Humana ao Benzeno
No Brasil, os padres de qualidade do ar, foram estabelecidos pelo Conselho
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), atravs da Resoluo n. 003, de 28 de junho
de 1990, que os define como as concentraes de poluentes atmosfricos que,
ultrapassadas, podero afetar a sade, a segurana e o bem-estar da populao, bem
como ocasionar danos flora e fauna, aos materiais e ao meio ambiente em geral. Esta
Resoluo, que atribui aos estados a competncia para o monitoramento da qualidade do
ar, define padres apenas para os poluentes clssicos: Partculas Totais em Suspenso,
Fumaa, Partculas Inalveis, Dixido de Enxofre, Monxido de carbono, Oznio,
Dixido de Nitrognio. Portanto, com relao qualidade do ar, a legislao brasileira
no define qualquer valor para a exposio no ocupacional ao benzeno.
Os dispositivos legais brasileiros que preconizam valores para a exposio
humana ao benzeno so as referentes qualidade da gua para consumo humano e
exposio ocupacional.
A Portaria do Ministrio da Sade n. 1.469, de 29/12/2000, que dispe sobre os
procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilncia da qualidade da
7 A Comisso Nacional Permanente do Benzeno - CNPBz, funciona como um frum tripartite (reunindo trabalhadores, empresas e governo) de discusso, negociao e acompanhamento do acordo do benzeno.
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gua para consumo humano e seu padro de potabilidade, preconiza o valor mximo
permitido de benzeno na gua igual a 5 g/L, a fim de garantir o seu padro de
potabilidade.
A legislao brasileira para a exposio ocupacional ao benzeno, instituda pela
Secretaria de Segurana e Sade no Trabalho, do Ministrio do Trabalho, atravs da
Portaria n. 14, de 20/12/1995, considerando a inexistncia de limite seguro para a
exposio substncia, dada sua comprovada carcinogenicidade, institui o Valor de
Referncia Tecnolgico (VRT) como:
a concentrao de benzeno no ar considerada exequvel do ponto de vista tcnico, definido em processo de negociao tripartite. VRT deve ser considerado como referncia para os programas de melhoria contnua das condies dos ambientes de trabalho. O cumprimento do VRT obrigatrio e no exclui risco sade.(Segurana e Medicina do Trabalho, 2002:211).
Os valores a serem adotados pelas empresas correspondem a 2,5 ppm, para as
indstrias siderrgicas, e 1,0 ppm, para as qumicas e petroqumicas (Segurana e
Medicina do Trabalho, 2002:212).
Com relao legislao internacional, a Organizao Mundial da Sade
(OMS), em suas diretrizes para a qualidade do ar na Europa, reconhece que o benzeno
uma substncia carcinognica para os humanos e que nenhum limite seguro de
exposio pode ser recomendado. Preconiza, ento, o clculo de risco estimado por
Crump, em 1994, cuja mdia geomtrica das estimativas do excesso de risco de
leucemia em populaes expostas durante toda a vida a uma concentrao atmosfrica
de 1g/m3 de benzeno de 6,0 x 10 6. O que equivale a seis casos de leucemia para
cada um milho de pessoas expostas referida concentrao de benzeno durante toda a
sua vida. As concentraes de benzeno no ar associadas a um caso de leucemia para
10.000, 100.000 e 1.000.000 de expostos so, respectivamente, 17, 1,7 e 0,17 g/m3
(WHO, 2000).
A US EPA adota o mesmo conceito da OMS e estima o risco de adoecimento
por leucemia da ordem de 2.5 x 10-6 a 7.1 x 10-6, para a exposio humana continuada
ao benzeno concentrao de 1g/m3 (US EPA, 1998; IIA, 1998).
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Os padres adotados na Inglaterra so aqueles preconizados nos Padres
Nacionais de Qualidade do Ar (National Air Quality Standards), como parte da
Estratgia Nacional de Qualidade do Ar (National Air Quality Strategy), adotada pelo
governo em janeiro de 2000, que estabelece a concentrao mdia anual de benzeno
igual a 5 ppb (16,25 g/m3), a ser obtida at 31 de dezembro de 2003 (UK
Environmental Agency, 2003).
Na Alemanha, com a reduo dos nveis de dixido de enxofre (SO2) nas
cidades e aglomerados urbanos, a ateno est sendo direcionada para a poluio
atmosfrica gerada pelos veculos, em especial para os xidos de nitrognio (NOX),
benzeno e fumaa, considerados pela Agncia Ambiental Federal da Alemanha como
danosos para a sade humana. Com relao ao benzeno pretende-se alcanar o limite
estabelecido pela Comunidade Europia de 5 g/m3, a partir de 1. de janeiro de 2010
(Umweltbundesamt, 2002).
