mascaras menotti del picchia
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Poema de Menotti del PicchiaTRANSCRIPT
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Menotti Del Picchia
Máscaras
PERSONAGENS:
Arlequim : Um desejo Pierrot : Um Sonho Colombina: A Mulher
Em qualquer terra em que os homens amem. Em qualquer tempo onde os homens sonhem. Na vida.
BEIJO DE ARLEQUIM
I
O crescente cintila como uma cimitarra. Lírios longos, grandes mãos brancas estendidas para o luar, bracejam nas pontas das hastes. Uma balaustrada. Uma bandurra. Um Arlequim. Um Pierrot E, sobre as máscaras e os lírios, a volúpia da noite, cheia de arrepios e de aromas.
ARLEQUIM diz:
Foi assim: deslumbrava a fidalga beleza da turba nos salões da Senhora Duquesa. Um cravo, em tom menor, numa voz quase humana, tecia o madrigal de uma antiga pavana. Eu descera ao jardim. Cheirava a heliotrópio e vi, como quem vê num vago sonho de ópio, uma loura mulher...
PIERROT
Loura?
ARLEQUIM Como as espigas... Como os raios de sol e as moedas antigas...Notei-lhe, sob o luar, a cabeleira crespa, anca em forma de lira e a cintura de vespa, um cravo no listão que o seio lhe bifurca, pezinhos de mousmé, olhos grandes, de turca... A boca, onde o sorriso era como uma abelha, recendia tal qual uma rosa vermelha. PIERROT Falaste-lhe?
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ARLEQUIM Falei... PIERROT E a voz? ARLEQUIM Vaga e fugace. Tinha a voz de uma flor, se acaso a flor falasse...
PIERROT
E depois? ARLEQUIM
Eu fiquei, sob a noite estrelada, decidido a ousar tudo e não ousando nada... Vinha dela, pelo ar, espiritualizado numa onda volúpia, um cheiro de pecado... Tinha a fascinação satânica, envolvente, que tem por um batráquio o olhar duma serpente... e fiquei, mudo e só, deslumbrado e tristonho, sentindo que era real o que eu julgava um sonho! Em redor o jardim recendia. Umas poucas tulipas cor de sangue, abertas como bocas, pela voz do perfume insinuavam perfídias...
Tremia de pudor a carne das orquídeas... Os lírios senhoreais, esbeltos como galgos, abriram para o céu cinco dedos fidalgos fugindo à mão floral do cálix longo e fino. Um repuxo cantava assim como um violino e, orquestrando pelo ar as harmonias rotas, desmanchava-se em sons, ao desfazer-se em gotas! Entre a noite e a mulher, eu trêmulo hesitava: se a noite seduzia, a mulher deslumbrava! Dei uns passos Ao ruído agitou-se assustada. Viu-me...
PIERROT
E ela que fez?
ARLEQUIM
Deu uma gargalhada.
PIERROT
Por que?
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ARLEQUIM
Sei lá! Mulher...Talvez porque ela achasse ridículo Arlequim com ar de Lovelace... Aconcheguei-me mais: “Deus a guarde, Senhora!” - Obrigada. Quem és? - “Um arlequim que a adora!”
Vinha do seio dela, entre a renda e a miçanga, um cheiro de mulher e um cheiro de cananga. Eram os olhos seus, sob a fronte alva e breve, como dois astros de ouro a arder num céu de neve. Mordia, por não rir, o lábio úmido e langue, vermelho como um corte inda vertendo sangue...E falei-lhe de amor...
PIERROT
E ela? ARLEQUIM
Ficou calada... Meu amor disse tudo, ela não disse nada, mas ouviu , com prazer, a frase que renova no amor que é sempre velho, a emoção sempre nova!
PIERROT
Que lhe disseste enfim?
ARLEQUIM
O ardor do meu desejo, a glória de arrancar dos seus lábios um beijo, a volúpia infernal dos seus olhos devassos, o prazer de a estreitar , nervoso, nos meus braços, de sentir a lascívia heril dos seus meneios, esmagar no meu peito a carne dos seus seios!
