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    217Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    O legado do Departamento

    de Sociologia de Chicago (1920-1930) na constuio dointeracionismo smblico

    Carlos Benedito Campos Marns1

    Resumo: O argo ressalta que os integrantes do Departamento de Sociologia da Universi-

    dade de Chicago nos anos 1920 no possuam a inteno de criar uma nova vertente so-

    ciolgica. O termo interacionismo simblico jamais foi ulizado pelos seus parcipantes

    para designar os trabalhos que estavam realizando. No entanto, as pesquisas empricas e

    a reexo realizada no interior desse Departamento a respeito do processo de interao

    entre indivduo e sociedade pavimentou o caminho para o surgimento, em momento

    posterior, de uma nova postura explicava da vida social. Somente no nal da dcada de

    1930, o trabalho sociolgico que vinha ali sendo realizado foi codicado em um corpus de

    princpios tericos e nomeado enquanto tal como interacionismo simblico.Palavras-chave: Departamento de Sociologia de Chicago, Pesquisa Emprica e Teoria, Re-

    lao Indivduo e Sociedade, Interacionismo Simblico.

    Otrabalho Alvin Gouldner, The Coming Crisis of Western Sociology,captou

    de modo eloquente o impacto dos movimentos de contestao cultu-

    ral, polca e social que ocorreram no nal dos anos 1960, no interior

    do campo da sociologia norte-americana. Em sua viso, o surgimento, naque-

    le momento, de uma cultura produzida por jovens universitrios engendrou

    uma nova estrutura de senmentos entre seus parcipantes que se mostrouhosl aos valores ulitaristas que impregnavam a vida codiana da sociedade

    norte-americana. Sua anlise apreendeu, de forma penetrante, a atude cr-

    ca de jovens socilogos norte-amaricanos ao modelo funcionalista formula-

    do por Talco Parsons, apresentado inicialmente em 1937, em sua obra The

    Structure of Social Acon, e ampliado em 1951, com a publicao do seu tra-

    balho The Social System.Ao mesmo tempo em que delineou os contornos do

    apogeu e do declnio da dominao da anlise estrutural-funcional capiteneada

    por Parsons que galvanizou no apenas parte signicava da sociologia norte-

    americana, mas que desfrutou tambm uma posio destacada em vrias socio-logias nacionais , o trabalho de Alvin Gouldner destacou simultaneamente a

    Recebido: 06.02.13Aprovado: 01.04.13

    1. Professor Titulardo Departamento de

    Sociologia da Univer-sidade de Braslia.

    E-mail: carlosb@

    unb.br

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    emergncia de novos modelos tericos, orientados por microteorizaes que

    enfazavam o carter instvel da sociedade e ressaltavam a centralidade da ne-

    gociao do ator com as mlplas instuies existentes na vida social (GOULD-

    NER, 1970).

    Ao salientar o surgimento de teorias alternavas ao funcionalismo em geral e,

    em parcular, verso elaborda por Talco Parsons, o livro de Alvin Goudner

    destacou a sociologia de Erving Goman. Na avaliao de Alvin Gouldner, a so-

    ciologia de Erving Goman, que se encontrava naquele perodo numa fase de

    plena elaborao, reintroduziu na cena da vida social a presena efeva dos

    homens, realizando suas aes codianas, ansiosos e torturados diante do in-

    cessante e interminvel trabalho dramatrgico desempenhado por eles, cuja

    preocupao fundamental consisa em projetar uma imagem convincente de sipara os outros, deslocando para o segundo plano as slidas estruturas sociais,

    que ocupavam uma posio saliente na anlise funcionalista elaborada por Tal-

    co Parsons. Nesse sendo, o trabalho de Alvin Gouldner destacou a existncia

    do interacionismo simblico e sua relao indireta com o Departamento de So-

    ciologia da Universidade de Chicago, mesmo estando consciente da complexa e

    tensa interao que exisu entre Goman e a tradio interacionista. Nos anos

    1970, com o declnio do funcionalismo, a corrente do Interacionismo Simblico

    e suas diferentes verses passaram a ocupar uma centralidade nas discusses

    tericas, metodolgicas e de pesquisas no contexto da sociologia, de tal formaque a intensidade de sua presena no debate sociolgico nesse perodo poderia

    sugerir a falsa impresso de que se tratava do surgimento de uma nova tendn-

    cia explicava. No entanto, o interesse despertado em torno do interacionismo

    simblico naquele momento, de certa forma, constua uma ironia da histria

    intelectual da sociologia, uma vez que suas bases iniciais foram assentadas du-

    rante os anos 1920, no interior do Departamento de Chicago, e prosperou nas

    dcadas posteriores (FINE, 1993).

    O presente argo parte do pressuposto de que o gupo pioneiro de docentes

    e lsofos que aglunou em torno do Departamento de Sociologia da Univer-

    sidade de Chicago, nos anos 1920, no possua a inteno de formalizar um

    programa de invesgao que pudesse desembocar diretamente na criao de

    uma escola sociolgica. Nessa direo, distanciou-se da ambio de construir

    um autoembasamento de uma teoria sistemca sobre a vida social e tambm

    no demonstrou interesse em codicar, em um conjunto de normas, os proce-

    dimentos metodolgicos que pautaram o processo de invesgao que estavam

    realizando. Deve-se acrescentar, tambm, que a pluralidade de formao inte-

    lectual e a diversidade metodolgica dos seus parcipantes to pouco cami-

    nhou na direo de estabelecer deliberadamente uma nova corrente explicava

    no interior do campo da sociologia. No entanto, os trabalhos exemplares de

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    pesquisa produzidos sob a gide do Departamento de Sociologia de Chicago,

    juntamente com o alcane da reexo realizada por determinados lsofos nor-

    te-americanos sobre a problemca do conhecimento e a respeito do processo

    de interao entre indivduo e sociedade pavimentou o caminho para a emer-

    gncia de uma nova postura explicava da vida social que foi codicada pos-

    teriormente, ou seja, no nal da dcada de 1930, em um corpus de princpios

    tericos e nomeada, enquanto tal, comointeracionismo simblico.Igualmente,

    a noo da existncia da escola de Chicago jamais reivindicada pelos pionei-

    ros do Departamento de Sociologia de Chicago tambm foi construda num

    momento posterior, num complexo processo que envolveu diferentes atores so-

    ciais, tais como: novas geraes de docentes e pesquisadores engendrados em

    seu interior que passaram a reivindicar um eslo intelectual prprio no processo

    de construo do conhecimento sociolgico, bem como por parte de crcos do

    predomnio da presena do Departamento de Sociologia de Chicago no contexto

    da sociologia norte-americana e tambm por pesquisadores de diferentes pases

    interessados em recuperar sua contribuio para a sociologia contempornea.

    Tudo leva a crer que existem visveis diferenas de signicado entre o empreen-

    dimento efevo levado a cabo pelos pioneiros da construo do Departamento

    de Chicago, na dcada de 1920, e as variadas interpretaes realizados por esses

    atores nas dcadas seguintes (ABBOT, 1999; GUSFIELD, 1995, p. ix-xv; HARVEY,

    1987; BULMER, 1984, SCHWENDINGER, 1974; SMITH, 1988).

