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2020 Marcelo Tadeu Cometti Manual de Direito Empresarial volume único 2 ª edição revista atualizada ampliada

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Page 1: Marcelo Tadeu Cometti - Editora Juspodivm...Câmbio e Notas Promissórias (Decreto n 57.663/66 e seu Anexo I), a Lei de Duplicatas (Lei n° 5.474/1968), a Lei dos Cheques (Lei n°

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13TÍTULOS DE CRÉDITO

Sumário • 1. Considerações iniciais – 2. Princípios cambiais: 2.1. Princípio da cartularidade; 2.2 Princípio da literalidade; 2.3 Princípio da autonomia das obrigações cambiais – 3. Ca-racterísticas dos títulos de crédito – 4. Natureza “pro solvendo” e “pro soluto” dos títulos de crédito – 5. Classificação dos títulos de crédito: 5.1. Classificação quanto ao conteúdo; 5.2. Classificação quanto ao modelo; 5.3. Classificação quanto à estrutura; 5.4. Classificação quanto às hipóteses de emissão; 5.5. Classificação quanto à circulação – 6. A letra de câmbio: 6.1. Conceito; 6.2. Origem histórica e evolução; 6.3. Regime jurídico; 6.4. Características; 6.5. Requisitos – 7. Principais atos cambiais: 7.1. Saque e emissão; 7.2. Aceite; 7.3. Endosso; 7.4. Aval – 8. Vencimento – 9. Pagamento – 10. Protesto: 10.1. Procedimento do protesto; 10.2. Pagamento em cartório; 10.3. Do registro do protesto; 10.4. Averbações e cancelamento do protesto; 10.5. Modalidades de protesto – 11. Ação cambial – 12. Títulos de crédito em espécie: 12.1. Nota promissória; 12.2. Cheque; 12.3. Duplicata; 12.4. Conhecimento de transporte ou frete; 12.5. Conhecimento de depósito e warrant – 13. Outros títulos de cré-dito: os títulos rurais – 14. Outros títulos de crédito: os títulos imobiliários: 14.1. Dificuldade em conceituar “crédito imobiliário” – 15. Outros títulos de crédito: títulos financeiros – 16. Questões: 16.1 Títulos de crédito; 16.2. Cheque; 16.3. Duplicatas; 16.4. Letra de câmbio; 16.5. Nota promissória; 16.6. Teoria geral..

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

É indiscutível que um dos pilares do sistema econômico moderno está fundado no crédito, responsável pelo desenvolvimento e pela expansão das principais atividades econômicas atualmente existentes. O crédito importa em um ato de confiança, razão de sua origem etimológica advir da palavra “creditum”, que, por sua vez, decorre da palavra “credere”, ou seja, confiar, ter fé. O crédito representa, assim, a confiança que alguém tem em outrem.

Por meio do crédito e da disponibilização de recursos, as pessoas podem suprir suas necessidades presentes de consumo, ainda que desprovidas do capital para tanto necessário. Como contrapartida, essas pessoas assumem

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uma obrigação de, em época futura, devolver a importância que lhes fora disponibilizada.

Observa-se, assim, outro elemento fundamental do crédito: o tempo. O crédito pressupõe uma troca no tempo, ou seja, determinada pessoa dispo-nibiliza a outra, no momento presente, certo bem ou capital (valor presente), em troca de uma prestação futura, como, por exemplo, o comprometimento de devolver o bem ou capital que lhe foi entregue (valor futuro). É a troca de bens presentes por bens futuros, troca que só se aperfeiçoará se houver confiança.

No início, o crédito, como instrumento para a formação de riqueza, apre-sentava um relevante problema: a dificuldade para a circulação dos direitos creditórios, isto é, dos direitos conferidos ao credor em razão da transação. Isso porque, no Direito Romano, a obrigação constituía um elo pessoal entre o devedor e o credor. Na vigência da Lei das XII Tábuas, a satisfação do crédito, na hipótese de eventual inadimplência, se dava pela execução física do devedor, acarretando em sua morte (“in partes secare”) ou em sua venda como escravo. Somente com a Lex Papira (Lei Poetelia Papiria), a garantia corporal do devedor foi substituída pelo seu patrimônio, embora a transmissão do crédito por meio da cessão permanecesse muito formal e restrita, fatores que praticamente a inviabilizavam.

Somente na Idade Média, com o aparecimento dos títulos de crédi-to – papéis em que os direitos creditícios se encontravam incorporados, possibilitando a sua fácil transferência de pessoa a pessoa – o problema da circulação do crédito encontrou sua solução.

Neste sentido, para Fran Martins, os títulos de crédito são documentos que “representam certos e determinados direitos e, mais que isso, que dão a possibilidade a que esses direitos incorporados nos documentos circulem, se transfiram facilmente de pessoa a pessoa, revestidos de inúmeras garantias para os credores e todos quantos figurem nesses papéis”1.

