matemática - explorando o ensino - matemática - vol 3 - ensino médio p1

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COLEO EXPLORANDO O ENSINO

VOLUME 3

MATEMTICA ENSINO MDIO

COLEO EXPLORANDO O ENSINO Vol. 1 Matemtica (Publicado em 2004) Vol. 2 Matemtica (Publicado em 2004) Vol. 3 Matemtica: ensino mdio Biologia, Fsica e Qumica (em elaborao)

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Centro de Informao e Biblioteca em Educao (CIBEC) Matemtica : ensino mdio / organizao Suely Druck; seleo de textos Ana Catarina P. Hellmeister, Cludia Monteiro Peixoto. Braslia: Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica, 2004. 246 p.: il. (Coleo Explorando o ensino, volume 3) ISBN 85-98171-15-8 1. Educao matemtica. 2. Matemtica Ensino Mdio. I. Druck, Suely. II. Hellmeister, Ana Catarina P. III. Peixoto, Cludia Monteiro. IV. Brasil. Secretaria de Educao Bsica.

CDU: 51:373.5

MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA

MATEMTICA

ENSINO MDIO

BRASLIA 2004

SECRETRIO DE EDUCAO BSICA Francisco das Chagas Fernandes

ORGANIZAO Suely Druck SELEO DE TEXTOS Ana Catarina P. Hellmeister Cludia Monteiro Peixoto

SECRETRIO DE EDUCAO TECNOLGICA Antnio Ibaez Ruiz

EQUIPE TCNICA SEB/MEC Maria Marismene Gonzaga Pedro Tomaz de Oliveira Neto REVISO Silvana Cunha de Vasconcelos Castro Suely Fernandes Bechara PROJETO GRFICO Mrcio Alexandre de Castro Silvana Cunha de Vasconcelos Castro

DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE POLTICAS DO ENSINO MDIO Lucia Helena Lodi

CAPA Daniel Tavares

Tiragem 69 mil exemplares MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA Esplanada dos Ministrios, Bloco L, sala 500 CEP: 70.047 900 Braslia DF Tel. (61) 2104-8177 / 2104-8010 http://www.mec.gov.br

A Secretaria de Educao Bsica SEB do Ministrio da Educao apresenta aos professores do ensino mdio o terceiro volume da Coleo Explorando o Ensino, iniciada com os volumes 1 e 2, j publicados. Essa coleo tem o objetivo de apoiar o trabalho do professor em sala de aula, oferecendo um rico material didtico-pedaggico, referente s disciplinas de Matemtica, Biologia, Fsica e Qumica.Sabemos que a Matemtica est presente na vida cotidiana de todo cidado, por vezes de forma explcita e por vezes de forma sutil. No momento em que abrimos os olhos pela manh e olhamos a

APRESENTAOhora no despertador, estamos lendo na linguagem matemtica, exercitando nossa abstrao e utilizando conhecimentos matemticos que a humanidade levou sculos para construir. quase impossvel abrir uma pgina de jornal cuja compreenso no requeira um certo conhecimento matemtico e um domnio mnimo da linguagem que lhe prpria: porcentagens, grficos ou tabelas so necessrios na descrio e na anlise de vrios assuntos. Na sociedade atual, a Matemtica cada vez mais solicitada para descrever, modelar e resolver problemas nas diversas reas da atividade humana. Um mdico que interpreta um eletrocardiograma est utilizando um modelo matemtico ao dar um diagnstico, efetua um raciocnio matemtico e emprega conhecimentos de estatstica. Um pedreiro utiliza um mtodo prtico para construir ngulos retos que j era empregado pelos egpcios na poca dos faras. Uma costureira, ao cortar uma pea, criar um modelo, pratica sua

APRESENTAOviso espacial e resolve problemas de geometria. Apesar de a Matemtica permear praticamente todas as reas do conhecimento, nem sempre fcil mostrar ao estudante aplicaes interessantes e realistas dos temas a serem tratados ou motiv-los com problemas contextualizados. Para isso, importante compartilhar experincias e essencial que o professor tenha acesso a textos de leitura agradvel que ampliem seus horizontes e aprofundem seus conhecimentos. Inserir o contedo matemtico num contexto mais amplo, provocando a curiosidade do aluno ajuda a criar a base para um aprendizado slido que s ser alcanado por meio de uma real compreenso dos processos envolvidos na construo do conhecimento. No se trata, claro, de repetir um caminho que a humanidade levou sculos para percorrer. No entanto, preciso incentivar o aluno a formular novos problemas e a tentar resolver questes do seu jeito. O espao para a tentativa e erro importante para desenvolver alguma familiaridade com o raciocnio matemtico e o uso adequado da linguagem. Da mesma forma que possvel ler um texto, palavra aps palavra, sem compreender seu contedo, tambm possvel aprender algumas regrinhas e utilizar a Matemtica de forma automtica. Com o objetivo de ajudar o professor nas vrias reas da Matemtica, selecionamos alguns artigos da Revista do Professor de Matemtica (RPM) e os adaptamos para este volume. A RPM uma publicao da Sociedade Brasileira de Matemtica (SBM), com apoio da Universidade de So Paulo. O material aqui apresentado sugere a abordagem contextualizada, o uso de material concreto e apresenta uma variedade de situaes cotidianas em que a Matemtica se faz presente. Ao mesmo tempo, explora, em cada caso, o contedo de forma rigorosa e sistemtica, levanta problemas e indica solues e, nesse processo, expe os meandros do raciocnio matemtico. Os textos escolhidos esto distribudos por reas dos assuntos abordados no ensino mdio, fornecendo exemplos de modelagem matemtica, possibilitando que o professor amplie sua viso e insira os contedos num contexto amplo e interdisciplinar. Este terceiro volume publicado pelas Secretaria de Educao Bsica e Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica, que agradecem a participao da comunidade matemtica, por meio da SBM Sociedade Brasileira de Matemtica .

IntroduoNeste volume apresentamos artigos cuja leitura leva a aprofundar o conhecimento do professor que podem ser utilizados em sala de aula, quer por meio de atividades elaboradas pelo professor, quer como incentivo a reflexes sobre os temas abordados.H artigos nos quais situaes do cotidiano so resolvidas matematicamente, tais como: Quanto perco com a inflao, Trigonometria na oficina mecnica, A preciso do furo cilndrico, A capacidade do graneleiro, Por que as antenas so parablicas?, A hiprbole e os telescpios. Esses artigos fornecem exemplos para motivar e valorizar o estudo de diversos contedos programticos do ensino mdio. A Contagem, a Probabilidade e a Estatstica so abordadas de forma a incentivar a curiosidade, a motivar seu estudo e at a propor atividades para uma feira de cincias em artigos como: O jogo dos discos, Probabilidade geomtrica e o problema do macarro, O jogo de pquer e o clculo de probabilidades. Algumas crnicas, entre as quais, Professor de Matemtica cria confuso em campeonato de futebol, As mdias nunca explicadas, Prolas, alm de proporcionarem leitura agradvel, colocam problemas que so resolvidos matematicamente. Tambm a histria da Matemtica abordada em artigos como A soluo de Tartaglia para a equao do terceiro grau, vinculando a Matemtica histria do desenvolvimento do conhecimento humano. H tambm artigos que abordam temas de cultura geral, que explicam procedimentos ou contedos matemticos, exploram novas perspectivas, proporcionando outras interpretaes. De um modo geral, os textos deste volume possibilitam ao professor diversificar a abordagem e a apresentao de contedos programticos do ensino mdio, tornando suas aulas mais motivadoras, contribuindo para a melhoria do aprendizado de seus alunos. Os captulos Curiosidades e Problemas, que apresenta questes resolvidas, tratam temas interessantes e estimulantes.

SumrioCaptulo 1 lgebraProfessor de Matemtica cria confuso em campeonato de futebol MANOEL HENRIQUE CAMPOS BOTELHO ..................................................................... Quanto perco com a inflao? MANOEL HENRIQUE CAMPOS BOTELHO ..................................................................... Vale para 1, 2, 3, .... Vale sempre? RENATE WATANABE ................................................................................................ Prolas PAULO FERREIRA LEITE ............................................................................................ O nmero e, por qu? ELON LAGES LIMA ................................................................................................. As dzimas peridicas e a calculadora JOS PAULO Q. CARNEIRO .................................................................................... possvel construir um tringulo cujos lados estejam em PG de razo q? PAULO A. DA MATA MACHADO ................................................................................ A soluo de Tartaglia para a equao do terceiro grau CSAR POLCINO MILIES .......................................................................................... O produto de matrizes CLUDIO POSSANI ................................................................................................. Sobre o ensino de sistemas lineares ELON LAGES LIMA ................................................................................................. Uma experincia sobre ensino de sistemas lineares MARIA CRISTINA C. FERREIRA E MARIA LAURA M. GOMES ............................................... 13 18 20 24 28 31 36 38 46 51 55

Captulo 2 FunesUso de polinmios para surpreender CATHERINE HERR MULLIGAN .................................................................................... Codificando e decifrando mensagens ANTONIO CARLOS TAMAROZZI ................................................................................... Trigonometria na oficina mecnica PEDRO FIRMINO DA SILVA ........................................................................................ Logaritmos GERALDO VILA, RENATO FRAENKEL E ANTONIO C. G. MARTINS .................................... A interpretao grfica e o ensino de funes KATIA CRISTINA S. SMOLE, MARLIA R. CENTURIN E MARIA IGNEZ DE S. V. DINIZ ............... Funes e grficos num problema de freagem GERALDO VILA .................................................................................................... Ensinando trigonometria por meio da imagem ABDALA GANNAM .................................................................................................. Seno de 30 um meio? RENATE WATANABE ................................................................................................ Captulo 3 Geometria Por que os nomes elipse, parbola e hiprbole? GENI SHULZ DA SILVA ........................................................................................... 107 Por que as antenas so parablicas? EDUARDO WAGNER .............................................................................................. 109 65 69 73 75 84 90 96 99