A Comunidade Europia, atravs da Diretriz 96/62/EC, vigente desde novembro
de 1996, estabeleceu os princpios bsicos para uma estratgia comum a ser adotada
entre os pases para evitar, prevenir ou reduzir os efeitos deletrios para a sade humana
e para o meio ambiente decorrentes da poluio atmosfrica. Uma outra diretriz,
especfica, 2000/69/EC, em vigncia a partir de dezembro de 2000, estabeleceu o limite
para a concentrao de benzeno, visando a proteo da sade humana, igual a 5g/m3,
que dever ser alcanada em 1. de janeiro de 2010 (EC, 1996).
A Contaminao Ambiental por Benzeno em Volta Redonda:
aspectos de sua complexidade
Para uma melhor compreenso da problemtica ambiental envolvendo a
contaminao ambiental pelo benzeno optou-se por apresent-lo em quatro breves
momentos, os quais so descritos a seguir:
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Uma breve caracterizao do municpio de Volta Redonda
O municpio de Volta Redonda est localizado s margens do Rio Paraba do
Sul, ao sul do Estado do Rio de Janeiro, na regio conhecida como Regio do Mdio
Paraba. Limita-se ao norte, noroeste e oeste com o municpio de Barra Mansa; a
sudoeste com Barra Mansa e Rio Claro; ao sul, sudeste e leste, com Pira e Pinheiral; e,
a nordeste, com Barra do Pira e Pira, conforme pode ser observado no Mapa 2-1
(IPPU, 1994).
Volta Redonda abrange uma rea de 182 km2, dos quais 54 km2 correspondem
ao seu permetro urbano (IPPU, 1994). Segundo o ltimo Censo realizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica, a populao residente atual corresponde a 242.063
habitantes, culminando em uma densidade demogrfica de cerca de 1.337,36 hab/km2.
O rio Paraba do Sul divide Volta Redonda ao meio, estando a rea central do
Municpio localizada s margens do Rio, em plancie circundada de colinas. A altitude
da rea varia entre 350 e 707 m acima do nvel do mar (IPPU, 1994).
O clima de Volta Redonda pode ser considerado como mesotrmico, com
inverno seco e vero quente e chuvoso. A temperatura mdia mensal de 21 C, sendo a
mdia mxima anual de 27,8 C e a mdia mnima anual de 16,5 C. A estao chuvosa
vai de outubro a maro, englobando o vero, com um ndice pluviomtrico anual da
ordem de 1.337 mm. A umidade relativa do ar alta, 77%, mesmo nos meses de inverno
(FEEMA, 1999).
Um breve histrico sobre a formao da cidade
Originalmente, Volta Redonda era um distrito do municpio de Barra Mansa. A
partir dos anos 40, a vida do pequeno povoado, com populao inferior a 3.000
habitantes, comeou a se transformar rapidamente, devido implantao da Companhia
Siderrgica Nacional (CSN), que anos mais tarde constituiria o maior plo siderrgico
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do Pas, sendo considerada at os dias atuais como a maior siderrgica da Amrica
Latina. Alm do processo de desenvolvimento industrial e econmico em curso no Pas,
na poca, a localizao geogrfica, devido ao eixo virio que interliga as duas maiores
metrpoles brasileiras, Rio de Janeiro e So Paulo, foi fator preponderante para a
definio da localizao da indstria.
A CSN foi criada em 9 de abril de 1941 e no final deste ano comearam a chegar
em Volta Redonda os primeiros trabalhadores incumbidos da construo da usina. Esses
pioneiros foram abrigados em barracas armadas nos altos dos morros, enquanto eram
construdos acampamentos para as famlias operrias. Paralelamente construo da
usina era implantada a Cidade Operria, cujo projeto previa a construo de 4.000
habitaes, em rea contgua a da Usina, com total disponibilidade de infra-estrutura e
diversos equipamentos urbanos (IPPU, 1994).
O povoado se transformava em um grande canteiro de obras, onde eram duras as
condies de vida e de trabalho: insalubridade nos alojamentos, tarefas extenuantes,
jornada de trabalho diria de 10 horas, disciplina rgida no trabalho e casos de represso
e violncia por parte da polcia da CSN, eram comuns naquele tempo (IPPU, 1994).
