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Matemática e Música: A Relação entre Ciência e Arte... Silva & Barros Revista Diálogos set. / out. / 2018 N.º 20 342 MATEMÁTICA E MÚSICA: A RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E ARTE - UM ESTUDO SOBRE A SÉRIE HARMÔNICA. Josevaldo Gomes da Silva ( UPE) 1 Janaína Viana Barros ( UPE) 2 d.o.i. 10.13115/2236-1499v2n20p342 RESUMO Este artigo objetiva traçar uma breve síntese da belíssima e importante relação de duas grandiosas áreas do conhecimento - a matemática e a música - e estabelecer uma aproximação significativa no cerne dos documentos estudados. Ademais, busca-se aqui ensejar uma reflexão no que diz respeito à estreita conexão entre estas duas áreas, com um enfoque mais agudo sobre a série harmônica, capturando-a no centro da explicação do conceito de divergência e convergência de séries; tal como sobre uma breve apresentação histórica do trabalho bem sucedido de grandes matemáticos que a desenvolveram, em especial, Pitágoras. Neste ponto, trazer à tona uma apreciação especial desta série é o intento, de sorte a percebê-la e denotá-la na sua real importância na construção da escala musical, permitindo a introdução da noção de intervalos, e sua principal aplicação na música. Para tanto, sob as condições expostas, naturalmente retornaremos ao período histórico onde tudo começou, no qual Pitágoras realizou o experimento do monocórdio. Nesse sentido, este trabalho está fundamentado, principalmente, em Oscar João Abdounur (2003) com seu livro matemática e música O pensamento analógico na construção de significados -, na dissertação de mestrado de Marcos do Carmo Pereira, intitulada Matemática e música De Pitágoras aos dia de hoje -, e em artigos relacionados a fim de externar tais procedimentos e, por conseguinte, concretizá-los trazendo à luz os objetivos, da melhor maneira possível, que compreendem este labor. Palavras-chave: Série Harmônica, Relação, Matemática e Música, Reflexão. 1 Graduando em Licenciatura Plena em Matemática (UPE). E-mail: [email protected] 2 Prof.ª Dra. Em ciência de materiais (UFPE). E-mail: [email protected]

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Matemática e Música: A Relação entre Ciência e Arte... – Silva & Barros

Revista Diálogos – set. / out. / 2018 – N.º 20 342

MATEMÁTICA E MÚSICA: A RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E

ARTE - UM ESTUDO SOBRE A SÉRIE HARMÔNICA.

Josevaldo Gomes da Silva ( UPE)1

Janaína Viana Barros ( UPE)2

d.o.i. 10.13115/2236-1499v2n20p342

RESUMO

Este artigo objetiva traçar uma breve síntese da belíssima e

importante relação de duas grandiosas áreas do conhecimento - a

matemática e a música - e estabelecer uma aproximação significativa no

cerne dos documentos estudados. Ademais, busca-se aqui ensejar uma

reflexão no que diz respeito à estreita conexão entre estas duas áreas,

com um enfoque mais agudo sobre a série harmônica, capturando-a no

centro da explicação do conceito de divergência e convergência de

séries; tal como sobre uma breve apresentação histórica do trabalho

bem sucedido de grandes matemáticos que a desenvolveram, em

especial, Pitágoras. Neste ponto, trazer à tona uma apreciação especial

desta série é o intento, de sorte a percebê-la e denotá-la na sua real

importância na construção da escala musical, permitindo a introdução

da noção de intervalos, e sua principal aplicação na música. Para tanto,

sob as condições expostas, naturalmente retornaremos ao período

histórico onde tudo começou, no qual Pitágoras realizou o experimento

do monocórdio. Nesse sentido, este trabalho está fundamentado,

principalmente, em Oscar João Abdounur (2003) com seu livro

matemática e música – O pensamento analógico na construção de

significados -, na dissertação de mestrado de Marcos do Carmo Pereira,

intitulada – Matemática e música De Pitágoras aos dia de hoje -, e em

artigos relacionados a fim de externar tais procedimentos e, por

conseguinte, concretizá-los trazendo à luz os objetivos, da melhor

maneira possível, que compreendem este labor.