A hiprbole e os telescpios GERALDO VILA ................................................................................................... A mgica do cubo GILDO A. MONTENEGRO ...................................................................................... Semelhana, pizzas e chopes EDUARDO WAGNER .............................................................................................. A preciso do furo cilndrico LUIZ MRCIO IMENES ............................................................................................ A capacidade do graneleiro ANTONIO ACRA FREIRA E GERALDO GARCIA DUARTE JR ................................................ Fulerenos e futebol: aplicaes da frmula de Euler LUIS FERNANDO MELLO ......................................................................................... Como cortar o pano para revestir o cesto? LUIZ MRCIO IMENES ............................................................................................ Uma construo geomtrica e a PG ELON LAGES LIMA ................................................................................................ Corte e costura ERNESTO ROSA NETO ........................................................................................... Elipse, sorrisos e sussuros RENATO J. C. VALLADARES ..................................................................................... Captulo 4 Contagem, Probabilidade e Estatstica

114 119 121 126 128 132 136 138 140 142

O problema dos discos ROBERTO RIBEIRO PATERLINI ................................................................................... 147 Intuio e probabilidade RAUL F W. AGOSTINO .......................................................................................... 154 . Mdia e mdia das mdias ADILSON SIMONIS E CLUDIO POSSANI ...................................................................... 156 Nmero de regies: um problema de contagem ANTONIO C. PATROCNIO ..................................................................................... 161 Probabilidade geomtrica e o problema do macarro EDUARDO WAGNER .............................................................................................. 166 O jogo de pquer e o clculo de probabilidades FLVIO WAGNER RODRIGUES ................................................................................ 171 Eventos independentes FLVIO WAGNER RODRIGUES .................................................................................. 179 Captulo 5 Curiosidades ....................................................................... 187 Captulo 6 Problemas .......................................................................... 213

Captulo 1

lgebra

11

12

Professor de Matemtica cria confuso em campeonato de futebolAdaptado do artigo de

Manoel Henrique C. Botelho

Numa prspera cidade do interior de SoPaulo, o prefeito, querendo justificar a necessidade de uma Secretaria de Esportes (dizia-se para poder nomear um primo de sua esposa), decidiu implantar um campeonato de futebol. Como no tivesse infra-estrutura administrativa para organizar o torneio, solicitou ao colgio estadual da cidade que organizasse o evento, j que o colgio tinha dois professores de Educao Fsica. Ambos os professores aceitaram a incumbncia, desde que os demais membros do corpo docente participassem. O fato que algo de contagiante aconteceu, e todos os professores se empolgaram com o torneio. A professora de Msica adaptou um velho hino para o hino do torneio. A professora de Filosofia criou o cdigo de tica do competidor e, como o professor de Matemtica tambm queria colaborar, pediu-se para fazer o regulamento da escolha do vencedor. 13

Alm de estabelecer os critrios gerais de classificao e desclassificao, era necessrio tambm estabelecer o critrio de desempate, em caso de dois times ficarem no final da disputa com o mesmo nmero de pontos ganhos. Era preciso, neste caso, um critrio de deciso. Decidir por saldo de gols era perigoso, pois poderia haver uma peruada la argentina. Decidir por pnaltis era complicado, pela prpria complexidade da cobrana, em face da famosa movimentao do goleiro antes de cobrar a falta ou da famosa paradinha criada pelo Rei Pel, que s chuta depois que o goleiro se desloca para um lado. Como esses critrios so sempre passveis de interpretao, e como tribunal de futebol de vrzea costuma ser o tapa, decidiu-se adotar um critrio muito usado em campeonatos estaduais e nacionais de futebol profissional: se, no final do campeonato, dois times estiverem com o mesmo nmero de pontos ganhos, o campeo ser o time com maior nmero de vitrias. O professor de Matemtica ouviu as recomendaes, fez a minuta do regulamento e apresentou-o Comisso Organizadora. Esta, por falta de tempo (eterna desculpa de ns brasileiros), aprovou tudo sem ler, em confiana! O Campeonato comeou e, no seu desenrolar, dois times se destacaram: o Heris do Minho (que dizem, mas nunca foi provado era financiado por um portugus, dono da maior padaria do lugar), e o Flor da Mocidade, que representava um bairro pobre do arrabalde da cidade. Com o evoluir dos jogos, o Flor da Mocidade passou frente, e s faltava um jogo no domingo. Para seu nico rival, o Heris do Minho, tambm s restava um jogo no sbado. Se o Flor da Mocidade vencesse no domingo, seria o campeo pelo maior nmero de vitrias, mesmo que o Heris do Minho vencesse no sbado. E foi o que deu. No sbado, o Heris do Minho venceu. O estdio encheu, no domingo, para ver a ltima partida. Se o Flor da Mocidade empatasse ou perdesse, adeus ttulo. Mas, se vencesse, ento seria campeo por ter uma vitria a mais que o Heris do Minho. No esperado domingo no deu outra. No fim do primeiro tempo o 14

Flor da Mocidade j vencia por trs a zero o pobre time bis Paulista. Foi a que o Presidente da Comisso leu o regulamento pela primeira vez. No se sabe se por engano datilogrfco ou erro do professor de Matemtica, o fato que o regulamento dizia, claramente: se dois times terminarem o campeonato com o mesmo nmero de pontos ganhos, ser campeo o que tiver o maior nmero de derrotas. Era isso o que estava escrito, em total desacordo com o combinado. No intervalo do jogo, o Presidente da Comisso ps a boca no trombone e em cinco minutos todo o estdio, em efervescncia, discutia o acontecido e o que iria acontecer em face de to estranho e heterodoxo regulamento, que, alis, no obedecia ao combinado. Resumidamente, assim estavam os nimos na arena, digo, no estdio: desespero no pessoal do Flor da Mocidade, pois mudara a regra do campeonato que, na verso tradicional, lhe garantiria o ttulo; alegria no pessoal dos Heris do Minho, que via uma chance de ser campeo ou de, no mnimo, melar o campeonato. Para resolver esse imbrglio matemtico, foi chamado o responsvel (ou seria irresponsvel?), o professor de Matemtica, que felizmente morava perto do estdio. O professor de Matemtica, com uma comisso de alunos, foi at o estdio, que fervia. Metade da torcida queria brigar, qualquer que fosse o resultado. Somente algumas pessoas cuidavam da anlise da questo sem partidarismo. Enquanto o professor de Matemtica no chegava, a professora de Filosofia, que pelo mestre de lgebra no tinha simpatia, deu sua contribuio, jogando gasolina na fogueira ao declarar: a primeira vez na histria da humanidade que se declara vencedor quem mais perde. Na Grcia antiga, o perdedor era quase humilhado, e em Roma ns sabemos o que eles faziam aos gladiadores que perdiam. No quero atacar o mestre de Matemtica, mas ele criou um regulamento que , no mnimo, anti-histrico. 15

Nessa hora chega, sereno, o professor de Matemtica, que s aceita discutir o assunto numa sala, diante de um quadro-negro. No seu sagrado hbitat o mestre fez o quadro de resultados: jogos Flor da Mocidade Heris 14 14 empates 4 6 vitrias 7 6 pontos 18 18 derrotas 3 2

O professor de Matemtica explicou: Quando dois times jogam o mesmo nmero de jogos e resultam com o mesmo nmero de pontos ganhos, obrigatoriamente, e sempre, o time que tiver o maior nmero de vitrias ter o maior nmero de derrotas e reciprocamente. Uma pessoa da Comisso Diretora que estava com o jornal do dia e que dava a classificao dos times profissionais no Campeonato Brasileiro notou que o fato realmente acontecia. Ou seja, colocar no regulamento a escolha entre dois times com o mesmo nmero de jogos e o mesmo nmero de pontos ganhos, pelo critrio de maior nmero de vitrias ou de maior nmero de derrotas, d no mesmo. Todos, ou os que puderam entender, concordaram e o Flor da Mocidade foi consagrado campeo, embora alguns, ou por no haverem entendido, ou por m-f, dissessem que fora resultado de tapeto (resultado jurdico obtido fora do campo). Passados uns meses, o professor de Histria perguntou ao professor de Matemtica como ele percebera esse fato, correto, mas curioso, de que o campeo o que mais perde, se comparado com o concorrente com o mesmo nmero de pontos ganhos. E ouviu a seguinte histria, contada em sigilo: A linda filha do professor de Matemtica, que estudava em uma universidade distante, chegou das frias com o corao partido e dividida. Estava perdidamente apaixonada por dois rapazes maravilhosos.

16

Um deles, Pedro, era jovem e de famlia de classe mdia em decadncia (o coitado era tambm filho de professor) e o outro, Arthur, de rica e tradicional famlia pecuarista. A jovem estava dividida quanto a escolher entre um e outro, quando seu pai a orientou: Minha filha, para uma pessoa jovem como voc, relacionar-se com pessoa desquitada e talvez at com um filho, sempre um problema. A menina, aturdida, perguntou ao pai como soube de tudo isso, se ela s conhecera Arthur h quinze dias e na cidade da sua universidade, distante, muito distante da cidade onde morava seu pai. Que seu pai era matemtico e fazia raciocnios incrveis, quase dignos de bruxo (opinio dela), ela sabia, mas a Matemtica permitiria descobrir problemas amorosos? O pai respondeu com a simplicidade dos matemticos: Usei o Princpio de Roberval, ou, como dizem os fsicos, a Balana de Roberval, aquela de dois pratos iguais. Se voc est apaixonada igualmente por duas excelentes pessoas, ento os pratos da balana esto equilibrados. Se eles esto equilibrados e surge essa brutal diferena em favor de Arthur, que o fato de ele ser rico, e isso uma indiscutvel vantagem, ento Arthur deve ter, para no desequilibrar a balana, uma grande desvantagem. Como voc disse que ele uma boa pessoa, com boa probabilidade a nica desvantagem que ele deve ter ser desquitado, situao essa no ideal, pelo menos na opinio dos pais de uma moa solteira e to jovem. A filha do matemtico ficou extasiada com a lgica dedutiva do pai. Anos depois o pai usou essa lgica no regulamento do campeonato. Se dois times empatam, o que tiver maior nmero de vitrias deve, obrigatoriamente, ter o maior nmero de derrotas. Lgico, no?