Não obstante, é com Cesare Vivante que encontraremos a melhor defi-nição de título de crédito, uma vez que dela é possível extrair os principais atributos do título de crédito e, consequentemente, suas características es-senciais. Nesse sentido, título de crédito “é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”2. Ressalta-se, entre-tanto, que falta ao conceito de Vivante a referência ao conteúdo econômico e ao pagamento de quantia em dinheiro. De qualquer forma, o legislador

1 MARTINS, Fran.Títulos de Crédito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 4.2 VIVANTE, Cesare. Trattato di diritto commerciale, 3. ed., v. 3, p. 154-155: “è uno documento necesàrio per

esercitare Il diritto litterale ed autonomo che vi è menzionato”

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pátrio reproduziu o citado conceito de forma praticamente literal no artigo 887 do Código Civil, a saber: “o título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei”.

Nosso Código Civil passou a disciplinar os títulos de crédito no Títu-lo VIII, do Livro I da Parte Especial, que trata do Direito das Obrigações. Ressalta-se, entretanto, que tais regras têm natureza suplementar, pois não revogaram as leis especiais que continuam disciplinando diversas espécies títulos de crédito, como, por exemplo, a Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias (Decreto n° 57.663/66 e seu Anexo I), a Lei de Duplicatas (Lei n° 5.474/1968), a Lei dos Cheques (Lei n° 7.357/1985), a Lei do Conhecimento de Depósito e Warrant (Decreto n° 1.102/1903), a Lei do Conhecimento de Transporte (Decreto n° 19.473/1930), dentre outras.

Atenção: os títulos de crédito são disciplinados supletivamente pelas regras constantes do Título VIII, do Livro I da Parte Especial do Código Civil, ou seja, somente na omissão de lei especial que discipline o título de crédito em sua espécie (vide artigo 903 do Código Civil).

2. PRINCÍPIOS CAMBIAIS

Considerando que, da definição de título de crédito dada por Vivante, podemos extrair os princípios que regem a disciplina dos títulos de crédito, passemos, então, a analisar individualmente tais princípios.

2.1. Princípio da cartularidade

Em razão de ser o título de crédito um documento, os direitos por ele representados deverão obrigatoriamente constar de uma cártula, ou seja, de um material palpável, corpóreo. Trata-se, ainda, de um documento necessário, ou seja, o direito de crédito constante da cártula somente poderá ser exercido por aquele que estiver legitimado na sua posse.

Em vista dos avanços tecnológicos surgidos nas últimas décadas, a terminologia cartularidade vem se mostrando inadequada para externar o princípio estampado na definição de Vivante. Atualmente, a incorporação do direito de crédito a um documento não mais pressupõe a existência de uma cártula ou papel. No entanto, a materialização dos títulos de crédito em papel, ainda que possa não mais se verificar em determinados casos, não retira a necessidade da incorporação do respectivo direito a um documento, assim, de forma eletrônica, magnética ou digital.

Cap. 13 • TÍTULOS DE CRÉDITO 565

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Nesse sentido, ao invés da cartularidade, podem ser utilizadas outras denominações para designar referida característica dos títulos de crédito, tais como, a documentalidade ou a incorporação. De qualquer modo, ainda que a cartularidade não seja mais absoluta, a incorporação do direito de crédito em um documento, seja ele um papel (cártula) ou qualquer outro meio eletrônico, digital ou magnético, continua sendo um atributo essencial dos títulos de crédito.

Observa-se, por fim, que, em vista da informalidade que caracteriza os negócios comerciais, o nosso ordenamento jurídico tem criado exceções ao princípio da cartularidade. Assim, a Lei das Duplicatas admite a execução judicial de crédito representado por esse tipo de título sem a obrigatoriedade de sua apresentação (art. 15 da Lei das Duplicatas).

2.2 Princípio da literalidade

O direito de crédito expresso em um título é literal na medida em que a extensão e os limites desse direito encontram-se nos atos lançados no pró-prio título. Eventuais atos, inclusive a quitação, se lançados em documento separado, não integraram o título de crédito. Em virtude da literalidade, o devedor só se obriga por aquilo que constar declarado no título de crédito.

Conforme esclarece Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.3, a literalidade decorre de o título de crédito corresponder a documento constitutivo de direito (re-lação cartular), e não probatório ou declaratório da relação causal, isto é, o negócio que deu origem a sua emissão (independentemente da comprovação ou declaração do negócio subjacente que deu origem à sua emissão).

Trata-se de um dos mais relevantes atributos dos títulos de crédito, pois sendo uma de suas principais funções a de conferir maior segurança jurídica às partes que dele se valem para documentar certa relação de crédito, é indis-pensável que o direito de crédito representado pelo título seja literal, estando sua extensão limitada àqueles direitos nele expressamente especificados.