A dcada de 40 conheceu considervel incremento populacional, principalmente
na sua segunda metade, devido inaugurao da Companhia em 1946. Pessoas oriundas
de diversas origens, e com diversos interesses, se dirigiam a Volta Redonda. O espao
urbano comeou a se desenvolver como consequncia da atividade industrial, o
comrcio e pequenos estabelecimentos de servios eram instalados e a atividade
industrial, diretamente relacionada produo da CSN, tambm foi estimulada logo nos
primeiros anos de funcionamento da Usina. Constitui-se no apenas uma usina
siderrgica, mas uma cidade para atend-la. Em 1948, a Companhia atingia a marca de
3.003 casas entregues aos trabalhadores. Volta Redonda serve ento como um modelo
de Company-town (cidade fbrica) que pode ser definido:
... cidades ou regies controladas por uma empresa, com dupla perspectiva, de um lado suprir com razovel grau de garantia as necessidade de fora de trabalho, atravs da fixao desta pelo fornecimento de moradia e, por outro lado, estender o domnio da empresa ao mbito privado dos trabalhadores, por meio de vrios mecanismos de disciplinamento.(Gandra, 2000:47).
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A moradia fornecida pela Empresa, cujo valor do aluguel era deduzido
diretamente dos salrios e era inferior ao do mercado imobilirio, reproduzia em sua
construo e localizao a hierarquia presente no interior da Usina (IPPU, 1994). De
acordo com a escala hierrquica da Empresa, os trabalhadores que ocupavam os
menores nveis residiam nas reas mais prximas da usina, enquanto aqueles que
ocupavam altos cargos recebiam moradias mais afastadas, em reas mais nobres. O fato
, segundo Gandra (2000), que a concesso destas, grandes ou pequena, prximas ou
distantes, muito contribuiu para a imagem da companhia doadora ou CSN-me.
Este momento marcado pela grande dicotomia entre a cidade-privada e a
cidade-pblica, de um lado era erguida uma cidade planejada, sob a tica do
desenvolvimento econmico, necessrio para o Pas, do outro a populao original
crescia de forma desordenada, sem qualquer planejamento. Com vistas a melhorias
urbanas, setores da populao da cidade no planejada se mobilizaram em prol da
emancipao do distrito, culminando com a criao do municpio de Volta Redonda no
dia 17 de julho de 1954 (IPPU, 1994).
O primeiro governo municipal tomou posse no dia 06 de fevereiro de 1955.
Contudo, a instalao do Municpio no conferiu ao governo local a administrao de
toda a cidade. A cidade operria continuava a ser gerida pela CSN e a apresentar padro
fsico-urbanstico de muito melhor qualidade (em termos de infra-estrutura,
equipamento, servios urbanos, condies habitacionais) que a outra Volta Redonda,
administrada pela Prefeitura Municipal (IPPU, 1994).
A partir de 1967, a CSN comeou a se retirar das tarefas urbanas, com a
transferncia para o Municpio do patrimnio pblico da Empresa ruas, praas etc. e
encargos decorrentes de sua manuteno. De acordo com Gandra (2000), a ditadura
militar e sua consequente brutalidade se manifestaram na mudana da relao da CSN
para com seus empregados e a cidade, ruindo assim as idias de cidade-fbrica e CSN-
me frente a superexplorao da fora de trabalho num ambiente militarizado de
trabalho e de busca de produo a qualquer custo somados perseguio aos que se
levantavam contra esta situao. Em 1. de janeiro de 1968, Prefeitura e CSN assinaram
um termo de entrega e recebimento dos servios urbanos, dando incio ao processo de
unificao do espao urbano, ao reunir sob a mesma administrao, a Cidade Operria e
a Cidade Velha. A venda das casas da Companhia, iniciada em seguida, completou o
processo de integrao espacial do municpio (IPPU, 1994).
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MAPA 2-1: LOCALIZAO REGIONAL DE VOLTA REDONDA 30
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rea total: 181 km2 Nmero de habitantes: 242.063
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Breves comentrios sobre a relao de dependncia econmica entre Cidade e
Companhia e a inrcia na soluo dos problemas ambientais
A preponderncia da Companhia sobre as demais atividades da cidade, fez com
que se estabelecesse uma forte relao de dependncia econmica entre as duas,
Companhia e Cidade. Esta relao foi acirrada a partir da privatizao da Empresa em 5
de abril de 1993, haja vista o corte no quadro de funcionrios, passando de 17.768, no
ano de sua privatizao, para 8.657, na atualidade, tendo chegado a aproximadamente
23.000, na dcada de 80 (Villela, 2003). Assim, a empregabilidade configurou um dos
principais problemas sociais decorrentes da privatizao, com reflexo direto sobre a
inrcia para o enfrentamento dos demais problemas associados relao espao urbano,
indstria e meio ambiente.
