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Mediação familiar e processo de mudança adaptativa: impacto das
decisões parentais responsáveis na (co) parentalidade, em fase de
separação-divórcio
Lucinda das Dores Tiago Gomes
Orientadora: Prof. Doutora Maria Teresa Meireles Lima da Silveira Rodrigues Ribeiro
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de doutor em Psicologia Clínica na área de
especialidade em Psicologia da Família e Intervenção Familiar
2018
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIÊNCIAS DA
EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE PSICOLOGIA
Mediação familiar e processo de mudança adaptativa: impacto das decisões
parentais responsáveis na (co) parentalidade em fase de separação-divórcio
Lucinda das Dores Tiago Gomes
Orientadora: Prof. Doutora Maria Teresa Meireles Lima da Silveira Rodrigues Ribeiro
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de doutor em Psicologia Clínica na área de
especialidade em Psicologia da Família e Intervenção Familiar
Júri:
Presidente:
Doutora Isabel Maria de Santa Bárbara Teixeira Nunes Narciso Davide, Professora Associada e
Vice-Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa.
Vogais:
Doutora Margarita García Tome, Professora
Instituto de Ciencias de la Familia da Universidad Pontifícia de Salamanca, Espanha;
Doutora Rita Mafalda Costa Francisco, Professora Auxiliar
Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa;
Doutor Fausto José Robalo Amaro, Professor Catedrático
Escola Universitária de Ciências Empresariais, Saúde, Tecnologias e Engenharia da
Universidade Atlântica;
Doutora Maria Madalena dos Santos Torres Veiga de Carvalho, Professora Auxiliar
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra;
Doutora Maria Teresa Meireles Lima da Silveira Rodrigues Ribeiro, Professora Associada
Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, Orientadora.
2018
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIÊNCIAS DA
EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE DE
LISBOA
FACULDADE DE
PSICOLOGIA
Esta tese é dedicada,
À minha doce e forte mãe. Pelo amor infinito por mim.
Ao meu pai pela luz do seu amor. Pela poesia (que só nós dois sabemos).
À minha filha, por ser o meu amor maior. Por sempre acreditar (exageradamente) nas
minhas qualidades intelectuais.
Ao meu marido, pelo amor total. Pela generosidade sem limite.
vii
AGRADECIMENTOS
Esta tese é o resultado de um longo e enriquecedor percurso que não teria sido
possível sem o contributo e apoio de muitas pessoas a quem deixo do fundo do coração o
meu agradecimento.
Em primeiro lugar, à minha orientadora, a Professora Doutora Maria Teresa
Ribeiro, pela excelência da sua orientação científica, pelo apoio incondicional, pelas
sugestões, reflexões e ensinamentos de qualidade impar. Mas, também pelas suas
qualidades humanas exemplares, pelo carinho e sensibilidade sempre demonstrados. Por
ter confiado em mim e me ter incentivado desde o primeiro momento.
À Professora Doutora Isabel Narciso por me ter acompanhado neste percurso
desde o início e por ter acreditado nele. Pelas suas aulas brilhantes de metodologias
qualitativas, no programa de doutoramento, às quais sempre regressava quando precisava
de me centrar nos conceitos essenciais.
À Maria José Eusébio e à Elsa Carapito pelo tempo despendido e a ajuda concreta
como assistentes na realização dos focus groups. À Elsa pela segurança e doçura que a
sua amizade me transmite e à Maria José pela presença constante e carinhosa.
À Marta Pedro e à Rita Francisco pela prontidão e empatia com que responderam
aos meus pedidos de ajuda e pela forma positiva e serena com que sempre me animaram.
Um agradecimento especial aos professores do Programa de Doutoramento
Interuniversitário em Psicologia Clínica (FPUL- FPCEUC) pela excelência dos
conhecimentos que me transmitiram sem os quais não teria sido possível realizar este
projeto, mas também pela simpatia e carinho incomparáveis.
viii
Agradeço também aos colegas de doutoramento pelo apoio genuíno, pelo carinho
e inúmeras partilhas sempre enriquecedoras, em Lisboa, Ana Pego, Ana Prioste, Ana
Vedes e Luana Cunha Ferreira; em Coimbra, Ana Fonseca, Alda Portugal, Diamantino
Santos, Dora Pereira, Francisco Simões, Isabel Silva, Luciana Sotero e Luís Franklin.
À Direção Geral de Política de Justiça, Ministério da Justiça e ao Instituto da
Segurança Social, IP (ISS) pela colaboração prestada autorizando o acesso à recolha dos
dados imprescindíveis à concretização deste trabalho.
A cada um dos mediadores/as familiares e dos assessores/as do ISS que, de forma
tão generosa, se dispuseram a participar nos focus groups compartilhando os seus
preciosos conhecimentos tornando possível o estudo 1. A cada um dos pais e das mães
que amavelmente se dispuseram a realizar as entrevistas necessárias ao estudo 2, por
vezes com sacrifícios pessoais para o seu dia-a-dia. A todos o meu profundo
agradecimento pois sem a vossa colaboração esta tese não teria sido possível.
A todos os meus queridos amigos/as que me incentivaram e apoiaram durante
todos estes anos. Com um especial carinho à Luisa Aboim Inglez e à Paula Trindade
Rodrigues, amigas de tantos anos, pela forma como profissionalmente sempre me
inspiraram e acreditaram em mim. À Laura Teles Barros, pela pureza da sua amizade.
À minha mãe por todo o orgulho que sempre sentiu por mim. Ao António e à Inês
pela bondade e amor indescritíveis, pelas birras e tensões que conseguiram desculpar. Por
tudo.
ix
RESUMO
Nas últimas duas décadas, a mediação familiar tem alcançado uma crescente
expressão legal, tanto interna como externa, ao mesmo tempo que o reconhecimento sua
eficácia prática tem contribuído para dar suporte à sua institucionalização e expansão.
Verifica-se que os estudos científicos existentes, especialmente, em Portugal, além de
limitados quanto aos assuntos abordados são ainda muito escassos. Por outro lado, a
mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as
crianças ficam expostas em consequência da SD dos pais, quer à promoção de
coparentalidade positiva e de relações autoritativas pais-filhos. Deste modo, pretende-se
com esta tese - incidente na regulação do exercício das responsabilidades parentais, em
contexto de mediação familiar, na transição para a separação/divórcio (SD) - contribuir
para explorar, analisar e aprofundar a compreensão do processo de tomada de decisões
(co)parentais responsáveis e protetoras do bem-estar e do interesse superior dos filhos.
Optou-se por uma investigação de matriz qualitativa completada por um miniestudo
quantitativo e enquadrada pelo paradigma Pós Positivista.
Numa primeira fase desta investigação, desenvolveu-se o estudo 1, para explorar
características sobre o conflito familiar, examinar e identificar fatores de proteção e
fatores de risco associados à transição para a SD e investigar quais as estratégias e os
modelos de mediação familiar percecionados pelos participantes como sendo os mais
eficazes. O estudo 1 foi conduzido segundo o método de focus group tendo sido realizados
três focus groups com mediadores familiares (N=13) do Sistema de Mediação Familiar
(SMF), Ministério da Justiça e dois focus groups com técnicos do Instituto da Segurança
Social, IP (ISS), (N=11) procedentes das equipas de assessoria aos Tribunais de Família
e Menores, na área tutelar cível. Os instrumentos elaborados e utilizados consistiram no
x
guião de focus group e no questionário sociodemográfico. Posteriormente, procedeu-se à
análise de conteúdo dos focus groups.
Numa segunda fase desta investigação, realizou-se o estudo 2 com o propósito de
delimitar características definidoras de decisões parentais responsáveis em contexto de
SD, investigar as dimensões de maior influência no processo de tomada de decisões (co)
parentais, bem como, identificar e analisar fatores de proteção e fatores de risco e o
impacto da mediação familiar na promoção de mudança adaptativa para os pais e para as
crianças, na transição para SD. Os instrumentos elaborados e utilizados consistiram em
numa entrevista semiestruturada e no questionário sociodemográfico. O estudo 2, foi
desenvolvido segundo a estratégia metodológica de Grounded Theory tendo sido
realizadas entrevistas semiestruturadas a uma amostra composta por 29 pais e mães que
passaram por um processo de mediação familiar, no SMF, no contexto de regulação das
responsabilidades parentais. Posteriormente, procedeu-se à análise categorial do conteúdo
das entrevistas realizadas.
Os participantes do estudo 2 responderam também ao Questionário da
Coparentalidade (QC) (Margolin, Gordis & John, 2001, versão portuguesa de Pedro &
Ribeiro, 2012), (N=30), com vista à concretização do miniestudo quantitativo.
De um modo geral, os resultados dos estudos realizados permitem concluir que o
processo de mediação familiar tem efeitos positivos na adaptação dos pais e das crianças,
na transição para a SD e apoiam a necessidade de implementar métodos de mediação
familiar preventiva e pré judicial, especialmente quando esteja em causa a regulação das
responsabilidades parentais e a proteção do superior interesse da criança.
xi
Os resultados do estudo 1 suportam a conclusão de que os mediadores familiares
optam pelo uso de um leque de estratégias diversificadas não compagináveis com o uso
de modelos estritos de mediação familiar. A análise realizada permitiu ainda obter um
quadro sistematizado e funcional de estratégias de mediação familiar de forma a
aprofundar a sua compreensão teórica e aplicação prática.
Os resultados do estudo 2 sustentam a conclusão de que os fatores de proteção e
os fatores de risco, têm um impacto forte nas relações parentais, (co)parentais e na
criança, na transição para a SD. A presente investigação permitiu concluir que os
resultados dos três estudos são consistentes com a necessidade da prevenção dos efeitos
negativos da SD para as crianças e para os pais, concretamente: do conflito elevado, da
coparentalidade negativa e da severidade do período de separação/divórcio.
Os estudos qualitativos 1 e 2, em conjugação, permitem delimitar o conceito de
‘decisões parentais responsáveis’ através das suas características definidoras e permitiram
a análise emergente mediante a respetiva comparação categorial.
O miniestudo estudo 3 permitiu encontrar uma associação significativa entre as
dimensões da coparentalidade aferidas pelo instrumento, as variáveis sociodemográficas
e variáveis processuais como a voluntariedade e a origem do processo de mediação.
O miniestudo quantitativo apoia os resultados dos estudos qualitativos 1 e 2,
suportando a conclusão de que as probabilidades de terminar o processo de mediação
familiar sem acordo são mais elevadas nas situações de mediação familiar com origem
no curso do processo judicial e mais baixas nos casos em que a mediação familiar tem
origem espontânea/extrajudicial. Este estudo permitiu também encontrar uma associação
significativa entre duas dimensões da coparentalidade aferidas pelo instrumento (QC) e
as variáveis sociodemográficas, de tal forma que, a cooperação é mais baixa nos processos
xii
de mediação familiar com origem judicial e a triangulação mais elevada
comparativamente com os processos de mediação familiar com origem
espontânea/extrajudicial, embora a subescala do conflito não apresente diferença
significativa. Assim, os resultados obtidos no miniestudo quantitativo apoiam e enfatizam
os resultados emergentes dos estudos qualitativos relativamente às categorias de análise
‘dimensões de influência no processo de decisão’ e ‘Fatores de Proteção e Fatores de
Risco’, na transição para a SD.
Esta tese abre diversas pistas para o desenvolvimento de outros estudos,
especificamente, sobre mediação familiar preventiva, sobre instrumentos para realização
de triagem prévia e obrigatória antes do início de qualquer processo judicial que envolva
crianças, assim como, para o desenvolvimento de investigações e práticas de
envolvimento seguro das crianças em processos de mediação familiar.
Palavras-chave: coparentalidade, mediação familiar, fatores de proteção, fatores
de risco, responsabilidades parentais
xiii
ABSTRACT
In the last two decades, family mediation has reached a growing legal expression,
both internal and external, while acknowledging its practical effectiveness has
contributed to support its institutionalization and expansion. It is verified that the existent
scientific studies, especially in Portugal, besides being limited in the subjects covered are
still very scarce.
On the other hand, family mediation has been associated either to a reduction of
stress factors to which children are exposed because of parents’ SD, or the promotion of
positive coparenting and authoritative parent-child relationships. In this way, this thesis
is intended to regulate the exercise of parental responsibilities, in the context of family
mediation, in the transition to separation /divorce (SD) - to contribute to explore, analyze
and deepen the understanding of the decision-making process of (co)parental decisions
that are responsible and protective of children’s well-being and the best interests. We
chose a research of qualitative matrix completed by a quantitative mini-study and framed
by the Post Positivist paradigm.
In a first phase of this investigation, study 1 was developed to explore
characteristics about family conflict, to examine and identify protective factors and risk
factors associated with the transition to SD, and to investigate the strategies and models
of family mediation perceived by participants as being the most effective. Study 1 was
conducted according to the focus group
method, with three focus groups with family mediators (N = 13) from the Family
Mediation System (FMS), Ministry of Justice and two focus groups with technicians from
the Institute of Social Security, IP (ISS) (N = 11) from the advisory teams to the Family
xiv
and Juvenile Courts, in the civil tutelar area. The instruments elaborated and used
consisted of the focus group script and the sociodemographic questionnaire.
Subsequently, we analyzed the content of the focus groups.
In a second phase of this investigation, study 2 was carried out with the purpose
of delimiting defining characteristics of responsible parental decisions in the SD context,
investigating the dimensions of greater influence in the (co)parental decision making
process, as well as identifying and analyze protective factors and risk factors, and the
impact of family mediation on promoting adaptive change for parents and children in the
transition to SD. The instruments developed and used consisted of a semi-structured
interview and the sociodemographic questionnaire. Study 2 was developed according to
the Grounded Theory methodological strategy and semi-structured interviews were
conducted with a sample composed of 29 parents and mothers who have gone through a
family mediation process in the SMF in the context of parental responsibility regulation.
Subsequently, the content of the interviews was categorized.
The participants of study 2 also answered the Coparenting Questionnaire (CQ)
(Margolin, Gordis & John, 2001, Portuguese version of Pedro & Ribeiro, 2014), (N = 30),
with a view to the accomplishment of the quantitative study.
In general, the results of the studies show that the family mediation process has
positive effects on the adaptation of parents and children, on the transition to SD, and
support the need to implement preventive and pre-judicial family mediation methods,
especially when it comes to regulating parental responsibilities and protecting the best
interest of the child.
The results of study 1 support the conclusion that family mediators choose to use
a range of diversified strategies that can not be combined with the use of strict family
xv
mediation models. The analysis made it possible to obtain a systematized and functional
framework of family mediation strategies in order deepen their theoretical understanding
and practical application.
The results of study 2 support the conclusion that protective factors and risk
factors have a strong impact on parental (co) and child relationships in the transition to
SD. The present investigation allowed us to conclude that the results of the three studies
are consistent with the need to prevent the negative effects of SD on children and parents,
namely: high conflict, negative coparenting and severity of the separation/divorce period.
The qualitative studies 1 and 2, in conjunction, allow to delimit the concept of
'responsible parental decisions' through their defining characteristics and allowed the
emergent analysis through the respective categorial comparison.
The mini-study 3 allowed us to find a significant association between the
dimensions of coparenting ascertained by the instrument, sociodemographic variables and
procedural variables such as voluntariness and the origin of the mediation process.
The quantitative mini-study supports the results of qualitative studies 1 and 2,
supporting the conclusion that the probabilities of terminating the process of family
mediation without agreement are higher in family mediation situations originating in the
course of the judicial process and lower in the cases in which that family mediation has a
spontaneous / extrajudicial origin. This study also allowed us to find a significant
association between two dimensions of coparentality as measured by the instrument (CQ)
and sociodemographic variables, so that cooperation is lower in family mediation
processes with judicial origin and higher triangulation compared to family mediation
processes with spontaneous/extrajudicial origin, although the conflict subscale presents
no significant difference. Thus, the results obtained in the quantitative study support and
xvi
emphasize the emerging results of the qualitative studies regarding the categories of
analysis 'dimensions of influence in the decision process' and 'Factors of Protection and
Risk Factors' in the transition to SD.
This thesis opens several clues for the development of other studies, specifically
on preventive family mediation, instruments for prior and mandatory screening before the
beginning of any judicial process involving children, as well as the development of
investigations on models and practices of involvement insurance in family mediation
processes.
Key words: coparenting, family mediation, protective factors, risk factors,
parental responsibilities
xvii
ÍNDICE GERAL
INTRODUÇÃO 1
1. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA MEDIAÇÃO FAMILIAR 4
1.1 Contexto inicial da mediação familiar 5
1.2. Enquadramento histórico 7
1.2.1 Portugal 12
1.3 O Conflito 15
1.3.1 Perspetivas da mediação familiar sobre o conflito na transição para a SD 16
1.3.2 Elevado conflito 18
1.4 Modelos de mediação familiar 22
1.4.1 Mediação familiar terapêutica 28
1.4.2 Direito colaborativo 31
1.5 Parentalidade: um conceito com alcance jurídico e psicológico 32
1.5.1 Estilos parentais 35
1.5.2 Coparentalidade 37
1.6 Resumo do capítulo 40
2. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E METODOLÓGICO 42
2.1 Resumo do capítulo 43
2.2 Enquadramento conceptual 43
2.3 Enquadramento da investigação qualitativa 44
2.3.1 Contexto histórico da investigação qualitativa 46
2.3.2 Paradigmas da investigação 49
2.3.3 Características da investigação qualitativa 55
2.3.3.1 Olhares e metáforas sobre a investigação qualitativa 56
2.3.5 A questão da validade na Investigação Qualitativa 60
2.4 Enquadramento metodológico 64
2.4.1 Questão de partida 66
2.4.2 Mapa conceptual 66
2.5 Objetivos 68
xviii
2.5.1 Objetivos gerais 68
2.5.2 Objetivos específicos 69
2.5.3 Objetivos específicos do mini estudo quantitativo 69
2.6 Procedimentos de recolha de dados 69
2.6.1 Os focus groups 71
2.6.2 A entrevista semiestruturada 76
2.6.3 Análise dos dados 78
2.6.3.1 A Grounded Theory 79
2.6.3.2 A análise quantitativa 81
2.6.3.2.1 Instrumentos 81
2.6.3.2.2 Questionário da Coparentalidade 82
2.7 Síntese do capítulo 83
3. ESTUDO EMPÍRICO 1: FOCUS GROUPS – FATORES, PROCESSOS E
CONTEXTOS DE INFLUÊNCIA NA RESPONSABILIDADE DE DECISÃO
PARENTAL 85
3.1 Resumo do capítulo 86
3.2 Metodologia 86
3.3 Objetivos 87
3.3.1 Objetivos gerais do estudo 1 88
3.3.1.1 Objetivos específicos 88
3.3.2 Questões de investigação 89
3.3.3 Seleção da amostra 90
3.3.4 Número, tamanho, tempo e setting dos focus groups 93
3.3.5 Instrumentos 94
3.3.5.1 Guião da entrevista dos focus groups 94
3.3.5.2 Questionário sociodemográfico 96
3.3.5.3 Procedimentos, preparação e realização dos focus groups 97
3.3.5.4 A equipa de Moderação dos focus groups 98
3.3.5.5 Realização dos focus group 99
3.3.5.6 Preparação dos dados 101
3.3.6 Análise dos dados 102
3.3.6.1 Caracterização da amostra 102
3.3.6.2 Processo de codificação 104
3.3.7 Apresentação e discussão dos resultados 106
xvix
3.3.8 Conflitos identificados pelos participantes de acordo com as respetivas causas
106
3.3.8.1 Conflitos estruturais 111
3.3.8.2 Conflitos de valores 113
3.3.8.3 Conflitos de relação 114
3.3.8.4 Conflitos de interesses 115
3.3.8.5 Conflitos de informação 116
3.3.8.6 Fatores de influência no conflito 120
3.3.8.6.1 Fatores ativadores 122
3.3.8.6.2 Fatores Pacificadores 127
3.3.9 Estratégias de mediação familiar 131
3.3.9.1 Estratégias de gestão do conflito 133
3.3.9.1.1 Estratégias de comunicação 133
3.3.9.1.2 Estratégias de Relação 140
3.3.9.2 Estratégias de gestão do processo 146
3.3.9.2.1 Estratégias focalizadas no contexto 146
3.3.9.2.2 Estratégias de organização 149
3.4 Modelos de mediação familiar 156
3.4.1 Sessão inicial informativa obrigatória de mediação familiar 159
3.5 Coparentalidade no contexto da SD 162
3.5.1 Fatores de proteção 163
3.5.2 Fatores de risco 170
3.5.3 Fatores de influência nas decisões responsáveis dos pais 180
3.6 Perceções sobre o enquadramento prévio ao processo de mediação familiar 197
3.6.1 Perceções sobre o uso de conhecimentos jurídicos 198
3.6.2 Perceções sobre condições prévias para mediação familiar 200
3.6.3 Perceções sobre o sucesso da MF durante o processo judicial 207
3.7 Síntese do capítulo 209
4. ESTUDO EMPÍRICO 2 - FATORES DE IMPACTO NA PARENTALIDADE NA
TRANSIÇÃO PARA A SD E O PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO SOBRE
RESPONSABILIDADES PARENTAIS, NO CONTEXTO DE MEDIAÇÃO
FAMILIAR 211
4.1 Resumo do capítulo 212
4.2 Metodologia 212
xx
4.3 Objetivos 213
4.3.1 Objetivos específicos 213
4.3.2 Questões de investigação 214
4.3.3 Critérios e circunstâncias de seleção da amostra 216
4.3.3.1 Estratégia de amostragem 216
4.3.3.2 Número, duração e setting das entrevistas 218
4.3.3.3 Entrevista semiestruturada 218
4.3.3.4 Questionário sociodemográfico 219
4.3.3.5 Procedimentos, preparação e realização das entrevistas 220
4.3.3.6 Realização das entrevistas semiestruturadas 220
4.3.3.7 Preparação dos dados 221
4.3.4 Análise dos dados 221
4.3.4.1 Caracterização da amostra 221
4.3.4.2 Processo de codificação 224
4.4 Modelos e abordagens gerais do processo de tomada de decisão 226
4.5 Apresentação e discussão dos resultados 236
4.5.1 Caracterização das decisões dos pais na transição para a SD, no âmbito da
mediação familiar 236
4.5.2 Características das DPR 238
4.5.2.1 Autonomia 239
4.5.2.2 Centradas no interesse dos filhos 239
4.5.2.3 Tempo para pensar 241
4.5.2.4 Conjuntas 242
4.5.2.5 Exequíveis 244
4.5.2.6 Gratificantes 245
4.5.2.7 Inclusivas 245
4.5.2.8 Informadas 246
4.5.2.9 Refletidas 247
4.5.3 Obstáculos às decisões responsáveis 249
4.5.3.1 Debate insuficiente 250
4.5.3.2 Desconfiança relativa ao cumprimento do acordo 250
4.5.3.3 Desconforto com as decisões assumidas 251
4.5.3.4 Informação Insuficiente 252
xxi
4.5.4 Potencialidades da mediação familiar para a composição de decisões
responsáveis 253
4.5.4.1 O estimulo à cooperação 254
4.5.4.2 A prevenção da conflitualidade 255
4.5.4.3 Promoção de decisões refletidas 256
4.5.5 Domínios de influência implicados no processo de tomada de decisão dos pais,
relativamente à regulação das responsabilidades parentais, na fase de SD 258
4.5.5.1 Comunicação 260
4.5.5.1.1 Comunicação disfuncional 262
4.5.5.1.2 Comunicação funcional 262
4.5.5.2 Mudanças positivas na comunicação 265
4.5.5.3 Contexto da mediação familiar 268
4.5.5.4 Emotividade 283
4.5.5.5 Promoção da mudança em contexto de mediação familiar 295
4.5.5.6 Relação interpessoal 301
4.5.6 Fatores de Proteção e Fatores de Risco associados à SD 308
4.5.6.1 Fatores de Proteção 312
4.5.6.2 Fatores de Risco 319
4.5.7 Impacto do tempo no conflito 331
4.5.8 Sensibilidade Parental 332
4.5.8.1 Perceções dos pais sobre a relação de coparentalidade atual e futura 335
4.5.8.2 Perceção dos pais relativamente à adaptação dos filhos à SD 336
4.5.9 Integração do direito da criança a participar no processo de mediação familiar
337
4.5.9.1 Requisitos para a inclusão das crianças na mediação 340
4.5.10 Satisfação com a mediação familiar 341
4.6 Integração de variáveis quantitativas 342
4.6.1 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do
Questionário de Coparentalidade e a origem do processo de mediação familiar bem
como o resultado do processo de mediação familiar 343
4.6.2 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do
Questionário de Coparentalidade com a origem do processo de mediação familiar –
voluntária ou judicial 343
xxii
4.6.3 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do
Questionário de Coparentalidade com o resultado do processo de mediação familiar –
com acordo ou sem acordo 345
4.6.4 Análise da possível relação entre a variável origem do processo de mediação
familiar (judicial ou voluntário) com a variável resultado do processo de mediação
familiar (com acordo ou sem acordo) 347
4.7 Síntese do capítulo 349
5. CONCLUSÕES 351
352
352
354
355
356
357
358
5.1 Conclusões
5.2 A especificidade dos conflitos familiares
5.3 Modelos de mediação familiar
5.4 Domínios de influência no processo de mediação familiar
5.5 Fatores de proteção e fatores de risco, na transição para a SD
5.6 Implicações práticas
5.7 Limites e pistas para futuras investigações
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICES
361
xxiii
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Paradigmas de investigação científica
Tabela 2 - Desenvolvimento da investigação empírica
Tabela 3 - Categorização das questões para focus group
Tabela 4 - Caracterização sociodemográfica da amostra do estudo 1
Tabela 5 - Tipos de conflitos identificados pelos participantes nos 5 focus
groups
Tabela 6 - Comparação entre o estilo de pensamento intuitivo, experimental,
analítico e racional.
Tabela 7 - Caracterização geral das decisões dos pais relativamente a
responsabilidades parentais, durante a SD.
Tabela 8 - Características das DPR identificadas pelos pais/participantes
Tabela 9 - Obstáculos à composição de DPR
Tabela 10 - Características da mediação familiar que contribuem para o
processamento de DPR
Tabela 11 - Domínios de influência no processo de decisão dos pais, no
âmbito da regulação das responsabilidades parentais
Tabela 12 - Características da comunicação na transição para a SD
Tabela 13 - Categoria Contexto da mediação familiar e respetivas
subcategorias
Tabela 14 - Categoria Emotividade e as respetivas subcategorias
Tabela 15 - Subcategoria de Análise: Estratégias e contextos que potenciam
mudanças
Tabela 16 - Fatores de proteção para a família (crianças e pais), durante a fase
de transição para a SD
Tabela 17 - Subcategoria de Análise: Coparentalidade positiva como fator de
proteção durante a SD
Tabela 18 - Fatores de risco para a família (crianças e pais), durante a fase de
transição para a SD
49
68
92
100
109
231
234
236
247
252
257
258
266
283
293
310
313
317
xxiv
Tabela 19 - Subcategoria de Análise: Coparentalidade negativa como fator de
risco durante a SD
Tabela 20 - Subcategoria de Análise: elevado conflito
Tabela 21 - Impacto do decorrer do tempo no desenvolvimento do conflito
319
323
329
xxv
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 - Mapa conceptual com indicação dos estudos que integram a tese
Figura 2 - Etapas de conceção e desenvolvimento dos focus groups
Figura 3 - Tipos de conflitos mais referidos pelos participantes nos focus
groups
Figura 4 - Principais objetivos do mediador familiar na fase inicial da
mediação familiar
Figura 5- Fatores de influência no conflito referidos pelos participantes nos
focus groups
Figura 6 - Fatores ativadores do conflito
Figura 7 - Fatores Pacificadores do Conflito
Figura 8 - Tipos de estratégias utilizadas no âmbito da mediação familiar
Figura 9 - Estratégias focadas na “comunicação” identificadas nos cinco focus
groups realizados
Figura 10 - Estratégias focadas na comunicação identificadas nos focus
groups realizados com mediadores familiares
Figura 11 - Estratégias focadas na comunicação identificadas nos focus
groups realizados com os assessores aos TFM, FG-ISS
Figura 12 - Estratégias focadas na “relação” identificadas nos cinco focus
groups realizados
Figura 13 - Estratégias focadas na relação identificadas nos focus groups
realizados com os mediadores familiares (FG – MF)
Figura 14 - Estratégias focadas na “relação” identificadas nos focus groups
realizados com os técnicos do ISS (FG-ISS)
Figura 15 - Estratégias de gestão do processo de mediação familiar focadas no
contexto identificadas nos focus groups com mediadores familiares (FG-MF)
Figura 16 - Estratégias de gestão do processo de mediação familiar focadas no
contexto identificadas nos focus groups com assessores do ISS (FG-ISS)
108
72
107
117
119
120
125
130
132
132
133
139
139
140
145
xxvi
Figura 17 - Categorias de organização do processo de mediação nos 5 focus
groups realizados
Figura 18 - Estratégias de gestão processo de mediação familiar relativas a
organização da mediação identificadas nos focus groups com mediadores
familiares (FG-MF)
Figura 19 - Estratégias de gestão do processo de mediação familiar
direcionadas para a organização identificadas nos focus groups com
assessores do ISS aos TFM (FG-ISS)
Figura 20 - Modelos de mediação familiar identificados pelos participantes
Figura 21 - Número de FG-MF comparativamente dos FG-ISS em que foram
referidos os vários modelos de mediação familiar
Figura 22 - Sessão informativa obrigatória antes do inicio do processo judicial
ou administrativo na Conservatória do Registo Civil
Figura 23 - Fatores de proteção referidos pelos participantes nos focus groups
Figura 24 - Fatores de risco referidos pelos participantes nos focus groups
Figura 25 - Fatores de influencia negativa na responsabilidade dos pais
Figura 26 - Fatores de influência positiva na responsabilidade dos pais
Figura 27 - Necessidade de os mediadores familiares terem conhecimentos
jurídicos
Figura 28 - Mapa temático do estudo 2
Figura 29 - Comparação entre as categorias “comunicação funcional” e
“comunicação disfuncional” e o resultado da mediação familiar (com acordo
ou sem acordo)
Figura 30 - Mudanças positivas na comunicação relativamente aos casos em
que a mediação familiar terminou com acordo ou sem acordo
Figura 31 - Impacto da participação dos advogados na mediação familiar
Figura 32 - Clima da mediação familiar
Figura 33 - Perceções relativas ao espaço físico onde decorre a mediação
familiar
Figura 34 - Motivação voluntária para a mediação familiar e motivação
voluntária condicionada
148
149
149
155
157
158
162
179
187
196
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262
265
158
268
269
270
272
xxvii
Figura 35 - Tipos de voluntariedade (de acordo com as motivações
subjacentes) e conclusão do processo de mediação familiar (com acordo/sem,
acordo)
Figura 36 - Perceções referentes ao desenvolvimento do processo
Figura 37 - Obstáculos processuais identificados no contexto do processo de
mediação familiar
Figura 38 - Atributos positivos para o contexto de mediação familiar relativos
à postura do mediador
Figura 39 - Atributos negativos para o contexto de mediação familiar
relativos à postura do mediador
Figura 40 - Caracterização das emoções como positivas e negativas durante a
mediação familiar
Figura 41 - Conclusão da mediação familiar com acordo e sem acordo em
função do nº de participantes que referenciaram a existência de emotividade
negativa
Figura 42 - Conclusão da mediação familiar com acordo e sem acordo em
função do nº de participantes que referenciaram a existência de emotividade
positiva
Figura 43 - Perceção dos participantes relativamente às suas próprias emoções
e às emoções sentidas outro pai/mãe
Figura 44 - Tipos de relação interpessoal perante o conflito durante o
processo de mediação familiar
Figura 45 - Relação interpessoal face à detenção e ao uso do poder
Figura 46 - Indicadores de sensibilidade parental, na transição para a SD
Figura 47 - Comparação entre a perceção dos pais sobre a sua relação de
coparentalidade no presente e a forma como a perspetivam para o futuro
Figura 48 - Perceção dos pais relativamente à adaptação dos filhos à SD
Figura 49 - Perspetivas dos pais relativamente à inclusão das crianças no
processo de mediação familiar
Figura 50 - Satisfação/insatisfação/indiferença dos participantes no estudo
relativamente ao processo de mediação familiar
273
274
277
278
279
285
288
289
291
300
303
331
333
335
337
339
xxviii
1
INTRODUÇÃO
A presente tese insere-se na área científica da Psicologia da Família. Nesse sentido, tem
como base metateórica a Teoria dos Sistemas (Bertalanffy, 1950), a teoria da
complexidade (Morin, 2008) e a teoria ecológica do desenvolvimento humano
(Bronfenbrenner, 1977, 1995) e os trabalhos concretizados por Bateson (1996) e por
Watzlawick, Beavin e Jackson (1993) sobre os efeitos pragmáticos da comunicação
humana. A Psicologia da Família tem como o principal foco de compreensão o território
relacional da família, na qual cada um dos respetivos membros constitui parte do processo
que cria, mantém e regula os padrões de comportamento humano (Magnavita, 2012;
Minuchin, 1985).
Tendo presente a existência de escassos estudos sobre mediação familiar pretende-
se com esta tese, entre outros aspetos, contribuir para o seu desenvolvimento científico e
para uma reflexão integrada e interdisciplinar entre a Psicologia da Família e o Direito da
Família e da criança de modo a promover a consistência da sua prática no âmbito da
resolução extrajudicial de conflitos familiares.
Assim, no capítulo I procedeu-se ao enquadramento histórico da mediação
familiar, à abordagem dos principais modelos de mediação familiar e à especificidade do
conflito familiar aludindo-se ainda à parentalidade.
No capítulo II pretendeu-se situar historicamente a investigação qualitativa
aludindo aos momentos mais marcantes. Referiram-se os principais paradigmas de
investigação científica e sustentou-se a nossa opção pelo paradigma Pós-positivista.
Delinearam-se os contornos metodológicos desta investigação referindo os
procedimentos e métodos de recolha e de análise de dados. Foram, também, abordadas as
metodologias de focus groups e entrevista semiestruturada, bem como a estratégia
2
metodológica Grounded Theory. Por fim, refletiu-se sobre a importância das
metodologias mistas não só como forma de aumentar a validade da investigação, mas
também como forma de ampliar o campo de observação da realidade que se pretende
estudar.
No capítulo III procedeu-se à análise do sistema hierárquico de categorias obtido
a partir do conteúdo dos focus groups realizados com mediadores familiares e técnicos
do Instituto da Segurança Social, IP (ISS). Começou-se por examinar as tipologias de
conflito familiares e os fatores de ativação e de pacificação dos mesmos. Seguidamente,
procedeu-se à análise das estratégias que os participantes no estudo utilizam com mais
frequência e consideram mais eficientes, tentando corelacioná-las com os modelos de
mediação familiar. Foram ainda analisadas categorias emergentes sobre a coparentalidade
e os fatores de proteção e os fatores de risco para as crianças na transição da SD dos pais.
No capítulo IV realizou-se a análise do sistema categorial do estudo empírico 2,
realizado com pais e mães que passaram por um processo de mediação familiar. Neste
estudo caracterizaram-se as decisões parentais responsáveis, e identificaram-se os
domínios de influência no processo de tomada de decisão no contexto da mediação
familiar. Investigaram-se os fatores de proteção e os fatores de risco na fase de transição
para a SD integrando os resultados na literatura e estudou-se a sensibilidade parental
enquanto fator de promotor de vantagens para as crianças. Examinou-se de que forma o
direito de participação das crianças nos assuntos que as afetam é levado em consideração
pelos pais e quais os critérios que devem ser observados para a sua inclusão no processo
de mediação familiar. Finalmente, analisou-se a perceção positiva/negativa, que os pais-
mães/mediados têm sobre a sua experiência em mediação familiar.
3
No capítulo V apresentam-se as conclusões integradas dos dois estudos empíricos
realizados, as implicações práticas e as pistas para futuras investigações.
4
CAPÍTULO I
1. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA MEDIAÇÃO
FAMILIAR
5
1.1 Contexto inicial da mediação familiar
Como sabemos a mediação familiar insere-se no âmbito dos meios
complementares e alternativos de resolução de conflitos familiares, podendo ocorrer
antes, durante ou após um processo judicial, muito embora os mecanismos jurídicos
informativos sobre mediação familiar antes do inicio de qualquer processo judicial ou
administrativo (e.g. Conservatórias do Registo Civil) se tenham mostrados pouco eficazes
para a prevenção do conflito mediante recurso a mediação familiar.
Importa notar que a mediação familiar contemporânea surge na sequência das
impactantes mutações sociais, culturais e familiares iniciadas nas décadas de 60, 70 e
seguintes do século passado, cujos efeitos têm repercussões a vários níveis. O sistema
jurídico (e judicial) alicerçado em leis orientadas para a regulação de relações jurídicas
familiares relativamente estáveis é confrontada, num espaço de tempo relativamente
pequeno, com uma complexidade de problemas e de conflitos familiares que requerem
abertura, inovação legislativa e rapidez de adaptação da sua estrutura e organização. No
entanto, estas tensões são ao mesmo tempo a condição básica para a emergência de
soluções inovadoras e para o desenvolvimento de movimentos de mudança na sociedade
e na família. De facto, foi esta conjuntura que permitiu a (re) invenção do processo de
mediação familiar como método extrajudicial de resolução de conflitos familiares
centrado na autonomia, na capacidade de auto-organização e no respeito pela reserva da
vida privada da família no plano dos procedimentos inerentes à regulação das
responsabilidades parentais na transição para a SD (e.g. Eusébio, 2014; Severino, 2012).
A presente tese incide num período particular do desenvolvimento familiar
correspondente à fase de transição para a SD. Esta fase, inicia-se a partir do momento em
que um dos cônjuges desencadeia o processo de rutura conjugal, mas o seu final pode
6
durar meses ou anos dependendo, nomeadamente, das condições pessoais envolvidas no
processo de ajustamento emocional e das forças integradoras e mobilizadas em torno da
reorganização familiar, bem como da eficácia dos meios judiciais e extrajudiciais
implementados.
Os atuais desenvolvimentos da mediação familiar e os estudos existentes ainda
não responderam de forma ampla e totalmente consistente a uma variedade de questões
que se colocam relativamente ao processo subjacente à tomada de decisões parentais
responsáveis. Nesta perspetiva, pretende-se analisar as potencialidades dos vários
modelos de mediação familiar para o processo de tomada de decisões parentais
responsáveis, procurando compreender os aspetos que influenciam positiva e
negativamente as decisões parentais e o impacto destas na concretização efetiva do
superior interesse da criança.
Das questões que se colocam a propósito da abordagem dos modelos de mediação
familiar (Bush & Folger, 2005; Haynes, 1993; Parkinson, 2008; Winslade, 2006) como a
da sua maior proximidade ao Direito e/ou à Terapia, a adequação dos seus modelos
teóricos aos diversos tipos de conflito ou as questões relacionadas com a eficácia,
destacamos no âmbito da parentalidade, o processo de decisão e de codecisão parental
que se desenvolve na transição familiar para SD, bem como o impacto das decisões
parentais responsáveis na efetivação do núcleo essencial do conceito de superior interesse
da criança (artigo 3º, Convenção sobre os Direitos da Criança - CDC).
Não obstante, o crescente desenvolvimento teórico e prático da mediação familiar
e as vantagens que representa para as famílias em conflito, no contexto de SD, a sua
identidade e autonomia ainda não se encontram suficientemente consolidadas e validadas
(Beck & Sales, 2001). Ao perspetivar-se a natureza da mediação familiar, no plano do
Direito, considera-se que tem natureza extrajudicial, complementar e/ou alternativa ao
7
sistema judicial (Farinha & Lavadinho, 1997). Mas, se se considerarem as metodologias
e estratégias de gestão do conflito utilizadas no processo de mediação familiar
observamos que a sua aplicação se inspira em bases teóricas e práticas adaptadas da área
da Psicologia. Assim, a dificuldade de delimitação em torno da identidade da mediação
familiar não se encontra totalmente resolvida, sendo certo que o corpo de conhecimentos
que a integram foi progredindo a partir de contributos vários, nomeadamente a partir de
três campos do conhecimento já estabelecidos: a Psicologia, o Direito e o Serviço Social.
De facto, foi face ao crescente aumento de divórcios e demais conflitos familiares, que se
constatou a necessidade de incorporar conhecimentos, quer do domínio do Direito, quer
ao domínio da Psicologia, de modo a encontrar a abordagem mais apropriada para
enfrentar os problemas das famílias que passam pela experiência do divórcio ou da
separação. Então, nos Estados Unidos da América, alguns profissionais de mediação
começaram a desenvolver projetos de mediação familiar baseados na interação entre estas
duas disciplinas, iniciando-se assim um percurso de interdisciplinaridade. De salientar,
que, se por um lado, foram criados modelos de mediação com uma notória inspiração da
Psicologia (e.g. modelo Transformativo e modelo Circular Narrativo, mediação familiar
terapêutica), por outro lado, a mediação familiar tem evoluído em ligação e em articulação
com o sistema legal e judicial. Neste contexto, considera-se que a intersecção de
conhecimentos entre a Psicologia, o Direito e outras Ciências Sociais deveria, cada vez
mais, tender para a construção de uma unidade estruturada de conhecimentos de mediação
familiar, autónoma e própria, apoiada pela investigação científica (Beck & Sales, 2001).
1.2. Enquadramento histórico
8
Assim como o conflito faz parte da interação humana, também a busca de formas
adequadas à sua gestão ou resolução se tem revelado uma necessidade generalizada. As
tradições Judaica, Cristã, Hindu, Islâmica, Budista e diversas culturas indígenas têm
recorrido, em diferentes regiões do mundo, desde tempos remotos, a ações mediadoras
como forma de dirimir os conflitos civis, políticos, religiosos, comunitários e familiares
(Moore, 2003; Parkinson, 2008).
Nesta perspetiva, a mediação, em sentido amplo, está enraizada na própria cultura
humana e no desenvolvimento de uma ética democrática, informada, imbuída de respeito
pela diversidade e orientada para o bem comum.
A prática contemporânea da mediação, como modalidade extrajudicial de
resolução e de gestão de conflitos, conheceu um claro desenvolvimento nos Estados
Unidos da América a partir da década de 1970 (Cohen, 2006; Hedeen, 2004; Moore,
2003). A especificidade e o aumento da litigância familiar provocam alguma entropia no
sistema judicial que, conjugada com uma certa insatisfação por parte de cidadãos e de
vários advogados (Cohen, 2006), propiciam um ambiente favorável ao desenvolvimento
e implantação da mediação familiar, tanto pública como privada.
Verificou-se, então, uma proliferação de programas de mediação orientados para
a abordagem de conflitos quer interpessoais quer organizacionais. Em meados de 1970,
o governo federal dos Estados Unidos da América fundou o Centro de Justiça de
Vizinhança (NJCs) destinado a resolver conflitos entre vizinhos; seguiram-se muitos
outros programas de mediação, designadamente, no campo laboral, escolar, étnico,
comercial e criminal (Hedeen, 2004; Moore, 2003). Também na área dos conflitos
relativos à família e ao divórcio, surgiram diversos programas direcionados para a
resolução de litígios familiares, os quais, tinham então características muito distintas dos
9
atuais conflitos familiares, o que explica que algumas das estratégias de mediação familiar
então utilizadas nos parecem agora inapropriadas (Saposnek, 2004).
Relativamente aos países europeus, especificamente, no quadro da União
Europeia (EU), o interesse pela mediação familiar encontra-se ligado a fatores sociais
políticos e jurídicos. A convicção de que o afeto tem um papel central no casamento e na
educação das crianças, a secularização, a permissão legislativa e a paridade entre homens
e mulheres, indiciam mudanças de paradigma no sentido de uma menor relevância das
relações contratuais para uma maior relevância das relações afetivas na família.
A nível jurídico e político os movimentos de desjudicialização e a ideia de justiça
de proximidade foram-se difundindo pela maioria dos países europeus, dando lugar a
vários mecanismos de resolução de litígios por via consensual, com especial destaque
para a mediação familiar.
Em termos gerais a mediação de conflitos encontra-se definida no artigo 2.º da Lei
nº 29 de 2013, de 19 de abril como sendo uma “forma de resolução alternativa de litígios,
realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em
litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de
conflitos”, seguindo-se nos artigos seguintes da referida lei a estatuição dos princípios
estruturantes comuns aos diferentes sistemas de mediação de conflitos.
Tomé (2008, p. 43), afirma que a mediação familiar é um “método de resolução
de conflitos, alternativo ou complementar ao sistema judicial que visa alcançar um acordo
conjunto, melhorar a comunicação, reduzir a área de conflito e tomar decisões
autónomas”. Por sua vez, Parkinson (2008, p.16) define mediação familiar como sendo
um processo “no qual duas ou mais partes em litígio são ajudadas por uma ou mais
terceiras partes imparciais (mediadores) com o fim de comunicarem entre elas e de
10
chegarem à sua própria solução, mutuamente aceite, acerca da forma como resolver os
problemas em disputa”.
Nas últimas duas décadas, no contexto da União Europeia, têm sido produzidos
diversos documentos e diplomas legislativos sobre mediação familiar, com vista ao
reconhecimento de projetos já implementados pelos Estados-Membros e ao incentivo da
prática da mediação numa perspetiva de harmonização processual e legislativa entre os
Estados-Membros. De destacar, a importância da adoção por parte do Comité de
Ministros do Conselho da Europa da Recomendação nº R (98) 1 aos Estados Membros
da União Europeia, na qual, se materializam os princípios estruturantes sobre o processo
de mediação familiar, as orientações sobre o seu campo de aplicação, organização,
promoção, acesso e validação jurídica dos acordos obtidos através mediação familiar.
Posteriormente, a diretiva 2008/52/CE, de 21 de maio de 2008, do Parlamento
Europeu e do Conselho, Relativa a Mediação em Certos Aspetos em Matéria Civil e
Comercial, corporizou um passo importante no sentido da criação de um quadro legal de
referência comum aos Estados-Membros. Esta diretiva, entretanto, transposta para o
ordenamento jurídico português através da Lei nº 29 de 19 de abril de 2013, estabelece
os princípios a observar no campo da mediação (artigos 3º e seguintes), especificamente,
os princípios da voluntariedade, da autonomia das partes, da imparcialidade, da
confidencialidade e o dever de os tribunais informarem as partes sobre a possibilidade de
recurso a mediação.
Perante os desafios dos conflitos familiares emergentes da sociedade
contemporânea o sistema judicial - enquadrado por uma lógica, por vezes, demasiado
tecnicista e assente num quadro formal e legal pré-determinado -, confronta-se com a
necessidade de promover abordagens eficientes do conflito familiar e de conjugar
métodos complementares como a mediação familiar para melhorar as intervenções,
11
sobretudo nos processos que envolvem crianças. No entanto, não raras vezes, é
impossível evitar os elevados custos económicos, familiares e pessoais resultantes da
relitigância. Neste contexto, a mediação familiar tem vindo a afirmar um reconhecimento
crescente, nomeadamente, em resultado da consolidação do seu quadro teórico e da sua
evolução prática e institucional, com efeitos positivos ao nível da prevenção e da gestão
do conflito.
De salientar, o esforço desenvolvido pelos vários países europeus no sentido de
regular a mediação familiar e de a inserir nas respectivas legislações nacionais, durante a
primeira década deste século (Casals, 2005). Mas, independentemente do maior ou menor
impulso dado à mediação em geral e à mediação familiar em particular, pela U.E., as suas
potencialidades começaram a ser experimentadas e valorizadas desde a década de 1990
um pouco por toda a Europa. O Reino Unido, em meados de 1980, começou a pôr em
prática iniciativas locais de mediação familiar (Parkinson, 2008) tendo-se constituído a
Associação Nacional de Mediação Familiar (NFM) sem fins lucrativos e a Associação de
Mediadores Familiares (FMA) de natureza privada (Roberts, 2005), ambas dedicadas à
formação e prática da mediação familiar, apesar da ausência de qualquer regulamentação.
Em 1996, oficializou-se o Colégio de Mediadores do Reino Unido com o
propósito de promover a mediação e assegurar um bom nível de formação e de supervisão
(Roberts, 2005). Ainda, nesse mesmo ano, foi publicada a Lei da Família (Family Law
Act 1996), a qual encoraja o recurso à mediação e lhe confere um papel central no âmbito
do processo de divórcio (Roberts, 2005). Em 1999 foi publicado o Código de Conduta de
Mediadores Familiares do Reino Unido.
Marian Roberts (2005), no seu trabalho sobre o quadro de regulamentação da
mediação familiar no Reino Unido, enfatiza várias questões relacionadas com a evolução
da mediação familiar, que, de certa maneira, traduzem preocupações comuns existentes
12
em vários países europeus, incluindo Portugal, como a questão de saber se o
financiamento público da mediação familiar não poderá de algum modo pôr em causa a
independência e autonomia da mediação familiar ou mesmo a criatividade e flexibilidade
inerentes à sua prática.
Em França, através da Lei 2002-305, de 4 de março de 2002, relativa a autoridade
parental, o juiz pode propor aos pais o recurso a mediação familiar relativamente ao
exercício das responsabilidades parentais (Casals, 2005). Nos dois anos seguintes a esta
publicação, sucederam-se-lhe outras duas importantes alterações legislativas: A Lei de
reforma do divórcio, 2004-439, de 26 de maio de 2004, que alterou o Código Civil e a
Lei 2004-1158, de 29 de outubro de 2004, que modificou o Código de Processo Civil,
com vista à articulação da mediação familiar no quadro do sistema de justiça. Em França
as atribuições relativas à prática, formação e supervisão encontram-se cometidas às
associações de mediação familiar, as quais, se encontram congregadas na Confederarão
Nacional de Mediação Familiar (FENAMEFA).
Em Espanha, é também clara a adesão à mediação familiar sobretudo a partir de
1990. De notar, que neste país a regulamentação da mediação familiar não é
necessariamente uniforme tendo em consideração o sistema de autonomia legislativa das
várias comunidades autónomas.
1.2.1 Portugal
Em 1994, realizou-se, em Portugal, o primeiro curso de mediadores familiares,
promovido pelo Instituto Português de Mediação Familiar e com o apoio do Centro de
Estudos Judiciários. Três anos mais tarde, em 1997, por iniciativa de um grupo de
mediadores familiares formados no primeiro curso de Mediação Familiar-1994/95, criou-
13
se, uma associação de mediadores familiares - a Associação Nacional para a Mediação
Familiar – Portugal (ANMF), com o objetivo de formar novos mediadores familiares e
de promover e divulgar a mediação familiar.
A mediação familiar, em Portugal, começou por ter um acolhimento muito
favorável com a congregação de esforços do Centro de Estudos Judiciários, da Ordem
dos Advogados e do Ministério da Justiça, sendo que, o primeiro serviço público de
mediação familiar decorreu de um protocolo celebrado entre o Ministério da Justiça e a
Ordem dos Advogados (Protocolo de Colaboração entre o Ministério da Justiça e a Ordem
dos Advogados no Âmbito do Projeto “Mediação Familiar em Conflito Parental”, 16 de
Maio de 1997). Com o decorrer do tempo, a cooperação inicial foi decaindo e dando lugar
a uma certa inércia institucional e ao surgimento de naturais tensões entre a advocacia e
a mediação familiar, a primeira, reclamando o campo da família como sendo
tradicionalmente da sua competência e a segunda, tentando delimitar um espaço próprio
de intervenção diferenciada – a mediação familiar.
O Despacho nº 12368/97, de 28 de agosto de 1997, criou o Gabinete de Mediação
Familiar de Lisboa (GMF), com competência geográfica limitada à cidade de Lisboa e
com competência material circunscrita à regulação, alteração ou incumprimento das
responsabilidades parentais, o qual, entrou em funcionamento em setembro de 1999.
Neste contexto, a Lei nº 133/99, de 28 de agosto de 1999, estabeleceu no art.º
147D a possibilidade de recurso à mediação pública ou privada, oficiosamente ou a
requerimento, mediante consentimento dos interessados.
Posteriormente, em 2002, foi alargada a competência territorial do Gabinete de
Mediação Familiar, (GMF) à região da grande Lisboa, através do Despacho nº 1091/2002,
de 16 de janeiro de 2002.
14
De notar, que os meios de resolução alternativa de litígios (RAL) expandiram-se
de forma decisiva a partir de 2000, altura em que o Governo de Portugal criou a Direcção-
Geral da Administração Extrajudicial, que antecedeu o atual Gabinete para a Resolução
Alternativa de Litígios - GRAL. Em 2001, através da Lei nº 78/2001, de 13 de julho de
2001, foram criados os tribunais de justiça de proximidade denominados Julgados de Paz,
orientados para privilegiar a resolução de litígios relativamente a matérias cíveis (artigo
9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho de 2001) por via consensual, através de mediação e
de conciliação.
Atualmente, os Julgados de Paz encontram-se implantados em grande parte do
país e são alvo de relativo interesse político pelos sucessivos governos e pelos municípios,
apesar do benefício que representam para os cidadãos que a eles podem recorrer de forma
simples, direta e económica, entre outros aspetos.
Em 2006/2007, o governo de Portugal criou os sistemas de mediação pública,
laboral (SML), penal (SMP) e familiar (SMF). O SMF foi regulado pelo Despacho nº
18778/2007, de 22 de agosto de 2007, através do qual se introduziram duas importantes
alterações em relação ao quadro legal anterior: uma dessas alterações decorreu do
alargamento da competência territorial a todo o país, e a outra alteração respeitou ao
alargamento da competência material, tendo passado a ser possível abordar um conjunto
de matérias e de conflitos familiares por meio de mediação familiar (e.g. questões
relativas ao divórcio, pensão de alimentos entre cônjuges e filhos maiores, entre outros
conflitos de natureza familiar).
O SMF coordena os serviços de mediação familiar a nível nacional a partir do
Gabinete para a Resolução de Litígios, na dependência do Ministério da Justiça. Os
gabinetes de mediação familiar instalados em vários locais do país decorrem, em regra,
de protocolos celebrados entre os Municípios e o Ministério da justiça. O recrutamento
15
dos mediadores que integram a lista nacional de mediadores familiares a prestar serviços
de mediação familiar publica, no âmbito do SMF, são recrutados através de concurso
público sendo o respetivo pagamento de honorários da responsabilidade do Ministério da
Justiça.
1.3 O Conflito
Em geral, a gestão ou a resolução dos vários conflitos com que as pessoas se
confrontam são objetivos centrais da atividade dos mediadores, por isso, o conflito é
frequentemente objeto de uma abordagem plural e abrangente (Cunha & Leitão, 2011).
O conflito familiar é um processo dinâmico e sequencial, caracterizado pela interação,
pela interdependência e pela incompatibilidade de objetivos entre as pessoas envolvidas
(Williams, 2011). Compreende, assim, um sistema complexo de intrincadas interações
que, num determinado contexto, se cruzam e desenvolvem numa dinâmica não linear
(Brack, Lassiter, Hill, & Moore, 2011). De salientar, o contributo da teoria dos sistemas
(Anderson, Anderson, Palmer, Mutchler & Baker, 2011).; Haddad, Phillips & Bone,
2016) e da teoria da Complexidade Ecossistémica do Conflito (Brack, et al., 2011) para
a compreensão e abordagem do conflito não no prisma de patologia, mas como parte do
processo familiar. Brack, et al. (2011) propõe uma visão do conflito com base em cinco
premissas fundamentais: 1) as dinâmicas humanas não são lineares; 2) as dinâmicas
humanas desenvolvem-se em múltiplos níveis sociais que contêm diversos fatores que
afetam a origem, desenvolvimento e resolução dos conflitos; 3) as dinâmicas humanas
são imprevisíveis e difíceis de controlar; 4) apesar da imprevisibilidade do conflito há
padrões que emergem e oferecem oportunidades de mudança; 5) As intervenções não
16
devem ser centradas no conflito, mas sim orientadas para a adaptação das pessoas à
mudança e para a obtenção de soluções mutuamente aceitáveis
1.3.1 Perspetivas da mediação familiar sobre o conflito na transição para a SD
Durante a transição para a SD, o círculo do conflito compreende um conjunto
complexo de elementos, objetivos, atitudes, perceções e padrões de comunicação ou de
interação suscetíveis de obstruir o desenvolvimento de relações positivas e de soluções
construtivas entre as partes (Bush & Folger, 2005; Moore, 2003). Como sabemos o
conflito é uma realidade complexa que apresenta, por um lado, potencialidades negativas
e destrutivas, ao mesmo tempo que, por outro lado, é uma força indispensável para a
mudança, renovação e desenvolvimento dos sistemas vivos impedindo assim a sua
estagnação e o seu desaparecimento. De notar, que no decorrer da SD o foco do conflito
manifesta-se principalmente em torno de questões da coparentalidade (Sbarra, & Emery,
2005), cujo impacto negativo no bem-estar dos filhos se encontra amplamente
documentado na literatura (e. g. Cummings & Davies, 2002; Weaver & Schofield, 2014).
Segundo Parkinson (2008), o conflito traduz um estado de turbulência, no qual,
pequenos remoinhos no interior de grandes remoinhos geram estados de confusão e de
desordem capazes de bloquear os esforços tendentes à estabilidade. Por sua vez, Bush e
Folger (2005) referem-se a um conjunto de teorias frequentemente referidas na literatura
tais como: a teoria do poder, a teoria dos direitos e a teoria das necessidades. Assim, os
mediadores familiares de acordo com a teoria do conflito adotada tenderiam a atuar
segundo um modelo avaliativo, facilitativo ou interventivo. De facto, Bush e Folger
(2005) perfilham a teoria transformativa do conflito, cuja premissa fundamental é a de
que a crise interacional procede do significado que a experiência do conflito tem para as
17
pessoas, sustentando que a respetiva vivência é geralmente interiorizada como sendo
negativa. De facto, estudos revelaram que as pessoas ao serem inquiridas sobre as suas
interações conflituosas as representaram através de imagens e de metáforas negativas,
assim como expressaram sentimentos de impotência e de alienação (McCorkle & Mills,
1992, cit. por Bush e Folger 2005). Desta forma, o conflito enquanto fenómeno social,
não respeita somente a interesses, direitos, ou ao poder sendo, pois, um fenómeno mais
complexo engendrado na interação entre seres humanos (Bush e Folger, 2005).
O conflito é motivado por múltiplas causas e manifesta-se de várias formas,
especificamente através de padrões de comunicação disfuncional patentes na interação
que criam ambiguidade e confusão (e.g. Brack, et al., 2011; Bush & Folger, 2005; Irving
& Benjamin, 2005; Moore, 2003; Parkinson, 2008; Winslade, 2006), dificultando, assim,
os processos de tomada de decisão. De facto, a SD, tem consequências significativas para
a generalidade das famílias, a nível jurídico, socioeconómico e psicológico (Braver,
Shapiro & Goodman, 2006; Sayer, 2006), consequências estas, frequentemente
mescladas por conflitos e experiencias emocionais fortes, de raiva, dor, ansiedade e stress,
entre outras, (des) adaptativas para a reorganização da família.
Assim, é crucial que os mediadores familiares utilizem estratégias orientadas para
o enfrentamento dos desafios em presença, para que consigam ajudar os pais/ex-casal a
lidar com o stress e a melhorarem a sua capacidade de autorregulação emocional
promovendo, desse modo, disposições mentais apropriadas à tomada das decisões,
respeitantes à vida dos filhos e à sua própria vida pessoal. É igualmente fulcral planificar
as sessões de forma a desenvolver uma abordagem de acordo com as especificidades do
conflito com que os intervenientes na mediação familiar se confrontam. Para tal, afigura-
se essencial que se verifique um nexo de adequação entre as causas do conflito e os
métodos e estratégias potencialmente mais eficazes para a sua gestão ou eventual
18
resolução. Neste sentido, Moore (2003) refere três momentos essenciais relativamente à
gestão do conflito: 1) identificação das fontes centrais do conflito; 2) formulação de
conjeturas ou hipóteses sobre as causas prováveis do conflito; 3) testar as hipóteses
formuladas introduzindo estratégias de prevenção e de intervenção.
1.3.2 Elevado conflito
A forma como o conflito se manifesta durante a SD é, geralmente, a consequência
de padrões de interação anteriormente estabelecidos durante o período em que o casal se
mantinha unido. Através de diversos estudos com casais Gottman (1993) identificou
cinco tipos de casais que designou por casais envolvidos, voláteis, validadores, hostis e
hostis/separados. O autor comparando esta tipologia de casais com a tipologia
identificada por Fitzpatrick’s (1988, cit. por Gottman, 1993) que, consiste em casais
tradicionais, independentes e separados, observou que às características dos casais
tradicionais equivalem os casais validadores; aos casais voláteis correspondem os casais
independentes e os casais separados coincidem com os casais hostis.
De destacar, que da tipologia formulada por Gottman (1993) sobressaem dois
tipos de casais a que correspondem formas de elevado conflito – os casais voláteis e os
casais hostis/separados (Anderson, et. al., 2011). Segundo Gottman (1993), os
relacionamentos voláteis caracterizam-se pela instabilidade das interações com muito
envolvimento na expressão emocional e com coexistência de afetos positivos e negativos,
bem como, mensagens recíprocas em que cada um tenta persuadir o outro que está errado;
por sua vez, nos conflitos hostis/separados, as pessoas não têm envolvimento emocional,
sendo comuns generalizações e ataques recíprocos por motivos frequentemente triviais e
com escuta exclusivamente direcionada para a defensividade.
19
De acordo com a tipologia de casais enunciada por Gottman (1993) os casais
voláteis e hostis espelham interações de elevado conflito, em que prevalecem os quatro
cavaleiros de discórdia referidos pelo autor: criticismo, defensividade, desprezo e
obstrução, os quais, se expandem rapidamente e são exacerbados aquando da SD
(Anderson, et. al., 2011).
Certamente que o conflito, em regra, não é uma catástrofe, contudo o elevado
conflito tem frequentemente efeitos devastadores para as pessoas envolvidas (e.g. pais,
crianças, a família, relações de amizade).
Haddad, et. al., (2016) definem elevado conflito como sendo um processo com
duração superior a dois anos, caracterizado por um alto grau de raiva, hostilidade,
desconfiança, intensa litigação sobre a regulação das responsabilidades parentais e
dificuldades de comunicação apresentando taxas mais elevadas que o normal de
incumprimento da prestação de alimentos.
Anderson, et. al. (2011) refere que as situações de elevado conflito refletem um
processo crónico, com um grau alto de reatividade, de protestos, de maledicência e de
incapacidade para assumir a responsabilidade pelo respetivo papel no conflito.
De salientar, que o alto nível de conflito entre os pais frequentemente desenvolve-
se em torno do tema das responsabilidades parentais, durante ou após a SD, tem um
impacto significativo, nas crianças, designadamente ao nível do stress, depressão,
isolamento social, dificuldades académicas e auto estima, assim como, no seu
desenvolvimento e funcionamento psicológico (e.g. Beck & Sales 2001; Haddad, et al.
2016; Kelly & Emery, 2003).
Por outro lado, o conflito elevado tem sido relacionado em alguns estudos com
alienação parental e com desordens da personalidade, especificamente com personalidade
20
borderline (Anderson, et. al. 2011; Haddad, et. al., 2016). Assim, é forçoso questionar a
eficácia dos modelos comuns de mediação familiar, concretamente o modelo Linear de
Harvard para abordar os casos de SD com elevado conflito, considerando, entre outros
aspetos, os fatores de risco a que as crianças ficam expostas, os quais, também dependem
da duração e da forma como o conflito elevado é abordado ou resolvido (Haddad, et
al.2016).
Anderson et. al. (2011), com base em trabalho clinico com população com elevado
conflito e numa abrangente revisão de literatura em vários campos, forneceu uma
definição conceptual de elevado conflito que compreende dois clusters que descrevem as
características interacionais, emocionais e intrapessoais de elevado conflito: cluster 1)
Pervasividade e intercâmbios negativos; cluster 2) hostilidade, insegurança e ambiente
emocional.
Segundo Anderson et. al., a pervasividade compreende a característica nuclear do
cluster 1, a qual, consiste numa invasão penetrante e entrincheirada do conflito, com
escalada rápida para comunicação destrutiva e persistente, não raras vezes, materializada
em litigância judicial prolongada durante dois a três anos de (Beck & Sales, 2001). As
interações defensivas, as agressões, as atribuições negativas e a escalada do conflito,
completam o conjunto de características em presença neste cluster. Por sua vez, o cluster
2, caracteriza-se através da presença de fortes afetos negativos; reatividade; insegurança
emocional, desconfiança mutua e triangulação.
Assim, a definição de elevado conflito, se observada pelos mediadores familiares,
permite-lhes considerar indicadores extremamente úteis, concretamente em duas áreas
específicas da mediação familiar, que são: a determinação do grau de agressão e a
triangulação.
21
No que concerne à determinação do grau de agressão importa considerar a
distinção entre violência severa física e psicológica e agressão em casos de elevado
conflito. A agressão ou violência em caso de elevado conflito caracteriza-se por
apresentar um grau não percetível de controlo, intimidação, medo e manipulação, assim
como, é situacional, bilateral e encaixa-se na interação conflituosa, enquanto a violência
grave se caracteriza por ser unilateral e por apresentar padrões de comportamento, de
controlo, manipulação e dominação perpetrados contra a vitima de forma severa e
frequente.
Por sua vez, a triangulação ocorre quando a atmosfera do conflito entre duas
pessoas é tão tensa e insuportável que uma das partes para aliviar a ansiedade trás uma
terceira pessoa para a relação a quem se lamenta, pede conselhos, etc. (Anderson et.al.
2011). Consiste numa dimensão chave que impõe a necessidade de compreender como é
que ambas as partes triangulam advogados, família, profissionais do tribunal, terapeutas,
escola e os seus filhos no conflito (Anderson et.al. 2011). O processo de triangulação
verifica-se quando os pais têm dificuldade em diferenciar as suas próprias necessidades
das necessidades dos seus filhos confundindo-as com as suas, o que permite a passagem
das suas emoções negativas e distress para as crianças que, desta forma, ficam
desprotegidas. Tais situações ocorrem, nomeadamente quando os pais utilizam os filhos
como mensageiros ou espiões e nos casos de alienação parental em que um dos pais cria
obstáculos aos convívios, exagera as falhas do outro ou denigre a sua imagem perante a
criança. De salientar, ainda que a triangulação do sistema de justiça ocorre mediante o
recurso aos tribunais com o objetivo de controlar, punir ou obter a condenação pública do
outro.
Por outro lado, embora os casos de SD com conflito elevado serem
estatisticamente minoritários, são os mais dispendiosos em termos de tempo de tribunal,
22
de recursos profissionais e financeiros (e.g. Andersen, et. al. 2011; Haddad, et. al.2016).
De facto, é crucial compreender as características e implicações práticas da definição de
elevado conflito de forma a otimizar o processo de Mediação Familiar e fornecer um
apoio eficiente às famílias que, no curso da SD, ficam enredadas e presas nas teias da
dinâmica do conflito elevado, tendo em conta a proteção das crianças relativamente ao
impacto devastador deste género de conflito sobre o seu bem-estar (Haddad, et. al.2016).
As áreas de foco evidenciadas por Anderson et.al. (2011) relativamente a
situações de elevado conflito fornecem aos mediadores familiares indicações que podem
ajudar a determinar quais são estratégias mais apropriadas para intervir em tais situações.
Assim, nas situações do cluster 1, em que surgem atribuições negativas e pensamentos
contraditórios, o uso de estratégias narrativas, de aceitação individual e recíproca e de
responsabilização pela mudança podem ser apropriadas; mas se o conflito se apresenta
em desenvolvimento do cluster 1 para o cluster 2, é útil utilizar, entre outras, estratégias
destinadas a gerir a excitação emocional e a auxiliar as pessoas a se serenarem,
nomeadamente através de pausas durante as sessões, Andersen, et. al.(2011). Desta
forma, a definição de elevado conflito, entre outros aspetos, fornece indicações guia para
a intervenção em mediação familiar.
1.4 Modelos de mediação familiar
Ao considerarmos os modelos de mediação familiar, importa referir que, estes
compreendem um conjunto de orientações teóricas e de estratégias que permitem a
abordagem do conflito a partir de um esquema de trabalho sistemático e coerente. Beck
e Sales (2001) referem que um modelo teórico se traduz “num processo sistemático de
23
formulação e organização de ideias com vista à compreensão de um fenómeno particular”
(pp.184).
Da generalidade de modelos de mediação familiar podemos agrupá-los em
modelos de mediação familiar não terapêuticos e modelos de mediação familiar
terapêuticos (Gomes & Ribeiro, 2011; 2014). Dos modelos de mediação familiar não
terapêuticos, destacamos quatro modelos: o modelo Tradicional Linear (Haynes, 1993;
Fisher & Ury, 2007), o modelo Transformativo (Bush & Folger, 2005), o modelo
Ecossistémico (Parkinson, 2008) e o modelo Circular Narrativo (Rifkin, Millen, Cobb,
1991; Winslade, 2006). De entre os modelos terapêuticos, importa referir o modelo de
mediação familiar terapêutica adotado por Irving e Benjamin (2005).
O modelo Linear (Harvard), (Haynes, 1993; Fisher & Ury, 2007), teve as suas
origens na mediação comercial e civil de onde foi adaptado para a mediação familiar
(Parkinson, 2008). O mediador deve ser um facilitador da comunicação que é entendida
em sentido linear, de causa efeito (Suares, 2002). Do ponto de vista do método os
defensores deste modelo rejeitam a discussão das posições das partes em conflito, sendo
que, o mediador deverá conduzir o processo de mediação com neutralidade e objetivar o
mais possível as questões, para que as pessoas possam descobrir e identificar os interesses
subjacentes às respectivas posições de maneira a que possam surgir da discussão opções
consensuais que permitam alcançar o acordo que, é considerado por estes autores, o
objetivo da mediação.
Este modelo de mediação apresentado inicialmente por Haynes (1993) tem sido
criticado por se centrar demasiado no conteúdo verbal sem considerar as relações entre
as pessoas ou o contexto em que estas se desenvolvem (Suares, 2002; Parkinson, 2008).
Apesar de se concordar com estas críticas, importa considerar que este modelo é útil
quando se pretende negociar determinadas questões em litígio ou objetivar, por exemplo,
24
os gastos com os filhos. É mais fácil negociar um acordo depois de as pessoas
especificarem os gastos, do que a partir de um valor que pode ser visto, pelo outro, como
irrealista.
O modelo transformativo de Bush e Folger (2005) tem por base a premissa de
que, é inerente ao próprio ser humano um impulso social ou moral de mudança suscetível
de ativar as capacidades de decisão e de responsividade dos seres humanos e reverter a
negatividade dos conflitos. O modelo centra-se na causalidade circular e inspira-se nas
novas teorias da comunicação com o propósito de transformar as relações entre as pessoas
(Suares, 2002).
O objetivo da mediação familiar é, então, o de reverter as componentes, negativas,
destrutivas, alienantes e perversas do conflito em componentes positivas, construtivas, de
conexão e humanizantes (Bush & Folger, 2005).
Estes autores defendem que a mediação familiar tem como objetivo transformar a
dinâmica do conflito através da reversão do círculo vulnerabilidade/auto-absorção para o
círculo responsividade/decisão. Os mediadores familiares devem promover,
gradualmente, a regeneração do conflito através do empoderamento e da recognição
(Bush & Folger 2005). O empoderamento consiste na tomada de consciência dos próprios
recursos e da própria capacidade e poder de decisão; a recognição, por sua vez, traduz-se
no reconhecimento do próprio protagonismo e do protagonismo do outro, i. é., do
coprotagonismo.
O modelo transformativo não tem como objetivo imediato o acordo, o que leva a
que possa ser considerado como pouco realista no plano legal, pois, normalmente as
pessoas solicitam a mediação porque querem resolver problemas (Beck & Sales, 2001).
25
Parkinson (2008) refere que Bush e Folger não explicam suficientemente se o
objetivo da teoria é modificar as pessoas, a relação entre elas ou a visão que elas têm do
conflito e, na mesma linha, Gayner’s (citado por Bush & Folger, 2005) alude a
dificuldades em avaliar os efeitos do modelo na prática.
De sublinhar, a pertinência do modelo transformativo para a ativação e
fortalecimento dos potenciais recursos das famílias que, na fase da SD, estão
particularmente postos à prova. Por outro lado, reconhece-se como sendo pouco claro o
propósito de Bush e Folger sobre o que pretendem realmente alterar ou transformar, se é
as pessoas ou as respectivas relações. Assim, o modelo transformativo ao potenciar a
tomada de consciência das qualidades e capacidades que as pessoas em resultado do
conflito ou por outros motivos deixaram de reconhecer ou não tinham ainda identificado
em si próprias, promove efeitos construtivos, nomeadamente, na forma como as pessoas
passam a gerir os conflitos que protagonizam.
Em termos de coerência e de parcimónia a teoria tem sido considerado vaga. Do
ponto de vista da coerência, Bush e Folger não definem claramente o que se deve entender
por baixo e elevado desenvolvimento moral nem a forma de se lhe aceder, por outro lado,
ao nível da parcimónia, o modelo também tem sido considerado difícil de avaliar
(Menkel, Meadow 1995 citados por Beck & Sales., 2001).
O modelo Circular Narrativo (Rifkin et al., 1991) desenvolvido por alguns
mediadores familiares como Suares (2002) e Winslade, (2006). Este modelo de mediação
familiar baseia-se na causalidade circular e tem as suas raízes na teoria sistémica e na
teoria da comunicação desenvolvida por Bateson e Watzlawick. Neste sentido, Winslade
(2006) realizou o estudo - “Mediation with a focus on Discursive Positioning” -, a
propósito da prática da mediação familiar sobre as bases da teoria do construtivismo
social, no qual, analisou o poder das relações que são construídas no discurso e a
26
importância de compreender como é que as narrativas e o discurso funcionam para
construir as decisões das pessoas.
Este aspeto mostra-se pertinente para o desenvolvimento do presente trabalho, na
medida em que nos propomos contribuir para a compreensão do processo subjacente à
tomada de decisões, especificamente, as decisões parentais responsáveis e seu impacto
nas relações entre os pais e nas relações pai/mãe-filho. As características dos
protagonistas, a forma e o contexto em que as decisões são tomadas, no decurso da
mediação familiar, têm implicações relevantes para a investigação sobre mediação
familiar e para a ponderação da eficácia de futuras ações e medidas a adotar no domínio
da família e, especialmente, no âmbito da proteção da criança.
No contexto do modelo circular narrativo, as decisões dos participantes vão sendo
elaboradas a partir de narrativas (histórias) que, ao longo da mediação, se vão alterando
com vista à construção de uma história comum, composta por decisões mutuamente
aceites.
A perspetiva circular narrativa, representa uma visão distinta da que é preconizada
pelos outros modelos de mediação familiar, em especial, o modelo Linear de Harvard.
Partindo das histórias que as pessoas contam e que são geralmente apresentadas de forma
solidamente ordenada e coerente, mas, que por isso mesmo, dificultam a flexibilização e
a geração de alternativas. Assim, importa que o mediador familiar intente promover a
desestabilização das histórias das pessoas para possibilitar momentos e focos de mudança
passíveis de alterar os significados das histórias e assim se ir dissolvendo o diferendo. Do
ponto de vista da avaliação teórica, Beck e Sales (2001), consideram que este modelo se
mostra consistente, embora não esteja devidamente operacionalizado nem
suficientemente testado empiricamente.
27
O modelo ecossistémico de mediação familiar centra-se na família como um todo.
A família extensa e os filhos estão implicados direta ou indiretamente na mediação
familiar (Parkinson, 2008). O modelo foi desenvolvido por (Berubé e Parkinson, 2002
citados por Parkinkon, 2008) e tem as suas raízes em teorias do conflito e de negociação
e, também, nas teorias dos sistemas e da vinculação.
As principais características-chave deste modelo, para além da abordagem da
família como um todo, consistem na visão interdisciplinar resultante do cruzamento das
áreas jurídica, social e psicológica e na assunção de que a mediação familiar tem valores
que devem ser assumidos e clarificados, ao invés, de permanecerem implícitos
(Parkinson, 2008). A utilização do ecograma é utilizada como base de trabalho desde o
início da mediação familiar.
Considerar a família como um todo é, também, incluir a voz das crianças na
mediação familiar enquanto titular de direitos e não como objeto de posse dos pais (artigo
12º da Convenção sobre os Direitos da Criança). Por outro lado, o direito da criança à
participação direta ou indireta na mediação familiar quando estiverem em causa assuntos
que a afetam, vai ao encontro de uma perspetiva necessária de interdisciplinaridade que
se projeta nesta tese. De facto, apresenta-se pertinente interligar os contributos que
convergem de outras áreas de conhecimento para o campo da mediação familiar e
delimitar do núcleo teórico e de um maior aprofundamento terminológico.
Neste contexto, importa sublinhar a forma como a mediação familiar tem
evoluído em duas diferentes áreas: o sector legislativo e institucional e o campo de
aplicação dos seus modelos. De notar, que tanto o Direito como a Psicologia têm,
especificamente contribuído para uma convergência de conhecimento que tem ajudado a
impulsionar e a melhorar a sua atividade prática (Gomes & Ribeiro, 2014).
28
1.4.1 Mediação familiar terapêutica
Após a análise do grupo de modelos teóricos não terapêuticos, importa abordar o
modelo de mediação familiar terapêutica (MFT) proposto por Irving e Benjamin (2005).
Segundo os autores da MFT, existe uma relação entre o nível de disfuncionalidade
familiar e o nível elevado de conflito familiar, por isso, considera-se pouco adequado
partir do pressuposto de que todos os intervenientes na MFT dispõem da necessária
capacidade de autocontrolo emocional para atuarem com o discernimento e a
responsabilidade que o bem-estar e a segurança das crianças exigem (Irving & Benjamin,
2005; Saposnek, 2004). Em consequência, este modelo tem por base o princípio de que o
processo de MFT deverá basear-se e definir-se de maneira a assegurar o desenvolvimento
e a efetivação de uma coparentalidade responsável.
Um aspeto crucial da MFT é a organização e a duração da pré-mediação, a qual,
é composta por três sessões com cada um dos intervenientes, com vista à realização da
triagem e avaliação das situações solicitadas para MFT (Irving & Benjamin, 2005;
Saposnek, 2004). De facto, a avaliação dos casos que são adequados para mediação,
revela-se de primordial importância, porquanto é possível identificar situações em que a
mediação familiar poderá não ser a intervenção mais ajustada podendo mesmo funcionar
como reforço do conflito aumentando-o e/ou atrasando a sua resolução (Saposnek 2004).
De notar ainda, a importância que as informações recolhidas na pré-mediação têm para o
mediador familiar poder delinear a sua estratégia para a fase subsequente de mediação
(Irving & Benjamin 2005).
Segundo a abordagem de MFT o mediador familiar deve intervir para anular ou
mudar os comportamentos disfuncionais dos participantes que sejam suscetíveis de
29
diminuir as suas capacidades para poderem exercer uma relação parental responsável.
Para atingir este objetivo, os autores, preconizam uma estratégia de reenquadramento
específica: o quadro mediador que é composto por sete etapas previamente definidas.
Uma das críticas ao modelo da MFT, encontra-se relacionada com a questão de os
seus autores considerarem como essencial para a prossecução eficaz da MFT a
necessidade de os participantes modificarem os seus padrões de interação com vista ao
melhoramento da dinâmica familiar. Segundo Parkinson (2008) a mediação familiar tem
natureza interdisciplinar e, por isso, não deve ter objetivos terapêuticos, ainda que, dela
possam decorrer efeitos terapêuticos. Por sua vez, Suares (2003) refere que do ponto de
vista ideológico a mediação familiar assenta num conjunto de crenças, valores e ideias,
cuja base é a convicção de que os seres humanos são capazes de resolver, por si próprios,
os conflitos em que se encontram envolvidos. Desta forma, a MFT ao focalizar-se na
terapia e ao deixar de lado a moldura legal em que, inevitavelmente, se insere a mediação
familiar e com a qual se devem conformar os acordos alcançados, especialmente as
decisões relativas às responsabilidades parentais, evidencia uma lacuna substancial.
Neste contexto, considera-se que é especialmente pertinente estabelecer ligações
conceptuais entre o Direito, a Psicologia e outras áreas das ciências humanas, para
melhorar a consistência e a aplicação prática desta área de conhecimento que é a mediação
familiar, mas não se deixa de sublinhar que em casos de intenso conflito e
consequentemente de risco para os filhos a MFT pode ser a forma mais apropriada para
alcançar um acordo - acordo este juridicamente relevante –ao incidir nos direitos e
interesses das crianças (Gomes & Ribeiro, 2011; 2014).