PIERROT, assustado:
Tu ousaste demais...
ARLEQUIM, cínico:
Ingênuo! A mulher bela adora quem lhe diz tudo o que é lindo nela. Ousa tudo, porque todo o homem enamorado se arrepende, afinal, de não ter tudo ousado.
PIERROT
E ela?
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ARLEQUIM
Vinha pelo ar, dos zéfiros no adejo, um perfume de amor lascivo como um beijo, como se o mundo em flor vibrasse, quente e vivo, no erotismo triunfal de um amor coletivo!
PIERROT, fremindo:
E ela?
ARLEQUIM
Ansiando, ouviu toda essa paixão louca, levantou-se...
PIERROT
Depois?
ARLEQUIM , triunfante:
Deu-me um beijo na boca!
Um silêncio cheio de frêmito. Os lírios tremem. Pierrot olha o crescente. Arlequim dá um passo, vê a brandura, toma-a entre as mãos nervosas e magras e tange, distraído, as cordas que gemem.
ARLEQUIM
Linda viola.
PIERROT, alheado:
Bom som...
ARLEQUIM
Que musicais surpresas não encerra a mudez destas cordas retesas...
Confidencial a Pierrot:
Olha: penso, Pierrot, que não existe em suma, entre a viola e a mulher, diferença nenhuma. Questão de dedilhar, com certa audácia e calma, numa...estas cordas de aço, e na outra...as cordas d’alma!
Suavemente, exaltando-se:
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O beijo da mulher! Ó sinfonia louca da sonata que o amor improvisa na boca... No contado do lábio, onde a emoção acorda, sentir outro vibrar, como vibra uma corda... À vaga orquestração da frase que sussurra ver um corpo fremir tal qual uma bandurra...Desfalecer ouvindo a música que canta no gemido de amor que morre na garganta...Colar o lábio ardente à flor de um seio lindo, ir aos poucos subindo...ir aos poucos subindo...até alcançar a boca e escutar, num arquejo, o universo parar na síncope de um beijo!
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Eis toda a arte de amar! Eis, Pierrot fantasista, a suprema criação da minha alma de artista. Compreendes?
PIERROT, ansiado:
E a mulher?
ARLEQUIM, lugubremente:
A mulher? É verdade... Levou naquele beijo a minha mocidade.
PIERROT
E agora? Onde ela está?
ARLEQUIM, ironicamente místico:
No meu lábio, no ardor desse beijo, que é todo um romance de amor! Seduzido pela angústia da saudade:
No temor de pedi-lo e na glória de tê-lo... No gozo de prová-lo e na dor de perdê-lo... No contato desfeito e no rumor já mudo... No prazer que passou...Nesse nada que é tudo: O passado!... a lembrança... a saudade... o desejo...
Balbuciando:
Um jardim... Um repuxo...Uma mulher... Um beijo....
(Longo silêncio cheio de evocação e de cismas).
PIERROT, ingenuamente:
É audaciosa demais a tua história...
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ARLEQUIM, ríspido:
Enfim, um Arlequim, Pierrot, é sempre um Arlequim. Toda história de amor só presta se tiver, como ponto final, um beijo de mulher!
O SONHO DE PIERROT
II
PIERROT
Eu também, Arlequim, nesta vida ilusória, como todos Pierrots, eu tenho uma história, vaga, talvez banal, mas triste como um cântico...
ARLEQUIM, sarcástico:
Não compreendo um Pierrot que não seja romântico, branco como o marfim, magro como um caniço, enchendo o mundo de ais, sem nunca passar disso.
PIERROT
Debochado Arlequim! ARLEQUIM
Branco Pierrot tristonho...
PIERROT
Teu amor é lascívia!
ARLEQUIM
E o teu amor é sonho...