Palavras-chave: Série Harmônica, Relação, Matemática e Música,

Reflexão.

1 Graduando em Licenciatura Plena em Matemática (UPE). E-mail:

[email protected] 2 Prof.ª Dra. Em ciência de materiais (UFPE). E-mail: [email protected]

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ABSTRACT This article aims to draw a brief synthesis of the beautiful and

important relation of two great areas of knowledge - mathematics and

music - and to establish a significant approximation at the heart of the

documents studied. In addition, it is sought here to reflect on the close

connection between these two areas, with a sharper focus on the

harmonic series, capturing it at the center of the explanation of the

concept of divergence and convergence of series; such as on a brief

historical presentation of the successful work of great mathematicians

who developed it, especially Pythagoras. At this point, to bring up a

special appreciation of this series is the attempt, in order to perceive it

and denote it in its real importance in the construction of the musical

scale, allowing the introduction of the notion of intervals, and its main

application in music. For this, under the exposed conditions, we will

naturally return to the historical period where it all began, in which

Pythagoras performed the monochord experiment. In this sense, this

work is mainly based on Oscar João Abdounur (2003) with his book on

mathematics and music - Analogic thought in the construction of

meanings -, in the master dissertation of Marcos do Carmo Pereira,

entitled - Mathematics and music De Pitágoras and related articles in

order to express such procedures and, therefore, to put them into

practice by bringing to light the objectives that best comprise this work.

Keywords: Harmonic Series, Relation, Mathematics and Music,

Reflection.

INTRODUÇÃO

Pois bem: sons e acordes, quando uma pessoa se depara com

estes tipos de situações, em geral, mal pode ela perceber a real relação

ali existente entre matemática e música. Mas, ao contrário do que

muitos pensam, a matemática é, de fato, imprescindível para se entender

e estruturar a música em todo o seu arcabouço teórico que forja e traz à

tona a beleza musical. Voltaremos o olhar, nesse sentido, à antiguidade que, sem

dúvida, foi um período fundamental em que se construiu e se deu

significado a muitas coisas. Ademais, para entender esse processo

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torna-se necessário um estudo mais aprofundado sobre a Série

Harmônica; donde extrairemos o máximo de informações e descobertas

possíveis para, assim, engajar e qualificar nosso objeto de pesquisa: a

relação supracitada.

Com efeito, pois, por um lado, tudo se inicia na escola

pitagórica, na concepção da música segundo Pitágoras. Aqui percebe-se

o fascínio que a música exerce desde a antiguidade até os dias correntes,

que pode ser bem explicado no mito grego de Orfeu, poeta e músico.

Diz a lenda que, quando cantava e tocava sua lira3, tinha o poder de

acalmar os rios e mesmo os animais; de modo que todos se rendiam aos

encantos de sua música. Sabe-se, por outro lado, que a matemática é indispensável para

a humanidade, desde as coisas mais simples até as mais complexas que

possamos imaginar, todas presentes em nossas vidas. Dessa forma, no

que concerne à evolução da música não haveria de ser diferente: dentre

os mais variados aspectos que a compõe, faz-se necessário o uso da

matemática, seja na construção da escala musical - em que se determina

os sons que ouvimos, seja na teoria musical, propriamente dita, que

desnuda todo o esforço e trabalho dispendido por grandes matemáticos

em épocas diversas. Uma pessoa que nunca estudou música, que jamais passou, na

graduação, pelas disciplinas de calculo diferencial e integral

dificilmente conhecerá e/ou terá o seu primeiro contato com a série

harmônica. Mas, mesmo entre os que já a estudaram, é algo claro que o

olhar unilateral concentrado ou na música ou na matemática

isoladamente não revela o real e completo motivo, tampouco as

principais relações que ambas as áreas estabelecem de contribuição

mútua para determinados fins. Nesse sentido, busca-se aqui estreitar a relação matemática /

música. Para tanto, além de todo arcabouço histórico / teórico

fundamentado, aborda-se neste trabalho o conceito indispensável em

matemática de divergência de uma série numérica. Além disso, todo o

comportamento musical aqui exposto, denotado pela série harmônica,

faz-se contributo significativo para notarmos a matemática bela que há

por traz de toda a beleza musical, dos sons, das escalas, da melodia, do

solo, do arranjo, etc. A qual apreciamos e ouvimos hoje.