Por sua vez, (Parkinson, 2008), salienta que as pessoas são titulares de direitos
com capacidade de decisão e, por isso, têm a faculdade de não se submeterem a
intervenções terapêuticas. De notar, que o conceito de quadro mediador proposto por
30
Irving e Benjamin (2005), assenta num conjunto de orientações com expressão valorativa
que se impõem a priori, como princípios a observar e como metas a atingir através da
MFT. Neste sentido, espera-se que com a intervenção do mediador familiar os
participantes venham a transformar ou a anular as interações disfuncionais com vista a
uma adequada funcionalização da separação parental. Coloca-se, pois, a questão de saber
se o conjunto de valores subjacentes ao quadro mediador é passível de conciliação com
os princípios estruturantes da mediação familiar (e.g. dever de imparcialidade do
mediador e o princípio da voluntariedade). Apesar do interesse programático do quadro
mediador, a harmonização do seu conteúdo com os princípios-base da responsabilidade
dos intervenientes pela resolução dos próprios conflitos e da autodeterminação das
pessoas tende a comprometer a base identitária alicerçada nos princípios de mediação
familiar. Por exemplo, um dos princípios do quadro mediador é o de que os pais têm
responsabilidades partilhadas, no entanto, importa não excluir totalmente a possibilidade
do exercício exclusivo das responsabilidades parentais, logo, qualquer pré-orientação do
mediador familiar coloca inevitavelmente em causa a sua imparcialidade e eventualmente
a capacidade de autodeterminação dos intervenientes, uma vez que à partida, poder-se-ia
entender que existia uma valoração prévia sobre o que seria melhor para determinada
família sendo que, um dos objetivos da mediação familiar é, precisamente, proporcionar
o contexto adequado para que os pais possam, por si próprios, tomar as decisões relativas
aos seus filhos e, consequentemente, assumirem a respetiva responsabilidade.
Neste contexto, salienta-se a pertinência da caracterização das decisões parentais
responsáveis e o seu impacto no exercício da parentalidade no decurso e após o divórcio
- tanto para a clarificação do conceito de decisão parental responsável como para a
caracterização dos fatores que influenciam o maior ou menor grau de responsabilidade
31
das decisões parentais no quadro de uma reflexão sobre as fronteiras da mediação
familiar.
Consequentemente, considera-se de primacial interesse a interação dialógica entre
o Direito, a Psicologia e as Ciências Sociais em geral para a elaboração de uma
terminologia mais rica e rigorosa da mediação familiar.
1.4.2 Direito colaborativo
A emergência do Direito Colaborativo, por um lado, ocorreu em resultado da
insatisfação de um conjunto de advogados relativamente ao desfecho, frequentemente,
negativo dos litígios familiares e, por outro lado, devido à complexidade e especificidade
dos conflitos de natureza familiar e aos custos pessoais e económicos que os litígios
comportam para as famílias (Cohen, 2006).
O Direito Colaborativo surgiu no início deste século, nos Estados Unidos da
América, no Canadá, no Reino Unido, na Irlanda e na Escócia (Deutsch, 2008). O modelo
foi concebido primeiro Stu Web e, depois, desenvolvido por Tessler e Thompson (2006)
(citados por Deutsch, 2008). Este modelo visa fomentar a colaboração entre o campo da
saúde mental e o sistema legal. Consiste numa abordagem especializada com o objetivo
de preservar os recursos económicos e emocionais das pessoas que são representadas
pelos seus advogados nas reuniões em que estes negoceiam as pretensões dos seus clientes
com o objetivo de resolver o problema sem recorrer ao processo judicial (Cohen, 2006).
Além dos advogados, intervêm nestes processos outros especialistas, na área financeira,
em psicologia infantil e mediadores familiares. Como existe a possibilidade de as crianças
serem acompanhadas por especialistas da área de saúde infantil quando tal se justificar
poderá ter lugar a uma intervenção terapêutica (Deutsch, 2008).
32
Esta abordagem poderá ser adequada para casos que se revistam de especial
complexidade no plano económico, psicológico ou outro, uma vez que explora de forma
flexível, mas abrangente as circunstâncias em torno do divórcio e as questões relativas à
parentalidade.
O Direito Colaborativo, tem sido operacionalizado nos Estados Unidos da
América e no Canadá mediante uma intervenção designada de Coordenação Parental que
funciona no contexto do tribunal da família. O coordenador parental, promove uma
intervenção estruturada em que ajuda os pais a lidar com o conflito e lhes faculta educação
parental, com vista à realização do acordo sobre as responsabilidades parentais. Quando
autorizado pelo tribunal em que exerce funções, o coordenador parental pode tomar
decisões pelos pais quando estes se mostrem incapazes de o fazer e, se necessário deverá
emitir recomendações ao tribunal (Deutsch, 2008).
1.5 Parentalidade: um conceito com alcance jurídico e psicológico
A família pode ser considerada sob distintas perspetivas que, por sua vez, mostram
diferentes faces de uma mesma realidade. Assim, Lima e Varela no Código Civil Anotado
escrevem que “as relações familiares revestem uma tal complexidade, principalmente no
que toca aos direitos e deveres pessoais que a sua disciplina tem muitas vezes de ser
desencantada, mais nos quadros vitais da instituição familiar, por intuição do julgador,
embora guiada pelo direito, do que no arrazoado descritivo da lei” (pp. 14). De notar, a
importância de ter presente a inadequação da aplicação cega e tecnicista do Direito às
relações jurídicas familiares tendo em conta a sua complexidade e diversidade. Por esta
razão se constata uma proliferação de conceitos indeterminados no Direito da Família. A
opção do legislador por esta técnica legislativa em que se delineia o núcleo central da
33
norma e se reserva todo um conjunto de questões para serem determinadas caso a caso
(e.g. interesse de criança, questões de particular importância, orientações educativas mais
relevantes, etc.).
Deste modo, ao estabelecer-se o conceito de superior interesse da criança,
recorreu-se, precisamente a um conceito indeterminado, ou seja, a norma jurídica não se
encontra totalmente preenchida, o legislador prescreve o seu núcleo substancial, mas
deixa o círculo envolvente para ser concretizado caso a caso, em primeira linha, pelos
pais, e nos casos em que tal não é possível, pelo próprio juiz. O conceito de superior
interesse da criança é incontornável e está subjacente a qualquer decisão que envolva a
criança, mas não se esgota na norma jurídica, vai além dela ao encontro das necessidades
de cada criança em concreto.
Por sua vez, a semelhança de forma e de conteúdo dos acordos relativos à
regulação do exercício das responsabilidades parentais associada à quantidade
considerável de incumprimentos e de pedidos de alteração dos mesmos evidencia, de
certo modo, o sentimento de urgência do ex-casal/pais em ativar procedimentos
institucionais (e.g. Conservatórias do Registo Civil), precipitando, não raras vezes,
decisões sobre as responsabilidades parentas menos refletidas e pouco realistas ou
delegando no sistema judicial o seu poder e dever decisório. Desta forma, a mediação
familiar permite uma abordagem complementar ao sistema judicial e administrativo com
claras vantagens para todos os intervenientes.
No que respeita aos aspetos que condicionam as decisões parentais no âmbito da
SD, destacam-se duas questões essenciais. A primeira, diz respeito à dimensão temporal
e à dimensão espacial do desenvolvimento da família (Alarcão, 2006), que na fase de
transição para o divórcio podem funcionar como fatores de pressão prejudicando,
nomeadamente, a flexibilidade para a exploração de opções, a reflexão e o discernimento
34
necessário à formulação do acordo relativo à regulação do exercício das
responsabilidades parentais. Em segundo lugar, note-se o facto de concorrerem para o
aumento de tensão em torno das decisões parentais a turbulência emocional dos pais nas
suas múltiplas facetas, nomeadamente, a frustração e o desânimo pelo desabar de um
projeto, a raiva, a insegurança ou a vingança.
Não obstante, os diferentes olhares que a família suscita, importa sublinhar que,
esta, ao atravessar o divórcio não deixa de ser uma família (Sbarra & Emery, 2008) e, por
isso, continua a ser o espaço privilegiado de socialização o que, em parte, condiciona
aquilo que a pessoa vai ser e o que poderá realizar, à medida que vai crescendo (Narciso
& Ribeiro, 2009).
Não há maior expressão da nossa humanidade do que cuidar um ser que é nosso
e, contudo, é ele. Ser pai e ser mãe, é então a maior responsabilidade. Assim, de acordo
com os objetivos gerais deste estudo, importa compreender o significado da expressão
parentalidade. Evelyne Sullerot (citada por Relvas & Alarcão, 2007) define parentalidade
“como sendo a designação para a relação pai/filho e coparentalidade como sendo a relação
entre os dois pais (pai e mãe), a fim de partilharem, do modo que entenderem, os cuidados
práticos, a educação e os carinhos a dar aos filhos” (pp.266). É igualmente oportuno para
a uma melhor compreensão do subsistema parental perceber quem toma as decisões
relativas à gestão familiar e à preparação das gerações mais novas (Alarcão, 2006). Os
pais têm uma função modeladora (Narciso & Ribeiro 2009), na medida em que é com
eles que os filhos aprendem “o sentido da autoridade, a forma de negociar e de lidar com
o conflito no contexto de uma relação vertical” (Alarcão, 2006), (pp.55).
Correlativamente, o ordenamento jurídico, enquanto sistema regulador dos
valores que num dado momento a sociedade revela e cuja dignidade reconhece, tem como
função estabelecer as fronteiras legais e imperativas que balizam os direitos e os deveres
35
dos pais, no momento em que a dissolução do casal pode trazer maior instabilidade ou
risco para os filhos. De acordo com o artigo 1906 do Código Civil, as balizas legais dizem
respeito: 1) ao exercício conjunto das responsabilidades parentais, isto é, recai sobre o pai
e mãe a responsabilidade de tomarem, em conjunto, as decisões de particular importância
para a vida dos filhos (e.g. saúde, educação, segurança, etc.), salvo se circunstâncias
ponderosas o desaconselharem e mediante decisão fundamentada do juiz; 2) Residência
dos filhos; 3) Direito de visita, ou seja, à maneira como os pais organizam os contactos
da criança com cada um dos pais; 4) Pensão de alimentos, ou responsabilidade económica
pelas despesas dos filhos. Em termos pragmáticos os pais ao construírem o acordo sobre
as responsabilidades parentais estão, simultaneamente, a conferir uma nova organização
ao sistema familiar pondo em marcha uma nova redefinição familiar.
1.5.1 Estilos parentais
Integrando o objeto do nosso estudo, as decisões parentais responsáveis, no
contexto de SD, impõe-se considerar os estilos parentais educativos, uma vez que a forma
como os pais exercem o poder afirmativo ou o tipo de controlo relativamente aos filhos
(Barber & Mingzhu, 2013; Baumrind, 2013; Henry & Hubbs-Tait, 2013 Lamborn,
Mounts, Steinberg & Dornbusch, 1991; Robinson, Mandleco, Olsen & Hart, 1995) são
passíveis de influenciar o processo de tomada de decisões relativamente a
responsabilidades parentais e a forma como os pais promovem um novo funcionamento
familiar na transição para o divórcio.
Baumrind (1971) realizou três estudos com o objetivo de estudar como é que os
padrões parentais influíam nas características das crianças. Como resultado dessas
36
investigações, a autora propôs três estilos parentais distintos: autoritário, autoritativo e
permissivo.
De acordo com Baumrind, 1971), os pais autoritários caracterizam-se por
educarem os filhos segundo um conjunto de regras estritas, por valorizarem a obediência
e por mostrarem fraca recetividade à argumentação dos filhos. Podem recorrer à punição
ou mesmo à força para fazer acatar as suas diretrizes educativas.
Os pais com estilo Autoritativo, ao educar os filhos, atuam com racionalidade e
diálogo sendo firmes e exigentes. Explicam a razão de ser da necessidade de respeitar as
regras e valorizam a ajuda dos filhos para o funcionamento familiar. Assumem os seus
valores e impõem claramente os limites. Educam os filhos num clima afetivo.
Os pais Permissivos evitam a confrontação procurando orientar os filhos através
de conversas e explicações. Exercem pouco controlo e têm dificuldade em fazer respeitar
as regras e em estabelecer limites, por isso, os filhos desenvolvem grande margem de
autonomia e de expressão individual.
Baumrind (1971) considera que o principal objetivo da função parental é a
socialização dos filhos, isto é, a promoção da sua adaptação às exigências dos outros
mantendo a sua integridade pessoal.
Darling e Steinberg (1993) definem estilo parental, como sendo uma constelação
de atributos que criam o contexto emocional, no qual, ocorrem as interações entre pais e
filhos com vista à socialização destes. Estes autores caracterizam a parentalidade a partir
de três aspetos distintos: os objetivos e valores dos pais relativamente à orientação da
socialização, a prática parental e o estilo parental. A prática parental traduz-se no conjunto
de comportamentos dos pais que visam a socialização dos filhos, ou seja, os pais tentam
motivar nos filhos para a adoção de comportamentos adequados e tentam bloquear
37
comportamentos inadequados, enquanto o conceito de estilo parental, enfatiza o contexto
emocional em que o filho é educado, o qual, inclui as práticas parentais conjuntamente
com outros aspetos da interação pais-filhos, como sejam os aspetos não verbais da
comunicação
Os estilos parentais têm sido associados a diferentes níveis de competências
sociais e cognitivas na fase pré-escolar, a meio da infância e na adolescência. Os filhos
de pais autoritativos têm sido associados a uma maior orientação para o sucesso, a
melhores resultados escolares e a uma melhor capacidade de cooperação, bem como a
uma menor propensão para a depressão, ansiedade e dependência (Lisi & Lisi, 2007).
1.5.2 Coparentalidade
Em resultado das alterações familiares decorrentes da SD, as relações entre os dois
pais e o filho passam a ser entre mãe-filho e pai-filho, dada a existência de um único
educador que coabita com os filhos (Relvas & Alarcão, 2007). De sublinhar, a
importância da relação dos pais relativamente aos filhos para a compreensão das questões
que se colocam em torno das decisões parentais, enquanto unidades integrantes
coparentalidade. Van Egeren e Hawkins (2004) definem coparentalidade, como sendo
qualquer relacionamento entre pelo menos duas pessoas que de acordo com as normas
sociais ou por mútuo acordo, assumem a responsabilidade pelo bem-estar de uma criança.
Desta noção depreende-se uma distinção clara entre e relação conjugal e a relação
parental, podendo haver conflito interpessoal entre o casal e, simultaneamente uma boa
relação parental centrada no bem-estar da criança.
Do ponto de vista legal importa referir que o regime regra de exercício das
responsabilidades parentais (artigo 1906 do Código Civil), em relação às questões de
38
particular importância da vida do filho (e.g. educação, saúde, educação religiosa,
segurança), é o de exercício conjunto das responsabilidades parentais, consequentemente,
o dever de chegar a um consenso sobre os aspetos estruturantes da vida da criança recai
sobre os dois pais. Por outro lado, torna-se necessário ainda considerar que as
responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho devem ser
exercidas pelo pai ou pela mãe, consoante, a criança estiver com um ou com o outro. No
que se refere às orientações educativas do filho, estabeleceu-se o critério básico do acordo
entre os pais, no entanto, com o objetivo de prevenir eventuais divergências entre os pais
e atendendo a que as orientações educativas relativamente à vida dos filhos se traduzem
em múltiplos atos da vida corrente do filho (e.g. trabalhos de casa, horário de deitar, regras
de etiqueta, arrumar o quarto, escolha dos programas de televisão, uso de internet)
determinou-se que em caso de desacordo dos pais em relação à educação do filho deverão
prevalecer as orientações educativas do pai/mãe com quem a criança reside.
De sublinhar, as alterações introduzidas pela Lei nº 61/2008 de 31 de outubro ao
enfatizarem o papel do afeto nas relações de parentalidade e a valorização do acordo entre
os pais relativamente à regulação ou alteração do regime do exercício das
responsabilidades parentais (e.g. dever de informação do Tribunal da Conservatória do
Registo Civil, sobre a possibilidade de recurso a mediação familiar) considerando-se,
inclusivamente a possibilidade de o juiz atribuir a residência da criança ao pai ou à mãe
que apresentar melhores condições para promover relações de grande proximidade entre
os dois pais. A par com estes avanços nas leis da família estudos científicos revelam
vantagens para as crianças que mantêm boas relações com os seus pais divorciados,
nomeadamente o estudo realizado por Ahrons (2007) que, após 20 anos de divórcio dos
pais, revela que existem benefícios para os filhos em manterem relações positivas com os
dois pais.
39
De destacar, ainda, as alterações terminológicas introduzidas pela Lei nº 61/2008
de 31 de outubro quanto à substituição das expressões poder paternal por responsabilidade
parental, de menor por filho, de guarda (física) por residência. De facto, o legislador
intentou sublinhar a importância da participação dos dois pais na vida dos filhos e na sua
educação e visou sublinhar a responsabilidade de ambos os pais pelos cuidados e despesas
relativamente a tudo o que diz respeito às crianças. Assim, surge reforçada a noção de
criança como sujeito de direitos e não como objeto de poder dos pais.
Por sua vez, a investigação científica tem demostrado que o grau de conflito dos
pais e a incapacidade de o resolverem afeta muitas áreas do desenvolvimento da criança
prejudicando seriamente o seu superior interesse (Deutsch, 2008; Kelly, 2006),
encontrando-se bem estabelecida pela investigação a associação entre a exposição ao
conflito e efeitos negativos no ajustamento das crianças ao nível escolar, da comunidade
e da saúde física e psicológica (Deutsch, 2008).
Durante a fase de SD os pais enfrentam um período marcado por mudanças de
considerável magnitude (Wallerstein, Lewis & Rosenthal, 2013) caracterizado,
frequentemente, pelo emaranhamento do conflito conjugal no conflito parental e pela
incapacidade de delimitar cada um destas dimensões relacionais surgindo, não raras
vezes, o conflito em relação aos filhos como sendo uma forma de contestar o fim da
relação conjugal (Sbarra & Emery, 2008).
A investigação tem mostrado o impacto positivo da mediação familiar sobre o
nível de conflito entre os pais (Amato, 2001; Kelly, 2006; Sbarra & Emery, 2008), a
qualidade da parentalidade em relação aos dois pais e os fatores de stress a que as crianças
são expostas (Amato, 2001).
40
O desafio emocional e económico, entre outros, resultantes da SD e a necessidade
de conformidade com o Direito, especificamente com o Direito da Família, é de
assinalável complexidade para os pais, cujas decisões parentais se impõem com a natural
urgência das situações de vida.
Etimologicamente a palavra decidir deriva do latim decidere que significa cortar.
De facto, quando os pais ativam o sistema legal ou a mediação familiar visam estabelecer
uma nova organização familiar, isto é, poem em movimento a cisão com a organização
familiar existente durante o casamento ou a união que, não raras vezes, encerra um
doloroso processo.
Assim, neste contexto o processo de decidir sobre responsabilidades parentais
pode ser entendido como um conjunto de ações, que num contexto de mudança, são
orientadas para mudar a estrutura existente conferindo-lhe um novo sentido e
organização. Esta noção geral de processo de decisão permite um esboço inicial e um
ponto de partida para este trabalho – as decisões parentais responsáveis, enquanto
componentes de um acordo sobre as responsabilidades parentais.
Consequentemente, importa considerar a centralidade da coparentalidade
(Margolin, Gordis & John, 2001) na modelagem das decisões sobre as responsabilidades
parentais. Acresce aprofundar a compreensão sobre o impacto do nível de conflito, o tipo
de envolvimento e de participação da criança na mediação familiar e a forma como a
informação jurídica (ou outra) é transmitida e a perceção sobre o bem-estar da criança.
1.6 Resumo do capítulo
41
A revisão de literatura evidencia, entre outros aspetos, a evolução da formulação de
modelos teóricos da mediação, a crescente institucionalização da mediação familiar, a
pertinência em formular ligações teóricas interdisciplinares que fundamentem a sua
identidade, bem como, a necessidade de definir as características de decisões parentais
responsáveis e a interligação entre a mediação familiar e a coparentalidade na transição
para a SD.
42
CAPÍTULO II
2. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E METODOLÓGICO
43
2.1 Resumo do capítulo
Neste capítulo desenvolvem-se os traços essenciais da investigação qualitativa em
Ciências Sociais referindo-se a sua congruência com a investigação em Psicologia da
Família e, especificamente com o tema da dissertação. Expõe-se a evolução da
investigação qualitativa, a qual, permite contextualizar e compreender a emergência da
complexa rede de conceitos que a caracterizam. Demarcam-se os contornos
metodológicos da investigação referindo-se os métodos e procedimentos de recolha de
dados (quantitativos e qualitativos) e as estratégias utilizadas para a sua análise. Sublinha-
se a posição não neutral do investigador em todo o processo de produção de conhecimento
e desenvolvem-se várias estratégias de validação da investigação qualitativa que
contribuem para a sua fiabilidade.
2.2 Enquadramento conceptual
O presente projeto de investigação científica pretende contribuir para a
compreensão do processo de tomada de decisão sobre responsabilidades parentais,
especificamente em contexto de Mediação Familiar e para identificar fatores associados
ao desenvolvimento de uma parentalidade harmoniosa na fase de transição para a
separação/divórcio (SD), assim como, para esclarecer o impacto do processo de Mediação
Familiar no que respeita à efetiva proteção dos interesses das crianças no quadro das
relações jurídicas familiares. Esta tese insere-se no âmbito da Psicologia da Família e tem
44
como horizonte metateórico a Teoria dos Sistemas (Bertalanffy, 1950), a teoria da
complexidade (Morin, 2008) e a teoria ecológica do desenvolvimento humano
(Bronfenbrenner, 1995, 1997). Também, os estudos sobre os efeitos pragmáticos
(comportamentais) da comunicação humana realizados por Bateson (1996) e por
Watzlawick, Beavin e Jackson (1993) complementam os contornos conceptuais deste
trabalho.
Considerando a matriz jurídica desta tese propomo-nos, sempre que se revele
adequado, estabelecer um diálogo interdisciplinar com a perspetiva da Psicologia da
Família e a do Direito da Família. De facto, em termos pragmáticos, a Mediação Familiar
tem vindo a afirmar-se através da combinação integrada do pensamento e das abordagens
jurídicas as da Psicologia, pois, ambas partilham um terreno comum que é o universo dos
comportamentos humanos e as relações familiares. Assim, o Direito da Família
compreende um sistema de normas jurídicas reguladoras das relações jurídicas familiares.
Por seu lado, a Psicologia da Família orientada pelas lentes sistémicas, entende a família
como o principal foco de compreensão do comportamento humano ao considerá-la o
território relacional, no qual, cada um dos respetivos membros constitui parte do processo
que cria, mantém e regula os padrões de comportamento humano (Magnavita, 2012;
Minuchin, 1985).
A partir de este quadro conceptual importa refletir sobre a evolução e as
características principais da investigação qualitativa.
2.3 Enquadramento da investigação qualitativa
45
A investigação qualitativa sendo amplamente utilizada em várias campos de
investigação científica no âmbito das Ciências Sociais e numa multiplicidade de temas,
compreende uma rede de conceitos, pressupostos e termos que integram vários métodos
como o estudo de caso, a entrevista, os métodos visuais e a análise interpretativa, os quais,
de acordo com as questões de investigação colocadas e com os objetivos delineados,
visam desenvolver a reflexão do investigador a partir do próprio processo de investigação
(Denzin & Lincoln, 2008; Flick, 2005). Segundo Creswell (2007) a investigação
qualitativa é comparável a uma fábrica ou um tear em que se misturam, combinam e
processam muitas sequências temporais, texturas e cores, com vista à produção de uma
obra que é gradualmente tecida e criada a partir um quadro de trabalho regulado e
moldado por diversas lentes e estratégias de investigação, nomeadamente a Grounded
Theory (GT), o estudo de caso ou a fenomenologia.
De notar, que desde o início do séc. XX até á Segunda Guerra Mundial, a
investigação científica em Ciências Sociais e em Psicologia desenvolveu-se sob o
primado do uso de métodos quantitativos, exatos e padronizados. Em contrapartida, os
métodos qualitativos que, até então, detinham uma significativa tradição no campo das
relações sociais foram constantemente discutidos, tendo sido questionada a sua validade,
fiabilidade e objetividade (Denzin & Lincoln, 2003; Flick, 2005). Atualmente, a
qualidade da investigação qualitativa encontra-se amplamente legitimada, sendo cada vez
maior o número de estudos qualitativos realizados e mais notória a sua evolução
metodológica, nomeadamente através da interdisciplinaridade, da complexidade e
interconexão de conceitos, termos e pressupostos, enquanto realidades produtoras de
diferentes visões e significados, de acordo com o momento e a situação histórica em que
são formuladas (Denzin & Lincoln 2008).
46
2.3.1 Contexto histórico da investigação qualitativa
No plano histórico1, Denzin e Lincoln (2008) consideram sete momentos de
desenvolvimento da investigação qualitativa: 1) O período Tradicional, compreendido
entre o início do séc. XX e a II Guerra Mundial, caracteriza-se pelo desejo de explicar e
de conferir validade, fiabilidade e objetividade na interpretação da realidade. O interesse
por novas culturas, pelo conhecimento do outro, do estrangeiro e pelo que é desconhecido
são, igualmente, motivações que se refletem na investigação qualitativa, durante este
período, como indiciam os estudos etnográficos realizados na Nova Guiné por
Malinowski (1967, citado por Denzin & Lincoln, 2008) e os estudos da Escola de Chicago
na área da Sociologia. Os dados obtidos através das experiências de campo eram, então
examinados segundo a lógica do facto científico, a qual, assenta em estratégias destinadas
a separar e isolar porções da realidade, identifica-las e caracterizá-las 2) O período
Modernista, também denominado de “Idade de Ouro” estende-se de 1950 a 1970. Esta
fase caracteriza-se pelo aparecimento de diversos trabalhos dedicados à formalização
rigorosa da investigação qualitativa, como é patente através das várias obras então
publicadas e cuja marca perdura até à atualidade (Denzin & Lincoln, 2008; Flick 2005).
Também, neste período, surgem novas teorias interpretativas como a etnometodologia, a
fenomenologia, a teoria crítica e as ideologias emancipatórias como o feminismo. Nesta
fase pós-positivismo é o paradigma preponderante; 3) Segue-se um terceiro momento,
situado entre 1970 e 1986, é conhecido como o período da Confusão de Géneros. Este
período caracteriza-se pela coexistência de uma multiplicidade de métodos e teorias: o
interacionismo simbólico, o positivismo, o pós-positivismo, o feminismo, o
estruturalismo, a fenomenologia e a teoria neomarxista. Também é nesta altura que se
1 Estes momentos traduzem marcos evolutivos da investigação qualitativa nos E.U.A. De notar que
diferentes gradações temporais e temáticas podem ser identificadas em outros países, como Flick (2005,
p.8-9) salienta relativamente à história da investigação qualitativa na Alemanha.
47
diversificam as estratégias de recolha e de análise de dados como a GT e o estudo de caso.
Os paradigmas naturalista, pós-positivista e o construtivismo afirmam-se particularmente
durante este período; 4) Nos meados da década de 80, surge um quarto momento
designado de Crise de Representação. Esta fase caracteriza-se pelo relevo que o processo
de apresentação do conhecimento assume no âmbito da investigação qualitativa, a qual,
é então encarada como sendo um processo contínuo em que variadas interpretações da
realidade são possíveis (Denzin & Lincoln, 2008; Flick, 2005). Por exemplo, uma mesma
entrevista pode gerar múltiplas versões conforme as motivações particulares do
investigador e do entrevistado. Neste contexto, as questões metodológicas assumem
redobrado interesse na medida em que permitem e fomentam várias interrogações sobre
a validade dos métodos tradicionais e sobre a necessidade de encontrar novas
formulações; 5) Segue-se o período Pós-Moderno situado entre 1990 e 1995, o qual, se
caracteriza pela verificação de uma tripla crise: crise de representação, de legitimação e
pragmática. A crise de representação está relacionada, por um lado, com a ideia de que
as teorias e narrativas devem refletir as situações e realidades históricas e, por outro, com
a incontornável dificuldade em captar a experiência vivida. A crise de legitimação prende-
se com a necessidade de repensar os critérios de validação e de interpretação em
investigação qualitativa. Em consequência, os significados das expressões validação,
generalização e fiabilidade anteriormente revistos pelo Pós-Positivismo são de novo
problematizados. Por sua vez, esta dupla crise vai somar-se à crise pragmática respeitante
ao questionamento sobre o alcance prático da investigação qualitativa; 6) Na fase Pós-
Experimental que medeia entre 1995 e 2000, a investigação qualitativa reflete a busca por
novas formas de exprimir a experiência humana, designadamente em termos visuais,
autobiográficos, conversacionais permitindo que múltiplas vozes possam ter lugar; 7)
48
Durante o sétimo momento, situado entre 2000 e 2004, a investigação qualitativa
caracterizou-se -se pela existência de uma certa tensão e controvérsia metodológica.
Desde 2004 até ao presente, a difusão da investigação qualitativa em Psicologia
foi dando lugar a uma explosão de criatividade metodológica. A lógica tradicional da
investigação qualitativa e a hegemonia dos métodos quantitativos passam a ser
ponderados a partir de uma perspetiva mais holística, rica e complexa. Nesta perspetiva
Wertz (2014) caracteriza a investigação qualitativa atual como “uma floresta em
expansão com muitas árvores de várias idades e diferentes distâncias umas das outras,
com crescimento em simbiose, algumas competindo por luz solar, enquanto outras
ascendendo ao isolamento, à medida que sobem a partir de um sistema de raízes
subterrâneas que se misturam numa comunidade em que vários tipos de nutrientes
coexistem no solo”, (p. 4).
Neste contexto, para além dos momentos históricos anteriormente referidos (e.g.
Denzin & Lincoln 2008; Flick, 2005), pareceu-nos pertinente considerar um oitavo
período correspondente à investigação qualitativa contemporânea em Psicologia. Este
oitavo período caracteriza-se, desde logo, pelo cessar dos posicionamentos extremados
entre métodos quantitativos e qualitativos que marcaram as décadas anteriores (Wertz,
2014). Efetivamente, a integração de metodologias múltiplas permite aumentar
consideravelmente o valor da investigação, na medida em que os métodos qualitativos
podem contribuir para validar os resultados quantitativos e, inversamente, os dados
quantitativos podem ajudar a explicitar os resultados qualitativos ou a gerar amostras
qualitativas (Fetters, Curry, & Creswell 2013). Outros autores referem uma mudança
subtil nas perspetivas dos investigadores qualitativos, cujas motivações, porventura
superam o fim científico da compreensão da subjetividade humana no propósito de
contribuírem com os seus trabalhos para o desenvolvimento de universos humanizantes
49
e apreciativos entre grupos, culturas, raças, religiões, orientação sexual, etc. (Gergen,
Josselson e Freeman , 2015). Segundo Wertz, (2014) o processo de investigação é hoje
em dia não só criativo, mas também subversivo, ora impulsionando a investigação em
novas direções, ora produzindo cortes com a ciência estabelecida. Desta forma, o
momento atual da investigação qualitativa apresenta-se desafiante, inclusivo,
transformador e aberto, concretamente quanto à participação do investigador e dos
investigados nas várias fases do processo de investigação, enquanto as fronteiras entre a
produção de conhecimento e a sua práxis se vão desvanecendo.
Assim, de acordo com os momentos históricos anteriormente referidos o
desenvolvimento teórico e metodológico da investigação qualitativa ao longo do tempo é
dinâmico e está em permanente construção. Denzin e Lincoln (2008) referem que,
genericamente, a investigação qualitativa pode ser compreendida como sendo uma
atividade que inclui o investigador no mundo que ele próprio pretende interpretar,
particularmente através um conjunto de práticas que visam, não só torná-lo visível a partir
de diferentes ângulos, mas, também transformá-lo.
2.3.2 Paradigmas da investigação
A presente tese ambiciona contribuir para a compreensão de significados, de
experiências e de processos numa perspetiva interdisciplinar, por isso, optámos por um
tipo de investigação eminentemente qualitativa apesar de complementada com dois
estudos de tipo quantitativo. Por outro lado, esta decisão relaciona-se, igualmente, com o
facto de o tema em estudo ser relativamente recente e pouco investigado.
Qualquer projeto de investigação qualitativa implica o confronto com um conjunto
de questões sobre a natureza do ser humano (ontologia), sobre a natureza do
50
conhecimento e das relações entre o investigador e o conhecimento (epistemologia) e
sobre a forma como o conhecimento sobre o mundo pode ser alcançado (metodologia).
Estas formulações primeiras compreendem um conjunto de crenças e de sentimentos
acerca do mundo que configuram o quadro interpretativo que orienta o investigador
quanto às decisões a tomar ao longo da sua pesquisa (Guba & Lincoln, 1994).
Assim, a noção de paradigma científico ou de mapa conceptual compreende um
conjunto de princípios extremamente abstratos que refletem uma determinada visão do
mundo, da sua natureza e da forma como os indivíduos nele se posicionam e com ele se
relacionam. Desta forma, um paradigma científico tem por base um sistema de crenças,
pressupostos e sentimentos que norteiam o investigador ao longo do processo de
investigação (Creswell, 2007; Guba & Lincoln, 1994). Assim, o conceito de paradigma
pode ser resumido a partir das respostas dadas às questões ontológica, epistemológica e
metodológica. (Guba & Lincoln, 1994).
A expressão ontologia deriva da conjugação dos termos gregos ontos (ente) e
logos (ciência), designando a ciência que estuda o ser enquanto tal. Assim, o domínio da
ontologia insere-se no campo da reflexão e da especulação sobre a essência do real,
intentando penetrar no conhecimento do que é e como é o fundamento e o sentido do real,
apesar de ser sabido que a resposta a esta interrogação primacial não poder ser alcançada
mediante um conceito definível do ser, uma vez que a sua essência última não pode ser
compreendida mediante categorias indutivas de nível mais elevado nem por recurso a
conceitos dedutivos de nível mais baixo – a realidade é o que é - independentemente das
relações entre os objetos reais e o investigador.
A origem etimológica da palavra epistemologia radica nas expressões gregas
episteme e logos que significam teoria do conhecimento. Compreende outro nível de
51
reflexão meta-teórica que se ocupa das questões subjacentes à forma como o investigador
se relaciona com a realidade. Assim, ao realizar qualquer empreendimento científico é de
crucial importância definir a posição epistemológica que irá nortear o tipo de relação que
se estabelece entre o investigador e o objeto de conhecimento.
A génese etimológica do termo metodologia é, além do mais, muito sugestiva ao
significar “o caminho do conhecimento”. As questões do método científico respeitam ao
conjunto organizado e sistemático de regras e procedimentos que visam guiar o
investigador através do trilho traçado para a averiguação dos temas que pretende
investigar.
Deste modo, um paradigma científico é na sua essência uma forma de encarar o
mundo, uma metafísica fundada num conjunto de princípios primeiros, cuja veracidade
final não pode ser comprovada, mas deve ser fundamentada (Guba & Lincoln, 1994).
Assim sendo, a visão que o investigador tem do mundo resulta da maneira como ele se
posiciona em relação às perspetivas ontológica, epistemológica e metodológica.
Tabela 1
Paradigmas de investigação científica
Posição
Ontológica
Posição
Epistemológica
Posição
Metodológica
Coerência/ Tipo de
investigação
Positivismo Realismo
ingénuo
Dualismo/
Objetividade
Experimental
manipulativa
Quantitativa
Pós -Positivismo Realismo
crítico
Objetividade/
Dualismo
modificado
Experimental
manipulativo
modificado
Qualitativa/Quantitativa
Teoria Crítica Realismo
histórico
Interacional/
Subjetivista
Dialógica e
dialética
Qualitativa
Construcionista Relativista Interacional/
Subjetivista
Hermenêutica
Qualitativa
52
Conforme se esquematiza através da tabela 1 a conexão entre os principais
paradigmas científicos e os argumentos e respostas encontradas para as questões
ontológicas, epistemológicas e metodológicas tem, por sua vez, claras implicações na
decisão do investigador quanto ao tipo de investigação a desenvolver (quantitativa e/ou
qualitativa).
Relativamente à forma como a investigação qualitativa é estruturada, Guba e
Lincoln (1994) consideram quatro paradigmas científicos primordiais: o Paradigma
Positivista, o Paradigma Pós-Positivista, a Teoria Crítica e o Paradigma Construcionista.
O paradigma Positivista funda-se ontologicamente na noção de realismo ingénuo
(Denzin & Lincoln, 2008), ou seja, na ideia de que o conhecimento é uma versão exata
da realidade. Em termos epistemológicos considera-se que o observador e a realidade
observada são entidades autónomas e que o real pode ser apreendido tal como existe
independentemente de quem o descreve e observa, portanto, de forma objetiva. Assim, os
defensores do Positivismo apresentam uma perspetiva depreciativa da metafisica
declarando-a uma ilusão inútil sustentando que os conhecimentos a priori e as
interpretações subjetivas não passam de obstruções gnosiológicas. Desta forma, o critério
de cientificidade deve basear-se na verificação de hipóteses sendo, por isso, os métodos
quantitativos os que melhor se enquadram no pensamento positivista ao comtemplarem
processos de medição, generalização e de previsão que se encontram associados à
“imagem” fotográfica que os teóricos positivistas têm do mundo.
O paradigma Pós-Positivista enquadra-se, em sentido ontológico, no realismo
crítico ao considerar que a realidade é “real”, mas só pode ser apreendida de uma forma
probabilística e imperfeita (Guba & Lincoln, 1994, 2008). Em termos epistemológicos, a
relação entre o investigador e a realidade é pautada por um dualismo mitigado ou
53
modificado ao sublinhar a existência da interação entre o observador e a realidade
observada. Karl Popper (1974) criticou energicamente as conceções positivistas, tendo
defendido que o requisito de demarcação em ciência não deve ser o critério da verificação,
mas o critério da falseabilidade, na medida em que uma qualquer teoria encerra em si
mesma a potencialidade de vir a ser refutada, porquanto expõe uma conjetura sobre a
realidade e não a verificação de uma verdade absoluta. Neste sentido, a teoria Pós
Positivista problematiza o método indutivo puro, comumente designado por “problema
da indução” (Guba & Lincoln, 2008), e, defende um realismo crítico sustentado na
constatação de que os dados estão impregnados pelas perspetivas teóricas que lhes dão
forma e são controlados pelos métodos selecionados pelo investigador. De notar, que a
objeção Pós-Positivista quanto ao primado absoluto dos métodos quantificadores em
ciências sociais não determina qualquer desvalorização das vantagens da aplicação de
métodos mistos em investigação científica, pelo contrário, a pertinência da associação
entre métodos quantitativos e qualitativos é perfeitamente conciliável e até desejável
(Flick, 2005). De facto, o posicionamento Pós-Positivista configura as relações entre o
investigador e a realidade como entidades que comunicam informação entre si e se afetam
mutuamente - são entidades distintas e autónomas, mas não mundos neutros e separados
entre si. Em consequência, as diferenças essenciais entre o Positivismo e o Pós
Positivismo inscrevem-se claramente a título ontológico, epistemológico e metodológico,
ao mesmo tempo que são preservadas referências comuns quanto aos critérios de
qualidade do processo de investigação (e.g. validade interna e externa, a fiabilidade e
objetividade) (Denzin & Lincoln, 2008).
A Teoria Crítica tem como por base ontológica o realismo histórico em
contraposição com os paradigmas ditos tradicionais (Positivismo e Pós-Positivismo)
rejeitando, desta forma, qualquer separação entre o sujeito e a realidade. O real é a
54
expressão da partilha de valores políticos, sociais, económicos ou relativos ao género,
sedimentados ao longo do tempo, mas, também patentes em cada momento histórico. Em
sentido epistemológico a natureza do conhecimento decorre da intersubjetividade
produzida no contexto de social e, tem como objetivo primordial a transformação e a
emancipação individual e coletiva2, mediante o desenvolvimento da reflexão critica e do
método da dialética, as quais, proporcionam ao investigador um quadro de análise que
suplanta a pura realidade empírica. De notar, que os princípios subjacentes à teoria crítica
se mostram ideologicamente centrados na natureza política de todo o processo de
investigação como é característico dos investigadores feministas e neomarxistas.
O paradigma Construcionista tem como base ontológica o princípio da
relatividade do real ao considerar que a realidade é uma co-construção não sujeita a leis
rígidas e imutáveis e em que múltiplas realidades são continuamente reconstituídas pela
mente humana. A realidade é dinâmica e alterável podendo ser apreendida de múltiplas
formas em função da idiossincrasia e da subjetividade individual ou de grupo. Em sentido
epistemológico, a posição do investigador reflete um compromisso entre o investigador e
o sujeito que é investigado, no qual, ambos se encontram interligados através do método
hermenêutico e dialético tentando, dessa forma, desenvolver níveis de compreensão cada
vez mais informados e sofisticados (Denzin & Lincoln, 2008).
Atentando nas características desta dissertação, nomeadamente a preponderância
da sua componente qualitativa, considerámos o paradigma Pós Positivista como o mais
adequado aos nossos objetivos claramente direcionados para a compreensão de processos,
pesquisa de experiencias e fatores de influência e descoberta de padrões.
2 A transformação social e coletiva afirma-se através do valor da formação, pelo empenho na erosão da
ignorância e através do ativismo, da intervenção e do estímulo à ação (Denzin & Lincoln, 2008).
55
2.3.3 Características da investigação qualitativa
A investigação qualitativa atravessa diversas áreas de estudo, mas é especialmente
relevante no âmbito das Ciências Sociais, tendo em conta a complexidade e a variedade
dos contextos de vida (Bogdan, & Biklen; 2010). Denzin & Lincoln, 2008; Flick, 2005).
Por outro lado, a investigação qualitativa envolve um conjunto de termos e conceitos
conectados com diversas perspetivas de investigação, métodos e interpretações, cujos
significados emergem dos diferentes patamares evolutivos do seu percurso histórico
(Denzin & Lincoln, 2008). A pesquisa qualitativa concebe e situa a atividade do
investigador no mundo, isto é, em interação com a realidade a que pretende dar
visibilidade. Assim, o acesso à realidade que se pretende estudar desenvolve-se através
de múltiplos processos de recolha de materiais empíricos (e.g. entrevistas, estudo de caso,
fotografias, memorandos, etc.) e mediante recurso a várias estratégias interpretativas,
frequentemente combinadas num mesmo estudo. Flick (2005) sintetiza as principais
características da investigação qualitativa em quatro aspetos fundamentais: 1) o método
deve ser adequado à complexidade e ao contexto do objeto a estudar; 2) os pontos de vista
dos participantes são considerados na sua diversidade e no seu contexto; 3) a reflexão do
investigador, nomeadamente sobre os seus próprios comportamentos, observações ou
impressões relativamente ao estudo, fazem parte do processo de produção de
conhecimento; 4) prevalência de multiplicidade de abordagens e de métodos e rejeição
de qualquer propósito de unicidade teórica e metodológica.
Neste contexto, a investigação qualitativa compreende um complexo teórico
constituído por um conjunto de termos e de conceitos inter-relacionados (Denzin &
56
Lincoln, 2008), que diversos autores têm ilustrado a partir de vários prismas e através de
interessantes metáforas.
2.3.3.1 Olhares e metáforas sobre a investigação qualitativa
1) O bricoleur: A comparação do investigador qualitativo com um bricoleur
(Denzin & Lincoln, 2008) sugere que, aquele pode ser visto como alguém semelhante a
um construtor que vai tecendo com as suas habilidades, métodos e técnicas de
representação uma determinada obra encastelada na sua sensibilidade interpretativa e
estética. O processo interpretativo ocorre como um rasgo integrado numa sequência, mas
não sequencial (Denzin & Lincoln, 2008). Assim, a investigação qualitativa pode ser
caracterizada como sendo um processo organizado que se desenrola provocando e
produzindo ecos múltiplos, padrões, vozes e olhares, ora previsíveis, ora inesperados. A
interdependência entre as várias fases da investigação qualitativa e a não linearidade do
processo de investigação são uma marca distintiva da investigação qualitativa face à
investigação quantitativa (Corbin & Strauss, 2008; Flick, 2005).
2) O puzzle: elegemos a noção de puzzle para nos referirmos, especificamente a
uma das características mais marcantes da investigação qualitativa que é a que comtempla
a necessidade de adequação recíproca entre o método e o objeto da investigação. As
aceleradas mudanças sociais, a diversidade de “universos de vida” (Flick, 2005, p.2), de
perspetivas e de áreas de estudo, têm vindo a proporcionar variadas reflexões
metodológicas, designadamente, no que se refere à questão de o método quantitativo ser
instruído a partir de uma epistemologia austera, reducionista e objetiva da realidade,
arriscando-se, assim, a subestimar a originalidade e a significância dos processos de
mudança inerentes à complexidade das situações objeto de estudo. Flick (2005) sublinha
57
a pertinência de ponderar cuidadosamente as questões da adequação entre o método e a
teoria, salientando a importância da escolha do método adequado e que pode ser
empregue no estudo das questões de investigação visadas de entre o conjunto de métodos
disponíveis e aceites. Se o objeto da investigação consiste em estudar fenómenos
complexos em que múltiplas causas concorrem para a sua compreensão os métodos mais
convenientes são os que se prefiguram abertos e variados por forma a englobar a
diversidade, o contexto e as interações onde se produzem as situações da vida. De facto,
o investigador ao confrontar-se com a novidade e a especificidade de contextos sociais
em mutação acelerada encontra dificuldades, na discriminação dos conteúdos e dos
padrões interpretativos, se pretender apoiar-se apenas em critérios académicos abstratos,
na razão dedutiva e na prova empírica das respetivas hipóteses teóricas. Neste quadro o
recurso à indução e à sensitividade teórica são estratégias finas para a familiarização com
os assuntos em estudo e para a descoberta de teorias enraizadas (Flick, 2005). A
investigação qualitativa compreende uma moldura conceptual que permite considerar a
multiplicidade de olhares e de pontos de vista que emergem do contexto social e
desenvolver a análise dos fenómenos com profundidade. Ao contrário, a investigação
quantitativa ao lidar com grandes quantidades de dados não apresenta uma tendência tão
marcada para o desenvolvimento da sensitividade teórica e para o exame focalizado de
aspetos específicos da investigação.
3) O triângulo: esta expressão visa representar a combinação de diferentes
métodos, equipas de investigadores, contextos de espaço e de tempo e distintas
perspetivas teóricas no estudo de um determinado fenómeno (Flick, 2005). Trata-se de
uma estratégia largamente utilizada, seja, como forma de superar o viés resultante da
subjetividade do investigador e de aplacar as críticas sobre a natureza light da
58
investigação qualitativa ou como maneira de aumentar o foco a partir do qual a realidade
pode ser estudada e compreendida (Bloomberg & Volpe, 2008).
O conceito de triangulação não é uma estratégia de validação da investigação,
mas, contribui para acrescentar rigor, amplitude, profundidade e complexidade a qualquer
projeto científico (Denzin & Lincoln, 2008; Flick, 2005) podendo, por isso, ser
considerada como uma opção para a validação. A conjugação no mesmo estudo de
diferentes materiais empíricos, perspetivas e observações justifica-se essencialmente por
dois aspetos. O primeiro respeita à circunstância de que a realidade em sentido objetivo
não pode ser capturada na sua completa integridade, o segundo aspeto, decorre do
primeiro e determina que o real apenas pode ser conhecido através da representação das
suas múltiplas facetas.
4) O cristal: Richardson (2000) contrapõe à figura do triângulo a imagem do
cristal ao entender que a figuração central da investigação qualitativa fica melhor
elucidada através das propriedades do cristal do que mediante as características do
triângulo, defendendo assim que os cristais são prismas que refletem externalidades e
refratam para si próprios uma multiplicidade de formas, alterações, mudanças, cores,
direções e padrões (Richardson, 2000) à semelhança das características que são
endereçadas à investigação qualitativa. De facto, esta pode ser entendida como sendo
comparável a uma estrutura cristalina agregadora de um conjunto de propriedades
resultantes da forma como os seus componentes, espacialmente, se organizam. O
investigador qualitativo ordena e filtra através dos sentidos, perceções, sentimentos e
múltiplas versões suscitadas pelo entendimento humano, tentando, no contexto de um
processo reflexivo e expansivo, alcançar um nível científico complexo, transparente e
cintilante como o que nos é dado observar no cristal.
59
Para Richardson (2000) o cristal é uma imagem mais abrangente e rica do que o
triângulo quando pretendermos ilustrar as potencialidades da investigação qualitativa. O
triângulo é um objeto, rígido, estático e bidimensional, enquanto, o cristal harmoniza
essência e simetria com uma infinidade de formas, substâncias, transmutações, múltiplas
dimensões, e pontos de vista, os cristais não são amorfos, desenvolvem-se, mudam e
alteram-se (Richardson 2000). O processo de triangulação envolvendo o uso de diferentes
métodos - entrevistas, dados estatísticos, documentos - parte de um ponto fixo
(Richardson 2000), diversamente o processo de cristalização implica reconhecer o
distanciamento dos três lados a partir dos quais o mundo pode ser encarado e, conjeturar
um mundo altamente complexo, multifacetado em que o devir está sempre à espera de ser
desvendado.
5) A Sensitividade: A noção de sensitividade tem por base dois entendimentos
essenciais: o primeiro diz respeito à natureza não uniforme dos fenómenos, cujos
significados são diferentes consoante o contexto em que se inserem (Silverman, 2000), o
segundo, relaciona-se com o facto ineludível do investigador perpassar para a
investigação os seus conhecimentos, experiência, perspetivas e características da sua
personalidade imprimindo, desta forma, uma marca subjetiva no processo de produção de
conhecimento em contraste com os pressupostos clássicos de objetividade em ciência
(Corbin & Strauss 2008). Portanto, a sensitividade caracteriza-se pela apetência indutiva
para promover insights a partir do jogo mental entre o investigador e os dados e, bem
assim, pela capacidade para identificar, extrair e exibir a visão dos participantes na
investigação através das mensagens imersas nos dados (Corbin & Strauss 2008). Desta
forma, a sensitividade desenvolve-se através do intercâmbio entre os dados, a análise, a
experiência, o contexto e o conhecimento de que o investigador é detentor (Corbin &
Strauss 2008; Silverman, 2000). Por outro lado, o desenvolvimento da sensitividade
60
estimula a capacidade mental do investigador para captar, compreender e explicar as
mensagens encerradas nos dados e contribui para desanuviar as obscuridades contidas nas
massas de dados que integram qualquer investigação científica. A sensitividade confere
energia criativa à investigação qualitativa, todavia é necessário considerar que um certo
grau de influência da individualidade e da subjetividade do investigador se encontram
implicados, sendo que, quanto menor for a consciência deste envolvimento subjetivo na
recolha e análise dos dados mais aumentam as probabilidades de o investigador poder vir
a influenciar as interpretações desenvolvidas no curso da investigação. Por conseguinte,
o autoquestionamento sobre como é que podemos estar a afetar o processamento dos
dados e, bem assim, sobre a forma como as nossas convicções, conhecimentos e
experiência pessoal e profissional podem interferir na compreensão e na atribuição de
significações é crucial para que a sensitividade funcione como estratégia indutora de
explicações finas e não como meio de enviesamento do processo de investigação. A
comparação constante entre o conhecimento, a experiência e os dados ajuda o
investigador a controlar o seu próprio envolvimento subjetivo e a gerir adequadamente
das suas próprias capacidades indutivas.
2.3.5 A questão da validade na Investigação Qualitativa
A composição de uma definição sobre a avaliação da investigação qualitativa não
se apresenta como sendo uma tarefa simples e fácil (Corbin & Strauss, 2008; Flick, 2005;
Silverman, 2000), uma vez que, o tema continua a suscitar controvérsia entre os diversos
autores, os quais, ainda não acharam a “chave de ouro” para resolver o problema
(Silverman, 2000). Na senda de critérios orientadores, Whitttemore, Chase e Mandle
(2001, cit. por Corbin & Strauss 2008) consideram que a avaliação da investigação
61
qualitativa envolve uma forma de pensamento elegante que compreende a apresentação
da evidência dos seus resultados e a crítica dos seus métodos.
Corbin e Strauss (2008) observam que qualidade e validade da investigação
qualitativa são noções substancialmente diversas explicitando que, a neutralidade e o
distanciamento do investigador podem, por um lado, contribuir para aumentar a
“validade” do estudo, mas, por outro lado, podem constituir um fator de corrosão da
credibilidade da própria investigação, na medida em que, impedem o investigador de
desenvolver empatia, sensitividade, apreciação e o respeito necessários para capturar o
ponto de vista dos participantes. Assim, a qualidade da investigação qualitativa deve ser
alcançada através da verificação das suas propriedades essenciais, isto é: deve ter insight,
ser clara, lógica, estimulante para o leitor, mostrar sensivitidade e substância e combinar
conceptualização e precisão descritiva, por forma a exibir os aspetos e as qualidades que
permitem revelar a sua credibilidade (Corbin e Strauss, 2008). Por sua vez, o tipo de
abordagem que se elege para o estudo, investigação narrativa, Grounded Theory (GT),
fenomenológica, estudo de caso ou etnográfica (Creswell, 2007) são, também, condições
de promoção da qualidade da investigação qualitativa (Corbin & Strauss, 2008).
Outros autores (e.g. Flick, 2005; Glaser & Strauss 2008) salientam que a questão
central sobre a validade da investigação qualitativa se coloca essencialmente em termos
de saber se os dados, os resultados e a investigação que os produziu são transparentes e
apresentam um nível adequado de credibilidade, de rigor, fidedignidade e autenticidade.
A qualidade da investigação qualitativa está assim relacionada com a nitidez da relação
entre as edificações científicas do investigador, o respetivo enraizamento nos fenómenos
estudados e a forma como essas construções são transparentes para os leitores (Flick,
2005). Neste contexto, o autor, refere três princípios gerais de validade da investigação
qualitativa: 1) princípio de que o próprio conceito de validade não tem carácter absoluto,
62
uma vez que só pode aferido mediante o grau de credibilidade e de plausibilidade que
conseguir alcançar; 2) os fenómenos existem independentemente das nossas posições ou
pontos de vista sobre os mesmos; 3) reconhecimento de que realidade não é acessível por
uma única via de conhecimento, mas através de diferentes formas.
Assim, os investigadores qualitativos têm vindo a considerar diversas estratégias
de validação das suas pesquisas qualitativas, nomeadamente: a triangulação; o método da
comparação constante; a auditoria de procedimentos e a utilização de software adequado.
No que concerne ao conceito de triangulação, este, aponta para o uso de múltiplas e
distintas fontes, métodos, grupos de investigadores, perspetivas teóricas com vista a
corroborar a evidência através de diferentes focos de observação ou como forma de
aclarar um determinado tema ou perspetiva (Creswell, 2007; Flick, 2005; Silverman,
2000). Desta forma, a triangulação pode ser utilizada em relação aos dados, ao
investigador, ser teórica ou metodológica (Flick, 2005). Por sua vez, O método de
comparação constante consiste num processo de evolução contínua, circular e sistemática
que, combinado com a amostragem teórica e a saturação teórica impulsiona o processo
de investigação de uma fase para outra, ao mesmo tempo que as etapas anteriores vão
sendo integradas nos passos posteriores de codificação e de análise (Corbin & Strauss,
2008; Flick, 2005; Silverman, 2000). Por seu lado, a auditoria de procedimento implica a
participação de um auditor externo sem conexão com estudo (Creswell, 2007) e tem como
principal objetivo assegurar o controlo da racionalidade dos procedimentos a partir de um
guião de qualidade que visa autenticar aspetos cruciais do processo de investigação,
designadamente, se a amostra é a apropriada, se as descobertas estão enraizadas nos
dados, se a estrutura das categorias é adequada, se as inferências têm lógica, se foram
corretamente aplicadas as estratégias de análise e consideradas explicações opcionais e
63
se eventuais vieses foram devidamente ponderados e clarificados (Creswell; 2007; Flick,
2005).
A verificação da credibilidade e autenticidade dos estudos qualitativos pode ser
igualmente realizada através do recurso à densidade e riqueza dos dados recolhidos que,
entre outros aspetos, permite robustecer a transferibilidade dos resultados para outras
situações, bem como, a utilização de software, o uso de tabelas, mapas e a análise de casos
negativos em que não se verifica a evidência e o recurso a revisão entre pares para
proporcionar um questionamento intenso sobre as interpretações e os significados
emergentes nos estudos ou a possibilidade de revisitação dos participantes para verificar
a fidedignidade das interpretações (Corbin & Strauss, 2008; Creswell, 2007; Flick, 2005,
Glaser & Strauss, 2008; Silverman, 2000). Ademais a validade da investigação qualitativa
também pode ser cultivada e conseguida a partir do envolvimento do investigador na
própria avaliação, através da autenticidade e do cuidado com que as questões morais e
éticas são tratadas no curso da investigação (Glaser, & Strauss; 1967; Glaser & Strauss,
2008) e, bem assim, como propõe Richardson (1994,1997, citado por Denzin & Lincoln,
2008) ao considerar que, a validade se verifica pela cristalinidade do processo de
investigação, pelo seu nível de transparência e de reflexão ética.
Segundo Flick (2005), apesar do empenho dos investigadores na formulação de
critérios de validade alternativas para resolver o problema da validade da investigação
qualitativa, esta questão ainda não se encontra plenamente solucionada. Todavia, o autor
refere que a questão central sobre a qualidade da investigação qualitativa coloca-se
sobretudo ao nível do planeamento e da gestão da qualidade do processo de investigação,
em que as questões principais estão relacionadas com a escolha dos métodos mais
adequados para abordar a problemática concreta que se pretende investigar.
64
2.4 Enquadramento metodológico
Considerando os contornos da presente dissertação orientada essencialmente para
a investigação de processos e para a descoberta de padrões, relações e significações, o
paradigma pós-positivista é o que melhor se harmoniza com a natureza dos fenómenos
que pretendemos conhecer, o que nos leva a declinar as perspetivas epistemológicas mais
radicais, quer dualistas, quer monistas, na medida em que não defendemos nem uma
independência absoluta entre o mapa e o território nem a fusão entre ambos.
A presente tese é alicerçada com base no pensamento sistémico (Bertalanffy,
1950), cujo pressuposto central consiste na noção de que o todo é maior do que a soma
das partes, logo, não pode ser conhecido através do isolamento das partes que o compõem.
Este princípio explicativo tem como principais corolários: 1) a causalidade circular; 2) a
ênfase na compreensão de processos, padrões e significados; 3) a problematização da
informação com base no pressuposto de que o resultado da observação é sempre uma
construção emergente da dinâmica que se estabelece entre o que observa e o que é
observado.
O desenvolvimento do diálogo interdisciplinar entre a Psicologia da Família, o
Direito da Família e a Mediação Familiar enquadrado pelas lentes sistémicas, constitui o
estilo cognitivo de partida para tentar responder às questões de investigação do presente
projeto científico.
Por volta da década de 70 – período em que as taxas de divórcio começaram a
disparar-, a atenção dedicada às consequências do sofrimento dos filhos cujos pais
vivenciaram uma separação ou divórcio conflituosos, foi colonizando os sistemas
sociojurídicos que intervêm neste domínio num esforço de desenvolver abordagens
65
judiciais e extrajudiciais mais adequadas e benéficas às problemáticas decorrentes da SD.
Neste contexto, a Mediação Familiar3 tem contribuído para desenvolver modelos de
intervenção construtivos e vocacionados para amenizar a crispação e aumentar a
serenidade parental, ao mesmo tempo, que tem contribuído para edificar a ponte que liga
a família, os pais e a criança ao tribunal numa perspetiva harmonizadora. O
reconhecimento social e institucional da Mediação Familiar e a importância individual,
familiar e social dos seus resultados positivos são um facto incontestável, mas, importa,
contudo salientar que neste domínio muitos temas exigem ainda maior compreensão,
aprofundamento e rigor científico, designadamente, no que se refere: 1) ao nível da
fundamentação teórica; 2) da demarcação e do reconhecimento da autonomia e
especificidade da intervenção; 3) da necessidade de melhorar aspetos da prática de
Mediação Familiar; 4) do diálogo institucional.
Assim, atendendo ao nosso posicionamento ontológico, epistemológico e
metodológico, e à opção por uma estratégia de investigação em que a componente
qualitativa é dominante face à dimensão do estudo quantitativo, e tendo em conta o
limitado número de estudos estrangeiros e nacionais sobre Mediação Familiar e à
interação disciplinar subjacente aos temas em foco, a formulação das questões de partida
teve como base alguns conceitos sensitivos (Blumer, cit. por Charmaz, 2006)
relacionados, em grande parte, com a nossa experiência na área da Mediação Familiar,
tais como, processo de decisões parental, responsabilidade, decisões parentais
responsáveis, entre outros. Estes conceitos fornecem-nos maneiras de olhar, de
interpretar, de organizar e de compreender a experiência, são pontos de partida para
construir a análise, mas não são definitivos pois carecem de especificação dos seus
3 Vários autores conceptualizaram e operacionalizaram diversos modelos de Mediação Familiar, conforme
referido no Capítulo I, dos quais se destacam: Modelo Linear de Harvard, Modelo Eco sistémico, Modelo
Circular Narrativo e Modelo de Mediação Familiar Terapêutica.
66
atributos (Bowen, 2006; Charmaz, 2006). Com base neste enquadramento formulámos a
seguinte questão de partida.
2.4.1 Questão de partida
Que fatores de influência estão associados à tomada de decisões parentais
responsáveis na fase de transição para a SD e que variáveis tem impacto na (co)
parentalidade na transição da separação/divórcio? De forma é que a Mediação Familiar
constitui um contexto adaptado à família e às crianças?
2.4.2 Mapa conceptual
O mapa conceptual a seguir representado é uma reprodução gráfica dos principais
dimensões e constructos do estudo.
Estudo qualitativo 1 – Focus Group Dimensões
Estudo qualitativo 2 –
Entrevistas Pais e Mães Mini Estudo – 3
Quantitativo
Focus Group:
Técnicos ISS
Focus Group:
MediadoresSMF
Conflito Modelos de MF
Estratégias de MF
Coparentalidade
na SD
F. Proteção
F. Risco
F. influência na
responsabilidade
Perceções sobre
adequação da
MF/caso
Fatores de influência no
processo de decisão parental
(MF)
Decisões Parentais Responsáveis
Satisfação/Insatisfação MF
Impacto da MF na adaptação
familiar na SD
Fatores de proteção
Fatores de risco
Sensibilidade parental
Questionário da
Coparentalidade
Quadro Jurídico de referência
67
Figura 1. Mapa conceptual com indicação dos estudos que integram a tese.
Assim, na elaboração do desenho metodológico concebemos dois estudos
qualitativos, o primeiro (estudo 1), com base na metodologia de focus groups, o segundo
(estudo 2), alicerçado na abordagem da Grounded Theory (GT), e um terceiro estudo
(miniestudo 3), composto por um estudo quantitativo que complementam o estudo 2. O
estudo 1, visa explorar perceções e significações dos mediadores familiares do serviço
público, Sistema de Mediação Familiar (SMF) e dos técnicos da área TC do ISS
relativamente a quatro aspetos principais: 1) Fatores relacionados com a parentalidade;
2) fatores relacionados com o processo de decisão parental aquando da SD no âmbito do
processo de Mediação Familiar; 3) Explorar aspetos relativos ao conflito (ex)
conjugal/parental e aos modelos e estratégias de Mediação Familiar empregues pelos
participantes no estudo. O estudo 2 informado pelas conclusões do estudo 1 pretende
examinar e refinar as questões exploradas e identificadas a partir dos dados recolhidos e
analisados no estudo 1 e, bem assim, conhecer e aprofundar outros temas, tais como: 1)
fatores pessoais e contextuais de influência no processo de Mediação Familiar; 2) fatores
de proteção e de risco para a parentalidade na SD; 3) fatores relacionados com a
satisfação/insatisfação com a Mediação Familiar, entre outros. Por sua vez, o miniestudo
3 interliga-se tematicamente e sequencialmente com os dois estudos 1 e 2, mas,
circunscreve-se ao tema da parentalidade e à amostra do estudo 2 incidindo, assim, sobre
uma vertente crucial da parentalidade: a coparentalidade. Desta forma, os três estudos que
constituem a presente tese encontram-se interligados de forma estrutural, dialógica e
interativa. Acresce, ainda salientar a importância da conexão da matriz jurídica com todo
o estudo, enquanto pano de fundo onde vários constructos são entretecidos.
68
2.5 Objetivos
Como anteriormente referimos, com esta dissertação pretendemos, entre outros
aspetos, contribuir para preencher algumas lacunas existentes na investigação em
mediação familiar e concorrer para o seu desenvolvimento e aprofundamento científico,
nomeadamente no que concerne à identificação de fatores de influência no processo de
decisão aquando da regulação do exercício das responsabilidades parentais na fase de SD,
assim como, pesquisar quanto ao impacto da Mediação Familiar na qualidade das relações
parentais e paterno-filiais e, desta forma, ajudar a clarificar a relevância do processo de
Mediação Familiar para a concretização dos direitos da família e, especificamente, das
crianças, cujos pais vivenciam uma situação de SD.
Assim, definimos os seguintes objetivos gerais e específicos relativamente ao
presente projeto científico considerado na sua globalidade:
2.5.1 Objetivos gerais
1) identificar as características fundamentais das DPR no âmbito da regulação do
exercício das responsabilidades parentais;
2) investigar fatores de impacto (e.g. fatores de proteção e fatores de risco) associadas
à parentalidade na fase de SD;
3) identificar os principais domínios influência no processo de decisão parental, no
âmbito do processo de Mediação Familiar;
4) Compreender de que forma (s) é que o processo de Mediação Familiar contribui
para melhorar a adaptação dos pais e dos filhos à SD e consequentemente para a
69
concretização dos direitos das crianças especificamente do seu superior interesse da
criança e demais direitos consagrados no plano do Direito interno e externo.
5) compreender a influência do quadro legal de referência no processo de decisão
parental.
2.5.2 Objetivos específicos4
2.5.3 Objetivos específicos do mini estudo quantitativo
No que se refere ao estudo formulámos um objetivo específico:
1) investigar relações possíveis entre os dados qualitativos e os dados
quantitativos quanto a dimensões da coparentalidade (Margolin et al. 2001);
2.6 Procedimentos de recolha de dados
Numa primeira fase foi realizado um estudo qualitativo 1, com metodologia de
focus groups, através do qual se pretendeu obter dados com vista a uma compreensão
exploratória do tema central do projeto, mediante discussão e comparação de diferentes
experiências e interpretações. Para o efeito foram realizados três focus groups com
mediadores familiares do serviço público, Sistema de Mediação Familiar (SMF) e dois
focus groups com técnicos da assessoria técnica aos tribunais de Família e Menores, do
Instituto da Segurança Social – ISS, IP. Numa segunda fase do projeto realizou-se o
4 Para evitar repetições optámos por mencionar os objetivos específicos relativos ao estudo 1 e ao estudo
2, respetivamente, no capítulo III e no capítulo IV.
70
estudo qualitativo 2 com a participação de pais e de mães que passaram por um processo
de mediação familiar no âmbito da regulação/alteração/incumprimento do exercício das
responsabilidades parentais, visando conhecer experiências, significações e identificar
fatores de influência e contributos para a compreensão do porquê e do como é que a
mudança parental adaptativa ocorre (ou não) no cerne do processo de mediação familiar
e a partir da voz de quem nele participou: os pais e as mães. A etapa final consistiu num
miniestudo quantitativo complementar (miniestudo 3), aplicado aos participantes do
estudo 2.
De acordo com a pertinência dos dados a recolher e atendendo também às
características das respectivas amostras a cada um dos estudos foram aplicados distintos
questionários sociodemográficos (QSD). A tabela 2 representa o desenrolar do processo
de investigação empírica.
Tabela 2
Desenvolvimento da investigação empírica
Estudos
Metodologia
Participantes
Instrumentos
Estudo 1 Qualitativa
Focus Group
Mediadores
Familiares
N=13
Técnicos
do ISS
N=11
Guião
semiestruturado de
focus groups
QSD
Estudo 2 Qualitativa
Grounded Theory
Pais e mães que passaram
por um processo de MF
N=29
Entrevista
semiestruturada
QSD
71
Estudo 3 Quantitativa Pais e mães que passaram
por um processo de MF
N=29
Q.
Coparentalidade
QSD
Os objetivos específicos relativos ao estudo 1 visam proporcionar uma exploração
ampla dos assuntos em foco enquanto os objetivos específicos referentes ao estudo 2, em
parte sustentados nas conclusões obtidas no estudo 1, envolvem uma maior densidade e
intensidade analítica embora se mantenha uma base exploratória comum em atenção à
natureza dos temas em estudo. Por sua vez, o estudo 3 tem como objetivos específicos a
comparação e a análise de dados sobre as dimensões específicas da parentalidade na
transição para SD, com base na conjugação de duas metodologias distintas: quantitativa
e qualitativa.
2.6.1 Os focus groups
A metodologia de recolha de dados para os focus groups sendo “planeada e
estruturada é também uma estratégia flexível de encorajamento da interação entre os
participantes para discutirem acerca dos tópicos chave” (Vaughn, Schumm & Sinagub,
1996, p.15).Trata-se, pois, de uma metodologia claramente compatível com os
pressupostos básicos da investigação qualitativa (Brotherson, 1994 cit. por Vaughn, et.
al., 1996) e congruente com o paradigma de investigação pós-positivista que perfilhamos
no presente projeto científico. O método de focus groups, de facto é concordante com os
princípios pós positivistas baseados na convicção de que a realidade é passível de
múltiplas visões e que a interação entre o investigador e os participantes é um facto
indeclinável. Em suma, a conversação interativa que os focus groups proporcionam é um
meio privilegiado para aprofundar e compreender perceções, crenças, atitudes e
72
experiências a partir de uma variedade de pontos de vista (Vaughn, et al., 1996) num
contexto metodologicamente legitimado.
Segundo Krueger (1998) a entrevista de focus groups consiste “numa experiência
social em que são colocadas questões para conversação, por forma a criar e manter um
ambiente informal” (p.3). Do mesmo modo, Vaughn, Schumm e Sinagub (1996)
observam que a entrevista de focus group tem como alvo principal a criação de uma
conversação solta e centrada no aprofundamento de determinados tópicos. O método de
focus group configura, assim, um enquadramento apropriado para a exploração de ideias,
perceções e experiências dos participantes num clima dinâmico e profícuo
proporcionando ao investigador uma espécie de imersão empírica nos temas da
investigação e um alargamento do perímetro dos seus pontos de partida para a
investigação.
Independentemente da forma como os autores definem o focus group subsistem
elementos comuns caracterizadores (Byers & Wilcox, 1991; Krueger, 1998; Vaughn, et
al., 1996) nomeadamente: 1) a criação e manutenção de um clima informal; 2) a formação
de cada grupo é constituída por um número reduzido de membros, sensivelmente, entre 4
a 12 pessoas; 3) o treino e a preparação do moderador são cruciais ao sucesso do focus
group; 4) o objetivo principal é suscitar perceções, opiniões e ideias sobre os temas
propostos para conversação; 5) os resultados do focus group não visam proporcionar
informação quantitativa sobre uma extensa faixa da população, contudo permitem
predizer resultados, na medida em que se atinja a saturação teórica (Vaughn, et al., 1996).
A estratégia de focus-group apresenta-se, também, vantajosa ao permitir a verificação de
presunções a priori e de preconceitos e crenças decorrentes de possíveis vivências e
73
interpretações prévias particulares e profissionais do investigador (Byers & Wilcox,1991;
Vaughn, et. al., 1996).
O planeamento dos focus groups envolve um conjunto de passos que observámos
aquando da sua conceção, desenvolvimento e concretização. Tendo por base as etapas de
desenvolvimento e a preparação de entrevistas de focus groups referidos por Vaughn, et
al., (1996), desenvolvemos as etapas representadas na figura 2, as quais, pautaram a
evolução e a concretização deste estudo 1.
Figura 2. Etapas de conceção e desenvolvimento dos focus groups.
A estratégia de amostragem com base em focus group obedeceu, em primeiro
lugar ao critério dos “bons informantes” o que se justifica, não só por este ser o tipo de
amostragem que melhor se coaduna com os objetivos eminentemente exploratórios desta
investigação, mas também, pelo facto de a Mediação Familiar ser um tema relativamente
recente que se encontra longe de estar exaustivamente estudado. Assim, considerámos
crucial recolher os dados a partir de duas fontes diferentes por forma a captar distintos
olhares sobre a realidade em estudo. Esta decisão teve a vantagem de nos permitir
FASE 1
Clarificar os objetivos
Definir os objetivos
Refinar a informação que se pretende captar
Selecionar os
participantes
FASE 2
Preparação do moderador
Determinar o número
de focus groups
Elaborar o guião do
focus group
FASE 3
Preparar o ambiente
do focus group
Conduzir o focus group
Analisar os dados do focus group
74
questionar e enriquecer as nossas ideias e objetivos iniciais e de contribuir para aumentar
o suporte de conhecimentos que serviram de base à construção da entrevista
semiestruturada administrada aos participantes do estudo 2.
Neste sentido, a recolha dos dados para os focus groups foi intencional tendo
obedecido a três critérios principais: 1) a expertise dos participantes; 2) os participantes
pertencerem a instituições públicas diferentes; 3) os participantes desenvolverem a sua
atividade no âmbito da regulação/alteração/incumprimento das responsabilidades
parentais.
Relativamente ao primeiro critério optámos por constituir uma amostra
homogénea no que se refere à experiência dos participantes: mediadores familiares
pertencentes ao SMF e, de entre estes, mediadores familiares que desenvolvem a sua
atividade na zona geográfica da grande Lisboa. Entendemos que a obtenção de dados a
partir de peritos representava, neste projeto concreto, uma vantagem para captar
informação relevante relativamente aos assuntos e objetivos visados pelo estudo. Assim
circunscrevemos a amostra aos mediadores familiares que integram os serviços de
Mediação Familiar pública na região geográfica da grande Lisboa em função da
considerável experiência que foram desenvolvendo, desde 1999, data da instituição da
Mediação Familiar na região de Lisboa, diferentemente do que sucedeu nas restantes
regiões do país em que a Mediação Familiar onde só foi implementada a partir de 2007,
como já referimos anteriormente, no capítulo 1. No entanto, importa notar que nesta
decisão também foram levadas em conta as contingências e dificuldades inerentes à
organização dos focus groups com mediadores familiares não residentes na zona
geográfica de Lisboa, nomeadamente a dispersão geográfica quanto à localização dos
mediadores no país e as dificuldades da sua deslocação. Por sua vez, os participantes que
75
compõem a amostra de técnicos do ISS, IP foram selecionados, em colaboração com os
serviços centrais do ISS, I.P. tendo em atenção a respetiva experiência e disponibilidade.
No que concerne ao segundo critério referido, considerou-se pertinente gerar uma
certa heterogeneidade mediante a inclusão de perspetivas de colaboradores pertencentes
a instituições diversas, enquadrados em ambientes sociojurídicos distintos e com vínculos
laborais diferenciados. Os mediadores familiares são profissionais liberais que operam na
dependência do Ministério da Justiça enquanto os técnicos do ISS IP são funcionários
públicos do Ministério da Segurança Social. Desta forma, optámos por constituir uma
amostra mais heterogénea (Vaughn, et al., 1996), de modo a gerar uma mais ampla
diversidade de perceções, perspetivas e opiniões de acordo com a natureza exploratória
do estudo 1.
No que se refere ao terceiro critério considerou-se que a composição da amostra
deveria integrar peritos cuja atividade se relacionasse com a temática das
responsabilidades parentais na sequência de SD, embora em contextos processuais
diferentes e com distintas ligações ao tribunal: os mediadores familiares atuam em
contexto extrajudicial e de forma independente, conduzindo o processo de decisão
parental com o objetivo de ajudar os pais a estabelecer os respetivos acordos sobre
responsabilidades parentais com vista a posterior homologação judicial; por sua vez, os
assessores do ISS IP têm a incumbência de, mediante solicitação judicial, realizar
entrevistas aos pais com vista a elucidar o juiz sobre os aspetos que este julgue pertinentes
e necessários à fundamentação das respetivas decisões judiciais. Em suma, quer os
mediadores familiares, quer os assessores do ISS IP atuam junto dos pais ao nível do
conflito parental e em situações de rutura do casal, mas em contextos diferentes.
76
O sucesso das entrevistas de focus groups depende em larga medida da preparação
da equipa constituída pelo moderador e pelo assistente. Este além de se mostrar “sensitivo
e responsivo” (Vaughn, et. al., 1996, p. 91) em relação aos participantes no focus group
deve, também, conhecer convenientemente o tema e ser capaz de criar um clima informal
e gerador de confiança para que os participantes se sintam confortáveis para expressar as
suas opiniões e sentimentos sendo, assim, indispensável que o moderador seja empático
e hábil na promoção de uma escuta de qualidade direcionada para a compreensão das
perspetivas dos participantes e isenta de expressões valorativas (Krueger, 1998); O
moderador conduz o focus group coadjuvado pelo assistente devendo ambos formar uma
equipa em que cada um desempenha um papel específico e complementar. É conveniente
que o moderador não tome muitas notas para não se dispersar da administração da
conversação enquanto o assistente deve ajudar a gerir questões pontuais (e.g. atrasos dos
participantes, interrupções, gestão do tempo, uso do gravador), ao mesmo tempo que toma
notas abrangentes sobre o desenrolar da entrevista podendo, preferencialmente, no final
da discussão colocar alguma questão que considere pertinente.
2.6.2 A entrevista semiestruturada
De acordo com a posição epistemológica anteriormente defendida é de suma
importância considerar a natureza multifacetada, multisignificativa e pouco estudada das
questões que pretendemos examinar. Por isso, a procura da diversidade de experiências e
de perspetivas implica que os dados sejam recolhidos a partir de diferentes participantes
e contextos. Assim, na sequência do estudo 1 em que a recolha de dados recaiu sobre
especialistas (mediadores familiares e técnicos do ISS IP), através da recolha de dados
para o estudo 2 visamos conhecer o ponto de vista dos pais e das mães que regularam ou
alteraram o exercício das responsabilidades parentais no âmbito do processo de Mediação
77
Familiar na sequência da SD. Para o efeito, o contexto da entrevista semiestruturada
mostrou-se o método de recolha de dados mais vantajoso comparativamente com outras
abordagens como as entrevistas abertas, estruturadas ou os questionários, no sentido em
que, o nosso objetivo era o de aceder às perspetivas e vivências dos mediados (Flick,
2005).
De facto, a entrevista tem a virtualidade de ajudar a manter o foco nas questões
centrais da investigação, mas, também, possibilita o aprofundamento e o detalhe de
dimensões, processos e matizes significativas que os participantes experimentaram na
fase de transição para a SD.
A entrevista não é um instrumento apropriado para testar hipóteses, a chave do
seu interesse reside nas potencialidades que integra quando se visa explorar, aprofundar
ou completar pistas de investigação, compreender processos e descobrir os significados
que as pessoas atribuem às suas experiências (Seidman 2006). De facto, a entrevista pode
ser entendida como sendo um mecanismo promotor de criação de dados em que, num
contexto de interação dinâmica entre o entrevistador e o respondente o primeiro encoraja
o segundo a desvelar o sentido das suas reflexões e a interpretar as suas experiências, o
que, só por si, leva a considerar que a entrevista semiestruturada não deve ser encarada
como um modelo de recolha de dados neutro (Fontana & Frey, 2003), tanto mais, que, ao
ser aplicada e desenvolvida conduz à construção ou reconstrução de uma determinada
realidade (Charmaz 2006).
Charmaz (2006, p.25) alude à entrevista de investigação salientando que esta
“permite um exame meticuloso de um tópico, com uma pessoa que tenha tido uma
experiência relevante”, isto é, representa uma forma privilegiada de gerar material
empírico a partir das vivências das pessoas (Fontana & Frey, 2003). Por outro lado, a
78
congruência da coligação entre os métodos da GT e a entrevista semiestruturada requer,
flexibilidade e orientação, mas também um apropriado enquadramento formal, no qual, a
habilidade para perguntar e para escutar possa produzir dados ricos.
Assim, considerámos a entrevista semiestruturada o método de recolha mais
vantajoso e adequado para responder às questões de investigação propostas neste estudo.
Ao eleger este método de recolha de dados, em que a interação entre o investigador e o
participante faz parte do setting da entrevista, é imprescindível, nomeadamente por razões
de fiabilidade do procedimento, dispensar cuidado e atenção com os comportamentos,
pensamentos e sentimentos que o próprio investigador vai vivenciando e exprimindo ao
longo da realização da entrevista para não afetar ou afetar o menos possível o entrevistado
com a sua experiência e visão do mundo.
A questão dos procedimentos da GT é abordada por Corbin, e Strauss (2008) de
uma forma sistemática em que cada um dos passos obedece a uma disciplina bem
definida. A recolha dos dados é realizada habitualmente por meio de 20 a 30 entrevistas5
por forma a obter a saturação teórica das categorias ou unidades de informação. Os dados
são recolhidos segundo uma trajetória em ziguezague em que, o investigador se desloca
entre a recolha dos dados e a sua análise, questionando os dados e desenvolvendo o
método de comparação constante entre incidentes, categorias e intracategorias, de forma
a discriminar semelhanças e diferenças.
2.6.3 Análise dos dados
5 A recolha pode consistir também em observações, vídeos, documentos ou outras fontes que o investigador
considere pertinentes para o estudo.
79
2.6.3.1 A Grounded Theory
O processo de categorização delineado por Corbin e Strauss (2008) progride por
fases inter-relacionadas. Inicia-se com a codificação aberta, prosseguindo com a
codificação axial e a codificação seletiva.