    As condies que possibilitaram o Departamento de Sociologia de Chicago tor-

    nar-se um centro criavo, inovador e ocupar uma posio dominante na socio-

    logia norte-americana cujos desdobramentos reverberaram no conhecimento

    sociolgico em dcadas posteriores colocam em evidncia o entrelaamento

    de uma complexa constelao de fenmenos, tal como o acelerado processo

    de industrializao, urbanizao e imigrao que perpassava a sociedade nor-

    te-americana no nal do sculo XIX e seu impacto na cidade de Chicago. Ao

    memo tempo, o processo de reestruturao do sistema de ensino universitrio

    norte-americano, que ocorreu no nal do sculo XIX, impulsionou simultane-amente a fundao de novas universidades e a criao de novos departamen-

    tos, o que favoreceu a avidade de pesquisa e abriu um considervel espao

    para o desenvolvimento da sociologia. No menos importante na estruturao

    dos trabalhos de pesquisa realizados no interior do Departamento de Sociolo-

    gia de Chicago foi o esforo de integrar a avidade terica com a invesgao

    emprica que reete a presena marcante entre seus parcipantes da losoa

    prgamca que insisa na unidade entre teoria e ao, entre reexo e mundo

    real. Apesar da posio destacada que ocupou no campo da sociologia norte-

    americana na dcada de 1920 e do vigor da produo intelectual realizada pelasnovas geraes de docentes e de alunos que o integraram posteriormente que

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    contriburam para o avano da pesquisa sociolgica em temas como processo

    de socializao, sociologia criminal, sociologia urbana, universo das prosses

    etc. , ocorreu um relava invisibilidade da presena do Departamento de So-

    ciologia de Chicago no contexto da sociologia norte-americana que comeou a

    ser interrompida a parr do nal da dcada de 1960 (SMITH & JORSEN, 2009;

    ABBOT, 1999; CHAPOULIE, 2001; KURTZ, 1994).

    Em trs dcadas, ou seja, entre o perodo de 1850 a 1880, a cidade de Chicago

    passou a ocupar a quarta posio em termos de tamanho na sociedade norte-

    americana, absorvendo uma populao de cerca de 500 mil habitantes. Nesse

    perodo, transformou-se de um importante entreposto comercial e processador

    de gros em um dinmico centro industrial e um ponto de atrao e de entra -

    da de imigrantes europeus procedentes da Irlanda, Polnia, Sucia, Dinamarca,Alemanha, Ucrnia, Rssia, negros e brancos pobres do sul dos Estados Unidos,

    de tal forma que, em 1910, sua populao angiu a cifra de 2,1 milhes de

    habitantes. As mudanas de sua estrutura produva e o incremento do uxo

    migratrio impulsionou uma imponente arquitetura, mulplicou o nmero de

    subrbios, engendrou um expressivo processo de segregao tnico-social e

    foi acompanhada, tambm, por tenses raciais, surgimento de gangues e de

    corrupo da mquina polca dominada pelo Pardo Democrata. A cidade de

    Chicago, ao se constuir como uma metrpole impessoal, marcada por um agu-

    do processo de desigualdade social diversa culturalmente, comportando umavariada gama de eslos de vida que plasmava a rona de seus habitantes e

    desaava o processo de adaptao da sua populao migrante , despertou a

    ateno intelectual de diversos atores sociais interessados em desvendar e re-

    formar suas estuturas sociais e especialmente dos socilogos (BRANDO LOPES,

    2005, p. 24-52; VELHO, 2005, p. 54-66; SHILLS, 1988; MAYER & WADE, 1969).

    Enquanto as centenrias universidades europeias no ofereciam um terreno

    propcio para o processo de desenvolvimento da sociologia, as instuies aca-

    dmicas norte-americanas vivenciavam, no incio dos anos 1900, um processo

    em sendo oposto. A signicava reestruturao do sistema de ensino superior

    norte-americano, iniciada no nal do sculo XIX que exerceu um profundo im-

    pacto na emergncia do Departamento de Sociologia de Chicago , foi, em larga

    medida, inuenciada pelo modelo de universidade concebido e implantado por

    Humbolt nas instuies alems a parr de 1810, no qual o ensino e a pesquisa

    eram concebidos como avidades indissociveis. Em larga medida, o modelo

    humbolano de universidade constuiu uma fonte de referncia tanto no pro-

    cesso de transformao de angos collegesnorte-americanos criados na po-

    ca colonial em universidades do porte acadmico de Harvard, Columbia, Yale,

    etc., quanto na criao de novas universidades. O surgimento de universidades

    de pesquisas no contexto norte-americano, nesse perodo, foi impulsionado

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    pela crena de sua elite polca e empresarial de que a produo de novos co-

    nhecimentos constua um fator estratgico na dinmica do desenvolvimento

    econmico e do poder militar e tambm um elemento essencial para enfrentar

    os problemas sociais que surgiram no bojo de um acelerado processo de indus-

    trializao e urbanizao. Nesse contexto, a Universidade Johns Hopkins foi cria-

    da, inicialmente, para oferecer apenas cursos de ps-graduao e o surgimento

    do MIT e da Universidade de Cornell foram pioneiros no sendo de direcionar

    a universidade no sendo de produzir conhecimentos prcos em vrios dom-

    nios da vida social. Nessa direo, o Morril Act de 1862 desnou terrenos per-

    tencentes ao governo federal para a criao de universidades estaduais com o

    propsito de incenvar a produo de conhecimentos prcos (REUBEN, 1995).

    A sociologia norte-americana que vinha sendo pracada por uma gama de in-telectuais que no possuam formao na disciplina uma vez que inexisam

    cursos universitrios de sociologia na poca beneciou-se do processo de re-

    estruturao do campo acadmico norte-americano que lhe abriu reais possibi-

    lidades de desenvolvimento instucional. A parcipao de fundaes privadas

    de pesquisa que passaram a apoiar o desenvolvimento cienco de instuies

    j existentes e tambm o surgimento de novos estabelecimentos de ensino e

    pesquisa desempenharam um vetor estratgico no processo de instucionali-

    zao da sociologia no contexto norte-americano. Dessa forma, determinadas

    universidades norte-americanas que instucionalizaram a avidade de pesquisacontaram com expressivos aportes nanceiros da Fundao Rockefeller, atravs

    da Fundao Laura Spelman Rockefeller, que criou, em 1923, o Social Science

    Research Council. A Universidade de Chicago nasceu sob o patrocnio de uma

    associao encarregada de apoair os estabelecimentos escolares bastas e com

    o apoio nanceiro de John Rockefeller, que desnou a quana de 1 milho de

    dlares para sua fundao. A nova universidade, que abriu suas portas em 1892,

    no imps condio de crena religiosa no recrutamento de seu pessoal do-

    cente, nem na admisso de estudantes, embora seu conselho de administrao

    fosse dominado pela congregao basta (CHAPOULIE, 2001; RINGER, 1969;BULMER, 1982; LUCAS, 1994; GEIGER, 1986; CLARK, 1973).

