martins 2002 memórias e história a trajetória do curso de odontologia da puc minas 1974-2001

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO TESE DE DOUTORADO MEMÓRIAS E HISTÓRIA: A TRAJETÓRIA DO CURSO DE ODONTOLOGIA DA PUC MINAS (1974 – 2001) MARIA INÊS MARTINS Orientadora: Profª Dra ÁGUEDA BERNARDETE BITTENCOURT Este exemplar corresponde à redação final da tese defendida por Maria Inês Martins e aprovada pela Comissão Julgadora. Data: ___/___/_____ Assinatura: ______________________ Orientadora Comissão Julgadora: _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ 2002

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Page 1: MARTINS 2002 Memórias e história a trajetória do Curso de Odontologia da PUC Minas 1974-2001

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

MEMÓRIAS E HISTÓRIA: A TRAJETÓRIA DO CURSO DE ODONTOLOGIA DA PUC MINAS

(1974 – 2001)

MARIA INÊS MARTINS

Orientadora: Profª Dra ÁGUEDA BERNARDETE BITTENCOURT

Este exemplar corresponde à redação

final da tese defendida por Maria Inês

Martins e aprovada pela Comissão

Julgadora.

Data: ___/___/_____

Assinatura: ______________________ Orientadora

Comissão Julgadora: _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________

_______________________________

2002

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© by Maria Inês Martins, 2002.

Catalogação na Publicação elaborada pela biblioteca da Faculdade de Educação/UNICAMP

Bibliotecária: Rosemary Passos - CRB-8ª/5751

Martins, Maria Inês. M366r Memórias e história : a trajetória do Curso de Odontologia da PUC Minas - 1974-2001 / Maria Inês Martins. – Campinas, SP: [s.n.], 2002. Orientador : Águeda Bernardete Bittencourt. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

1. Avaliação. 2. Ensino Superior. 3. Odontologia. 4. Saúde. 5.*Projetos pedagógicos alternativos. I. Bittencourt, Águeda Bernardete. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título .

01-0170-BFE

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Resumo

Analisamos, nesta pesquisa, a história do Curso de Odontologia da PUC Minas,

implantado em 1974, com uma proposta alternativa de prática e ensino odontológicos, que

pretendia, através de uma mudança político-pedagógica, alterar positivamente os níveis de

saúde bucal, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população, sobretudo, a

dos extratos mais pobres.

Procuramos compreender, no contexto sócio-econômico-político da época, os ideais

dos fundadores do Curso e na historiografia da Universidade, da Arquidiocese de Belo

Horizonte e da própria cidade, as razões que permitiram que o Projeto Alternativo

encontrasse espaço numa Universidade Católica, em Belo Horizonte, na década de 70.

Buscamos entender, no âmbito dos projetos pedagógicos alternativos dos anos 70 e

80, o processo de construção e de (des)construção do Projeto Alternativo, identificando

suas dificuldades de implantação, seus adeptos, seus opositores, seus momentos de auge e

de crise, sua importância, seu reconhecimento, sua legitimidade e sua aceitação no mercado

de trabalho.

Investigamos também os impactos do Sistema de Avaliação de Ensino Superior

sobre as Instituições de Ensino Superior, em particular sobre o Curso em apreço, a partir de

resultados inadequados obtidos pelo mesmo, em 1997, no Exame Nacional de Cursos e na

Avaliação das Condições de Oferta. Embora não se possa dizer que este Sistema de

Avaliação tenha sido o maior responsável pelo afastamento do Curso de sua vocação

original social, que já vinha se descaracterizando desde meados dos anos 80, acabou sendo

o seu golpe fatal.

Na perspectiva de adequação do Curso aos parâmetros exigidos pelo MEC uma

reestruturação avassaladora se processou a partir de 1998, que produziu uma ligeira

melhoria de desempenho em 1999 e 2000, mas que retornou, em 2001, ao nível

insatisfatório de 1997. Nesse processo de reconstrução de uma nova identidade do Curso,

examinamos, a partir dos depoimentos dos professores remanescentes, as memórias do

Projeto Alternativo, presentes na atual Faculdade de Odontologia da PUC Minas.

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Abstract

In this research we have analysed the history of the Dentistry Course at PUC Minas,

which was set up in 1974 with a view to both an alternative practice and teaching methods.

The main aim of the Course was to increase the level of healthy mouth through political

and pedagogic changes, thus contributing to the improvement of the standard of the

population´s quality of life, especially among the underprivileged.

By analyzing the social-economic-political context of that time, we tried to

understand the ideals of the founders of the course. In addition, by examining the historic

records of the University and those of the Belo Horizonte Archdiocese and of the city itself,

we tried to cast some light on the reasons why this alternative project was able to carry out

in the seventies at a Catholic University in Belo Horizonte.

While considering the comprehensive alternative pedagogic projects of the seventies

and eighties, we were interested in learning about the process through which this alternative

project was built and dismantled, identifying the difficulties met in its implementation, as

well as identifying its supporters, its opponents, its climax and its most critical moment,

also its importance, its recognition, its legitimacy and its acceptance in the job market.

We have also investigated the impact of the System of Evaluation of the Brazilian

Higher Education on these same institutions, and in particular, on the Dentistry Course,

starting from the inappropriate results obtained in 1997, both in the National Examinations

of Courses and in the Evaluation of the “Offer Conditions”. Though this official Evaluation

System can not be held fully responsible for the detachment of the course from its original

social vocation, which had been gradually losing its identity since the mid-eighties, it was,

indeed, the final blow.

Under the perspective of the Dentistry Course adaptation to meet the MEC

requirements, a deep and devastating reform took place from 1998 onwards, which resulted

in a slight improvement in the course performance in 1999 and 2000. However, in 2001 it

went back to the same poor performance level as that of 1997. Based on this attempted

reconstruction process aiming a new identity course, we have analysed the memories of this

alternative project at the Dentistry College through the testimony of remaining teachers.

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Dedico este trabalho ao

companheiro e amigo

Luciano e aos meus

filhos Gustavo e Gabriel

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Agradecimentos

Ao Padre Geraldo Magela Teixeira, Reitor da PUC Minas, pelo crédito e incentivo e à PUC

Minas pelo apoio financeiro.

À Profª Águeda Bernardete Bittencourt, pela orientação firme e competente que

demonstrou durante o desenvolvimento desta pesquisa.

Aos Professores Félix de Araújo Souza, Diretor em exercício, da Faculdade de Odontologia

e Franca Jeunon, Coordenadora, em exercício, do Curso de Odontologia da PUC Minas,

que possibilitaram que eu freqüentasse a Faculdade e pesquisasse, com toda liberdade, a

rica história desse Curso.

Aos professores entrevistados que, com suas percepções e vivências completamente

distintas e com suas personalidades absolutamente marcantes, enriqueceram e

fundamentaram este trabalho de pesquisa.

À Profª Maria Auxiliadora de Oliveira, pelas tantas críticas, pelo crédito e principalmente

pelo encorajamento decisivo ao meu ingresso na área de Educação.

Ao Prof. Humberto Marques Torres Neto, pela amizade e solidariedade no

compartilhamento das responsabilidades do DATAPUC, permitindo que eu pudesse me

dedicar a este trabalho.

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“A explicação histórica não revela como a história

deveria ter se processado, mas porque se processou

dessa maneira, e não de outra; que o processo não é

arbitrário, mas tem sua própria regularidade e

racionalidade; que certos tipos de acontecimentos

(políticos, econômicos, culturais) relacionaram-se,

não de qualquer maneira que nos fosse agradável, mas

de maneiras particulares e dentro de determinados

campos de possibilidades...”

Edward Palmer Thompson

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Sumário

Introdução ........................................................................................................................ 1

I – Impactos do Sistema de Avaliação de Ensino Superior sobre as IES ........................ 13

II – Histórico da PUC Minas e da criação de seu curso de Odontologia ........................ 61

III – O Projeto Alternativo de Ensino: sua construção e (des)construção ...................... 95

IV – Reminiscências do Projeto Alternativo na Faculdade de Odontologia ................... 159

Considerações Finais ....................................................................................................... 189

Bibliografia ...................................................................................................................... 195

Apêndices ........................................................................................................................ 211

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Lista das principais abreviaturas e siglas

ABENO Associação Brasileira de Ensino em Odontologia ACO Avaliação das Condições de Oferta ADPUC Associação dos Docentes da PUC Minas AP Ação Popular ARENA Aliança Renovadora Nacional BID Banco Interamericano do Desenvolvimento BM Banco Mundial BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento CEE Comissões de Especialistas de Ensino CFO Conselho Federal de Odontologia CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CROMG Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais ENC Exame Nacional de Cursos FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FIES Financiamento ao Estudante de Ensino Superior FINEP Financiadora de Estudos e Projetos FO PUC Minas Faculdade de Odontologia da PUC Minas IES Instituições de Ensino Superior INAMPS Instituto Nacional de Previdência Social JEC Juventude Estudantil Católica JOC Juventude Operária Católica JUC Juventude Universitária Católica LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MBRO Movimento Brasileiro de Renovação Odontológica MDB Movimento Democrático Brasileiro MEC Ministério da Educação OMS Organização Mundial de Saúde OPS Organização Panamericana de Saúde PAIUB Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PT Partido dos Trabalhadores PUC Minas Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais SUS Sistema Único de Saúde THD Técnico em Higiene Dentária UCMG Universidade Católica de Minas Gerais UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFRS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UNE União Nacional dos Estudantes UNESP Universidade Estadual Paulista UNICAMP Universidade Estadual de Campinas USAID United States Agency International Development USP Universidade de São Paulo

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Introdução

As Políticas Públicas Educacionais e a Avaliação do Ensino Superior Brasileiro, no

âmbito da graduação, têm sido temas intensivamente debatidos no campo educacional. Até

meados dos anos 90, o interesse por essas temáticas era mais vinculado aos profissionais das

áreas mencionadas. Entretanto, a partir da implantação do Sistema de Avaliação do Ensino

Superior, em sintonia com os novos rumos da Política Educacional, consubstanciada,

sobretudo, com a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei

no 9.394/96, a discussão sobre as diretrizes e a avaliação do Ensino Superior ganhou tamanha

repercussão, que ultrapassou as fronteiras da academia, envolvendo a sociedade civil, que teve

nas mídias escrita e falada, espaços amplos e privilegiados.

Apesar de termos uma experiência profissional e formação acadêmica consolidada na

área de Física, na qual concluímos a Graduação na Universidade de São Paulo, USP, em 1979

e o Mestrado, na Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, em 1989, sempre tivemos

interesse pela área da Educação, particularmente, relativo ao Ensino Superior. Esse interesse

foi acirrado, principalmente, pela nossa experiência, nos últimos sete anos, no desempenho de

funções acadêmico-administrativas, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,

PUC Minas1, onde trabalhamos há treze anos. A docência no Curso de Engenharia, a

assessoria à Pró-reitoria de Graduação, a chefia do Centro de Registros Acadêmicos e a

diretoria do Setor de Processamento de Dados da Universidade, possibilitaram um contato

estreito com as perspectivas e as exigências da Graduação, sentidas, sobretudo, a partir da

nova Lei. Neste contexto, acabamos nos interessando e envolvendo com a Avaliação do

Ensino Superior, implantada, a partir da década de 90.

Com o objetivo de adentrarmos na área de Educação, resolvemos fazer o Doutorado e

escolhemos a Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, para ser o lócus dessa nova

formação, por ser uma instituição de reconhecimento nacional. Na escolha do objeto a ser

investigado, pretendíamos, inicialmente, trabalhar com algum tema, ligado à Engenharia, mas 1 A PUC Minas, atualmente, se posiciona entre as seis maiores Universidades, no âmbito do ensino de graduação, em termos de número de alunos, encontrando-se presente nas cidades mineiras de Arcos, Betim, Contagem e Poços de Caldas, além de possuir quatro unidades em Belo Horizonte. A Universidade possui cerca de 34 mil alunos de graduação; 1750 professores e 1000 funcionários. Oferece 45 Cursos de Graduação, 60 Cursos de Especialização, 13 Cursos de Mestrado e 5 de Doutorado. O crescimento da referida instituição acompanhou o ritmo acelerado de expansão do setor privatista de ensino superior, particularmente na última década, dobrando o número de alunos nos últimos cinco anos.

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por ser a nossa área de atuação, tivemos receio da interferência de fatores institucionais e

emocionais e, isso nos fez buscar outro campo, para desenvolver a pesquisa. Observávamos

que a divulgação pela mídia dos Relatórios do Governo referentes aos resultados das

Avaliações praticadas, ganhava a cada ano, maior repercussão e estávamos atentos aos

impactos que esses resultados poderiam causar nas Instituições de Ensino Superior, IES.

Particularmente, as reações da comunidade acadêmica envolvida no Curso de Odontologia da

PUC Minas, perante os resultados insatisfatórios obtidos pelo mesmo na Avaliação de 1997,

nos levaram a considerar que esse Curso se tornaria objeto da nossa pesquisa.

Antes de iniciarmos o trabalho, pouco conhecíamos sobre o Curso de Odontologia da

PUC Minas, além das referências elogiosas que, freqüentemente, ouvíamos sobre o mesmo e

do nosso reconhecimento pessoal, enquanto pacientes, quando fomos atendidos por

profissionais egressos da instituição. Tínhamos consciência de que o Curso se constituía como

a “menina dos olhos” da Universidade, pois se tratava de seu Curso mais disputado no âmbito

do vestibular, que parecia ser capaz de fazer, com competência, a interlocução entre teoria e

prática, sendo que seus egressos eram prestigiados tanto pelo mercado de trabalho, quanto pela

sociedade.

Na implantação gradativa do Sistema de Avaliação do Ensino Superior, traduzido,

sobretudo, pelo Exame Nacional de Cursos, ENC e pela Avaliação das Condições de Oferta,

ACO, a área de Odontologia foi incorporada na segunda edição do Exame em 1997. Nessa

primeira avaliação da área, a Odontologia da PUC Minas recebeu um incômodo C no Provão e

também nos quesitos Titulação e Jornada de Trabalho de seu Corpo Docente. No mesmo ano o

Curso foi, ainda, submetido à Avaliação das Condições de Oferta, recebendo o conceito

“Condições Regulares”, em todos os itens avaliados.2

Percebemos a decepção e frustração que acometeram todos os escalões acadêmicos,

tanto a Reitoria, quanto os professores, os pais, os alunos e os ex-alunos. Parecia que ninguém

entendia o porquê de tão baixo e inesperado resultado que trouxe constrangimento à

comunidade envolvida. Esses fatos aguçaram nosso interesse e nos conduziram as seguintes

2 O ENC, popularmente conhecido como Provão, é uma prova teórica, anual e obrigatória, aplicada desde 1996, aos formandos de cursos de graduação incorporados, gradativamente, ao Exame. Cada Curso de cada IES recebe um conceito, entre A e E, de acordo com critérios que serão discutidos no primeiro capítulo. Em relação à ACO, Comissões de Especialistas de Ensino, CEE, designadas pela Secretaria de Ensino Superior, do MEC, percorrem as instituições, desde 1997, para avaliar as “condições de oferta dos cursos”, que se dividem nos quesitos: qualificação docente, organização didático-pedagógica e instalações. Cada CEE emite um relatório técnico de cada Curso, que é encaminhado ao Conselho Nacional de Educação, CNE, que fixa um prazo para que as correções recomendadas sejam cumpridas.

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indagações: Por que esse Curso, supostamente reconhecido por essa comunidade e pelo

mercado de trabalho, teria sido tão mal avaliado? Que resposta seria dada pela comunidade

envolvida pelo Curso? Como seriam absorvidos esses resultados e como seriam aceitos os

indicadores oficiais da Avaliação?

Essas questões possibilitaram a delimitação de nosso campo de investigação, o Curso

de Odontologia da PUC Minas, com o objetivo de analisar sua trajetória histórica, desde a sua

fundação em 1974, investigando de um lado a sua história de criação numa Universidade

Católica nos anos 70 e de outro lado a política, as estratégias, os objetivos do Sistema de

Avaliação, seus impactos sobre a Instituição/Cursos, sobre a sociedade, sobre o mercado de

trabalho e, especialmente no âmbito do referido Curso.

A metodologia utilizada para a realização desta pesquisa foi o Estudo de Caso, cujo

objetivo consiste no esforço em descobrir as variáveis significativas em um determinado caso.

Nessa estratégia, cabe ao pesquisador, o papel de observador que se coloca frente à situação,

para analisa-la, em um determinado período de tempo, tendo os objetivos previamente

definidos. Assim foi realizada uma investigação que lançou mão, tanto da pesquisa teórica,

quanto da empírica. Nessa, foram utilizadas os seguintes instrumentos: análise documental,

observação, questionários e entrevistas.

Considerando ainda os aspectos metodológicos, devemos relatar certas opções feitas.

Assim, empregamos o recurso relativo às notas de rodapé na apresentação de conceitos, no

detalhamento de fatos, em várias citações e nas referências alternativas, especialmente de

jornais e revistas não indexadas, que enriqueceram este trabalho. Com relação aos gráficos e

tabelas incorporados neste trabalho, os dados foram obtidos, na grande maioria dos casos,

eletronicamente, via Internet, nos sites do Governo, no DATAPUC Processamento de Dados e

na Enciclopédia (2000).3 Optamos por inserir gráficos, tabelas, fotos e figuras no corpo do

texto, sempre que foi considerado imprescindível o olhar imediato sobre os mesmos. Em caso

contrário, foram apresentados nos apêndices, disponibilizados na ordem em que aparecem

referenciados no texto.

3 Essas fontes de dados foram pesquisadas continuamente, sendo que os gráficos e as tabelas foram elaborados por nós. Os principais sites do Governo pesquisados foram www.mec.gov.br e www.inep.gov.br. Outra fonte de dados mencionada foi o DATAPUC que é o setor da PUC Minas responsável pelos dados e informações da Universidade. A última fonte de dados, Enciclopédia (2000), é uma publicação, em CD ROM, atualizada mensalmente, via disquete, que contém toda a legislação e a jurisprudência da Educação Brasileira.

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Esta pesquisa pode ser subdividida em três momentos de desenvolvimento. No

primeiro, procuramos analisar por um lado, a trajetória do Curso de Odontologia da PUC

Minas e por outro, os impactos do Sistema de Avaliação do Ensino Superior no âmbito do

Departamento de Odontologia. Na segunda fase, exploramos questões da etapa anterior, e,

ainda, analisamos o Projeto Alternativo implantado no Departamento, em 1974, procurando

analisar sua importância, seu reconhecimento e sua legitimidade. Na terceira fase da pesquisa,

passamos a analisar os desdobramentos e as memórias do Projeto Alternativo.

Na primeira fase do trabalho, à medida que, pesquisávamos sobre o Curso, passamos a

conhecer sua peculiar história de criação e sua importância na história da PUC Minas. Como a

história da Universidade encontra-se imbricada à história e ao papel da Arquidiocese de Belo

Horizonte no desenvolvimento da capital mineira, procuramos identificar na historiografia da

cidade elementos que permitissem reconstruir a trajetória da Instituição foco da pesquisa e do

Curso em apreço.

É importante mencionar as dificuldades encontradas na análise documental. A

documentação disponível na Universidade sobre a sua própria história e, especialmente, sobre

o Curso de Odontologia é insuficiente, além de se encontrar de forma dispersa e desarticulada.

Pesquisamos documentos oficiais, existentes nos arquivos da Secretaria Geral da PUC Minas,

e que se traduzem em Portarias, Resoluções e Relatórios de Atividades. Na Biblioteca Central

da Universidade, recorremos ao Setor de Memória, recém criado, e tivemos acesso a

documentos, ainda, não catalogados. No Departamento de Odontologia, pesquisamos seu

arquivo, composto de cerca de vinte e cinco caixas-arquivo, que contém documentos variados,

muitos deles, também, não catalogados.

A respeito da história da Igreja em Minas, particularmente em Belo Horizonte, fizemos

pesquisa no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, no Centro de Cultura de Belo

Horizonte, na Hemeroteca Pública do Estado de Minas Gerais, no Centro de Documentação e

Informação da Cúria de Belo Horizonte, no Setor de Documentação do Instituto Estadual do

Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais e na Gerência de Patrimônio Histórico da

Secretaria Municipal de Cultura.

Em termos do Curso de Odontologia da PUC Minas, da profissão de odontólogo e do

mercado de trabalho em Odontologia investigamos, em Belo Horizonte, nas bibliotecas da

PUC Minas, da Faculdade de Odontologia da UFMG e do Conselho Regional de Odontologia

de Minas Gerais, CROMG. Ademais, analisamos as publicações da Associação Brasileira de

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Ensino em Odontologia, ABENO e do Conselho Federal de Odontologia, CFO e, ainda, as

informações virtuais, via Internet, nos sites destas entidades e os do próprio MEC. Em São

Paulo, pesquisamos na Biblioteca da Faculdade de Odontologia da USP e nos arquivos, em

microfilme, dos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, das bibliotecas

Municipal de São Paulo e do Centro Cultural de São Paulo.4

Em relação aos artigos jornalísticos, publicados pela imprensa mineira durante boa

parte do século XX, deve-se esclarecer que os mesmos foram escritos com a permissão da

Igreja, pois a imprensa local, na época, pertencia à Arquidiocese de Belo Horizonte. No estudo

desses documentos adotamos as posições de Le Goff:

“O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de força que aí detinham o poder.” (Le Goff, 1994, p. 545)

“...um documento nunca é o simples resultado de uma situação histórica dada. Ele é o produto orientado de uma situação. O que então é preciso analisar são as condições nas quais tal documento foi produzido e não só de que ambiente sai ou de que é que literalmente nos fala ... Não existe, não dispomos de uma espécie de documento em bruto...Tudo é orientado e há métodos científicos de desmontagem que põem em relevo a sua orientação.” (Le Goff, 1982, p. 86, 87, grifo nosso)

Ao historicizar a trajetória da PUC Minas, lançamos mão de uma publicação da

instituição, editada em 1987 que se propunha a contemplar a trajetória da mesma desde a

origem, em 1958 até o seu jubileu de prata, em 1983. Percebe-se, entretanto, que o documento

apresenta a história da instituição, de uma forma ufanista e apologética.5 Ferro evidencia a

importância de se remontar o passado:

“Controlar o passado ajuda a dominar o presente, a legitimar ascendentes e contestações. Ora, são os poderes estabelecidos – Estados, igrejas, partidos políticos ou interesses privados – que possuem

4 Os sites pesquisados foram www.abeno.org.br, www.cfo.org.br, www.cromg.org.br, além dos sites do MEC, mencionados anteriormente. 5 Essa publicação, intitulada “História da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, desde a sua origem ao seu jubileu de prata”, foi organizada por Valentim Cuadrado, a pedido da Universidade, por ocasião da comemoração de seus 25 anos de existência, em 1983, e se trata de uma das poucas referências sobre a história da Universidade. O organizador e também autor da maioria dos artigos da revista atribuiu o atraso de quatro anos na publicação da mesma, à interminável revisão de nomes, que deveriam ser agraciados por razões, eminentemente, políticas. (informação verbal)

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e financiam mass media ou aparelhos de reprodução, livros escolares ou bandas desenhadas, filmes ou emissões de televisão. Cada vez mais eles outorgam a todos, sem exceção, um passado uniforme.” (Ferro, 1981, p. 15)

O teórico referenciado explica que, através dos tempos, e das culturas, a história

emerge de vários focos que difundem, cada qual, um discurso diferente em suas formas, em

suas normas, em suas necessidades. A história institucional, se peculiariza por exprimir ou

legitimar uma política, uma ideologia, um regime, que se apóiam num sistema de fontes

hierarquizadas, como explicita Ferro:

“Ao serviço de Cristo ou do sultão, da República ou de uma Igreja, quando não de um partido, a história institucional depende da história em vias de se fazer. Tal como a realidade, ela evolui, por conseguinte, mudando constantemente o seu sistema de referências, sofrendo todas as metamorfoses, acomodando-se a todas as escritas.” (Ferro, 1981, p. 269)

Segundo esse autor, pode existir, no entanto, uma contra-história institucional,

paralelamente, à história dos vencedores: Igreja, nação, partido ou Estado. Essa

contra-história, não se beneficiando dos mesmos meios de divulgação, somente pode

sobreviver, por um certo tempo, na forma oral ou escrita. Embora as entrevistas realizadas em

nossa pesquisa não se constituíssem, propriamente, como “história oral”, levamos em

consideração sua importância, como foco de observação adicional à história institucional,

valorizando os aportes de Ferreira e Amado, que nos ajudaram nas entrevistas realizadas.

“Na história oral, existe a geração de documentos (entrevistas) que possuem uma característica singular: são resultado do diálogo entre entrevistador e entrevistado, entre sujeito e objeto de estudo; isso leva o historiador a afastar-se de interpretações fundadas numa rígida separação entre sujeito/objeto de pesquisa, e a buscar caminhos alternativos de interpretação.” (Ferreira & Amado, 1996, p. 19)

Retomando à escassa documentação disponível sobre o Curso de Odontologia da PUC

Minas, verificamos que sobre a história do Departamento, existem poucas publicações, de

divulgação restrita, produzidas na primeira metade dos anos 80, em grande parte pelos

mentores do Projeto, que procuraram registrar a experiência vivenciada pelo Departamento.

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Identificamos, ainda, quatro Dissertações de Mestrado que tiveram, como objeto, o Curso de

Odontologia, e que enfocaram aspectos diferenciados. Essas monografias foram elaboradas, a

partir dos anos 90, e defendidas nos âmbitos dos Mestrados em Educação, da UFMG e da

PUC Minas. Em todas essas Dissertações foram realizadas entrevistas com diferentes sujeitos,

tais como, professores, alunos, funcionários, empregadores e pacientes, dependendo dos

objetivos do estudo em questão.6

A primeira Dissertação, intitulada “Saúde bucal, uma necessidade socialmente

construída”, apresentada em 1993, e elaborada por Evanilde Martins, enfatiza a necessidade de

conscientização sobre a importância da Saúde Bucal e a construção desse novo saber, pelos

usuários de uma das Clínicas Extramuros, a Clínica São Geraldo, integrante do Curso de

Odontologia da PUC Minas. Essa clínica foi instalada no final dos anos 70, numa antiga Igreja

da região leste, na periferia de Belo Horizonte e visava o atendimento, pelos alunos do Curso,

da comunidade carente da região. Foram entrevistados vários sujeitos, tanto professores,

alunos, funcionários quanto os próprios pacientes.

Na segunda Dissertação, denominada “Formação profissional de cirurgiões-dentistas

egressos de dois cursos superiores de orientações distintas”, defendida em 1995, por Simone

Lucas, a autora procura descobrir, de que maneira, a formação diferenciada, proporcionada

pelas duas Escolas de Odontologia de Belo Horizonte (UFMG e PUC Minas) influenciou na

atuação dos profissionais delas egressos. Neste trabalho foram analisadas as interferências da

origem social e do processo de escolarização na prática profissional dos odontólogos. Foram

entrevistados, três professores fundadores do Curso de Odontologia da PUC Minas e

“empregadores” da área odontológica, tanto do setor público quanto do privado.

Nas terceira e quarta Dissertações, defendidas em 2000 e 2001, intituladas “Da

odontologia ao oficio de ensinar: formação de professores na Faculdade de Odontologia da

PUC Minas” e “Trajetórias profissionais: a interface entre a profissão docente e a profissão

odontológica” defendidas, respectivamente, por Margaret Fernandes e Wanderley Felippe

tratam da formação acadêmica do profissional em Odontologia. A questão central do primeiro

6 Os textos dos fundadores [Modelo... (1982), Mendes & Marcos (1984), Mendes (1985), Ferreira (1985) e Meira (1985)] foram financiados pela Finaciadora de Estudos e Projetos, FINEP e publicados pela própria Universidade e voltarão a ser discutidos ao analisarmos o processo de construção do Projeto Alternativo de prática e ensino odontológicos, adotado pelo Departamento de Odontologia. As dissertações relacionadas ao departamento apresentadas na UFMG [Martins (1993) e Lucas (1995)] e na PUC Minas [Fernandes (2000) e Felippe (2001)] são de autoria de três professores egressos do Curso no início dos anos 80, dois deles atualmente professores da Católica e um deles da Federal. O quarto autor é professor da PUC, oriundo da área de Psicologia.

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8

trabalho foi a de investigar como o cirurgião dentista se torna professor de Odontologia. O

segundo trabalho procura analisar as relações na interface entre ser professor e ser odontólogo.

Em ambas as investigações foram entrevistados professores da Faculdade de Odontologia, da

PUC Minas.

Devemos explicitar que, após o Exame de Qualificação, realizado no início de 2001,

procedemos a um certo redimensionamento, do objeto de pesquisa, que antes se encontrava

mais centrado nos impactos do Sistema de Avaliação do Ensino Superior, sobre o Curso. De

início, considerávamos que os resultados obtidos pelo Curso nas avaliações de 1997 teriam

sido as principais causas do desmantelamento do Modelo Inovado de Ensino Odontológico,

proposto pelo Departamento a partir de 1974 e as reações e os desdobramentos decorrentes

desses resultados pareciam confirmar nossas hipóteses. Entretanto, ao investigarmos a história

do Curso fomos percebendo que o Modelo Inovado teve seu auge no início da década de 80 e,

que na metade da mesma década, já enfrentava sérias dificuldades que acabaram promovendo

o processo de descaracterização de sua proposta original. Passamos então a privilegiar a

análise daquele Projeto Alternativo, sem deixar, entretanto, de acompanhar o debate que se

travava, sobretudo, na mídia impressa, em torno do Sistema de Avaliação.

A motivação por esse novo enfoque – Projeto Alternativo – nos levou a formular uma

série de questões: o Modelo Inovado teria realmente sido importante e teria conseguido

legitimidade e reconhecimento? Diante de quem? Ou, aquele Projeto Alternativo não teria

passado de uma utopia de um grupo de pioneiros? Essas indagações careciam de investigação

e passaram a orientar a segunda etapa do trabalho.7

Nesse segundo momento, partimos mais uma vez da pesquisa documental, enriquecida

com conversas informais estabelecidas com professores que tinham participado, acreditando

ou não, no Projeto Alternativo. Apesar dos dados insuficientes, identificamos um período, no

início dos anos 80, em que o Curso teria sido bastante mencionado nos jornais paulistas, por

ocasião do Congresso Brasileiro de Odontologia e no decorrer da Campanha da Fraternidade,

de 1981. Essa constatação nos levou a pesquisar nos arquivos dos dois principais jornais

paulistas, nos quais, de fato, encontramos referências ao Curso de Odontologia. Paralelamente,

7 No convívio com os professores da área de Saúde, particularmente durante a pesquisa documental, entre 1998 e 2000, quando o Departamento de Odontologia localizava-se no prédio do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde, da PUC Minas, observamos que existe, nessa área, um grupo extremamente conservador, para o qual, a experimentação do Modelo Inovado em Odontologia, teria prejudicado e desqualificando a área de Saúde da Universidade. Chegamos a ouvir que a experiência vivenciada pelo Departamento de Odontologia da PUC Minas não teria passado de um grande blefe.

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9

contando com a colaboração de professores da PUC, tivemos acesso a fontes, ainda não

pesquisadas, entre as quais destacamos o Projeto de Estruturação do Departamento de

Odontologia, concluído em 1974, e uma fita magnética de vídeo, gravada em 1986, em

formato antigo, que foi convertido no sistema VHS padrão. Essa fita foi gravada durante um

Seminário, organizado pelo Departamento, no qual foram debatidos, os Projetos Alternativos

em Odontologia, empreendidos pela PUC Minas e pela PUC de Campinas. Esse evento contou

com a participação do educador Paulo Freire.8

Com o aprofundamento de nossas pesquisas e com os aportes, advindos do Exame de

Qualificação, pudemos analisar a experiência do Departamento na perspectiva dos Projetos

Pedagógicos Alternativos das décadas de 70 e 80. Essa releitura da história do Curso nos

conduziu ao terceiro momento da investigação, que se traduziu nas seguintes questões: De que

maneira aquela experiência havia se dissipado? A Faculdade de Odontologia da PUC Minas,

criada em 2000, com uma nova estrutura físico-acadêmico-administrativa, com o corpo

docente renovado e melhor qualificado e com a Pós-graduação Stricto Sensu implantada,

conservaria marcas do referido Projeto Alternativo? Quais seriam? Nesse momento voltamos a

campo buscando a finalização da pesquisa, focando os desdobramentos e as reminiscências do

Projeto Alternativo, fazendo uso de questionários e entrevistas.

As entrevistas realizadas nesta pesquisa foram, propositadamente, deixadas para a

etapa final do trabalho, pois sentíamos, a necessidade de compreender melhor o problema da

investigação, antes de ir para o campo. Chegamos a ter uma certa resistência de início, que nos

fez levantar a possibilidade de não incorpora-las como fontes de pesquisa. Contudo,

gradativamente, sentimos a necessidade de realiza-las e isso se deu após três anos de pesquisa

teórica e documental.

A elaboração dos instrumentos da entrevista foi precedida por estudos de obras

pertinentes, especialmente, analisamos “Usos e abusos da História Oral” de Ferreira & Amado

(1996) e “Investigação qualitativa em Educação”, de Bogdan & Biklen (1994). Consideramos

8 O Projeto de Estruturação do Departamento de Odontologia (Projeto... 1974), que chamaremos de Projeto Original, foi localizado e gentilmente cedido, pelo Prof. Félix de Araújo Souza, Diretor em exercício, da Faculdade de Odontologia da PUC Minas. Trata-se do documento encaminhado à Fundação Kellogg, em 1974, que viria a garantir parte dos recursos necessários à implantação do Modelo Inovado. Voltaremos a considerar a importância do Projeto e da Fundação americana, particularmente, no terceiro capítulo. Em relação à fita citada, uma cópia já convertida, foi fornecida pelo Prof. Eugênio Batista Leite, atualmente Coordenador do Curso de Ciências Biológicas da PUC Minas, que participou do Projeto Alternativo, como técnico áudio-visual e posteriormente como aluno do próprio Curso. Dessa fita, foram extraídos depoimentos, referenciados como Takito (1986), do então Diretor da Faculdade de Odontologia da PUC de Campinas, Prof. Hiroumi Takito.

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10

que o conhecimento e o convívio adquiridos sobre nosso objeto de estudo, durante os anos

precedentes bem como o aporte dessas obras tenham sido de fundamental importância na

elaboração, na execução, na transcrição e na categorização das novas fontes da pesquisa.9

Entrevistamos nove professores da Faculdade de Odontologia, que representam cerca

da metade do corpo docente remanescente do Projeto Alternativo, que tiveram um

envolvimento significativo com o mesmo. Entre os entrevistados, três deles participaram do

Projeto apenas, como professores e os outros seis vivenciaram aquela experiência,

inicialmente, como alunos e, posteriormente, como professores com diferentes níveis de

engajamento. Para a escolha desses professores, optou-se pelo ano de ingresso do entrevistado

como docente no Curso, visando obter depoimentos de professores que teriam vivenciado o

Projeto em diferentes fases do mesmo. Observamos também nessa escolha, a indicação,

advinda dos próprios professores do Departamento.

Os três entrevistados, que participaram do Projeto apenas como docentes, se formaram

pela UFMG, na década de 60, dois deles foram colegas de turma e integraram o grupo de

fundadores do Curso. O conjunto de professores, composto pelos egressos do Curso, que o

concluíram entre 1978 a 1984, foi dividido em dois grupos de quatro e dois professores,

respectivamente. A primeira geração de professores, formados entre 1978 e 1981 vivenciou,

como estudante, a construção e a implantação do Modelo Inovado de Ensino enquanto a

segunda geração de professores, formados em 1983 e 1984, experimentou, como discente,

momentos áureos intercalados por períodos de crise do Projeto Alternativo.10

As entrevistas transcorreram, de forma serena, com exceção de uma delas, em que

houve um constrangimento manifestado, de início, pelo entrevistado, talvez em função da

presença, ainda que consentida, do gravador. Entretanto, no decorrer da entrevista, sua

naturalidade foi sendo recuperada tendo prestado depoimentos consistentes e emocionados,

sobre a sua experiência no Departamento desde a implantação do Projeto Alternativo. O

constrangimento inicial acabou interferindo, pois nos atrapalhamos no manuseio do

dispositivo e acabamos “perdendo” cerca de trinta minutos da gravação. Este incidente

justifica a menor presença no texto de depoimentos advindos do Professor 1.

Exatamente pelo fato de termos optado pela realização das entrevistas na última etapa

da pesquisa, tivemos que reestruturar todo o trabalho, em função dos dados coletados pelos 9 O questionário aplicado, a caracterização do perfil do corpo docente entrevistado e o roteiro geral da entrevista encontram-se disponíveis no apêndice 8. 10 Com exceção do ano de 1982, entrevistamos egressos de todos os anos, de 1978 a 1984.

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depoimentos dos entrevistados, que por vezes reforçaram pontos de vistas anteriores e por

outras, exigiram completas reformulações no texto, anteriormente, elaborado.

Este trabalho foi dividido em quatro capítulos, que mantém entre si, grande

interlocução. No primeiro capítulo, denominado “Impactos do Sistema de Avaliação de

Ensino Superior sobre as Instituições de Ensino Superior” procuramos analisar o Sistema de

Avaliação de Ensino Superior e seus impactos sobre as IES, desde a sua implantação, em

1996. Procedemos, também, a exposição da reestruturação acadêmico-administrativa,

implementada no Curso de Odontologia da PUC Minas, a partir da divulgação dos resultados

inadequados obtidos em 1997 e acompanhamos a evolução do desempenho do Curso nas

Avaliações dos anos subseqüentes. As reações e as alianças no interior da comunidade

acadêmica foram analisadas tomando por base as idéias e conceitos dos sociólogos Norbert

Elias e Pierre Bourdieu.11 Abordamos finalmente, neste capítulo as manchetes e as discussões

divulgadas pelos meios de comunicação de massa, particularmente a mídia impressa,

referentes ao Sistema de Avaliação do Ensino Superior, com destaque especial para o Provão.

Enfatizamos as críticas feitas ao referido sistema, bem como os ajustes procedidos pelo

Ministério da Educação, no decorrer dos últimos seis anos.

No segundo capítulo, intitulado “Histórico da PUC Minas e da criação de seu Curso de

Odontologia”, apresentamos a história da PUC Minas que se encontra imbricada à história da

Igreja no século XX e, em particular, à história da Arquidiocese de Belo Horizonte que se

confunde com a história da própria capital mineira, fundada no início do período republicano.

Procuramos contextualizar nossa apresentação, enfocando o desenvolvimento econômico e

sócio-político do país e do estado, bem como os “conflitos” ocorridos na relação

Igreja-Estado, de abrangência local e nacional. Explicitamos e analisamos o momento de

criação da Proposta Inovadora do Curso de Odontologia, no âmbito de uma Pontifícia

Universidade Católica, em Belo Horizonte, nos anos 70, em pleno período de arbítrio.

No terceiro capítulo, denominado “O Projeto Alternativo de Ensino: sua construção e

(des)construção” procuramos, a partir do desenvolvimento da prática médico-odontológica,

identificar os valores, as concepções e os modelos que nortearam a elaboração da nova

proposta de Curso. Buscamos compreender o processo de construção, implantação e

consolidação do Modelo Inovado, no contexto dos projetos político-pedagógicos alternativos

11 As obras destes autores utilizadas neste capítulo foram Boudieu (1978b, 1996, 1998a, 1998c, 1999) e Elias (1994a, 1995).

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dos anos 70 e 80. Analisamos ainda, a importância, o reconhecimento e a legitimação do

Projeto na área de Saúde. Finalmente, apresentamos o processo de descaracterização do

Projeto Alternativo, a partir da saída dos fundadores em meados da década de 80. Procuramos

ainda, neste capítulo, identificar as diferentes formas de gestão do Departamento, ao longo de

sua história, tomando Max Weber, como referência.12

No quarto capítulo, intitulado “Reminiscências do Projeto Alternativo”, procuramos,

após uma breve apresentação da Faculdade de Odontologia da PUC Minas, encontrar elos

entre o passado e o presente, buscando as memórias do Projeto Alternativo, ainda existentes na

Faculdade. O aporte principal constitui-se nos depoimentos de professores remanescentes do

Projeto, coletados através das entrevistas. Tratamos, então, de entender as relações, entre o

passado e o presente, através dos aspectos que durante a pesquisa, afloraram como

significativos. Nem todos os temas foram abordados em todas as entrevistas, com exceção da

identificação das reminiscências que foi, propositadamente, colocada para todos os

professores.

12 As obras do autor pesquisadas neste capítulo foram Weber (1979, 1989, 1996) e sobre o autor foi Freund (1980) além do estudo feito por Castro (1994).

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I – Impactos do Sistema de Avaliação de Ensino Superior sobre as IES

Antes de analisarmos o Sistema de Avaliação de Ensino Superior e seus impactos

sobre as Instituições de Ensino Superior, particularmente sobre o Curso de Odontologia da

PUC Minas, faremos uma breve revisão sobre a temática da Avaliação. Embora sejam muitas

as formas de posicionar e definir a Avaliação, podemos considera-la, de um modo geral, como

sendo um processo de julgamento baseado em informações que conduz à tomada de decisões.

A qualidade dos indicadores de desempenho, das variáveis e dos instrumentos de coleta de

informações é fundamental para a qualidade técnica do processo de avaliação.1

Uma das várias maneiras de categorizar a Avaliação Educacional é através da escolha

do momento de sua realização, que pode ser no início, durante ou no final do processo que se

pretende analisar, assumindo em cada caso, respectivamente o nome de Diagnóstica,

Formativa ou Somativa. A Avaliação Diagnóstica ocorre no início do processo com o objetivo

de subsidiar o planejamento das ações; a Avaliação Formativa é aplicada uma ou várias vezes,

durante o processo que se pretende avaliar a fim de permitir o acompanhamento e o

redirecionamento do mesmo e a Avaliação Somativa, se realiza ao final do processo, visando a

construção de julgamentos e a tomada de decisões. Destacamos que essas três categorias de

Avaliação não são excludentes e tornam-se mais abrangentes quando são consideradas no

conjunto, o que nem sempre tem sido feito pelo Governo, conforme veremos.

Outra forma clássica de classificação da Avaliação é feita segundo a natureza do que se

pretende avaliar, assumindo em cada caso o nome de Avaliação de Produto, Processo ou

Institucional. A Avaliação de Produto pretende verificar se os resultados foram alcançados, o

que significa mensurar se o valor agregado do processo ensino-aprendizagem foi adequado; a

Avaliação de Processo é um instrumento de controle de qualidade, que possibilita a

intervenção ao longo do processo, objetivando resultados satisfatórios e a Avaliação

Institucional pretende analisar um escopo maior e pode ser aplicada no âmbito de um Curso ou

de um Departamento, de um Instituto ou de uma Universidade.

1 Entre os autores consagrados na fundamentação teórica sobre Avaliação citamos Bloom, Tyler, Scriven, Gardner, Anderson, Ball e Murphy. Em relação aos textos de revisão teórica sobre o assunto mais utilizados na presente pesquisa, destacamos Afonso (2000), Firme (1994) e Avaliação: tema para reflexão. Folha Dirigida, Rio de Janeiro, 28 ago. 2001.

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Nesta pesquisa centramos nossa atenção no Curso de Odontologia da PUC Minas que

foi criado em 1974 e, desde a época de sua fundação vinha sendo bastante concorrido em

termos de demanda nos concursos vestibulares, caracterizando-se por seu comprometimento

com a qualidade de ensino, e, procurando formar profissionais clínicos gerais competentes que

se tornaram muito requisitados pelo mercado de trabalho. Em 1997, a área de Odontologia foi

avaliada pela primeira vez, pelo Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior Brasileiro,

nos itens Exame Nacional de Cursos, Exame Nacional de Cursos, popularmente conhecido

como Provão, bem como na Titulação e Dedicação do Corpo Docente. Conforme

mencionamos na Introdução deste trabalho, o Curso da PUC Minas obteve o conceito C em

todos os quesitos avaliados e esse resultado inesperado, amplamente divulgado na mídia,

desencadeou uma reestruturação no Curso que redirecionou a trajetória do mesmo.

Embora o resultado dessa Avaliação não possa ser considerado como único fator

determinante na notória diminuição da demanda para o Curso no Processo Seletivo, seus

efeitos são perceptíveis.2 Mantendo, desde a sua fundação, uma relação candidato/vaga, em

média, superior a trinta, acabou por constituir-se, quase todos os anos, durante mais de duas

décadas, como sendo o Curso mais concorrido da PUC Minas. Constatamos, entretanto, que

nos últimos cinco anos houve uma queda expressiva, superior a 75%, no número de

interessados pelo Curso, conforme é possível verificar no gráfico 1, a seguir.

Relação Candidato/Vaga, entre 1994 e 2001

0

10

20

30

40

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Ano

Rel

ação

Can

did

ato

/Vag

a

Gráfico 1: Relação Candidato/Vaga, para o Curso de Odontologia, entre 1994 e 2001

2 A diminuição de demanda foi também observada no Processo Seletivo para o curso de Odontologia da UFMG. A relação candidato/vaga que na década de 90 mantivera-se no patamar de pelo menos trinta candidatos por vaga, passa a vinte e quatro e dezenove nos anos de 2000 e 2001, respectivamente.

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Apesar do número de vagas para Odontologia, em Belo Horizonte, ter sido mantido ao

longo da última década, um fator que decididamente colaborou para a redução da relação

candidato/vaga para os Cursos de Odontologia no país, parece ter sido o crescimento no

mesmo período, do número de vagas, particularmente na rede privada de ensino e a

conseqüente inflação de profissionais no mercado de trabalho. O número de Cursos de

Odontologia triplicou no Brasil, nas últimas décadas, com uma oferta de cerca de doze mil

vagas anuais, em quase cento e trinta cursos, enquanto que há cinco anos formavam-se em

torno de oito mil profissionais/ano. Isso se reflete diretamente na razão “dentista/número de

habitantes”, que apresenta atualmente valor médio de 1/1000 para o Brasil, 1/730 para a região

Sudeste e 1/320 para Belo Horizonte, sendo que a Organização Mundial de Saúde, preconiza

como ideal a razão 1/1500. A Odontologia enfrenta situação semelhante a da Medicina que

atualmente oferece cerca de 9000 vagas, em uma centena de cursos, mais da metade na região

Sudeste. Sobre a razão “médico/número de habitantes”, a Medicina apresenta 1/700 para o

Brasil enquanto a Organização Mundial de Saúde recomenda 1/1000. Para as duas áreas existe

um excedente profissional de pelo menos 30% em relação aos valores sugeridos pela

organização internacional.3

As saídas encontradas pelo Colegiado de Curso, bem como a reação da comunidade

envolvida após a divulgação do resultado da Avaliação, serão discutidas, a partir do Sistema

de Avaliação de Ensino Superior, que no âmbito da Graduação, compõe-se dos instrumentos:

o Exame Nacional de Cursos, a Avaliação das Condições de Oferta, o Programa de Avaliação

das Universidades Brasileiras, conhecido como PAIUB e Censo de Educação Superior.4

3 A UFMG e a PUC Minas praticamente mantiveram suas ofertas de vagas nos últimos 25 anos e apenas a partir do segundo semestre de 2001, ocorre um acréscimo de 60 vagas semestrais oferecidas pelo Centro Universitário Newton de Paiva. Esses dados estatísticos foram extraídos de Araújo e outros (1999), Jeunon e Santiago (1999), MARCOS, B. Ensino Odontológico: novos cursos, mais profissionais e menos demanda da população. Jornal do CROMG, Belo Horizonte, ano 19, n. 107, p. 8-9, jan./fev. 2000; Odontologia enfrenta mudanças no ensino e no mercado de trabalho. Jornal do CROMG, Belo Horizonte, ano 20, n. 114, p 8-9, mar. 2001. 4 O PAIUB, um programa que surgiu nas universidades públicas, no início dos anos 90, foi incorporado e parcialmente financiado pelo MEC a partir de 1993, quando ocorreu a adesão de grande parte das universidades brasileiras. O Programa foi praticamente abafado diante da gigantesca campanha de comunicação articulada pelo próprio MEC, a partir de meados da década, particularmente em torno do Provão. O Censo da Educação Superior faz parte do Censo Educacional, realizado anualmente, desde 1996, junto às Instituições de Ensino Superior, para fins de coleta de dados e informações estatísticas do Sistema de Educação Superior. Na Avaliação das Condições de Oferta, os itens considerados são qualificação docente, instalações e organização didático-pedagógica. A “qualificação docente” considera: titulação, regime de trabalho, produção científica, experiência profissional acadêmica e não acadêmica, relação professor/aluno, plano de cargos e salários, qualificação e regime de trabalho do Coordenador. A “organização didático-pedagógica” avalia: concepção e execução do currículo, estrutura curricular, bibliografia, pesquisa e produção cientifica, estágios desenvolvidos ou propiciados pelo curso e atividades permanentes de extensão; As “instalações” consideram: bibliotecas, laboratórios, oficinas, salas de

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Detalhamos, a seguir, os critérios e conceitos dos principais instrumentos de Avaliação, a

saber: o Exame Nacional de Cursos e a Avaliação das Condições de Oferta.

Instrumento Início Critérios/Conceitos

1996 12% A, 18% B, 40% C, 18% D, 12% E

ENC 2001

A: Nota do Curso ≥ M+δ

B: M+δ >Nota Curso ≥M+0,5δ

C: M+0,5δ>Nota Curso>M-0,5δ

D: M-0,5δ≥Nota do Curso>M-δ

E: Nota do Curso ≤ M-δ

ACO 1997

CMB (condições muito boas)=70% de conceitos A

CB (condições boas)=70% de conceitos A e B

CR (condições regulares)=70% de conceitos A, B e C

CI (cond. insuficientes)=menos de 70% de conceitos A, B e C.

Tabela 1: Critérios e Conceitos adotados no ENC e na ACO, ao longo do tempo. δ=desvio padrão (medida da dispersão em torno da média) da distribuição das notas dos cursos Fonte: http://www.mec.gov.br

Esse empenho em traçar o perfil e estabelecer o controle do Ensino Superior no país

está respaldado pela base legal discriminada na tabela 2. O Exame Nacional de Cursos surge,

em 1996, por força da Lei nº 9131/95 que foi regulamentada, em conjunto com a Avaliação

das Condições de Oferta, através do Decreto nº 2026/96. A Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, LDB, Lei nº 9394/96, foi aprovada e sancionada no atual Governo, após

um processo complexo e polêmico, que durou oito anos. Segundo Cury:

“A lei registra, de modo especial, as vozes dominantes que lhe deram vida. Mas registra também vozes recessivas, abafadas umas e silenciadas outras, todas imbricadas no complexo processo de sua tramitação. Por isso a leitura da LDB não pode prescindir desta

aula e outros equipamentos indispensáveis à execução do currículo. A meta é que a Avaliação das Condições de Oferta seja anual, mas desde a sua implantação, cada curso só foi avaliado uma única vez.

( )

( )

CursosdosMédian

NM

1nn

NNn

n

1i

n

1

2n

1i

2i

==

∑ ∑

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polifonia presente na lei, polifonia nem sempre muito afinada, polifonia dissonante.” (Cury, 1997, p.4) 5

Base Legal Data Sobre o Sistema de Avaliação de Ensino Superior

Lei nº 9.1316 24/11/1995 Estabelece a realização de avaliações periódicas das IES e dos cursos de graduação.

Decreto nº 2.026 10/10/1996 Estabelece procedimentos para o processo de avaliação dos cursos e das IES.

Lei nº 9.394 20/12/1996

Incumbe a União de avaliar os cursos e as IES e torna obrigatório, através de seu artigo 46, o reconhecimento periódico dos cursos de graduação, subsidiado por um processo prévio de avaliação externa.

Tabela 2: Base legal do Sistema de Avaliação de Ensino Superior. Fonte: http://www.inep.gov.br

Essa legislação dos anos 90 insere-se no contexto da Reforma do Estado brasileiro que

pretende modernizar e racionalizar as atividades estatais, tendo como pressuposto ideológico

básico o mercado. Essa reforma posiciona os direitos sociais, como a educação e a saúde no

setor de serviços, percebendo a Universidade como uma prestadora de serviços, introduzindo

na mesma o vocabulário neoliberal da “qualidade”, “avaliação” e “flexibilização”, palavras de

ordem, oriundas da organização do trabalho, do modelo japonês toyotista, das décadas

anteriores7. Acerca desse aspecto Chauí nos alerta que:

“Adaptando-se às exigências do mercado, a universidade alterou seus currículos, programas e atividades para garantir a inserção profissional dos estudantes no mercado de trabalho... Regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível, a universidade operacional está estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos.”8

5 O texto completo da Lei encontra-se em: BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. DOU, Brasília, 23 dez. 1996. Para detalhes do processo de discussão dessa Lei, indicamos além de Cury (1997), Neves (1995), Saviani (1997) e Demo (1997). 6 Essa lei, além de criar o Exame Nacional de Cursos, extingue o Conselho Federal de Educação e cria o Conselho Nacional de Educação. 7 O toyotismo, formulado por Ohno, engenheiro da Toyota, difundido no Ocidente a partir dos anos 70, parte do princípio de que, numa conjuntura de crise e de baixos índices de crescimento, o que mais importa é a possibilidade de atender a uma mudança contínua no produto e nos processos, em função das novas necessidades do mercado. O modelo pressupõe um trabalhador mais autônomo, com boa formação geral, capaz de adaptar-se rapidamente a novas demandas de aprendizado. Nesse mo delo, o controle é transferido do âmbito da gerência para o dos trabalhadores de tal forma que aqueles que não aderirem ao espírito do modelo, ficam isolados e marginalizados pelos companheiros de trabalho. Ver: Oliveira (1997) e Uhle (2001). 8 CHAUÍ, M. A universidade operacional. Folha de São Paulo, São Paulo, 09 maio 1999.

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A Nova LDB, como ficou conhecida, oferece, por um lado, ampla autonomia,

possibilitando, como corolário, um processo de flexibilização didática, pedagógica, científica e

administrativa, mas em contrapartida, aumenta as exigências e torna mais severos os

parâmetros para a avaliação da qualidade de ensino nas instituições. Essa Lei sugere uma

reforma no Ensino Superior, por vezes intitulada de “autonomia avaliada” ou “autonomia

contratualizada”, estruturada nos eixos da avaliação e da autonomia, que se encontram

interligados. Vários aspectos da autonomia das Instituições de Ensino Superior, atrelados aos

resultados do Exame Nacional de Cursos e da Avaliação das Condições de Oferta (tabela 3),

demonstram que a Avaliação passa a assumir uma forma de gerenciamento e controle dessas

Instituições.

Base legal Artigo Estabelece/Recomenda Portaria 2.175

27/11/1997 4º Concessão de expansão de vagas, sem consulta ao MEC, para cursos avaliados com A ou B, no ENC, por 2 anos consecutivos.

Portaria 755 11/05/1999

Abertura de processo de renovação de reconhecimento, para cursos avaliados com conceito D ou E, em 3* avaliações consecutivas do ENC ou com CI em 2 aspectos ou mais da ACO. *Bastam 2 conceitos ruins para os cursos de Letras e Matemática.

Parecer 784 11/08/1999

Renovação automática de reconhecimento, por 5 anos, para cursos avaliados com conceitos A e B, em 3 avaliações consecutivas do ENC e que não tenham recebido nenhum CI na ACO.

Parecer 1.070 23/11/1999

Renovação automática de reconhecimento, por 5 anos, para cursos avaliados com conceitos A ou B, no ENC imediatamente anterior ao pedido de renovação.

Portaria 1.466 12/07/2001

Autorização de cursos fora da sede, por universidades, que possuírem pelo menos um programa de pós-graduação stricto sensu, avaliado positivamente pela Capes (conceito ≥ 3), pelo menos 50% de conceitos A, B e C no último ENC e CMB, CB e CR na ACO.

Portaria 1.465 12/07/2001

Recredenciamento automático, por 5 anos, de universidades e centros universitários que possuírem pelo menos um programa de pós-graduação stricto sensu, avaliado positivamente pela Capes (conceito ≥ 3), com pelo menos 50% de conceitos A e B nos 3 últimos ENC e conceitos CMB e CB na ACO.9

9 As demais instituições, com prazo de credenciamento vencido na data da publicação da portaria, como era o caso da PUC Minas, tiveram até o dia 12/10/2001 para apresentarem pedido de recredenciamento, que após concedido, deverá ser refeito até 180 dias antes do vencimento. Universidades e Centros Universitários com avaliações negativas terão até um ano para sanear suas deficiências, sob pena de serem reclassificadas ou até mesmo descredenciadas.

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Base legal Artigo Estabelece/Recomenda

Portaria 92 18/01/2001 Lei 10.260 12/07/2001

Poderá habilitar-se ao FIES*, o estudante brasileiro regularmente matriculado em curso superior não gratuito e com avaliação positiva** nos processos conduzidos pelo MEC. *FIES = Financiamento ao estudante do Ensino Superior ** Considera-se curso com avaliação positiva, aquele que não tenha obtido conceitos D ou E em três avaliações consecutivas do ENC, nem tenha obtido CI em dois ou mais aspectos da ACO.

Suspensão de reconhecimento* para cursos avaliados com conceitos D e E nas três ultimas avaliações do ENC e conceito CI na dimensão “corpo docente” da ACO mais recente. *O MEC dará um prazo de um ano para que as deficiências sejam corrigidas, durante o qual o Processo Seletivo deverá ser suspenso. Se as deficiências não forem sanadas o Curso será desativado. Portaria 1.985

12/09/2001

Suspensão temporária de suas prerrogativas para abertura de novos cursos superiores e ampliação de vagas nos ursos existentes para Universidades e Centros Universitários que tenham obtido D e E em três avaliações consecutivas do ENC e um conceito CI na dimensão “corpo docente” em, pelo menos, 50% de seus cursos de graduação.

Portaria 2.402 09/11/2001 1º/2º

Concessão de expansão de vagas em até 50%, para os cursos* das IES que tenham sido autorizados ou reconhecidos com conceitos globais CMB, CB, A ou B, que não tenham obtido nenhum D ou E no ENC e nenhum CI na ACO. * Não se aplica à Medicina, Odontologia e Psicologia, que devem ouvir ao Conselho Nacional de Saúde.

Tabela 3: Atrelamento da autonomia das IES com o resultado do ENC e da ACO. Fontes: http://www.inep.gov.br e Enciclopédia (2000).

Percebe-se ainda, particularmente no caso das Universidades Públicas, uma redução da

autonomia universitária de sentido sócio-político, à gestão de receitas e despesas, de acordo

com contratos, em que, o Estado estabelece metas e indicadores de desempenho, que

determinam ou não a renovação dos mesmos. A fim de cumprir suas metas, as universidades

têm autonomia para a captação de recursos junto à iniciativa privada. Essas Universidades

passaram por reajustes orçamentários, através de rearticulações administrativas,

transformando-se de Instituições Sociais em Organizações, cuja autonomia depende de seu

sucesso e sua eficácia, medidos em termos da gestão de recursos e estratégias de desempenho,

cuja articulação com as demais se dá por meio da competição. Assiste-se, de fato, a partir dos

anos 90, a um desmonte programado e intencional de todo um sistema de saberes, vinculado

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prioritariamente às Instituições Públicas, destacando-se a ideologia da privatização como

temática preferencial da imprensa.10

Chega-se a exaltar, particularmente na mídia impressa, a flexibilidade, a amplitude do

leque de Cursos, a oferta de Cursos de curta duração, a sintonia com o Mercado e a ausência

de greves como atrativos da rede particular de Ensino Superior. De fato, o setor privado, alerta

às flutuações do Mercado, tem lançado Cursos em áreas que pretendem suprir a demanda por

novidades. Ao mesmo tempo em que o Ensino Público é exaurido de recursos, a expansão da

rede privada é apoiada e subsidiada pelo poder público, sem qualquer mecanismo de controle

social, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES, que

liberou, nos últimos dois anos 750 milhões de reais para o setor, da concessão de 160 mil

benefícios do Financiamento ao Estudante de Ensino Superior, que cobre até 70% do valor das

mensalidades, com taxa de 9% ao ano e da isenção de impostos.11 Com relação a essa isenção,

Cunha, nos adverte que:

“A acumulação de capital do Ensino Superior foi feita com um enorme incentivo fiscal. Desde a Constituição de 1937, essas instituições são isentas de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços.... Quando se vê uma grande instituição que nasceu de um cursinho como a Unip, ou de um pequeno ginásio como a Gama Filho, no Rio, que em algumas décadas se transformaram nesses impérios, a gente pensa que a acumulação de capital foi só pelo pagamento na boca do caixa pelos estudantes. No entanto, também foi importante a imunidade fiscal.”12

Com relação à distribuição de recursos para o Ensino Superior, verificamos também o

atrelamento entre a avaliação e a autonomia das Instituições de Ensino Superior, quando o

MEC anuncia, em 1999, a utilização do resultado das avaliações das Instituições Federais para

a alocação de recursos de manutenção e investimento, significando que resultados

inadequados teriam reflexo negativo direto no caixa das instituições. Este critério de

distribuição de recursos para as Instituições Públicas foi questionado, principalmente a partir

do ano 2000, quando assistimos à distribuição de recursos para instituições privadas,

provenientes do BNDES, destinados a corrigir problemas de infraestrutura, justamente para as

10 Para detalhes ver: Cury (1997), Catani (1998), Chauí (1999) e Romano (2000). 11 ‘Currículo de qualidade’ e ‘Para quem tem pressa’. O Dia, Rio de Janeiro, 09 nov. 2001; Cresce a oferta de cursos nas instituições brasileiras. Folha Online, São Paulo, 19 nov. 2001. 12 Luiz Antonio Cunha em entrevista à revista Caros Amigos: Era uma vez um rei chamado D. joão VI... Caros Amigos, ed. especial ensino superior, São Paulo, n.9, nov. 2001.