Um estudo realizado entre 1997 e 1999, pelo Programa de Ps-Graduao em
Antropologia Social, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ, 2000), denominado Participao da populao no controle da poluio
industrial no Brasil e na Argentina, constatou que o que obstaculiza uma discusso
mais efetiva frente aos problemas ambientais, que incorpore o conjunto da sociedade,
a forte relao de dependncia econmica existente entre a Companhia e o Municpio.
Fato esse que pde ser comprovado com o depoimento de um morador, lder
comunitrio:
Aqui em Volta Redonda tem muita gente que ainda tem saudades dos presidentes coronis da CSN. A grande me que era a CSN, a polcia era da CSN, ela trocava carrapeta, dava presente para as crianas no Natal, era a mezona. Todo mundo hoje tem medo de ser demitido (Lder de Associao de Moradores) (UFRJ, 2000:14).
Segundo o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Volta Redonda
(IPPU), os interesses da CSN se sobrepuseram historicamente ao da localidade, como
descrito em um documento oficial: Em Volta Redonda quem merece viver a usina;
cidade cabe acomodar-se ou retirar-se de sua proximidade. (IPPU, 1994:15). Esta
afirmativa concretiza a concepo segundo a qual os altos custos ambientais urbano a
serem arcados pela populao compensam o crescimento econmico, ou seja, as
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consequncias decorrentes de uma baixa qualidade ambiental seriam o preo a ser pago
pelo emprego industrial, o acesso habitao e a outros benefcios (Costa, 2000).
Contaminao ambiental por benzeno: da preocupao ocupacional ambiental
Segundo Burgess (1997), a indstria siderrgica, em comparao com quaisquer
outras atividades econmicas, possui os mais diversos problemas de sade do
trabalhador, dado que as siderrgicas integradas incluem todas as operaes desde o
manuseio do carvo at o carregamento do produto acabado. Dentre os processos
industriais da siderurgia, a fabricao de coque a que apresenta a maior variedade de
partculas, gases e vapores, quando comparada com quaisquer outras instalaes
industriais (Burgess, 1997). Os principais contaminantes do ar oriundos deste processo
so o CO, o CO2, o H2S, o SO2, o NH3, hidrocarbonetos aromticos, dentre os quais o
benzeno, e hidrocarbonetos aromticos polinucleares.
Ainda de acordo com Burgess (1997):
"O trabalhador da coqueria est exposto ao p de carvo, emisses de particulados dos fornos de coque, com significativa quantidade de componentes solveis de benzeno, monxido de carbono, dixido de enxofre, e uma vasta gama de outros contaminantes em concentraes menores." (Burgess, 1997:24)
O problema da poluio qumica por benzeno comeou a ser tratada no
Municpio, na dcada de 80, sob a vertente da sade do trabalhador. Nesta poca, o
Sindicato dos Metalrgicos de Volta Redonda identificou cerca de 50 trabalhadores que
desenvolviam atividades laborativas no interior da CSN com alteraes hematolgicas
compatveis com intoxicao por benzeno. Esta situao no era diferente da vivificada
em So Paulo, que envolvia trabalhadores da Companhia Siderrgica Paulista
(COSIPA), e em vrios outros estados da Federao, que em um perodo de 10 anos
afastou cerca de 3.331 trabalhadores de suas atividades de trabalho em funo do
benzenismo, conforme demonstrado no Quadro 2.2 (Fundacentro, 1995). Tanto que
culminou na realizao de duas grandes campanhas nacionais, promovidas pela
representao dos trabalhadores, para divulgao da situao junto aos trabalhadores
expostos ao benzeno (Fundacentro, 1995).