17

Quanto perco com a inflao?Adaptado do artigo de

Manoel Henrique Campos Botelho

Souzinha, apesar de viver em um pas que hmais de quarenta anos tem inflao, ainda no conseguiu entend-la. Certo dia, falou-me: A inflao nos anos subseqentes ao ltimo aumento (melhor seria dizer reajuste) de salrio foi de 8% e 7%. J perdi com isso 8% + 7% = 15% do meu salrio. Corrigi: No 15%, outro valor. Souzinha respondeu: J sei, j sei.O clculo exato 1,08 1,07 = 1,1556, ou seja, 15,5%. Continua errado, insisti. Souzinha bateu o p e saiu murmurando baixinho, mas suficientemente alto para que eu pudesse ouvir: O Botelho no tem jeito, est sempre arrumando coisinhas para discutir. Afinal, quem est certo, Souzinha ou eu?

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Resposta claro que sou eu que estou certo e Souzinha est errado. Admitamos que Souzinha ganhasse 1000 reais e usasse essa quantia para comprar unicamente produtos de valor unitrio 10 reais. Logo, ele compraria, inicialmente, um total de 100 produtos. Se a inflao foi de 8% no primeiro ano e de 7% no ano seguinte, o produto padro que custava 10 passar a custar 10 1,08 1,07 = 11,556. Custando o objeto padro 11,556 reais, e Souzinha continuando a ganhar 1000 reais, ele poder comprar da capacidade de compra ter sido de Logo, a reduo

Certo, Souzinha? Assim, mesmo quando a inflao acumulada for de 100%, o nosso salrio no some, mas nosso poder de compra cai 50%.

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Vale para 1, 2, 3, ... . Vale sempre?Adaptado do artigo de

Renate Watanabe

Neste

artigo vamos fazer, inicialmente, algumas afirmaes sobre nmeros naturais que so verdadeiras para os nmeros 1, 2, 3 e muitos outros e vamos tentar responder pergunta: elas so verdadeiras sempre? O objetivo do artigo enriquecer o estoque de fatos e problemas interessantes que professores colecionam para usar em momentos oportunos nas aulas que ministram. Verdadeiro ou falso? Vamos verificar se as afirmaes a seguir so verdadeiras ou falsas.

1. 2. 3. 4. 5.

n N, n < 100. n N, n2 + n + 41 um nmero primo. n N*, 991n2 + 1 no um quadrado perfeito. n N*, a soma dos n primeiros nmeros mpares n2. nIN*, 2n + 2 a soma de dois nmeros primos.

20

Vejamos: 1. n < 100 uma sentena verdadeira para n = 1, n = 2, n = 3 e outros, mas torna-se falsa para qualquer nmero natural maior do que 99. Portanto, nIN, n < 100 uma sentena falsa. 2. n2 + n + 41 um nmero primo uma sentena verdadeira para n = 1, n = 2, n = 3 e outros. De fato, ela verdadeira para todos os nmeros naturais menores do que 40. Porm o nmero 402 + 40 + 41 = 40 . (40 + 1) + 41 = 412. 412 no primo, mostrando que a sentena

n N, n2 + n + 41 um nmero primo uma falsa.3. 991n2 + 1 no um quadrado perfeito, uma sentena verdadeira para n = 1, n = 2, n = 3 e, mesmo aps muitas e muitas tentativas, no se acha um nmero que a torne falsa. Pudera! O primeiro nmero natural n, para o qual 991n2 + 1 um quadrado perfeito um nmero de 29 algarismos: 12 055 735 790 331 359 447 442 538 767 e, portanto, a sentena

n N*, 991n2 + 1 no um quadrado perfeito, falsa.

4. A soma dos n primeiros nmeros mpares n2 uma sentena verdadeira para n = 1, n = 2, n = 3 e, como no caso anterior, aps muitas e muitas tentativas, no se acha um nmero natural que a torne falsa. Neste caso, tal nmero no existe, pois, como veremos adiante, esta sentena verdadeira sempre. 5. 2n + 2 a soma de dois nmeros primos uma sentena verdadeira para n = 1, n = 2, n = 3 e, como nos dois exemplos anteriores, aps muitas e muitas tentativas, no se encontra um nmero natural que a 21

torne falsa. Mas agora temos uma situao nova: ningum, at hoje, encontrou um nmero que tornasse a sentena falsa e ningum, at hoje, sabe demonstrar que a sentena verdadeira sempre. A sentena a famosa conjetura de Goldbach, feita em 1742, em uma carta dirigida a Euler: Todo inteiro par, maior do que 2, a soma de dois nmeros primos. No se sabe, at hoje, se esta sentena verdadeira ou falsa. Em suma, dada uma afirmao sobre nmeros naturais, se encontrarmos um contra-exemplo, saberemos que a afirmao no sempre verdadeira. E se no acharmos um contra-exemplo? Neste caso, suspeitando que a afirmao seja verdadeira sempre, uma possibilidade tentar demonstrla, recorrendo ao princpio da induo. Princpio da induo finita Seja S um conjunto de nmeros naturais, com as seguintes propriedades: 1. 0 S 2. se k um natural e k S, ento k + 1 S. Nestas condies, S = N. Vamos ver como esse princpio nos permite demonstrar que a sentena 4 verdadeira. n N*, a soma dos n primeiros nmeros mpares n2.

Demonstrao Seja S o conjunto dos nmeros naturais n para os quais a soma dos n primeiros nmeros mpares n2.1. 1 S, pois a soma do 1 primeiro nmero mpar 1 = 12. 2. Vamos supor que k S, isto , que a soma dos k primeiros nmeros mpares seja k2. Vamos provar que k + 1 S, isto , que a soma dos k + 1 primeiros nmeros mpares (k + 1)2. 22

Estamos supondo que 1 + 3 + 5 + ... + (2k 1) = k2 e queremos provar que 1 + 3 + 5 + ... + (2k + 1) = (k + 1)2. Basta observar que 1 + 3 + 5 + ... + (2k 1) + (2k + 1) = k2 + (2k + 1) = (k + 1)2. O princpio da induo nos garante, agora, que S = N*, ou seja, a afirmao a soma dos n primeiros mpares n2 verdadeira para todos os nmeros naturais maiores do que zero. No ensino mdio o professor encontra muitas outras oportunidades para fazer demonstraes por induo, se assim o desejar. Um aspecto importante que os exemplos apresentados permitem ao professor mostrar aos alunos que fatos matemticos podem ser verdadeiros para muitos exemplos e no serem verdadeiros sempre. A nica maneira de concluir a veracidade fazer uma demonstrao geral, que seja vlida para qualquer caso, independentemente de exemplos.

23

ProlasAdaptado do artigo de

Paulo Ferreira Leite

Muitas histrias testemunham a extraordinriaprecocidade do matemtico Gauss. Uma das favoritas refere-se a um episdio ocorrido quando ele tinha dez anos de idade e freqentava o terceiro ano do ensino fundamental de uma escola onde medo e humilhao eram os principais ingredientes pedaggicos. Na aula de Aritmtica o professor pediu aos alunos que calculassem o valor da soma.

S = 1 + 2 + 3 + .... + 98 + 99 + 100.Uma excelente questo, sem dvida, para aliviar o mestre de suas funes pelo resto da aula e manter bem alto o ideal pedaggico da escola. Imediatamente aps o problema ter sido proposto, Gauss escreveu o nmero 5050 em sua pequena lousa e a depositou, como era costume na poca, sobre a mesa do professor. Durante o resto da aula, enquanto seus colegas trabalhavam, o pequeno Gauss foi, por diversas vezes, contemplado com o sarcstico olhar de seu mestre. Ao fazer a correo, o estupefato Bttner era esse o nome do professor constatou que a nica resposta correta era a de Gauss, que deu a seguinte justificativa para seu clculo: a soma de 24

1 com 100, de 2 com 99, de 3 com 98, de 4 com 97, e assim por diante, sempre o mesmo nmero 101. Ora, na soma desejada,

este nmero aparece 50 vezes. Portanto, o resultado desejado 101 50 = 5050. E esta multiplicao Gauss pde fazer em poucos segundos. Foi uma dura lio, mas o severo Bttner soube redimir-se, presenteando Gauss com o melhor livro de Aritmtica que possua e mudando totalmente sua atitude para com ele. A observao feita por Gauss, de que constante a soma dos termos eqidistantes dos extremos na seqncia dos nmeros de 1 a 100, continua vlida para qualquer progresso aritmtica e pode ser utilizada para deduzir a frmula da soma dos termos de uma PA. Progresso Aritmtica PASeja (a1, a3, a3,..., an-1, an) uma PA de razo r: Como a1 + an = a2 + an-1 = a3 + an-2 = ... = an + a1, Chamando Sn = a1 + a2 + ... + an-1 + an tem-se

.