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Instituições que teriam feito investimentos insuficientes nesse item. A PUC Minas também se

beneficia, conforme veremos, dessa liberação de recursos. Sobre esse assunto, enquanto o

Ministério argumenta que, investimentos na construção de prédios e compra de equipamentos,

contribuiriam para a necessária expansão do Ensino Superior, os baixos resultados, obtidos na

Avaliação pelas Instituições de Ensino Superior particulares, estariam demonstrando que o

Brasil investe verba pública em escolas de má qualidade.13

O Sistema de Avaliação do Ensino Superior, dada a sua função de gerenciamento e

controle, pretende cobrir ainda nesta década, todo o Ensino Superior. As áreas incluídas na

Avaliação, a partir de 1996, são apresentadas, em seguida, na tabela 4. Em média, têm sido

acrescentadas ao Exame, quatro áreas por ano, com um aumento anual de 37% no número de

inscritos, com a presença de 92% dos mesmos.

Ano Áreas incluídas no Sistema de Avaliação Nº de

Áreas

Nº de

Inscritos

% Pré-

sença

%

Branco

1996 Administração, Direito, Engenharia Civil 3 59.343 94 12

1997 Engenharia Química, Medicina Veterinária,

Odontologia 6 94.296 91 2

1998 Jornalismo, Engenharia Elétrica, Letras,

Matemática 10 142.107 89 2

1999 Medicina, Economia, Engenharia Mecânica 13 173.641 92 1

2000 Agronomia, Biologia, Física, Psicologia,

Química 18 213.590 93 1

2001 Farmácia, Pedagogia 20 278.668 94 2

2002 Arquitetura e Urbanismo, Ciências Contábeis,

Enfermagem e Obstetrícia, História 24

2003 Computação, Fonoaudiologia, Geografia,

Serviço Social e Terapia Ocupacional 29

Tabela 4: Áreas incluídas no Sistema de Avaliação, a partir de 1996. Fonte: http://www.inep.gov.br.

13 Segundo Romano (1999), quando o Ministro foi questionado sobre os 300 milhões de dólares que seriam emprestados às universidades privadas, ele teria dito que não se tratava de dinheiro publico mas sim do BNDES! Sobre essa questão, indicamos Romano (1999); MEC mudará forma de distribuição de recursos. O Estado de São Paulo, São Paulo, 20 jun. 1999; MEC prioriza verbas para curso reprovado. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 fev. 2000; MEC e BNDES devem uma explicação. O Estado de São Paulo, São Paulo, 27 fev. 2000.

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A inclusão mais polêmica até o momento foi a da Medicina, prevista desde 1996, que

deveria ter sido o primeiro Curso da área de Saúde, a participar do Exame. A entrada da

Medicina no Provão foi negociada com o MEC, durante três anos, com resistência do

Conselho Federal de Medicina, que defende a avaliação feita pela Comissão Interinstitucional

de Avaliação do Ensino Médico, Cinaem. Essa Comissão surgiu como um contraponto a um

“exame da ordem” e desde 1991, foram construídas e aplicadas quatro fases de trabalho,

visando a transformação do Ensino Médico, através de um diagnóstico aprofundado e global.

Mesmo sendo voluntária, essa Avaliação tem envolvido a quase totalidade dos cursos de

Medicina do país e segue desde 1999, como sendo paralela ao Exame Nacional de Cursos.14

Além desta, várias alternativas de avaliação têm sido propostas, por Conselhos e Associações,

em substituição ou complementação ao Sistema de Avaliação proposto pelo Governo.15

Com relação à Avaliação do Corpo Docente, a Comissão de Especialistas de Ensino,

por ocasião da Avaliação das Condições de Oferta dos Cursos faz uma análise que, conforme

mencionamos, considera a titulação, o regime de trabalho, a produção científica, a experiência

profissional acadêmica e não acadêmica, a relação professor/aluno, o plano de cargos e

salários e a qualificação e o regime de trabalho do Coordenador do Curso. Independentemente

dessa Avaliação mais detalhada, as Instituições de Ensino Superior enviam anualmente ao

MEC, desde 1996, por ocasião da inscrição dos alunos no Exame Nacional de Cursos, o

cadastro dos professores em exercício e recebem conceitos de Titulação e Jornada de

Trabalho, de acordo com os critérios descritos na tabela 5.

14 Sustentada em teóricos como Boaventura de Sousa Santos e Gilles Deleuze e na Teoria da Ação Social de Carlos Mattos, a Cinaem utiliza instrumentos variados. Na avaliação discente, por exemplo, o objetivo da Comissão é estabelecer uma curva evolutiva, muito mais do que medir um desempenho estanque, em determinado momento do Curso, que só serve a um ranqueamento. Dessa forma é possível saber o quanto de conhecimento a escola transmitiu ao estudante. Ver: Provão de 1999 incluirá medicina, economia e engenharia mecânica. O Estado de São Paulo, São Paulo, 27 jun. 1998; Em medicina, a receita é mais eficaz. Caros Amigos, ed. especial ensino superior, n. 9, nov. 2001; Provão: avaliação imperfeita do ensino médico. A Tarde, Salvador, 21 dez. 2001. 15 OAB estuda adotar nota em seu exame. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 maio 1999; Novos cursos já adotam avaliação alternativa. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 jun. 1999; Universidades particulares terão exame igual ao provão. O Estado de São Paulo, São Paulo, 24 jun. 1999; OAB pretende criar ranking de cursos de direito. O Estado de São Paulo, São Paulo, 06 out. 1999; Reitores têm modelo para avaliar ensino superior. O Estado de São Paulo, São Paulo, 11 abr. 2000, Conselho de Psicologia é contra o Provão. Folha de São Paulo, São Paulo, 07 jun. 2000; Selo ´OAB recomenda`. Hoje em dia, Belo Horizonte, 03 fev. 2001; Conselhos querem aprimorar formação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 04 fev. 2001.

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Conceito Titulação % professores mestres e doutores

Jornada de Trabalho % professores com + de 20h semanais

A >50 >50

B ]30;50] ]30;50]

C ]20;30] ]20;30]

D ]10;20] ]10;20]

E ≤10 ≤10

Tabela 5: Critérios e conceitos de Titulação e Jornada de Trabalho para qualificação docente. Fonte: http://www.inep.gov.br

Além disso, a Lei nº 9394/96, exige para as Universidades em qualquer época, 30% de

Mestres e Doutores em regime integral e escalona, ao longo dos anos, a progressão necessária

em Titulação e Jornada de Trabalho (tabela 6), sob pena de conversão das referidas

instituições em Centros Universitários, cujas exigências são mais brandas. Com a nova Lei

não se constituem Centros Universitários e Universidades a partir do nada, mas sim pela

reunião de instituições existentes já credenciadas, desde que demonstrem excelência no campo

de ensino no primeiro caso e, além disso, a existência de pesquisa altamente qualificada em

programas de Pós-graduação Stricto Sensu, integrada às atividades de Extensão e de Ensino,

no segundo caso. Cada Instituição de Ensino Superior será avaliada, periodicamente, para fins

de recredenciamento, podendo ser recredenciada, descredenciada ou rebaixada, dependendo

do resultado obtido.16

16 Pela Lei nº 9394/96, as Instituições de Ensino Superior, quanto à organização acadêmica, classificam-se em: I) Universidades, II) Centros Universitários, III) Faculdades Integradas, IV) Faculdades e V) Institutos Superiores ou Escolas Superiores. A criação, através do Decreto nº 2207/97, do Centro Universitário, com autonomia limitada pressiona as Universidades ao cumprimento rigoroso ao que dispõe a LDB, sob pena de reclassificação. Sugestões foram feitas para o recredenciamento e a reclassificação de todas as Instituições de Ensino Superior do País. Ver: MEC estuda novas formas de avaliar cursos. O Estado de São Paulo, São Paulo, 06 jun. 1999. Os Centros Universitários, inspirados nos Community Colleges norte-americanos desfrutam de muitas vantagens da autonomia universitária, sendo menos exigidos com relação à pesquisa e ao corpo docente, requerendo-se apenas que demonstrem excelência no campo de ensino. Com relação à Titulação e à Dedicação do corpo docente, exige-se 20% de Mestres e Doutores e 10% dos professores em regime integral e 40%, em regime de 12 a 24 horas semanais. A quem interessa essa flexibilidade? Os Centros Universitários se oferecem como uma alternativa interessante para a rede privada e pública de ensino superior porque são menos onerosos, entretanto, o resultado obtido no Provão por essas Instituições, entre 1997 e 2000, não tem demonstrado seu bom desempenho. Ver: ‘Cursos de qualidade “duvidosa” ensinam 160 mil’, ‘Primeiro Centro Universitário hoje só tem problemas’ e ‘21 centros vão ser regularizados a partir de dezembro’. O Estado de São Paulo, São Paulo, 12 jul. 2001; Centro Universitário não é problema para MEC. O Estado de São Paulo, São Paulo, 13 jul. 2001.

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Ano Mínimo docentes em tempo integral

Mínimo docentes mestres e doutores

Mínimo docentes doutores

1997 15% 15% 5%

2001 25% 25% 10%

2004 33% 33% 15%

Tabela 6: Progressão mínima necessária, em Titulação e Jornada de Trabalho, para as Universidades. Fonte: http://www.inep.gov.br

Algumas Instituições de Ensino Superior denunciaram que, por vezes, as exigências

das Comissões de Especialistas de Ensino para um Curso em análise, superaram as exigências

apresentadas nas tabelas anteriores. Em função disso, o Conselho Nacional de Educação

acabou se posicionando contra a heterogeneidade dos critérios utilizados pelas Comissões,

registrando recomendações para as avaliações da qualificação docente.17

Apresentamos na tabela 7, os resultados, obtidos pelo Curso de Odontologia da PUC

Minas, em todos os quesitos avaliados desde 1997. Os conceitos dos itens “Titulação” e

“Jornada”, foram apropriados ao Curso, observando-se os critérios descritos na tabela 5. Uma

nova visita da Comissão de Especialistas de Ensino está prevista para o início de 2002.

Instrumento de Avaliação

Discente Docente Ano

ENC Titulação Jornada

Organização

Didático-

pedagógica

Instalações

1997 C C C SC

CR 1998 SC

B B CR CR

1999 B A A SC

2000 B A A SC

2001 C A A SC

Tabela 7: Resultados obtidos pelo Curso de Odontologia, desde 1997. SC=Sem Conceito Fonte: MEC e DATAPUC Processamento de Dados

17 ‘Exigências dificultam mudanças curriculares’ e ‘Reitores buscam alternativas para cumprir a LDB’. O Estado de São Paulo, São Paulo, 23 mar. 1999. Ver também: parecer nº 1070, de 23/11/99 em Enciclopédia (2000).

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De acordo com os resultados apresentados na tabela 7, o Curso de Odontologia da PUC

Minas foi avaliado, pelo Sistema Nacional de Avaliação, pela primeira vez, em 1997, obtendo

conceito C em todos os quesitos considerados. Em relação ao Exame Nacional de Cursos, a

elevação do conceito de C para B, demorou dois anos, pois, em 1998, por força de liminar

obtida pela União Nacional dos Estudantes, tendo em vista, a greve das Universidades

Federais, que impediu os graduandos de Belo Horizonte de prestarem o Exame. O

constrangimento da baixa e inesperada classificação de 1997, aliado ao impedimento de 1998,

revoltou, particularmente os alunos de Odontologia da PUC Minas. A presidente do Diretório

Acadêmico do referido Curso chega a declarar na imprensa local que fazer a prova era uma

questão de honra para os alunos da PUC Minas e que os mesmos pretendiam mover uma ação

judicial contra a UNE, a maior e mais significativa entidade representativa da classe

estudantil, em âmbito federal.18

Esse comportamento dos alunos, em consonância com a expectativa dos pais, pode ser

compreendido tendo em vista as aspirações do grupo familiar, principalmente da classe média,

que é a grande demanda do Curso em questão, com relação à Universidade. Ainda que não se

possa afirmar que o diploma universitário signifique sucesso garantido, espera-se que ele, pelo

menos, represente um “passaporte profissional”. Esse fato é bastante perceptível em um Curso

profissionalizante como Odontologia, que se, por um lado, exige dedicação integral do aluno e

alto investimento dos pais, pressupõe, por outro lado, a facilidade de penetração no mercado

de trabalho, seja como profissional liberal ou não. “A universidade é o paraíso das classes

médias, o lugar por excelência de suas práticas, o terreno onde se articulam os seus ideais”

(Giannotti, 1987, p. 46).

Pierre Bourdieu ao analisar as estratégias das classes sociais para obter o maior

rendimento possível de seus investimentos educativos e de seu capital escolar, enfatiza que a

classe média, obstinada pela ambição de ascensão social, chega a fazer investimentos

educativos desproporcionais aos seus recursos. Nessa classe social, o custo relativo de um

filho, entendido como custo com a educação em relação à renda familiar, tem seu valor

máximo. Cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que diretas, um certo

capital cultural e um certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados,

que contribui para definir, entre outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição

escolar, mas também um ethos de ascensão social e de aspiração ao êxito na escola e pela

18 DA da Odontologia da PUC vai recorrer. Hoje em dia, Belo Horizonte, 08 jun. 1998.

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escola, que lhes permita compensar a privação cultural com a aspiração fervorosa à aquisição

de cultura. Isto poderia justificar a indignação das famílias com o resultado obtido pelo Curso

bem como o comprometimento, em conjunto com a direção do Departamento, preocupados

em recuperar a imagem do Curso, diante de sua comunidade e da sociedade.19

Outro aspecto, abordado pelo mesmo autor, diz respeito às estratégias compensatórias

das classes sociais em relação ao Ensino Superior, face ao aumento do número de diplomados.

Estabelece-se uma luta contra a desclassificação do valor do diploma, dos profissionais já

inseridos no mercado de trabalho ou em formação versus uma tendência a abandonar os ramos

de ensino saturados. Esse fato pode explicar, em parte, a queda na relação candidato/vaga,

mostrada no gráfico 1 e a provável diminuição do nível sócio-econômico dos ingressantes. A

comunidade acadêmica, por sua vez, procura responder à inflação de diplomas, propondo o

funil, economicamente compensador para a Universidade, da Especialização como garantia de

seu nicho socialmente privilegiado de trabalho e do deslocamento da raridade de titulação ou

ainda diversificando ou fragmentando as carreiras existentes na oferta de Cursos de

Graduação.20

Ainda, segundo Bourdieu, o sistema de ensino está condenado a uma crise, pois recebe

um número cada vez maior de educandos que não dominam mais, no mesmo grau que seus

predecessores, a herança cultural de sua classe social. O interesse pela Pós-graduação pode ser

compreendido por sua rentabilidade e pela exigência do próprio mercado de trabalho, em

função da necessidade de especialização, mas principalmente pelo aumento do número de

diplomados, na Graduação. Neste caso, os benefícios materiais e simbólicos garantidos pelo

diploma, dependem de sua raridade. Assim, como as estratégias de reconversão do capital

econômico em capital cultural, que estão entre os fatores conjunturais da explosão escolar e da

19 As idéias de Pierre Bourdieu, apresentadas neste capítulo foram extraídas de suas obras, referenciadas na bibliografia, por 1978b, 1996, 1998a, 1998c e 1999. Em trabalhos mais recentes, como “Razões Práticas”, de 1996, o autor prefere admitir a existência de um espaço social ao invés de classe social, entendendo-o como um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo em estado virtual. Enquanto que Marx percebe uma classe social como um grupo mobilizado por objetivos comuns e particularmente contra uma outra classe, para Bourdieu a proximidade no espaço social não garante automaticamente a unidade, define apenas um potencial de unidade, representando uma classe provável. Para o autor as classes que podemos construir recortando as regiões do espaço social agrupam agentes tão homogêneos quanto possíveis, não apenas do ponto de vista de suas condições de existência, mas também do ponto de vista de suas práticas culturais, de consumo, de suas opiniões políticas. 20 Considerando o número de cursos de Graduação, a PUC Minas ofertava 21 cursos em 1990, 23 em 1995, 31 em 2000, ofertando atualmente 45 cursos, o que representa uma ampliação no leque de cursos de 114%, em onze anos. No caso específico da Odontologia não houve fragmentação de seu curso de Graduação mas ocorreu uma diversificação na oferta de cursos de pós-graduação, na modalidade Lato Sensu , que existe desde 1980 e a criação, em 2000, da modalidade Stricto Sensu , nível Mestrado Profissional.

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inflação de diplomas, são comandadas pelas transformações das oportunidades de lucro,

asseguradas pelas diferentes espécies de capital, o aumento de diplomas, empurra os

graduados para o novo funil sócio-econômico da Pós-graduação.21

“Acho mesmo que a ordem social que garante o modo de reprodução na sua feição escolar faz com que, mesmo aqueles que dele mais se beneficiam atualmente, sofram uma tensão comparável àquela que a sociedade de corte, tal como descrita por Elias, impunha àqueles que tinham o privilégio extraordinário de fazerem parte dela.” (Bourdieu, 1996, p. 44)

Pierre Bourdieu refere-se à obra de Norbert Elias, intitulada “A sociedade de Corte”,

na qual são desmontadas as engrenagens da sociedade de corte, surgida na França, a partir do

século XVI, a última grande formação não burguesa do Ocidente. Nesta obra Elias mostra que

a competição da vida na corte obrigava os seus membros a dominarem as suas paixões, a

reduzirem-se, nas relações com os outros, a um comportamento judiciosamente calculado e

calculista, tal que:

“...tornou-se possível avaliar o grau de prestígio de cada ação, tal como na sociedade capitalista se pode determinar o valor em dinheiro de cada fase de trabalho. A regulamentação minuciosa da etiqueta do cerimonial, do gosto, do modo de vestir e mesmo do modo de falar, tinha a mesma função. Cada pormenor era uma arma na luta pelo prestígio. A representação não visava apenas a representação exterior, a conquista de um estatuto mais elevado e de maior poder, a segregação face ao comum dos mortais; marcava mentalmente as distâncias que separavam uns dos outros, no plano interno, os membros da sociedade.” (Elias, 1995, p. 86)

21 Sobre as Especialidades em Odontologia, esclarecemos que existe um fórum de discussão, que é a Assembléia Nacional de Especialidades Odontológicas, ANEO, a primeira delas realizada em 1992 e a segunda ocorrida, em 2001. Sobre as tendências dessas Especialidades e da Pós-graduação indicamos: Qualidade e custo, os desafios na formação de especialistas. Jornal do CROMG, Belo Horizonte, ano 19, n. 107, p. 3, jan./fev. 2000; CFO e CAPES definem acordo. Jornal do CFO, Rio de Janeiro, ano 9, n. 42, p. 1, jan./fev. 2001; Acordo visa preservar qualidade do mestrado profissionalizante. Jornal do CFO, Rio de Janeiro, ano 9, n. 42, p. 6-7, jan./fev. 2001; 2º ANEO: debates sobre especialidades começou. Jornal do CFO, Rio de Janeiro, ano 9, n. 43, p. 6-7, mar./abr. 2001; Criação de novas especialidades será debatida em assembléias. Jornal do CROMG, Belo Horizonte, ano 20, n. 115, p. 8-9, maio 2001; Assembléia Estadual definiu propostas de Minas sobre especialidades. Jornal do CROMG, Belo Horizonte, ano 20, n. 116, p. 8-9, jun. 2001.

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Em síntese, compreende-se a etiqueta da sociedade de corte como uma necessidade de

manutenção da hierarquia, entre os membros da própria corte e entre a corte e os demais

estratos sociais. Nas palavras do autor:

“Através da etiqueta, a sociedade de corte faz a sua auto-representação, as pessoas distinguem-se umas das outras e, todas juntas, distinguem-se dos que são estranhos ao grupo, dando a todos e a cada um a prova do valor absoluto de sua existência.” (Elias, 1995, p.78)

Na disputa de concorrência pelo prestígio, Pierre Bourdieu observa que os diferentes

grupos lutam pela manutenção das distâncias que os separam uns dos outros:

“... todas as vezes em que as forças e os esforços de grupos em concorrência, por determinada espécie de bens ou de diplomas raros, tendem a se equilibrar como numa corrida onde, ao termo de uma série de ultrapassagens e de ajustamentos, as distâncias iniciais encontrar-se-iam mantidas, isto é, todas as vezes em que as tentativas dos grupos inicialmente mais desprovidos para se apropriarem dos bens ou dos diplomas até aí possuídos pelos grupos situados imediatamente acima deles na hierarquia social ou imediatamente à sua frente na corrida, são quase compensados, em todos os níveis, pelos esforços que fazem os grupos bem colocados para manter a raridade e a distinção de seus bens e de seus diplomas.” (Bourdieu, 1978b, p. 177)

Ou ainda, em obra mais recente, o mesmo autor enfatiza que:

“...ao converter hierarquias sociais em hierarquias escolares, o sistema escolar cumpre uma função de legitimação cada vez mais necessária à perpetuação da “ordem social” uma vez que a evolução das relações de força entre as classes tende a excluir de modo mais completo a imposição de uma hierarquia fundada na afirmação bruta e brutal das relações de força. “ (Bourdieu, 1999, p. 311)

Vários entrevistados confirmam a formação de uma elite, através do funil da

pós-graduação, com a conivência das entidades de classe e alguns já indicam a saturação

também desse mercado especializado.

“Na nova legislação com fins de regulamentação do exercício profissional e das especialidades odontológicas no Brasil, cada qual tem o seu quinhão no mercado. Não existe um estudo sobre a necessidade

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29

do especialista, sobre os benefícios da especialidade para a população. O que importa para a Associação Brasileira de Odontologia e também para as Universidades, inclusive as públicas que também cobram por esta formação, são os Cursos que serão ofertados e os recursos que serão arrecadados. Com isso fica garantido o atraso na entrada do profissional no mercado especializado, sustentando a manutenção e a formação de uma elite que pode pagar por esses Cursos de Especialização e de uma pirâmide cada vez mais larga que são os egressos da Universidade que não conseguem ‘comprar’ sua Especialidade para entrar nesse mercado elitizado, que é a única possibilidade de ascensão profissional.” (Professor 2)22

“Como quem pode pagar pelos serviços especializados é uma faixa muito pequena da população, para estes que vão disputa-la vai ser uma guerra, aí depois da Especialização vem a residência e não há garantia nenhuma de sucesso porque o espaço já está ocupado e é bastante fechado.” (Professor 5)23

Retornando à análise dos dados da tabela 7, relembramos que em 1998, o

Departamento recebe a Comissão de Especialistas em Ensino de Odontologia, para avaliar as

Condições de Oferta do Curso. Como o resultado obtido foi “Condições Regulares”, em todos

os itens, a Comissão indica, a fim de adequar os indicadores de avaliação julgados deficientes,

uma lista de recomendações que apresentamos na íntegra no apêndice 1. Além de “aconselhar”

o estímulo à capacitação e à dedicação do Corpo Docente e a elaboração, de forma coletiva, de

um Projeto Pedagógico, o relatório discrimina as melhorias necessárias em cada laboratório,

nas clínicas de ensino, nas salas de aula e na biblioteca do Curso.

Na visita da Comissão de Especialistas em Ensino de Odontologia, em 1998, foram

incluídas apenas as clínicas intramuros, instaladas no Prédio 25. A argumentação do

Colegiado, para a exclusão das clínicas extramuros foi de que elas se encontravam em fase de

desativação, o que acabou por concluir-se em meados de 2000. Abordaremos a importância

das clínicas extramuros na história do Curso nos Capítulos 3 e 4. As fotos 1 e 2, a seguir,

22 O professor havia retornado da II Assembléia Nacional de Especialidades Odontológica, realizado em Manaus em setembro último e manifestou sua indignação com a excessiva defesa dos interesses corporativos da classe, em detrimento dos interesses da população e da sociedade como um todo. 23 De fato, a Residência em Odontologia tem se expandido e os primeiros passos da PUC nesse sentido foram dados, em 2000, pela Faculdade ao criar o curso de pós-graduação, em Residência para Atendimento Odontológico de Pacientes com Necessidades Especiais. Em agosto de 2001, a Faculdade passa a ofertar vagas em residências e mini-residências, para o biênio 2001/2002, em várias áreas, através de aulas teórico-práticas com atendimento a pacientes. Ver: Odontologia vai atender crianças com câncer. PUC MINAS , Belo Horizonte, ano 15, n. 235, nov. 2001.

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30

mostram exemplos de clínicas inspecionadas pela Comissão de Especialistas em Ensino de

Odontologia, durante a Avaliação das Condições de Oferta do Curso.24

Foto 1: Exemplo de clínica intramuros, visitada pela Comissão de Especialistas em Ensino de Odontologia.

Foto 2: Exemplo de clínica intramuros, visitada pela Comissão de Especialistas em Ensino de Odontologia.

24 A localização no Campus do Prédio 25 onde localizavam-se as clínicas pode ser vista no mapa 2 do apêndice 2.

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31

De posse de todos os dados da Avaliação, o Colegiado de Curso, respaldado pela

reitoria, sem contestar os critérios de avaliação adotados pelo Governo, procurou saídas

imediatas, para que não se repetisse o resultado obtido, propondo, a partir de 1998, uma

profunda reforma acadêmico-administrativa. A resposta imediata, apresentada pelo

Departamento de Odontologia, envolveu o reajuste no valor hora-aula do Curso com a

implantação imediata de um novo currículo, a recomposição do seu quadro docente, a

construção de novas instalações, a criação da Faculdade de Odontologia com a oferta de novos

cursos de Pós-graduação Lato Sensu e a introdução da Pós-graduação Stricto Sensu, na

modalidade de mestrado profissional. 25

Alguns textos discutem essa “passividade”, com relação às medidas adotadas pelo

Governo. Ranieri (2000), por exemplo, ao apresentar as competências entre União e Estados,

mostra que a interferência da União na educação superior, para além do estabelecimento de

normas gerais e de sua regulamentação dentro dos limites do princípio da legalidade, é uma

questão política. Cabe aos Estados, no uso de sua competência, assumir sua função, ocupando

o espaço de poder usurpado, até agora, pela União. A autora discute essa questão,

principalmente em torno das Universidades estaduais paulistas, USP, UNICAMP e UNESP,

que não estariam obrigadas a se submeterem ao Sistema Nacional de Avaliação, já que essas

Instituições estão sob a tutela da Secretaria de Ciência e Tecnologia de São Paulo e do

Conselho Estadual de Educação, órgão responsável por avaliar a qualidade do ensino, em

todos os níveis, no Estado.26

Com a implantação do novo currículo, o Curso de Odontologia da PUC Minas, que, até

então fora deficitário passa, paulatinamente, a recuperar-se financeiramente, com o reajuste

praticado para os ingressantes no novo currículo, a partir do primeiro semestre de 1998. A

reforma curricular desloca o eixo teórico-prático, reduzindo em cerca de 5% a carga horária

prática e privilegiando a carga horária teórica, aumentada em cerca de 15%, com o acréscimo

de mais um semestre, afastando-se da vocação original do Curso, pautada numa forte prática

social, culminando com o fechamento das clínicas extramuros e com a construção, com

25 Esse novo currículo é produto de uma revisão e discussão iniciada em 1993, quando a atual direção assumiu a Coordenação do Curso. Embora tivesse sido aprovado no Conselho de Ensino e Pesquisa da Universidade, antes da divulgação do resultado C do Provão, o atual currículo já considerava as premissas da Avaliação, anunciadas desde a promulgação da nova LDB, em 1996. 26 Ver: Ranieri (2000); USP discute se quer manter sua adesão. Folha de São Paulo, São Paulo, 05 jun. 1999; Jornalismo da USP ameaçado. Correio Braziliense, Brasília, 05 jul. 2001; Faculdade municipal escapa da fiscalização. Folha de São Paulo, São Paulo, 08 out. 2001.

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32

recursos parcialmente financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social, BNDES, de novas clínicas no Campus, em dois prédios modernos, recém concluídos,

que aparecem na foto 3.

Foto 3: Vista das novas instalações da Faculdade de Odontologia da PUC Minas. Prédio 45 (direita): Laboratórios e Clínicas da Graduação. Prédio 46 (esquerda): Laboratórios e Clínicas da Pós-graduação.

Essas obras foram construídas em dois anos, entre 1999 e 2001. No prédio da direita,

Prédio 45, funciona uma central de Clínicas e Laboratórios, utilizadas pela Graduação

enquanto que no prédio da esquerda, Prédio 46, funcionam as clínicas especializadas,

incluindo uma clínica cirúrgica, destinadas à Pós-graduação Lato e Stricto Sensu. O antigo

Prédio 25 onde se localizavam as clínicas visitadas pela Comissão de Especialistas de Ensino

foi reformulado e, atualmente, destina-se para as aulas teóricas dos Cursos oferecidos pela

Faculdade de Odontologia além de ser utilizado por outros cursos da área de Saúde da

Universidade. Tanto a estrutura física quanto o projeto arquitetônico dos novos prédios foram

construídas objetivando o uso exclusivo da Faculdade. No prédio da Pós-graduação foi

construído um bloco cirúrgico composto por seis células, cada uma delas restrita a um único

atendimento por vez. Uma célula do bloco cirúrgico pode ser vista na foto 4

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33

Foto 4: Célula do bloco cirúrgico (Prédio 46, da Pós-graduação).

No prédio da Graduação, em cada uma das clínicas, exemplificadas nas fotos 5 e 6, é

possível atender a trinta e dois pacientes simultâneos, o dobro da capacidade das antigas

clínicas, podendo envolver uma equipe de atendimento composta por até trinta e dois alunos,

quatro professores e quatro funcionários auxiliares.

Foto 5: Clínica Integrada (Prédio 45, da Graduação).

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34

Foto 6: Clínica de Endodontia (Prédio 45, da Graduação).

Embora as instalações e os equipamentos adquiridos para as clínicas e laboratórios

sejam bastante modernos, a ergonomia dos “equipos” odontológicos e do layout da clínica, em

forma de “espinha de peixe”, aliados à falta de conforto dos professores que devem

permanecer em pé durante as aulas foram questionados por vários entrevistados e serão

discutidos nos capítulos 3 e 4, quando abordaremos os modelos de ensino odontológicos

praticados pela Faculdade.

Apresentaremos a seguir alguns dados que consideramos relevantes para a

compreensão da dimensão da reestruturação implementada no Curso de Odontologia da PUC

Minas, a partir de 1998, iniciando pela caracterização do Colegiado de Curso que a efetivou.

Na estrutura organizacional da PUC Minas, na década de 90, o Colegiado de

Coordenação Didática do Curso, era composto por quatro membros, eleitos pela Assembléia

do Curso, três deles pertencentes ao Departamento de Odontologia, que compunham a Câmara

do Departamento, e um membro representante de professores de outros departamentos, que

lecionam no Curso. O Chefe do Departamento e Coordenador do Curso, era escolhido pelo

Reitor da Universidade, dentre a lista tríplice dos professores mais votados, do Departamento.

Na atual composição da Coordenação de Curso, apenas um nome é extraído obrigatoriamente

da lista tríplice mais votada pela Assembléia do Curso e o Coordenador Adjunto, quando

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35

necessário, é escolhido pelo Reitor, ouvido o Coordenador do Curso, dentre os professores do

Curso, não necessariamente pertencente à lista tríplice mais votada.27

Na tabela 8, a seguir, apresentamos a composição do Colegiado que propôs a

reestruturação acadêmico-administrativa do Curso, após a divulgação dos resultados da

Avaliação praticada pelo MEC.

Indicador Câmara do Departamento

Representante Externo ao Departamento

Colegiado de Curso

Titulação especialistas mestre especialistas/mestre

Tempo médio de casa (anos) 18 22 19

Jornada média semanal (horas) 26 25 26

Tabela 8: Composição do Colegiado que propôs a reestruturação do Curso, em 1997. Fonte: DATAPUC Processamento de Dados

A tabela 8 nos mostra que a Câmara possuía Tempo médio de casa de dezoito anos e

Jornada Semanal média de vinte e seis horas. Já em relação à Jornada de Trabalho,

observamos uma dispersão maior nos dados, desde dezesseis horas até trinta e nove horas

semanais. O membro externo ao Departamento que, em conjunto com a Câmara do

Departamento, compunha o Colegiado de Curso tinha vinte e dois anos de casa e uma Jornada

Semanal de vinte e cinco horas na PUC Minas.

Essa Câmara do Departamento assumiu a gestão do Departamento em 1993 e foi

reeleita em 1997. À época, os membros da Câmara eram Especialistas, formados pela PUC, a

partir da terceira turma, no final dos anos 70 e foram contratados na mesma época com

diferença máxima de dois anos. Alguns dos entrevistados mencionaram que o novo chefe

vencera a chefia anterior, em uma disputa acirrada, e apresentava-se como um candidato

independente, que propunha a convergência e a conciliação, na medida do possível, dos

interesses conflitantes do Departamento.28

27 A Assembléia do Curso era, na década passada, composta por todos os professores lotados no Departamento, pelos professores de outros Departamentos que lecionavam no Curso e pela representação estudantil, na proporção de 20% dos professores votantes. A estrutura vigente da Universidade, seguindo as orientações da Nova LDB, reduz ou elimina, como no caso da Odontologia, a importância dos departamentos, reforçando a representatividade dos Cursos. A eleição da Coordenação se processa através da Assembléia de Curso que se compõe dos professores que lecionam no Curso e pela representação estudantil na mesma proporção de 20% dos professores votantes. 28 O Prof. Félix Araújo de Souza, ocupou o cargo de Coordenador do Curso de Odontologia, por nove anos, tendo sido escolhido por duas vezes, em 1993 e 1996, pelo reitor, dentre a lista tríplice mais votada pela Assembléia do

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36

Conforme mencionamos, além da reforma curricular, que levou em conta também os

objetivos do Exame Nacional de Cursos, foi acatada pela Reitoria da PUC Minas, a proposta

do Colegiado, de demissão “em massa” de professores. Fato inédito na história da

Universidade demitiu-se de uma única vez, 41% do quadro docente do Departamento de

Odontologia, trinta e dois dos seus setenta e nove professores. O perfil do corpo docente

demitido com relação a Titulação, Tempo de casa, Número de aulas e Jornada semanal pode

ser verificado através dos gráficos 2, 3, 4 e 5, a seguir.

Gráficos 2 e 3: Titulação e número de aulas semanais, respectivamente, do corpo docente demitido em 1998.

Gráficos 4 e 5: Carga horária semanal e tempo de casa, respectivamente, do corpo docente demitido.

Curso. Atualmente, em função do afastamento do Diretor da Faculdade de Odontologia da PUC Minas, criada no início de 2000, o Prof. Félix responde pela Faculdade, enquanto que a Coordenadora Adjunta do Curso de Odontologia, Profª Franca Arenare Jeunon, também pertencente ao Colegiado desde 1993, responde pelo Curso. O outro membro da Câmara do Departamento que efetivou a reestruturação de 1998, não se encontra mais nos quadros da PUC Minas, tendo se afastado da docência por razões pessoais.

Titulação do corpo docente demitido, em 1998

6%

88%

3% 3%Graduado

Especialista

Mestre

Doutor

Nº de aulas semanais do corpo docente demitido em 1998 média =

11 aulas

9%

63%

28%0%

0

0 a 10

de 11 a 20

>= 21

Jornada semanal do corpo docente demitido em 1998 média = 13 horas

semanais

19%

69%

12% 0%<=10

10 - 20 horas

20 - 30 horas

>30

Tempo de casa do corpo docente demitido em 1998, média = 17 anos

3% 9%

25%

13%

50%

< =5 anos

5 - 10 anos

10 - 15 anos

15 - 20 anos

> 20

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Esses gráficos indicam que a demissão recaiu fortemente sobre os antigos professores

com baixa Titulação, Especialistas (88%) com mais de vinte anos de casa (50%), com menos

de dez aulas semanais e carga horária semanal inferior a vinte horas (88%). Mostraremos, em

seguida, gráficos e tabelas comparativos, que refletem o perfil do corpo docente, antes e

depois das demissões, iniciando com os dados de Titulação, na tabela 9 e no gráfico 6.

1997 1998

Titulação Nº de Pro-

fessores

Porcen-

tagem

Nº de Pro-

fessores

Porcen-

tagem

Variação

Percentual

Graduado 4 5% 1 2% -3%

Especialista 53 67% 27 56% -11%

Mestre (M) 18 23% 17 36% +13%

Doutor (D) 4 5% 3 6% +1%

M + D 22 28% 20 42% +14%

Conceito C B

Total 79 100% 48 100%

Tabela 9: Titulação do corpo docente, do departamento de Odontologia, em 1997 e 1998. Fonte: DATAPUC Processamento de Dados

0

10

20

30

40

50

60

Núm

ero

de p

rofe

ssor

es

Graduado Especialista Mestre Doutor

Titulação

Titulação dos professores do departamento de Odontologia, em 1997 e 1998

1997 1998

Gráfico 6: Titulação dos professores do departamento de Odontologia, em 1997 e 1998.

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38

Esses dados mostram que a maior parte dos professores (56%) continuou sendo

composta por Especialistas, apesar da redução de 14% de Graduados e Especialistas que

possibilitou um igual aumento percentual de Mestres e Doutores. Essa recomposição na

Titulação docente significou, para o Departamento, uma mudança de C para B nesse item,

segundo os critérios expostos na tabela 5.

Na tabela 10, a seguir, encontram-se discriminados o número e o percentual de

professores do Departamento de Odontologia em função do número de aulas semanais, antes e

depois das demissões. Acrescentamos além desses dados comparativos, o número médio de

aulas semanais do corpo docente.

1997 1998

Nº de aulas

semanais

Nº de Pro-

fessores

Porcen-

tagem

Nº de Pro-

fessores

Porcen-

tagem

Variação

percentual

0 11 14% 4 8% -6%

1 a 10 43 54% 13 27% -27%

11 a 20 22 28% 20 42% +14%

> 20 3 4% 11 23% +19%

Média 12 Total 100% 17 Total 100%

Tabela 10: Nº de aulas semanais dos professores do departamento de Odontologia, em 1997 e 1998. Fonte: DATAPUC Processamento de Dados

Percebe-se uma redução de 33% de professores com menos de dez aulas semanais

acompanhados de um aumento percentual idêntico de docentes com maior número de aulas,

sendo que o maior número de professores (42%) lecionava na faixa de onze a vinte aulas

semanais.

Outros dados interessantes disponibilizados na tabela 11, dizem respeito à Jornada

semanal dos professores do Departamento, na PUC Minas, antes e depois das demissões bem

como a contribuição desses professores no conceito do mesmo quesito, de acordo com os

critérios discriminados na tabela 5.

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39

1997 1998 Jornada

Semanal

na PUC Nº de Pro-

fessores

Porcen-

tagem

Nº de Pro-

fessores

Porcen-

tagem

Variação

percentual

0 a 10 14 18% 4 8% -10%

10 a 20 51 65% 18 37% -28%

20 a 30 12 15% 19 40% +25%

> 30 2 2% 7 15% +13%

> 20 16 17% 26 55% +38%

Conceito D A

Média 14 Total 100% 20 Total 100%

Tabela 11: Carga horária semanal dos professores do Departamento, em 1997 e1998.

Acompanhando as análises anteriores, verificamos uma redução percentual de 38% de

docentes com carga horária semanal inferior a vinte horas permitindo um aumento percentual

equivalente de docentes com carga horária superior, perfazendo 55% de docentes nesta faixa,

o que significa conceito A, para o Departamento, no item Jornada de Trabalho. Como último

dado comparativo do perfil docente, apresentamos o tempo de casa dos professores, antes e

depois das demissões, na tabela 12.

1997 1998 Tempo de

casa Nº de Pro-

fessores

Porcen-

tagem

Nº de Pro-

fessores

Porcen-

tagem

Variação

percentual

<=5 2 3% 3 6% +3%

5 a 10 10 13% 6 13% 0

10 a 15 25 31% 18 37% +6%

15 a 20 18 23% 10 21% -2%

> 20 24 30% 11 23% -7%

Média 16 Total 100% 15 Total 100%

Tabela 12: Tempo de casa dos professores do Departamento, em 1997 e 1998. Fonte: DATAPUC Processamento de Dados

Com relação ao Tempo de casa do corpo docente, a demissão reduziu em 7% os

professores com mais de vinte anos de casa, aumentando na mesma proporção percentual os

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40

mais novos. Isto indica uma diminuição dos mais antigos, de 30% em 1977, para 23% em

1998. Convém lembrar que todos os docentes, com mais de vinte anos de casa conheciam

profundamente a história da trajetória do Curso, tendo participado, apoiando ou não, da

construção e implementação de seu projeto original.

Apresentamos a seguir na tabela 13, alguns dados consolidados das tabelas e gráficos

anteriores, em que procuramos comparar o corpo docente anterior e posterior às demissões

com o próprio corpo docente demitido.

Corpo docente Indicador

1997 1998 demitido

Nº de professores 79 48 32

Titulação C B D

Nº médio de aulas semanais 12 17 11

Jornada semanal na PUC 14

D

20

B

13

D

Tempo de casa (anos) 16 15 17

Tabela 13: Dados comparativos do corpo docente, do Departamento de Odontologia, em 1997 e 1998. Fonte: DATAPUC Processamento de Dados

A tabela anterior nos mostra que o corpo docente demitido possuía Jornada semanal e

Número médio de aulas semelhantes ao restante do corpo docente. Como não ocorreram

contratações, em número significativo, de imediato, foi possível redistribuir as horas e as aulas

dos demitidos, entre os professores que permaneceram no Departamento.29 A recomposição de

Carga horária possibilitou, para esse item, a migração do Conceito C para B, do Curso (tabela

7) e de D para B, na contribuição do Departamento ao Curso (tabela 13). Já a redução de

Especialistas permitiu a mudança de conceitos na contribuição do Departamento ao Curso, nos

itens Titulação de C para B, do Curso e do Departamento (tabelas 8 e 15).

Curiosamente, observamos em relação às demissões, uma repercussão muito pequena,

tanto no meio acadêmico quanto no âmbito da mídia, para um fato de tal magnitude. No

interior da Universidade não houve nenhuma manifestação significativa do corpo docente ou

29 De fato, entre os dois momentos em que os dados foram analisados, houve apenas a contratação de um Professor Doutor, com seis horas-aula semanais. Essa é a razão pela qual, em algumas tabelas, ao somarmos o

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discente do Curso, apenas uma pequena nota da Associação dos Docentes da PUC, ADPUC e

na mídia o reflexo foi também tímido, resumindo-se a duas pequenas notas, de títulos

chamativos, publicadas em jornal de penetração estadual, e no jornal do Sindicato dos

Professores da Rede Particular de Minas Gerais, por ocasião do anúncio da Campanha da

Fraternidade de 1999, cuja temática era “Sem Trabalho... Por quê?”.30

Nem mesmo a pergunta “Por que a PUC Minas, uma escola confessional, vai na

contramão do que prega a Campanha da Fraternidade e colabora para engrossar as estatísticas

de desemprego no Estado?”, expressa em uma das notas, teve qualquer repercussão na

comunidade acadêmica. Na outra nota, enquanto alguns professores demitidos questionam os

critérios adotados, alegando tratar-se de questão pessoal e política, a Universidade, por sua

vez, argumenta, através de sua assessoria de imprensa, que as demissões ocorreram, em

função de adaptação do Curso às novas exigências da LDB. Essa passividade da comunidade

acadêmica diante das demissões, parece indicar ao lado de um possível receio de

manifestação, o respaldo e a legitimidade da Câmara de Departamento diante da administração

superior da Universidade e da própria comunidade interna do Curso, que possibilitaram uma

mudança de rumo na história do Curso.31 Norbert Elias e Pierre Bourdieu nos ajudam a

compreender esse fato, ao mostrarem que:

“...embora, ao examinar do alto longos trechos da história, o observador possa notar, primeiramente, como é pequeno o poder individual das pessoas sobre a linha mestra do movimento e da mudança históricos, a pessoa que atua dentro do fluxo talvez tenha uma oportunidade melhor de ver quantas coisas podem depender de pessoas particulares em situações particulares, apesar da direção geral.” (Elias, 1994a, p. 47)

número dos professores demitidos (32), com o número dos professores remanescentes (48), não recompomos o total de setenta e nove professores de 1997. 30 As três notas que mencionam as demissões são: Entre o discurso e a prática. Jornal ADPUC , Belo Horizonte, ano 5, n. 20, p.7, fev./abr. 1999; PUC-MG desconsidera Campanha da Fraternidade e inaugura 1999 com 40 demissões. Jornal Extra-classe, Belo Horizonte, n. 92, jan./mar. 1999; JACINTO, V. Demitidos, por quê? Estado de Minas, Belo Horizonte, 13 abr. 1999. Voltaremos a mencionar neste trabalho, a importância política das Campanhas da Fraternidade para a Igreja Católica e, em particular, para o Curso de Odontologia da PUC Minas, no auge de sua Proposta Alternativa. 31 Diferentemente, no caso do curso de Direito da PUC Minas, cuja fundação é anterior à própria Universidade, não observamos esse respaldo e/ou legitimidade da Câmara de Departamento. De fato, apesar de ter obtido conceitos A e B, por três anos consecutivos no ENC, o Curso sofreu uma abertura do processo de renovação de reconhecimento, em função de ter sido mal avaliado em 1998, pela Comis são de Especialistas de Ensino de Direito, em dois itens da Avaliação das Condições de Oferta, fato esse ostensivamente divulgado na mídia em 1999. Além da pressão dos estudantes sobre a direção da Faculdade, que culminou com a renúncia do Colegiado de Curso, houve mobilização do corpo docente, principalmente em torno da ADPUC, a fim de evitar demissões. Para detalhes, ver: Martins (2002).

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42

“... a mais elementar das observações ensina-nos que a importância de diferentes indivíduos para o curso dos acontecimentos históricos é variável e que, em certas situações e para os ocupantes de certas posições sociais, o caráter individual e a decisão pessoal podem exercer considerável influência nos acontecimentos históricos.” (Id., ibid., p. 51)

“A questão da legitimidade, está inscrita em estado prático, na existência de uma pluralidade de poderes concorrentes que, no e pelo fato de seu afrontamento de poderes concorrentes e nas justificativas antitéticas e muitas vezes inconciliáveis em que se opõem, fazem surgir, inevitavelmente, a questão de sua própria justificação.” (Bourdieu, 1989, p. 376)

Embora o roteiro das entrevistas não tratasse diretamente da questão das demissões,

uma boa parte dos entrevistados abordou espontaneamente o assunto, alguns com um certo

temor em fazê-lo, destacando, com muito pesar, o ocorrido.32 Seguem, alguns trechos das

entrevistas que manifestam essa dor:

“... foi muita gente antiga e alguns sem entender o porquê, se justificou que a titulação era baixa só que doutores foram dispensados, então não ficou bem esclarecido. Do pessoal que esteve aqui desde o começo, ficaram poucos...” (Professor 5)

“... enfrentamos muita dificuldade porque veio um C em cima de nós, que nos obrigou a fazer uma mexida geral, foi terrível, principalmente porque tivemos que demitir muita gente para fazer a reestruturação toda do currículo novo.” (Professor 9)

“... depois das demissões existe sempre o medo de estar chegando aqui e estar acontecendo alguma coisa e de não saber o que vem pela frente ... causa uma ansiedade, um medo e até um balde de água fria naquele entusiasmo que a gente tinha com a instituição, ela vai se transformando aos poucos num lugar de trabalho e só ...” (Professor 7)

“... nós ficamos calados, eu acho que houve um ‘cala-boca’ muito forte, e isso é forte na gente você não imagina o quanto...” (Professor 2)

32 O questionário e o roteiro geral das entrevistas estão disponíveis no apêndice 7.

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43

Retornando aos resultados obtidos pelo Curso de Odontologia, no Sistema de

Avaliação de Ensino Superior desde 1997 (tabela 7), verificamos até o ano de 2000, uma

evolução gradativa nos resultados da Avaliação do MEC. Com relação ao Exame Nacional de

Cursos, o conceito B, obtido em 1999 e 2000, indicava uma melhoria no desempenho Curso

aos conteúdos propostos para o Exame aliado ao comprometimento dos corpos docente e

discente, empenhados em recuperar a imagem do Curso. É interessante observar que enquanto

o Curso de Odontologia da PUC Minas se recuperava no Provão, ocorria o contrário na

UFMG que após ter obtido A, nos anos de 1997 e 1999, obteve B, em 2000. Entretanto, o

resultado do Exame no ano de 2001, retoma a configuração do ano de 1997, em que a PUC e a

UFMG obtiveram, respectivamente, C e A.

Existe por parte da Direção da Faculdade uma expectativa bastante grande com relação

ao próximo Exame Nacional quando pela primeira vez as turmas formadas pelo novo currículo

prestarão o Exame. Embora o resultado C no último Provão tenha trazido novamente um certo

desconforto à Direção da Faculdade, é provável que, em respeito à atipicidade do ano 2001,

em que uma única e última turma foi formada no currículo antigo, o resultado insatisfatório

não repercuta tão negativamente como aconteceu em 1997.33 Convém lembrar ainda que desde

2000, com a criação da Faculdade de Odontologia e a expansão da Pós-graduação Lato e

Stricto Sensu, o Curso de Graduação deixou de ser o principal foco de atenção da Escola.

Considerando a Avaliação sobre o Corpo Docente, ressaltamos que a migração de

conceitos de C para B e A, a partir de 1998, em Titulação e Jornada de Trabalho, não

implicaria necessariamente em uma mudança do conceito “Condições Regulares” para

“Condições Boas” ou “Condições Muito Boas”, nesse item, já que as Comissões de

Especialistas de Ensino, consideram também outros indicadores tais como: produção

acadêmica, participação em Congressos e condições de ensino e pesquisa.

Embora o Curso tenha obtido A, em Titulação e Jornada, desde 1999, o mesmo não

ocorre ao considerarmos apenas os professores do Departamento de Odontologia, que

apresenta um resultado ligeiramente distinto. Entre os docentes da área profissional do Curso,

em 1999, o percentual de Mestres e Doutores era de 45% (conceito B) e 51% com Jornada

33 O ano de 2001 foi “atípico” porque apenas sessenta alunos que concluíram o Curso na metade do ano, prestaram o Provão, representando a última turma do antigo currículo. Em dezembro não houve formatura em Odontologia já que a turma que cursava o oitavo período no segundo semestre do ano passado, sendo a primeira turma do currículo novo implantado em 1998 se formará na metade de 2002, em função da extensão do currículo atual para nove semestres.

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semanal superior a vinte horas na Instituição (conceito A). Em 2000, mais de 50% de seus

professores eram Mestres ou Doutores (conceito A) e cerca de 40% do corpo docente

apresentava Jornada semanal superior a vinte horas na casa (conceito B). Em 2001, o

percentual de Mestres e Doutores foi praticamente mantido, enquanto que a carga horária

semanal média dos professores foi ligeiramente reduzida. Essa queda sucessiva na Carga

Horária semanal ocorreu em função do aumento de número de professores da área

profissional, vinculados ao Departamento de Odontologia, retornando-se, aos poucos, à

situação fragmentada anterior às demissões.

De fato, tomando por base de comparação os últimos quatro semestres, lecionaram no

Curso, respectivamente, sessenta e sete, setenta, setenta e dois e setenta e oito professores,

retornando-se, no final de 2001, praticamente ao número de professores anterior às demissões

que era de setenta e nove. Após as demissões de dezembro de 1998, nenhum professor antigo

foi demitido e 70% das novas contratações foram feitas, por prazo determinado, sem concurso,

no máximo por dois semestres consecutivos, segundo as normas da Universidade, gerando

uma alta rotatividade entre os mesmos. Considerando o corpo docente ativo no segundo

semestre de 2001, 23% do total foram contratados nos dois últimos anos, sendo que 18%

encontram-se com contrato temporário de trabalho. A idade média desses professores recém

contratados é de trinta e quatro anos e em relação à Titulação, 61% é composto de Mestres e

11% de Doutores.

Apesar do atendimento progressivo aos quesitos exigidos pelo MEC, a maioria dos

professores titulados da Odontologia é ainda composta de Mestres, em tempo parcial. O

percentual de Doutores no Curso atingiu o máximo de 9% no segundo semestre de 2000,

voltando a cair para 8% e 6% nos dois semestres de 2001, tendo mantido praticamente o

mesmo número de docentes em tempo integral. Esses valores estão aquém das exigências do

MEC para a Universidade como um todo, que para o ano 2001, de acordo com a tabela 6,

estipula os patamares de 25% para Titulação (Mestres e Doutores) e Número de docentes em

tempo integral, dos quais 10% deverão ser Doutores, em tempo integral, afim de que sejam

mantidas as prerrogativas de Universidade. Observamos que as exigências da Titulação, por

exemplo, só são satisfeitas quando consideramos isoladamente as contratações recentes e isso

se deve ao fato de que a evolução da qualificação profissional do corpo docente efetivo é

necessariamente lenta, em função dos tempos médios para obtenção dos títulos de Mestrado e

Doutorado, que devem ser logrados em paralelo à atividade docente.

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45

É, portanto, inegável o impacto imediato, sentido por muitas Instituições de Ensino

Superior, principalmente do setor privado, conforme exemplificado nesse trabalho, após a

ampla divulgação na mídia dos resultados da Avaliação, particularmente o Exame Nacional de

Cursos. De um modo geral, há cinco anos, os resultados do Exame Nacional de Cursos e da

Avaliação das Condições de Oferta, vem sendo aguardados pelas Instituições de Ensino

Superior, com expectativa e apreensão, pois a divulgação, dos conceitos obtidos nessas

avaliações, tem mobilizado a opinião pública e a comunidade acadêmica, consolidando o

Sistema de Avaliação do Ensino Superior, através desses instrumentos de avaliação.34 Se por

um lado o Ministério defende o estabelecimento de um círculo virtuoso entre “resultados”,

“demanda pelos melhores cursos”, “mercado de trabalho” e “qualidade”, por outro lado a

repercussão da Avaliação, nem sempre tem favorecido essa lógica. Na realidade, a divulgação

simplista dos resultados da Avaliação tornou-se tão importante na formação da opinião pública

que a discussão, no meio acadêmico, sobre o Ensino Superior e o Sistema adotado pelo Estado

Avaliador, se estendeu para além dos seus canais de divulgação próprios, travando-se,

sobretudo nos meios de comunicação de massa. Sobre a divulgação simplista da Avaliação,

apresentamos as considerações de vários pesquisadores e enfocaremos, em seguida o debate

veiculado, particularmente na mídia impressa, em torno da Avaliação.

“... as explicações simplistas, sobretudo quando se trata das políticas de educação, parecem ter uma eficácia persuasiva muito superior. Esse tipo de explicação tem outras repercussões e outro impacto em termos de manipulação de opinião pública. (Afonso, 2000, p.129)

“Vamos ter problemas para provar que nossa avaliação é mais profunda que a que vem sendo realizada. A sociedade gostou da idéia do Provão, da forma simplista do ranking.”35

“Todo mundo entende que fazendo uma prova, mede-se se uma pessoa sabe ou não determinado assunto. Assim, pode-se explicar o grande

34 Especificamente sobre a Odontologia, quatro dirigentes de faculdades de Odontologia mineiras, entre elas a PUC Minas, debatem o “abalo sísmico” provocado pelo MEC e as perspectivas do ensino odontológico no país. Ver: Avaliação do MEC incentiva escolas a mudar o ensino odontológico. Jornal do CROMG, Belo Horizonte, ano 18, n. 97, p. 6-7, maio/jun. 1998. Sobre os impactos do Provão no Ensino Superior como um todo, ver: ‘Reviravolta no ensino superior’ e ‘Provão impõe respeito’. Estado de Minas, Belo Horizonte, 08 jun. 1999; A consolidação do Provão. Jornal da Tarde, São Paulo, 11 ago. 2000. 35 Prof. Cláudio Possani, da USP, defendendo projetos nos moldes do PAIUB. Ver: Críticos dizem que era melhor o sistema antigo. O Estado de São Paulo, São Paulo, 20 dez. 2000.

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apelo popular que o Provão tem tido. ... O PAIUB passou sem ser notado, devido à sua necessária complexidade.”36

A partir de 1998, foi redobrada a atenção das Instituições de Ensino Superior, em

relação às notas obtidas no Exame Nacional de Cursos, pois para as áreas avaliadas desde

1996, uma nota ruim pela terceira vez implicaria, na abertura de um processo de renovação de

reconhecimento (tabelas 4 e 5). Em função disso, tornou-se pública a preparação dos Cursos

para o Exame Nacional, por algumas vezes dissimulada sob a forma de revisão de conteúdos e

por outras vezes explícita em cursinhos preparatórios, com direito a simulado e tudo. Algumas

instituições denunciam que enquanto as diretrizes curriculares propõem desregulamentar ao

máximo a estrutura dos Cursos de Graduação, a institucionalização do Exame Nacional de

Cursos, como instrumento de avaliação de massa, funciona como uma “camisa de força” que

favorece a criação de estruturas curriculares padronizadas.37

Outra ameaça ao Exame Nacional de Cursos foi a tentativa de melhorar artificialmente

o conceito de um Curso, através da seleção de alunos na inscrição do Exame, que é de

responsabilidade da Instituição de Ensino Superior. A avaliação do Curso era feita apenas com

base nas notas dos alunos em condições de se formar naquele ano. Em função da possível

fraude, houve, a partir de 2001, uma alteração no cálculo do Conceito de cada Curso, passando

também a integrar a média do mesmo, os alunos formados que estivessem fazendo o Exame

pela primeira vez.38

Particularmente no setor privado, muito esforço tem sido feito para aumentar a

responsabilidade dos alunos com o resultado do Exame Nacional de Cursos. De fato, a

resistência manifesta principalmente pelo boicote e pelo baixo grau de comprometimento do

corpo discente com a avaliação, tem preocupado os dirigentes das Instituições de Ensino

Superior de classe que têm proposto desde a utilização da nota do Provão na média final do

36 Prof. Antonio Emílio Araújo, da UFMG, defende a idéia de que é necessário um sistema mais complexo de avaliação, que poderia incluir o Provão, como um de seus indicadores. Ver: Os limites do Provão. Estado de Minas , Belo Horizonte, 27 dez. 2000. 37 Faculdades particulares criam cursinhos preparatórios para o Provão. Jornal Extra-classe, Belo Horizonte, jul. 1998; Instituições já montam cursinhos de preparação. O Estado de São Paulo, São Paulo, 06 jun. 1999; Curso prepara formandos para o Provão. Zero Hora, Porto Alegre, 08 jun. 2000; Avaliação isolada pode produzir distorções. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 maio 1999; Pró-reitor teme a supervalorização dos conceitos. Hoje em dia, Belo Horizonte, 04 jun. 2000. 38 Nova ameaça ao Provão. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 maio 1999; Virtudes do Provão. Correio Braziliense. Brasília, 21 dez. 2000; MEC altera regras do provão para evitar que faculdade cometa fraude. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 jan. 2001.

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curso, até a oferta de prêmios, como mecanismos que garantam o empenho dos formandos,

diante do Exame.39

Desde 1999, a utilização da nota individual do aluno, obtida no Exame Nacional de

Cursos, vem sendo discutida, em sugestões tais como na substituição da primeira etapa do

exame da Ordem dos Advogados do Brasil, na fixação de uma nota mínima para que o aluno

possa receber o diploma, ou ainda na inclusão da nota individual no histórico do aluno. Em

2000, tramitou sem sucesso, na Câmara dos Deputados, um Projeto de Lei que previa essa

última cláusula, apoiado por membros de Comissões de Especialistas, que também consideram

o sigilo mantido sobre a nota de cada aluno, um ponto falho do Exame Nacional de Cursos.

Recentemente a Medicina admitiu a utilização da nota do Provão como um dos elementos

constitutivos da seleção para a residência médica, o que daria uma dimensão nacional a esse

procedimento de recrutamento.40

A proposta de inclusão da nota do Exame Nacional de Cursos no diploma ou no

histórico do aluno retomou força a partir da divulgação do resultado de dezembro último.