    Ao inaugurar a Universidade de Chicago, em 1892, seu presidente, William Har-

    per, manifestou claramente que a nova instuio assumiu como sua tarefa aca-

    dmica primordial a realizao de avidade de pesquisa e, num segundo plano,

    as avidades de ensino. A parr do apoio nanceiro fornecido pela Fundao

    Rockefeller, a Universidade de Chicago construiu uma slida infraestrutura de

    recursos materiais e humanos propcios ao desenvolvimento de suas avida-

    des acadmicas e, especialmente, prca da pesquisa. Dessa forma, nos anos

    1920, no apenas o seu Departamento de Sociologia tornou-se um centro de re-

    ferncia no universo acadmico norte-americano e internacional, mas tambm

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    os departamentos de losoa, cincia polca, economia, etc. Quando William

    Harper convidou Albion Small para organizar o Departamento de Sociologia da

    nova universidade, nha em mente que a explorao de novas disciplinas que

    at ento no haviam sido incorporadas nas instuies de ensino norte-ameri-

    canas tal como ocorria com a sociologia constua uma estratgia oportuna

    para dinamizar uma universidade recm-criada, de forma que a sociologia no

    teve que lutar pela sua existncia diante de disciplinas mais consolidadas, tal

    como a economia polca, e pde com relava facilidade demarcar seu prprio

    campo de atuao (STOR & BUNNET, 1966).

    A embrionria sociologia norte-americana do sculo XIX foi marcada por uma

    profunda preocupao pela ideia de progresso e de reforma social que condu-

    ziu vrios de seus pracantes a assumirem, em maior ou menor escala, pres-supostos evolucionistas e acatar a ideia de que a sociologia poderia adotar os

    mesmos pressupostos e procedimentos das cincias naturais. A formao reli-

    giosa protestante de vrios socilogos alguns deles foram lhos de pastores

    protestantes e tornaram-se clrigos os impulsionou a aderir aos movimentos

    de reforma social e estabelecer relaes com diferentes atores que integravam

    os movimentos reformistas, tais como advogados, educadores, lantropistas,

    etc. A fundao da American Social Science, em 1865, procurou congregar esses

    atores com o propsito de imprimir uma abordagem mais objeva aos diversos

    problemas sociais que emergiram no bojo de uma sociedade em franco proces-so de mudana social. Nesse contexto, ocorreu a realizao de vrios surveys

    apoiados por organizaes lantrpicas e por fundaes de pesquisa, tal como a

    Russel Sage Foundaon, que levantaram uma ampla gama de informaes em-

    pricas sobre a vida social norte-americana naquele momento, enfocando ques-

    tes, tais como pobreza, condies de moradia, crime, acidentes industriais,

    educao pblica, etc. Os surveys sobre as condies sociais de vida urbana

    contriburam para despertar a ateno dos socilogos sobre da existncia desse

    rico material emprico e, indiretamente, desempenharam um papel importante

    para preparar o caminho para o orescimento de uma sociologia urbana levadaa cabo no interior do Departamento de Sociologia de Chicago (CALHOUN, 2007,

    p. 1-38; FARIS, 1967).

    O Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago iniciou suas avida-

    des no mesmo ano de criao da instuio, contanto com um corpo docente

    reduzido oferecendo cursos de graduao e ps-graduao. Tornou-se o primei-

    ro departamento acadmico de sociologia na esteira do processo de instucio-

    nalizao da sociologia norte-americana, seguido posteriormente por Columbia,

    Kansas, Michigan e, dcadas mais tarde, por Harvard, Princeton, Johns Hopkins,

    etc. A constuio do Departamento representou um empreendimento aca-

    dmico ousado, uma vez que a maioria do corpo docente que o integrou em

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    223Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    sua fase inicial no possua formao em sociologia. Seu fundador, Albion Small,

    que permaneceu como seu responsvel at 1925, estudou histria em Berlim.

    Aps obter seu doutoramento em histria, na Universidade Johns Hopkins, tor-

    nou-se professor dessa disciplina no Colby College e, gradavamente, interes-

    sou-se pela sociologia. A primeira gerao do corpo docente do Departamento

    de Sociologia de Chicago, no perodo de 1920-1930, foi integrada por Albion

    Small, Charles Henderson, Graham Taylor, Charles Zueblin, George Vincent e

    William Thomas, sendo que os dois lmos realizaram seu doutorado no pr-

    prio Departamento de Sociologia. Outras guras acadmicas importantes nessa

    primeira gerao, que no estavam ligadas diretamente ao Departamento, mas

    que veram impacto na sua produo intelectual, foram John Dewey e George

    Herbert Mead, que pertenciam ao Departmento de Filosoa da Universidade

    de Chicago, bem como Charles Cooley, que exercia sua funo docente na Uni -

    versidade de Michigan; Thorstein Veblen, que foi professor de economia duran-

    te quatorze anos em Chicago, e Jane Addams, que liderava um movimento de

    reforma social a parr da Hull House. Nos anos 1920, o corpo de professores

    do Departamento compreendia Albion Small, Robert Park, Ernest Burguess, Ell-

    sworth Faris, e formou uma pliade de novos pesquisadores, entre os quais se

    destacam Robert McKenzie, Nels Anderson, Frederic Thrasher, Robert Redeld,

    Ruth Shonle Cavan, etc. Outros docentes da Universidade mannham tambm

    conexes intelectuais com o Departamento, destacadamentre Charles Merriam,

    L. L. Thurstone, Harold Lasswell e Shailer Mathews (KURTZ, 1984; FARIS, 1967).

    As vozes de Herbert Spencer, Lester Ward e William Summer possuam uma ex-

    pressiva ressonncia na sociologia norte-americana no momento da edicao

    do Departamento de Sociologia de Chicago. Embora alguns de seus integrantes

    possussem simpaas pelas ideias evolucionistas tal como Albion Small, que

    se sena prximo de Lester Ward e de Gustav Ratzenhofer , os integrantes

    de Chicago absorveram as crcas formuladas por Franz Boas a essa corrente

    do pensamento social e distanciaram-se da tarefa de levar adiante o projeto

    evolucionista. Tampouco mostraram grande entusiasmo com a prca de ree-r abstratamente sobre as condies de progresso social e, ao contrrio disso,

    trilharam um caminho no qual a reexo terica encontrava-se empiricamente

    enraizada. Mantendo uma inclinao polca reformista aliada com uma loso-

    a pragmca, os socilogos de Chicago procuraram transformar a sociologia

    numa cincia emprica, concentrando a ateno em determinados problemas

    sociais da vida urbana na qual estavam inseridos e em processos sociais, tais

    como organizao e desorganizao social, conito e acomodao, movimentos

    sociais e mudanas culturais, buscando interligar a invesgao dessas questes

    com a disposio de impulsionar reformas sociais no contexto de uma sociedadeliberal-democrca (CAREY, 1975; HOFATADTER, 1944).