A codificação aberta é uma análise inicial e minuciosa do material recolhido,
palavra a palavra, linha a linha ou incidente a incidente com o objetivo de facilitar a
compreensão das questões que são colocadas nas entrevistas. Pretende-se dimensionar os
dados segmentando-os para formar categorias de informação.
A codificação axial consiste na fixação da categoria nuclear do evento “core
category”. O cerne da codificação axial compreende a exploração: 1) das condições
causais (fatores que causaram o fenómeno); 2) das estratégias (ações, interações e
emoções individuais ou em grupo) desencadeadas para responder aos problemas,
situações, acontecimentos e eventos que constituem o cerno do fenómeno; 3) as condições
intervenientes (contexto e condições em sentido restrito ou amplo que influenciaram as
estratégias); 4) as consequências (resultados decorrentes das ações, interações ou
emoções).
A codificação seletiva ocorre quando o investigador pode compor uma história
relacional das categorias ou quando tem possibilidade de especificar as suas proposições
e hipóteses. No termo do processo é possível desenvolver uma matriz visual (matriz
condicional/consequencial) que consiste num instrumento analítico organizado por
círculos concêntricos que se expandem a partir do nível micro para o nível macro. O
resultado final do processo de recolha e análise é depois completado com o acervo dos
80
memorandos6 que foram sendo criados ao longo do estudo, de forma a atingir o nível
substantivo em que a teoria emerge (Creswell 2007, Corbin & Strauss, 2008).
Vários autores (e.g. Charmaz, 2006; Corbin & Strauss, 2008) referem um conjunto
de procedimentos de recolha e de análise dos dados indispensáveis ao processo de análise
com a GT. No entanto, Charmaz (2006) desenvolve a GT numa perspetiva construtivista
em que, múltiplas realidades e complexidades, visões, ações e particularidades são
incluídas e enfatizadas, em contrapartida Corbin e Strauss (2008) restringem o campo de
estudo a um único processo espelhado numa categoria nuclear única (Creswell 2007). Em
suma, Corbin e Strauss (2008) estilizam fortemente os procedimentos circunscrevendo o
processo a um esquema sistemático de apuramento da teoria enquanto Charmaz (2006)
reclama a perspetiva do investigador no processo em que se encontra envolvido, enquanto
titular de ideologias, valores, sentimentos, aprendizagens, decisões e interpretações, de
tal maneira que a teoria desenvolvida surge repassada da perspetiva do investigador.
Em regra, nos estudos desenvolvidos com a GT, os participantes são selecionados
segundo a modalidade de amostra teórica, ou seja, em função da relevância da sua
contribuição para desenvolver a teoria emergente. A amostra é utilizada para focar e
desenvolver as propriedades e as dimensões das categorias até que não surjam novas
categorias relevantes e assim se obtenha a saturação teórica (Charmaz (2006).
A análise de conteúdo das entrevistas que integram este trabalho foi realizada com
base no software Qualitative Solutions Research (QSR) NVivo 11 for Windows. De notar
que a utilização de computadores tem cada vez mais influência na investigação qualitativa
proporcionando instrumentos de análise cada vez mais sofisticados e eficientes e, dessa
6 A elaboração de memorandos é uma tarefa intermédia entre a recolha dos dados e a e análise e redação
final do estudo que visa, entre outros aspetos, ajudar o investigador a refletir sobre os dados, a desenvolver
ideias novas, a criar novos conceitos e conexões entre as categorias e entre estas e os dados.
81
forma, contribuindo para garantir o rigor do processo de análise e ajudando o investigador
a engajar-se no trabalho de uma forma mais metódica, minuciosa e atenta (Bazeley,
2010).
2.6.3.2 A análise quantitativa
Incidindo este estudo, especialmente sobre o processo, os contextos e as variáveis
associadas à tomada de decisões parentais na transição para a SD e o seu impacto na
proteção efetiva do interesse da criança, pretende-se averiguar, através de um estudo
quantitativo complementares ao estudo qualitativo 2, a repercussão dos estilos parentais
e da coparentalidade na forma como os pais gerem o processo de decisão sobre
responsabilidades parentais e o espetro de mudanças inerentes à SD. Também nos
interessou pesquisar possíveis conexões destes constructos com a abordagem das
responsabilidades parentais em contexto de mediação familiar.
2.6.3.2.1 Instrumentos
Para recolher os dados quantitativos foram aplicados os seguintes instrumentos a
cada um dos participantes no estudo 2: 1) Questionário sociodemográfico aplicado aos
participantes nas entrevistas semiestruturadas (vide Apêndice G); 2) Questionário da
Coparentalidade – QC (Margolin, Gordis & John, 2001 (Apêndice H); tradução e
adaptação portuguesa: Pedro & Ribeiro, 2014).
82
2.6.3.2.2 Questionário da Coparentalidade
É geralmente consensual considerar-se a coparentalidade como sendo um
constructo multidimensional (Feinberg, 2003), se bem que os vários modelos de
coparentalidade divirjam quanto ao conceito e ao número de dimensões (e. g. Margolin,
et al., 2001; Van Egeren & Hawkins, 2004).
No presente estudo optou-se pelo modelo de coparentalidade exposto por
Margolin et al. (2001), o qual, compreende três dimensões principais. A primeira
dimensão, alude ao conflito entre as figuras parentais, incluindo a frequência e severidade
das divergências acerca da educação dos filhos ou as tentativas de sabotar ou debilitar a
relação parental do outro pai (ou mãe). A segunda dimensão, consiste na cooperação
parental, mensurando o respeito, valorização apoio e partilha que os pais reciprocamente
manifestam nas suas funções parentais. A terceira dimensão, reflete as situações de
triangulação que têm lugar quando se verifica uma coligação entre um dos pais e o filho
que ao pertencerem a diferentes níveis hierárquicos determinam uma distorção das
fronteiras entre os subsistemas coparental e paterno-filial. Esta situação tem como
consequência o enfraquecimento, depreciação ou mesmo a exclusão de uma das figuras
parentais da vida da criança. Vários estudos referem que a dinâmica de triangulação está
frequentemente associada à SD e a um desajustamento emocional da criança.
O modelo de coparentalidade desenvolvido por Margolin et al. (2001) apresenta
um interesse acrescido quando se visa compreender o universo de influências e os
sistemas de decisão parental no intercurso da transição para a SD ou, ainda quando se
ambiciona perspetivar de que forma a Mediação Familiar pode funcionar
preventivamente no atual sistema social e jurídico. Assim, a aplicação e análise dos dados
recolhidos com do Questionário da Coparentalidade às díades parentais do estudo 2 tem
83
o mérito de facultar uma visão de tipo estandardizada que nos permita esmerar e
complementar a análise qualitativa do estudo 2.
O Questionário da Coparentalidade (Margolin, Gordis & John, 2001; tradução e
adaptação portuguesa: Pedro & Ribeiro, 2014) é um questionário que foi concebido para
avaliar a perceção que os pais têm um do outro enquanto pais com base em três dimensões
distintas. O questionário, comparativamente com outros instrumentos congéneres,
mostra-se bastante mais completo permitindo, medir dimensões positivas e negativas ao
mesmo tempo que possibilita a avaliação de dinâmicas de triangulação. Por outro lado,
as respostas dadas por cada um dos pais correspondem à perceção que os próprios têm
sobre o comportamento do outro pai ou mãe na relação coparental o que, entre outros
aspetos, contribui para reduzir a elevada desejabilidade social que os instrumentos de
autorrelato e o próprio tema da parentalidade comportam.
O QC é um questionário de hétero-relato composto por três subescalas
(Cooperação: itens 1 a 5; Conflito: itens 10 a 14 e Triangulação: itens 6 a 9) que, no
conjunto, totalizam 14 itens, cujas respostas aos mesmos são fornecidas por uma escala
de Likert de cinco pontos, variando de (1) Nunca a (5) Sempre (Margolin, et al., 2001).
Os níveis de consistência interna nas três subescalas do QC são bastante satisfatórios
(alphas de Cronbach entre 0.80 e 0.94) sendo o item 13 invertido, de acordo com
instruções dos autores originais (Margolin, et al., 2001 adaptação Pedro & Ribeiro 2014).
2.7 Síntese do capítulo
Neste capítulo começou-se por enquadrar o estudo, na sua vertente conceptual, a
partir das principais lentes teóricas que nortearam o processo de investigação. Pretendeu-
84
se situar historicamente a investigação qualitativa referindo-se os sete momentos
tradicionalmente referidos por vários autores tendo-se, no entanto, acrescentado um
oitavo momento, em que se pretendeu atualizar as principais tendências da investigação
qualitativa na atualidade. Por outro lado, aludimos aos principais paradigmas de
investigação salientando as motivações da nossa opção pelo paradigma Pós-positivista.
Foi, também, ensaiado um quadro de reflexão, com base em metáforas, pensamentos e
olhares de diversos autores sobre as características essenciais da investigação qualitativa.
Desenvolvemos ainda o tema da avaliação da investigação qualitativas ponderando as
principais estratégias de validação.
Seguidamente, delinearam-se os contornos metodológicos da investigação e
explanaram-se os procedimentos e métodos de recolha e de análise de dados, sobretudo
os que foram utilizados neste estudo. Foram, também, abordadas a metodologia de focus
groups e a GT. Foram referidas as perspetivas comumente discutidas relativamente ao
posicionamento do investigador no âmbito do processo de produção e de apresentação do
conhecimento. Por fim, expusemos os fundamentos teóricos e metodológicos para o
estudo quantitativo, assim como, referimos o instrumento (QC) utilizado. Sublinha-se, a
importância das metodologias múltiplas não só como forma de aumentar a validade da
investigação, mas também como forma de ampliar o campo de observação.
85
CAPÍTULO III
____________________________________________________________
3. ESTUDO EMPÍRICO 1: FOCUS GROUPS – FATORES,
PROCESSOS E CONTEXTOS DE INFLUÊNCIA NA
RESPONSABILIDADE DE DECISÃO PARENTAL
86
3.1 Resumo do capítulo
Enquadrando-se a presente investigação na área da mediação familiar, cuja prática
profissional em termos estruturados é manifestamente recente optámos, neste primeiro
estudo, de carácter exploratório, por pesquisar e apreender as abordagens, perspetivas,
estratégias, potencialidades e contingências do processo de mediação familiar no contexto
temático da regulação das responsabilidades parentais com base nas experiências dos
mediadores familiares e dos assessores técnicos aos TFM, cuja atividade no âmbito do
Instituto da Segurança Social, IP (ISS) se relaciona como assunto em estudo. De facto, a
mediação familiar, em Portugal, tem vindo a expandir-se desde finais da década de 90,
sem que tenham surgido, entretanto, investigações científicas significativas sobre o tema.
Assim, este estudo justifica-se pela sua oportunidade, necessidade e pertinência tendo em
atenção, entre outros aspetos, o crescente interesse que a mediação familiar tem vindo a
suscitar, nomeadamente no quadro jurisdicional em que esta intervenção é cada vez mais
visada para a resolução de vários litígios familiares7.
3.2 Metodologia
Neste estudo, considerámos de particular interesse investigar a experiência
concreta dos mediadores familiares, designadamente as suas perceções sobre a sua
própria experiência e sobre a experiência dos participantes no processo de mediação
7 Neste sentido veja-se, por exemplo, o artigo nº 21, nº 1-b) da Lei nº 41/2015, de 8 de setembro e o artigo nº 23, nº 5 da Portaria nº 139/2013, de 2 de abril.
87
familiar (pais e mães), relativamente às estratégias e aos modelos aplicados no contexto
do processo de mediação familiar e no que respeita à forma como concebem e integram
as dimensões jurídica e psicológica enquanto ramos das Ciências Sociais e Humanas
implicados na mediação familiar desde a sua génese e, como tal, integrando a sua
estrutura identitária. Assim, a partir destas ideias de partida concebemos este estudo 1, de
natureza exploratória e alicerçado no método de focus group. Esta metodologia sendo
versátil, flexível e interativa harmoniza-se com os pressupostos da investigação
qualitativa ao reconhecer, por um lado, que a natureza do real é não una, mas sim
multiversa e expansível em múltiplas versões da realidade e, por outro lado, ao considerar
a influência das relações entre o investigador e os participantes no processo de produção
de conhecimento (Krueger 1998; Vaughn, et al. 1996;).
3.3 Objetivos
Salientam-se as vantagens de realizar entrevistas com focus groups quando nos
pretendemos debruçar sobre uma realidade pouco explorada como é a mediação familiar,
em que no espaço de uma relação de complementaridade judicial e institucional se cruzam
diferentes tipos de intervenientes (e.g. pais, mediadores familiares e técnicos de assessoria
aos TFM). Não obstante, a prossecução de um objetivo comum como é o da salvaguarda
do interesse da criança, os diversos intervenientes desempenham distintas funções e
papéis no desenrolar do processo de decisão parental decorrente da S/D que importa
sublinhar. Assim, a realização de focus groups visa fomentar num contexto interativo e
de estímulo à discussão de questões propostas, a partilha de pontos de vista, opiniões e
perceções numa atmosfera facilitadora de espontaneidade, genuinidade e sinceridade
(Vaughn, et al.,1996) que permita expressar, aprofundar e ampliar a visão de todos e de
88
cada um dos participantes em consonância com a premissa sistémica de que o todo é
maior do que a soma das partes.
3.3.1 Objetivos gerais do estudo 1
Este estudo compreende três objetivos gerais definidos da seguinte forma:
1) identificar as perceções e opiniões dos participantes nos focus groups sobre o
conflito na fase de transição para a SD e sobre os modelos e as estratégias mais eficientes
para o abordar, no âmbito do processo de mediação familiar.
2) conhecer o ponto de vista dos participantes nos focus groups sobre as suas
experiências, sentimentos e perceções relativamente a aspetos implicados na (co)
parentalidade, no âmbito das responsabilidades parentais das famílias, na transição para
a SD.
3) investigar as perceções dos participantes no estudo sobre os indicadores de
adequação ou de inadequação da mediação familiar ao caso concreto.
3.3.1.1 Objetivos específicos
Neste estudo considerámos os seguintes objetivos específicos:
1) identificar as características do conflito entre os pais na fase de transição para a SD;
2) conhecer as estratégias utilizadas no contexto de mediação familiar;
3) caracterizar os modelos de mediação familiar utilizados pelos participantes no estudo;
4) explorar fatores de influência no conflito;
5) identificar fatores protetores e os fatores de risco para a coparentalidade, durante a
fase de SD;
89
6) explorar as perceções dos participantes nos focus groups sobre a eventual importância
do conhecimento das leis sobre a família e sobre as crianças por parte dos mediadores
familiares;
7) investigar variáveis relativas à parentalidade implicadas no processo de decisão
parental, na fase de SD;
8) explorar e desenvolver ideias, questões e formulações com vista à preparação e
concretização do estudo qualitativo 2.
3.3.2 Questões de investigação
Em função dos objetivos gerais e específicos enunciados formulámos as seguintes
questões de investigação:
Q1. Quais são as tipologias do conflito identificadas pelos participantes?
Q2. Quais são as estratégias de mediação familiar identificadas pelos participantes?
Q3. Quais os modelos de mediação familiar utilizados pelos participantes?
Q4. Quais são os fatores de influência ativadora e pacificadora do conflito?
Q5. Quais são os fatores protetores e os fatores de risco para a coparentalidade, durante a
fase de SD?
Q6. Quais são os fatores que os participantes no estudo consideram como sendo os que
têm maior influência positiva e negativa na capacidade e interiorização da
responsabilidade parental, na transição para a SD?
Q7. Que perceções têm os participantes no estudo sobre o esclarecimento dos pais
relativamente aos conceitos jurídicos básicos sobre responsabilidades parentais?
90
Q8. Quais são as perceções dos participantes no estudo sobre o enquadramento jurídico
prévio do processo de mediação familiar?
3.3.3 Seleção da amostra
Os critérios de seleção da amostra adotados neste trabalho foram desenvolvidos
no capítulo 2, importando apenas rememorar que a seleção da amostra foi primacialmente
determinada em função da experiência e dos conhecimentos dos participantes, uma vez
que pretendíamos recolher informação rica, mas também específica. As questões de
investigação foram formuladas sobretudo em resultado da revisão de literatura realizada
e a partir da nossa própria experiência profissional, por isso, considerámos essencial
ampliar o nosso campo de visão através da escolha de um formato grupal propício ao
surgimento de novas perspetivas, à partilha de experiências e suscetível de nos interpelar
relativamente às ideias que transportávamos da nossa própria atividade profissional. De
notar, que a inexistência de grupos organizados de supervisão ou de intervisão no
contexto da mediação familiar pública tem como consequência o isolamento dos
profissionais, o que dificulta a partilha de reflexões sobre as experiências de cada um. Tal
situação, mostrou-se facilitadora da adesão dos mediadores familiares às entrevistas de
focus group, uma vez que as consideraram uma oportunidade para debater e trocar ideias
sobre assuntos que os interessavam e preocupavam.
No que se refere ao formato das entrevistas, entendemos que a forma aberta de
focus group não é o mais adequado quando há a intenção de explorar e aprofundar temas-
chave de forma a refinar o desenho de estudos subsequentes. Por outro lado, o formato
estruturado com questões fechadas também não é indicado quando o objetivo é o de
fomentar novas ideias, perceções e significações. Em consequência, optámos por um
91
formato semiestruturado de forma a podermos direcionar a discussão para os temas chave
de acordo com os objetivos preconizados, mas ao mesmo tempo, não deixando de manter
a abertura necessária. Assim, a amostra foi selecionada numa perspetiva exploratória
visando, por um lado, o contacto com o “mundo real” e, por outro, a obtenção de
resultados para o desenvolvimento do estudo qualitativo subsequente.
Como referimos anteriormente, pareceu-nos decisivo para a concretização dos
objetivos deste projeto de investigação, aceder às experiências dos mediadores familiares
e dos técnicos do ISS, de assessoria aos TFM. Para tal, iniciamos diversos procedimentos
junto das entidades que tutelam cada um dos segmentos dos participantes no estudo.
Começamos por enviar uma carta ao Senhor Diretor do Gabinete para a Resolução
Alternativa de Litígios (GRAL), Ministério da Justiça, solicitando a realização de uma
reunião a fim de expormos as nossas motivações, a pertinência do estudo e os
procedimentos éticos a aplicar numa investigação deste tipo, de forma a apresentarmos
os elementos necessários à obtenção da autorização para o acesso aos participantes. Neste
contexto, após apresentação e explicação do projeto de investigação, foi-nos concedida
então a necessária autorização para o acesso aos contactos dos mediadores familiares e
aos contactos dos utentes do SMF (pais e mães) a utilizar no estudo 2. De forma a garantir
a realização de pelo menos três focus groups com os mediadores familiares mais
experientes optámos por incluir a totalidade dos mediadores familiares do SMF da região
de Lisboa como potenciais participantes nas entrevistas.
Com o mesmo propósito de obter autorização para acesso à amostra foram
efetuados procedimentos similares junto do ISS, tendo este organismo permitido que os
técnicos de assessoria na área tutelar cível participassem neste estudo, e que tal
participação pudesse ocorrer dentro do seu horário de trabalho, de forma a facilitar a sua
adesão aos focus groups. Os critérios de seleção dos técnicos da assessoria aos TFM para
92
este segmento da amostra foram os seguintes: a) conhecimento e experiência na
realização de entrevistas aos pais e mães no âmbito de processos judiciais de regulação,
alteração ou incumprimento das responsabilidades parentais; b) técnicos de ambos os
sexos; c) diferentes qualificações académicas; d) número de anos de experiência
profissional variável; f) pertença a equipas diferentes.
Na definição da amostra do ISS, foi ponderado tanto o critério da homogeneidade
ao pretendermos selecionar participantes experientes, cuja atividade profissional incidisse
na área das responsabilidades parentais no âmbito da SD, em contexto de tribunal, como
o critério da heterogeneidade em razão da idade, do sexo, do número de anos de
experiência profissional e das qualificações, de modo a fomentar uma interação e
discussão enriquecidas pela diversidade de pontos de vista (Vaughn et al., 1996).
No que concerne aos participantes da área da mediação familiar, conforme
anteriormente referido, verificou-se que eram os mediadores familiares que integravam o
SMF da região de Lisboa os que melhor satisfaziam o requisito de “bons informantes”,
quer pelo facto de a mediação familiar privada ser ainda pouco expressiva em Portugal,
quer pelo facto de o alargamento de âmbito nacional da mediação familiar ser ainda
relativamente recente. Assim, considerou-se que deveria ser priorizado o recrutamento de
mediadores familiares com bastante experiência para explorar de forma aprofundada
aspetos específicos de mediação familiar, o que implica que, neste aspeto a amostra reflita
homogeneidade. Por sua vez, a heterogeneidade relativamente aos mediadores familiares
foi, de certo modo, alcançada através da conjugação de características diferenciadoras,
tais como, diferentes idades, distintas habilitações académicas e distintas correntes de
formação em mediação familiar. De notar, contudo, que como as profissões dos
participantes no estudo são largamente exercidas por pessoas do sexo feminino, não foi
possível neste aspeto obter o nível de heterogeneidade desejável.
93
3.3.4 Número, tamanho, tempo e setting dos focus groups
A determinação rigorosa do número de entrevistas a efetuar depende da obtenção
de saturação teórica de conteúdos obtidos na amostra, de eventuais dificuldades de
recrutamento e das metas estabelecidas para o estudo, contudo, considera-se adequado
que se realizem entre dois a quatro focus groups (Vaughn et al., 1996). Nesta investigação
realizámos cinco focus groups: dois com técnicos do ISS e três com mediadores
familiares, tendo a composição dos grupos variado entre quatro a sete participantes, com
a duração entre 1 hora e meia a 2 horas cada um. Na escolha do local para a realização
dos focus groups devem ser prevenidos e contornados constrangimentos desnecessários.
Por isso, é conveniente assegurar: 1) se o tamanho da sala é adequado à acomodação dos
participantes; 2) se a sala é confortável e está equipada com o mobiliário necessário; 3)
se o equipamento a utilizar está operacional; 4) se o local é central e fácil de identificar.
Neste sentido, procurámos acautelar possíveis constrangimentos de forma a proporcionar
as condições mais adequadas possível à realização das entrevistas num clima sereno e
confortável. Os focus groups com mediadores familiares foram realizados nas instalações
do GRAL, na Avenida Duque de Loulé, nº 72, Lisboa. De facto, a realização das
entrevistas neste local foi uma exigência do GRAL implicada na autorização para o acesso
à amostra, mas que se mostrou vantajosa por ser um local acessível, central e conhecido
de todos os participantes. No que se refere aos dois focus groups em que participaram os
técnicos do ISS, o primeiro, decorreu numa sala preparada para o efeito na Faculdade de
Psicologia da UL e, o segundo realizou-se nas instalações do ISS, em Oeiras, a pedido
dos participantes.
94
3.3.5 Instrumentos
3.3.5.1 Guião da entrevista dos focus groups
A preparação do guião de entrevista de focus group é fundamental para o sucesso
do método, porque as “boas” respostas dependem em larga medida da maneira como se
formulam as questões. Desta forma, o investigador deve conhecer bem o tema e estar
familiarizado com os conceitos principais. A inventariação dos tópicos que se pretendem
aprofundar e a delimitação dos aspetos que se querem afastar da discussão (Vaughn et
al.& Sinagub, 1996) contribuem para clarificar (e.g. pretendíamos conhecer o ponto de
vista dos mediadores familiares sobre a influência da emotividade no desenrolar do
processo de mediação familiar, mas, não visamos aprofundar a sua perceção sobre o
impacto das emoções experienciadas pelos pais nos filhos). Assim, tendo refinado os
objetivos nucleares do estudo, importava considerar as ideias-chave e a forma mais
adequada de as explorar através dos focus groups.
O guião de focus group compreende diferentes categorias de questões organizadas
em períodos de tempo específicos de acordo com o nível de importância da questão e a
intensidade de análise pretendida. Krueger (1998) menciona cinco categorias de questões,
as quais, têm diferentes funções ao longo da entrevista, conforme se ilustra através do
quadro a seguir apresentado:
Tabela 3
Categorização das questões para focus group
Categorização das Questões
Tipo de
Questão
Objetivo Características Exemplo
95
Abertura
Quebrar o gelo; pôr os
participantes em conexão.
Resposta rápida, fácil,
sobre factualidade comum
aos participantes.
O que mais vos cativou na
atividade de mediação
familiar?
Introdutória
Dar pistas sobre o tópico
geral do estudo;
evidenciar explanações.
Questão aberta-fechada.
Exploratória.
Com base na vossa
experiência (…) como
descrevem o
comportamento dos pais
na fase da SD?
[questão 1 do Guião FG-
Mediadores]
Transição
Ligar as questões
introdutórias às questões
chaves e os participantes
com o foco do estudo.
Questão aberta-fechada.
Penetrante e fluida.
(…) é possível
identificarem tipos de
conflito em que as
estratégias por vós
utilizadas foram
eficientes?
[questão 2 do Guião FG-
Mediadores]
Chave
Obter insight sobre o
núcleo central do estudo.
Uso de técnicas de pausa e
de questões de prova.
Que elementos identificam
como potenciadores de
responsabilidade
relativamente à
emotividade vivenciada
(…)?
[questão 7 do Guião FG -
Mediadores]
Finalização
Concluir o focus group Pode ser de três tipos:
1. Despedida e
agradecimentos;
2. Realizar uma síntese
sobre o focus group e
perguntar se está correta;
3. Perguntar se há alguma
questão que possa ter
faltado.
Há algum aspeto de que
queiram falar além dos
que aqui abordamos?
[questão 14 do Guião FG-
Mediadores]
Na construção do nosso guião de entrevistas, seguimos as orientações de Krueger
Krueger (1998) percorrendo uma rota com seis etapas essenciais. Num primeiro momento
realizámos uma revisão de literatura para alargar o nosso campo de visão de certa forma
circunscrito e influenciado pela nossa experiência profissional, quer em mediação
familiar, quer em Direito da Família. Seguiu-se um segundo momento em que nos
dedicámos a traçar os primeiros esboços das questões procurando, simultaneamente,
discernir o que é importante do que não o é, e tendo em conta as funções das perguntas e
96
a forma como podemos utilizá-las com eficiência nos focus group (e.g. evitar o porquê,
colocar questões simples e claras, ser cauteloso com o uso de exemplos, enraizar os
participantes na realidade, nomeadamente, pedindo-lhes exemplos ou para pensarem no
passado). A elaboração refletida e criteriosa das questões permite aumentar o rigor e a
fiabilidade de qualquer investigação. A um terceiro momento corresponde a sequenciação
das questões partindo do geral para o particular ou do mais positivo para o mais negativo,
de forma a que o fluxo das perguntas se mova mediante uma lógica de afunilamento em
direção às questões chaves. Na quarta etapa é necessário estimar o tempo destinado a cada
pergunta considerando: a complexidade e o tipo de questões (e.g. questões introdutórias,
questões-chave), o nível de profundidade pretendido ou os conhecimentos dos
participantes. Na quinta etapa, diligenciámos no sentido de obter feedback de
especialistas sobre o tema em estudo de modo a verificar se as questões estavam bem
construídas, se eram claras e facilmente compreendidas. Seguidamente procedemos a
uma última revisão de todo o texto do guião. Por fim, na sexta etapa, realizámos um pré-
teste com uma mediadora familiar experiente, mas não participante nos focus groups, com
vista à reelaboração da versão final do guião da entrevista dos focus groups, o qual é
composto por 14 questões semiabertas.8
3.3.5.2 Questionário sociodemográfico
O Questionário sociodemográfico9 é composto por seis questões de resposta
rápida e foi elaborado com o objetivo de recolher informação acerca da caracterização
sociodemográfica dos participantes designadamente a idade, o sexo, a licenciatura de
base, a formação em mediação familiar e a duração da experiência profissional. Para além
8 Apêndice A: Guião de entrevista dos focus groups 9 Apêndice B - Questionário sociodemográfico dos focus groups
97
da recolha destes elementos, com este questionário pretendemos também obter
informação quanto à existência de reconhecimento oficial do curso de formação em
mediação familiar dos participantes, e se a atividade quando exercida decorre no âmbito
de serviço público ou privado.
3.3.5.3 Procedimentos, preparação e realização dos focus groups
A preparação dos focus groups deve ser cuidadosamente planeada para que o
recrutamento dos participantes e a preparação das entrevistas decorram de uma forma
previsível e produtiva.
O recrutamento dos participantes para as entrevistas com mediadores familiares
do SMF foi realizado a partir da lista de mediadores familiares do SMF. Do total dos
mediadores familiares foram recrutados todos os que mostraram disponibilidade para
participar. Contactámos os mediadores familiares, por telefone, começando por explicar
o objetivo do estudo e o porquê da relevância da sua participação, combinando-se ainda
o local, a data e a hora mais convenientes para cada um, a partir de três propostas de
agendamento possíveis. Relativamente aos participantes do ISS, estes, foram recrutados
pelos responsáveis daquele organismo, em conformidade com os elementos informativos
e os critérios de seleção anteriormente referidos, neste capítulo.
No que respeita aos aspetos materiais utilizámos os seguintes dispositivos:
gravador, plano de intervenção do moderador e guião de entrevista, uma pasta para cada
participante contendo o questionário sociodemográfico, o consentimento informado e o
documento de justificação de falta. Sobre a mesa, colocámos também alguns bolinhos
miniatura; água; copos e guardanapos.
98
3.3.5.4 A equipa de Moderação dos focus groups
O moderador conduz os focus groups coadjuvado pelo assistente. Ambos formam
uma equipa com funções distintas e previamente acordadas. No presente estudo,
participaram duas assistentes em diferentes focus groups, ambas com formação em
mediação familiar e familiarizadas com o método de focus groups, o que se mostrou útil,
não só pela sintonia conseguida entre a assistente e a moderadora, mas, também por esse
aspeto ter contribuído para criar um ambiente confiável e empático para a partilha de
experiências e de perspetivas por parte dos participantes.
A preparação da equipa de focus groups entre a moderadora e a assistente consistiu,
especificamente nos seguintes aspetos:
1) Partilha de informações e de conhecimentos sobre o objetivo e o guião de focus
groups;
2) Troca de ideias e colocação de dúvidas sobre o tema e sobre as funções que cada
uma iria desempenhar;
3) Receção aos participantes que eventualmente se atrasassem;
4) Apoio aos participantes que, por algum motivo, necessitassem de se ausentar
temporariamente da sala ou de sair antes do final do focus groups;
5) Desenvolvimento de estratégias para a gestão do tempo reservado a cada questão
(e.g. a assistente muda a posição do relógio deslocando-o para a frente da
moderadora e, em caso de necessidade escreve numa folha o tempo que falta para
terminar a entrevista);
6) Observação e anotação de aspetos não-verbais da comunicação;
7) No final, elaboração de uma breve síntese sobre o focus groups ou colocação de
uma questão por parte da assistente.
99
O papel do moderador tem importância crucial para o sucesso dos focus groups.
Salienta-se, a necessidade de o moderador ter uma atitude empática, escutando para
compreender e não para avaliar, gerindo a emotividade de forma a manter a discussão
sobre o foco do estudo e reconduzindo, se necessário, os participantes na direção
pretendida. De notar, que o envolvimento do moderador na interação deve ser prudente e
atento, nomeadamente para identificar participantes que, por serem mais tímidos, estão a
participar pouco ou para conter aqueles que se mostram dominantes. É também
fundamental detetar respostas intelectualizadas, vagas ou de senso comum e aplicar
estratégias de pausa ou de prova para fiabilizar o estudo embrenhando as opiniões
manifestadas nas experiências e vivências das pessoas.
De notar, que os conhecimentos jurídicos da moderadora e os conhecimentos
complementares das assistentes dos focus groups se revelaram uma vantagem, na medida
em que o domínio adequado de alguns dos temas em discussão foi positivo para o
processamento de uma moderação fluida e perspicaz das entrevistas.
3.3.5.5 Realização dos focus group
A moderadora e a assistente encontraram-se meia hora antes da hora agendada
para a realização do focus groups com o objetivo de reverem o protocolo antecipadamente
estabelecido e de prepararem a sala destinada à realização dos focus groups. Importa
verificar se tudo está em ordem na sala, se existem cadeiras em número suficiente para
acomodar todos os participantes e se o gravador se encontra em perfeitas condições. De
notar, que quando os participantes começam a chegar tudo deve estar preparado e
adequadamente disposto sobre a mesa, nomeadamente as pastas com o material para os
participantes, o lanche e o gravador.
100
Os participantes foram recebidos na entrada do edifício onde se iam realizar os
focus groups (Faculdade de Psicologia, GRAL, Ministério da Justiça e ISS em Oeiras)
sendo encaminhados para a sala destinada às entrevistas. O acolhimento deve decorrer de
forma a criar um enquadramento semi-informal. De acordo com Krueger (1998) é
essencial deixar transparecer, logo nos primeiros quatro minutos, que o contexto é
estruturado, mas ao mesmo tempo, confortável. Este aspeto é central para a administração
de todo o focus group, na medida em que delimita os contornos da interação ao tentar
manter o nível de concentração dos participantes nos tópicos sem, contudo, os inibir.
Reunidos os participantes e asseguradas as condições necessárias, iniciaram-se
então as sessões de focus groups.
Após nos termos assegurado de que todos os participantes estavam devidamente
informados sobre a necessidade de gravar as entrevistas e de termos obtido de cada um o
consentimento informado, começamos por colocar a primeira questão, a qual, segundo
Krueger, 1998) deve poder ser respondida em 30 segundos, por isso é importante que seja
uma pergunta simples, não evocativa de memórias, e sem exigir especial reflexão. No
presente estudo, a primeira questão colocada pareceu-nos cumprir esse objetivo, na
medida em que, os participantes responderam facilmente e de imediato caracterizando,
em geral, o conflito como negativo (1ª questão do guião de focus group).
Prosseguimos com a aplicação das diversas questões do questionário
semiestruturado tentando, simultaneamente, dispensar a máxima atenção ao tipo de
respostas dadas, de forma a viabilizar a sua concretização quando necessária, ou a prova
dos relatos, e bem assim, estimulando os respondentes para que nos contassem mais sobre
determinada experiência ou nos dessem mais explicações que ajudassem a compreender
melhor o significado das suas experiências e posições. De salientar, que nos focus groups
realizados, os participantes mostraram à vontade e desenvoltura no debate, expressando
101
os seus pensamentos, as suas ideias e experiências de forma fluente. De facto, se, por um
lado, as questões não eram invasivas em termos pessoais ou íntimos, por outro, os
participantes já eram conhecidos uns dos outros. Em geral, no fim das entrevistas,
referiram que apreciaram a partilha de ideias emergente do focus group e que também
tinha sido um espaço de reflexão importante para eles próprios.
No final do focus group a moderadora compunha um breve resumo realçando os
aspetos mais marcantes da sessão e disponibilizando-se para acolher qualquer impressão
que desejassem transmitir.
3.3.5.6 Preparação dos dados
Antes de se partir para a interpretação e análise das entrevistas é necessário
transcrevê-los e prepará-los para a sua utilização informática. Bazeley (2010) refere um
conjunto de regras pragmáticas para assegurar a consistência do processo de transcrição
das gravações, tais como:
1) Transcrição completa pela investigadora o mais fiel possível da conversação,
incluindo aspetos verbais e para-verbais como repetições, mmms, ums, etc... Estes
aspetos podem comunicar emoções, convicções, hesitações ou simplesmente
padrões de conversação que importa registar;
2) Assinalar as frases incompletas. Estas podem expressar um vocabulário limitado
ou simplesmente uma certa maneira de falar, mas são dados importantes para
compreender o estilo do entrevistado;
3) Registar perturbações na conversação tais como barulho inesperado, e
interrupções, suscetíveis de influenciar o sentido da comunicação;
102
4) Transcrever aspetos não-verbais tais como, pausas, risos, tossicar, passíveis de
transmitir informações emocionais;
5) Mencionar as interrupções intrusivas de outros respondentes e notar digressões de
um tópico para outro são alguns dos aspetos a que convém assinalar ao transcrever
as gravações.
Observámos ainda outros aspetos relativos ao procedimento de transcrição, tais como,
codificar os nomes dos participantes de forma a garantir o anonimato, a definição do estilo
de letra e a formatação dos documentos para assim facilitar a legibilidade e a análise
informática e interpretativa do material (Flick, 2005). De notar que, enquanto
procedíamos às transcrições, íamos comparando e consultando as observações registadas
pela assistente no decurso da realização dos focus groups.
3.3.6 Análise dos dados
Terminados os procedimentos de recolha e de preparação dos dados procedemos
à sua análise.
3.3.6.1 Caracterização da amostra
Esta amostra é composta por 11 assessores técnicos do ISS aos TFM e 13
mediadores familiares do SMF (N=24), cujas características sociodemográficas se
encontram seguidamente apresentadas, na tabela 4.
Tabela 4
Caracterização sociodemográfica da amostra do estudo 1
103
Nota* Compreende 1 licenciatura em Relações Internacionais; 1 licenciatura em Ciências Educação; 1 Licenciatura em Política Social
e 1 licenciatura em Reabilitação e Reinserção Social.
Assim do total dos participantes, 18 são do sexo feminino e 6 são do sexo
masculino e as suas idades estão compreendidas entre os 29 anos e os 60 anos (M=40,6).
No que se refere ao local onde os participantes exercem a sua atividade profissional
verifica-se que 11 são assessores do ISS aos TFM (45,8%) e exercem as suas funções no
âmbito das equipas multidisciplinares na área tutelar cível no ISS, IP, Ministério do
Emprego e da Segurança Social, e 13 dos participantes (54,2 %) são mediadores
familiares que exercem a sua atividade no SMF, Ministério da Justiça.
Todos os participantes têm formação superior pois trata-se de um requisito
obrigatório, quer para o acesso às funções de mediador familiar, quer para o desempenho
das suas funções técnicas. Da totalidade dos participantes, a maioria é licenciada em
Direito (33,3%), seguindo-se os licenciados em Psicologia (29,2%) e em Serviço Social
Atributos Frequência
(N)
Percentagem
(%)
Sexo
Feminino 18 75
Masculino 6 25
Idade
29 - 60
Local de trabalho
ISS 11 45,8
SMF 13 54,2
Licenciatura
Direito 8 33,3
Psicologia 7 29,2
Serviço Social 5 20,8
Outras Licenciaturas* 4 16,7
Curso de Mediação
Sim 18 75
Não 6 25
104
(20,8%), os restantes quatro participantes têm licenciaturas diversas na área das Ciências
Sociais e Humanas (16,7%).
Assim, considerando o total da amostra, a maioria de participantes é detentora de
um curso de mediação familiar acreditado pelo Ministério da Justiça (75%). Os
participantes do ISS, embora não conduzam processos de mediação familiar,
consideraram-na uma mais-valia para o desempenho das suas funções, especificamente
para a realização de entrevistas10 com os pais, no âmbito das avaliações parentais
compulsadas pelos magistrados do TFM.
Desta forma, do total da amostra, apenas seis participantes (25%) não possuem
formação em mediação familiar.
3.3.6.2 Processo de codificação
Como anteriormente referimos a presente investigação empírica assenta na
abordagem da GT e a análise dos dados foi feita com recurso ao software Qualitative
Solutions Research (QSR) NVivo 10 for Windows (Bazeley, 2010). Para tal, procedemos
à análise do conteúdo dos cinco focus groups através do desenvolvimento de sistema
hierárquico de categorias iniciado a partir de categorias prévias (construídas a partir da
revisão de literatura conjugada com a experiência profissional da investigadora) e com
base no surgimento de novas categorias e subcategorias que os dados e as questões
emergentes foram suscitando.
Conforme os focus groups foram sendo realizados os dados foram sendo tratados,
os textos das entrevistas seccionados em unidades de sentido de acordo com os objetivos
10 Após as alterações introduzidas pela Lei nº 141/2015, de 8 de setembro, que aprovou o Regime Geral do
Processo Tutelar Cível (RGPTC), a intervenção dos técnicos do ISS, no âmbito tutelar cível, passou a
denominar-se por “audiência técnica especializada.
105
gerais e específicos, as questões de investigação e o guião de entrevista, ao mesmo tempo
que alguns fragmentos, aparentemente sem interesse, foram guardados numa categoria
específica para eventual posterior (re) análise.
O processo de codificação e a criação de categorias é um processo criativo,
evolutivo e sistemático. Com base nas transcrições das entrevistas desenvolvemos a
codificação inicial que, entre outros aspetos, ajuda a questionar ideias preestabelecidas
ou intelectualizadas através da revisão de literatura efetuada. É importante ter o espírito
aberto e disponível para captar ideias e visões novas que os dados fornecem. À medida
que o processo de codificação avança, as categorias iniciais são revistas, reformuladas e
apuradas sendo simultaneamente integradas as categorias emergentes no sistema
categorial. Os domínios categoriais são assim sintetizados e organizadas as diversas
categorias mediante uma dinâmica recursiva que permite aceder a níveis de abstração
cada vez mais estritos (Bazeley, 2010; Charmaz, 2006). O ponto forte da codificação é a
codificação axial através da qual se visa obter um sistema categorial especificado, de tal
forma que, cada categoria discrimine as propriedades e as dimensões que lhe são
intrínsecas e em que as categorias e as subcategorias vão surgindo de forma interligada e
coerente.
No processo de construção das categorias e das subcategorias considerou-se o
critério da mútua exclusividade operacional, ou seja, a mesma referência pode ser
codificada em mais do que uma categoria desde que esteja patente a distinção funcional
entre as mesmas, quando tal não suceda deverá prevalecer a regra da mútua exclusividade.
Por outro lado, tivemos o cuidado de garantir que todo o conteúdo do documento
transcrito fosse codificado e que os segmentos de texto não codificados no sistema de
categorias principal fossem guardados, à parte, em categorias livres criadas para este
efeito. Criou-se assim uma categoria específica para guardar os extratos de texto
106
desprovidos de nexo, irrelevantes ou repetitivos, a qual permite, entre outros aspetos,
proceder a uma análise posterior, como atrás referimos.
3.3.7 Apresentação e discussão dos resultados
No final do processo de categorização obtivemos a árvore hierárquica de
categorias11, composta por cinco categorias principais: 1) conflito; 2) modelos de
mediação familiar; 3) estratégias de mediação familiar; 4) (Co) parentalidade na transição
para a SD; 5) perceções sobre os critérios de adequação da mediação familiar ao caso
concreto.
3.3.8 Conflitos identificados pelos participantes de acordo com as respetivas causas
Como sabemos a fase de SD é geralmente marcada por tensões e conflitos.
Algumas destas situações têm a sua génese algum tempo antes de despoletada a SD e são
determinadas por diversos fatores que se manifestam de múltiplas formas. A convivência
familiar é por natureza geradora de tensões, desafios e mudanças, que, requerem
permanente coordenação e cooperação de forma a integrar e equilibrar distintas forças e
características diferenciadoras e comuns aos membros da família. Assim, afigura-se
crucial iniciar este estudo, tentando investigar e identificar as características mais
frequentes dos conflitos conjugais/parentais que, frequentemente, surgem na fase de SD,
relativamente aos quais são chamados a intervir profissionalmente, quer os mediadores
familiares, quer e os técnicos do ISS. Por outro lado, é igualmente importante
compreender as causas dos conflitos mais comuns e a maneira como tendem a manifestar-
11 Apêndice C.
107
se. Sublinha-se, o carácter exploratório deste trabalho ao pretender penetrar os temas em
foco através do olhar dos mediadores familiares e dos técnicos do ISS, tentando (des)
cobrir possíveis padrões e significações relativamente a uma realidade tão emaranhada
como é o conflito entre o ex-casal/pais, na transição para a SD.
Tendo em conta a experiência e a proximidade dos participantes no estudo com o
tema do conflito, estes apresentam-se numa posição ímpar quando nos propomos
identificar as principais características das interações conflituosas entre os pais (ex-
casais), tais como: assuntos, contextos, padrões emocionais e de comunicação. De facto,
a compreensão do conflito é essencial, quer para a eficiência da atividade desenvolvida
pelos técnicos do ISS junto dos TFM, quer para a preparação e condução das várias
sessões do processo de mediação familiar. Assim, a caracterização e compreensão de um
determinado conflito em presença no início da mediação familiar fornece aos mediadores
familiares elementos e informações indispensáveis para o planeamento dos métodos e
estratégias mais adequados à abordagem e gestão construtiva das sessões que compõem
o processo de mediação familiar.
A desarmonia e as divergências inerentes a qualquer conflito abalam as relações
interpessoais, mas no contexto da SD estes aspetos negativos são geralmente muito
visíveis, frequentes e potencialmente devastadores. Consequentemente, a análise e a
avaliação crítica das situações em litígio e a sua caracterização remetem para as causas
do conflito. Estas causas manifestam-se na interação inter-partes, comumente de uma
maneira nublosa e obscura cabendo aos mediadores familiares promover a sua
visibilidade (Moore, 2003). Assim, como anteriormente referido no capítulo 1, impõe-se
aos mediadores desenvolver as estratégias necessárias à clarificação das fontes do
conflito, especificamente gerando conjeturas e hipóteses sobre as suas causas, de forma a
encontrar conjuntamente com as partes desavindas (mediados) os recursos disponíveis
108
(e.g. recursos da própria família, contexto da mediação) e possíveis de ativar para a
reposição de uma harmonia desejável em qualquer relação familiar.
Assim, a necessidade de compreender a formação e o desenvolvimento do conflito
familiar, nomeadamente no contexto da SD é crucial para uma condução criteriosa do
processo de mediação familiar (Moore, 2003). Então, neste trabalho, considerou-se uma
perspetiva do conflito a partir das suas fontes ou causas, as quais, podem ser agrupadas
em cinco categoriais principais:
Conflitos de informação: consistem em conflitos que têm como causa a falta ou a
insuficiência de informações relevantes para a respetiva compreensão e abordagem. Tais
conflitos podem residir em interpretações dissemelhantes sobre certos dados e sobre
informações disponíveis, bem como, diferentes conotações ou avaliações quanto aos
procedimentos legais ou extrajudiciais implementados por qualquer dos intervenientes.
Conflitos de interesses: traduzem conflitos causados por interesses substantivos e
concretos, mas incompatíveis entre si. Geram um confronto de vontades que se vai
desenvolvendo numa dinâmica competitiva entre os intervenientes que se debatem pela
vitória das suas posições. À medida que o conflito se desenvolve a relação entre as partes
vai sendo afetada negativamente.
Conflitos de relação: são causados por perceções erróneas e emoções fortes. Geralmente,
encontram-se relacionados com ideias estereotipadas, clichés, comunicação confusa,
empobrecida e por padrões negativos de comportamento. Em suma, estes conflitos
envolvem situações desencadeadas por comunicação disfuncional e por quadros
emocionais intensos.
Conflitos de valores: têm como causa diferentes critérios e avaliação de ideias, atitudes e
comportamentos, assim como, diferentes ideologias, religiões ou visões da vida.
109
Conflitos estruturais: consistem em padrões destrutivos de interação, podem estar
relacionados por desigualdades de património ou de distribuição dos recursos entre os
intervenientes e por desequilíbrios de poder, podendo também estar associados a fatores
geográficos e a restrições de tempo e de partilha de tarefas familiares que dificultam ou
impedem a cooperação. Alguns dos conflitos incluídos nesta categoria podem agregar na
sua estrutura comportamentos criminosos.
Figura 3. Tipos de conflitos mais referidos pelos participantes nos focus groups
realizados com mediadores familiares e assessores do ISS (nº de referências).
De acordo com os dados exibidos na figura 3 os conflitos de relação são os que
mais se destacam apresentando 19 referências e sendo identificados, quer nos focus
groups realizados com mediadores familiares, quer nos focus groups realizados com
assessores do ISS (FG1-MF, FG2-MF, FG3-MF, FG4-ISS e FG5-ISS). Os conflitos
estruturais apresentam 9 referências sendo identificados pelos mediadores familiares e
pelos técnicos do ISS, embora surjam com maior saliência nos focus groups do ISS (6
referências) do que no grupo dos focus groups com mediadores, o que pode justificar-se
tendo em conta uma maior probabilidade de concentração deste tipo de conflitualidade,
mais dura, no contexto judicial, em cujo raio de ação os técnicos do ISS desenvolvem a
3 2 54411 8
194 2
6
3 6
9
FG - MF FG - ISS Total: FG -MF + FG - ISS
5 : Conflitosestruturais
4 : Conflitos devalores
3 : Conflitos derelação
2 : Conflitos deinteresses
1 : Conflitos deinformação
110
sua intervenção, ao invés dos mediadores familiares que desenvolvem a sua atividade
num âmbito mais amplo em que concorrem não só processos provenientes de tribunal,
mas, também processos em que a iniciativa inicial de recorrer a mediação familiar é
despoletada voluntariamente pelos interessados. Os conflitos de valores são referidos 6
vezes em 4 dos cinco focus groups realizados (FG1, FG3, FG4 e FG 5). Os conflitos de
informação são identificados em 4 focus groups (FG1, FG2, FG3 e FG4) sendo referidos
5 vezes. Finalmente, os conflitos de interesses são referidos 4 vezes, apenas pelos
participantes dos focus groups do ISS.
A análise da figura 3 permite-nos constatar que no âmbito dos conflitos familiares
decorrentes de SD os conflitos de relação são claramente os mais referidos sendo
identificados em todos os focus groups independentemente da atividade exercida pelos
participantes no estudo. Este resultado, é assim concordante com um potencial aumento
de toxicidade emocional e com padrões disfuncionais de comunicação que o despoletar
do processo de SD reitera.
O tópico do conflito começou por ser examinado através de uma categoria inicial
procedente do guião de focus groups. Com o desenvolvimento do processo de codificação
esta categoria foi sendo revista e refinada visando a construção de unidades conceptuais
cada vez mais estritas. Deste processo resultou a subsunção dos dados assim obtidos na
teoria existente inserta na tipologia das causas do conflito propostas por Moore (2003).
Ainda com base nos dados expostos no Figura 1 importa expor sinteticamente as
causas mais frequentes que caracterizam os conflitos familiares evidenciados na fase de
SD.
Tabela 5
Tipos de conflitos identificados pelos participantes nos cinco focus groups
111
A tabela 5 apresenta o nº total de referências (43) indicadas pelo conjunto dos
participantes nos focus groups (24) e o nº de referências e de participantes que nomearam
cada um dos cinco tipos de conflito.
3.3.8.1 Conflitos estruturais
Os conflitos estruturais ilustrados pelos participantes comprovaram interações
conjugais/parentais com impacto potencialmente nocivo e, por isso, suscetíveis de vir a
colocar em causa o bem-estar físico e/ou psíquico da criança conforme o nível de
gravidade e de perigosidade presente ou latente nas condutas envolvidas.
Uma abordagem multidisciplinar destes conflitos poderá contribuir para a
eficiência do processo de mediação familiar, tendo em conta a necessidade de integrar
diferentes conhecimentos (e.g. jurídicos, psicologia) e o impacto potencialmente negativo
para as pessoas envolvidas neste tipo de conflito.
De acordo com a tabela 2, categoria conflitos estruturais foi referida 9 vezes, por
6 participantes do total dos 24 participantes no estudo.
Nº de participantes
(24)
Nº de referências
(43)
Conflitos estruturais 6 9
Conflitos de valores 5 6
Conflitos de relação 12 19
Conflitos de interesses 3 4
Conflitos de informação 5 5
112
A análise da categoria “conflitos estruturais” permite discriminar dois grupos de
conflitos estruturais: 1) os conflitos que integram situações que configuram factos
tipificados na lei como crimes; 2) conflitos que compreendem situações não tipificados
legalmente como crimes.
Os participantes referiram situações de conflito que claramente integram condutas
qualificadas como crimes, tais como: violência doméstica; pedofilia, subtração de
menores. Um dos mediadores referiu a dificuldade de abordar este tipo de conflitos
através de mediação familiar tendo referido: “Noutro dia recebi um caso de pedofilia.
Não há mediação que valha, nem se consegue muitas vezes.” (FS2M). Alguns conflitos
estruturais comportam situações graves para as crianças e/ou para outras pessoas
envolvidas que confrontam os mediadores familiares com questões de elevada
especificidade técnica e exigência ética. Um dos participantes do ISS relembra uma
situação de subtração de menor de idade referindo, “Lembro-me, foi no verão passado,
foi um caso de um pai que subtraiu a criança, portanto, num dos fins de semana, a criança
foi visitar e num dos convívios com o pai e nunca mais o pai devolveu a criança à mãe.
É claro que a mãe ficou muito preocupada, isto passou-se há muito tempo. Quando o
processo chegou aqui a criança já estava com o pai há um ano e a mãe não sabia onde
morava o pai nem tinha qualquer contacto da escola da criança” (M2S).
No segundo grupo de conflitos estruturais, incluem-se conflitos que sendo nocivos
não integram factos tipificados como crime. Os participantes referem conflitos que são
potencialmente nefastos por complexificarem e endurecerem as relações entre os
intervenientes e, consequentemente dificultarem o ajustamento dos pais e das crianças à
fase de SD, na medida em que obstam à reorganização e a redefinição familiar. Traduzem
situações caracterizadas pela rigidez e pelo desequilíbrio e condições de negociação, tais
113
como, “Era na questão habitacional, era na questão económica! Eles dependiam dos
avós da menor. (FF1S).
3.3.8.2 Conflitos de valores
Os conflitos de valores têm como causa diferentes critérios e maneiras de
avaliação de ideias, atitudes ou comportamentos. Radicam em diferentes ideologias,
religiões ou visões da vida.
De acordo com a tabela 2, categoria conflitos de valores foi referida 6 vezes, por
5 participantes do total dos 24 participantes no estudo.
Tendo em conta, que nos conflitos de valores estão em causa diferentes culturas,
religiões, visões de vida ou comportamentos, é frequente verificar-se neste tipo de
conflitos, alguma forma de colisão entre maneiras de pensar e de viver, sendo que cada
um dos protagonistas do conflito tem a convicção profunda da superioridade das suas
ideias, opiniões ou crenças face às do outro, tal como sucede, por exemplo, relativamente
à prática do nudismo ou quanto à alimentação vegetariana. Neste sentido, é referido que,
“Tive o mesmo problema com pais nudistas. Ficou resolvido que o pai quando está com
a criança não vai para a praia dos nudistas, mas foi tão difícil chegar a isto.” (FF1M);
outro participante recorda, “Estou a lembrar-me de uma situação em que o pai era
vegetariano e a mãe não, e era muito complicado, porque o filho não ia comer carne e
ia comer comidas diferentes das que ela preparava. Foi um bocadinho complicado gerir
isso. “(FS1M). Outros conflitos radicam em questões religiosas e culturais como ilustra
um dos participantes ao expor que, “(…) foi um casal, namoravam e, entretanto, ela
engravidou, teve a criança, mas eles nunca viveram juntos, portanto, cada um vivia na
sua casa, e ele disse: eu sempre disse que não queria filhos, não quero! Nem durante a
114
gravidez esteve com ela, ela ficou extremamente magoada, mas resolveu ir para a frente
com a gravidez, ela é de origem indiana e religiosa também. “(FC2S)
Deste modo, os conflitos de valores são sustentados por argumentos e pelas
convicções profundas de cada uma das partes, por isso, são na sua essência ideológicos e
enraizados nas tradições familiares, na sociedade e na cultura. Configuram, pois,
situações que requerem dos mediadores familiares o uso de estratégias específicas que
promovam a compreensão, a flexibilidade e a criatividade conforme os participantes nos
focus groups comprovaram. Neste sentido, os mediadores familiares quando
confrontados com este tipo de conflitos tentam diversas abordagens conforme os
contornos do caso, nomeadamente reorientando o debate para um valor supra-individual
convergente (e.g. amor aos filhos; opinião dos filhos, etc.) ou promovendo um
questionamento com vista à ampliação do campo de reflexão criando, pois, condições que
ajudem as pessoas a pôr em perspetiva as suas convicções iniciais.
3.3.8.3 Conflitos de relação
No que concerne à categoria “conflitos de relação” compete frisar que de acordo
com a tabela 2, este tipo de conflitos é o mais saliente tendo sido referid1 19 vezes, por
12 participantes do total dos 24 participantes no estudo; por outro lado, os conflitos de
relação foram ainda referidos em todos os focus groups realizados conforme também se
extrai do Figura 1.
Os conflitos de relação estão associados com emotividade intensa e com padrões
de comunicação disfuncional, conforme os participantes nos focus groups exprimiram ao
referirem que os protagonistas no conflito “Estavam muito presos ao emocional, se
calhar por não terem muito ou não terem nada da visão do outro sobre a mesma
115
realidade.” (FJ1M). Por sua vez, o clima emocional negativo também contribui para a
manifestação de padrões disfuncionais de comunicação como refere um dos mediadores
familiares, “Ela vivia numa parte da casa, ele vivia noutra parte da casa, foi muito difícil,
porque eles ainda gostavam um do outro, ela gritava que o amava, ele gritava que a
amava. ‘Mas o quê que vocês querem?’ Tive que conter o conflito, clarificar o quê que
cada um queria e, se efetivamente queriam mesmo se divorciar.” (FS2M). De notar, que
as estratégias apontadas para gerir o conflito como “conter” e “clarificar” podem
contribuir para ajudar a lidar com as causas, eventualmente, ocultas ou manifestas do
conflito, mas é especialmente importante planear a condução do processo de mediação
familiar de acordo com as estratégias e as metodologias mais apropriadas a uma
abordagem eficiente do conflito. Neste sentido, Moore (2003) salienta a importância de
os mediadores familiares terem como ponto de partida um “mapa de conflito” que lhe
permita nortear a sua intervenção de forma produtiva.
3.3.8.4 Conflitos de interesses
Do total dos 24 participantes 3 deles identificaram conflitos de interesses
conforme indicado na tabela 2. Por sua vez, dos 5 focus groups realizados os conflitos de
interesses apenas foram mencionados nos 2 focus groups com assessores do ISS sendo
que nenhum mediador familiar os referenciou.
Os conflitos de interesse têm na sua génese dinâmicas competitivas que dificultam
o consenso entre os mediados, “portanto, há desacordo relativamente às posições das
partes, não apenas relativamente ao exercício das responsabilidades parentais, mas
também, sobretudo tem-nos aparecido muitos casos relativamente à divisão das questões
patrimoniais.” (FM2S). Frequentemente, as posições defendidas pelos mediados
116
aparentam ser despropositadas em relação ao conflito objetivamente considerado e à
energia com ele despendida, contudo os conflitos de relação estão enraizados em
emoções, padrões de comportamento e motivações mais profundas que importa
compreender. Para tal, é crucial delimitar a matriz dos conflitos de interesses e perceber
de que forma este tipo de conflito se apresenta emaranhado com outro género de questões
relativas à comunicação, a aspetos emocionais, ou contextuais que são endereçadas a
fontes de conflitos relacionais. Esta constatação permite-nos, assim, admitir que os
mediadores familiares subsumiram os conflitos de interesses - uma vez que os não
identificaram como um tipo de conflito autónomo - na complexidade intrínseca a outras
tipologias de conflito, nomeadamente os conflitos de relação e os conflitos estruturais,
que são os mais frequentes nas relações familiares em geral e, especificamente na fase de
SD.
3.3.8.5 Conflitos de informação
Do total dos 24 participantes 5 deles referiram a categoria “conflitos de
informação” 5 vezes, conforme os dados apresentados na tabela 2. Em contrapartida, nos
5 focus groups os conflitos de informação são assinalados em 4 dos focus groups
realizados.
Os mediados podem sentir-se imersos numa quantidade de preocupações e
informações suscetíveis de bloquear ou diminuir a sua capacidade de reflexão e de decisão
de forma a que, “muitas vezes, não conseguem avançar porque eles estão muito tensos,
porque estão a mexer, na criança, no dinheiro, na outra família que lá está e muitas vezes
é preciso parar, vão pensar, vão fazer contas, vão esfriar os ânimos e refletir. (FV3M).
Esta acumulação de situações e de preocupações gera confusão e ambiguidade, o que
117
potencia ainda mais o stress emocional associado à fase de SD, podendo dificultar ou
bloquear a capacidade para refletir, avaliar e decidir. A quantidade de preocupações e de
informações, por vezes, dispersas e díspares são aspetos comuns durante o processo de
SD que nutrem negativamente o conflito sendo, por isso, crucial delimitar o tempo e o
espaço indispensáveis para a construção do clima colaborativo, de reflexão, clarificação
e autodeterminação, adequado à tomada de decisões responsáveis que o processo de
mediação familiar almeja proporcionar a quem dele faz uso. De facto, muitos conflitos
propagam-se e degeneram em dinâmicas endurecidas pela lógica judicial, onde,
claramente falha a mediação familiar pré-judicial de matriz preventiva. Neste sentido um
mediador familiar participante neste estudo refere que, “Há uma confusão mental, no
sentido em que eu já não sei o que fazer para resolver isto, o quê que é melhor o quê que
não é, toda a gente diz o quê que é melhor o quê que não é. E, quando são chamados a
eles próprios decidirem, obviamente não estão habituados e há uma reação de bom eu
não sei… eles próprios são umas crianças nalgum sentido face ao conflito. “(FC2M).
Assim, o conhecimento das causas que energizam o conflito mostra-se
extremamente útil para o planeamento das sessões de mediação familiar, na medida em
que fornece ao mediador familiar pistas e informações cruciais sobre a forma como as
partes se encontram enredadas no conflito. A recolha destes elementos visa permitir ao
mediador familiar preparar as sessões e desenvolver as estratégias mais ajustadas à
abordagem da situação.
118
Figura 4. Principais objetivos do mediador familiar na fase inicial da mediação familiar.
Elaborámos a figura 4 com o intuito de ilustrar as etapas e as intervenções a
desenvolver durante o processo a mediação familiar. De acordo com o exposto o resultado
do processo de mediação familiar está relacionado com uma multiplicidade de fatores,
que são abordados através de estratégias e instrumentos específicos decorrentes do quadro
teórico e metodológico adotado pelo mediador familiar, os quais, visam criar um contexto
colaborativo baseado na empatia, responsividade e aliança profissional conforme se
representa na figura 4. O contexto colaborativo permite ao mediador familiar desenvolver
duas tarefas principais: 1) identificar as causas e mapear o conflito de forma a desenhar
um plano para a sessão; 2) identificar situações impeditivas ou não adequadas para a
mediação familiar, isto é, proceder à triagem do caso.
O conflito entre os pais é considerado de forma consistente pela investigação
científica como sendo um evento adverso para as crianças e os adolescentes antes e
durante a separação (Amato, 2000; Cummings & Davies, 2002; Kelly & Emery, 2003),
bem como, após a separação ou o divórcio (Weaver & Schofield, 2015). Por isso, a
abordagem do conflito é para os mediadores familiares um desafio, cuja complexidade
requer inteleção teórica, sensitividade e responsividade.
Med
iador
Sin
ton
izad
o, re
spo
nsi
vo
, re
flex
ivo
, em
pát
ico
Identificar as fontes do conflito
Mapa do conflito
Desenhar intervenções
Contexto colaborativo
Avaliar situações criticas Identificar barreiras e limites à Mediação
Familiar
119
As causas específicas que caracterizam e permitem identificar tipologias de
conflitos familiares são diversas, mas é a relação entre o ex-casal/pais que surge como
sendo o foco do qual procede a história (im) previsível de cada família na transição para
SD. Deste modo, o processo de mediação familiar incide, também, em torno da relação
do ex-casal para que os acordos legais exprimam conteúdo prático e sejam uma forma de
desenvolvimento positivo da relação de coparentalidade para além da SD. O conflito é a
maneira humana de exprimir os significados que a crise na interação tem para as pessoas
(Bush & Folger 2005),3assim como, fornece a energia que proporciona mudança (social,
familiar, individual, etc.) por isso, importa aos mediadores familiares direcionar tal
potencial criativo para melhorar a qualidade dos ambientes nas famílias separadas ou
divorciadas, sendo que, a forma positiva ou negativa como os membros de subsistemas
interdependentes conseguem lidar com o conflito emerge, precisamente, da fratura
produzida pela quebra dos padrões antigos e pelo esforço de ajustamento a novos padrões,
cujo impacto na reorganização do processo de adaptação à SD é inegável.
Assim, no presente estudo, a análise das categorias emergentes do tema “conflito”
permitiu comprovar que as causas mais prominentes do conflito, durante a SD,
assinaladas por Moore (2003) foram identificadas pelos participantes nos focus groups.
No entanto, como é tangível foram os “conflitos de relação” os mais proeminentes, dado
que, na teia dos vínculos familiares, o conflito tende a expandir-se provocando ondas de
choque que alteram a forma como as pessoas se organizam e comunicam entre si e entre
os subsistemas familiares. De notar, que o comportamento e a comunicação entre as
pessoas são geralmente afetados em consequência do conflito, independentemente da
presença de causas concretas que permitam indiciar uma tipologia de conflito diversa do
conflito estritamente relacional. Assim, os “conflitos de relação” aparentam ser
120
transversais e concomitantes com outras tipologias de conflito familiar
independentemente das suas causas. Assim, salienta-se a pertinência para a condução do
processo de mediação familiar, em discernir a forma como as causas tipológicas do
conflito se entrelaçam ou não na interação/relação entre os protagonistas do conflito.
O desenvolvimento do processo de exploração do tema conflito e de categorização
permitiu ainda examinar e conceptualizar um domínio de fatores que aparentam influir
no conflito ativando-o ou pacificando-o, os quais decorrem hierarquicamente da categoria
principal, intitulada “fatores de influência no conflito”.
3.3.8.6 Fatores de influência no conflito
Os fatores de influência no conflito compreendem num conjunto de eventos que
ocorrem no contexto do conflito e que se apresentam como sendo potencialmente
impactantes no rumo do conflito ao longo do tempo. Assim, distinguem-se das causas do
conflito por consistirem em eventos de natureza exógena ao núcleo genético e fulcral de
um conflito pré-existente.
A análise desta categoria – fatores de influência do conflito – permitiu discriminar
dois grupos de fatores com impacto na dinâmica do conflito, que denominámos de: os
fatores ativadores e de fatores pacificadores do conflito.
121
Figura 5. Fatores de influência no conflito referidos pelos participantes nos focus groups
(nº de referências).
Na figura 5 encontram-se agrupados, na coluna 1, os três focus groups realizados
com mediadores familiares (FG-MF) e na coluna 2, os dois focus groups efetuados com
assessores do ISS aos TFM (FG-ISS). É assim possível observar a frequência com que os
fatores ativadores e os fatores pacificadores do conflito foram referidos pelos dois grupos
de participantes. Os fatores ativadores foram referidos 38 vezes e os fatores pacificadores
16 vezes, no total dos cinco focus groups. Salienta-se a frequência mais elevada, quer dos
fatores ativadores com 26 referências, quer dos fatores pacificadores com 10 referências,
revelada nos FG-ISS, comparativamente com os FG-MF que referiam os fatores
ativadores 12 vezes e os fatores pacificadores 6 vezes. Estes fatores parecem assim ser
mais facilmente tangíveis e identificáveis pelos assessores do ISS que intervêm
unicamente em processos judiciais. Por outro lado, o tipo de intervenção dos assessores
e dos mediadores familiares, sendo diferente, também pode influir na valorização e
perceção que cada um destes grupos de profissionais atribui a certos aspetos relacionados
com o conflito.
12
266
10
F G - M F F G - I S S
Fatorespacificadores
Fatoresativadores
122
3.3.8.6.1 Fatores ativadores
Os fatores ativadores do conflito consistem em situações contextuais que
estimulam e nutrem o conflito entre as partes.
Figura 6. Fatores ativadores do conflito.
Como se extrai da observação da figura 6, a partir da análise da categoria “fatores
ativadores” emergiram quatro subcategorias: 1) classe social, com 3 referências; 2)
interferência de terceiros, com 19 referências; 3) sistema judicial, com 12 referências; 4)
tempo do conflito, com 5 referências. De notar que as categorias “interferência de
terceiros” e “sistema judicial” foram as mais referidas, quer pelos participantes nos FG-
MF, quer pelos participantes nos FG-ISS.
Classe social elevada
A categoria “classe social elevada” - referida apenas pelos assessores do ISS -,
foi identificada como sendo um fator promotor do conflito, designadamente, porque a
6 63
13
6
5
A : Classe socialelevada
B : Interferencia deterceiros
C : Sistema Judicial D : Tempo deconflito
FG - ISS
FG - MF
123
ausência de condicionamentos financeiros permite o acesso a especialistas influentes e
reconhecidos no circuito judiciário onde o conflito se desenrola, conforme um
participante nos focus groups descreve, “eu, às vezes, penso: ‘porquê que isto acontece?’
Mas, depois isto liga-se com os advogados, porque os estratos sociais mais elevados têm
possibilidade de contratar advogados, chamados da praça, que não amenizam de
maneira alguma o conflito e agravam-no. (…) São maus tratos psicológicos em que não
é aberto processo de promoção e proteção, exatamente porque eles são de classes altas,
isto são factos que têm que ser analisados e perceber porquê. (FA2S). De notar, que o
poder económico das pessoas envolvidas no conflito permite proporcionar recursos
jurisdicionais passíveis de incrementar a adversariedade, nomeadamente requerimentos,
recursos, processos ou outros expedientes judiciais; por outro lado, também o estatuto
social dos litigantes pode ter influência, ainda que subtil, em determinadas decisões
institucionais e dar aso a que possam vir a ser desvalorizados comportamentos nocivos
para as crianças ou até suscetíveis de justificar a abertura de um “processo de promoção
e proteção”.
Deste modo, quando não existem constrangimentos financeiros há menor
preocupação com os gastos associados ao prolongamento dos processos judiciais e as
questões patrimoniais, culturais e sociais tendem a complexificar-se nas classes mais
elevadas potenciando, por isso, a propagação e o aumento do conflito.
Interferência de terceiros
A categoria “interferência de terceiros” compreende dois tipos de intervenientes,
cuja influência desadequada pode ser ativadora de conflito e prejudicial para o
desenvolvimento do processo de mediação familiar: 1) os advogados; 2) família extensa.
124
Os advogados têm influência nas decisões dos seus clientes, comumente estes
confiam naqueles. Por outro lado, o advogado tem para com o seu cliente o dever de
parcialidade devendo empenhar-se para que os seus direitos e interesses prevaleçam sobre
os da outra parte de forma a ganhar a causa. Contudo, esta triangulação de interesses entre
o advogado o cliente e o contexto de decisão parental (Tribunal ou mediação familiar) é
referenciada pelos participantes nos focus groups como sendo um fator gerador de tensão
e uma barreira à consensualidade, “Sinto que nós estamos aqui em duas linguagens e dois
objetivos diferentes, enquanto, nós, é claro, queremos é proteger o miúdo e queremos é
que a solução seja o melhor possível para a criança - nem sempre eu sinto isso, nem
sempre! Não sinto em todas as situações. Sinto, mais do outro lado, o puxar a brasa à
sua sardinha: ‘ok! Vamos ver se o meu cliente ganha isto!’” (FC2S). Salienta-se,
também, o fomento e a reativação do conflito através da implicação dos advogados na
morosidade dos processos judiciais e na replicação de incidentes, nomeadamente,
quando, (…) o advogado de um põe uma ação e o advogado do outro põe outra ação e
prolongam estes processos no tempo prejudicando as crianças de uma forma que eu
penso – ‘como é possível?!’” (FA2S).
A interferência de membros da família extensa no conflito entre os mediados é
mencionada indicada como sendo outro fator que alimenta e mantém o diferendo ativo.
Por vezes, (…) “a conflitualidade quase que não é entre os pais, mas sim entre as
famílias, os avós, isso, por vezes acontece muito” (FH1S), ocorrendo situações em que,
“o conflito não era entre os progenitores da menina, mas sim entre as famílias, entre a
família alargada e eles. Conseguiram trocar telefones, combinaram a partir de ali
encontrarem-se sem os respetivos pais saberem.” FH1S, assim como, “às vezes, a
entrada de um terceiro elemento na vida, de um ou de outro, pode ser perturbador (…)”
(FS2M) provocando tensão e novos conflitos.
125
Sistema judicial
A análise da categoria sistema judicial permite evidenciar os efeitos negativos que
o contexto de tribunal comporta para a resolução dos conflitos familiares, especialmente
os conflitos emergentes da SD que envolvem os filhos. A colocação de uma ação judicial
é geralmente sentida pela pessoa a quem a mesma se dirige como sendo, por um lado,
uma investida e uma afronta e, por outro, como sendo uma declaração formal de
antagonismo e de desistência de diálogo. Consequentemente a existência de um processo
judicial ao ter impacto negativo no conflito inter-partes tem também repercussão no
desenvolvimento construtivo do processo de mediação familiar, uma vez que, “se é
processo de Tribunal a interação é sempre péssima, vêm sempre zangadíssimos com o
conflito aceso, é muito difícil a interação, da minha experiencia dos processos de tribunal
não consigo chegar a bom porto (…) “(FS2M). Desta forma, o processo de tomada de
decisão parental, nomeadamente no âmbito da mediação familiar, corre o risco de se
tornar inviável, pois, “como é que podemos estar a falar de Responsabilidades Parentais,
quando aqueles seres humanos, independentemente de serem pais ou mães, têm todo um
caos nas suas vidas pessoais e individuais como os que vêm de tribunal, é que, depois,
aquilo é uma escalada de tal maneira, que ia dizer uma loucura, no sentido não técnico.”
(FS2M). De notar, que o esquema lógico12 em que assenta todo o sistema judicial é
propício ao progresso do conflito, como refere um dos participantes neste trabalho “Eu
penso é que o próprio sistema reforça o conflito, porque do ponto de vista do nosso
sistema judicial (…) é quase como se houvesse um culpado e um não culpado, não há a
12 Importa clarificar que este estudo foi realizado antes da publicação da Lei nº 41 de 2015, de 8 de setembro (RGPTC), a qual, introduz alterações, nomeadamente, quanto ao princípio da oralidade, audição técnica especializada e Mediação Familiar.
126
questão do acordo, parece que tem que haver um vencedor e um perdedor e é essa a
linha, por mais que se tente mediar.” (FH1S).
Tempo do conflito
A categoria “Tempo do Conflito” apresenta 5 referências, verificando-se que o
facto de o conflito ser mais recente ou menos recente não é, por si só, um fator ativador
do conflito, uma vez que, quer a subcategoria bastante tempo de conflito13, com 3
referências, quer a subcategoria pouco tempo de conflito14, com 2 referências, indiciam
uma repercussão negativa sobre o conflito. Assim, a ativação do conflito em função da
quantidade de tempo decorrido não é clara, pois “se apanhamos o processo muito no
início do divórcio a litigância é enorme, as coisas estão ali muito latentes e, portanto, em
termos do conflito, para mim, é muito mais difícil de gerir a situação. (FF1S), mas, por
outro lado há casos em que (…) não é um caso recente, mas o luto, quanto a mim, não
está feito de forma nenhuma. (FL1S). Desta forma, a análise desta categoria permite
depreender que o “tempo de conflito” quando conjugado com fatores pessoais e
contextuais (e.g. choque emotivo face à declaração de separação do outro ou a notificação
inesperada para audição num processo judicial que se encontrava parado há muito tempo)
apresenta-se como sendo um fator com influência no curso e na expressão do conflito.
Assim, a análise dos resultados da categoria “fatores ativadores” permite
comprovar que o conflito é uma realidade dinâmica, complexa e multideterminada, cuja
evolução é marcada por eventos, não raras vezes, impercetíveis e imprevisíveis.
13 Esta subcategoria e os resultados respetivos apresenta-se com maior detalhe no apêndice C – Sistema
Hierárquico de Categorias – focus groups. 14 Esta subcategoria e os resultados respetivos apresenta-se com maior detalhe no apêndice C – Sistema
Hierárquico de Categorias – focus groups.
127
3.3.8.6.2 Fatores Pacificadores
Os fatores pacificadores consistem em aspetos que têm uma influência
amenizadora sobre a interação conflituosa.
Figura 7. Fatores Pacificadores do Conflito.
Como se expõe na figura 7, a análise dos 5 focus groups realizados permitiu
identificar duas categorias de fatores pacificadores do conflito: motivação para a
mediação e tempo do conflito. A categoria motivação para o diálogo apresenta 2
referências nos FG-ISS e 4 referências nos FG-MF, com um total de 6 referências nos 5
focus groups realizados. Por sua vez, a categoria “tempo do conflito” apresenta um total
de 10 referências, das quais, 7 respeitam aos FG-ISS e 3 referências aos FG-MF.
Motivação para a mediação
A categoria “motivação para a mediação” caracteriza-se pela preferência
voluntária e autónoma pela mediação familiar, pelo interesse pelo diálogo e pela
predisposição para a reflexão sobre os assuntos em que há divergência de pontos de vista.
A natureza apaziguadora que caracteriza a personalidade de algumas pessoas
parecer indiciar uma influência benéfica na interação conflituosa, porquanto, “Nós,
43
2
7
A : Motivação para odiálogo
B : Tempo de conflito
FG - ISS
FG - MF
128
também apanhamos muitos tipos de processos e muitos tipos de casais, e acho que um
fator muito importante também é a personalidade porque há pessoas que quase que não
estão em conflito. (FL1S). Também, a possibilidade de usufruir de um contexto adequado
à reflexão sobre os vários assuntos e problemas que, no momento, preocupam os pais,
otimiza a vivência construtiva da SD e previne eventuais desentendimentos, considerando
que, “(…) há alguns casos em que os pais procuravam mais um espaço de reflexão na
mediação do que propriamente um espaço para… digamos, para exteriorizarem
qualquer conflito (…). (FJ3M). Acresce, que a iniciativa pessoal, voluntária e livre de
constrangimentos de quem recorre a mediação familiar mostra-se um fator predisponente
para o diálogo construtivo influenciando, assim, positivamente o desenvolvimento da
dinâmica interpessoal do conflito e, consequentemente, o processo de mediação familiar,
uma vez que, “quando eles nos aparecem aqui diretamente, quando contactam o SMF
(…), quando é um deles a pedir o outro vem um bocadinho por arrasto, depende da
situação, mas nunca tive assim aqueles conflitos acesos semelhantes aos do tribunal.
(FS2M).
Importa notar, que nos casos em que o processo de mediação familiar é
desencadeado no contexto de um processo judicial, os intervenientes tendem a aceitar a
mediação familiar independentemente de se sentirem motivadas para tal, podendo existir
apenas uma aparente voluntariedade assente na suposta conveniência em não contestar o
juiz que sugeriu a mediação familiar, por isso, é essencial confirmar a voluntariedade da
adesão ao processo de mediação familiar.
No que concerne à análise da categoria Tempo de Conflito, verificamos que a
subcategoria “bastante tempo de conflito” totaliza 7 referências enquanto a subcategoria
“pouco tempo de conflito” apresenta apenas 2 referências 15 o que revela, que o decurso
15 Conforme Apêndice C –Sistema Hierárquico de Categorias.
129
do tempo sobre o estalar do conflito tem um impacto positivo e pacificador da interação
conflitual.
Por outro lado, salienta-se que o fator pacificador tempo de conflito foi mais
expressivamente identificado nos FG-ISS (7 referências) do que nos FG-MF (2
referências). O contacto exclusivo com pais envolvidos em processos judiciais por parte
dos assessores do ISS pode ajudar a explicar a perceção mais aguda destes profissionais
relativamente à influência benéfica da passagem do tempo sobre o desencadear da
dinâmica conflituosa.
Assim, a passagem de tempo sobre o conflito emerge claramente como sendo um
fator pacificador da dinâmica do mesmo, o que, curiosamente não sucede com a influência
do decurso do tempo relativamente aos “fatores ativadores” do conflito. Neste ultimo
caso, a passagem de “bastante tempo” ou de “pouco tempo” não aparenta ser um fator
que, isoladamente, ative a expressão do conflito, diferentemente do que sucede quando
consideramos o fator tempo em função da sua influência pacificadora no conflito.
De notar, que o ex-casal em processo de SD precisa de tempo para fazer o luto
pela desintegração do projeto de vida em comum e para edificar novas bases da
parentalidade futura, portanto, “nos casos em que já passou um ano ou dois que o
processo nos chega [ao ISS], pela primeira vez, eu acho é que, a pessoa já teve tempo de
fazer um certo luto da relação, um certo distanciamento e consegue objetivar melhor as
coisas. “(FF1S), por isso, “quanto mais tempo decorreu, mais esbatido está o conflito
(…)” (FL1S). Por outro lado, o processo de aceitação e de reestruturação das emoções
experimentadas pelas pessoas em situação de SD necessita de tempo para que numa nova
visão interna da realidade possa ser integrada, então, “em algumas situações eles
acalmam quando já está mais digerida a situação.” (FP1S).
130
Em resumo, a análise do conteúdo dos cinco focus groups realizados permitiu
extrair a categoria principal “Conflito”, tendo-se identificado, por um lado, as causas
mais frequentes de conflitos familiares na fase de SD e, por outro lado, os principais
fatores de influência no progresso do conflito
A identificação dos tipos de conflito com base nas suas causas permite considerar
as suas características principais, o seu encadeamento e a sua história, possibilitando,
assim, o seu mapeamento e a preparação dos métodos e estratégias a utilizar na sua
abordagem. Concomitantemente, o mediador familiar deve promover progressivamente
a busca de esclarecimento relativamente a fatores contextuais que possam envolver o
núcleo do conflito ativando-o ou pacificando-o. Segundo, Brack, et al. (2011) os
mediadores familiares são semelhantes a cientistas práticos orientados pela perspetiva da
Grounded Theory, no sentido em que ambos buscam a ordem no meio do caos. Assim, a
determinação das causas do conflito e a compreensão do impacto de fatores contextuais
na sua dinâmica apresentam-se como sendo dimensões cuja influencia recíproca deve ser
analisada, com especial pertinência na primeira fase da mediação familiar.