25

No caso da soma 1 + 2 + ... + 100 temosS= 1 + 100 100 = 5050. 2

Um evento decisivo para a carreira de Gauss ocorreu no dia 30 de maro de 1796, quando contava dezenove anos de idade. Nesse dia inaugurou o dirio cientfico, que manteve por toda sua vida, registrando uma descoberta notvel. Conseguira provar a possibilidade de, utilizando apenas rgua e compasso, dividir uma circunferncia em 17 partes iguais. Na realidade, esse enunciado uma interpretao geomtrica dos resultados algbricos que obtivera, mostrando ser possvel resolver a equao x17 1 = 0, pela extrao de sucessivas razes quadradas. Essa descoberta fez com que ele que, at ento dividira seu interesse entre a Filologia e a Matemtica, optasse definitivamente pela ltima, muito embora mantendo um vivo interesse por Lnguas e Literatura.Carl Friedrich Gauss

Uma medida do apreo de Gauss por essa sua descoberta matemtica o seu pedido de que se gravasse em seu tmulo um polgono regular de 17 lados. Para compensar o fato de no podermos descrever aqui as tcnicas utilizadas por Gauss para provar seu teorema, reunimos algumas informaes suplementares sobre o problema da ciclotomia, isto , da diviso da circunferncia em partes iguais (ver Quadro). Carl Friedrich Gauss (1777-1855) unanimemente considerado um dos maiores matemticos de todos os tempos e sua obra, alm de cobrir praticamente todos os ramos da Matemtica, estende-se Astronomia, Fsica e Geodsia. Era alemo (nasceu em Brunswick) e passou toda sua vida na Alemanha. Em 1807 foi nomeado professor e diretor do observatrio astronmico de Gttingen. A partir dessa poca, passou a residir no observatrio onde, em razo do seu temperamento reservado,

26

recebia poucas pessoas. Era perfeccionista, metdico e circunspeto, um perfeito contra-exemplo para o tradicional esteretipo do gnio matemtico. Um dos poucos amigos que costumava receber era Georg Ribbentrop, um convicto e excntrico solteiro, professor de direito em Gttingen. Conta-se que numa noite em que Ribbentrop jantava no observatrio caiu forte tempestade e, prevendo as dificuldades que o amigo teria em regressar, Gauss insistiu para que ele ficasse para dormir. Num momento de descuido o hspede desapareceu misteriosamente. Algum tempo depois bateram porta e Gauss, atnito, recebeu de volta o amigo, ensopado dos ps a cabea, mas trazendo seu pijama.

CiclotomiaCiclotomia = diviso da circunferncia em partes iguais (diviso feita com rgua e compasso). Os gemetras gregos da Antiguidade, ~ 300 a.C., sabiam dividir a circunferncia em n partes iguais para n de uma das seguintes formas: 2k , 2k.3, 2k.5, 2k.15. Gauss, no seu livro DISQUISITIONES ARITHMETICAE, em 1801, provou o seguinte resultado: A diviso da circunferncia em se n de uma das formas: 1) n = 2k 2) n = 2k.p1.p2. ... . pl. partes iguais possvel se e somente

onde p1, p2, ..., pl so primos distintos, da forma

.

Estes nmeros so chamados nmeros de Fermat, em homenagem a Fermat, Pierre de (1601-1665) matemtico francs, que supunha que todos os nmeros dessa forma fossem primos. Com efeito, F0 = 3, F1 = 5, F2 = 17, F3 = 257 e F4 = 65537 so primos, mas Euler, em 1732, mostrou que F5 = 641 x 6700417 e, portanto, composto. Sabe-se hoje que muitos outros nmeros de Fermat so compostos.

27

O nmero e, por qu?Adaptado do artigo de

Elon Lages Lima

A noo

de logaritmo quase sempre nos apresentada, pela primeira vez, do seguinte modo: o logaritmo de um nmero y na base a o expoente x tal que ax = y. Segue-se a observao: os nmeros mais freqentemente usados como base de um sistema de logaritmos so 10, e o nmero

e = 2,71828182...;o que nos deixa intrigados. De sada, uma pergunta ingnua: esta regularidade na seqncia dos algarismos decimais desse nmero e persiste? No. Apenas uma coincidncia no comeo. Um valor mais preciso seria e = 2,718281828459... No se trata de uma frao decimal peridica. O nmero e irracional, isto , no pode ser obtido como quociente e = p/q de dois inteiros. Mais ainda: um irracional transcendente. Isto significa que no existe um polinmio P(x) com coeficiente inteiros, que se anule para x = e, ou seja, que tenha e como raiz. 28

Por que ento a escolha de um nmero to estranho como base de logaritmos? O que faz esse nmero to importante? Talvez a resposta mais concisa seja que o nmero e importante porque inevitvel. Surge espontaneamente em vrias questes bsicas. Uma das razes pelas quais a Matemtica til s Cincias em geral est no Clculo (Diferencial e Integral), que estuda a variao das grandezas. Um tipo de variao dos mais simples e comumente encontrados aquele em que o crescimento (ou decrescimento) da grandeza em cada instante proporcional ao valor da grandeza naquele instante. Este tipo de variao ocorre, por exemplo, em questes de juros, crescimento populacional (de pessoas ou bactrias), desintegrao radioativa, etc. Em todos os fenmenos dessa natureza, o nmero e aparece de modo natural e insubstituvel. Vejamos um exemplo simples. Suponhamos que eu empreste a algum a quantia de 1real a juros de 100% ao ano. No final do ano, essa pessoa viria pagar-me e traria 2 reais: 1 que tomara emprestado e 1 dos juros. Isto seria justo? No. O justo seria que eu recebesse e reais. Vejamos por que. H um entendimento tcito nessas transaes, de que os juros so proporcionais ao capital emprestado e ao tempo decorrido entre o emprstimo e o pagamento. Assim, se meu cliente viesse me pagar seis meses depois do emprstimo, eu receberia apenas ele estava com reais. Mas isto quer dizer que, naquela ocasio,

real meu e ficou com esse dinheiro mais seis meses,

taxa de 100% ao ano; logo deveria pagar-me reais no fim do ano. Isto me daria 2,25 reais, mas, mesmo assim, eu no acharia justo.

29

Eu poderia dividir o ano num nmero arbitrrio n, de partes iguais. Transcorrido o primeiro perodo de estaria valendo estaria , meu capital emprestado , eu

reais. No fim do segundo perodo de

reais, e assim por diante. No fim do ano eu deveria

receber

reais. Mas, como posso fazer esse raciocnio para todo

n, segue-se que o justo e exato valor que eu deveria receber pelo meu real emprestado seria, que aprendemos nos cursos de Clculo ser igual ao nmero e. Um outro exemplo no qual o nmero e aparece.

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As dzimas peridicas e a calculadoraAdaptado do artigo de

Jos Paulo Q. Carneiro

Em um concurso destinado principalmente aprofessores de Matemtica, figurava a seguinte questo: Os nmeros racionais a e b so, representados, no sistema decimal, pelas dzimas peridicas: e

Encontre, justificando, uma representao decimal de ab. Como a e b so racionais, temos que a diferena a b, tambm racional e, portanto, sua representao decimal peridica. Apesar de na prova ter sido permitido o uso da calculadora, o perodo jamais seria descoberto com a certeza exigida pelo justifique. Alm disso, o perodo poderia ser maior do que o nmero de dgitos que a calculadora pudesse exibir no visor. Um primeiro expediente que poderia ocorrer seria fazer a subtrao por meio do esquema usado habitualmente para decimais finitos. Isso funcionaria bem em casos mais simples. 31

Por exemplo:

o que estaria correto, pois Mas, no caso em questo, o desencontro entre os perodos das duas dzimas apresentadas dificultava o emprego dessa estratgia (a qual, alis, precisaria ser discutida em termos conceituais). Vejamos:

Como a subtrao usual feita da direita para a esquerda, no se sabe bem por onde se deveria comear, antes de descobrir o perodo. Por conseguinte, o caminho natural seria calcular as geratrizes de a e b , subtrair as fraes correspondentes, e ento encontrar uma representao decimal para essa frao. Utilizando esse procedimento, teramos:

portanto, Nesse ponto, o mtodo mais usado por todo o mundo dividir 2777 por 1485 (ou 1292 por 1485, ganhando uma etapa), pelo algoritmo tradicional, e aguardar o primeiro resto que se repete. Desse modo, obtmse:

32

Como se repetiu o resto 1040, a partir da, os algarismos 7, 0, 0, 3, 3, 6 se repetiriam. Logo, Vamos agora fazer alguns comentrios: 1. Algumas pessoas envolvidas no processo de aprendizagem da Matemtica (alunos, professores, pais, etc.) expressam s vezes a crena de que, com o advento da calculadora, nunca mais haver ocasio de usar o algoritmo tradicional da diviso. Alguns at usam isso como um argumento para proibir o uso da calculadora em certas fases iniciais da aprendizagem: necessrio primeiro que o aluno aprenda o algoritmo tradicional, e s depois lhe ser permitido usar a calculadora; seno, ele no ter motivao para aprender tal algoritmo. Na realidade, o exemplo aqui tratado mostra que ns, professores, temos que exercer nossa criatividade para criar problemas desafiadores, que coloquem em xeque at mesmo a calculadora, deixando claras as suas limitaes, em vez de proibir o seu uso, o que uma atitude antiptica, repressora, e totalmente contrria ao que um aluno espera de um professor de Matemtica. De fato, para um leigo, ou um iniciante em Matemtica, nada mais matemtico do que uma calculadora, e ele espera que um professor v inici-lo ou ajud-lo com essa ferramenta, e no proibi-lo de us-la.