3 Instrumento musical parecido com a harpa

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Portanto, esta breve classificação dos conhecimentos

demonstram-nos os distintos lugares das áreas, assim como, os

diferentes papéis na sociedade, na qual ainda parece impossível

vislumbrar uma relação direta entre os conhecimentos musicais e

matemáticos. Ainda assim, tanto na história da matemática quanto na

história da música, há estudos que identificam a comunhão, o

casamento desses conhecimentos; e a pretensão aqui lançada é a de

revelar isto.

ONDE TUDO COMEÇOU: CONTEXTO HISTÓRICO.

Nesta seção é auspicioso, portanto, apresentar onde tudo

começou, ou seja, fazer um breve relato da história da música. Os fatos

aqui apresentados não obedecem uma ordem cronológica, mas serão

descritos de uma maneira a ser a mais fácil de ser assimilada. Convém

ressaltar que a primeira escala, tomada como base para a atual, fora

descoberta por Pitágoras, celebre figura conhecida matematicamente

e/ou filosoficamente.

Segundo Abdounur (2003), a matemática e a música possuem

laços profundos estudados desde a Antiguidade. Os primeiros indícios

de algum tipo de relação entre essas duas áreas, aparentemente tão

distintas, perderam-se com o passar do tempo, visto que, para quase

todos os povos antigos, os registros sobre estes dois assuntos

encontram-se em documentos separados. “Por volta do ano 1000 d.C., na

Itália, viveu um monge chamado

Guido D’Arezzo. Ele gostava muito

de cantar louvores a Deus e, dentre

os cantos que entoava, havia um em

especial: a Oração a São João

(Sancte Ioannes, em latim). O

monge pegou as iniciais de cada

verso da oração para dar nome às

notas musicais que conhecemos:

DÓ, RÉ, MI, FÁ, SOL, L Á, SI. É

claro que as notas já existiam,

apenas não tinham nomes. Outros

povos, como os gregos, e mais tarde

os anglo-saxões, usavam letras para

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representar as notas” (PEREIRA,

2013).

Tais letras essas as quais chamamos e conhecemos para quem

tem uma certa proximidade a música de cifras A, B, C, D, E, F, G; que

nada mais são do que as notas musicais. Veja a seguir a distribuição

correta da cifra a sua respectiva nota: C D E F G A B DÓ RÉ MI FÁ SOL L Á SI

No que concerne aos documentos, é incontornável, uma vez

mais, citar os gregos, em especial: Pitágoras, ao qual daremos a devida

atenção logo mais neste trabalho. Apesar de muitos não saberem, em

geral, o conhecerem apenas pelo seu famoso teorema que recebe seu

nome, o famoso Teorema de Pitágoras, ele foi responsável pela feitura

da primeira escala musical que se tem notícia até o presente momento.

Como é de conhecimento de todos, na antiguidade, a música exerceu

um fascínio em todas as civilizações que existiam; foram, assim, os

filósofos gregos que se dedicaram a ela e a estudaram de maneira,

digamos, mais profunda. De fato, quando os lemos, logo enxergamos,

por parte deles, uma busca incessável cujo objetivo principal sempre

fora entender os fenômenos que ocorriam no universo e a partir daí

buscar uma explicação plausível para os fatos. Segundo Boyer (1996), o primeiro registro realmente que

estabelece associação entre a matemática e a música, ocorre por volta

do século VI a.C. na Grécia Antiga, na Escola Pitagórica. Por meio de

um instrumento de uma corda, os pitagóricos relacionaram intervalos

musicais ao conceito de frações.