A análise dos resultados emergentes das categorias tipos de conflitos e fatores de
influência no conflito permite comprovar a pertinência para a prática da mediação familiar
a observação de uma perspetiva do conflito como realidade ecologicamente
multideterminada e complexa , a qual, é formada por uma teia de relações dissonantes
entre o ex-casal/pais que ocorrem no núcleo microssistémico, incisivo e preciso, mas
evoluem numa relação de interdependência com múltiplos fatores ambientais relativos ao
mesossistema (e.g. família extensa, amigos, etc.), e ao macrossistema (e.g. sistema
judicial, cultura, etc.), (Brack, et al.,2011).
Não raras vezes, as causas latentes do conflito e os padrões de comportamento não
são conscientes para as pessoas, por isso, os mediadores familiares que adotam estilos de
131
mediação interventivos e transformativos, surgem, à partida, melhor posicionados para
desenvolver uma abordagem do conflito complexa e ecológica do que os mediadores
familiares que se revêm em estilos avaliativos ou facilitativos assentes na causalidade
linear e no pressuposto que de as opções das pessoas são geralmente lógicas e objetivas
(Kressel, 2007).
3.3.9 Estratégias de mediação familiar
Um dos objetivos deste trabalho consiste em conhecer as estratégias que os
mediadores familiares e os técnicos do ISS utilizavam no âmbito das suas intervenções
(mediação familiar e assessoria técnica aos TFM). Para tal, incluímos este tópico-chave
– “estratégias” – no guião de focus groups que aplicámos aos participantes neste estudo,
cujos resultados iremos seguidamente apresentar.
Importa, portanto, referir que a categoria “estratégias”, consiste no conjunto de
procedimentos, estruturados, conscientes, reflexivos e criativos desenvolvidos pelo
mediador familiar, na interação com as partes, com o objetivo de as ajudar a (re) construir
e a produzir soluções adaptativas para elas e para os filhos, na transição para a SD.
A partir desta categoria nuclear surgiram duas categorias principais
conceptualizadas com base na função que desempenham na condução do processo de
mediação familiar: a categoria gestão do conflito e a categoria “organização do
processo” de mediação familiar.
A categoria gestão do conflito subdivide-se em duas outras categorias:
comunicação e relação, as quais respeitam, respetivamente, ao conjunto de estratégias
relacionadas com a gestão dos aspetos da comunicação e ao conjunto de estratégias
direcionadas para as várias formas de intervir na relação entre os mediados. A categoria
132
“comunicação” respeita ao conjunto de estratégias desenvolvidas pelo mediador familiar
com o objetivo de produzir alterações positivas nos padrões disfuncionais de
comunicação (e.g. escalada simétrica, complementaridade rígida). A categoria “relação”
compreende o conjunto de estratégias direcionadas para facilitar e apoiar as mudanças
afetivas e os ajustamentos necessários às novas configurações relacionais.
Por sua vez, a categoria organização do processo, compreende os vários
procedimentos desenvolvidos ao longo da mediação que sustentam a estrutura, a
organização e o funcionamento do processo de mediação familiar. Em síntese, a figura 8
exibe os resultados decorrentes da análise da categoria estratégias e das subcategorias
gestão do conflito e gestão do processo.
Figura 8. Tipos de estratégias utilizadas no âmbito da mediação familiar.
Como se extrai da figura 8, a análise dos cinco focus groups permite concluir que
as estratégias relativas à gestão do conflito incluem 94 referências relativas aos FG -MF
e 40 referências referentes aos FG-ISS, totalizando 148 referências no conjunto dos FG-
MF e dos FG – ISS. Por sua vez, as estratégias referentes à” gestão do processo”,
apresentam 47 referências nos FG-MF e 11 referências nos FG-ISS, totalizando 58
9454
148
40
11
51
Gestão do conflito Gestão doprocesso
Total
FG-ISS
FG-MF
133
referências no conjunto dos FG-MF e dos FG-ISS. De salientar, que os técnicos do ISS
comparativamente com os mediadores familiares manifestaram menor facilidade em
identificar estratégias de mediação, especificamente, no que respeita às estratégias de
“gestão do processo”, o que, poderá estar relacionado, com as diferenças próprias de cada
uma das abordagens.
3.3.9.1 Estratégias de gestão do conflito
Das estratégias direcionadas para a gestão do conflito emergiram duas
subcategorias: a categoria relativa às estratégias baseadas na comunicação com 98
referências e a categoria respeitante às estratégias centradas na relação referida 58 vezes
pelo conjunto dos participantes dos focus group.
3.3.9.1.1 Estratégias de comunicação
O terceiro nível de análise categorial revelou as 7 subcategorias mais frequentes
de estratégias de comunicação, utilizadas pelos participantes no estudo, no âmbito da
atividade que desenvolvem.
1620 20
117
148
Estratégias de comunicação
134
Figura 9. Estratégias focadas na “comunicação” identificadas nos cinco focus groups
realizados (nº de referências).
Como se retira da observação da figura 9 foram identificadas 7 categorias de
estratégias de comunicação: clarificação; focalização; formulação de questões;
identificação de convergências; ilustrações; orientação para o futuro e reforço positivo,
variando entre as 7 e as 20 referências.
Assim, a partir do conjunto das estratégias identificadas nos cinco focus groups
realizados tentámos averiguar se se verificam diferenças relativamente às estratégias mais
frequentes utilizadas pelos mediadores familiares comparativamente com as estratégias
mais referidas pelos assessores do ISS.
Figura 10. Estratégias focadas na comunicação identificadas nos focus groups realizados
com mediadores familiares (FG-MF), (nº de referências e percentagens).
De acordo com a figura 10, constata-se que, a categoria formulação de questões
surge como sendo uma estratégia central na condução do processo de mediação familiar
7; 12%
8; 14%
16; 28%4; 7%
7; 12%
14; 24%
2; 3%
Clarificação
Focalização
Fazer questões
Ident.convergências
Ilustrações
Orientação parao futuro
135
apresentando 16 referências (28%) do total das estratégias de comunicação mencionadas
pelos mediadores familiares, assim como, a categoria orientação para o futuro que
revelou 14 referências (24%). De notar, que as categorias “focalização”, com 8 referência
(14%), clarificação, com 7 referências (12%) e o uso de ilustrações, com 8 referências
(12%) constituem, um segundo grupo de estratégias que os mediadores familiares
também referiram com assinalável frequência, enquanto as categorias identificação de
convergências, com 4 referências (7%) e o reforço positivo, com 2 referências (3%) foram
assinaladas de forma menos evidente. Tal discrepância denota, assim, uma menor
perceção de eficácia das estratégias, menos referidas, relativamente ao processo de
mediação familiar globalmente considerado.
Figura 11. Estratégias focadas na comunicação identificadas nos focus groups realizados
com os assessores aos TFM, FG-ISS (nº de referências e percentagens).
A Figura 11 permite observar as estratégias que os assessores do ISS
9; 24%
12; 32%
4; 10%
7; 18%
6; 16%
Clarificação
Focalização
Fazer questões
Ident.convergências
Reforçopositivo
136
identificaram 16, tendo sido a “focalização”, com 12 referências do total das estratégias
referidas (32%), a estratégia percecionada como sendo a mais adequada e eficaz. A
“clarificação”, com 9 referências (24%), a “identificação de convergências” com 7
referências (18%) e o “reforço positivo”, com 6 referências (16%) constituem,
igualmente, um conjunto de estratégias claramente valorizadas por estes participantes no
estudo. A estratégia “formular questões”, com 4 referências (10%) é o recurso menos
aludido pelos assessores do ISS.
As estratégias de comunicação são comummente referidas em todos os modelos
teóricos de mediação familiar como sendo instrumentos indispensáveis para a condução
do processo de mediação familiar (e.g. Bush & Folger, 2005; Emery, 2012; Moore, 2003;
Parkinson, 2008; Suares, 2003).
Assim, importa comparar os aspetos mais proeminentes relativos aos resultados
obtidos nos exibidos FG-MF com os resultados emergentes dos FG-ISS, salientando-se,
os seguintes pontos: 1) os mediadores familiares identificaram mais duas estratégias do
que os assessores do ISS – as ilustrações e a orientação para o futuro; 2) os assessores
do ISS identificaram estratégias destinadas a centrar os intervenientes em assuntos e
objetivos concretos, assim como valorizaram estratégias destinadas a demarcar consensos
e a estimular a clarificação; em contrapartida, os mediadores familiares valorizaram as
estratégias que giram em torno da disponibilização de informação e da funcionalização
da comunicação, bem como, da orientação dos mediados para o futuro e para o uso de
competências criativas como a utilização de ilustrações.
As diferentes perceções e valorizações das estratégias consideradas mais
adequadas para intervir em contextos de consensualização e mediação no domínio da SD
relativamente aos dois grupos de participantes neste estudo (FG - ISS e FG - MF)
16 Recordamos que, apesar de a maioria dos participantes do ISS possuírem formação em mediação familiar,
desenvolvem a sua intervenção em articulação direta com os TFM.
137
materializam, nomeadamente as diferenças intrínsecas aos processos e aos objetivos das
respetivas intervenções de mediação familiar e no contexto da assessoria técnica aos
TFM.
Assim, como se verifica que os assessores do ISS usam estratégias direcionadas
para a focalização dos interlocutores nos assuntos que pretendem averiguar e clarificar,
conforme nos diz uma participante da assessoria do ISS, “portanto, tento envolver a
pessoa, responsabilizá-la naquilo que for dizer, portanto na investigação e, isso resulta,
porque se eu não fizer isso, que normalmente são para aí cinco/ dez minutos, o ponto da
situação do processo, o quê que nós pretendemos com este processo? Focalizar qual é o
objetivo concreto, porquê que o tribunal pede isto e isso ajuda, também, a outra pessoa
a assumir, às vezes, uma posição mais definitiva, já me aconteceu isso.” (FM2S); ao
passo que, os mediadores familiares visam conduzir o processo de mediação – estruturado
no tempo de forma diferente da intervenção realizada pelos assessores do ISS -, por forma
a possibilitar a mudança de uma comunicação tendencialmente disfuncional para formas
de comunicação funcional, ao mesmo tempo que, necessitam de organizar o conteúdo das
sessões, gerir e impulsionar o processo de mudança dos mediados intervindo, para tanto,
de diversas formas como nos refere uma mediadora familiar do SMF, “quando íamos
fazendo os resumos, quando íamos falando, dizendo, coloca-se na posição dele, todas
essas técnicas, as pessoas vão caminhando e vão mudando os seus comportamentos
perante o conflito, e a mediação vai fluindo e vê-se que as técnicas funcionam, é
maravilhoso quando acontece.” (FV3M).
Salienta-se, ainda que a comparação entre os resultados dos FG-MF e os
resultados dos FG-ISS permite verificar que a intervenção dos técnicos do ISS parece
estar conectada com estratégias direcionadas para a clarificação e avaliação de
comportamentos, factos e situações situadas no passado, tanto mais, que os assessores do
138
ISS não referem qualquer estratégia de orientação para o futuro, ao passo, que para os
mediadores familiares esta estratégia apresenta uma frequência de 24%, sendo a segunda
estratégia mais utilizada. Por outro lado, estes resultados são coerentes com a diferente
natureza do processo judicial, na qual se enquadra a intervenção dos assessores do ISS e
do processo de mediação familiar. O processo judicial, é tutelado pelo juiz e desenvolve-
se, em certa medida, a partir de peças processuais baseadas em factos passados, enquanto
o processo de mediação familiar é conduzido por mediadores familiares independentes,
cuja intervenção não sendo inteiramente alheia ao passado tem como horizonte a
preparação do futuro ao “tentar consolidar que isso [o passado] não está arrumado, mas
que não é um assunto propriamente para aqui e ver o quê que que eles consideram que
fizeram mal e ver o quê que para o futuro podem fazer para que as coisas funcionem.
(FS2M). Pretende-se, pois, através da mediação familiar, a construção colaborativa de
acordos que traduzam efetivamente uma (re) organização funcional da vida familiar, de
forma realista e previsível. Para alcançar tal objetivo é crucial que, ao longo das sessões
de mediação, cada participante possa adaptar-se de acordo com as suas circunstâncias,
recursos e fragilidades, de forma a ir recriando uma nova visão identitária sobre a família
em processo de transição para a SD.
Os resultados, também, refletem e comprovam a essência flexível e criativa da
mediação familiar, nomeadamente através da referência a estratégias imaginativas como
as que integram a categoria “ilustrações”, a qual, engloba diversos aspetos de linguagem
pictórica (e.g. desenhos, metáforas) -, “Desenhar. Não me recordo ao certo…eu lembro-
me da forma como o senhor estava sempre a descrever a situação (…) dava a entender
que estava sempre num beco sem saída (…). O senhor estava a falar e eu comecei a
desenhar, a fazer tipo de… uma autoestrada e tal…e depois, chegava ali a uma altura
em que os dois riscos acabavam ali, fechava ali e a vida dele acabava ali, a vida dele e
139
a do filho terminava ali daquela maneira: ‘Não saímos daqui a vossa vida acabou aqui
e o senhor…’, aquilo fez-lhe algum sentido. ‘Não! Não! Não!’ Agarrou-me logo na folha
da mão, nunca mais largou a folha e teve o tempo todo a dizer que afunilava, mas que
não havia ali nada a fechar, não acabava, estava era simplesmente a afunilar, estava a
sentir que estava a ser apertado e que não lhe davam espaço para estar com o filho (…)”
(FS1M). Como se verifica através da análise comparativa entre os FG-MF e FG-ISS os
assessores do ISS não referiram o uso de estratégias de tipo mais imaginativo como as
ilustrações, o que, pode ser explicado se atendermos ao enquadramento da sua abordagem
confinada e direcionada para tópicos concretos que pretendem averiguar,
especificamente, a avaliação diagnóstica sobre as competências parentais e a aferição da
disponibilidade das partes envolvidas para um acordo17.
Assim, a análise dos resultados permite ainda constatar que:1) se verificam
diferentes perceções entre os mediadores familiares e os assessores do ISS quanto às
estratégias mais eficazes utilizadas nas respetivas intervenções; 2) as estratégias mais
valorizadas nos FG-ISS e nos FG-MF aparentam estar relacionadas com a diferente
natureza das duas intervenções, os seus objetivos e enquadramento institucional; 3) a
mediação familiar é um processo distinto da assessoria do ISS aos TFM embora ambas
tenham por finalidade a abordagem do conflito no âmbito da SD
De salientar, que perante situações de elevado conflito prolongado no tempo, em
que as partes já passaram e/ou estão a passar por sucessivos processos judiciais e em
alguns casos com processos criminais pendentes, o recurso à mediação familiar deve ser
criteriosamente aferido, na medida em que o nível de toxicidade relacional entre as partes
pode assumir uma dimensão potencialmente patológica e incompatível com a mediação
familiar. Nestes casos, o contexto semiformal da mediação familiar e o facto de o
17 Conforme o nº 2 do artigo nº 23 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º
141/2015 de 8 de setembro.
140
mediador atuar num contexto confidencial e numa relação hierarquicamente horizontal
relativamente aos mediados, pode comportar um risco de utilização da mediação familiar
pelos intervenientes para fins impróprios, nomeadamente, manipulação parental ou
processual, para continuar a ofender ou a exercer represálias ou abusos contra o outro, o
que apenas reforça o conflito e o aumento da toxicidade nas relações entre o ex-casal/pais.
De notar, também, que a confidencialidade do processo de mediação familiar é
incompatível com a transmissão de informações sobre os mediados para o domínio do
tribunal, exceto em casos de perigo para a vida ou para a integridade física ou psíquica de
alguma pessoa, diferentemente da intervenção realizada pelos dos assessores aos TFM
que, decorrendo em conexão direta com o tribunal, compreende uma abordagem mais
diretiva e judicialmente controlada e, por isso, possivelmente mais vantajosa do que a
mediação familiar, especialmente nos casos mais graves de conflitos estruturais.
3.3.9.1.2 Estratégias de Relação
A categoria “estratégias de relação” compreende o conjunto de competências
direcionadas para facilitar e apoiar as mudanças afetivas e os necessários ajustamentos às
novas configurações relacionais emergentes na fase de SD (e.g. empatia, confiança e
autenticidade).
2
20
6
23
11Total: FG-MF+FGISS
141
Figura 12. Estratégias focadas na “relação” identificadas nos cinco focus groups
realizados (nº de referências).
Como se observa na figura 12 os participantes neste estudo identificaram 5
categorias de estratégias direcionadas para intervir no plano da relação entre os mediados,
das quais, as mais valorizadas são a escuta e a empatia.
À semelhança da comparação dos resultados obtidos nos FG-MF e nos FG-ISS
quanto às estratégias de comunicação, impõe-se, neste momento, proceder de forma
análoga quanto às estratégias de relação.
Figura 13. Estratégias focadas na relação identificadas nos focus groups realizados com
os mediadores familiares (FG – MF), (nº de referências e percentagens).
A figura 13 apresenta as categorias identificadas nos três focus groups realizados
com mediadores familiares. A categoria “escuta”, com 17 referências (33%) e a categoria
“empatia”, com 15 referências (33%) são as categorias que mais se destacam, o
2; 4%
15; 33%
6; 13%
17; 37%
6; 13%Mapas gráficos
Empatia
Empowerment
Escuta
Recognição
142
empowerment, com 6 referências (13%) e a recognição, com 6 referências (13%)
apresentam o mesmo valor tendo a estratégia “mapa Figura” um valor residual, com 2
referências (4%), o que, evidencia uma possível falta de familiarização com o uso desta
estratégia.
Figura 14. Estratégias focadas na “relação” identificadas nos focus groups realizados com
os técnicos do ISS (FG-ISS), (nº de referências e percentagens).
Na figura 14 exibem-se as categorias identificadas nos focus groups realizados
com os assessores do ISS. Estes participantes identificaram a categoria “escuta”, com 6
referências (38%), a categoria “empatia”, com 5 referências (31%) e a categoria
“recognição”, com 5 referências (31%).
A comparação entre os resultados FG-MF e os FG-ISS permite constatar que, à
semelhança do que observámos relativamente à categoria estratégias de comunicação,
também quanto à categoria relação os mediadores familiares conseguiram identificar
mais duas estratégias do que os assessores do ISS. De referir, que as subcategorias -
escuta, empatia e recognição, identificadas, quer nos FG-MF, quer nos FG-ISS, são
estratégias de base em qualquer processo alicerçado na confiança, por isso, são essenciais,
5; 31%
6; 38%
5; 31% Empatia
Escuta
Recognição
143
quer para o desenvolvimento do processo de mediação familiar, quer para abordagem dos
assessores do ISS, conforme os resultados comprovam.
Por sua vez, as categorias empowerment e mapas gráficos não foram referidas
pelos assessores do ISS.
Os “mapas gráficos” como o genograma e o ecomapa consistem numa
representação gráfica da estrutura da família que permite aceder às diversas relações entre
os membros do sistema, tais como, hierarquia, limites, poder, alianças, etc. (Alarcão,
2006). A utilização de estes mapas tem sido considerada útil por mediadores familiares
que têm uma visão sistémica da mediação familiar (e.g. Parkinson, 2008; Suares, 2003).
O “empowerment” visa regenerar a energia negativa do conflito transformando-a
numa dinâmica construtiva e promotora da capacitação das pessoas, em termos de
autoaceitação, autoconfiança e autodeterminação (Bush & Folger, 2005).
De notar, que a regeneração do conflito através do empowerment e da recognição,
constitui a base do modelo de mediação familiar transformativa defendido por Bush e
Folger, (2005). Desta forma, apesar de as intervenções realizadas pelos assessores do ISS
e pelos mediadores familiares incidirem sobre situações de conflito na transição para a
SD, a análise dos resultados obtidos mostra que a base teórica e prática e a estrutura
sequencial e temporal do processo de mediação familiar permite promover sinergias e
desenvolver soluções com base em estratégias que não se encontram implicadas no
trabalho desenvolvido pelos assessores do ISS.
A empatia, a escuta e a recognição constituem um grupo de estratégias que
integram a morfologia da própria mediação familiar contribuindo, nomeadamente para a
eficácia de outras estratégias (e.g. questionamento, o desenvolvimento do sentimento de
segurança e confiança no mediador familiar e no próprio processo, reconhecimento do
protagonismo no conflito e do coprotagonismo no conflito, etc.). Além disso, os
144
resultados evidenciam que a empatia, a escuta e a recognição são estratégias utilizadas e
úteis, quer pelos mediadores familiares, quer pelos assessores do ISS.
A categoria empatia consiste, por um lado, numa atitude de sintonia com o quadro
de referências internas de outra pessoa, com os seus sentimentos e significados, a qual,
deve ocorrer a partir do ponto de vista do outro e, por outro lado, implica a comunicação
dessa experiência sob várias formas. Trata-se, portanto, de uma experiencia profunda que
implica compreensão emocional (Greenberg & Elliott 1997).
Assim, a empatia revela-se uma experiência que “é um bocado forte, mas sinto-
me um bocado mal, sinto-me como se fosse eu que fecho a porta, aquilo é um ciclo e
somos nós mediadores que ajudamos, no fundo a fechar a porta e a fechar a gaveta –
acabou. Lido um bocadinho mal com isso, porque as pessoas continuam a ter vida, mas,
emocionalmente sinto mesmo que sou eu que fecho a porta, adeus até sempre.” (FS2M).
A atitude empatia implica, pois, uma conexão com os sentimentos e pensamentos de
outrem que é entendida e comunicada aos intervenientes de várias maneiras, como
clarifica uma mediadora familiar dizendo, “(…) no dia de assinarem o acordo, a senhora
saiu duas vezes da sala, entrou e saiu, entrou e saiu, incomodada emocionalmente. Ora,
eu não podia deixar passar aquilo e tive que dizer o que nós falamos sempre em
mediação, usar aquela técnica de acolher o sentimento dela. “FV3M).
A escuta não tem que ser necessariamente empática, visa principalmente escutar
para compreender intelectualmente o conteúdo que está a ser transmitido dando sinais de
que acompanhamos cognitivamente o raciocínio que está a ser desenvolvido. Assim, a
escuta de qualidade pode ser considerada como “a estratégia mais básica e mais
transversal e que não pode nunca falhar é a escuta ativa, para podermos ir
acompanhando os passos que eles vão dando.” (FP1M). Por outro lado, quando o
mediador familiar desenvolve uma escuta cuidada potencia também as possibilidades de
145
as pessoas presentes se escutarem a si mesmas incluindo a escuta da voz interior da
pessoa que fala, o que facilita o entendimento límpido da situação, uma vez que, “o facto
de ouvi-la e de estar disponível para a ouvir e, por acaso, ela disse que fez aquilo por má
recomendação, por orientação de uma outra pessoa, apesar de ele não ter deixado de ter
a posição que tinha até ali, que é a de que ela só vê o filho mediante vigilância de outra
pessoa, mas, ficou muito mais recetivo,, permitiu à mãe ir a casa dele ver o miúdo, houve
uma maior flexibilidade. (FP2M).
A categoria “recognição” envolve a promoção do enfrentamento, a abertura e a
criatividade relativamente a padrões, crenças, perceções e atribuições que, podem
bloquear uma atitude de consciencialização do seu papel e do papel do outro no conflito
e, consequentemente a descoberta de soluções para os problemas com que se defrontam
(e.g. Bush & Folger, 2005).
Desta forma, a recognição ajuda a evidenciar padrões da interação viabilizando
alterações adaptativas, nomeadamente “(…) quando nós passamos as coisas para o
quadro, eles ficaram, assim, perplexos do quê que era o conflito deles, eles estavam ali,
falaram e começaram a ter noção da sua posição e como é que reagiam.” (FV3M), por
outro lado, facilita a manifestação de novas reavaliações sobre perceções interiorizadas,
tais como, “naquele caso, era a consciencialização que tinha um filho, realmente eu tenho
um filho com 14 anos! E, ele não me conhece - neste caso foi pela negativa - confrontou-
se com a sua própria negligência.” FG1S, ou potenciando uma reconfiguração do
conflito através da compreensão de que, “no fundo, foi ambas as partes terem
reconhecido que o conflito não era tanto deles, mas mais centrado na família alargada,
eles depois passaram a ter essa consciência e o reconhecimento de cada um na vida da
filha. (FF1S).
146
3.3.9.2 Estratégias de gestão do processo
A categoria gestão do processo, compreende os vários procedimentos
desenvolvidos que sustentam a estrutura, a organização e o funcionamento do processo
de mediação familiar.
Relativamente à categoria gestão do processo, os assessores do ISS referiram um
número relativamente pequeno de referências em comparação com os mediadores
familiares, o que é compreensível se tivermos em conta as diferenças inerentes aos
procedimentos desenvolvidos por cada grupo profissional.
O desenvolvimento da análise dos dados permitiu delimitar a categoria principal
gestão do processo, da qual emergiram mais duas subcategorias: a categoria referente às
estratégias focadas no contexto e a categoria inerente às estratégias destinadas à
organização do processo. A categoria referente a estratégias focalizadas no contexto
apresenta 29 referências e a categoria organização compreende, igualmente, 29
referências. De seguida, apresentam-se os resultados correspondentes a cada uma destas
subcategorias tentando comparar os resultados obtidos nos FG-MF com os resultados
alcançados nos FG-ISS.
3.3.9.2.1 Estratégias focalizadas no contexto
A categoria estratégias focalizadas no contexto respeita ao conjunto de estratégias
direcionadas para criar uma atmosfera colaborativa, participativa e consistente ao longo
do processo de mediação familiar.
147
Figura 15. Estratégias de gestão do processo de mediação familiar focadas no contexto
identificadas nos focus groups com mediadores familiares (FG-MF), (nº de referências e
percentagens).
A figura 15 permite verificar quais as categorias reconhecidas nos focus groups
pelos mediadores familiares como sendo relevantes para a adequada condução do
processo de mediação familiar, traduzidas nos procedimentos de receção aos mediados
ou acolhimento (e.g. Parkinson, 2008), com 16 referências (73%) e nas estratégias
promotoras de flexibilidade relacional, com 6 referências (27%).
Figura 16. Estratégias de gestão do processo de mediação familiar focadas no contexto
identificadas nos focus groups com assessores do ISS (FG-ISS), (nº de referências e
percentagens).
16; 73%
6; 27%Acolhimento
Flexibilidade
6; 86%
1; 14%
Acolhimento
Flexibilidade
148
Como se extraí da figura 16 para os assessores do ISS o acolhimento, constitui
uma estratégia percecionada como sendo eficaz, com 6 referências (86%), enquanto a
promoção de flexibilidade de posições foi apenas mencionada 1 vez, (14%).
Assim, os resultados comprovam uma discrepância quanto à perceção sobre as
estratégias mais eficazes para criar um contexto adequado à condução do processo de
mediação familiar entre os dois grupos de participantes nos focus groups. De facto,
embora 75% dos assessores do ISS possua curso de mediação familiar e de a sua atividade
incidir junto do ex-casal/pais no âmbito da SD, é manifesto que demonstraram menor
sensibilidade para detetar estas categorias de estratégias, o que possivelmente se deve ao
facto de as abordagens e os objetivos da assessoria aos TFM e dos mediadores familiares
serem diferentes.
A categoria acolhimento, consiste num conjunto de atitudes e comportamentos em
que o mediador familiar, de forma atenciosa, valoriza e demonstra consideração pela
pessoa e pelos seus problemas, de modo a criar um ambiente tranquilizador e de conforto
físico e emocional. Assim, a primeira sessão de mediação é crucial para estabelecer o
ambiente relacional propício e para ajudar as pessoas a sentirem-se à vontade (e.g. Moore,
2003; Parkinson, 2008)
Neste sentido, “lembro. Eles sentiram-se muito confortáveis e agradados com a
mediação e pareceu que se sentiam muito confortáveis com os mediadores, com o
ambiente, com o espaço em si, e, isso, de certa forma, até me pareceu desencadear
alguma sensação de segurança nos dois (…)”. (FJ1M). De notar, que o espaço onde
decorrem as sessões deve ser cuidado e conter todos os equipamentos e condições
necessárias ao desenvolvimento das atividades da mediação, de maneira a evitar
interrupções, assim como, a receção inicial deve ser preparada, pois pode causar uma
149
impressão decisiva, ou seja,” (…) eu penso que a forma como nós os abordamos, a
primeira abordagem acho que é fundamental, como somos, como nos mostramos, como
… o primeiro impacto é muito importante ... toda a estratégia que vamos tendo ao longo
da entrevista. (FL3M). É também de importância crucial levar em consideração e dar
valor às diferentes posições dos mediados ao “tentar que as posturas de ambos sejam
acolhidas na sessão, mesmo que o outro tenha um ar mais enfadado ou que não aceite
tanto, tentar que na sessão essa posição seja integrada e seja acolhida.” (FP2M).
A análise categorial permitiu caracterizar a flexibilidade como sendo a capacidade
para adequar as diferentes estratégias de mediação, às idiossincrasias, problemáticas e aos
papéis desempenhados pelas diversas pessoas envolvidas no processo de mediação
familiar (e.g. mediadores, mediados, advogados, crianças).
Assim, a flexibilidade envolve o desenvolvimento de uma atitude integradora com
respeito pelas diferentes perspetivas e papéis desempenhados pelos intervenientes, a qual,
exige sensibilidade, aceitação e criatividade, “Lá está! A flexibilidade, a grande
criatividade do mediador (…) era um caso em que isso foi visível, no fundo também se
fez mediação entre os dois advogados (…)” (FU3M). A preocupação do mediador
familiar deve ser a de conduzir as sessões em permanente equilíbrio entre a necessidade
de fazer observar as regras e os limites formais do processo e uma atitude de abertura e
de cooperação, ou seja, “acho que o fim, sendo sempre o mesmo, os caminhos vão sendo
diferentes consoante as pessoas e a questão e o momento que elas atravessam.” (FV3M).
3.3.9.2.2 Estratégias de organização
A categoria “estratégias de organização” compreende os procedimentos, regras e
habilidades usadas pelo mediador familiar de forma a conduzir o processo de mediação
150
familiar de forma adequada e produtiva.
Figura 17. Categorias de organização do processo de mediação nos 5 focus groups
realizados (nº de referências).
Conforme se verifica através da figura 17 a análise da categoria estratégias de
organização permitiu destacar com base numa observação mais sensível as subcategorias:
“agenda”, referida 10 vezes; a categoria “reuniões individuais”, com 11 referências e a
categoria “triagem” com 8 referências.
Na mesma linha do que se tem vindo a verificar, os resultados obtidos nos focus
groups realizados com os mediadores familiares continuam a manifestar diferenças
substanciais relativamente aos resultados alcançados com os assessores do ISS, como se
comprova pela análise dos Figuras que a seguir se apresentam.
10 118
Estratégias deOrganização
10; 40%
9; 36%
6; 24%
Agenda
Reuniõesindividuais
Triagem
151
Figura 18. Estratégias de gestão processo de mediação familiar relativas a organização
da mediação identificadas nos focus groups com mediadores familiares (FG-MF), (nº de
referências e percentagens).
Conforme é patente na figura 18, os mediadores familiares identificaram 3 tipos
de categorias de “organização”, ou seja: agenda, com 10 referências (40%), as reuniões
individuais com 9 referências (36 %) e a triagem com 6 referências (24%). De salientar,
que a categoria agenda não foi referida pelos assessores do ISS.
Figura 19. Estratégias de gestão do processo de mediação familiar direcionadas para a
organização identificadas nos focus groups com assessores do ISS aos TFM (FG-ISS),
(nº de referências e percentagens).
Por sua vez, como se verifica através da figura 19, os participantes do ISS
mostraram fraca perceção relativamente às estratégias de organização do processo de
mediação familiar, o que se justifica atendendo a que a intervenção dos assessores do ISS
apresenta uma certa proximidade à mediação familiar, mas não é, de facto, mediação
2; 50%2; 50%
Reuniõesindividuais
Triagem
152
familiar. Assim, a perceção sobre as estratégias mais eficazes de organização do processo
de mediação familiar só do ponto de vista meramente teórico poderia ser alcançada. Não
obstante, os assessores do ISS referiram a categoria “triagem”, com 2 referências (50%)
e “reuniões individuais”, com 2 referências (50%) como sendo úteis para organizar o
processo de mediação familiar.
A agenda
A elaboração da “agenda” traduz-se na identificação sequencial das áreas e
questões que os mediados pretendem ver tratadas no processo de mediação familiar
(Moore, 2005; Suares, 2003). Consiste numa atividade dinâmica e reflexiva que se inicia
na primeira fase de mediação familiar.
A criação da agenda da mediação não se esgota no momento em que o mediador
familiar anota os tópicos iniciais que se pretendem abordar, pelo contrário, vai sendo
atualizada com novos assuntos, problemas, motivações e adaptada a eventualidades que
possam surgir, tais como, a necessidade de proporcionar o tempo necessário às pessoas
para refletirem, para recolherem elementos necessários às negociações ou para
experimentarem e avaliarem a viabilidade dos acordos que foram sendo realizados no
curso do processo. Por outro lado, “a agenda” também é útil para dar sentido às
experiências das pessoas, ao sequenciar e ordenar eventos relevantes, assim como, é
vantajosa para calendarizar e situar as pessoas face aos progressos conseguidos e em
relação às metas ainda não alcançadas. Desta forma, a agenda tem diversas funções,
nomeadamente a de centrar as pessoas face à globalidade das questões a abordar, assim,
“Para mim é fundamental fazer-se uma agenda onde constem não apenas os temas
[básicos] onde conste: temas, as necessidades e motivações daquelas pessoas e que
limitações é que estão presentes que dificultam que esses interesses possam ser
153
atendidos. “(FP1M); ajuda também a desenvolver um ambiente de cooperação,
contribuindo para, “(…) elencar, o quê que pensam sobre isso… Isto é um processo que
está sempre em evolução, o acordo que vocês vão fazer … “. (FV3M); e favorece a
reflexão sobre os assuntos a acordar, “Este é o ponto de partida para decisões
conscientes. A técnica da agenda é aquela que considero essencial para que surja uma
solução em que todos possam sair satisfeitos. “(FP1M).
A triagem
A categoria triagem consiste numa averiguação do mediador familiar em
articulação com os mediados relativamente às condições de adequabilidade da situação
concreta ao processo de mediação familiar (e.g. Salem, 2009).
A realização de triagem permite despistar situações incompatíveis com a
mediação familiar em que a capacidade de autodeterminação das pessoas envolvidas pode
estar comprometida (e.g. abuso de substância tóxicas, perturbação psicológica, prática de
crimes graves). Por outro lado, são ainda de considerar as perdas de tempo e de recursos
financeiros ou de eventual reforço do conflito, nomeadamente em situações de conflito
crónico, porque, “Eu acho que esta triagem tinha que ser feita, porque é muito vulgar
ouvir-se do lado da mediação, das situações que chegam vindas do tribunal não são
mediáveis. Porquê? Porque, naturalmente são as mais conflituosas e, que há sempre um
que quer uma decisão de um terceiro, não quer resolver a situação por si. (FL3M), assim
como, quando as pessoas não estão preparadas para, naquele momento, avançarem para
um processo de mediação familiar, apesar de que, “Eu, também tendo um bocadinho a
achar que, em última análise, todas as pessoas são mediáveis ou, pelo menos, podem já
ter sido ou podem ainda vir a ser e quer dizer… é evidente que é uma frustração e que é
uma perda de tempo uma intervenção quando naquele momento as pessoas não estão
154
preparadas para ela (…). (FU3M).
Reuniões individuais
A categoria reuniões individuais consiste num encontro com cada um dos
intervenientes que visa facilitar a expressão das emoções, desenvolver a aliança
profissional, explorar os problemas ou possibilidades de acordo (e.g. Emery, 2012;
Moore, 2003). Estas reuniões (caucus) podem ocorrer no início ou durante o processo de
mediação familiar.
Assim, o mediador familiar pode ter em vista explorar e despistar aspetos
delicados e difíceis de partilhar na presença do outro , nomeadamente, “Eu aqui faço um
bocadinho um mix do que é a minha experiência de assessoria técnica e de mediação –
‘o que disseste faz todo o sentido para mim’ -, porque nós na assessoria tentamos sempre
perceber qual é que é o grau de conflito, perceber se há violência doméstica ou se houve
violência doméstica, abuso sexual, por aí, por aí, por aí fora!...E, portanto, temos sempre
muito cuidado na primeira aproximação entre aquele homem e aquela mulher. “(FL3M).
Por outro lado, as reuniões individuais podem contribuir para aumentar a proximidade,
diminuir o constrangimento, e aprofundar a compreensão entre as pessoas envolvidas
ajudando a quebrar impasses, “(…) mas, até a mim me surpreendeu, não porque tivesse
resultado muito mais informação do que aquela que já tínhamos, eu acho que foi mais o
que sentiam sem estar na presença um do outro e, de facto, marcou-me muito por isto
(estava uma colega também comigo) e ficámos … bom… o quê que se passa aqui?…
Depois do ‘caucus’, marcámos outra sessão e passamos em revista o que tinha
acontecido e havia um regime de aproximação do pai à filha.” (FC2M).
Em síntese, conforme anteriormente referimos relativamente à pertinência em
identificar as causas dos conflitos familiares (Moore, 2003) e em contextualizá-las numa
155
perspetiva de complexidade ecológica, identificaram-se fatores contextuais de influência
no conflito (Brack, et al., 2011), assim como, as estratégias que os participantes nos focus
groups consideram mais eficientes para abordar o conflito entre os pais no âmbito da SD.
Assim, examinámos os vários níveis hierárquicos de categorias e de subcategorias
emergentes de duas categorias principais de estratégias: as estratégias de gestão do
conflito e as estratégias de gestão do processo. Os resultados assim obtidos permitiram
evidenciar que os participantes no estudo utilizam várias estratégias de “gestão do
conflito” (subcategorias: comunicação e de relação) e de gestão do processo e que
procuram adequar as estratégias ao tipo de intervenção que realizam, conforme
verificámos através da comparação entre as estratégias mais utilizadas pelos mediadores
familiares e pelos assessores do ISS.
De salientar, a importância dada pelos participantes nos focus groups à realização
de “triagem”, a ter lugar, preferencialmente, antes do processo dar entrada em tribunal
ou, pelo menos, quando o caso é direcionado para assessoria técnica, para mediação
familiar ou para outro tipo de intervenção. A adoção da técnica de triagem, no âmbito
dos TFM, permitiria então uma gestão criteriosa e diferenciada de processos de acordo
com as necessidades de cada família (Salem, 2009). Desta forma, seriam preservados
recursos materiais e profissionais, assim como, seria aliviada a sobrecarga de processos e
de intervenções em famílias que não apresentando indicação para determinado tipo de
processo o sucesso do mesmo seria improvável.
A análise deste tema permitiu assim identificar e categorizar uma ampla variedade
de estratégias de mediação familiar utilizadas pelos mediadores familiares e pelos
assessores do ISS, no entanto, foi impossível esclarecer se numa situação concreta a
escolha de uma determinada estratégia é feita intuitivamente ou se essa opção se enquadra
numa perspetiva teórica de mediação familiar, na medida em que, tais escolhas podem
156
estar relacionadas, tanto com a proximidade teórica a determinado modelo de mediação
familiar, como podem resultar da avaliação do conflito concreto e do contexto específico
que se apresenta ao mediador familiar numa determinada sessão.
3.4 Modelos de mediação familiar
Os modelos de mediação têm por base um conjunto de ideias teóricas e de
estratégias que visam a abordagem coerente e sistemática de conflitos de natureza
familiar. Assim, à exceção do modelo Linear de Harvard que se desenvolveu a partir da
mediação comercial, os modelos de mediação familiar comummente mais utilizados e
conhecidos foram edificados com maior ou menor enfoque num conjunto de construções
teóricas, das quais rememoramos a Teoria dos Sistemas, e as Teorias da Comunicação
desenvolvidas, em Palo Alto, na Califórnia, por Watzlawick e colaboradores (1993). De
notar, que apesar de uma certa base teórica comum, os vários modelos caracterizam-se e
distinguem-se pelas estratégias específicas que utilizam18. Assim, no presente estudo
pretendemos conhecer quais os modelos que os mediadores familiares aplicam
considerando, especificamente, as indicações fornecidas a respeito das estratégias que
empregam e como as aplicam na sua atividade profissional.
18 Os conceitos teóricos centrais dos modelos de Mediação Familiar a que neste ponto aludimos encontram-
se desenvolvidos no capítulo I, por isso, abstemo-nos de aqui os desenvolver com maior detalhe.
157
Figura 20. Modelos de mediação familiar identificados pelos participantes (nº de
referências e percentagens)
Como se retira da observação da figura 20, de entre os vários modelos, o mais
mencionado foi o modelo Circular Narrativo, com 7 referências (23%); o modelo
Transformativo apresentou 2 referências tal como o modelo Ecossistémico que foi
igualmente referido 2 vezes (6%); o modelo Linear de Harvard não foi nomeado por
nenhum dos participantes no estudo, em contrapartida, a categoria respeitante a modelos
indiferenciados destaca-se claramente com 24 referências (65 %) do total.
Sublinha-se, que tendo em vista os resultados exibidos relativamente aos modelos
Transformativo e Ecossistémico, apenas podemos extrair pistas subtis de que os
mediadores familiares na sua prática de mediação familiar utilizam estratégias reportadas
àqueles modelos não sendo, contudo, possível concluir que tais modelos sejam aplicados
de forma consistente ao longo de todas as sessões do processo de mediação. Por sua vez,
a inexistência de referências associadas ao modelo Linear de Harvard permite afirmar que
o mesmo não é aplicado pelos mediadores familiares.
No que concerne à categoria “Modelo Circular Narrativo”, ao ser apontada a
importância de se auxiliar os intervenientes a (re)construírem uma história comum,
7; 23%
2; 6%
20; 65%
2; 6%
ModeloCircularNarrativo
ModeloEcosistemico
ModelosIndiferenciados
ModelosTransformativo
158
evidenciam-se conhecimentos sobre este modelo teórico de mediação familiar,
nomeadamente, quando é referido que, “na prática, é ir à história para que eles possam
também tomar consciência que aquilo que são hoje é produto daquilo que construíram
conjuntamente.” (FP2M) e, também, quando se salienta, (…) que muitas vezes é
importante ter esta linha do tempo onde vamos colocando quando ocorreram os factos e
ir construindo, desta forma, uma história comum entre eles.” (FP1M).
Por seu lado, a categoria “modelos indiferenciados” emergiu da análise dos dados
e revelou ser a categoria mais proeminente e comprovou que os mediadores familiares,
em vez de seguirem um único modelo teórico de mediação familiar com princípios,
metodologia e estrutura definida, preferem optar pelas estratégias que, em cada caso
concreto, tipo de conflito, fase do processo ou momento específico da sessão consideram
ser as mais oportunas. Os resultados corroboram assim que os mediadores familiares não
seguem modelos puros de mediação familiar, uma vez que, “(…) não há grande
homogeneidade, porque cada situação, cada processo é único, por isso, é que cada um
vai adaptando as estratégias em função de cada situação. Neste processo que tive do
tribunal, eles disseram: - ‘tivemos aqui quase duas horas e só falámos de nós os dois’.”
(FS2M), por isso, a configuração do conflito, as características da família e das pessoas
envolvidas constituem fatores de peso nas opções metodológicas dos mediadores
familiares, atendendo a que, “desde saber se o conflito está muito entranhado ao ponto
de os ter que ouvir, numa primeira fase, de forma separada, que de alguma forma se
compreenda se é possível trabalhar com eles juntos ou não, ou se terei de esperar mais
algum tempo. Portanto lá está! – tudo isto tem de ser adequado à realidade de cada
família ou de cada casal, não é?” (FJ3M).
159
Figura 21. Número de FG-MF comparativamente dos FG-ISS em que foram referidos os
vários modelos de mediação familiar (nº de participantes).
De salientar que apenas os mediadores familiares conseguiram identificar
estratégias consentâneas com os modelos de mediação familiar como, aliás, era provável
tendo em conta que os técnicos do ISS embora desempenhem funções próximas de
mediação familiar não a exercem de facto.
3.4.1 Sessão inicial informativa obrigatória de mediação familiar
A análise dos dados no que concerne aos modelos de mediação familiar, permitiu
identificar a categoria “sessão inicial informativa obrigatória de mediação familiar “. Esta
categoria, muito embora não se enquadre num específico modelo de mediação familiar
permitiu explorar as perceções dos participantes no estudo sobre um tema extremamente
pertinente e atual, que é o do desenvolvimento de práticas extrajudiciais para uma justiça
adaptada às crianças e de proteção da família antes do inicio do processo judicial. A
obrigatoriedade de uma sessão inicial informativa de mediação familiar antes do início
2
1
0
2
11
FG MF FG ISS
160
do respetivo processo judicial ou administrativo na Conservatória do Registo Civil é, de
facto, fundamental para a prevenção efetiva do conflito conjugal e parental e,
consequentemente, para a proteção do interesse superior da criança.
Esta categoria consiste na realização de uma sessão de mediação familiar, com
carácter obrigatório, antes de iniciar o processo judicial, na qual, o mediador familiar
forneceria informação sobre mediação familiar e avaliaria conjuntamente com os
intervenientes a viabilidade do processo de mediação familiar, tendo em conta, entre
outros aspetos, o tipo de conflito e as áreas em desacordo e a vontade e a disponibilidade
dos intervenientes para o processo.
Figura 22. Sessão informativa obrigatória antes do inicio do processo judicial ou
administrativo na Conservatória do Registo Civil (nº de referências e percentagens).
De acordo com os resultados expostos na figura 22, os mediadores familiares (FG-
MF) referiram 8 vezes (80%) a categoria “sessão inicial informativa obrigatória de
mediação familiar” e os assessores do ISS (FG-ISS) nomearam 2 vezes esta categoria
(20%) nos cinco focus groups.
De facto, a necessidade de uma sessão obrigatória de mediação familiar justifica-
8; 80%
2; 20%FG-MF
FG-ISS
161
se, desde logo, porque uma larga maioria de pessoas não detêm a informação necessária
e adequada sobre mediação familiar de modo a poderem tomar uma decisão consciente
sobre o processo a adotar para resolver o diferendo. Desta forma, poderia ser vantajoso o
recurso pré-judicial a uma sessão de mediação familiar, porque “(…) ainda não existe,
ainda que a lei diga que as Conservatórias agora têm esse papel e por aí fora… eu acho
que devia ser muito mais incisivo, devia haver espaços de informação. “(FL3M); em
outros casos tal informação chega aos interessados tardiamente (e.g. por indicação do juiz
no decurso do processo judicial) perdendo-se, pelo menos em algumas destas situações,
a oportunidade de prevenir a escalada do conflito e os correspondentes riscos para todos
os membros da família e em especial para as crianças a ele associados, porquanto, “(…)
eu tenho uma mediação em curso em que, logo de início, a senhora recusou-se no
telefone, disse que não queria ir – é um processo do tribunal -, disse que não queria ir e
não se queria sentar à mesa com a outra parte e eu tive a fazer uma espécie de uma pré-
mediação ao telefone (…) Portanto, não tinha conhecimento. Depois de lhe explicar ela
acedeu e na primeira sessão que tivemos, que ainda não tivemos outra, ela teve uma
expressão que veio de encontro: ‘isto já veio tarde, isto já devia ter sido antes’.” (FV3M).
Por outro lado, a par da carência de informação sobre mediação familiar e da importância
de a prestar no timing adequado, salienta-se a importância de incentivar comportamentos
parentais que previnam, de facto, os interesses e bem-estar das crianças, por isso, “Eu já
estou como a MS, devia ser obrigatório, já estou quase como ela; obrigatória neste
sentido de pelo menos ser obrigatório passarem, conhecerem os métodos que são
utilizados na mediação, não é? E depois, então, decidirem, porque a grande maioria das
pessoas não sabe o que é a mediação, não sabe.” (FL3M). Assim sendo, “Eu acho é que
havia de haver mediação familiar era antes de começar os processos. Mesmo que metam
o processo.” (FA2S).
162
Conclui-se, assim, que os resultados expostos apontam no sentido de ponderar as
vantagens da obrigatoriedade de os pais participarem numa sessão de mediação familiar
prévia ao início de processos judiciais que incidam sobre responsabilidades parentais e
direitos das crianças. Salienta-se, que as experiências em outros países como (e.g.
Austrália e Noruega) têm revelado resultados positivos, especialmente em situações de
médio e baixo conflito (Tjersland; Gulbrandsen & Haavind, 2015).
3.5 Coparentalidade no contexto da SD
Como sabemos a coparentalidade é influenciada por diversos fatores relativos aos
pais, nomeadamente crenças, perceções, expectativas e conhecimentos sobre o
desenvolvimento da criança, mas por outro lado, também as características dos filhos, o
seu temperamento, aparência, ou as suas capacidades cognitivas a determinam e
influenciam. Consequentemente, o conceito de coparentalidade remete para uma
realidade multideterminada em que múltiplas e complexas influências coexistem e são
exercidas (Belski, 1984; Bornstein, 2001; Feinberg, 2003; Margolin, et al., 2001; Van
Egeren&Hawkins, 2004).
Por sua vez, a fase de SD caracteriza-se comummente por ser um período marcado
por instabilidade e incerteza perante o esboroamento da estrutura e da organização
familiar anteriores à SD e a emergência de reconfigurar uma outra organização familiar
adaptada à nova situação. A turbulência emocional faz assim parte deste processo que é,
frequentemente marcado por elevados níveis de stress com potencial impacto na
coparentalidade.
Neste contexto, considera-se a relação de coparentalidade como sendo um
conceito que envolve a maneira como os pais se apoiam e cooperam na prestação de
cuidados aos filhos e a forma como negoceiam os respetivos papéis e responsabilidades
163
(Margolin et al., 2001).
Assim, importa pesquisar e analisar quais os fatores que os participantes nos focus
groups apontaram como sendo os mais influentes no domínio da coparentalidade e
consequentemente os mais determinantes para as crianças. Desta forma, a análise do
conteúdo dos focus groups permitiu extrair dois domínios de impacto na coparentalidade
na fase de transição para SD. O primeiro, refere-se aos fatores de proteção e de risco
relativos no contexto da coparentalidade e o segundo diz respeito aos fatores que maior
influência apresentam no domínio da responsabilidade na tomada de decisão dos pais em
relação aos filhos na transição para a SD.
3.5.1 Fatores de proteção
Os fatores de proteção consistem em características individuais e/ou ambientais
que ajudam a moderar o conjunto de efeitos stressantes que decorrem da SD para adultos
e crianças (e.g. Amato, 2000; Hetherington, 1989; Kelly & Emery, 2003). Alguns estudos
referem que não se verificam diferenças significativas, a longo prazo, entre os filhos cujos
pais se separaram ou divorciaram e os filhos de famílias intactas (Kelly & Emery, 2003),
enquanto outros predizem que os problemas de comportamento nas crianças de pais
divorciados ou separados são persistentes e consistentes para além dos dois anos seguintes
à SD ter sido decretada (Weaver & Schofield, 2015).
De facto, trata-se de uma realidade dependente de uma ampla diversidade de
fatores, no entanto, as características das crianças e da família (e.g. cooperação, conflito,
responsividade e sensitividade dos pais,) bem como as características do ambiente
extrafamiliar, são comummente apontados como sendo fatores protetores para as crianças
e para os pais, no âmbito da SD (Kelly & Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015).
Com base na análise do conteúdo dos focus groups realizados obtivemos um
164
conjunto de categorias ilustrativas dos fatores de proteção mais significativos
identificados pelos participantes.
Figura 23. Fatores de proteção referidos pelos participantes nos focus groups.
O Figura 23 representa os fatores de proteção dominantes na relação entre os pais,
que os participantes nos focus groups percecionaram como sendo potencialmente mais
marcantes para a adaptação das crianças aquando da transição para a SD dos pais, no
âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais através de recurso ao
TFM ou a mediação familiar. Assim, o fator de proteção que se revelou mais positivo foi
a “cooperação”, com 50 referências (35%), seguiu-se o “diálogo” entre os pais que foi
indicado 43 vezes (31%) e a capacidade de os pais se focalizarem nos filhos com 32
referências (30%), por fim, a existência de mediação familiar “pré-judicial” foi expressa
6 vezes (4%).
Cooperação
A “cooperação”, consiste no respeito recíproco e na motivação para partilhar as
50; 35%
43; 31%
42; 30%
6; 4%Cooperação
Diálogo
Foco nos filhos
Mediação pré-judicial
165
funções parentais unindo esforços para construir um entendimento comum (acordo),
independentemente das diferentes identidades, necessidades, perspetivas ou interesses
pessoais que cada um dos membros do ex-casal/pais (e.g. Margolin et al., 2001).
A motivação para colaborar conjuntamente e participar na busca de
entendimentos constitui assim o elemento essencial da cooperação, no entanto, não raras
vezes, esta cede perante a compulsão do conflito e os desafios económicos e emocionais
da SD. O processo de mediação familiar caracteriza-se por ser um contexto dinamizador,
incentivador e fortalecedor da cooperação interparental e por fomentar a ligação entre os
pais e a valorização de esforços para a concretização de objetivos e projetos comuns.
De acordo com os resultados encontrados a relação de cooperação, durante a SD,
tem como características principais a aceitação, o respeito, a confiança, o envolvimento
na procura de soluções, o desejo de inclusão do outro pai/mãe, a opção pela união de
esforços e a contenção da competição e materializando-se na forma como os pais
comunicam entre si. Contudo, estas características, frequentemente, no início da
mediação familiar estão ofuscadas, cabendo aos mediadores familiares dinamizá-las,
incentivá-las, dar-lhes forma e visibilidade.
Assim, a “cooperação”, desse logo, compreende a aceitação da realidade em
presença, especificamente, o reconhecimento da identidade do outro, “(…) que ela é
assim, sei que não a vou conseguir mudar, vou ter que conviver com esta realidade, vou
ter que a aceitar dentro da minha vida.” (FP1M); da sua fiabilidade, “A confiança.
Quando começam a reconhecer-se mutuamente como pais capazes - esse é um indicador
essencial, demonstrarem confiança um no outro. “(FP1M); demonstrando envolvimento
na construção das decisões, “Quando prometem que ‘vou pensar sobre a questão e ver
os prós e contras’ para na próxima sessão trazerem uma resposta sobre o assunto
(FV3M); e capacidade para incluírem o outro pai/mãe em momentos importantes da vida
166
da criança “(…) vão à escola, e, conseguem ir os dois, por exemplo, às reuniões da escola,
que é uma coisa tão básica quanto isso, vão os dois no mesmo momento.” Por outro lado,
o conteúdo e a forma, como os pais comunicam materializa e reflete a maneira como estão
a conseguir cooperar, designadamente, “Os termos verbais e também de alguma forma
incluindo o outro, estar a falar com o outro e deixar de falar para o outro.” (FS1M).
Diálogo
A categoria “diálogo” reflete uma forma de conversação caracterizada por uma
atitude de abertura e pela predisposição para a compreensão recíproca independentemente
de existirem diferentes interesses e pontos de vista.
Como é conhecido a capacidade para dialogar é, frequentemente afetada e
diminuída em consequência da instabilidade e turbulência emocional e financeira que a
SD comporta para os membros do ex-casal. Em contrapartida, a capacidade de diálogo
entre os pais aparenta ser uma condição amiga da relação de coparentalidade que importa
estimular, tendo em conta, entre outros aspetos, a natureza duradoura deste tipo de relação
e as significativas repercussões que tem para o bem-estar dos filhos e para a realização
dos pais enquanto pais. Esta categoria - o “diálogo” entre os pais -, caracteriza-se pela
ausência de um posicionamento rígido, “Pelo tipo de comunicação, é haver ajustamentos,
é a flexibilidade que eu acho que é um elemento facilitador.” (FS2M) e pela predisposição
e abertura para a compreensão e para a discussão construtiva, isto é, “(…) passa muito
pelo que podemos observar no discurso, e, quando é um discurso em que se colocam em
causa em vez de estarem só a apontar para o outro como o culpado do que quer que
seja.” (FK1M). Por sua vez, no âmbito do processo de mediação familiar a melhoria na
qualidade do diálogo é percetível através da evolução positiva das trocas
comunicacionais, “É um processo evolutivo. Começarem voltados quase de costas e à
167
medida que as sessões vão evoluindo o tal não-verbal a que nós estamos atentos, não é?!
Começam a rodar na própria cadeira, e então isso é indicativo que a comunicação
começa a fluir entre eles e que aqueles ruídos que inicialmente existiam começam a
desvanecer-se e, portanto, também aqui na comunicação isso é muito visível que há essa
necessidade, quase, da parte deles, de se deslocarem um para o outro e começarem a
falar. (FL3M), reconhecendo-se, claramente através de diversos aspetos, verbais, não
verbais, posturais… “Depois, mais visível ainda é que estão mais calmos, mais relaxados,
a postura física, podem estar mais encostados na cadeira, não gesticulam tanto, fazem
menos gestos no início fazem mais gestos, mais sorrisos, têm um tom de voz mais baixo
e, eventualmente, poderão ter um espaço físico mais aproximado, e (…) olharem-se
diretamente que no início não acontece e isso é uma mudança radical. (FJ1M).
Assim, a predisposição para o diálogo entre os pais mostra ser um fator protetor
da coparentalidade, dado que contribui positivamente para o sucesso das negociações e
para a tomada de decisões conjuntas relativamente aos filhos (Pruett & Donsky, 2011),
assim como, permite amortecer outros fatores de vulnerabilidade emergentes da transição
para a SD (e.g. fatores demográficos, económicos, etc.). Assim, os resultados
apresentados evidenciam que uma relação interpessoal positiva caracterizada pela
abertura para discutir os temas em desacordo e por um posicionamento flexível diminui
o impacto negativo da separação (Amato, 2000), observável na forma como as pessoas
comunicam, com especial enfoque para comunicação não verbal.
Foco nos filhos
A categoria “foco nos filhos” consiste na importância central e primacial que os
pais dedicam aos interesses, necessidades, bem-estar e cuidados a prestar aos filhos,
mostrando-se atentos aos seus sentimentos e inquietações. Não obstante, os desafios com
168
que possam estar a confrontar-se, os pais focalizados no interesse primordial dos filhos
tendem a conseguir separar as questões relativas aos filhos dos seus próprios sentimentos
e interesses predispondo-se, se necessário, a fazer cedências e despender esforços
pessoais, emocionais, económicos, etc. em prol do acordo que entendem ser mais
vantajoso para os seus filhos. Desta forma, a focalização no bem-estar dos filhos contribui
para a agilização de decisões, consensos e procedimentos legais ajudando a atenuar e a
reduzir o tempo de desestabilização inerente às mudanças desencadeadas pelo processo
de SD.
Assim, o “foco nos filhos” ajuda a regular a emotividade negativa e contribui para
promover a racionalidade e a objetividade necessárias ao estabelecimento de acordos,
nomeadamente quanto ao exercício das responsabilidades parentais, de modo que, “Lá
está esta pessoa conseguia distanciar-se da questão da separação e dos ressentimentos
que tinha face à outra parte, mas para esta pessoa, eu acho que ela conseguia ser objetiva
em termos de pensar nas questões do filho.” (FF1S), FS2M), assim como, “É eles
pensarem que o importante são as crianças e terem discernimento suficiente para por a
zanga de lado e conseguirem pensar.” (FS2M). Também a capacidade para priorizar a
convivência e a manutenção de relações próximas e afetuosas com os filhos contribui para
amenizar conflitos e proteger a coparentalidade, a parentalidade e o interesse dos filhos,
porquanto, “Eu lembro-me de uma situação de um homem, que foi aquela que eu falei há
pouco, que ele conseguiu pôr tudo para trás das costas, o litígio, a zanga com tudo e com
todos porque queria era estar com o miúdo. (FC2S).
Os pais que colocam o interesse dos filhos acima de outros possíveis interesses
não retaliam, mas expressam elevação nas suas atitudes e decisões sendo altruístas e
generosos, “(…) tive agora um caso que a mãe disse que a menina não queria ir e ele
continuou a pagar a pensão de alimentos porque para ele [não pagar] era uma forma de
169
estar a culpar a filha.” (FA1S), e, também respeitam e dão valor às opiniões e
sentimentos dos filhos “(…) A reunião foi só elas comigo (…) eram adolescentes. A
opinião, o sentir delas em relação à questão que se colocou, e os pais tomaram em
consideração essa mesma realidade de ser para elas mais satisfatório, mais confortável
estar mais tempo em casa de cada um dos pais, foi três semanas num, três semanas no
outro. (FK1M).
Como os resultados comprovam a focalização nos interesses dos filhos implica a
capacidade para diferenciar os interesses individuais dos interesses das crianças e, por
conseguinte, de tomar decisões relativas às crianças sem as confundir com as decisões
que adotariam para si mesmos. Assim, ainda que exista conflito considerável entre os
pais, estes, conseguem separar as fronteiras entre os subsistemas parental, coparental, e
ex-casal, e tomar decisões contextualizadas na realidade familiar e centradas no bem-estar
dos seus filhos. Deste modo, os pais centrados em tomar decisões ajustadas ao bem-estar
dos filhos tenderão a não estabelecer triangulação com as crianças estando, por isso, em
melhores condições para desenvolver relações de parentalidade e de coparentalidade
harmoniosas, durante e após a separação, por isso, trata-se de um fator de proteção a ter
em conta na transição para a SD.
Importa, então, salientar a importância de os mediadores familiares
desenvolverem estratégias que promovam a limpidez da diferenciação relacional, o
reconhecimento e a identificação das necessidades dos pais e dos filhos.
Mediação pré-judicial
A existência de um serviço de atendimento de mediação familiar, obrigatório,
antes de os pais iniciarem qualquer processo sobre responsabilidades parentais no
Tribunal de Família e Menores ou na Conservatória do Registo Civil, foi referido pelos
170
participantes neste estudo como sendo um fator de proteção da coparentalidade na
transição para a SD ao facultar, não só o exercício do direito de uma escolha informada
sobre o tipo de processo pretendido para resolver o diferendo, mas também por contribuir
para prevenir a escalada do conflito e o desgaste económico e emocional, cujas
consequências nocivas poderiam assim ser evitadas com informação atempada e
adequada, nomeadamente através de “Um gabinete nas Conservatórias com um técnico
especializado em assessoria técnica e mediação, em processos tutelares cíveis, cuidados
parentais seja o que for que ajude o casal (…) … querem despachar para fazer ao balcão,
com o senhor da Conservatória a dizer-lhe: ‘diga que não quer dar-lhe, que dá 50 €’.
(FP1S)
3.5.2 Fatores de risco
Os fatores de risco compreendem o conjunto de eventos que surgem na transição
para a SD que as pessoas experienciam como sendo stressantes. Estes fatores aumentam
o risco de ocorrerem efeitos emocionais, comportamentais, de saúde etc. para os pais e
para os filhos que dificultam o seu ajustamento ao divórcio (e. g. Amato, 2000; Kelly &
Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015).
Como sabemos a vivência da SD não é, só por si, responsável por sintomas de
mau ajustamento emocional, comportamental ou de problemas académicos nos filhos,
mas tal, não significa que a transição para a SD possa ser vista como inócua em termos
de risco para o desenvolvimento harmonioso dos filhos, porquanto a dimensão das
dificuldades com que os pais se vêm confrontados é assinalável (Wallerstein, et al., 2013)
e determinada por variados aspetos, nomeadamente a natureza e a forma como teve inicio
a SD, o conflito entre os pais, a estabilidade económica ou a capacidade de cooperação
entre os pais (Kelly & Emery, 2003). Assim, pretende-se investigar as perceções dos
171
participantes sobre os fatores de risco presentes na relação de coparentalidade cujos
efeitos são potencialmente negativos para as crianças aquando da transição para a SD.
Para tal, partindo da análise do conteúdo dos focus groups, desenvolvemos um quadro
das categorias emergentes da análise dos fatores de risco assinalados pelos participantes
no estudo.
Figura 24. Fatores de risco referidos pelos participantes nos focus groups.
A observação da figura 24 permite notar os fatores de risco percecionados pelos
participantes nos focus groups no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades
parentais. O fator de risco mais proeminente é o “conflito” com 63 referências (67%); a
“distorção do foco nos filhos” compreende 11 referências (12%); o “desequilíbrio de
poder entre os pais” foi nomeado 10 vezes (10%) e a “não cooperação” foi mencionada
10 vezes (11%).
Conflito
A categoria “conflito” inclui uma ampla variedade de situações e de interações
que comportam, emoções negativas e comportamentos revanchistas, competitivos e
63; 67%10; 10%
11; 12%
10; 11%
Conflito
Desiquillibrio depoder entre ospais
Distorção dofoco nos filhos
Nãocooperação
172
destrutivos que, entre outros aspetos, prejudicam a racionalidade e a clareza da
comunicação sendo causa de sofrimento para todos os membros da família e
especialmente para as crianças.
Por conseguinte, o aumento ou a eclosão da emotividade negativa associada à SD
manifesta-se através de emoções negativas, como “Frustração, raiva, zanga, vingança,
denegrir o outro para eu me valorizar, são egoístas, há um egoísmo tão grande! Há uma
incapacidade total para se descentrarem do conflito. “(FH1S), de comunicação
disfuncional e conflito, “É a zanga, a incapacidade de dialogar com o outro, a recusa.
(FC2S), de comportamentos não verbais de oposição ao outro, “(...) foi na sala maior, eu
colocava-me… tipo mesa redonda sem a secretária e, eles mesmo assim compunham as
cadeiras completamente de costas.” (FM2S) e em interações competitivas baseadas em
ataque e contra-ataque “A vingança: ‘não me deixas ver os meninos!’” (FP1S).
Assim, a emotividade negativa e a comunicação disfuncional aumentam o
feedback negativo das interações elevando o grau do conflito para níveis de pervasividade
e de reatividade adversos ao desenvolvimento apropriado do processo de tomada de
decisão dos pais, assim como à estabilidade emocional e interesses dos filhos, o que,
necessariamente, implica efeitos negativos para a relação de coparentalidade e para as
crianças como anteriormente referimos.
Os participantes nos focus groups identificaram também outras condições
suscetíveis de amplificar o conflito, como é o caso da discordância quanto às orientações
educativas dos filhos19, particularmente quando os pais têm diferentes estilos parentais,
“O pai quer que eles tenham regas. Neste sentido, a mãe diz: que o pai está antiquado,
que os tempos mudaram, que as crianças têm direito de se manifestar.” (FV3M); ou,
quando seguem diferentes religiões e crenças, “Quando um dos pais tem uma religião e
19 De notar a previsão do artigo 1906, nº 3, do Código Civil, relativamente às formas de dirimir possíveis
discordâncias entre os pais quanto a orientações educativas e a questões da vida corrente dos filhos.
173
outro não tem nenhuma é um fator de risco.” (FH1S). De notar, ainda que as
consequências nocivas do envolvimento abusivo das crianças na teia do conflito podem
decorrer não só de situações em que se pretende atingir diretamente o outro, mas ainda
de motivações que visam contestar o fim da relação, “Porque lá está! Aquela mãe através
da roupa e do narcisismo das meninas andarem muito bonitas, que prolongava ali a
relação com ele.” (FI2S).
Como ficou patente o conflito entre os pais constitui um fator de risco para o
desenvolvimento harmonioso dos filhos, contudo, nem sempre implica efeitos negativos
nas crianças, “Portanto, às vezes, há conflitos gravíssimos e a criança está a salvo e,
outras vezes, há conflitos que nem são assim tão graves e a criança está completamente
enviesada, partilhada, destroçada, porque eles os dois a usam e usam-na! E é uma falta
de respeito por um ser humano (…).” (FI2S).
Recordamos que, o conflito entre os pais é comummente referido como sendo um
fator de risco implicado com problemas de ajustamento social, cognitivo, de
comportamento, etc., nas crianças (Cummings & Davies, 2002), o qual, é suscetível de
provocar problemas acrescidos, durante a transição para a SD, sobretudo para os filhos
(e.g. Amato,2000; Amato, 2010; Kelly & Emery, 2003). Desta forma, a análise dos
resultados, permite corroborar que a interação negativa entre os pais afeta as crianças,
nomeadamente através da triangulação e da diminuição da responsividade, entre outros
aspetos.
Desequilíbrio de poder entre os pais
A categoria “Desequilíbrio de poder entre os pais” verifica-se quando, na presença
de desiguais fontes de poder, um dos pais tenta impor ao outro a sua vontade através de
174
manipulação, intimidação, humilhação ou em casos mais graves por meio de violência.
A utilização abusiva do poder por algum dos pais para subjugar o outro tem
implicações negativas na regulação e na estabilidade emocional, quer dos pais, quer dos
filhos e, consequentemente, no processo de tomada de decisão sobre as responsabilidades
parentais e na subsequente reorganização familiar. As fontes de poder são de ordem
material ou imaterial sendo ostentadas, comummente através da posse de recursos
económicos, conhecimentos percecionados pelo outro como superiores, informações
específicas, influência social, restrições de contactos com pessoas significativas, indução
de sofrimento, provocação de conflito e aspetos da personalidade como vitimização,
dominação, carisma ou sedução (Bollen, Verbeke, & Euwema, 2013).
Assim, a emergência de desequilíbrios de poder entre os pais em contexto de SD
potencia diversos efeitos adversos para o ajustamento das crianças em vários aspetos,
nomeadamente, aumentando o stress relacionado com o declínio de rendimentos dos pais
em consequência da separação (Weaver & Schofield, 2015) e com manobras de
manipulação de poder e de competição pelos filhos e, bem assim, com a instabilidade
emocional induzida pelas interações de recompensa e de castigo inerentes aos jogos de
poder entre os pais.
A análise da categoria “desequilíbrio de poder entre os pais” permite compreender
diversas habilidades que os pais usam para constranger ou forçar o outro pai/mãe a
submeter-se aos seus interesses. Tais comportamentos dos pais podem envolver
diretamente os próprios filhos modificando radicalmente as relações de poder entre os
pais e entre estes e os seus filhos, “(…). De facto, as crianças ficam entregues à mãe, os
pais ficam muito reféns dessa flexibilidade da mãe (…).” (FO2M); “(…) o que acontece
muitas vezes a estes miúdos é que eles invertem os papéis, porque começam a acusar um
dos pais, nas alienações, de repente passam a ser eles que detêm o poder e isso perverte
175
um bocado. (FH1S). Em outros casos o desequilíbrio de poder entre os pais leva à
degradação do seu estado emocional o que se vem a repercutir na estabilidade das
crianças, “Quando uma das partes está muito subjugada, muito revoltada, não tem
controlo, não tem confiança em si é mais difícil. Nas pessoas que aqui me aparecem há
muita diferença de poder e a diferença de poder ...” (FF1M). Foram também referidas
situações em que o desnível de poder pode ser um fator de grande impacto no processo
de tomada de decisão parental com implicações, obviamente, negativas para os filhos,
“Por exemplo, ter medo do outro, mostrar medo do outro. Por exemplo, a questão do
poder e da violência, se percebemos que um tem medo do outro, pelo menos, esse que
tem medo não estará bem posicionado naquele contexto para tomar decisões de forma
responsável, pode ser auto pressionado em termos de acolher o que o outro quer.
“(FU3M). De notar, que o contexto da transição para a SD por ser um processo de
profundas e dinâmicas mudanças, quer na estrutura, quer na hierarquia familiar, é
eminentemente propício ao acionamento de maiores e mais fortes desequilíbrios de poder,
os quais, podem vir a configurar um considerável risco para as crianças, desde logo, pela
probabilidade de estas dinâmicas tenderem a prolongar-se indefinidamente cristalizando-
se em comportamentos padronizados, “ (…) É possível perceber ao nível das
responsabilidades parentais onde é que está o poder relativamente à tomada de decisões,
ou onde esteve o poder e onde, eventualmente poderá estar, no futuro. (FL3M). Por isso,
a possibilidade de intervir preventivamente nestes casos mediante recurso a mediação
familiar representa benefícios, nomeadamente em termos da recognição da origem dos
desequilíbrios e da promoção de dinâmicas de validação dos poderes respetivos e do seu
reenquadramento no contexto da mediação familiar de forma a que o acordo alcançado
seja uma expressão funcional dos direitos das crianças e das necessidades e visões de vida
da família. Para tal é necessário, desenvolver na mediação estratégias que promovam a
176
apreciação e a consciencialização do valor intrínseco de cada um dos pais e reequilibrem
a eventual sobrevalorização de um face ao outro um contexto de igualdade de facto.
Distorção do foco nos filhos
A categoria Distorção do foco nos filhos comtempla situações em que os pais
colocam em causa de forma consciente ou inconsciente os direitos e interesses das
crianças, concretamente através de comportamentos manipuladores e de
instrumentalização dos filhos (e.g. obstruir a convivência com os filhos, não pagar a
pensão de alimentos, usar os filhos como mensageiros, etc.).
Como anteriormente referimos quando a interação entre os pais é negativamente
afetada, os pais tendem a triangular os filhos de várias formas, nomeadamente utilizando-
os para conseguir estabelecer alguma comunicação com o outro e como forma de retaliar,
assim, “Há os pais que se deixam de falar de todo e que usam, nos casos mais graves, de
alienação; usam os filhos como armas de arremesso e como forma de ponte e de
comunicação com o outro.” (FL1S). Estes comportamentos dos pais demonstram que se
verifica uma obstrução do seu foco de atenção no bem-estar dos filhos, em consequência
de indiferenciação e confusão entre a relação conjugal, a relação parental e a relação
coparental.
A responsabilidade dos pais face aos filhos implica, entre outros aspetos, o
respeito pela sua dignidade, individualidade e a valorização das suas opiniões e
sentimentos. No entanto, apesar de estes direitos da criança20 se encontrarem amplamente
reconhecidos em diversos instrumentos jurídicos, quer nacionais, quer internacionais,
nem sempre os mesmos são assegurados da melhor forma pelos pais, especificamente
20 Veja-se a este propósito, o princípio da dignidade da pessoa, consagrado no artigo 1º da Constituição da
República Portuguesa, assim como, o direito da criança a ser ouvida sobre os assuntos que a afetam (e.g.
artigo 12º da Convenção sobre os Direitos da Criança).
177
quando estes enfrentam situações de elevado stress ou maior vulnerabilidade e mudança
familiar. Mas, se, por um lado, a transição para a SD é um período comummente
associado a elevados níveis de stress e a uma diminuição da sensibilidade parental, por
outro lado, é também nesta fase que tais enviesamentos relativamente ao foco dos pais no
bem-estar e nos direitos das crianças se tornam mais visíveis para o exterior do núcleo
familiar.
Assim, a análise da categoria “distorção do foco nos filhos”, permite evidenciar
que o alheamento e a falta de conhecimento acerca dos direitos das crianças podem
implicar comportamentos de desrespeito pela pessoa dos filhos, “Vê-se muito a criança
como um objeto e não como um ser humano individual. (FO2M), a sensitividade e a
responsividade dos pais face aos filhos é suscetível de diminuir e de comprometer a forma
como os pais cuidam das necessidades físicas, emocionais e materiais dos seus filhos e a
maneira como conseguem minorar os efeitos adversos da SD. Estes casos, demonstram
uma fraca diferenciação entre a esfera pessoal e relacional dos pais e a dos filhos, ao
contrário do que se verifica com os pais focalizados nos filhos que, como atrás referimos,
conseguem estabelecer fronteiras entre o domínio das relações entre o ex-casal e o
domínio das relações dos pais entre si e relativamente aos seus filhos. Assim, as crianças
ressentem-se da desatenção dos pais manifestando o mal-estar e desejando que a relação
entre eles seja minimamente cordial, “(…) é uma menina que tem 7 anos, diz:’ eu só
queria que eles dissessem bom dia’. Esta miúda está adaptada a isto, independentemente
de os pais não terem respeito nenhum um pelo outro, não comunicarem, não a põem de
forma alguma no centro da situação (…)” (FH1S).
Ficou também testemunhado pelos participantes neste estudo que a “distorção do
foco nos filhos” aparenta estar implicada com o estilo educativo autoritário e com uma
fraca consciencialização e desconhecimento dos pais relativamente à necessidade de
178
valorizar e respeitar os direitos da criança, nomeadamente o seu direito a exprimir as suas
opiniões sobre os assuntos que a afetam, “Tive um pai que dizia que muito agradeceu ao
pai o ter obrigado a ir para a natação, por isso, o filho vai para a natação.”(FC2M); “A
mãe perguntou ao miúdo o que é que queria frequentar e o miúdo disse que queria
violino. Foi falado isto na sessão; eu perguntei ao pai o que é que ele pensava de
inscrever o filho no violino, a resposta dele: ‘(…) não tem jeito nenhum para o violino e,
portanto, eu não concordo’. Eu acho que é não respeitar a vida da pessoa a quem ele diz
que quer o melhor”. (FP2M).
Assim, é crucial que, por um lado, que os mediadores familiares tenham presente
a necessidade de os pais considerarem os direitos das crianças ao tomarem decisões que
afetam as suas vidas, e por outro, de terem em conta a importância de estimularem as
interações coparentais sensitivas, as quais, se caracterizam pelo carinho, pela consistência
e pela responsividade (Hartz & Williford, 2015). As relações sensitivas ajudam a regular
o comportamento da criança amortecendo os efeitos negativos da SD, designadamente,
porque a sensitividade parental tende a diminuir em consequência do divórcio (Weaver,
& Schofield, 2015).
Comprova-se, assim, que a “distorção do foco dos filhos” é um risco possível da
SD, pelo que, importa que os mediadores familiares desenvolvam estratégias para ajudar
as pessoas enredadas na teia do conflito, a diferenciar os vários níveis relacionais (e.g.
pai/mãe; sogros/pai ou mãe; pais/filhos, pai ou mãe/novos companheiros, etc.), antes de
tentarem qualquer negociação com vista ao acordo. Os modelos de mediação narrativa
com aplicação de questões exploratórias, reflexivas e transformadoras ou a participação,
devidamente preparada e planeada das crianças na mediação familiar podem ser úteis para
ajudar a reconfigurar novos papéis, funções e relações. Deste modo, o processo de
mediação familiar representa um contexto ímpar para (re) centrar os pais no processo de
179
tomada de decisão relativamente aos diversos tipos de responsabilidades parentais (e.g.
financeiras, educativas, saúde, segurança, etc.) de que se são titulares e cujo alcance é
emocional e jurídico.
Não cooperação
A categoria “não cooperação” consiste uma atitude de resistência da parentalidade
do outro pai/mãe e dificuldades em se valorizarem, apoiarem e respeitarem mutuamente,
no período de transição para o divórcio.
Os participantes no presente estudo referiram como principais obstáculos à
cooperação, comportamentos de desvalorização e de competição “(…) Situações em que
vão em momentos diferentes, tem médicos diferentes, tem roupas diferentes. “(FC2S);
posicionamento rígido e inflexível “Num dos casos a relação dos progenitores era tão
difícil e tão má, tão pouco flexível que o pai para ver os filhos (uma menina com 13 e um
menino com nove) era através da GNR, (…) e se o pai se atrasava as crianças já não
estavam na GNR. Ali ao minuto! (FO2M); problemas de saúde mental “(…) porque
aparecem-nos pessoas também muito perturbadas em termos da relação. (FS2M); agir
com reserva mental, designadamente, no âmbito do processo de mediação familiar, “Por
exemplo, se já construíram uma parte do acordo, por exemplo em relação às visitas, é
suposto um começar a aplicar, (…) um começa a tomar as atitudes de acordo com o que
já estabeleceu e o outro diz que não, ainda não está escrito. Continua na mesma. Ora,
isso é um indicador que aquela parte não está no acordo da mesma forma que o outro e
que, até que ponto vai cumprir aquela responsabilidade que se propõe. Porque não
começar? (FV3M); e ambivalência, “Em muitos casos é ambivalência. “(FI2S),
frequentemente, relacionada com resistência à separação reclamada pelo outro.
Estamos, assim, em presença de comportamentos de não cooperação
180
possivelmente originados na família intacta, os quais, adquirem aquando da transição para
a SD, um ímpeto acrescido que se junta a uma quantidade considerável de eventos
stressantes que culminam durante o período conturbado da SD. Assim, a não cooperação
entre os pais dificulta inequivocamente o processo de tomada de decisão sobre
responsabilidades parentais a todos os níveis e é um fator de risco que se repercute
negativamente na dinâmica de reorganização familiar e, especificamente nas crianças.
Por isso, relembramos, também sob este prisma, a extrema importância da mediação
familiar, nomeadamente na sua vertente preventiva. A mediação familiar, enquanto
processo estruturado e com uma abordagem integrada e planeada com base nas
características e necessidades de tempo que cada família precisa para interiorizar as
mudanças necessárias à nova organização familiar em curso, fornece a possibilidade para
os pais reelaborarem os posicionamentos competitivos.