PIERROT
É tão doce sonhar!... A vida , nesta terra, vale apenas, talvez, pelo sonho que encerra. Ver vaga e espiritual, das cismas nos refolhos, toda uma vida arder na tristeza de uns olhos; não tocar a que se ama e deixar intangida aquela que resume
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a nossa própria vida, eis o amor, Arlequim. , misticismo tristonho, que transforma a mulher na incerteza de um sonho....
ARLEQUIM, escarninho:
Esse amor tão sutil que teus nervos reclama só se aplica aos Pierrots?
PIERROT
Não! A todos os que amam! Aos que têm esse dom de encontrar a delícia na intenção da carícia e nunca na carícia...Aos que sabem, como eu, ver que no céu reflete a curva do crescente, um vulto de Pierrette...
ARLEQUIM, zombeteiro:
Eterno sonhador! Tu crês que vive a esmo tudo aquilo que sai de dentro de ti mesmo. Vês, se fitas o céus, garota e seminua, Colombina sentada entre os cornos da lua...Quanta vezes não viste o seu olhar abstrato nos fosfóreos vitrais das pupilas de um gato?
PIERROT
Essas frases cruéis, que mordem como dentes, só mostram, Arlequim, que somos diferentes. Mas minha alma, afinal, é compassiva e boa: não compreendes Pierrot. E Pierrot te perdoa...
ARLEQUIM
Tua história, vai lá! Senta-te nesse banco. Conta-me: “Era uma vez um Pierrot muito branco...” A história de um Pierrot sempre nisso consiste... Começa.
PIERROT narrando:
“Era uma vez... um Pierrot... muito triste... “
Uma voz, na distância, corta, argentina, a narração de Pierrot.
A VOZ
Foi um moço audaz, que vejo no meu sonho claro e doce, O amor que primeiro amei.. Abraçou-me: deu-me um beijo e, depois, lento, afastou-se, e nunca mais o encontrei.
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Num ser pálido e doente resume-se o que consiste o segundo amor que amei. Ele olhou-me tristemente... Eu olhei-o muito triste... E nunca mais o encontrei!
Esse amor deu-me o desejo daquele beijo encontrar. Mas nunca, reunidas, vejo, a volúpia desse beijo, e a tristeza desse olhar...
A voz agoniza nos ecos. Pierrot e Arlequim tendem o ouvido procurando no ar mais uma estrofe.
ARLEQUIM
Essa voz...
PIERROT
Essa voz...
ARLEQUIM
Só de ouvi-la estremeço...
PIERROT
Eu conheço essa voz!
ARLEQUIM
Essa voz eu conheço...
Um sopro de brisa arrepia as plantas.
PIERROT Escuta...
ARLEQUIM
Escuta...
PIERROT
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Ouviste?
ARLEQUIM Um sussurro...
PIERROT
Um lamento... ARLEQUIM
Foi o vento talvez.
PIERROT
Sim. Talvez fosse o vento.
ARLEQUIM
Conta a história, Pierrot.
Pierrot continuando:
Numa noite divina como tu, num jardim, encontrei Colombina. Loira como um trigal e branca como a lua.
ARLEQUIM
Era loira também?
PIERROT
Tão loira como a tua... Eu descera ao jardim quebrado de fadiga. Dançavam no salão...
ARLEQUIM, interrompendo:
... uma pavana antiga, e notaste ao luar a cabeleira crespa...
PIERROT
... a anca em forma de lira...
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ARLEQUIM
... e a cintura de vespa!
PIERROT
Mãos mimosas, liriais...
ARLEQUIM
Em minúcias te expandes! PIERROT
Um pé muito pequeno...
ARLEQUIM
Uns olhos muito grandes! Uma mulher igual à que encontrei na vida?
PIERROT, ofendido:
Enganas-te, Arlequim, nem mesmo parecida! Era tal a expressão do seu olhar profundo, que não pode existir outro igual neste mundo! Felinamente ardia a íris verdoenga e dúbia, como o sinistro olhar de uma pantera núbia.