33

2. Existiria um outro mtodo para encontrar uma representao decimal de 208 (ou de 1292 , mas j vimos que basta o primeiro), que no 297 1485 fosse o algoritmo tradicional da diviso? A resposta sim. Basta tomar as sucessivas potncias de 10, a saber: 10, 100, etc., at que encontremos uma que deixe resto l, quando dividida por 297. No difcil fazer isso, experimentando com a calculadora: 103 = 3 297 + 109 104 = 33 297 + 199 105 = 336 297 + 208 106 = 3367 297 +1. A partir da, obtm-se: e portanto,

em que a ltima passagem vem da propriedade das progresses geomtricas infinitas: 1 + q + q 2 + K = 1 , 1 < q < 1. 1 q

Observe que o perodo da dzima tem comprimento 6, que o expoente da menor potncia de 10 que deixa resto 1, quando dividida por 297. Consideraes finais Observemos que toda frao decimal finita como 0,125, por exemplo, gerada por uma frao cujo denominador uma potncia de 10:

Por outro lado, uma frao cujo denominador no tem outros fatores 34

primos alm do 2 e do 5 (poderia ser um deles apenas) sempre pode ser expressa por uma frao cujo denominador uma potncia de 10 e, portanto, tem uma representao decimal finita. Por exemplo,

Esse raciocnio permite concluir que uma frao a/b, na forma irredutvel, tem representao decimal infinita se, e somente se, b = b0 2m 5n, com b0 > 1, m, n > 0 e mdc (b0,10) = 1. Isso posto, podem-se provar os seguintes resultados: (a) a representao decimal de a/b peridica e pode apresentar ou no pr-perodo de tamanho r = max{m , n} algarismos (por exemplo, 0,356212121... tem pr-perodo de trs algarismos, 3, 5 e 6); (b) se m > 0 ou n > 0, ento h um pr-perodo formado de r = max{m , n} algarismos; (c) o perodo formado de h algarismos, sendo h o menor inteiro positivo tal que 10h mltiplo de b0 (uma generalizao da propriedade 1 conhecida como teorema de Euler [1760] garante a existncia de h). Por exemplo: 5/21 no tem pr-perodo, pois 21= 3 7 (notar a ausncia de 2 e 5) e o perodo formado de 6 algarismos, uma vez que 1 1 1 1 102 = 99, 103 = 999, 104 = 9999 e 105 = 99999 no so mltiplos de 21, mas 106 = 999999 = 21 47619. 1 De fato,

5 / 21 = 0, 238095238095K = 0, 238095.9/140 tem pr-perodo formado de 2 algarismos (observar que 140 = 22 5 7 e que max {2, 1} = 2) e perodo formado de 6 algarismos, pois 6 o menor expoente tal que 106 mltiplo 1 de 7. De fato,

9 / 140 = 0, 0642857428571K = 0, 06428571.35

possvel construir um tringulo cujos lados estejam em PG de razo q?Adaptado do artigo de

Paulo A. da Mata Machado

A resposta : depende da razo, q, da progresso.Se, por exemplo, , temos o tringulo eqiltero. Se , temos os tringulos de ngulos internos 87,22, 53,04 e 39,74. Se, porm, , no h soluo. Como se chega a essa concluso? Muito simples. Podemos, colocando os lados do tringulo em ordem crescente e considerando um tringulo semelhante, admitir que a soluo seja um tringulo de lados 1, q e , sendo . Em um tringulo, um lado menor que a soma dos outros dois, portanto, . As razes da equao q2 q 1 = 0 so , logo q2 q 1 < 0 para 0, denotada por ln(x), que pode ser definida como sendo a funo inversa da exponencial ex. Logo, o logaritmo natural de x a potncia de e necessria para se obter x, isto ,

y = ln(x) x = ey.Precisamos de uma forma prtica para calcular o valor numrico do logaritmo, mesmo que aproximado. Podemos usar a expresso a seguir que pode ser encontrada em textos de Clculo Diferencial e Integral:

Tal expresso, conhecida como a srie de Taylor da funo ln(1 + x), permite a aproximao ln(1 + x) x para valores de x positivos e prximos de 0. Podemos tambm perceber essa aproximao graficamente:

Os grficos das funes y = ln(x), y = ln(1 + x) e y = x, fornecem uma justificativa grfica para a aproximao ln(1 + x) x . Voltemos regra dos 70. 81

Um capital C, aplicado taxa anual de i%, transformase, aps 1 ano, em Aps dois anos teremos

De forma geral, aps t anos teremos

.

Logo, o tempo d necessrio para duplicao do capital obtido da equao:

que implica

Usando a aproximao mencionada para o clculo de se

tem-

, e sendo ln(2) 0,70, podemos escrever como estabelecido na regra dos 70.

Na verdade, a regra dos 70 vale sempre que houver um crescimento exponencial (como em ), com taxa de crescimento

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relativamente pequena. Por exemplo, se a taxa de crescimento da populao de um pas de 3,5% ao ano, ento a populao dobrar em aproximadamente anos.

A regra tambm vale para estimar a meia-vida de uma quantidade Q, que decai exponencialmente com taxa de decrescimento de i% ao ano. Aps t anos, o valor da quantidade ser A meia-vida o valor t tal que o que implica

ou ento, aproximao ln(1 x) . x

e, pois para valores pequenos de x, vale a

83

A interpretao grfica e o ensino de funesAdaptado do artigo de

Katia Cristina Stocco Smole Marlia Ramos Centurin Maria Ignez de S. Vieira Diniz

Vamos discutir um pouco sobre o ensino defunes, tendo em vista que este tpico se apresenta tardiamente nos currculos de Matemtica. Assim, o estudante s tem acesso representao grfica no final do ensino fundamental, encontrando grande dificuldade na interpretao de grficos. No entanto, este instrumento rico em possibilidades de abordagens e colocaes pode ser explorado j nas primeiras sries do ensino fundamental, com o objetivo de familiarizar o aluno com a interpretao de grficos e o conceito de funo. Na verdade, qual o conceito de funo que esperamos passar aos nossos alunos? Funo uma lei ou associao entre dois conjuntos, que a cada elemento do primeiro conjunto associa um nico elemento do outro. Intuitivamente, uma funo uma espcie de mquina na qual colocamos um certo dado (o 84

elemento do primeiro conjunto) e ela atua sobre este dado e nos d uma resposta que depende dele (elemento do segundo conjunto). Tendo isso em mente, as atividades em sala de aula podem ser orientadas no sentido de assegurar a apropriao do aluno desses conhecimentos, antes do estudo de funes, como se encontra nos atuais livros didticos. Nossa sugesto , a partir de problemas concretos e interessantes, construir e interpretar tabelas e grficos, sendo que as situaes apresentadas devem sempre se reportar ao universo mais prximo do aluno. O trabalho com grficos, quando introduzido nas primeiras sries escolares, se presta como instrumento complementar das atividades de classificao, ordenao e visualizao das operaes aritmticas simples. As atividades que proporemos a seguir baseiam-se no princpio de que, para aprender eficazmente, a criana precisa participar dos acontecimentos, em vez de ser apenas expectadora, pois a experimentao pode fornecer oportunidades para a descoberta e a formulao de leis e propriedades. Atividade 1 So dados seis cartes coloridos, dois de cada uma das cores: vermelho, azul e amarelo. Vamos estabelecer um modelo grfico para representar a seguinte associao:

O que se espera obter um grfico semelhante a:

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Atividade 2 Utilizando como material blocos lgicos (ou outro material similar), vamos estabelecer com a classe o uso de um sistema grfico para a representao da seguinte associao entre os blocos: a cada bloco associamos outro semelhante em todas as caractersticas mas de tamanho diferente. Teremos um grfico como o que segue:

Nestas duas atividades, estamos utilizando materiais comumente empregados nas primeiras sries do ensino fundamental para trabalhar com classificao e agrupamento. O fato novo introduzido aquele que leva o aluno a estabelecer o registro de suas observaes, em forma de tabelas e grficos. Atividade 3 Propor a seguinte situao: Considerando que todos os alunos tomam sorvete e que, no entanto, nem todos gostam do mesmo sabor, 86

como dever o sorveteiro organizar um estoque de sorvetes de modo a agradar a todos?Com base nesse questionamento, o aluno dever realizar uma pesquisa de preferncia de sabores entre os colegas (a consulta pode se restringir a algumas classes da escola), fazer a tabulao dos dados e a confeco de um grfico de barras ou colunas. interessante notar que os grficos de barras e colunas devem ser utilizados nas aulas de Matemtica, no s para que o aluno entenda este tipo de grfico, muito usado nos meios de comunicao, mas para que o tenha tambm como um instrumento a mais para alcanar o conceito de funo, j que, tradicionalmente, o professor se restringe apenas s retas e parbolas. Mas, continuando, suponhamos que, aps a tabulao, aparea um grfico semelhante ao desenhado abaixo:

O aluno poder, ento, formular uma hiptese e compar-la forma como o sorveteiro efetivamente organiza seu estoque. Atividade 4 Aps o estudo das primeiras operaes, podemos sugerir as representaes das seguintes mquinas atuando sobre nmeros naturais:

Observando os resultados obtidos ao introduzirmos alguns nmeros, esperamos chegar aos seguintes grficos, que so exemplos de funes crescentes: 87

Nesta atividade, ao contrrio das anteriores, passa a ser conveniente uma ordenao nos dois eixos para que possamos visualizar o comportamento das funes. Uma outra coisa interessante que, por ser N o conjunto utilizado, a representao feita apenas por pontos, mas estes podem ser unidos para ajudar a visualizar o crescimento das funes. Observe que, propositalmente, foram usadas escalas diferentes nos dois eixos. Atividade 5 Determinar os grficos das leis que a cada nmero natural n associam mdc(2, n), ou mdc(5, n), explorando o conceito de funo peridica.

Atividade 6 Feito o estudo de rea e permetro do quadrado, podemos propor que, com base no quadrado de lado 1 unidade, o aluno construa a tabela ao lado.

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Pronta a tabela, a prxima etapa representar ambos os valores da rea e do permetro para cada valor do lado, num mesmo par de eixos. Unindo os pontos obtidos, teremos um grfico comparativo da evoluo do permetro e da rea de um quadrado, com base na medida de seu lado. Podemos colocar as seguintes questes: O que maior: a rea ou o permetro de um quadrado? Observando o ponto O, que concluses podemos tirar? Atividade 7 Observando o grfico, responda: 1. Do que trata o grfico? 2. De 1970 a 1990 o desmatamento em Rondnia aumentou ou diminuiu? 3. Qual a porcentagem aproximada da rea desmatada entre 1980 e 1985? 4. Se tudo continuar assim, em 1990 qual ser, aproximadamente, a porcentagem da rea desmatada? 5. Em que ano a rea desmatada atingiu 10%? 6. Por que entre 1970 e 1975 o grfico est to prximo linha onde esto marcados os anos? 7. Qual o valor mximo que a porcentagem da rea desmatada poder atingir?