2.3 Princípio da autonomia das obrigações cambiais4

A autonomia das obrigações cambiais é um dos principais atributos dos títulos de crédito, pois, sendo a negociabilidade decorrente da facilidade de

3 ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Títulos de Crédito. 5. ed. São Paulo: Renovar, 2007. p. 61.4 Nota de jurisprudência: STJ – AgInt nos EDcl no REsp 1.353.875/SP, Quarta Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 16/05/2017.

EMENTA. AGRAVO INTERNO. DIREITO CAMBIÁRIO. AQUISIÇÃO, EM CONTRATO DE DESCONTO BANCÁRIO, DE TÍTULO DE CRÉDITO À ORDEM, DEVIDAMENTE ENDOSSADO. INCIDÊNCIA, EM BENEFÍCIO DA INS-TITUIÇÃO FINANCEIRA ENDOSSATÁRIA TERCEIRA DE BOA-FÉ, DOS PRINCÍPIOS CAMBIÁRIOS. CRÉDITO

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sua circulação uma de suas principais características, tal princípio proporciona a segurança jurídica necessária àqueles que se utilizam dos títulos de crédito para negociação dos créditos.

Ao entrar em circulação, inúmeros vínculos obrigacionais podem surgir e, para que o título de crédito seja efetivamente um instrumento seguro para as pessoas que dele se utilizam, é fundamental que eventuais vícios existentes em determinadas relações obrigacionais nele representadas não se estendam às demais. Logo, conforme a definição de Vivante, são autônomos os direi-tos representados no título de crédito, ou seja, a invalidade de uma ou mais obrigações cambiais não compromete as demais. As obrigações representadas por um mesmo título de crédito são independentes entre si. Assim, sendo nula ou anulável qualquer das obrigações constantes do título, as demais obrigações não terão sua validade ou eficácia comprometida por esse fato.

Esclarece Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.5 que a autonomia se torna mais nítida quando o título de crédito circula, porque o terceiro adquire direito novo, autônomo, originário e totalmente desvinculado da relação causal que lhe deu origem, da qual é estranho.

Ainda, de tal princípio é possível extrair outros marginais, mas de con-siderável relevância: o da abstração das obrigações cambiais e da inoponi-bilidade de exceções pessoais ao terceiro de boa-fé6.

CAMBIÁRIO, DE NATUREZA ORIGINÁRIA E AUTÔNOMA, QUE SE DESVINCULA DO NEGÓCIO SUBJACENTE. ALEGAÇÃO DO DEVEDOR DE TER HAVIDO SUPERVENIENTE DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO FUNDAMENTAL. HIPÓTESE QUE NÃO RESULTA EM NENHUM PREJUÍZO AO CRÉDITO DE NATUREZA CAMBIAL DO BANCO PORTADOR, EM VISTA DOS PRINCÍPIOS CAMBIÁRIOS DA AUTONOMIA DAS OBRIGAÇÕES CAMBIAIS E DA INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS AOS TERCEIROS DE BOA-FÉ. 1. A quitação regular de obriga-ção representada em título de crédito é a que ocorre com o resgate da cártula – tem o devedor, pois, o poder-dever de exigir daquele que se apresenta como credor cambial a entrega do título de crédito (o art. 324 do Código Civil, inclusive, dispõe que a entrega do título ao devedor firma a presunção de pagamento). (REsp 1236701/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2015, DJe 23/11/2015) 2. Por um lado, o endosso, no interesse do endossatário, tem efeito de cessão de crédito, não havendo cogitar de observância da forma necessária à cessão civil ordinária de crédito, disciplinada nos arts. 288 e 290 do Código Civil. Por outro lado, a negociabilidade dos títulos de crédito é decorrência do regime jurídico-cambial, que estabelece regras que dão à pessoa para quem o crédito é transferido maiores garantias do que as do regime civil. 3. “Com efeito, desde a multicitada e veemente advertência de Vivante acerca de que não se deve ser feita investigação jurídica de instituto de direito comercial sem se conhecer a fundo a sua função econômica, a abalizada doutrina vem, cons-tantemente, lecionando que, no exame dos institutos do direito cambiário, não se pode perder de vista que é a sua disciplina própria que permite que os títulos de crédito circulem, propiciando os inúmeros e extremamente relevantes benefícios econômico-sociais almejados pelo legislador”. (REsp 1231856/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe 08/03/2016). 4. Agravo interno não provido.

5 ROSA JR, Luiz Emygdio F. da. Op. Cit. p. 69.6 Nota de Jurisprudência: STJ – AgInt no AREsp 861575/MT, Quarta Turma, rel. Min. Raul Araújo, j. 21/03/2017. EMENTA. GRAVO

INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULOS DE CRÉDITO. CHEQUE.