Enquanto os dirigentes pressionam o MEC nesse sentido, alegando ser essa a única maneira de

garantir o comprometimento dos formandos, as associações estudantis, lideradas pela União

Nacional dos Estudantes, se posicionam contrárias à divulgação da nota individual dos alunos

e prometem um plebiscito sobre o assunto para 2002.41

Outra questão delicada relacionada com a Avaliação diz respeito à política de expansão

do Ensino Superior. Acerca da abertura de novos Cursos, por exemplo, há divergências entre

as posições do MEC e dos Conselhos Federal dos Advogados do Brasil e Nacional de Saúde,

em relação aos processos de autorização de novos cursos, pois o Ministério nem sempre tem

levado em conta seus pareceres, alegando que há espaço para a criação de cursos, em função

da demanda crescente pelo Ensino Superior. Já os Conselhos, tem apoiado suas decisões nos

indícios de exaustão do Ensino Superior privado, no não fechamento dos cursos mal avaliados

39 Estudantes são pressionados. O Estado de São Paulo, São Paulo, 08 jun. 1999; Estudantes escolhem outras formas de protestar. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 jun. 1999; Medicina faz protesto em São Paulo. O Estado de São Paulo, São Paulo, 14 jun. 1999; Aperfeiçoar o Provão. O Estado de São Paulo, São Paulo, 19 dez. 1999; Provão: Uniban dará carros aos melhores. Jornal da Tarde, São Paulo, 01 jun. 2000; Faculdade dá prêmio para tentar obter bom resultado no provão. Folha de São Paulo, São Paulo, 07 jun. 2000. 40 ‘Nota serve como referência para mercado’ e ‘Proposta cria polêmica entre estudantes’. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 maio 1999; Empresas já utilizam notas para selecionar candidatos. O Estado de São Paulo. São Paulo, 06 jun. 1999; Provão no currículo. O Dia, Rio de Janeiro, 25 jul. 2000; Medicina passa por avaliação. Estado de Minas. Belo Horizonte, 31 out. 2001; Professores querem que provão seja usado na seleção de residentes. Folha Online, São Paulo, 06 nov. 2001. 41 Provão provoca divergências. A Gazeta, Vitória, 19 dez. 2001.

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e na proliferação de fábricas de diplomas, em um setor, dominado por “empresas”

educacionais, estimulado pelo próprio Governo. Enquanto os Conselhos tendem a observar o

Mercado de Trabalho de cada profissão bem como as necessidades regionais, o Governo se

apóia em suas metas para o Ensino Superior como um todo no país.42

De fato, a Lei nº 10.172/01, aprova o Plano Nacional de Educação, para a primeira

década do novo século. Uma das metas do Plano é matricular 30% da população brasileira, na

faixa etária de dezoito a vinte e quatro anos, na Educação Superior, até 2008. Considerando

que, em 2001, 11,4% da população dessa faixa etária encontravam-se matriculados neste nível

de ensino, há espaço, a partir do presente ano, para quatro milhões de novas vagas no Ensino

Superior, que deverá ser ocupado preferencialmente pelo setor privatista. Vale lembrar que no

ano de 1964, 70% das vagas do Ensino Superior eram oferecidas pelo setor público e apenas

30% pelo setor privado e que em 2001, estes percentuais já haviam praticamente se invertido,

sendo que o setor privado registrou, apenas nos cinco últimos anos, um aumento de cerca de

60%. Ficou ainda mais assegurada a expansão da rede particular de ensino com o veto

Presidencial ao artigo da mesma Lei, que garantiria, até o final da década, uma proporção

nunca inferior a 40% do total das vagas do Ensino Superior, nas Instituições Públicas.43

A fim de garantir a expansão do Ensino Superior, o MEC autorizou, através da Portaria

nº 2.402, de novembro último, Faculdades, Institutos e Escolas Superiores, a aumentarem em

até 50%, o número de vagas, sem autorização prévia, para o próximo Processo Seletivo, para

os Cursos com bons resultados na Avaliação (tabela 3). O aumento só não vale para os Cursos

de Medicina, Odontologia e Psicologia que dependem do aval dos Conselhos de exercício

profissional. A Portaria beneficia principalmente o setor privado que é organizado em grande

parte por Instituições isoladas e Faculdades Integradas e o fato é considerado polêmico.44

42Tráfico de diplomas. Folha de São Paulo, São Paulo, 01 nov. 2000. ‘Sobram vagas em universidades privadas´ e ´Para MEC, é possível expandir´. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 mar. 2001; Exaustão do ensino superior privado. O Popular, Goiânia, 24 abr. 2001; Universidades fazem ‘vale-tudo’ por aluno. Folha de São Paulo, São Paulo, 08 jul. 2001; Competição é predatória. Estado de Minas, Belo Horizonte, 20 jan. 2002. Ver também: Cunha (1997). 43 A Lei nº 10.172 de janeiro de 2001 aprova o Plano Nacional de Educação, para a primeira década do Século XXI. Ver Enciclopédia (2000); Educação: uma década de compromissos. O popular, Goiânia, 07 nov. 2001; ‘Educação por atacado’ e ‘Faculdade pública no limite do crescimento’. Estado de Minas, Belo Horizonte, 20 jan. 2002. 44 Universidades particulares ganham mais 50% de vagas. Jornal do Brasil , Rio de Janeiro, 14 nov. 2001; MEC libera criação de vaga sem autorização. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 nov. 2001; O polêmico aumento de vagas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 nov. 2001; Licença para amontoar. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 nov. 2001; Porteira aberta. A Tarde, Salvador, 18 nov. 2001.

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Além dos embates com os Conselhos profissionais, o MEC enfrentou também o

próprio Conselho Nacional de Educação. Em meados de 2001, alegando a busca de

transparência e recuperação de credibilidade no funcionamento do Sistema de Ensino

Superior, o MEC altera, através do Decreto nº 3.860 e das Portarias nº 1.465 e nº 1.466, as

funções do Conselho Nacional de Educação, revogando várias de suas funções deliberativas,

convertendo-o em um órgão de caráter mais consultivo, retirando, por exemplo, sua

prerrogativa de decidir sobre a abertura e fechamento de cursos. Com a centralização das

decisões no âmbito estrito dos seus próprios órgãos administrativos, o Ministério estabelece a

suspensão temporária da abertura de cursos e recomenda, mediante ato do Poder Executivo, a

suspensão do reconhecimento de cursos que tenham obtido, reiteradamente, desempenho

insuficiente no Exame Nacional de Cursos e nas demais avaliações realizadas pelo MEC.45

Com a nova legislação, a regulamentação das Avaliações passa a ser responsabilidade

do próprio Ministério e o Exame Nacional de Cursos e a Avaliação das Condições de Oferta,

com importâncias destacadas, passam a ser utilizados, como instrumentos de suspensão de

reconhecimento e de autonomia das Instituições de Ensino Superior, conforme discriminado

na Portaria nº 1.985 (tabela 3). Antes dessa Portaria, o MEC havia tentado, em vão, punir

algumas Instituições de Ensino Superior, mas enfrentava resistências do Superior Tribunal de

Justiça que anulou os atos do Ministro da Educação e do Conselho Nacional de Educação que

insistia na prorrogação de prazos para o cumprimento das exigências das Comissões de

Especialistas.

Em função dessas novas medidas, acirraram-se, publicamente, durante todo o mês de

julho, as desavenças entre o Conselho Nacional de Educação e o MEC.46 As divergências

culminaram com o pedido de demissão da antropóloga Eunice Ribeiro Durham, que integrava

o Conselho Nacional de Educação desde 1997, em substituição ao filósofo José Arthur

Giannotti, que também teria deixado o Conselho por discordar da transformação de certas

Faculdades particulares em Universidades. A ex-conselheira declara que:

45 A portaria nº 323 de 31/01/2001 implanta o Sistema de Acompanhamento de Processos das IES, SAPIEnS/MEC, reabrindo o protocolo do MEC para a autorização de novos cursos superiores e credenciamento de IES, revogando a portaria nº 1098 de 05/06/2001 que suspendera esses pedidos. 46 ‘Ministério altera funções do CNE para acelerar fechamento de cursos´ e ´Convivência entre ministério e conselho nunca foi trânqüila´. O Estado de São Paulo, São Paulo, 04 jul. 2001; Reforma facilita fechamento de cursos. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 jul. 2001; Decisão encerra polêmica. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 04 jul. 2001; Divergências com o MEC causam mudanças na composição do CNE. O Estado de São Paulo, São Paulo, 20 jul. 2001; Ascensão e queda do CNE, Folha de São Paulo, São Paulo, 26 jul. 2001; Conflito de competências. Jornal da Tarde , São Paulo, 27 jul. 2001.

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“É muito perigoso eliminar uma instância para recurso. Ter uma instância fora do governo é uma válvula de segurança. É mais difícil corromper todo o Conselho [Conselho Nacional de Educação] do que um funcionário administrativo.”47

O fato é que até o final de 2001, embora tivesse tentado, o Ministério não tinha

conseguido fechar nenhum Curso mal avaliado.48 A decisão de punir com mais rigor e de

forma mais rápida as instituições que não atenderem às exigências do MEC está explicita nos

documentos legais e algumas reportagens apontam interesses políticos no recrudescimento das

medidas adotadas pelo Ministro49. Apenas em dezembro último, por ocasião do resultado do

Exame Nacional de Cursos, fazendo valer-se da Portaria nº 1985, o Ministério suspende doze

cursos, das áreas de Letras e Matemática, que ficam impedidos de realizar novos Processos

Seletivos ou aceitar novos alunos até que o MEC, através da análise de relatórios das

Comissões de Especialistas, considere possível e viável a sua recuperação. Apenas os alunos

que se formaram em 2001 terão seus diplomas reconhecidos, os demais podem transferir-se ou

aguardar até que a Instituição regularize a sua situação. Essas medidas têm provocado choques

entre os alunos e os dirigentes das Instituições suspensas que, temendo ser processadas pelos

estudantes, ameaçam processar o Governo.50

Retomando especificamente ao Provão, questiona-se que esse Exame permita apenas

avaliar o resultado final, sem considerar a evolução do aluno durante sua formação. Não se

trata, portanto, nem ao menos de uma avaliação de Produto, conforme mencionamos no início

deste capítulo, que deveria verificar o quanto cada instituição contribui para a formação do

aluno, ao invés de apenas quantificar um determinado tipo de conhecimento final. Tentando

responder a essas críticas, o MEC acena, desde 1999, para a utilização de parâmetros como a

47 A encruzilhada. Folha Dirigida, Rio de Janeiro, 26 jul. 2001. 48 CNE ignora MEC e dá prazo à Faculdade. A Gazeta, Vitória, 07 dez. 2000; Queda-de-braço: divergências entre o MEC e o Conselho de Educação ameaçam o Provão. Istoé, São Paulo, n. 1629, p. 42-43, 20 dez. 2000; Processo é lento e exige ação do CNE. O Estado de São Paulo, São Paulo, 20 dez. 2000; MEC não aceita ampliação de prazo para melhoria de faculdade do Rio. O Globo, Rio de Janeiro, 01 fev. 2001; MEC pune universidades por falta de qualidade. O Estado de São Paulo, São Paulo, 09 out. 2001; Paulo Renato anuncia suspensão dos vestibulares da Unig, do Rio. Folha de São Paulo, São Paulo, 09 out. 2001;STJ anula decisão do ministro e garante oito cursos da Uniban. Diário de São Paulo, São Paulo, 30 out. 2001. 49 Guerra de canudos: multiplicação de faculdades privadas assusta o MEC, que começa a mudar regras para a aprovação de cursos. Istoé, São Paulo, n. 1657, p. 40-42, 04 jul. 2001; De olho na Presidência, Paulo Renato centraliza decisão sobre cursos. Folha de São Paulo, São Paulo, 06 jul. 2001. 50 ‘MEC suspende 12 cursos universitários’; ‘Aluno pode pedir transferência ou esperar melhora’ e ‘Associação defende processo contra o governo federal’. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 dez. 2001.

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nota obtida no Exame Nacional de Ensino Médio, como instrumento balizador de entrada, que

permitiria, em conjunto com a nota do Exame Nacional Cursos, mensurar o “valor agregado”

ao estudante o que faria do Provão um instrumento que possibilitaria uma avaliação de

Produto. Outras metodologias, desenvolvidas no meio acadêmico, têm sido divulgadas,

propondo alterações nas posições relativas das Instituições de Ensino Superior, apresentadas

pelo MEC.51

Outro ponto controverso do Exame Nacional de Cursos diz respeito à composição dos

conceitos (tabela 1). Até o ano 2000, para um mesmo Curso, os conceitos eram distribuídos

em percentuais fixos. Desse modo, mesmo que todas as Instituições de Ensino Superior

obtivessem notas baixas, 12% e 18% delas receberiam, respectivamente, conceitos A e B, e

inversamente, ainda que todas as Instituições se saíssem bem na avaliação, 18% e 12% delas

receberiam, respectivamente, conceitos D e E (figura 1, a e b).

A partir do ano 2001, o MEC passa a utilizar uma nova sistemática para os conceitos,

que compara a distância da média do Curso à média geral da área, com a dispersão das médias

dos cursos, denominada desvio padrão da distribuição (δ). A partir dessa comparação são

construídas faixas de valores para a distribuição dos desempenhos dos Cursos, de maneira que

não está mais pré-definido o percentual de IES em cada Conceito. Uma distribuição simétrica

de notas em torno da média manteria as proporções do método anterior (figura 1), enquanto

que uma distribuição assimétrica proporcionaria mais Cursos A ou E, dependendo do tipo de

assimetria (figuras 2 e 3). Na distribuição de notas exemplificada na figura 2, não teríamos

nenhuma Instituição de Ensino Superior com conceito A, enquanto que na distribuição de

notas exemplificada na figura 3, teríamos mais escolas com conceito A do que E.

Outros tipos de distribuição, distintos aos apresentados nas figuras 1, 2 e 3, são,

evidentemente possíveis e o resultado de Exame Nacional de Cursos de 2001, nos fornece

outras possibilidades, entre as quais destacamos as ocorridas nas duas principais áreas da

Saúde. Na tabela 14, apresentamos, para a totalidade das áreas e para a Odontologia e a

Medicina, em particular, além da média geral, os percentuais dos conceitos, de A a E, obtidos

no primeiro resultado, divulgado de acordo com a nova metodologia, em dezembro último.

51 Sobre outras propostas metodológicas, ver Soares et al. (1998 e 2001); Teste traz benefícios, mas sofre objeções. Folha de São Paul o, São Paulo, 29 maio 1999; Próximo passo é aproximar as duas avaliações. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 maio 1999; Estudo questiona resultado do Provão. Estado de Minas, Belo Horizonte, 23 dez. 2000; Levantamento considera só as notas do provão. O Estado de São Paulo, São Paulo, 24 dez. 2000; Tese revela cursos mais eficientes do Provão. O Globo, Rio de Janeiro, 13 jan. 2002.

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Porcentagem de Conceitos Área Média

A B C D E

Odontologia 53,8 19,2% 10,6% 40,4% 13,5% 16,3%

Medicina 45,5 13,3% 20,5% 42,2% 10,8% 13,3%

Todas 36,3 14,3% 13,3% 40,9% 20,1% 11,4%

% até o ENC 2000 12% 18% 40% 18% 12%

Tabela 14: Média e porcentagem de conceitos obtidos, em 2001, pela Odontologia e Medicina. Fonte: http://www.mec.gov.br

Essa distribuição de Conceitos, com a maior concentração de cursos com conceitos A

do que E, verificou-se, além da Odontologia, em quatorze outras áreas, inclusive na Medicina,

prevalecendo também no resultado global. Enquanto Na Odontologia, em particular,

percebe-se uma polarização entre os Conceitos extremos, cujos percentuais foram bem

maiores do que os fixados pela sistemática anterior enquanto nos desempenhos B e D houve

uma redução em relação àquela sistemática. Já na Medicina, os Conceitos D e C juntos foram

responsáveis por 63% dos desempenhos dos Cursos. Mencionaremos as notas obtidas nos

próximos parágrafos.

Figura 1: Exemplo de distribuições de notas institucionais, simétricas, em torno de médias distintas; 1a e 1b.

Média Média

E D C B A E D C B A

0,5δ 1δ 0,5δ 0,5δ 1δ 0,5δ

1b 1a

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53

Figura 2: Exemplo de distribuições de notas institucionais, assimétricas, em torno de médias distintas, 2a e 2b.

Figura 3: Exemplo de distribuições de notas institucionais, assimétricas, em torno de médias distintas, 3a e 3b.

2a

0,5δ 1δ 0,5δ

Média Média

E D C B A E D C B A

0,5δ 1δ 0,5δ

2b

E D C B A

3b 3a

Média

E D C B A

0,5δ 1δ 0,5δ

Média

0,5δ 1δ 0,5δ

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54

Embora a nova metodologia do Exame Nacional de Cursos de 2001 possa ser

considerada um avanço em relação à anterior, já que não pré-fixa a distribuição dos Conceitos,

os critérios adotados continuam sendo relativos e não absolutos. Isso significa que se tivermos

um tipo de distribuição em torno de uma média de valor absoluto pequeno (figuras 1a, 2a e 3a)

e exatamente a mesma distribuição em torno de uma média de valor absoluto maior (figuras

1b, 2b e 3b), teríamos o mesmo número de escolas A, B, C, D e E, nos dois casos, que são

significativamente diferentes. O resultado presta-se, também nesse novo modelo, apenas a um

ranking, que permite identificar entre as Instituições de Ensino Superior, as melhores e as

piores no Exame, mas não possibilita separar os Cursos bons dos ruins, pois não existe uma

referência de Curso como ideal e nenhum questionamento é feito sobre o valor absoluto dos

resultados obtidos ou sobre a qualidade da prova, em questão.52

De fato, aceita-se a média das notas obtidas por uma determinada área como referência

e como normalidade estatística, ainda que ela seja baixa, o que tem acontecido via de regra,

conforme exemplificamos na média geral de todas as áreas, em 2001, que foi de 36,6 pontos,

numa escala de 0 a 100 (tabela 14). A Odontologia teve a segunda maior média, perdendo

apenas para a Pedagogia, as duas únicas áreas com médias superiores a 50 pontos. A Medicina

ficou em terceiro lugar com a média de 45,5 e a pior nota, 17,6 pontos, foi obtida pela

Matemática. Apesar das notas, não é possível afirmar que a área de Pedagogia está melhor

preparada do que a de Odontologia já que as avaliações não são comparáveis. Como o modelo

estatístico em vigor não responde à essa crítica, o MEC anunciou que está estudando uma

fórmula para definir um padrão mínimo de conteúdos, que deve ser alcançado pelos alunos,

permitindo definir uma nota de corte para cada curso avaliado.53 Nenhuma alteração dessas foi

anunciada para o Provão de 2002.

Além das considerações feitas nos parágrafos anteriores, observa-se que, em qualquer

uma das metodologias, se as notas dos cursos forem muito próximas, a diferença em pontos

52 Os resultados obtidos pela Odontologia, no Provão, apontam o excelente desempenho dessa área, desde o seu ingresso na Avaliação, em 1997. A área obteve a maior média em 1997, 1998 e 2000 e ficou em segundo lugar, em 1999. Embora tenhamos encontrado comentários sobre a qualidade e a capacidade discriminatória das provas de Odontologia, como poderíamos comparar as médias obtidas por diferentes áreas? Mais informações em: Avaliação do MEC incentiva escolas a mudar o ensino de Odontologia no país. Jornal do CROMG. Belo Horizonte, maio./jun. 1998; Ensino de Odontologia e mercado: desafios e perspectivas caminham lado a lado. Jornal do CROMG, Belo Horizonte, mar./abr. 2000. 53 Notas baixas predominam na maior parte dos cursos. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 jun. 1999; Sistema de notas do provão pode mudar. A Tarde, Salvador, 12 jun. 2000; Polêmica do Provão, O Dia, Rio de Janeiro, 24 dez. 2000; Provão vai mudar para ser mais fiel ao aluno. O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 fev. 2001; Provão: axioma ou sofisma. Folha Dirigida , Rio de janeiro, 19 jul. 2001.

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entre um curso A e E pode ser muito pequena. De fato, no caso do Curso de Odontologia, em

apreço, a nota C obtida em 1997 e a nota B obtida em 1999 distanciavam-se pouco

significativamente das notas limites dos conceitos B e A, nos respectivos anos, situando o

Curso em apenas duas posições distantes da faixa superior de conceitos. Como mensurar essa

modificação de conceitos com a evolução da “qualidade” do Curso? Como não é possível

comparar diretamente as Notas obtidas em exames consecutivos (Nano1 e Nano2), por

corresponderem a resultados de provas distintas, o MEC passou a apresentar, a partir de 1999,

um quadro de referência de desempenho, em conjunto com o resultado do Exame Nacional de

Cursos, que permite estabelecer a evolução da nota de cada Curso ao longo dos anos, através

da comparação entre notas padronizadas anualmente (NPano i), em torno de um valor médio de

500 e um desvio padrão de 100.

Faixa de Variação da

Nota Padronizada

(∆NP) entre os ENC

Evolução Fórmula da Nota Padronizada (NPanoi) e da

Variação da Nota Padronizada (∆NP)

∆ Nota >30% crescimento

acentuado (á)

10%< ∆ Nota ≤ 30% crescimento

moderado(ä)

-10%< ∆ Nota ≤ 10% estável (à)

-30%< ∆ Nota ≤ -10% decrescimento

moderado(æ)

∆ Nota ≤ -30% decrescimento

acentuado (â)

( )

ianononotasdaspadrãodesvio

ianonoCursosdosMédiaN

ianonoCursopeloobtidaNotaN

100NP

NPNPNP

500100NN

NP

anoi

anoi

anoi

1ano

1ano2ano

anoi

anoianoianoi

=

=

×

−=∆

+×δ

−=

Tabela 15: Evolução da Nota Padronizada em função das faixas de variação da mesma. Fonte: http://www.mec.gov.br

Os critérios de evolução estabelecidos em função de faixas de variação da nota

padronizada (∆NP) entre dois exames consecutivos bem como as fórmulas de cálculo da nota

padronizada e de sua variação (NP e ∆NP), encontram-se discriminados na tabela 15. Ainda

que esses cálculos, não permitam nenhum julgamento sobre a prova e sobre um padrão

esperado de respostas, possibilita avaliar a evolução do desempenho de um Curso, ao longo de

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uma série de exames. Ao compararmos as notas padronizadas obtidas pelo Curso de

Odontologia, em questão, apresentadas na tabela 16, verificamos que em todas as mudanças de

conceito de C para B e vice-versa, a evolução do Curso, segundo os critérios mencionados na

tabela 15, manteve-se estável (à), ainda que a variação percentual da Nota tenha sido

negativa nos dois últimos anos. Na mesma tabela mostramos os conceitos que teriam sido

obtidos pelo Curso caso fosse feita uma reclassificação baseada nos critérios de conceitos

válidos a partir de 2001. Observaríamos, neste caso uma queda de conceito de B para C no ano

de 2000, o que significaria, segundo esse modelo, que o Curso teria saído apenas por um ano

do incômodo conceito C.

Ano NP ∆NP Evolução Conceito (modelo até 2000)

Conceito (modelo de 2001)

1997 527,0 C C

1999 553,4 +5,0% estável (à) B B

2000 534,3 -3,5% estável (à) B C

2001 527,1 -1,3% estável (à) C

Tabela 16: Dados de NP, ∆NP, Evolução e Conceitos no ENC para o Curso da PUC Minas Fonte: http://www.mec.gov.br

Outro ponto que merece atenção especial é a perspectiva do Exame Nacional de

Cursos, enquanto exame teórico, para as Graduações, cujo exercício profissional, pressupõe

habilidades técnicas específicas. Por exemplo, a portaria que regulamenta os conteúdos e

habilidades necessárias ao graduando em Odontologia, destaca que o Exame Nacional de

Cursos pretende avaliar habilidades práticas como “propor e executar planos de tratamentos

adequados”.54 Sendo o Exame Nacional de Cursos um exame teórico, de quatro horas de

duração, composto de quarenta questões de múltipla escolha e cinco questões discursivas,

como seria possível avaliar a habilidade profissional do graduando, na prática odontológica,

como sugere a portaria? Segundo um dos entrevistados “a prática o Provão não avalia, não tem

como avaliar, mas o mercado avalia” (Professor 4). A Medicina tem sido a porta-voz da área

de Saúde na denúncia de que o Provão, uma verificação do saber teórico, é uma alternativa

54 Esse texto se mantém inalterado desde 1997, constando atualmente, do artigo 3º da portaria nº 19, de 04/01/2001.

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imperfeita para apreciação do profissional da área, que envolve, além do conhecimento

cognitivo, a avaliação de competência e habilidades práticas.55

Percebe-se que o MEC tem tentado resistir a esse tipo de crítica, procurando

estabelecer uma interlocução, entre teoria e prática, não somente restrita ao Exame teórico.

Para as carreiras mais práticas estão sendo estudadas modificações em relação à exigência de

Titulação do Corpo docente e na composição das Comissões de Especialistas de Ensino,

responsáveis pela Avaliação das Condições de Oferta. A proposta é que participem das

Comissões não apenas professores e especialistas como também com profissionais

reconhecidos de cada área. Conforme admite a presidente do INEP, Maria Helena Guimarães

de Castro:

“Durante este ano [2001], revimos os critérios de avaliação e estamos mais atentos às características de cada curso. No caso das carreiras mais práticas, como Medicina, não será mais exigido um número tão grande de professores com doutorado, como era antigamente. Levaremos em conta também profissionais que tenham experiência no mercado.”56

Do embate travado na própria mídia várias das críticas feitas ao Exame Nacional de

Cursos e à Avaliação das Condições de Oferta repercutiram em ajustes operacionais e

metodológicos nesses instrumentos de avaliação, bem como na condução dos processos de

renovação de reconhecimento de cursos mal avaliados e na expansão do Ensino Superior.

Longe de ser consenso, o Provão, vem sendo a questão central do Sistema de Avaliação e

devido a sua importância, esse instrumento de avaliação deverá sofrer ainda novos ajustes e

incorporar novas sistemáticas de análise sugeridas, em sua maioria, através do meio

acadêmico especializado em Métodos Quantitativos. Ainda que avanços inegáveis, do ponto

de vista metodológico, tenham sido alcançados no processo de Avaliação do Ensino Superior,

através do aprimoramento dos instrumentos de avaliação, pouco espaço tem sido ocupado com

a análise e o questionamento de ordem ideológica e filosófica que ultrapassem a dimensão

pedagógica e operacional do Sistema de Avaliação ao qual estamos todos submetidos.

55 Habilidades não são testadas. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 jun. 1999; Alunos de Medicina reclamam do ENC. A Gazeta, Vitória, 19 jan. 2001; Provão: avaliação imperfeita do ensino médico. A Tarde, Salvador, 21 dez. 2001. 56 Cursos superiores terão licença por prazo fixo. O globo , Rio de janeiro, 27 ago. 2001. Ver também: Exame vai cobrar maior nexo entre teoria e prática. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 jun. 1999; Exame privilegiou o lado prático do aprendizado. O Estado de São Paulo, São Paulo, 12 jun. 2000.

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Preocupado com esse aspecto, Afonso busca fundamentar a discussão sobre a Avaliação

Educacional, procurando:

“...ao mesmo tempo, com sentido crítico e problematizador, dar visibilidade não apenas às dimensões propriamente pedagógicas mas, sobretudo, às dimensões sociais, ideológicas e gestionárias que fizeram da avaliação um dos eixos estruturantes das políticas educativas contemporâneas.” (Afonso, 2000, p. 9)

O tipo de avaliação Somativa no qual se enquadra o Provão, apesar de tratar-se,

simplesmente, de uma avaliação de Resultados, respalda a tomada de decisão que pode levar

até mesmo a interrupção da oferta de um Curso, funcionando como um instrumento

importante de controle e de legitimação organizacional, que desencadeia pressões competitivas

e predatórias no sistema educativo, alimentando o que poderíamos chamar de “mercado

educacional”. Nesse mercado, o resultado da Avaliação passa a ser moeda importante na

definição do grau de automomia das Instituições e na fundamentação das escolhas dos

consumidores da Educação. Entretanto, esse tipo de Avaliação que estimula a comparação

sistemática entre os estabelecimentos de ensino, não traz nenhuma informação sobre a

qualidade de cada Curso e não produz, necessariamente, qualquer efeito positivo sobre a

melhoria dessa qualidade.

Nessa perspectiva entendemos que a Avaliação do Sistema de Ensino Superior

Brasileiro não deveria prescindir de um processo de Avaliação Diagnóstica e Formativa,

retomando talvez a experiência bem sucedida do PAIUB na última década, que possibilitaria

transformar o atual Sistema de Avaliação de caráter fortemente regulador em um Sistema de

Avaliação de caráter mais emancipatório. Afonso enfatiza o papel da avaliação Formativa,

nessa transformação:

“... só a avaliação formativa, enquanto ação pedagógica estruturada na base das relações de reciprocidade, e intersubjetividade validada, nos parece poder promover um novo desequilíbrio no pilar da regulação a favor do pilar da emancipação.” (Afonso, 2000, p. 125)

Procuramos identificar, neste capítulo os impactos da divulgação dos resultados do

Sistema de Avaliação sobre os Cursos de Graduação, que trouxe à tona a discussão sobre o

Ensino Superior no Brasil. A repercussão da Avaliação fez com que a discussão, no meio

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acadêmico, sobre o Sistema adotado pelo Estado Avaliador, se estendesse para além dos seus

canais de divulgação próprios, travando-se, sobretudo, nos meios de comunicação de massa e

constatando que, a imprensa escrita, tem assumido um papel decisivo na divulgação, na

formação de opinião, na consolidação e na busca de alternativas às questões relativas à

Avaliação, procuramos enfocar o debate que se travou nesse meio de comunicação, os ajustes

realizados e os questionamentos que ainda perduram em relação ao tema.

Inspirados nas conseqüências de resultados inadequados obtidos pelo Curso de

Odontologia da PUC Minas procuramos desvendar os impactos, as distorções e as estratégias

adotadas pelas Instituições de Ensino Superior, sobretudo as particulares, na perspectiva de

adequação, a todo custo, às exigências do MEC a fim de obterem bons desempenhos nas

Avaliações impostas pelo Sistema Nacional de Avaliação.

No presente Estudo de Caso, professores antigos foram demitidos; a carga horária

prática do Curso foi reduzida; o valor hora-aula foi reajustado, as Clínicas extramuros que

atendiam à população de baixa renda foram fechadas; clínicas e laboratórios modernos foram

construídos, seguindo as recomendações da Comissão de Especialistas. Um novo currículo,

em estudo desde 1993, foi implantado, considerando inclusive os conteúdos do Exame

Nacional de Cursos e professores Doutores e Mestres, na maioria das vezes completamente

desvinculados da história do Curso foram contratados; todos esses fatores contribuindo para a

descaracterização completa de sua vocação original.

Apesar de toda a reestruturação físico-acadêmico-administrativa feita no Curso de

Odontologia e do aparente ajuste aos indicadores do MEC, verificada através da melhoria de

desempenho nos anos anteriores, o Curso retoma, em 2001, à configuração fragmentária do

corpo docente e ao desempenho insatisfatório no Exame Nacional de Cursos, do ano de 1997.

Desta vez a repercussão da Avaliação na comunidade acadêmica foi muito menor do que

naquela oportunidade e as razões para isso parecem estar ligadas à diversidade dos interesses

da Faculdade voltados, prioritariamente, para a Pós-graduação, aliada à expectativa de

Avaliação dos formandos do novo currículo que ocorrerá no Provão de 2002.

Para melhor compreendermos o passado e o presente do Curso em apreço, tornou-se

imperativo pesquisar suas raízes e optamos por fazê-lo, vis-à-vis a história da Igreja e da PUC

Minas, em Belo Horizonte, remontando à fundação da Capital mineira no final do Século XIX,

procurando, na continuidade da pesquisa, responder as seguintes questões: Qual era o contexto

sócio-econômico-político da época da criação do Curso? Que espaço havia na PUC Minas e

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em Belo Horizonte para a criação de mais um Curso de Odontologia? Porque a PUC Minas

teria se interessado por um Projeto Alternativo de Ensino em Odontologia? Quais são as

pessoas que elaboraram o projeto original do Curso de Odontologia? Sob que inspiração o

fizeram? Que perfil profissional almejavam? Qual a trajetória do Curso? Esse Curso adquire

legitimidade, reconhecimento pedagógico e boa aceitação no mercado de trabalho? Diante de

quem se consolida esse reconhecimento? Como se processa a descaracterização de sua

proposta original?

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II – Histórico da PUC Minas e da criação de seu curso de Odontologia

A história da PUC Minas, criada em 1948, encontra-se imbricada à história da

Arquidiocese de Belo Horizonte e ao desenvolvimento da própria cidade, inaugurada em 1897.

A possibilidade de revisitar, nessa pesquisa, a história da jovem Capital mineira pôde ser

enriquecida com inúmeras publicações recentes por ocasião do centenário da Cidade. A idéia

da mudança da capital do Estado, remonta às rebeliões do século XVIII, em Ouro Preto, antiga

Vila Rica, no tempo da Inconfidência mineira. Desde o início do ciclo da mineração, no

referido século, Minas começou a merecer destaque, tendo sido administrada, por Portugal, de

modo peculiar e altamente controlador, através de Regulamentos para Minas Gerais, que

procuravam garantir lucros para a metrópole.1

O levante de 1789, liderado pelos Inconfidentes, tinha como objetivo principal a

instauração da República, sendo a mudança da Capital um de seus corolários. A escolha e a

construção de Belo Horizonte, como a nova sede do Governo, não ocorreram sem protestos,

pois essa transferência envolvia conflitos entre as elites políticas e econômicas do Estado, que

se debatiam fortemente desde a transformação da colônia portuguesa em Império do Brasil,

em 1822, quando Minas teve que se igualar às demais Províncias, no contexto centralizador do

poder Executivo.

Várias tentativas de aprovação da mudança da Capital foram feitas nos anos seguintes,

mas a forte oposição de Ouro Preto que pretendia manter-se como sede do poder, bem como a

rivalidade entre possíveis cidades candidatas, adiaram sua aprovação por quase 70 anos.2 A

decadência da mineração e o crescimento da economia agrário-exportadora no século XIX

geraram disputas regionais entre o centro minerador e as zonas da Mata e Sul, em ascensão

econômica, principalmente em função do café. O café, cultivado principalmente no Oeste

paulista e nas zonas da Mata e Sul mineiras, proporcionou a elevação do padrão de vida das

camadas intermediárias, provocou a construção de estradas de ferro e de outros meios de

transporte, promoveu a mecanização das indústrias e contribuiu para a instalação das

manufaturas.

1 Entre as publicações recentes sobre a história da cidade, destacamos as coletânias de textos: Dutra (1996), Neves (1996) e Medeiros (2001) e sobre os Regulamentos para Minas Gerais sugerimos Prado Jr (1981). 2 Para detalhes desse período da história de Belo Horizonte, indicamos Barreto (1995) e Silva (1991).

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A posição geográfica de Ouro Preto, sua topografia, a improdutividade dos solos das

áreas circunvizinhas e as limitações de acesso ao litoral e ao comércio exterior reforçaram a

tese dos “mudancistas” que almejavam uma Capital moderna, voltada para o futuro promissor,

afastada daquela cidade que representava fortemente o passado decadente. Com o fim da

Monarquia e a Proclamação da República em 1889, a inadequação de Ouro Preto como sede

político-administrativa do regime republicano tornou-se evidente e a idéia da mudança da

Capital retomou fôlego.

A mudança da Capital foi um dos assuntos mais discutidos na Constituição Mineira de

1891.3 Apesar de ter sido aprovada, a transferência da Capital teve sua execução retardada,

novamente por razões políticas. O texto da Constituição destaca a idéia de uma Capital

planejada, estabelecendo que “é decretada a mudança da Capital do Estado para um local que,

oferecendo as precisas condições higiênicas, se preste à construção de uma grande cidade”.4

As construções de cidades como Washington, nos EUA, no final do século XVIII e de

La Plata, na Argentina, no final do século XIX, planejadas para funcionarem como capitais

político-administrativas, em que a macro-localização se sobrepôs à micro-localização,

exerceram forte efeito-demonstração, para o caso mineiro. Entretanto, ao contrário das plantas

dessas cidades, em blocos quadrados, a concepção de Belo Horizonte foi em diagonal, dando à

cidade uma característica inconfundível, facilitando a ligação entre os bairros. Além disso,

suas ruas, avenidas e praças representaram uma ruptura com a tradição do urbanismo colonial

mineiro, delineando um espaço emblemático de um novo tempo.5

Cesário Alvim, representante da tradicional política da decadente zona de mineração,

republicano de última hora, primeiro presidente6 efetivo do Estado de Minas Gerais, embora

fosse “antimudancista”, reconhecia que a mudança da Capital era questão urgente, pois a força

das zonas da Mata e do Sul fazia-se sentir, cada vez mais, com suas bandeiras separatistas

3 Ver Franco (1977) e Resende (1974). 4 Artigo nº 13, nas disposições transitórias da Constituição Mineira, de 15/06/1891, grifo nosso. 5 Mello (1996) nos lembra que a fundação de cidades gerou, ao longo da história, espaços de glória. A capital dos EUA, Washington, fundada em 1790, levou o nome do herói comandante do exército revolucionário da independência, consagrando-a como cidade-monumento. Belo Horizonte foi edificada como espaço de glória republicano, símbolo da modernidade. O seu traçado moderno pode ser visto no mapa 1, do apêndice 2, que atualmente representa apenas a região central de BH, interna à Av. do Contorno, que praticamente coincide como o traçado original da região urbana da Cidade. 6 Embora “Presidente de Estado” fosse, na época, a denominação oficial do chefe do governo de cada Estado, utilizaremos doravante a nomenclatura atual “Governador de Estado”, deixando o título de Presidente, apenas para o chefe da Nação.

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freqüentemente acenadas nas sessões do Congresso Constituinte.7 Porém a ameaça separatista,

o apoio dado ao presidente Deodoro da Fonseca, no golpe de Estado de 1891 e a pressão

exercida por Floriano Peixoto, após assumir a presidência da República, culminaram com a

renúncia de Cesário Alvim.8

Afonso Pena9, o novo governador do Estado, assume o cargo em 1892, em clima tenso,

agravado pelas revoltas que se desenrolavam na esfera federal, estabelece estratégias de uma

política conciliatória e possibilita a mudança da sede do governo.10 O governador sabia que

era imprescindível resolver a questão da mudança e capitalizava o fato de que essa idéia era

uma aspiração não apenas das novas forças econômicas, como também, de grupos ligados às

políticas do antigo centro minerador, que reconheciam as limitações de Ouro Preto, para sede

administrativa do Estado. Pena atribuiu ao poder Executivo a nomeação de uma comissão de

estudo para avaliar as localidades indicadas pelo Congresso como candidatas à sede

administrativa do Estado. Foi, também instituída uma comissão construtora, coordenada por

um brilhante engenheiro civil paraense, regulamentando, com instruções minuciosas, a

construção da nova Capital.11

7 As reivindicações separatistas aconteceram ao longo de todo o século XIX, principalmente no Sul de Minas, onde se pretendia criar um novo estado que seria chamado de “Minas do Sul”, de interesses exclusivamente cafeeiros. Sobre esse assunto ver, por exemplo, Mello (1996). 8 Diante dos conflitos entre a autoridade do poder executivo, representada por Deodoro da Fonseca e do poder legislativo, representado pelo Congresso, o Marechal, confiante no apoio do Exército, dissolve o Congresso Nacional, decretando “estado de sítio” na Capital Federal e Niterói. No regime republicano, tal atitude foi entendida como arbitrária e abusiva, caracterizando um golpe de Estado. Os grupos que se opunham a Deodoro, organizaram-se em torno de seu vice, Floriano Peixoto, que após a renuncia do presidente, assume o poder. Particularmente sobre o período dos governadores Cesário Alvim e Afonso Pena, indicamos a leitura dos capítulos “A Constituinte Mineira” e “O governo do Estado”, da obra “Afonso Pena e sua época”, de Lacombe (1986), dirigida por Afonso Arinos de Melo Franco. 9 Afonso Augusto de Moreira Pena foi conselheiro da Monarquia, senador na Constituinte Mineira de 1891, segundo governador constitucional do Estado de Minas Gerais, de 1892 a 1894 e presidente da República, de 1906 a 1909, ano de seu falecimento. Para detalhes de sua carreira política, indicamos além de Lacombe (1986), o caderno especial do centenário de seu nascimento, em Folha de Minas, Belo Horizonte, ano 14, n. 4407, p. 1-5, 30 nov. 1947. 10 A revolta da Armada e a luta entre federalistas e republicanos no Rio Grande do Sul, levaram à decretação do estado de sítio do qual Minas foi poupada, tornando-se, de fato, em abrigo de perseguidos políticos. 11 A comissão de estudo, responsável pelo parecer e projeto do local mais conveniente para a Capital, era composta de sete membros, três senadores e quatro deputados, sendo que a maioria (quatro do total) era representante das regiões da Mata e do Sul. A Lei estadual adicional nº 1 de 1891, indica para exame as localidades de Juiz de Fora, Barbacena, São João del Rei, Paraúna, Curral del Rei (BH) e Várzea do Maçal. Segundo a Comissão, as duas últimas apresentavam melhores condições, tendo sido BH a escolhida por 30 contra 28 votos. A análise das votações revela que a questão da escolha do local para a nova Capital foi acima de tudo uma luta entre as zonas decadentes e as zonas prósperas do Estado. A Lei estadual adicional nº 3, de 1893, fixa em quatro anos o prazo para a mudança da Capital, aprova o plano de Belo Horizonte, proposto pelo engenheiro Aarão Reis e o Decreto nº 680 de 14/02/1894 formaliza a Comissão Construtora, firmando as bases para a construção da cidade.

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Para reduzir as resistências oriundas dos que queriam a continuidade de Ouro Preto, o

Governo Afonso Pena concede, através da mesma Lei Adicional à Constituição, lotes na nova

Capital, aos funcionários do Estado e proprietários naquela cidade, ao transferirem-se para

Belo Horizonte. O bairro onde foi concedida a maioria desses lotes, em zona nobre da cidade,

próximo à sede do Governo, recebe até os dias atuais o nome de “Funcionários”.12 O

governador garantia, de um lado, seu apoio à mudança: “não é de hoje que tenho a convicção

de que o Estado de Minas Gerais auferirá vantagem com a mudança de sua capital para outro

ponto” e de outro, exacerba o discurso, antidemocrático, da ordem: “não é prudente, sem

dúvida, levantar questões que possam tomar um caráter ardente, que possam tomar um caráter

de declaração de guerra a qualquer parte da população, por menor que seja” (Anais, 1891, p.

445). Sua política centrada em estratégias conciliatórias permitia o avanço de seus projetos e

abafava o oposicionismo de Ouro Preto e as antigas reivindicações separatistas, vindas

principalmente do sul de Minas.

Vários pesquisadores13 analisam o cenário deste embate político e as articulações

ocorridas na época, que culminariam com a fundação de Belo Horizonte. Todos apontam a

existência de duas economias, duas mentalidades - o antigo centro minerador decadente e a

zona próspera da Mata e Sul - com interesses próprios. De acordo com Iglesias:

“...há um confronto latente entre os setores progressistas que encarnavam um ideal republicano; os liberais que, representando um outro modelo de república, propunham a manutenção do status quo, no sentido de uma modernização conservadora; e, por fim, os setores conservadores, ainda arraigados a um ideal monárquico, somente conformados com a situação republicana .” (Iglesias, 1990, p. 212)

“...através do discurso de interlocutores privilegiados, os grupos progressistas e liberais se conformaram, ao final, num projeto único, moderno no projeto arquitetônico da Capital e conservador na composição política da cidade. Nesse confronto de interesses houve uma nítida derrota do projeto político dos primeiros republicanos, com a subseqüente cooptação de seus ideais, por parte de setores liberais, empenhados em resguardar sua parcela de poder.” (Id., ibid., p. 213, grifo nosso)

12 Ver mapa 1, no apêndice 2. 13 Dentre eles, citamos Franco (1977), Iglesias (1990), Souza (1996) e Torres (1962).

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Patrus Ananias14, também, retoma a referida articulação política, afirmando que:

“A construção de Belo Horizonte estava ligada a prioridades dentro do Estado no momento em que se legitimava uma nova ordem política nacional, por meio da modernização e progresso. Os limites dessa nova ordem estavam postos na preservação das estruturas sociais e econômicas, bem como na permanência de valores culturais e ideológicos em que as classes dirigentes apoiavam a sua hegemonia e a sua dominação.” (Souza, 1996, p. 33)

Já Mello, apresenta uma visão mais conciliatória, acreditando que mudar a capital

significaria ganhar o futuro pelo passado.

“... o ato de fundar Belo Horizonte permitiu erigir Ouro Preto como raiz original de Minas e ao mesmo tempo torna-la centro sagrado da República brasileira. Espaço que poderia ajudar a fixar e a identificar a nação brasileira com o Estado sob a égide da República. Desta maneira, Belo Horizonte surgia como a outra face da moeda.” (Mello, 1996, p. 35)15

De modo habilidoso, Afonso Pena buscou incorporar o discurso adversário, encontrou

espaços de conciliação entre as forças republicanas e as remanescentes do antigo regime,

impondo o seu projeto de república possível, no lugar da república planejada. Na passagem do

Governo do Estado para seu sucessor, Bias Fortes, em 1894, Afonso Pena tornara-se

reconhecido como político e administrador. De fato, durante seu Governo, Minas ficou,

praticamente imune ao “vendaval” que arrasou a autonomia de tantos Estados. Além disso, ele

promoveu a consolidação das leis fiscais e conseguiu resolver a velha questão da mudança da

sede dos poderes públicos do Estado. Podemos afirmar que o então presidente do Estado tinha

um claro projeto político, que o projetaria na área federal e acabaria por conduzi-lo à

presidência da República em 1906.

Com sua construção iniciada em 1894, a antiga Curral del Rei e seus arredores foram

sendo completamente desapropriados e demolidos, transformado-se a região, por vários anos,

14 Patrus Ananias Souza é professor de Direito Político da PUC Minas, foi advogado de presos políticos durante o regime militar e foi prefeito de Belo Horizonte, pelo Partido dos Trabalhadores, entre 1992 e 1996. 15 Na mesma obra o autor defende que tornar Ouro Preto santuário era criar o altar dos heróis republicanos de 1789, fundando para as elites, escol do povo, suas origens e ideais que demoraram cem anos para atingir o poder, obra da República. Vale lembrar que em 1980, Ouro Preto perpetua-se na história, através do seu reconhecimento como Patrimônio da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, UNESCO.

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em um verdadeiro canteiro de obras. Afinal a Comissão Construtora tinha pressa já que

aprovada a mudança, o prazo constitucional caducaria em quatro anos. Os proprietários do

Arraial e imediações, sem outra escolha, foram indenizados e tiveram suas propriedades

demolidas. A população aumentava assustadoramente, atraindo trabalhadores de vários

lugares, bem como imigrantes europeus, sobretudo italianos, incentivados pelo Estado.16

Uma questão controversa naquela época, centrava-se na demolição dos velhos templos

Católicos do Arraial, já que a Comissão Construtora necessitava de autorização formal da

Diocese de Mariana, afim de prosseguir seus trabalhos nas áreas de propriedade da Igreja

Católica. Abílio Barreto fornece, na íntegra, a correspondência trocada entre o Governador do

Estado e o Bispo da Diocese de Mariana, na qual a referida autorização é solicitada.

Percebe-se o confronto dos interesses da hierarquia Católica e do Governo do Estado, na

definição do espaço da Igreja Católica na edificação planejada da cidade. Destacamos, a

seguir, alguns trechos dessa correspondência, na seqüência original das cartas:

“...devem ser demolidos no distrito de Belo Horizonte, para o conveniente traçado da nova cidade destinada à capital do Estado, então a Matriz e a Capela Nossa Senhora do Rosário, pertencentes ao culto católico de que sois um dos respeitáveis chefes. Para satisfação desta necessidade do serviço público e salvaguarda dos elevados interesses da religião católica, assume o Estado o compromisso de fazer oportunamente construir, em lugar apropriado, novos templos que substituam os que têm de ser demolidos.” (Barreto, 1995, p. 175)17

“Efetivamente, não basta que o Estado se comprometa a construir novos templos, se não também um cemitério, que substitua o cemitério paroquial de Belo Horizonte, cujo uso foi proibido pela Comissão Construtora. Além disso, não se podendo entender que seja pensamento do Estado deixar aquela numerosa população sem os recursos da religião, sendo como é tão extensa a área da projetada cidade, bem se poderia empreender as obras por outros pontos, deixando-se para mais tarde possível a demolição dos templos. E quando de todo não se possa prescindir dessa dolorosa medida, torna-se indispensável que, antes da demolição da Matriz, esteja preparado, pelo menos, o templo provisório que se preste com a devida decência aos atos do culto, dos católicos.

16 O local onde construiu-se a Capital mineira chamava-se “Curral del Rei” até 1890, quando recebeu a denominação de “Belo Horizonte”. A nova sede administrativa do Estado foi criada pela Lei Estadual nº 3, de 1893, inicialmente com o nome de “Cidade de Minas”, tendo sido inaugurada, em 1897, com o mesmo nome, voltando definitivamente a denominar-se “Belo Horizonte” em 1901. Hoje a cidade é carinhosamente conhecida por suas iniciais “BH” , “Belorizonte” ou simplesmente “Belô”. 17 Trecho da carta do governador do Estado, Afonso Pena, para o bispo da Diocese de Mariana, em 08/08/1894.

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Por outra parte, sendo certo que boa parte da área da nova cidade é patrimônio da Matriz e da Capela de Nossa Senhora do Rosário, assim como das capelas extintas de Santana e S. João Batista, compreende V.Exª que a autoridade Diocesana não pode fugir ao dever de pugnar pela defesa de tais direitos, que, aliás, estou certo, só acharão garantia e apoio nos Primeiros Magistrados do católico povo mineiro.” (Id., ibid., p.176)18

“Estando agora acabados os projetos dos novos templos, precisando o Governo providenciar a demolição dos atuais, venho de novo solicitar o definitivo assentimento de V. Exª Revma a essa medida, necessária à edificação da nova Capital. Os templos projetados corresponderão à majestade do culto católico e a demolição dos existentes se fará à medida da construção dos novos, de modo a não serem os fiéis privados dos atos religiosos.” (Id., ibid., p.176)19

“...nenhuma dúvida ponho em anuir à referida demolição da Igreja Matriz e da Capela de Nossa Senhora do Rosário de Belo Horizonte, depois que estiverem prontos os templos que em lugar apropriado o Estado assumiu o compromisso de construir. ... O expediente único, portanto, que concilia as necessidades da obra projetada pelo Estado com os direitos da Igreja e com os interesses religiosos da população católica é adiar-se a demolição proposta, até que a construção prometida dos novos templos esteja concluída.” (Id., ibid., p.177)20

No decorrer desse episódio, o poder eclesiástico contrapõe-se ao poder público, não

apenas em nome dos supostos interesses da população católica e, assim, a resistência da Igreja

Católica assume, primordialmente, um caráter político. Por mais que pareça se tratar de mera

questão religiosa, esse embate constituiu-se em uma atitude claramente política, em um ato de

demarcação de espaços e poder.21 Esse confronto de interesses ocorre, na mesma década, em

que se inicia um processo gradual de afastamento da Igreja da vida pública brasileira, a

exemplo do que vinha ocorrendo na Europa durante o século XIX, através de uma legislação

política laica, que estabelecia um Estado não confessional. Os líderes do movimento

republicano, inspirados pelo Positivismo, consideravam, em geral, a Igreja como uma

18 Trecho da carta resposta do bispo de Mariana para o governador, em 18/08/1894. 19 Trecho da carta do o governador do Estado, Bias Fortes, para o bispo de Mariana, em 15/12/1894. 20 Trecho da carta resposta do bispo de Mariana para o governador do Estado, em 16/12/1894. 21 Marcelina Almeida (1996) analisa a importância da antiga Matriz da Boa Viagem, a resistência da Igreja e a construção da Catedral de mesmo nome, no mesmo lugar, contrariando a planta original da Cidade.

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instituição conservadora, aliada e dependente da monarquia, cuja força e prestígio precisavam

ser extintos.22

De fato, logo após a Proclamação da República, o Governo Provisório publicou,

através de Decreto, a separação da Igreja e do Estado e a liberdade religiosa de culto.23 Apesar

das intervenções e dos apelos da hierarquia católica, a Constituição republicana de fevereiro

de 1891, adotou uma filosofia não confessional, nitidamente laicista, eliminando a evocação

do nome de Deus na Carta Magna, proibindo o ensino religioso nas escolas públicas.

Independente da nova legislação, o Padroado, união da Igreja com o Estado, já havia feito com

que o catolicismo, seus valores e princípios, impregnassem, profundamente, a vida cultural da

colônia e do império. A educação, por exemplo, assumira, plenamente, o conteúdo doutrinário

do cristianismo pós-reforma.24 Segundo Severino:

“A cosmovisão católica serviu de ideologia adequada, para a promoção e a defesa dos interesses da classe dominante, ao mesmo tempo que fundamentava a legitimação, junto às classes dominadas, dessa situação econômico-social, objetivamente marcada pela exploração da maioria por uma minoria. (Severino, 1986, p. 70)

Apesar da impregnação dos valores cristãos na vida brasileira, a extinção do Padroado,

determinada pela Carta Magna republicana, com o afastamento da Igreja da cena pública e dos

assuntos seculares, transformando instituições religiosas em civis, almejava garantir ao

Estado, o direito exclusivo de imposição legal. Acerca desse aspecto, Romano mostra que:

“...neste momento verificou-se uma nova forma de luta entre o poder coercitivo ainda externo, o Estado republicano, e o poder persuasivo interno, a Igreja. Para os dois está em jogo a conquista da consciência dos sujeitos. A desejabilidade ou não da obediência primeira a um ou

22 O Positivismo contrapõe-se à Igreja e ao ensino de cunho humanístico e defende a laicidade do ensino público. Politicamente, defende o surgimento do Estado Positivo, que adota como forma de governo a República ditatorial, na qual o ditador, portador do saber científico, governa dentro dos princípios da “ordem e progresso” engendrados na ciência. Sobre o assunto ver, por exemplo, Oliveira (1993). Para um relato da reação da Igreja Católica à laicização republicana, recomendamos Moura (1978), Matos (1990) e Azzi (1978b). 23 Decreto nº 119-A, de 07/01/1890, de autoria do jurista Rui Barbosa, então ministro da Fazenda da República. A liberdade de culto, propalada neste decreto, não incluía as religiões de origem africana que só foram beneficiadas pelo princípio de liberdade religiosa em 1941. 24 No século XVI, aconteceu a Reforma Protestante, que foi um movimento de oposição à Igreja Católica e, que entre outras alterações no sistema de valores da sociedade européia, extinguiu certos cânones que dificultavam a obtenção de lucro e a acumulação do modo de produção capitalista. Portugal e Espanha lideraram a Contra-Reforma que procurou promover a “purificação” da Igreja. Ver: Matos (1997) e Weber (1996)

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outro dos poderes é a forma ainda hoje operativa no debate entre as duas soberanias.” (Romano, 1979, p. 104)

Retornando ao impasse criado entre a Igreja e o Estado, os planos do traçado da Capital

foram alterados em torno da região ocupada pela Matriz da Boa Viagem, principal lócus da

vida social e religiosa do Arraial, que, como um dos poucos testemunhos do antigo povoado,

assistiu à inauguração da Capital. Mostraremos mais adiante, a importância da construção da

Catedral da Boa Viagem, concluída na década de 20, no mesmo local da Matriz, num período

de recuperação do poder eclesiástico, ameaçado desde o início da República.

A construção da Capital envolvia, além da edificação da moderna planta na região

urbana, obras de construção de um ramal férreo que alcançaria a cidade, projetos de

exploração de água de córregos vizinhos, rede de esgotos, desenho da planta geodésica e

cadastral dos arredores do arraial, localização de possíveis focos de propagação de doenças

como cemitérios, matadouros e depósitos de lixo, tudo sendo planejado de acordo com a

concepção científica de cidade, em que novas questões haviam sido incorporadas pelo

urbanismo. Uma avenida, chamada de Av. do Contorno, circundaria a cidade, projetada como

cinturão higienizador, separando a região urbana da suburbana, sendo que o espaço

geometricamente planejado com estrutura diagonal, referia-se apenas à área urbana. Esta

separação nos remete à idéia do cordão sanitário autoritário, utilizada por Foucault ao estudar

o Sanitarismo como prática médica.25

Na concepção científica da cidade, não bastava um modelo de traçado ou soluções

estritamente arquitetônicas; a gestão das cidades tornara-se interdisciplinar, mobilizando

saberes jurídicos, médico-sanitaristas e estatísticos. A geometria clara e arejada da planta de

Belo Horizonte concorria, de acordo com as novas premissas urbanísticas, para a higiene

coletiva, cerceando proximidades e contágios promíscuos entre os homens e os elementos

ambientais suspeitos. Essas premissas incorporadas ao planejamento de Belo Horizonte

acabariam por caracteriza-la, como uma “cidade sanatório”, um lugar ideal para cura e

convalescença de enfermos, o que teria contribuído para a consolidação atual de sua vocação

25 Os preceitos médico-sanitaristas fundamentados no Sanitarismo Inglês, na Medicina Urbana francesa e na Polícia Médica da Alemanha, dos séculos XVIII e XIX, estudados por Foucault (1979) e Mendes (1984), serão retomados no próximo capítulo, ao tratarmos da prática médica e dos modelos de Odontologia. Para visualizar o cordão sanitário desempenhado pela Av. do Contorno, ver mapa 1, do apêndice 2.

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na área médica. A cidade cenário, moderna e higiênica, pretendia ainda promover o

deslocamento do tradicional espaço doméstico da sociabilidade para os espaços públicos.26

Belo Horizonte é, oficialmente inaugurada, para exercer sua função

político-administrativa, em dezembro de 1897, dias antes do esgotamento do prazo

constitucional para sua fundação, com a transferência de Ouro Preto para Belo Horizonte de

praticamente toda a administração pública do Estado. As obras continuam e ainda são

intensas, pelo menos, até a virada do século. Nas palavras de Afonso Arinos Franco:

“Minas Gerais fechava o século XIX, que representara para a província uma era mais de decadência do que de prosperidade, com um admirável esforço, uma verdadeira batalha em que o ideal republicano, posto a serviço de interesses econômicos, se afirmava vitoriosamente no plano técnico e administrativo. A criação de Belo Horizonte, encerramento do século passado, romântico e oratório, marca a presença de uma nova mentalidade política, mais de acordo com a era técnica característica do século XX.” (Franco, 1977, p. 262)

As primeiras décadas do século XX em Belo Horizonte caracterizaram-se pelo

processo de ocupação da cidade27, sede de governo do segundo Estado mais influente, no país,

na época, perdendo apenas para São Paulo, capitania pobre do período colonial e província de

restrita expansão no Império, que adquire status econômico, a partir do desenvolvimento da

agricultura cafeeira, transformando-se no Estado economicamente mais importante do Brasil

republicano.28

A política financeira praticada pelo governo provisório da República desencadeou,

uma inflação desenfreada, paralelamente, a alguns efeitos positivos na industrialização. A

reorganização econômica do país só foi possível no governo Campos Sales, que imprimiu uma

política rígida de contenção e saneamento financeiros, garantindo segurança às classes rurais,

26 Sobre o aspecto da mudança do lócus da sociabilidade, indicamos Berman (1986). No capítulo intitulado “Petersburgo: o modernismo do subdesenvolvimento”, o autor mostra que a construção de São Petersburgo, na Rússia do século XVIII, é provavelmente o exemplo mais dramático, de modernização draconiana concebida e imposta, a fim de transformar a cidade num teatro político e a vida cotidiana num espetáculo. A finalidade essencial da rua é a sociabilidade, agindo de um lado como um cenário para as fantasias das pessoas e de outro lado oferecendo o conhecimento verdadeiro para aqueles capazes dessa decodificação. Acerca da concepção higiênica das cidades em geral e de BH em particular, ver Julião (1996). 27 Bahia (1997) esclarece que após uma fase de crescente ritmo de ocupação, a construção da cidade entra em colapso, durante a II Guerra Mundial, de 1914 a 1918, em função da dificuldade de importação de materiais, largamente utilizados na época. 28 Schwartzman (1982) ao analisar o desenvolvimento do Estado de São Paulo, mostra que o desenvolvimento social e econômico do estado mais rico, mais industrializado e moderno do país, desde o início do século XX, foi acompanhado de relativa debilidade política.