Esses olhos fatais lembravam traiçoeiras feras, armando ardis nos fojos das olheiras! Tão vivos que, Arlequim, desvairado, os supus duas bocas de treva e erguer brados de luz! Tripudiavam o bem e o mal nos seus refolhos.
ARLECRIM, cismando:
Essas coisas também ardiam nos seus olhos...
PIERROT
Tive medo, Arlequim! Vendo-os, num paroxismo eu tinha a sensação de estar sobre um abismo. Não sei porque o olhar dessa estranha criatura era cheio de horror...e cheio de doçura! Eu desejava arder nessas chamas inquietas...
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ARLEQUIM
Tendo o fim dos Pierrots?
PIERROT
Tendo o fim dos Poetas! Aconcheguei-me dela, a alma vibrante louca, o coração batendo...
ARLEQUIM
E beijaste-lhe a boca.
PIERROT, cismarento:
Não...Para que beijar? Para que ver, tristonho, no tédio do meu lábio o vácuo do meu sonho... Beijo dado, Arlequim, tem amargos ressábios... Sempre o beijo melhor é o que fica nos lábios, esse beijo que morre assim como um gemido, sem ter a sensação brutal de ser colhido...
ARLEQUIM
E que disse a mulher?
PIERROT
Suspirou de desejo...
ARLEQUIM , mordaz:
Preferia, bem vês, que lhe desses um beijo!
PIERROT
Não. Ela olhou-me. Olhei... E vi que, comovida, sentiu que , nesse olhar, eu punha a minha vida...
Um silêncio cheio de angústias vagas. Sob o luar claro as almas brancas dos Lírios evocam fantasmas de emoções mortas. Os espectros das memórias parecem recolher, como numa urna invi- sível, a saudade romântica de Pierrot...
ARLEQUIM, tristonho:
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Essa história, Pierrot, é um pouco merencória...
PIERROT
A história desse olhar é toda a minha história.
ARLEQUIM E não a viste mais?
PIERROT
Nem sei mesmo se existe... ARLEQUIM, contendo o riso:
É de fazer chorar! Tudo isso é muito triste!
Tomando-o pelo braço, confidencialmente:
Entretanto, ouve aqui, à guisa de consolo: diante dessa mulher...foste um Pierrot bem tolo! Aprende, sonhador! Quando surgir o ensejo, entre um beijo e um olhar, prefere sempre um beijo!
PIERROT, desconsolado:
Lamentas-me Arlequim? ARLEQUIM
Tu não compreendeste: choro não ter colhido o beijo que perdeste.
O AMOR DE COLOMBINA
II
Uma voz que canta se aproxima.
A VOZ
Esse olhar deu-me o desejo daquele beijo encontrar, mas nunca , reunidas, vejo a volúpia desse beijo e a tristeza desse olhar!
PIERROT , extasiado:
![Page 13: Mascaras Menotti Del Picchia](https://reader036.vdocuments.net/reader036/viewer/2022082315/5571f78a49795991698b8f4a/html5/thumbnails/13.jpg)
Escutaste, Arlequim, que cantiga tão bela?
ARLEQUIM
Era dela esta voz?
PIERROT
Esta voz era dela...
Arlequim está imerso na sombra e um raio de luar ilumina Pierrot. Entra Colombina trazendo uma braçada de flores.
COLOMBINA, vendo Pierrot:
Tu? Que fazes aqui?
PIERROT Espero-te, divina...A sorte de um Pierrot é esperar Colombina!
COLOMBINA
Pela terra florida, olhos cheios de pranto, eu procurei-te muito...
PIERROT
E eu esperei-te tanto!
COLOMBINA
Onde estavas, Pierrot? Entre as balsas amigas, tendo no peito um sonho e no lábio cantigas, dizia a cada flor: “Mimosa flor, não viste um Pierrot muito branco...” PIERROT
Um Pierrot muito triste...