Cap. 13 • TÍTULOS DE CRÉDITO 567

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No primeiro caso, entende-se que, posto o título de crédito em circula-ção, o direito de crédito nele representado se desvincula do negócio jurídico que lhe deu origem.

Já no segundo caso, não são oponíveis ao terceiro de boa-fé as exceções pessoais que o emitente teria contra os anteriores possuidores do título, ou seja, o devedor de um título de crédito não pode recusar o pagamento ao portador de boa-fé, alegando exceções pessoais em relação a outros obrigados do título, ou seja, não pode alegar em sua defesa, portanto, matéria estranha à sua relação direta com o portador do título. Logo, somente é oponível a terceiros de boa-fé defesa fundada em vício do próprio título de crédito, tal como, falsidade do título, prescrição, dentre outros. Essa regra somente poderá ser excepcionada se o devedor provar a má-fé do portador do título, ocasião em que as exceções pessoais serão admitidas como válidas à sua defesa.

3. CARACTERÍSTICAS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

Além das características que podemos extrair do conceito trazido por Vivante, a doutrina costuma apresentar outras características inerentes aos títulos de crédito. São elas: a força executiva; o formalismo; e a circulabilidade.

Força executiva: a força executiva dos títulos de crédito decorre do disposto no art. 784, I, do CPC, que atribui a esses títulos a qualidade de título executivo extrajudicial.

Formalismo: é uma característica inerente aos títulos de crédito, uma vez que constitui condição para a sua existência, validade e eficácia. Assim, o título de crédito deve preencher certos requisitos formais e obrigatórios estabelecidos em lei, sem os quais estará descaracterizado.

Circulabilidade: os títulos de crédito são, geralmente, criados para facilitar a circulação do crédito nas relações comerciais. Entretanto, o ato cambial que transfere a titularidade de um título de crédito de uma pessoa para outra poderá variar. Por

TRANSMISSÃO A TERCEIRO VIA ENDOSSO. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DE MÁ-FÉ. INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que as exceções pessoais não são oponíveis a terceiro de boa-fé, salvo se comprovada sua má-fé. 2. No REsp 1.231.856/PR, a Quarta Turma desta Corte Superior reafirmou o entendimento de que a relação jurídica subjacente à emissão do cheque não pode ser oponível ao endossatário que se presume terceiro de boa-fé, ao tomar a cártula por meio do endosso, ressalvada a possibilidade de confirmação da má-fé por parte deste. 3. Não havendo de se cogitar má-fé do terceiro (endossatário), é vedada a oponibilidade de exceções pessoais relativas ao emitente do título e ao endossante, uma vez que a execução da cártula, no caso dos autos, constituiu simples exercício regular de direito por parte do endossatário. 4. Agravo interno a que se nega provimento.

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essa razão, os títulos de crédito podem ser classificados como ao portador e nominativos. Os títulos de crédito ao portador não ostentam o nome do credor e, por esse motivo, circulam por simples tradição, isto é, a entrega do documento con-siste no ato de transmissão da titularidade do crédito nele representado. Os títulos de crédito nominativos, por sua vez, ostentam o nome do beneficiário dos direitos creditórios expressamente na cártula, podendo ser classificados em “à ordem” e “não à ordem”. Os títulos nominativos à ordem são transferidos de um titular para outro mediante endosso, enquanto os títulos nominativos não à ordem circulam por meio da cessão civil de direitos.

Não obstante as características acima, podemos entender os títulos de crédito como bens móveis, de modo a haver uma facilitação à sua cir-culação, que compreendem obrigações quesíveis, isto é, a iniciativa para exigência quanto ao cumprimento da obrigação materializada no título é do portador do título, que deve se dirigir ao domicílio do devedor para tanto. É relevante, também, que o devedor, ao ter o título apresentado pelo portador para cumprimento da obrigação nele contida, exija a entrega deste, evitando que ele volte a circular e a obrigação lhe seja exigida novamente por um terceiro.

Ainda, para que o portador do título possa exigir o pagamento ou possa executar o devedor, o título de crédito deve conter obrigação líquida, certa e exigível.

4. NATUREZA “PRO SOLVENDO” E “PRO SOLUTO” DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

A emissão do título de crédito e a sua entrega ao credor tem, em regra, natureza “pro solvendo” – ou seja, “para pagamento”, pois não implica a no-vação da relação causal, que subsiste junto com a relação cambiária. Deste modo, a relação causal só se extinguirá com o pagamento do título.

Excepcionalmente, entretanto, o título poderá ter natureza “pro soluto”. Isso ocorre quando o título é emitido e entregue ao beneficiário visando a extinguir a obrigação que gerou a sua criação, ou seja, quando dado em pa-gamento da relação causal. Nesta hipótese, o título de crédito opera novação porque extingue a obrigação decorrente da causa debendi. A natureza “pro soluto” do título de crédito depende da existência de cláusula expressa no instrumento que consubstancia o negócio jurídico que origina o título, em razão da necessidade de existir o animus novandi, já que a novação não se presume (vide artigo 361 do Código Civil).