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fortalecendo a agricultura de exportação, mas desagradando aos setores que dependiam ou se

beneficiavam de obras públicas, prejudicando também o incipiente processo de

industrialização.29

As medidas econômicas de contenção expressavam os interesses da classe dominante e

possibilitavam um pacto federal, segundo o qual, o predomínio político e econômico dos

Estados poderosos, alavancados por São Paulo e Minas Gerais, se verificavam inclusive na

conquista alternada entre eles, da presidência da chamada república do “café com leite”,

fazendo alusão ao café e ao gado, principais riquezas desses Estados. Essa política dos Estados

teve como base o coronelismo, um sistema político que é dominado por uma relação de

compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido, que foi o pedestal

de um esquema político que perdurou cerca de trinta anos. Durante esse período, o poder

central, fosse a força armada ou o presidente da República, deveria, para subsistir, articular-se

aos Estados, nomeando governadores ou com eles concertando um pacto federal.30

O predomínio político dos Estados poderosos verificou-se, por exemplo, com o grave

problema econômico vivenciado pela República Velha, relacionado com a queda dos preços

do café. Essa crise agravou a situação financeira dos fazendeiros de café e levou o Governo a

tomar medidas para assegurar os preços e manter a margem de lucros. Para consubstanciar

essas medidas, foram feitos empréstimos no exterior, fato esse que contribuiu para aumentar

nosso endividamento externo. A pior crise ocorreu em 1928, quando a Europa e os EUA, em

depressão econômica, reduziram drasticamente suas compras, provocando a falência de

inúmeros fazendeiros.

Não se pode considerar que durante a República Velha tenha ocorrido um processo de

industrialização significativo do país. Houve apenas um aumento das atividades industriais no

29 Campos Sales foi presidente da República de 1898 a 1902; em seu governo começaram a consolidar-se a ordem civil e financeira do país, através do funding loan, negociado com bancos ingleses, em 1898, que significava a compra da dívida externa brasileira em troca da renovação dos serviços da dívida e da concessão de garantias tais como a renda das alfândegas e a receita de estradas de ferro brasileiras. Para maiores informações sobre a política econômica e social da chamada República Velha, considerado o período entre os anos de 1889 a 1930, sugerimos Bello (1976). 30 Torres (1962) descreve o funcionamento do coronelismo em Minas Gerais, onde os coronéis utilizavam o único partido existente, o Partido Republicano Mineiro, PRM, como instrumento de dominação. Indicamos particularmente o capítulo intitulado “Fora do PRM, não há salvação...”. Durante a República Velha, além dos dois presidentes militares do início da República, apenas três políticos de outros estados, fora do circuito São Paulo-Minas Gerais, chegaram a presidência da República. O fluminense Nilo Peçanha governou cerca de um ano, em função do falecimento do presidente mineiro Afonso Pena; governaram também o gaúcho Hermes da Fonseca e o paraibano Epitácio Pessoa. Para detalhes da sucessão presidencial desse período, indicamos Lacombe (1986) e Faoro (2000).

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início da República e, depois, a Primeira Guerra Mundial, forçou o país a ampliar a produção

de artigos manufaturados uma vez que não se podia mais adquiri-los dos países europeus, em

conflito. As instituições mantiveram-se estáveis nesse período pelo fato de a classe dominante

ter garantido seu predomínio oligárquico sem que as demais camadas sociais pudessem

rebelar-se. Com relação a esse aspecto, Florestan Fernandes nos mostra que:

“A Primeira República preservou as condições que permitiam, sob o Império, a coexistência de “duas Nações”, a que se incorporava à ordem civil (a rala minoria, que realmente constituía uma “nação de mais iguais”) e a que estava dela excluída, de modo parcial ou total (a grande maioria, de quatro quintos ou mais, que constituía a “nação real”)...A convergência de interesses burgueses internos e externos fazia da dominação burguesa uma fonte de estabilidade econômica e política, sendo esta vista como um componente essencial para o tipo de crescimento econômico, que ambos pretendiam, e para o estilo essencial de vida posto em prática pelas elites.” (Fernandes, 1975, p. 206)

No cenário nacional, a década de 20 foi marcada por movimentos de renovação

cultural, como a Semana de Arte Moderna31, movimentos de contestação social32 e de

organização político-social com a fundação de entidades sociais, sindicatos e partidos

políticos, entre eles o Partido Comunista Brasileiro, em 1922. Os últimos governos da

República Velha sentiram a pressão das novas forças emergentes que apregoavam a

necessidade de um novo tipo de ordem político-social no país, embasados nas idéias

socialistas e comunistas que se espalhavam pelo mundo. Sendo assim, o poder público

vislumbrou na Igreja uma força moral importante para conter a onda revolucionária das novas

correntes de pensamento.

Em Belo Horizonte, as elites, repudiando a possibilidade de subversão socialista ou

comunista, buscavam abafar os movimentos autônomos dos operários, enquadrando-os no

projeto político das duas instituições dominantes, a Igreja e o Estado, num processo de

reaproximação entre os dois poderes. Embora estivessem consolidadas em Minas, entidades

31 Fernandes (1978) faz considerações interessantes acerca desta renovação cultural. Afirma que há um pouco de fantasia na reconstrução do passado, particularmente das décadas de 20 e 30, em que tendemos a engrandecer a nossa cultura que é pobre. Coloca ainda que os modernistas ficaram aquém do papel que lhes cabia pois tinham de ser necessariamente críticos da sociedade brasileira e não o foram. 32 A contestação do regime nas principais concentrações urbanas se fez através de greves, principal instrumento de ação política, organizada e apoiada por organizações sindicais e partidárias recém criadas. Nas zonas rurais, a maioria da população vivia em condições sub humanas, submetida ao jugo dos coronéis, sua ação contestatória se fez através de grupos de cangaceiros e da formação de grupos de fanáticos religiosos.

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como a Confederação Operária Mineira, com sede em Belo Horizonte e perspectiva socialista,

progressivamente ganhava espaço na cidade, a Confederação Católica do Trabalho, com o

apoio dos poderes públicos. O principal veículo de divulgação da Confederação Católica do

Trabalho, o jornal “O Operário”, lançado em 1920, definia-se como um jornal aberto a todos

os trabalhadores democráticos, contrapunha-se a um jornal da Liga Operária de 1900, de

tendência anarquista.33

O Estado esperava a colaboração da Igreja, para legitimar seu poder, pois reconhecia

nesta instituição uma valiosa força auxiliar na contenção dos movimentos sociais que

eclodiam em todo o país. A Igreja, por sua vez, esperava o apoio, inclusive financeiro34, do

Estado como instrumento de recuperação de seu prestígio e da sua ação na sociedade

brasileira. Nas palavras de Azzi:

“A partir da década de 20, a Igreja procura uma aproximação com o Estado, não em termos de subordinação, mas de colaboração. Ela se apresenta como uma força diante do Estado, e quer que o Governo sinta o seu poder. A hierarquia católica mostra-se disposta a colaborar com o Governo, na manutenção da ordem pública, mas exige que o Estado atenda às suas reivindicações de ordem religiosa.” (Azzi, 1978d, p.90)

A Igreja Católica, almejando fortalecer seu papel de liderança frente ao povo brasileiro,

e recuperar sua influência, junto ao Estado, denuncia que as tendências revolucionárias de

caráter socialista tinham origem no próprio liberalismo republicano agnóstico. O episcopado

brasileiro, desejando reconquistar direitos, privilégios e regalias típicas do regime do

Padroado, em que a Igreja encontrava-se oficialmente ligada ao Estado, estabelece uma

aliança com os governadores do país, colaborando com o poder constituído, na manutenção da

ordem política e social, cimentada em princípios cristãos. Tradicionalmente, a Igreja no Brasil

exerce a função de força mantenedora da ordem estabelecida e além da pregação religiosa, seu

principal instrumento centra-se no ensino religioso, através do qual a população é estimulada a

obedecer aos detentores do poder constituído, não apenas pela força da lei, mas como uma

obrigação da consciência moral.

33 Le Ven (1996) analisa os movimentos sociais e reivindicações da classe operária em Belo Horizonte, apresentando a seguinte periodização: 1897-1919: a cidadania desejada, 1920-1929: a cidadania disputada, 1930-1944: a cidadania concedida, 1945-1964: a cidadania reafirmada, 1964-1978: a cidadania silenciada e 1978-1990: a cidadania reconquistada. 34 Bruneau (1974) afirma que até a década de 50, a hierarquia católica, julgava ser obrigação do Estado auxiliar economicamente à Igreja.

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Vários fatos ocorridos em Belo Horizonte, nesse período, comprovam a reaproximação

Igreja-Estado quando a cidade, satelizando o crescimento econômico35, retoma seu ritmo de

construção, consolidando-se como pólo administrador, centro cultural, entreposto comercial e

local de concentração de indústrias de bens de consumo. No lugar da velha Matriz da Boa

Viagem ergueu-se, praticamente com dinheiro público, uma suntuosa Catedral em estilo

neogótico, cuja inauguração foi prevista para 1922, ano do centenário da Independência, com

o propósito de associar a Catedral a um monumento comemorativo fazendo com que a nova

Igreja deixasse de ser apenas um lugar de sociabilidade, como teria sido a antiga Matriz, e

passasse também a representar um local de comemorações cívicas republicanas. Marcelina

Almeida (1996) constata que essa transformação da Catedral em um monumento civil

comemorativo fazia parte de um conjunto de iniciativas destinadas a criar lugares-memória36

que pudessem reavivar valores fundamentais da República.37

No mesmo decênio, foi fundada, em BH, a Universidade de Minas Gerais, UMG,

instituição privada, subsidiada pelo Estado, que incorporou quatro escolas existentes na época,

na Capital, entre as quais destacamos a Escola Livre de Odontologia, criada em 1907.38 A

UMG permaneceu na esfera estadual até 1949, quando foi federalizada e o nome atual,

Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, só foi adotado na metade da década de 60.

No ano de 1921, a diocese de Belo Horizonte foi desmembrada da arquidiocese de

Mariana, tendo sido elevada, depois de três anos, à categoria de arquidiocese. O primeiro

bispo e, depois, arcebispo Dom Antônio dos Santos Cabral tomou posse em 1922 e esteve à

35 Fernandes (1978) afirma que o fenômeno da satelização do crescimento econômico em torno das cidades ocorre em toda a América Latina e que são elas que, tendo redefinido sua função de dominação em relação ao campo, drenam os recursos e exercem uma função de estabilização do crescimento econômico. 36 Milton José de Almeida (1999), fundamentando-se na obra de Yates (1993), mostra que a idéia de “lugares-memória” remonta aos gregos que procuravam fixar as recordações, imprimindo na memória “lugares” e “imagens”. Decifrando os significados da Capela dos Scrovegni, de Pádua-Itália, como uma capela da memória, Almeida afirma que o conhecimento visual, também participa, ao lado da história escrita e falada, da educação religiosa e política e da educação da memória. 37 Dentre as inúmeras comemorações do centenário da Independência, que representaram uma reaproximação Igreja-Estado, destacamos na Capital Federal, a cidade do Rio de Janeiro, o levantamento da flâmula, no alto do Corcovado, onde foi construído um monumento ao Cristo Redentor. Segundo Azzi (1977), o decreto presidencial assinado por Epitácio Pessoa, permitindo a ereção da estátua de Cristo, teria desencadeado protestos, entre republicanos puristas, expressos em inúmeras cartas e telegramas encaminhados ao Presidente. 38 As “Escolas Livres”, foram formalizadas a partir da Reforma Rivadávia Correa, através do Decreto nº 8659, de 05/04/1911, que promoveu, orientada pelo positivismo, as seguintes inovações no Ensino Superior: liberdade de ensino e fre qüência às aulas, desde que aprovada pela Congregação Universitária. Essa reforma recebeu duras críticas, principalmente em função da livre diplomação e da liberdade profissional.

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frente da Província Eclesiástica por trinta e cinco anos.39 Vários autores apontam que Dom

Cabral era reconhecido entre o episcopado nacional como um bispo bastante ativo, de grande

visão pastoral e de idéias avançadas para a época.40 Convém destacar que o Arcebispo

apoiava-se no pensamento e nas diretrizes do Papa Pio XI, que assume o Papado no início da

década de 20 e se destaca pelo esforço em restaurar o poder espiritual da Igreja na sociedade

moderna, com a colaboração ativa dos leigos.41

Dom Cabral foi presidente de honra da Confederação Católica do Trabalho, sendo

chamado de “Bispo dos Operários”. Com a sua aquiescência e incentivo, essa entidade

ampliou seu espaço, buscando recristanizar o Estado, através do ensino religioso e da

organização de um sindicalismo cristão. A igreja contribuía, portanto, para garantir uma classe

operária dentro da ordem, concretizando assim, o desejo do Estado e das elites políticas.

Recém chegado à Capital mineira, Dom Cabral inaugura a Igreja de Lourdes, em estilo

neogótico, convertida posteriormente em Basílica, hoje reduto da elite católica de Belo

Horizonte. Em seguida, o Arcebispo implementa a criação do jornal “O Diário”, de orientação

católica; promove a construção do Palácio Cristo-Rei, sede da arquidiocese, em frente ao

Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro, na mesma Praça.42

Ainda na mesma década, Dom Cabral promove a realização do I Congresso

Catequístico, em 1928, transformando Belo Horizonte em palco de um evento de repercussão

nacional, com a participação de representantes de todo o episcopado brasileiro. Durante este

evento, o governador do Estado, Antonio Carlos de Andrada, autoriza o retorno do ensino

religioso em horário escolar, nas escolas públicas mineiras, oficializando, em Minas, a

colaboração entre Igreja e Estado ainda durante o último Governo da República Velha. Desde

a sua solenidade de posse que contou com a presença maciça do episcopado mineiro, o caráter

político-religioso de governo Antonio Carlos se fez presente. Estreitaram-se os vínculos entre

o Governo do Estado e a hierarquia Católica de Minas e todas as comemorações oficiais

39 Dom Antonio dos Santos Cabral, natural de Própria-SE, era bispo de Natal quando foi transferido para Belo Horizonte. 40 Entre estes autores, citamos: Torres (1962), Moura (1978), Azzi (1978b, 1978d), Matos (1990). 41 Pio XI, chefe da Igreja de 1922 a 1939, foi considerado o Papa da militância católica e da mobilização dos leigos na Igreja. 42 O Palácio Cristo-Rei, foi inaugurado em 1937, em estilo art-déco, tendo sido incluído, em 1977, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, IEPHA, no tombamento do Conjunto Paisagístico da Praça da Liberdade. O quarteirão, onde figuram além do palácio episcopal, dois outros prédios construídos posteriormente pela Sociedade Mineira de Cultura, a mantenedora da PUC Minas, os edifícios João Paulo II e Dom Cabral, fazem parte, desde 1999, da área de proteção do Conjunto urbano da Praça da Liberdade, estabelecida pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

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revestiram-se de profundo significado cívico-religioso e, em contrapartida, o sentimento

católico do Governo Estadual era reconhecido pelas cúpulas católicas. No discurso de Dom

Cabral, por ocasião da assinatura do Decreto de sanção da Lei sobre o ensino religioso nas

escolas oficiais mineiras, em 1929, o Bispo expressa os méritos do governador em relação à

religião:

“...é V. Excia., sem possível contestação, o primeiro, entre os estadistas e homens públicos que, após quarenta anos de esbulho, desde o início do regime republicano, ouve e acata os protestos e clamores da consciência católica...”43

O Decreto que autoriza o ensino religioso, no âmbito da Federação foi assinado, apenas

após a revolução de 30. Dom Cabral considera que não seria possível por em dúvida que esse

Decreto, o mais inspirado e oportuno do presidente Vargas, foi uma decorrência da

repercussão nacional do êxito do Congresso Catequístico, ocorrido em Belo Horizonte.44

O Arcebispo de Belo Horizonte trabalhou, obstinadamente, a fim de viabilizar a

construção do Seminário Arquidiocesano Coração Eucarístico, na região oeste da cidade,

atualmente bairros Dom Cabral e Coração Eucarístico, como centro de formação de padres

apóstolos. A primeira pedra do Seminário foi lançada em 1927 e os seminaristas passaram a

residir no primeiro bloco construído, três anos depois. As plantas do Seminário chamavam a

atenção por sua beleza surpreendente e pela harmonia do conjunto arquitetônico. A concepção

do projeto, em estilo neocolonial, integrava-se perfeitamente à tradição da arte colonial

mineira e o mesmo, com ligeiras modificações em relação à versão original, foi concluído em

meados do século XX.

A relevância desse Seminário na história da PUC Minas e na história de Belo

Horizonte deve-se, respectivamente, à sua transformação, em 1971, em Campus da

Universidade Católica e no reconhecimento, em 1992, de seu conjunto arquitetônico

neocolonial como Patrimônio Cultural de Belo Horizonte. Convém lembrar ainda que a

construção do Seminário da Arquidiocese Mineira, na década de 20 contribuiu

significativamente para o desenvolvimento urbano do setor oeste da cidade fora dos limites do

cordão sanitário, já mencionado, representado pela Av. do Contorno. Bahia (1997), em registro

43 Documento para a história religiosa de Minas. O Horizonte, Belo Horizonte, ano 7, n. 619, p. 2, 16 out. 1929. 44 Cabral, D. A. S. A ação católica. Carta Pastoral, Petrópolis, 1943.

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documental sobre a importância do conjunto arquitetural e à mata do antigo Seminário como

patrimônio ambiental urbano, detalha o conjunto de oito edifícios que constituem o

harmonioso conjunto histórico-arquitetônico do Seminário. Uma vista aérea da época do

conjunto arquitetônico do Seminário Arquidiocesano pode ser observada na foto 7 e a

expansão do Campus central da PUC Minas, a partir dessa construção pode ser percebida no

mapa 2 do apêndice 2.

Foto 7: Vista aérea do Seminário Coração Eucarístico, em meados do século XX.

Retomando, em breve relato, o contexto político dos momentos que antecederam a

Revolução de 30, podemos dizer que de acordo com a lógica da “Política dos Governadores”,

em vigor desde o final do século XIX, Antonio Carlos seria o sucessor do paulista Washington

Luís na presidência da República. Entretanto esse presidente insistiu na indicação do

governador de São Paulo, Júlio Prestes. A oposição, apoiada por Minas e Paraíba,

organizou-se formando a Aliança Liberal, lançando como candidato, o governador do Rio

Grande do Sul, Getúlio Vargas e como seu vice, o governador da Paraíba, João Pessoa. Essa

oposição após ter sido derrotada nas eleições de 1930, começou a articular uma revolução que

eclodiu seis meses depois, após o assassinato do governador da Paraíba, João Pessoa,

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supostamente por adversários políticos. Outro fator determinante da revolução foi a depuração

de catorze deputados federais mineiros e de toda a bancada paraibana, tidos como eleitos.

Em Belo Horizonte, na data e hora combinadas com correligionários da Aliança

Liberal de outros Estados, as forças públicas estaduais rebelaram-se contra as forças federais,

ocupando militarmente os edifícios públicos federais, estações de estradas de ferro, correio,

radiotelégrafos e telefones. Trincheiras foram abertas em vários pontos da cidade, houve

resistência, com fogo cruzado, por vários dias no quartel do 12º Regimento de Infantaria.

Confirmava-se o cerco ao Palácio da Guanabara, com as forças revolucionárias, sob o

comando de altas patentes militares, decididas a bombardea-lo caso o presidente da República

não decidisse entregar-se. É o cardeal Leme, do Rio de Janeiro, que consegue um acordo com

as forças militares, deixando o Palácio, acompanhado de Washington Luís e seus auxiliares.

Portanto, a primeira República, que iniciara sua história estabelecendo a separação

entre a Igreja e o Estado e excluindo a Igreja da nova ordem liberal positivista, sai

paradoxalmente de cena, quarenta anos depois, pelas mãos de um membro da hierarquia da

Igreja. O presidente Vargas soube, habilmente, integrar os interesses da Igreja ao seu projeto

político, estabelecendo uma mútua colaboração entre Igreja e Estado, garantindo uma posição

privilegiada ao catolicismo no Brasil.

É apenas a partir da década de 30, que ocorre a consolidação do Capitalismo no Brasil,

com a implantação real da industrialização e absorção do liberalismo, enquanto concepção

político-ideológica. No campo educacional, também ocorre a absorção da ideologia liberal e

sua incorporação à consciência pedagógica nacional. Isso se fez através do “conflito” entre os

defensores da ideologia católica, versus os apologistas do ideário liberal. O primeiro grupo,

liderado por intelectuais ligados à Igreja Católica, advogava ser a educação uma prerrogativa

da família, cabendo a ela definir a escola para seus filhos. O segundo grupo, identificado como

escolanovistas, considerava que a educação deveria ser pública, gratuita, sendo, portanto,

dever do Estado.

Entretanto, em vez de uma oposição acirrada entre a classe média ascendente e a Igreja

tradicional, é a própria Igreja que, preocupada em defender os interesses mais imediatos das

escolas particulares, participa do esforço de centralização, promovido pelo Ministério da

Educação e Saúde de Gustavo Capanema, em meados da década de 30, que esvazia as

iniciativas isoladas de criação de sistemas de educação estaduais mais independentes,

compensando-as por um trabalho de mobilização cívica e patriótica, implantado pelo próprio

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Governo. Ao final da era Vargas, em 1945, o projeto educacional do Governo, constituía-se

em uma parafernália de leis, instituições e rotinas.45 Em relação à Saúde, destacamos a

instituição, em 1937, das Conferências Nacionais de Saúde, em que o tema era considerado

como condição de desenvolvimento social e econômico.46

O cenário político e econômico, que se seguiu, nas décadas de 30 a 50, foi marcado, no

âmbito internacional, pelos efeitos da retração provocada pela queda da Bolsa de Nova York,

em 1929 e pela Segunda Guerra Mundial. Politicamente, o mundo foi palco da exacerbação de

idéias nacionalistas e do surgimento de regimes políticos radicalmente opostos: o

Nazismo/Fascismo de direita e o Socialismo/Comunismo de esquerda. Enquanto isto no

Brasil, durante a era Vargas, operou-se uma diminuição forçada no nível da nossa

dependência, em relação aos países do primeiro mundo, favorecendo a expansão do processo

de substituição de importações. Ao término desse Conflito Mundial, Getúlio, sofrendo

pressões para redemocratizar o país, fez concessões, possibilitando eleições para a presidência

da República, das quais saiu vencedor Eurico Gaspar Dutra, cujo passo significativo rumo a

redemocratização, se consubstancia com a promulgação da Constituição de 1946.47

Minas Gerais atravessou, durante a era Vargas, um dos períodos mais duros de sua

história, o interior mineiro incapaz de superar a crise da economia agro-exportadora e avançar

para a industrialização, começaria a aprender o caminho da emigração e Minas perderia o

primeiro lugar em população do país, posição que ocupava desde o século XVIII.

Considerando particularmente o caso de Belo Horizonte, Schwartzman (1982) ao comparar o

desenvolvimento de São Paulo com a Capital mineira, afirma que, enquanto a primeira cidade

representa um caso único e atípico de industrialização e urbanização simultâneas, a segunda

caracteriza-se como um caso de urbanização, praticamente sem industrialização.

De fato, desde a fundação de Belo Horizonte até a década de 30, a cidade cresceu mais

por motivos administrativos, políticos e sociais. Na década de 40, a Capital experimenta

acentuada expansão, notadamente para além do seu perímetro urbano quando teve como meta

45 A criação do Ministério de Educação e Saúde, em conjunto com o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, foi um dos primeiros atos do governo Vargas. Francisco Campos ocupou a pasta do Ministério da Educação e Saúde, de 1930 a 1934, e Gustavo Capanema, advogado mineiro, de 1934 a 1945. Detalhes sobre a atuação ministerial de Capanema, em “Tempos de Capanema” (Schwartzman, 1982). 46 Lucas (1995) aponta que as três primeiras Conferências Nacionais de Saúde ocorridas, respectivamente em 1941, 1950 e 1963, centralizavam-se em questões médicas, sem fazer menção à assistência odontológica. 47 Segundo vários autores, entre os quais citamos Neves (1987), a era Vargas pode ser periodizada do seguinte modo: 1930-1934: fase revolucionária, 1934-1937: período constitucional e 1937-1945: fase ditatorial, Estado Novo. Getúlio Vargas volta ao poder, eleito pelo voto direto, de 1951 a 1954, quando suicidou-se.

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a implantação de uma zona industrial, de base metalúrgica, utilizando-se do ferro, abundante

em Minas. A Cidade Industrial foi planejada e organizada pelo Estado e “ofertada” aos

empresários dispostos a investir na área industrial. A expansão da Avenida Amazonas que

dava acesso ao pólo industrial, consolidaria a tendência de ocupação do vetor oeste da cidade,

região onde estava instalado o Seminário Arquidiocesano, futuro campus da PUC Minas.

O segundo período da gestão Vargas caracterizou-se por um aumento nos

investimentos públicos com a Educação e a Saúde, tratadas em separado a partir do

desmembramento em 1953 do antigo Ministério de Educação e Saúde, tendo o Governo

optado nas duas áreas, por uma intervenção mais setorial, em função das necessidades mais

prementes. Na Educação, houve uma concentração na aplicação de recursos públicos no

Ensino Superior e Médio, em detrimento do Ensino Primário enquanto que na Saúde,

enfatizou-se grandes campanhas sanitárias48, expandindo-se as medidas de prevenção e

assistência. Com relação às medidas e aos propósitos do Governo getulista, Evaldo Vieira

esclarece que:

“Getúlio propunha-se a combater as falhas referentes à nutrição, ao saneamento, à assistência médica e à educação sanitária do povo brasileiro... Juntamente com as campanhas, Vargas manifestava a confiança em outras providências, tais como a educação sanitária (especialmente por meio do Serviço Nacional de Educação Sanitária); a fiscalização e a profilaxia dos portos e dos aeroportos (em particular através do Serviço de Saúde dos Portos); a proteção à maternidade e à infância (com a cooperação do Fundo Internacional de Socorro à Infância)” (Vieira, 1983, p. 48)

“Examinada em profundidade e postas de lado as boas intenções, não é exagerado dizer que a meta central da assistência médica se resumia em dar ao paciente condições de regresso o mais depressa possível a seu serviço. Em vez de olhar para a sua situação geral de vida, a assistência médica cuidava de devolvê-lo brevemente ao trabalho, afim de voltar a participar do processo produtivo.” (Id., ibid., p. 58)49

48 Entre elas destacamos o combate: à doença de Chagas, à malária, à febre amarela, à peste, às verminoses, ao tracoma e à bouba. 49 Não se trata entretanto de uma postura inédita. De fato, Foucault (1979a), ao estudar a Política de saúde no século XVIII, já observa toda uma “decomposição utilitária da pobreza”, em que surge o problema específico dos pobres em sua relação com os imperativos do trabalho e a necessidade de produção.

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Entre as décadas de 20 a 60, fase da história da Igreja denominada como Restauração

Católica, a Igreja buscou retomar seu espaço, ampliando os meios de divulgação da fé católica

através, além da implantação do ensino religioso, da criação de novos jornais e revistas,

editoras e livrarias católicas e da fundação, em inúmeras Dioceses, de novos Colégios e

Instituições de Ensino Superior. O Centro Dom Vital, por exemplo, uma sociedade civil,

apoiada pela Igreja, criado na cidade do Rio de Janeiro, a Capital Federal, por ocasião do

centenário da Independência, passa a ser um dos principais órgãos articuladores de uma série

de medidas que contribuíram para a recristianização do país. Entre essas medidas citamos: a

Ação Universitária Católica, a Confederação Nacional de Operários Católicos, o Instituto

Católico de Estudos Superiores, a Confederação da Imprensa Católica, a Associação das

Bibliotecas Católicas e a Liga Eleitoral Católica.50

Essa forma de organização foi precursora da Ação Católica Brasileira, criada em

meados da década de 30, caracterizada pela participação sistematizada do laicado católico, no

apostolado, para a difusão dos princípios cristãos na vida individual, familiar e social. O

pressuposto desse movimento era de que, “cada meio só poderia ser evangelizado pelos

cristãos do próprio meio”. A Ação Católica, em Belo Horizonte, teve como o seu grande

promotor Dom Cabral e foi, segundo Torres (1972), a mais eficiente do país, em sintonia com

o espírito de Pio XI. Por iniciativa do Arcebispo, a reflexão sobre a Ação Católica

constituiu-se como tema colateral de todas as teses propostas no II Congresso Eucarístico

Nacional, celebrado em BH, em 1936, que pode ser considerado como a vitória do

militantismo católico mineiro desse período, dentro dos parâmetros de uma neo-cristandade

conservadora. Igreja e Estado selam uma nova aliança de interesses recíprocos, combatendo

conjuntamente os “inimigos da Religião e da Pátria”, a fim de conservar a ordem social “cristã

ocidental”.51

Ano de 1943, o “conflito” entre Igreja e Estado, é reavivado em Belo Horizonte. A

inauguração do conjunto arquitetônico e paisagístico, às margens da lagoa da Pampulha

estremece temporariamente, as relações entre os dois poderes. O conjunto arquitetônico

constituído pela Igreja de São Francisco de Assis, o Cassino, a Casa do Baile e do Iate Clube,

50 A Restauração Católica fundamenta-se basicamente em dois aspectos: 1) consciência da necessidade de uma presença mais efetiva da Igreja na sociedade e 2) necessidade de aproximação entre a Igreja e o Estado. 51 Para se ter uma noção da importância desse evento realizado na capital mineira, cem mil pessoas acompanharam a procissão de encerramento do mesmo, consagrando BH como “Capital da Eucaristia”. Ver Matos (1990) e Torres (1972).

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foram requisitadas pelo prefeito Juscelino Kubitschek52 e projetadas pelo arquiteto Oscar

Niemeyer e pelo paisagista Burle Marx. Dom Cabral proibiu a abertura da Igreja ao público,

alegando que, uma Casa de Deus não poderia fazer parte de um conjunto em que figuravam

cassino, boate e jogos. A Igreja, um dos primeiros exemplares da arquitetura moderna

brasileira, apresenta linhas ousadas, impressiona pelo arrojo de suas curvas, sem torres, em

“protesto”, segundo Niemeyer, contra a “arquitetura retilínea predominante” e numa releitura

dos temas da tradição barroca. Toda a concepção da Igreja desagradava à cúpula católica e a

declaração de Niemeyer de que, na sucessão de abóbadas parabólicas, presentes no referido

templo, teria se inspirado nas curvas das montanhas e das mulheres mineiras provocou

tamanha reação do clero que sua sagração só ocorreu dezesseis anos mais tarde, em 1959, em

cerimônia celebrada por Dom João Resende Costa, segundo arcebispo de Belo Horizonte.53

Retomando a criação de instituições de ensino superior católicas no Brasil,

relembramos que a sua formação remonta à expulsão dos jesuítas em 1759, quando perdemos

a possibilidade de oficializar a Universidade Jesuítica, como continuidade dos estudos

ministrados em seus colégios, que teria sido a primeira Universidade brasileira. Nas primeiras

décadas da República, a força de concepção positivista afastou a idéia da instauração de uma

Universidade Católica e, apenas, no início da década de 30, lança-se essa idéia com a fundação

no Rio de Janeiro do Instituto Católico de Estudos Superiores, a primeira instituição superior

católica da nação. Foram criadas, em seguida, em muitas Dioceses, Faculdades de Filosofia,

Ciências e Letras, sendo que algumas foram transformadas, mais tarde, em Universidades

Católicas.54

A idéia da criação da Universidade Católica de Minas Gerais, UCMG, foi concebida

por Dom Cabral, portanto no contexto de expansão das Universidades Católicas Brasileiras,

ocorrido na metade do século XX. Para tal fim, fundou-se, em 1948, uma Sociedade Civil, a

Sociedade Mineira de Cultura, que se constituiria como a mantenedora da futura Universidade.

O seu estatuto de fundação determina que a UCMG, teria a função precursora de endireitar

veredas e preparar caminhos dentro de Minas, para que o Brasil realizasse o seu destino

humano e cristão. Lembramos que a Igreja Católica, representada pelo Papa Pio XII

52 Juscelino Kubitschek foi prefeito de Belo Horizonte, de 1940 a 1945, governador do Estado de Minas Gerais de 1951 a 1955 e presidente da República de 1956 a 1960. 53 Para detalhes das reações da Igreja católica, sugerimos Cavalcanti (2001) e Campos (1983). 54 As Universidades Católicas fundadas nesse período são: PUC no Rio de Janeiro e São Paulo, em 1946; Universidades Católicas em Porto Alegre e Recife, em 1948; em Campinas, em 1955; em Belo Horizonte, em 1958; em Pelotas, em 1960 e em Curitiba e Petrópolis, em 1961.

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(1939-1958), enfrentava severas críticas, em função de acordos estabelecidos com os regimes

nazi-fascistas e sua pretensa “neutralidade” durante os horrores do Segundo Conflito Mundial.

Em sua primeira década de existência, a Sociedade Mineira de Cultura incorpora, sob o

nome de Faculdades Católicas de Minas Gerais, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

Santa Maria, a Escola de Enfermagem Hugo Werneck, a Faculdade Mineira de Direito, a

Faculdade de Ciências Médicas, a Escola de Educação Física e a Escola de Serviço Social. As

Unidades funcionavam com administrações semi-independentes, coordenadas pela Reitoria,

exercida pelo Padre José Lourenço da Costa Aguiar, e instaladas, em grande parte, no Palacete

Dantas, ao lado do Palácio Cristo-Rei.55 Em 1958, por ocasião da comemoração civil do

aniversário de Belo Horizonte, o presidente da República, Juscelino Kubitschek, concede a

UCMG, a prerrogativa de Universidade livre, sendo aprovado seu Estatuto. Naquela ocasião, a

Universidade incorporava, além das Faculdades citadas, o Instituto de Psicologia; o Curso de

Cinema, substituído, posteriormente, pela Faculdade de Comunicação; o Instituto Politécnico;

o Instituto Central de Teologia e Filosofia; e a Faculdade de Ciências Econômicas.

O breve Reitorado do Padre José Lourenço foi sucedido em 1960, pelo Bispo recém

empossado Dom Serafim, que permaneceu no cargo por 21 anos.56 O Reitor assume suas

novas funções quando a Igreja Católica vive um momento de profunda renovação, comandado

pelo Papa João XXIII (1958-1963), cujo auge seria a concretização do Concílio do Vaticano

II, finalizado no papado de Paulo VI (1963-1978).57 A importância de Dom Serafim, na

consolidação da PUC Minas e em particular para o Curso de Odontologia em estudo, voltará a

ser mencionada, neste trabalho. Sobre sua dedicação à Universidade Católica, Oscar Silva nos

lembra que:

55 O Palacete Dantas, atualmente Secretaria da Cultura, foi alugado, de 1958 a 1963, pela SMC, para abrigar o embrião das Faculdades Católicas. O prédio também foi tombado, em 1977, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. 56 Dom Serafim Fernandes de Araújo nasceu em 1924, em Minas Novas. Aos doze anos ingressou no Seminário de Diamantina e complementou seus estudos, em 1946, na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. Sua ordenação ocorreu em 1949, em Roma, sua sagração episcopal em 1959, em Belo Horizonte, quando se transfere para a Capital e sua sagração como cardeal, em 1999, em Roma. Atualmente, além das funções do cardinalato, é o Grão-chanceler da Sociedade Mineira de Cultura e Arcebispo Co adjutor da Arquidiocese de Belo Horizonte. 57 Esse Concílio Ecumênico deveria concluir os trabalhos interrompidos no Vaticano I, de 1869 e 1870. O Vaticano II teve quarto encontros, de 1962 a 1965 e foi sintetizado em dezesseis Constituições, entre as quais destacam-se dois documentos-eixo: a Constituição Dogmática Lúmen Gentium, de 1964, em que a Igreja procura conhecer-se melhor, para se renovar no espírito da sua origem e da sua missão e a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, de 1965, apresenta-se ao mundo atual, expressando sua vontade de dialogar e contribuir para a construção de uma sociedade nova, baseada nos genuínos valores humanos e cristãos. Ver Matos (1997).

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... o Reitor de então [Dom Serafim], que se identificava de tal forma com a Universidade, que a ela se entregou com tanto empenho, com tanto amor que passou ela a ser conhecida como “Escolinha do Bispo”. (Silva, 1984, p.15)

O governo Juscelino Kubitschek promove uma grande abertura política e econômica,

com a implementação do Plano de Metas que propunha a aceleração da industrialização e a

ampla utilização de capitais estrangeiros. Acreditava que o desenvolvimento planejado seria o

caminho mais adequado para reduzir drasticamente as condições precárias de vida do povo

brasileiro. De fato, sua administração revela uma forte valorização da política econômica, em

detrimento da política social, que se ressentiu com a redução significativa, em relação ao

Governo anterior, dos investimentos públicos que acabaram sendo destinados basicamente

para questões emergenciais.58 Embora defendesse a priorização de recursos na formação de

nível técnico-profissional, nem sempre teve êxito, como no caso da área de Saúde, que

apresentou um crescimento irrisório. Com relação à Medicina, Evaldo Vieira destaca que:

“Nos poucos discursos proferidos a respeito das questões de saúde, ele [Juscelino Kubitschek] compelia as Faculdades de Medicina a abrirem mais vagas. Defendia a medicina preventiva e condenava os altos custos do trabalho realizado pelos médicos. A atividade médica se prendia ao projeto de desenvolvimento nacional, que Juscelino afirmava estar pondo em execução. Em vista disso, recomendava a difusão de uma medicina adequada ao Brasil.” (Vieira, 1983, p. 115, grifos nossos)59

Na Educação, a década de 50 é marcada por um processo acentuado de abertura da

Universidade à classe média, que passou a concorrer maciçamente pelas oportunidades de

ingresso no ensino superior, facilitadas pela política educacional da época que beneficiava o

ensino superior, em detrimento dos níveis inferiores. A luta pela defesa da escola pública

acirrou, novamente, em 1959, os ânimos entre os liberais, defensores da escola pública e os

empresários de ensino, em grande parte católicos, defensores da escola privada. Embora esse

movimento tenha reunido estudantes, líderes sindicais, intelectuais de esquerda e educadores

progressistas, que se uniram na luta pela defesa da escola pública, universal e gratuita, o texto

final da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB, de 1961 não conseguiu 58 Na tentativa de eliminação de doenças transmissíveis como a malária, a varíola, a tuberculose e a lepra, buscava a eficácia e a eficiência na aplicação dos recursos públicos, buscando consultoria e financiamento externo em vários casos. Detalhes em Vieira (1983). 59 Discutiremos em detalhes, no próximo capítulo, o modelo preventista das práticas médica e odontológica.

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expressar esse clima, nem correspondeu às expectativas, evidenciando claramente o objetivo

de conciliar os interesses dos defensores da escola pública com os interesses do setor

privatista.60

Acerca do papel dos intelectuais, Florestan Fernandes, em sua obra “A condição de

sociólogo”, nos alerta que, até a década de 50, o intelectual, vinculado, em sua maioria, à elite

nacional, gozava de independência e liberdade muito grandes. Como membro dos setores

dominantes, mesmo quando tinha pensamento divergente, era tolerado, pois se supunha que

ele não se envolveria em questões conflituosas contra a ordem estabelecida. Entretanto, a

partir dos anos 60, aumenta a pressão para que o intelectual se identifique com os interesses da

classe dominante. Destacamos nas décadas de 50 e 60, a importância do movimento estudantil,

consubstanciada em uma maior politização, que teve repercussão intensa nos acontecimentos

da vida nacional. No que diz respeito à luta pela Reforma Universitária, o movimento

estudantil, centralizado na União Nacional dos Estudantes, UNE, promoveu manifestações e

seminários de discussão.61 No interior da UNE ocorre, num primeiro momento, uma

hegemonia de estudantes socialistas e comunistas, mas que perde espaço gradativamente, para

a liderança católica representada pela Juventude Universitária Católica, JUC, e pela Ação

Popular, AP, que reuniam militantes de várias entidades católicas que buscavam uma ação

social e política mais efetiva e independente em relação à hierarquia da Igreja, a partir do

início dos anos 60.62

60 No ano de 1959, foi realizado em São Paulo, a I Convenção em Defesa da Escola Pública, em que um novo “Manifesto dos Educadores”, foi elaborado, em oposição ao Substitutivo Lacerda, lançado na mesma época, que se caracterizava pelo elitismo e privatismo. 61 Como exemplo, citamos o I Seminário Nacional de Reforma Universitária promovido pela UNE, em 1961, em Salvador, do qual participaram também professores, especialistas e autoridades. Detalhes sobre a história e o papel da União Nacional dos Estudantes em Sanfelice (1986). 62 Além da JUC desenvolveram-se a Juventude Estudantil Católica, JEC; a Juventude Operaria Católica, JOC e a Ação Operária Católica, AOC. A JUC foi a expressão da Ação Católica, já mencionada, no meio universitário. A Organização passava por uma evolução, acompanhando as transformações da própria Igreja, que também enfrentava questionamentos pastorais e doutrinários a partir do pontificado de João XXIII, 1958-1963. O papa proclamava uma religião de cunho transformador e libertador na vida concreta do homem, na sua existência social, no seu dia -a-dia. Entretanto, a liberdade de expressão defendida pelo pontífice dividiu a Igreja e a JUC orientou-se pela sua corrente progressista. Embora houvesse posição favorável à JUC de vários bispos e clérigos, grande parte da hierarquia tradicional e autoritária da Igreja, começa a pressionar aquele movimento, considerando-o infiltrado pelo marxismo e comunismo. A Organização era pressionada para abster-se da ação política, devendo conservar o seu caráter eminentemente espiritual. Era um discurso antigo, em que a Igreja faria novamente o jogo das classes dominantes. A JUC que havia assumido o comando da UNE, no início da década, em aliança com o Partido Comunista Brasileiro, PCB, levou para as entidades estudantis uma grande experiência de militância e um ideário que procurava conciliar humanismo cristão e marxismo. Pouco depois, a esquerda católica rompe com a hierarquia da Igreja e funda a Ação Popular, AP, que passa a ser a principal organização do movimento estudantil brasileiro. A Organização foi desativada, pela CNBB, pouco depois do golpe de 64. Na JUC mineira destacamos, em BH, a participação ativa de parte do grupo responsável pela proposta pioneira do

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Após a inesperada renúncia do Presidente Jânio Quadros, em 1961, com apenas seis

meses de exercício de Governo, assume a Presidência João Goulart, sob um regime

parlamentarista, imposto pelo Congresso Nacional até que o plebiscito de 1963 trouxe de volta

o presidencialismo. O ideário janguista envolvia o desenvolvimentismo, a emancipação

econômica, o aumento das exportações e o fortalecimento da agricultura. Na política externa

defendia a emancipação dos povos e criticava os gastos exorbitantes com armamentos que

deveriam reverter-se para a Educação, Saúde e Bem-estar. Ainda que os governos de Jânio e

de Jango tivessem apresentado algum crescimento no investimento em Política Social, os

resultados tiveram pouca visibilidade, pois o contexto pré-64, caracterizou-se por uma crise

econômico-política. A crise econômica manifestava-se em fatores tais como: a redução no

índice de investimento; a diminuição da entrada de capital externo; a queda da taxa de lucro e

o aumento da inflação, enquanto que a crise política enfrentava uma polarização, na qual as

classes sociais manifestavam, diversamente, a sua visão de mundo.

Essa capacidade de crescimento da esquerda cristã permite compreender a renovação

dos anos 60 da Minas conservadora cuja sociedade era marcada pela tradicional família

mineira católica. Em Belo Horizonte, a Ordem dos Dominicanos engaja-se com ênfase no

processo vivido pela Cidade, num clima de mobilização social e política. Os movimentos

estudantil, operário e camponês promoviam eventos e congressos que faziam, particularmente

do centro da cidade, um espaço de mobilização. Diversos eventos de dimensão local e

nacional inquietavam a “tradicional família mineira”. Os camponeses, por exemplo, realizaram

o seu I Congresso Nacional, com a presença de líderes sindicais, políticos de esquerda, bispos

e padres, exigindo a Reforma Agrária. Antes do golpe, no encerramento do Congresso da

Central Única dos Trabalhadores da América Latina, membros da Tradição Família e

Propriedade, TFP, ligados à Igreja, que tinham forte organização e estavam comprometidos

com a preparação do golpe, ocuparam o auditório, impedindo a continuidade do evento que

resultou em violento conflito entre militantes de esquerda e direita.

A partir do golpe militar de 31 de março de 1964, o Estado caracteriza-se pelo elevado

grau de autoritarismo e violência. Em nome de uma suposta “manutenção da ordem e da

tranqüilidade social”, os movimentos estudantis passaram a ser implacavelmente reprimidos.

No final do mesmo ano, foi promulgada a Lei nº 4464, conhecida como Lei Suplicy, que

Curso de Odontologia, em estudo, ao lado de militantes como os irmãos Herbert de Souza, Betinho e Henfil, Paulo Haddad, apoiados por lideranças da Igreja Católica como Frei Betto e Padre Lage.

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revogou o Decreto-lei de 1942, que reconhecia a UNE como a entidade representativa dos

estudantes, junto aos estabelecimentos de ensino superior. Os movimentos pró-reforma

universitária, até então, com um caráter que expressava primordialmente as conquistas

estudantis, passaram a se constituir como movimentos que se contrapunham as propostas

governamentais. Na segunda metade dos anos 60, em particular em 1966, Belo Horizonte foi

palco de importantes acontecimentos de repercussão nacional. Pela primeira vez, o Governo

Militar, habituado a utilizar sua força contra operários e camponeses, reprimiu uma

manifestação da elite estudantil de classe média: uma passeata de calouros, que criticava o

regime militar, foi violentamente reprimida, desencadeando protestos em outras cidades.63 No

mesmo ano, a UNE realizou clandestinamente, na Capital mineira, no convento dos

franciscanos, o Congresso Nacional dos Estudantes.

Como plataforma de reivindicações, no âmbito nacional destacavam-se as lutas pelo

combate à política econômica e à lei de greve; a favor da reforma agrária e por eleições livres.

No plano internacional, as bandeiras estudantis votavam-se contra a invasão do Vietnã e a

favor das lutas de libertação nacional e no âmbito das questões genuinamente estudantis,

concentravam-se nas lutas pela Reforma Universitária, pela revogação da Lei Suplicy e contra

os Acordos MEC-USAID.64 Estes Acordos eram constituídos de vários convênios de

cooperação técnica assinados pelo Governo brasileiro com o dos Estados Unidos, desde a

década de 50 e segundo Nagamine (1997), no ensino superior, eles se concretizaram com a

justificativa de que os técnicos brasileiros, sem assistência de outros estrangeiros mais

experientes, não seriam capazes de realizar a contento a tarefa de planejamento do Ensino

Superior. Tais acordos previam, entre outros itens, a cobrança das anuidades nas universidades

públicas, que se transformariam em fundações, reservando-se a gratuidade apenas aos

estudantes comprovadamente carentes.

No Ensino Superior, o primeiro desses Acordos previa a elaboração de um Plano para a

expansão e a reestruturação do Sistema Nacional de Ensino Superior e para a formação de um

quadro técnico, especializado em planejamento educacional. Foi fundado o Conselho de

Reitores, como resultado de sugestão contida em relatório elaborado pelo professor

norte-americano, Rudolph Atcon, especialista em administração de ensino superior, contratado

pela Diretoria de Ensino Superior do MEC, para elaborar um estudo sobre a reestruturação da 63 Em Belo Horizonte, boa parte dos estudantes refugiou-se na Igreja São José, no centro da cidade. 64 Sobre a plataforma de lutas da época, indicamos Poerner (1979) e sobre os acordos MEC-USAID (United States Agency International Development ou Programa Aliança para o Progresso), sugerimos Negamine (1997).

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universidade brasileira. A finalidade do referido Conselho, escolhido e nomeado pelo regime

autoritário, era a salvaguarda da autonomia das universidades e suas reivindicações, a

promoção de estudos e o planejamento do ensino superior brasileiro. Além dos estudantes,

intelectuais, educadores e parlamentares, posicionavam-se contra esses Acordos,

determinantes da Reforma Universitária, pois consideravam que os mesmos constituíam-se

como mais um instrumento eficaz de dependência colonialista, já que incidiam sobre a

educação e a formação de quadros dirigentes.

A partir de 1966, o governo militar começou a promover a Reforma Universitária,

através de Decretos-leis. O Decreto-lei nº 53, do mesmo ano, fixa princípios e normas de

organização para as universidades federais e sua complementação; o Decreto-lei nº 252, do

ano seguinte, substitui a cadeira, na organização universitária, pelo departamento, entendido

como a menor fração da estrutura universitária para todos os efeitos de organização

administrativa, didático-científica e de distribuição de pessoal, reduzindo a autonomia da

cátedra sem, contudo, extinguí-la. Somente através da Lei nº 5540 de 1968, conhecida como

Lei da Reforma Universitária, foi extinta a cátedra e foi estabelecido que toda Universidade

Brasileira deveria contar com uma estrutura orgânica, com base em departamentos reunidos ou

não em unidades mais amplas.

A proposta educacional na qual esses Decretos-lei estavam inseridos era, de um lado, o

modelo econômico do desenvolvimento capitalista, assegurado pela Constituição de 1967, e,

de outro, ideologicamente, a doutrina da Segurança Nacional, da qual resultava o conjunto de

legislação autoritária e repressiva como a já mencionada Lei Suplicy, vários decretos-leis

culminando com o Ato Institucional nº 5, AI 5, de 1968, e seus atos complementares. A Lei nº

5540, praticamente incorporava as orientações dos Decretos-lei anteriores, ampliando-as ou

explicitando-as, criava ainda o vestibular classificatório e unificado, a carreira docente

desvinculada da cadeira e a pós-graduação, tornando a reforma universitária obrigatória a todo

o ensino superior.65

Para a Igreja Católica, tornava-se cada vez mais difícil justificar e apoiar o golpe de

Estado e seu papel de denúncia da escalada da violência do regime vai se tornando cada vez

mais claro. Em 1967 e 1968, realizam-se na Colômbia, dois eventos importantes para o

posicionamento da Igreja diante do Regime autoritário. O primeiro deles, ocorrido em Buga, 65 A Constituição de 1967 mudou, de maneira significativa, o conceito de Segurança Nacional. Enquanto que a Constituição de 1946 dizia respeito às ameaças externas e à preservação territorial, a nova Constituição, passava a combater prioritariamente o “inimigo interno”.

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trata-se do Seminário do Departamento de Educação do Conselho Episcopal Latino

Americano, cujo tema principal foi “A Missão da Universidade Católica na América Latina” e

o segundo, realizado em Medellín, trata-se da II Conferência Geral do Episcopado

Latino-Americano, que acabou sendo conhecida como Conferência de Medellín, cujo tema foi

“A Igreja na atual transformação da América Latina à luz do Concílio”. A partir desses

eventos, a Igreja, em particular as Universidades Católicas, começam a se posicionar

oficialmente diante das diferentes realidades políticas, econômicas e sociais, nos países da

região.

No mesmo ano, como parte do movimento nacional, crescem em Minas as

manifestações contra a ditadura, advindas principalmente dos movimentos estudantis e

operários. Em Contagem, cidade industrial na região oeste de Belo Horizonte, cresce a força

do movimento operário, apoiado pela Igreja, através da Juventude Operária Católica e pelo

movimento estudantil, através da Juventude Universitária Católica e da Ação Popular. Várias

indústrias entram em greve, exigindo reajustes superiores àqueles fixados pelo Governo.

Apesar do movimento ter sido vitorioso, membros das lideranças dos movimentos citados

foram presos, entre eles cinco padres. Exatamente nesse contexto de crise, o Padre Geraldo

Magela Teixeira, atual Reitor da PUC Minas, se transfere de Diamantina para Contagem, a

pedido de Dom Serafim, para coordenar a pastoral daquela região.66

Nesse período, muitas universidades brasileiras foram objeto de intervenções militares,

com os protestos e movimentos de resistência alcançando o seu auge; era o prenúncio da

violência do governo dos anos 70.67 A fim de completar os instrumentos legais para uma ação

definitiva no meio universitário, em 1969, foram estabelecidos o Decreto-lei nº 464, criando o

ciclo básico, obrigatório nos cursos de graduação, introduzindo o jubilamento e o Decreto-lei

66 O Padre Geraldo Magela Teixeira é natural de Senhora do Porto, em MG e conheceu Dom Serafim, no Seminário do Sagrado Coração, em Diamantina, na década de 40. Em Contagem foi professor e diretor do Colégio Municipal e Secretário Municipal de Educação. Ingressou na PUC Minas em 1974 como docente do Departamento de Comunicação Social e assumiu o reitorado em 1987, após ter desempenhado as funções de Diretor do Ciclo Básico de Ciências Sociais, Vice-reitor e Pró-reitor de Extensão e Ação Comunitária. É o grande responsável pela expansão da PUC Minas nos últimos quinze anos e tem sido reconhecido pelo seu espírito empreendedor na área de Educação. Em julho de 2001, Padre Geraldo Magela foi eleito Líder Empresarial no setor de Educação e Cultura do País pelo Fórum de Líderes Empresariais da Gazeta Mercantil. 67 Prisões arbitrárias, torturas e assassinatos faziam parte, da cena brasileira da época, em que foi instituída a censura à imprensa, à educação e à cultura. Alves (1984) aponta que, entre 1964 e 1979, foram efetuadas 1565 intervenções em sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais. Outros registros podem ser conhecidos em obras como “Brasil: nunca mais”, que contou como um de seus patrocinadores e co-autores, a Arquidiocese de São Paulo, de Dom Paulo Evaristo Arns (Arquidiocese..., 1985). São indicados nessa obra, no mesmo período, 10000 exilados políticos, 4682 cassados, milhares de cidadãos interrogados e passaram pelo cárcere político, 245 estudantes expulsos das universidades e quase 300 mortos e desaparecidos.

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nº 477, que definia infrações disciplinares, como a greve, praticadas por professores, alunos e

funcionários, podendo o infrator ser punido com o desligamento e impedimento temporário de

trabalho ou estudo em outra instituição, conforme o caso.68 A Lei nº 5692 de 1971, definindo a

profissionalização universal e compulsória, completa o ciclo de reformas educacionais

destinadas a ajustar a educação brasileira à ruptura política perpetrada pelo golpe militar de 64.

Entre 1968 e 1973, o país vive um ciclo de expansão econômico, conhecido como

“milagre brasileiro”, possibilitado, em grande parte pelo fortalecimento e expansão do Estado

através do aumento de sua capacidade extrativa, dos grandes investimentos em infra-estrutura

e indústria, da concessão de créditos e incentivos fiscais para o setor privado. A capacidade

extrativa do Estado ampliou-se graças ao aperfeiçoamento de seu aparelho arrecadador e pela

criação de novas fontes de recursos de origem tributária ou de grandes fundos de capacitação,

entre os quais destacamos o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, FGTS, que substitui,

em 1966, a estabilidade no emprego.69 Entretanto as políticas públicas de Educação e de Saúde

reduziram-se a decisões setoriais, com incentivos à privatização. No campo da Saúde,

estabelece-se um Plano Nacional que se reflete na medicalização da vida social imposta na

luta contra as endemias e no saneamento.70 Além do incentivo financeiro às casas de

misericórdia, verifica-se a privatização dos serviços de assistência médica por meio de firmas

individuais, de grupos e cooperativas médicas.

A partir de 1968, o Estado concebeu e praticou uma reforma passiva no ensino

superior, sem a participação da sociedade civil. Utilizando-se de um discurso de valorização

da educação, transforma a política educacional em estratégia de hegemonia, em veículo para a

obtenção de consenso, mas esbarra na escassez de verbas para a educação pública. Na

realidade, o Estado emprega seus recursos em setores diretamente vinculados à acumulação de

capital, incentivando a privatização do ensino. Principalmente na esfera do Ensino Superior, a

atuação do Estado na área educacional manifestou-se, sobretudo, através da repressão a

professores e alunos, que se opunham ao Regime militar, na tentativa de controlar política e

ideologicamente o ensino. Segundo Germano:

68 Esses Decretos alicerçavam e prenunciavam a escalada da violência física dos anos 70, com a “caça às bruxas” nos estabelecimentos de ensino. O jubilamento do aluno que ultrapassasse o prazo máximo de integralização curricular tinha como objetivo evitar os “estudantes ou agitadores profissionais” enquanto que o enquadramento da greve como infração disciplinar visava coibir qualquer mobilização no meio acadêmico. 69 Para maiores detalhes indicamos Luciano Martins (1985). 70 Foucault (1979a) verifica que essa ênfase em intervenções autoritárias do poder na ordem da higiene e das doenças marcaram o funcionamento da política de Saúde de praticamente toda a Europa do século XIX.

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"...a atuação do Estado na área da educação – coerente com a ideologia da segurança nacional – vai se revestir de um anti-comunismo exacerbado, de um anti-intelectualismo que conduzia à misologia, ou seja, à negação da razão, e mesmo ao terrorismo cultural." (Germano, 1990, p.143)

Na mesma obra, o autor identifica quatro eixos, em torno dos quais a política

educacional, desenvolveu-se, durante o regime militar, como sendo: 1)controle político e

ideológico da educação escolar, em todos os níveis; 2)estabelecimento de uma relação direta e

imediata, segundo a Teoria do Capital Humano71 entre educação e produção capitalista e, que

aparece de modo mais evidente na reforma do ensino do segundo grau, através da pretensa

profissionalização; 3)incentivo à pesquisa vinculada à acumulação de capital;

4)descomprometimento com o financiamento da educação pública e gratuita, negando, na

prática, o discurso da valorização da educação escolar e colaborando, decisivamente, para a

corrupção e privatização do ensino, transformado em negócio rendoso e subsidiado pelo

Estado. É interessante observar, que é exatamente nesse contexto de ampliação do ensino

superior, que a PUC Minas encontra espaço para sua expansão, criando novos cursos,

inclusive, o Curso de Odontologia, em 1974.

Conforme mencionado, no final da década de 60, a UCMG constituía-se como uma

verdadeira Universidade, oferecendo cursos em diversas áreas, de Medicina ao Cinema, mas

enfrentava sérios problemas financeiros e infra-estruturais, pois apesar de contar com vários

cursos instalados fora da sede central, na Praça da Liberdade, esta edificação não comportava

o contínuo aumento no número de alunos e o lançamento de novos cursos. Embora a

Universidade tenha começado “meio acanhada”, e não tenha conseguido, por razões políticas e

financeiras, manter Cursos como o de Medicina72 e de Educação Física, o seu crescimento foi

71 A respeito da Teoria do Capital Humano, indicamos Frigoto (1995). 72 Em função de sua relação com a Odontologia, retomamos, ainda que de modo breve, a história da Faculdade de Ciências Médicas, FCM. A FCM, fundada em 1951 com a propositura de ser agregada à futura UCMG, foi enquadrada à mesma na categoria de Instituto Agregado, mantendo a sua autonomia didática, administrativa e financeira. Com esse tipo de vínculo, a FCM se desliga da Sociedade Mineira de Cultura e institui a Sociedade Mineira de Ensino Médico, como sua entidade mantenedora. Na verdade, segundo Brandão (1976), a FCM vincula-se à UCMG, por força de um Termo de Ajuste, vislumbrando sua federalização. Entretanto, não conseguindo federalizar-se, a Faculdade vive momentos muitos difíceis, pois a política educacional vigente desaconselhava a existência de escolas isoladas não federais. A autonomia da FCM, nunca foi bem aceita pela Reitoria da UCMG e em 1968, o Conselho Universitário deliberou que a Faculdade deveria ou incorporar-se completamente à Universidade ou dela desligar-se, o que acaba por acontecer em 1969, depois de várias

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vertiginoso e as diversas unidades, até então esparsas na Cidade, muitas sem prédio próprio,

foram, a partir de 1971, sendo transferidas para a área, que abrigava as instalações do

Seminário Arquidiocesano, na região oeste de Belo Horizonte. Nascia, ali, o primeiro Campus

da UCMG, contando com uma área muito vasta para sua expansão, uma mata e a exuberância

de um complexo arquitetônico neocolonial.73

A transferência da UCMG para a tranqüilidade do Campus coincide com a

transformação de Belo Horizonte em verdadeira metrópole. Desde os anos 60, a Capital já

começa a perder o seu encanto de “Cidade Jardim”, como era conhecida, com o corte de

árvores frondosas, em função de sua expansão desconexa e da saturação da área urbana da

Cidade que demandavam uma melhoria na circulação. Essa redistribuição espacial foi obtida

principalmente através do alargamento de ruas e avenidas com o sacrifício das áreas verdes

dos canteiros e com a construção de passagens subterrâneas, trincheiras e túneis, de tal modo

que as necessidades de circulação na Cidade determinaram sua transformação urbana.

A região oeste da Capital, onde se localizava o novo Campus, representava na época, o

mais importante vetor de crescimento econômico da cidade, em direção ao seu eixo da

industrialização. A implantação de serviços de infra-estrutura em algumas áreas dessa região

da Cidade determinou o adensamento populacional de maior renda, circundado pelo

crescimento das favelas. Essa configuração heterogênea de classes sociais ao redor do Campus

universitário foi determinante para a consolidação do projeto do Curso de Odontologia em

estudo, objeto desta investigação, centrado, sobretudo, no atendimento à população de baixa

renda, em clínicas extramuros, instaladas, em grande parte, nos bairros circundantes à

Universidade.