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Funes e grficos num problema de freagemAdaptado do artigo de

Geraldo vila

H situaes concretas das quais o professorpode extrair, de maneira espontnea e natural, conceitos importantes e muito teis como os de varivel e funo. Ilustraremos isso com um exemplo concreto bem simples e que, quando examinado do ponto de vista da variabilidade das grandezas envolvidas, d margem a concluses interessantes e relevantes nas aplicaes. Um problema de freagem Comecemos com a formulao de uma questo simples:

Um automvel, a 30 km/h, freado e pra depois de percorrer mais 8 metros. Se freado a 60 km/h, quantos metros percorrer at parar?Se proposto dessa maneira, o aluno poder pensar que as grandezas a envolvidas velocidade V e a distncia D percorrida at parar so diretamente proporcionais e achar que a resposta 16 m. Mas isto falso. O certo que a distncia proporcional ao quadrado 90

da velocidade, pelo menos dentro de certos limites de velocidade, e isso precisa ser dito explicitamente no enunciado do problema. Essa lei significa que se D1 e D2 so as distncias correspondentes, respectivamente, s velocidades V1 e V2, ento. (1)

Com os dados concretos do nosso problema, se tomarmos V1 = 30 km/h, ento D1 = 8 m; e se pusermos V2 = 60 km/h, teremos a equao

para determinar a distncia D2, correspondente velocidade de freagem V2 = 60 km/h. Resolvendo a equao, obtemos metros. (Observe que no h necessidade de reduzir as velocidades de km/h a m/h ou m/s; o importante que elas sejam todas expressas na mesma unidade. A distncia procurada, evidentemente, vir expressa em metros, como a outra distncia dada.) Vale a pena reparar no aumento da distncia de freagem, que passou de 8 para 32 metros quadriplicou quando a velocidade foi de 30 para 60 km/h duplicou. Mas, desse clculo isolado, no podemos concluir que ser sempre assim. Se quisermos saber o que ocorre com outras velocidades, podemos fazer novos clculos, usando o mesmo raciocnio e, at um exerccio interessante, calcular as distncias de freagem correspondentes a vrias velocidades, como 40, 60, 80, 100, 120 km/h. Mais do que isso, podemos construir uma tabela numrica de velocidades e distncias correspondentes e uma representao grfica, marcando as velocidades num eixo horizontal e as distncias num eixo

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vertical. Isso permitir compreender melhor o que est acontecendo com a distncia de freagem, medida que a velocidade aumenta. O procedimento que propomos de repetir clculo aps clculo, com diferentes valores da velocidade um passo no sentido de variar a velocidade V e observar os valores correspondentes da distncia de freagem D. Melhor que todos os clculos, porm, contemplar, em sua plenitude, a relao de dependncia dessas duas grandezas V e D, pois s assim estaremos permitindo que V assuma qualquer valor numrico (positivo) e, em conseqncia, s assim poderemos examinar a maneira como D varia em funo de V. Para isso, devemos notar que a proporcionalidade (1) significa o mesmo que a equao

D = kV2.

(2)

Sejam V = V0 = 30 km/h e D = D0 = 8 m . Observemos agora o que acontece quando multiplicamos V0 por um nmero qualquer c. Obtemos um valor correspondente D tal que, segundo a equao (2),

Mas kV02 = D0 , de sorte que D = c2D0 . Vemos assim que multiplicando-se V0 por c, D0 dever ser multiplicado por c2. Por exemplo, se multiplicarmos V0 por 2, 3, 4, 5, etc, D0 ser multiplicado por 4, 9, 16, 25, etc, respectivamente. Indicamos isso no quadro seguinte:

V D

V0 D0

2V0 4D0

3V0 9D0

4V0 16D0

5V0 25D0

Vamos fazer um grfico, marcando os valores de V num eixo horizontal e os correspondentes valores de D num eixo vertical. A curva assim obtida deve-se dizer aos alunos uma parbola. Com V0 = 30 km/h e D0 = 8 metros, o quadro de valores acima passa a ser o seguinte:

V D

30 8 92

60 32

90 72

120 128

150 200

O leitor deve observar atentamente o grfico e os quadros para bem entender o efeito da velocidade de um automvel na distncia em que ele ainda percorre at parar, desde o momento em que o motorista utiliza os freios.

Quando a velocidade duplica, triplica, quadruplica etc., a distncia de freagem fica multiplicada por 4, 9, 16, etc., o que mostra o perigo das altas velocidades. evidente, da discusso anterior, que a equao D = kV2 nos d uma viso muito mais ampla e clara de como as variveis V e D esto relacionadas do que quaisquer clculos numricos isolados. E isso, justamente, porque estamos contemplando, nessa equao, a relao de interdependncia funcional das variveis V e D, j que agora V pode assumir qualquer valor positivo, sendo assim uma varivel independente; e D assume tambm todos os valores positivos, como varivel dependente, pois cada um de seus valores determinado por algum valor de V. A regra do guarda rodovirio e um teste da revista Quatro Rodas Um professor de Campinas, SP, contou-nos que j exerceu a profisso de guarda rodovirio antes de se tornar professor de Matemtica. E, segundo nos explicou, o guarda rodovirio tem uma 93

A revista Quatro Rodas costuma publicar tabelas dos testes que realiza com diferentes veculos. Uma dessas tabelas, referente ao Fiat Uno, quando de seu lanamento, a seguinte:

V D

40 8,2

60 18,1

80 31,8

100 120 50,3 71,4

Isso equivale, praticamente, a tomar k = 1/200 na equao (2), pois ento obtemos a seguinte tabela, muito prxima da anterior.

V D

40 8

60 18

80 32

100 50

120 72

O leitor deve observar que com o dobro do valor usado para construir esta ltima tabela (pois 1/100 = duas vezes 1/200), o guarda rodovirio obtm valores duplicados das distncias correspondentes ao Fiat Uno. Um exagero? Talvez no, se levarmos em conta que ele est preocupado com segurana, imaginando um motorista que, subitamente, sem estar preparado para uma freagem encontra-se numa situao de ter de parar rapidamente o carro. Neste caso, preciso levar em conta outros fatores, como o tempo decorrido entre o instante em que ele primeiro percebe a necessidade da freagem e o momento em que comea a pressionar o pedal do freio. E ser que ele pressionar o freio tanto quanto o motorista de uma pista de provas?

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Um comeo sobre funes Exemplos como este que discutimos aqui servem para mostrar que o estudo das funes, na sua fase mais elementar, poderia iniciar-se, e com grande vantagem, na sexta srie, logo aps o (ou simultaneamente ao) estudo das equaes. De fato, ao estudar equaes a duas incgnitas, da maior convenincia ensinar sua representao grfica. Comeando com exemplos simples, como xy = 0 ou y = x;

xy + 1 = 0 ou y = x + 1; y = 2x; y = 3x/2, y = 2x + 1, etc,o aluno pode ser levado, por um processo gradual de aprendizado, a descobrir, por si prprio, que toda equao do primeiro grau a duas incgnitas tem por representao grfica uma linha reta. A equao escrita na forma y = mx + n sugere, naturalmente, a idia de variar x arbitrariamente e procurar os valores correspondentes de y. Ora, nisso esto contidas as noes de varivel independente e varivel dependente numa relao funcional.

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Ensinando Trigonometria por meio da imagemAdaptado do artigo de

Abdala Gannam

Sabemos que, ao lidar com a Trigonometria nocrculo, devemos ter em mente uma srie de elementos que se relacionam concomitantemente (crculo orientado, origem e extremidade de arcos, eixos cartesianos, ordenadas, abscissas etc.). No seria a relao entre numerosos elementos uma das causas da dificuldade que os alunos sentem ao estudar Trigonometria? A utilizao de um dispositivo que fixasse algumas variveis, enquanto a ateno se direcionasse para uma ou duas outras, no poderia resultar em um melhor entendimento da questo? Foi tentando verificar a validade desta conjetura que elaborei uma transparncia que, adequadamente apresentada por meio de um retroprojetor, vem trazendo resultados satisfatrios. Descrio do material 1. Transparncia T1 Faa o desenho da Figura 1 numa folha de papel vegetal, tamanho ofcio, usando de preferncia letras e nmeros adesivos e tinta nanquim. Dimenses: raio 5 cm; letras, 4,2 mm; nmeros, 2,5 mm. Faa uma cpia do desenho e mande reproduzi-lo numa folha de acetato especial, o que pode ser feito em lojas copiadoras. 96

2. Transparncia T2 Numa folha de acetato comum, tamanho ofcio, desenhe uma circunferncia de raio de 10 cm, marque um ponto a 5 cm do centro e ligue o centro com esse ponto (Figura 2). No coloque as letras no desenho. Recorte o crculo.

Figura 1Transparncia T1 Crculo trigonomtrico de raio igual a 5 cm, dividido em 36 partes graduadas de 10 em 10 graus. Eixos graduados para senos e cossenos dos arcos correspondentes.

Figura 2Transparncia T2 Circunferncia de raio de 10 cm.

3. Transparncia T3 Numa folha de acetato, de preferncia bem rgida, faa o furo indicado na Figura 3. Os nmeros indicam a posio do furo P. No coloque os nmeros nem as setas no desenho. Trace um segmento de 5 cm, com origem no furo em qualquer direo.Transparncia secundria ( T 3), mostrandoo espao entre o furo e as bordas, em centmetros.

Figura 3

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4. Moldura de carto

Moldura de papel carto, dimenses em centmetros.

Figura 4

Com fita adesiva, pregue no verso da moldura de carto a transparncia T1, centralizando o crculo. Coloque a transparncia T2 sobre a moldura j com a transparncia T1 e, com um alfinete, fixe os centros das circunferncias, de modo que elas possam girar em torno do alfinete. Em seguida, coloque T3 sobre o conjunto T1, T2 (Figura 5) e com outro alfinete fixe-a na transparncia T2 , de modo que as transparncias possam girar facilmente. Corte os alfinetes rentes s transparncias, rebitando-os a seguir.