COLOMBINA
E respondia a flor: “Sei lá... Nestas campinas passam tantos Pierrots atrás de Colombinas...” E eu seguia e indagava: “Ó regato risonho: não viste, por acaso, o Pierrot do meu sonho? “ E o regato correndo e cantando, dizia: “Coro e canto e não vejo” - e cantava e corria... Nos céus, ergendo o olhar, eu via, esguio e doente, o pálido Pierrot recurvo do crescente... Assim te procurei, entre as balsas amigas, tendo no peito um sonho e no lábio cantigas, só porque, meu amor, uma noite, num banco, eu encontrara olhar de um triste Pierrot branco.
![Page 14: Mascaras Menotti Del Picchia](https://reader036.vdocuments.net/reader036/viewer/2022082315/5571f78a49795991698b8f4a/html5/thumbnails/14.jpg)
PIERROT
Não! Não era um olhar! Ardia nessa chama toda a angústia interior do meu peito que te ama Nosso corpo é tal qual uma torre fechada onde sonha , em seu bojo, uma alma encarcerada. Mas se o corpo é essa torre em carne e sangue erguida, O olhar é uma janela aberta para a vida, e, na noite de cisma, enevoada e calma, na janela do olhar se debruça nossa alma
COLOMBINA, languidamente abraçada a Pierrot:
Olha-me assim, Pierrot... Nada mais belo existe que um Pierrot muito branco e um olhar muito triste... Os teus olhos, Pierrot, são lindos como um verso. Minh’alma é uma criança, e teus olhos um berço com cadências de vaga e, à luz do teu olhar, tenho ânsias de dormir, para poder sonhar! Olha-me assim, Pierrot... Os teus olhos dardejam! São dois lábios de luz que as pupilas me beijam... São dois lagos azuis à luz clara do luar... São dois raios de sol prestes a agonizar... Olha-me assim Pierrot... Goza a felicidade de poluir com esse olhar a minha mocidade aberta para ti como uma grande flor, meu amor...meu amor...meu amor...
PIERROT
Meu amor!
Colombina e Pierrot abraçam-se ternamente. Há, como um cicio de beijos, entre os canteiros dos lírios. Arlequim, vendo-os, sai da treva e, com voz firme, chama.
ARLEQUIM
Colombina! COLOMBINA, voltando-se assustada:
Quem é?
ARLEQUIM
Sou alguém, cuja sina foi amar, com Pierrot, a mesma Colombina. Alguém que, num jardim, teve o sublime ensejo de beijar-te e jamais se
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esquecer desse beijo!
COLOMBINA, desprendendo-se de Pierrot:
Tu, querido Arlequim!
ARLEQUIM, galanteador:
Arlequim que te adora...Que te buscava há tanto e que te encontra agora.
COLOMBINA
E procurei-te em vão, mas te esperava ainda.
ARLEQUIM a Pierrot:
Ela está mais mulher...
PIERROT num êxtase:
Ai! Ela está mais linda!
ARLEQUIM, enfatuado, a Colombina:
És linda, meu amor! Nessa formas perpassa na cadência do Ritmo, a leveza da Graça. Teus braços musicais, curvos como perfídia, têm a graça sensual de uma estátua de Fídias. Não sendo inda mulher, nem sendo mais criança, encarnas, grande viva, a Flor de Liz de França... Sobe da anca uma curva ondulante que chega a teu corpo plasmar como uma ânfora grega e é teu vulto triunfal, longo, heráldico, esgalgo, coleante como um cisne e esbelto como um galgo!
COLOMBINA, fascinada: Lindo!
ARLEQUIM
E não disse tudo... E não disse do riso boêmio como ébrio e claro como um guizo. E ainda não falei dessa voz de sereia que, quando chora, canta, e quando ri, gorjeia...
Não falei desse olhar cheio de magnetismo, que fulge como um astro e atrai como um abismo, e do beijo, que como uma carícia louca...