O desligamento da Faculdade de Ciências Médicas, no final dos anos 60, deixa,

conforme mencionado, um grande vazio na Universidade, propiciando a abertura de novos

cursos na área de saúde, como o caso de Odontologia. Além da perda recente do Curso de

Medicina, um dos entrevistados aponta, que entre as razões que motivaram Dom Serafim a

criar o Curso de Odontologia, estaria a vontade de homenagear o pai, que era dentista-prático.

Outro professor ressalta que o pai de Dom Serafim realizava a sua prática odontológica

percorrendo as regiões pobres do Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas e atribui ao

tentativas, sem sucesso, de resolver o impasse. Foi justamente o desligamento da FCM que abriu espaço na Universidade para a criação do Curso de Odontologia, em estudo. 73 Na realidade desde 1966, um dos prédios do Seminário havia sido cedido à UCMG, para funcionamento do IPUC.

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convívio com o pai, a sensibilidade e o apoio do Reitor para a Proposta alternativa de prática e

ensino odontológicos que se prenunciava.74

No início da década de 70, sabendo do interesse da Universidade, em implantar um

Curso de Odontologia, um grupo pioneiro, apresenta à Reitoria uma Proposta Inovadora,

intitulada “Modelo Inovado de Ensino de Odontologia”.75 A Proposta, influenciada pelos

novos paradigmas da Medicina, era coerente com a mentalidade cristã da PUC Minas e tinha

como missão formar profissionais integrais, clínicos gerais, com base humanista, que

estivessem capacitados a promover, manter e restaurar, no limite de suas competências, a

saúde do indivíduo, da família e da comunidade. A demanda e o mercado de trabalho

justificavam mais essa Graduação em Odontologia, pois existia em Belo Horizonte, apenas o

Curso oferecido pela UFMG e o número de dentistas era insuficiente diante de um quadro

epidemiológico alarmante, com 80% da população, a grande maioria de baixa renda, sem

atendimento odontológico.

Procuramos, nesta etapa da pesquisa, responder a algumas das questões anteriormente

colocadas em relação ao contexto de criação do Curso em apreço, narrando a história da Igreja

e da PUC Minas, em Belo Horizonte. Pretendemos a seguir responder as demais questões

propostas anteriormente, buscando compreender, no contexto das décadas de 70, 80 e 90, o

processo de construção e de desconstrução do “Modelo Inovado”, identificando suas

dificuldades de implantação, o seu auge, sua aceitação no mercado de trabalho, sua evolução e

sua descaracterização.

74 A primeira clínica extramuro vinculada ao Curso de Odontologia da PUC Minas, foi aberta em 1977, com o objetivo de consolidar a formação dos seus alunos e atender na própria periferia à população de baixa renda e recebeu o nome de Clínica José Fernandes de Araújo, em homenagem ao pai de Dom Serafim. 75 Parte do grupo pioneiro era conhecido de Dom Serafim devido à sua participação na JUC.

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III – O Projeto Alternativo de Ensino: sua construção e (des)construção

Conforme mencionamos anteriormente, o Projeto do Curso de Odontologia da PUC

Minas pretendia ser alternativo ao modelo tradicional, denominado Odontologia Cientificista

ou Flexneriana, que se constitui como uma expressão regionalizada do paradigma da Medicina

Cientificista ou Flexneriana. Para compreender esses modelos faz-se necessário uma

retomada, ainda que sucinta, da evolução da prática médica e do contexto da saúde pública,

aos quais a odontologia encontra-se vinculada.1

Paradigmas das práticas médica e odontológica

Foucault, ao estudar a história da medicalização, trabalha com a hipótese de que a

transição do feudalismo para o capitalismo, no final do século XVIII, deu passagem para uma

Medicina Social, socializando o corpo como força de produção e tomando o corpo e a própria

sociedade como um território de regulamentação e normatividade. No caso da Odontologia,

Nettleton (1988) revela que as atuações da área, a partir do final do século XIX, alinhando-se

com o discurso Sanitarista controlador, que apresentaremos em seguida, fizeram também da

boca e dos dentes, objetos de controle social. Segundo Foucault:

“O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A Medicina é uma estratégia bio-política.” (Foucault, 1979b, p.80)

Com a perda de poder da Igreja e dos senhores feudais, a partir século XVIII, o saber

contemplativo vai, aos poucos, cedendo lugar ao saber técnico, e isso se reflete na Medicina

ocidental. Foucault, ao analisar o nascimento da Medicina Social, destaca três etapas, a saber:

Medicina do Estado, Medicina Urbana e Sanitarismo. Mendes, pautando-se nos estudos de

1 Botazzo (1998), ao estudar as relações entre a Odontologia e a Medicina, interroga a experiência odontológica em busca de sua condição de existência, submetendo o seu discurso à prova de confrontação com outros discursos, demonstrando os vínculos que garantem a cientificidade da Odontologia e considerando os cuidados bucais como contemporâneos dos cuidados gerais que têm o corpo como referência.

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Foucault, estende essa análise também à Medicina Científica ou Flexneriana e à Medicina

Comunitária ou Simplificada, que, em conjunto com as fases da Medicina Social, passaremos

a descrever.2

Compartilhamos as idéias de Le Goff em relação à importância dos acontecimentos

para o entendimento da História. Segundo o historiador, embora a profundidade histórica de

uma mudança se prefigure antes e para além de um acontecimento, o mesmo é essencial

enquanto função reveladora e aceleradora. Em suas palavras:

“Enquanto revelador-acelerador, penso que a sua ação [do acontecimento] é a de concatenar um certo número de evoluções, de mudanças que estavam isoladas umas das outras.” (Le Goff, 1982, p. 26)

Nesta perspectiva, utilizaremos o esquema proposto por Mendes na figura 4,

estruturado em marcos, entre os quais é possível delinear melhor os paradigmas da prática

médica.

Figura 4: Evolução histórica da prática médica Fonte: Mendes (1985, p. 17) 2 As duas obras de Foucault utilizadas nessa etapa do trabalho foram “O nascimento da clínica” (Foucault, 1977) e Microfísica do poder (Foucault, 1979a,b,c) e a obra de Mendes foi “A evolução histórica da prática médica” (Mendes, 1985).

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Medicina do Estado (Alemanha) Medicina Urbana (França) Sanitarismo (Inglaterra)

Medicina Científica ou

Medicina Flexneriana

Medicina Comunitária ou

Medicina Simplificada

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Paradigmas anteriores à Medicina Flexneriana

Medicina do Estado

A Medicina do Estado desenvolveu-se na Alemanha, no início do século XVIII, como

conseqüência da ciência do Estado, que representava de um lado idéias ligadas às práticas de

centralização da administração e da política econômica dos monarcas absolutistas e de outro, o

surgimento de uma ciência política voltada para uma visão sistemática dos serviços

administrativos. Teve por finalidade a criação de condições objetivas para a consolidação do

poder de um Estado normatizador e higienizador, capaz de fazer frente a seus conflitos

econômicos e sociais, de um modo autoritário e paternalista. Sobre a existência de uma ciência

do Estado, na Alemanha, Foucault destaca que:

“O Estado, como objeto de conhecimento e como instrumento e lugar de formação de conhecimentos específicos, é algo que se desenvolveu, de modo mais rápido e concentrado, na Alemanha, antes da França e da Inglaterra.... Creio que isso se deve ao fato da Alemanha só ter se tornado um Estado unitário durante o século XIX, antes existindo unicamente uma justaposição de quase-estados, pseudo-estados, de pequenas unidades muito pouco estatais.... As pequenas dimensões dos Estados, suas justaposições, seus perpétuos conflitos e seus afrontamentos, a balança de forcas sempre desequilibradas e mutantes, fizeram com que eles estivessem obrigados a se medir uns aos outros, se comparar, imitar seus métodos e tentar mudar as relações de força.” (Foucault, 1979b, p. 81)

Na Alemanha, desenvolveu-se uma prática médica, centrada na melhoria do nível de

saúde da população. Foram propostos programas de melhoria da saúde, configurando, pela

primeira vez, uma política médica de Estado. A Medicina do Estado estruturou-se a partir dos

trabalhos de Peter Frank (figura 4) que começaram a ser publicados em 1766, consistindo em:

• Um sistema aperfeiçoado de registro de morbidade e de mortalidade;

• Normatização da prática e do saber médicos, através das universidades. Assim, a

Medicina e o médico são normatizados antes que o doente;

• Organização administrativa para controle da atividade médica;

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• Surgimento de uma burocracia médica com autoridade sobre determinada região;

• Ação estatal nos campos da prevenção e controle das doenças transmissíveis, da

habitação, da educação sanitária, da nutrição e da higiene pessoal e ocupacional.

A Medicina do Estado teve grande impacto na Alemanha contribuindo para manter o

crescimento populacional, garantir a presença suficiente de médicos e criar uma legislação

eficiente de saúde pública. Esse paradigma difundiu-se rapidamente, atingindo países como

Rússia, Hungria, Dinamarca e Itália que guardavam relações próximas com o Estado alemão.

Medicina Urbana

A Medicina Urbana desenvolveu-se, sobretudo, na França no final do século XVIII e

não se apoiou na estrutura do Estado, como no caso anterior, porque se adequou às

peculiaridades econômicas e sociais daquele país, baseadas nas conseqüências da urbanização.

Acerca desse aspecto, Rosen afirma que:

“...o mercantilismo francês apresentava uma característica própria, expressa no conceito de auto-suficiência. E, para que isso ocorresse, era necessário aumentar a população para que se obtivesse maior produtividade. Daí, a política de saúde apresentar, como um de seus objetivos, a contribuição para integrar os pobres na estrutura produtiva do país.” (Rosen, 1980, p. 244, grifos nossos)

Na segunda metade do século XVIII, passou a ser necessária, por razões econômicas e

políticas, a unificação do poder urbano, constituindo-se a cidade como unidade dependente de

um poder único bem regulamentado. Nasce, entretanto, em conjunto com a urbanização uma

atitude de medos e angústia diante da cidade, caracterizados, segundo Foucault por elementos

tais como:

“medo das oficinas e fábricas que estão se construindo, do amontoamento da população, das casas altas demais, da população numerosa demais; medo também das epidemias urbanas, dos cemitérios que se tornam cada vez mais numerosos e invadem pouco a pouco a cidade; medo dos esgotos, das caves sobre as quais são construídas as casas que estão correndo o perigo de desmoronar.” (Foucault, 1979b, p. 87, grifos nossos)

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A classe burguesa, quando em pânico, em função de uma doença endêmica, lançou

mão do modelo médico e político da quarentena, estabelecido desde a Idade Média, que

representava uma Medicina de exclusão e que consistia basicamente em:

• Imobilidade: todos deveriam permanecer em casa para que fossem facilmente

localizados, cada família em sua casa e cada pessoa tão isolada quanto possível;

• Setorização: a cidade era dividida em bairros com inspeção da imobilidade;

• Registro: os inspetores registravam todas as observações e encaminhavam relatório ao

prefeito;

• Revista dos vivos e mortos: os doentes eram encaminhados a uma enfermaria especial,

fora da cidade;

• Desinfecção: era praticada a desinfecção, casa por casa, com queima de perfumes.

O quadro geral no qual se insere a Medicina Urbana tinha como objetivos:

• Analisar os espaços urbanos que poderiam provocar doenças, em especial, os

cemitérios;

• Controlar a circulação dos principais fatores patogênicos considerados naquela época,

quais sejam, o ar e a água;

• Organizar a distribuição e a seqüência dos elementos da vida em comum das cidades.

A Medicina Urbana, assim como a Medicina de Estado, não estava dirigida à

socialização do corpo; era uma Medicina ligada às condições ambientais da cidade, uma

Medicina das coisas, em que o médico desempenha uma função mais higienizadora do que

terapêutica, conforme percebemos em Foucault e Machado, a seguir:

“A Medicina urbana com seus métodos de vigilância, de hospitalização, etc., não é mais do que um aperfeiçoamento, na segunda metade do século XVIII, do esquema político-médico da quarentena que tinha sido realizado no final da Idade Média, nos séculos XVI e XVII. A higiene pública é uma variação sofisticada do tema da quarentena e é daí que provém a grande Medicina urbana que aparece na segunda metade do

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século XVIII e se desenvolve sobretudo na França.” (Foucault, 1979b, p. 89, grifo nosso)

“Desde suas origens, a Medicina Social está ligada à idéia de que a cidade é causa de doença devido à desordem – intrinsecamente médica e social – que a caracteriza e ao projeto de prevenção constante contra o meio, considerado hostil à saúde de seus habitantes. É assim que os médicos formulam uma verdadeira teoria da cidade, desenvolvendo em vários níveis uma reflexão sobre a morbidade urbana e explicitando a exigência de realização de condições de vida ideais que a tornem um poderoso instrumento de normalização da sociedade.” (Machado, 1978, p. 26)

Sanitarismo

Foi na Inglaterra do século XIX que se manifestou a terceira variante anterior à

Medicina Científica: o Sanitarismo ou “Medicina da força de trabalho” ou, ainda a Política

Sanitária. Essa Medicina, ao contrário da Medicina do Estado e da Medicina Urbana, já tem

como objetivo o controle da saúde e do corpo das classes mais pobres com as finalidades de

reprodução da força de trabalho e do controle sanitário e social.

Na sua gênese, está a influência da Revolução Industrial que determinou a substituição

do artesão pelo trabalhador coletivo. Trata-se de uma Medicina que procura medicalizar os

segmentos mais pobres da sociedade inglesa, de modo a fazê-los produzir e a controla-los.

Para tal fim, a Inglaterra estabelece leis específicas aos pobres, promulgadas em 1601, Lei dos

pobres; em 1834, Nova lei dos pobres; em 1848, Lei de saúde pública, que evoluem para

sistemas de serviço de saúde, os health service, que começam a surgir a partir de 1875.

Foucault enfatiza a importância da lei dos pobres e do sistema de health service:

“Com a Lei dos pobres aparece, de maneira ambígua, algo importante na história da Medicina Social: a idéia de uma assistência controlada, de uma intervenção médica que é tanto uma maneira de ajudar os mais pobres a satisfazer suas necessidades de saúde, sua pobreza, não permitindo que o façam por si mesmos, quanto um controle pelo qual as classes ricas ou seus representantes no governo asseguram a saúde das classes pobres e, por conseguinte, a proteção das classes ricas. Um cordão sanitário autoritário é estendido no interior das cidades entre ricos e pobres: os pobres encontrando a possibilidade de se tratarem gratuitamente ou sem grande despesa e os ricos garantindo não serem

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vítimas de fenômenos epidêmicos originários da classe pobre.” (Foucault, 1979b, p. 95)3

“O health service é o segundo elemento que prolonga a Lei dos pobres. Enquanto a Lei dos pobres comportava um serviço médico destinado ao pobre enquanto tal, o health service tem como características não só atingir, igualmente, toda a população, como também, ser constituído por médicos que dispensam cuidados médicos que não são individuais, mas têm por objeto a população em geral, as medidas preventivas a serem tomadas e, como na Medicina urbana francesa, as coisas, os locais, o espaço social, etc.” (Foucault, 1979b, p.96)

Na mesma obra, Foucault salienta que a intervenção nos locais insalubres, as

verificações de vacina, os registros de doenças tinham de fato por objetivo o controle das

classes mais pobres. Apesar de a nova tendência ter gerado uma série de reações da população

que reivindicava o direito sobre o seu próprio corpo, demonstrando o desejo de escapar da

Medicina oficial, essa fórmula da Medicina Social inglesa acabou prevalecendo já que

possibilitava além da assistência médica ao pobre, o controle da força de trabalho e a pesquisa

geral da saúde pública, protegendo as classes ricas dos perigos gerais.4

É interessante observar a resistência difusa, que persiste, em vários países católicos,

desde o final do século XIX, contra essa medicalização autoritária. Reivindicando o direito

sobre o próprio corpo, milhões de peregrinos, a grande maioria pobre, movidos pela Fé,

dirigem-se, a santuários, em busca de cura. Entre eles, citamos “Lourdes”, na França,

“Fátima”, em Portugal, “Santiago de Compostela”, na Espanha e “Aparecida do Norte”, no

Brasil.

No que concerne à Odontologia, Nettleton (1988) afirma que foi através das práticas de

prevenção e das técnicas de vigilância que se produziu grande parte do conhecimento dentário

e bucal. A autora afirma que a boca, entendida como uma fronteira entre o corpo interno e a

poluição externa, deveria ser higienizada. Essa prática profilática estaria articulada ao processo

3 O cordão sanitário autoritário estendido nas cidades entre ricos e pobres foi mencionado ao observarmos o papel da Av. do contorno, em Belo Horizonte, separando a região urbana e suburbana da cidade. Ver mapa 1, do apêndice 2. 4 A influência dos fundamentos da Medicina urbana e do Sanitarismo foi mencionada ao estudarmos a construção da cidade de Belo Horizonte, na última década do século XIX e nas primeiras décadas do século XX.

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civilizador, descrito por Norbert Elias que teria incorporado novas posturas de convívio e

práticas sociais, implicando em novo controle do corpo e sua higienização.5

No que diz respeito à consciência e ao domínio do corpo, enquanto Foucault revela o

papel dos regimes disciplinares nas instituições das sociedades burguesas e capitalistas como

escolas, hospitais, casernas, fabricas, prisões, igrejas, bem como no convívio familiar e em

sociedade, Elias associa o domínio do corpo, ao controle das emoções:

“O controle mais firme, mais geral e uniforme das emoções, característico dessa mudança civilizadora, juntamente com o aumento de compulsões internas que, mais implacavelmente do que antes, impedem que todos os impulsos espontâneos se manifestem direta e motoramente em ação, sem a intervenção de mecanismos de controle - são o que é experimentado como a cápsula, a parede invisível que separa o “mundo interno” do indivíduo do “mundo externo”.” (Elias, 1994b, p. 246, grifo nosso)

Medicina e Odontologia Flexnerianas

A Medicina Flexneriana ou Medicina Científica surge nos Estados Unidos, na

passagem do século XIX para o século XX, quando esse país passa a acelerar o processo de

industrialização, que permitiu a produção em grande escala e a redução de custos. O

capitalismo monopolista6 demandava, além da acumulação de capital, a legitimação da ordem

social, sendo que os modelos sanitários anteriores, centrados nos fatores do ambiente, eram

inadequados para garantir a reprodução da força de trabalho e o controle social. Reconhecendo

o corpo, política e socialmente, como força de trabalho, a Medicina passa a exercer, através da

inclusão e exclusão de pacientes no sistema de saúde, controles do tipo cooptativo e

disciplinar. Foucault, ao invés de considerar que a Medicina Científica é individual porque

penetrou no interior das relações de trabalho ou é individualista, conhecendo unicamente a

relação de mercado do médico com o doente, ignorando a dimensão global, coletiva da

sociedade, mostra o contrário. Foucault, assim se expressa:

5 Esse aspecto é abordado no volume I da obra de Norbert Elias, intitulada “O processo civilizador: uma história de costumes” (Elias, 1994b). 6 O monopólio surgiu, de acordo com Huberman (1986), como evolução da própria concorrência, os pequenos negócios foram esmagados pelos grandes, houve crescimento, fusão, concentração propiciando a formação de indústrias gigantescas, verdadeiros trustes. Truste, entendido como, qualquer forma de organização industrial, que dispõe de controle suficiente da oferta de uma mercadoria a ponto de poder modificar o preço em seu favor.

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“...que a Medicina moderna é uma Medicina Social que tem por background uma certa tecnologia do corpo social; que a Medicina é uma prática social que somente em um de seus aspectos é individualista e valoriza as relações médico-doente.” (Foucault, 1979b, p.79) 7

O relatório Flexner, publicado em 1910, pela Fundação Carnegie, constitui-se como a

primeira formulação mais elaborada do paradigma da Medicina Cientificista, abrangendo uma

extensa pesquisa de avaliação do padrão educacional, em 150 escolas médicas americanas e

canadenses. Essa Avaliação foi, desde seu início, orientada pela preocupação do “desnível de

qualidade” existente entre os profissionais formados por escolas distintas..8 Em resumo o

relatório propõe:

• Definição de padrões de entrada e ampliação da duração do curso, para quatro anos;

• Introdução do ensino laboratorial;

• Estímulo à docência em tempo integral;

• Expansão do ensino clínico, especialmente em hospitais;

• Vinculação das escolas médicas às Universidades;

• Ênfase na pesquisa biológica como forma de superar a era empírica do ensino médico;

• Vinculação da pesquisa ao ensino;

• Estímulo à especialização médica;

• Controle do exercício profissional pela profissão organizada.

As fundações privadas norte-americanas que viabilizaram a implementação das

propostas do relatório Flexner, contribuindo com cerca de 300 milhões de dólares. Destaca-se

7 Foucault termina de escrever sua maior obra sobre a Medicina, “O nascimento da clínica”, em 1963 ainda sob a égide da Medicina Científica, a qual chama de Medicina Moderna. Nessa obra, a Medicina, vista a partir da crítica mais feroz contra o saber médico, segue ocupando um lugar central em seu pensamento. Diferentemente dos que criticam a Medicina moderna por seus erros, Foucault crítica a Medicina em sua essência. Segundo esse autor, o saber médico é negativo por si mesmo, sobretudo quando “acerta”, porque através de sua mecânica destrutiva, considerando a enfermidade como algo a combater, cria as condições para novas enfermidades, que serão mais difíceis de controlar. 8 A fundação Carnegie realizou estudos no campo da educação profissional em Direito, Teologia e Medicina, consideradas “profissões de ajuda” na estruturação dos problemas sociais, da nova sociedade da era chamada de progressista. Sobre a fundação Carnegie e o relatório Flexner, ver: Arouca (1975), Kunitz (1974), Berliner (1975), Flexner (1910) e Mendes (1984) que mostra que uma análise mais detalhada do relatório Flexner permite observar conseqüências para além do campo médico. A fusão e o fechamento de muitas escolas, bem como a redução do número de vagas, propiciaram a recomposição de classe da profissão médica, que passou a ser reservada à classe média alta americana.

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ainda o fortalecimento da Associação Médica Americana, a partir da convergência de

interesses entre a profissão organizada e o capital industrial e conclui que a Medicina

Científica institucionaliza-se, através da ligação orgânica entre o grande capital, a corporação

médica e as universidades.9

Na Proposta Cientificista, a Medicina é concebida como ciência, tal como a Física, a

Química e a Biologia, que constituem seu suporte. Essa concepção provoca mudanças na

prática médica agora compreendida como aplicação e produção da nova ciência, indissociável

da investigação científica. A especialização, a exclusão de práticas alternativas, a tecnificação

do ato médico e a ênfase na Medicina curativa são conseqüências naturais da nova

metodologia. Segundo Mendes, o novo marco conceitual da prática médica, fundamenta-se:

“... pela concepção mecanicista do homem, pela redução a-social e a-histórica da doença à sua dimensão biológica, pela individualização de seu objeto, pela crescente corporificação do conhecimento em tecnologia de alta densidade de capital exercitada por agentes especializados, pela ênfase nos aspectos curativos da Medicina, pelo seu caráter urbano-cêntrico e hospital-cêntrico e pela exclusão de formas alternativas de prática. (Mendes, 1985, p. 35)

De modo análogo, a Odontologia Cientificista, pode ser entendida como prática

profissional de universalidade biológica, orientada para a cura ou alívio de doenças ou para

restauração de lesões bucais, que se caracteriza: pela natureza individual de seu objeto; pela

concepção mecanicista do homem; pela crescente corporização do conhecimento em

tecnologia; pela dominação da especialização; pela seletividade de sua clientela e pela

exclusão de formas alternativas de prática.10

O novo paradigma, que privilegia a pesquisa predominantemente biológica,

desfocando o seu interesse da higiene e do sanitarismo para a patologia, serve portanto de

modelo aos países em desenvolvimento, transformando problemas sociais na área de saúde de

caráter político, em problemas científicos de solução tecnológica. Na acepção de Schraiber:

“... a proposta cientificista é a elaboração mais acabada tanto no plano conceitual quanto no plano das práticas - das especificidades que

9 A AMA foi criada em 1847, com o objetivo de tornar hegemônica a Medicina alopática, ameaçada na época, pela Medicina homeopática. Ver: Brown (1980) e Mendes (1985). 10 Botazzo (1998) exemplifica a incorporação das recomendações do relatório Flexner na formação odontológica através da introdução dos antibióticos na prática profissional.

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adquire a educação médica no modo de produção capitalista, e com isto, menos do que uma proposta de reforma, evidencia-se como uma proposta de sistematização e formalização dessas especificidades.” (Schraiber, 1989, p. 112)

A crise da Medicina Científica eclode a partir de sua ineficiência, de sua ineficácia e da

desigualdade no acesso aos serviços de saúde. A ineficiência é traduzida pelos custos

altíssimos de sua prática e é conseqüência do próprio modelo da Medicina Flexneriana, pois a

inovação tecnológica, em geral não substitutiva, pressiona os custos, ampliando o espectro das

necessidades de atendimento; a ineficácia é percebida através de resultados, não havendo uma

correlação positiva entre investimentos e níveis de saúde. A desigualdade de acesso, freqüente

em países em desenvolvimento é, também, verificada em países desenvolvidos, devido à baixa

cobertura dos serviços, principalmente, à população de baixa renda.11

Medicina Comunitária ou Simplificada

Diferentemente da Medicina Científica, a Medicina Comunitária ou Medicina

Simplificada surge, a partir de experiências de sistemas de saúde em países subdesenvolvidos,

principalmente da África colonial inglesa12. A metodologia ali utilizada que contempla

produtividade, redução de custos, extensão de cobertura, simplificação de recursos e

participação comunitária, é apropriada pelas universidades e órgãos governamentais

norte-americanos, na estruturação de programas destinados às populações marginalizadas,

como parte das políticas sociais de combate à pobreza, implementadas no início da década de

60, nos Estados Unidos. Nesse contexto, percebe-se que a Medicina Comunitária torna-se uma

prática complementar, coexistindo com a Medicina Flexneriana, tendo como objetivo atender

às categorias sociais excluídas do processo de medicalização, pressupondo, portanto, a

intervenção do Estado no campo da saúde.13

Mendes entende a Medicina Comunitária ou Medicina Simplificada como: 11 A ineficácia da Medicina Flexneriana acentua-se, a partir da segunda metade do século XX, com a produção, pela sociedade industrial, de novas patologias como as doenças ocupacionais e as ambientais. 12 King (1966) mostra que os trabalhos de saúde realizados em países como Quênia, Zambia e Uganda, como parte da estratégia da expansão capitalista dos países colonizadores, foram sistematizados e se constituíram na base t écnica da Medicina Simplificada. 13 Esse modelo de Medicina Comunitária dos países capitalistas representa a racionalização da Medicina através de modificações internas da prática médica, sem alterar os seus condicionantes estruturais. Difere portanto em seu conteúdo e em seu formato organizacional da Medicina Comunitária praticada em países socialistas como Cuba e China. Para detalhes, sugerimos Newell (1975).

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“...uma prática médica não hegemônica, complementar à Medicina Flexneriana e destinada a populações marginalizadas, e caracterizada por ter como objeto a comunidade local, pela utilização da equipe de saúde com ampla delegação de funções para pessoal auxiliar, pela destecnificação do ato médico através do uso de tecnologia apropriada14, pela integração de atividades promocionais, preventivas e curativas, pela hierarquização de serviços que viabiliza a universalização dos cuidados primários, pela inclusão de práticas médicas alternativas e pela utilização da participação comunitária.” (Mendes, 1985, p. 60)

Na construção do paradigma da Medicina Comunitária (figura 4), é elaborado em

1970, nos Estados Unidos, o Relatório Carnegie, que diagnostica a crise da Medicina

Flexneriana e faz propostas para o ensino e prática médica:

• Integração docente-assistencial;

• Expansão e aceleramento da formação de pessoal auxiliar e técnico;

• Integração de matérias básicas e profissionalizantes;

• Incremento das vagas com prioridade para estudantes provenientes de famílias de

baixa renda e de grupos universitários;

• Estruturação de um programa sanitário nacional15.

Analogamente, em face à crise da Odontologia Cientificista de difícil incorporação a

programas extensivos, por seu alto custo, baixa produtividade, por sua ineficácia social, surge

o delineamento de um novo paradigma, a Odontologia Comunitária, cuja prática odontológica

caracteriza-se: pela natureza coletiva de seu objeto; pela utilização da equipe odontológica

com ampla distribuição de funções, envolvendo pessoal técnico e auxiliar; pela

destecnificação do ato odontológico, através do uso de tecnologia apropriada; pela integração

das atividades preventivas e curativas; pela hierarquização dos serviços com universalização

dos cuidados primários; pela inclusão de práticas odontológicas alternativas e pela

participação comunitária. 14 Como um dos pontos críticos da Medicina Flexneriana é a sofisticação tecnológica, a OMS propõe para a Medicina Comunitária uma tecnologia apropriada que deve ser cientificamente bem estruturada, aceitável para os que a utilizam e para os seus beneficiários, adequada à cultura local, simples e de baixo custo. 15 No Brasil, a Lei nº 6225, de 1975, criou o Sistema Nacional de Saúde, instituindo o arcabouço jurídico que suportaria os programas de Medicina Comunitária.

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Sem negar os dilemas e a operacionalidade da Medicina e da Odontologia

Comunitárias, percebeu-se que seria possível, através das contradições de seus interesses,

construir um espaço aberto aos sujeitos interessados em mudanças sociais, a partir da

participação comunitária em programas de saúde, despertando a conscientização da

determinação estrutural dos problemas de saúde.

A implementação das Propostas do Relatório Carnegie foi financiada por agências

internacionais de fomento como a Organização Mundial de Saúde e o Banco Mundial; sendo

que a consolidação, em escala internacional, da Medicina Comunitária, ocorreu em

Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, em Alma-Ata, em 1978, na

antiga URSS. O evento foi patrocinado pela Organização Mundial de Saúde e pelo Fundo das

Nações Unidas para a Infância, UNICEF. Os documentos dessa Conferência estipulam como

meta serviços primários de saúde e noções de auto-cuidado para todos os povos até o ano de

2000.

A transposição das resoluções dessa Conferência para a América Latina foi realizada,

principalmente, através da Organização Panamericana da Saúde e de projetos financiados por

fundações privadas norte-americanas como a Fundação Kellogg, que foi de importância

fundamental para o Curso de Odontologia da PUC Minas, conforme detalharemos adiante.16 A

repercussão desse novo enfoque incorporado pela área de Saúde se fez sentir no Brasil

também na Odontologia Comunitária, a reboque da Medicina, conforme podemos observar

nos depoimentos seguintes:

“Nada acontece desvinculado de uma conjuntura político-social, mas eu acho que a história do Departamento de Odontologia estava muito ligada à Conferência de Alma-Ata, de 1978, que surge com a questão da ‘Saúde para Todos no ano 2000’, através da proposta da Medicina Comunitária.” (Professor 8)

“... havia um projeto para a América Latina, havia um projeto de simplificação de prática, de adequação de prática da odontologia para democratizar a Odontologia como era para a Medicina Comunitária e a Odontologia da PUC Minas, na época, encampou na essência esse projeto tanto que vieram os egressos do movimento da Medicina Comunitária, o Eugênio e a Eunice, que tinham feito isso no Norte de Minas na Medicina. Eles eram da Secretaria Estadual de Saúde e como

16A fundação Kellogg foi estabelecida em 1930, pelo famoso industrial de cereais, de mesmo nome, com o objetivo de financiar programas nas áreas de agricultura, educação e saúde, com fins humanitários.

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sanitaristas de Saúde Pública, eles tinham vivido essa experiência ... eu acho que eles foram corajosos de fazer isso no processo de formação da Odontologia pois considero a nossa profissão atrasada na concepção de ciência, no aporte profissional, na visão critica.” (Professor 2)

Schraiber (1989), ao estudar as implicações dos novos paradigmas na prática médica,

considera que a proposta da Educação Integrativa17 está em contraposição à Proposta

Cientificista, pois reflete novas necessidades sociais relativas ao cuidado médico que devem

ficar sob a responsabilidade de profissionais, capazes de compreender o indivíduo como um

todo. Em suas palavras:

“... essa abordagem “totalizante” do indivíduo implica uma concepção da saúde e da doença como estados que se dão em um processo contínuo (estados vitais relativos), e que se dão nas diversas relações do indivíduo com o meio ambiente (aí incluído o meio social). Os procedimentos daí decorrentes transformariam o ato médico, no sentido de produzir o cuidado requerido, conforme idealizavam seus propositores. Ou seja, a recomposição do ato médico seria obtida por uma mudança de atitudes, decorrente da aquisição, pelo profissional, da compreensão do indivíduo como um “todo”, e das novas concepções de saúde e enfermidade as quais ela implica.” (Schraiber, 1989, p. 113)

Para essa autora, a Proposta Educacional Tradicional, configurando-se como uma

capacidade técnica restrita a conhecimentos parcelares, fruto da crescente especialização do

conhecimento centrado em aspectos biológicos, e afastada das condições de vida do paciente,

em atendimento basicamente hospitalar, oferece uma qualificação fragmentada,

impossibilitando a compreensão do indivíduo global, tornando a educação escolar, fortemente

hospitalar, inadequada às necessidades sociais relativas ao cuidado médico. Já a Proposta

Integrativa propõe uma maior articulação horizontal e vertical das disciplinas existentes no

currículo médico, enfatizando o conhecimento relativo: à prevenção das doenças, enquanto

forma de integração dos campos de conhecimento médico; à introdução de novas disciplinas

como psicologia, ciências sociais, ecologia, antropologia, etc., coordenadas com as disciplinas

biológicas, enquanto forma de integração dos campos do conhecimento biológico e do

17 A autora entende a educação integrativa através de projetos complementares e contemporâneos de reforma médica como a Medicina Comunitária, a Medicina Preventiva e a Medicina Integral. Para detalhes indicamos Donnangelo (1975), além de Schraiber (1989).

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conhecimento humanístico, ao desenvolvimento do ensino extra hospitalar. A diferença dessas

propostas educacionais estão resumidas no quadro 1, do apêndice 3.

Configurado o contexto que possibilitou o surgimento de uma prática médica

alternativa ao modelo tradicional, que viria a se refletir na Odontologia, procuraremos

compreender, num primeiro momento, como ocorreu o processo de concepção, construção,

implantação e consolidação do projeto alternativo de ensino odontológico da PUC Minas e em

seguida passaremos a focalizar o seu processo de (des)construção.

A construção do Projeto Alternativo, Odontologia Simplificada e Odontologia Integral18

É justamente nas décadas que antecedem a criação do Curso que se aprimora a

regulamentação da profissão e do ensino odontológicos, com a fundação de entidades

representativas, entre as quais destacamos: a Ordem dos Cirurgiões Dentistas, em 1950; a

Associação Brasileira de Ensino em Odontologia, ABENO19, e o Serviço Nacional de

Fiscalização da Odontologia, em 1956; o Conselho Federal de Odontologia e os Conselhos

Regionais de Odontologia, em 1964, que substituem a Ordem dos Cirurgiões Dentistas e

absorvem as funções do Serviço Nacional de Fiscalização. Também vale ressaltar a criação do

Conselho Federal de Educação, em 1961, que fixa conteúdos e duração de cursos superiores

destinados à formação de pessoal para as profissões regulamentadas em lei. A regulamentação

do exercício profissional da Odontologia ocorre em 1966, através da Lei nº 5081 de 1966,

revogando o dispositivo nº 1314, de 1951. Finalmente, em 1967, na IV Conferência Nacional

de Saúde, a odontologia, que havia sido relegada nas três edições anteriores da Conferência, é

admitida como uma das profissões que deveriam compor a equipe de saúde.

O grupo de pioneiros que chega à PUC Minas, no início dos anos 70, era composto por

cirurgiões-dentistas, diplomados pela UFMG, a maioria pertencente à turma formada em 1961,

18 Narvai (1994) verifica, entre 1952 e 1992, varias adjetivações para a Odontologia, entre as quais destaca: Sanitária, Preventiva, Social, Simplificada, Comunitária e Integral. Neste trabalho, nos deteremos preferencialmente nas práticas odontológicas e nas denominações utilizadas pelos mentores e implementadores do Modelo Inovado de Ensino, em estudo, quais sejam: Odontologia Simplificada, entendida como sinônimo da Odontologia Comunitária e a Odontologia Integral. 19 A ABENO foi criada com a participação e incentivo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES. Lucas (1995) enfatiza a importância de convênios entre as duas instituições e a fundação Kellogg, que possibilitaram no país, além do diagnóstico do ensino odontológico, a introdução, sob a influência da experiência da medicina americana, do ensino integrado e interdisciplinar.

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alguns lecionando nessa Universidade.20 Um fato marcante para alguns elementos desse grupo

havia sido o contato com o Curso de Especialização em Saúde Pública, para Dentistas,

ofertado, pela USP, a partir de 1958, que teria proporcionado o contato de profissionais

brasileiros, com as idéias da Odontologia Sanitária e Preventiva, foram introduzidas no país,

nos anos 60. Entre os membros do grupo havia representantes de entidades tais como:

Sindicato dos Odontólogos de Minas Gerais, Associação Brasileira de Odontologia - Seção

Minas Gerais, Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais. Esses odontólogos,

ligados pela militância política, nas décadas de 50 e de 60, como estudantes, questionaram,

entre outras bandeiras, a prática odontológica vigente, e o seu modelo de ensino, a

Odontologia Flexneriana, voltada para um atendimento de elite.

“Nós fomos de um mesmo grupo da Federal, éramos da JUC e da AP e a gente trabalhava com Betinho, Paulo Haddad, Vinícius..., era um grupo bem politizado. Durante a avaliação que fizemos da nossa graduação, sentimos que o projeto pedagógico, não sei se a gente pode falar que existia um projeto pedagógico, era de uma Odontologia tradicional demais, uma Odontologia importada, que não estava inserida dentro da problemática da comunidade. Quando nós já éramos graduados, nós ficamos com uma angústia muito grande, será que não daria para mudar esse esquema da nossa Universidade tradicionalista?” (Professor 5)

De acordo com Bourdieu o campo científico é sempre o lugar de uma luta, entre

agentes desigualmente dotados de capital específico, em que dominantes e pretendentes (ou

novatos) recorrem a estratégias antagônicas profundamente opostas em sua lógica e no seu

princípio. Enquanto que os dominantes consagram-se às estratégias de conservação, visando

assegurar a perpetuação da ordem científica estabelecida com a qual pactuam, os novatos que

recusam as carreiras traçadas, utilizam estratégias de subversão, buscando assumir o poder,

rompendo com o paradigma vigente, a fim de imporem uma nova concepção.

20 Lucas (1995) em entrevista com alguns dos fundadores do Curso registra que a turma de 61 da UFMG, foi sonhadora, séria, questionadora e unida. Das vinte mulheres e quarenta homens da turma, dez colegas casaram-se entre si, dos quais destacamos o casal Villaça Mendes que assumiu a tarefa específica de realizar estudos necessários à implantação do Departamento de Odontologia da PUC Minas. Eugênio Mendes fora presidente do DA da Universidade e desde aquela época seus trabalhos, de repercussão local, versavam sobre temáticas, tais como: o privilégio do tratamento dentário, a ineficácia e ineficiência dos serviços odontológicos públicos e a defesa da prevenção no lugar da prática essencialmente curativa, voltada para as especialidades. Mendes permanece na chefia do Departamento até 1982, quando assume, como Secretário Adjunto de Saúde, do governo Tancredo Neves, passando a atuar em seguida na Organização Panamericana de Saúde.

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“Essa ordem [a ordem científica estabelecida] engloba também o conjunto das instituições encarregadas de assegurar a produção e a circulação dos bens científicos ao mesmo tempo em que a reprodução e a circulação dos produtores (ou reprodutores) e consumidores desses bens, isto é, essencialmente o sistema de ensino único capaz de assegurar à ciência oficial a permanência e a consagração, inculcando sistematicamente habitus científicos ao conjunto dos destinatários legítimos da ação pedagógica, em particular a todos os novatos do campo de produção propriamente dito.” (Bourdieu, 1983, p. 137)

Os anos 60, conforme relatamos, representaram, especialmente para as grandes

universidades brasileiras, uma época de profundos questionamentos que se refletiam inclusive

nas discussões pedagógicas e curriculares. Botazzo (1998), afirma que se convivia em uma

espécie de “assembléia permanente” em que tudo era motivo de controvérsia, mesmo quando

se enfocavam assuntos exclusivamente técnicos. Florestan Fernandes (1978) alerta que, nesta

época, apesar dos intelectuais darem pouca importância aos estudantes por considera-los

aprendizes, foram eles que ajudaram a quebrar a acomodação conservadora da Universidade e

permitiram desmascarar a condição elitista do professor. De fato, no caso em estudo, os

antigos estudantes, agora profissionais, buscavam um modelo de Curso que possibilitasse

melhores respostas para a sociedade na área de saúde bucal21, através das quais pudessem

exercer um efeito de demonstração sobre o ensino educacional brasileiro no campo da

Odontologia, formando uma massa crítica de profissionais, que pensasse os rumos da área.

Com relação à organização estudantil, durante o “milagre brasileiro”, a idéia Oficial

era desmobilizar e integrar os estudantes no projeto desenvolvimentista do país. Os sucessivos

governos militares tornaram impossível a participação política e social organizada dos

estudantes, fechando a União Nacional dos Estudantes, proibindo movimentos e campanhas de

educação e cultura popular e reprimindo as mobilizações públicas, como as passeatas. O

Estado procurou canalizar a energia dos jovens, cooptando estudantes, em programas de

extensão, controlados por autoridades governamentais, como o Projeto Rondon, iniciado em

1967, que possibilitavam o contato direto dos jovens, com os problemas do país.

Essa atitude do Regime Militar, em crise de legitimidade, fazia parte do uso de

estratégias redistributivistas e participacionistas, que estavam, em conformidade com as

exigências do Banco Mundial, para os casos de financiamentos de programas de natureza 21 Chaves (1986) esclarece que o conceito de “saúde bucal” trata-se apenas de uma abstração útil pois, a rigor, “saúde” é um estado do indivíduo que não pode subsistir como saúdes parciais dos diversos órgãos e sistemas. Durante os anos 80, o termo foi substituído, sob a influência da “saúde coletiva”, por “saúde bucal coletiva”.

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social e econômica. Pretendia-se, através de um reformismo conservador, promover mudanças

sociais, sem romper estruturas. De fato, desloca-se, progressivamente, a partir de 1972, o

financiamento da área de infra-estrutura econômica (energia, transporte, indústria),

predominantes desde 1949, para projetos de reforma na agricultura, tais como: irrigação e

desenvolvimento rural e para os programas sociais, tais como: saneamento básico, educação,

saúde e desenvolvimento urbano.22

Durante a tentativa do Estado em conquistar as massas populares, o uso da força de

repressão foi reduzido e foram tomadas várias medidas que visavam atender às necessidades

das populações pobres. Foram criados o Ministério de Previdência e Assistência Social e o

Fundo de Assistência Social, introduzindo assim, mecanismos de coordenação das políticas e

programas sociais. Esse período coincide com a expansão dos movimentos comunitários que

estão articulados com a reformulação da Igreja Católica na América Latina que se consolida a

partir da Conferência de Medellín, que conclama toda a Igreja da América Latina a passar da

palavra à ação. Os movimentos comunitários eram muito dependentes do apoio da Igreja,

sendo que essa dependência abrangia desde sua estrutura física até a própria condução da luta,

em geral desempenhada pelos agentes pastorais, que se inspiravam nas conclusões de

Medellín.23

“A Igreja da América Latina, dadas as condições de pobreza e subdesenvolvimento do Continente, sente urgência de traduzir esse espírito de pobreza em gestos, atitudes e normas que a transformem num sinal mais lúcido e autêntico do Senhor. A pobreza de tantos irmãos clama por justiça, solidariedade, testemunho, compromisso, esforço e superação para cumprimento pleno da missão salvífica confiada por Cristo.” (Conferência..., 1975, 14, p. 146)

Nesse contexto do início dos anos 70, os educadores militantes do grupo pioneiro,

buscavam estratégias de mobilização distintas, na maioria das vezes insuspeitas, do

afrontamento dos anos 60 e o momento era, portanto, adequado à implantação de uma

22 Germano (1990), mostra que os apelos “redistributivistas” e “participacionistas” das políticas sociais, encontravam-se claramente explicitados a partir do II PND, Plano Nacional de Desenvolvimento, lançados a partir do Governo Geisel. Pretendia-se dessa maneira substituir paulatinamente a ideologia de Segurança Nacional pela ideologia da “integração social”. 23 Segundo Gohn (1999), as atuações pedagógicas dos agentes pastorais, fundadas no método ver-julgar-agir, têm efeitos básicos nas decisões tomadas. Essa forte ligação dos movimentos comunitários com a Igreja diminui, a partir dos anos 80, com a reformulação partidária no Brasil, deixando a Igreja de ser o único centro agregador das demandas da periferia, em termos participativos.

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proposta alternativa de ensino na área da Saúde. Alguns membros desse grupo foram

contratados pela PUC Minas, em 1973, sendo que o Departamento e o curso de Odontologia

foram fundados no ano seguinte, com a intenção de formar um profissional generalista, capaz

de atuar em diferentes realidades; possibilitando o exercício da Profissão em regiões de

pobreza. Essa proposta se viabilizaria através de convênios, firmados com Órgãos de Saúde

Pública do Estado e do Município, com Fundações Internacionais e com movimentos

comunitários da periferia de Belo Horizonte, ligados à Igreja Católica.

“Essa Escola foi montada em cima de uma questão religiosa, era esquerda, mas era a esquerda cristã e essas pessoas que tinham compromisso eram pessoas humanistas e conhecidas, eram pessoas aprovadas de alguma forma pelo Bispo, se você for ver na história delas, vai achar em algum momento esse reconhecimento, claro que tinha conhecimento técnico-profissional também ...” (Professor 6)

Na opinião de um dos fundadores do Curso, um trabalho realizado pelo grupo de

acadêmicos, antes do golpe militar, intitulado “Odontologia, um privilégio de classe”, teria

diagnosticado a falta de acesso da população carente ao atendimento odontológico e os

principais entraves a esse atendimento e teria subsidiado a discussão do Projeto da PUC

Minas:

“Quando o Eugênio foi convidado por Dom Serafim para estabelecer um projeto para o Curso de Odontologia, nos já tínhamos, mais ou menos, filosoficamente, a concepção de curso que queríamos. Seria um Curso que antagonizasse todo o processo tradicionalista da Federal, permitindo que a Odontologia deixasse de ser um privilégio de classe.” (Professor 5)

Possibilitava-se, assim, através de uma prática profissional engajada, a configuração de

mais um foco de resistência ao Regime Militar, propondo uma releitura crítica da realidade.

Na opinião de um dos professores:

“Agora que a gente faz uma análise mais aprofundada daquela experiência, vê que foi uma (re)leitura, uma (re)interpretação contextualizada de um objeto de estudo ou do objeto da prática, podia ser Odontologia, podia ser Engenharia, podia ser Física, isso não faz a menor diferença, podia ser Medicina, Enfermagem, na verdade são

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ações que as pessoas produzem e nós produzimos naquela prática comunitária.” (Professor 3)

Certeau identifica que, sob a realidade maciça dos poderes e das instituições:

“...um movimento browniano de micro-resistências, as quais fundam por sua vez microliberdades, mobilizam recursos insuspeitos, e assim deslocam as fronteiras verdadeiras da dominação dos poderes sobre a multidão anônima.“ (Certeau, 1994, p.18)

A contratação dos primeiros professores de Odontologia pressupunha a implantação

gradativa de várias etapas, sendo que o primeiro resultado mais significativo da equipe

contratada, foi um projeto de estruturação do Departamento de Odontologia, o Projeto

Original, classificado, na Introdução da presente Tese como uma fonte documental preciosa. O

Projeto foi apresentado, quando as primeiras disciplinas de formação básica já estavam sendo

oferecidas, em dezembro de 1974, pela UCMG à Fundação Kellogg, cuja verba era oriunda de

impostos, que deveriam ser pagos ao tesouro americano e que podiam ser destinados a

projetos do terceiro mundo, vinculados a uma política de interesse humanitário-comunitário.24

O estudo do Projeto Original nos permite observar que os fundadores procuravam

embasamento teórico e estatístico, para as suas considerações metodológicas, buscando estar

em sintonia com as tendências progressistas da época em relação à Universidade, à área de

Saúde e à formação de Recursos Humanos. Foram analisados o Mercado de Trabalho e as

Escolas de Odontologia de Minas Gerais e suas respectivas áreas de influência. Em relação ao

único Curso de Odontologia, oferecido na Cidade pela UFMG, foi observada a relação

candidato/vaga na década de 70, verificando-se mil e quinhentos excedentes, em 1974, com

tendência de crescimento. O estudo mostra ainda um amplo Mercado para técnicos e

auxiliares, que justifica a proposta multiprofissional inovadora, com a delegação de funções do

24 Lucas (1995) relata que o bom relacionamento do grupo pioneiro, com o Professor Mário Chaves, que trabalhava na fundação Kellogg, facilitou o contato dos idealizadores com a mesma. Formado em Medicina e Odontologia pela UFRJ, mestre em Saúde Pública, Chaves foi o principal teórico latino-americano da Odontologia Sanitária, nas décadas de 60 e 70 tendo atuado em organizações internacionais governamentais como a OPS e a OMS e não-governamentais, entre as quais destacamos a citada fundação filantrópica americana. Entre suas obras salientamos: Chaves (1960, 1962, 1982 e 1986).

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nível profissional do dentista para os níveis técnico e auxiliar, possibilitando a redução de

custo e o aumento de produtividade.25

A descrição das etapas (análise de tarefas e descrições de trabalho da equipe

odontológica; estruturação do Curso superior de Odontologia; estruturação do Curso de

Auxiliar de Consultório; estruturação do Curso de Técnicos de laboratório odontológico,

protético; estruturação das atividades de extensão; recrutamento, seleção, treinamento e

avaliação do corpo docente) e o próprio Projeto Original nos mostram que não havia uma

proposta pré-concebida de Curso: “O projeto do Departamento de Odontologia da UCMG visa

desenhar e testar um modelo inovado de ensino odontológico” (Projeto..., 1974, p. 27, grifo

nosso) e sim a intenção de elaborar uma saída alternativa ao ensino tradicional, que fosse mais

eficiente, permitindo a extensão do atendimento odontológico e a formação de um novo

profissional, voltado para os interesses da população marginalizada.

“...a criação de um Departamento de Odontologia, na UCMG, deve ser encarada numa perspectiva de transição social, oferecendo uma oportunidade única para a estruturação de um modelo de ensino “inovado” que se sintetizaria a partir da análise das virtudes e fraquezas do modelo “tradicional”. Não se trataria, portanto, de instituir mais um curso de odontologia mas, mais que isso, cuidar-se-ia da proposição de um modelo inovado que poderia exercer um efeito-de-demonstração sob o sistema educacional brasileiro, no campo da odontologia” (Projeto..., 1974, p. 8, grifos nossos)

“A intenção do Departamento é que os profissionais a serem formados determinem mudanças de estado nas pessoas e/ou ambiente de maneira a modificar os níveis de saúde oral e a contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população.” (Id., ibid., p. 28, grifo nosso)

Evanilde Martins confirma o processo de construção do Modelo Inovado que se

pretendia, alicerçado pela perspectiva de expansão do atendimento odontológico. Uma síntese

25 Com relação ao referencial teórico, este projeto adota uma abordagem sistêmica [Referências: FINE, S. A.; WILEY, W. W. An itroduction to functional analysis. Kalamazoo: Upjohn Institute, 1971; Bucley, W. Modern systems research for behavioral scientist. Chicago: Aldine Publ., 1968; OPTNER, S. L. Análise de sistemas empresariais . Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1971]. A análise de Mercado que, segundo os fundadores, se constitui como um dos problemas mais complexos de Recursos Humanos na área de Saúde, foi embasada na referência: BAKER, T. D. Health manpower planning. In REINKE, W. A. Health planninng. Baltimor: Waverly Press, 1972. Acerca da concepção da proposta de formação multiprofissional, acompanhada da redução de custo e do aumento de produtividade, o Projeto fundamenta-se nas referências: Chaves (1962); ROSIELLO, S. L. Estudos de tempo e movimento em operatória dental. Bol. San. Pan. v. 57, n. 2, p. 157-166 e TERCERA REUNIÓN ESPECIAL DE LAS AMERICAS. Plan decenal de Salud para las Americas. Santiago: OPS, 1972.

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comparativa entre o Modelo Tradicional e o Modelo Inovado proposto, para a prática e ensino

odontológicos, pode ser vista no quadro 2 do apêndice 3.

“A formação de profissionais da odontologia teria que responder também à construção de uma prática profissional que tivesse como eixo norteador a expansão da atenção odontológica para as camadas sociais que se encontravam à margem desta assistência. Assim, na época da criação do curso de odontologia da PUC-MG, não havia modelo pronto para dar resposta a tal desafio. Foi preciso construí-lo. A tentativa de expandir o atendimento odontológico, através de uma pratica inovada, foi um dos fundamentos de toda a história do Departamento.” (Martins, 1993, p. 20)

O grupo parecia crer que, a prática pedagógica competente associada à vontade

política, possibilitaria uma prática social mais ampla, o que estava de acordo com as críticas

das teorias da reprodução, que ganhavam espaço na Educação.26 Voltava-se a acreditar no

poder, ainda que relativo, da escola na construção de uma sociedade democrática e com isso a

discussão sobre práticas pedagógicas, currículos e programas de ensino alternativo ganharam

fôlego27. Essa atitude articulava-se com o contexto da época, caracterizado pelo crescimento

da mobilização e resistência contra a ditadura, em amplos segmentos sociais: trabalhadores,

jornalistas, artistas, advogados e setores da Igreja, particularmente aqueles vinculados aos

movimentos comunitários, que haviam feito a “opção preferencial pelos pobres”. Moraes nos

ajuda a compreender esse traço de caráter quase “messiânico” que encontramos no Grupo,

através das considerações de Frei Betto.28

“Frei Betto atribui o messianismo à formação política dos militantes da esquerda católica - incluindo ele próprio e Henfil - na passagem das

26 Os anos 60 são marcados por uma teoria de base sociológica, conhecida como teoria da reprodução, cujos expoentes foram Bourdieu e Passeron sustentada pela idéia de que a hereditariedade cultural, bem como a herança biológica, seriam determinantes no destino de estudantes no sistema educacional e na sociedade. Ver: Bourdieu & Passeron (1975) e Nogueira (1990). Essa teoria questionava, portanto o mito da igualdade de oportunidades e da democratização do ensino. Segundo Silva (1994) essa teoria foi precocemente abandonada no Brasil nos anos 70 e foi retomada como referencial teórico nos anos 90. 27 As publicações dos fundadores do Curso, que se proliferaram a partir do final dos anos 70, são influenciadas por autores, tais como: K. Marx, P. Furter, M. Apple, R. Machado, M. Chauí, P. Freire, M. Arroyo. Na área de saúde, destacamos a influência de M. Foucault, M. Chaves e S. Arouca. Vale também lembrar que vários educadores militantes, não apenas de Belo Horizonte, passaram a escrever sobre a área de saúde, particularmente sobre a saúde bucal coletiva e esses trabalhos foram divulgados, principalmente, em encontros latino-americanos. 28 Essa obra de Moraes, “O rebelde do traço: a vida de Henfil” contem elementos ricos da época que retratamos neste estudo, tendo nos auxiliado particularmente na compreensão da formação, em Belo Horizonte, do engajamento político do Grupo pioneiro, responsável pelo Projeto Alternativo.

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décadas de 1950 e 1960. Eles associavam a experiência vital ao espírito evangélico de libertar a humanidade. Não seria, pois, um mero componente individual (ou mesmo familiar) de personalidade, mas uma veia comum àquela geração mineira que se forjou à sombra da JEC, da JUC e da AP” (Moraes, 1997, p. 479, grifos nossos)

“Nós fomos educados para salvar o mundo, como se tivéssemos sido escolhidos ou convocados por Deus para essa missão. Movia-nos a idéia de consertar o Brasil. Somos messiânicos; o Henfil totalmente. O messianismo impregnou-se em nós, felizmente na vertente positiva do humanismo e da luta por igualdade e justiça social.” (Frei Betto, apud Moraes 1997, p. 479, grifo nosso)29.

A década de 70 foi um período de crescimento acentuado para a PUC, quando se

concretiza, após a adaptação do antigo Seminário às novas necessidades, a transferência

definitiva dos cursos para o Campus recém inaugurado, e começam a surgir, as novas

construções da Universidade, inclusive os prédios que abrigariam a área de Saúde. O tipo de

proposta de Odontologia Social que se pretendia, baseado na racionalização dos processos de

prática e ensino odontológicos, era extremamente oportuna para a PUC Minas naquele

momento, pois além da redução necessária de investimentos, da obtenção dos recursos

advindos da fundação Kellogg, possibilitaria o exercício da filantropia, através do atendimento

da população de baixa renda, que contabilizava para a isenção de impostos.30

Para o planejamento do Departamento foi proposto um fluxograma seqüencial de

etapas, cada uma delas detalhada no Projeto Original, sendo que para a estruturação completa

do Departamento, foi feita uma subdivisão em dez subprojetos. Cada subprojeto pressupunha

um cronograma físico-financeiro, uma gerência e uma proposta de desembolso, a ser realizada

29 Essa opção preferencial pelos pobres, calcada em uma doutrina messiânica e igualitária, que tende a reduzir as desigualdades sociais permeia o ideário cristão das ordens mendicantes, desde o século XII. Entre essas ordens destacamos os franciscanos e os dominicanos, que acabaram por apoiar os militantes políticos durante a repressão do Regime Militar. Sobre as ordens, indicamos: Le Goff (2001) e Ginzburg (1988) e sobre o seu apoio durante o Regime, ver: Betto (1977 e 1982). 30 A questão da Filantropia tem merecido destaque especial no atual Governo que, também neste aspecto, pretende exercer o seu papel regulamentador e fiscalizador em que as Leis Federais nº 9732 e nº 10.260, de dezembro de 1998 e julho de 2001 se fundamentam. Além disso, o contexto da filantropia tem mudado notadamente na última década, pois além da acirrada fiscalização legal, as entidades filantrópicas têm se ressentido do marketing empresarial e da chamada filantropia estratégica. A idéia é buscar a melhor alternativa para as empresas que querem causar o máximo de impacto na comunidade com um mínimo de recursos. Ao invés da velha política de doações à entidades filantrópicas, a nova estratégia propõe que a empresa abrace uma única causa, otimize os resultados e a aplicação de recursos em sua ação filantrópica, fique conhecida por ela e com isso agregue valor à sua imagem. Esses fatores têm alterado significativamente a postura e o papel das instituições filantrópicas de ensino e apresentamos resumidamente os impactos causados por essas modificações, em particular na PUC Minas, no apêndice 8.

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pela PUC Minas e pela fundação Kellogg. O prazo previsto para a execução do Projeto

Original foi de três anos, mas a revisão contínua do processo de construção do mesmo acabou

resultando num segundo projeto, proposto no final de 1978 e concluído em 1981. A fundação

Kellogg, além da ajuda técnica prestada, investiu no Departamento, durante estes sete anos,

cerca de U$ 250.000.31 O “espírito” desse processo em construção pode ser percebido nos

depoimentos abaixo:

“A gente não tinha uma solução clara, mas nós tínhamos um caminho, um theros, que era melhorar a condição do ser humano e atender o paciente como um ser humano.” (Professor 3)

“... eu tenho muita honra, muita alegria de ter participado disso, uma das coisas mais bacanas que a gente pode fazer, fazer as coisas ainda que não sabendo, procurando aprender para fazer.” (Marcos & Portillo, 1999)

O ingresso, em 1975, do Departamento de Odontologia da PUC Minas, a partir da

aprovação do projeto Original, nos Programas docente-assistenciais, parcialmente financiado

pela fundação Kellogg, permite o contato com experiências pedagógicas e assistenciais de

países da América Latina, como México, Guatemala32, Colombia e Venezuela além do

trabalho desenvolvido em Brasília, que começavam a discutir sobre a simplificação dos

serviços de Odontologia. O programa da Fundação, em Odontologia, intitulado “Inovações em

Ensino e Serviços Odontológicos”, é coordenado, durante a década de 70, pela Organização

Panamericana de Saúde e beneficia no Brasil, as universidades PUC Minas, Unicamp e UFRS.

O processo de implantação do Curso ocorre concomitantemente à efervescência dos

movimentos sociais e de produção cultural, da vida brasileira, vinculada ao empenho pela

auto-organização dos excluídos do regime militar, verificada desde a segunda metade da

década de 70 até a transição do governo militar para o civil, no início da década seguinte. Esse

31 O fluxograma mencionado, um exemplo de orçamento de um sub-projeto bem como o orçamento consolidado, encontram-se no apêndice 4. 32 Segundo Jorge Cordón Portillo (Marcos & Portillo, 1999), na Guatemala, desde 1968, iniciou-se um trabalho, no espírito da Odontologia Comunitária ou Simplificada, que repercutiu na América Latina, inclusive na PUC Minas. Cordón, como é conhecido, foi citado por vários professores, como tendo participado ativamente das discussões do Departamento sobre o Projeto Alternativo. Um dos entrevistados destacou que esse professor se sente um pouco fundador da idéia da PUC, por ter ajudado o Prof. Eugênio o tempo todo, inclusive no desenho do currículo, tendo ainda lecionado nos primeiros cursos de Especialização em Odontologia Social e Preventiva do início dos anos 80. Sobre a trajetória na Odontologia desse professor guatemalteco, ver: Um apaixonado pelo Brasil. Jornal CROMG, Belo Horizonte, jul./ago. 1997.