PITÁGORAS: O EXPERIMENTO DO MONOCÓRDIO E A

ESCOLA PITAGÓRICA. “A música é uma ciência que

necessita possuir um estatuto

definido. Suas regras devem ser

extraídas de um princípio claro,

inconcebível sem o auxílio da

matemática. Apesar de toda a

experiência que eu possa ter

adquirido em música por associar-

me a ela por tanto tempo, devo

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confessar que somente com o auxílio

da matemática, minhas ideias

tornaram-se claras e a luz substituiu

uma escuridão da qual eu não

estava ciente” (Abdounur, 2003,

apud Rameau, 1722).

Segundo Abdounur (2003) os pitagóricos, por assim dizer,

foram os únicos até Aristóteles a fundamentar e desenvolver

cientificamente a música, começando a desenvolvê-la, de modo que

tornaram-se os mais preocupados por tal assunto. Possivelmente

inventado por Pitágoras, o monocórdio é um instrumento que era

composto por uma única corda estendida entre dois cavaletes fixos

sobre uma prancha ou mesa, possuindo um cavalete móvel colocado

sob a corda para dividi-la em duas seções. Em seus experimentos Pitágoras evidenciou relações entre o

comprimento de uma corda e a altura musical do som emitido quando

ela é tocada. Ele observou que, pressionando uma corda num ponto

situado à metade ou 1/2, e tocando-a, a mesma produzia um som

aparentemente bem próximo ao da corda inicialmente solta, o que, em

teoria musical, chama-se de oitava do som original. Da mesma forma

observou que pressionando a 2/3 do seu tamanho original, ouvia-se um

som que denomina-se uma quinta acima. Analogamente, da pressão

exercida num ponto situado a 3/4 do comprimento da corda em relação

a sua extremidade, ouvia-se uma quarta do tom emitido pela corda

inteira. A partir desta experiência, os intervalos mencionados passaram

a serem denominados consonâncias pitagóricas. Consequentemente, de tal experimento realizado por Pitágoras,

fez-se a descoberta da relação entre razões de números inteiros,

mediante a qual fora criado um sistema musical através dessas relações. Os pitagóricos observaram que notas diferenciadas por

intervalos de oitava apresentavam certa proximidade musical, as quais

foram definidas como uma classe de equivalência4, em que duas notas

4 O termo referente a classe de equivalência refere-se a um conceito matemático

definido a partir de uma relação de equivalência. Uma relação R sobre um conjunto E

desta natureza deve, dados a, b e c em E, ser reflexiva (aRa, para todo a em E),

simétrica (se aRb, então bRa) e transitiva (se aRb e bRc, então aRc); donde chamamos

classe de equivalência determinada por a módulo R ao subconjunto de E constituído

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somente tornam-se equivalentes se o intervalo existente entre elas for

um número inteiro de oitavas, podendo reduzir distintas oitavas a

apenas uma, possuindo assim notas equivalentes em todas as outras

oitavas e na oitava base (ABDOUNUR, 2003).

No estudo de sons musicais em cordas esticadas (com a mesma

tensão relativa), descobriu-se as regras que relacionavam a altura da

nota emitida com o comprimento da corda, concluindo que as relações

que produziam sons harmoniosos seguiam a proporção dos números

inteiros simples do tipo 1/2, 2/3, 3/4, etc. Tais relações podem ser

visualizadas na guitarra proposta por Pitágoras na Figura 1. Portanto,

Pitágoras concluiu que havia uma música que representava as relações

numéricas da natureza e que constituía sua harmonia interior

(CARLOS, 2015).

Figura 1 – Representação da Guitarra proposta por Pitágoras.

Fonte: http://www.upscale.utoronto.ca

Relativamente aos documentos, a escola pitagórica possuía um

código de conduta bastante rígido. O vegetarianismo, por exemplo, era

imposto a seus membros, aparentemente porque o pitagorismo aceitava

a doutrina da metempsicose, ou transmigração das almas, ou seja:

por todos os elementos x tais que xRa. No caso em questão, a relação de equivalência

sobre o universo das notas é a seguinte: Duas notas são equivalentes se diferirem em

intervalo por um número inteiro de oitavas. Podemos observar que a relação assim

estabelecida satisfaz as condições referidas acima; definindo, tão logo, como classes

de equivalência conjuntos que possuem mesmas notas a menos de um número inteiro

de oitavas.