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    Ao contrrio do trabalho solitrio e isolado realizado por determinados autores

    clssicos no processo de formao da sociologia europeia e americana, que, de

    forma geral, veram frgeis nexos com a instuio universitria, a produo

    de conhecimento levada a efeito no interior do Departamento de Sociologia

    de Chicago rompeu com essa modalidade de construo de trabalho intelectu-

    al. Desde o incio, desenhou-se e implantou-se, no interior do Departamento,

    uma concepo de trabalho acadmico que seria coduzido colevamente, no

    qual ocorreria uma intensa colaborao entre os diversos membros do corpo

    docente e contaria tambm com ava parcipao dos estudantes nos projetos

    de pesquisa. Embora as guras de William Thomas e posteriormente de Robert

    Park ocupassem uma posio de destaque, o Departamento no chegou ser

    dominado acadmica e intelectualmente por nenhum de seus docentes, de tal

    modo que a prca da sociologia foi concebida, desde o incio de suas avi -

    dades, como um projeto instucional. Um dos traos disnvos que marcou a

    trajetria do Departamento, nos anos 1920, foi uma procua relao entre a

    realizao de pesquisas empricas com ideias sociolgicas, de tal forma que gra-

    davamente organizou-se um programa de trabalho intelectual que procurou

    integrar teoria e pesquisa emprica. Num momento em que as fronteiras entre

    as disciplinas que constuem o universo das cincias sociais no haviam sido

    estabelecidas, os integrantes do Departamento de Chicago estabeleceram um

    constante dilogo com a losoa, antropologia, educao e psicologia social e,

    atravs dessa postura, imprimiram uma dimenso interdisciplinar no trabalhointelectual, caractersca essa que contribuiu de forma signicava para o enri-

    quecimento de suas pesquisas sociolgicas (DINER, 1975, p. 514-553; LASWELL,

    1971, p. 416-428).

    Na viso de Albion Small, a sociologia deveria adquirir um rigor terico e desfru-

    tar de uma credibilidade cienca alcanada pela economia para realizar uma

    contribuio no processo de reforma social, ou seja, deveria, para tanto, pro-

    duzir pesquisadores. Juntamente com George Vincent, escreveu um handbook,

    denominadoAn Introducon to the Science of Sociology, com o propsito deconstruir um guia de pesquisa visando transformar Chicago em um laboratrio

    de pesquisa sociolgica. Albion Small desejava construir uma histria natural

    de Chicago, capaz de apreender empiricamente os processos sociais subjacen-

    tes distribuio de sua populao no espao urbano de Chicago, as formas de

    conitos e de acomodao que brotavam dessa distribuio espacial. O trabalho

    de reforma social desenvolvido por Jane Adms no contexto da Hull House cujo

    estabelecimento Albion Small frequentava na companhia de William Thomas,

    George Herbert Mead e Charles Henderson produziu mapeamentos da cidade

    que forneceram importantes informaes sobre sua estrutura espacial e sociale o impactou profundamente. Por duas dcadas ou seja, antes da chegada

    de Robert Park e de Ernest Burgess , Albion Small enfazou a necessidade de

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    225Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    explorar temas que caram inmamente associados ao acervo de invesgao

    da escola de Chicago, tais como segregao racial, vivncia tnica e religiosa

    de seus habitantes, a formao de prossionais para a administrao pblica,

    etc. No menos importante foi sua iniciava no sendo de criar, em 1895, o

    American Journal of Sociology,que constui o primeiro peridico prossional

    da rea e exerceu um papel importante no processo de instucionalizao da

    sociologia norte-americana e na apresentao de socilogos europeus at ento

    pouco conhecidos, como foi o caso de Simmel, que teve mais de uma dezena de

    argos traduzidos pelo prprio Small. As funes administravas assumidas por

    Small talvez tenham contribudo para ofuscar sua contribuio intelectual, pois

    desempenhou um papel importante na trajetria de uma especulao abstrata

    sobre a evoluo das sociedades para uma invesgao emprica e uma analse

    das relaes entre grupos sociais (ABBOTT, 1999; HERBST, 1959; SMALL & VIN-

    CENT, 1894; SMALL, 1905).

    O pioneiro trabalho, The Polish Peasant in Erurope and America, que combi-

    nou de forma exitosa um exausvo material emprico com uma reexo terica,

    publicado por William Thomas e Florian Znaniecki, entre 1918-1920, marcou

    simbolicamente o incio de uma nova etapa na trajetria da sociologia norte-

    americana. Na viso de ambos, a sociologia deveria assumir a tarefa de exami-

    nar os diferentes nveis da organizao social visando compreender como as re-

    gras sociais nem sempre visveis para os indivduos em seus comportamentoscodianos que estruturam as diferentes organizaes sociais contribuem para

    regular as condutas dos inivduos. O minucioso trabalho realizado por Thomas

    e Znaniecki enfocou, em uma perspecva comparava, processos de mudan-

    a social que ocorreram na Polnia e nos Estados Unidos durante o sculo XIX

    e incio do sculo XX e analisou estruturas sociais, econmicas e culturais que

    conduziram os imigrantes a cruzarem o Atlnco e que esveram presentes na

    (re)congurao de suas vidas e personalidades no contexto urbano de Chicago.

    Nesse sendo, invesgaram uma mulplicidade de temas, tais como natureza

    da famlia dos camponeses poloneses, sua estrutura familiar, o sistema de clas-se social, a vida econmica, religiosa e cultural, explorando as relaes entre

    processos de organizao e desorganizao social nas vidas e na constuio da

    personalidade dos camponeses poloneses. Trata-se de uma histria de campo-

    neses cujo mundo social encontra-se em processo de dissoluo, cujos valores

    e normas cas se desfazem ao serem confrontados na insero de uma socie-

    dade complexa, marcada por relaes impessoais (THOMAS, 1966; THOMAS &

    ZNANIECKI,1984).

    A adeso de William Thomas ao projeto de reforma social aproximou-o da po -

    pulao de migrantes e de camadas pobres que frequentavam a Hull House

    comandada por Jane Adams e impulsionou-o a desempenhar um papel avo

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    226 Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    naJuvenile Protecve Associaone no Imigrants Protecve League,o que lhe

    permiu obter um considervel volume de informaes empricas. Sua partcipa-

    o no movimento de reforma social levou-o a realizar um dos trabalhos socio-

    lgicos pioneiros sobre gnero, Sex and Society,no qual, a parr de seu enfoque

    de interligar o sistema de personalidade com a organizao social, examinou

    o papel desempenhado pelo gnero na formao da personalidade feminina,

    ressaltando sua posio dominada ao longo do tempo. William Thomas parci-

    pou avamente nos movimentos em favor do voto feminino e dos direitos civis

    para camadas da populao que deixaram a condio de escravido (JANOWITZ,

    1966, p. vii-viii; VOLKART, 1951).