Cap. 13 • TÍTULOS DE CRÉDITO 569

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5. CLASSIFICAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

Em sede doutrinária, os títulos de crédito podem ser classificados quanto ao seu conteúdo, modelo, estrutura, hipóteses de emissão e circulação. Vejamos, então, as especificidades de cada classificação.

5.1. Classificação quanto ao conteúdo

Os títulos de créditos são documentos de legitimação, na medida em que expressam uma relação de identidade entre o titular do direito e aquele que concretamente o exercita. Ocorre, entretanto, que nem todo documento de legitimação é propriamente um título de crédito. Daí os títulos de crédito serem classificados, quanto ao seu conteúdo, em pró-prios ou impróprios.

Os títulos próprios são instrumentos de legitimação que compreendem obrigação de pagar determinada quantia em dinheiro ou, ainda, de entregar certa coisa fungível, na data aprazada. Ademais, nos títulos próprios, verifica--se a constituição de um direito creditício novo autônomo e originário, ab-solutamente distinto da relação causal que o gerou. Segundo J. X. Carvalho de Mendonça7, os títulos próprios atestam necessariamente uma operação de crédito, isto é, alguém efetua uma prestação presente, contra a promessa de uma prestação futura de pagar quantia em dinheiro ou de entregar coisa certa fungível.

São exemplos de títulos próprios, a Letra de Câmbio e Nota Promis-sória (Decreto n° 2.044/1908 e Decreto n° 57.663/66, Anexo I); a Duplicata Mercantil e a Duplicata de Prestação de Serviços (Lei n° 5.474/ 1968); e o Conhecimento de Depósito (Decreto-Lei n° 1.102/1903).

Já os títulos impróprios são aqueles que, embora também sejam instru-mentos de legitimação, não representam uma operação de crédito. Ademais, nos títulos impróprios não se verifica, em regra, a presença de todas as ca-racterísticas que são comuns aos títulos de crédito. É o caso, por exemplo, dos bilhetes de passagem de ônibus, ingressos de espetáculos, vales postais. São também classificados como impróprios ou títulos de participação, as ações, as partes beneficiárias, as debêntures e demais títulos que geram ao seu titular verdadeiros direitos societários, como, por exemplo, participar de assembleias e fiscalizar os atos de gestão praticados pelos administradores da companhia emissora.

7 CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro, 7. ed. v. 5. Parte 2ª, p. 55.

MANUAL DE DIREITO EMPRESARIAL – VOLUME ÚNICO • Marcelo Tadeu Cometti570

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Atenção: a doutrina diverge quanto à caracterização do cheque como um título de crédito próprio por ser uma ordem de pagamento à vista, sendo, para alguns, mero instrumento de entrega de dinheiro. Para outros, o cheque somente deixa de ser impróprio quando entra em circulação, fato que faz surgir o elemento crédito, ficando o endossante responsável pelo pagamento.

5.2. Classificação quanto ao modelo

Todos os títulos de créditos devem conter certos elementos para que pos-sam ser validamente emitidos, tais como, o nome da espécie do título, a data de sua emissão, a indicação precisa dos direitos que confere ao seu titular e a assinatura do emitente. No entanto, alguns títulos de crédito devem, ainda, atender a certos padrões formais para sua adequada emissão. Daí os títulos de crédito serem classificados, quanto ao modelo, como sendo livres ou vinculados.

Os títulos livres são aqueles aptos a produzir plenamente os efeitos cam-biais inerentes aos títulos de crédito, em razão de conterem simplesmente os elementos essenciais para sua criação, não sendo exigida a observância de um padrão ou de uma forma específica. É o caso, por exemplo, das letras de câmbio e das notas promissórias. A nota promissória, por exemplo, será validamente criada se contiver todos os elementos previstos no artigo 75 da Lei Uniforme (Decreto n° 57.663/66, Anexo I), independentemente da observância de qualquer padrão, como tipo, fonte ou formato de papel, ou forma na disposição de tais elementos.

Os títulos vinculados, por sua vez, são aqueles que, além de conterem todos os elementos essenciais para sua criação, devem também atender certos padrões formais que lhes são exigidos. É o caso, por exemplo, das duplicatas e dos cheques.

Os cheques, por exemplo, devem ser sacados em papel fornecido pelos bancos, que devem observar, dentre outros normativos, as disposições contidas na Resolução CMN n° 3.972/11. Do mesmo modo, a duplicata deverá, além de conter os elementos previstos no artigo 2º da Lei n° 5.474/68, observar as normas de padronização formal estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional8, nos termos do artigo 27 da referida Lei.