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Em Volta Redonda, com o apoio do Sindicato dos Metalrgicos, foi criada a
Associao dos Trabalhadores Portadores de Benzolismo do Sul Fluminense, entidade
representante dos trabalhadores adoecidos nas discusses sobre seus direitos trabalhistas
e previdencirios. No decorrer dos anos 90, a Associao tornou-se bastante combativa
por melhores condies de trabalho no interior da Usina Presidente Vargas e ganhou
espao na mdia denunciando os casos de trabalhadores intoxicados. A ampla
visibilidade da atuao da Associao, em conjunto com o Sindicato e com o Sistema
nico de Sade, gerou uma resposta da Empresa, que valendo-se da sua hegemonia,
contra argumentou acerca dos casos de leucopenia, afirmando que a etiologia da
patologia no possua qualquer relao com a substncia qumica, mas sim com outros
fatores como raa, uso de medicamentos etc. (Bento & Augusto, 1997). E, nesta poca
sugeria que se a causa do adoecimento era o processo produtivo a soluo seria
interromp-lo, encerrando as atividades da Empresa no Municpio. Esta situao no s
assustou a populao, como a dividiu.
QUADRO 2-2: DISTRIBUIO DOS CASOS DE BENZENISMO NO BRASIL,
NO PERODO DE 1983 A 1993
Estado
Nmero de Trabalhadores Afastados
Perodo
Bahia
351
Maio/1991 a Junho/1993
Esprito Santo
18
1990 a 1992
Minas Gerais
97
1989 a 1992
Rio de Janeiro1
714
1985 a Junho/1993
So Paulo
2.147
1983 a 1993
Piau
04
1992
TOTAL
3.331
1 Dados relativos ao municpio de Volta Redonda Fonte: FUNDACENTRO, 1995
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Tambm, nesta poca, um outro conflito ocorria no Municpio, a disputa de duas
centrais sindicais pelo comando do Sindicato dos Metalrgicos. Nesta disputa, a central
sindical que comandava o Sindicato, e apoiava a ao da Associao, foi derrotada
(Gandra, 2000). Consequentemente, pode-se inferir que todos os ataques dirigidos
parte derrotada, de alguma forma, mesmo que indiretamente, atingiram a Associao.
Assim, aliada contestao e ameaa por parte da Empresa e ao desgaste da
Associao, a situao no Municpio ficou polarizada em dois segmentos da sociedade,
de um lado parte da populao, atingida direta ou indiretamente, pela doena do
trabalho, e do outro a que negava a situao, talvez estabelecendo uma estratgia
defensiva para no ter que enfrentar as consequncias sociais de um possvel
fechamento da Usina (Dejours, 1992). Dado o alcance da discusso no Municpio,
outras situaes emergiram dos embates entre Empresa e trabalhadores, sendo a
principal a estigmatizao de qualquer trabalhador que apresentasse a taxa de leuccitos
reduzida, a leucopenia, fato que os impediam de conseguir emprego mesmo em funes
que no os expunham substncias mielotxicas.
A situao dos trabalhadores intoxicados se arrastou, ou melhor, vem se
arrastando, ao longo dos anos, com momentos de maior intensidade de luta e outros de
profunda apatia. Contudo, a discusso sobre a contaminao pelo benzeno sempre
esteve presente no Municpio, em funo dos vrios debates promovidos, ao longo dos
anos, pela Associao e pela Secretaria Municipal de Sade, atravs do seu Programa de
Sade do Trabalhador.
Nos encontros destinados a debater a situao dos trabalhadores adoecidos por
benzenismo, uma situao peculiar comeou a surgir: a quantidade de pessoas, no
ocupacionalmente expostas, preocupadas com a contaminao atmosfrica pelo
benzeno. Normalmente, estas pessoas referiam-se a casos isolados, existentes nos
bairros, de indivduos com alterao hematolgica, leucopenia, similar a dos
trabalhadores. Em uma das reunies, ocorrida em 1997, houve um grande debate acerca
dos casos de neoplasias do Municpio e a possibilidade de relao com a poluio
atmosfrica. Nesta ocasio, foi apresentado um relatrio preliminar de uma campanha
de monitoramento da qualidade do ar realizada pela Fundao Estadual de Engenharia
do Meio Ambiente (FEEMA), que demonstrava as altas concentraes de benzeno na
atmosfera de Volta Redonda. A afirmao de que o ar do Municpio encontrava-se
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altamente contaminado pelo benzeno, fez com que vrios segmentos sociais (Conselho
Municipal de Sade, Secretaria Municipal de Sade, Conselho Gestor de Sade do
Trabalhador, sindicatos etc.) solicitassem, oficialmente, mais informaes FEEMA,
que nunca as respondeu (SMS, 1997).