    A precoce e controverda sada de William Thomas do Departamento, em 1918,

    no interrompeu o mpeto de realizao de trabalhos de invesgao sobre acidade de Chicago, que foram connuados sob a gide de Ernest Burguess e de

    Robert Park. O primeiro deles obteve seu doutorado no prprio Departamento,

    em 1913, e tornou-se seu docente, em 1919, permanecendo no seu interior

    at 1957. Robert Park cursou losoa em Harvard e na Alemanha, parcipou

    nos movimentos de reforma social, exerceu por longos anos a avidade de jor-

    nalista e foi levado para o Departamento atravs de Thomas, quando nha mais

    de cinquenta anos de idade. Sua presena desempenhou grande inuncia na

    vida acadmica do Departamento at sua aposentadoria, em 1933. Robert Park,

    consoante com o esprito invesgavo que exisa no Departamento, pretendiafornecer uma slida base emprica para a invesgao sociolgica, aliada com

    uma reexo terica com vistas a contribuir para a discusso pblica de ques-

    tes candentes pernentes a uma sociedade urbana-industrial. A presena de

    Robert Park e de Enest Burgues que comparlhavam um gabinete de trabalho

    noSocial Science Research Building inspirou uma gerao de doutorandos a

    pesquisar a cidade de Chicago, procurando captar os padres de organizao

    de suas instuies sociais. Na viso de Park, o processo de industrializao

    corroeu a separao social entre o mundo rural e o urbano, uma vez que suas

    consequncias sociais inuenciam igualmente as relaes sociais em ambos oscontextos espaciais. No entanto, em sua perspecva, a cidade expressava, com

    maior intensidade, os efeitos decorrentes do processo de industrializao nas

    sociedades modernas e constua um verdadeiro laboratrio para estudar as

    sociedades humanas (JORGENSEN & SMITH, 2009).

    Movado a pesquisar a distribuio espacial e social dos grupos na cidade de

    Chicago, Robert Park publicou um longo argo intulado The City, no qual pro-

    curou desenvolver a abordagem da ecologia humana, ressaltando que a regu-

    laridade do processo urbano e da vida social desenvolvido no seu ambiente,

    entre os quais ressaltou a segregao social e a mobilidade espacial, constui

    fenmeno relevante na produo de padres de impessoalidade existentes

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    227Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    no contexto urbano. Esse argo delineou o programa de pesquisas sobre o espa-

    o urbano que foi realizado por vrios integrantes do Departamento de Chicago.

    Tal como Simmel, percebia diferenas entre as culturas existentes nos espaos

    urbano e rural, no entanto, acentuava a diversidade de manifestaes culturais

    no ambiente urbano, decorrentes da variada composio social de sua popula-

    o, destacadamente a que podia ser observada na cidade de Chicago. Na viso

    de Park, a ecologia humana, ao analisar a segregao demogrca e a expanso

    sica, possibilitava tambm analisar os processos de interao social, uma vez

    que ela encontra-se inserida na dinmica da vida urbana (PARK, 1915, p. 577-

    612).

    No estudo do espao urbano, Robert Park recomendava a ulizao de mapping

    e de tcnicas que vinham sendo empregadas pela antropologia no estudo deculturas localizadas em outros connentes. De acordo com ele, o espao urba-

    no poderia ser estudado como um laboratrio, de tal forma que a sociologia

    poderia estudar os indivduos e suas relaes sociais em seu ambiente natural,

    em contraste com os laboratoriais experimentos nos quais os pesquisadores iso-

    lam fenmenos e/ou seres humanos com o propsito de invesgar suas reaes

    diante de esmulos arcias. A diversidade de eslos de vida existente na cida-

    de de Chicago, que impelia socialmente os imigrantes europeus, os migrantes,

    bem como seus habitantes navos a reverem seus eslos de vida, deveria ser

    estudado, na viso de Park, atravs de um contato direto do invesgador comseu objeto de estudo. Nesse contexto, surgiram trabalhos que se tornaram cls-

    sicos no repertrio da escola de Chicago e a projetaram internacionalmente,

    tais como os realizados por Nels Anderson, Paul Cressey, Edwin Trasher, Ruth

    Cavan, Louis Wirth, entre outros. Alm dos mtodos ecolgicos desenvolvidos

    por Park, vrias tcnicas de pesquisa foram ulizadas, tais como observao de

    campo, entrevista, coleta de casos, etc. Os socilogos de Chicago estavam mais

    interessados em desenvolver e introduzir novas tcnicas de pesquisa emprica

    no campo da sociologia fenmeno este que constua uma novidade na disci-

    plina do que formalizar procedimentos e regras de invesgao, o que explicaa ausncia da produo de trabalhos metodolgicos realizados pelos seus inte-

    grantes (ABBOTT, 1999).

    Ao contrrio da interpretao que procura assinalar o carter aterico e res-

    saltar a inclinao empiricista do Departamento de Sociologia de Chicago, a

    agenda de trabalho desenvolvida no seu interior indica o interesse de seus do-

    centes e alunos pelos movimentos intelectuais existentes no contexto do pen-

    samento social. Nesse sendo, travaram um conhecimento com pensadores

    norte-americanos e tambm europeus, entre os quais Durkheim, Simmel, We-

    ber, Pareto, Mauss, etc. Destacadamente, possuam um interesse pela losoa

    pragmca que procurava afastar o conhecimento de uma reexo metasica e,

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    228 Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    simultaneamente, direcion-lo para a pesquisa cienca. Ao incorporarem de-

    terminadas formulaes elaboradas pela losoa pragmca, destacadamen-

    te as contribuies de John Dewey e George Herbert Mead, os socilogos do

    Departamento de Chicago procuraram oferecer um substrato emprico s suas

    reexes sobre questes relavas ao social desenvolvida pelos indivduos.

    O pressuposto que os pesquisadores deveriam oferecer, atravs de suas inves-

    gaes, uma colaborao na formulao de polca social, assumido em larga

    medida pelos socilogos de Chicago, derivava da crca da losoa pragmca

    ao postulado da dvida radical de Descartes e sua substuio pela busca do

    conhecimento visando enfrentar problemas concretos da sociedade, que ex-

    perimentava um rpido processo de industrializao e urbanizao. A nfase

    da losoa pragmca na indissociabilidade entre pensamento e ao, da ne -

    cessidade de arcular reciprocamente teoria e mundo real, marcou o eslo de

    trabalho intelectual desenvolvido no Departamento de Sociologia de Chicago e

    imprimiu uma relava unidade entre seus parcipantes diante do processo de

    invesgao e os conduziram a se distanciar deliberadamente de uma reexo

    abstrata sobre questes tericas e conceituais existente no escopo da disciplina

    (SHILS, 1980).

    A inuncia do prgamasmo na sociologia desenvolvida no Departamento de

    Chicago deve-se, em grande medida, aos ensinamentos e trabalhos desenvol-

    vidos por John Dewey e George Herbert Mead. Exisu uma signicava intera-o intelectual e pessoal entre os socilogos do Departamento de Chicago e os

    lsofos pragmastas: Albion Small, William Thomas e Charles Herderson fre-

    quentavam as discusses sobre reforma social que ocorriam na Hull House na

    companhia de G. H. Mead; Robert Park foi aluno de graduao de John Dewey

    na Universidade de Michigan; Ellsworth Faris, durante seu doutorado em psi-

    cologia na Universidade de Chicago, realizou cursos sob a responsabilidade de

    John Dewey, George Herbert Mead e James Angell e, como docente do Depar-

    tamento, manteve a tradio da psicologia social desenvolvida por G. H. Mead.