5.3. Classificação quanto à estrutura

A estrutura de um título de crédito pode variar consideravelmente em razão de o título conter uma ordem de pagamento, hipótese em que se verifi-

8 Resolução CMN n° 102/68.

Cap. 13 • TÍTULOS DE CRÉDITO 571

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carão três situações jurídicas distintas, entre sacador, tomador e sacado, ou conter uma promessa de pagamento, hipótese em que se verificarão apenas duas situações jurídicas distintas, quais sejam, entre promitente devedor e tomador. Neste sentido, para Fábio Ulhoa Coelho9, os títulos de créditos podem ser classificados, quanto à sua estrutura, como ordens ou promessas de pagamento, em virtude de gerarem três ou duas situações jurídicas distintas no momento do saque.

Promessa de pagamento é a modalidade de título de crédito em que o emitente, também chamado subscritor ou promitente devedor, promete pagar quantia determinada ao tomador, beneficiário do crédito. Nesta hipótese, no momento do saque, haverá apenas duas situações jurídicas, a saber: (a) a do promitente, que assume a obrigação de pagar quantia determinada; e (b) a do tomador, que é o beneficiário da promessa e titular do crédito representado no título. É o caso, por exemplo, da Nota Promissória.

Ordem de pagamento é a modalidade de título de crédito em que o emitente, também chamado sacador, ordena ao sacado que pague quantia determinada ao tomador, beneficiário do crédito. Nesta hipótese, no mo-mento do saque, haverá três situações jurídicas distintas, a saber: (a) a do sacador, que ordena a realização do pagamento de quantia determinada pelo sacado; (b) a do sacado, que recebe a ordem do sacador para pagar quantia determinada; e (c) a do tomador, que é o beneficiário da ordem e titular do crédito representado no título. São exemplos dessa modalidade, a Letra de Câmbio, a Duplicata e o Cheque.

5.4. Classificação quanto às hipóteses de emissão

Como visto, o título de crédito representa um direito creditício que nele se encontra incorporado. Esse direito decorre de um de negócio jurídico que constituí a causa de sua emissão, ou seja, a relação jurídica fundamental que deu origem ao título.

Para muitos títulos de crédito, não há predeterminação legal da uma específica causa que autorize a emissão do título, razão pela qual poderão incorporar direitos creditícios que decorram das mais variadas causas. Para outros títulos, entretanto, a válida emissão está vinculada a uma causa prede-terminada por lei, razão pela qual só podem representar créditos que decorram de determinados negócios jurídicos. Com base neste critério, os títulos de crédito são classificados por nossa doutrina como sendo abstratos ou causais.

9 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa, v. 1, 20. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 388.

MANUAL DE DIREITO EMPRESARIAL – VOLUME ÚNICO • Marcelo Tadeu Cometti572

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Os títulos abstratos são chamados também por parte da doutrina como não causais, uma vez que podem ser validamente emitidos para incorporar créditos independentemente da causa que lhes tenha dado origem. É o caso, por exemplo, do crédito incorporado a uma nota pro-missória ou a um cheque, que pode decorrer das mais diversas causas, tais como a compra e venda de um imóvel, a prestação de determinados serviços, a locação de um apartamento, o empréstimo de uma quantia determinada, entre outros.

Para os títulos abstratos, os direitos decorrentes do título podem ser exercidos desvinculadamente da sua relação causal, havendo uma nítida distinção entre a relação cartular e a relação jurídica fundamental que deu causa a sua emissão. O exercício do direito de crédito representado no título independe, portanto, do negócio que deu causa a sua emissão.

Já os títulos causais são aqueles que somente podem ser emitidos para incorporar créditos que decorram de uma causa específica e predeterminada por lei. Em tais títulos, há uma forte conexão entre o direito de crédito incorporado e a relação jurídica fundamental, ou seja, o negócio que lhe deu causa. É o caso, por exemplo, das duplicatas mercantis, que somente podem ser emitidas para incorporar créditos que tenham como causa a compra e venda mercantil (Lei 5.474/68, artigo 2º). Outros exemplos são a duplicata de prestação de serviços, o conhecimento de depósito e o co-nhecimento de transporte.

Nos títulos causais, o possuidor do título tem conhecimento de sua causa, o que pode, inclusive, interferir na própria intensidade da autonomia das relações jurídicas existentes. Nesse sentido, Newton de Lucca10 afirma ser inevitável o reconhecimento de que, nos títulos causais, o princípio da autonomia diminui o seu grau de intensidade, na medida em que o devedor passa a ter um maior número de exceções contra o terceiro, em razão da relevância jurídica atribuída à causa do título.