Em síntese, a análise dos dados permitiu corroborar a identificação de fatores de
proteção e de risco para as crianças, emergentes do desenvolvimento da relação de
coparentalidade no contexto stressante da fase da SD. Por outro lado, os resultados
sugerem que a mediação familiar permite prevenir ou minorar tais efeitos negativos
proporcionando aos pais um processo de tomada de decisão, estruturado e ajustado às
necessidades, desafios e disposições emocionais e jurídicas, entre outras.
3.5.3 Fatores de influência nas decisões responsáveis dos pais
Através da análise da categoria “Fatores de influência na responsabilidade pelas
decisões dos pais” pretende-se conhecer quais são os fatores que os participantes no
estudo consideram como sendo os que têm maior influência na capacidade de tomar
decisões sobre os filhos de forma responsável.
181
Como sabemos com a decisão de separação inicia-se um período de
desorganização do sistema familiar e de forte convulsão emocional, no qual, a sucessão
de mudanças e a necessidade de tomar múltiplas e difíceis decisões exigem dos pais um
importante esforço de racionalidade, sensibilidade e de adaptação à mudança. A
expressão jurídica “responsabilidades parentais” permite que nos concentremos, desde
logo, no centro da questão que se pretende aprofundar, porquanto se trata de esclarecer
quais são os fatores que maior influencia têm na capacidade de tomar decisões
responsáveis relativamente aos filhos num contexto agitado como é o da SD.
A categoria “Fatores de influência na responsabilidade das decisões dos pais”
compreende as subcategorias fatores de influencia positiva e fatores de influencia
negativa, as quais, por sua vez, se subdividem em três dimensões cada, conforme
seguidamente se expõe.
Fatores de influencia negativa na responsabilidade dos pais
Os fatores de influencia negativa na responsabilidade dos pais identificados são:
a emotividade negativa; a falta de tempo para pensar e as limitações à autonomia.
34; 77%
4; 9% 6; 14%
Emotividadenegativa
Falta de tempopara pensar
Limitações àautonomia
182
Figura 25. Fatores de influencia negativa na responsabilidade dos pais.
De acordo com os resultados expostos na figura 25, os fatores referidos pelos
participantes neste estudo, que apresentam maior influência negativa na responsabilidade
dos pais face às decisões sobre os filhos no âmbito da SD são a emotividade negativa,
com 34 referências (77%); as limitações à autonomia, com 6 referências (14%) e a falta
de tempo para pensar, com 4 referências (9%).
Emotividade negativa
Segundo Damásio (1995; 2000) as emoções constituem padrões complexos
resultantes de processos biologicamente determinados que combinam respostas químicas
e neurais dirigidas ao corpo e ao cérebro de forma a criar e a regular as condições mais
favoráveis à manutenção da vida de um organismo. Portanto, não resultam de decisões
conscientes pois são ativadas automaticamente, ainda que a sua expressão possa
eventualmente ser modelada pela aprendizagem e pela cultura. As respostam emocionais
produzem modificações no design físico e cerebral que permitem a experiência ou o
sentimento da emoção, (Damásio, 2000). Por sua vez, Greenberg (2014) refere-se à
emoção como sendo um esquema de avaliação de uma situação em função do bem-estar.
Comumente os autores, classificam as emoções em três tipos: emoções primárias;
emoções secundárias ou sociais e emoções de fundo (e. g. Damásio, 1995; 2000;
Greenberg, 2014). São emoções primárias as que ocorrem de forma automática como a
alegria, a tristeza, o medo, a raiva, a surpresa e a aversão; já as emoções secundárias
derivam de emoções primárias, como vergonha, ciúme, culpa ou o orgulho (e.g. ter
vergonha de ter medo, sentir culpa por sentir aversão em relação a alguém), por sua vez,
as emoções de fundo são estados, geralmente visíveis através da postura corporal, que
183
podem ser de bem-estar, mal-estar, calma ou tensão e ser causados por condições internas
(e.g. fadiga, ruminação) ou mediante a interação com o meio (Damásio 2000).
Importa precisar que a grande maioria dos sentimentos emergem da experiência
fisiológica e mental das emoções, por isso, os termos emoção e sentimento são, por vezes,
utilizados de forma indistinta, mas a natureza do sentimento combina a consciência da
emoção (perceção) com o pensamento (Damásio, 1995).
Sucede que, o aumento e repetição de emoções desagradáveis suscita igualmente
pensamentos desaprazíveis e indutores de outras emoções negativas, ao mesmo tempo
que o processamento cognitivo é afetado. Por sua vez, o pensamento é tecido sobre a tela
das emoções mediante a linguagem que lhe dá sentido e significado, assim como, o
comportamento é compulsado a partir do dispositivo emocional que regula a
sobrevivência humana.
Estudos referem correlações entre emoções negativas, adversidade, stress e
conflito, no relacionamento do casal, assim como, a forma como os pais regulam as suas
próprias emoções e respondem às emoções negativas dos filhos afeta a eficiência da
parentalidade e a socialização dos filhos, (Blandon, 2015). Também se encontra bem
estabelecido pela investigação o impacto da adversidade experimentada pelas crianças
em consequência da SD dos pais, a qual, é um importante preditor de risco,
concretamente, na infância, adolescência e em jovens adultos (Hagan; Luecken; Modecki;
Sandler & Wolchik, 2016).
Por seu lado, como sabemos a responsabilidade parental é igualmente
comtemplada pelas leis, nomeadamente, mediante a atribuição de direitos e de deveres
funcionais aos pais, para que, estes os exerçam no interesse dos filhos de forma a que os
primordiais direitos da criança sejam devidamente acautelados.
Assim, tendo em conta as questões de investigação a que pretendemos responder
184
importa frisar que a presença de emoções e de sentimentos percecionados como
desagradáveis ou negativos pelos membros do ex-casal/pais aquando da separação, é
comummente reconhecida por inúmeros autores como sendo uma das causas principais
de sofrimento e de dificuldade na consecução de acordos, designadamente os acordos
sobre o exercício das responsabilidades parentais, entre outros. Por outro lado, a
exposição prolongada e intensa ao stress e ao conflito também são fatores indutores de
emoções, sentimentos e estados desagradáveis ou negativos de medo, raiva, rejeição,
culpa e tristeza, suscetíveis de influenciar o funcionamento emocional e cognitivo que
subjaz a qualquer processo de tomada de decisão. Não obstante, não se conhecem estudos
sobre os efeitos da emotividade negativa dos pais no curso da SD, sobre o processo de
tomada de decisão dos pais relativamente à regulação das responsabilidades parentais,
muito embora, se verifiquem significativas inter-relações entre a emocionalidade negativa
experimentada na infância, durante a SD dos pais, e múltiplos índices de desregulação
em jovens adultos (e.g. abuso de álcool, aumento da magnitude da reatividade), (Hagan,
et. al., 2016).
Assim, neste trabalho almejamos explorar algumas das dimensões de influência
da emotividade negativa no quadro da responsabilidade pelas decisões que aos pais cabe
assumir no contexto em referência.
A emocionalidade negativa consiste em acentuada sensibilidade a estímulos
ambientais negativos e na tendência para desencadear emoções negativas, suscetíveis de
dificultar a adaptação a situações de elevado stresse de vida ou de significativa
adversidade (e.g. Hagan et al., 2016) como é o caso da SD.
A emotividade negativa está assim relacionada com certas respostas emocionais
desadaptativas (Greenberg, 2014) suscetíveis de influenciar a forma como os pais
pensam, comunicam e revelam responsabilidade relativamente às decisões que lhes cabe
185
adotar e exercer.
Os participantes neste estudo, identificaram diversas emoções desagradáveis nos
pais associadas ao período de transição para o divórcio possíveis de influenciar
negativamente a inteleção da responsabilidade, especificamente no que concerne ao
processo de tomada de decisão sobre o exercício das responsabilidades parentais.
Das várias emoções e sentimentos referidos pelos participantes nos focus groups
destaca-se que, “Há sempre o medo! “FF1M; “(…) a tristeza.” FH1S; “(…) zanga. Eu
também sinto, às vezes, quase tipo revanche, vingança.” FC2S; “A amargura de ser
rejeitado. FP1S; “(…) logo no início da mediação, sentia-se que ela tinha uma raiva,
uma tristeza, um rancor com quem tinha tido uma história.” FP2M.
Por sua vez, a perceção dos participantes nos focus groups evidencia que a
experiência das emoções negativas pelo ex-casal/pais, na fase de SD, tem uma influência
adversa no domínio da responsabilidade que aos pais se exige no âmbito do processo de
tomada de decisão sobre a reorganização da parentalidade e da coparentalidade, quer na
vertente psicológica, quer na vertente jurídica. Salienta-se assim que, “Frustração, raiva,
zanga, vingança, ‘denegrir o outro para eu me valorizar’ … são egoístas há um egoísmo
tão grande! Há uma incapacidade total para se descentrarem do conflito.” (FH1S). Deste
modo comprova-se que, não raras vezes, o impulso emocional obscurece o foco racional
necessário para decidir em prol do bem-estar das crianças; e em outros casos, a excitação
emocional negativa compromete claramente o discernimento necessário a qualquer
decisão responsável impondo manifesto sofrimento aos filhos, “Há situações que me
afligem pela maldade que as pessoas conseguem ter, pela maldade que levam para dentro
do processo e com isso, acarretam sofrimentos enormes àquelas crianças.” (FF1S). Por
outro lado, o processo de responsabilização é um processo embrenhado no próprio
processamento das emoções, “Quando chega a altura da responsabilização, o preto no
186
branco, a nível documental, onde eles sentem que ali estão a dar a sua palavra, aí, as
emoções vêm ao rubro, porque cada um tenta ser menos penalizado (…). (FV3M); por
isso, as decisões responsáveis, frequentemente, carecem de contextos de apoio
preventivo, nomeadamente através de mediação familiar, porque, “(…) isso tem que ser
legitimado, as pessoas têm que ter espaço para ... e tempo para... quer dizer, também têm
direito de ter essas emoções negativas face ao outro.” (FU3M), concretamente, para
obstar, entre outros aspetos, à instrumentalização dos filhos, pois, “(…) como se sentem
tristes ou frustradas ou magoadas por ter havido a rutura, divórcio ou separação utilizam
muito os miúdos como arma de arremesso e então a pequena vingança delas é dificultar
o contacto com os miúdos.” (FP2M).
Os resultados obtidos demonstram, pois, que emoções avassaladoras e negativas
experimentadas pelo ex-casal/pais, durante a SD, influenciam de forma adversa o
processo de decisão responsável (e.g. confusão entre conflito do ex-casal e os interesses
dos filhos; dificuldades de perceção relativamente ao sofrimento provocado nos filhos,
desregulação emocional etc.) estando associadas a posturas parentais não responsáveis no
sentido em que conduzem a estratégias de instrumentalização dos filhos, ainda que os
pais não tenham plena consciência dos efeitos dos seus atos nos filhos. Em contrapartida,
a possibilidade de os pais desenvolverem o processo de tomada decisão no contexto de
mediação familiar, no qual, o surgimento de recursos pessoais é potenciado pelos
mediadores familiares, nomeadamente trazendo à consciência emoções e experiências de
emoções positivas que os ajudam a desfazer rapidamente os efeitos stressantes das
emoções negativas e a reequilibrar o estado afetivo e racional.
Falta de tempo
As pessoas precisam de tempo adequado para integrar as emoções e se acalmarem,
187
para refletir e para desenvolver novas visões da realidade e se comportarem de forma
responsável. A vontade de resolver a SD com a máxima urgência resulta, em larga
medida, da sensação de que se livram dos problemas e dos conflitos com a obtenção do
acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Mas, qualquer comprometimento responsável exige o tempo necessário à
ponderação das decisões a tomar, o que nem sempre se compagina com as motivações
imediatistas, quer das pessoas, quer dos próprios organismos oficiais (e.g. Conservatórias
do Registo Civil). Tal situação, tem impacto na responsabilidade com que as decisões
inerentes às questões que às crianças respeitam são protagonizadas.
Algumas ex-casais/pais aparentam ter a crença de que a composição das questões
legais coloca o ponto final no sofrimento implícito aos sentimentos e emoções
desagradáveis e dolorosas, contudo tais convicções conduzem, muitas vezes, a conflitos
ainda mais graves e a incumprimentos, porque o acordo alcançado era: “Falso acordo.”
(FH1S); “Portanto resolveram de comum acordo, porque se queriam despachar um do
outro, desculpem a expressão.” (FP1S); “(…) há a parte do resolver o divórcio depressa
na Conservatória e as regulações que depois vão dar origem a incumprimentos.” (FP1S).
Assim, o desejo de resolver da forma mais rápida possível as questões legais
influencia negativamente a dimensão da responsabilidade com que as decisões relativas
à organização de vida e ao bem-estar das crianças devem ser assumidas.
Limitações à autonomia
As limitações à autonomia refletem constrangimentos externos ao próprio ou
condicionalismos individuais como acontece quando ocorre diminuição da capacidade
para se autodeterminar, isto é, para assumir a responsabilidade pelas próprias decisões.
Os constrangimentos à autonomia podem ser incompatíveis com a
188
responsabilidade que as decisões a tomar impõem, nomeadamente quando as pessoas se
encontram de algum modo coagidas na sua liberdade de expressão e de decisão, “Por
exemplo, ter medo do outro, mostrar medo do outro. Por exemplo, a questão do poder e
da violência, se percebemos que um tem medo do outro, pelo menos esse que tem medo
não estará bem posicionado naquele contexto para tomar decisões de forma responsável,
pode ser autopressionado em termos de acolher o que o outro quer. (FU3M); de igual
modo, certas condições de saúde podem influenciar negativamente a capacidade para ser
responsável. “Se uma pessoa não para de chorar (…) é um sinal de não estar nas
melhores condições para tomar decisões responsáveis. Porquê? Porque não está em
condições de saúde pessoal favoráveis a fazer valer a sua responsabilidade nas decisões
que toma.” (FU3M); bem como, a influência de certas características pessoais dos pais
pode contender negativamente com a responsabilidade que aos mesmos é exigida, uma
vez que, “(…) as responsabilidades parentais estão definidas de forma jurídica como é
que deve cumprir, tem que dar alimentação tem que dar. Mas, o que rege as pessoas para
serem responsáveis, o problema é que também há pessoas que são irresponsáveis.”
(FG1S).
Desta forma, os resultados corroboram que, quando algum dos pais se mostrar
coagido na sua liberdade para tomar decisões conscientes ou não estiver em condições de
saúde física ou mental que lhe permitam participar, compreender e assumir a
responsabilidade pelas decisões ou, ainda se configurar um perfil de personalidade
inconsistente, quer com a tomada de decisões sobre os filhos, quer com a execução das
mesmas, é de considerar que a responsabilidade parental se encontra comprometida e que,
devem ser adotados procedimentos e estratégias de mediação familiar destinadas a
enfrentar a situação detetada tais como: encaminhamento para profissionais de saúde,
reequilíbrio de poderes, emporwerment da pessoa fragilizada, etc..
189
Fatores de influência positiva na responsabilidade dos pais
Os fatores de influência positiva na responsabilidade dos pais encontrados são
quatro e consistem na autonomia; na emotividade positiva; em ter tempo para pensar e na
valorização das opiniões dos filhos.
Figura 26. Fatores de influência positiva na responsabilidade dos pais.
Em conformidade com os resultados expostos na figura 26 os fatores referidos
pelos participantes com maior influência negativa na responsabilidade dos pais face às
decisões sobre os filhos, no âmbito da SD são: condições pessoais positivas, com 47
referências (51 %); a autonomia, com 19 referências (20%); ter tempo para pensar, com
19 referências (20%) e valorizar as opiniões dos filhos, com 8 referências (9%).
Condições pessoais positivas
A categoria “condições pessoais positivas” compreende emoções positivas (e.g.
amizade, gratidão, compaixão ou o interesse) e disposições positivas tais como a
19; 20%
47; 51%
19; 20%
8; 9%
Autonomia
Condiçõespessoaispositivas
Ter tempopara pensar
Valorizar asopiniões dosfilhos
190
resiliência, o otimismo e o coping.
O estudo das emoções positivas, das características individuais positivas e das
relações positivas entre grupos, entre outros temas, são matérias a que se dedica a
Psicologia Positiva (Kobau; Seligman.; Peterson & Diener, 2011). Deste modo, a
Psicologia Positiva preconiza a ampliação e a produção de emoções e afetos positivos
visando assim fomentar a expansão de certas dimensões cognitivas como a curiosidade e
a criatividade, bem como, desenvolver a experiência de afetos positivos e de
comportamentos de aproximação, de exploração e de envolvimento, de forma a promover
competências e recursos pessoais, familiares e sociais (Fredrickson, 2001; Kobau, et al.,
2011).
Importa salientar que, as emoções negativas não são simplesmente o oposto das
emoções positivas, umas e outras compreendem diferentes determinantes e consequências
(Kobau, et al., 2011). As primeiras, destinam-se a assegurar e manter a eficiência da
performance fisiológica e mental necessária à segurança e sobrevivência humana (e.g.
fugir ou atacar perante uma ameaça iminente), por isso, são adaptativas a curto prazo
(Kobau, et al., 2011); as segundas, permitem apreciar experiências de bem-estar
significativas e permitem reprimir ou desfazer os efeitos adversos de eventos negativos
reduzindo, nomeadamente o stress induzido pela reação a situações desagradáveis e
contribuindo para a autoestabilizacão. De destacar, que é sobretudo a frequência das
emoções positivas e não tanto a sua intensidade que determina a respetiva eficiência ao
nível do bem-estar pessoal e da qualidade das relações familiares, de saúde, etc. (Kobau,
et al., 2011).
De notar, que a par das emoções positivas também as disposições afetivas como
o otimismo, a resiliência ou certos estímulos ambientais são passíveis de influenciar as
condições internas que favorecem uma postura responsável durante o processo de decisão
191
e na concretização das decisões parentais.
Como sabemos, a transição para a SD envolve a reestruturação do sistema
familiar, e consequentemente a necessidade de resposta a diversos constrangimentos e a
consideráveis fatores de stress. Nesta fase, os pais vivem a experiência da
responsabilidade face aos filhos de forma intensa e exigente, seja através das imposições
jurídicas e da supervisão jurisdicional, seja no plano prático do funcionamento da vida
corrente dos filhos. Ao mesmo tempo, são confrontados com a necessidade de se
adaptarem às mudanças em curso e com a dificuldade de regularem os afetos negativos e
resolverem conflitos de forma eficaz. Neste contexto, salienta-se que as avaliações
favoráveis do ex-casal/pais sobre o passado e as expetativas otimistas em relação ao
futuro a par com as emoções positivas constituem fatores de moderação da reatividade
negativa que, parecem também contribuir para induzir estados de bem-estar que facilitam
a regulação emocional adaptativa e a resiliência (Kobau, et al., 2011). A noção de
resiliência reflete-se, pois, através da capacidade de auto-organização e de auto-
estabilizacão adaptativa na sequência de distúrbios no sistema familiar causados por
situações de adversidade (MacPhee; Lunkenheimer & Riggs, 2015), como as que
comummente ocorrem aquando da transição para a SD.
A influência das “condições pessoais positivas” dos pais, foi apontada pelos
participantes nos focus groups como sendo um fator preponderante para a materialização
de comportamentos e atitudes caracterizadoras de responsabilidade, no âmbito do
processo de tomada de decisão relativamente ao acordo quanto ao exercício das
responsabilidades parentais.
Os resultados obtidos permitem corroborar que a presença de disposições
positivas como a preservação do sentimento de pertença à família (e.g. manutenção da
relação pais/filhos) permitem suavizar as emoções negativas induzidas pelo
192
desmoronamento da estrutura e organização familiar (e.g. perda e tristeza), “Ok!
‘Separamo-nos, mas ainda somos uma família’ (…) quando as pessoas começam a ter
um vislumbre disso, acho que é uma emoção positiva muito genuína, muito forte,
qualquer coisa de pertença, naquela situação diferente, com as coisas alteradas, mas as
pessoas a sentirem que ainda são uma família, não sei que nome lhe dar … de pertença.”
(FU3M). De igual modo, a presença de afeto positivo entre o ex-casal/pais (e.g. não ficar
indiferente ao sofrimento exprimido pelo outro) tem influência no desenvolvimento de
comportamentos e de decisões responsáveis permitindo desenvolver compreensão e o
apoio, “(…) por exemplo, naquela situação em que a pessoa tem uma reação, ser
impactante para ela o estado emocional do outro, se o outro bloqueia, desata a chorar,
a pessoa reagir a isso ou parar também, ou tentar ajudar, quer dizer não continuar
indiferente. Portanto, ter ressonância positiva.” (FU3M), bem como, são também
relevantes as vivências do amor comum pelos filhos, as conversas sobre eles ou as
recordações prazerosas do passado, porque são elos que os ligam e que fomentam a
interiorização da responsabilidade ao longo do processo de decisão. “(…) quando os vejo
a falar dos miúdos com emoção, às vezes estou a vê-los falar dos miúdos e parece que
eles os estão a ver, contam o que fazem com eles e o que mais gostam e, quando os
descrevem!… (…) (FC2S). Também o otimismo ou a disposição dos pais quanto ao futuro
são aspetos que potenciam a corporização de posturas de responsabilidade, durante a SD,
“(…) o amor, o amor pelos filhos e, penso que enquanto sentimento, a demonstração de
tranquilidade a respeito do futuro. (…)” (FP1M); “Recordo-me de uma mediação que fiz
(…) em que a mediação foi útil, foi eficaz, em que numa situação inicial, enfim, de algum
medo da parte do pai, transformou-se numa situação de colaboração e de confiança em
relação ao futuro.” (FJ3M).
Assim, a análise dos resultados da categoria “condições pessoais positivas”
193
comprova que a emotividade positiva e as disposições positivas como as memórias
agradáveis do passado ou a forma otimista como se encara o futuro influenciam
nitidamente a interiorização da responsabilidade e contribuem para dinamizar a
comunicação de forma construtiva contribuindo, assim, para potenciar a tomada de
decisões responsáveis. Por outro lado, estes resultados permitem também inferir que,
tendo em atenção a natureza, os modelos e as estratégias em que assenta a mediação
familiar (e.g. reforçar perspetivas otimistas, desafiar crenças, estimular a reflexão,
acalmar, focalizar, e ajudar as pessoas a colocarem os problemas em perspetiva), o
processo de mediação familiar contribui para a intensificar, ativar e desenvolver a
responsabilidade parental, especialmente quanto às questões que afetam diretamente a
vida dos filhos no período de maior vulnerabilidade da transição para SD.
Autonomia
A “autonomia” consiste na capacidade de os pais tomarem decisões, de
forma livre, racional e em consonância com os constrangimentos e conhecimentos
disponíveis num determinado momento e contexto. A autonomia não nega a influência
externa, mas recoloca a pessoa perante a sua capacidade de refletir sobre as limitações
que são impostas, de forma a nortear o seu comportamento e definir qual a direção a
seguir.
A eficiência de qualquer comportamento responsável por parte dos pais tem uma
dimensão subjetiva que implica a perfilhação de um posicionamento com sentido para a
pessoa concreta que tem a responsabilidade pela decisão e pelo seu cumprimento “(…) a
responsabilidade vem de dentro, a decisão é exterior. “(FC2M), por isso, é
imprescindível que os pais sejam livres em termos de capacidade de autodeterminação
para que se sintam os verdadeiros autores da decisão, “Tomam a decisão de não querer
194
ir para tribunal, de modo a eles próprios acordarem o projeto de vida daquele filho
acordando os termos de como é que vai ser (…)” (FG1S), de facto, a falta de vinculo
pessoal ao conteúdo do acordo sobre as responsabilidades parentais tenderá a gerar
incomodidade podendo mesmo ser causa de reativação de conflito e de incumprimento
da lei, “ (…) Na minha experiência, na minha prática é o que eles quiserem, não interessa
nada se há guarda partilhada ou se é conjunta, se eles têm que pagar pensão se não têm,
se não houver essa responsabilização, o que é que interessa o quê que a lei diga? …”
(FC2M). O exercício da autonomia implica a necessidade de observar e ponderar as
condicionantes que envolvem a decisão a tomar, quer no plano subjetivo, quer no plano
objetivo e racional, “Eu lembro-me de uma sessão de mediação em que (…) apercebemo-
nos de que o pai com os rendimentos que tinha e com as despesas que tinha não conseguia
suportar o montante que devia dar aos miúdos e, então ele decidiu arranjar outro
emprego.” (FP2M).
Assim, a análise dos resultados extraídos desta categoria permite afirmar que pais
autónomos e capacitados para tomarem decisões por si próprios se encontram numa
situação mais robusta para desenvolverem as suas atribuições parentais de forma
responsável. De notar, contudo, que o ambiente processual em que as decisões parentais
são construídas e assumidas pode constituir um fator mais ou menos facilitador de
autonomia. É fundamental que tal ambiente seja calmo e apropriado à avaliação precisa
das questões que o caso concreto suscite. Neste sentido, o processo de mediação familiar
é seguramente um contexto eficiente para o desenvolvimento de comportamentos de
autorresponsabilização, de exploração e de criatividade no âmbito da transição para a SD.
Ter tempo para pensar
A categoria “Ter tempo para pensar” consiste em os pais, de acordo com as
195
informações disponíveis e as suas habilidades intelectuais e cognitivas, disporem de
tempo adequado para questionar, para integrar e para redefinir formulações construtivas,
criativas e conciliadoras.
O caminho da SD é um tempo de (des) construção, mas também de (re) construção
em que o futuro da família se vai alicerçando com base em múltiplas decisões que podem
ser exigentes e complexas e, por isso, carentes de “Um tempo com alguma liberdade e
apoio, não o tempo em que estão a ser pressionados pelo tribunal, pelos advogados, pela
família. Portanto, as pessoas terem tempo para se debaterem com as questões que têm
que resolver (…)” (FU3M); para integrarem os novos desafios da sua vida emocional
“Eu ia só dizer do tempo emocional que as pessoas precisam para digerir. “(FV3M); e
para descobrirem outras visões possíveis sobre o assunto e redefinirem as suas posições,
“Houve uma decisão de um pai que, numa determinada mediação, simplesmente disse:
‘fui para casa, pensei melhor e, de facto, a minha mulher tinha razão, de facto a criança
fica melhor um pouco mais de tempo com ela’ (…).” (FJ1M).
Importa considerar que a necessidade de tempo é subjetiva e depende de múltiplos
fatores, enquanto para algumas pessoas a consecução da SD é sentida com premência,
“(…) às vezes nós dizemos que se tivéssemos ali ‘acordos tipo’ acho que as pessoas os
faziam naquela hora.” (FG1S); em outros casos, há uma colisão de tempos, porque “(…)
vamos bater na frase que todos nós conhecemos: ‘o tempo da criança não é o tempo dos
adultos’ (…), a criança não pode esperar, mas os pais têm que se decidir no dia seguinte.
“(FV3M).
Assim, os resultados decorrentes da análise desta categoria indicam que as pessoas
necessitam de um determinado período de tempo, adequado a cada caso concreto, para
tomarem decisões informadas e responsáveis, o qual, está relacionado com as
necessidades individuais dos pais para explorarem, interiorizarem e refletirem sobre o
196
sentido e as implicações para as crianças e para os próprios das suas decisões. Assim,
quanto mais ajustado for o tempo necessário ao processo de decisão, melhor interiorizada
ficará a responsabilidade parental. Por outro lado, a consideração deste aspeto, por parte
dos mediadores familiares, pode refletir-se numa condução personalizada, produtiva e
criativa do processo de mediação familiar.
Valorizar a opinião dos filhos
A categoria “valorizar a opinião dos filhos” consiste na disposição dos pais para
escutar e dar valor aos sentimentos, opiniões e necessidades da criança de acordo com a
sua idade e maturidade.
Como sabemos os direitos da criança encontram-se amplamente consagrados nas
leis, não obstante, a responsabilidade por dar vida a esses direitos nem sempre é
observada, nomeadamente pelos pais e mediadores familiares, em todas as situações e
procedimentos que envolvem as crianças. De facto, o cuidado em escutar as crianças e
dar valor às suas opiniões é ser crucial para a perceção e o alcance da responsabilidade
que incumbe aos pais aquando da tomada de decisões com impacto na vida das crianças,
“(…) é importante devolver aos pais (…) como é que a criança vê, como é que a criança
sente, quais são as consequências para a criança, quais as necessidades, uma série de
coisas, muitas vezes a observação da interação da díade pai/filho o que quer que seja,
eu acho que é uma boa estratégia e funciona. “(FH1S). Levar em conta a voz da criança
informa e enriquece o processo de tomada de decisão e contribui para enraizar as decisões
tomadas nas vivências dos filhos, “A opinião, o sentir delas em relação a esta questão
que se colocou e, os pais tomaram em consideração essa mesma realidade de ser para
elas mais satisfatório, mais confortável, estar mais tempo em casa de cada um dos pais.
Foi três semanas num, três semanas no outro.” (FK1M).
197
De notar, que a escuta dos sentimentos, motivações e desejos das crianças
contribui para a interiorização da responsabilidade dos pais face aos filhos e para a tomada
de decisões equilibradas, na transição para a SD.
Assim, constata-se que a dimensão da responsabilidade é uma componente crucial
do processo de tomada de decisões sobre responsabilidades parentais. A experiência da
responsabilidade dos pais e das mães é explicitamente influenciada por fatores pessoais e
contextuais que potenciam a interiorização e o robustecimento de comportamentos e de
decisões cuidadas e centradas nos filhos e também por aspetos negativos que dificultam
a compreensão, interiorização e materialização de atitudes comprometidas com a
responsabilidade parental, no período de SD.
3.6 Perceções sobre o enquadramento prévio ao processo de mediação familiar
Tendo em conta as incertezas que se colocam relativamente à adequação da mediação
familiar a determinadas situações, nomeadamente aos casos em que se detete
violência/abuso e nos casos de elevado conflito considerou-se pertinente explorar e
analisar as perceções dos participantes nos focus groups relativamente a esse assunto.
De notar, que a noção de perceção nos remete para “aqueles aspetos de
informação disponível numa situação nos quais um indivíduo repara e enquadra em
categorias que lhe são significativas" (Baucom & Epstein, 1990, p. 66, cit. por Narciso &
Ribeiro, 2009, p.78) e que estão intimamente conectadas com as interpretações e os
significados que as pessoas atribuem a um determinado evento.
Assim, com base no procedimento adotado para a de análise dos dados dos focus
groups obtivemos a categoria hierárquica principal - Perceções sobre o enquadramento
198
prévio ao processo de MF -, a qual, compreende três subcategorias21: 1) perceções sobre
o uso dos conhecimentos jurídicos pelos mediadores familiares, referida 19 vezes pelos
participantes nos focus groups; 2) perceções sobre condições prévias para mediação
familiar, nomeada 47 vezes; 3) perceções sobre o sucesso da mediação familiar durante
o processo judicial, com 37 referências.
3.6.1 Perceções sobre o uso de conhecimentos jurídicos
A necessidade de os mediadores familiares possuírem conhecimentos jurídicos,
nomeadamente na área da Família e dos Direitos das Crianças e a forma como os devem
utilizar é uma questão pertinente, sobretudo quando se cruzam com o campo da mediação
familiar questões legais que implicam direitos indisponíveis ou quando estão em causa
acordos cuja eficácia depende de homologação judicial. De facto, apesar de os cursos de
formação em mediação familiar oficialmente reconhecidos integrarem obrigatoriamente
matérias jurídicas, a necessidade e utilidade destes conhecimentos é controversa entre os
mediadores familiares e, eventualmente, entre as diversas escolas e modelos de formação.
21 Estes resultados estão apresentados de forma mais pormenorizada no Apêndice C.
2; 14%
12; 86%
Desnecessários Necessários
199
Figura 27. Necessidade de os mediadores familiares terem conhecimentos jurídicos.
Os resultados apresentados na figura 27 indicam que 12 participantes (86 %) nos
focus groups consideram que os mediadores familiares devem ter conhecimentos
jurídicos, enquanto 2 dos participantes (14 %) refere que são desnecessários.
Por isso, a necessidade de os mediadores familiares disporem de uma base segura
de formação jurídica contribui para um desempenho eficiente da sua atividade, desde
logo, pelo facto de que “O desconhecimento da lei não beneficia ninguém.” (FL3M); por
conferir maior solidez à intervenção, pois, “(…) sei quais os parâmetros em que eles
podem fazer os acordos e, depois digo-lhes que para assinarem o acordo podem
consultar um profissional de direito, um advogado.” (FF1M) e por levar em conta os
objetivos concretos que motivam, comummente as pessoas a solicitar a mediação
Familiar e que visam regularizar e normalizar situações familiares e patrimoniais
abrangidas pelo sistema jurídico, “Eu acho que um mediador para fazer um acordo
convenientemente em mediação familiar deve ter conhecimentos jurídicos (…). Eu ponho
lá tudo o que é jurídico e não é jurídico para aquele acordo não vir para trás, porque eu
sei o que é que o Ministério Público vai pesar. “(FL3M).
Não obstante, também foi mencionado por outros participantes neste estudo que
os mediadores familiares não necessitam de conhecer as leis que enquadram as decisões
a tomar na mediação familiar, “Pois, eu sinto-me muito confortável por não conhecer
grosso modo a lei, se conhecesse também não fazia uso. “(FK1M); remetendo
exclusivamente para os mediados a incumbência de recolher as necessárias informações
jurídicas junto de advogados, “Eu concordo com o que a K disse, sinto-me
superconfortável e remeto sempre para os profissionais. (FS1M).
Os resultados permitem concluir que a perceção dos participantes nos focus
200
groups indica uma tendência marcada para considerar o conhecimento das leis sobre a
família e as crianças como sendo útil e necessário para a condução realista e abrangente
do processo de mediação familiar, não obstante, a importância de ter presente que tais
conhecimentos não devem extrapolar o que se mostrar estritamente necessário ao
enquadramento consistente das questões a abordar, nem devem sobrepor-se ao papel de
aconselhamento e orientação jurídica que cabe exclusivamente ao advogado ou a
qualquer outro especialista se o tema a esclarecer for de outra ordem (e.g. psicólogo,
assistente social, etc.). De rememorar, que as matérias respeitantes aos acordos sobre o
exercício das responsabilidades parentais são, na sua maioria, de ordem imperativa, uma
vez que, estão em causa direitos primordiais das crianças e da família que importa
observar por todos profissionais envolvidos na situação. Acresce que, a mediação familiar
corre geralmente em articulação com o sistema judicial e administrativo, por isso, a
produção de acordos eventualmente irregulares ou inválidos no plano jurídico não se
mostra realista por não se verem alcançados todos os objetivos visados, quer na perspetiva
dos pais, quer na perspetiva dos demais interlocutores e instituições envolvidas.
Parkinson, (2008) refere que os mediadores familiares devem evitar entrar em detalhes
jurídicos devendo sugerir aos mediados a obtenção de aconselhamento jurídico sempre
que se mostre necessário, quer durante, quer no final da mediação familiar. Salienta-se,
no entanto, que os mediadores familiares habilitados com conhecimentos jurídicos de um
nível apropriado estão melhor posicionados para conseguir identificar e discernir a
natureza dos assuntos suscetíveis de carecer de esclarecimento jurídico, assim como, para
os integrar no esquema das sessões de mediação familiar.
3.6.2 Perceções sobre condições prévias para mediação familiar
201
A mediação familiar pode ser encarada como um processo que contribui, entre
outros aspetos, para revigorar sentimentos de controlo e de segurança comummente
ameaçados pelas várias mudanças e incertezas emergentes da transição para a SD (eg.
afetivas, familiares, económicas, etc.). De facto, a construção gradual de compromissos
entre os pais, para além, de potenciar e consolidar o nível de confiança apropriado à
construção conjunta das decisões que irão dar a forma e o conteúdo aos diversos acordos
necessários a consecução jurídica da SD contribui, também, para potenciar a assimilação
da nova estrutura, organização e funcionamento das relações parentais e coparentais
emergentes. No entanto, importa frisar que em determinadas casos e condições
específicas, a mediação familiar pode, eventualmente, não ser a abordagem mais
adequada. Assim, as perceções dos participantes neste estudo sobre aspetos como: o
contacto inicial dos mediados com a mediação familiar; a (in) existência de informação
jurídica por parte dos mediados e a ponderação sobre a adequação da mediação familiar
relativamente ao caso em presença, refletem uma dimensão que releva explorar no
contexto deste trabalho.
Contacto inicial dos mediados com a mediação familiar
Através desta categoria pretendeu-se explorar os principais elementos captados e
valorizados pelos participantes nos focus groups relativamente aos primeiros contactos
das pessoas com o processo de mediação familiar
Os resultados emergentes da análise desta categoria refletem que, no contacto
inicial dos mediados com o contexto da mediação familiar, são percetíveis estados de
cansaço, desmotivação, descrença e desconfiança, “E, depois, também estão muito
cansados, o que sinto é que estão muito cansados já passaram por relatórios sociais, já
passaram por inquéritos, já passaram por gente a dizer como é que vão fazer como é que
202
não vão. (FC2M); (…) vêm muito descrentes, já veem tão cansados de tanta coisa, tão
desmotivadas, não confiam um no outro. “(FS1M). Foram também identificados indícios
– captados na comunicação verbal e não verbal -, de que as pessoas estão inquietas ou
ansiosos, “(…) as pessoas quando chegam estão fisicamente muito agitadas, não estão
no mesmo sítio, normalmente movimentam-se, têm um tom de voz alterado geralmente
acima do normal, falam em sobreposição ao outro, são agressivas, noto um tom de
agressividade naquilo que eu consigo ver no não verbal. (FJ1M) e inseguros, tentando
“criar um aliado connosco.” (FK1M); ao mesmo tempo que, a comunicação apresenta
várias nuances de disfuncionalidade (…) “Não se escutam um ao outro, na interação
percebe-se que há uma não escuta e também alguma rigidez em termos físicos de
postura.” (FK1M).
Parkinson (2008) assinala que é essencial que os mediadores familiares
reconheçam as inquietudes, receios e desconfianças iniciais de quem recorre a mediação
familiar, de forma a poderem desenvolver estratégias que ajudem a tranquilizar, encorajar
ou normalizar as inseguranças iniciais.
De notar, que os resultados demonstram que os estados de desânimo e de fadiga
acumulada (e.g. arrastamento de processos judiciais; desgaste do conflito, etc.) são
frequentes quando as pessoas iniciam a mediação familiar sendo, por isso, importante que
os mediadores familiares orientem as sessões de forma a transmitirem conforto e empatia,
ajudando as pessoas a fortalecerem-se emocionalmente e apoiando o processo de
empoderamento das forças construtivas entretanto afundadas sob o peso do conflito.
Indicadores relativos a (in)adequação da Mediação Familiar ao caso concreto
Como é sabido nem todos os casos de SD reúnem as condições para uma
intervenção profícua de mediação familiar. Assim, procurou-se descobrir pistas que
203
ajudem os mediadores familiares a determinar se um caso concreto é ou não é adequado
para mediação familiar.
Verifica-se inadequação de uma situação para mediação familiar quando se
constatam situações potencialmente impeditivas como aquelas em que o mediador
familiar toma conhecimento da prática de crime grave que ponha em causa a vida ou a
integridade física e mental de uma pessoa e, ainda, quando se detetam condicionantes
pessoais ou relacionais suscetíveis de diminuir a capacidade de autodeterminação das
pessoas. Em princípio, a mediação familiar é um processo seguro para intervir em
situações em que possa existir alguma forma de agressividade ou de violência, contudo,
estes casos devem ser objeto de rigorosa ponderação quanto aos possíveis riscos
envolvidos (e.g. violência doméstica e abuso grave).
A categoria referente aos “Indicadores relativos a (in)adequação da MF ao caso
concreto” compreende um total de 29 referências. Por sua vez, esta categoria subdivide-
se em duas subcategorias: a subcategoria relativa a casos em que o processo de mediação
familiar é “Inadequado”, indicada 12 vezes e a subcategoria em que o processo de
mediação familiar é “Adequado”, a qual, apresenta compreende 17 referências.
Indicadores de Inadequação.
Os aspetos referidos pelos participantes nos focus groups como causas possíveis
de inadequação do caso para mediação familiar encontram-se relacionados com situações
em que, de forma temporária ou permanente, a capacidade de autodeterminação pode
estar diminuída. Assim, destacam-se situações em que as condições de saúde física e/ou
mental se encontram afetadas de forma a prejudicar a capacidade para tomar decisões de
forma responsável, livre e consciente. Desta forma, os “(…) problemas que são já de
perturbação de personalidade, por um lado, por outro lado, aquilo que sinto é que há de
204
tudo, mas acho que tem a ver com o tipo de relação. (FL1S); assim como, a necessidade
de acompanhamento prévio ou concomitante com a mediação familiar de terapia, porque
“Há casos negativos em que a mediação não funciona e que, são casos que deviam ir
para a terapia.” (FC2M). A estes indicadores acrescem situações em que, face à
gravidade do conflito e ao elevado nível de hostilidade, não seja aceitável para as próprias
pessoas envolvidas a partilha do espaço comum da mediação familiar, tendo em conta
que “(…) a pessoa se foi agredida, se foi menosprezada na sua moral, no seu íntimo pelo
outro, pode não estar nas devidas circunstâncias psicológicas para estar em mediação.”
Acresce que, certas falhas de informação sobre mediação familiar,
nomeadamente, por parte de profissionais da área jurídica, podem originar
encaminhamentos desajustados para mediação familiar, “Depois, também há outro
problema é que muitos dos juízes não sabem bem o quê que é a mediação familiar. Outro
dia recebi um que pensava que vinha para a terapia familiar. “(FS2M). De frisar, ainda
a perceção que os participantes nos focus groups têm de que os casos procedentes do
tribunal são de dificuldade acrescida, “Os casos que vêm do Tribunal ... é que os
processos que se apresentam do tribunal, eu já tive diversas experiências, diversas! -
Para além de não serem mediáveis.” (FV3M).
Assim, os resultados obtidos fornecem pistas que ajudam a ponderar as possíveis
vantagens e desvantagens da mediação familiar face a um determinado caso concreto. De
salientar, que certas condições pessoais, como os problemas de saúde mental são
suscetíveis de diminuir fortemente a capacidade de autodeterminação das pessoas
envolvidas e, por isso, ser desaconselhada a utilização de mediação familiar. Por seu lado,
encaminhamentos precipitados para mediação familiar e a severidade do conflito são
igualmente indicadores a considerar relativamente a uma possível inadequação da
mediação familiar ao caso em presença. Não obstante, a possibilidade de a mediação
205
familiar em casos de violência doméstica ser discutível, (e.g. Parkinson, 2008; Rossi,
Holtzworth-Munroe & Applegate, 2015) é de considerar que a severidade, o grau de
intimidação, a frequência, o tipo de violência física e/ou psicológica e a existência ou não
de processo criminal, constituem elementos decisivos na ponderação/avaliação do caso
concreto pelos mediadores familiares (Ballard, Holtzworth-Munroe, Applegate & Beck,
2011).
Indicadores de adequação.
A análise da categoria relativa aos indicadores de adequação dos casos para
mediação familiar, visa descobrir aspetos e características que sugerem a existência de
conformidade das situações concretas com o processo de mediação familiar.
Quando a opção pela mediação familiar parte das pessoas envolvidas no conflito
e surge livre de pressões, então, a mediação familiar é provavelmente a forma mais
adequada para gerir o conflito, “Eu estava animadíssima, ao princípio, porque chegaram-
me só processos dos que vêm voluntariamente e então correram bem.” (FP2M); assim
como, expectativas positivas dos mediados indiciam um processo mais ágil, “(…) as
pessoas dizem que vêm por conhecimento que tiveram e vêm por alguém que lhes falou
da mediação e vêm com uma expectativa positiva, ora, quando as partes se apresentam
desta maneira todo o trabalho tem um caminho diferente, digamos, flui com facilidade.
FV3M); também, a linguagem não verbal fornece pistas sobre o ajustamento do caso à
mediação familiar, “E o conforto deles pareceu-me tão grande que, muito rapidamente,
entraram, assim, na mediação. “(FJ1M), sendo ainda a motivação para dialogar e refletir
outro indicador de que a abordagem do conflito através da mediação familiar será bem-
sucedida, “(…) há também gente, pais que chegam à procura de uma coisa diferente e
com vontade de se sentarem a conversar e a pensar o que que vamos fazer.” (FC2M).
206
Desta forma, a voluntariedade, as expectativas positivas, a sensação de conforto e
a motivação para o diálogo dos ex-casais/pais são manifestamente indicadores claros de
que a mediação familiar é uma forma positiva e ajustada para a resolução dos assuntos
que se colocam a uma determinada família específica, aquando da SD.
Informação jurídica dos mediados
Uma das características da mediação familiar é a de que os pais devem assumir
por inteiro a responsabilidade pelas decisões que adotam, por isso, é essencial que
detenham todas os dados e informações necessárias para que o processo de tomada de
seja fundamentado e esclarecido. Acresce, ainda, que o quadro jurídico de referência
sobre responsabilidades parentais assenta na necessidade de garantir que os interesses e
direitos da criança ficam devidamente acautelados em situações que implicam alterações
importantes na vida da criança como sucede aquando da SD dos pais. Como tal importa
conhecer que perceções têm os participantes nos focus groups relativamente à informação
jurídica dos pais quanto aos assuntos sobre os quais vão tomar decisões e estabelecer
acordos.
A categoria “Informação Jurídica dos mediados” (42 referências) respeita à
informação jurídica de base que enquadra o tema das responsabilidades parentais, a qual,
compreende as subcategorias “Informação suficiente” (9 referências) e a subcategoria
“Informação insuficiente” (33 referências).
Assim, os resultados obtidos demonstram que a perceção dos participantes nos
focus groups é a de que a maioria dos pais não detêm a informação jurídica suficiente e
quando a têm nem sempre é correta, apesar de estarem em causa assuntos que,
comummente afetam a vida dos seus filhos. De notar, que a existência de equívocos
quanto aos conceitos jurídicos é frequente e suscetível de gerar confusão e insegurança
207
nos pais relativamente ao alcance e às implicações dos acordos dificultando, entre outros
aspetos, o cumprimento dos mesmos, “Há uma situação também muito recente de uma
senhora que disse que estava preocupadíssima com a regulação das responsabilidades
parentais, (…). E vai ao advogado e o advogado disse: ‘sim, sim, isso agora anda para
aí uma modernice com a guarda alternada! (…) ela estava completamente desnorteada
com a questão; não sabem distinguir entre o que é a partilha das responsabilidades
parentais e as guardas, a guarda alternada … há aqui muita mistura de conceitos.
“(FL3M). Em contrapartida, quando os pais têm informação jurídica estão melhor
apetrechados para explorar os assuntos e para delimitar o espaço negocial de forma
racional e realista, (…) tinha ali uma informação que normalmente as pessoas não têm,
porque nem sabem qual era a lei anterior quanto mais a atual e que estava a usar no seu
próprio interesse, mas penso num sentido positivo. (…) (FI2S).
Os resultados sugerem que na maioria dos casos os pais não se encontram
devidamente esclarecidos no plano jurídico relativamente aos assuntos que irão abordar
na mediação familiar, especificamente, sobre a regulação do exercício das
responsabilidades parentais e os direitos das crianças. De notar ainda, que nos casos em
que os pais estão assessorados por advogados, continua a manifestar-se alguma confusão
de conceitos jurídicos. Este conhecimento insuficiente ou deturpado das coordenadas
jurídicas essenciais que subjazem aos acordos que versam sobre as crianças é suscetível
de fomentar alguma confusão e intermináveis discussões sobre os direitos de cada um dos
pais quando o que realmente pode estar em causa são os direitos das crianças.
3.6.3 Perceções sobre o sucesso da mediação familiar durante o processo judicial
Como sabemos a mediação familiar pode ocorrer antes ou depois de iniciado o
208
processo judicial. Assim pretende-se explorar quais são as perceções dos participantes
nos focus groups relativamente à influência do processo judicial no desenvolvimento e
no resultado da mediação familiar.
O processo de análise dos dados permitiu criar a categoria “Perceções sobre o
sucesso da MF durante o processo judicial” (37 referências), a qual, originou a
subcategoria “Perceções negativas” (34 referências) e a categoria “Perceções positivas”
(3 referências). Assim, os resultados sugerem que a existência prévia de um processo
judicial à mediação familiar tem impacto negativo na dinâmica e no resultado do processo
de mediação familiar.
Perceção negativa
Verifica-se que o contacto dos pais com o processo judicial tem consequências
negativas na severidade e no aumento do conflito; “Da minha experiência se é processo
de tribunal. a interação é sempre péssima, vêm sempre zangadíssimos, com o conflito
aceso, é muito difícil a interação, da minha experiência dos processos de tribunal não
consigo chegar a bom porto (…) “(FS2M); porque, a natureza controvertida do processo
judicial tende a fortalecer o conflito, “O sistema judicial como reforço do conflito, quem
é alvo do processo fica ofendido e o conflito tende a aumentar; guerra em tribunal com
advogados; terminam sem acordos voltam para tribunal.” (FP2M), assim como, a
adversariedade e a defesa de interesses contrapostos pode mostrar-se um obstáculo à
concentração dos pais na procura de consensos sobre as crianças. “No fundo, a guerra em
tribunal com os advogados é como eu costumo dizer aos pais, é entre os adultos, é para
alimentar o conflito entre eles, não é para resolver o problema das crianças.” (FP1S);
“No tribunal o padrão é culpar o outro, (…).” (FH1S).
Verifica-se, pois, que quando a mediação familiar ocorre durante o processo
209
judicial o conflito é frequentemente mais forte implicando, por isso, uma maior
probabilidade de a mediação familiar terminar sem acordo e de o caso retornar ao tribunal.
Assim, a análise dos resultados sugere que a mediação familiar deveria ocorrer antes de
se iniciar o processo em tribunal, de forma preventiva e efetivamente protetora da família
e da criança aquando da transição para a SD.
Perceção negativa sobre o impacto do processo judicial na dinâmica do conflito
A categoria “Perceção negativa sobre o impacto do processo judicial na dinâmica
do conflito” (3 referências) sugere que o recurso aos tribunais, em determinados casos,
tem um efeito contentor sobre o conflito “O tribunal e as regras funcionam também como
contentores, porque, de facto se não houvesse um limite, uma contenção, podia não
parar.” (FI2S).
Em síntese, as perceções dos participantes nos focus groups relativamente à
categoria “Perceções sobre o enquadramento prévio do processo de MF” refletem a
importância de avaliar a adequabilidade dos casos ao processo de mediação familiar, de
forma a evitar consequências negativas, nomeadamente o reforço do conflito por meio da
mediação familiar e a não observância dos princípios da voluntariedade, da
autodeterminação e da segurança das pessoas envolvidas. Acresce a relevância que os
participantes neste estudo atribuíram à posse de conhecimentos e informações jurídicas,
quer por parte dos mediadores, quer por parte das pessoas que recorrem a mediação
familiar.
3.7 Síntese do capítulo
Neste capítulo, procedemos à análise do sistema hierárquico de categorias obtido
a partir da análise do conteúdo dos focus groups. Começamos por investigar as tipologias
210
de conflito familiares mais comuns e os fatores funcionais de ativação e de pacificação
do conflito. Seguidamente, procedemos à análise das estratégias que os mediadores
familiares e os assessores do ISS utilizam com mais frequência e consideram mais
eficientes, tentando corelacioná-las com os modelos de mediação familiar comummente
referidos na literatura. Tendo presente, no quadro desta tese, a centralidade do tema do
processo de tomada de decisão dos pais no âmbito da mediação familiar, examinámos o
tópico da coparentalidade tentando identificar os fatores de proteção e os fatores de risco
para as crianças na transição da SD dos pais. Por outro lado, tentámos descobrir fatores
de influência positiva e negativa na capacidade de interiorização e de materialização da
responsabilidade no contexto do processo de tomada de decisão sobre as
responsabilidades parentais. Finalmente, exploramos diversas perceções dos participantes
nos focus groups relativamente a assuntos pouco estudados, tais como a dimensão jurídica
e a adoção de procedimentos preventivos e de triagem nos processos de mediação
familiar.
211
CAPÍTULO IV
____________________________________________________________
4. ESTUDO EMPÍRICO 2 - FATORES DE IMPACTO NA
PARENTALIDADE NA TRANSIÇÃO PARA A SD E O PROCESSO
DE TOMADA DE DECISÃO SOBRE RESPONSABILIDADES
PARENTAIS, NO CONTEXTO DE MEDIAÇÃO FAMILIAR
212
4.1 Resumo do capítulo
Neste capítulo irão ser estudadas quatro domínios de influência no processo de
tomada de decisão dos pais, durante o período de transição para a SD, tais como: fatores
de proteção e fatores de risco; fatores de influência do processo de decisão e indicadores
de sensibilidade parental e o possível impacto do fator tempo no processo de decisão.
Serão, também, identificadas as características essenciais das decisões parentais
responsáveis e a forma como a mediação familiar está associada à formação e à
elaboração destas decisões. Finalmente, pretende-se compreender o impacto do processo
de decisão sobre o tema das responsabilidades parentais, em contexto de mediação
familiar, especificamente, em relação à prevenção da qualidade da coparentalidade, da
parentalidade e na prossecução do princípio da proteção primacial do superior interesse
da criança.
4.2 Metodologia
Como sabemos a presente tese é de natureza eminentemente qualitativa sendo, por
isso, orientada para explorar processos, padrões e significações a partir de diferentes
informantes, experiências e enquadramentos. Este estudo 2, desenvolve-se no seguimento
do estudo 1, mas visa abarcar a realidade em estudo a partir de um outro universo de
experiências, visões da realidade, perceções e significações, o qual, corresponde às
vivências de pais e de mães que participaram num processo de mediação familiar,
independentemente de o mesmo ter sido concluído com ou sem acordo. Tendo presente
que, a realidade apenas pode ser apreendida de uma forma imperfeita, dada a sua natureza
complexa e suscetível de múltiplas versões, é crucial aprofundar e ampliar o campo de
213
observação, assim como, enraizar a própria investigação na realidade que pretendemos
estudar.
De salientar que, entre outros domínios, os fatores de proteção e de risco para os
filhos, emergentes na fase de transição para a SD dos pais e os fatores de influência no
processo de decisão, são transversais aos dois estudos empíricos realizados sendo que, o
estudo 2, é desenvolvido com base nas perceções dos pais e das mães que estiveram em
contacto com mediação familiar. Desta forma, pretende-se aprofundar e ampliar o campo
de observação e firmar a consistência deste processo de investigação.
4.3 Objetivos
Este estudo compreende cinco objetivos gerais definidos da seguinte forma:
1) definir decisões parentais responsáveis;
2) investigar as principais dimensões de influência no processo de tomada de
decisão sobre responsabilidades parentais, durante a SD;
3) identificar os fatores de proteção e os fatores de risco para as crianças e para os
pais, na fase de SD;
3) conhecer a influência da sensibilidade parental no processo de tomada de
decisão e de adaptação da família (pais e filhos) à SD.
5) conhecer o impacto da mediação familiar relativamente à concretização dos
direitos das crianças e para a proteção dos seus interesses, na fase de SD dos pais.
4.3.1 Objetivos específicos
Para o presente estudo empírico formulámos os seguintes objetivos específicos:
1) caracterizar as decisões parentais responsáveis;
214
2) identificar domínios de impacto no processo de tomada de decisão dos pais, e
identificar as suas implicações para a mediação familiar;
3) averiguar fatores de proteção e de risco para as crianças e para os pais, na fase
de transição para a SD;
4) investigar a influência da sensibilidade parental, durante a fase de transição
para a SD;
5) explorar perceções dos pais relativamente à forma como perspetivam a relação
de coparentalidade no presente e em relação ao futuro;
6) conhecer a perceção dos pais quanto à participação das crianças no processo de
mediação familiar e identificar os critérios a adotar quanto à inclusão das crianças;
7) avaliar o nível de satisfação/insatisfação com a mediação familiar;
8) investigar a influência da coparentalidade no processo de tomada de decisão
sobre responsabilidades parentais, na transição para a SD.
9) Examinar possíveis relações entre a voluntariedade dos mediados e a forma
como terminam o processo de mediação familiar (com ou sem acordo).
4.3.2 Questões de investigação
Tendo em perspetiva os objetivos gerais e específicos atrás definidos formulámos
as seguintes questões de investigação:
Q1. Que aspetos caracterizam, dificultam e promovem a tomada de decisões
parentais responsáveis, na transição para a SD, no âmbito da mediação familiar?
215
Q.2 Quais são os domínios de influência implicados no processo de tomada de
decisão dos pais, relativamente à regulação das responsabilidades parentais?
Q3. Quais são os fatores promotores de mudança adaptativa relativamente aos pais
em conflito, no âmbito do processo de mediação familiar?
Q4. Que relação tem o processo de mediação familiar, na fase de SD, com o
processo de tomada de decisão (responsável) dos pais?
Q5. Quais são os fatores de proteção e de risco para as crianças e para os pais,
durante a fase de transição para a SD?
Q6. Qual a influência positiva ou negativa do fator tempo na redução do conflito
entre os pais?
Q7. Qual a relevância da sensibilidade parental durante a SD? E que influência
tem no processo de tomada de decisão dos pais e no ajustamento das crianças à SD?
Q8. Como é que os pais perspetivam a coparentalidade no presente e no futuro?
Q 9. Qual é a perspetiva dos pais/mães quanto à efetivação do direito de
participação das crianças no processo de mediação familiar? E quais são os critérios a
adotar quanto à inclusão das crianças?
Q10. Qual é o nível de satisfação/insatisfação dos participantes relativamente à
mediação familiar?
Q11. Que relações podem ser encontradas entre as dimensões da coparentalidade
(QC) e a coparentalidade positiva e negativa identificada nos pais/mães, na transição para
a SD?
216
Q.12 Que associação existe entre a coparentalidade a voluntariedade e o final do
processo de mediação com ou sem acordo?
4.3.3 Critérios e circunstâncias de seleção da amostra
Tendo em consideração que os critérios de seleção da amostra foram
desenvolvidos no capítulo II limitamos-mos, neste momento, a referir que a amostra para
este estudo foi selecionada tendo em vista o tipo de investigação (qualitativa) que se
pretende desenvolver (Fontenot, Poddar, Cardon & Marshall, 2013), a orientação
metodológica, os objetivos e as questões de investigação que colocámos. A obtenção de
diferentes perspetivas sobre os fenómenos em estudo, não só, amplia as possibilidades de
acesso ao conhecimento, como também, contribui para a validade da investigação. Neste
sentido, empreendemos, em primeiro lugar, o estudo 1, com mediadores familiares e
assessores do ISS e, em segundo lugar, este estudo 2, com pais e mães que tivessem
passado por um processo de mediação familiar relativo a responsabilidades parentais.
A autorização para o acesso aos contactos dos utentes (pais e mães) do Sistema de
mediação familiar público que compõem a amostra do estudo 2, foi possível na sequência
da apresentação do nosso projeto de investigação, junto do órgão competente do Gabinete
para a Resolução de Litígios (GRAL) - Direção Geral de Política de Justiça22.
4.3.3.1 Estratégia de amostragem
22 Os contactos desenvolvidos com o Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios, Ministério da
Justiça, para autorização de obtenção da amostra foram realizados simultaneamente para o estudo 1 e para
o estudo 2. Assim, para evitar repetições desnecessárias, remetemos para o capítulo 3 para uma descrição
mais detalhada.
217
Tomando como ponto de partida para a definição da amostra os utentes do SMF
que tiveram contacto com a mediação familiar, selecionámos a amostra de acordo com os
objetivos centrais da presente investigação, nomeadamente:1) os participantes terem
experienciado um processo de mediação familiar relativo ao exercício das
responsabilidades parentais; 2) a mediação familiar ter decorrido no âmbito do SMF,
durante o ano imediatamente anterior ao início da recolha dos dados. Ao delimitar a
amostra nestes termos pretendeu-se, entre outros aspetos, selecionar participantes cujas
memórias e experiências objetivas e subjetivas ainda permanecessem acessíveis e vivas.
Assim, a experiência da SD dos pais e das mães e o contacto com o processo de
mediação familiar pública foram os fatores iniciais que pautaram a delimitação inicial da
amostra. Em primeiro lugar, porque as suas vivências da coparentalidade, de
parentalidade e de disrupção da conjugalidade a par com a sua experiência da mediação
familiar se apresentam como sendo essenciais para a compreensão dos fenómenos que se
pretendem estudar e compreender através deste trabalho. Em segundo lugar, optámos por
não incluir na amostra pais e mães que tivessem realizado mediação familiar no âmbito
privado, tendo em conta que a atividade privada de mediação familiar não se encontrava
ainda regulamentada23 à data em que recolhemos a amostra. De facto, o nosso propósito
foi aceder às vivências de pais e de mães em situação de SD e no âmbito de processos
conduzidos por mediadores familiares com experiência consistente e juridicamente
enquadrada, de forma a recolher dados relevantes.
Por outro lado, considerando que a presente investigação incide sobre a fase
específica de transição para a SD, mostrou-se necessário enquadrar a amostra nesse
23 Atualmente toda a atividade de mediação de conflitos encontra-se regulamentada através da Portaria n.º
344/2013 de 27 de novembro, na qual, se define que o serviço do Ministério da Justiça competente para
assegurar a organização, o acesso e a divulgação da lista de mediadores de conflitos habilitados para o
exercício da mediação privada.
218
contexto temporal. Acresce que, o recrutamento dos participantes dentro da população
total de utentes do SMF no ano anterior ao início da recolha dos dados, ocorreu em função
da disponibilidade dos utentes para aderirem à realização da entrevista e o términus do
recrutamento foi decidido em função do nível de saturação teórica atingida (e.g. Corbin
& Strauss, 2008; Flick, 2005).
4.3.3.2 Número, duração e setting das entrevistas
Neste estudo realizámos um total de 29 entrevistas individuais com pais/mães com
a duração de 1h a 1h 30m cada, numa sala apropriada para o efeito, nas instalações da
Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, entre outubro de 2011 e março de
2013.
4.3.3.3 Entrevista semiestruturada
A entrevista semiestruturada caracteriza-se pela “incorporação de questões mais
ou menos abertas no guião” (Flick, 2005), de forma, a possibilitar que as pessoas
respondam de forma espontânea e se sintam à vontade para expor as suas experiências e
vivências. Tal como afirma Charmaz (2006) a entrevista semiestruturada visa obter
respostas descritivas, tanto da realidade externa (e.g. fatos, acontecimentos), como da
realidade interna (e.g. sentimentos, significados) possibilitando assim ao investigador o
acesso à interpretação que os respondentes fazem do mundo (Silverman, 2000). É, por
isso, que a entrevista semiestruturada é um instrumento que se adapta positivamente aos
métodos da GT (Creswell, 2007; Charmaz, 2006). O formato da entrevista
semiestruturada tem a vantagem de ajudar a manter o foco nos tópicos centrais da
investigação, ao mesmo tempo que, admite flexibilidade (e.g. alterações da ordem das
219
questões, introdução de questões suscitadas pela conversa com os entrevistados, etc.),
(Charmaz, 2006; Flick, 2005). Contudo, como se trata de uma entrevista parcialmente
estruturada, o maior desafio da sua aplicação reside no equilíbrio entre flexibilidade e a
direção da reflexão, de forma a que todas as questões sejam respondidas (Flick, 2005).
Por sua vez, a abordagem e o tratamento qualitativo dos dados, permite apreender
o sentido das experiências, emoções e os factos que os participantes da investigação nos
transmitiram, assim como, possibilita a comparação entre as várias respostas que nos
confiaram (Flick, 2005).
No presente estudo 2, o guião da entrevista semiestruturada é composto por 34
questões semiabertas, integradas em 11 blocos temáticos. A elaboração do guião da
entrevista teve por base a revisão de literatura efetuada, a sensibilidade emergente da
prática profissional da investigadora e os resultados do estudo empírico 1.
4.3.3.4 Questionário sociodemográfico
O Questionário sociodemográfico é composto por questões de resposta rápida e
foi construído de forma a recolher elementos sobre a caracterização sociodemográfica dos
participantes no estudo, especificamente: a nacionalidade, a idade, o sexo, o estado civil,
o nível de escolaridade e a religiosidade. Além disso, recolheram-se ainda informações
relativas ao agregado familiar no momento da regulação das responsabilidades parentais,
concretamente: o número de filhos, idades, sexo, duração do casamento/união e estado
civil atual. Também se obtiveram elementos acerca da mediação familiar,
especificamente: as circunstâncias em que teve lugar o processo de mediação familiar
(como primeira opção ou na sequência de um processo judicial), o tempo decorrido após
o término do processo de mediação familiar e se o mesmo terminou com ou sem acordo.
220
4.3.3.5 Procedimentos, preparação e realização das entrevistas
Os participantes no presente estudo empírico foram recrutados a partir de uma
listagem fornecida pelo GRAL na sequência dos contactos desenvolvidos para o acesso à
amostra. Esta listagem continha, unicamente, os nomes e os contactos telefónicos de 219
utentes do SMF (pais e mães) que, dentro do ano imediatamente anterior ao início da
recolha dos dados, passaram pela mediação familiar pública.
Seguidamente, iniciámos os contactos telefónicos com o intuito de obter a adesão
dos utentes do SMF para a realização da entrevista. Por variadas razões (e.g. falta de
tempo, dificuldade em falar do tema, etc.) muitos destes utentes não se mostraram
disponíveis para realizar as entrevistas. Assim, através da conversa telefónica com os
potenciais participantes no estudo e, após a apresentação da investigadora e dos principais
objetivos da investigação, tentámos sensibilizar os pais/mães para a extrema importância
da sua colaboração para o presente estudo empírico.
4.3.3.6 Realização das entrevistas semiestruturadas
Posteriormente, no dia e hora agendados para a realização das entrevistas, o
contacto presencial com o participante no estudo acontecia no átrio principal da
Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Desde o primeiro momento,
pretendeu-se estabelecer um clima afável para que o participante se sentisse à vontade e
confortável com os instrumentos técnicos necessários à entrevista, assim como, recolher
a autorização para a gravação da entrevista com a garantia de anonimato. Seguidamente,
tinha início a entrevista que era conduzida segundo o respetivo protocolo, ainda que
dando espaço para explorar e refletir sobre aspetos que se mostrassem relevantes. Na reta
final da entrevista era crucial dar a possibilidade ao participante de expor comentários,
221
sugestões ou ideias. Finalmente, reiteravam-se os agradecimentos e faziam-se as
despedidas.
4.3.3.7 Preparação dos dados
A interpretação e a análise dos dados recolhidos através das entrevistas
semiestruturadas e do questionário sociodemográfico, requerem uma adequada
preparação para que a sua utilização informática se processe de forma consistente
(Baseley, 2010; Bloomberg & Volpe, 2008). Com o intuito de evitar repetições inúteis,
dado que, este assunto já foi tratado anteriormente no capítulo 3.24 abstemos-mos de o
desenvolver neste local.
4.3.4 Análise dos dados
De acordo com a orientação metodológica seguida nesta tese (GT), a recolha e a
análise dos dados não constituem fases separadas, mas sim, processos interligados e
concomitantes (Charmaz, 2006).
4.3.4.1 Caracterização da amostra
No presente estudo empírico a amostra é caracterizada através das variáveis
sociodemográficas recolhidas aquando da realização das entrevistas semiestruturadas.
A amostra é composta por pais e mães com filhos de idade inferior a 18 anos,
perfazendo o total de 29 participantes (N=29), dos quais, relativamente a 18 participantes
24 Este assunto encontra-se desenvolvido no Capítulo III.
222
obtivemos dados dos dois membros do ex-casal (9 ex-casais) e relativamente a 11
participantes recolhemos dados apenas dados de um dos ex-cônjuges.
Tabela 3
Caracterização sociodemográfica da amostra do estudo 2
Frequência
(N)
Percentagem
(%)
Média
(M)
Desvio-
Padrão
(DP)
Sexo
Masculino
Feminino
14
15
48.3
51.7
Nacionalidade 29 100
Idade
33 – 52 anos
41.62 5.447
Nível de Escolaridade
Ensino Secundário
Ensino universitário
7
22
24.1
75.9
Duração do casamento
(anos)*
11.250 5.288
Nº de filhos (n=20)
1 filho
2 filhos
10
10
50
50
1.5
Idade dos filhos
1 - 24
7.93
5.037
Sexo dos filhos
Masculino
Feminino
14
16
46.7
53.3
Termo do processo de MF
(meses)
0 - 36
15.97
11.021
Resultado da MF
Sem Acordo (0)
Com Acordo (1)
7
13
35
65
Situação em que se
recorreu à MF
Proc. Judicial (0)
8
40
223
Como 1ª opção (1) 12 60
Situação civil atual
Sozinho (0)
União de facto (1)
Casado (2)
Outra (3)
17
6
2
4
58.6
20.7
6.9
13.8
Religião
Sim (0)
Não (1)
15
14
51.74
48.3
Assim, de acordo com as variáveis sociodemográficas consideradas verifica-se
que 14 participantes são do sexo masculino (48.3%) e 15 são do sexo feminino (51.7%),
têm todos nacionalidade portuguesa (100%) e idades compreendidas entre os 33 e os 52
anos (M=41.62; DP=5.447).
Quanto ao nível de escolaridade, 7 participantes possuem o ensino secundário
(24.1%) e 22 têm o ensino universitário (75.9%). A duração do casamento ou da união de
facto é de cerca de 11 anos (M=11.250; DP=5.288)25.
Por sua vez, para o efeito do apuramento do número de filhos26, idade dos filhos27
e sexo dos filhos28, a amostra considerada (n=20) é inferior à amostra total dos
participantes (n=29), tendo em conta, que se optou por considerar nestes itens um único
valor relativamente aos participantes que formam um ex-casal, de modo a evitar a
duplicação da informação. Assim, no que se refere ao nº de filhos consta-se que 10
participantes têm 1 filho (50%) e 10 têm 2 filhos (50%), (M=1.5); quanto à idade dos
filhos varia entre 1 ano e 24 anos, situando-se a média em cerca de 8 anos (M= 7.93;
25 Relativamente às situações em que os dois membros do ex-casal realizaram a entrevista, considerou-se
apenas um valor para o casamento ou união de facto. De notar, ainda que, se verificou discrepância quanto
ao nº de anos de casamento ou união de facto indicados relativamente a 4 ex-casais, tendo-se, por essa razão
efetuado a média dos dois valores referidos de forma a evitar a escolha discricionária pelo valor indicado
por um dos participantes..
224
DP=5.037) e relativamente ao sexo dos filhos são 14 crianças do sexo masculino (46.7%)
e 16 do sexo feminino. (53.3 %).
No que respeita ao termo do processo de mediação familiar, ou seja: ao tempo
decorrido entre o fim da mediação familiar e a realização da entrevista semiestruturada,
e média rondou os 16 meses (M=15.97; DP=11.021).
Relativamente aos itens, resultado do processo de mediação familiar e situação
em se recorreu a mediação familiar, optou-se também nestes casos por considerar como
uma única informação a resposta dada pelos 2 membros de cada ex-casais reduzindo estes
itens a 20 respostas (n=20). Desta forma, terminaram sem acordo 7 (35%) processos de
mediação familiar e com acordo 13 (65%) processos. No que diz respeito à situação em
que recorreram a mediação familiar 8 (40%) participantes iniciaram o processo de
mediação familiar após o início de um processo judicial e 12 (60%) utilizaram a mediação
familiar como 1ª opção para resolver o diferendo.
No que concerne à situação civil atual verifica-se que 17 dos participantes (58.6%)
vivem sozinhos, 6 vivem em união de facto (20.7%), 2 estão casados (6.9%) e 4 estão em
outra situação (13.8%). Relativamente à religiosidade 15 participantes são católicos
(51.74%) e 14 não têm religião (48.3%).
4.3.4.2 Processo de codificação
O presente estudo 2 foi desenvolvido com o suporte do software Qualitative
Solutions Research (QSR) NVivo 11 for Windows (Baseley, 2010). A análise dos dados
deste estudo consistiu num processo circular e dinâmico que sintetizamos da seguinte
forma: 1) à medida que as entrevistas vão sendo feitas e transcritas o investigador realiza
uma leitura atenta de forma a familiarizar-se com os dados e a reconhecer e anotar as
ideias principais; 2) o processo de análise dos dados desenvolve-se de forma sistemática
225
de forma a organizar os extratos recortados dos dados de acordo com as suas
características mais significativas; 3)seguidamente todos os extratos são codificados
dentro das categorias temáticas; 4) as categorias são, depois, revistas, comparadas e
refinadas verificando-se se os domínios temáticos refletem o conteúdo das subcategorias
integrantes; 5) posteriormente procede-se à revisão final de todo o sistema hierárquico de
categorias verificando se o mesmo espelha a essência do estudo, nomeadamente, os
fatores de proteção e os fatores de risco que envolvem a transição para a SD, assim como,
os fatores de influência no processo de tomada de decisão e ainda o reflexo das DPR na
proteção real e concreta do superior interesse da criança em conexão com o contexto da
mediação familiar; 6) finalmente os resultados obtidos são reduzidos a escrito e
apresentados.
Figura 28. Mapa temático do estudo 2.
226
A figura 28 exibe o mapa temático do estudo empírico 2 desenvolvido ao longo
do processo de análise categorial. Pretende-se representar as categoriais primordiais e a
forma como se interligam entre si.
4.4 Modelos e abordagens gerais do processo de tomada de decisão
Como sabemos o processo de mediação familiar visa criar um contexto
estruturado e orientado para proporcionar ao ex-casal/pais condições que promovam a
tomada de decisões consistentes e enraizadas na situação concreta de cada família, apesar
dos níveis de stress, ambiguidade e de incerteza que comummente acompanham o
processo de decisão sobre o exercício das responsabilidades e o processo de mudança
inerente à SD.
De referir, que a teoria relativa à tomada de decisão tem na sua base investigações
científicas incidentes em variadas áreas, nomeadamente, sobre situações que envolvem
stress, incerteza, ambiguidade, risco ou emergência (Kleespies, 2014; Starcke & Brand,
2016). No entanto, importa notar que não se conhecem quaisquer estudos científicos sobre
o processo de tomada de decisão, no âmbito da SD, ou na área específica da mediação
familiar e das responsabilidades parentais.
Kleespies, (2014) sintetiza os modelos teóricos existentes sobre tomada de
decisão, em três grupos distintos: modelos Racionais e Normativos; modelos Descritivos
e modelos de tomada de decisão Naturalísticos.
Relativamente aos modelos Racionais e Normativos, Driskell e Johnston (1998)
afirmam que, “o processo de tomada de decisão normativo e analítico envolve uma busca
de informação sistemática e organizada de modo a detetar todas as alternativas
disponíveis que permitam gerar e comparar um vasto conjunto de opções com vista a
selecionar as escolhas que, com maior probabilidade, possam alcançar um resultado
227
ótimo.” (p.205). A necessidade de avaliar a probabilidade de as decisões tomadas serem
as mais adequadas para alcançar os objetivos pretendidos é, pois, um ponto fulcral destes
modelos de tomada de decisão, o que nem sempre se coaduna com o dinamismo de muitas
situações que requerem uma decisão rápida ou em que não é possível obter todas as
informações conexas com a decisão. De notar, no entanto, que, em muitos casos, há tempo
suficiente para tomar decisões estruturadas (Driskell & Johnston, 1998) e que nem todas
as situações e assuntos requerem decisões rápidas e imediatas. Salienta-se, contudo, que
estes modelos de base racional e normativa são contestados por não atenderem ao facto
de as decisões humanas não configurarem processos exclusivamente racionais (e.g.
Damásio, 2010; Kleespies, 2014).
Segundo os modelos Teóricos Descritivos o processo de tomada de decisão não é
concebido numa perspetiva exclusivamente racional, quantitativa e probabilística
(Kahneman, 2011; Kleespies, 2014). De facto, vários estudos demonstram que as pessoas
quando confrontadas com condições complexas e de incerteza utilizam um número
limitado de alternativas e de estratégias, de forma, a ajustarem e simplificarem as
operações de tomada de decisão. Kahneman, (2011), desenvolve o modelo Descritivo
com base na heurística que define, tecnicamente, como sendo um “procedimento simples
que ajuda a obter respostas adequadas, embora frequentemente imperfeitas, para questões
difíceis” (p. 97), ou seja, a capacidade para produzir atalhos ou respostas intuitivas sobre
questões complexas. Desta forma, o autor refere as características básicas de dois
Sistemas de estratégias responsáveis pelo processamento das decisões. O Sistema 1 opera
de forma automática, rápida e sem dispêndio de esforço, realiza inferências, foca-se na
evidência, afasta dúvidas e promove sensações, afeições e inclinações que, ao serem
cometidas ao Sistema 2, se transformam em crenças, atitudes e intenções. Por sua vez, o
Sistema 2 dispõe de capacidade de autocrítica e de resistência às inspirações do Sistema
228
1, designadamente, retardando processos e impondo análise lógica. Os dois Sistemas de
estratégias funcionam de forma interligada, o Sistema 1 opera como simplificador da
probabilidade oferecendo respostas mentais automáticas, mas sem grande escrutínio
enquanto o Sistema 2, mais lento, mas mais cauteloso verifica a plausibilidade da resposta
do Sistema 1 podendo rejeitá-la ou modifica-la. A forma de pensamento automático
gerado pelo Sistema 1 compreende ainda estratégias mentais que Kahneman, (2011)
designa de processos substituição, os quais, têm lugar nas situações em que não existindo
resposta direta para uma questão, essa questão é substituída por outra semelhante para a
qual exista resposta. Quando este processamento é endossado ao Sistema 2 são então
desenvolvidas estratégias de verificação, alteração ou rejeição da resposta encontrada
pelo Sistema 1.
Desta forma, o pensamento intuitivo decorre da simplificação da heurística
(estratégias ou atalhos cognitivos) e não como resultado de habilidades adquiridas através
da experiência, o que pressupõe menor precisão e maior tendência para vieses
sistemáticos (Kahneman & Klein, 2009).
Por seu lado, os modelos de decisão Naturalísticos distinguem-se dos modelos
anteriormente referidos, desde logo, pela ênfase colocada nos efeitos do contexto que
envolvem muitas decisões tomadas no mundo real, isto é, em ambientes naturais,
dinâmicos, incertos e sujeitos a mudanças rápidas (Kleespies, 2014). Os modelos
Naturalísticos compreendem diferentes formulações, especificamente: 1) modelo de
decisão com primado da recognição; 2) modelo de decisão recognição/metacognição; 3)
modelo de consciência da situação; 4) estratégia de tomada de decisão hipervigilante.
O cerne do modelo Primado da Recognição não é o de encontrar maneiras de
reduzir ou eliminar os erros relativos à tomada de decisão, mas sim o de encontrar formas
de ajudar as pessoas a atuarem com habilidade usando a sua experiência de forma eficaz.
229
De acordo, com investigações realizadas em diversos settings29 (Zsambok, 1993)
constata-se que, em primeiro lugar, as pessoas tomam decisões de acordo com os dados
selecionados pelos seus quadros mentais e não mediante grandes conjuntos de opções
(Kleespies, 2014). Segundo Klein (2015), os insights não ocorrem necessariamente da
recolha de extensos conjuntos de dados sobre as questões a decidir, pois, também podem
surgir por se detetarem contradições e irregularidades ou conexões várias. Deste modo, a
incerteza associada à tomada de decisão parece ser mais uma consequência de um
inadequado enquadramento de informações do que da ausência dessas informações
(Klein, 2015). Nesta perspetiva as decisões acertadas não decorrem da comparação de
múltiplas opções, nem tão pouco a experiência se limita a um conjunto de regras e de
procedimentos30 . As decisões profícuas resultam, pois, de padrões pessoais que as
pessoas usam para lidar com as situações e do conhecimento tácito (Klein, 2015), ou seja,
advém da acumulação, através da experiência, de um conjunto de respostas praticamente
automáticas a padrões reconhecidos (Cohen, Freeman & Thompson, 1998). Desta forma,
o modelo baseado no primado da recognição aproxima-se da noção de intuição
(Kleespies, 2014), enquanto estrutura não unitária e multifacetada. Neste sentido, Gore e
Sadler-Smith, (2011) afirmam que a intuição tem vindo a ser entendida, cada vez mais,
não como estrutura una, mas como construção dual que é composta por dois tipos de
intuições: primárias e secundárias. As intuições primárias compreendem as intuições
orientadas para a resolução de problemas, as intuições sociais, as intuições morais e as
intuições criativas; enquanto as intuições secundárias correspondem às inferências
radicadas em afetos, em reconhecimento de experiências e previsões e em processos como
o reconhecimento de coincidências, a empatia, a simulação mental ou insights.
29 Salientam-se as investigações realizadas no âmbito de Klein, Inc., com enfermeiros, engenheiros,
comportamento de consumidores, unidades de terapia intensiva, bombeiros, etc... 30 O Modelo Primado da Recognição diferencia-se assim claramente dos modelos Racionais e Normativos.