Deslocando a transparncia T3 , mantendo fixa a moldura, um ponto se deslocar sobre a circunferncia, levando consigo a sua projeo sobre um dos eixos, onde aparecero os valores dos cossenos ou dos senos (Figura 6). A transparncia, projetada por meio de um retroprojetor, fornecer uma imagem ntida e dinmica. 98

Seno de 30 um meio?Adaptado do artigo de

Renate Watanabe

Acontecem fatos estranhos quando se ensinaTrigonometria: Observe as tabelas abaixo, contendo alguns valores de duas funes f e g.

x0,1 0,2 0,3 0,5 1,0

f(x)0,00174 0,00349 0,00524 0,00873 0.01745

x0,1 0,2 0,3 0,5 1,0

g(x)0,099 0,198 0,295 0,479 0,841

As duas funes no so iguais; no entanto, em nossas aulas, chamamos ambas de seno. Sempre medimos ngulos e arcos em graus. Por que, de repente, no ensino mdio, resolvemos medir arcos em radianos?... e, fora da trigonometria, continuamos usando graus? 99

Se numa calculadora apertarmos os botes , seno, = e, depois, l 80, seno, = , os dois resultados no deveriam ser zero? Pois no so. Quanto vale seno l? Este artigo vai tentar esclarecer essas questes. Falaremos apenas do seno, mas o que for dito se estende s demais funes trigonomtricas. Trigonometria no ensino mdio A transio das razes trigonomtricas no tringulo retngulo para funes peridicas de domnio R, de aplicaes mais amplas, comeou com Vite, no sculo XVI, e culminou nos trabalhos de Euler, no sculo XVIII. Fazemos essa transio no ensino mdio, quando apresentamos as funes circulares. Com pequenas variaes na linguagem, procedemos da seguinte maneira para ampliar a funo Seno. No plano cartesiano, considera-se a circunferncia de centro na origem e raio unitrio. Dado um nmero x entre 0 e 360, associa-se a esse nmero um ponto P da circunferncia tal que a medida em graus do arco orientado que comea em A = (l , 0) e termina em P seja x. (Arco orientado e x > 0 significa que o percurso de A at P deve ser feito no sentido anti-horrio.) Seno x = ordenada de P. Se x for negativo, ou maior do que 360, ento Seno x = Seno r, onde x = 360q+ r, com qZ e 0 r < 360. Essa funo Seno (denotada por f(x) no incio do artigo), de domnio R, peridica, atendeu s necessidades da Fsica, mas apresenta um grande inconveniente na parte referente a clculos.

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O estudo de fenmenos fsicos quase sempre requer o uso de equaes diferenciais, isto , de derivadas. Acontece que a derivada da funo Seno igual a Cosseno.

Eis porque:

x 1,0 0,5 0,3 0,2 0,1

seno x 0,0174524 0,0087265 0,0052360 0,0034907 0,0017453

(Seno x)/x 0,017452 0,017453 0,017453 0,017453 0,017453

A tabela ao lado mostra que os valores de (Seno x)/x, para x prximo de 0, ficam prximos de 0,01745. Pode-se demonstrar que: . Lembrando a definio de derivada, temos:

Teria sido muita sorte mesmo, se a funo Seno tivesse uma derivada agradvel. Afinal, sua definio depende da de grau, e essa unidade foi criada pelos babilnios (~ 400 a.C.), que, por razes at hoje no totalmente esclarecidas, usavam o sistema sexagesimal. A inconvenincia de se carregar essa constante /180 nos clculos propiciou a criao de uma nova funo seno, com as mesmas 101

propriedades da anterior, e cuja derivada a funo cosseno. Designaremos essa funo por seno, com s minsculo. No ensino mdio essa nova funo pode ser assim definida: No plano cartesiano, considera-se a circunferncia de centro na origem e raio unitrio (isto , a circunferncia passa pelo ponto (1,0) e o seu raio passa a ser a unidade de medida). Dado um nmero x, efetua-se sobre a circunferncia, a partir de A = (1,0), um percurso de comprimento x (no sentido anti-horrio, se x > 0 e no sentido horrio, se x < 0). Seja P o ponto de chegada. seno x = ordenada de P. Essa funo seno (denotada por g (x) no incio do artigo) tem todas as propriedades da anterior e a seguinte vantagem, que pode ser vista tanto na figura como na tabela a seguir:

x 0,5 0,3 0,2 0,1 0,1

seno x 0,47943 0,29552 0,19867 0,09983 0,0017453

(Seno x)/x 0,9588 0,985 0,993 0,998 0,017453

Quando P se aproxima de A, os comprimentos do segmento CP e do arco AP tomam-se praticamente iguais. Pode-se provar que: e da, (seno x) = cos x. E esse o motivo por que, fora da Geometria, apenas essa funo seno usada. Aqui cabem algumas observaes:

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l. Na definio dada, para 0 < x < 2, x a medida em radianos do arco orientado AP. Mas, como se viu, no foi necessrio introduzir o radiano para definir a funo seno. A palavra radiano data de 1873, e uma criao posterior da funo seno. Aparentemente, veio da fuso das palavras radial angle, que originou radiem, em ingls e radiano, em portugus. 2. Pode-se definir a funo seno (e as demais funes trigonomtricas) sem fazer aluso a arcos, ngulos ou percursos (ver, por exemplo, Anlise real, de Elon Lages Lima, IMPA, vol. l, p. 162). 3. J que a funo Seno, de domnio R, no tem utilidade, pode-se definir Seno de um ngulo e, da, passar diretamente para a funo seno (ver, por exemplo, Clculo, de Serge Lang, vol. l, p. 81). Em resumo Para definir seno de um nmero x, no ensino mdio, efetua-se, na verdade, a composio de duas funes: uma, que ao nmero x associa um ponto P da circunferncia, e outra, que a esse ponto P associa sua ordenada.

O problema est na associao (l), que costuma ser feita de dois modos: a x associa-se P tal que o arco AP mede x graus; a x associa-se P tal que o arco AP mede x radianos. No primeiro caso fica definida a funo Seno e, no segundo, a funo seno.

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E na sala de aula? Alguns livros didticos, lanados em outros pases, reconhecem a existncia das duas funes e usam smbolos diferentes para representlas. No Brasil h uma espcie de acordo de cavalheiros. Quando a palavra seno aparece na frente de nmeros como 30, 45, 180 etc., assumimos tratar-se da funo Seno. Se essa mesma palavra aparece na frente de nmeros como , 2/3, /6 etc., assumimos tratar-se da funo seno... e evitamos perguntar quanto vale o seno de l para no criar confuso. Quando pedimos aos nossos alunos que resolvam a equao sen x = 0, aceitamos como corretas as solues x = k ou x = k 180, mas reclamamos, claro, se o aluno disser que = 180. Uma possvel sada usar sempre o smbolo grau quando se trata da funo Seno, isto , escrever sen 30, sen 45, sen 500, sen 1, (embora Seno seja uma funo de domnio R), e reservar o smbolo sen para a funo seno: sen , sen 3 /4, sen 1 etc.

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Captulo 3

Geometria

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Por que os nomes elipse, parbola e hiprbole?Adaptado do artigo de

Geni Shulz da Silva

A Menaecmus, por volta de 350 a.C., discpulo e sucessor do matemtico Eudoxo na direo da Escola de Cizico (sia Menor), atribui-se a inveno das curvas elipse, parbola e hiprbole, por ele construdas mecanicamente e utilizadas na resoluo do clssico problema da duplicao do cubo (problema de Delos). Mas foi Apolnio (III sc. a.C.) quem extraiu essas curvas de uma superfcie cnica, mediante sees planas. Da a denominao comum de sees cnicas. Os nomes elipse, parbola e hiprbole foram mesmo usados por Apolnio, que os tirou de uma terminologia pitagrica (VI sc. a.C.) especfica para reas. Assim, quando os pitagricos faziam a base de um retngulo ficar sobre um segmento retilneo de modo que uma extremidade dessa base coincidisse com uma das extremidades do segmento, diziam que tinham um caso de elipse, parbola ou hiprbole, conforme a referida base fosse menor do que o segmento, 107

com ele coincidisse ou o excedesse. E observamos que a razo dessas designaes est na prpria significao dos termos, pois elipse quer dizer falta, parbola corresponde a igual e hiprbole exprime excesso.

Vejamos agora o fato em relao s curvas em questo. Para isso, consideramos uma cnica de vrtice A, como na figura. Seja P um ponto qualquer da cnica e Q sua projeo ortogonal sobre AB. Pelo vrtice A traamos uma reta perpendicular a AB, sobre a qual tomamos AD = p, p um nmero real positivo previamente dado. A seguir, construamos um retngulo de base AQ, situada sobre a reta

AB, e lado AE sobre AD, de modo que a sua rea sejaConforme

AE < AD, AE = AD ou AE > AD,Apolnio denominou a cnica de elipse, parbola ou hiprbole. Em outros termos, se considerarmos a curva referida a um sistema cartesiano de eixos coordenados com eixo dos x (abcissas) sobre AB e eixo dos y (ordenadas) sobre AD e se designarmos as coordenadas de P por x e y, a curva ser uma elipse se y2 < px, uma parbola se y2 = px e uma hiprbole se y2 > px. 108

Por que as antenas so parablicas?Adaptado do artigo de

Eduardo Wagner

A palavra parbola est, para os estudantes do ensino mdio, associada ao grfico da funo polinomial do segundo grau. Embora quase todos conheam as antenas parablicas, nem todos fazem ligao entre uma coisa e outra. Os espelhos dos telescpios e dos faris dos automveis tambm so parablicos. Por qu? Neste artigo, vamos partir da definio geomtrica dessa curva chamada parbola, descobrir sua equao e investigar algumas de suas propriedades, que vo justificar por que as antenas e alguns espelhos precisam ser parablicos. Por questes de simplicidade, tudo o que dissermos de agora em diante passa-se num plano. Definio Consideremos uma reta d e um ponto F. Parbola de foco F e diretriz d o conjunto de todos os pontos cuja distncia reta d igual distncia ao ponto F. Na figura, se PD = PF, ento P um ponto da parbola de foco F e diretriz d.