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existia ali uma preocupação de que se podia matar um animal que fosse

moradia da alma de um amigo morto; entre outros e variados tipos de

preceitos da escola pitagórica. “Os membros da Escola Pitagórica

recebiam uma educação formal,

onde constavam quatro disciplinas:

Geometria, Aritmética, Astronomia

e Música e constituíam as artes

liberais cujo conteúdo tornou-se

conhecido na Idade Média como o

Quadrivium, que era considerado a

bagagem cultural necessária de uma

pessoa bem educada. A palavra

matemática (Mathematike, em

grego) surgiu com Pitágoras, que foi

o primeiro a concebê-la como um

sistema de pensamento, fulcrado em

provas dedutivas. Os pitagóricos

elevaram a matemática à categoria

das ciências liberais, isto é,

tornaram-na independente das

necessidades práticas e a

transformaram em uma atividade

puramente intelectual. Na filosofia

pitagórica afirmava-se que “Tudo é

número”, ou seja, na concepção

cosmogônica dos primeiros

pitagóricos, a extensão era

descontínua, constituída de unidades

indivisíveis separadas por um

intervalo” (CARLOS, 2015).

Talvez a mais notável característica da escola pitagórica tenha

sido a confiança que conservavam para com o estudo da matemática e

da filosofia, bases morais de sua conduta.

Para os pitagóricos a matemática se relacionava mais

com o amor à sabedoria do que com as exigências da vida

prática; e essa foi sua tendência a partir daí. É difícil

separar história real daquilo que é lenda no que tange a

Pitágoras, pois ele representava tantas coisas ao povo: filósofo, astrônomo, matemático, abominador de feijões,

santo, profeta, milagreiro, mágico, charlatão; que foi uma

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das figuras mais influentes da história. O que é inegável,

pois seus seguidores, sejam iludidos, sejam inspirados,

espalharam, e muito bem, suas crenças por quase todo o

mundo grego. Se é impossível atribuir certas descobertas

específicas ao próprio Pitágoras, ou mesmo coletivamente

aos pitagóricos, é importante entender o tipo de atividade

com que, segundo a tradição, a escola estava associada

(BOYER, 1996).

A SÉRIE HARMÔNICA

Provavelmente a mais famosa das séries em matemática é a série

harmônica, a qual tem seu n-ésimo termo dado por 1/n, em que n é um

número inteiro positivo.

Segundo Ávila (1995, p.55-56) apesar de ser uma das séries

mais simples dentre as séries divergentes com o termo geral tendendo a

zero; para uma aluno iniciante e inexperiente em séries infinitas tudo

leva-o a crer que tal série, a saber:

deva ser convergente, e não divergente. Afinal, somos levados

pelo fato de os termos estarem decrescendo para zero após uma soma

muito grande de termos; todavia, é preciso realizar uma análise bastante

cuidadosa. Ainda nesse campo da série harmônica, existe uma outra série

harmônica especial que convém citar aqui: a série harmônica alternada,

definida por:

Estudado com um pouco mais de afinco as disciplinas de cálculo

diferencial e integral, é posto e abordado vários testes dos quais ao

momento mais adequado se lança mão para mostrar quando uma série

converge ou diverge.

DIVERGÊNCIA DA SÉRIE HARMÔNICA

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Segundo Eves (2004) a demonstração de que a série harmônica,

de fato, é divergente aparece tardiamente e foi feita pelo Bispo Nicole

Oresme (1320-1382) no século XIV. A dificuldade está no fato de que o

crescimento da série harmônica não explicita naturalmente sua

divergência, pois, para termos muito grandes a soma tem crescimento

cada vez menor. Para isso é bom vermos no gráfico como isso

acontece.

Figura 2 – Crescimento da Série Harmônica

Fonte:

http://www.dme.ufcg.edu.br/pet/arquivos/Coloquio_Serie_Harmonica_Poster_Matheu

s_Arthur_Paulo_12-11-2012_v5.pdf

No que toca a demonstração; percebamos que podemos agrupar

os termos da série da seguinte forma:

Se olharmos bem, nota-se que cada termo entre parênteses é

maior do que 1/2. Por exemplo:

Então, é claro que

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Revista Diálogos – set. / out. / 2018 – N.º 20 352

Logo, a série harmônica é divergente. Conforme queríamos

demonstrar.