230
No modelo Recognição/Metacognição, à semelhança do modelo anteriormente
referido, afirma-se que a cognição das respostas humanas típicas às situações dinâmicas
da vida constitui o cerne do processo decisão, mas, acrescenta que as pessoas perante
circunstâncias novas ou pouco rotineiras complementam essa estrutura cognitiva
tipificada com um conjunto de processos metacognitivos que, quando ativados, permitem
verificar e melhorar a performance da tomada de decisão (Cohen, et al., 1998). Segundo,
Cohen et al., (1998) a integração de informações nessas estruturas cognitivas de
pensamento envolve uma combinação de processos metacognitivos, tais como: 1) os
processos de identificação de evidências no contexto evolutivo da situação; 2) os
processos de criticidade que permitem a identificação de problemas como a incompletude
(e.g. pistas incompletas), o conflito ou a falta confiabilidade (e.g. intenção hostil oculta);
3) os processos de correção que impulsionam ações internas (e.g. revisão de
pressupostos, novas interpretações que ajudam a dissipar conflitos e a colmatar lacunas )
e ações externas (e.g. recolha de novos dados); 4) o processo referido como “teste
rápido” (p.160), que controla os sistemas de crítica e de correção. O processamento
metarecognitivo é assim moderado por experiências passadas de sucesso e de fracasso, as
quais contribuem para analisar os custos e os benefícios decorrentes do tempo gasto com
o regresso ao processo de criticidade ou com a inibição desse processamento.
O modelo denominado de Consciência de Situação “refere-se à capacidade das
pessoas para desenvolverem uma representação interna do estado atual do ambiente e de
projetarem estados prováveis desse ambiente” (p. 343), (Jones & Endsley, 2004). Assim,
o ponto central deste modelo de tomada de decisão é o de entender e descrever, quer, a
perceção que os decisores têm de uma dada situação enquadrada num contexto espácio-
temporal concreto, quer, as operações mentais de compreensão e de projeção da situação
231
ao longo do tempo (Jones & Endsley, 2004)31. Nesta perspetiva, o eventual fracasso do
processo de tomada de decisão não reside tanto na decisão em si, mas antes em falhas
relacionadas com a perceção da situação e respetiva dinâmica. O modelo Consciência da
Situação inclui três níveis: 1) perceção relativa aos aspetos críticos do ambiente; 2)
compreensão do significado desses fatores críticos; 3) conjetura do que é provável
acontecer com a situação em evolução no futuro imediato.
Por fim, o modelo nomeado de Estratégia de Tomada de Decisão Hipervigilante,
incide sobre o treino de estratégias específicas para tomada de decisão em cenários de
emergência (e.g. decisões clinicas, militares) em que as decisões são tomadas sob forte
pressão do tempo e em que podem existir ambiguidades e informações dissonantes
(Kleepsies, 2014).
Conforme anteriormente referimos o estudo do tema da tomada de decisão revela
um interesse intrínseco para múltiplas áreas de conhecimento como a Psicologia, a
Economia, a Sociologia, a Politica, a Justiça etc., mas, apresenta consideráveis
dificuldades, na medida em que, podemos observar as ações das pessoas, mas não
conseguimos ver os dispositivos e os processos reais e ocultos que a mente usa no
processamento das decisões. Contudo, o tempo disponível para tomar qualquer decisão,
assim como, a natureza do assunto sobre o qual se vai decidir são elementos essenciais
do processo de deliberação, no qual, intervêm e cooperam dois níveis de consciência, um
mais oculto e outro mais exposto (Damásio, 2010).
Damásio (2010) ao aludir a esse nível (en)coberto da consciência explicita a ideia
de “inconsciente cognitivo” (pp.345) referindo que tal estrutura cognitiva opera através
da sinergia entre o nível consciente e inconsciente. Então, o treino consciente e repetido
31 De salientar, que o modelo de tomada de Consciência de Decisão tem como base científica principal
estudos relacionados com contextos muito específicos, nos quais, os fatores tempo e espaço têm um papel
crucial na tomada de decisão (e.g. tecnologias relacionadas com aviação).
232
da decisão e a acumulação de conhecimento, posteriormente mesclado na ação, dão lugar,
a uma “competência de desempenho” (pp.345). Por sua vez, tal competência de
desempenho que opera de forma oculta à consciência, embora seja repassada por
orientações conscientes, caracteriza-se pela ausência de esforço de reflexão e por
diminuto dispêndio de tempo para a decisão e para a ação o que claramente oferece um
dispositivo muito vantajoso para a condução da vida corrente. De destacar, que a
competência de desempenho atua mediante os constrangimentos impostos pelo controlo
homeostático o que a torna resistente a mudança, a não ser, através de “uma força oposta
e bem treinada” (pp.347), ou seja, através de um processo consciente de contra-ataque
emocional (Damásio, 2010) capaz de enfrentar o automatismo produzido mediante o
inconsciente cognitivo.
Diversamente, as decisões conscientes não configurando opções automáticas e
instantâneas constituem processos dominados por operações de reflexão e de ponderação
(Damásio, 2010). Então, as deliberações conscientes parecem ser formas adequadas e
vantajosas, sobretudo, quando se trata de reger assuntos de elevada importância que
carecem de tempo para serem refletidos, analisados, avaliados e para metamorfosear
enredos emocionais. Neste sentido, os processos racionais podem ajudar a gerir as
experiências emocionais latentes como é frequente acontecer no âmbito do processo de
tomada de decisão em mediação familiar.
Quando refletimos nos vários enquadramentos e conceptualizações sobre a
tomada de decisão percebemos que, além de traduzirem distintas explicações e teorias
para o fenómeno, representam, igualmente, mapas específicos sobre o processamento das
decisões em múltiplos contextos e situações de vida.
Assim, atendendo às teorias supramencionadas sobre a tomada da decisão e à
considerável quantidade de investigação científica produzida, nomeadamente na área da
233
Psicologia, vários autores (e.g. Cohen et al., 1998; Damásio, 2010; Epstein, Lipson,
Holstein, & Huh, 1992; Kahneman, 2011) aludem a dois estilos operacionais de
processamento da informação subjacente a qualquer tomada de decisão: o sistema
intuitivo e experimental e o sistema analítico e racional. Neste contexto, salienta-se o
contributo da teoria geral da personalidade, especificamente, da Auto-teoria cognitiva-
experiencial (e.g. Epstein; Pacini; Denes-Raj & Heier, 1996) para o estudo das formas de
pensamento subjacentes ao processamento da informação no contexto da tomada de
decisão.
Tabela 6
Comparação entre o estilo de pensamento intuitivo, experimental, analítico e racional.
Adaptado de Epstein, et al., (1992)
Sistema 1: processamento experiencial e intuitivo
Sistema 2: processamento analítico e racional
1. Pensamento holístico. 1. Pensamento analítico.
2. Automático (ocorre sem esforço)
2. Intencional: (exige esforço de reflexão)
3. Afetivo: orientado pelo que provoca bem-estar
(prazer/dor).
3. Lógico: norteado pelo que é racional
4. Conexões associativas. 4. Conexões lógicas.
5. O comportamento é mediado por “vibrações”
causadas por ocorrências passadas.
5. O comportamento é mediado pela avaliação criteriosa
dos eventos.
6. A realidade é codificada em imagens concretas,
metáforas e narrativas.
6. A realidade é codificada em símbolos abstratos,
palavras e números.
7. Processamento mais rápido: orientado para a ação
imediata.
7. Processamento mais lento: orientado para a ação
retardada.
8. Resistente à mudança: a mudança é lenta e para ser
eficaz requer treino intenso e repetitivas experiências.
8. Mudanças fáceis: mudança é rápida e ocorre com
novos argumentos e evidências.
234
9. Diferenciação mais grosseira: generalização ampla e
pensamento estereotipado.
9. Diferenciação de nível mais elevada.
10. integração menos consolidada: dissociativa,
emocional.
10. Integração mais forte: princípios gerais de contexto.
11. Experienciar de forma passiva e pré-consciente:
pensamento travado ou capturado pelas emoções.
11. experienciar de forma ativa e consciente: controlo
dos pensamentos.
12. Auto evidência válida: “experimentar é crer”. 12. Impõe justificação através da lógica e da evidência.
A observação da tabela 6 permite comparar os parâmetros conceptuais em que se
baseiam os modelos Racionais e Normativos e os modelos Descritivos e Naturalísticos, e
ajuda a distinguir os diferentes modos de processamento da informação que as pessoas
utilizam aquando da tomada de decisão. De facto, Epstein, et al., (1996) afirmam que
ambos os sistemas operam de forma integrada embora sejam independentes, na medida
em que funcionam segundo regras distintas “o sistema racional funciona por meio de
regras gerais e abstratas guiadas pela análise e pela lógica, enquanto que o sistema
experiencial opera por regras heurísticas específicas do contexto” (p. 401), o que, entre
outros aspetos, esclarece a origem de conflitos ocasionais entre o pensamento e o
sentimento. Estes autores salientam, ainda, que o grau de domínio emocional está
claramente associado ao grau de domínio do sistema experiencial, cujas qualidades
evolutivas e adaptativas são inegáveis, mas, que no confronto com situações que
requeiram análise lógica e compreensão de relações abstratas, parece ficar aquém do
desempenho desejável.
Em síntese: tendo presente que as relações familiares emergem de uma rede
afetiva, emocional e jurídica entretecida ao longo das várias fases do ciclo de vida é de
crucial importância debruçarmo-nos sobre as condições e sistemas implicados no
processamento das decisões dos pais aquando da regulação das responsabilidades
parentais, tendo em vista o campo da mediação familiar. Assim, os modelos de tomada
235
de decisão atrás referidos, contribuem para abrir a reflexão e oferecem pistas para a
pesquisa sobre o funcionamento do processo de tomada de decisão dos pais. Tendo em
vista que a mediação familiar é por natureza um processo de tomada de decisão e, que os
pais à semelhança de outros decisores operam com base em dispositivos semelhantes,
importa especificar os seguintes pontos sintetizados com base na antecedente análise
sobre os modelos e as abordagens relativas aos processos de tomada de decisão:
1) as pessoas usam dois sistemas de pensamento interativos, organizados,
adaptativos e independentes no processamento das decisões, mas o domínio de um em
relação ao outro depende do grau de conforto e confiança individual, em relação a um
sistema ou ao outro (Epstein, et al., 1996; Kahneman, 2011);
2) as pessoas têm consciência de que dispõem de duas diferentes formas de pensar
respondendo a certas situações de uma forma mais experiencial e outras de uma forma
mais racional (e.g. Damásio, 2010; Epstein, et al., 1992; 1996);
3) o comportamento exprime o exercício conjunto de ambos os modos de
pensamento (Epstein, et al., (1996);
4) as decisões são tomadas sob influência dos efeitos do contexto que as
envolvem (Kleespies, 2014), isto é, estão sujeitas a múltiplos fatores ambientais (e.g.
stress, mudança, incerteza) e individuais (e.g. exigências homeostáticas), (Damásio,
2010);
5) em muitas situações, há tempo disponível para tomar decisões estruturadas
(Driskell & Johnston, 1998), por isso, a importância dos assuntos e o tempo disponível
para tomar as decisões são fatores definidores do modelo de processo de decisão, (e.g.
processo de mediação familiar);
6) as decisões conscientes parecem ser formas apropriadas para tratar assuntos de
elevada importância que requerem tempo para serem refletidos, examinados e avaliados
236
os riscos e as possíveis consequências (e.g. questões relativas responsabilidades parentais
para com os filhos), assim como, para serem assimiladas situações emocionais pesadas
(e.g. transição para a SD), (Damásio, 2010);
7) estudos científicos sobre os estilos de pensamento realizados por Epstein, et al.,
(1996) revelaram que os níveis médios de processamento racional e experiencial se
mostraram semelhantes para homens e mulheres não se confirmando, portanto, o
estereótipo de que as mulheres são mais intuitivas e os homens mais racionais, contudo,
tais estudos evidenciaram, também, diferentes correlações dependentes do sexo,
nomeadamente, uma associação entre mulheres com autorrelato de muito alta
racionalidade e dificuldades nas relações interpessoais em consequência de experiências
intimas de abuso (e.g. abuso sexual).
4.5 Apresentação e discussão dos resultados
Ao longo do estudo empírico que se segue, entre outros aspetos, tentaremos
aprofundar em que medida é que a mediação familiar constitui um processo estruturado,
eficiente e promotor do apoio necessário para que os pais possam alcançar decisões
responsáveis, preventivas e protetivas para os membros da família, na fase de transição
para a SD.
4.5.1 Caracterização das decisões dos pais na transição para a SD, no âmbito da
mediação familiar
Relativamente à caracterização das decisões sobre responsabilidades parentais, os
participantes no estudo 2 identificaram, tanto as suas características como os seus
237
obstáculos, assim como, apontaram aspetos em que a mediação familiar contribuiu
positivamente/negativamente para a tomada de decisões responsáveis.
Tabela 7
Caracterização geral das decisões dos pais relativamente a responsabilidades parentais,
durante a SD.
Categoria Principal:
Decisões parentais responsáveis na fase de
transição para a SD
Nº de
Participantes
Nº de
Referências
Características das decisões parentais
responsáveis
28 142
Potencialidades da MF relativamente às
decisões responsáveis
19 50
Obstáculos às decisões responsáveis 17 44
Total 29 236
Através da tabela 7 verifica-se que da análise do conteúdo das entrevistas
realizadas emergiram três subcategorias primordiais: a primeira subcategoria, relaciona-
se com as características das DPR e compreende 142 referências relativas a respostas
dadas por 28 participantes no estudo; a segunda subcategoria respeitantante às
potencialidades da MF relativamente às decisões responsáveis alcança 50 referências
relativas a 19 participantes e a terceira subcategoria relativa aos obstáculos suscetíveis de
se interpor às DPR apresenta 44 referências mencionadas 17 participantes. Assim, o total
das referências desta categoria-mãe é de 236 referências fornecidas por 28 sujeitos da
amostra composta por 29 participantes.
238
4.5.2 Características das DPR
A análise detalhada das subcategorias emergentes permitiu obter um conjunto de
características e de particularidades conexas com as DPR conforme a seguir se demonstra.
Tabela 8
Características das DPR identificadas pelos pais/participantes (nº de participantes e nº
de referências)
Características (Decisões Responsáveis)
Nº de
Participantes
Nº de
referências
Autónomas 2 3
Centradas nos filhos 13 24
Com tempo para pensar 7 10
Conjuntas 16 23
Exequíveis 14 24
Gratificantes 13 13
Inclusivas 4 6
Informadas 3 4
Refletidas 19 33
Total 28 142
A tabela 8 permite caracterizar as DPR através de 10 características fundamentais,
tais como: a autonomia, referida 3 vezes por 2 participantes; as decisões centradas nos
filhos apresentam 24 referências e foram indicadas por 13 dos participantes; ter tempo
para pensar foi referido 10 vezes por 7 participantes; as decisões conjuntas apresentam
23 referências e foram citadas por 16 dos participantes; as decisões exequíveis incluem
239
24 referências e foram mencionadas por 14 participantes; as decisões informadas foram
identificadas 4 vezes por 3 participantes e as decisões refletidas apresentam 33 referências
e foram nomeadas por 19 participantes.
4.5.2.1 Autonomia
A autonomia implica que as decisões sejam assumidas de forma livre e
independente, não condicionadas por influências externas nomeadamente, familiares,
advogados, etc. “(…) a advogada, explicou que seria preferível a mãe ter … que é o ponto
de vista da advogada que, muitas vezes, é o ponto de vista pessoal dela e, isto, agora já
é eu a pensar que há advogados que se aproveitam disto para litigar.” (E24-P7) e sejam,
por isso, isentas “(…) isenção, que não haja terceiros envolvidos que não os pais…”
(E26-P8).
4.5.2.2 Centradas no interesse dos filhos
As decisões centradas nos filhos são tomadas primacialmente em função dos
interesses e do bem-estar dos filhos sendo orientadas pelo respeito pela pessoa dos filhos.
Os pais preocupam-se em tomar decisões que assegurem a satisfação das necessidades
fundamentais, físicas, culturais, económicas, educativas, a segurança, a estabilidade e o
desenvolvimento harmonioso das crianças, mostram-se atentos às reações, opiniões e
sentimento dos filhos e esforçam-se por facilitar a sua adaptação à SD.
Esta característica realça a centralidade da criança no processo de decisão dos
pais, em primeiro lugar, na atenção dada ao seu estatuto jurídico; em segundo lugar, na
preocupação com a estabilidade e organização concreta da sua vida familiar, pessoal,
escolar, social e da satisfação das suas necessidades físicas, psíquicas e morais da criança;
240
em terceiro lugar, na forma como os pais equacionam as melhores condições de adaptação
para os seus filhos e, em quarto lugar, salienta-se a presença do afeto na elaboração das
decisões tomadas.
Assim, as decisões focalizadas nos filhos são marcadas pelo sentido do respeito
pela pessoa da criança nas suas diversas facetas de vida, “Lá está, (…) respeitar os filhos
como seres humanos e como menores e como pessoas, com uma ligação sentimental
muito forte, não é… a ambos os pais… e, portanto, respeitar todas essas vertentes” (E20-
P6), incluindo os seus direitos,” Que os direitos da criança estejam salvaguardados,
acima de tudo (…)” (E04-P2); tendo em conta a estabilidade dos filhos, “(…) que todos
os efeitos negativos sejam atenuados (…), para criar essa base de estabilidade, que eles
não vejam … de uma de forma negativa, vejam só diferente.” , assim como, “ ter em
linha de conta aquilo que as crianças estão a viver, o que estão a sentir, tentar conjugar
quais são as necessidades normais que a criança tenha, o que é que precisam em termos
de educação, de apoio psicológico (se for o caso), tentar tirar o máximo de instabilidade
possível… (E11-P); proporcionando condições adaptação dos filhos à SD “Para (…)
assegurar a continuidade dos estudos no mesmo estabelecimento de ensino, sem
perturbação das rotinas, obrigou-me a decidir ter que ir viver numa segunda morada
para acautelar os interesses dele.” (E05-P); “Portanto… ambos criarem condições não
é… dentro dos possíveis, para que a criança não note uma mudança muito brusca na sua
vida, porque ela não percebe (…). Minimizar um pouco o estrago que os adultos fizeram,
não é?…” (E04-P2). Deste modo, é inegável o papel do afeto dos pais pelos filhos na
maneira como pensam, sentem e depois modelam as decisões de modo a “Que assegure
o conforto das crianças… sei lá… tudo o que uma criança tem direito, não é… desde a
alimentação, a poder estudar, a ter direito a visitar ou estar com ambos os pais… a não
241
se afastar das famílias de um e de outro, continuar a poder estar com os seus amigos…
pronto… acho que é isto. (E19-M6).
Em síntese: a capacidade de os pais tomarem decisões centradas nos interesses
dos filhos evidencia-se, nomeadamente: 1) no respeito relativamente aos direitos e
estatuto jurídico da criança; 2) no desejo de lhes proporcionar estabilidade (e.g. evitar
mudanças de escola de residência, etc.); 3) no empenho em criar condições para a
adaptação dos filhos; 4) na sensibilidade para separar e colocar os interesses dos filhos
acima dos seus próprios interesses.
4.5.2.3 Tempo para pensar
Como sabemos não se conhecem estudos sobre a tomada de decisão no campo da
mediação familiar, contudo, o tempo disponível para decidir é claramente um fator
decisivo no processamento das decisões, tanto mais, que há muitas situações que não
implicam decisão imediata e em que os assuntos requerem reflexão (e.g. Damásio, 2010;
Driskell & Johnston, 1998; Kleespies, 2014), como sucede com a maioria das decisões
que integram qualquer acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais.
Os participantes no presente estudo demonstraram que as DPR exigem tempo para
pensar, para questionar, para avançar passo a passo, para assimilar e se ajustar
emocionalmente às situações sobre as quais se decide e que a quantidade de tempo que
cada um dos pais necessita para elaborar a informação é geralmente diferente.
Assim, as DPR são tomadas dentro de um tempo adequado para refletir, reavaliar,
interiorizar a responsabilidade e refinar os acordos alcançados“(…) não ser uma sessão
ou duas… prolongar minimamente no tempo, para dar tempo para que a pessoa vá
tomando decisões, vá refletindo sobre as decisões que tomou… possa voltar atrás, possa
242
modificar, para que no final do processo haja segurança e sentimento de que se foi
responsável na decisão e de que, portanto, se vai ser responsável face ao que se decidiu.
(E09-P2); são decisões consolidadas, “Ser pensada com tempo, não é? Ser amadurecida.”
(E23-M7). Para decidir compenetradamente, os pais precisam de tempo para suavizar o
ímpeto de certas emoções que, de outra forma, os poderiam impelir a adotar posições
precipitadas, “Sim, porque eu, às vezes, o facto de estar furioso (…) podia-nos levar a
assinar um papel, logo de chofre, que implicava uma decisão para o resto da vida,
enquanto, ali, pronto, não era logo, tínhamos que esperar pela sessão (E24-P7); o tempo
que medeia entre as sessões funciona, igualmente, como um fator de moderação
contribuindo para a eficiência do processamento emocional E29-M9 – Sim, sim.
Principalmente pelo facto de ir com calma. O não ter que ter pressa, a nível de
sentimentos, a nível interior, foi muito importante (E29-M9); assim como do pensamento
racional (…) A Dra. disse para ir para casa refletir sobre isso… na sessão seguinte, aí
sim, já assumiu que o valor era alto…(E28-P9).
Assim, a circunstância de tomar decisões com tempo mostra-se claramente
associada com as DPR e, consequentemente, com processo de mediação familiar, cuja,
estrutura se afigura promotora da maturação racional e emocional necessária ao
enfrentamento e decisão sobre as várias dimensões das responsabilidades dos pais para
com os filhos, na transição para a SD.
4.5.2.4 Conjuntas
As decisões conjuntas correspondem à situação em que ambos os pais se
percecionam, reciprocamente, como coautores das decisões contidas no acordo sobre as
responsabilidades parentais.
243
Os participantes neste estudo permitem corroborar que as decisões conjuntas
implicam, por parte do mediador familiar, uma atitude de independência, isenção e um
correto domínio da imparcialidade não só em termos substantivos, mas também, enquanto
estratégia guia de todo o procedimento de mediação familiar, caso contrário, o poder de
decisão acabaria por ser percecionado como sendo exterior ao domínio da
coparentalidade, nomeadamente como pertença da esfera de ação do mediador familiar,
do outro pai/mãe, juiz, etc..
Assim, a construção de decisões percecionadas como conjuntas pelos pais
relaciona-se com a prática da imparcialidade e “(…) a mediadora sempre se recusou a
tomar partido fosse no que fosse, só chamou a atenção de que era necessário definir
determinados aspetos, e pediu-nos para chegarmos a acordo sobre isso e fazermos
trabalhos para casa, digamos assim, e chegarmos lá com as ideias mais ou menos
acertadas (…)” (E20-P6) e com a perceção de acordo recíproco “Tem que ser uma
decisão que seja tomada de comum acordo.” (E16-M); pois,” (…) o equilíbrio não se
consegue só com uma pessoa, consegue-se, em princípio, com as duas.” (E14-M). Por
outro lado, verifica-se que os pais, ao inverso de se submeterem aos imperativos do poder
de decisão de outrem (e.g. juiz), avocam e exercem tal poder tomando as decisões
necessárias à reorganização das responsabilidades parentais decorrentes da SD, “Sinto-
me bem, correu tudo bem. Só aquela parte do valor… senti um bocado de receio. Se não
houvesse mediação, era o juiz que decidia… (…). Foi um acordo que foi feito com a
minha ex-mulher. Foi um acordo feito à nossa medida. (E28-P9).
Desta forma, as decisões conjuntas fomentam o envolvimento, a organização e a
participação nas decisões coparentais e o empoderamento dos poderes/deveres inerentes
ao exercício das responsabilidades parentais.
244
4.5.2.5 Exequíveis
As decisões responsáveis caracterizam-se por serem exequíveis, ou seja, têm por
base a situação real, os recursos pessoais, laborais e financeiros, as limitações e forças de
todas as pessoas envolvidas na execução do acordo. Se um acordo for muito difícil de pôr
em prática será certamente mais provável que surjam incumprimentos no futuro.
Deste modo, a exequibilidade das decisões manifesta-se em aspetos tais como: o
realismo com que foram elaboradas “(…) nós até podíamos definir um acordo que era
muito interessante e depois não se cumpria e, eu acho que todo este processo ajudou a
que se chegasse a um acordo que se pode cumprir, que fosse realista.” (E01-P); ao levar
em conta o contexto familiar, “Que seja concretizável, porque, às vezes, as decisões não
são concretizáveis, porque, nós vivemos muito longe um do outro, portanto, temos que
encontrar uma decisão que seja concretizável. (E16-M); a viabilidade económica dos
encargos que são assumidos; “E também na viabilidade económico-financeiro das
soluções encontradas.” (E24-P7); a aceitação de limitações intransponíveis “Olhe, acho
que cedi imenso quanto ao valor da pensão de alimentos, mas, porque sabia que
basicamente aquilo não ia interessar nada, porque ele não ia cumprir de maneira
nenhuma.” (E15-M) e, também, levando em linha de conta as capacidades específicas de
cada pessoa para pôr em prática a decisão. “É ter em conta as capacidades que os pais
têm de cumprir com aquilo que assinaram (…) (E21-P5)
Por outro lado, o processo de decisão, no âmbito da mediação familiar, é referido
pelos participantes como sendo um contexto positivo para a composição de decisões
concretizáveis, “Fazendo perguntas. Para mim foi importante, porque é assim …
tranquiliza uma pessoa; às vezes faz as perguntas e faz as perguntas mais no extremo do
acordo, que acho que são aquelas que nos permitem, eu acho, dissipar mais dúvidas.”
(E01-P).
245
Assim, conclui-se que a exequibilidade das decisões tomadas aquando da
regulação do exercício das responsabilidades é uma característica crucial das DPR e que
o processo de mediação se apresenta como sendo um contexto promotor de acordos
realistas e ajustados ao contexto específico de cada família, durante a SD.
4.5.2.6 Gratificantes
As decisões gratificantes refletem satisfação e conforto com as opções adotadas.
Subsiste a perceção de se terem adotado as melhores opções possíveis para as crianças.
São, por isso, decisões associadas a sentimentos positivos, tais como: conforto, “que seja
confortável, tanto eu como do outro lado estarmos confortáveis com essa decisão. (E16-
M); alívio; bem-estar “Eu sinto-me muito bem, muito aliviado de ter sido encontrado um
ponto de equilíbrio na relação com os dois que, se traduz, na forma objetiva e num
benefício claro, inequívoco no bem-estar do meu filho, ao fim de um ano. (E05-P);
segurança “Para já me transmitiu-me alguma segurança (…)” (E19-M6).
Por conseguinte, as DPR caracterizam-se por estarem associadas a sentimentos
positivos recompensadores e tranquilizadores capazes de contribuir para equilibrar outros
sentimentos negativos entre os pais e entre estes e os seus filhos relacionados com a SD
(e.g. culpa; raiva. Etc.).
4.5.2.7 Inclusivas
As DPR são inclusivas na medida em que levam em conta e valorizam a presença
e participação ativa e regular de ambos os pais na vida dos filhos e na realização concreta
das responsabilidades parentais.
246
Assim as decisões que são tomadas com o propósito de manter ambos os pais
envolvidos nos cuidados parentais visam a participação de ambos os pais nas várias
dimensões da vida da criança, “Ser participativo. Ah! … e nos cuidados de saúde, no dia-
a-dia, presente na escola, presente nas atividades extracurriculares ou nas atividades de
fim-de-semana … é assim que eu vejo.” (E25-P). De notar, que a participação dos pais
nas múltiplas vertentes práticas das responsabilidades parentais deve ir além do plano
abstrato e materializar-se numa relação consciente e efetiva da parentalidade, “(…) tem
que ser uma relação de poder paternal, não se pode perder o laço tanto da mãe como do
pai, portanto, tem que haver, mesmo que seja um que tenha mais tempo que o outro, tem
que haver um ponto de equilíbrio e, nós fora do acordo encontrar situações que
mantenham o contacto. (E16-M)
4.5.2.8 Informadas
As DPR caracterizam-se por serem adotadas de forma esclarecida. Pressupõe-se
o acesso à informação referente aos assuntos a decidir.
Os participantes neste estudo, referiram que um processo de decisão deve ser
acompanhado pela possibilidade de os pais poderem recolher as informações necessárias
à escolha fundamentada das suas opções, “Por outro lado, que seja informado, isto é, que
seja qualitativamente assegurada a justificação das decisões que são tomadas, porque é
que são tomadas, nos termos em que são tomadas, e o que é que se vai alcançar por via
disso… e pronto. (E09-P2). A incumbência de prestar informação (e.g. jurídica) objetiva
e segura recai sobre os diversos especialistas no assunto que os pais entendam consultar,
mas, também, impende sobre o mediador familiar, nomeadamente quanto ao quadro legal
da mediação familiar e sobre as balizas legais que enquadram a validade de qualquer
247
acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, “Sim, sim… ali foi tudo
explicado, tudo dito! Havia coisas que eu não estava dentro do assunto e fiquei dentro
do assunto, esclarecido… e, inclusive, já houve colegas meus que passaram pelo divórcio
e dei o conselho da mediação.” (E28-P9). Por outro lado, também é desejável que os pais
se comprometam na obtenção de dados questionando e pondo dúvidas nas sessões de
mediação familiar, “Sim. A forma de lidar com as incertezas era ir questionando. (E27-
M8).
As decisões informadas contribuem para a solidez das decisões relativas às
responsabilidades parentais constituindo, assim, uma característica das DPR
4.5.2.9 Refletidas
As decisões refletidas caracterizam-se por decorrerem do desenvolvimento de um
processo de maturação racional consciente, no qual, diversas opções são equacionadas,
ponderadas e avaliadas.
Assim, a possibilidade de refletir sobre as diversas questões que se colocam
aquando da regulação das responsabilidades parentais é uma característica básica das
DPR. Deste modo, as decisões refletidas são conscientes, “Consciente. Ah... segura,
sabendo perfeitamente porquê que eu estou ali, o quê que eu vou assinar, sabendo
exatamente o que eu estou a dizer.” (E07-P2); são decisões ponderadas, “É ponderada e
tomada com a convicção de que é o melhor para elas (…)” (E12-M4); é ampliado o
campo de observação, “(…) foram equacionadas várias possibilidades de solução, (…)
nós tínhamos uma parte já resolvida, mas, depois houve partes em que nós não fazíamos
a mínima ideia como é que iriamos resolver. (E27-M8); são pesadas as respetivas
consequências, “Perceber quais as implicações na saúde, na segurança e no
desenvolvimento das crianças. Saber que implicações têm no bem-estar e no
248
desenvolvimento e na autonomia das crianças, no crescimento e na maturidade das
crianças. (E24-P7); e avaliadas de acordo com a realidade familiar em presença, “É,
dentro da realidade dos pais, portanto, e do divórcio e da situação… da realidade que
vai acontecer e que está a acontecer… os pais avaliarem, nessa realidade, qual é a
melhor opção para as filhas. (E17-P2)”. De observar, que as DPR são, então, melhor
processadas no âmbito de um contexto reflexivo em que, “No nosso caso … muito
claramente, nós reformulámos, pensámos, discutimos e decidimos.” (E24-P7).
Importa recordar que aquando da rotura conjugal são desencadeados na família
diversos eventos que, por sua vez, determinam a tomada de distintos tipos de deliberações
práticas. Enquanto, algumas dessas decisões precisam de ser tomadas de forma rápida
para acautelar aspetos prementes, outras decisões – apesar de serem igualmente
importantes - podem ser tomadas de forma ponderada, porque não carecem de uma ação
imediata.
A criação de novos esquemas de reorganização das relações entre os pais e dos
pais relativamente aos filhos, o planeamento do dia-a-dia e a redefinição jurídica da
estrutura e do funcionamento familiar exigem um certo tempo de maturação,
nomeadamente, para que os pais possam interiorizar os desafios da mudança que a SD
impõe à família e poderem refletir, avaliar e comprometerem-se mutuamente com as
soluções possíveis. Seguramente que o processo de tomada de decisão entre os pais não
se pode descrever, unicamente, com base nos modelos de decisão racionais e objetivos
em que se dispõe de tempo para pensar nas várias opções, no entanto, importa salientar
que a maioria das matérias fundamentais relativos ao exercício das responsabilidades
parentais (e.g. residência, regime de convivência, partilha das responsabilidades
económicas, etc.) não se coadunam com decisões tomadas de forma apressada e imediata,
pelo contrário, são assuntos que exigem tempo para serem compreendidos, assimilados,
249
analisadas, avaliadas e decididos com vista à obtenção de soluções harmoniosas e
preventivas de conflitos futuros entre os pais.
4.5.3 Obstáculos às decisões responsáveis
Nesta categoria identificam-se comportamentos, sentimentos e experiências que
embaraçam o processamento de DPR, no contexto de mediação familiar.
Tabela 9
Obstáculos à composição de DPR
Obstáculos (Decisões Responsáveis)
Nº de
Participantes
Nº de
referências
Debate insuficiente 7 10
Desconfiança relativa ao cumprimento do acordo 14 22
Desconforto com as decisões assumidas 5 6
Informação Insuficiente 4 6
Total 17 44
A tabela 9 representa as subcategorias procedentes da análise da categoria
principal relativa aos obstáculos que se prendem com o processamento de DPR. A
subcategoria “Debate insuficiente” apresenta 10 referências e foi referida por 7
participantes; a subcategoria “Desconfiança relativa ao cumprimento do acordo”, foi
mencionada 22 vezes por 17 participantes; a subcategoria “Desconforto com a mediação
familiar”, compreende 6 referências, indicadas por 5 participantes e a subcategoria
“Informação Insuficiente” apresenta 6 referências relativas a 4 participantes. Deste modo,
17 dos participantes do total da amostra identificaram obstáculos suscetíveis de contender
com uma ajustada elaboração de DPR.
250
4.5.3.1 Debate insuficiente
A análise desta categoria permite constatar que a ligeireza com que são abordados
os problemas e assuntos em presença, assim como, o estreitamento das opções
consideradas condiciona a qualidade da decisão tomada pelos pais. Assim, a insuficiência
de debate implica que, “Foram equacionadas várias possibilidades de solução, mas não
todas… ou pelo menos aquelas que eu penso que são mais importantes…” (E09-P2);
criando a sensação de que o acordo alcançado não é o resultado da laboração dos pais ,
mas sim o produto estandardizado “(…) mas não foi… não foram decisões trabalhadas
por ambos até chegar ali, não…aquilo acabou por ser um bocadinho uma minuta… não
diria minuta, mas acaba por ser quase um documento bastante standard… em que depois
fomos alterando pouquinhas coisas para estarmos de acordo, e assinarmos, e… e pronto,
e ficar a situação, na altura, resolvida, coisa que não se verificou depois… (E17-M5).
Deste modo, importa sublinhar a importância de os mediadores familiares não
saltarem etapas do processo de mediação familiar e de terem o cuidado de criar um espaço
amplo e clarificador de debate, no qual, ambos os pais se envolvam de forma a gerar um
leque de opções tão vasto quanto possível que lhes permita tomar decisões responsáveis
e fundamentadas.
4.5.3.2 Desconfiança relativa ao cumprimento do acordo
A desconfiança quanto ao cumprimento condiciona o processo de tomada de
decisão, nomeadamente minando e fechando a discussão e o âmbito do acordo em torno
das dúvidas existentes sobre o seu cumprimento. Tais dúvidas, podem, de facto, justificar-
251
se, “Eu sabia, á partida que não ia ser cumprido o acordo, não tinha dúvidas que não ia
ser cumprido, mas, precisava de ter o acordo.” (E15-M); ou, pelo contrário, revelarem-
se injustificadas “Sim, tive receio…, mas, acabou por se cumprir na generalidade.” (E21-
P5). Em outras situações, apesar de se confirmar a desconfiança relativa ao
incumprimento de decisões acordadas, o processo de mediação familiar foi considerado
como sensivelmente positivo para dissipar algumas das incertezas existentes, “Incerteza
não acontecia, porque eu tinha a certeza que não ia funcionar. (…). Porque, ao fim ao
cabo, havia coisas que iam-se manter na mesma, foi tempo perdido? Não foi, porque na
realidade há coisas que melhoraram, não tenho dúvida, mas não se resolveu tudo. Eu
diria talvez 50% dos problemas foram resolvidos. (E22-P).
Assim, verifica-se que quando existe desconfiança sobre a firmeza da execução
do acordo pelo outro pai/mãe, tal facto, pode levar os pais a tomarem decisões com
reserva mental em função da sua previsão de incumprimento pelo outro. Mas, também se
confirma que a metodologia da mediação familiar contribui para ajudar os pais a enfrentar
a incerteza e investir na confiança.
4.5.3.3 Desconforto com as decisões assumidas
Esta categoria compreende a sensação de insatisfação com as decisões assumidas,
quer durante a tomada de decisão, quer posteriormente aquando da execução do acordo.
Inclui sentimentos de arrependimento, “O facto de não haver a consciência, estaria eu
no meu perfeito juízo eu nunca teria feito o acordo que fiz, jamais! (E18-M); frustração,
“Frustrada… “(E17-M5); e ambiguidade, “Sinto-me confortável, se bem que as… como
estava a dizer, as decisões que foram assumidas e que estão plasmadas no acordo não
correspondem àquilo que são as nossas vivências no dia-a-dia… eu sabia que estava a
252
pôr situações no acordo, que depois não seriam as vividas, não é… não iam acontecer.
(…)” E23-M7.
Assim, é crucial que os mediadores familiares estejam atentos aos sinais de
incómodo, ambiguidade ou arrependimento dos pais face às decisões que vão sendo
tomadas, nomeadamente, criando espaço para que se possa reavaliar as decisões tomadas
e questionar sobre como se sentem relativamente às opções que acordaram. Deste modo,
o contexto da mediação familiar permite ajudar as pessoas a decidir de forma consciente
e responsável, mesmo que a decisão possível, no caso concreto, seja a de desistir da
mediação familiar e optar pelo Tribunal. Compete aos mediadores familiares contribuir
para promover um bom processo de decisão, não convencer as pessoas a escolher a
mediação familiar para resolver os seus diferendos.
4.5.3.4 Informação Insuficiente
Esta categoria relaciona-se com situações em que existe falta de informação ou
informação incompleta, ambígua ou errada.
A falta de informações pertinentes pode conduzir a que sejam tomadas decisões
num sentido diverso daquelas que seriam adotadas se a informação necessária fosse
conhecida, sucedendo que, “Mesmo até questões relativas a IRS, não explicarem o quê
que vai implicar nesse tipo de coisas porque acabamos depois por cometer erros em
coisas que desconhecíamos (…).” (E13-P4). Outro problema referido prende-se com a
possibilidade de haver equívocos e imprecisões quanto à prestação/compreensão da
informação fornecida pelo mediador familiar, o que, pode conduzir à tomada de decisões
incongruentes e falaciosas, “Não foi equacionada a residência alternada. Foi uma
condição, o que significa que não se pode discutir, e que, também, não foi explicada, não
253
foi dito (…), houve uma informação genérica: ‘que tem que ser assim…’ e não me parece
que tenha que ser assim… e gostava de ler sobre o assunto…” (E09-P2)
As decisões que integram os acordos necessários à formalização da SD e das
responsabilidades parentais repercutem-se em diversos domínios da vida (e.g. jurídico,
fiscal, económico, vida das crianças, etc.), por isso, a recolha da informação que se mostre
adequada à tomada de decisões esclarecidas é uma ação que os mediadores familiares
devem incentivar nos intervenientes na mediação. Por outro lado, também os mediadores
familiares devem estar atualizados e preparados para facultar, de forma imparcial,
elementos informativos essenciais e estruturantes, nomeadamente quanto ao exercício das
responsabilidades parentais na mediação. Não obstante, importa rememorar que os
mediadores familiares não são conselheiros, nem especialistas em todos os assuntos que
são chamados à discussão nas sessões de mediação familiar. Em primeiro lugar, os
mediadores familiares não podem, naturalmente, dominar todas as áreas de
conhecimento, em segundo lugar, a questão mais importante é a de conseguirem
identificar as falhas de informações e a necessidade de novos dados para que possam
direcionar os pais/ex-casal no sentido de buscarem o esclarecimentos, nomeadamente,
junto de especialistas ou de instituições (e.g. Serviço de Finanças; Segurança Social,
advogados, psicólogos, etc. ), para que, assim possam ficar aptos para tomarem decisões
fundamentadas.
4.5.4 Potencialidades da mediação familiar para a composição de decisões
responsáveis
A categoria Potencialidades da mediação familiar para a composição de decisões
responsáveis consiste em averiguar em que aspetos é que o processo de mediação familiar
contribui para consubstanciar as propriedades das DPR.
254
Tabela 10
Características da mediação familiar que contribuem para o processamento de DPR
Potencialidades da mediação familiar
para a composição de decisões
responsáveis
Nº de
Participantes
Nº de
referências
Estimular a cooperação 6 10
Prevenir a conflitualidade 12 27
Promover decisões gratificantes 8 13
Total 19 50
Os resultados expostos na tabela 10, permitem verificar que os participantes no
presente estudo consideraram três domínios específicos através dos quais a mediação
familiar facilita a tomada de decisões qualificadas como DPR, tais como: a subcategoria
relativa à promoção de “decisões gratificantes”, com 13 referências respeitantes a 8
participantes; a subcategoria referente a “estimular a cooperação ”, com 10 referências,
nomeadas por 6 participantes e a subcategoria “prevenir a conflitualidade”, referida 27
vezes por 12 dos participantes. No total, a categoria “Potencialidades da mediação
familiar para a composição de decisões responsáveis” apresenta 50 referências relativas
a 20 participantes.
4.5.4.1 O estimulo à cooperação
255
A mediação familiar na medida em que promove um contexto colaborativo,
humano, empático e orientado para o diálogo contribui para a tomada de decisões
parentais construtivas e responsáveis.
De notar, que comparativamente com outras abordagens (e.g. negociação com
advogados) o processo de mediação familiar é percecionado pelos participantes neste
estudo como sendo mais apropriado à tomada de decisão relativamente às
responsabilidades parentais, designadamente por ser mais humano, intimo e pessoal,
“(…) no fundo, o que foi feito na mediação, com o advogado estavam lá a… não estavam
era postas de uma maneira tão humana… portanto, com as mediadoras foi uma coisa
mais pessoal… mais íntima, portanto isso talvez tenha sido fundamental.” (E23-M7).
Salienta-se, também, o impacto da escuta e da empatia como alicerces do diálogo e do
entendimento, claramente, indispensáveis à tomada de qualquer decisão conjunta.
“Talvez. Portanto, no lado emocional há uma abordagem pessoal muito mais forte, em
termos emocionais, na mediação. Ouvir a outra pessoa, ouvir os argumentos da outra
pessoa…embora possa haver alguma agressividade, não é naquela base formal do
tribunal. Consegue-se falar, conversar, algo que não se faz em tribunal.” (E11-P).
Importa, ainda, referir que os efeitos positivos da experiência da cooperação entre os pais
se refletem, positivamente, para além da mediação familiar, em outras decisões futuras,
“(…) hoje em dia ela diz-me, por exemplo, ainda ontem. ‘Ah, eu amanhã saio às 23h da
noite, podes ficar com a R? Não é o meu dia. ‘Podes ficar com a R’? - Por acaso não
posso, tinha um compromisso. Mas pronto, chegámos a este ponto. E sem a mediação
era impossível…” (E23-P).
4.5.4.2 A prevenção da conflitualidade
256
A mediação familiar é comummente encarada como sendo preventiva da
conflitualidade, na medida em que favorece a tomada de decisões por acordo de ambos
os pais antes que as suas posições se extremem e o conflito evolua em espiral. A
estabilização da turbulência emocional que está na raiz do conflito é, claramente, aliada
da tomada de DPR.
Assim, a mediação familiar é potencialmente preventiva da evolução perniciosa
do conflito, “(…) acho, que é importante a mediação, e acho que é tentar que as coisas
fiquem sólidas nessa altura, prevenir a conflitualidade.” (E15-M); desde logo, porque o
contexto da mediação familiar torna possível uma libertação controlada das emoções
fortes que, frequentemente, invadem o ex-casal/pais, o que contribui nitidamente para a
racionalização do conflito e para a mudança de uma sua postura inicial de oposição para
uma postura de composição conjunta dos interesses em jogo, “Portanto acho que esvazia
um pouco aquela tensão e a necessidade de ‘lutar por’, de cada novo dia se ter que
ganhar isto ou perder aquilo… isto como disse desaparece depois do acordo, é um alívio
muito grande desse ponto de vista.” (E09-P2). De salientar, as potenciais desvantagens
de os pais não terem conseguido decidir por consenso em mediação familiar e o processo
ter prosseguido em tribunal “(…) se tivéssemos feito ali [na mediação] o acordo teria
sido muito importante e tínhamos sido os dois a tomar as decisões e talvez até pudéssemos
ter um relacionamento mais fácil do que temos atualmente. (…).”. (E16-M).
A mediação familiar oferece, pois, um contexto de decisão que potencia
claramente a tomada de decisões cientes, responsáveis e promotoras de maior realização
e satisfação quer ao nível da parentalidade, quer no plano da coparentalidade, durante e
após a SD.
4.5.4.3 Promoção de decisões refletidas
257
O processo de MF contribui para a tomada de DPR, na medida em que, os
consensos vão sendo alcançados num quadro aberto de ponderação e de aprofundamento
sobre os vários assuntos a decidir e as respetivas implicações.
Desta forma, através da mediação familiar ajudam-se os pais a evitar assumir
decisões precipitadas, “Ah! Teria sido diferente, completamente. Provavelmente muito
mais agressividade, muito mais precipitação, muito mais atos impensados, e com
implicações para a criança.” (E24-P7); ao mesmo tempo, que é promovida a reflexão e
a fundamentação das opções elegidas “(…) havia uma proposta inicial muito básica,
quase de rascunho… e que isso era muito limitado relativamente ao acordo final,
portanto, houve muito mais decisões a serem tomadas, houve aquela necessidade de
ponderar muito bem cada decisão, e foi mesmo diferente… não há dúvida sobre isso.”
(E09-P3); sendo, pois, consideradas as implicações de cada escolha possível, quer para
os pais, quer para o bem-estar da criança, “Eu acho que …. Ah … consciência da
implicação das coisas, ia ser inferior, iríamos cometer alguns erros ao regular o
exercício do poder paternal e, erros jurídicos e também erros que teriam consequências
para a vida das pessoas envolvidas, das crianças e das nossas vidas… “(E24-P7).
Assim, os resultados atrás apresentados corroboram que, considerando o tempo
disponível para a tomada de decisão, a relevância e a complexidade dos assuntos a tratar,
as circunstâncias contextuais, subjetivas e emocionais, assim como, as exigências práticas
e legais, o processo de tomada de decisão dos pais quanto à regulação do exercício das
responsabilidades parentais é nitidamente melhor enquadrado através da mediação
familiar comparativamente a outras modalidades (e.g. tribunais, advogados,
conservatórias do Registo Civil), na medida em que, o processo de mediação familiar
integra ambos os sistemas básicos de pensamento relativos à tomada de decisão: o
258
processamento experiencial e intuitivo e o processamento analítico racional (Epstein, et
al.,1996). A conjugação destes dois sistemas de pensamento é crucial para a tomada de
decisões familiares, as quais, requerem uma visão holística, mas também analítica,
intencional e reflexiva, em que se impõe a mudança rápida, mas também ocorre
resistência à mesma. De facto, a experiência do controlo do pensamento, não raras vezes,
capturado pelas emoções é fundamental para desenvolver de forma ativa e flexível a
adaptação dos pais e das crianças à nova estrutura familiar emergente da SD. Por isso, a
mediação familiar diferencia-se e justifica-se, nomeadamente por proporcionar um
espaço de auto-organização familiar através do qual se visa preservar a relação de
coparentalidade e a proteção do superior interesse da criança relativamente aos riscos
associados ao conflito, no contexto da SD.
4.5.5 Domínios de influência implicados no processo de tomada de decisão dos pais,
relativamente à regulação das responsabilidades parentais, na fase de SD
As mudanças produzidas perante o acontecimento da SD, ditam a necessidade de
realizar alterações nas regras básicas de funcionamento, organização e estrutura do
sistema familiar. Diversos autores têm desenvolvido as suas teorias e desenhado as suas
intervenções terapêuticas, no campo da família, com base na teoria dos sistemas (e.g.
Ausloos, 2003; Bateson, Jackson, Haley e Weakland, 1963; Minuchin, 1985; Watzlawick,
et al., 1993). Também, no âmbito da mediação familiar, o cerne da teoria sistémica
comporta um conjunto de princípios com inegável interesse e com clara implicação para
o seu enquadramento conceptual e instrumental. Assim, atendendo à especificidade da
abordagem através da mediação familiar, quando o sistema familiar se encontra em
mutação para a SD importa focar os princípios básicos dos sistemas vivos (Minuchin
(1985), tais como: 1) cada sistema organiza-se como uma totalidade sendo, por isso, os
259
elementos dentro do sistema são necessariamente interdependentes; 2) os padrões do
sistema são circulares e não lineares; 3) os sistemas têm propriedades homeostáticas que
tentam manter a estabilidade dos seus padrões. 4) os sistemas abertos evoluem e mudam;
5) os sistemas são compostos por subsistemas; 6) os subsistemas dentro de um sistema
amplo estão separados por fronteiras e as interações entre essas fronteiras são governadas
por regras implícitas e padrões.
O presente estudo, permitiu identificar cinco domínios de influência no processo
de decisão dos pais, no âmbito do processo de mediação familiar, especificamente: 1)
Comunicação entre os pais; 2) Contexto da mediação familiar; 3) Emotividade; 4)
Promoção de mudanças através da mediação familiar; 5) Relação entre os pais.
Tabela 11
Domínios de influência no processo de decisão dos pais, no âmbito da regulação das
responsabilidades parentais
Categoria principal:
Domínios de influência na tomada de decisão dos
pais
Nº de
Participantes
Nº de
referências
Comunicação 29 154
Contexto da mediação familiar 29 419
Emotividade 29 209
Promoção de mudanças 28 187
Relação interpessoal 29 103
Total 29 1050
260
Com base na análise da categoria primordial Domínios de influência na tomada
de decisão dos pais obtiveram-se as 5 categorias de análise apresentadas na tabela 12:
comunicação, contexto da mediação familiar, Emotividade, Promoção de Mudanças e
Relação interpessoal.
4.5.5.1 Comunicação
A comunicação humana compreende toda a relação interacional realizada através
de mensagens verbais, para-verbais e não verbais independentemente de as mensagens
serem intencionais ou não (e.g. Alarcão, 2006; Watzlawick, et al., 1993). Por sua vez,
comunicação funcional é aquela que tem a capacidade de aproximar e de pôr em relação
os intervenientes na comunicação; enquanto, a comunicação disfuncional define-se pela
potencialidade para gerar obstáculos à compreensão e animosidade (e.g. Alarcão, 2006;
Watzlawick, et al., 1993).
Ao estudar os efeitos pragmáticos da comunicação humana o foco de atenção é a
relação que medeia a interação entre os interlocutores num determinado contexto.
(Watzlawick, et al., 1993). Assim a forma como os pais comunicam entre si e com os
filhos evidencia em geral padrões comunicacionais e comportamentos geralmente
anteriores à SD e que tendem a perpetuar-se comunicação entre os pais é o cerne
Perante a SD, o sistema da família move-se da disrupção de padrões, através da
exploração de alternativas na busca de novos padrões mais apropriados à mudança e às
circunstâncias com que se defrontam. Se, por um lado, a forma como os membros da
família comunicam entre si reflete esta realidade, há que contar, por outro lado, com as
exigências homeostáticas que forçam a manutenção de determinados padrões de
261
comportamento, não raras vezes, anteriores à SD. Em consequência, as características da
comunicação entre os pais fornecem diversos indicadores e elementos cruciais para o
planeamento da mediação familiar e das estratégias a implementar, de forma a promover
deliberações parentais responsáveis.
Tabela 12
Características da comunicação entre os pais na transição para a SD
Comunicação
Nº de
Participantes
Nº de
referências
Comunicação disfuncional 12 43
Comunicação funcional 14 41
Confusão com os conceitos jurídicos 4 14
Mudanças positivas na comunicação
Abrir canais de comunicação
Expandir o campo de reflexão
19
56
15 32
11 24
Total 29 154
De acordo com a tabela 12, observa-se que a categoria relativa à comunicação dos
pais, durante o processo de decisão no contexto de mediação familiar, integra o total de
154 referências relativas aos 29 participantes no estudo. Por sua vez, esta categoria agrega
as seguintes 5 subcategorias: comunicação disfuncional, com 43 referências indicadas
por 12 participantes; comunicação funcional, com 41 referências mencionadas por 14
participantes; confusão com os conceitos jurídicos, com 14 referências relativas a 4
participantes e mudanças positivas na comunicação com 56 referências indicadas por 19
participantes, dos quais, 15 indicaram 32 vezes a abertura de canais de comunicação e
262
11 deles referiram 24 vezes a reflexão conjunta como sendo promotoras de mudanças
positivas no funcionamento da comunicação.
4.5.5.1.1 Comunicação disfuncional
O desenvolvimento de padrões disfuncionais de comunicação leva, em última
instância, à captura da capacidade de cooperação entre os pais, revelando-se, através de
trocas comunicacionais agitadas, confusas e contaminadas por comportamentos de
rejeição, desqualificação, desconfirmação ou por interações patológicas como a escalada
simétrica e a complementaridade rígida (Watzlawick, et al., 1993).
Assim, as formas de comunicação disfuncional, podem refletir comportamentos
marcadas por uma lógica de escalada simétrica que alteia o conflito a intermináveis
combates, os quais, obviamente comprometem as exigências de cooperação que
impendem sobre as figuras parentais, “Eu acho que não é bem cooperação é mais ao
contrário, acho que houve o preparar de armas para conseguir chegar à batalha.” (E07-
P2). Outras manifestações de padrões disfuncionais de comunicação verificam-se nos
comportamentos que visam desqualificar o interlocutor, “(…) deitou cá para fora coisas
que não podia deitar ao telefone comigo, porque, às vezes, cortava-lhe o telefone, pronto!
(…)” (E16-M); ou em formas ainda mais disfuncionais de comunicação como a
desconfirmação do eu do outro, negando o seu valor intrínseco, “(…) diz que é muito
compreensiva, mas na prática as coisas têm que ser feitas à maneira dela e, isso traduz-
se na ideia: ‘gostas deste quadro aqui? Não. Não faz mal tu habituas-te’ - percebe? E
não é uma coisa muito simpática.” (E01-P).
4.5.5.1.2 Comunicação funcional
263
Como sabemos a comunicação funcional caracteriza-se por uma atitude de
abertura, interesse e curiosidade em conhecer, compreender e refletir sobre os pontos de
vista e experiências de cada um dos pais envolvidos no processo de decisão sobre a
organização e a regulação das responsabilidades parentais relativamente aos filhos.
Quando os pais comunicam mostrando interesse em partilhar as suas ideias e
impressões sobre a situação que os ocupa, “Nós ao falarmos sobre os nossos assuntos e
a forma como nós gostamos das coisas, temos acesso à forma como o outro pensa.
Portanto, o outro expõe a sua forma de pensar.” (E27-M8); então, a comunicação alcança
a seu objetivo primordial ligando as pessoas através da compreensão, da cooperação e da
inclusão das diferentes perspetivas e modos de ser, “(…). A minha intenção ou o que eu
tive que aceitar... tive que retroceder nos meus domínios para ele ter…, mas quer dizer:
acho que sim, assim é que deve ser, ele também tem direitos.” (E29-M9).
Por outro lado, a forma funcional ou disfuncional como o ex-casal/pais
comunicam durante as sessões de mediação familiar parece refletir os padrões de
comunicação estabelecidos antes da SD, “Ah! Foi útil, porque nós tínhamos aqui uma
coisa boa, é que nos dávamos bem, não fomos para lá assim em guerra, quando há isso…
acho que é difícil depois a mediação toda.” (E13-P4).
Assim, os resultados comprovam que o nível de
funcionalidade/disfuncionalidade da comunicação entre os pais, no contexto de tomada
de decisão relativamente à regulação das responsabilidades condiciona a evolução e o
resultado da mediação familiar.
264
Figura 29. Comparação entre as categorias “comunicação funcional” e “comunicação
disfuncional” e o resultado da mediação familiar (com acordo ou sem acordo).
Os resultados expostos na figura 29 evidenciam uma associação entre os processos
de mediação que terminaram sem acordo e a não identificação de comunicação funcional,
enquanto a comunicação disfuncional foi reconhecida por 7 participantes. Inversamente,
nos casos em que a mediação familiar terminou com acordo, a comunicação funcional é
prevalente ao ser referida por 14 participantes e a comunicação disfuncional é menos
prevalente apesar de 5 cinco participantes terem mencionado essa categoria.
De sublinhar que a comunicação disfuncional é claramente condicionante, mas
não é decisiva para que a mediação familiar termine sem acordo, pois em alguns casos
foi possível alcançar acordo apesar de a comunicação se mostrar disfuncional (5
processos).
Deste modo, os resultados comprovam que quanto mais disfuncional é a
comunicação menores são as possibilidades de a Mediação terminar com acordo e quanto
mais funcional é a comunicação maiores são as probabilidades de a concluir com acordo.
5
7
14
0
Mediação = Acordo
Mediação = SemAcordo
Comunicação funcional
Comunicaçãodisfuncional
265
Em consequência, importa analisar que mudanças ocorrem ao nível da
comunicação disfuncional que promovem a codecisão entre os pais, no âmbito da
mediação familiar.
4.5.5.2 Mudanças positivas na comunicação
A categoria Mudanças positivas na comunicação compreende alterações, ainda
que subtis, na maneira como os ex-casal/pais comunicam, as quais se refletem, quer nas
diferenças positivas ao nível da capacidade de compreensão das respetivas situações,
posições ou sentimentos, quer numa maior abertura e funcionalização dos canais e formas
de comunicação.
A subcategoria abertura de canais de comunicação, compreende os aspetos em
que a comunicação tende a evoluir de um patamar menos funcional para um nível mais
funcional. Tal transição materializa-se, entre múltiplos aspetos, em função da promoção
da escuta ativa, da remoção de equívocos, interpretações erróneas ou através da
descoberta de novos espaços de entendimento dos quais os pais não estavam cientes antes
de terem iniciado o processo de mediação familiar.
Os resultados decorrentes da análise desta subcategoria sugerem que o processo
de tomada de decisão, no contexto da mediação familiar, promove mudanças positivas ao
nível da comunicação que se revelam na abertura ao diálogo, “Pouco… pode parecer-lhe
estranho, mas só para o simples facto de ir ao médico não havia comunicação, antes…
agora, felizmente, já há.” (E11-P). Tal comunicação aberta é desenvolvida mediante
intervenções concretas, nomeadamente pela desobstrução dos canais de comunicação de
forma a que a conversação possa decorrer de forma clara e realista “Sem dúvida nenhuma,
talvez o podermos conversar, não é, podermos, hum… pronto. A pessoa diz A e ter a
266
certeza que a outra ouve A e não B. (E22-P). Mas, também a exploração de assuntos e
situações aparentemente inusitadas podem abrir novos trilhos condizentes com formas
mais funcionais de comunicação entre os pais, “Bem, acho que ajudou muito falarmos de
… por incrível que pareça, de coisas, que no tempo, parecia que não tinham
rigorosamente nada a ver. (E10-M).
Por sua vez, a subcategoria expandir o plano de reflexão inclui situações em que
ocorre uma ampliação do campo de observação inicial, nomeadamente, através da
promoção da curiosidade para deixar o olhar deter-se no mundo do outro e ter um lampejo
de como ele é, da sua idiossincrasia e complexidade, “Ajudou-me a tentar ver, ajudou-me
nalgumas situações a ver também o outro lado. Porque é a tal coisa, é muito fácil nós
fecharmo-nos nas nossas ideias, nas nossas emoções, nos nossos sentimentos, nas nossas
mágoas, e esquecermos a outra parte… a outra parte faz parte, tem direito a fazer parte
tem de fazer parte (…).” (E14-M). Por outro lado, a mediação familiar, tem como
principio básico a dinamização de um contexto de compreensão ampla e abrangente de
forma a que os pais possam tomar decisões fundamentadas, “(…) a mediação também
ajudou a estruturar ideias, a ouvir o outro, em vez de ser por mensagens ou, assim com
um tom mais alto.” (E25-P).
Assim, as alterações positivas na forma como os pais comunicam, no âmbito do
processo de mediação familiar sugerem uma tendência para o aumento da probabilidade
de a mediação familiar vir a terminar com acordo.
267
Figura 30. Mudanças positivas na comunicação relativamente aos casos em que a
mediação familiar terminou com acordo ou sem acordo.
De acordo com a figura 30 a capacidade de os pais incorporarem mudanças na
forma como comunicam através da integração de hábitos de pensamento e de interação
adaptativos e funcionais reflete uma maior probabilidade de estes pais virem a terminar a
mediação familiar com acordo. De notar, que a maioria - 71% dos participantes que
conseguiram desenvolver mudanças positivas na comunicação conseguiram terminar o
processo de mediação familiar com acordo-, enquanto 29% não chegaram a acordo.
Assim, estes resultados demonstram que a integração de mudanças positivas ao nível
comunicação disfuncional se encontra relacionada com uma maior possibilidade de a
mediação familiar terminar com acordo, em consequência de uma maior abertura do
sistema parental para assimilar a informação e (re) elaborar novos significados e
programar o futuro.
Verifica-se assim uma associação positiva entre comunicação funcional e
probabilidade de acordo e uma associação negativa entre comunicação disfuncional e
menores possibilidades de acordo. Esta constatação permite comprovar o impacto do
17; 71%
7; 29%
Mediação = Acordo
Mediação = Sem Acordo
268
processo de mediação familiar, se o mesmo for operacionalizado com o uso de estratégias
que incidam ao nível ao de padrões comunicacionais disfuncionais de modo desenvolver
a construção de acordos preventivos da conflitualidade após a SD.
4.5.5.3 Contexto da mediação familiar
A noção de contexto de mediação familiar compreende o conjunto formado pelos
intervenientes (e.g. pais, crianças, advogados, etc.), pelo mediador e pelo meio envolvente
onde as sessões decorrem, de modo a que num período de tempo determinado o processo
de mediação evolua no sentido de serem alcançados os objetivos delineados.
De salientar, a pertinência em incluir a noção de processo no perímetro da
definição de contexto de mediação familiar, de tal forma que, é por essa via dinâmica que
os mediados (co)evoluem e acomodam a (re)organização da coparentalidade, da
parentalidade e das suas múltiplas vertentes de vida em transição para a SD. Tal é a rota
processual de elaboração de um acordo autocomposto, mas observante do sistema jurídico
em referência, nomeadamente quanto às leis sobre as crianças.
Na sequência da análise do conteúdo das entrevistas objeto deste trabalho, iremos
seguidamente atentar nos resultados constantes da seguinte tabela.
Tabela 13
Categoria Contexto da mediação familiar e respetivas subcategorias
Contexto da mediação familiar Nº de
Participantes
Nº de
referências
Clima da mediação 26 51
269
Espaço da mediação 14 20
Intervenção dos advogados 5 9
Motivação para a mediação familiar 16 32
Obstáculos processuais 14 52
Perceções sobre o contexto
processual
28 165
Postura do mediador 21 89
Total 29 419
De acordo com os elementos apresentados na Tabela da categoria Contexto da
mediação familiar emergiram 7 subcategorias32, tais como: Clima da mediação, com 51
referências mencionadas por 26 participantes; Espaço da mediação, com 20 citações,
referidas por 14 participantes; Intervenção dos advogados, com 9 referências, indicadas
por 5 participantes; Motivação para a mediação familiar, com 32 referências
mencionadas por 16 participantes; Obstáculos processuais, com 52 referências, indicadas
por 14 participantes; Perceções sobre o contexto processual, com 165 referências,
indicadas por 28 participantes e Postura do mediador, com 89 referências relativas a 21
participantes.
Assim, o processo de mediação familiar desenvolve-se num contexto específico e
determinado pela interação dos diversos elementos, condições, motivações, desafios e
perceções dos intervenientes no processo de mediação.
De destacar, que do conjunto das várias subcategorias associadas ao Contexto a
menos referida é a intervenção dos advogados, mas apesar disso reflete claramente a
32 As subcategorias filhas, por sua vez, decompõem-se em outras subcategorias.
270
forma como a intervenção dos advogados na mediação familiar é considerada pelos
participantes.
Figura 31. Impacto da participação dos advogados na mediação familiar.
Assim, os valores expressos na figura 31 demonstram a impressão negativa dos
participantes relativamente à intervenção dos advogados no contexto da mediação
familiar, pois 8 participantes consideram-na negativa (89%) e apenas 1 participante a
considera positiva (11%).
Como se constata através dos resultados atrás expostos, as categorias mais
proeminentes relativamente à sua influência no contexto da mediação familiar são o
Clima da mediação, os Obstáculos processuais, as Perceções sobre o contexto
processual e a Postura do mediador.
O Clima da mediação respeita à perceção que os participantes têm do ambiente
que envolve as sessões de mediação familiar. Encontra-se relacionado com a confiança e
o conforto emocional.
8; 89%
1; 11%
Intervençãonegativa
Intervençãopositiva
271
Figura 32. Clima da mediação familiar.
Através da figura 32 verifica-se que 21 dos participantes consideraram que o clima
em que decorreram as sessões de mediação era confortável (64%), enquanto 12 dos
participantes percecionaram desconforto nas sessões de mediação familiar (36%). A
confiança e o á vontade são essenciais para que as pessoas se possam expor e comunicar
os seus sentimentos e preocupações de forma aberta, por isso, a promoção de um ambiente
agradável é fulcral na mediação familiar, “Sim, sim, sim foi confortável, eu acho, que
estive de corpo inteiro “de alma e coração” porque emocionei-me muitas vezes.” (E10-
M). Inversamente, o clima das sessões de mediação familiar pode ser desconfortável se
as pessoas sentirem falta de privacidade e de reserva, por isso o número de intervenientes
nas sessões deve ser cuidadosamente considerado, “(…) portanto, estávamos nós os dois,
os dois advogados, e ainda mais três assistentes que vinham… eram de Angola, ou Cabo
Verde, uma coisa assim… uma ex-colónia, em que estavam ali para tentar aprender, de
alguma forma, (…) estava a senhora da mediação, nós os quatro e mais três, portanto,
aquilo era uma sala pequena e cheia de gente, não é…” (E21-P5).
O espaço físico destinado à mediação familiar deve ser apropriado,
nomeadamente em termos de dimensão e de comodidade, pois a relação entre as pessoas
21; 64%
12; 36%
Confortável
Desconfortável
272
e o espaço contribui para potenciar uma sensação de à-vontade e de confiança ou de
constrangimento e de opressão.
Figura 33. Perceções relativas ao espaço físico onde decorre a mediação familiar.
A figura 33 permite verificar que 9 participantes (60%) consideraram o espaço
físico onde se realizou a mediação como sendo agradável; 5 participantes (33%)
consideraram-nos desagradável e 1 participante considerou o espaço (7%) neutro.
O local onde decorrem as sessões de mediação familiar pode deixar nos mediados
uma impressão desagradável por ser um espaço não insonorizado “(…) confesso que o
espaço onde decorreu, houve uma altura, que se estivéssemos mais em silêncio ouvíamos
a conversa dos senhores do lado.” (E02-M); opressivo, “(…) tirando o facto de ser uma
sala sem janelas não tinha nada de grave… pronto, era um cubículo.” (E21-P5); e de
desconforto quando a temperatura da sala é demasiado alta ou baixa, “Ao princípio não,
até porque o ar condicionado não funcionava, como tática negocial é bom - estou a
brincar!” (E01-P).
Inversamente, o espaço físico onde ocorre a mediação é percecionado como sendo
agradável se proporcionar bem-estar e comodidade, “(…) com o espaço? Confortável,
9; 60%5; 33%
1; 7%
Agradável
Desagradável
Neutro
273
senti-me bem.” (E02-M); assim como, se garantir condições de confidencialidade das
sessões “Em termos do espaço físico das condições de confidencialidade que nos foram
garantidas.” (E05-P).
Deste modo, verifica-se que as condições existentes na sala de mediação,
influenciam o contexto de decisão na mediação familiar sendo, suscetíveis de influir na
disposição dos intervenientes na mediação, na medida em que, os mediados registam
sensações agradáveis ou desagradáveis consoante se sentem resguardados em termos de
confidencialidade e de bem-estar físico ou não (e.g. temperatura da sala, existência de
janelas).
A motivação para a mediação familiar é, também, um componente do contexto
da mediação familiar, de tal forma que o tom e o ritmo das sessões de mediação são
influenciados pelas razões que motivam as pessoas a recorrer à mediação familiar.
O impulso para recorrer a mediação familiar pode ocorrer voluntariamente por
iniciativa espontânea dos interessados ou por sugestão do juiz nos termos do artigo 24º,
nº 1 e nº 2, da Lei nº 141/2015, de 8 de setembro. Não obstante, a necessidade de acolher
o princípio da voluntariedade previsto no artigo 4º, da Lei nº 29/2013 de 19 de abril,
importa notar que as razões que movem os mediados numa e noutra situação são distintas.
Em primeiro lugar, no caso em que os interessados optam por sua iniciativa pela mediação
familiar é porque pensaram antecipadamente sobre o meio mais apropriado à abordagem
do seu caso; em segundo lugar, na maioria das situações a procura espontânea da
mediação familiar antecede a propositura da ação judicial e em terceiro lugar, quando já
existe um processo judicial a conflitualidade apresenta-se formalmente declarada e a
sugestão do juiz é geralmente percecionada como compulsória sendo, por isso, aceite por
274
razões de conveniência ainda que não exista qualquer predisposição das partes para aderir,
de facto, à mediação familiar.
Desta forma, o nível de voluntariedade com que os intervenientes aderem ao
processo de mediação familiar é passível de condicionar o grau de envolvimento no
processo de mediação familiar e consequentemente de a virem a concluir com ou sem
acordo.
Figura 34. Motivação voluntária para a mediação familiar e motivação voluntária
condicionada.
Conforme se verifica através da figura 34, 12 dos participantes (60%) referiram
que optaram voluntariamente pela mediação familiar enquanto 8 participantes (40%)
indicaram que a sua participação registou alguma forma de constrangimento.
A escolha voluntária e espontânea da mediação familiar para resolver o conflito
implica uma opção refletida “(…) a grande preocupação que nos levou a dirigir-nos a
um especialista desta matéria foi saber como lidar com duas crianças (…) de facto,
ajudou bastante.” (E24-P7) e positiva, “Eu acho que… lá está, o compromisso que nós
assumimos de irmos colaborar para uma mediação bem-sucedida. (…). (E20-P6). Por
sua vez, as motivações que estão na base de uma adesão voluntária condicionada
12; 60%
8; 40%Voluntária
Voluntáriacondicionada
275
resultam, em primeiro lugar, da perceção que as partes têm do juiz como entidade
soberana da qual emanam ordens não sugestões, “Achava eu que era uma perda de tempo,
se quer que lhe diga, achei que pronto, vou lá porque a juíza mandou ir.” (E14-M),
comprometendo-se assim a autenticidade da voluntariedade; “Tínhamos já, à partida um
litígio muito grande, fomos os dois um pouco obrigados porque foi uma decisão de
tribunal, logo aí houve um constrangimento (…). (E16-M). No entanto, as motivações
que interferem com a voluntariedade podem também advir de outro tipo de situações, tais
como, problemas económicos, “Eu equacionei a possibilidade de desistir, mas eu
materialmente, na altura, eu não tinha mínima possibilidade de contratar um advogado.
(E18-M).
Verifica-se, assim, que as motivações por detrás da voluntariedade apontam para
diferentes padrões de adesão à Mediação, por isso, importa esclarecer se existe relação
entre o tipo de voluntariedade e a conclusão da mediação familiar com ou sem acordo.
Figura 35. Tipos de voluntariedade (de acordo com as motivações subjacentes) e
conclusão do processo de mediação familiar (com acordo/sem, acordo).
Conforme se extrai da figura 35 nos casos de voluntariedade condicionada apenas
foi possível alcançar acordo em 4 situações tendo terminado sem acordo em 13 casos, em
12
4
4
13
Voluntária
Voluntária condicionada Conclusão da mediação = Acordo
Conclusão da mediação = SemAcordo
276
contrapartida, quando se verificou voluntariedade plena conseguiu-se obter acordo em 12
casos e apenas 4 deles terminaram sem acordo.
Desta forma, os resultados corroboram que, quanto menos condicionada é a
voluntariedade maiores são as possibilidades de acordo. Esta constatação tem
implicações, nomeadamente quanto à necessidade de triagem prévia ao processo de
mediação familiar, de forma a evitar que as situações que não se mostrarem apropriadas
não sejam abordadas através de mediação familiar.
As Perceções sobre o processo traduzem as impressões que os participantes
assinalaram, nomeadamente no que respeita à organização e estrutura do processo (e.g.
regras processuais, número de sessões, duração, etc.).
Figura 36. Perceções referentes ao desenvolvimento do processo (nº de participantes e
percentagem).
Relativamente à perceção negativa dos participantes sobre o processo de
Mediação de Familiar de destacar dois aspetos: o primeiro, respeita a uma impressão de
desagrado e de improdutividade por certos temas relevantes não terem sido abordados e
discutidos nas sessões (e.g. pensão de alimentos; visitas, diferença entre despesas médicas
10; 23%
10; 23%23; 54%
Perceçãonegativa
PerceçãoAmbígua
Perceçãopositiva
277
correntes extraordinárias, não contabilização das despesas com o vestuário), “Por
exemplo, uma particularidade, eu estava desempregada quando fiz a mediação e isso não
foi um facto sequer … não sei se seria pertinente ter sido falado ali se não, mas nem
sequer foi aflorado, digamos, portanto, eu que me lixasse, eu que havia de arranjar o
dinheiro (…)” (E17-M5); “(…)a questão das visitas… (não foi abordada)”. (E22-P); o
segundo, incide sobre falhas na veiculação de informação e na circularização da
comunicação nas sessões “(…) tive quatro sessões, nessas quatro sessões não fui senhora
de dizer absolutamente nada, nada.” (E18-M).
No que se refere à perceção positiva sobre o processo de mediação familiar foi
claramente afirmado pelos participantes o impacto positivo da organização e estrutura do
processo de mediação familiar, por este processo lhes permitir refletir, clarificar,
comparar, ampliar o leque de opções, testar as decisões antes da sua formalização
definitiva, ter tempo para amadurecer, decidir e fundamentar as decisões e para evitar o
sofrimento não só aos filhos, mas também dos pais, “Eu acho, que antes de chegarmos
aos filhos tem que haver um entendimento das nossas necessidades também, e eu acho,
que foi fundamental. (…)” (E10-M).
Assim, como anteriormente referimos, o processo de mediação familiar relativo
a responsabilidades parentais, na transição para SD, configura um quadro de trabalho
disciplinador que visa ajudar os pais a tomar decisões racionais, sensitivas, criativas e
ajustadas ao seu caso específico, através da promoção das capacidades disponíveis na
família, de tal forma que, o acordo final reflita a criação da organização da vida que o
sistema familiar, em transição para a SD, conseguiu gerar ao longo do processo de
mediação familiar, “ (…) talvez… tenha obrigado a pensar mais cuidadosamente e mais
prolongadamente cada decisão… o facto de me ter obrigado a fazer aquela disciplina de
reflexão, sobre as implicações de todas as decisões, no fundo criou uma espécie de
278
padrão de decisão e de fundamentação da decisão que se manteve e se tem mantido ao
longo do tempo. (E09-P3).
A crise da SD, o conflito e a incerteza ínsita à complexidade do sistema familiar,
encerram, simultaneamente, o tempo, as circunstâncias e a oportunidade para eclosão da
criatividade necessária ao processo de (co)elaboração de um acordo sobre o exercício das
responsabilidades parentais que reflita a atenção às necessidades de todas as pessoas
implicadas, especificamente, os pais e os filhos, “Eu acho, que antes de chegarmos aos
filhos tem que haver um entendimento das nossas necessidades também, e eu acho, que
foi fundamental. (…)” (E10-M). Acresce, que a pertinência em experimentar certas
decisões antes de as adotar de forma definitiva, “Experiências, mas não é no mau sentido
é no sentido de eu ver: - gostava que elas ficassem comigo uma semana - e, depois, pego
nelas e estão lá o fim-de-semana, e uma pessoa vê o comportamento delas e pensa: se
calhar, aquela é muito pequenina para isto. Isso é muito importante, porque mais do que
nós falarmos é nós vermos a reação (…). (E01-P).
A categoria referente a perceções ambíguas remete para relatos ambivalentes
sobre o processo de Mediação em que, concomitantemente são referidos aspetos positivos
a par com menções negativas, nomeadamente, falta de sintonia com o estilo do mediador
(e.g. mediador diretivo), dilação exagerada do processo de mediação; desagrado
relacionado com comediação em que um dos mediadores faltou a algumas sessões; os
pais esperarem na mesma sala enquanto aguardavam pela sessão).
Desta forma, verifica-se como todos os detalhes são absorvidos e integrados pelos
participantes seja em sentido negativo, ou seja, de forma positiva. De salientar, que a
entrega dos pais ao diálogo, à cooperação, à formação de decisões racionais e
fundamentadas na realidade será tanto mais proeminente quanto maior o cuidado do
279
mediador familiar com o planeamento e preparação de todos os pormenores do processo
de mediação. De facto, todos os detalhes têm a sua influência e o seu peso por mais subtis
que sejam.
Há diversos obstáculos que podem influir na dinâmica do processo de decisão dos
pais ao nível da mediação familiar, por isso, interessa identificá-los, nomeadamente para
que, sempre que possível, sejam afastados ou contornados.
Figura 37. Obstáculos processuais identificados no contexto do processo de mediação
familiar (nº de participantes e percentagens).
Os obstáculos processuais verificam-se quando a evolução eficiente do processo
de mediação familiar é perturbada em função de determinados eventos, tais como:
alteração na periodicidade das sessões (e.g. desmarcação de sessões, intervalos de tempo
excessivos entre sessões), referida por 2 participantes (8%); baixas expectativas dos
mediados (e.g. os mediados pensam que no seu caso a mediação não pode ajudar
problema), referida por 6 participantes (23%) ; inexistência de triagem, e.g. não haver
2; 8%
6; 23%
3; 11%
1; 4%
5; 19%
3; 12%
6; 23%
Alteração na periodicidade dassessões
Baixas expectativas dosmediados
Inexistência de triagem
Informações processuaisincorretas
Número insuficiente de sessões
Número excessivo deintervenientes na sessão
280
avaliação sobre a adequação do caso ao processo de mediação familiar), referida por 3
participantes (11%) ; informações processuais incorretas (e.g. equívocos quanto a
informações prestadas pelo SMF ou pelo mediador), referido por 1 participante (4%);
número excessivo de intervenientes na sessão (advogados, estagiários, etc.), referida por
3 participantes (12%); número insuficiente de sessões de mediação (e.g. pré-mediação
sem sessões individuais), referido por 3 participantes (12%) e rigidez procedimental (e.g.
abordagem standard ao estabelecer um número fixo de sessões), referida por 6
participantes (23%).
A análise categorial relativa à influência da postura do mediador no contexto da
mediação familiar, permitiu discriminar um conjunto de atributos positivos e negativos
suscetíveis de interferir no contexto da mediação familiar relativamente ao exercício das
responsabilidades parentais.
Figura 38. Atributos positivos para o contexto de mediação familiar relativos à postura
do mediador (nº de participantes e percentagens).
De acordo com os resultados apresentados através da figura 38, verifica-se que os
atributos relativos à postura do mediador que mais influem positivamente no contexto da
mediação familiar são, a assertividade mencionada por 6 participantes (33%); a
3; 16%
8; 42%
2; 10%
6; 32%Assertividade
competência
empatia
imparcialidade
281
competência, referida por 8 participantes (42%); a empatia indicada por 2 participantes
(10%) e a imparcialidade referida por 6 participantes (32%).
Não obstante, a pertinência do conjunto de atributos positivos para o processo de
decisão atrás referidos, é notória a influência positiva que os participantes neste estudo
atribuem à competência do mediador familiar, competência esta, que consiste no
conhecimento e experiência manifestada pelos mediadores familiares na condução das
sessões de mediação familiar, a qual, pressupõe, perspicácia e aplicação correta de
conhecimentos (e.g. método de trabalho consistente, flexibilidade, objetividade, domínio
de estratégias, prestação de informações fidedignas, subtileza, etc.). Deste modo, é
crucial, “O acompanhamento da mediadora, das capacidades da mediadora na
mediação, bem como, do seu treino. (E05-P). Também, a imparcialidade, assertividade e
empatia são influentes na eficiência contexto emergente da mediação familiar.
A análise do conteúdo categorial permitiu também especificar quais os atributos
do mediador familiar que mais influenciam negativamente o desenvolvimento do
processo de decisão parental.
Figura 39. Atributos negativos para o contexto de mediação familiar relativos à
postura do mediador (nº de participantes e percentagens).