No entanto, a causalidade não aniquila por completo a autonomia dos títulos causais, já que ela continua existindo, porém, de forma limitada. Para o referido autor11, em última análise, apenas se acrescenta aos títulos cau-sais a possibilidade de exceções relativas à causa, o que não ocorre em se tratando de títulos abstratos.

Outro ponto importante é a possibilidade da conversão de um título abstrato em causal, verificada quando é inserido em um título abstrato a

10 LUCCA, Newton de. Aspectos da Teoria Geral dos Títulos de Crédito. São Paulo: Pioneira, 1979. p. 120.11 Idem.

Cap. 13 • TÍTULOS DE CRÉDITO 573

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causa de sua emissão. Nessa hipótese, a causa passará a constar expressa-mente do título, podendo ser discutida mesmo em face daquele que não participou do negócio.

Não obstante as duas classificações acima, alguns doutrinadores, como Fábio Ulhoa Coelho12, admitem uma terceira modalidade de títu-los de crédito, considerando as hipóteses de sua emissão. São os títulos limitados, que não podem ser emitidos para documentar determinados créditos em virtude de expressa vedação legal. É o caso, por exemplo, da letra de câmbio, que não pode ser sacada pelo empresário para incorporar créditos que decorram da compra e venda mercantil (vide artigo 2º da Lei n° 5.474/68).

5.5. Classificação quanto à circulação

A circulação é, sem dúvida alguma, uma das principais características dos títulos de crédito, fator determinante para a mobilização do crédito. Em razão da circulação, o crédito mobilizado adquiriu valor e se tornou elemento fundamental para o desenvolvimento econômico.

Por meio dos títulos de crédito, as ordens e promessas de pagamento passaram a ser feitas não apenas em benefício de pessoa determinada, mas de quaisquer outras que se tornem legítimas detentoras do título. Fran Martins13 preceitua que, mesmo quando venha discriminado o nome da pessoa a quem o título beneficiará, poderá essa transferi-lo facilmente a outra pessoa com a transferência dos direitos nele incorporados.

Não obstante divergências doutrinárias14, tomando como base as lições de Vivante e Ascarelli, bem como a orientação adotada pelo nosso Código Civil, os títulos de crédito podem ser classificados como: (a) ao portador (artigos 904 a 909 do Código Civil); (b) à ordem (artigos 910 a 920 do Código Civil), ou (c) nominativo (artigos 921 a 926 do Código Civil).

Os títulos ao portador são aqueles que não possuem expresso na cártula o nome do beneficiário do crédito, razão pela qual qualquer pessoa que esteja na posse do título será considerada seu legítimo possuidor e beneficiário do

12 COELHO, Fabio Ulhoa. Op. Cit. v. 1. p. 388.13 MARTINS, Fran. Op. Cit. p. 14.14 Fábio Ulhoa Coelho (Op. Cit. vol. 1. pp. 388-389) estabelece a seguinte classificação: (a) ao portador;

(b) nominativos à ordem; e (c) nominativos não à ordem. A grande diferença entre essa classificação e aquela adotada pelo Código Civil diz respeito aos títulos nominativos, em que o nome do credor indicado no título podem vir acompanhado da cláusula “à ordem” e serem, assim, transferidos mediante endosso, ou da cláusula “não à ordem”, hipótese em que a transferência se dará mediante cessão civil de crédito.

MANUAL DE DIREITO EMPRESARIAL – VOLUME ÚNICO • Marcelo Tadeu Cometti574

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crédito. Nesse sentido, a circulação do título de crédito se dará pela simples entrega da cártula ao novo credor, isto é, pela tradição. O possuidor, neste contexto, tem assegurado o direito incorporado na cártula, bastando para o seu exercício a simples apresentação do título de crédito ao devedor, nos termos do artigo 905 do Código Civil.

No Brasil, é considerado nulo o título que, sem autorização de lei especial, seja emitido ao portador (vide artigo 907 do Código Civil)15. Deste modo, raríssimos são aos títulos ao portador admitidos no ordenamento ju-rídico pátrio, sendo o cheque um desses excepcionais exemplos. Ressalta-se que mesmo os cheques, quando representarem quantia superior a R$100,00, deverão obrigatoriamente identificar o beneficiário do crédito, não podendo ser ao portador (vide artigo 69 da Lei n° 9.069/95).

Ressalta-se, por fim, que a perda ou extravio de um título, bem como o seu injusto desapossamento, são hipóteses em que o seu titular poderá requerer judicialmente a emissão de um novo título, bem como impedir o seu pagamento a outrem. No entanto, caso o devedor efetue o pagamento do título antes de sua ciência acerca da competente ação judicial, estará ele exonerado de toda e qualquer obrigação.

Os títulos à ordem, por sua vez, são aqueles que possuem expresso na cártula o nome do beneficiário do crédito, acompanhado pela cláusula à or-dem, e que dispensam a inscrição do nome do credor em livro de registro próprio escriturado pelo emitente do título.