Em 1999, a FEEMA, divulgou o documento Qualidade do Ar em Volta
Redonda Relatrio de resultados obtidos atravs de campanhas expeditas de
monitoramento realizadas de dezembro/95 a maio/96 e de abril a maio/99. Este
documento to aguardado, mostrava uma poluio considervel no Municpio. Porm,
segmentos da sociedade no acreditavam nos dados apresentados, sugerindo que o
decrscimo no nveis de concentrao dos poluentes no poderia condizer com a
realidade do Municpio, principalmente em funo dos perodos em que foram
realizadas as campanhas e do reduzido nmero de dias em que foi realizada a segunda
campanha.
Em funo desta desconfiana, a Agenda 21 Local, realizou no final de 1999, o I
Frum Municipal sobre Poluio Atmosfrica de Volta Redonda, que contou com a
participao, segundo informaes da organizadora do Evento, de aproximadamente, 30
representantes da sociedade civil organizada de Volta Redonda (associaes de
moradores, rgos do poder pblico, empresas etc.), para discusso da situao da
qualidade do ar da cidade (Agenda 21, 1999).
Logo aps a divulgao do Relatrio, a Companhia Siderrgica Nacional e o
Governo do Estado do Rio de Janeiro celebraram, em 27 de janeiro de 2000, um Termo
de Ajustamento de Conduta Ambiental (TAC), atravs do qual a Empresa se
comprometeu a investir em equipamentos e aes de controle da poluio atmosfrica e
hdrica, tratamento de resduos slidos, monitoramento, estudos para desativao de
equipamentos e gesto de risco.
O acompanhamento da execuo das aes constantes no TAC foi feito pela
Fundao Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA) e por uma Comisso
Popular, constituda por representantes de 19 entidades de Volta Redonda (Portugal,
2000; Dirio do Vale, 2000). Algumas entidades, como a Agenda 21-Local e a Central
nica dos Trabalhadores (CUT), se recusaram a tomar parte na Comisso. Estes
segmentos sociais no participaram por discordarem das atribuies da Comisso e,
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tambm, por julgarem que o principal interesse para a formao do grupo seria a
legitimao social das aes previstas no TAC, sem uma discusso mais crtica e tcnica
acerca da eficcia das mesmas (Agenda 21, 2000).
Em 2001, por ocasio de uma audincia pblica da Comisso de Direitos
Humanos, da Cmara dos Deputados Federais, realizada em Volta Redonda para
discusso sobre a contaminao ocupacional por benzeno, dada a demanda de
representantes da sociedade por respostas acerca dos impactos sobre a sade da
populao no-ocupacionalmente exposta, a contaminao ambiental pelo benzeno
passou a ser ponto de discusso entre os rgos da sade envolvidos: Secretarias
Estadual e Municipal de Sade e Fundao Nacional de Sade (Cmara de Deputados,
2001).
No ano seguinte, uma entidade no-governamental, chamada Movimento tica
na Poltica, divulgou os resultados de sondagens realizadas junto populao, nos anos
de 1999, 2000, 2001 e 2002, atravs das quais as pessoas externaram suas opinies
sobre as questes ambientais existentes no Municpio, principalmente aquelas
relacionadas poluio atmosfrica. Segundo estas sondagens, a populao acredita
sofrer as consequncias da contaminao atmosfrica e relacionam a leucopenia, dentre
os impactos sobre a sade associados a este tipo de poluio (MEP, 2001). Assim, fica
evidente a preocupao da comunidade acerca da alterao hematolgica, leucopenia,
que acreditam ser em decorrncia da poluio qumica por benzeno. Grande parte dos
entrevistados atribuiu a existncia de doenas respiratrias e alrgicas emisso de
poluentes pela Companhia Siderrgica Nacional. Tais resultados foram entregues ao
poder pblico local, com a exigncia de que fossem tomadas as medidas cabveis para a
soluo do problema.
Como pode ser observado, as relaes histricas existentes entre o espao
urbano, a indstria e o meio ambiente compe um cenrio complexo. Haja vista a
expanso do espao urbano como consequncia da atividade industrial, no caso a
siderurgia, culminando na onipresena da empresa poluidora no cotidiano da populao,
que por sua vez passa a arcar com os altos custos ambientais urbanos. A baixa qualidade
ambiental, neste contexto, seria o preo a ser pago pelo emprego industrial, pelo acesso
habitao e a outros benefcios (Costa, 2000; Funtowicz & Ravetz, 1997). Incorpora-
se a este cenrio a falta de prioridade das questes ambientais urbanas no elenco das
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polticas pblicas, aliada falta de credibilidade de parte da sociedade nos rgos
ambientais.
Contudo pode-se verificar facilmente, a partir do descrito, que h uma franca
ampliao dos grupos de discusso, envolvendo todos os