3; 14%
7; 33%
5; 24%
6; 29%
Falhas de ética
Incompetência
Desiquilibrio nacondução doprocesso
Passividade
282
A figura 39 exibe atributos negativos inerentes à postura do mediador que se
mostraram associados ao contexto em que o processo de mediação familiar se desenrola,
tais como, Falhas de ética, referidas por 3 participantes (14%); Incompetência,
mencionada por 7 participantes (33%); Desequilíbrio na condução do processo, referido
por 5 participantes (24%) e Passividade a que aludiram 6 participantes (29%).
A incompetência advém essencialmente da escassez de conhecimentos de vária
ordem e de falta de treino do mediador/a familiar, “Mas, ela não estaria muito preparada,
pronto (…). Portanto, tem que se ter algum traquejo, ela não o tinha, por muito que tenha
dito que fazia aquilo há não sei quantos anos. (…) (E18-M). De notar, que a inabilidade
sobretudo quando clamorosa propaga um lastro de desconfiança com efeitos perversos
designadamente para a mediação familiar sobretudo se atendermos a que, a mesma, ainda
não está suficientemente implantada, quer em termos sociais, quer académicos e
institucionais. “Para o fim já tínhamos aquela ideia de que a pessoa (mediadora) não nos
estava a explicar tudo bem, achámos isso, sim. “(E13-P4).
Por outro lado, a falta de ética (e.g. ocultação de que se conhece uma das partes);
a passividade do mediador familiar (e.g. mediador/a sem perspicácia, iniciativa e
criatividade) e o desequilíbrio na condução do processo, consistente em prepotência;
perda de controlo da interação dos mediados e de fio condutor nas sessões, difunde
disposições e posturas do mediador familiar que contaminam o contexto de tomada de
decisão.
Como sabemos, vários autores têm salientado a importância dos efeitos do
contexto para o processo de tomada de decisão, nomeadamente em ambientes naturais,
dinâmicos e incertos (Kleespies, 2014). Relativamente à mediação familiar, alguns
283
autores têm referido a importância, nomeadamente, da formação dos rececionistas, da
preparação do espaço e da disposição do mobiliário, no sentido de se criar uma atmosfera
tranquilizadora (Parkinson, 2008).
Em síntese, com a análise dos resultados permitiu averiguar quais foram os efeitos
do contexto envolvente ao processo de tomada de decisão que os participantes
identificaram como sendo os mais impressivos, durante a mediação familiar. Assim,
destacam-se três tipos de efeitos de contexto: 1) Efeitos inerentes à impressão causada
pelas condições do espaço onde se realizam as sessões (e.g. insonorização e climatização
da sala; 2) efeitos produzidos pelo clima envolvente (e.g. confortável, acolhedor,
tranquilizador, etc.); 3) efeitos relativos à interação entre os participantes envolvidos nas
sessões (e.g. advogados, postura do mediador, mediados); 4) efeitos derivados de
contingências processuais (e.g. voluntariedade/(in)voluntariedade, obstáculos inerentes
ao processo e estrutura orgânica da mediação familiar).Deste modo, a identificação destes
fatores pode contribuir para reduzir os efeitos negativos e potencializar os que se
mostraram positivos.
4.5.5.4 Emotividade
O conflito associado à SD, comumente, irrompe ou intensifica-se a partir do
momento em que a comunicação do desejo de separação é veiculada entre os membros
do casal. Por sua vez, as emoções são parte integrante da essência do conflito (Picard &
Siltanen, 2013), cuja turbulência é passível de comprometer os dispositivos de regulação
emocional e de constranger de forma imediata e automática as operações racionais de
elaboração mais lenta.
284
A experiência emotiva33 inerente à SD é vivida de forma própria, em tempos nem
sempre coincidentes, pelo pai, pela mãe e pelas crianças, de tal forma que as emoções
implícitas à perda do outro espelham o estado dos vínculos afetivos (Emery, 2012).
Assim, o processo emocional e afetivo de SD compreende um estádio inicial de
entorpecimento, ansiedade e eventual protesto, ao qual, se segue um estádio de
desorganização e de tristeza que dará lugar a um estádio de reorganização e de
desvinculação (Emery, 2012). De facto, a SD envolve mudanças com consequências
significativas, nomeadamente em termos socioeconómicos, legais, psicológicos e
emocionais (Braver et. al., 2006), para cada um dos membros da família, para o
subsistema parental, para o subsistema coparental e para o sistema familiar, de tal maneira
que, o decaimento da regulação emocional e a irrupção de raiva, são ocorrências
frequentes em qualquer dos estádios da SD. Por seu lado, um dos objetivos gerais que é
comummente endereçado à mediação familiar é o de diminuir o nível de adversariedade
e o de aumentar a estabilidade emocional dos pais melhorando assim as suas
competências parentais (Beck, & Sales 2001; Bush & Folger, 2005; Irving & Benjamin
2005)
O papel das emoções no processo de mediação é considerado de diferentes formas
pela generalidade dos modelos de mediação familiar, por isso, importa considerar como
é que o tema das emoções associadas à SD, no contexto da mediação familiar, é
perspetivado no panorama global da mediação familiar. Em primeiro lugar, de acordo
com Picard e Siltanen (2013) a experiência de emoções positivas e negativas está
associada à aquisição de competências para entender e gerir as emoções próprias do
mediador familiar e as emoções dos mediados, de tal forma que, o processo de aprender
33 Tendo em conta que o tema da emotividade foi abordado ao longo da tese, para evitar repetições,
remetemos, especificamente, para o capitulo 3, pp 99 – 101.
285
é um processo aberto e construtivo entre mediador familiar/mediados. Em segundo lugar,
importa notar a relevância das emoções no quadro da mediação familiar Terapêutica e da
Mediação Transformativa, relevância esta, patente, quer no quadro de trabalho proposto
por cada um destes modelos, quer através da respetiva conceção do conflito, enquanto
realidade emocional suscetível de transformação em oposição à noção de resolução de
conflitos propugnada pelas teorias facilitadoras ou racionalistas de mediação familiar
(Bush & Folger, 2005; Jameson, Bodtker, Porch, Jordani, 2009).
Consequentemente, afigura-se, de crucial importância compreender a influência
da emotividade (positiva e negativa) dos pais que participaram no presente estudo 2, bem
como, a sua influência no processo de tomada de decisão relativamente às
responsabilidades parentais face aos seus filhos. Para tal, procedemos à análise e à
apresentação dos resultados emergentes da categoria Emotividade.
Tabela 14
Categoria Emotividade e as respetivas subcategorias (nº de participantes e nº de
referências)
Emotividade
Nº de
Participantes
Nº de
referências
Positiva 11 20
Negativa 18 59
Efeito mediação/emotividade 24 80
Perceção sobre as emoções
(próprio e de outrem)
24 61
Total 29 215
286
A categoria Emotividade compreende as seguintes subcategorias; Emotividade
positiva, apresenta 20 referências, foi mencionada por 11 participantes e a Emotividade
negativa, com 59 referências relativas a 18 participantes; o Efeito mediação/emotividade,
compreende 80 referências relativas a 24 participantes e a Perceção sobre as emoções
(próprio e de outrem), com 61 referências relativas a 24 participantes. A categoria
Emotividade, apresenta um total de 215 referências respeitantes a 29 participantes.
Kobau, et al., (2011) afirmam que as emoções positivas ampliam a atenção das
pessoas, assim como, as suas competências cognitivas, criativas e a curiosidade ajudando-
as a desenvolver comportamentos exploratórios e a otimizar os seus recursos e qualidades
sociais, entre outras, reduzindo os efeitos stressantes decorrentes de eventos negativos
(e.g. conflito) contribuindo para o reequilíbrio físico e mental.
Por seu lado, as emoções negativas têm uma função adaptativa a curto prazo
(Kobau, et al., 2011). De notar, no entanto, a propensão para as associar a falhas de
racionalidade, impulsividade ou desânimo (Maiese, 2006) e, por isso, adversas à tomada
de decisões importantes que impliquem reflexão, discernimento e tempo de maturação.
Por seu lado, as emoções negativas são por vezes associadas a falhas de
racionalidade, impulsividade ou desânimo (Maiese, 2006) e, por isso, consideradas hostis
para a tomada de decisões importantes que impliquem reflexão, discernimento e tempo
de maturação. No entanto, de notar que as emoções negativas desempenham uma função
adaptativa a curto prazo (Kobau, et al., 2011) e que o estilo pessoal de pensamento, mais
intuitivo e experimental ou mais analítico e racional (2010; Epstein, et al. 1992) tem
igualmente influência no processo de tomada de decisão.
287
Comummente considera-se que a emoção compreende três tipos de processos
(Jameson, et al., 2009), especificamente, um processo fisiológico que permite sentir as
emoções, um processo cognitivo que possibilita a sua compreensão e interpretação e um
processo comunicativo que proporciona a sua expressão através de pistas verbais ou não
verbais. Assim, tendo presente que as emoções são componentes do conflito, importa
analisar a subcategoria Emotividade de modo a compreender como é que os pais/ex-casal
percecionam e interpretam as suas experiências emocionais no curso do processo de
decisão relativo às responsabilidades parentais.
Figura 40. Caracterização das emoções como positivas e negativas durante a mediação
familiar (nº de participantes e percentagens).
De acordo com a figura 40, 18 participantes (72%) aludiram à presença de
emoções negativas e 7 participantes (28%) indiciaram emoções positivas.
De notar, que apesar do contexto de stress e de conflito alguns dos pais
identificaram emoções positivas (e sentimentos) durante a mediação familiar, tais como:
amizade, “Amizade sim, sim. A amizade e aquela preocupação não estou a decidir nada
que vá ter aqui uma consequência má e que eu não estou a ver qual é (…).” (E13-P4);
18; 72%
7; 28% Negativa
Positiva
288
respeito “(…) mas, certamente haveria ali algum respeito um pelo outro.” (E20-P6);
confiança e valorização do outro, “Eu acho, que eu tenho consciência apesar da minha
visão, que o P é um bom pai para os filhos e dá aquilo que pode dar (…). (E10-M).
Por seu lado, a emotividade negativa, foi amplamente demonstrada através de
expressões que retratam emoções e sentimentos com elevado potencial de conflito,
nomeadamente: a sensação de que o outro sente raiva e do ódio “ (…) ele ficou-me com
muita raiva - ter arranjado outra pessoa -, misturou isso tudo com o ódio” (E03-M1);
desconfiança e traição, “Sei lá… talvez do foro emocional, a desconfiança, foi a traição
também…(E04-P2); a raiva e o ódio pelo outro e por si mesmo E15-M – Claro (…) que
o meu ódio ou a minha raiva por ele foi sempre muito ah … partilhada com o meu ódio
ou com a minha raiva por mim própria por ter chegado àquele ponto (…) (E15-M);
vingança e ódio, “(…) eu sei que a partir do dia que eu fiz queixa dele no tribunal ele
nunca mais me vai perdoar… é um ódio de morte, até ao fim” (E06-M3); desprezo “é o
pai dos meus filhos, no meu conceito é um ser diminuído, ou seja, ele, de facto tem coisas
positivas, mas é uma pessoa completamente desajustada do mundo e eu não tenho
qualquer tipo de sentimento.” (E15-M).
Relativamente ao Efeito mediação/emotividade, pretende-se conhecer o impacto
que a que mediação familiar tem na experiência emocional dos pais/ex-casal e,
consequentemente no processo de tomada de decisão inerente à reorganização de vida
que o acordo sobre o exercício das responsabilidades reflete.
Assim, a análise da subcategoria Efeito mediação/emotividade permite constatar
dois tipos distintos de efeitos: 1) quando no contexto de mediação familiar os mediadores
familiares propiciam a ativação e o reforço de emoções negativas há um impacto real
adverso na relação entre os pais e no processo de tomada de decisão; 2) por outro lado, o
289
contexto de mediação familiar pode facilitar o ajustamento emocional à mudança. No
primeiro caso, salienta-se que, o facto de se reavivarem experiências emocionais
dolorosas, já esquecidas ou adormecidas pode ser contraproducente especialmente
quando não se vislumbra qualquer utilidade em explorar tais experiências “(…) foi mais
acordar coisas que não eram essenciais para aquela tomada de decisão. Não, como lhe
digo, foi só o reavivar (…)” (E12-M4). Do mesmo modo, recordar situações
eventualmente já perdoadas pode provocar sofrimento emocional acrescido e um maior
afastamento entre os pais “assim nas nossas sessões vieram ao de cima muitas coisas que
já estavam esquecidas e perdoadas, portanto, como eu lhe disse foi um desgaste
emocional muito grande, para mim foi. (…) acho, que a mediação familiar não nos
aproximou, antes pelo contrário.” (E16-M).
Contudo, a consciência das emoções e a possibilidade de as exprimir também tem
uma função adaptativa “(…) portanto, era ali uma dualidade… por um lado era todas
essas emoções das coisas que estavam a acabar e que eu tinha que assumir isso, mas que
também se estavam a resolver e, pronto, iam por um caminho diferente.” (E19-M6). De
facto, a ação dos mediadores familiares durante as sessões promove a contenção das
emoções, “(…) a moderação também ajuda a clarificar e a tomar decisões mais
acertadas… a tal contenção (emocional).” (E23-M7); a sua evolução consciente e
adaptativa, bem como, e melhoria da performance deliberativa “(…) sim, com o tempo
íamos tomando consciência, não era uma coisa precipitada, era uma coisa que era
mastigada, íamos tomando consciência, íamos dando nome às coisas, íamos percebendo
porque que estávamos assim com um determinado estado emocional e de que maneira é
que ia implicar determinadas decisões.” (E24-P7). O processo de mediação familiar pode
ser assim um caminho em que os mediados, gradualmente, vão tomando contacto com as
suas emoções e com as do outro, reconhecendo-as, compreendendo-as e usando essa
290
aprendizagem para conduzir o processo de tomada de decisão de forma positiva e
responsável. Aos mediadores incumbe a tarefa de manter o controlo das sessões,
promover a clarificação e desenvolver a confiança dos pais no processo de decisão para
que possam estabelecer acordos conscientes e responsáveis. “Pronto e à medida que as
reuniões foram-se desenrolando fui ganhando confiança e pronto… e acreditando que
aquilo ia dar um resultado (…) fui ganhando confiança. (E04-P2).
Figura 41. Conclusão da mediação familiar com acordo e sem acordo em função
do nº de participantes que referenciaram a existência de emotividade negativa (18
participantes).
De notar, que do conjunto de 18 participantes que aludiram à presença de
emoções negativas apenas 6 participantes (33%) terminaram o processo de mediação
familiar sem acordo, enquanto os restantes 12 participantes o concluíram o processo de
mediação familiar com acordo. Estes resultados corroboram o potencial de sucesso da
mediação familiar na gestão de conflitos familiares agravados por emotividade negativa.
12; 67%
6; 33% Acordo
SemAcordo
291
Figura 42. Conclusão da mediação familiar com acordo e sem acordo em função do nº
de participantes que referenciaram a existência de emotividade positiva (7 participantes).
Relativamente à figura 42 verifica-se que 1 participante (14%) referiu a presença
de emoções positivas apesar de ter concluído o processo de mediação familiar sem
acordo, ao invés dos restantes 6 participantes (86%) que o concluíram com acordo.
Desta forma, a comparação entre a figura 41 e a figura 42, sugere que a presença
de emoções positivas é um indicador de maior probabilidade de os pais virem a alcançar
um acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, mas, por outro lado, a
existência de emotividade negativa não inviabiliza a possibilidade de acordo, embora
aconselhe o uso de estratégias calculadas para gerir adequadamente o processo de
mediação familiar. Ademais o nível de emotividade negativa em presença, durante a
mediação, depende de vários fatores que devem ser ponderados pelos mediadores
familiares, nomeadamente, o momento em que se recorre a mediação familiar, o tempo
decorrido desde a decisão de SD, as motivações da SD.
Assim, a análise dos resultados obtidos permite extrair os seguintes pontos a ter
em conta pelos mediadores familiares:
1) Trazer ao de cima emoções adormecidas, assim como, sua comunicação e
interpretação, pode ser contraproducente, especialmente, quando em relação a tais
6; 86%
1; 14%
Acordo
Sem Acordo
292
vivências já existir distanciamento ou quando as ofensas já tiverem sido
perdoadas. Nestas situações o desencadear de memórias emocionais é sentida
pelos mediados como inútil, indesejada e desagradável;
2) É fundamental que os mediadores familiares detenham o controlo da exposição
emocional dos mediados, nomeadamente, estando atentos a pistas verbais e não
verbais indiciadoras de potenciais explosões de raiva, hostilidade ou agressividade
(e.g. assertividade e imposição de regras nas sessões, fazer intervalo; terminar a
sessão, realizar reuniões individuais);
3) A contenção emocional quando conduzida com sucesso pelos mediadores
familiares é percecionada pelos mediados como sinal de que o contexto é seguro
para exprimir, refletir e interpretar as suas emoções e sentimentos contribuindo,
desse modo, para uma evolução segura e gradual do processo de ajustamento
emocional decorrente da SD;
4) A expressão emocional deve ser controlada pelos mediadores familiares e
avaliados os riscos envolvidos de acordo com o nível de conflito;
5) A expressão emocional quando conduzida de forma adequada e quando desejada
pelos mediados tem influência positiva na qualidade das decisões tomadas, pois,
permite aumentar o campo de compreensão, reinterpretar as situações e refinar as
decisões adotadas.
A subcategoria Perceção sobre as emoções (próprio e de outrem) consiste em
saber identificar o que sente e/ou o que o outro sente, compreender como os sentimentos
vão mudando e identificar as mudanças, bem como, sentir-se mais consciente em relação
aos sentimentos pelos filhos.
293
Figura 43. Perceção dos participantes relativamente às suas próprias emoções e às
emoções sentidas outro pai/mãe.
De acordo com a figura 43, verifica-se que os participantes que referem Não
perceção emocional das suas emoções das emoções/ outro, adotaram uma postura,
durante a mediação familiar, reflexiva, racional, objetiva, “(…) não me parece que estar
a formalizar questões num contexto de forte pendor jurídico seja muito relativo ao
sentimento e às emoções, não é, acho que é um contexto muito racional… pelo menos
para apelar para as minhas emoções… (E20-P6).
Relativamente aos participantes que demonstraram ter Perceção das emoções do
outro, os resultados sugerem que a empatia foi um componente do processo de tomada
de decisão sobre as responsabilidades parentais, de tal modo que, “Acho que ela se sentiu
muito desamparada e eu também não soube apoiar, na medida em que podia ter
apoiado… se fosse hoje, deveria ter feito algumas coisas diferentes.” (E21-P5). De facto,
algumas vezes, é apenas durante as sessões de mediação familiar, que o sofrimento do
outro é verdadeiramente apreendido “(…) eu sabia que ela não estava bem, mas teve
perto do suicídio, apercebi-me, mas não muito… esteve perto de desaparecer, mas não
me tinha apercebido.” (E25-P).
Quanto à perceção das próprias emoções, de salientar o papel da mediação
3
10
17
Não perceçãoemoções
próprias/outro
Perceçãoemoções do
outro
Perceçãoemoçõespróprias
294
familiar enquanto espaço possível para a descoberta e para desenvolver o
autoconhecimento, de tal modo que, “Talvez, sim, não consigo concretizar, mas sim,
talvez, às vezes, surpreendia-me a mim própria.” (E12-M4),
Como sabemos, os sistemas e estilos de pensamento que sustentam as operações
de tomada de decisão têm por base diversos aspetos, nomeadamente, o tempo disponível
para decidir, a natureza dos assuntos (e.g. Driskell & Johnston, 1998), o contexto da
interação entre duas formas distintas de pensar, uma mais analítica e racional e outra mais
holística, experimental e afetiva sendo que, em geral uma predomina em relação à outra
(Epstein, et al., 1992). De facto, os resultados relativos à análise precedente permitem
corroborar que a forma como os mediados processam a informação atinente à tomada de
decisão difere de pessoa para pessoa, de tal forma que alguns dos participantes enfatizam
a racionalidade e a lógica do pensamento jurídico, enquanto outros vão ao encontro de
formas de pensar mais afetivas experienciais e holísticas que lhes permitem desenvolver
a consciência de si e do outro (Damásio 2010), a compreensão e a empatia. Então, a
questão que se coloca aos mediadores familiares é a de conseguirem identificar os padrões
de pensamento dos mediados subjacentes à tomada de decisão no contexto da SD e de
conduzirem o processo de mediação familiar de uma maneira ajustada ao padrão de
pensamento em presença. De notar, como pode ser desconfortável ou mesmo penoso
recordar e analisar experiências emocionais que não são consideradas relevantes para o
processo de tomada de decisão sobre as crianças, uma vez que os padrões de pensamento
subjacentes serão para estas pessoas analíticos, objetivos e jurídicos. Ao invés, para quem
estrutura o pensamento a partir da experiência emocional e afetiva, perspetiva-se segundo
uma procura do sentido da experiência vivida que é assim uma espécie de alicerce para
as decisões a tomar. Deste modo, a perceção emocional dos participantes neste estudo,
permitiu comprovar que a interação entre a emoção e o processamento do pensamento
295
tem um papel importante no processo de mediação familiar.
4.5.5.5 Promoção da mudança em contexto de mediação familiar
Independentemente de o estilo de o mediador familiar ser mais interventivo ou
facilitativo são, comumente, dinamizados instrumentos (estratégias) que de forma
sistemática e organizada visam ajudar os participantes a tomar decisões conjuntas e
consensuais sobre o exercício do cuidado parental. A este contexto dinâmico e
colaborativo, geralmente, estão implícitos objetivos que visam a promoção de mudanças
de posicionamento e de comportamento, entre outras. Assim importa investigar como é
que essas mudanças ocorrem, que estratégias as favorecem e que aspetos as dificultam.
Tabela 15
Subcategoria de Análise: Estratégias e contextos que potenciam mudanças
Subcategoria de análise:
Estratégias e contextos que
potenciam mudanças
Excertos de conteúdo dos participantes
Ser imparcial “Foi o diálogo, ter uma pessoa imparcial que nos
pusesse a pensar, refletir e comunicar.” (E27-M8)
“Eu que… a certa altura, porque obviamente
houve situações em que me parecia que eu tinha
razão, não é? E estava-se mesmo a ver que ela
não tinha razão, mas a mediadora sempre foi
muito imparcial.” (E20-P6)
Desenvolver a empatia
(a decisão é a expressão
conjunta da perspetiva de
ambos)
(…) faz-nos pensar assim: tu existes, mas o outro
também existe. (…)” (E03-M1)
(…) aumentando essa perceção já não estou só a
pensar em mim também já estou a pensar nela
296
(E01-P)
Explorar alternativas
(Desbloquear o círculo vicioso,
encontrar soluções)
“(…) sem a mediação provavelmente ainda hoje
estávamos a discutir as mesmas coisas.” (E02-M)
“E até situações que não nos passavam pela
cabeça, e… que vieram à conversa e pronto… e
chegámos ao acordo, não é…” (E04 - P2)
Valorizar
(Acalmar, aceitação)
“Achou que o estavam a valorizar também e eu
acho que o acalmou e ajudou um bocado também
a aceitar.” (E03 - M1)
Focalizar
(Centrar no essencial,
controlar a tendência para a
dispersão)
“(…) a mediadora sempre alertou foi para o
interesse … para se fazer tudo no interesse da
criança, para respeitar a criança. (…) “E03-M1
Contexto
“(…) aqui é o espaço que obriga mesmo a pensar.
(E01-P)
Clarificação (Objetividade.
Conhecimentos jurídicos do
mediador familiar)
(…) O conhecimento da lei foi eficaz, foi decisivo
… nessas tomadas de decisão. (E04 - P2)
Promover a compreensão das
experiências emocionais e
afetivas
(Melhorar a relação entre os
pais (possível influência na
coparentalidade)
“Sem nos apercebermos, ou seja, falarmos de
quais eram os nossos sentimentos em relação ao
casamento, quais os sentimentos que temos hoje
em relação à nossa relação, questões desse tipo
que não tinham diretamente a ver com o meu
filho, mas que de alguma forma (…) não estão
completamente resolvidas e fechadas, portanto,
continuavam a afetar o funcionamento do acordo
de Responsabilidades Parentais. (E05-P)
Regularidade semanal das
sessões de mediação familiar
(Organização e produtividade)
“Houve, também aqui um fator importante que, eu
acho que é determinante no resultado, é a
regularidade, a cadência, há a cadência semanal
(das sessões) (…)” (E10-M)
Organização/Atividades para
os mediados realizarem entre
as sessões
(Envolvimento,
“Ela (mediadora) fez-nos fazer uma lista dos
assuntos que nós achávamos importantes discutir
sobre os nossos filhos, chegar a acordo … e
tentou dar-nos assuntos para pensarmos em casa,
e foi a partir daí que nós conseguimos começar a
297
responsabilização) falar nalguns assuntos.” (E14-M)
Empoderamento
(Aceitação e promoção das
próprias capacidades (e.g.
Bush & Folger, 2005).
(…) não são os outros que nos dão o peixe dão-
nos a cana e depois vamos à procura do peixe.
(E10-M)
Circularizar a comunicação E10-M – Mas ajudou a fazer o percurso da nossa
vida e sermos confrontados com questões muitas
delas curiosas, do género: ‘o P disse qualquer
coisa o quê que a C está agora neste momento a
pensar sobre isso?’ “(E10-M)
Voluntariedade
(Compromisso e
responsabilidade)
“(…) nós é que tínhamos que chegar aos
acordos… e, portanto, se estivéssemos dispostos a
isso ambos, então que se podia ir para a frente
com o processo e tal e deixou-nos um tempo a
pensar e, portanto… a partir do momento em que
nós aceitamos isso, há ali uma espécie de um
compromisso.” (E20-P6)
Agenda
(Perceção do sucesso
alcançado. Encorajamento
para continuar. Organização)
“(…) as pessoas quando tendem a misturar os
assuntos todos, não conseguem chegar a acordo
sobre nada, porque face a um vem o resto tudo
abaixo, não é… enquanto que se uma pessoa for
caminhando ponto por ponto - este já está
resolvido, este também – e, depois chega ao fim e
já só há dois ou três de desacordo, a pessoa
também pensa “ah, também… mais dois ou três e
a gente até consegue chegar a acordo, não é…”
(E21-P5)
Enquadramento reflexivo “(…) permitia-nos pensar entre os espaços que
mediavam as sessões, sobre os passos que tinham
já feitos e, até de alguma forma, nos prepararmos
para aquilo que viria à frente… e isso leva a um
amadurecimento ao longo da secção.” (E23-M7)
Controlo das emoções “Foi importante, porque disciplinou-nos e
ajudou-nos a controlar as emoções.” (E24-P7)
A tabela 15 apresenta as Estratégias e contextos de mediação familiar que os
pais/mães consideraram que mais os ajudaram a desenvolver mudanças adaptativas no
298
âmbito do processo de mediação familiar, destacando-se claramente as estratégias
relacionadas com a gestão do conflito com foco na comunicação e relação (e.g. a
circularização da comunicação, clarificação, focalização, empoderamento, contexto
colaborativo, etc.) sendo que, as estratégias direcionadas para a gestão e estruturação do
processo de mediação familiar foram igualmente evidenciadas pelos participantes como
sendo eficazes. De notar, que tais resultados evidenciados pelos pais/mães que passaram
por um processo de mediação familiar vão ao encontro dos resultados obtidos no estudo
1 (focus groups) em que foram exploradas as estratégias que os mediadores familiares e
os técnicos do ISS consideravam mais eficazes na gestão do conflito em mediação
familiar. No entanto, importa salientar que os princípios da imparcialidade e da
voluntariedade sendo princípios substantivos da mediação familiar, surgem
percecionados pelos participantes do presente estudo, na sua vertente operante e
instrumental, ou seja, como estratégias promotoras de responsabilidade e de confiança.
Quanto à análise da subcategoria: como é que ocorrem as mudanças de perspetiva
os pais/mães revelaram três pontos centrais: 1) diálogo; 2) compromisso para a mediação
familiar; 3) responsabilidade.
Assim, as mudanças de perspetiva dos pais emergem do diálogo“(…) quando
sentimos só nós, dentro de nós, é uma coisa e, as coisas tomam uma proporção às vezes
absolutamente gigantesca, e quando acabam por vir cá para fora, quando se fala, quando
elas passam do pensamento e do sentimento para a palavra, há logo ali um caminho que
é feito porque quando nós às vezes dizemos aquilo que pensamos e sentimos, acabamos
por ter uma perceção da coisa como se estivéssemos de fora… e acabamos por conseguir
lidar melhor… eu acho que é muito importante, é mesmo muito importante.”(E14-M) da
interiorização da responsabilidade pela tomada de decisões “Ah … e que mais? Somos
forçados a ser o centro das soluções, não são os mediadores que nos vão dar as soluções,
299
nós somos obrigados a pensar sobre aquilo que é verbalizado, ali, na altura, e neste
recordar de vários passos da vida e de várias coisas acaba por nos levar a uma situação
em que temos que, friamente, ser nós a decidir. (E10-M) e do compromisso para se
envolverem na mediação Familiar “E a partir do momento e que as pessoas… em que
nós assumimos esse compromisso, isso também tínhamos uma responsabilidade de não
estar a tropeliar aquilo de alguma maneira (…)” (E20-P6).
As mudanças de perspetiva entre os pais resultam, então, do compromisso
assumido, entre o pai e a mãe, para colaborarem durante o processo de mediação, de
forma aberta, sincera e sem reserva mental. A responsabilidade cimenta a construção de
soluções funcionais para a partilha dos cuidados a ter com os filhos no futuro. Por sua
vez, é na conversação que as narrativas se transformam e enriquecem e se alteram as
ideias e perspetivas iniciais dando lugar a perspetivas mais adaptativas.
Relativamente à subcategoria de análise O que mudou na postura dos pais/mães
importa concretizar que aspetos traduzem mudanças na postura dos pais/mães em
consequência do processo de mediação familiar. Assim, comprovam-se mudanças
positivas na gestão das emoções, “Eventualmente não teria havido um controlo tão
grande dessas emoções (…).” (E17-M5), assim como, se verificam atitudes mais flexíveis
durante as negociações acompanhadas das necessárias cedências à concretização dos
acordos, “(…). Obviamente aprende-se a ter flexibilidade.” (E11-P); por isso, o acordo
final é distinto da posição ostentada no início da mediação familiar “Esse para mim era
o acordo que eu queria, semanas divididas, despesas divididas. Fez-me perceber a
posição dela, por sua vez, fiz um acordo totalmente diferente do que eu tinha pensado no
início.” (E01-P), sendo cada decisão uma síntese da vontade de ambos os pais “(…) não
é só a vontade de um que prevalece é que tem que ser a vontade dos dois. (E03-M1).
300
Desta forma, comprova-se que a tomada de decisão atinente à regulação do
exercício das responsabilidades parentais, pressupõe mutações ainda que subtis do quadro
de referência da pessoa, da história das significações e das posturas dos mediados, cujas
implicações concretas na vida, quer dos pais, quer das crianças, são evidentes.
No que concerne à subcategoria de análise Barreiras à promoção de mudança,
pretende conhecer que aspetos é que os participantes neste trabalho consideraram que, de
algum modo, obstruíram o desenvolvimento do processo de tomada de decisão sobre as
responsabilidades parentais, no contexto de mediação familiar.
Verifica-se que os pais/mães consideraram menos adequadas à promoção de
mudanças adaptativas aquelas abordagens em que os mediadores familiares atuaram de
forma mais superficial e limitada, concretamente, quando estava em causa o apuramento
de um valor de pensão de alimentos, “Agora que me está a fazer essa pergunta eu própria
estou surpresa, porque era óbvio, mas não eu nunca fiz um cálculo do que eu pudesse
gastar com o meu filho.” (E18-M), ou quando a concretização do direito da criança a
participar a participar na mediação familiar não foi implementada, “(…) há coisas que eu
não contei, ela chorava imenso quando tinha que ir uma semana para o pai e eu isto
nunca pude contar ali no meio de uma sessão, porque eu sei que, depois, o pai ia
sacrificar a miúda - ‘então tu choras?!’ -, porque ele não sabe, ele não sabia, porque a
miúda escondia tudo e, essas coisas, não pude transmitir à mediadora. (M16-M). De um
modo geral, a simplificação da intervenção dos mediadores familiares, a falta de
aprofundamento e de análise dos problemas ou o uso de receitas e conselhos para abordar
problemas complexos, “(…) era a expressão que ela utilizava: ‘deixe lá a raiva, vamo-
nos centrar no presente deixe lá o passado, perdoe’. “foram traduzidos pelos pais/mães
como sendo limitações para a sua evolução adaptativa perante o conflito e para a
qualidade das suas decisões finais.
301
Em síntese, estes resultados comprovam que a mediação familiar é um processo
que promove mudanças adaptativas por parte dos pais e das crianças. Estas mudanças
adaptativas desenvolvem-se no contexto específico da mediação familiar, tanto no plano
da expressão e da compreensão emocional, como no plano da comunicação e do
comportamento e, bem assim, ao nível da reconfiguração da visão inicial do conflito e
da forma como projetavam a organização, cuidados face aos seus filhos, incluindo a
responsabilidade de lhes proporcionar os meios e as condições para estes exercerem os
seus direitos (e.g. direito a exprimir a sua opinião relativamente aos assuntos que afetam
a criança no âmbito da mediação familiar).
4.5.5.6 Relação interpessoal
A relação traduz o resultado do padrão de comportamentos entre parceiros de uma
relação, define-se, por isso, pela redundância de padrões complementares (prevalência de
diferenças); simétricos (prevalência de semelhanças) e transitórios (conjunto de padrões
de domínio, submissão e igualdade), (Narciso & Ribeiro, 2009). Durante a transição para
a SD, os pais/ex-casal experimentam situações de discórdia, de tal forma que é possível
distinguir diferentes padrões de comportamento no enfrentamento do conflito (Suares,
2003).
De acordo com Suares (2003), a prevalência do interesse no próprio ou/e a
prevalência do interesse no outro protagonista do conflito, permite diferenciar formas de
relação entre os mediados face ao enfrentamento do conflito:
1) Competição: alta prevalência dos interesses individuais e muito baixa ou nula
valorização dos interesses da outra parte no conflito;
302
2) Colaboração: alta valorização dos interesses individuais assim como dos
interesses da outra parte;
3) Contemporização: o interesse por si mesmo e pela outra parte é semelhante;
4) Evitamento: baixa prevalência quer pelos interesses individuais, quer pelos
interesses da outra parte;
5) Acomodação: baixo foco no interesse individual e elevado foco no interesse da
outra parte.
Figura 44. Tipos de relação interpessoal perante o conflito durante o processo de
mediação familiar.
Conforme se extrai da figura 44, a análise da categoria Relação interpessoal
durante o processo de mediação familiar, permitiu aos participantes neste estudo,
reconhecer os padrões de enfrentamento do conflito comummente referidos na literatura
sobre gestão de conflitos (Suares, 2003).
Assim, a forma de interação Acomodação foi referido por 2 participantes; a
2
13
11
25
12
303
relação de Colaboração foi reconhecida por 13 participantes “Colaborar.” (E20-P6); a
relação de competição foi identificada por 11 participantes, “É que ninguém queria ceder
em favor do outro... uma luta por nós, e não... isto faz parte.” (E14-M), a relação
contemporização foi apontada por 2 participantes; a relação de tipo Evitamento foi
reconhecida por 5 participantes, “Na altura, era de evitar… sim, sim… apesar de termos
assinado o acordo, estávamos…sim, de evitar.” (E17-M5). Finalmente 12 participantes
reconheceram que a maneira como interagiram não se encaixava numa única forma pura
de relação, pois consistia numa conjugação Mista, do género: evitar/competir, “Posso
escolher duas? Evitar/competir.” (E07-P2); competir/colaborar, “Nessa altura?... não
sei, estava entre o competir e o colaborar… acho que havia uma dualidade que… que ao
mesmo tempo sentia isso, não é, que competíamos por determinadas coisas, mas depois
também tínhamos que acabar por colaborar. (E19-M6); contemporizar/colaborar, “Eu
diria, contemporizar e colaborar, penso que sim. (E22-P); evitar/colaborar “Olhe é assim,
eu acho, que é mais o evitar e o colaborar (…)” (E15-M).
Assim, é possível sintetizar a tipologia de relações interpessoais conflituais como
sendo uma configuração de forças dinâmicas movidas por interesses e objetivos (e.g.
emocionais, aspetos do poder, etc.) suscetíveis de impelir o conflito em direções distintas:
uma direção tendencialmente mais cooperante (formas colaborativas, mistas), outra
direção tendencialmente mais destrutiva e obstrutiva (competição, acomodação) e uma
terceira direção tendencialmente instável (e.g. evitamento, competição/evitamento, etc.).
Segundo Deutsch (2001) uma relação interpessoal entre os protagonistas de um
conflito compreende, uma interdependência positiva e uma interdependência negativa. A
interdependência positiva verifica-se quando a quantidade de interesses ou objetivos que
uma pessoa alcança ou tem possibilidade de alcançar está positivamente correlacionada
com a quantidade de objetivos e de interesses que os outros obtêm ou têm a possibilidade
304
de obter. Inversamente a interdependência negativa implica que a quantidade de objetivos
e interesses ou a probabilidade de os realizar esteja correlacionada negativamente com a
quantidade ou probabilidade de os outros alcançarem os seus objetivos. O autor ilustra
esta dicotomia através das expressões: “afundar ou nadar juntos” ou “se um nada o outro
afunda e vice-versa” (Deutsch 2001, p. 77). Estes posicionamentos são acompanhados
por parte dos protagonistas do conflito por dois tipos opostos de ações: ações efetivas
destinadas a promover a realização dos objetivos ou inversamente por ações destinadas a
obstruir a concretização dos mesmos (Deutsch 2001).
Assim, os posicionamentos face ao conflito e as ações que dele decorrem parecem
estar implicadas com os desequilíbrios de poder entre os pais/ex-casal, nomeadamente,
em função de aspetos económicos, informação e conhecimentos superiores percebidos
como relevantes pelo outro, poder em relação aos filhos, personalidade e coerção, poder
jurídico e normas sociais (Bollen, et. al., 2013) aquando da SD e no contexto da mediação
familiar.
Cromwell e Olson (1975, citados por Byrn e Carr, 2000) afirmam que a
conceptualização do poder no casal engloba três domínios distintos, mas interligados: o
poder final refere-se a quem tem o poder de proferir a última palavra; a base do poder
respeita aos aspetos económicos e pessoais, nomeadamente os aspetos relativos aos
salários, gestão do dinheiro, etc., e a violência psicológica e violência física; e os
processos de poder relativos a técnicas de persuasão, resolução de problemas e esquemas
para o controlo da relação.
305
Figura 45. Relação interpessoal face à detenção e ao uso do poder. (Nº de participantes e
percentagens).
A figura 45 reflete dimensões do poder na relação interpessoal entre os pais/ex-
casal, no decurso da mediação familiar. Assim, a subcategoria relativa ao poder de tomar
a decisão final foi mencionada por 2 participantes (13%); a subcategoria relativa ao
desequilíbrio da base do poder foi referida 5 participantes (31%); a subcategoria referente
à relação equitativa do poder foi identificada por 4 participantes (25%) e a subcategoria
inerente a manobras de controlo do poder foi referida por 5 participantes (31%).
Tendo presente que as dimensões do poder não se extinguem com a decisão de
SD, especialmente, quando a relação parental perdura e é necessário regular as
responsabilidades parentais, analisou-se a forma como os pais/ex-casais se relacionam
face ao poder proveniente de várias fontes materiais e imateriais (Bollen, et. al., 2013)
que se agregaram em quatro categorias de análise: o poder de decisão final, base de poder,
controlo de poder e equidade.
Relativamente, ao poder de proferir a decisão final, “(…) parece que é a deusa e
que uma pessoa tem que se submeter.” (E25-P), espelha-se assim a posição de quem tem
a prerrogativa de decidir em definitivo sobre o assunto em causa,
2; 13%
5; 31%
4; 25%
5; 31%Decisão final
Base do poder
Relação equitativa
Controlo de poder
306
A base do poder respeita ao poder económico “(…) uma vez que eu estava
desempregada e ele fazia esse uso de eu não ter rendimentos e de querer tirar a guarda
da menina (…)” (E03-M1); a ocorrências de violência física, “(…) portanto eu cheguei
a casa, estávamos em fim-de-semana, cheguei a casa com os miúdos e ele empurrou-me
aos safanões para dentro da cozinha e desatou a dar socos na minha cara… e ele atirou-
me contra o frigorífico e partiu a porta do frigorífico… “(E23-M7) e de violência
psicológica “A relação era de competição e de poder… eu sentia-me completamente
esmigalhada por ele, mas não era o que eu queria, mas pela personalidade dele acabou
por resultar nisso, não consegui evitar…” (E03-M1), de tal maneira que o uso abusivo
do poder é passível de alcançar negativamente a atividade do mediador familiar, “(…)
mas como digo, ele pela agressividade que mostrou ele teve sempre uma posição de força
na mediação toda, eu fui sempre o elo mais fraco. (E18-M).
As estratégias de controlo de poder manifestam-se, entre outros aspetos, através
do uso de táticas de coerção, resistência e dilação “(…) metade das sessões eram sempre
arrastadas por ele com dúvidas das sessões anteriores e reequacionando tudo, e
portanto, aquilo foi um processo que se arrastou durante muito tempo… (…) porque,
também, uma coisa que ele fazia muito era, nós marcávamos as sessões e depois ele ia
desmarcando e arrastando, protelando… arranjava sempre situações para complicar a
coisa. (E23-M7)
A relação equitativa do poder traduz tanto a partilha das responsabilidades, como
a tomada de decisões conjuntas “Que eu sabia que não era justo eu ter a exclusividade
da tutela do nosso filho não é… e nessa medida, serviu para vá lá… solidificar essa ideia
que eu no meu intimo sentia… que não era justo que por eu ser mãe ter mais… de ficar
eu com a exclusividade do meu filho, em vez de ser uma guarda partilhada, porque
307
realmente não faz sentido não é… quando os pais também se preocupam, quando os pais
também educam, não faz sentido estar a privar nem o filho nem o pai dessa relação não
é…” (E08 - M3).
Por conseguinte, a partilha equitativa do poder relativamente aos assuntos
inerentes à SD, compreende um maior equilíbrio na tomada de decisões, na distribuição
das responsabilidades e está associada a formas de comunicação aberta e empática.
O desequilíbrio de poder entre os mediados é comummente referido como sendo
um fator adverso, tanto para a obtenção de decisões consensuais como ao nível da
condução construtiva do processo de mediação familiar, pelo que, a identificação das
fontes de poder em presença na SD (Bollen, et. al., 2013; Deutsch, 2001) e as estratégias
destinadas ao seu (re)equilíbrio revelam interesse acrescido especialmente por parte dos
mediadores familiares (e.g. Parkinson; 2008).
Ao atendermos às formas de relação interpessoal apresentadas na figura 45
verificamos que se destacam as formas colaborativa, competitiva e mista. Por sua vez, os
resultados relativos à relação face ao poder apontam para uma dicotomia entre uma
distribuição equitativa do poder e formas de desequilíbrio de poder. A análise categorial
permitiu, pois, verificar que a competição e a colaboração predominam na sua forma pura
entre os pais/ex-casal, as quais, por sua vez, dão origem a várias combinações mistas (e.g.
competição/evitamento; competição/colaboração, etc.). De acordo com Deutsch (2001)
os estilos de relacionamento cooperativo e competitivo estão associados, respetivamente,
a formas de comunicação construtiva e destrutiva colaborativa. De facto, os resultados
obtidos através desta análise categorial permitem corroborar que o relacionamento
colaborativo entre os pais/ex-casal está associado a formas de comunicação construtiva:
aberta, empática, amistosa, confiante, sensível aos interesses de ambos e em que há
308
partilha equitativa do poder e a tendência para aumentar o poder mutuo, disposição para
tomar decisões conjuntas e para distribuir as responsabilidades, especificamente, quanto
às crianças. Em contrapartida a relação competitiva encontra-se associada a comunicação
disfuncional com grande envolvimento emocional, utilização de manipulação, atitudes
hostis, desconfiança sensibilidade aumentada aos interesses opostos, desejo de exercer
poder e influência sobre o outro e escalada simétrica.
Em síntese a relação colaborativa está associada a formas equitativas de partilha
do poder e a relação competitiva está associada a desequilíbrios de poder. Assim, uma
das principais atribuições da atividade dos mediadores familiares é a de gerir e equilibrar
o poder, abrir a comunicação e o entendimento mútuo entre os pais/ex-casal (Bollen, et.
al., 2013).
Deste modo, é crucial que os mediadores familiares intervenham de maneira a
promover um contexto colaborativo, nomeadamente nos seguintes aspetos: 1) tornar a
comunicação mais efetiva promovendo a escuta ativa; 2) desenvolver a empatia e
valorizar das soluções encontradas; 3) coordenar as sessões (gerir o tempo, organizar as
atividades, assertividade, etc.); 4) legitimar a confiança nas ideias e valores próprios assim
como nas do outro; 5) promover a aceitação do problema como sendo mútuo e a
responsividade por uma solução que responda aos interesses de todos e, concretamente
aos interesses das crianças que são o alvo das decisões a tomar.
4.5.6 Fatores de Proteção e Fatores de Risco associados à SD
Os fatores de risco para as crianças relativamente à SD dos pais têm sido objeto
de vários estudos e encontram-se bem documentados pela investigação científica. A
309
severidade e a duração da SD desencadeiam múltiplos eventos potencialmente stressantes
que variam de criança para criança, de família para família e ao longo do tempo (Amato,
2000; Amato, 2010; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Kelly & Emery, 2003). Desta
forma, uma multiplicidade de fatores, tais como: a natureza e severidade da separação
inicial, o conflito parental, o enfraquecimento do envolvimento parental, a diminuição
dos recursos económicos, as características individuais dos pais e da criança; as
características da família e o contexto extrafamiliar (Hetherington, 1999; Kelly & Emery,
2003; Weaver & Schofield, 2015), podem dificultar os esforços das crianças para lidarem
com a SD e gerar diversos problemas comprovados por várias investigações empíricas
que evidenciam o aumento do risco de problemas de ajustamento para as crianças (e.g.
Kelly & Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015), nomeadamente, aumento significativo
de comportamentos de internalização, problemas sociais, académicos em comparação
com crianças de famílias intactas, assim como, problemas com externalização incluindo
situações relacionadas com problemas com figuras de autoridade e com os pais, sendo
que o risco é potencialmente mais elevado com a ocorrência de subsequente divórcio,
recasamento e redivórcio (Amato, 2010; Kelly & Emery, 2003).
Verifica-se, assim, que os fatores de risco nas crianças resultam de múltiplos
fatores, nomeadamente, a influência do aumento do risco experienciado pelos pais e pelas
mães em consequência da SD. Estudos têm revelado que os indivíduos divorciados, em
comparação com indivíduos casados, apresentam mais sintomas de depressão e de
ansiedade, mais problemas de saúde, mais uso de substâncias e maior risco de mortalidade
em geral (Amato, 2010). De facto, a SD é comumente uma experiência stressante em que
ocorrem muitas mudanças concentradas em pouco tempo, nomeadamente, o fim de um
relacionamento de longo prazo, a necessidade de lidar com emoções fortes e dolorosas,
310
mudanças de residência, eventual declínio no padrão de vida, e adaptação a um estilo de
vida individual (Amato, 2010; Sanford & Rivers, 2017).
Amato (2010) defende que a literatura sobre os efeitos do divórcio no bem-estar
das crianças, permite distinguir duas perspetivas teóricas relativamente à influência do
divórcio no bem-estar dos adultos: a primeira afirma que existe uma relação de tipo causa-
efeito entre o divórcio e o bem-estar do ex-casal (desaparecimento de benefícios do
casamento/união) e a segunda perspetiva que defende que a associação entre o divórcio e
o bem-estar é uma consequência de uma seleção de fatores e, por isso, o estabelecimento
de qualquer nexo causal não é aceitável, independentemente de a SD ser comummente
procedida por um declínio psicológico e de bem-estar físico que, na maior parte dos casos
é recuperável.
Desta forma os fatores adversos decorrentes da SD que geralmente dificultam o
ajustamento das crianças e dos pais à SD são múltiplos, variam ao longo do tempo e a
trajetória e características de cada criança ou adulto diferenciam-se de tal forma, que
certos eventos sendo fatores de vulnerabilidade para uns são inócuos para outros.
Sanford e Rivers (2017) ao desenvolverem estudos preliminares com vista à
preparação de um instrumento34 destinado a medir as preocupações mais salientes dos
pais/ex-casal quando estes enfrentam o divórcio, identificaram - com a colaboração de
mediadores familiares e com base numa revisão de literatura -, uma lista composta por
seis tipos de preocupações principais dos pais/ex-casal quanto à SD. De facto, a
identificação das perceções dos pais relativamente à SD, revela-se especialmente
relevante, em primeiro lugar, porque os tipos de preocupações traduzem uma primeira
34 O instrumento “Parting Parent Concern Inventory” compreende uma escala composta por seis tipos de
preocupações e respetivas variáveis.
311
apreciação dos pais sobre o conflito, a qual, irá influenciar a forma como eles o irão
enfrentar; em segundo lugar, porque os tipos de preocupações permitem estabelecer uma
previsão quanto à forma, mais ou menos cooperante, como irão negociar os acordos sobre
as responsabilidades parentais e o divórcio. Assim, as tipologias de preocupações incluem
seis dimensões: 1) as preocupações relacionadas com a probabilidade de ocorrência de
maldade (e.g. receio de que o outro seja desonesto, agressivo ou cruel, bem como
preocupações relacionadas com ameaças, instrumentalização das crianças, etc.)
encontram-se associadas a conflitos destrutivos; 2) as preocupações relacionadas com o
poder (e.g. receio da capacidade do outro para dominar através de meios materiais como
dinheiro ou imateriais como a manipulação, coação, influência, etc.) evidenciam
desequilíbrios da interação interpessoal; 3) as preocupações relacionadas com a possível
rejeição da criança (e.g. receio que a criança se afaste e se desligue por causa da SD)
denunciam vínculos familiares pobres e frágeis, especificamente entre o pai ou a mãe,
conforme os casos, e a criança; 4) as preocupações relacionadas com a concretização do
acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais (e.g. receio de restrição do
contacto com os filhos, pensão de alimentos, etc.); 5) as preocupações relacionadas com
a autoestima (e.g. receio de desvalorização, solidão, etc.); 6) as preocupações
relacionadas com o declínio económico (e.g. alteração de padrão de vida; custos relativos
ao processo judicial ou administrativo da SD).
De salientar, que a identificação das preocupações permite aos mediadores
familiares antecipar formas possíveis de como os mediados irão negociar e cooperar
durante a mediação familiar, como se irá desenvolver a relação de coparentalidade e como
irão gerir eventuais efeitos emocionais nas suas crianças (Sanford & Rivers, 2017). Deste
modo, os mediadores familiares poderão delinear as suas intervenções de forma incisiva,
realista e metódica, nomeadamente através do uso de estratégias que visem promover
312
fatores de proteção e minar os fatores de risco (e.g. promoção da resiliência, reforço
positivo, direcionar para o futuro, dinamizar passos concretos que contribuam para
diminuir as preocupações, estratégias de equilíbrio de poder, reencaminhar para outros
serviços, etc.).
Assim, tendo presente a revisão de literatura realizada, procedemos à análise
categorial do conteúdo das entrevistas dos participantes neste estudo.
4.5.6.1 Fatores de Proteção
Os fatores protetores ao atuarem como amortecedores de acontecimentos
stressantes decorrentes da SD para as crianças (Amato, 2000; Kelly & Emery, 2003;
Weaver & Schofield, 2015) e também para os seus pais (Amato, 2010) tem sido
amplamente estudado. Contudo, não conhecemos estudos que incidam, simultaneamente,
sobre a fase específica de transição entre a SD e em que os pais tenham passado por um
processo de mediação familiar relativo à regulação das responsabilidades parentais.
Tabela 16
Fatores de proteção para a família (crianças e pais), durante a fase de transição para a
SD (nº de participantes e nº de referências das categorias relativas aos fatores de
proteção das subcategorias emergentes da coparentalidade positiva)
Fatores de Proteção
Nº de
participantes
Nº de
referências
Aceitação do fim da união/casamento 3 8
313
Apoio familiar e extrafamiliar 3 7
Coparentalidade positiva 16 59
Partilha Parental
Solidariedade parental
Suporte parental
Não neutralização da
coparentalidade
7
11
10
2
10
25
28
3
Diminuição do conflito 18 35
Foco no afeto e bem-estar dos filhos 22 56
Motivações positivas quanto à pós-SD 8 18
Total 26 189
O desenvolvimento da análise categorial permitiu assim encontrar 6 subcategorias
de fatores de proteção, durante a transição para a SD, das quais, as mais referidas por
maior número de participantes foram: o foco no afeto e bem-estar dos filhos (31%), a
diminuição do conflito (26%) e a coparentalidade positiva (23%).
Assim o foco no afeto e bem-estar dos filhos, durante a transição para a SD surge
como sendo o mais relevante fator de proteção à semelhança dos resultados obtidos no
estudo 1. De facto, a centralidade da criança no decorrer do processo de decisão é crucial
para que as decisões a tomar pelos pais, não se afastem do seu interesse superior. Deste
modo, quando há a preocupação em assegurar o bem-estar dos filhos parte-se de um
princípio de convergência em torno do qual é possível unir esforços para encontrar
soluções para outras questões em que discordem, “É assim eu acho que nós aqui partimos
com uma vantagem que é que nós os dois estamos mais preocupados com as filhas do
que propriamente connosco. (E01); então, a luta é uma luta comum, pelo acordo mais
protetor do bem-estar da criança, “Apesar de estar sempre intrínseco o aspeto monetário,
314
mas vi que na relação estávamos a lutar acima de tudo pelo bem-estar da filha.” (E03-
M1).
A categoria Diminuição do conflito, não apenas se repercute positivamente ao
nível da interação entre os pais, “A tensão eu acho que ela diminuiu um pouco ao longo
das sessões… tendo em conta, lá está, voltarmos a conversar um pouco, houve mais
diálogo…, portanto, a tensão diminuiu…” (E22-P); como, também, influi na relação
parental pais/filho, “Mas, claramente vejo uma melhoria naquilo que é a relação do meu
filho para com cada um dos pais, porque lá está, ele está blindado por um acordo que
salvaguarda os interesses do menor para com cada um.” (E05-P). Por outro lado, quando
relação interparental conflituosa se prolonga e resiste à mediação familiar, a conclusão
do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, contribui para melhorar a
previsibilidade e a sensação de segurança da nova organização familiar permitindo,
assim, uma certa estabilização do nível de conflito, “Penso que a nossa relação está mais
estável, ali diminuíram os conflitos porque nós temos tudo regulado. (E16-M).
Desta forma, a mediação familiar parece oferecer vantagens para a abordagem do
conflito, uma vez que se desenvolve segundo um processo juridicamente enquadrado que
faculta aos pais um aspeto de segurança quanto à validade das soluções encontradas para
as crianças. Tais soluções conjuntas, embora forjadas a partir da diferença de pontos de
vista, consubstanciam o acordo que é pertença de ambos, como se se tratasse de um
processo composto por uma única parte processual: os autores, pois, não existem réus
nem requeridos. Neste sentido, a mediação familiar apresenta-se como sendo um
procedimento claramente preventivo e amortecedor do conflito.
Na categoria de análise coparentalidade positiva pretendeu-se investigar como é
que os pais se relacionam relativamente aos cuidados e responsabilidades face aos seus
315
filhos, durante a fase de SD, tendo presente que a coparentalidade é o centro nevrálgico
do relacionamento entre os pais/ex-casal, durante a SD. Vários estudos comprovam que
a relação de coparentalidade pode ser compreendida através de dimensões que permitem
caracterizar a sua estrutura (Feinberg, 2003; Margolin, et al.; 2001; Van Egeren &
Hawkins, 2004).
Assim, o desenvolvimento da análise dos dados permitiu identificar três
subcategorias de coparentalidade positiva coincidentes com as dimensões de
coparentalidade definidas por Van Egeren e Hawkins (2004): partilha parental;
solidariedade coparental e suporte coparental e não neutralização coparental. A
subcategoria partilha parental relaciona-se com o envolvimento e a forma equitativa
como os pais partilham a responsabilidade e os cuidados a prestar aos filhos
individualmente e conjuntamente; a subcategoria suporte coparental compreende um
conjunto de ações dos pais que, reciprocamente, oferecem suporte e ampliam o esforço
do outro pai/mãe para alcançar as metas parentais. Os pais desenvolvem uma relação
triádica cimentada nas perceções que cada um tem sobre o desempenho do outro e de
ambos e através de interações construtivas; a solidariedade coparental diz respeito ao
afeto, à emotividade positiva, à proximidade, à semelhança de valores educativos e à
capacidade para crescer em conjunto de formar um subsistema executivo coerente; a
subcategoria categoria não neutralizar a coparentalidade do outro verifica-se quando os
pais se respeitam e agem de forma honesta e sem artifícios que prejudiquem a realização
da relação parental do outro (e.g. instrumentalização dos filhos, dificultar contatos,
críticas, desrespeito etc.).
Tabela 17
Subcategoria de Análise: Coparentalidade positiva como fator de proteção durante a SD
316
Subcategoria de
Análise:
Coparentalidade
Positiva
Excertos de conteúdo das entrevistas dos participantes no
estudo 2
Partilha
parental
“Em termos de preocupações da minha filha. O bem-estar da
minha filha… (eram preocupações comuns).” E28-P9
“Sim, ver os direitos de cada um assegurados, os dela claro. Acho
que foi essa a preocupação. (…).” (E29-M9)
Suporte
coparental
“Ele é a pessoa a quem eu telefono se acontecer alguma coisa com
elas, mesmo as decisões quotidianas acabam por ser partilhadas
com ele.” (E12-M4)
“Sim. A minha ex-mulher ainda agora me ligou para falar da festa
do dia do pai. Há fins de semana que eu estou fora, na Suíça, e
calha no fim de semana que fico com a minha filha… e eu falo com
ela e pergunto se posso trocar. E trocamos. Temos bom
entendimento.” (E28-P9)
Solidariedade
coparental
“Todos, era tudo comum… porque o meu ex-marido também era
muito pai-galinha, somos muito parecidos na forma como
queremos educá-lo, como queremos tratar dele, como vivemos o
nosso filho, é uma forma muito semelhante… ambos estávamos na
mesma.” (E08-M3).
“Porque notámos aqui, também, relativamente a elas, falámos
sempre com elas muito, esclarecemos muito em casa, falámos os
dois, nunca era só um para perceber, que nos afastávamos, mas
317
que nos dávamos bem, que havia, enfim, uma harmonia ainda (…).
“(E13-P4)
Não
neutralização da
coparentalidade
“Seremos talvez um bom exemplo porque não fizemos dos nossos
filhos bodes expiatórios.” (E10-M)
A coparentalidade é uma experiência marcante e significativa, através da qual,
duas pessoas vão negociando, ao longo do tempo, os seus papéis e responsabilidades
relativamente à criança (Margolin, et al, 2001; Van Egeren & Hawkins, 2004), bem como,
é uma relação que se processa em conexão com o geral das relações entre os pais que, por
sua vez, são influenciados por um amplo contexto cultural (Feinberg, 2003).
A coparentalidade é, frequentemente, o único terreno onde os pais/ex-casal
continuam a relacionar-se, durante após a SD, (Margolin, et al., 2001), por isso, é também,
muitas vezes, o espaço relacional onde o conflito estala e se eleva. No entanto, apesar do
stress que geralmente envolve a transição para a SD, a análise categorial realizada permite
verificar a existência de coparentalidade positiva demonstrada, nomeadamente, através
coordenação de esforços em torno de objetivos comuns (e.g. objetivos educacionais),
através da consideração pelos respetivos direitos e pelos direitos da criança, mediante
uma predisposição dar suporte ao outro pai/mãe, etc.
Desta forma, os resultados obtidos corroboram que a coparentalidade positiva
constitui um contributo forte de proteção com impacto positivo no ajustamento à SD
(Kelly & Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015). Por sua vez, a mediação familiar
318
através de estratégias35 que permitam a prevenção do conflito e a focalização dos pais nas
seus papéis e responsabilidades parentais proporciona um contexto de apoio para as
crianças, na medida em que, contribui para moderar outros fatores de risco relacionados
com a rotura familiar.
Para além destes três fatores de proteção mais fortes - foco nos filhos, diminuição
do conflito, coparentalidade positiva -, a análise categorial permitiu identificar ainda três
fatores de proteção, na transição para a SD, especificamente: a projeção de motivações
positivas para o pós-divórcio, a aceitação do fim da união e o apoio familiar e
extrafamiliar. Importa, ainda salientar que as perceções positivas, quer quanto aceitação
do fim da união, quer quanto às motivações positivas para o pós-divórcio, podem
influenciar a forma como os pais/mediados definem os seus conflitos e como os irão
enfrentar (Sanford & Rivers, 2017).
Assim, a generalidade dos fatores de proteção identificados no presente estudo é
consistente com investigações anteriores sobre o tema (Amato, 2000, Amato, 2010;
Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Kelly & Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015).
De salientar, o impacto positivo da mediação familiar relativamente à prevenção da
escalada do conflito interpessoal na transição para a SD, como suporte e reforço da
coparentalidade positiva e no que se refere à criação de condições para que as crianças
possam exercer os seus direitos participando, ativamente, de acordo com a sua idade e
maturidade, nas decisões que as afetam, em conformidade com a legislação nacional e
internacional36 e no âmbito do seu superior interesse.
35 Os mediadores familiares podem propor atividades conjuntas nas sessões ou entre sessões, foco nas
decisões parentais construídas por ambos por meio de reflexão e de ponderação, participação da criança na
mediação familiar, entre outras. 36 Entre outros diplomas salientam-se os seguintes:
Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de
novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990;
319
4.5.6.2 Fatores de Risco
A forma como os fatores de stress afetam as reações das crianças à SD depende
de várias situações, designadamente, a natureza da separação inicial, os recursos
parentais, a cooperação, a estabilidade dos recursos económicos, os recursos individuais
das crianças e a ativação de múltiplos fatores de stress (Kelly & Emery, 2003). Por outro
lado, vários estudos referem que os indivíduos divorciados comparativamente com
indivíduos casados, exibem mais sintomas de depressão e ansiedade, mais problemas de
saúde, mais uso de substâncias e maior risco de mortalidade geral (Amato, 2010).
Amato, (2010) observa que, alguns autores consideram que existe uma associação
causal entre a SD e o aumento do risco de diversas consequências negativas para as
crianças, incluindo problemas de internalização e de externalização, comparativamente
com crianças de famílias intactas; enquanto, para outros autores, tal associação causal
está adulterada tendo em conta que os efeitos adversos nas crianças resultam de uma
seleção de múltiplos fatores. Em síntese, considera-se que a transição para a SD é
normalmente seguida por um declínio do bem-estar físico e psicológico que afeta as
crianças e os seus pais, embora, na maioria dos casos, esse declínio seja temporário e
revertível de acordo com diversos fatores moderadores (e.g. Hetherington &Stanley-
Hagan, 1999; Kelly & Emery, 2003).
Assim, através do presente estudo pretende-se investigar quais são os fatores de
risco identificados pelos pais que recorreram a mediação familiar para regular o exercício
das responsabilidades parentais.
Diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a justiça adaptada às crianças, adotadas
pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 17 de novembro de 2010;
Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro.
320
Tabela 18
Fatores de risco para a família (crianças e pais), durante a fase de transição para a SD
(nº de participantes e nº de referências das categorias principais e das subcategorias
emergentes da coparentalidade negativa, do conflito elevado)
Fatores de Risco
Nº de
Participantes
Nº de
referências
Coparentalidade negativa
Fraca solidariedade parental
Fraca partilha parental
Fraco suporte coparental
Neutralizar a coparentalidade
16
9
3
6
5
47
17
4
19
7
Declínio económico 6 9
Elevado conflito
Conflito tipo destrutivo
Envolvimento reativo dos filhos
Violência
11
9
5
3
53
23
23
10
Intromissão familiar e extrafamiliar 5 14
Partilha de residência após separação
4 9
Severidade da transição para a SD
Desgaste da pré- SD
Infidelidade
19
11
5
9
77
33
13
321
Reatividade ao fim da união
Vulnerabilidade pessoal
6
21
11
Total
24 205
De acordo com os resultados emergentes da categoria de análise Fatores de Risco,
apresentados na tabela 18, é possível distinguir dois grupos de fatores de risco consoante
o número de participantes e de referências exposto. O primeiro grupo de fatores de risco
é constituído pela coparentalidade negativa, por elevado conflito e pela severidade da
transição para a SD; o segundo grupo de fatores de risco - com um nº de referências e
de participantes ligeiramente menos significativo do que o primeiro -, é formado pelas
subcategorias: declínio económico, pela intromissão familiar e extrafamiliar e pela
reatividade ao fim da união.
De acordo com os resultados exibidos a coparentalidade negativa é composta por
quatro subcategorias de análise, especificamente: fraca solidariedade parental; fraca
partilha parental, fraco suporte coparental e pela neutralização da coparentalidade (Van
Egeren & Hawkins, 2004).
Tabela 19
Subcategoria de Análise: Coparentalidade negativa como fator de risco durante a SD
322
Subcategoria de
Análise:
Coparentalidade
Negativa
Excertos de conteúdo das entrevistas dos participantes no
estudo 2
Fraca partilha
parental
“Acho que nós tínhamos mesmo muito pouca coisa em comum…
acho que a única coisa que efetivamente tínhamos em comum era
que não lhes acontecesse nada de mal nem que ficassem ali
entregues a qualquer pessoa ou… sei lá… (E21-P5).
Fraco suporte
coparental
“Portanto, eu trabalhava, eu era mãe. Ele não tinha
disponibilidade porque não queria ter, tudo era muito
condicionado à vontade dele, à preguiça dele - ‘eu não tenho
tempo’, ‘eu não posso’, ‘eu agora preciso de ir descansar’, ‘agora
tenho que ir para a piscina’, ‘agora tenho que ir jogar ténis com
os meus amigos’…, portanto, ele era uma pessoa ausente logo a
seguir ao nascimento da primeira filha (…).” (E23-M7)
“Pronto, não quer dizer que ele também não se preocupasse com
os filhos à sua maneira, não é…, mas que eu me sentia sozinha e
ele muito distante, senti… e com os dois filhos e com dificuldades
financeiras na altura. “(E19-M6)
Fraca
solidariedade
coparental
“Comum…havia um espírito de tentar proteger os interesses do
meu filho de alguma forma, mas dizer que isso é um sentimento
comum … ah … a maneira de proteger esses mesmos interesses
era tão divergente do outro que nem isso era comum.” (E05-P)
“A educação é muito diferente. Eu sou adepto da palmada no rabo
(…). A avó dizia ‘oh querido não faças isso’ … para elas tocar nas
pessoas nem pensar.” (E26-P8)
Neutralizar a
coparentalidade
“Estamos a falar de um pai que as duas ou três vezes que esteve
com o filho era - a ‘cabra da tua mãe’-, portanto, acho, que o
323
meu filho está melhor sem contacto com o pai por muito que não
seja isso que eu desejo.” (E18-M).
“Existe uma relação de vingança e ódio que se reflete na filha,
ou seja, a filha tem a mesma relação comigo que é vingança que
é…” (E07-P2)
Assim, os resultados permitem comprovar que a coparentalidade negativa se
caracteriza por uma partilha parental empobrecida, por solidariedade parental fraca com
prevalência de diferentes estilos educativos e diferentes visões sobre os interesses da
criança e por reduzido suporte parental marcado pelo distanciamento e pela omissão de
prestação de cuidados aos filhos, assim como, por tentativas de neutralização da
coparentalidade, nomeadamente através de estratégias de aliança à criança contra o outro
pai/mãe mediante manobras de manipulação e por diversas tentativas para tentar minar
a relação de parentalidade com a criança. Se considerarmos o aumento de emoções
negativas, o conflito, e a incerteza claramente associadas à SD, é possível prever o reforço
e a evolução negativa da relação de coparentalidade e, consequentemente, o aumento do
risco para o bem-estar físico e psicológico das crianças, em resultado da intensidade e da
duração dos respetivos esforços de adaptação das crianças à SD.
O Declínio económico, entre outros aspetos, pode acontecer como resultado da
reorganização da economia familiar, de novos encargos habitacionais, do aumento de
gastos individuais, de alterações patrimoniais decorrentes da realização das partilhas dos
bens comuns do casal. Em consequência, quando se verifica um declínio substancial dos
recursos económicos da família o risco para o bem-estar físico e psicológico da família
tende a aumentar, “Na altura… sim, sim, havia… porque uma coisa é estarmos a viver
numa casa, outra coisa é termos duas casas para pagar, não é? - que foi o que
324
aconteceu…, portanto, o nível de vida baixou bastante e… e pronto, a vida tinha mais
dificuldades, e os miúdos sofreram um bocado com isso… também. (E19-M6). De notar
que a diminuição do padrão de vida da família tem sido apontada, em vários estudos (e.g.
(Kelly, 2003) como sendo um fator de risco para problemas psicológicos nas crianças e
fonte de desequilíbrios de poder entre os pais (Bollen et al., 2013).
Como sabemos o conflito tem componentes negativas, mas o elevado conflito37
aumenta ainda mais o espetro de problemas para os seus protagonistas diretos ou
indiretos. O conflito elevado é um processo crónico, com intensa litigância sobre as
responsabilidades parentais, protestos cruzados, hostilidade, raiva, difamação,
triangulação, taxas altas de incumprimento, assim como, violência psicológica e/ou física
dependendo do grau do conflito ser mais ou menos elevado (e.g.Anderson, et. al., 2011;
Haddad, et. al., 2016). Desta forma, as crianças expostas a situações de elevado conflito,
no âmbito da SD, ficam sujeitas a riscos significativos de trauma, stress, depressão,
isolamento social, problemas académicos e de autoestima, assim como, a um impacto
negativo no seu desenvolvimento e funcionamento psicológico (Haddad, et. al., 2016).
A análise categorial do fator de risco elevado conflito permitiu identificar três
subcategorias: o conflito destrutivo; o envolvimento reativo dos filhos e violência. Estas
subcategorias fornecem indicadores que, por um lado, contribuem para distinguir formas
graves de conflito que facilitem a preparação das intervenções dos mediadores familiares
ao caso concreto, e por outro lado, fornecem pistas importantes para a realização de
triagem para mediação familiar.
37 A definição e as características de conflito elevado encontram-se melhor desenvolvidas no capítulo 1.
325
A subcategoria de análise conflito destrutivo evidencia, nomeadamente, o carácter
pervasivo das interações negativas e a escalada simétrica. São frequentes as discussões,
os insultos, dinâmicas de competição e problemas de comunicação e a relitigância, etc.
Tabela 20
Subcategoria de Análise: elevado conflito
Subcategoria de
Análise: Elevado
Conflito
Excertos de conteúdo das entrevistas dos participantes no
estudo 2
Conflito de tipo
destrutivo
“A primeira reação foi de compreensão, tentar manter as coisas
todas como estavam, deixando ficar a casa, o dinheiro, o carro,
tudo. A segunda foi de talvez revolta querer mesmo chegar a vias
de facto, não digo que não, que nunca me tenha passado pela
cabeça, bater-lhe, qualquer coisa e depois foi afastar-me deixar
de telefonar deixar de ouvir deixar de lá estar, porque se eu lá não
estiver não acontece nada e daí eu também me ter afastado da
minha filha.” (E07-P2);
“E havia uma conflituosidade enorme em termos de tribunal, com
requerimentos a voarem todos os dias. Portanto o conflito ali era
muito, muito grande e eu penso que foi feito aquilo que foi possível
(na mediação), na altura, dada a disposição que nós estávamos
para isso.” (E14-M);
“Já falei, foi piorando, a agressividade ficou mais latente o meu
medo ficou maior, portanto, o medo automaticamente também nos
tolda um bocadinho o espírito não nos dá clareza de decisão, foi,
foi pior.” (E18-M)
326
Envolvimento
reativo dos
filhos no conflito
“No princípio custou muito, a ela e a mim… sentia-me muito só e
ela sentia muito a falta do pai… foi muito complicado, mas
passado este tempo habituámo-nos nós as duas, vivemos uma para
a outra… a outra pessoa já nem nos lembra sequer. (E06 - M3)
“Existe uma relação de vingança e ódio que se reflete na I (filha),
ou seja, a I tem a mesma relação comigo que é vingança que é…”
(E07-P2)
Violência “Portanto… Por tudo o que ele fez, ele viu o pai a tentar atropelar-
me com um carro, ele viu o pai a correr daquela janela para esta
janela aos urros, aos urros ‘eu mato-te! eu mato-te!’ e o menino
lá dentro sem conseguir respirar e pronto ouviu o pai ‘ a sua mãe
é uma “puta” e a ‘cabra da sua mãe’, portanto ficou com o mundo
dele todo virado de pernas para o ar. (E18-M).
“por exemplo: eu lembro-me que ele gritava muito, ele é uma
pessoa que grita muito… e o mais novo chorava muito e houve
cenas gravíssimas, eu não cheguei a ir à polícia, mas cheguei a
ameaça-lo, que se voltasse a ter aquelas atitudes com o mais
novo… cenas de gritos, violência verbal e física e o miúdo entrava
em pânico. (E23-M7).
Haddad, et. al., (2016) realizaram um estudo de revisão de literatura sobre elevado
conflito, no qual, consideram que as situações de elevado conflito rondam entre 10% a
20%. No entanto, os resultados obtidos no presente trabalho revelam uma percentagem
mais alta de elevado conflito considerando que 11 participantes revelaram uma dinâmica
interacional de elevado conflito (38%) não revelado pelos restantes 18 participantes
(62%). Uma possível explicação para a percentagem mais elevada de elevado conflito
obtida no presente estudo, poderá residir nas características específicas da nossa amostra,
na medida em que, todos os participantes que integram o presente estudo passaram pela
327
mediação familiar o que, permite antever uma dificuldade inicial de resolução do conflito
pelos próprios e, consequentemente a procura de ajuda junto dos serviços de resolução de
litígios familiar judiciais e extrajudiciais. Desta forma, não são abarcados pelo estudo os
casos de SD, que se processam fora dos tribunais e da mediação familiar e que
pressupõem acordos amigáveis realizados, nomeadamente através da Conservatória do
Registo Civil. Acresce ainda a natureza qualitativa do presente estudo e o tamanho da
amostra que não permite amplas generalizações.
A análise da categoria elevado conflito permite verificar quais são as
características que predominam no conflito de tal forma que, seja possível qualificá-lo
como elevado e distingui-lo face a níveis mais leves e moderados. Assim, o conflito
elevado comporta um potencial de agressividade, competição, reatividade emocional,
insegurança emocional, desconfiança mútua, triangulação dos filhos e de profissionais
(e.g. alienação parental, triangulação de advogados, etc.), escalada (Anderson et al., 2011;
Haddad, et al., 2016) de carácter invasivo e continuado, inclusivamente, após a SD, numa
dinâmica de relitigância, (e.g. ações judiciais sucessivas de incumprimento e de alteração
das responsabilidades parentais) impulsionada, frequentemente, apenas por uma das
partes (Friedman, 2004).
Assim, o elevado conflito é um impactante fator de risco cujos efeitos
devastadores, para as crianças e para os pais, têm vindo a ser comparados com as
consequências de outros tipos de abuso como o abuso sexual (Haddad, et al., 2016) de tal
forma que, as crianças expostas a altos níveis de conflito acerca das responsabilidades
parentais, durante ou após a SD, ficam sujeitas a riscos significativos de trauma, stress,
depressão, isolamento social, dificuldades académicos e repercussões consideráveis no
seu desenvolvimento e funcionamento psicológico (Anderson et al., 2011; Haddad, et al.,
2016).
328
De entre os vários aspetos que potenciam o desenvolvimento do conflito elevado,
destacam-se razões sistémicas relacionadas com o sistema legal (Haddad, et al., 2016), a
não aceitação do final do casamento/união por um dos cônjuges, (Sbarra & Emery, 2008)
e problemas relacionados com a personalidade incluindo psicopatologia (Friedman,
2004). Assim, tendo em presença a gravidade das situações de elevado conflito é crucial
encontrar formas de identificar o processo mais adequado para os pais/ex-casal
resolverem a sua discórdia, assim como, aumentar a eficiência do processo de mediação
familiar. Para tal, importa reforçar a qualidade da mediação familiar e apostar em políticas
preventivas, especificamente através da realização de triagem, na fase de contacto da
família com o sistema judicial/extrajudicial.
De referir, que os resultados obtidos suportam a importância da realização de
triagem, concretamente, com o objetivo de detetar padrões de conflito severo,
especificamente, o nível de disfuncionalidade da comunicação, da cooperação e de
perigosidade, de forma a identificar o processo mais adequado à abordagem da
problemática em presença. A investigação empírica sobre o tema, embora não seja muito
abrangente, permite constatar que o procedimento de triagem na mediação familiar
contribui para aumentar a taxa de acordos em mediação, para diminuir o número de
serviços implicados na resolução do conflito e para reduzir a taxa de relitigância evitando
a repetição de sucessivas tentativas falhadas de acordo.
A categoria Severidade da transição para a SD, compreende experiências prévias
e/ou concomitantes com a SD, suscetíveis de aumentar o risco de conflito e de
dificuldades de ajustamento emocional do ex-casal/pais e dos filhos à SD,
especificamente: surpresa e choque, “Se nos estivéssemos a dar mal, e a discutir…, mas
não! Foi um grande choque. Foi de um momento para o outro.” (E28-P9), desilusão,
perda, baixa-auto-estima, “A razão do divórcio, por exemplo: no meu caso, eu acho que
329
levei um pontapé… a minha autoestima foi muito abaixo, em todos os aspetos. Sentia-me
má mãe, má mulher, não tinha emprego…, portanto estava mesmo de rastos, o que não
veio ajudar nada.” (E27-M8), infidelidade, “O facto de a mãe do meu filho ter estado
numa relação extraconjugal na altura da separação, isso (…), teve necessariamente um
impacto bastante negativo para todos, não é? …” (E05-P), dificuldade de desvinculação
do outro, “(…) aquele que não quer (o divórcio) vai estar sempre muito suscetível a não
facilitar, a não querer que a nova situação seja pacífica… e isso para mim, é o pior, é o
pior. (E17-M5) e vulnerabilidades individuais como as que resultam associadas a
problemas de ordem psicológica, “Ele estava a passar uma fase psicológica muito
instável que, acho, que também pode ter consequências nos meus filhos e em mim própria
e, depois, também no meu comportamento, também com os meus filhos, porque isso
estava-me a desestabilizar bastante.” (E17-M5).
O sofrimento intenso e não partilhado, prévio à tomada de decisão de SD,
comporta alívio para o cônjuge iniciante da SD que, quando comunica o seu desejo de
SD ao outro, poderá sentir-se aliviado uma vez que o luto já foi feito, mas pode
desencadear mágoa, ressentimento, humilhação e uma contra reação da outra parte que
não aceitou ainda a perda do casamento/união e que necessita de debater e compreender
em contraposição ao outro que já tem tudo pensado e decidido. A mediação familiar pode
então contribuir para minorar o risco de conflito, proporcionando um quadro de diálogo
orientado para a compreensão e para o respeito recíproco pelo processo individual de cada
um, tendo em conta o tempo que cada um dos mediados precisa para aceitar e se adaptar
à nova configuração familiar que ambos organizarem ao longo das sessões de mediação
familiar.
Assim, as dinâmicas entre o cônjuge/parceiro iniciador da SD e o cônjuge/parceiro
não aceitante da SD indiciam risco de aumento de conflito, assim como, a vulnerabilidade
330
pessoal e a infidelidade constituem aspetos potenciadores e sugerem risco do aumento de
conflito e de problemas de ajustamento à SD para os pais e para as crianças. De notar,
que a mediação familiar pré judicial poderia, por um lado, evitar que o conflito
progredisse para o plano judicial e, por outro, encaminhar o caso concreto para a instância
mais conveniente (e.g. psicologia, advocacias, tribunais, APAV., etc.) mediante a
realização de triagem adequada.
Relativamente à subcategoria de análise Intromissão familiar e extrafamiliar, de
salientar que, não obstante a motivação de apoio por parte da família e ou de amigos, o
facto é que tal interferência acaba, frequentemente, por contribuir para inflamar o conflito,
“ Sim, acho que essa interferência foi péssima, mesmo a questão de logo ir a correr para
advogados, e isto e aquilo, é tudo lá da família… gente de advogados e afins, e acham
que assim é que se resolvem as coisas e, depois, não se resolvem, mas chega-se ao fim
com a mesma porcaria. (E21-P5) e para (des)empoderar os pais na condução do processo
de SD, “(…) A certa altura acabavam por interferir. Interferiam e condicionavam as
nossas decisões quando não tinham nada que se meter.” (E24-P7).
Finalmente, a subcategoria de análise Partilha de habitação após separação, é um
fator de mal-estar insuportável (E18-M) – Eu acho, que quando um casal decide que se
deve separar um dos dois deve sair imediatamente da casa, porque depois, a convivência
é insuportável e as crianças acabam por ter que assistir a cenas. (…).”. Tal situação
induz ambiguidade e incerteza aumentando, por isso, o risco de conflito e de problemas
acrescidos para as crianças, (…). Eles (filhos) ressentiram-se nesses seis meses, porque
nós deixámos de fazer coisas em família. A vivermos na mesma casa era a semana do pai
e a semana da mãe. (…). (E26-P8).