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espaço concedido/conquistado pelos excluídos, acompanhou a desaceleração da economia e o

aumento da inflação e da dívida externa que denunciavam as bases de sustentação do “milagre

brasileiro”, recém vivenciado pela Nação, conduzindo ao enfraquecimento das instituições

governamentais e a proclamação da “abertura política”.33

Na realidade, foi a partir do Governo Geisel, em 1974, que começou o período de

distensão política, que perdurou até o final do Governo Figueiredo, em 1985. A burguesia

iniciou forte campanha antiestatizante através de empresas e bancos privados nacionais e

internacionais, interessados nos recursos da poupança forçada do Estado, que era composta

pelos fundos do PIS, PASEP e FGTS e administrada por bancos oficiais, tais como: Caixa

Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco Nacional de Habitação e BNDES. Neste período

surge, quase sempre decorrente da pesquisa de pós-graduação, uma produção teórica, que

critica a educação capitalista e sua prática pedagógica, a política educacional brasileira, a

sociedade estabelecida e historicamente estruturada em classes sociais. Vários seminários e

reuniões, contando com um público altamente qualificado, composto principalmente por

intelectuais, cientistas, professores e estudantes universitários, que (re)organizando-se em

entidades, passam a discutir a questão do autoritarismo nos países latino-americanos.34

É, portanto nesse contexto que, inspirando-se nas produções intelectuais progressistas,

emerge uma prática acadêmica, despojada e crítica, com estratégias de ação distintas para lutar

no campo pedagógico, de inegáveis repercussões políticas, abrindo espaço para práticas

pedagógicas alternativas, de caráter político-mobilizador, como a que apresentamos nesse

trabalho35. No caso da área de Saúde, esse caráter político-mobilizador pressupõe à

incorporação da prática do atendimento à comunidade, como ponto de partida da prática

pedagógica conforme pode ser percebido em depoimentos, a seguir:

“... eu me lembro que em 79/80, quando nós [da PUC de Campinas] começamos a criar as clínicas extramurais, a única Faculdade que tinha,

33 Para detalhes, sugerimos: Furtado (1989), Germano (1990) e Skidmore (1988). 34 Germano (1990) indica a influência de Marx e marxistas como Althusser, Poulantzas e Gramsci e De Rossi (1998) aponta autores, que, entre outros, renovaram as concepções educacionais: Fernandes, Cunha, Freitag, Vieira e Germano. Com relação aos eventos mencionados, salientamos, em 75, na Unicamp, o seminário “História e Ciências Sociais”, cujo objetivo era discutir “O autoritarismo na América Latina”; a partir de 74, as reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC, que se transformaram de fórum científico para fórum político e a partir de 78, os Seminários Bras ileiros de Educação, transformados, a partir de 80, em Conferências Brasileiras de Educação. 35 Vários estudos tem sido feitos sobre esses projetos alternativos, em várias áreas do conhecimento e em vários níveis de aprendizado, entre os quais citamos: De Rossi (1998) e Mendonza (2001).

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em desenvolvimento, essa experiência era a de vocês [da PUC Minas] e falar em clínica comunitária naquela época era, para a maior parte das pessoas, associada à palavra ‘comunismo’. Então nós, pensando em montar essa clínica comunitária num bairro de Campinas, fizemos reuniões com os favelados ... a nossa ação tem que ser um ato político de conscientização dessa população, dessas necessidades e não simplesmente o paternalismo de levar esse tipo de atendimento odontológico.” (Takito, 1986)36

“Apesar do modelo de Medicina Comunitária se inscrever como política de controle social baseada na racionalização e contenção dos custos e com ênfase na participação popular, ele também se prestou ao papel de contestação às políticas vigentes, espaço possível à mobilização popular e à politização da questão da saúde e, ao se estender a outros setores da sociedade, configurou-se como possibilidade para a construção da cidadania.” (Figueiredo, 1992, p. 49, grifo nosso)

As experiências analisadas, pelos pioneiros, no campo da Odontologia, embora tenham

sido consideradas localmente eficientes e tenham influenciado bastante o Grupo, não

correspondiam exatamente à sua expectativa para o Departamento de Odontologia da PUC

Minas.37 Procedeu-se, então, para a estruturação de um modelo de ensino a partir da

caracterização do quadro epidemiológico mineiro e do levantamento das tarefas e

procedimentos clínicos, que possibilitariam a composição curricular do Curso. Através do

levantamento de demanda em Minas Gerais em termos nosológicos38 foram apontadas as

necessidades, consideradas como problemas (tabela 17), em função das quais estruturaram-se

macrodisciplinas ou disciplinas-projeto, como busca de solução para os respectivos problemas,

fazendo, da organização disciplinar, o primeiro campo de aplicação prática do conceito de

integração, que era a palavra chave da nova proposta em que as disciplinas, os professores, o

espaço físico, tudo deveria integrar-se nos níveis básico-profissional, prevencional-curativo,

biológico-social, teórico-prático, ensino-extensão, a partir da identificação das necessidades

objetivas da população.

36 Depoimento do Diretor da Faculdade de Odontologia da PUC de Campinas, Prof. Hiroumi Takito, em 1986, em encontro no Departamento da PUC Minas, com a presença de Paulo Freire, em que se debatiam os problemas de Projetos Alternativos, praticado à época pelas duas Escolas. 37 O Projeto Original programa visitas às seguintes escolas brasileiras: Faculdade de Odontologia de Bauru, Piracicaba, de Pernambuco e de Porto Alegre e no exterior: Departamento de Odontoestomatogia da Universidade Católica do Chile, Santiago; Faculdade Odontologia de Medellín, Colômbia; Faculdade Odontologia da Universidade Metropolitana do México e Faculdade Odontologia da Universidade Autônoma de México, México; Faculdade Odontologia da Universidade da Flórida, Gainsville, EUA. 38 Nosologia: estudo das moléstias.

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Problema Macrodisciplina

Cárie dentária Odontologia Restauradora

Doença periondontal39 Periodontia

Cárie dentária e más oclusões na infância Odontopediatria

Lesões tumorais Estomatologia

Todos os problemas Clínica Integrada

Tabela 17: Necessidades -problema e macrodisciplinas correspondentes.

Do desmembramento dessas macrodisciplinas resultam quatorze disciplinas

profissionalizantes (tabela 18), em contraposição ao currículo tradicional cujo número era

superior a trinta. A carga horária era composta por 1275 horas no Ciclo Básico, das quais 360

horas eram destinadas às Ciências Humanas e 2250 horas ao Ciclo Profissional, totalizando

3525 horas, cerca de 15% a menos do que os currículos, vigentes na época. O conteúdo das

disciplinas profissionalizantes é elaborado a partir de levantamento de tarefas e procedimentos

clínicos, praticados por cirurgiões-dentista, de Minas Gerais, no atendimento às

doenças-problema.

PROBLEMA 4º PERÍODO 5º PERÍODO 6º PERÍODO 7º PERIODO 8º PERÍODO

Cárie Dentária Odontologia Restauradora I 255 horas

Od. Restauradora II 150 horas Od. Restauradora III 180 horas

Odontologia Restauradora IV 120 horas

Odontologia Restauradora V 105 horas

Doença Periodontal Periodontia

180 horas

Lesões tumorais neoplásicas e não neoplásicas

Patologia Clínica Odontológica II (Estomatologia) 135 horas

Cárie dentária e más oclusões na infância

Odontopediatria 150 horas

Todos os Problemas

Patologia e Clínica I 255 horas

Clínica Integrada I 120 horas

Clínica Integrada II 150 horas

Clínica Integrada III 135 horas E. P. B. I 30 horas Cult. Religiosa II 45 horas

Clínica Integrada IV 180 horas Odontologia Social e Preventiva 90 horas E. P. B. II 30 horas

Tabela 18: Disciplinas do Ciclo Profissional do Curso de Odontologia Fonte: Mendes & Marcos (1985, p. 36)

39 Periodonto: conjunto formado pelo osso em que está implantado um dente, formação ligamentar disposta em torno dele e cemento; cemento: camada de tecido ósseo que recobre a raiz dentária.

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A avaliação feita, a partir dos levantamentos realizados junto aos clínicos, permitiu

definir a função dos procedimentos e o que era necessário para a sua realização, bem como o

conteúdo teórico a ser trabalhado, através do qual foram montadas as disciplinas do currículo.

Um dos entrevistados afirmou que a montagem do currículo foi um “trabalho braçal”, tipo

crochet, construído ponto a ponto. 40

Das trezentas tarefas listadas, foram destacadas cerca de cento e sessenta que

permitiram estabelecer o perfil psicomotor do Clínico Geral, que se pretendia formar, na

graduação em Odontologia. O conteúdo das macrodisciplinas foi organizado de acordo com os

critérios de complexidade das tarefas e o histórico das doenças. As tarefas e os conteúdos mais

elaborados seriam deixados para a formação de especialistas em Cursos de Pós-graduação.41

As demais tarefas foram separadas em subconjuntos, que estruturaram a formação de

profissionais de nível médio e auxiliar, oferecida pelo próprio Departamento, e que se

definiam na formação do atendente de consultório dentário e técnico em prótese dentária. Essa

metodologia de construção e de oferta de formação em diferentes níveis possibilitou ao

Departamento vivenciar uma das primeiras experiências brasileiras de formação

multiprofissional.

A busca de uma prática odontológica que permitisse, através da padronização, da

diminuição de passos e da eliminação do supérfluo, tornar mais simples e mais barato o

atendimento odontológico, sem alterar a sua qualidade, fez com que se adotasse o mesmo

princípio de racionalidade para dimensionar o planejamento do espaço físico do Departamento

que se instalou numa área total de 2000m2, enquanto que as demais instituições estavam

sediadas em áreas compreendidas entre 5000m2 e 15000m2.42 Nessa área foi instaurada a

primeira clínica de atendimento à comunidade interna, englobando professores, funcionários e

seus dependentes, sendo que esse atendimento foi viabilizado através de convênio com o

40 Comparando o Projeto Original, os escritos sobre o Curso até 1982 e os estudos a partir de 1995, encontramos uma certa discrepância em relação a ordem das etapas da montagem curricular do Curso bem como à terminologia utilizada. Não consideramos, entretanto, tratar-se de uma simples inversão de ordem, em uma ou outra fonte de pesquisa, mas sim de uma adequação de conceitos e linguagem entre o que foi compreendido na época e o que as mesmas pessoas relatam sobre a época. Exemplificando, observamos as seguintes transformações: “tarefas” em “procedimentos”, “problema” em “projeto-problema”, “projeto” em “macro-disciplina” e “integração” é muitas vezes substituída por “articulação”. 41 Entretanto a pós-graduação não era preocupação que merecesse, naquele momento, atenção especial dos criadores do curso. 42 Dados retirados de Modelo... (1982). Nesse texto há dados que mostram que o custo aluno/ano do Curso proposto, considerando-se apenas as atividades de ensino do ciclo profissional, era cerca de 30% inferior ao das escolas federais.

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Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, INAMPS. Segundo vários

entrevistados:

“O primeiro convênio de uma escola de Odontologia no Brasil com o setor público para a prestação de serviços foi na PUC Minas.” (Professor 2)

“... eu me lembro lá em Campinas, num encontro, tinha muita gente da América Latina, EUA e nós apresentamos o nosso trabalho. Teve gente que saiu assoviando dizendo que isso [assinar um convênio com a Previdência Social] era prostituição, diziam que a Previdência Social era sinônimo de péssima qualidade.” (Professor 3)

“Uma das experiências mais exitosas do ponto de vista da formação do aluno daqui foi a da antiga clínica do INAMPS.” (Professor 8)

Embora o Projeto Original não fizesse menção explícita ao atendimento coletivo, nem

tampouco à Odontologia Simplificada, pressupunha “... o ensino de técnicas simplificadas e de

métodos de produção acelerados que incrementarão a produtividade dos profissionais.”

(Projeto... 1974, p. 36) e a experiência do Departamento acaba sendo uma das pioneiras, no

Brasil, na utilização de ambientes racionais e coletivos de trabalho odontológico. Os recursos

financeiros recebidos da fundação Kellogg possibilitaram, entre outros itens, o

desenvolvimento de um modelo de equipamento simplificado, o “equipo do Departamento”,

contribuindo também na instalação das clínicas intra e extramuros. Todas as edificações

tiveram como pressuposto a mesma concepção de racionalização de recursos, que alicerçava a

nova visão de prática odontológica, que introduziu os Programas de Extensão de Cobertura.

“Foi o primeiro lugar que tentou desenvolver a simplificação até dentro da clínica de ensino, a eliminação de etapas para o aprendizado do aluno, a gente ia direto para a boca do paciente, sem passar pelo ‘modelo’, nenhuma escola do Brasil tinha ainda tido a coragem de eliminar o ‘modelo’. (Professor 6)

O atendimento odontológico das comunidades locais pelos alunos da graduação em

Odontologia, supervisionados pelos professores, possibilitaria contemplar a atividade de

Extensão, não apenas como uma ação extramuro, apêndice da atividade universitária. O

Projeto Original previa apenas uma disciplina, no último período, Clínica Integral, com

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atividade extramuro em cinco “clínicas satélites” mas, no terceiro ano após a implantação da

primeira clínica extramuro, que levou o nome de José Fernandes de Araújo, em homenagem

ao pai de Dom Serafim, dentista-prático, a atividade de extensão passa a ser reconhecida como

sendo a própria essência da atividade de ensino. Assim, a prática extramuros, num movimento

de fora para dentro, começa a influenciar o ensino intramuros, num movimento inverso da

extensão tradicional, pois percebera-se não existir ensino fora das condições reais em que a

prática profissional efetivamente acontece. Com a integração do ensino extramural para além

da extensão tradicional conseguia-se não apenas romper os muros da Universidade que impede

a contaminação do saber oficial pela gritante realidade social, como também permitia

inserir-se na realidade social periférica, para além da Av. do Contorno, o cordão sanitário

projetado para a Cidade.

O ensino passa a ser ministrado, em parte fora dos limites da Universidade, em

diferentes locais sociais como: o espaço urbano integrado, o espaço urbano periférico, o

espaço rural concentrado e disperso e outros espaços institucionais como o espaço

ambulatorial geral, ambulatorial especializado e hospitalar. Dentro desse programa de

Odontologia com a comunidade, viabilizado através de convênios de prestação de serviços, o

aluno cumpria cerca de 30% da carga horária do Curso, do quarto ao oitavo período, nas

Clínicas relacionadas na tabela 19, a seguir:

Localização Nome da Clínica Bairro – Região de BH

Cidade – Região de MG

Nº Equipos Convênio Disciplina

Responsável Público Alvo

Gil Mendes Dom Cabral Oeste 15 INAMPS Clínica Integrada II Conveniados

José Fernandes de Araújo

Alto dos Pinheiros Oeste 8 SES-MG Clínica Integrada III

Escolares – Centro Educacional “Cândida Cabral”

São Geraldo São Geraldo Leste 6 Paróquia

Associação de Moradores

Odontologia Preventiva e Social

Moradores do bairro

Salviano Gonçalves Ribeiro

Renascença Leste 10 Paróquia de Santo Afonso

Odontopediatria Clínica Integrada IV

Crianças e adultos

Venda Nova Venda Nova Norte 6

Secretaria de Saúde e Bem-Estar

da Prefeitura Municipal de BH

Patologia Clínica Odontológica I Adultos

Helena Guerra Contagem Grande BH Vetor Oeste

6 móveis SES-MG

Pesquisa “Novo modelo de atenção odontológica ao escolar”

Escolares

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Localização Nome da Clínica Bairro – Região de BH

Cidade – Região de MG

Nº Equipos Convênio

Disciplina Responsável Público Alvo

Dra. Eva de Castro Heival Paraíso Leste 10 Paróquia

Propedeutica Clínica II Clínica Integrada I

Adultos da região

Campus Avançado Araçuaí Norte de MG 6

SEPLAN CODEVALE

Curso de Especialização em. Odontontologia. Social

Comunidades periféricas

Móvel Araçuaí Norte de MG 6 móveis

SEPLAM CODEVALE

Curso de Esp. Odont. Social

Escolares

Tabela 19: Clínicas extra-muros, instaladas entre 1977 e 1982. SEPLAN = Secretaria de Planejamento do Estado de Minas Gerais. CODEVALE = Comissão de desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha.

Com a instauração das clínicas periféricas, surgiu a questão da pesquisa, não prevista no

Projeto Original, pois se partia do pressuposto de que pratica-la exigiria laboratórios especiais,

equipamentos sofisticados, além de dedicação exclusiva, requisitos esses completamente fora

das possibilidades da Universidade e, mais especificamente, do Curso pretendido. Nas clínicas

intra e extramuros, a questão da pesquisa foi recolocada e a prestação de serviço passou a ser

utilizada como instrumento de ensino, como objeto de estudo, para elaboração de modelos

reprodutíveis, praticada nos locais onde se situava a população necessitada. Isso exigia uma

reorientação na concepção do pesquisador e do “lócus” da pesquisa.43 Entre as pesquisas

desenvolvidas pelo Departamento, nessa época, destacamos:

• Prevenção do câncer bucal;

• Substituição do ouro e cimentos intermediários;

• Equipos odontológicos, resultando na criação de quatro gerações de equipos

simplificados;

• Padronização de material e Instrumental odontológico, simplificando todas as técnicas

de ensino;

• Simplificação de espaço físico, viabilizando layouts de um a oito unidades de

atendimento simultâneo44;

43 Não se tratava de negar a pesquisa de excelência mas de reconhecer a possibilidade da aplicação do método científico ao trabalho rotineiro, ampliando o limite do espaço de produção de conhecimentos, desenvolvido por diferentes atores, tais como, professores, alunos, pais de alunos e funcionários. 44 O trabalho mais completo sobre esses sistemas simplificados e os sistemas de trabalho encontra-se em Ferreira (1985), uma publicação de divulgação restrita, da própria PUC, que consiste em uma sistematização das plantas estudadas. O autor indica na bibliografia várias publicações sobre o tema na América Latina e Estados Unidos, com destaque especial para dois eventos: um seminário, realizado em Washington - EUA, em 1979 sobre

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• Prótese simplificada, produzindo dentaduras e pontes fixas de acrílico

termo-polimerizável;

• Simplificação de sistemas de trabalho odontológicos como sistema de água, de

eletricidade, de ar comprimido e de esgoto45;

• Sistema de instalação externa, permitindo a mobilidade do módulo de atendimento.

Apresentamos nas fotos seguintes, exemplos de clínicas móveis, em que a

simplificação aparece em vários dos aspectos relatados nas pesquisas do Departamento.

Foto 7: Clínica móvel, utilizando equipamentos simplificados. (“Helena Guerra”).

Ergonometria e Odontologia, incentivado pela OMS e OPS, em que ficou evidenciada a necessidade de ambientes coletivos destinados ao atendimento odontológicos e a I Conferéncia de Facultades y Escuelas de Odontologia de América Latina, realizada em Santo Domingo - México, em 1980. Renato César Ferreira formou-se na primeira turma, em 1978 e leciona até hoje no Curso. Exemplos de plantas desses sistemas simplificados, para três, quatro, seis e oito equipamentos, encontram-se esquematizados no apêndice 5. 45 Estes sistemas simplificados são também apresentados, para o módulo de três equipamentos, no apêndice 5.

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Foto 8: Clínica móvel de odontologia integral ( “Helena Guerra”).

As fotos 7 e 8 mostram os equipamentos simplificados utilizados na clínica Helena

Guerra, em Contagem, em duas versões. Observa-se além da utilização de colchonete sobre

carteiras unidas para acomodação dos pacientes, a utilização de baldes e bacias na primeira

montagem e o uso de faróis de “Brasília”, na iluminação da segunda.

Foto 9: Exemplo de clínica móvel de Odontologia Integral (Grupo Escolar Leopoldo Pereira – Araçuaí – MG).

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Na foto 10 é possível observar que uma sala de aula foi transformada em clínica de

atendimento odontológico. Destacamos, nas três fotos anteriores, a mobilidade dos módulos de

atendimento em que foram utilizados sistemas hidráulicos externos.

Essas pesquisas foram financiadas pela fundação Kellogg, pela Financiadora de

Estudos e Projetos, FINEP, pela Secretaria de Estado da Saúde e pela própria PUC Minas e,

algumas delas, foram desenvolvidas em conjunto com a Fundação Mariana Resende Costa,

que chegou a patentear e comercializar os equipos produzidos. Esses experimentos e seus

resultados tornaram o Curso conhecido no Brasil e na América Latina e se consubstanciaram

no estabelecimento de vários convênios de prestação de serviço e treinamento46 bem como na

visita de professores e representantes de diversas universidades e entidades brasileiras e

latino-americanas.47

“Ela [a Odontologia praticada pelo Departamento] passou a ser referência na América Latina para pessoas que queriam conhecer o nosso Modelo para aplicar na Colômbia, Venezuela ... As pessoas vinham aqui ver esse Modelo que se propunha com um custo operacional relativamente baixo, atender o maior número de pessoas, aumentando a produtividade, simplificando os equipamentos e as tarefas.” (Professor 5)

O depoimento do Diretor da Faculdade de Odontologia da PUC de Campinas nos

permite verificar o “efeito-demonstração”, que exerceu este Curso:

“Essa Escola, desde a sua fundação, em 1974, tem sido um modelo para as demais Faculdades de Odontologia do Brasil, inclusive para a nossa PUC de Campinas. Nós começamos esse processo de transformação, inspirados na experiência de vocês... ” (Takito, 1986)

Além desse prestígio profissional conquistado e da falta de profissionais verificada nos

anos 60, a odontologia começa a atrair as camadas médias e altas da sociedade em busca de

ascensão, aumentando enormemente a relação candidato/vaga aos vestibulares dos anos 70. O

46 Uma lista de convênios firmados pelo Departamento, ainda que incompleta em função da falta de documentação, é apresentada no apêndice 6. Destacamos no setor público, no início dos anos 80, o convênio, envolvendo a prestação de serviço e a formação de pessoal auxiliar, firmado com a Prefeitura de Belo Horizonte, que desenvolveu um programa de Odontologia Simplificada, baseado nas experiências da PUC Minas e da Universidade de Brasília. 47 Entre elas destacamos a Associação Brasileira de Ensino Odontológico, ABENO, Associação Latino Americana de Faculdades de Odontologia, ALAFO e Organização Panamericana de Saúde, OPS.

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curso da PUC Minas acompanhou essa tendência, que aliada ao sucesso do Curso, fez com

que a relação candidato/vaga, passasse de vinte em 1974, para trinta em 1977 e para quase

quarenta, em 1980. Além disso, no início dos anos 80, o Departamento ofereceu, com sucesso,

os Cursos de Especialização em Odontologia Social e Clínica Integrada e, insistindo na

formação multiprofissional, ofertou Curso de extensão intitulado “Colaboradores em Prótese

Odontológica”. Também, em evento promovido pela própria PUC, em 1981, com participação

estadual e nacional, o Departamento ofereceu seis cursos de extensão, com quatrocentos e dez

matriculados.

Embora o Projeto Original do Departamento não fizesse menção à Odontologia

Simplificada, essa denominação passa a ser utilizada, no âmbito do Curso, por volta de 1978,

quando começaram a ser introduzidos elementos significativos de simplificação nos

atendimentos, resultantes de um trabalho árduo, do próprio Departamento, de experimentação

e pesquisa. A primeira idéia de simplificação de equipamentos foi proposta, segundo um dos

entrevistados, por um habilidoso funcionário, que ao analisar equipamentos expostos em uma

feira montada na própria Escola, teria se disposto a construí-los de forma artesanal.

Exatamente nessa época estava em andamento a montagem da clínica São Geraldo, numa

igreja antiga do bairro de mesmo nome.48

“Na verdade os equipamentos não eram completos, mas foi feito pela própria Universidade, com refletor de Brasília, motor de enceradeira, o braço foi comprado pronto ... e já nessa época o Eugênio tinha conhecimento da Conferência de Alma-Ata, ele trabalhou muito na Secretaria de Saúde de Montes Claros com essa idéia da Medicina Comunitária, tanto é que essa idéia já existia quando ele pensou em montar a São Geraldo nessa perspectiva de trabalho comunitário, fazendo com que o muro da Universidade não ficasse só aqui.” (Professor 8)

Esse tipo de equipamento acabou sendo um dos pontos mais polêmicos do Projeto

Alternativo, destacado inclusive por aqueles que o apoiavam:

“... a primeira vez que eu vi um equipamento simplificado, que foi um dos marcos do Projeto, aquilo me assustou ... Como é que você vai

48 Martins (1993), em sua dissertação intitulada “Saúde bucal, uma necessidade socialmente construída: um estudo da experiência da clínica odontológica São Geraldo” mostra, entre outros aspectos, a importância dessa clínica comunitária na incorporação dos cuidados com a saúde bucal.

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praticar uma odontologia num equipamento desse aqui? Mas logo que eu me formei eu passei a ser professor e fui muito rapidamente comprando a idéia, porque era uma idéia muito sedutora naquele momento, que juntava tudo o que eu acreditava politicamente com a perspectiva profissional.” (Professor 4)

No final dos anos 70, pode-se afirmar que o Departamento estava em plena prática da

Odontologia Simplificada, utilizando o atendimento coletivo, a padronização, a diminuição de

passos e a eliminação do supérfluo. Conseguia-se, fruto da pesquisa interna, obter um

atendimento menos oneroso, viabilizando Programas de Extensão de Cobertura. Um Convênio

assinado pelo Departamento com o INAMPS, em 1979, permitiu ao Departamento, além do

repasse de verbas, pelos serviços prestados pelas clínicas São Geraldo e Cândida Cabral, o seu

engajamento na política Nacional de Saúde. No início dos anos 80 as clínicas foram

reformuladas e os equipamentos artesanais foram sendo substituídos por equipamentos, ainda

que simplificados, de melhor qualidade. As fotos de 10 a 12, exemplificam clínicas

extramuros com essa nova geração de equipamentos.

Foto 10: Exemplo de clínica extramuros (“Paraíso”).

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Foto 11: Exemplo de clínica extra-muros (“Eva Castro Herval”)

Foto 12: Exemplo de clínica extra-muros, em forma de roseta (“Renascença”).

Nas fotos 10 e 11 é possível observar o trabalho a quatro mãos, com a utilização de

mão de obra técnico-auxiliar e na foto 12 destacamos o layout de roseta para oito

equipamentos do qual voltaremos a tratar no próximo capítulo.

A experiência do Departamento foi destacada na imprensa nacional, especialmente em

1981, por ocasião do VI Congresso Brasileiro de Odontologia, realizado em São Paulo e do

lançamento, pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, da Campanha da

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Fraternidade de 1981, intitulada “Saúde para todos”. Nessa campanha a CNBB defende a

medicina preventiva e a medicina alternativa, como solução para universalização do

atendimento médico. A Odontologia também se insere no escopo da Campanha da

Fraternidade, propondo soluções alternativas como a da PUC Minas, entre outras. 49

Conforme mencionamos, desde a Conferência de Medellín, em 1968, os rumos da

Igreja Católica na América Latina, encontravam-se consolidados em favor dos desvalidos, o

que se reforçaria ainda mais na III Conferência Geral do Episcopado Latino Americano,

realizada em 1979, em Puebla de Los Angeles, no México, que teve como tema central

“Evangelização no presente e no futuro da América Latina”. Na Conferência de Puebla, “a

opção preferencial pelos pobres” confirmou-se numa perspectiva muito mais abrangente do

que o caráter tradicional caritativo-assistencialista, chocando os setores conservadores da

Igreja.50 Libânio e Antoniazzi (1993) nos mostram que nos anos 80 era possível distinguir no

Brasil, um modelo de Igreja libertador ou latino-americano, inspirado nas conferências de

Medellín e Puebla. Na leitura do Documento de Puebla, a partir da opção preferencial dos

pobres, Santos explica o significado dado à opção desse modelo de Igreja:

“O documento usa o termo ‘pobre’, no sentido bíblico, isto é, do oprimido, do explorado... Não designa apenas o indivíduo, mas a classe social explorada, a raça marginalizada, o grupo oprimido... ‘Opção’ no sentido de decisão, tomada de partido... Trata-se de uma decisão política (pois os pobres são fruto de uma estrutura sócio-política opressora), ética (é um imperativo moral) e evangélica (pois foi essa a opção de Jesus). Finalmente, ‘preferencial’, isto é, a partir do lugar social dos pobres, a partir de baixo, a Igreja procura evangelizar a todos.

49 Influenciada por campanhas de coletas realizadas, em vários países da Europa, durante as quaresmas do início da década de 60, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, lança a partir de 1964, um projeto anual denominado “Campanha da Fraternidade”, que passou a receber o apoio formal do Papa, a partir de 1970. Os temas da campanha acompanham as tendências progressista e conservadora da Igreja Católica. Até 1972, os temas limitavam-se aos aspectos internos da Igreja, mas a partir de 1973, voltam-se para a realidade social do povo, buscando a denúncia do pecado social e a promoção da justiça.Ver: Dom Eugênio justifica tema da Fraternidade. O Estado de São Paulo, São Paulo, 07 mar. 1981; Campanhas da fraternidade geram ação e reflexão. Estado de Minas, Belo Horizonte, 05 abr. 1999. Sobre o envolvimento da Odontologia nas Campanhas, ver: A Odontologia procura saída. O Estado de São Paulo, São Paulo, 01 mar. 1981; CNBB lança campanha da “Saúde para todos”. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 05 mar. 1981; Simplificação, a saída democrática para a Odontologia, Jornal de Casa, Belo Horizonte, 29 mar. 1981; Professor quer Odontologia a menores custos. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 abr. 1981; Criticada falta de assistência dentária. O Estado de São Paulo, 15 abr. 1981; Dentistas discutem o uso da acupuntura. O Estado de São Paulo, São Paulo, 17 abr. 1981. 50 Vale também lembrar que em 1978, o comando da Igreja foi assumido pelo Papa João Paulo II, conhecido por suas peregrinações e seu perfil conservador, após o brevíssimo pontificado de 35 dias de João Paulo I, que tomou para si o nome de João Paulo I, em homenagem aos dois papas do Vaticano II, João XXIII e Paulo VI. O papa João Paulo II esteve pela primeira vez no Brasil, em 1980, quando, num gesto polêmico, entrega o anel pontifical aos habitantes da favela Vidigal, no Rio de Janeiro. Sobre o assunto ver Moraes (1997) e Boff (1982).

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Convida todos a uma conversão que implica em abraçar a causa dos pobres.” (Santos, 1986, p. 56, p.57, p. 58)

Embora o Projeto pedagógico do Curso estivesse em plena sintonia com os preceitos

mencionados, começava a delinear-se externa e internamente o dilema da “quantidade” versus

“qualidade” dos serviços odontológicos praticados pelo Departamento. Externamente, as

críticas foram feitas pelos professores do meio acadêmico tradicional que consideravam essa

formação inadequada à prática profissional e principalmente pelos profissionais de formação

tradicional, que praticavam preços muito superiores. Em vários momentos, o Departamento foi

à mídia em defesa da exeqüibilidade de seu Projeto, em resposta a denúncias de disparidades

em orçamentos dentários. O chefe do Departamento na época, defendia que não havia outra

saída para a Odontologia, além da simplificação e da prevenção, já que a prática tradicional

não conseguia melhorar os níveis da saúde bucal da maioria da população.51

Internamente, para uma parcela do corpo docente e discente, o dilema da “qualidade”

versus “quantidade” vinha acompanhado da problemática do “preventivo” versus “curativo”.

Vários professores relatam que os conflitos internos do Departamento encontravam-se

equacionados e sob controle da Chefia52 enquanto que na “sala de aula”, principal lócus de

conflito, as dificuldades e as divergências entre grupos e abordagens, afloravam. Alguns

exemplos que refletem esse posicionamento são apresentados a seguir:

“O problema existia era dentro da clínica, dentro da sala de aula. O professor chegava e dizia: ‘estão me mandando fazer isso aqui, mas eu não concordo, mas como é a filosofia da Escola, vocês tem que fazer’.” (Professor 4)

“Os professores ficavam divididos, muitos não acreditavam naquilo, mas não podiam questionar a instituição; alguns de uma forma ou de outra defendiam, outros deixavam claro que estávamos fazendo aquilo porque estudávamos aqui, lá fora é diferente ...” (Professor 9)

51 MENDES, E. V. Professor critica dentistas e propõe a odontologia preventiva. Estado de Minas, Belo Horizonte, 2 set. 1980; Conselho diz que Odontologia só mu da depois de mudarem o ensino. Estado de Minas, Belo Horizonte, 03 mar. 1980; Universitários vão debater a Odontologia. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 abr. 1981. 52 Voltaremos a focalizar, mais adiante, as particularidades dessa primeira gestão do Departamento, comparando-a com as subseqüentes, com o auxílio de Max Weber.

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Alguns entrevistados expressaram, de modo bastante distinto, a posição dos alunos em

relação àquela prática odontológica e ao Projeto Alternativo:

“Os alunos também se dividiam, aqueles alunos mais simpáticos ao Projeto, esses a gente cooptava e normalmente eles eram pessoas com sensibilidade social, iam mais para o lado do social e aqueles alunos tecnicistas se identificavam com os professores tecnicistas que eram contra, então ficava aquele embate...” (Professor 4)

“Eu acho que a gente, enquanto aluno, não tinha uma dimensão assim tão clara de que aquilo era uma técnica pobre, pelo menos na minha turma, que formou em 83, a gente achava que a escola era aquém das tecnologias mas ela continua aquém ... Havia os alunos de Bauru, que era considerada a melhor escola do ponto de vista técnico e que era o nosso contraponto nacional, eles eram tecnicamente reconhecidos e a gente era a crítica ao alto cientificismo deles, com uma odontologia que tinha uma ideologia, um querer de mudança, de estrutura, de uma prática profissional em função de uma população ...” (Professor 2)

“A gente foi muito mal visto, a gente queria era acabar com aquela imagem mesmo, começou com a minha turma, que formou em 80, a gente não queria estar ligada àquela imagem de Odontologia Simplificada, as cadeiras nem mexiam, eram como se fossem macas, aquilo eu nem peguei, já estavam trocando, eu não atendi paciente naquele equipo, aquilo era a negação de tudo o que a gente ia encontrar lá fora depois de formado.” (Professor 9)

“A minha turma foi a última turma que trabalhou com o projeto da Odontologia Simplificada, mas apesar de haver um questionamento muito grande da questão da técnica e da questão do próprio equipamento, o que havia mesmo era um questionamento do projeto pedagógico, da visão política desse projeto.” (Professor 7)

“A proposta política nunca se apresentou para os alunos, mesmo nos tempos em que ela estava muito mais posicionada, muito mais clara, eu nunca senti que os alunos percebessem a dimensão política do Projeto.” (Professor 8)

Na realidade, a constituição do corpo docente foi desde o início do Curso um problema

para seus fundadores. O professorado foi composto a convite dos mentores do Curso, tendo

uma formação tradicional, já que a maioria era egressa da UFMG, o que dificultava sua adesão

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completa às novas propostas.53 Em função disso, a partir da primeira turma formada, o

Departamento passou a contratar seus próprios egressos, sinalizando para uma certa endogenia

que vai acentuar-se nos anos 80 e 90. Segundo um dos entrevistados “O Eugênio falava

sempre que a Escola só seria uma verdadeira Escola no dia em que tivesse seus egressos como

parte do corpo docente” (Professor 8) e de fato cinco deles já foram contratados da primeira

turma formada em 1978.

“O primeiro processo seletivo foi feito com cerca de trinta ex-alunos, em que tinha a indicação dos próprios professores e uma prova oral com uma banca formada por professores de várias clinicas e aí é que eu acho que estava muito claro que não tinha no mercado um profissional formado como a Escola queria, que era exatamente um clínico competente, que tivesse um nível de conhecimento global. A seleção foi dura, teórica e tinha as disputas, não foi brincadeira, foi uma disputa muito séria. Mais tarde eu participei de vários processos de seleção e a gente só procurava essas características [de engajamento com o Projeto] quando se tratava de professor para a Odontologia Social, mas essa não era uma característica que envolvia todo o Departamento. O que as pessoas questionam é que posteriormente esse tipo de seleção deixou de ser feita dando origem a apadrinhamentos, nepotismos, etc...” (Professor 8)

“O projeto pedagógico do Modelo Inovado pressupunha um professor que não existia e não existe até hoje, estava se pedindo um profissional que não existia. Qual era o profissional que mais se aproximava desse perfil desejado? Era o recém formado, que é muito frágil você colocar um recém formado, que acabou sendo a base do professorado do Curso.” (Professor 4)

Com relação aos critérios de seleção entre os ex-alunos, a grande maioria dos

professores, contratada a partir da terceira turma se sentiu “pinçada” pela Direção, ainda

enquanto aluno, para dar continuidade ao Projeto. Na opinião desses professores:

“Esses alunos pinçados que foram aproveitados como professores, exerciam atividades de monitoria remunerada, com carteira assinada, a gente tinha inclusive uma boa sobrevida participando desse Projeto. E se realmente ele [o Curso] pecou pela ausência de qualidade, ele

53 Lucas (1995) aponta que alguns adeptos iniciais, deixaram o grupo, antes mesmo de começarem a lecionar, talvez por não se identificarem com a proposta ou por acharem difícil implementá-la.

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propiciou que o aluno da Católica saísse daqui com uma formação em serviço que o diferenciava no mercado de trabalho ” (Professor 7)

“Do grupo inicial de professores eu diria que uns 5% eram completamente afinados com o Projeto, uns 10% diziam que eram mas não o entendiam. Esse número aumentou em função dos alunos que foram selecionados a dedo...” (Professor 4)

“A tônica da Escola era a Odontologia Social, a direção era da Odontologia Social, todos os professores foram recrutados da graduação de quem fazia Odontologia Social e quem não foi recrutado e já era professor fez o Curso de Especialização em Odontologia Social, então todo mundo foi catequizado nessa cartilha, concordando ou não ...” (Professor 6)

O trabalho de Margaret Fernandes, ao estudar a formação para o exercício da docência

na Faculdade de Odontologia da PUC Minas, nos permite compreender o comprometimento

de muitos destes professores com a prática pedagógica.

“ a profissão de professor é o espaço que, diferentemente da prática da Odontologia, permite-lhes uma intervenção no espaço social. Ao verem na profissão um meio de contribuição no sentido de mudança social por meio da formação de um profissional de Odontologia com visão crítica da prática, empenham-se nela fortemente e integram o projeto mobilizador mais vasto.” (Fernandes, 2000, p. 112)

Quando começou a Pós-graduação no Departamento, em 1981, com a oferta de Cursos

de Especialização, pretendia-se qualificar os professores, em sintonia com a proposta do

Departamento, mas essa propositura acabou por não se concretizar devido, sobretudo, à

influência de novas tendências da Odontologia e o espaço da Pós-graduação, acabou por

transformar-se em um fórum de discussão dos rumos do Curso. Aos poucos se incorporava a

idéia de que o caminho para a resolução dos problemas estava, a exemplo do que vinha

ocorrendo no primeiro mundo, especialmente na Escandinávia, na mudança da prática

odontológica, de uma concepção curativa para uma preventiva.54 Evanilde Martins revela que:

54 Especialmente na Escandinávia, a Odontologia se consolidava na época, com uma prática fortemente preventista, tentando reverter o caráter essencialmente curativo da Odontologia Cientificista. A influência sobre a Odontologia surge mais uma vez a reboque da prática médica que, revestindo-se, na época, de uma postura preventista, passa a refletir-se nos currículos da área de saúde. Ver: Prev - Saúde pode alterar o currículo da Medicina. O Estado de São Paulo, São Paulo, 17 abr. 1981.

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“a partir de discussões no curso de pós-graduação em Odontologia Social e Preventiva sobre o modelo da Odontologia Simplificada adotado pelo Departamento, detectou-se que a Odontologia Simplificada era uma prática que não trazia uma mudança qualitativa do ponto de vista da saúde bucal, pois se fundamentava em atos curativos como a odontologia tradicional.” (Martins, 1993, p. 25)

Em 1982, os fundadores do Curso, elaboraram um documento55, em que procuravam

resgatar a experiência vivida pelo Departamento, desde a sua criação. O modelo até então

praticado foi denominando “Modelo Transicional” e a Odontologia Integral foi proposta em

substituição à Odontologia Simplificada, passando a constituir-se como o paradigma do

“Modelo Inovado de Ensino de Odontologia”, assim concebido:

“Essa nova prática profissional - a Odontologia Integral - pode ser definida como a prática ecologicamente orientada, alternativa à Odontologia Flexneriana, que tem como objetivo último a manutenção da saúde, e que é caracterizada pela natureza coletiva de seu objeto, pela ênfase na prevenção no seu sentido mais amplo, pela simplificação dos elementos da prática profissional com utilização intensiva de tecnologia apropriada e pela desmonopolização do saber odontológico.” (Modelo..., 1982, p. 16)

Segundo um dos entrevistados houve um grande esforço para fixar o novo nome de

Odontologia Integral, para diferenciá-la da Simplificada, que vinha sofrendo críticas não

somente dirigidas ao campo odontológico, mas principalmente direcionadas ao movimento de

simplificação da Saúde como um todo.

“A gente chegou na Odontologia Simplificada num momento em que a Medicina Simplificada já estava sendo questionada. Imediatamente, o Eugênio teve que mudar isso para Odontologia Integral, ocorrendo uma adequação de terminologia: Odontologia Simplificada, Comunitária para pobres nós não queremos, podemos simplificar sim, mas de uma maneira que integre a todos.” (Professor 6, grifos nossos)

55 Esse documento (Modelo... 1982) foi referenciado pelo título por tratar-se de um texto de divulgação interna, sem autoria. Na época a administração do Departamento era composta pelo chefe Prof. Eugênio Vilaça Mendes, pelo suplente de chefia Prof. Badeia Marcos e pelo coordenador do colegiado de Curso Prof. Ozair Leite, esse último demitido na leva de 1998.

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Uma das críticas, feita pelo próprio grupo idealizador do Curso, dirigida à Odontologia

Simplificada centra-se no fato de ela não questionar, em sua essência, a Odontologia

Cientificista, atuando de modo complementar. À elite, a Odontologia Flexneriana, sofisticada

e aos marginalizados, a Odontologia Simplificada, com a conseqüente racionalização de

recursos.56 Além disso, considerava-se que pouco havia sido feito em relação à prevenção,

pois se continuava a priorizar a Odontologia curativa, já que o grande desafio foi estabelecer

um atendimento de alta produtividade, que chegou a ter sua qualidade questionada. Entretanto

a Odontologia que ora se pretendia implantar não deveria prescindir de qualidade e de

eficiência para conseguir atingir níveis de cobertura significativos e a prevenção seria

concebida de uma maneira mais ampla, procurando garantir a manutenção da saúde bucal que

só se viabilizaria pela desmonopolização do saber, responsável pelo auto-cuidado e pelo

cuidado comunitário.57

Ainda com relação à Prevenção, Botazzo (1998) questiona, em contexto semelhante, se

o que se fazia era realmente prevenção ou se eram apenas estabelecidas medidas profiláticas

que contribuíam para a prevenção. Na verdade, segundo o mesmo autor, a Prevenção só

encontra condição de desenvolvimento se for considerada em sua dimensão coletiva, sendo,

portanto um problema de dimensão pública que não obtém sucesso com uma solução de

caráter privado.

Na nova Proposta que se delineava, foram mantidos vários aspectos da Odontologia

Simplificada, vivenciados com sucesso, principalmente nas Clínicas Extramuros, tais como: a

racionalização de tarefas, de recursos, de instrumentais, de equipamentos, de espaço físico, de

técnicas e sistemas de trabalho. A idéia era aprimora-los, incorporando o conhecimento dos

especialistas. Neste sentido Fernandes (2000) aponta uma mudança significativa ocorrida no

Departamento com a oferta de Cursos de Especialização com ênfase em áreas técnicas, que

passaram a ser freqüentados por um grande número de professores do Curso, ávidos por

aperfeiçoamento técnico e capacitação à docência.

56 Gohn (1999) aponta, que na mesma época, ocorreu uma situação semelhante na área de Educação, com a institucionalização de programas educacionais, de caráter compensatório e informal, destinado aos pobres. A autora menciona os Programa Nacional de Ações Sócio-educativas e Culturais, para o meio rural, Pronasec e o Programa equivalente, para as populações urbanas, Prodasec, ambos criados em 02/01/1980, pelo MEC. Esses programas são decorrência de uma política educacional de escassez, resultando numa “ educação para pobres”. 57 De acordo com Modelo... (1982), a desmonopolização da Odontologia Integral consiste, no novo conhecimento, de eficácia comprovada, que surge, dialeticamente, da confrontação dos discursos odontológicos oficial e popular, isto é, o discurso orgânico da Odontologia.

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O fundamental era que o novo paradigma, a Odontologia Integral, sustentado pelos

pilares da simplificação, prevenção e desmonopolização do saber odontológico, deixasse de

lado a complementaridade e se constituísse como sendo substitutivo à Odontologia

Flexneriana. Uma comparação entre os modelos Convencional, Transicional e Inovado em

Odontologia, é apresentada no quadro 3, do apêndice 3, merecendo ser analisada em conjunto

com o quadro 1, do mesmo apêndice, em que são apresentados modelos equivalentes em

Medicina.

Essa nova concepção incorporava a idéia da manutenção da saúde, envolvendo

profilaxias bucais de periodicidade variável, segundo os riscos biológicos e/ou sociais da

clientela, após o tratamento cirúrgico-restaurador. Segundo Lucas (1995), a PUC Minas,

propondo o modelo da Odontologia Integral, a partir de 1982, realizava, mais uma vez, um

trabalho pioneiro no campo de ensino. Sua proposta alternativa, voltada para as questões

sociais referentes à saúde bucal, teria subsidiado a discussão da Reforma que fixou o novo

Currículo Mínimo para o curso de graduação em Odontologia, em todo o território nacional.58

O auge e a crise do Projeto Alternativo durante os anos 80

No início dos anos 80 surge um novo fórum de discussão dos rumos da Odontologia

que canaliza parte da energia de militantes de esquerda da área, o Movimento Brasileiro de

Renovação Odontológica, organizado por profissionais, que atuavam nas lideranças das

Secretarias Municipais de Saúde, na oposição em Sindicatos e Conselhos de Odontologia, na

organização da Saúde Bucal Coletiva e no Ensino de Odontologia. Na visão de um dos

entrevistados:

“O objetivo do MBRO [Movimento Brasileiro de Renovação Odontológica], inspirado no movimento anterior da Medicina, era o de tomar todos os sindicatos do Brasil. Essa história do MBRO eu acompanhei enquanto estudante, como uma pessoa ligada, a gente tinha um grupo aqui dentro, eu era a única que era ‘petista’, ligada e engajada no movimento estudantil mais radical, ‘trotskista’, mas o resto do

58 A atividade extramuro, a articulação entre os setores formadores e os órgãos de prestação de serviço e a contribuição para a melhoria dos padrões de saúde da população, que já eram praticadas com sucesso, no Departamento, passaram a ser recomendações, da resolução nº 4, de 03/09/82 do Conselho Federal de Educação, que vigora a partir de 1983, e “Fixa os mínimos de conteúdo e de duração do Curso de Odontologia”. Entre os membros responsáveis por esta reforma, destacamos a participação de Dom Serafim Fernandes de Araújo. Ver Mendes (1982) e Lucas (1995).

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pessoal era mais ligado ao ‘partidão’, que era outra linha. O Eugênio era avesso ao PT na época, mas mesmo assim a gente ainda se unia na hora em que falava de Odontologia Integral.” (Professor 6)

Destaca-se, em Belo Horizonte, a participação dos egressos da PUC Minas no

Movimento Brasileiro de Renovação Odontológica, no Grupo de Estudos Odontológicos, nas

Conferências Estaduais de Saúde Bucal, na constituição de um grupo militante na Secretaria

Municipal de Saúde e na oposição ao Sindicato dos Odontologistas de Minas Gerais e ao

Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais. Vários entrevistados apontam também,

na mesma década, a importância dos Encontros Científicos de Estudantes de Odontologia, que

permitia a conexão entre estudantes de todo o Brasil, contando também com a participação de

professores e da Associação dos ex-alunos da Odontologia da PUC Minas que tinham uma

sede dentro da própria Escola.

“A Associação dos ex-alunos da PUC era outra coisa fundamental aqui dentro, era super ativa, promovia congressos, seminários, discussões, às vezes mais até que o próprio Departamento. Era como se fosse um braço do Eugênio de estar ligado aos professores e aos estudantes...” (Professor 6)

“No ECEO [Encontro Científico de Estudantes de Odontologia] de 1982, os estudantes de todo o Brasil, as caravanas queriam conhecer as clínicas extramuros da Católica. A visita às clinicas acabou fazendo parte da programação oficial do Encontro.” (Professor 8)

“A década de 80 foi a implementação máxima do projeto, eu sentia que esse Curso era uma referência porque eu via pessoas que vinham de outras cidades e de outros países, que vinham visitar as clínicas onde a gente trabalhava, que vinham fazer palestras onde a gente tinha acesso e podia participar. A gente sentia nos encontros de movimento estudantil que a gente era da Católica e isso dava um diferencial até nas discussões.” (Professor 2)

A primeira metade da década de 80 parece ter sido, de fato, a fase mais efervescente do

Projeto Alternativo, chegando a ser indicada como “uma fase de radicalização do projeto, no

bom sentido ... agora nós sabemos o que queremos e vamos a fundo nisso” (Professor 4).

Takito destaca a fase áurea do Projeto bem como as dificuldades na implantação de projetos

semelhantes.

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“Vocês [da PUC Minas] viveram uma fase áurea, nós temos tido uma série de problemas, como todas as Faculdades de Odontologia que se propuseram a desafiar essa questão, entre eles destacamos o não envolvimento completo dos nossos docentes.” (Takito, 1986)

Nesse período foram consolidados vários projetos, com o auxílio da FINEP, que

resultaram em publicações, inclusive conceituais, produzidas pela própria PUC Minas. Essa

produção acadêmica não teve uma divulgação adequada, acabando por restringir-se aos grupos

articulados com o Departamento.59 Os depoimentos seguintes abordam essa questão:

“não existia um marketing porque essa não era a intenção das pessoas que aqui estavam ... eu acho que eles [os trabalhos publicados] ficaram muito restritos à Universidade, e às Faculdades de Odontologia, dentro dos contatos do Eugênio, não houve uma divulgação propositada, eu acho que eles nem foram encaminhados às bibliotecas mas diretamente aos diretores das faculdades.” (Professor 8)

“A divulgação foi muito doméstica, houve um lançamento, na época do ECEO [Encontro Científico de Estudantes de Odontologia], daqui, em 82, em que apareceu o nome Odontologia Integral, mas eu acho que esses trabalhos quase ninguém conhece, não houve divulgação nenhuma, nem na OPS [Organização Panamericana de Saúde], em biblioteca nenhuma do Brasil tem isso, a não ser aqui e na mão de alguns professores de fora ligados a nós, tudo muito doméstico ... tanto que os ‘paulistas’ não reconhecem essa coisa da Odontologia Integral como tendo existido, como uma teoria que funcionou na prática.” (Professor 6).

De fato, em “Odontologia e Saúde Bucal Coletiva”, publicação de Paulo Narvai, de

1994, bastante conhecida sobre a história da prática odontológica brasileira, entre 1952 e 1992,

são citadas, inúmeras vezes, a experiência do Departamento com a prática da Odontologia

Simplificada bem como os textos dos Professores Eugênio Mendes e Badeia Marcos, sobre o

tema. Contudo, em relação à Odontologia Integral, o autor indica que existem muitas e

díspares concepções dessa Odontologia, sendo que as mais difundidas são as de Mario Chaves

e de Eugênio Mendes. De fato, os trabalhos mencionados, de divulgação restrita, são

referenciados na obra de Narvai, a fim de enunciar a conceituação de Mendes da Odontologia

59 Destacamos: Modelo... (1982), Mendes & Marcos (1984), Mendes (1985), Ferreira (1985) e Meira (1985).

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Integral, mas não há nenhum reconhecimento dessa concepção teórica, nem tampouco da

experiência vivida, com essa prática, no Departamento.

Embora as divergências entre grupos sempre tenham existido no Departamento, em

torno de questões acadêmicas, políticas e filosóficas, os conflitos parecem ter se acirrado, nos

anos 80, também em função do contexto da divisão partidária oposicionista, no momento da

transição democrática da sociedade brasileira. A limitação de escolha, desde o início do

bipartidarismo, em 1964, consolidou a tendência de identificação entre o MDB e a oposição

generalizada ao Regime, sendo que a nova década, que começou sob o efeito do

pluripartidarismo, dividiu esses opositores.60 No Departamento ocorreu um processo

semelhante, na ala que se identificava com o Projeto Alternativo, polarizando-se,

principalmente, entre os professores que apoiavam o PMDB e aqueles que eram partidários do

PT.

“O racha ocorreu dentro da esquerda, na ala que se identificava com o Projeto, o Eugênio saiu, largou a chefia do Departamento para ser Secretário de Saúde do Tancredo, Secretário Adjunto do Estado. A gente foi absolutamente contra isso, quem era ‘petista’ não admitia esse tipo de coisa que fazia conciliação com a direita.” (Professor 4)

Ao assumir o cargo de Secretário Adjunto de Saúde, o Professor Eugênio Villaça

Mendes continua como docente do Departamento, mas se afasta da chefia passando o cargo

para o Professor Badeia Marcos, seu grande colaborador e também fundador da Escola. A

primeira administração da Escola foi destacada por seu dinamismo, competência e capacidade

de lidar com os conflitos por praticamente todos os entrevistados e para vários deles, o antigo

chefe continua, ainda por bastante tempo, exercendo grande influência nos rumos do

Departamento, através de seus colaboradores e seguidores. Segundo um dos entrevistados

“Aqui era assim: quem está comigo, está comigo, quem não está, está perdendo o trem da

história...” (Professor 6).

Apesar do grande esforço feito pelos fundadores para consolidar o novo modelo, a

Odontologia Integral, afastando o Departamento das críticas que se faziam à Odontologia 60 Em 1964, o Regime autoritário agregou os treze partidos existentes, em duas agremiações, a Aliança Renovadora Nacional, ARENA, partido governante e o Movimento Democrático Brasileiro, MDB, partido de oposição. A Lei nº 6767/79, que permite o pluripartidarismo, esconde o interesse dos militares da antiga Arena, de dividir a frente oposicionista do MDB, que acabou pulverizada em partidos, tais como: PMDB, PT, PP e PDT. O PT surgiu dos movimentos sociais e sindicais, apoiado por intelectuais progressistas e por uma parte da ala progressista da Igreja Católica.

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Simplificada, a nova proposta acabou não sendo implementada em sua totalidade. No projeto

político-pedagógico, elaborado em 1997, sob a égide das exigências da Nova Lei de Diretrizes

e Bases da Educação, Lei nº 9394/96, destaca-se que algumas metas propostas esbarraram em

problemas institucionais, outras na própria formação docente e outras simplesmente se

mostraram ineficazes já no Modelo Transicional.61

Em meados da década de 80, os idealizadores do Curso, foram substituídos na chefia

do Departamento e a nova Coordenação, considerando que o Curso enfrentava uma crise

profunda, propôs um processo de avaliação. Foram apontados, como aspectos debilitantes do

Curso: a prestação de serviço como elemento básico de formação; a não concretização das

macro-disciplinas, que se tornaram um aglomerado de disciplinas isoladas; e principalmente a

falta de compreensão, por parte dos corpos docente e discente, em relação aos marcos

conceituais e aos objetivos educacionais da Proposta Inovadora; os equipamentos

simplificados das clínicas como sucateados, desatualizados e de tecnologia ultrapassada.

Esse processo de avaliação durou quatro anos, durante os quais, respeitando-se a

tradição do Departamento, foram convidados profissionais de outras instituições, smpatizantes

e/ou praticantes de experiências alternativas, para debater os problemas enfrentados no

Modelo Inovado.62 Ainda que se propalasse uma avaliação global, foram priorizadas as

questões de natureza acadêmico-administrativas, em detrimento das questões filosóficas e

políticas. Mesmo assim, os conflitos e as resistências verificados pela Comissão de Avaliação,

permitiram a identificação de um forte desgaste emocional, resultante do confrontamento, já

cristalizado, entre diferentes grupos do Departamento. Destacamos o boicote branco, expresso

através do baixíssimo comparecimento de professores, ocorrido no Seminário de Avaliação

Institucional, promovido pelo Departamento em 1989. Segundo a Comissão de Avaliação:

“Subjacente ao currículo formal, o que se percebia era o funcionamento de um currículo informal, sustentado este pelas correlações de forças entre grupos de interesses bem diversos. Esse currículo informal reabsorvia, dentro da lógica de poder que o constituía, qualquer

61 Projeto... (1997). 62 Na década de 80, ressaltamos: o encontro, em 1984, comemorativo dos dez anos de Curso; o debate, em 1986, com a presença de Paulo Freire, para a discussão dos rumos da Saúde Pública e da experiência do Curso, findado o Regime militar; o seminário de Avaliação Institucional, em 1989, como parte do referido processo de avaliação, em que foram convidados representantes da Organização Panamericana de Saúde, da Faculdade de Educação da UFMG e do Departamento de Odontologia da UnB, todos, profundamente conhecedores e participantes da trajetória do Departamento, entre os quais destacamos Eugênio Vilaça Mendes, Miguel Arroyo e Jorge Cordón.

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processo ou medida de caráter administrativo, acadêmico ou institucional.” (Odontologia..., 1990, p.17)

Tomaz Silva nos auxilia a compreender a existência desse currículo informal, traduzido

como currículo real ou efetivo, aquele que realmente acontece nas salas de aula.

“Não é possível entender o currículo efetivamente em ação sem compreender aquilo que acontece quando o currículo pretendido interage com as condições presentes na escola e na sala de aula. ... Há uma complexa interação entre as intenções expressas num determinado currículo e os muitos fatores presentes numa situação real de sala de aula que fazem com que o currículo efetivo esteja situado a uma longa distância daquele pretendido...” (Silva, 1992, p. 86)

Com relação ao Modelo de Ensino em prática, observava-se ao lado do descrédito e da

desmotivação de alguns professores, a resistência daqueles que acreditavam que a crença em

grandes ideais de transformação bastaria para conduzir às mudanças necessárias que

permitiriam superar as contradições internas e externas do Departamento. Em relatório parcial

do Processo de Avaliação, elaborado pelo Professor Badeia Marcos, encontramos a seguinte

consideração:

“Das impressões surgidas, ficou-nos a idéia de que há uma desmotivação para o ensino na situação atual, mas ao mesmo tempo surge uma motivação para se procurar mudanças, embora alguns docentes mostrem desconfiança com relação aos resultados dessa avaliação.” (Marcos, 11989, p. 2)

De Rossi, ao estudar o processo de (des)construção de um outro projeto pedagógico

alternativo, da década de 80, no ensino público de Campinas relata que:

“Mais uma dificuldade da época de inovações, como foi a década de 80, foi a de perceber que os sentimentos envolvidos na luta, foram fundamentais. Embora o sentimento de solidariedade, seja um sentimento primitivo, ele dependeu, até o momento, de uma profunda identidade de condições e de experiência. O sentimento de solidariedade não foi redefinido, e, portanto, não foi capaz de assegurar a estabilidade dos grupos. As atitudes de negação, de divisionismo são mais difíceis de serem abandonadas, principalmente, quando são causadas pelas dificuldades e insucessos práticos no processo de viver.” (De Rossi, 1998, p. 44)

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A década é também marcada pela saturação do mercado de trabalho para a

Odontologia e pela mudança no perfil epidemiológico da saúde bucal, principalmente nos

grandes centros urbanos, ocasionando um declínio dos ganhos financeiros proporcionados pela

profissão, acompanhado da queda do prestígio profissional.63 Com a prática liberal em crise, o

setor estatal passa a ser um grande empregador da categoria, o que faz aumentar o interesse

pelos concursos públicos. Com relação à aprovação em concursos, verifica que os egressos da

PUC Minas saíram-se melhor do que os egressos da UFMG, em concurso para a Prefeitura de

Belo Horizonte, em 1986, o que parece demonstrar que o currículo da PUC favorecia esse tipo

de demanda profissional no campo da Saúde Bucal Coletiva.64 Esse resultado, extremamente

favorável à PUC, especialmente nas primeiras colocações, tem interpretações diferentes dos

professores. Enquanto para uns, essa é a maior prova de reconhecimento do Curso, para outros

demonstra que o concurso privilegiava ou ainda estigmatizava a formação da PUC.