RELAÇÃO, APROXIMAÇÃO E APLICAÇÃO DA SÉRIE

HARMÔNICA: A COMUNHÃO DA CIÊNCIA COM A ARTE.

É aqui onde a noção de intervalo5 aparece, iremos, assim,

perceber o que são e como se comportam, não aprofundando tanto, pois

nosso objetivo é sua real ligação com a série harmônica. Os intervalos,

dessa forma, são essências musicalmente para quem deseja melhor

compreender a formação dos acordes, a formação das próprias escalas,

a formação de um campo harmônico etc. Portanto, faz-se necessário interiorizarmos bem este nome:

intervalo; pois mesmo não adentrando tanto teremos uma breve

introdução a eles falando de um outro assunto que já foi

trabalhado no presente trabalho, ou seja, é impossível falar de

intervalos, que são esses distanciamentos entre duas ou mais notas sem

antes entendermos algo muito importante, o foco principal deste labor, a

Série Harmônica.

Vejamos, o ouvido humano consegue distinguir diferentes

qualidades de sons, por exemplo, imagine que estejam na sua frente, por

trás de uma cortina, dois instrumentos que você não sabe quais são; mas

os vou dizer: são eles um piano e um violão. Neste ponto, pense que

no piano se tocou uma determinada nota e que, do mesmo modo,

também o violão com a mesma afinação. Certamente, você já ouviu o som de um piano e de um violão,

ainda que você não seja um músico profissional ou um profundo

conhecedor da teoria musical; de modo que certamente irá conseguir

distinguir o som emitido por um piano daquele emitido por um violão;

aqui você deve ser perguntar: como isso é possível, posto que o piano e

o violão são instrumentos diferentes? Como podemos conceber que

5 Intervalos são o distanciamento entre dois sons, ou melhor dizendo duas notas

musicais.

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Revista Diálogos – set. / out. / 2018 – N.º 20 353

mesmo que eles toquem a mesma nota com a mesma afinação,

conseguimos distinguir um instrumento do outro? A resposta é simples, isso se chama timbre

6 que, na verdade, é

um nome muito utilizado pelos músicos no momento de uma compra,

ao analisar o som de um instrumento. E são exatamente essas

propriedades físicas do som que o levam a perceber a diferença entre o

som de um piano e o som de um violão mesmo quando executam a

mesma nota e novamente você se pergunta: por que usar o exemplo do

piano e do violão? E por que estou me referindo a palavra timbre?

Simplesmente pelo motivo de que o timbre, para que seja perceptível ao

seu ouvido, é o resultado da Série Harmônica objeto de nosso estudo. Conheceremos, agora, o significado da palavra Série

Harmônica7 na música, para isto usaremos exemplos populares,

quando se toca apenas uma nota (quando digo nota não me refiro a

acorde na realidade nós estamos ouvindo com aquela nota um conjunto

de frequências mais agudas no qual o nosso ouvido ainda não consegue

captar, em que se capta um som em conjunto).

Em um primeiro momento, podemos até nos surpreender com tal

fato, mais por exemplo, se você tocar uma nota, ou seja, um corda solta

usando o exemplo do violão, na realidade, aquela nota está produzindo,

ou melhor, propagando várias outras notas. Isto é: quando tocamos uma

nota ela tem uma certa vibração e com essa vibração vem junto uma

sequência de outras notas matematicamente organizadas e

sistematizadas entre si que formam os famosos Harmônicos. Segundo Anderle (2001) o som emitido por um instrumento

musical é resultado de uma vibração. A série harmônica é resultado dos

sons geradores, mais as notas agudas. Se tomarmos como exemplo a

corda de um violão, notaremos que, além de vibrar em toda a sua

extensão, ela também vibra em sua metade, em sua terça parte, em sua

quarta e quinta partes, etc. produzindo sons cada vez mais agudos. A

vibração da corda pode ser definida como ciclos ou Hertz. [...] A série

harmônica é fisicamente infinita e suas primeiras 16 notas surgem ao

6 Timbre é algo que pode ser definido como a impressão sonora, ou o colorido

particular de cada som 7 Série Harmônica é um conjunto de frequências sonoras que soam em simultaneidade

com um nota principal

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subdividir uma corda vibrante (experiência de Pitágoras) em 2 – 3 – 4 –