    A interpretao dos processos psquicos que os indivduos ulizam para solu-

    cionar problemas no curso de suas aes esteve no cerne das preocupaes

    intelectuais de John Dewey. Sua crca dirigia-se a uma tradio existente na

    psicologia que analisava de forma segmentada as operaes psquicas reali-

    zadas pelos indivduos, uma vez que a compreendia ao longo de uma cadeia

    que envolvia esmulaes externas, processamento interno e, por m, a re-

    ao do indivduo s condies externas provenientes do ambiente imediato

    que o permeava. Em sua perspecva, ao contrrio desse modelo explicavo,

    a prpria dinmica de uma determinada ao realizada pelo indivduo que

    condiciona os esmulos relevantes que a circunscreve. Ao centrar sua crca nas

    teorias que reduzem a ao a um conjunto de reexo de esmulos ambientais,

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    229Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    procurava destacar que problemco sustentar que a determinao de um

    m de uma ao seja um ato consciente do indivduo e um elemento exterior

    prpria dinmica da ao em curso, pois, em sua viso, a determinao de um

    m de uma ao especca s pode ser constuda atravs de consideraes

    sobre as resistncias que uma conduta encontra durante sua realizao (DEWEY,

    1922).

    A inuncia de George Herbert Mead foi marcante na existncia do Departa -

    mento de Chicago, no apenas na dcada de 1920, mas estendeu-se tambm

    em perodos posteriores atravs da atuao de Ellsworth Faris e de Herbert Blu-

    mer, que foram seus estudantes e seguidores de suas ideias, e que teve um

    impacto decisivo na emergncia e desenvolvimento da formao do intera-

    cionismo simblico. Tal como John Mead, tambm ir formular uma crca steorias existentes na psicologia que explicavam a ao dos indivduos atravs

    de esmulos externos, especialmente ao behaviorismo, com quem teve uma

    relao complexa, uma vez que, ao mesmo tempo em reconhecia seus mritos

    na explicao da conduta humana, procurou salientar seus limites explicavos.

    Por um lado, era sensvel s colocaes dos behavioristas no que diz respeito s

    recompensas e custos da ao. No entanto, o que incomodava intelectualmente

    Mead era o fato de o behaviorismo excluir o estudo da conscincia do ator, na

    medida em que considerava que ela no era acessvel empiricamente abor-

    dagem cienca. Na perspecva de Mead, os seres humanos eram disntos deoutras criaturas, uma vez que so dotados de conscincia. Em sua perspecva,

    os smbolos signicantes permitem aos atores comparlharem signicados e, a

    parr da, estabelecerem uma comunicao entre eles, destacando que a inte-

    rao entre os indivduos envolve um complexo processo de interpretao, na

    medida em que procuram reer constantemente e interpretar connuamente

    as palvras e gestos do outro. Destacava que o ator procura tambm comprender

    o contexto da situao na qual se encontra momentaneamente inserido. A par-

    r de insightsde John Dewey, Mead ressalta a relao recproca entre indivduo

    e sociedade que at ento, na sociologia norte-americana, eram percebidoscomo endades separadas e concebe a mente humana como o produto de um

    avo processo de interao social, de tal forma que, em sua viso, os indivduos

    percebem o mundo e se situam nele na medida em que se colocam no papel

    do outro (taking the role of the other). Nesse processo, na percepo de G. H.

    Mead, os indivduos desenvolvem tambm a capacidade de conversarem con-

    sigo prprios, ou seja, de interpretarem sua prpria ao durante a realizao

    de uma interao com outros indivduos. Consoante com a losoa pragmca,

    que acentuava a relao recproca entre sujeito e objeto do conhecimento, G.

    H. Mead, ao assinalar que os atores possuem conscincia e capacidade inter-pretava, vislumbrava sua capacidade de possuir uma interao dinmica com

    a realidade. Sua anlise do comportamento humano permiu perceber que os

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    230 Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    seres humanos agem diante da realidade que os cerca, ou seja, diante de obje-

    tos sicos, ideias, instuies, avidades, com base nos sendos que as coisas

    apresentam para eles, sendo que o sendo que os seres humanos atribuem

    realidade emerge do prprio processo interacional (MEAD, 1934, 1964; MELT-

    ZER, 1959).

    Consideraes nais

    O conjunto de pesquisas e reexes empreendidas pelos parcipantes do De-

    partamento de Sociologia de Chicago na dcada de 1920 concentraram a aten-

    o em determinados eixos temcos, entre os quais destacam-se o processo

    de organizao social, ecologia social e psicologia social. Os estudos de orga-nizao social, impulsionados pelo trabalho The Polish Peasent in Europe and

    America,de William Thomas e Florian Znaniecki, abordaram uma pluralidade de

    universos sociais, movendo-se da anlise de grupos primrios a estudos de co-

    munidade, enfocando organizaes de larga escala social, como o sistema eco-

    nmico, educacional, imprensa, associaes voluntrias, procurando desvendar

    as propriedades constuvas de cada um desses contextos parculares. As pes-

    quisas realizadas sob a perspecva da ecologia humana, levada adiante por Ro-

    bert Park, Ernest, Burguess, Edwin Trasher e Harvey Zorbaugh, ao enfazarem a

    relao entre espao urbano e vida social, acentuaram os processos de compe-o, conito e acomodao existentes na cidade de Chicago e seu respecvo

    impacto no processo de comportamento dos indivduos. As reexes realizadas

    em torno de questes relavas psicologia social efetuadas por George Herbert

    Mead, John Dewey, Charles Cooley, Ellsworth Faris, entre outros, ofereceram

    contribuies signicavas para repensar as mediaes que permeiam as re-

    laes existentes entre indivduo e sociedade. Nenhum desses eixos temcos

    exerceu um domnio acadmico absoluto no interior do Departamento de So-

    ciologia de Chicago; ao contrrio dessa tendncia, no seria incorreto armar

    que ocorreu uma nma conexo e uidez intelectual entre essas interfaces de

    invesgao.

    Dessa forma, os trabalhos desenvolvidos no interior do Departamento de So-

    ciologia de Chicago, na dcada de 1920, dicilmente pode ser enquadrado num

    paradigma sociolgico unvoco, uma vez que seus parcipantes jamais reivin-

    dicaram a insero numa vertente terica no contexto da sociologia. Deve-se

    destacar tambm que o termo interacionismo simblicotampouco foi ulizado

    pelos seus docentes e alunos para designar a avidade intelectual que esta-

    vam realizando. O conjunto de trabalhos realizados que na maioria das vezes

    integrava uma abordagem etnogrca com uma reexo terica contribuiupara a compreenso da complexidade da interao entre as mudanas que vi-

    nham ocorrendo na cidade de Chicago e seu impacto nas experincias concretas

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    231Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    nas vidas dos indivduos e na formao de suas personalidades, de tal forma que

    forneceram contribuies metodolgicas relvantes para integrar os nveis macro

    e micro da vida social. Apesar de no direcionar suas pesquisas e reexes na

    construo de uma nova abordagem terica, o resultado do empreendimento

    intelectual levado a efeito pelos socilogos de Chicago na dcada de 1920 forne-

    ceram elementos empricos e tericos que permiram embasar determinados

    pressupostos da corrente interacionista que foi edicada e codicada em um

    perodo posterior.