Em razão do nome do beneficiário do crédito (credor originário) constar expressamente da cártula, não basta a ele a simples entrega do título para que ocorra a circulação. Antes da tradição, deve o credor originário lançar na cártula um ato cambial com o propósito de legiti-mar o novo credor na sua posse. Esse ato cambial, nos títulos à ordem, é chamado de endosso.

O endosso pode ser lançado pelo endossante tanto no verso do título, com a aposição de sua simples assinatura (endosso em branco) ou de sua as-sinatura acompanhada com a indicação do nome do novo credor, isto é, do endossatário (endosso em preto), como também no anverso do título, hipótese em que a adoção da modalidade de “endosso em preto”, com a indicação do endossatário, torna-se indispensável.

15 Ressalta-se que a interpretação do referido dispositivo legal deve ser realizada em consonância com o artigo 891 do Código Civil, que permite ao portador preencher determinadas lacunas do título. Assim, mesmo sendo o título de crédito (nominativo ou à ordem) emitido sem a indicação do beneficiário, poderá o portador preencher a lacuna destinada à indicação do credor, hipótese em que o título não será considerado nulo.

Cap. 13 • TÍTULOS DE CRÉDITO 575

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A inserção da cláusula “à ordem”, com a consequente circulação do título de crédito por meio do endosso, é condição para a validade de alguns títulos, como, por exemplo, a duplicata (Lei n° 5.474/68, artigo 2º, § 1°). Em outros títulos, como as letras de câmbio e as notas promissórias (Decreto n° 57.663/66, Anexo I, artigo 17) tal cláusula poderá ser presumida, ou seja, ainda que não conste expressamente do título, será ele considerado à ordem, circulando, portanto, por meio do simples endosso.

Vale ressaltar que o simples endosso não é o bastante para a circulação dos títulos à ordem, sendo indispensável a sua tradição ao novo credor.

Por fim, os títulos nominativos são aqueles em que o nome do bene-ficiário do crédito consta nos registros do emitente, razão pela qual a transferência do título e do respectivo crédito somente se aperfeiçoa com a lavratura do respectivo termo de transferência ou de cessão, assinado pelo cedente e pelo cessionário, em livro de registro próprio devidamente escri-turado pelo emitente.

Diferentemente dos títulos ao portador, que circulam pela simples tradi-ção e dos títulos à ordem, que circulam pelo endosso, os títulos nominativos circularam mediante termo que constará em livro de registro escriturado pelo emitente.

Ressalta-se que o endosso não é de todo estranho ao regime aplicável aos títulos nominativos, sendo também admitida a transferência do título por endosso que contenha expressamente a indicação do nome do novo beneficiário do crédito, também chamado de endossatário (vide artigo 923 do Código Civil). Sendo a circulação do título nominativo por endosso, a transferência somente produzirá efeitos perante o emitente do título, se devidamente averbada em seu registro, hipótese em que poderá ser exigida do endossatário a comprovação da autenticidade da assinatura do endossante.

Atenção: Ressalvada proibição legal, pode o título nominativo ser transformado em à ordem ou ao portador, a pedido do seu titular que arcará com as custas e despesas correspondentes (artigo 924 do Código Civil).

Por fim, é imprescindível fazer uma distinção entre os principais efeitos do endosso e da cessão civil de créditos. Enquanto o endossante, em regra, responde pela solvência do devedor principal, o cedente, em regra, responde apenas pela existência do crédito. Ainda, no caso do endosso, o devedor não pode alegar exceções pessoais contra o endossatário de boa-fé, mas pode alegá-las contra o cessionário de boa-fé.

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Exemplo de título de crédito

CLASSIFICAÇÕES

Quanto ao conteúdo

Próprios

Compreendem obrigação de pagar determi-nada quantia em dinheiro ou de entregar coi-sa fungível na data aprazada (operação de cré-dito). Prestação presente contra promessa de prestação futura.Exemplos: letra de câmbio, nota promissória, duplicata mercantil, duplicata de prestação de serviços, conhecimento de depósito

ImprópriosNão representam operação de crédito.Exemplos: ingressos, ações, partes beneficiá-rias, debêntures e outros títulos societários.

Quanto ao modelo

Livres

Já contêm os elementos essenciais de sua criação e não observam padrão ou forma es-pecífica.Exemplos: letra de câmbio, nota promissória.

VinculadosAlém dos requisitos essenciais, devem obser-var um padrão ou forma específico.Exemplos: duplicata, cheque

Quanto à estrutura Ordem de pagamento

Ordem feita pelo emitente (sacador) ao saca-do para que este pague quantia determinada ao beneficiário do crédito.Exemplos: letra de câmbio, duplicata, cheque.

Cap. 13 • TÍTULOS DE CRÉDITO 577

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