5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 partes iguais. Vejamos melhor o que Anderle (2001) descreveu na figura a

seguir:

Figura 3 – Subdivisão de harmônicos

Fonte: http://pt.scribd.com/doc/56289539/Apostila-Acustica-Eletrica-Em-

Audio

Segundo Bartz (2010) a quantidade de harmônicos de um som

fundamental é infinita. Quanto mais afastados do som fundamental

estes sons estiverem, menos audíveis e consonantes os harmônicos vão

ficando com relação à nota principal. Os intervalos entre os harmônicos

também se tornam menores. A série harmônica nos permite observar os

intervalos consonantes e dissonantes com relação a uma nota específica.

Assim, como a série diverge no infinito, esses harmônicos

tendem a se tornar imperceptíveis aos nossos ouvidos, pois essas

frequências são muito agudas, praticamente os nossos tímpanos, nossos

ouvidos não tem tal incrível capacidade de perceber os harmônicos.

Assim sendo, voltamos a Pitágoras, em que discorremos sobre o seu

importante experimento que fora fundamental para sua descoberta, qual

seja: o distanciamento das notas musicais exatamente em cima desse

conceito que encerra os harmônicos.

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Poucos músicos sabem que uma frequência harmônica para que

ela possa existir, depende de três fatores que são óbvios e naturais; mas

que merecem devida atenção: para existir ela depende de um

comprimento, uma espessura e de uma tensão. O comprimento é o

distanciamento de uma ponta a outra de uma corda: o tamanho da corda.

A espessura é exatamente a grossura, por assim dizer, dessa corda e,

quando falamos da tensão, ela é precisamente a distância que a corda

percorre quando ela está em vibração como vimos na figura 3.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisarmos a comunhão matemática / música no cerne dos

documentos, é notável que, de fato, uma é base para se entender a

outra, dessa forma sobressai-se do estudo aqui feito, as relações que

poucos imaginam existirem, embora tais áreas, sob a perspectiva de

muitos, parecem tão distintas. O fato é que, por traz de uma das artes

mais populares do mundo, não é de todo evidente que a matemática é

capaz de proporcionar por traz do talento de um artista, que ela o

sustenta, o fundamenta e o dá suporte. Do que segue que, de todo labor exposto tudo se volta e leva-nos

a Pitágoras, o mesmo que, em grande medida, apenas é conhecido pelo

famoso teorema que carrega o seu nome. Fora a partir dele que

conhecemos a comunhão de coisas aparentemente distintas. Sendo

assim, temos muito a agradecê-lo pela dedicação em entender, nomear e

classificar tudo aquilo que nos é imprescindível hoje. É relevante, claro,

ressaltar que jamais conseguiremos explicar uma destas áreas apenas

com a outra, ou seja, apenas com um olhar unilateral ou isoladamente,

principalmente no que tange a música, em que sabemos que, por

envolver um lado artístico, é algo mais subjetivo, dependente da

pessoa, do sujeito.

Apesar disso, propusemos neste trabalho denotar a relação,

amiúde supracitada, a fim de compreender, de fato, como surgiu e como

se desenvolveu a série harmônica no centro dos documentos oficiais;

estudar os conceitos matemáticos existentes; e realizar uma análise

criteriosa para entendermos de forma concreta sua divergência, sua

estrutura e sua principal aplicação intimamente relacionada às notas

musicais.

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Finalmente, queremos deixar claro que, obviamente, existem

trabalhos a serem desenvolvidos ainda, como também em andamento.

São duas áreas complexas e, ao mesmo tempo fascinantes, em que

grandes nomes como o de Pitágoras serem sempre foram lembrados

pelo legado histórico e a importância que tiveram.

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