“O reconhecimento completo do Curso apareceu quando a PUC foi responsável pelo provimento dos cargos públicos. Nos concursos públicos os melhores resultados foram da PUC e alguns ainda estão na administração pública, esse reconhecimento foi patente...” (Professor 5)

“Todo mundo foi bem colocado porque a prova foi feita ‘pra’ gente, o Eugênio estava na Secretaria, abre um concurso público, só cai matéria de Odontologia Social, não que tenha sido marmelada, apenas os alunos da PUC se saíram melhor porque estavam melhor preparados para aquele tipo de seleção.” (Professor 6)

“Foi o primeiro concurso que aconteceu, depois da ditadura, houve muita ocupação de espaço pela PUC porque havia muito espaço a ser ocupado ... e aí vinha aquele estigma: a PUC forma profissionais para o serviço público; se você quiser ser empregado vai para a PUC, agora se você quiser aprender a ser dentista de consultório particular, vai para a Federal...” (Professor 4)

63 Começa a se verificar, por exemplo, uma redução significativa nos índices de cárie, de cerca de 30% de meados dos anos 70 a meados dos anos 80 e chega a reduzir-se em mais 50% na década seguinte. 64 Lucas (1995) verifica que entre os aprovados, 41% eram egressos da PUC, contra 34% da UFMG, sendo que os dois primeiros lugares, foram alcançados pelos Profs. Flávio e Félix, respectivamente o terceiro e quarto chefes do Departamento. A diferença entre os egressos aprovados nas duas instituições caiu para 1,5% a favor da PUC Minas, no concurso da PBH, realizado em 1991.

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O serviço público parece também ter canalizado a energia de parte da militância

política do Departamento já que o mesmo teria fornecido, segundo nos lembram alguns dos

entrevistados, profissionais para os quadros do setor público em todos os níveis, desde o

dentista da ponta, chamado de “dentistão” até o Secretário de Saúde, passando pelos cargos

docentes das Universidades Públicas.

“A PUC formava o melhor formulador de política pública de saúde, mesmo porque o Curso de Especialização em Odontologia Social, iniciado em 1980, foi também um marco porque começou a formar o dentista que pensava, que tinha a finalidade não de apenas fazer, mas de formular as políticas públicas, que pretendia mudar o mundo através da Odontologia.” (Professor 4)

“Essa alta aprovação em concurso era um diferencial do aluno da Católica, e não era concurso apenas para o setor público, muita gente passou em Diamantina, na Federal, e outras faculdades. Teve uma época que o racha com a Federal era tão grande que se falava assim: ‘se for da Católica não vai passar porque aqui já tem muita gente que veio de lá’.” (Professor 8)

Essa recolocação da militância política na administração pública faz parte do que

vários autores denominam de “refuncionalização”, entendida como a recuperação da

dissidência, no interior do próprio sistema capitalista, ocorrido particularmente a partir de

1982, com a eleição dos Governadores de Estado, possibilitando a cooptação de instituições e

de intelectuais, particularmente nos estados em que a oposição foi vitoriosa, onde havia a

perspectiva de transformação social a partir dos aparelhos do Estado.65 Em Minas, apesar da

composição do Secretariado de Tancredo Neves, expressar um leque de posições políticas e

ideológicas, as pastas de Educação, Saúde e Trabalho e Promoção Social, possibilitaram a

ascensão da linha progressista, nestas áreas.66 De acordo com Maria Aparecida Silva, no caso

mineiro, verifica-se que:

65 Entre os autores que trabalham com o conceito de refuncionalizacao, citamos Silva (1994) e Gohn (1999). 66 Para as pastas da área econômica, do Planejamento e da Fazenda são nomeados Ronaldo Costa Couto e Luiz Rogério Mitraud, técnicos experientes do Regime Militar enquanto que para as pastas da área social, de Educação, Saúde e Trabalho e Promoção Social foram empossados respectivamente Octávio Elísio de Brito, Dario Faria Tavares e Ronan Tito, de pensamento progressista. Na pasta da Saúde, assume como Secretário Adjunto, o Prof. Eugênio Villaça Mendes, chefe do Departamento e principal idealizador do Projeto Alternativo.

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“Apesar do caráter subordinado da área social às diretrizes da área econômica, a ocupação dos cargos públicos daquela área constitui um fato por si só contraditório. Por um lado, sua ocupação é estratégica, podendo representar maiores possibilidades de atuação de intelectuais progressistas. Por outro, pode tornar-se meio de cooptação desses intelectuais e de legitimação de iniciativas governamentais.” (Silva, 1994, p. 167)

O grupo de profissionais, oriundo da PUC Minas, que foi incorporado ao serviço

público participou, naquela década, de vários projetos como a implementação do trabalho a

quatro mãos bem como da implantação dos preceitos da Odontologia Integral, originários do

Departamento. Na Prefeitura de Belo Horizonte, destacamos o papel destes egressos na

formação de pessoal em serviço e na elaboração do currículo integrado adotado, no país, pelo

Ministério da Saúde. Este trabalho resultou no “Guia Curricular para a Formação do Técnico

em Higiene Bucal, para atuar na rede básica do Sistema Único de Saúde, SUS”, bem como no

manual destinado à “Capacitação Técnica para o Cirurgião Dentista atuar na Rede Básica do

SUS”. Se no serviço público, a segunda metade da década, é de grande efervescência e

produtividade, o mesmo não se pode dizer do ritmo do Departamento. Vários professores

apontam a saída dos fundadores e a postura da nova chefia como sendo responsáveis, pelo

menos em parte, pelo acirramento dos conflitos, pela falta de estímulo e pela letargia que

começa a rondar o Departamento.

Um dos professores faz uma análise bastante interessante sobre as diferentes gestões do

Departamento e sobre o corte que acontece em meados da década de 80. Sob o seu ponto de

vista os pioneiros teriam formado uma primeira geração de discípulos que teria permanecido

na Escola, sem ter estudado, sem produção própria, trabalhando em prol do Projeto e

especialmente da Coordenação, que teria se projetado profissionalmente. Fato semelhante teria

ocorrido também na Medicina, em torno do professor Francisco Campos. Nos dois casos, toda

uma geração de discípulos, em função de uma certa idolatria, teria permanecido na academia

sem ter se tornado acadêmico.

“O Eugênio e o Badeia, eles estudaram, leram, contataram, escreveram, se projetaram, mas eles não ensinaram ninguém a escrever, nem a estudar, nem a criar e por isso existe um corte nessa Escola. Quando eles saem, e quando o poder chega às mãos de sua primeira geração de discípulos, eles não sabem o que fazer e se tornam apenas administradores ...” (Professor 6)

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As diferentes administrações do Departamento: um olhar inspirado em Weber

Esse momento de transição, em que os fundadores, deixam a chefia do Departamento

merece atenção especial por ter sido mencionado pela maioria dos entrevistados. A análise dos

tipos de administrações do Departamento, inspirada em Max Weber, pode nos auxiliar a

compreender melhor a trajetória seguida pelo Curso, a partir da encruzilhada, que se

configurou na crise acadêmico-político vivida pela Escola, em meados dos anos 80. Sem

pretender esgotar a literatura do autor, privilegiamos algumas de suas obras, entre as quais

destacamos Weber (1999), na qual, entendendo a dominação como a manifestação concreta e

empírica do poder, o mesmo destaca três tipos de dominação: a tradicional, a legal e a

carismática. Frisamos que esses três tipos são formatos ideais que raramente se encontram em

seu estado puro na realidade histórica e que apesar disso nos auxiliam a compreender as

transformações que se processam nos modelos de gestão.67

Podemos dizer que as duas primeiras gestões do Departamento, particularmente a

primeira exerciam uma autoridade mais próxima da carismática, que às vezes é também

estendida ao próprio Dom Serafim. Segundo Weber, esse tipo de dominação, em sua forma

mais pura repousa no valor pessoal de um homem (ou vários), em função, por exemplo, de seu

poder intelectual e de oratória. O líder é obedecido por suas qualidades excepcionais e seu

poder existe enquanto existir seu carisma. O domínio carismático implica na entrega dos

homens à pessoa do chefe, que se acredita predestinado a uma missão. O quadro

administrativo é escolhido muito mais segundo sua vocação e devoção do que segundo à sua

qualificação profissional. A administração carece de orientação dada por regras e se

caracteriza, principalmente, por insights ou momentos de criação, pelas decisões intuitivas,

desprendidas das tradições. Embora Weber admita que a autoridade carismática seja uma das

grandes forcas revolucionárias, alerta que na forma completamente pura, passa a ter um caráter

eminentemente autoritário e dominador. Podemos perceber nos depoimentos seguintes o

carisma dos fundadores:

67 Essa referência, Weber (1989), constitui-se no capítulo intitulado “Os três tipos puros de dominação legítima” da obra “Max Weber”, organizada por G. Cohn. Outras obras pesquisadas do autor foram Weber (1979) e Weber (1996) e sobre o autor, foram Freund (1980) e o estudo feito por Castro (1994), em que a autora analisa as relações de poder à luz de Weber e Bourdieu, em estudo de caso centrado em escolas públicas de Belo Horizonte, durante as décadas de 80 e 90.

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“Eles [Eugênio e Badeia] eram os ‘gurus’. Eu me lembro até do momento em que o Eugênio quis sair e passou o bastão para o Badeia, chamou um por um, vocês vão eleger o Badeia, aquela coisa bem ‘Fidel Castro’, ninguém questionou, não passou pela cabeça de ninguém questionar, o Eugênio falou, está falado, e não era uma questão de medo, nem de opressão, ele tinha o controle total sobre o corpo docente, tanto de um lado quanto do outro, tanto que ele compunha quando ia montar o colegiado. Ele colocava sempre um que não concordava com o Projeto, um mais tradicionalista, mas que dialogava. O colegiado era composto pelo chefe, que era ele ou o Badeia, um tradicional, um ‘menino’ de esquerda e um dialogável de direita, para ficar uma coisa bem aceita.” (Professor 4)

“O clima da escola era bom, o Eugênio conseguia unir todo mundo, conseguia fazer todo mundo funcionar para ele, na divulgação daquelas idéias. O Eugênio era muito forte, muito mais do que o Badeia. Eugênio foi uma pessoa que sempre teve projeção para fora, sempre foi muito bem articulado e aquela articulação em vários níveis, com a Kellogg que tinha dinheiro, com a OPS [Organização Panamericana de Saúde], com a OMS [Organização Mundial de Saúde] e é até hoje, tanto que ele saiu daqui para ser Secretário de Saúde, e hoje ele é consultor do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], ele sempre foi uma pessoa muito marcante, muito forte, muito ousado e corajoso.” (Professor 6)

“Eles [os fundadores] eram pessoas, ‘pinçadas por Dom Serafim’ que tinham uma visão diferenciada de prática odontológica e que tiveram a oportunidade de elaborar um projeto aqui e de construir esse sonho porque essa Escola foi um sonho...” (Professor 7)

“Eu acho que com o Flávio, ele [o Departamento] já começa a perder, já começa a entrar em crise porque perdeu um pouco daquele esteio do Eugênio, com rédeas firmes ... o conflito existia mas ele coordenava. O Badeia já com outro jeito de fazer a coisa mas eles tinham princípio, existia um projeto pedagógico, uma base ideológica, uma ciência que sustentava aquilo tudo, porque essa história de Odontologia Comunitária, Simplificada tinha como base muita produção teórica não só aqui mas na América Latina toda.” (Professor 2)

Segundo o próprio Weber o poder do líder carismático persiste enquanto existir o

carisma. No caso dos fundadores, observamos que parte dos alunos da segunda geração de

formandos, que foram absorvidos como professores, na primeira metade da década de 80, já

não os enxergava como líderes, mas simplesmente os respeitavam como “Chefes de

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Departamento”. Um dos entrevistados nos lembra que muitos colegas admiravam muito mais

aqueles profissionais “bem sucedidos”. Mesmo entre os seus “discípulos”, verificamos uma

diminuição de prestígio. Segundo um dos entrevistados:

“Eles [Eugênio e Badeia] foram perdendo o carisma ao longo do tempo na medida em que esse conflito [entre os que apoiavam o Projeto e os que o criticavam] foi ficando mais acirrado. Nem um lado nem o outro conseguiu sustentar sua posição. A coisa começou a radicalizar tanto que não era mais possível o diálogo. Foi quando o Badeia saiu da Chefia e passou para o Flávio. O Flávio já foi eleito numa proposta mais de consenso, ele apoiava o Projeto mas já tinha um discurso um pouco mais conciliador.” (Professor 4)

Com relação à nova chefia, observamos tanto nos documentos, quanto na opinião dos

entrevistados, a caracterização de uma gestão que Weber classificaria como mais próxima da

dominação legal. Esse tipo de dominação apresenta um caráter racional e se fundamenta na

crença da validade dos regulamentos estabelecidos e na legitimidade dos chefes, que estão no

exercício legal de suas funções. Os chefes são considerados apenas superiores funcionais, que

exercem o poder de forma ordinária e impessoal. O domínio legal consiste em um

empreendimento contínuo de funções instituídas pela lei e distribuídas em competências

diferenciadas. Os funcionários não são donos de seus cargos, mas são protegidos no exercício

de suas funções. Segundo Weber a forma mais típica do domínio legal é a burocracia. Alguns

depoimentos, além dos inúmeros relatórios produzidos nesse período, esclarecem esse ponto

de vista:

“A primeira coisa que ele [o novo chefe] fez foi formar um grupo para elaborar uma nova proposta curricular, contratou gente para isso, porque percebia que as coisas estavam ficando ultrapassadas, sem renovação intelectual. Mas ele não tinha força, não tinha sustentação nem dentro, nem fora da Escola, não tinha reconhecimento dentro da Escola, não tinha dinheiro - porque o Eugênio trouxe dinheiro de fora - não tinha produção, não tinha nada. Por mais que ele tentasse dirigir a Escola, ele não tinha como fazer isso. E tinha um grupo forte, que também participou da fundação da Escola, que o tinha apoiado, mas que não tinha compromisso com a Odontologia Social, que não tinha compromisso com o ensino, que não tinha afeição pela Escola. Então ele acaba sendo um administrador, mais nada, até por uma própria característica dele, não se produz nada nesse período.” (Professor 6)

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“O Flávio era do grupo da Odontologia Social, mas a aliança com o grupo que era contra o Projeto teve mais poder na sua gestão. Ele escalou o Badeia para montar os Cursos de Especialização nas áreas técnicas, ele partiu para a Avaliação Prospectiva que era algo novo, ele montou um grupo que acabou construindo o esboço de um novo currículo, baseado nas fases do desenvolvimento humano, tinha disciplinas transversais, horizontais e verticais, grupo de professores preceptores, era um projeto calcado em demandas. Isso nunca foi implantado, logo ia ter uma nova eleição, ele preferiu aguardar, mas acabou não se reelegendo. O descontentamento vinha dos dois lados. O grupo tradicional que o havia apoiado boicotou a mudança curricular proposta, eu acho que eles ficaram imaginando ‘um novo Eugênio construindo algum outro projeto mirabolante’ porque o que eles entendem é que juntando ortodontia, fisiologia, etc no final sai um dentista de qualquer jeito. O grupo da Odontologia Social foi detonado, a gente não tinha a mínima carga horária, tudo para nós era difícil, o Curso de Especialização em Odontologia Social, que era muito forte, não foi oferecido na época. A administração dele foi fraquíssima. Ninguém saiu, ninguém fez nada, eu fui por minha conta fazer o mestrado em Educação, na Federal, um mestrado que eu sempre quis com o Miguel Arroyo e fui chamada ao Colegiado para dar explicações porque eu não havia comunicado o fato, não havia pedido autorização, nossa aquilo era o mundo das trevas...” (Professor 2)

“O Flavio pegou uma crise terrível, era um momento de turbulência, de crise no país, aí vem aquela história do Lula e do Tancredo, concilia, não concilia, e ele era Tancredista. Nessa época é que houve mesmo um racha, foi um momento conturbado e ele tentava conciliar o inconciliável naquele momento e até por um estilo pessoal, ele não tinha grandes pretensões, nem pretensões de conflito, ele não queria deixar o conflito aflorar, então ficava apaziguando, e ainda queria avaliar, eu participei de uma comissão, eram várias ... e a escola acabou entrando numa letargia do ponto de vista acadêmico.” (Professor 4)

Acreditamos que essas considerações, feitas à luz de Weber, nos ajudam a

compreender melhor o impacto causado pela nova administração que melhor identificamos

com a legal, após uma década de dominação mais próxima da carismática. Apenas para

completarmos a análise das administrações, ainda, segundo o olhar do mesmo autor,

decidimos abordar a última troca de gestão do Curso que ocorre em 1993 e perdura até hoje,

conforme já explicitamos, no capítulo I. Observamos que a Escola passa a sentir uma nova

mudança no formato de gestão, que se prenuncia com a nova chefia do Departamento e, se

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acentua posteriormente, com a direção da Faculdade de Odontologia, quando esses cargos

passam a ser assumidos por professores ligados à família de Dom Serafim.68

Particularmente no caso do atual Diretor da Faculdade, o Professor Eustáquio Araújo,

que se encontra nos EUA, dirigindo o Programa de Pós-graduação em Odontologia da Saint

Louis University, observamos componentes da autoridade carismática já discutida, mesclados

com a autoridade tradicional, que passaremos a descrever. A dominação tradicional, em sua

forma pura, baseia-se na crença na santidade das tradições em vigor e na legitimidade dos que

obtém poder através do costume. O conteúdo das ordens é neste caso fixado pela tradição e os

princípios são os da eqüidade ética material, da justiça, da utilidade prática e nunca os de

caráter formal. Os quadros administrativos contêm dependentes pessoais, parentes e amigos ou

de pessoas que estejam ligadas por vínculos de fidelidade. Não existe o conceito burocrático

da competência e as relações do quadro administrativo são pautadas não pelo dever ou

disciplina mas pela fidelidade pessoal. Seguem alguns depoimentos que ilustram esses

elementos:

“No final da década de 70, o Takão foi para os EUA, ele era Prof. da PUC, avesso ao Projeto. Eles [os fundadores] tinham que engolir porque ele era irmão de Dom Serafim e porque Takão é um ótimo dentista, assim da melhor qualidade mesmo... Ele fica dois, três anos nos EUA, fazendo mestrado em Ortodontia e quando volta, propõe à Universidade um projeto de especialização, com três cursos. A assembléia do Departamento se reúne para analisar a questão e nós rechaçamos a idéia, dizendo que era um absurdo, que era contra a filosofia do Departamento. Ele, com o respaldo da Universidade, monta o Curso de Especialização, fora do Departamento, na Floresta69, com a chancela da PUC. Com a minha chegada à chefia, abriu-se o espaço para ele voltar e é nessa volta dele que a Universidade opta por investir na Pós-graduação, de 1998 para cá.” (Professor 4)

68 O Prof. Félix de Araújo Souza, o quarto chefe do Departamento e atual Diretor, em exercício, da Faculdade e o Prof. Eustáquio Afonso Araújo, atual Diretor da Faculdade, são, respectivamente sobrinho e irmão de Dom Serafim. O Prof. Eustáquio, conhecido como Takão, formou-se em 1969, pela UFMG. Foi professor do Departamento por alguns anos entre as décadas de 70 e 80 e era avesso ao Projeto Alternativo. No início dos anos 80 se afasta por três anos para fazer o Mestrado, em Ortodontia, nos EUA e quando retorna assume a Vice-diretoria do Instituto de Ciências Biológica e da Saúde da Universidade. No final da década de 80 passa a dedicar-se à Especialização criada fora da PUC, com a chancela da mesma, porque não encontra espaço no Departamento, conforme voltaremos a mencionar. Sua trajetória profissional bem sucedida parece ter contribuindo ao apelo carismático detectado em sua gestão. Desde 1998, segundo vários entrevistados, participa da reformulação do Departamento e da construção do projeto da Faculdade de Odontologia da PUC Minas, cuja direção assume em 2000. No início de 2001, transfere-se para os Estados Unidos, onde passa a dirigir o Programa de Pós-graduação em Odontologia da Saint Louis University, mas preserva o cargo de Diretor da FO PUC Minas. 69 Floresta é um bairro de Belo Horizonte, próximo da região Central.

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“... o Takão era pintado como um monstro que se chegasse aqui iria destruir tudo o que a direção antiga já tinha feito e pra gente que foi sobrevivente das demissões e que viveu o momento antigo e o momento atual, viu também que não era nada disso, ele não era o monstro que se pintava, tem qualidades, trouxe coisas novas, interessantes, até a visão do esporte ele trouxe para o ensino, que eu acho fundamental...” (Professor 7)

“Num primeiro momento eu acho que o pessoal se sentiu um pouco intimidado com a chegada dele [Takão], mas foi uma das melhores coisas que aconteceu porque ele mudou a cara, completamente, da Odontologia, primeiro por ser uma pessoa muito bem relacionada. Afinal, quem não conhece o Takão? Na Odontologia ou no esporte, todo mundo conhece o Takão. Eu comecei a conviver com ele, eu ficava meio assim...e eu descobri que ele é uma das melhores pessoas para trabalhar, é dinâmico, tem idéias modernas e escuta quando a gente quer dar uma opinião, uma sugestão.” (Professor 9)70

É interessante destacar que observamos indícios da autoridade carismática neste caso, a

partir das falas dos entrevistados, que sempre se referiram ao Professor Eustáquio de Araújo

como de fato o Diretor da Faculdade, reconhecendo a sua autoridade, apesar do seu

afastamento desde o início de 2001.71 Voltaremos a abordar esse aspecto da atual gestão, na

visão de professores remanescentes, no próximo capítulo.

A (des)construção do Projeto Alternativo

A prática médico-odontológica modifica-se, significativamente, a partir do final da

década de 80, com a expansão das práticas neoliberais, apoiadas na idéia de Estado mínimo,

reduzindo sua participação no financiamento das políticas públicas. Nas políticas de saúde,

incentiva-se a privatização e terceirização da assistência médico-odontológica através de

planos de saúde individuais, assumidos cada vez mais pelas camadas de média e baixa renda.

Esse fato muda completamente a relação profissional-paciente que passa a ser intermediada

70 Além de ser um profissional reconhecido e bem sucedido na área da Ortodontia, o Prof. Eustáquio também foi bem sucedido no Esporte. Foi técnico da seleção brasileira de futebol de salão, futsal, entre 1989 e 2000 e ganhou todos os títulos que disputou, incluindo dois campeonatos mundiais. 71 Apesar do seu afastamento, o Prof. Eustáquio parece, de fato, continuar dirigindo e exercendo sua autoridade na Faculdade, através do Prof. Félix, que é o diretor em exercício. O diretor tem comparecido, com certa regularidade à PUC Minas, quando se reúne com o Conselho Técnico Administrativo da Faculdade.

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pela administração dos planos de saúde. Além do mercado profissional em crise, a

Odontologia ressente-se fortemente dos impactos das políticas sociais.

Ainda, no final da década, no âmbito do Curso de Odontologia, apesar do longo

processo de avaliação não ter sido concluído, os relatórios parciais demonstravam além da

permanência dos conflitos internos do Departamento, consenso sobre as falhas nos seguintes

aspectos metodológicos que monopolizavam os debates: falta de um enfoque global, falta de

um programa de formação ou capacitação docente, falta de um processo de informatização

dentro do Curso e falta de um sistema de atenção. Segundo Badeia Marcos:

“Por mais que se tem tentado, os docentes deixaram transparecer a ausência de uma coordenação geral do curso, sem orientação e controle do sistema de ensino em desenvolvimento. Tem-se a impressão de que cada peça, representada pela disciplina, preenche um espaço isolado sem conexão longitudinal, sem sabermos qual o desfecho ou o que vai ser “esse profissional” que estamos formando.” (Marcos, 1989, p. 4)

O relatório final do processo de avaliação, elaborado, em 1990, pela chefia do

Departamento, propõe, a partir de uma metodologia de Avaliação Prospectiva e Análise

Institucional, a exaustão do modelo denominado “Ensino Inovado de Odontologia” e apresenta

o “Sistema de Atenção, Ensino e Pesquisa em Saúde Bucal”, como Modelo de ensino para o

Departamento, na década de 90.72 A fundamentação da “nova” proposta era muito semelhante

à anterior, apoiando-se, dessa vez, no texto da Constituição Federal de 1988, no que diz

respeito à descentralização do atendimento; à participação comunitária e ao atendimento

integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços

assistenciais.73 Apesar do longo processo de avaliação vivenciado pelo Departamento, as

mudanças efetivadas, acabaram sendo apenas de cunho administrativo, camuflando os

conflitos existentes. De Rossi menciona o mesmo tipo de lacuna, na abordagem de conflitos

internos, ao estudar outro projeto alternativo da mesma época.

72 Nesse relatório [Odontologia... (1990)], destaca-se a obra: Lapadasse, G. Grupos, Organizações, Instituições. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983, que fundamenta a Avaliação Prospectiva e a Análise Institucional proposta. 73 Na sessão II – Da Saúde, a Constituição incentiva as instituições privadas, preferencialmente as filantrópicas, a participar do Sistema Único de Saúde, SUS, através de convênios, pois se considera o Estado como o provedor da equivalência de direitos, frente à injusta distribuição de renda na sociedade brasileira.

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“... os conflitos, sem serem reabsorvidos, se mantiveram de acordo com a correlação de forças internas existentes, de acordo com suas solidariedades e suas experiências, pois os inimigos não eram só externos. Mágoas profundas foram sendo acumuladas, polêmicas foram sendo evitadas, até o ponto de terem medo de enfrenta-las. As tensões, os corpos endurecidos, anestesiaram e asfixiaram os sentidos. Os diferentes pontos de vista que afloravam, incomodavam. Não suportavam a luta dos valores. Os interesses, as expectativas das pessoas não foram sendo apreendidas na experiência.” (De Rossi, 1998, p. 139)

Ainda acerca das cisões internas, Gramsci nos alerta que:

“Se devem existir polêmicas e cisões, é necessário não ter medo de enfrenta-las e supera-las: elas são inevitáveis nestes processos de desenvolvimento, e evita-las significa tão somente adia-las para quando elas já forem perigosas ou catastróficas.” (Gramsci, 1989, p.168)

Pode-se dizer que o Projeto Alternativo começa a se afastar de sua vocação original

desde meados dos anos 80. Na segunda metade da década foi feita uma tentativa de

reformulação curricular, sem êxito algum por falta de legitimidade da Coordenação,

resultando no agravamento dos conflitos internos. A nova gestão assume o Departamento, em

1993, em meio a sua maior crise acadêmica. A grade curricular havia sido montada em cima

de um projeto pedagógico que não vinha mais sendo assumido pela maioria do corpo docente.

As transformações começaram a ser feitas nas disciplinas sem a devida alteração da grade,

sem um novo projeto pedagógico e segundo um dos professores o currículo transformara-se

em um verdadeiro “Frankeistein”.

A nova Coordenação era composta por três ex-alunos, que se elegeram num pleito

bastante disputado, em que o antigo chefe tentara a sua reeleição. Cada qual apresentou-se

como uma candidatura independente, sendo que a primeira preocupação do novo grupo assim

constituído foi acadêmica e pode ser percebida nos depoimentos seguintes:

“...quando a gente assumiu [em 93], nós acenamos para uma coisa muito simples: ‘vamos retomar a qualidade no ensino da Odontologia’ porque até então as brigas estavam tão complicadas que a gente esqueceu que tinha que fazer um bom Curso de Odontologia.” (Professor 4)

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“A gente não pertencia a grupo nenhum, nós nos candidatamos, não defendíamos grupo nenhum, aí a gente começou a querer mudar baseado na nossa vivência de ex-aluno. No início, o pessoal falava que éramos três meninos na direção da Faculdade, mas logo depois a gente começou a receber apoio, a gente fez um trabalho sério e nós fomos ganhando credibilidade.” (Professor 9)

“A chegada do Félix já deu um alívio grande, ele ganhou do Flávio e embora se apresentasse como candidatura independente, a gente sabia que ele estava ligado a toda a tradição da Universidade.” (Professor 2)

Em 1994, a Comissão de Especialistas de Ensino em Odontologia estabelece um

“Padrão Médio de um Curso de Odontologia e em 1998, a Comissão estabelece, em

conformidade com a Lei 9394/96, as "Diretrizes Curriculares dos Cursos de Odontologia”. Em

função dessas demandas já previstas, a atual Coordenação efetivou a alteração curricular de

1993 e a reforma curricular de 1997.74 A primeira alteração mantém basicamente as mesmas

disciplinas, reduzindo a carga horária de Estágio Supervisionado, vinculado às clínicas

comunitárias e aumentando a carga horária, em clínicas especializadas. Já a reforma de 1997,

foi discutida e articulada durante quatro anos e acaba incorporando as orientações da Nova

LDB, de 1996. Essa reforma propõe uma reestruturação das disciplinas, um aumento e

reordenamento da carga horária teórica, em detrimento da prática, reforçando o ensino das

Especialidades e contemplando os conteúdos teóricos, exigidos pelo Exame Nacional de

Cursos, conforme discussão apresentada no Capítulo I. Na nova proposta a Clínica Integrada

passa a ser o eixo do Curso, para a qual convergem todas as especialidades e na prática da qual

o aluno deve ser capaz de diagnosticar, propor e executar, quando for o caso, um plano de

tratamento, conforme especificado nos objetivos do Curso:

“Formar o Cirurgião-Dentista clínico geral, capaz de diagnosticar problemas de saúde bucal e soluciona-los, seja através da intervenção direta, seja através do referenciamento e contra-referenciamento com relação a níveis mais complexos de atenção, com aptidão para o trabalho em clínica privada e no serviço público. Formar um profissional capaz de desenvolver uma prática voltada para a promoção

74 Em função da situação atípica pela qual passa a Faculdade desde o início de 2001, com o afastamento do Diretor, o Coordenador da Graduação tornou-se o Diretor em exercício, passando a responder pela Faculdade e o Coordenador Adjunto tornou-se o Coordenador em exercício, passando a responder pelo Curso de Graduação.

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e manutenção da saúde bucal na população, não se limitando à prática curativa.”75

Passaremos a seguir a examinar, na visão dos professores remanescentes, a relevância

do Projeto Alternativo na trajetória histórica do Departamento e as suas reminiscências na

Faculdade de Odontologia da PUC Minas.

75 www.pucminas.br/cursos/graduação/odontologia/objetivo/html.

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IV – Reminiscências do Projeto Alternativo na Faculdade de Odontologia

Após tentarmos compreender a construção e a (des)construção do Projeto Alternativo

consideramos que seria fundamental retornarmos ao momento atual da Faculdade de

Odontologia da PUC Minas, procurando estabelecer um elo entre o passado e o presente,

através da busca de reminiscências do Projeto.

A Faculdade de Odontologia da PUC Minas

A Faculdade de Odontologia da PUC Minas, FO PUC Minas, foi criada em janeiro de

2000 e está ligada ao Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde, ICBS, da Universidade.

Segundo o seu Regimento, integram a FO PUC Minas o Curso de Graduação, os Cursos de

Educação Continuada, os Cursos de Especialização e Treinamento e os Programas de

Mestrado e Doutorado.1 A administração da Faculdade é exercida pelo Diretor e pelos

Coordenadores de Graduação, da Educação Continuada, de Especialização e Treinamento2 e

do Mestrado e Doutorado, que formam o Conselho Técnico Administrativo, CTA, sob a

presidência do primeiro. A Faculdade tem cerca de quinhentos e cinqüenta alunos e oitenta

professores de Graduação, cerca de cento e cinqüenta alunos e vinte professores vinculados à

Especialização e cerca de quarenta alunos e dez professores no Mestrado Profissional. As

aulas teóricas da Graduação e do Mestrado são ministradas no antigo Prédio e as aulas práticas

são ministradas nos dois Prédios recém construídos, em que estão instaladas sete clínicas, um

bloco cirúrgico e seis laboratórios.3

O significado do Projeto Alternativo

Muitos professores apontam uma clara diferença entre o significado do Projeto

Alternativo naquela época e o que seria o seu significado nos dias de hoje. Diversos

1 Regimento da Faculdade de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais . Belo Horizonte: PUC Minas, 2000. 2 Essa Coordenação é exercida pelo Prof. Badeia Marcos, um dos fundadores do Projeto Alternativo. 3 Esses prédios já foram mencionados anteriormente e as novas instalações encontram-se nas fotos, de 3 a 6, no Capítulo I. O prédio antigo é o Prédio 25, enquanto que as novas instalações encontram-se nos Prédios 45 e 46. A localização desses prédios no Campus pode ser vista no mapa 2, do apêndice 2.

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entrevistados o consideram completamente inadequado para a realidade atual enquanto que

outros não têm tanta certeza disso. A maioria destaca o respeito e o respaldo da Universidade

para com o Projeto e seus fundadores, mas muitos se ressentem, na atualidade, da falta de

preocupação da FO PUC Minas com o Social, com a população desatendida, cujo quadro

epidemiológico não parece ter mudado tão significativamente.

“Aquele Projeto tinha um discurso muito interessante para a PUC daquela época, Para Minas Gerais daquela época, para o Brasil daquela época, para a América Latina, todo mundo daquela época. Ele não seria exeqüível hoje em hipótese alguma, eu estou falando até da parte político-ideológica. ... O curso tinha uma penetração porque na época aquele era o discurso politicamente correto” (Professor 4)

“Não existe hoje mais uma preocupação da Escola em fazer uma pesquisa para minimizar o custo, ampliar a cobertura do atendimento para a população carente, acabou essa preocupação com o Social ...” (Professor 1)

“A visão da Faculdade de Odontologia da Católica é diferente do que era há vinte anos quando mexia com todo mundo, para o amor ou para o ódio, hoje ela se tornou mais uma Escola de Odontologia que está aí tentando sobreviver nesse mercado globalizado. Então hoje se fala mais em formar profissionais diferenciados, em pesquisadores, em pessoas capazes de sobreviver no mercado, não existe mais uma preocupação humanística por parte da direção.”(Professor 7)

“É possível dirigir-se dentro dos mesmos ideais, mas temos que mudar as coisas, o mundo mudou e é claro que não se pode viver hoje a década de 60/70, aquele projeto naquele formato não faz sentido hoje, nós temos que nos adequar à realidade científica e tecnológica e à realidade histórica. Você acha que eu vou morrer com o que eu pensava em 1960, eu teria morrido naquela época ou você não acredita na história...” (Professor 3)

Vários professores apontaram que a Odontologia Simplificada praticada pelo

Departamento, principalmente com relação à pesquisa e ao desenvolvimento dos equipos

odontológicos, colocou em cheque, pela primeira vez a indústria de equipamentos, que estava

acostumada a impor ao mercado, suas mercadorias e preços. A nova prática teria possibilitado

o exercício da independência e da autonomia da Universidade em relação à essa indústria,

obrigando-a a redirecionar seus projetos sob pena de perder mercado.

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“Eu acho que era muito mais do que ser de direita, ser de esquerda. Havia uma perspectiva de produção de conhecimento, ainda que de uma forma desorganizada, até em pesquisa tecnológica. Pela primeira vez no Brasil, ocorreu a produção de equipamentos, feitos por essa Universidade e depois Brasília, Paraná. Belo Horizonte fez isso ligado à Universidade e depois ligado ao Serviço Público. Isso foi um choque do ponto de vista da indústria de equipamentos, que acordou ‘Nós temos que fazer um equipamento que atenda ao setor público, porque esse equipamento da iniciativa privada, não cabe no Serviço Público.’ E isso foi importante, foi feita uma linha de equipamentos para o setor público, viabilizando com a redução de custos, a expansão do atendimento odontológico.” (Professor 8)

“O valor dele [do Projeto] é de questionar as coisas..., as questões de natureza técnica eram menos importantes, elas realmente falharam muito, nós não tínhamos aqui equipamentos que pudessem fazer clínicas como as Federais, nós fizemos com a Engenharia. Era uma porcaria? Não importa tanto se era uma porcaria, mas importa que era uma idéia de autonomia, de independência, de auto-criatividade. É lógico que a gente não iria competir com as grandes empresas mas nós não nos dispusemos a fazer isso.” (Professor 3)

Outro aspecto instigante do Projeto Alternativo, mencionado pelos professores, é que

ele se propunha a alterar a cadeia produtiva do trabalho odontológico, incorporando, entre

outros aspectos, a divisão técnica do trabalho para garantir o aumento de produtividade e a

conseqüente redução de custos. Essa perspectiva nova de trabalho viabilizou-se a partir da

simplificação da técnica e da incorporação, no atendimento, do pessoal auxiliar. A introdução

do pessoal auxiliar na estrutura de produção, ao contrário do que muitos temem, não

significaria necessariamente uma redução do mercado de trabalho para os dentistas, podendo

até consolidar-se numa ampliação do mesmo, com o acesso de novas camadas da população

ao tratamento odontológico, a partir da redução de custos.

“Dentro da linha da divisão técnica do trabalho, do Taylorismo todo, que o Eugênio acreditava ser possível incorporar no ato da Odontologia, aumentar a cobertura e abaixar o preço eram questões muito sérias e elas não estão deslocadas da realidade atual porque hoje não existe uma Odontologia para o povo.” (Professor 2)

“Infelizmente a indústria também entende simplificar como uma forma de reduzir qualidade e não de simplificar como uma forma de eliminar o

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supérfluo. Aqui dentro isso causou muito problema quando mexeu com a questão da técnica porque mexeu na verdade com a estrutura produtiva: ‘olha, dentadura não precisa ser feita assim, pode ser feita de outro modo’. Eu acho que no campo do equipamento foi até mais fácil simplificar...” (Professor 8)

“O custo do tratamento odontológico para o paciente não tem abaixado, isso significa que a população não tem acesso, a Odontologia ainda é muito cara, é pouco produtiva e incorpora cada vez mais tecnologia sem aumentar a produtividade. Além disso, a Odontologia tem uma lógica preferencial de que o dentista faz tudo no procedimento, sem a divisão técnica do trabalho que poderia permitir a redução de custo. Nós fizemos isso aqui por um certo tempo e depois no serviço público, mas essa não é a prática que a gente vê no mercado, nem do aluno que formou aqui. O processo de trabalho hoje nas clínicas é individual até mesmo do ponto de vista do espaço físico. Não há mais a preocupação de se tentar trabalhar a quatro mãos, eu acho que você tem que pensar na utilização do auxiliar na forma produtiva, não como simples auxiliar, isso tudo foi muito pouco utilizado. O Departamento não avançou nesse aspecto, nem na graduação, nem na pós-graduação.” (Professor 8)

O ambiente de trabalho

Com relação ao ambiente de trabalho do Departamento à época do Projeto, todos

reconhecem que era bom, mesmo entre aqueles que indicam a existência de conflitos e

polêmicas. Um professor chega a atribuir ao próprio conflito, o grande motor da produção do

Departamento.

“O clima era muito bom, mas nós vivíamos uma utopia. Quando você não tem uma utopia é muito ruim, nós fomos lutando, fomos conseguindo...” (Professor 5)

“O clima era bom com muita polêmica, eu acho que a grande riqueza do Departamento aconteceu nos momentos de muita disputa de projeto e eram momentos de muita produção científica. Num processo acadêmico de qualquer Departamento essa questão é fundamental, o Departamento tinha uma clareza de ponto de vista, o nosso projeto era o compromisso com a população, isso não significa que se abandone a ciência, que se abandone o tradicional, não significa que você está formando em apenas uma categoria, nos queremos é o espaço da discussão, da ciência dentro da formação, hoje os espaços diminuíram, há uma tendência muito grande em se massificar o conhecimento, através de uma informação padronizada e não de discussão científica. A gente percebe uma

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dificuldade enorme, em relação aos alunos, quando você coloca em discussão qualquer tema polêmico.. .Isso não é exclusividade da Odontologia, a gente está vivendo um momento de muita globalização, muita informação e pouca criticidade em relação ao que representam essas novas informações, essas novas tecnologias, é um consumismo sem criticidade o que acaba comprometendo muito o processo de produção científica.” (Professor 8)

Alguns entrevistados mencionaram a importância e o comprometimento dos

funcionários do Departamento e da comunidade externa com o Projeto, mostrando que havia

uma motivação que atingia todos os níveis envolvidos.

“Eu acho que muito era da sensibilidade do Eugênio ao perceber o potencial dessas pessoas humildes [entre os funcionários], do próprio corpo docente, coisa que a gente não vê muito hoje na Universidade. O atual diretor do Departamento de Ciências Biológicas, por exemplo começou como técnico de fotografia, nesse Departamento. Eu acho que tem um processo de centralização administrativo nessa Universidade em que o funcionário fica muito pouco valorizado. O processo de terceirização é um processo ameaçador da relação de trabalho, então você vê pessoas com um potencial enorme, sem perspectiva...” (Professor 8)

“Muitas pessoas se empolgavam com o Projeto, inclusive do pessoal técnico e auxiliar, o Sr. Salvelino era um deles... As clínicas extramuros traziam um benefício enorme. Na clínica São Geraldo, por exemplo, a liderança popular tomava conta da clínica, os atendentes também, aquilo era como se fosse o templo sagrado deles4, não deixavam ninguém depredar, a comunidade toda estava envolvida.” (Professor 5)

Vários entrevistados admitem que o ambiente da Escola tenha se profissionalizado com

as mudanças recentes, mas discordam em relação as vantagens desse processo.

“Não era muito profissional, tudo bem que estamos numa instituição Católica, que tem o ‘filantropismo’ mas é uma empresa e a gente tem que ser mais profissional, era muito familiar, a Odontologia era como se fosse uma família, então quebrar isso tudo foi muito complicado...” (Professor 9)

4 Vale a pena recordar que essa Clínica foi construída na antiga Igreja do bairro.

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“O clima é diferente daquela época em que a gente era, digamos assim, uma grande família, a gente tecia relações aqui dentro que iam além da prática profissional e o momento de hoje é diferente, quem já tem relações, as manteve, mas a Escola transformou-se simplesmente num local de trabalho, com uma distância, uma hierarquia...” (Professor 7)

Os entrevistados apontam que a radicalização do Projeto pode ter sido o seu grande

entrave. Vários professores hoje percebem que parte dos problemas enfrentados à época

poderiam ter sido resolvidos ou pelo menos contornados através do entendimento e da

conciliação. Um dos entrevistados relata inclusive uma cena tragicômica constrangedora,

vivenciada pelo Departamento, em função dessa radicalização.

“Aquele Modelo era uma tentativa e como tal precisa ser reavaliado, corrigido, tem que ser dinâmico. Só depois de algum tempo é que você tem condições de realizar uma avaliação e apresentar as correções do Modelo porque você já teve tempo de amadurecer, de estudar. Acho que faltou essa fase...” (Professor 5)

“Na verdade tem espaço para tudo, estou voltando na história, as coisas estão no meio, nem muito nem pouco, porque nós somos produto de tudo, esta divisão do mundo entre direita e esquerda, entre o bem e o mal, entre oriente e ocidente, não faz sentido...” (Professor 3)

“Um dia, um nome nacional em Endodontia, numa Jornada de Odontologia, falava de um aparelho elétrico para testar a sensibilidade da polpa dentária quando um aluno, da Especialização, se levanta e diz que aquilo era o maior absurdo, que aquilo era o apogeu do capitalismo... O professor diz que ele estava ali para ensinar sobre aquela técnica, mas que se ninguém quisesse ouvir, ele iria embora... Tiveram que retirar o aluno a força do auditório... Então tudo o que era bacana, bonito, confortável era rechaçado e em compensação o equipamento simplificado, que era ruim, com um pouco mais de conforto, numa outra leitura teria sido bem mais aceito.” (Professor 2)

Alguns erros e dificuldades do Projeto Alternativo persistem até hoje. A dificuldade

em encontrar um professor que seja um bom clínico geral foi apontada como um problema

para os fundadores que continua a existir na Clínica Integrada. Um dos professores explica

que partindo do diagnóstico de que a ciência e o ensino médico-odontológicos são

compartimentalizados, excessivamente especializados, propõe-se, em contrapartida, ensinar o

integral, o global. Só que ao se negar essa compartimentalização, essa especialização, na

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Clínica Integrada, onde tentamos fazer o ensino baseado no atendimento global ao paciente,

corremos o risco de não encontrar o perfil docente adequado.Vários entrevistados apontaram

que os melhores professores da Clínica são aqueles, nem sempre os mais titulados, que se

formaram na própria Universidade e/ou que acompanham as clínicas desde o início da Escola.

“Não é de um dia para outro, não é nem em uma década que nós vamos preparar professores para as Clínicas. O professor que é mestre ou doutor em periodontia, em endodontia, em alguma coisa, entra numa Clínica Integrada e o ensino tende a ser compartimentalizado de novo, porque o professor de periodontia, endodontia só entende daquilo. A gente está tentando quebrar isso na nova proposta da Clínica Integrada, não se nega a especialidade, o aluno passa pela especialidade antes e a gente tenta manter na clínica integrada o professor que ainda mantém uma visão de clínica geral... Não importa nem saber se ele é titulado ou não, o que importa é saber a postura dele na Clínica, afinal todo mundo foi um dia clínico geral. O problema é que ele sai, vai fazer especialização, mestrado, doutorado e volta para a clínica e tem uns que simplesmente abominam o que foram antes e dizem ‘eu agora sou endodontista, não quero saber de mais nada’. Tem um professor lá que fala ‘não me coloquem pra fazer restauração porque eu não sei fazer, eu sou endodontista’. Mas ele deveria saber, agora se ele optou por saber tudo de nada é uma opção dele, mas não serve para a Clínica Integrada.” (Professor 4)

“Antigamente, pelo menos na Medicina e na Odontologia, exigia-se no mínimo dois anos de formado, antes do ingresso no Mestrado. Hoje não, tem gente que se forma, faz Mestrado, faz Doutorado e não tem experiência clínica nenhuma. Aí você coloca um doutor desses numa Clínica e ele não sabe nem como se pega num paciente, não consegue conversar com o paciente, eu vi isso aqui dentro da Escola, com uma doutora excelente, um currículo maravilhoso, ela não está mais aqui.... Um dia um pai me procurou ‘o meu filho não vai ser atendido por aquela Senhora não, pode ser doutora, pode ser o que for mas ela está com medo do meu filho, ele nem abriu a boca ainda e ela já está apavorada.’” (Professor 9)

Diversos professores defendem os antigos Especialistas de grande habilidade técnica,

alguns deles contrários ao Projeto Alternativo, que permaneceram na Escola, e os consideram

fundamentais no trabalho das Clínicas Integradas.

“Eles não se titularam e nem vão se titular e graças a Deus que o MEC aceita aquele percentual mínimo de Especialistas porque se nós não

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tivéssemos eles aqui nas Clínicas, olha, a gente estaria perdido...” (Professor 9)

“Nós temos muitos professores que apesar de terem se especializado, de alguns terem se titulado, são ótimos na clínica, que são justamente aqueles professores que estão aqui desde que se formaram, ou que passaram pelo ensino da clínica integrada desde o início.” (Professor 4)

As entrevistas demonstram, no entanto, que o convívio entre os titulados, em média

mais jovens e com menos tempo de casa e os dentistas com larga experiência profissional, em

média mais velhos e com mais tempo de casa, nem sempre tem sido tranqüilo. Alguns chegam

a apontar esse como “o conflito” do Curso nos dias atuais, que assim como no caso do Projeto

Alternativo, ocorre na sala de aula, nas Clínicas Integradas. Vale lembrar que em uma dessas

aulas podem chegar a conviver quatro professores, com quatro grupos de oito alunos,

considerando a capacidade da Clínica de trinta e dois equipos. Observamos ainda que apesar

do reconhecimento da direção da Escola, há um certo ressentimento desses excelentes

dentistas, em relação aos mais novos e/ou titulados, em função de não se sentirem

devidamente respeitados por sua experiência e habilidade técnica.

Com relação a esse aspecto Felippe constata uma mudança na relação de força entre os

professores das IES, da rede privada, com o aumento acelerado do índice de titulação que

possui duas contribuições: uma dos professores da casa e outra dos novos docentes já

admitidos titulados. Particularmente em relação ao corpo docente da FO PUC Minas, o autor

constata que:

“Os primeiros já são professores, muitos há longos anos, tendo sido admitidos na Universidade quando esta privilegiava a formação profissional, perspectiva na qual vinham trabalhando até pouco tempo. Seria natural que tais professores privilegiassem a prática profissional, transmitindo o que sabem fazer e colocando a teoria em um papel subsidiário. Os novos professores recém admitidos, entretanto, trazem em sua bagagem a titulação, mais do que a experiência profissional. Sua tendência é a de valorizar a teoria e a pesquisa, deixando a prática profissional em um lugar secundário.” (Felippe, 2001, p.97)

Um dos entrevistados ressalta que a exigência da Universidade até pelo menos a

metade dos anos 90 era que todo mundo fosse Especialista, e que não havia nenhuma

resistência por parte do corpo docente do Departamento, em especializar-se, muito pelo

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contrário. De fato, no início dos anos 80 quando foram oferecidos os Cursos de Especialização

em Odontologia Social e Clínica Integrada, faltaram vagas para tantos interessados e no início

dos anos 90 quando foram oferecidas as Especializações em várias áreas técnicas também

houve uma correria similar, sem nenhum tipo de pressão. O fato de não existirem muitos

titulados nos anos 70 e 80 parece estar muito mais ligado à postura da Instituição do que ao

Projeto Alternativo. Felippe partilha da mesma posição:

“A valorização da prática profissional e a adesão a um projeto de curso têm sido substituídas, pouco a pouco, pela posse da titulação, como condição de entrada e de permanência no corpo docente do Curso. Além disso, a valorização da teoria, da pesquisa e da produção acadêmica tem sido colocada como requisito básico para a atividade docente. Mudaram, portanto, as condições para ser professor universitário e a própria definição da atividade docente na Universidade. Essa nova configuração do campo da Universidade Brasileira, que atingiu a Faculdade de Odontologia, em seus princípios de organização e funcionamento, não poderia deixar de produzir disputas entre os participantes em torno não só das concepções da atividade docente, mas principalmente do valor das posições de poder ocupados pelos professores.” (Felippe, 2001, p. 102)

Os equívocos da Simplificação

Foram relatados por muitos, os equívocos da operacionalização da Odontologia

Simplificada praticada no Departamento. Em sua concepção, a prática dessa Odontologia

deveria otimizar a utilização dos recursos humanos, técnicos e metodológicos, possibilitando

ampliar a cobertura do atendimento sem comprometer a qualidade do mesmo. Com esses

preceitos respeitados, segundo uma boa parte dos entrevistados, essa Odontologia teria seu

espaço até os dias de hoje.

“Apesar de toda a dramática saturação de mercado, a Odontologia é muito cara para a população, a lógica do ponto de vista de baixar custo é baixar qualidade, não modificar o processo de trabalho de forma que ele passe a ser acessível à população. Agora se eu tenho uma técnica que possa simplificar uma série de passos eu posso fazer um trabalho mais barato com a mesma qualidade ou até com qualidade superior.” (Professor 8)

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“Existem as clínicas ‘populares’, de baixo nível mesmo, elas não tem relação nenhuma com a Proposta Alternativa, o negócio é produção e pronto.” (Professor 1)

“Eu acho que teve uma distorção muito grande na Simplificação. Simplificação não era aquilo não, a Simplificação foi usada indevidamente. O que se almejava era levar a Odontologia para todo mundo, simplificando através de determinadas condutas, não simplificando sem acompanhar o progresso da Odontologia, em termos de equipamentos.” (Professor 9)

“Houve uma confusão que foi considerar que a Odontologia Simplificada não é uma Odontologia de qualidade. Na verdade essa Odontologia não é sofisticada, mas é de alto padrão.” (Professor 5)

“Essa palavra ‘Simplificação’ foi uma confusão tremenda porque começou a simplificar pelos equipamentos. Não é que a gente iria se formar, comprar um consultório e ficar na Savassi ou no Mangabeiras5, a gente queria um consultório normal.” (Professor 9)

Se naquela época se pecava por direcionar excessivamente a formação do profissional

em função do perfil epidemiológico da população, atualmente, segundo alguns entrevistados,

corre-se o risco de se pecar pelo contrário, o que acabaria por gerar novos equívocos.

“Naquela época, arrancar dentes e fazer dentadura eram as primeiras coisas que a gente aprendia. Hoje, os alunos não sabem fazer dentaduras e se formam sem saber. Sabe porque? Porque isso é de menor valor! Mas como é de menor valor, se a população precisa disso e precisa de dentaduras bem feitas, bem adaptadas, que não provoquem feridas....” (Professor 2)

“Alguns colegas debocham, ficam criticando os alunos quando fazemos uma prótese, isso não usa mais não, faz um implante. Como colocar ou sequer propor um implante que custa, no mínimo, R$ 3000,00, para um paciente pobre que pode resolver seu problema com uma prótese excelente, bem adaptada por muito, muito menos? E eu deveria apenas ensinar tecnologia de ponta? (Professor 1)

“O fato é que elas [as pessoas de baixa renda] vão ao centro da cidade comprar dentadura do dentista-prático, que é basicamente quem faz prótese total atualmente. Pergunte para o pessoal do câncer pra você ver

5 Bairros de classe média alta e classe alta, na época.

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em que pode resultar uma prótese mal adaptada... Sabe, às vezes eu sinto que sou um Dom Quixote, lutando com esses moinhos de vento sendo que o que dá status é ser um centro de excelência...” (Professor 2)

Apesar desses testemunhos, que são praticamente desabafos, esses professores

acreditam que é possível conciliar tecnologia moderna e simplificada e que as duas devem ser

ensinadas e praticadas para serem adaptadas segundo o contexto de atuação profissional, sem

deixar de vislumbrar a possibilidade de expansão de atendimento e a melhoria da qualidade de

saúde da população.

A habilidade prática

Todos os professores destacaram o diferencial da formação prática dos egressos da

PUC, que tem sido reconhecido, ao longo dos anos, pelo mercado de trabalho, como uma

grande marca, remanescente do Projeto Alternativo, embora nem todos estejam seguros de que

esse diferencial permaneça no atual currículo, preferindo aguardar um estudo futuro que

possibilite verificar a inserção no Mercado do novo profissional formado pela Universidade, a

partir de 2002. Na discussão dessa capacitação surgiram vários aspectos polêmicos do passado

e do presente, vários deles de caráter não exclusivamente técnicos, com relação às clínicas

integradas, as clínicas extramuros e aos estágios. Daremos voz a essa discussão.

Iniciando pelas clínicas extramuros, observamos que todos, que se manifestaram a

respeito, concordam que algo foi perdido na formação do aluno com o fechamento das clínicas

extramuros, mas diferem com relação ao significado dessa perda.

“O fechamento das clínicas tem dois enfoques: do ponto de vista administrativo foi ótimo, era como se você tivesse três, quatro faculdades, você não vê os professores, não sabe direito o que acontece lá, agora aquela parte do espírito social de ir até à comunidade, realmente aquilo se perde mesmo um pouco.” (Professor 9)

“A Escola perdeu muito, nós tínhamos várias clínicas extramuros que prestavam assistência a esse pessoal carente, hoje esse tipo de atendimento ficou em segundo plano e mesmo os pacientes carentes atendidos aqui, eu acho que eles são mais atendidos com finalidade de, digamos assim, de servir como cobaia aos alunos, não existe um monitoramento e um acompanhamento adequado, o paciente abre a boca e ... ele está bom para o período tal e ele vai para lá. Nas clínicas

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extramuros havia uma assistência mais global, era uma odontologia alternativa e eu acho que se resolvia mais e melhor o problema do paciente.” (Professor 1)

“Para mim, o fechamento das clínicas foi um retrocesso porque apesar de ter aquele desconforto para o professor e para o aluno de ter que se deslocar da Escola para outras realidades eu acho que falta essa convivência, esse contato...” (Professor 7)

“No currículo anterior, o aluno trabalhava a prática numa perspectiva de tempo mais livre, em clínicas extramuros, clínicas assistenciais numa visão de clínica integrada. Hoje é diferente, a clínica está muito mais marcada como clínica de disciplina, uma clínica onde você tem o paciente ali como manequim, o paciente já tem uma programação do ponto de vista do que o professor precisa ensinar, uma clínica muito mais organizada para aquilo que o aluno deve ver em cada etapa, em cada disciplina e não para que o aluno veja a realidade do paciente. Eu acho que isso tem repercussões sérias do ponto de vista do ensino e da formação profissional, que nós veremos futuramente.” (Professor 8)

Percebe-se nitidamente a existência de pequenos grupos, entre os remanescentes,

entendidos por uns como focos de resistência e por outros como focos de construção, que tem

reconquistado cada vez mais espaço e aceitação na própria Faculdade, em função de grande

esforço pessoal. Os frutos deste esforço já estão surgindo e tem sido recentemente muito

divulgados e reconhecidos internamente.6 Esses grupos têm retomado pesquisas, da época

áurea do Projeto Alternativo, além do trabalho de atendimento junto à comunidade em

projetos específicos de extensão e de estágio. Destacamos alguns depoimentos onde fica

evidente o esforço e entusiasmo desses professores.

“Naquela época nós pesquisávamos técnicas alternativas na confecção de dentaduras porque existia, e existe até hoje, uma grande demanda no Brasil que não é suprida pelo poder público. Depois que o contrato com a FINEP acabou, o projeto foi se dissipando, nós nos distanciamos e agora nós retomamos essa pesquisa, conseguimos um convênio com a Prefeitura, num centro de atenção secundária, a Fundação Valdomiro Lobo, onde funcionava uma clínica extramuro da Universidade, conseguimos carga horária pra isso, a PUC doou os equipamentos antigos e estamos só aguardando que a Prefeitura termine a reforma

6 Centro de Odontologia Social resgata cidadania de comunidades carentes. PUC MINAS, Belo Horizonte, ano 15, n. 231, jun. 2001; Estágios empolgam futuro dentista. PUC MINAS, Belo Horizonte, ano 15, n. 233, set. 2001

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para irmos pra lá. Nós vamos fazer a pesquisa, será produzido um certo número de dentaduras por mês e a prefeitura vai prestar o serviço à população carente. Conseguimos, com nossa ânsia de melhorar, essa coisa que mexe com a gente de querer fazer mais para a sociedade e isso mostra que as coisas vão e vem...” (Professor 7)

“Nós tivemos todo o apoio do Prof. Eugênio na época, mas depois que ele saiu, a pesquisa acabou se perdendo e agora nós vamos ter a oportunidade de retomar esse trabalho que possibilitará o atendimento do pessoal mais carente, são próteses totais alternativas, com diminuição de passos em sua construção, sem alterar a qualidade do resultado e eu acredito que vamos conseguir uma redução de cerca de 50% nos custos, o que permitirá ampliar a cobertura desse serviço. Para o paciente vai ser de graça porque será pago pelo SUS e pela Prefeitura” (Professor 1)

Embora existam entre os remanescentes do Projeto Alternativo, várias pessoas com

capacitação técnica e várias pessoas com sensibilidade para o trabalho social, um dos

entrevistados apontou que não tem sido simples encontrar as duas qualidades, igualmente

importantes, no mesmo profissional, dentro de sua especialidade.

“Falta para mim uma equipe de pessoas que tenha conhecimento técnico, que possa me acompanhar nessas pesquisas porque os mais antigos que ficaram com resquícios desse pensamento [voltado para o Social], não tem muito conhecimento técnico, não adianta também você ficar apenas na teoria da política de saúde, de sociologia e na hora da prática a pessoa não entende nada daquilo, o que acontece muito. Não adianta também ter só a técnica e não ter sensibilidade ...” (Professor 1)

Outra questão interessante colocada por vários entrevistados é que esses espaços de

trabalho na perspectiva mais social da Odontologia têm sido ocupados com facilidade e com

autonomia porque não há ninguém mais interessado em fazê-lo. Afirmam ainda que a

interlocução para esses projetos tem sido feita via Pró-reitoria de Extensão e não através da

Faculdade como acontecia no passado e que posteriormente foram incorporados e assumidos

pela direção da Escola, aonde se encontram atualmente. O depoimento a seguir esclarece como

se deu a retomada desses projetos sociais.

“Um dia eu me vi no meio daquela praça maravilhosa da Universidade apavorada porque eu tinha acabado de receber a notícia de que todas as clínicas extramuros seriam fechadas porque tudo voltaria ao Campus

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onde seria montado um ‘centro de excelência’. Fui ao Pró-reitor de Extensão, ele não me conhecia, expliquei quem eu era, que eu tinha me formado na época do Eugênio, que eu acreditava em outra coisa, que a população está chorando de dor de dente, se mutilando, arrancando dente com alicate... e era a época das demissões, o meu marido me falou que eu iria perder o emprego, eu dizia não vou porque tem coisas que a gente acredita e comecei a me envolver nessa Pró-reitoria e quando eu vi estava construindo um projeto junto com a Cristiana, que é outra aliada, chamado ‘PUC mais Saúde’ que envolvia todos os convênios para fora da Universidade junto com a Secretaria da Saúde, de uma certa forma eu tinha assumido isso lá na Pró-reitoria...” (Professor 2)

“A Pró-reitoria me mostrou, por exemplo, que havia uma demanda do Projeto Providência. Quando eu vi a obra do Padre Mario, eu vi o ‘tamanhozinho’ que eu era, as duas dentistas que trabalham lá hoje, são egressas da PUC e agora fazem nosso curso de Especialização em Saúde Coletiva e supervisionam nossos estagiários.” (Idem)

Os vários projetos de extensão na área de Odontologia, assumidos inicialmente pela

Pró-reitoria de Extensão e mais recentemente pela Faculdade mostram que o interesse da

Universidade, em atendimentos comunitários, persiste com a diferença que no Projeto Original

essa era a política do Departamento e agora ela depende do trabalho e esforço de professores

remanescentes daquele Projeto. Embora alguns desses projetos sejam mantidos quase que

exclusivamente pela PUC, a tendência é que a expansão dessas atividades de Extensão se

viabilize principalmente quando vierem acompanhadas de recursos próprios.