    A relao recproca entre indivduo e sociedade, que constui um pressupos-

    to central desenvolvido pela anlise interacionista, foi amplamente explorada

    pelos trabalhos levados a cabo pelos parcipantes do Departamento de Socio-

    logia de Chicago. Certamente, consui um trusmo no panorama atual das cin-cias sociais ressaltar a interpenetrao entre os diferentes contextos sociais e

    o comportamento codiano dos indivduos. No entanto, no perodo em que os

    integrantes do Departamento de Chicago estavam elaborando seus trabalhos,

    predominava na sociologia norte-americana uma orientao que abordava o in-

    divduo e a sociedade como unidades metodologicamente disntas e separadas

    teoricamente. Na perspecva individualista ento predominante no contex-

    to da sociologia norte-americana , a sociedade era compreendida como um

    agregado de indivduos cujos comportamentos, em larga medida, eram impul-

    sionados por mecanismos biolgicos, derivados por estruturas sicas da men-te humana, ou comandados por respostas insnvas do ser humano diante do

    esmulo do meio circundante. Nessa direo, a sociedade era percebida como

    um elemento antagnico, que restringia potencialmente as tendncias naturais

    do ser humano. Ao distanciar da perspecva que enfocava a sociedade como

    resultado de movaes internas dos indivduos ou de fatores externos, os tra-

    balhos desenvolvidos pelos socilogos do Departamento de Chicago colocaram

    em evidncia a importncia de proceder uma anlise meculosa dos contextos e

    situaes sociais concretas nas quais ocorrem o comportamento humano.

    O trabalho de Charles Cooley, Human Nature and Social Control, destacou a

    importncia da mediao do grupo social, parcularmente dos grupos prim-

    rios, no processo de socializao dos indivduos e de seu efeito na dinmica da

    complexa interao existente entre os indivduos e a sociedade. Em sua pers-

    pecva, comparlhada por vrios integrantes do Departamento de Sociologia

    de Chicago, o grupo social era portador de um conjunto de signicados e de

    cdigos sociais produzidos no prprio processo de interao. Em sua viso, o

    comparlhamento de cdigos produzidos no interior de um determinado gru-

    po cria condies e movaes favorveis para o comportamento dos indivdu-

    os na sociedade e contribuem para localizar o indivduo e seus parceiros num

    amplo sistema de relaes sociais, de tal forma que, na concepo de Charles

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    232 Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    Cooley, indivduo e sociedade constuem dois lados da mesma moeda. As for-

    mulaes dos socilogos de Chicago destacaram a dimenso subjeva da vida

    social, uma vez que colocaram em evidncia o carter avo dos indivduos,

    acentuando sua capacidade de pensar, perceber, julgar, opinar, formular proje-

    tos de vida e construir suas indendades pessoais. Ao mesmo tempo, ao ana-

    lisar variados pos de instuies sociais, ao abordar a regulao do espao

    urbano, ao enfocar a existncia de valores e regras que regulam as relaes so-

    ciais, destacaram tambm a dimenso objeva da vida social. Na anlise da re-

    lao entre contextos sociais e indivduos, entre organizaes sociais e sistemas

    de personalidade, ulizaram uma perspecva mais processual que estrutural,

    ou seja, destacaram que a existncia de diferentes pos de organizaes ma-

    crossociais so criadas, mandas e modicadas pela avidade humana, atravs

    de interaes recprocas que os indivduos estabelecem entre si, de tal modo

    que as interaes sociais criam, mantm e recriam a dimenso objeva da vida

    social (COOLEY, 1964).

    O pressuposto da dimenso simblica e interpretava da vida social, que infor-

    mou posteriormente a anlise interacionista, encontra-se subjacente nos tra-

    balhos desenvolvidos no Departamento de Chicago na dcada de 1920. Ao se

    distanciarem da concepo que abordava a sociedade como um somatrio de

    indivduos que se agregavam para enfrentar as limitaes do meio sico em

    voga na sociologia norte-americana da poca , os integrantes do Departamen-to de Chicago destacaram que a sociedade construda atravs do comparlha-

    mento de um amplo conjunto de signicados culturais e sociais entre os seus

    parcipantes. Nesse sendo, os trabalhos e reexes efetuados destacaram o

    papel da aprendizagem das normas sociais, de tal forma que os indivduos criam

    habilidades que lhes permitem passar de disposies cognivas gerais com-

    preenso de fatos parculares, a ulizar os recursos da linguagem, a expressar

    e a compreender gestos no verbais no processo de interao social. Na viso

    dos socilogos de Chicago, a aprendizagem ao longo da existncia de um amplo

    espectro de cdigos sociais permite aos indivduos situarem-se diante do mun-do, classicarem objetos em categorias compreenveis para si e para os demais

    parcipantes de um processo interacional, adotarem disposies mutuamente

    previsveis em um determinado contexto social, de tal forma que, elaborando a

    signicao de sua conduta, o indivduo , ao mesmo tempo, elaborada por ela.

    Ao acentuar que os indivduos so atores de sua existncia e no um mero

    agente que comporta atravs de reaes a um conjunto de regras e valores

    sociais exteriores, vrios trabalhos realizados no interior do Departamento de

    Chicago abriram um anco para a reexo sobre a dimenso interpretava que

    os indivduos ulizam diante das situaes nas quais se encontram inseridos.

    As reexes de George Herbert Mead, John Dewey e Charles Cooley sobre o

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    233Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    papel avo e reexivo da conscincia dos indivduos no processo social repre-

    sentaram contribuies relevantes para a compreenso da dimenso interpre-

    tava da vida social. Nessa direo, ao denir uma determinada situao so-

    cial nos termos formulados por William Thomas, o indivduo que a projetou

    encontra-se diante da incessante tarefa de interpretar sua dinmica, ou seja,

    exercer um autocontrole sobre a imagem que criou de si mesmo para os de-

    mais parcipantes envolvidos no processo interacional e, ao mesmo tem-

    po, interpretar constantemente as reaes dos demais parcipantes diante

    de seu prprio comportamento. As reexes de Charles Cooley condas em

    seu livro Human Nature and the Social Order ofereceram contribuies te-

    ricas para a compreenso do peso da dimenso interpretava na vida social;

    seu conceito looking-glass-self destaca que os indivduos formulam imagens,

    percepes e julgamentos sobre os outros em suas mentes, de tal modo que

    os indivduos existem reciprocamente na mente do outro, fenmeno esse

    que conduziu Charles Cooley a salientar que a imaginao que as pessoas

    possuem umas sobre as outras constui um slido e signicavo fato social.

    O pressuposto de que as avidades humanans ocorrem em situaes determi-

    nadas em tempo e espao especcos que orientam a perspecva interacionis-

    ta tambm foi amplamente explorada pelos integrantes do Departamento de

    Sociologia de Chicago no perodo em foco. O empreendimento intelectual de-

    senvolvido pelos seus docentes e alunos destacou que a compreenso de umfenmeno social parcular envolve a tarefa metodolgica de relacion-lo com o

    lcusde sua produo, o esforo intelectual de arcul-lo com outros fenme-

    nos sociais pernentes sua compreenso e contextualiz-lo numa perspec-

    va processual, ou seja, compreender a dinmica do processo interacional que

    envolve sua produo, bem como a necessidade analis-lo, interligando uma

    abordagem sincrnica com uma perspcva diacrnica. Nessa perspecva, os so-

    cilogos de Chicago destacaram que os indivduos encontram-se inseridos em

    contextos nacionais, culturais e instucionais e desenvolvem suas as codia-

    nas em variadas situaes sociais, tais como em determinadas condies eco-nmicas, familiares, grupos sociais parculares, relaes raciais e encontram-se

    tambm diante de recursos espaciais, materiais e simblicos especcos que

    constuem condies reais de seu comportamento na vida social.