![Page 16: Mascaras Menotti Del Picchia](https://reader036.vdocuments.net/reader036/viewer/2022082315/5571f78a49795991698b8f4a/html5/thumbnails/16.jpg)
inda canta em meu lábio e inda sinto na boca!
COLOMBINA com um voz sombria de volúpia:
Fala mais, Arlequim! Tua voz quente e langue tem lascivo sabor de pecado e de sangue. O venenoso amor que tua boca expele, põe-me gritos na carne e arrepios na pele! Fala mais, Arlequim! Quando te escuto, sinto O desejo explodir das potências do instinto, O brado da volúpia insopitada, a fúria, do prazer latejando em uivos de luxúria! Fala mais, Arlequim! Diz o ardor que enlouquece a amada que se toca e aos poucos desfalece, e que, cega de amor, lábio exangue, olhar pasmo, agoniza num beijo e morre num espasmo. Fala mais, Arlequim! Do monstruoso transporte que, resumindo a vida, anseia pela morte, dessa angústia fatal, que é o supremo prazer da glória de se amar, para depois morrer!
PIERROT, num soluço:
Ai de mim!...
COLOMBINA, como desperta:
Tu Pierrot!
PIERROT, num fio de voz:
Ai de mim que, tristonho, trazia à tua vida a oferta do meu sonho...Pouca coisa, porém... Uma alma ardente e inquieta arrastando na terra um coração de poeta. Na velha Ásia, a Jesus, em Belém, um Rei Mago, não tendo outro partiu através de Cartago, atravessando a Síria, o Mar Morto infinito, a ruiva e adusta Líbia, o mudo e fulvo Egito, as várzeas de Gisej, o Hebron fragoso e imenso, só para lhe ofertar uns grânulos de incenso... Também vim, sonhador, pela vida, tristonho, trazer-te o meu amor no incenso do meu sonho.
COLOMBINA com ternura:
Como te amo, Pierrot...
ARLEQUIM
E a mim, cujo desejo te abriu o coração com a chave do meu beijo? A tua alma
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era como a Bela Adormecida: o meu beijo a acordou para a glória da vida!
CALOMBINA fascinada:
Como te amo, Arlequim!...
PIERROT
desvairado pelo ciúme, apertando-lhe os pulsos, numa voz estrangulada:
A incerteza que esvoaça desgraça muito mais do que a própria desgraça. Escolhe entre nós dois... Bendiremos os fados sabendo o que é feliz, entre dois desgraçados!
ARLEQUIM
Dize: Queres-me bem?
PIERROT:
Fala: gostas de mim?
COLOMBINA, hesitante:
A Pierrot:
Eu amo-te , Pierrot...
A Arlequim:
... Desejo-te, Arlequim...
ARLEQUIM, soturnamente:
A vida é singular! Bem ridícula, em suma... Uma só, ama dois... e dois amam só uma!..
COLOMBINA , sorrindo e tomando ambos pela mão:
Não! Não me compreendeis... Ouvi, atentos, pois meu amor se compõe do amor de todos dois... Hesitante, entre vós, o coração balanço:
A Arlequim:
O teu beijo é tão quente...
![Page 18: Mascaras Menotti Del Picchia](https://reader036.vdocuments.net/reader036/viewer/2022082315/5571f78a49795991698b8f4a/html5/thumbnails/18.jpg)
A Pierrot:
O teu sonho é tão manso...
Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma dando a Arlequim meu corpo e a Pierrot a minh’alma! Quando tenho Arlequim, quero Pierrot tristonho, pois um dá-me o prazer, o outro dá-me o sonho! Nessa duplicidade o amor todo se encerra: um me fala do céu... outro fala da terra! Eu amo, porque amar é variar, e em verdade toda a razão do amor está na variedade... Penso que morreria o desejo da gente, se Arlequim e Pierrot fossem um ser somente, porque a história do amor pode escrever-se assim:
PIERROT Um sonho de Pierrot...
ARLEQUIM E um beijo de Arlequim!