Dentre essas atividades de Extensão, encontramos uma proposta de estágio

extracurricular que tenta suprir, e até mesmo superar a proposta do Projeto Alternativo de

contato do aluno com a realidade, que era viabilizado na época, através das clínicas

extramuros. Segundo um dos entrevistados, o atendimento nos clínicas, permeado pelo

contexto do ensino, que envolvia a relação professor-aluno e a avaliação, era, de fato, uma

simulação da realidade enquanto que no estágio atual, o aluno, distante do professor e do

contexto pedagógico, enfrenta pela primeira vez a realidade dos pacientes, exercitando sua

autonomia e respondendo, não ao professor, mas ao profissional responsável pela prestação

dos serviços. O problema desta atividade extracurricular é que ela não atinge a todos os alunos

e que ainda não é uma prioridade da Escola. Existem atualmente cinco projetos, dois

professores e setenta alunos envolvidos, que foram recrutados entre aqueles que se destacaram

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em Odontologia Social, num processo de seleção que lembra o “pinçamento” de alunos feito à

época do Projeto Alternativo.

“O Projeto do Jardim Felicidade está no segundo ano, nós conseguimos recursos da Itália7, eu vou lá aos sábados à tarde conversar com as famílias, é um projeto FIP8, continuação da minha dissertação. Nós temos dois consultórios super bem equipados, a dentista que está lá é nossa ex-aluna, nós que selecionamos e atualmente ela faz nosso curso de Especialização, esses vínculos nós fomos montando, ele vem fazer a Especialização para entender mais sobre Saúde Coletiva e ele supervisiona em loco o nosso estudante que faz estágio lá e com isso a gente quer voltar a construir aquela contra-cultura ou é aquela mesma, recuperando talvez...” (Professor 2)

O projeto pedagógico

Vários professores ressaltaram a importância e o pioneirismo do projeto pedagógico

como sustentação ao Projeto Alternativo, numa época em praticamente nenhum Curso de

Odontologia se detinha sob essa questão.

“Na época a gente não tinha notícia de um projeto de curso, você tinha uma formação de currículo que era uma distribuição de disciplinas, matérias, não existia um projeto pedagógico, uma justificativa, hoje isso está muito claro...” (Professor 3)

“Nós fomos de um mesmo grupo da Federal e durante a avaliação que fizemos da nossa graduação, sentimos que o projeto pedagógico, não sei se a gente pode falar que existia um projeto pedagógico, era de uma Odontologia tradicional demais, uma Odontologia importada, que não estava inserida dentro da problemática da comunidade.” (Professor 5)

“Em 80/81, havia aqui um discurso preventista que diferenciava o nosso aluno em sua formação. Hoje, vinte anos depois, nós vemos que outras instituições incorporaram esse discurso em seus projetos pedagógicos,

7 Este Projeto, em parceria com a Universidade de Bolonha, permitiu a criação do Centro de Odontologia Social, que atende crianças e adolescentes de vários bairros, entre os quais o Jardim Felicidade, todos da região noroeste de Belo Horizonte. 8 FIP é o Fundo de Incentivo à Pesquisa da própria PUC Minas, ligado à Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação. Nessa pesquisa intitulada “Um estudo exploratório sobre estratégias familiares de cuidados com a saúde bucal”, a autora entrevista, com o auxílio de dois bolsistas, de casa em casa, a população de baixa renda para saber como eles constroem uma estratégia de saúde bucal uma vez que a maioria deles não tem acesso ao dentista.

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não da maneira como era feita aqui, mas se apropriando daquele discurso que era diferenciado, transformando-o numa prática hegemônica.” (Professor 7)

‘Há trinta anos nós falávamos de projeto pedagógico, isso foi cooptado pelo discurso oficial, hoje todos fazem projeto político-pedagógico, mas isso não existia e nos implantamos na Odontologia e o Curso da PUC fez com que os professores e os profissionais da Odontologia pensassem...” (Professor 3)

Ainda que a política educacional vigente tenha incorporado em seu discurso o projeto

político pedagógico, como uma exigência, a ser avaliada pelas Comissões de Especialistas de

Ensino, vários professores do Curso se ressentem da ausência de um projeto consistente, como

sustentação ao atual currículo.

“Nós não temos um plano pedagógico, temos algumas idéias, o currículo foi montado com os professores, foi feito todo um quebra-cabeça, mas não foi feito como o Eugênio fez, ele tinha uma lógica, ele tinha uma teoria para seguir, o currículo de hoje não tem teoria, ele tem uma visão prática e tenta atender todos os gostos, não tem nenhum conteúdo teórico por trás, não é a população, não é a doença, não é o mercado, poderia até ser o mercado, mas ele não tem essa direção...” (Professor 6)

“Eu acho que não temos um projeto pedagógico, ou temos, mas não é o que a gente gostaria que tivesse, o projeto é tentar fazer essa odontologia de ponta, centro de excelência, mas não discute o que é excelência de uma prática profissional além do tecnicismo, fizeram um prédio lindo, acho que financeiramente tem dado resultado, acho que a Universidade com a Pós-graduação tem muito a ganhar, mesmo se ela for tecnicista, ela tem a ganhar, acho que abriu outro espaço, entrou mais gente, tem gente de todos os lugares, hoje não tem uma linha de docentes.” (Professor 2)

As perspectivas do Curso e do Mercado de Trabalho

“A Escola hoje segue muito esse caráter do sucesso, do consumo, da sociedade do consumo e é difícil fugir dessa tendência porque ela é hegemônica no mundo.” (Professor 3)

“Hoje nós voltamos, estamos com consultórios de ponta, de última geração, muitos alunos irão se formar aqui e não vão conseguir comprar

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um consultório todo acionado por pedal como o que nós temos aqui.” (Professor 9)

“Se você pegar um jornal da classe vai ver quantos alunos estão vendendo consultório, recém formados, porque o investimento é grande, de vez em quando eu encontro algum colega desesperado sem saber o que fazer porque investiu tanto e não está tendo clientes.” (Professor 5)

“Não existe nenhuma equivalência entre a pesquisa, a produção científica, a evolução tecnológica e o aumento dos recursos humanos em face ao quadro epidemiológico e a melhoria da saúde bucal e, portanto, a Odontologia continua sendo um privilégio de classe.” (Professor 5)

Vários professores apontam a concorrência cada vez mais acirrada entre os

profissionais especializados, na disputa pela estreita fatia da população que pode pagar pelos

serviços mais sofisticados. Segundo um desses professores, a redução de clientes tem feito

com que, mesmo os mais consagrados, chamados de “medalhões”, busquem na formação de

recursos humanos, sua nova fonte de renda. Eles organizam Cursos e cobram caro para formar

uma equipe altamente preparada, com tecnologia moderna, criando nesses alunos a ilusão de

que eles estarão preparados para competir num mercado de trabalho que está cada vez mais

restrito. A divulgação desses Cursos, entre os alunos, acabou pressionando a Universidade.

“Os próprios alunos acabaram também pressionando pela sofisticação do Curso, eles iam ver conferências desses monstros sagrados da Odontologia e se entusiasmavam, não era nosso objetivo trabalhar para uma faixa estreita da população, até porque não existe mercado para isso. A fatia das pessoas que tem alto poder aquisitivo e podem pagar tratamentos sofisticados e caros é muito pequena e já está ocupada, é uma ilusão achar que esses alunos vão ter oportunidade de aplicar recursos de alto nível tecnológico, mas é isso que eles querem aprender e a Escola acabou optando por ensinar...” (Professor 5)

Um outro professor observa que tem aumentado consideravelmente a procura pelo

Curso de Especialização em Saúde Pública da PUC Minas e que provavelmente esse fato se

deve muito mais por uma questão de mercado do que em função de uma consciência política

para um trabalho voltado para a Odontologia Social. Outro entrevistado observa que a visão

do aluno costuma mudar durante o Curso e que vários deles acabam se entusiasmando

verdadeiramente pela perspectiva do trabalho em Saúde Pública.

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“Estamos tendo uma procura maior porque o setor público representa hoje a maior e mais concreta oferta de trabalho para o dentista. No Programa de Saúde da Família, um dentista ganha cerca de R$ 3.500,00, que é um bom salário.” (Professor 2)

De fato com a inclusão recente da Odontologia no Programa de Saúde da Família9,

PSF, poderão ser gerados, no Brasil, dez mil novos empregos para a equipe odontológica, até

2002. O Programa de Saúde da Família funciona a partir de um mapeamento de

territórios-processo10, aos quais são alocadas as equipes de saúde. Cada equipe tem a função

de fazer o cadastramento e o diagnóstico das características sociais, demográficas e

epidemiológicas, identificando os principais problemas de saúde daquele território e

estabelecendo, em conjunto com a própria comunidade, um plano de ação para enfrentar esses

problemas.

Embora atualmente, se pratique, mesmo nos projetos de Extensão, uma Odontologia

tradicional, sem sofisticação, um dos entrevistados tem verificado que aquela Odontologia

Simplificada, aos moldes do Projeto Alternativo, concentrada na restauração simples, na

extração e na prevenção, de alta produtividade, seria avançadíssima se comparada à realidade

que muitos enfrentam hoje em várias regiões pobres na periferia de Belo Horizonte onde

grande parte da população não tem acesso ao dentista. O entrevistado insiste que aquela

Prática Alternativa não só não estava errada como seria perfeitamente aplicável às regiões

mencionadas, com melhorias significativas da saúde bucal.

“Eles mesmo estão tirando os dentes porque, nem dentista para arrancar os dentes eles podem pagar, o povo continua morto de dor de dente, é isso que eles me falam o tempo todo nas entrevistas. Os meninos até que estão com os dentes bons e são atendidos pela creche quando tem problemas, mas os pais e os irmãos adultos me contam como eles lidam com aquela dor que dura de manhã até a noite porque eles não têm como resolver o problema. A ‘novalgina’ é a Odontologia dessa

9 A portaria nº 1444 publicada no Diário Oficial da União, em 28/12/2000, estabelece a criação do Incentivo de Saúde Bucal para o financiamento de ações e da inserção de profissionais de saúde bucal no Programa de Saúde da Família, considerado pelo Ministério da Saúde, como uma estratégia de consolidação do Sistema Único de Saúde, SUS. 10 Território -processo é um conceito que envolve a dinâmica de vida da comunidade, com fatores sociais, ambientais e culturais de uma dada região. Cada equipe de Saúde da Família é responsável por um “território”, com uma população de 2400 a 4500 pessoas. Ver: PSF: mercado para a Odontologia, melhoria de vida para a população. Jornal do CROMG, Belo Horizonte, ano 20, n. 112, p. 13-14, nov./dez. 2000.

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população de classe baixa e nem aquela Odontologia Simplificada chegou lá...” (Professor 2)

Um dos entrevistados aponta que a Academia está se fechando para a área dos Serviços

e que o setor acaba se organizando a sua maneira sem contar com a importante contribuição da

Universidade e esta, por sua vez, acaba perdendo um interessante reduto de pesquisa.

“O Serviço é uma fonte enorme de pesquisa que a Universidade não está sabendo aproveitar. Antes estes setores caminhavam juntos e este Departamento contribuiu muito em relação a isso, vários projetos foram feitos no serviço público, em função da pesquisa realizada pela Universidade.” (Professor 8)

O reconhecimento do Curso

A questão do reconhecimento do Curso e diante de quem houve esse reconhecimento

foi um dos aspectos mais controversos, apontados pelos entrevistados. Não há dúvida de que a

Escola tenha sido modelo para várias outras, que tenha sido visitada inclusive por Escolas e

representantes de outros países da América Latina, mas não há consenso sobre a dimensão e o

significado desse reconhecimento. Como já discutimos no capítulo anterior o Departamento

não teve o cuidado nem mesmo o propósito de efetivamente registrar seus avanços, seus

pioneirismos, utilizando-se, de meios de comunicação, alternativos, como a divulgação restrita

dos trabalhos já mencionados. Como a rede de relações bem articulada da época começa a se

dissipar com a saída dos fundadores e com os rumos do contexto político-econômico dos anos

80, a riqueza daquela experiência tende a se perder com o tempo e depende, no aspecto

específico do reconhecimento, basicamente de testemunhos. Alguns afirmam que o prestígio

do Curso só existia diante daqueles que queriam mudar o mundo, de uma ala especifica de

“esquerda” e outros não concordam absolutamente com esse ponto de vista.

“Não acho que a academia reconhecia o Curso, o reconhecimento ficava restrito às alas de esquerda que existe até hoje em todas as escolas de Odontologia, a ala da Odontologia Social. Então dependendo muito da Escola, dependendo do poder político da ala da Odontologia Social dentro das escolas, a gente tinha maior ou menor aceitação.” (Professor 4)

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“Não tem nada de esquerda, o reconhecimento era pela proposta dentro de um país pobre e era uma referência porque você podia, mais ou menos, transferir para a Colômbia, Venezuela a problemática brasileira. Dizer que foi uma coisa de esquerda é uma maneira de neutralizar, de encobrir um Projeto que foi aceito e tinha o aval da OMS [Organização Mundial da Saúde], com distribuição de recursos daquelas mantenedoras...” (Professor 5)

“O Curso tinha o apoio da OMS [Organização Mundial da Saúde] e da OPS [Organização Panamericana de Saúde] porque o Eugênio era ligado à OMS e o Cordón11 era ligado à OPS mas era uma coisa muito do pessoal voltado para o Social, é um pouco o pessoal da esquerda da Saúde Pública12. Na Venezuela, no Ceron, a gente quis saber qual era a repercussão do Curso daqui, do Eugênio mas descobriu que quem era mais conhecido lá era o Renato, da Federal, então a gente tinha muito mais reconhecimento interno, no Brasil, do que para fora. Brasília, no Paraná, no Rio Grande do Sul, São Paulo...” (Professor 6)

“Não tem nada de esquerda, o problema é que a tese do humanismo foi descartada, foi desmoralizada, foi substituída por cartas e mais cartas e declarações de direitos humanos, e tudo em nome da ética, dizendo que isso tudo que a gente acreditava foi hipocrisia, que não resolveu nada no mundo. E nós vivemos hoje o que? O ocaso de um sistema que supervalorizou a condição material do ser humano e deixou de lado a solidariedade, a prudência, as virtudes essenciais do ser humano, a generosidade, a fraternidade, a igualdade...” (Professor 3)

“Eu acho que o Projeto teve um certo reconhecimento num determinado momento e logo depois passamos a sofrer o estigma de que o Curso era péssimo e o lado bom não aparecia. Hoje eu acho que o Curso tem reconhecimento da própria UFMG e de outras instituições fora daqui.” (Professor 9)

“Dentro da minha visão, o Curso era mal visto diante da prática institucional hegemônica e era muito bem visto diante daqueles ligados a um discurso social que se desenvolvia na América Latina, naquele momento e que viam naquela prática uma forma de mudança da sociedade daquela época. Hoje, ela [a Escola] se transformou, se fixou como mais uma Escola de Odontologia, que o pessoal pode vir para cá ou não e que é muito escolhido, principalmente entre os alunos

11 Professor já citado no capítulo anterior, muito articulado com o Departamento, particularmente em sua primeira década de existência. 12 O entrevistado esclarece que mesmo hoje na Saúde Pública existem os epidemiologistas e os sociais. Os epidemiologistas são aqueles do método, da matemática, da estatística, enquanto que os sociais se pautam mais pelas ciências sociais.

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transferidos, por ser privada e estar localizada onde eles residem, eu não vejo um diferencial não. Existe a vontade e o empenho da nova direção em fazer com que ela seja um centro de excelência, mas condição para isso ela ainda não passou, principalmente para nós que somos aulistas, eu não vejo essa visão em voga não.” (Professor 7)

“Eles [as pessoas de fora] achavam, e isso intimidava a gente demais, que o dentista que se forma na PUC é um dentista simplificado porque a filosofia da PUC é essa, essa Odontologia Social, então o dentista da PUC é diferente dos outros, ele é simplificado até em termos de conteúdo, de conhecimento... a imagem que sempre ficou foi essa, agora ninguém falava que nos concursos os alunos da Católica eram sempre muito bem classificados, isso ficava num segundo plano. Olha foi um estigma, a gente carregou isso por muito tempo.” (Professor 9)

“Ela [a Escola] tem se recuperado de uns anos para cá e tem conquistado um reconhecimento que ela nunca teve, justamente da ala que considera a técnica, a excelência, a excelência técnica como valor essencial. E olha que essa coisa do Provão deu uma baixada no conceito das escolas particulares, uma coisa fantástica, a gente fica vendo quando conversa com outros dirigentes de Cursos de Odontologia. Hoje existem as Federais, as públicas e o resto e isso fica muito claro, o Provão acentuou isso demais. Então, se a gente hoje está conquistando um determinado espaço, ele é um espaço muito mais difícil de ser conquistado porque hoje, com todos os questionamentos do Sistema de Avaliação, você tem algo palpável, tem indicadores para serem perseguidos” (Professor 4)

Alguns professores preferiram destacar que havia certamente um “conhecimento” e

não necessariamente um “reconhecimento” da experiência desenvolvida no Departamento e

que até hoje quando mencionam, em congressos externos, que pertencem à PUC Minas, são

lembrados pelo Projeto Alternativo e perguntados pelos fundadores, particularmente pelos

professores Eugênio e Badeia.

A harmonia no conflito

A convivência entre linhas de pensamento distintas é notória na Faculdade hoje e é

vivenciada em todos os níveis hierárquicos, conforme podemos perceber nos depoimentos

seguintes:

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“... ele foi a favor do Projeto e eu fui contra e na hora de pensar os equipamentos da Faculdade, ele tinha uma idéia e eu tinha outra. Eu queria tudo super moderno, de primeira linha, com funcionamento de pedal em tudo e ele dizia que isso era uma bobagem, que não precisava de tudo aquilo e acabou que a gente teve que entrar num consenso e isso foi maravilhoso.” (Professor 9)

“No momento atual a gente convive bem com as visões diferentes, acho que a gente amadureceu, a ponto de ver que não é só o ponto de vista da gente que tem que sobrepujar o de todo mundo, eu acho que você tem que abrir o seu leque de conhecimentos sim e saber ouvir, saber incorporar, ter humildade para saber quando errou também porque a gente cometia erros em nome de uma prática diferenciada. A gente se formou melhor tecnicamente, sem deixar de lado aquela visão de prática odontológica, de querer levar essa prática a serviço de uma população.” (Professor 7)

“O pessoal lá [na Federal] falava que o aluno da Católica era muito bom na prática, mas ele não era bom na teoria. Realmente a prática era muito bem cobrada e a parte teórica deixava um pouco a desejar mesmo, eu vivia comparando isso, nesse tempo em que eu convivi nos dois ambientes. Eu cheguei à conclusão que o aluno da UFMG era muito bom na teoria mas na prática ele também deixava a desejar. Uma coisa vai contrabalançando com a outra. Então quando nós fizemos a nossa reforma curricular, nós fomos equilibrando a teoria com a prática” (Professor 9)

Um dos entrevistados destacou que a UFMG vive uma fase semelhante de harmonia no

conflito, podendo caracterizar que vivemos uma época em que não há espaço para a

radicalização, nem para a confrontação como era natural nas décadas de 70 e 80.

“Na Federal também tem um grupo que veio de Bauru que confronta com o pessoal da Saúde Coletiva, mas eles agora estão em harmonia tanto que o diretor que foi eleito veio de lá, mas é uma pessoa muito aberta.” (Professor 5)

A compreensão da mudança

“A instituição foi mudando sua visão, é uma instituição Católica, mas é privada que tem que ver essa questão de sobrevivência dentro do mercado, a procura pelo vestibular está diminuindo, na minha época

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eram 38 e agora são 6 candidatos por vaga, o mercado de trabalho do profissional em Odontologia tem piorado muito, a lei de diretrizes e bases mudou e incorporou novas exigências, com isso tudo você tem que ver que a Escola teve que mudar.” (Professor 7)

“Hoje a gente está vivendo a fase Takão que é a fase da excelência, da busca pela pesquisa e pela pós-graduação, estamos entrando numa fase que eu chamaria de maioridade.” (Professor 4)

“Era um processo que não era disciplinar, era institucional. Talvez o que tenha mudado seja a idéia institucional da direção.” (Professor 3)

“Eu não encaro essa mudança como a chegada do mal, ela se deu no contexto de uma política globalizada, eu vejo uma preocupação muito grande dele [Takão] com essa questão da pesquisa que eu considero fundamental porque se uma Escola não tem pesquisa, não produz conhecimento, você acaba formando apenas para o mercado de trabalho, eu acho bom isso mudar. Eu só tenho medo de como isso vai se dar numa instituição privada sem condição num país sem recurso como o nosso. Isso pode ser um discurso muito bom agora, mas a gente tem que esperar e ver, num estudo futuro...” (Professor 7)

As reminiscências

Uma das reminiscências apontada foi a permanência do espírito inovador no

Departamento, que continua acompanhada de um débil processo de divulgação. A PUC foi

pioneira, por exemplo, na introdução da clínica na Patologia Bucal, que até então era

ministrada apenas em laboratórios de análises clínicas e posteriormente na remodelagem da

Estomatologia; na introdução da Clínica na Odontologia Social que era tradicionalmente uma

disciplina teórica13 e atualmente na remodelagem da mesma disciplina, diretamente vinculada

aos projetos de estágio extracurriculares; na introdução do aluno de primeiro período, na

clínica, auxiliando o aluno dos últimos períodos, reexplorando as idéias da formação

multiprofissional ou transprofissional, como enunciou um dos entrevistado.

Algumas dessas reminiscências foram explicitamente indicadas, outras ficaram

subentendidas, como se fosse uma marca genética, naqueles que acreditaram naquele Projeto.

13 Esse aspecto já foi revisto, os próprios professores da disciplina reconheceram que esse foi um dos equívocos do Projeto pois existe muito conteúdo importante a ser trabalhado em Saúde Pública e na concepção curricular dos fundadores, praticamente tudo perpassava a prática e a luta pela expansão no atendimento da população marginalizada.

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“Ficou essa própria mentalidade do professor aceitar ‘eu sou Especialista em endodontia, mas aqui eu estou na clínica geral...’.” (Professor 4)

“Acabou ficando a produção, a produtividade, a prática, isso eu não tenho dúvida. Isso o Provão não avalia, não tem como avaliar, mas o mercado avalia. O aluno da PUC ainda sai com muito mais prática, mesmo no novo currículo, apesar do aumento da carga horária teórica relativamente à prática, ainda assim ele tem uma carga horária muito boa... Eu não tenho elementos para afirmar isso mas eu duvido que exista um outro Curso, pelo menos dentre estes que estão mais próximos da gente, que o aluno tenha tanta oportunidade de prática, isso foi uma coisa que ficou. Hoje a gente tenta incorporar mais o acadêmico que não existia, tentando não perder esse valor da prática.” (Idem)

Parece que de fato permaneceu a tendência em incorporar a prática cada vez mais na

vida do aluno. Uma das últimas experiências inovadoras do Curso, visando a integração da

Graduação com a Pós-graduação coloca o aluno de primeiro período já em contato com a

prática, exercendo o papel de THD, trabalhando a quatro mãos, em conjunto com o aluno de

oitavo período que é supervisionado pelo aluno de Mestrado. A participação nesse projeto é

uma atividade não obrigatória, extracurricular cujo interesse tem sido tão grande que foi

necessário estabelecer um rodízio para dar oportunidade a todos os calouros inscritos.

“A gente via nos estágios, eles [os empregadores] preferiam os alunos da Católica aos da Federal porque os alunos da Católica deslanchavam, eram bons de prática... E a gente continua forte nos convênios e nos estágios, não perdemos isso, a gente é contatado por Prefeituras distantes para desenvolver estágios lá, isso a gente faz muito bem junto à população, eu acho que isso ficou na PUC, isso identifica bem a nossa Odontologia.” (P9)

“O Modelo Inovado vigorou por muito tempo e eu acredito que até hoje a semente dele ainda exista.” (Professor 5)

“Eu acho que isso é igual DNA, tem um grande núcleo de professores da escola que incorporou aquelas idéias e continua trabalhando e se redirecionando dentro daqueles ideais.” (Professor 3)

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A revelação mais marcante percebida nas entrevistas e sem dúvida o maior ponto de

consenso entre os Professores, foi que praticamente todos apontaram que as mais

significativas reminiscências do Projeto Alternativo não estão na PUC e sim na UFMG.

Alguns indicaram que na Federal, eles teriam percorrido um caminho inverso ao da Católica, o

que parece demonstrar que atualmente os antigos ideais estariam muito mais próximos daquela

Instituição, que é pública do que de uma Instituição privada que, ainda que Católica, tem que

sobreviver num mercado cada vez mais competitivo. O aspecto que mais “salta aos olhos”, na

UFMG, foi a opção do layout das clínicas, em forma de roseta, recém construídas naquela

Universidade, em que foi adotada a solução em forma de roseta, largamente explorada, e

criticada por muitos opositores ao Projeto, nas clínicas extramuros da Católica, que favorecem

o trabalho a quatro mãos, modelo esse que foi completamente abandonado com o fechamento

das Clínicas Extramuros.

Exemplificamos nas fotos seguintes, clínicas extramuros que utilizavam layouts em

forma de roseta para oito e seis equipamentos. A plantas 3 e 4 do apêndice 5 mostram, em

vista superior, esses layouts, que foram bastante difundidos à época do Projeto Alternativo.

Foto13: Exemplo de clínica extramuro, em forma de roseta, para oito equipamentos.

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Foto14: Exemplo de clínica extramuro, em forma de roseta, para seis equipamentos.

Seguem vários depoimentos que permitem compreender melhor a revelação de que as

reminiscências mais importantes do Projeto Alternativo se encontram atualmente na Federal.

“Com certeza existem reminiscências. Eu fico pensando nas outras escolas que não passaram pela mesma história, fico vendo a UFMG, que na época era oposição, era o tradicional e hoje eles têm uma postura mais próxima daquele Projeto do que nós temos atualmente. Talvez porque eles não tenham passado por isso, eles estão agora vivendo determinadas coisas que a gente já viveu.” (Professor 4)

“A UFMG construiu as clínicas novas, tudo muito bonito, a faculdade é um shopping, eles chamam de ‘Odonto Mall’ e a estrutura de atendimento que eles colocaram foi o que a gente abandonou, em forma de roseta... mas eles tinham que manter isso mesmo, a instituição é federal, eles tem funcionários para colocar lá dentro, porque precisa de muito funcionário quando você monta em forma de roseta e isso já está abandonado porque você tem um gasto enorme em infraestrutura e eles voltaram naquilo que a gente começou...” (Professor 9)

“Toda essa idéia que foi abandonada aqui, foi parar na Federal e é uma coisa linda porque não são aquelas rosetas feias que a gente tinha aqui, é uma roseta high-tec, com a melhor cadeira, com um desenho arquitetônico todo estudado. Segundo Renato Martins [da Federal] tem dez anos que eles estão estudando, discutindo, tentando aprovar essa idéia na Escola inteira, não em apenas um departamento. Você entra nas

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clínicas e pensa ‘isso aqui é que tinha que ser a Católica de hoje’, ela tem um espaço enorme, externamente tem um desenho futurista, internamente tem umas oito rosetas, os professores rodando, o trabalho a quatro mãos, um espaço de clínica que se integra com o outro através de um escovódromo, o espaço é todo integrado...” (Professor 6)

“Nesse ínterim a Federal, através de um grupo que também tinha concepção idealista, um estudo crítico, deixou de ser tradicional em muitos aspectos, introduziu o conceito de Odontologia integrada que havia aqui, criou as clínicas extramuros, o estágio rural, eles avançaram muito nisso e não deixaram de ter os grupos voltados para a Odontologia tradicional que também se modificaram muito. Eles hoje têm uma concepção de dar uma formação integral, inclusive científica, com tecnologia avançada. Depois que eles construíram o prédio novo, eu não sei se há no Brasil outra escola melhor, é um centro de referência na produção de conhecimento e aqui nós ainda estamos muito modestos...” (Professor 5)

“Nós viemos com uma nova linguagem, uma teoria que assustava, mas depois elas [as outras Escolas] começaram a assimilar e a incorporar aquelas idéias, as clínicas extramuros e o atendimento comunitário que aqui fechou e talvez a Federal tivesse muito mais condição para isso ...” (Professor 3)

“A prática hegemônica acabou incorporando o que era o diferencial da época porque era coisa boa. Hoje você tem um projeto de clínica da UFMG que é o que a gente preconizava naquela época, e a gente retrocedeu, voltando ao que era a UFMG. Aqui apesar de ser tudo novo, moderno, em termos de condições de trabalho para o dentista, em termos ergonômicos, foi um retrocesso, até pelo próprio design da clínica.” (Professor 7)

“A Federal fez um processo inverso, eu não acho que as clínicas em forma de roseta significam necessariamente uma visão diferente, mas elas trazem, no mínimo, um processo facilitador, especialmente o trabalho a quatro mãos... Em relação ao estágio, a Federal caminhou para um estágio muito mais integrado aos serviços, hoje eles tem inclusive a perspectiva de internato rural.” (Professor 8)

Com relação às novas clínicas da PUC, vários professores embora reconheçam a

atualidade e os recursos dos novos equipos, fazem críticas à arquitetura das clínicas e ao

design em forma de “espinha de peixe”, adotado nas novas instalações, principalmente com

relação a sua funcionalidade e ergonomia. Segundo esses professores faltou discussão e

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planejamento conjunto entre o corpo docente e os arquitetos e as decisões acabaram sendo

tomadas apenas pela direção da Escola.

Outra possível reminiscência do Projeto Alternativo, apontada por um dos professores,

mas não confirmada pelos demais entrevistados é que o terceiro Curso de Odontologia, que

surgiu na Cidade em 2001, poderia estar tentando ocupar o espaço da Odontologia Social

deixado pela PUC. Segundo esse professor essa é uma saída bastante interessante para um

Curso novo já que as outras duas Escolas que aderiram à tecnologia avançada estão mais ou

menos no mesmo nível e um projeto alternativo bem construído daria ao novo Curso, sem

dúvida, um grande diferencial. Outro professor acredita, entretanto que se trate apenas de um

recurso de mídia e não de um projeto novo.

De fato, o slogan da propaganda do novo Curso da Cidade tem sido “O nosso

compromisso é com a Odontologia Social” e como objetivo, o Curso propõe “promover a

saúde bucal através de um ensino adequado à realidade social brasileira” e utiliza ainda a

terminologia e o discurso próprios do Projeto Alternativo.

“Com um projeto pedagógico inovador, o curso de Odontologia do Unicentro Newton Paiva dará instrumentos para que o profissional atue nos processos educativos do paciente, principalmente na odontologia preventiva, que favorece a manutenção da saúde de toda a comunidade” (Publicação..., 2001, p. 4, grifos nossos)14

Vários professores destacaram a relevância do conhecimento da história em geral, da

Odontologia e em particular da trajetória histórica do Departamento. Finalizaremos esse

capítulo com alguns desses depoimentos.

“Você tem que conhecer primeiro a sua história, a sua genealogia. Quando eu era diretor, todo aluno que chegava fazia uma disciplina sobre a história da Odontologia, isso não continuou... Até hoje eu faço isso, é só falar sobre a história, numa sala de sessenta alunos, dois ou três saem, o resto fica vidrado, eu acabei de fazer isso num Curso de Especialização em que cada um fez uma monografia sobre a evolução histórica de sua Especialidade, eu fiquei empolgado com os resultados.” (Professor 3)

14 Publicação Oficial do Unicentro Newton Paiva/Vestibular do segundo semestre de 2001. Belo Horizonte, 2001.

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“Por enquanto ainda temos pessoas que viveram aquela experiência, os mais novos não sabem praticamente nada daquilo, ainda existe uma semente, mas com o tempo isso se perde... e sem a história num projeto, num estudo, numa reflexão, por mais que se queira, não se chega a nada...” (Professor 5)

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Apêndices

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Apêndice I Recomendações da Comissão de Especialistas em Ensino de Odontologia

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Recomendações da Comissão de Especialistas em Ensino de Odontologia

Para adequar os indicadores de avaliação julgados deficientes e prejudiciais à qualidade das

Condições de Oferta dos Cursos de Graduação em Odontologia pela Comissão Externa de

Avaliação e pela Comissão de Especialistas em Ensino de Odontologia - SESu/MEC,

recomenda-se à esta instituição quanto ao:

CORPO DOCENTE

• Estimular a qualificação e o maior envolvimento semanal dos docentes com a

instituição.

• Estimular a qualificação e/ou maior envolvimento semanal do coordenador do curso

com a instituição.

ORGANIZAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

• Elaboração pela comunidade acadêmica, de forma coletiva, de um projeto pedagógico,

com detalhamento dos tópicos que o constituem.

INSTALAÇÕES

Biblioteca

• Aquisição de maior número de exemplares das obras adotadas pelas áreas, ampliar o

número de títulos de periódicos, melhorar e ampliar a qualidade dos serviços

oferecidos aos usuários, a expansão do horário de atendimento ao usuário, assegurar a

atualização das coleções de periódicos, e ampliar e qualificar os recursos humanos.

Sala de aula

• Investir na melhoria da climatização e do equipamento áudio visual.

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Laboratório de ciências morfológicas

• Instalar sala para guarda de ossos, adequar o mobiliário e a relação professor/aluno,

suprir de material de consumo, ampliar e qualificar os recursos humanos, implementar

as condições de biossegurança, adquirir equipamento de áudio visual.

Laboratório de ciências fisiológicas

• Adequar o mobiliário e a relação professor/aluno, adquirir equipamento técnico e de

áudio visual que atenda aos padrões de qualidade, suprir de material de consumo,

ampliar e qualificar os recursos humanos, implementar as condições de biossegurança.

Laboratório de microbiologia

• Adequar o mobiliário e a relação professor/aluno, adquirir equipamento técnico e de

áudio visual que atenda aos padrões de qualidade, suprir de material de consumo,

ampliar e qualificar os recursos humanos, implementar as condições de biossegurança.

Laboratório de técnicas histológicas

• Adequar o mobiliário e a relação professor/aluno, adquirir equipamento técnico e de

áudio visual que atenda aos padrões de qualidade, implementar as condições de

biossegurança.

Laboratório pré-clínico de técnicas odontológicas

• Adequar o mobiliário e a relação professor/aluno, adquirir equipamento técnico e de

áudio visual que atenda aos padrões de qualidade, suprir de material de consumo,

ampliar e qualificar os recursos humanos, implementar as condições de biossegurança.

Laboratório de apoio às atividades clínicas

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• Adequar a sala do laboratório, adequar o mobiliário, adquirir equipamento técnico e de

áudio visual que atenda aos padrões de qualidade, suprir de material de consumo,

ampliar e qualificar os recursos humanos, implementar as condições de biossegurança.

Laboratório de prótese clínica

• Adequar o espaço físico, adequar o mobiliário, adquirir equipamentos técnicos para

atender as atividades desenvolvidas, suprir de material de consumo, ampliar e

qualificar os recursos humanos, implementar as condições de biossegurança.

Biotério

• Ampliar e adequar o espaço físico, as instalações e o mobiliário, adquirir equipamento

técnico que atenda as atividades desenvolvidas, suprir de material de consumo, ampliar

e qualificar os recursos humanos, implementar as condições de biossegurança.

Clínica de ensino

• Complementar a clínica com a aquisição de equipamentos periféricos e de conjuntos

odontológicos em número adequado, adequar o corpo técnico às necessidades de

funcionamento da clínica, adequar a clínica de radiologia com relação ao equipamento

em geral e condições de radioproteção, processamento e interpretação radiográficos.

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Apêndice II Mapas de Belo Horizonte e da PUC Minas

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Mapa 1: Mapa da região central da cidade de Belo Horizonte. Fonte: Guia FIAT Minas Gerais, 1994, p. 52 e 53.

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Mapa 2: Campus da Sede da PUC Minas, em 2001. Prédios de 1 a 8: Conjunto Arquitetônico do Seminário Coração Eucarístico. Prédio 25: Salas de aula e antigas clínicas da Odontologia. Prédios 45 e 46: Novas instalações da Faculdade de Odontologia. Fonte: PUC Minas, Secretaria de Comunicação.

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Apêndice III Quadros Sinóticos dos Modelos de Educação Médica e Odontológica

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ELEMENTO DE ANÁLISE MODELO CONVENCIONAL

MODELO INOVADO

MARCO CONCEITUAL Medicina científica Medicina Comunitária

INTEGRAÇÃO DAS FUNÇÕES EDUCACIONAIS

Docência, serviço e pesquisa totalmente

isoladas

Docência, serviço e pesquisa totalmente integradas

DEFINIÇÃO DO CONTEÚDO DE ENSINO

A partir do conhecimento existente e com critérios do

senso comum

A partir da realidade social e das práticas médicas

ESTRUTURAÇÃO DO PLANO DO CURSO

Micro-disciplinas estruturadas por

especialidades médicas

Módulos integrados por níveis de atenção

RELAÇÕES DE CONHECIMENTO

A teoria antecede à prática, o básico antecede ao clínico e ênfase na

simulação

Teoria/Prática e Básico/Clínico são integrados e a simulação

limitada

ORIENTAÇÃO GERAL DO CURRÍCULO

Dirigido para a doença ou lesão e com ênfase no curativo e reabilitador

Dirigido para a manutenção da saúde

ESPAÇO EDUCACIONAL Ditocômico, com

hegenomia do intramural e extensões para o exterior

Processo educacional orgânico a diversos espaços sociais

RECURSOS HUMANOS FORMADOS

Formação uni-profissional, geralmente o médico Formação de Equipe de Saúde

USO DE TECNOLOGIA Ensino centrado em tecnologia de alta

densidade de capital

Ensino centrado em tecnologia apropriada

METODOLOGIA DE ENSINO Ensino centrado em aulas

expositivas

Ensino centrado em atividades grupais referidas ao objeto de

transformação

ESTRUTURA FISÍCA Áreas intra ou extramurais alocadas a disciplinas ou

departamentos

Áreas integradas segundo níveis de atenção

PLANEJAMENTO DUCACIONAL

Realizado exclusivamente por professores

Realizados por alunos, professores, funcionários e

comunidade NATUREZA DO PESSOAL

DOCENTE Especializado por micro-disciplinas

Docente integrado em módulos de atenção

RELAÇÃO PROFESSOR/ALUNO Autoritária ou paternalista Pessoal e colaborativa

NATUREZA DA PESQUISA Ênfase na pesquisa biológica

Ênfase relativa na solução de problemas de saúde das populações maioritárias

Quadro 1: Modelos de Educação Médica Fonte: Mendes (1985, p. 95)

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CONFIGURAÇÃO MODELO TRADICIONAL MODELO INOVADO

Compromisso institucional.

Compromisso Social.

Determinância tecnicista.

Determinância humanística. PROCESSO GLOBAL

Organização finalística - faculdades.

Organização processualística -cursos.

Currículo definido no bom senso.

Currículo definido a partir de estudo das necessidades, de análise de tarefas e de objetivos comportamentais.

Programas por disciplinas tradicionais. Correlação e integração multi-disciplinar e interdisciplinar.

Aprendizagem predominantemente psicomotora.

Aprendizagem equilibrada nas áreas cognitivas, afetivas, e psicomotora.

Formação uni-profissional. Formação multi-profissional.

Campo de treinamento intramural. Campo de treinamento intra e extramural.

Programa de extensão sob responsabilidade e uma disciplina

Programa de extensão sob responsabilidade institucional.

ENSINO

Isolamento profissional. Integração profissional.

SERVIÇO Prestação de serviços como instrumento de ensino.

Prestação de serviços como instrumento de ensino e como objeto de estudo para a elaboração de modelos reproduzíveis.

PESQUISA Pesquisa predominantemente biológica.

Pesquisa predominantemente social.

Quadro 2: Síntese comparativa dos modelos tradicional e inovado, apresentado no projeto original. Fonte: Projeto...(1974, p.11 e 12, elaboração nossa)

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ELEMENTO DE ANÁLISE MODELO CONVENCIONAL MODELO TRANSICIONAL MODELO INOVADO

MARCO CONCEITUAL Odontologia Cientificista

Dual, com predominância da Odontologia Cientificista

Odontologia Integral

INTEGRAÇÃO DAS FUNÇÕES EDUCACIONAIS

Docência, serviço e pesquisa são totalmente isoladas

Integração parcial de docência e serviço em áreas de integração docente-assistencial

Docência, serviço e pesquisa são totalmente integrados

DEFINIÇÃO DO CONTEÚDO DE ENSINO

A partir do conhecimento existente e com critérios do senso comum

A partir de análise de tarefas A partir da realidade social e das práticas odontológicas

ESTRUTURAÇÃO DE PLANO DE CURSO

Micro-disciplinas estrutu-radas por especialidades odontológicas

Macrodisciplina estruturadas por problemas biológicos ou nosológicos

Módulos integrados por níveis de atenção

QUANTO AS RELAÇÕES DE CONHECIMENTO

A teoria antecede à prática, o básico antecede ao clínico e grande ênfase na simulação

Dual, com predominância das relações tradicionais

A prática antecede à teoria, o básico é integrado ao clínico e a simulação é limitada a tarefas essenciais que ocorrem com baixa freqüência clínica

ORIENTAÇÃO GERAL DO CURRÍCULO

Dirigido para a doença ou lesão e com ênfase no curativo e reabilitador

Dirigido para a doença ou lesão e dual mas com ênfase no curativo e reabilitador

Dirigido para a manutenção da saúde

ESPAÇO EDUCACIONAL

Ditocômico, com anulação do espaço externo. Ensino esclusivamente intramural

Ditocômico, com hegenomia do espaço interno. Ensino intra e extramural

Superação da dicotomia através de um processo educacional orgânico a diversos espaços sociais

FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS

Formação uni-profissional

Formação multiprofissional de elementos da equipe odontológica

Formação multiprofissional de toda a equipe odontológica

USO DE TECNOLOGIA Ensino centrado em tecnologia sofisticada

Dual, com hegenomia da tecnologia sofisticada

Ensino centrado na tecnologia apropriada

METODOLOGIA DE ENSINO Ensino centrado em aulas expositivas

Dual, aulas expositivas e técnicas de grupo

Ensino centrado em atividades de grupo

ESTRUTURA FÍSICA

Áreas intramurais alocadas a disciplinas ou departamentos

Áreas intra e extramurais alocadas a macrodisciplinas

Áreas físicas integradas segundo níveis de atenção

PLANEJAMENTO EDUCA-CIONAL

Realizado exclusivamente por professores

Realizado por professores com participação restrita de alunos

Realizados conjuntamente por alunos, professores, funcionários e comunidade

NATUREZA DO PESSOAL DOCENTE

Especializado por mi-crodisciplinas

Especializado por ma-cro-disciplinas

Docente generalista inte-grado em módulos de ensino

RELAÇÃO PROFESSOR/ALUNO

Autoritária ou paternalista Dual Pessoal e colaborativa

NATUREZA DA PESQUISA Ênfase na pesquisa biológica

Dual, com predominância da pesquisa biológica

Pesquisa dirigida à solução de problemas odontológicos da população maioritária

Quadro 3: Modelos de Educação Odontológica Fonte: Modelo... (1982, p. 20)

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Apêndice IV Fluxogramas, Tabelas e Quadros extraídos do Projeto Original

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Apêndice V Plantas de Sistemas Simplificados

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Planta 1: Módulo para 3 equipamentos, espaço físico≅26m2. Fonte: Ferreira (1985, p. 13)

Planta 2: Módulo para 4 equipamentos, espaço físico≅31m2. Fonte: Ferreira (1985, p. 14)

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Planta 3: Módulo para 6 equipamentos, espaço físico≅52m2. Fonte: Ferreira (1985, p. 15)

Planta 4: Módulo para 8 equipamentos, espaço físico≅68m2. Fonte: Ferreira (1985, p. 16)

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Planta 5: Sistema simplificado de água para módulo de 3 equipamentos. Fonte: Ferreira (1985, p. 23)

Planta 6: Sistema simplificado de eletricidade para módulo de 3 equipamentos. Fonte: Ferreira (1985, p. 29)

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Planta 7: Sistema simplificado de ar comprimido para módulo de 3 equipamentos. Fonte: Ferreira (1985, p. 35)

Planta 8: Sistema simplificado de esgoto para módulo de 3 equipamentos. Fonte: Ferreira (1985, p. 41)

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Apêndice VI Lista parcial de convênios do departamento de Odontologia

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Tipo Entidade Ano de Início

Escopo e responsabilidades

IV Polícia Militar do Estado de. MG

1978

Propiciar o estágio acadêmico do 7º e 8º períodos do DO no Centro Odontológico da Polícia Militar 15 vagas semestrais

I INAMPS 1979 Atendimento Odontológico aos beneficiários do INAMPS Cr$60,00/consulta Limite mensal de consultas: 4704

I Florasa 1981 Atendimento aos beneficiários da Florasa e a grupos carentes das comunidades, através do estágio de alunos do Curso de Especialização em Odontologia Social

V Secretaria de Estado do Planejamento de Minas Gerais

1981 Instalação de unidade odontológica na cidade de Araçuaí

III FUMARC 1982 DOUCMG, com recursos FINEP, estuda e propõe projeto de equipamento simplificado

I, II Prefeitura Municipal de BH

1982 Coop. Mútua no campo do Ensino e Serviços Odontológicos

I INAMPS 1983 Estabelecer mecanismos necessários à implantação e execução da assistência odontológicas, nas Ações Integradas de Saúde no Estado de MG, que abrangerá as formas preventiva e restauradora

I, II, III SES-MG 1984

Formação de pessoal Atendimento odontológico Desenvolvimento de projetos (equipamentos, instrumental, técnicas, sistemas de trabalho e outros elementos da prática em saúde bucal)

I FUNED 1988

Assistência Odontológica prestada pelo DO aos servidores da FUNED, nas clínicas do Campus da PUC Minas

IV Projeto Providência 1991 Estágio curricular, atendimento ao SUS

IV Hospital Odilon Behrens

1991 Estágio Técnico-Profissional 15 vagas semestrais

II SMSA 1992 Ministrar Cursos de Técnico de Higiene Dental e Atendente de Consultório Dental para os servidores da Secretaria Municipal de Saúde

I Projeto Providência 1992 Regulamentar o atendimento odontológico dado pelo DO às pessoas assistidas pelo Projeto Providência

I Creche Comunitária Francisco Carvalho Moreira

1992 Regulamentar a prestação de serviços odontológicos pelo DO, através de suas clínicas extra-muros, à Comunidade do Bairro

IV Beneficência da Prefeitura Minicipal de BH

1992 Estágio Técnico-Profissional 14 vagas semestrais (1º ano) 35 vagas (a partir do 2º ano)

IV Secretaria de Estado da Justiça

1992 Complementação profissional, social e cultural 50 vagas

Quadro 4: Lista parcial de convênios firmados pelo departamento de Odontologia da PUC Minas Fonte: Arquivo do Departamento de Odontologia da PUC Minas Tipo de convênio:I - Prestação de Serviço, II - Treinamento Profissional, III - Desenvolvimento e Pesquisa,

IV - Estágio de Formação, V - Repasse de Tecnologia FLORASA: Flores tal Acesita S.A. FUMARC: Fundação Mariana Resende Costa FUNED: Fundação Ezequiel Dias INAMPS: Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

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Apêndice VII Questionário, caracterização do perfil dos entrevistados e roteiro geral da entrevista com os

professores da FO PUC Minas

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Questionário para os professores da FO PUC Minas Abaixo de cada item e no final do questionário encontram-se disponíveis espaços que podem ser utilizados, caso sejam necessários. 1. DADOS PESSOAIS 1.1.Sexo ( )Feminino ( )Masculino 1.2.Faixa etária ( )31 a 40 anos ( )41 a 50 anos ( )51 a 60 anos ( )mais de 61 anos 1.3.Bairro no qual reside: ___________________________________________________ 1.4.Opção religiosa ( )Ateu ( )Batista ( )Budista ( )Católica ( )Espírita ( )Islamita ( )Judaica ( )Protestante ( )Outras. Qual?____________________________________ _________________________________________________________________________ 2. LAZER E ENTRETENIMENTO 2.1.Esporte Pratica esporte?( )Sim ( )Não Modalidade:_______ Freqüência:_____ _________________________________________________________________________ 2.2.Leitura 2.2.1.Livros Tipo(s):____________________________________ nº médio de livros/ano:____________ _________________________________________________________________________ 2.2.2.Revistas Qual(is):__________________________________________________________________ Freqüência: ( )Semanalmente ( )Mensalmente ( )Esporadicamente _________________________________________________________________________ 2.2.2.Jornais Qual(is):__________________________________________________________________ Freqüência: ( )Diariamente ( )Semanalmente ( )Mensalmente ( )Esporadicamente _________________________________________________________________________ 2.3.Música Toca algum instrumento musical? ( )Não ( )Sim. Tipo(s)___________________ Preferência Musical:___________________ _________________________________________________________________________ 2.4.Televisão ( )Comercial Nº médio de horas/semana:_______ ( )Assinatura Nº médio de horas/semana:_______ _________________________________________________________________________

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2.5.Internet ( )Provedor gratuito. Nº médio de horas/semana:_____ ( )Provedor pago. Nº médio de horas/semana:_____ _________________________________________________________________________ 2.6.Cinema Tipo(s) de filme: __________________________________ nº médio de filmes/mês:_____ _________________________________________________________________________ 2.7.Outras atividades culturais ( )Teatro. Freqüência:______________ ( )Shows. Freqüência:______________ ( )Concertos. Freqüência:______________ ( )Outros. Tipo(s):__________________________________ Freqüência:______________ _________________________________________________________________________ 2.8.Viagem Tipo(s):__________________________________________ Freqüência:_______________ _________________________________________________________________________ 3. FORMAÇÃO 3.1.Ensino médio ( )Público ( )Privado ( )Técnico-profissional ( )Acadêmico _________________________________________________________________________ 3.2.Ensino Superior 3.2.1.Graduação Instituição:____________________________________________Ano de conclusão:_____ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 3.2.2.Aperfeiçoamento Áreas:____________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 3.2.3.Pós-graduação Especialização (Lato Sensu)/Instituição/Período _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Mestrado (Stricto Sensu) ( )Concluído em ____ ( )Conclusão prevista para ____ Instituição:____________________________Área de concentração:__________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Doutorado (Stricto Sensu) ( )Concluído em ____ ( )Conclusão prevista para ____ Instituição:____________________________Área de concentração:___________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________

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4. EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL 4.1.Exercício da Profissão (Prática Odontológica) Atendimento em clínica privada Assalariado: ( )Não ( )Sim Período:___________________ Particular: ( )Não ( )Sim Período:___________________ Convênio ( )Não ( )Sim Período:___________________ _________________________________________________________________________ Atendimento em serviço público ( )Não ( )Sim Período____________________ ( )Federal ( )Estadual ( )Municipal _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Coordenação, supervisão, definição de políticas públicas em saúde bucal ( )Não ( )Sim Cargo/Instituição/Período: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 4.2.Exercício do Magistério 4.2.1. Na PUC Minas Desde quando:_____________________________________________________________ Tipo de vínculo: ( )Aulista ( )Aulista + Contrato Aditivo ( )Dedicação 20h ( )Dedicação 30h ( )Dedicação 40h Disciplinas:________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Atividades acadêmico-administrativas/Período:___________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 4.2.2. Fora da PUC Minas Instituição:____________________________________Período:_____________________ Disciplinas:_______________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Atividades acadêmico-administrativas/Período:___________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 4.3. Atividades político-sindicais Tipo/Entidade/Período: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 4.4. Outras informações consideradas importantes para sua formação e experiência profissional:_______________________________________________________________ _________________________________________________________________________

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____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Caracterização dos professores entrevistados da FO PUC Minas

Numa breve caracterização do corpo docente entrevistado, temos, em relação ao sexo,

cinco (56%) homens e quatro (44%) mulheres. Sobre a faixa etária, 22% encontrava-se, em

setembro de 2001, entre 31 e 40 anos, 56% entre 41 e 50 anos e 22% com mais de 61 anos.

Como opção religiosa todos são católicos, sendo que um deles marcou também a opção

“espírita”. Como atividade esportiva, todos, com exceção de apenas um (11%), indicaram ou a

caminhada ou a musculação.

Em relação ao hábito de leitura, todos indicaram jornais, preferencialmente “Estado de

Minas” e a “Folha de São Paulo”, alguns (22%) leitores diários dos dois jornais. Entre as

revistas foram destacadas as técnicas em 66% dos casos e também entre os livros

evidenciaram-se os técnicos, com o mesmo percentual. Entre as atividades de lazer e

entretenimento preferidas estão o Cinema, com freqüência média mensal; a Televisão,

comercial e por assinatura, com a média semanal de 10 horas; a Internet, com a média de 6

horas por semana; a música, com destaque para a clássica, instrumental e jazz, sendo que

apenas 22% tocam algum instrumento musical.

Com relação à formação acadêmico-profissional, todos são Especialistas, sendo que

67% têm mais de uma Especialização e apenas 11% não têm Especialização em Odontologia

Social ou Saúde Coletiva. Sobre a pós-graduação Stricto Sensu, somente um deles (11%)

detém o título de Doutor, cinco (56%) são Mestres, três (33%) são doutorandos e dois (22%)

são mestrandos. É interessante observar que dos títulos obtidos apenas 33% deles, estão

relacionados à prática clínica, dos quais apenas um deles foi obtido por um aluno egresso da

PUC. Mesmo entre os professores que se encontram, atualmente, em processo de formação,

nenhum deles está vinculado a alguma área de prática clínica, mas sim voltados à Saúde

Pública, à Filosofia e à Educação.

Considerando-se o vínculo empregatício dos entrevistados com a Universidade, quatro

(44%) são contratados em regime de dedicação, três com quarenta horas e um deles com vinte

horas semanais. Dos demais (56%), um deles é apenas “aulista”, o que significa que o seu

contrato envolve apenas aulas, e o restante trabalha com dois contratos, um como aulista e

outro, exercendo funções específicas, administrativas ou de pesquisa, por tempo determinado,

através de um contrato aditivo, variando de quatro a vinte horas semanais.

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A experiência profissional dos entrevistados é bastante diversificada. Apenas um deles

(11%) jamais exerceu a prática odontológica pública ou privada e dentre os demais, a metade

acabou abandonando a atividade clínica, passando a dedicar-se exclusivamente à Universidade

(à PUC e à UFMG) e à Coordenação, Supervisão e Definição de Políticas em Saúde Bucal (na

Secretaria Municipal de Saúde, na Secretaria do Estado da Saúde e no Ministério da Saúde). A

outra metade mantém a prática clínica, em paralelo com as demais atividades. Em relação aos

outros vínculos empregatícios externos à PUC, apenas 22% dos entrevistados jamais tiveram

qualquer ligação com o Serviço Público. Três professores já lecionaram UFMG, dois deles já

se encontram aposentados pela Instituição e o outro professor lecionou por três anos, mas não

se adaptou à proposta pedagógica daquela Universidade.

Levando-se em conta a atividade político-sindical desses professores, apenas três deles

(33%) jamais exerceram quaisquer dessas atividades; os demais tiveram experiências diversas,

desde a militância católica e operária, passando pela representação estudantil, pela

representação docente, pela representação em Movimentos, Sindicatos e Órgãos de

representação de classe, inclusive a presidência do Conselho Regional de Odontologia de

Minas Gerais.

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Roteiro geral para entrevista dos professores da FO PUC Minas

O Projeto Alternativo e suas reminiscências na FO PUC Minas 1. Participação Qual foi a sua participação na construção e implantação do Projeto Alternativo e qual tem sido a sua participação na construção e implantação do Modelo atual de ensino? 2. Dificuldades Quais eram, na sua opinião, as principais dificuldades encontradas na implantação do Projeto Alternativo e quais as dificuldades encontradas na implantação do atual Modelo de ensino? 3. Clima Como você descreveria o clima/espírito do Departamento na época do Projeto Alternativo e como você descreveria o clima atual no Curso e na Faculdade? 4. Conflitos Quais os principais conflitos de interesse do Departamento na época e quais os principais conflitos atualmente? 5.Reconhecimento/Legitimidade Você considera que o Curso teve reconhecimento, ganhou legitimidade? Diante de quem? Você considera que o Curso tem, nos dias atuais, reconhecimento e legitimidade? Diante de quem? 6. Espaço político Qual era a ocupação de espaços políticos dos professores e egressos da PUC Minas na época e hoje? 7. Gestão Como você caracterizaria a mudança de gestão do Departamento/Curso ao longo de sua história? 8. Produção acadêmico-científica Como você avaliaria a produção acadêmico-científica da época e de hoje? 9. Periodização Como você faria a periodização da história do Curso? Que critérios utilizaria? 10. Impressões Qual era a sua impressão sobre a proposta do Projeto Alternativo na época e qual é a sua impressão atual sobre aquela mesma proposta? Qual é a sua impressão sobre o atual Modelo de ensino? 11. Reminiscências Considerando a atual FO PUC Minas, é possível perceber marcas, reminiscências, desdobramentos do Projeto Alternativo? Quais seriam essas sinalizações?

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Apêndice VIII Filantropia

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Filantropia

A PUC Minas, reconhecida como uma instituição Filantrópica de Direito, desde 1958,

no extinto Conselho Nacional de Serviço Social, desfruta da isenção da contribuição a cargo

da empresa, de 20% da quota patronal do INSS, destinada à Seguridade Social, desde que

comprove sua filantropia. A partir de 1991, a Universidade submete-se às normas de registro e

certificação de entidades de fins filantrópicos, como garantia de continuidade de isenção da

referida contribuição, entre outras, apresentando a cada três anos ao Conselho Nacional de

Assistência Social, CNAS, entre demais exigências, relatório que comprove a aplicação anual

em gratuidade, de pelo menos 20% da receita bruta proveniente da venda de seus serviços.

Com a promulgação da Lei Federal no 9.732, foi cancelada, a partir de abril de 1999, a

isenção da citada contribuição para a Seguridade Social em caso de desconformidade com

novas exigências de gratuidade. A PUC Minas recorreu da decisão, através de uma Ação

Direta de Inconstitucionalidade da Lei e praticou de agosto de 1999 à novembro de 2001 um

aumento adicional de cerca de 12% no valor de suas mensalidades, depositando em juízo,

desde abril de 1999, a quota patronal exigida. Com os novos valores praticados, durante mais

de dois anos, os Cursos da Universidade, reduziram o seu diferencial competitivo no que diz

respeito aos valores das mensalidades, ainda que continuassem a praticar valores ligeiramente

mais baixos do que o mercado local privatista.

Em julho de 2001 foi promulgada a Lei Federal no 10.260, que dispõe sobre o Fundo

de Financiamento ao estudante de ensino superior e que, em seu artigo 19, regulamentado pelo

Decreto no 4.035 de novembro do mesmo ano, obriga as Instituições Filantrópicas de Ensino, a

partir de janeiro de 2002, a reverterem o valor da quota patronal do INSS, não recolhidos,

exclusivamente na concessão de bolsas de estudo, no percentual igual ou superior a 50% dos

encargos educacionais a alunos comprovadamente carentes, de acordo com critérios

estabelecidos e fiscalizados por uma comissão formada por dirigentes, professores e alunos.

Em dezembro último, em função da nova regulamentação e mesmo sem o julgamento

do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei no 9732, a Universidade interrompe

o depósito judicial, retira das mensalidades o aumento praticado desde 1999 em função da Lei

e aguarda a decisão final da Justiça a fim de creditar aos alunos o percentual pago até 2001.

Observamos, portanto, que a nova legislação muda o enfoque da filantropia das

instituições de ensino, pois a conversão da parte patronal torna-se prioritária, em relação às

demais ações filantrópicas que no total deverão contabilizar no mínimo 20% da receita bruta.

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Entre as ações que poderão ter seu escopo comprometido, destacamos além dos inúmeros

projetos de Extensão, os atendimentos à Comunidade oferecidos pelo Setor de Assistência

Jurídica, e pelas Clínicas de Psicologia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Odontologia e

Veterinária, vinculados respectivamente aos Cursos de Direito, Psicologia, Fisioterapia,

Fonoaudiologia, Odontologia e Medicina Veterinária.