    Ao mesmo tempo em que salientaram o substrato objevo da realidade social,

    expresso numa ampla gama de instuies sociais que permeiam as vidas e as

    personalidades dos indivduos, seus trabalhos ressaltaram que as instuies

    que aparentam um elevado grau de estabilidade social encontram-se expos-

    tas tambm a um processo de mudana social, uma vez que so produzidas

    pela avidade humana. As anlises de William Thomas chamaram a ateno

    a propsito da relao entre atudes do indivduo, ou seja, sua predisposio

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    234 Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    em agir, e a realidade objeva na qual se encontra inserido. Nesse sendo,

    distanciou-se de uma perspecva behaviorista que explicava o comportamento

    dos indivduos em funo de respostas ao esmulo provocado pelo ambiente.

    Em sua concepo, os indivduos possuem um papel avo diante da situao

    social na qual se encontram inseridos, uma vez que suas atudes contribuem

    tambm para (re)denir uma determinada situao social. Suas elaboraes

    colocaram em tela que se, por um lado, as diversas situaes socias possuem

    um aspecto objevo na estruturao do comportamento, possui tambm uma

    dimenso de instabilidade intrnseca, uma vez que o ponto de vista de cada

    ator constui um elemento estratgio na construo da denio das situaes

    sociais, conduzindo o indivduo a avaliar connuamente as circunstncias nas

    quais se encontra envolvido, e se posicionar num incessante e recproco jogo

    de reavaliao e reajustamento com os demais parcipantes da situao. Em

    sua viso, a signicao de um objeto ou de uma situao no reside apenas

    em sua manifestao objeva, mas comporta tambm a dinmica do processo

    interacional estabelecido entre seus parcipantes e nas possveis (re)denies

    que podem ocorrer nas situaes sociais.

    No perodo ps-segunda guerra, o sistema universitrio norte-americano expe-

    rimentou uma signicava expanso que possibilitou a emergncia de novos

    centros de ensino e de pesquisa. O Departamento de Chicago, que, atravs de

    suas pesquisas e reexes, teve inuncia decisiva na organizao instucionalda disciplina, presena monopolista na publicao doAmerican Journal of Socio-

    logy e dominou o campo da sociologia por um longo perodo, encontrou diante

    de si concorrrncia de outros departamentos, parcularmente os de Harvard e

    Columbia. A parda de Robert Park, ocorrida em 1934, recorrentemente, serve

    como um marcador simblico que expressa o m do apogeu acadmico da fase

    inicial do Departamento de Sociologia de Chicago. No nal dos anos 1930, a ba-

    lana de poder acadmico pendeu favoravelmente para o Departamento de So-

    ciologia de Harvard, em cujo interior Talco Parsons props um ambicioso pro-

    jeto terico estrutural-funcional visando analisar os elementos constuvos dosistema da ao humana. O trabalho de Talco Parsons, The Structure of Social

    Acon, publicado em 1937, recorreu exclusivamente a pensadores europeus

    para formar seu quadro de referncia analca e no dedicou uma nica men -

    o ao desenvolvimento da losoa pragmca desenvolvida por John Dewey

    e George Herbert Mead, e tampouco aos trabalhos de pesquisa realizados pe-

    los pioneiros do Departamento de Sociologia de Chicago, apesar de conhecer

    a produo intelectual realizada no seu interior, uma vez que, em 1936, minis-

    trou curso de vero nas suas dependncias. Simultaneamente, o Departamento

    de Columbia, atravs da atuao de Paul Lazersfeld e Robert Mertom, passoua desenvolver soscadas tcnicas de invesgao quantava no campo da

    sociologia, coroando o esforo de Franklin Giddings que, durante o extenso

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    235Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Nmero 2 Maio/Agosto 2013

    perodo que esteve na direo do Departamento de Columbia, ou seja, entre a

    metade de 1890 at 1920, trabalhou avamente para incorporar mtodos esta-

    scos na anlise sociolgica (CAMIC, 1996; FINE,1995, p 1-16)

    Apesar da emergncia de novos centros dominantes no contexto da sociologia

    norte-americana, o legado intelectual dos pioneiros do Departamento de Socio-

    logia foi levado adiante por uma nova gerao de docentes, entre os quais desta-

    cam Louis Wirth, Evere Hughes, Loyd Warner, Anselm Strauss, Robert Redeld,

    entre outros. Apesar das diferenas intelectuais existentes, eles comparlhavam

    um eslo de trabalho sociolgico inaugurado pelos seus predecessores, ou seja,

    uma disposio de realizar exausvos trabalhos de campo com o propsito de

    compreender minuciosamente as aes humanas, uma ateno especial para as

    circunstncias concretas nas quais ocorrem a trama da avidade dos indivduos,um senmento de cecismo com relao a uma teorizao abstrata sobre a vida

    social, uma descrena com relao eccia de elaborao de tratados formais

    sobre procedimentos metodolgicos, uma renada atude de ironia e irreve-

    rncia intelectual com relao ao mundo ocial e seus representantes legais.

    Herbert Blumer, um ex-aluno de George Herbert Mead, que integrava tambm

    esse grupo de docentes, assumiu a tarefa de sistemazar e codicar o legado

    intelectual de determinados aspectos do trabalho realizado pelos pioneiros do

    Departamento de Sociologia na dcada de 1920. Nesse sendo, destacou as

    signicavas contribuies dos seus trabalhos para compreender a capacidadecriava da avidade humana diante do mundo social, a dimenso autorreexi-

    va ulizada pelos indivduos diante das situaoes sociais, o incessante aspecto

    interpretavo realizado pelos indivduos durante os processos interacionais, a

    orientao de inserir a anlise do comportamento humano em tempo e espao

    especcos como condiosine qua non de sua inteligibilidade e integrou essas

    orientaes que se encontravam subjacentes no trabalho desenvolvido pelo De-

    partamento de Chicago, em um corpusterico designado por ele em 1937 de

    interacionismo simblico que, a parr de ento, se expandiu, diversicou-se in-

    ternamente e integrou-se avamente no panorama metodolgico e terico dascincias sociais contemporneas.

    Abstract: The arcle highlights that the parcipants from the Chicago Department of

    Sociology in the twenes did not have the intenon of creang a new sociological ap -

    proach.The concept of Symbolic Interacionism has never been used to assign the works

    that were being accomplished by the parcipants. Therefore, the empirical research and

    the thought used inside that Department related to the process of interacon betwe-

    en individual and society have opened the way for a new explanaon of social life in

    a later moment. Only at the end of the decade, 1930, the sociological work that had

    been accomplished in that Department was codied in a corpus of theorecal principles

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