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Para obter diversos pontos de uma parbola, dados o foco F e a diretriz d, trace por F uma reta r perpendicular diretriz, e seja D o ponto de interseo de r e d. O segmento DF chama-se parmetro da parbola e o ponto V, mdio de DF, o vrtice da parbola. Para cada ponto A da semi-reta VF, trace a reta s, perpendicular r. A circunferncia de centro F e raio AD corta s nos pontos P e P, que pertencem parbola. Como PD = AD, a distncia de P ao foco igual sua distncia diretriz. A equao da parbola Em um sistema de coordenadas, no difcil encontrar a equao da parbola, dados o foco e a diretriz. Tomemos como foco e como diretriz.

Se P = (x, y) tal que PF = PD, temos:

Elevando ao quadrado e cancelando os termos iguais dos dois lados, obtemos: 110 , o que mostra que a equao

de uma parbola da forma y = ax2 (um polinmio do segundo grau). Reciprocamente, dada uma funo da forma y = ax2 , fcil provar que qualquer um de seus pontos possui distncia ao ponto distncia reta parbola de foco igual

, o que mostra que o grfico de y = ax2 uma e diretriz .

Com um pouco mais de trabalho, o leitor poder demonstrar que o grfico de y = ax2 + bx + c (com ) tambm uma parbola com vrtice no ponto Antenas e espelhos Vamos voltar agora s nossas perguntas iniciais. Por que as antenas que captam sinais do espao so parablicas? Por que os espelhos dos telescpios astronmicos so parablicos? Nos dois exemplos acima, os sinais que recebemos (ondas de rdio ou luz) so muito fracos. Por isso, necessrio capt-los em uma rea relativamente grande e concentr-los em um nico ponto para que sejam naturalmente amplificados. Portanto, a superfcie da antena (ou do espelho) deve ser tal que todos os sinais recebidos de uma mesma direo sejam direcionados para um nico ponto aps a reflexo. .

A antena ideal deve dirigir todos os sinais recebidos ao ponto F.

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Vamos mostrar que se a superfcie for parablica, essa situao ocorre. Observao 1 Observemos inicialmente que uma parbola separa os demais pontos do plano em duas regies: uma, onde cada ponto tem distncia ao foco menor que sua distncia diretriz, chamada regio interior, e outra, onde a distncia de cada ponto ao foco maior que a distncia diretriz, chamada regio exterior.

A figura mostra uma parbola de foco F e diretriz d e uma reta r paralela d, cortando a curva em P e P. Se o ponto P1 da reta r interior ao segmento PP, ento P1F < PF = PD = P1D1 e, portanto, interior parbola. Por outro lado, se P2 um ponto da reta r, exterior ao segmento PP, ento P2F < PF = PD = P2D2 e P2 exterior parbola. Observao 2 Os raios de luz e as ondas de rdio propagam-se no espao em linha reta. Alis, isso no inteiramente verdadeiro, mas para o observador da Terra aceitvel. Quando esses sinais so refletidos em um ponto de uma superfcie, tudo se passa como se estivessem sendo refletidos em um plano tangente superfcie nesse ponto, de acordo com a famosa lei da Fsica: o ngulo de incidncia igual ao ngulo de reflexo.

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Consideremos um ponto P qualquer da parbola de foco F e diretriz d, e ainda a reta t , bissetriz do ngulo FPD . Vamos mostrar geometricamente que t tangente parbola. No tringulo PFD, como PF = PD, a reta t, bissetriz do ngulo PFD, tambm mediana e altura. Em outras palavras, a reta t mediatriz do segmento FD. Seja agora Q, um ponto qualquer da reta t, distinto de P. Se D a projeo de Q sobre d, temos:

QF = QD > QD.Portanto, Q exterior parbola. Ora, o ponto P da reta t pertence parbola, e todos os outros pontos de t so exteriores. Logo, t tangente parbola em P.

Observe, na figura acima, a semi-reta PY, prolongamento do segmento DP. Como a tangente parbola em P bissetriz do ngulo FPD, temos que PY e PF fazem ngulos iguais com essa tangente. Por isso, todo sinal recebido na direo do eixo da parbola toma a direo do foco aps a reflexo.

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A hiprbole e os telescpiosAdaptado do artigo de

Geraldo vila

O

artigo anterior trouxe uma interessante propriedade focal da parbola, que utilizada na construo de refletores e antenas parablicas. Seria natural que o leitor perguntasse: e a hiprbole? Tem ela propriedade parecida? Sim, tem, e uma propriedade importante na tecnologia dos telescpios, como explicaremos neste artigo. O que uma hiprbole As chamadas sees cnicas elipse, hiprbole e parbola so as curvas que se obtm como interseco de um cilindro ou cone circular reto com um plano. Outra maneira equivalente de definir essas curvas a geomtrica e se faz em termos da chamada propriedade focal. Supondo que estamos trabalhando em um plano, a hiprbole, por exemplo, pode ser definida geomtricamente:

Dado um nmero positivo d e dois pontos F e F, chama-se hiprbole ao lugar geomtrico dos pontos cuja diferena das distncias a F e F sempre igual a d.114

Assim, P, P, P, ... so pontos da hiprbole, visto que

PF PF = PF PF = PF PF = ... = d.

Do mesmo modo, Q, Q, Q, ..., satisfazendo as condies,

QF QF = QF QF = QF QF = ... = dtambm pertencem hiprbole, a qual, portanto, possui dois ramos distintos. Os pontos F e F so chamados focos da hiprbole. Reflexo da luz Vamos imaginar um espelho refletor construdo com o formato de um ramo de hiprbole, estando a parte refletora do lado de fora da hiprbole, isto , na sua parte cncava.

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Suponhamos que um raio de luz proveniente de um ponto A incida no espelho em P, como ilustra a figura, de forma que a reta AP passe pelo foco F. Ento possvel mostrar, de forma anloga ao feito para a parbola no artigo anterior a este, que o raio refletido passar pelo outro foco F. O leitor interessado pode encontrar a demonstrao dessa propriedade, por exemplo, no nmero 34 da RPM. Vamos ver uma de suas aplicaes na construo de telescpios. Telescpios refletores Galileu Galilei (1564-1642) foi o primeiro cientista a construir um telescpio para observao astronmica. Isso se deu em 1609 e resultou em notveis descobertas: Galileu viu montanhas e acidentes geogrficos na superfcie lunar, observou que Vnus passa por fases como a Lua, notou que Saturno tem um formato alongado (devido a seus anis), e que Jpiter possui satlites girando a sua volta. Em pouco tempo Galileu revolucionou a Astronomia. Os primeiros telescpios, inclusive o de Galileu, foram construdos com lentes e funcionavam com base na refrao da luz. So os chamados telescpios refratores. Acontece que as lentes tm vrios inconvenientes, como as deformaes das imagens que elas produzem, fenmeno que pode ser facilmente observado com Galileu Galilei qualquer lente de grau de culos comuns; basta olhar atravs da lente e mov-la transversalmente para um lado e para o outro, ou em crculos, para notar essas deformaes. Alm disso, a lente tambm atua como um prisma, decompondo a luz branca em vrias cores, produzindo outro tipo de efeito indesejvel nas observaes, as chamadas aberraes cromticas. Esses inconvenientes dos telescpios refratores no existem nos telescpios refletores. O telescpio refletor nada mais do que um espelho parablico no fundo de um tubo, como ilustra a Figura 1. Os raios 116

provenientes de um corpo celeste distante (estrela, galxia, planeta, etc.) formam um feixe praticamente paralelo, que se reflete no espelho e vai formar a imagem do objeto no foco F. O problema agora que, para observar essa imagem, o observador teria de estar com seu olho posicionado no foco da parbola, mas isso impossvel na prtica.

Isaac Newton (1642-1727) resolveu esse problema em seu telescpio refletor, colocando um espelho plano E entre o espelho parablico e o foco F (Figura 1). Com isso, os raios que iriam formar a imagem em F so novamente refletidos e vo formar essa imagem num ponto fora do tubo do telescpio, onde se posiciona o observador.

Figura 1

Figura 2 Em 1672 o astrnomo francs Cassegrain props a utilizao de um espelho hiperblico E, como ilustra a Figura 2, em lugar do espelho plano de Newton. Um dos focos da hiprbole coincide com o foco F da parbola. Agora os raios que iriam formar a imagem no foco F so refletidos pelo espelho E e formaro essa imagem no outro foco da hiprbole. 117

Para compreender a vantagem desse espelho hiperblico de Cassegrain sobre o espelho plano de Newton, devemos observar que o espelho plano no pode ficar muito prximo do foco F, sob pena de o ponto da Figura 1 ficar dentro do telescpio; em conseqncia, o espelho plano precisa ser de razovel tamanho, o que resulta num bloqueio significativo da luz incidente no espelho parablico que forma a parte principal do telescpio. O espelho de Cassegrain, pelo contrrio, pode ser construdo mais prximo ou mais afastado do foco F, mantendo-se fixa a distncia FF entre os focos da hiprbole; em conseqncia, o tamanho desse espelho pode ser maior ou menor. A distncia entre os focos F e F tambm pode ser alterada para mais ou para menos, sem mudar a posio do foco F. A combinao desses fatores permite grande flexibilidade na montagem do refletor hiperblico E, adequando-a, assim, s exigncias das observaes. Essas montagens de Cassegrain somente comearam a ser utilizadas nos telescpios cerca de um sculo aps terem sido propostas. Desde ento passaram a ser largamente usadas, e hoje em dia esto presentes no apenas nos telescpios ticos, mas tambm nos radiotelescpios. O famoso telescpio tico do observatrio de Monte Palomar, que fica 80 km a nordeste de San Diego, na Califrnia, utiliza vrias montagens do tipo de Cassegrain.

As PARBOLAS falam...

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