331
De facto, a associação entre o declínio do bem-estar físico e psicológico para pais
e para as crianças em consequência da SD tem vindo a ser referida por vários autores (e.g.
Amato, 2010 Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Kelly, 2003), no entanto, a
prevalência de vulnerabilidade nas crianças decorrente da SD depende ,em grande
medida, da forma como a transição para a SD é negociada, do tipo e intensidade dos
fatores de risco e dos fatores de proteção envolvidos, bem como das mudanças de vida e
familiares ocorridas durante o período da separação (Hetherington & Stanley-Hagan,
1999).
Assim, os resultados obtidos corroboram anteriores estudos sobre o tema, bem
como comprovam a necessidade de desenvolver práticas mais eficientes de mediação
familiar, quer no seu quadro atual como na perspetiva preventiva.
4.5.7 Impacto do tempo no conflito
Através da categoria de análise Impacto do tempo no conflito pretende-se
compreender se o decorrer do tempo tem um efeito mais positivo ou mais negativo
relativamente ao desenvolvimento do conflito.
Tabela 21
Impacto do decorrer do tempo no desenvolvimento do conflito
Categoria de análise: Impacto do tempo no
conflito
Negativo Positivo
Participantes (12) 4 (25%) 9 (75%)
332
Os resultados sugerem que a passagem do tempo para a maioria dos participantes
(75%) tem um efeito positivo sobre o conflito contribuindo para a sua diminuição “as
coisas mais próximas da separação são muito mais duras, muito mais ríspidas, (…), mas
depois com o passar do tempo começam a amolecer.” (E25-P). Contudo, alguns
participantes (25%) consideraram que o decurso do tempo contribuiu para perpetuar o
conflito, (…) desde a nossa separação efetiva passaram sete anos e eu não vejo grandes
melhoras no conflito ou na perceção de uma ausência de comunicação entre os pais.
(E05-P), apesar de se admitir que a mediação familiar poderia ter ajudado a controlar o
avanço do conflito, caso tivesse acontecido no momento adequado, “Com aquela tal
sensação de que isto (a mediação) (…) está a aparecer é tarde.” (E22-P), sugerindo-se
que a oportunidade da mediação familiar se situa dentro do primeiro ano, após a decisão,
Não, a tempo não foi (a mediação), acho que a mediação serve se for logo… o decorrer
de pelo menos um ano do divórcio, acho que depois começa a ser tempo a mais… começa
a haver muito conflito (…).” (E06 - M3).
Em síntese, os resultados sugerem que na maioria dos casos a passagem do tempo
que medeia entre a comunicação de SD e o final do processo de mediação familiar
contribui para desaceleração do conflito e da intensidade emocional negativa.
Eventualmente, determinadas características interacionais entre o ex-casal, como o
elevado conflito, poderão estar relacionados com a impenetrabilidade de qualquer efeito
benéfico do tempo para a dinâmica do conflito.
4.5.8 Sensibilidade Parental
A relação pai/mãe-filho é influenciada por múltiplos fatores, mas os recursos
psicológicos dos pais, as características das crianças e as fontes contextuais de suporte ou
333
de stress são fatores determinantes na relação pai/mãe-filho (Belski, 1984). Por sua vez,
a associação entre o conflito destrutivo, isto é, o conflito intenso, em escalada e não
resolvido, é consistentemente associado a insegurança emocional, quer nas relações entre
o casal, quer nas relações pai/mãe-filhos (Cummings & Davies, 2002).
A sensibilidade parental consiste numa vantagem proveniente do bem-estar
experimentado num ambiente positivo e com funcionamento competente dos pais de que
algumas crianças beneficiam ao contrário de outras. Pluess e Belsky (2013) afirmam que
a sensibilidade parental não é um fator protetor no sentido em que não funciona contra a
adversidade, mas, antes um benefício ou vantagem de que usufruem umas pessoas e não
outras (Pluess & Belsky, 2013).
Figura 46. Indicadores de sensibilidade parental, na transição para a SD.
A análise da categoria sensibilidade parental, durante da SD, permite verificar que
a Perceção dos pais relativamente ao impacto da relação pai/mãe-filhos é o indicador
mais prevalente da promoção da segurança e bem-estar nos filhos, “Do ponto de vista
emocional, do ponto de vista intelectual, do ponto de vista de ele se sentir bem consigo
3; 4%
19; 29%
25; 38%
14; 21%
5; 8%
Conversar com as criançassobre o que está aacontecer
Identificar sentimentosna criança
Perceção impacto darelação pai/mãe - filhos
Respeito pela criança
Sentido de autocritica
334
mesmo, do ponto de vista de para ele estar bem é necessário que os pais estejam bem
também…” (E09-P2), demonstrando preocupação, “(…). Pelo aspeto psicológico deles,
mesmo em termos físicos... porque acho que (o conflito entre os pais) traz ansiedade (…)”
(E11-P).
A subcategoria identificar sentimentos nos filhos permite constatar que os pais
sensitivos estão sintonizados com as emoções dos seus filhos, “(…)mostra-se ansioso -
não de uma forma continua -, quer dizer que há fases em mostra desconforto quando vai
do pai para a mãe e, eventualmente pode mostrar alguma resistência, (…), depende muito
do contexto… (E09-P2), e estão atentos aos seus comportamentos, “Desde o mau
comportamento, o fingir que não ouve (…), começou a ter esses problemas na escola ...
as coisas têm melhorado, não lida bem com as regras, tem essa dificuldade.
Utiliza muito bem todo aquele esquema de chantagem entre o pai e a mãe (…). (E11-P).
Relativamente à subcategoria respeito pela criança, salienta-se a forma como os
pais não só escutam, como dão valor às opiniões das crianças, “(…) São duas crianças
pequenas e eles próprios vão-nos levando porque dizem: ‘mas, porque é que vocês
discutem? Não vale a pena…’, e nós ouvimo-los. (E14-M).
Finalmente, a subcategoria conversar com os filhos sobre as mudanças inerentes
à SD, “A forma como lhes foi dito pelo pai foi: ‘o quê que vocês acham de ter agora duas
casas, a mamã vive numa casa e o papá vive noutra’ e foi assim, desta forma, que eles
foram interiorizando que o pai ia ter uma casa e eles iam continuar ali. (E10-M) fomenta
o sentimento de segurança nos filhos, tal como a subcategoria sentido de autocritica,
contribui para que os pais se questionem e assim possam melhorar os seus
comportamentos para com os seus filhos, E14-M - Sim. É a tal coisa do, daí é que eu
acho que essa é a expressão que define que nós não atendemos ao superior interesse dos
335
nossos filhos…nós atendemos aos nossos interesses. Atendemos às nossas emoções… e é
complicado. (E14-M).
4.5.8.1 Perceções dos pais sobre a relação de coparentalidade atual e futura
Seguidamente investigou-se a forma como os pais percecionam presentemente a
sua relação de coparentalidade e como perspetivam o seu desenvolvimento futuro.
Figura 47. Comparação entre a perceção dos pais sobre a sua relação de coparentalidade
no presente e a forma como a perspetivam para o futuro.
De acordo com os resultados exposto no Figura 47 não se verificam alterações
substanciais relativamente à experiência de coparentalidade instável
(colaborante/competitiva) para o futuro, salientando-se que cerca de metade dos
participantes (14 participantes quanto à coparentalidade atual e 13 participantes no que
respeita à coparentalidade futura), manifestam uma relação de coparentalidade oscilante
14
6
10
13
11
17
A : Colaborante -competitiva
B : Competitiva C : Cooperativa
1 : Coparentalidade atual Coparentalidade futura
336
quer, no presente quer no futuro. Este resultado evidencia algum tipo de incerteza, cuja
origem relacional poderá mesmo ser anterior à SD, mas que se projeta para o futuro.
Relativamente à coparentalidade competitiva verifica-se que as expetativas dos
pais quanto ao futuro são mais negativas do que as vivências atuais projetando, por isso,
que o quadro de coparentalidade competitiva se deteriore, nomeadamente em razão da
escalada do conflito.
Finalmente, considera-se que a coparentalidade positiva tenderá a existir e a
evidenciar-se mais claramente do que no presente.
Assim, os resultados sugerem que quanto mais negativa é a coparentalidade no
presente mais negativa a expectativas de melhoramento ou estabilização da
coparentalidade futura, “Vai ser tendencialmente, para nula.” (E23-M7) e, inversamente
quanto mais positiva é a coparentalidade mais esperançosas são as expectativas dos pais
quanto à coparentalidade futura, “Cada vez melhor, cada vez melhor (relação de entre os
pais em relação aos filhos).” E24-P7. Deste modo, importa realçar a necessidade de
apostar na melhoria de serviços preventivos e de encaminhamento rigoroso dos casos de
conflito, em contexto de SD, aquando do primeiro contacto sistema judicial, extrajudicial,
administrativo ou privado.
4.5.8.2 Perceção dos pais relativamente à adaptação dos filhos à SD
Como anteriormente constatámos a adaptação das crianças à SD depende da
conjugação de múltiplos fatores, nomeadamente, dos vários fatores de risco e de proteção
envolvidos na SD e da capacidade de os pais promoveram comportamentos sensíveis mais
337
vantajosos para os seus filhos. Assim, a categoria de análise perceção dos pais
relativamente à adaptação dos filhos à SD, permite averiguar de que forma é que os pais
avaliam a adaptação dos seus filhos às mudanças introduzidas pela reorganização familiar
decorrente do processo de formalização da SD.
Figura 48. Perceção dos pais relativamente à adaptação dos filhos à SD.
A figura 48 permite verificar que os pais consideram que a adaptação dos filhos à
SD é predominantemente positiva (46%) ou razoável (39%)e apenas um pequeno número
de pais a consideram que a adaptação dos filhos como negativa (15%). De notar, que o
tempo decorrido após a conclusão da mediação familiar, variou entre um mês e dois anos
o que limita a apreciação rigorosa dos resultados, embora indicie uma tendência positiva
quanto à adaptação das crianças após o final do processo de mediação familiar.
4.5.9 Integração do direito da criança a participar no processo de mediação
familiar
As crianças devem ser tratadas como titulares de direitos devendo, para o efeito,
serem criadas todas as condições judiciais e extrajudiciais para o seu exercício efetivo. O
4; 15%
12; 46%
10; 39% Negativa
Positiva
Razoável
338
direito das crianças a participar nos assuntos que lhe respeitam ou que as afetem de acordo
com a sua idade e maturidade, encontra-se estabelecido em diversos diplomas jurídicos
internos (e.g. artigo 5º Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro) e externos (e.g. artigo 12 CDC;
DJAC,). Acresce, assim, a importância de tornar o sistema judicial/extrajudicial (cfr.
DJAC) mais adaptado às crianças, nomeadamente através do melhoramento das
metodologias de inclusão na criança no processo de mediação familiar, da criação de
condições instrumentais e logísticas e de formação específica e/ou supervisão para
mediadores familiares que integram as crianças no processo de mediação familiar, de
forma a promover a concretização do direito de audição da criança de acordo com o seu
superior interesse.
De salientar, a importância da conjugação entre o direito de participação da
criança (artigo 12 da CDC) nos assuntos que a afetam e o princípio do superior interesse
da criança (artigo 3º da CDC), sobretudo atendendo à tensão possível entre a efetivação
destas duas normas da CDC e aos diferentes níveis de concretização do direito de audição
da criança (James; Haugen; Rantalaiho & Marples, 2010).
O debate sobre a questão de saber se as crianças devem ser incluídas de forma
direta ou indireta na mediação familiar tem suscitado diversos argumentos, quer
favoráveis, quer desfavoráveis (Birnbaum, 2009; Parkinson, 2008; Schoffer, 2005). Não
obstante, estudos recentes tendem a considerar a prevalência da vantagem de incluir as
crianças no processo de mediação familiar (Ferreira, 2013; McIntosh; Wells; Smyth &
Long, 2008; Rudd; Ogle; Holtzworth-Munroe; Applegate & D’Onofrio, 2015).
Um dos objetivos do presente trabalho é o de investigar como é que os pais/mães
encaram a participação das crianças na mediação familiar e quais os requisitos a observar
na concretização do seu direito de participação no processo de mediação familiar.
339
Figura 49. Perspetivas dos pais relativamente à inclusão das crianças no processo de
mediação familiar.
De acordo com os resultados exibidos verifica-se que a maioria dos participantes,
neste estudo consideraram que as crianças devem participar na mediação familiar (65%),
enquanto um número menor de pais/mães (22%) referiu que a inclusão das crianças na
mediação apenas deve ocorrer em situações específicas, sendo o grupo dos participantes
que não concordaram com o envolvimento das crianças claramente minoritário (13%).
Assim, os resultados sugerem a adesão positiva dos pais relativamente ao envolvimento
dos seus filhos na mediação familiar. Por sua vez, estudos recentes têm revelado menor
hostilidade entre os pais e melhor ajustamento pragmático dos acordos (McIntosh et al.,
2008), bem como melhoria na promoção da coparentalidade positiva (Rudd et al., 2015),
relativamente aos modelos de inclusão da criança no processo de mediação familiar, quer
seja na modalidade de mediação centrada na criança, como seja na modalidade de
mediação inclusiva da criança, comparativamente com os modelos comuns não inclusivos
da criança na mediação familiar. Acresce ainda que, os resultados obtidos neste estudo
mostram-se em consonância com as diretrizes mais avançados no domínio da justiça
adaptada às crianças e evidenciam a adesão dos pais e mães à materialização de alterações
3; 13%
15; 65%
5; 22%
Nãoparticipação dacriança
Participação dacriança
Participação dacriançasituaçõesespecíficas
340
legislativas no direito interno português no sentido da implementação de uma justiça
amiga das crianças.
Importa, no entanto, salientar que qualquer forma de inclusão da criança no
processo de mediação familiar deverá ser acompanhada de uma despistagem rigorosa de
casos, eventualmente, desadequados à inclusão das crianças na mediação familiar,
especificamente, as situações de elevado conflito, de distúrbios psiquiátricos ou de maus-
tratos, abuso de substâncias, etc. (McIntosh, et al., 2008). Desta forma, impõe a
supervisão e formação específica dos mediadores familiares no sentido da adaptação da
mediação familiar às crianças de modo a garantir o exercício seguro dos seus direitos.
4.5.9.1 Requisitos para a inclusão das crianças na mediação
Relativamente à análise da categoria Critérios de audição das crianças, referida
por 25 dos participantes no presente trabalho, importa referir que os principais critérios
de inclusão das crianças no processo de mediação familiar mencionados podem ser
agrupados em critérios relativos à pessoa da criança, critérios procedimentais e relativos
aos mediadores familiares. Os critérios inerentes à criança relacionam-se, por um lado,
com a sua idade e maturidade e, por outro lado, com a necessidade de respeito pelos seus
direitos, nomeadamente a garantia de se exprimir de forma livre de quaisquer pressões, a
não manipulação e não responsabilização pelos pais ou pelo mediador familiar após a
sua participação da criança. Os critérios procedimentais para a inclusão da criança
mencionam a necessidade de avaliação e preparação prévia, entre os pais e o mediador
familiar, num ambiente adequado às crianças e sem a presença dos pais e a audição da
criança ser realizada por um mediador familiar especializado em modelos de inclusão.
341
4.5.10 Satisfação com a mediação familiar
Finalmente, procedeu-se à análise da categoria Satisfação com a mediação
familiar com o objetivo de explorar o nível de satisfação/Insatisfação/indiferença
percecionado pelos participantes no presente estudo.
Figura 50. Satisfação/insatisfação/indiferença dos participantes no estudo relativamente
ao processo de mediação familiar.
De notar, que a maioria do total dos participantes (54%) referiu encontrar-se
satisfeito com o processo de mediação tendo sido mencionada satisfação com todo o
processo de mediação familiar, referida por 17 dos participantes, “Ah, positivos tudo.
Ficou tudo esclarecido, tudo bonitinho, o nó desmanchou-se. Está tudo claro. Estruturou
o pensamento, inclusivamente de coisas que nós nem pensávamos que tínhamos que estar
a decidir, não é? Foi positivo. Recomendo. (E27-M8); assim como, satisfação com
aspetos mais concretos (e.g. realização de compromissos, intervenção do mediador,
metodologia de trabalho, eficácia do acordo), “No final da mediação senti que tinha dado
19; 38%
27; 54%
4; 8%
Insatisfação
Satisfação
Indiferente
342
um passo fundamental para se resolverem as coisas.” (E15-M); “(…) de facto, nos deu
ali um espaço neutro que levou a que (…) se conseguisse fazer a assinatura do acordo.
(E17-M5).
De salientar, igualmente, que um número relativamente elevado de participantes
(38%) ficou insatisfeito com o processo de mediação familiar, por razões variadas (e.g.
criticas da Conservatória do Registo Civil ao acordo sobre o exercício das
responsabilidades parentais, processo muito longo ou demasiado rápido, reincidência no
recurso a tribunal, etc. ), “ (…) Houve ali uma semana de descanso até ir á Conservatória
e me dizerem que aquilo não era útil, que não me aceitavam e que aquilo não servia para
nada, aí começou a guerra.”( E18-M); criticas à atuação do mediador familiar, “Ah …,
mas, nada disso ficou escrito, era um acordo verbal, mas, num advogado ficaria escrito
(…).” (E18-M).
Por fim, um reduzido número de participantes (4%) revelou indiferença face à
mediação familiar no sentido em que, não se consideraram nem satisfeitos, nem
insatisfeitos.
Assim, os resultados sugerem a necessidade de melhorar a qualidade dos serviços
de mediação familiar, quer no plano institucional, quer ao nível da qualidade da mediação
reformulando o processo de mediação familiar e atualizando as metodologias de
intervenção.
4.6 Integração de variáveis quantitativas
343
4.6.1 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do
Questionário de Coparentalidade e a origem do processo de mediação familiar bem
como o resultado do processo de mediação familiar
Os resultados obtidos em cada uma das três subescalas do Questionário de
Coparentalidade (Margolin, et al., 2001 adaptação Portuguesa, Pedro & Ribeiro, 2014)
foram calculados com base na média de cada dimensão ou subescala, (Marôco, 2011;
Pestana & Gageiro, 2008). Consequentemente, procedeu-se à análise de possíveis
diferenças entre os resultados de cada dimensão (cooperação, triangulação e conflito), a
origem do processo de mediação familiar (judicial ou voluntário) e o resultado da
mediação familiar (com acordo ou sem acordo) por intermédio do software SPSS 22.0,
do teste T para amostras independentes para cada uma das associações em evidência
(Marôco, 2011; Martinez & Ferreira, 2007; Pestana & Gageiro, 2008).
4.6.2 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do
Questionário de Coparentalidade com a origem do processo de mediação familiar –
voluntária ou judicial
Tendo em conta que cada uma das amostras relativas à origem do processo de
mediação familiar possuem uma dimensão inferior a 30 (𝑁𝐽𝑢𝑑𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 = 10; 𝑁𝑉𝑜𝑙𝑢𝑛𝑡á𝑟𝑖𝑜 =
20), foi necessário efetuar o teste de Shapiro-Wilk para aferir a normalidade da variável
em questão (Gleitman, Fridlund & Reisberg, 2007; Mâroco, 2011).38
Após verificar que o p-value do teste de Shapiro-Wilk se encontra entre 0.09 e
0.58739 (p>0.05), podemos assumir a existência de normalidade para um nível de
38 A utilização do teste de Shapiro-Wilk, em detrimento do teste de Kolmogorov-Smirnov deve-se ao facto
de a amostra em análise ser de dimensão reduzida (N<50) (Pestana & Gageiro; 2008). 39 Vide Apêndice L, output 1.
344
significância α=5% (Mâroco, 2011; Martinez & Ferreira, 2007) e consequentemente
aplicar o teste-t de amostras independentes, para verificar se existem diferenças
significativas entre os resultados obtidos nas subescalas do Questionário da
Coparentalidade em função da origem do processo de mediação familiar (Mâroco, 2011;
Pestana & Gageiro, 2008).
Uma vez que o p-value do teste de Levene para igualdade de variâncias encontra-se entre
0.23 e 0.61440 (p>0.05), não rejeitamos a hipótese de homogeneidade das variâncias, ao
nível de significância α=5% (Martinez & Ferreira, 2007). Posto isto, podemos verificar o
p-value do teste-t para a igualdade de médias para cada uma das subescalas do
Questionário da Coparentalidade.
Na subescala da cooperação, o p-value do teste-t para a igualdade de médias é de
0.00341, por isso pode concluir-se que os valores médios da subescala da cooperação não
são idênticos nos participantes que recorreram à mediação familiar na sequência de
processo judicial, comparativamente aos participantes que recorreram a este processo por
de forma voluntária, constatando-se assim diferenças nos resultados obtidos na subescala
da cooperação em função da origem do processo de mediação familiar, a um nível de
significância de α=5%, uma vez que p<0.05 (Mâroco, 2011).
Na subescala da triangulação, o p-value do teste-t para a igualdade de médias é
0,04042, por isso pode concluir-se que os valores médios da subescala da triangulação não
são idênticos nos participantes que recorreram à mediação familiar na sequência de um
processo judicial, quando comparados aos participantes que recorreram a este processo
40 Vide Apêndice L, output 2. 41 Vide Apêndice L, output 2. 42 Vide Apêndice L, output 2.
345
voluntariamente, havendo deste modo diferenças nos resultados obtidos na subescala da
triangulação em função da origem do processo de mediação familiar, a um nível de
significância de α=5%, uma vez que p<0.05 (Mâroco, 2011).
Por último, na subescala do conflito, o p-value do teste-t para a igualdade de
médias é 0.11043, por isso pode concluir-se que os valores médios da subescala do conflito
são idênticos nos participantes que recorreram à mediação familiar na sequência de um
processo judicial, relativamente aos participantes que recorreram a este processo
voluntariamente, não havendo deste modo diferenças nos resultados obtidos na subescala
do conflito em função da origem do processo de mediação familiar, a um nível de
significância de α=5%, uma vez que p>0.05 (Mâroco, 2011).
4.6.3 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do
Questionário de Coparentalidade com o resultado do processo de mediação familiar
– com acordo ou sem acordo
Tendo em conta que cada uma das amostras relativas ao resultado do processo de
mediação familiar possuem uma dimensão inferior a 30 (𝑁𝐴𝑐𝑜𝑟𝑑𝑜 = 21; 𝑁𝑆𝑒𝑚 𝑎𝑐𝑜𝑟𝑑𝑜 = 9),
foi necessário efetuar o teste de Shapiro-Wilk para aferir a normalidade da variável em
questão (Gleitman, Fridlund & Reisberg, 2007; Mâroco, 2011).44
Após verificar que o p-value do teste de Shapiro-Wilk se encontra entre 0.18 e 0.59245
(p>0.05), podemos assumir a existência de normalidade para um nível de significância
α=5% (Mâroco, 2011; Martinez & Ferreira, 2007) e consequentemente aplicar o teste-t
43 Vide Apêndice L, output 2. 44 A utilização do teste de Shapiro-Wilk, em detrimento do teste de Kolmogorov-Smirnov deve-se ao facto
de a amostra em análise ser de dimensão reduzida (N<50) (Pestana & Gageiro; 2008). 45 Vide Apêndice M, output 3.
346
de amostras independentes, para verificar se existem diferenças significativas entre os
resultados obtidos nas subescalas do Questionário da Coparentalidade em função da
natureza do processo de mediação familiar (Mâroco, 2011; Pestana & Gageiro, 2008).
Uma vez que o p-value do teste de Levene para igualdade de variâncias encontra-
se entre 0.051 e 0.33246 (p>0.05), não rejeitamos a hipótese de homogeneidade das
variâncias, ao nível de significância α=5% (Martinez & Ferreira, 2007). Assim, podemos
verificar o p-value do teste-t para a igualdade de médias para cada uma das subescalas do
Questionário da Coparentalidade.
Na subescala da cooperação, o p-value do teste-t para a igualdade de médias é de
0.00847, por isso pode concluir-se que os valores médios da subescala da cooperação não
são idênticos nos participantes que terminaram o processo de mediação familiar com
acordo, comparativamente aos participantes que terminaram o processo de mediação
familiar sem acordo, havendo assim diferenças nos resultados obtidos na subescala da
cooperação em função do resultado do processo de mediação familiar, a um nível de
significância de α=5%, uma vez que p<0.05 (Mâroco, 2011).
Na subescala da triangulação, o p-value do teste-t para a igualdade de médias é
0,00148, por isso pode concluir-se que os valores médios da subescala da triangulação não
são idênticos nos participantes que terminaram a o processo de mediação familiar com
acordo, comparativamente aos participantes que terminaram o processo de mediação
familiar sem acordo, havendo deste modo diferenças nos resultados obtidos na subescala
46 Vide Apêndice M, output 4. 47 Vide Apêndice M, output 4. 48 Vide Apêndice M, output 4.
347
da triangulação em função do resultado do processo de mediação familiar, a um nível de
significância de α=5%, uma vez que p<0.05 (Mâroco, 2011).
Por último, na sub-escala do conflito, o p-value do teste-t para a igualdade de
médias é 0.33249, por isso pode concluir-se que os valores médios da sub-escala do
conflito são idênticos nos participantes que terminaram a o processo de mediação familiar
com acordo, comparativamente aos participantes que terminaram o processo de mediação
familiar sem acordo, não havendo deste modo diferenças nos resultados obtidos na
subescala do conflito em função do resultado do processo de mediação familiar, a um
nível de significância de α=5%, uma vez que p>0.05 (Mâroco, 2011).
4.6.4 Análise da possível relação entre a variável origem do processo de mediação
familiar (judicial ou voluntário) com a variável resultado do processo de mediação
familiar (com acordo ou sem acordo)
Tendo em conta a análise comparativa dos resultados obtidos nas três subescalas
do Questionário de Coparentalidade realizada, pareceu-nos pertinente e fundamental
averiguar a existência de uma relação entre a variável origem do processo de mediação
familiar e a variável resultado do processo de mediação familiar.
Mais precisamente, pretendeu-se determinar se a origem do processo de mediação
familiar (judicial ou voluntária) tem impacto no resultado do processo da mediação
familiar relativamente à obtenção ou não de acordo relativo ao exercício das
responsabilidades parentais.
49 Vide Apêndice M, output 4.
348
Consequentemente, de modo a analisar a relação entre as variáveis, procedemos à
realização de uma tabela de contingência (Marôco, 2011; Martinez & Ferreira, 2007), e
logo depois, utilizámos o teste de Fisher (Almeida & Freire, 2008; Gleitman, Fridlund &
Reisberg, 2007; Marôco, 2011), com o objetivo de verificar se efetivamente existe uma
relação entre a origem do processo de mediação familiar e o resultado do mesmo.
Os resultados obtidos50, permitem observar que de uma amostra de 30
participantes, 20 recorreram a mediação familiar de forma voluntária e 10 recorreram à
mediação familiar na sequência de um processo judicial. De referir, que 9 participantes
terminaram a mediação familiar sem acordo, enquanto 21 terminaram com acordo, mais
detalhadamente, dos 10 casos que recorreram à mediação familiar na sequência de um
processo judicial, 7 (70%) terminaram sem acordo, enquanto 3 (30%) terminaram com
acordo. Por sua vez, dos 20 casos que recorreram à mediação familiar de forma voluntária,
2 (10%) terminaram o processo sem acordo, enquanto 18 (90%) concluíram o processo
com acordo.
Com base na análise efetuado procedeu-se à aferição de uma associação
significativa entre as variáveis acima identificadas, através do teste exato de Fisher51,
uma vez que estamos perante subgrupos de variáveis com uma amostra inferior a 20
(N<20) (Martinez & Ferreira, 2007). Neste caso em especial, estamos perante o caso de
uma tabela de contingência 2x2 (Almeida & Freire, 2008). Por conseguinte, e atentos ao
facto de que o p-value do teste de Fisher é 0.002, existe evidência estatística, ao nível de
significância α=5%, de que as variáveis não são independentes, estando deste modo
associadas, uma vez que p<0.05 (Mâroco, 2011).
50 Vide Apêndice N, output 5. 51 Vide Apêndice N, output 6.
349
Visto que a análise através do teste de Fisher apresenta valores de significância inferiores
a 0.05 (p=0.02), podemos afirmar que existe uma associação positiva entre a origem do
processo de mediação familiar (voluntária ou judicial) e o resultado desse mesmo
processo (com ou sem acordo).
Os resultados expressos no teste de Fisher encontram assim sustentação no estudo
empirico1 uma vez que a existência de processo judicial anterior à mediação familiar foi
considerada pelos participantes nos focus groups como sendo um fator ativador de
conflito, tendo sido evidenciada uma perceção negativa relativamente ao sucesso dos
processos de mediação familiar provenientes de um processo judicial em curso. Além
disso esta conclusão é consentânea com outros estudos (Emery, 2012; Tomé, 2011). Mais
ainda, verifica-se que no Questionário da Coparentalidade o grau de cooperação obtido é
superior nos participantes que recorreram a mediação familiar voluntariamente e o grau
de triangulação obtido é superior nos casos em que a mediação familiar ocorreu na
sequência de processo judicial.
4.7 Síntese do capítulo
Neste capítulo realizámos a análise do sistema categorial do estudo 3, através da
qual se caracterizaram as decisões parentais responsáveis, assim como, se identificaram
os grandes domínios de influência no processo de tomada de decisão no contexto da
mediação familiar, pessoais (ex-casal/pais), contextuais e de promoção de mudança
positiva, caracterizando-os e interligando-os com as estratégias específicas de mediação.
Investigamos, também, os fatores de proteção e os fatores de risco integrando os obtidos
na literatura atual sobre o tema e analisou-se a sensibilidade parental como fator de
promoção de vantagens para as crianças e a influência do decurso do tempo no
ajustamento do ex-casal/pais à SD. Examinámos de que forma o direito de participação
350
das crianças nos assuntos que as afetam é observado pelos pais e quais os critérios a
utilizar na definição da sua inclusão. Finalmente, averiguámos que perceção
positiva/negativa, têm os pais-mães/mediados sobre a sua experiência de mediação
familiar.
351
CAPÍTULO V
____________________________________________________________
5. CONCLUSÕES
352
5.1 Conclusões
A presente tese foi elaborada com o propósito de contribuir para investigar
potencialidades teóricas e práticas da mediação familiar, relativamente ao exercício das
responsabilidades parentais, no contexto de SD. O estudo 1, teve como principais
objetivos aumentar a compreensão sobre os conflitos familiares e sobre as estratégias e
modelos de mediação familiar e identificar os fatores de proteção e fatores de risco que
interferem na relação entre os pais e no bem-estar das crianças. Com o estudo 2 pretendeu-
se averiguar as características das decisões parentais responsáveis, bem como os efeitos
da mediação familiar na relação pais/filhos e na coparentalidade. Além disso
identificaram-se domínios estruturantes do processo de mediação familiar que
contribuem para um mais amplo enquadramento teórico da mediação familiar. Nos
estudos realizados teve-se sempre em vista o aprofundamento de mecanismos
concretizadores do superior interesse das crianças e respetivos demais direitos.
5.2 A especificidade dos conflitos familiares
Os resultados obtidos no estudo 1 relativamente ao conflito corroboram a tipologia
de conflitos identificada por Moore (2005) evidenciando a transversalidade dos conflitos
de relação em relação aos outros tipos de conflitos, porquanto a componente emocional,
a comunicação pobre e disfuncional e o comportamento negativo e repetitivo são comuns
à generalidade dos conflitos familiares apesar das características diferenciadoras de cada
tipo de conflito identificado. Cada tipo de conflito inclui não só um conjunto de pistas
que auxiliam os mediadores familiares a direcionar adequadamente sua intervenção,
como também fornecem um quadro de referência sobre a (in) adequabilidade do caso
concreto por meio de mediação família. Por sua vez, os resultados do estudo 2,
353
relativamente às formas de relação interparental durante a mediação são compagináveis
com as características dos tipos de conflito analisados no estudo 1 evidenciando a
associação dos estilos de relacionamento colaborativo e competitivo, a formas de
comunicação construtiva e destrutiva tal como Deutsch (2001) já tinha afirmado. Assim,
os resultados dos estudos 1 e 2 permitem confirmar que a relação colaborativa entre os
pais está associada a formas equitativas de partilha do poder, de distribuição de
responsabilidades quanto às crianças e à predisposição para tomar decisões conjuntas
enquanto a relação competitiva está associada a desequilíbrios de poder, a emotividade
forte e negativa e manipulação.
Deste modo, sublinha-se que as interações competitivas estão associadas a
conflitos estruturais e relacionais, cujo planeamento e intervenção requer especial
cuidado com as metodologias e estratégias a utilizar pelos mediadores familiares. Neste
sentido, à semelhança de Bollen, et. al., (2013) verifica-se a pertinência em aplicar
estratégias especificamente orientadas para gerir e equilibrar o poder, para abrir a
comunicação e a compreensão entre os pais/ex-casal.
Deve ainda ser salientado que, os resultados relativos ao conflito, especificamente,
os fatores de influência no conflito familiar, são consonantes com a perspetiva do conflito
defendida por Brack, et al., (2011) , isto é, como realidade ecologicamente
multideterminada, complexa e enredada numa teia de relações dissonantes entre o ex-
casal/pais que acontecem no núcleo microssistémico, incisivo e preciso e que evoluem
numa relação de interdependência com múltiplos fatores ambientais relativos ao
mesossistema (e.g. família extensa, amigos, etc.), e ao macrossistema (e.g. sistema
judicial, cultura, etc.).
354
5.3 Modelos de mediação familiar
Os resultados do estudo empírico 1 permitem verificar que os mediadores
familiares identificaram estratégias de mediação claramente características de modelos
de mediação familiar, ao contrário os assessores do ISS que não referiram qualquer
estratégia distintiva de determinado modelo de mediação. Não obstante a prevalência de
formação de mediação familiar dos participantes do ISS e a proximidade da sua
intervenção em situações de litigio relativas a SD, este resultado justifica-se,
precisamente, porque a intervenção dos assessores do ISS no âmbito da audiência técnica
especializada (artigo 23º do RGPTC) é distinta da mediação familiar (artigo 24º RGPTC),
quer ponto de vista substantivo como do ponto de vista pragmático.
É ainda relevante referir que a análise categorial do estudo 1 permitiu concluir que
os resultados do total dos cinco focus groups não sugerem uma adesão coerente e
sistemática aos modelos concretos de mediação familiar comuns, apesar de se verificar
que só os mediadores familiares mostraram conhecer e utilizar estratégias consentâneas
com os modelos de mediação familiar definidos. Mas mais, os resultados emergentes
sobretudo do estudo 1 no seu conjunto evidenciam que os modelos de mediação familiar
mais comuns não são ainda suficientemente consistentes devendo ser melhor
aprofundados na formação dos mediadores familiares, conclusões estas, coincidentes com
outras investigações anteriormente realizadas (Sbarra &Emery, 2001).
Não obstante a difusão na literatura sobre mediação familiar de múltiplas
estratégias de mediação (Bush & Folger, 2005; Fisher, Ury & Patton, 2007; Irving &
Benjamin 2005; Moore, 2003; Parkinson, 2008; Suares, M., 2003). A análise categorial
do estudo 1 permitiu uma sistematização inovadora das diversas estratégias de mediação
familiar referidas pelos participantes nos focus groups de acordo com a sua função e os
355
objetivos do processo de mediação familiar. Pretende-se que esta sistematização das
diversas estratégias de mediação contribua para uma melhor utilização e compreensão
das mesmas no contexto da literatura sobre mediação familiar (Bush & Folger, 2005;
Fisher, Ury & Patton, 2007; Irving & Benjamin 2005; Moore, 2003; Parkinson, 2008;
Suares, M., 2003).
5.4 Domínios de influência no processo de mediação familiar
Os resultados emergentes dos dois estudos realizados, mas sobretudo do estudo 2
e especificamente da categoria de análise Domínios de influência no processo de
mediação familiar, permitiram identificar cinco dimensões de influência a considerar na
condução do processo de tomada de decisão em mediação familiar: a dimensão
emocional; a dimensão da comunicação, o contexto, a relação interpessoal dos pais e a
integração de mudanças adaptativas. Os resultados sugerem que os estilos de mediação
familiar interventivo ou facilitativo (Kressel, 2007) devem ser consonantes com a
natureza dos assuntos a decidir (e.g. Driskell & Johnston, 1998) e com a forma como os
participantes na mediação processam a informação tendo em conta que os padrões de
pensamento diferem de pessoa para pessoa (Epstein, et al., 1992), pois certas pessoas
enfatizam a racionalidade, a lógica e o quadro legal, enquanto outras vão ao encontro de
formas de pensar mais afetivas, experienciais e holísticas que lhes permitem desenvolver
a consciência de si e do outro (Damásio 2010), a compreensão e a empatia. Assim, os
resultados sustentam que os mediadores familiares devem ser sensíveis aos distintos
padrões de pensamento dos mediados de modo a dinamizar o processamento racional e
afetivo que se mostrar mais confortável para os participantes na mediação familiar.
356
Os resultados obtidos relativamente à análise da categoria de análise Domínios de
influência no processo de mediação permitem reportar que a tomada de decisão no
contexto de mediação familiar, determinou mudanças finas do quadro de referência da
pessoa, da história, das significações e das posturas dos mediados essenciais a uma melhor
adaptação à reorganização e adaptação da família após a SD.
Deve ser ainda referida que foi possível caracterizar as decisões responsáveis
sobre responsabilidades parentais, em contexto de SD, os respetivos obstáculos e as
potencialidades de mediação familiar para a sua promoção mediante o estimulo à
cooperação, a prevenção do conflito e a dinamização de um contexto reflexivo.
5.5 Fatores de proteção e fatores de risco, na transição para a SD
O estudo 1 e o estudo 2 refletem resultados consentâneos com vários estudos sobre
o aumento do risco de diversas consequências negativas para as crianças relacionadas
com a SD dos pais (Anderson et al., 2011; Amato, 2000; Amato, 2010; Hetherington, &
Stanley-Hagan, 1999; Kelly & Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015). O estudo 2
evidencia uma associação entre o aumento de riscos específicos de consequências
negativas para as crianças durante a SD dos pais, destacando-se fatores como: a
coparentalidade negativa, o elevado conflito e a severidade da SD (Haddad, et al., 2016;
Sbarra & Emery, 2008). Inversamente, os fatores protetores apontam para a
coparentalidade positiva, para a diminuição do conflito e para o foco dos pais no bem-
estar das crianças. Importa ainda referir que os resultados relativos à forma como os pais
perspetivam a coparentalidade no futuro, sustentam um aumento da cooperação apesar de
ainda se manterem dinâmicas de coparentalidade competitiva.
357
O estudo 2 permitiu verificar que existe uma associação negativa entre os
processos de mediação familiar iniciados no decurso de um processo judicial e a obtenção
de acordo através de mediação familiar. Em contrapartida, constatou-se uma maior
prevalência de acordo sobre as responsabilidades parentais nos processos de mediação
familiar que foram impulsionados pelos intervenientes na mediação familiar do que nos
processos de mediação familiar que tiveram lugar na sequência de um processo judicial.
.
5.6 Implicações práticas
A presente tese tem importantes implicações práticas em vários aspetos: em
primeiro lugar é fundamental que os mediadores familiares possam desenvolver a sua
atividade de forma interligada e tenham condições para trabalhar em equipa, para que
possam potenciar e desenvolver criativamente a sua atividade contrariando a dispersão de
experiências e de conhecimentos e contribuindo para melhorar a qualidade do serviço
público ou privado com o qual colaboram. Em segundo lugar, os resultados comprovam
que na fase de SD há uma concentração de fatores de risco para as crianças e para os pais
de considerável impacto que podem ser prevenidos através de mediação familiar. Em
terceiro lugar, a importância da realização de triagem pré judicial ou antes do início do
processo de mediação permitiria a diminuição de recurso a tribunal, mas também evitaria
a utilização de mediação familiar quando tal não fosse adequado ao caso concreto. Em
quatro lugar, os resultados no seu conjunto demonstram que a mediação familiar tem um
impacto positivo no ajustamento dos pais e das crianças na transição para a SD sendo,
também nesse sentido recomendada em vários diplomas de direito interno e externo,
nomeadamente nas Diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a
justiça adaptada às crianças, adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa
358
em 17 de novembro de 2010. Mais ainda, as diretrizes determinam o recurso a mediação
familiar antes do início de qualquer processo judicial que envolva crianças em ordem à
proteção do superior interesse das crianças. Em quinto lugar, os resultados no seu
conjunto, evidenciam a necessidade de desenvolvimento de novas politicas de
desenvolvimento e atualização das práticas de mediação familiar preventivas e
direcionadas para uma prática da mediação familiar adaptada ao exercício efetivo dos
direitos das crianças.
5.7 Limites e pistas para futuras investigações
Observando-se a escassez de investigação científica sobre mediação familiar e a
dificuldade de obtenção de amostras significativas sobre o tema em estudo, salienta-se a
importância desta investigação para uma melhor integração interdisciplinar, compreensão
teórica e para a prática concreta da mediação familiar. No entanto, esta tese tem
limitações. Em primeiro lugar, evidencia-se a necessidade de se realizarem estudos
quantitativos que suportem um grau de generalização que este trabalho não alcança. Em
segundo lugar, a amostra do estudo 1 foi composta por mediadores familiares todos
colaboradores do serviço público de mediação familiar - SMF não permitindo assim a
inclusão de perspetivas dos mediadores familiares que desenvolvem a sua atividade no
setor privado; em terceiro lugar, não foram incluídos no estudo outros participantes com
impacto na mediação familiar como os advogados. De referir, que a presente dissertação
fornece várias pistas para futuras investigações, nomeadamente sobre métodos de
inclusão das crianças na mediação familiar e especialmente sobre o desenvolvimento de
métodos de mediação preventiva. Os resultados do estudo 1 e do estudo 2 revelam que o
contexto judicial comporta diversas consequências negativas para gestão dos conflitos
359
familiares dando origem a relitigância frequente e aumento do conflito em torno das
responsabilidades parentais quando, o que o está em causa é o conflito entre o casal e ex-
casal. De referir, a necessidade de prevenir o risco de problemas psicológicos para as
crianças em consequência da SD. Por outro lado, verifica-se que a mediação familiar tem
um efeito promotor do ajustamento dos pais e das crianças à SD ajudando a atenuar o
conflito e melhorando a relação de coparentalidade e a relação pais-filhos. Neste sentido,
esta tese sustenta a necessidade de se implementar politicas legislativas e medidas
concretas destinadas a promover a mediação familiar antes do processo judicial e não
apenas, durante ou após o decurso do processo judicial, como atualmente se encontra
previsto na legislação nacional. Desta forma, são de extrema importância investigações
futuras que permitam sustentar um sistema de mediação familiar assente na prevenção de
riscos potencialmente negativos para as famílias e especialmente para as crianças.
361
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Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro (altera o regime jurídico do divórcio, introduzindo a
mediação familiar).
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Despacho nº 12368/97, de 28 de agosto de 1997
Despacho 1091/2002, de 16 de janeiro de 2002.
Despacho n.º 18778/2007, de 22 de agosto (regula o SMF)
APÊNDICES
DOUTORAMENTO EM PSICOLOGIA
Especialidade: Psicologia Clínica| Área Temática: Psicologia da Família e Intervenção Familiar
Lucinda das Dores Tiago Gomes
Tese orientada pela Professora Doutora Maria Teresa Ribeiro especialmente elaborada para obtenção
do grau de doutora.
2017
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PSICOLOGIA
2
APÊNDICES
3
ÍNDICE DE APÊNDICES
Apêndice A - Pedido de autorização para desenvolvimento de investigação
em Mediação Familiar
4
Apêndice B - Pedido de autorização para gravação de entrevistas 7
Apêndice C - Guião de entrevista para focus groups com mediadores
familiares e com técnicos de assessoria técnica aos TFM
9
Apêndice D - Guião de questionário sociodemográfico - focus groups 12
Apêndice E - Excerto da categoria de Análise - Emotividade Negativa 14
Apêndice F - Estudo 2 - Entrevista semiestruturada 20
Apêndice G - Questionário sociodemográfico – pais e mães 25
Apêndice H - Questionário da Coparentalidade - QC 27
Apêndice I - Sistema de Categorias do Estudo 2 29
Apêndice J - Excerto da categoria de Análise - Emotividade Negativa 31
Apêndice L - Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três
subescalas do Questionário de Coparentalidade com a origem do processo de
mediação familiar – voluntário ou judicial
35
Apêndice M - Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três
subescalas do Questionário de Coparentalidade com o resultado do processo
de mediação familiar – com acordo ou sem acordo
37
Apêndice N - Análise da possível relação entre a variável origem do processo
de mediação familiar (judicial ou voluntário) com a variável resultado do
processo de mediação familiar (com acordo ou sem acordo)
39
4
APÊNDICE A
Pedido de autorização para desenvolvimento de investigação
em Mediação Familiar
5
Lisboa, 2010-02-08
Assunto: Pedido de autorização para desenvolvimento de investigação em Mediação
Familiar
Exmo. Senhor
Director do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios
Dr. Domingos Farinho
Após a conclusão do Curso de Estudos Avançados em Psicologia Clínica, especialidade
de Psicologia da Família e Intervenções Familiares, no âmbito do 1º ano do “Programa
de Doutoramento Inter-universitário entre as Faculdades de Psicologia das Universidades
de Coimbra e de Lisboa”, encontro-me, presentemente, a desenvolver o meu projecto de
investigação na área temática da mediação familiar.
A pertinência deste estudo, entre outras razões, justifica-se face à escassez de investigação
sobre mediação familiar em Portugal, e ao crescente impacto desta no quadro da
abordagem dos conflitos familiares. Com este projecto pretende-se, entre outros aspectos,
aumentar o conhecimento sobre mediação familiar, aprofundar e compreender os
modelos e práticas que informam a actividade, bem como determinar factores de
protecção e de risco na fase de transição para a separação/divórcio.
O desenvolvimento do projecto, de matriz qualitativa, orientado pela Grounded Theory,
compõe-se por um primeiro estudo com aplicação da metodologia de focus-groups, a
realizar com mediadores e, por um segundo estudo em que se irão aplicar entrevistas
6
semi-estruturadas a cerca de 30 pais e mães que tenham passado por um processo de
mediação familiar.
A colaboração do GRAL é fundamental para a concretização deste trabalho, uma vez que
a recolha dos dados implica, por um lado, o acesso aos mediadores que integram o SMF
e, por outro, aos processos relativos aos cerca de 30 pais e mães que compõem a amostra,
pelo que, tomamos a iniciativa de solicitar a V. Exa. a marcação de uma reunião com o
propósito de explicitar com maior detalhe os objectivos do nosso trabalho e de nos
ajustarmos aos procedimentos que V. Exa. venha a considerar apropriados, no caso de vir
a ser concedida a autorização que agora solicitamos.
A Professora Doutora Maria Teresa Ribeiro -, minha orientadora de doutoramento -
manifestou disponibilidade para estar presente na reunião, facto que decerto muito
contribuirá para um mais perfeito esclarecimento dos objectivos do estudo.
Conscientes da atitude de abertura do GRAL à investigação, designadamente em
trabalhos de mestrado já efectuados, desejamos que o nosso projecto possa merecer a
melhor atenção de V. Exa., tanto mais que se trata de uma investigação no âmbito de um
doutoramento na área da mediação familiar.
Com os meus melhores cumprimentos,
Lucinda Gomes
7
APÊNDICE B
Pedido de autorização para gravação de entrevistas
8
AUTORIZAÇÃO
Tendo conhecimento dos objectivos da investigação em Mediação
Familiar realizada no âmbito do Programa de Doutoramento Inter-Universitário
Coimbra - Lisboa, em Psicologia Clínica – Psicologia da Família e Intervenções
Familiares, pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, da Licenciada
Lucinda Gomes, sob orientação da Professora Doutora Maria Teresa Ribeiro, e
estando assegurado por estas o meu anonimato, venho por este meio autorizar
a gravação áudio da entrevista semi-estruturada realizada no dia ___/___/___,
em ___________________, assim como o uso da transcrição da mesma para
investigação e publicação profissional.
Lisboa, _____ de ___________________ de 2013
________________________________________
(Assinatura do(a) Participante)
________________________________________
(Assinatura da Doutoranda)
________________________________________
9
(Assinatura da Orientadora)
APÊNDICE C
Guião de entrevista para focus groups com mediadores
familiares e com técnicos de assessoria técnica aos TFM
10
Guião de entrevista para focus groups com mediadores familiares e com técnicos
de assessoria técnica aos Tribunais de Família e Menores
Abertura
Introdução
1. Com base na vossa experiência na assessoria técnica aos Tribunais de Família e
Menores (TFM) e como mediadores familiares, como descrevem o comportamento
dos pais, ente si, com processos em curso de regulação/alteração/incumprimento das
responsabilidades parentais, em Mediação Familiar e/ou no tribunal?
Transição
2. Apesar das diferenças na expressão do conflito, este, de um modo geral está
presente nos casos de mediação ou de tribunal. De acordo com a vossa experiência, é-vos
possível identificar aspetos/tipos de conflito em que considerem que as estratégias por
vós utilizadas foram eficientes?
3. Podem contar-nos uma situação em que tenham considerado que a técnica ou
estratégia que usaram teve sucesso?
4. Encontram alguma relação entre as características do conflito e o sucesso de
algumas técnicas e estratégias de mediação que tenham utilizado?
Questões-Chave
5. Peço-vos que pensem num caso em que a mediação/entrevista se mostrou
adequada à abordagem do conflito parental/conjugal.
Nesse caso concreto, que emoções positivas identificaram nos pais? Como se
comportavam um com o outro?
6. Quer se trate de Mediação Familiar quer se trate de assessoria técnica ao
tribunal, a vossa atuação é orientada por uma moldura jurídica que, entre outros aspetos,
visa proteger o interesse superior da criança.
11
Qual é a vossa perceção sobre o conhecimento jurídico que os pais detêm quando
são chamados a decidir sobre as responsabilidades parentais?
6. Podem dar um exemplo que ilustre um caso em que considerem que os pais
estavam esclarecidos sobre os aspetos jurídicos? Que impacto teve nas decisões que
vieram a tomar?
7. Pensando ainda nos pais, na fase do divórcio/separação – que elementos
identificam como potenciadores de responsabilidade das decisões parentais em relação:
Comportamento
Emotividade
Relação
Comunicação
Valores e crenças
8. Com base na última mediação/entrevista que realizaram.
Como descrevem a gestão das questões emocionais? E os aspetos da comunicação?
9. Qual a vossa opinião sobre a inclusão das crianças nos processos de regulação
do exercício das responsabilidades parentais na Mediação Familiar?
10. Gostaria de ouvir a vossa opinião sobre se há distinção entre decisões parentais
responsáveis e as responsabilidades parentais? Elementos distintivos?
11. Lembram-se de algum exemplo que ilustre, no vosso entender, uma tomada
de decisões parentais responsáveis pelos pais?
12. Que aspetos, do vosso ponto de vista, favorecem a tomada de decisões
parentais responsáveis? E quais os aspetos desfavoráveis?
Finalização
13. Que aspetos gostariam de ver estudados no campo da proteção efetiva do bem-
estar da criança, na fase de transição para o divórcio/separação?
14. Há algum aspeto de que queiram falar além dos que aqui abordamos?
12
APÊNDICE D
Guião de questionário sociodemográfico - focus groups
13
QUESTIONÁRIO SÓCIO-DEMOGRÁFICO
FOCUS GROUPS
As informações obtidas através deste questionário são essenciais para obter uma melhor
compreensão dos dados recolhidos na entrevista de focus groups.
O seu nome será posteriormente codificado de modo a garantir o anonimato.
1. Sexo: M F 2. Idade: ________
anos
3. Habilitações académicas de base
Psicologia Direito
Serviço Social Outra
4. Possui um curso de formação em Mediação familiar com ________ horas
Reconhecida pelo Ministério da Justiça
Reconhecida por outro organismo/instituição
Não reconhecida
Não possui formação em mediação
5. Exerce funções de mediador(a) familiar: há _________ anos:
No SMF No sector Privado Outro
6. Não exerce mediação familiar, mas trabalha com famílias na fase de transição para o
divórcio/separação no âmbito da assessoria técnica ao tribunal:
Sim _________________ (nome da Instituição)
Não
Muito obrigada pela sua colaboração!
14
APÊNDICE E
Excerto da categoria de Análise - Emotividade Negativa
15
16
Focus groups
Excerto da categoria de Análise - Emotividade Negativa <Internals\\Focus Groups\\FG1 - MF> - § 3 referências codificadas [1,03% Cobertura] Referência 1 - 0,92% Cobertura
FP1M: Tristeza. Porque começam a vislumbrar o fim daquilo que foram construindo ao longo
dos anos e não é fácil para as pessoas. Por vezes, noutros tipos de mediação, o acordo é muito
satisfatório para as pessoas, mas aqui na mediação familiar comporta muita dor, tristeza, o
desvanecer de muitos sonhos construídos ao longo da vida e naquele documento que nós
estamos a trabalhar seja para o Tribunal ou Conservatória ou qualquer outro fim, está o fim
desse relacionamento.
Referência 2 - 0,06% Cobertura
FK1M: Pois, mas há sempre o medo.
Referência 3 - 0,05% Cobertura
FF1M: Há sempre o medo!
<Internals\\Focus Groups\\FG2 - MF> - § 6 referências codificadas [2,24% Cobertura] Referência 1 - 0,14% Cobertura
FC2M: O medo é uma emoção e é básica, acho que o importante é ser operacionalizada.
Referência 2 - 0,55% Cobertura
FP2M: Eu tive uma mediação, eles eram pais de uma menina, não eram casados, ele era casado
e ela engravidou dele e então apareceram com a miúda e foi muito giro porque a mãe trazia
uma raiva enorme do pai e, logo no início da mediação, sentia-se que ela tinha uma raiva, uma
tristeza, um rancor com quem tinha tido uma história.
Referência 3 - 0,43% Cobertura
(FP2M): E noto em relação à emotividade, como se sentem tristes ou frustradas ou magoadas
por ter havido a ruptura, divórcio ou separação utilizam muito os miúdos como arma de
arremesso e então a pequena vingança delas é dificultar o contacto com os miúdos.
Referência 4 - 0,37% Cobertura
17
FC2M: Eu vejo de outra perspectiva que é a única coisa que lhes resta é os filhos e os filhos então
ocupam esse vazio e, então, os filhos são tudo e o pai, é que até está a atrapalhar, vendo de
outra perspectiva, claro.
Referência 5 - 0,68% Cobertura
FO2M: Mas, também já me aconteceu aparecer um terceiro e isso provocar ciúmes, o outro ser
posto de lado, não conseguir através da ex-mulher uma comunicação com projecção nas
crianças e ele verbalizar mesmo; nessa situação eu fiz um “caucus” para ver se desbloqueava
um bocadinho e ele verbalizar mesmo que o novo marido da mãe das crianças passava muito
mais tempo com os seus filhos do que ele próprio.
Referência 6 - 0,06% Cobertura
(FP2M): Muito ressentimento entre eles.
<Internals\\Focus Groups\\FG3 - MF> - § 9 referências codificadas [2,73% Cobertura] Referência 1 - 0,45% Cobertura
FU3M: Posso pensar num caso de emoção positiva, não sei muito bem que nome dar a esta
emoção, mas é uma emoção que surge um bocadinho por oposição àquela emoção negativa e
má que percebemos que, muitas vezes, está ao rubro nos mediados relacionada com a perda,
aqueles mediados que pensaram que a sua família acabou.
Referência 2 - 0,08% Cobertura
FU3M: Influência [as decisões dos pais] estar fora de si.
Referência 3 - 0,11% Cobertura
FL3M: Estas questões das emoções, muitas vezes… É as raivas, os ódios, sei lá!
Referência 4 - 0,26% Cobertura
FU3M: Mas, eu acho que isso tem que ser legitimado, as pessoas tem que ter espaço para ... e
tempo para... quer dizer, também têm direito de ter essas emoções [negativas] face ao outro.
Referência 5 - 0,32% Cobertura
FV3M: Muitas vezes, as emoções - nas questões das responsabilidades parentais -, muitas vezes,
têm a ver com as cedências, um sente que tem estado a fazer mais cedências do que o outro,
que o outro se encontra um bocado aliviado.
Referência 6 - 0,37% Cobertura
18
(FV3M): Quando chega a altura da responsabilização, o preto no branco, a nível documental,
onde eles sentem que ali estão a dar a sua palavra, aí, as emoções vêm ao rubro, porque cada
um tenta ser menos penalizado- entre aspas - nas responsabilidades em relação ao outro.
Referência 7 - 0,34% Cobertura
(FV3M): Muitas vezes, não conseguem avançar porque eles estão muito tensos, porque estão a
mexer, na criança, no dinheiro, na outra família que lá está e muitas vezes é preciso parar, vão
pensar, vão fazer contas, vão esfriar os ânimos e reflectir.
Referência 8 - 0,53% Cobertura
(FV3M): Portanto o tempo que as pessoas precisam não existe tem que haver atropelos, tem
que haver ódios latentes no decidir, porque ainda não foram afastados, a situação não foi
digerida não foi aceite, tudo isto, não há tempo e, reflecte-se depois, numa sessão de mediação
mal sucedida e reflecte-se nos tribunais e em toda a dinâmica deste processo das
responsabilidades parentais.
Referência 9 - 0,29% Cobertura
(FV3M): Muitas das vezes, há pais que parecem ser excelentes pessoas e que parecem maus,
mas não são, quer dizer, isto tudo são questões, quer dizer nós não, podemos pôr a cereja no
bolo e o bolo estar caído.
<Internals\\Focus Groups\\FG4 - ISS> - § 12 referências codificadas [3,34% Cobertura] Referência 1 - 0,05% Cobertura
FP1S: A amargura de ser rejeitado.
Referência 2 - 0,08% Cobertura
FP1S: A emoção negativa mais flagrante é o despeito.
Referência 3 - 0,08% Cobertura
FH1S: Em termos de sentimentos acho que é ódio e medo.
Referência 4 - 0,26% Cobertura
FH1S): Frustração, raiva, zanga, vingança, denegrir o outro para eu me valorizar, são egoístas há
um egoísmo tão grande! Há uma incapacidade total para se descentrarem do conflito.
Referência 5 - 0,27% Cobertura
FF1S: Há situações que me afligem pela maldade que as pessoas conseguem ter, pela maldade
que levam para dentro do processo e que, com isso, acarretam sofrimentos enormes àquelas
crianças.
19
Referência 6 - 1,18% Cobertura
(FF1S): Estou a lembrar-me de um processo que achei horroroso que aquele pai sujeitou aquela
filha de 4 anos a coisas terríveis porque a mãe o deixou e tinha um companheiro, iniciou uma
relação com outra pessoa, separou-se dele mas levou consigo a filha, aquele homem nunca
aceitou esta separação, nunca. E. então, o quê que ele faz? - É uma coisa que resulta logo em
tribunal: abuso sexual por parte do companheiro da mãe, é sempre! - porque aí há logo inibição
de visitas, acabou! - Há logo retirada da criança à mãe, de 4 anos, e sujeitou aquela criança a
Instituto de Medicina Legal, a tudo, uma coisa horrível, e aquele pai conscientemente fez isto
tudo, a criança esteve privada da mãe um ano depois teve que se sujeitar a andar de psicólogo
em psicólogo, depois, às tantas não havia nada de conclusivo.
Referência 7 - 0,32% Cobertura
FP1S: Desculpa interromper-te FF1S..., mas é assim: uma pessoa fica chocada, eu sou fã de FOX
LIFE, às vezes vê-se aquelas séries e pensamos assim: É pá! isto acontece! e depois vou trabalhar,
há dias que eu chego a casa ….
Referência 8 - 0,43% Cobertura
FP1S): Nós estarmos a ver na televisão até nos esquecemos que aquilo está tão próximo e o que
mais me assusta, na PP já me assustava porque a violência física é complicada de gerir, mas a
violência que se faz nos processos tutelares cíveis, o jogo psicológico, a utilização que se faz das
emoções.
Referência 9 - 0,10% Cobertura
FF1S: Para mim é as maldades que fazem aos filhos para atingir o outro.
Referência 10 - 0,04% Cobertura
FH1S: Para mim é a tristeza.
Referência 11 - 0,45% Cobertura
FF1S): Na comunicação, ela dizia: - Eu com aquela pessoa só falo do meu filho, lá está! Havia
ressentimentos ainda face ao divórcio e a relação que tiveram, mas eu com aquela pessoa vou
sempre arranjar uma plataforma de entendimento em relação ao meu filho e eu acho que isto
é muito difícil de encontrar.
Referência 12 - 0,08% Cobertura
FP1S: É a vingança -,” não me deixas ver os meninos”.
<Internals\\Focus Groups\\FG5 - ISS> - § 4 referências codificadas [1,03% Cobertura]
20
Referência 1 - 0,10% Cobertura
FC2S: Conflito, zanga, eu também sinto, às vezes, quase tipo revanche, vingança.
Referência 2 - 0,44% Cobertura
(FI2S): Pessoas destituídas ... como é que hei de dizer? - principalmente homens -, que a situação
foi de tal forma dolorosa, de tal forma negativa, a consequência foi de tal forma negativa para
as suas próprias vidas que se tornaram indiferentes que se tornaram ‘num deixa andar ‘não só
com a regulação dos filhos como com eles próprios.
Referência 3 - 0,14% Cobertura
(FC2S): Eu acho que senti alívio da parte dela e da parte dele senti-o compreendido e sentiu-o
valorizado.
Referência 4 - 0,35% Cobertura
(FC2S): De facto, eram amigos e nunca se posicionou terem filhos e, portanto ele sentiu isso
como uma traição da parte dela e, ela, por sua vez, queria isso e houve uma espécie de
engenharia à moda antiga, o seu desejo não foi explicitado e acabou por ficar grávida.
21
APÊNDICE F
Estudo 2 - Entrevista semiestruturada
22
Entrevista semiestruturada
Doutoramento: Mediação familiar e processo de transição para a separação-divórcio:
Fatores de influencia e impacto das decisões parentais responsáveis para a
(co)parentalidade construtiva na fase da separação-divórcio
Lucinda Gomes e Maria Teresa Ribeiro
Questões Objetivos
1) Entre outros aspetos, a mediação familiar é um processo no âmbito do qual os pais vão tomando decisões com impacto familiar, parental e filial.
a. Em que medida é que a mediação familiar contribuiu para aumentar a compreensão das necessidades e dos sentimentos de cada um dos intervenientes (pai e mãe) e dos filhos?
b. De que forma é que esse aspeto contribuiu para ajudar a explorar (identificar, refletir, analisar,) as questões relativas aos vossos filhos?
c. Considera que as decisões que tomaram com vista ao acordo sobre as responsabilidades parentais (RP’s), teriam sido diferentes se não tivessem passado pela mediação familiar? Em que aspeto (s)?
d. As decisões parentais que ficaram expressas no acordo foram tomadas por ambos?
Compreender de que forma é que o processo de mediação familiar influência a tomada de decisões conjuntas sobre os filhos.
2) Que significados atribuem às expressões exercício conjunto e exercício exclusivo das responsabilidades parentais
3) Como é que no seu entender se distinguem as questões de particular importância da vida do filho das questões da vida corrente do filho.
4) O que significam para si as seguintes expressões: Residência Guarda
Responsabilidades Parentais. Descobrir perceções e significações dos pais sobre os conceitos jurídicos fundamentais que delimitam o acordo sobre os filhos no desenrolar da separação/ divórcio.
23
Visitas Convívio dos pais com os filhos Organização do tempo dos filhos Comparticipação económica nas despesas do filho Pensão de alimentos Partilha das responsabilidades económicas
5) Como é que vê o direito de audição das crianças no processo de mediação? Que aspetos relativos ao filho devem ser acautelados pelo mediador e pelos pais quando os filhos intervêm na mediação (e.g. idade, tema a abordar, momento e razão de ser da participação da criança)
6) Sentiu que o processo de mediação o (a) ajudou a compreender a lógica dos conceitos jurídicos? De que forma?
7) Como define o superior interesse do seu filho (s)?
Compreender em que medida é que a mediação familiar é um processo de concretização dos direitos das crianças e da família no seu todo.
8) a. Sentiu-se confortável fisicamente e emocionalmente na
mediação familiar (p. ex. a sala de mediação; contactos com o mediador; confiança no mediador)?
b. De que forma é que o quadro de trabalho do processo de mediação familiar (regras, princípios, estrutura processual) contribuiu para vos ajudar a pensar e a decidir sobre os vários tópicos da agenda estabelecida na mediação familiar?
Compreender de que forma é que o contexto da mediação familiar influência o processo de decisão parental.
9) (Re) organizar a vida dos pais e, especificamente, dos filhos, no âmbito do divórcio/separação compreende um conjunto de decisões destinadas a garantir à criança a continuidade dos cuidados parentais, de acordo com a moldura jurídica imperativa e em vigor.
a. A mediação familiar teve impacto na sua perceção sobre
os deveres e as obrigações que assumia para consigo, para com o outro pai/mãe e para com os filhos? De que forma é que esse aspeto se revelou importante para a tomada de decisão sobre os vários itens relativos ao acordo sobre as RP’s?
b. Lembra-se de ter tido dúvidas sobre se algum aspeto do
acordo sobre as RP’s não viesse a ser cumprido (por um dos pais, por oposição dos filhos, outro motivo)? Como lidou com essa incerteza?
Caracterizar e aprofundar o conceito de responsabilidade de decisão parental.
24
c. Considera que ao decidir (p. ex. sobre a residência; contactos dos filhos com os pais) foram equacionadas várias possibilidades de solução?
d. Como é que se sente com as decisões que assumiu (ou que foram adotadas) no acordo sobre as RP’s. O que pensa que teria sido diferente se o acordo não tivesse sido elaborado em mediação familiar?
10) a. Como é que se sentia no início da mediação? Nas sessões
seguintes? Quando terminaram o processo? (p. ex. maior/menor: tranquilidade, zanga, ansiedade, receio, confiança, alívio, etc.).
b. Aconteceu-lhe sentir maior contacto com as suas emoções e sentimentos (para com o outro pai/mãe; crianças) à medida que a mediação familiar avançava? Que relevância dá a esse aspeto para o assumir conjunto dos vossos deveres (responsabilidades) para com os vossos filhos?
c. O que considera que teria sido diferente, em termos dos sentimentos e emoções que vivenciou se não tivessem estado em mediação familiar?
d. Sente que os sentimentos e emoções presentes na relação entre os pais tiveram influência nas decisões que foram adotando relativamente aos vossos filhos?
Identificar fatores emocionais e a sua influência na predisposição para a tomada de decisões parentais responsáveis. Compreender como ocorrem os processos de mudança da emotividade negativa para emotividade positiva.
11) a. De que forma é que a mediação familiar o(a) ajudou a
compreender a maneira de pensar e o comportamento do outro pai/mãe?
b. Sentiu que vossos contributos (opiniões, ideias, sugestões) para a tomada das decisões sobre os vossos filhos se complementavam?
c. Considera que a mediação familiar contribuiu para a abertura de canais de comunicação entre o pai e a mãe relativamente os filhos? Atualmente a comunicação mantem-se aberta?
d. Considera que as vossas divergências iniciais se foram esbatendo? Que fatores influenciaram esse processo?
Identificar o eventual impacto da comunicação na responsabilidade de decisão dos pais Compreender o processo de transição da comunicação disfuncional /funcional.
12) a. De que forma é que cooperaram na preparação das
decisões que, vieram a adotar no decurso da mediação familiar (p. ex. trazer elementos para a mediação sobre o montante das despesas e dos rendimentos dos pais e dos filhos; cumprir acordos pré-estabelecidos nas sessões de mediação familiar)?
Relação e responsabilidade.
25
b. Das seguintes expressões indique a(as) que melhor caracteriza(m) a relação parental que estabeleceu durante a mediação com o pai/mãe: EVITAR; ACOMODAR;
CONTEMPORIZAR; COMPETIR; COLABORAR? Presentemente caracteriza a vossa relação da mesma forma? Considera que o tipo de relação parental tem impacto nos filhos? Em que aspetos?
13) Que aspeto (s) considera que têm um impacto mais forte – positivo e/ou negativo - na forma como ambos os pais vivenciaram a fase do divórcio/separação? Vê alguma relação entre esses aspetos e o bem-estar dos vossos filhos?
14) Como é que a (eventual) tensão resultante da rutura conjugal evoluiu ao longo das sessões de mediação familiar?
15) Que sentimentos e preocupações considera que eram comuns aos dois pais, durante o processo de mediação familiar?
16) De que forma é que os vossos filhos se ajustaram à reorganização de vida acordada no âmbito da mediação familiar?
17) Que perceção tem sobre os sentimentos dos seus filhos no decurso da fase de decisão parental sobre a nova organização de vida? Considera que as opiniões dos vossos filhos foram respeitadas?
Fatores de proteção e de risco:
Ter / não ter como prioridade o bem-estar dos filhos.
Separação/Confusão entre o conflito conjugal parental
Desejar/Não desejar a presença do outro progenitor na vida da criança
Evolução Escalada/declínio do conflito
18) Ao elaborar o acordo sobre o exercício das RP’s, os pais tomam um conjunto de decisões fundamentais para os filhos com o objetivo principal de os proteger e de lhes assegurar o cuidado parental.
a. Que características considera fundamentais para que uma decisão parental seja considerada responsável?
Decisões parentais responsáveis?
19) Que aspeto (s) considerou mais negativos e mais positivos na mediação familiar?
Conhecer a perceção positiva ou negativa sobre o processo de mediação familiar
20) Como é que imagina que a sua relação com o pai/mãe dos seus filhos vai ser no futuro. E a vossa relação enquanto família (pais e filhos)?
Explorar expectativas sobre o futuro da família
Reflexões pós-entrevista
26
APÊNDICE G
Questionário sociodemográfico – pais e mães
27
QUESTIONÁRIO SÓCIO-DEMOGRÁFICO
1. Idade: ______ anos 2. Nacionalidade: ___________________________
3. Sexo: Masculino □ Feminino □
4. Nível de escolaridade:
Ensino Básico □ Ensino Secundário □ Ensino Universitário □
5. Quanto tempo esteve casado(a) ou a viver em união de facto? -----------------------------------------
6. Quantos filhos têm? (na data da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais) ___________
7. Idade (s) dos filhos do sexo F: ___, ___, ___ 8. Idade (s) dos filhos do sexo M: ___, ____, ___
9. Há quanto tempo terminou o processo de mediação Familiar? ______________ (meses/anos)
10. O processo terminou:
Com acordo □ Sem acordo □
11. Em que situação recorreu a mediação familiar?
Como primeira opção para resolução do diferendo □
Na sequência de processo judicial □
12. Em que situação se encontra actualmente?
Viver sozinho(a) □ casado(a) □ união facto □ Outra □
13. Religião
Sim □ Não □ Qual? _____________________
Por favor verifique se preencheu todo o questionário
Muito obrigada pela sua colaboração!
28
APÊNDICE H
Questionário da Coparentalidade - QC
29
30
APÊNDICE I
Sistema de Categorias do Estudo 2
31
Sistema de Categorias do Estudo 2
32
APÊNDICE J
Excerto da categoria de Análise - Emotividade Negativa
33
(Estudo 2)
EXERTO DA CATEGORIA - PARTICIPAÇÃO DA CRIANÇA NA MEDIAÇÃO <Internals\\E03M1> - § 1 referência codificada [0,18% Cobertura] Referência 1 - 0,18% Cobertura
E03-M1 – Eu acho que a criança devia participar, apesar de haver crianças que ainda são
pequenas, não têm maturidade.
<Internals\\E04P1> - § 1 referência codificada [0,10% Cobertura] Referência 1 - 0,10% Cobertura
E04 - P2 – Acho bem… acho bem…
<Internals\\E05P> - § 1 referência codificada [0,52% Cobertura] Referência 1 - 0,52% Cobertura
E05-P – Eu acho que a intervenção dos filhos no processo de mediação, da qual, não tenho
experiência porque o meu filho não participou no processo de mediação, ahmm … deve ser
tomada em consideração.
<Internals\\E06M2> - § 2 referências codificadas [1,48% Cobertura] Referência 1 - 0,56% Cobertura
E06 - M3 – Eu acho que é importante… costuma-se dizer que as crianças não mentem, e às vezes
quando os pais, que é o meu caso… às vezes a única forma de provar que uma coisa é verdade
é ouvir a criança…
Referência 2 - 0,92% Cobertura
E06 - M3 – Foi, ela sentiu um alivio… e deixou de ter medo, por exemplo, ela quando foi a
tribunal, julgava que só iam a tribunal pessoas que iam ser presas, ou porque matavam, ou
porque roubaram alguém… esse é que foi o pior para ela, as pessoas que iam ao tribunal iam ser
presas… e eu expliquei-lhe que não, que eram ouvidas.
<Internals\\E07P2> - § 1 referência codificada [0,42% Cobertura] Referência 1 - 0,42% Cobertura
E07-P2 – Eu acho que elas devem participar sempre, independentemente da idade. Uma criança
tem uma visão que é a visão dela e deve participar sempre.
<Internals\\E08M3> - § 1 referência codificada [1,29% Cobertura]
34
Referência 1 - 1,29% Cobertura
E08 - M3 - Mas eu acho que é importante também ouvirmos e mesmo agora, que o processo já
está mais ou menos instituído não é… continuamos a ouvir a criança, eu acho que é sempre
importante e eu procuro fazer isso, ouvir sempre o que ele tem… porque ele vai dizendo… muitas
vezes nem é de uma forma muito formal, mas às vezes são pequenos indícios, pequenas coisas,
que ele também ainda só tem 5 anos…, mas eu procuro estar atenta ao que ele vai querendo
dizer na maneira dele não é…
<Internals\\E11P> - § 3 referências codificadas [2,02% Cobertura] Referência 1 - 0,34% Cobertura
E11-P - Em termos gerais vejo bem desde o momento que eles [filhos] tenham maturidade para
isso.
Referência 2 - 1,22% Cobertura
E11-P – Os pais teriam a obrigação de acautelar a maior parte deles… o mediador tem de estar
realmente muito atento, escolher muito bem os assuntos, de forma a não criar situações de
maior tensão nas crianças, porque acho que são sempre situações violentas para elas, e isso é
um ponto em que, embora eu ache que eles devam ir, causa-me algum receio.
Referência 3 - 0,46% Cobertura
E11-P – Acho que as crianças já sentem muito a separação dos pais, estarem a ser ouvidas, por
um lado permite-lhes dar a versão deles.
<Internals\\E12M4> - § 1 referência codificada [0,12% Cobertura] Referência 1 - 0,12% Cobertura
E12-M4 – Á partida acho que é positivo.
<Internals\\E13P4> - § 2 referências codificadas [0,88% Cobertura] Referência 1 - 0,38% Cobertura
E13-P4 – Acho que sim, até por uma questão do mediador que está ali ter a certeza do
quê que se fala, porque pode haver ocultação de coisas, por interesses de algumas
coisas.
Referência 2 - 0,50% Cobertura
35
(E13-P4) – E acho que as crianças apesar de muito jovens e não terem capacidade para
isso, mas há algumas questões que são muito importantes de se lhes pôr, falar bem com
elas, porque a questão principal que nós pomos era sempre elas.
<Internals\\E16M> - § 1 referência codificada [0,12% Cobertura] Referência 1 - 0,12% Cobertura
E16-M – Vejo [bem] porque, a minha filha teve que ser ouvida em tribunal.
<Internals\\E17M5> - § 1 referência codificada [0,38% Cobertura] Referência 1 - 0,38% Cobertura
E17-M5 – É complicado para mim dizer isso, não é… portanto, na minha situação, isso não seria
possível sequer… não acho mau, a partir de uma determinada idade das crianças não me choca
minimamente… não… não me choca.
<Internals\\E18M> - § 1 referência codificada [0,44% Cobertura] Referência 1 - 0,44% Cobertura
E18-M – De acordo com a minha experiência, portanto eu concordo, por principio que as
crianças pudessem ser ouvidas, por muito que acho, que possa ser mau para ambos os lados,
depende do grau de manejamento que elas tenham sido, mas, acho, que sim.
<Internals\\E20P6> - § 1 referência codificada [0,27% Cobertura] Referência 1 - 0,27% Cobertura
E20-P6 – Bom, se ele existe, eu vejo bem… se existe esse direito [o direito de audição da criança],
eu vejo bem…
<Internals\\E24P7> - § 1 referência codificada [0,22% Cobertura] Referência 1 - 0,22% Cobertura
E24-P7 – Eu acho que as crianças devem ser ouvidas. Na minha opinião, sim.
<Internals\\E26P8> - § 1 referência codificada [1,48% Cobertura] Referência 1 - 1,48% Cobertura
E26-P8 – Acho que têm todo o direito de serem ouvidas. Agora é preciso muito cuidado quem
vai fazer as perguntas. Não pode ser matreiro, tem de ser um psicólogo… ou pedopsiquiatra… e
tem de ser com muito jeitinho. No nosso caso, de certeza que terão algo a opinar, quer dizer o
de quatro anos não, passa-lhe ao lado. O de sete já pode ter alguma opinião formada… se bem
que… nunca houve violência física… e a violência psicológica não passou da gritaria.
36
APÊNDICE L
Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do
Questionário de Coparentalidade com a origem do processo de mediação
familiar – voluntário ou judicial.
37
APÊNDICE L. Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do
Questionário de Coparentalidade com a origem do processo de mediação familiar -,
voluntário ou judicial.
Output 1. Verificação da normalidade da variável “origem do processo de mediação familiar”
(Origem MF) relativamente às sub-escalas do Questionário da Coparentalidade.
Testes de Normalidade
Origem MF
Kolmogorov-Smirnova Shapiro-Wilk
Estatística gl Sig. Estatística gl Sig.
Cooperação Judicial ,218 10 ,196 ,909 10 ,277
Voluntário ,127 20 ,200* ,941 20 ,255
Triangulação Judicial ,234 10 ,130 ,943 10 ,587
Voluntário ,174 20 ,114 ,864 20 ,009
Conflito Judicial ,182 10 ,200* ,903 10 ,238
Voluntário ,135 20 ,200* ,950 20 ,360
*. Este é um limite inferior da significância verdadeira.
a. Correlação de Significância de Lilliefors
Output 2. Verificação da existência de diferenças nas diversas subescalas do Questionário da
Coparentalidade relativamente à variável “origem do processo de mediação familiar” (Origem
MF).
Teste de amostras independentes
Teste de Levene
para igualdade de
variâncias
Teste-t para igualdade de médias
F Sig. t gl Sig.
(bilat.)
Diferenç
a média
Erro
padrão
diferença
95% Intervalo de
Confiança (Diferença)
Inferior Superior
Cooperação (a) 5,778 ,023 -3,281 28 ,003 -1,31000 ,40532 -2,16025 -,49975
(b) -3,948 27,997 ,000 -1,31000 ,33184 -1,98975 -,63025
Triangulaçã
o
(a) ,737 ,398 2,149 28 ,040 ,95000 ,44216 ,04428 1,85572
(b) 2,240 20,242 ,036 ,95000 ,42406 ,06611 1,83389
Conflito (a) ,261 ,614 1,649 28 ,110 ,3500 ,2123 -,0848 ,7848
(b) 1,751 21,266 ,094 ,3500 ,1998 -,0653 ,7653
(a) Variâncias iguais assumidas.
(b) Variâncias iguais não assumidas.
38
APÊNDICE M
Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do
Questionário de Coparentalidade com o resultado do processo de
mediação familiar – com acordo ou sem acordo.
39
Apêndice M. Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três sub-escalas do
Questionário de Coparentalidade com o resultado do processo de mediação familiar – i.e,
com acordo ou sem acordo.
Output 3. Verificação da normalidade da variável “resultado do processo de mediação familiar”
(Resultado MF) relativamente às subescalas do Questionário da Coparentalidade.
Testes de Normalidade
(Resultado
MF)
Kolmogorov-Smirnova Shapiro-Wilk
Estatística gl Sig. Estatística gl Sig.
Cooperação Acordo ,138 21 ,200* ,946 21 ,290
Sem Acordo ,161 9 ,200* ,932 9 ,497
Triangulação Acordo ,197 21 ,033 ,885 21 ,018
Sem Acordo ,211 9 ,200* ,941 9 ,592
Conflito Acordo ,177 21 ,083 ,921 21 ,089
Sem Acordo ,296 9 ,022 ,829 9 ,043
*. Este é um limite inferior da significância verdadeira.
a. Correlação de Significância de Lilliefors
Output 4. Verificação da existência de diferenças nas diversas subescalas do Questionário da
Coparentalidade relativamente à variável “resultado do processo de mediação familiar”
(Resultado MF).
Teste de amostras independentes
Teste de Levene
para igualdade de
variâncias
Teste-t para igualdade de médias
F Sig. t gl Sig.
(bilat.)
Diferenç
a média
Erro
padrão
diferença
95% Intervalo de
Confiança (Diferença)
Inferior Superior
Cooperação (a) 7,324 ,051 -2,852 28 ,008 -1,23175 ,43187 -2,11639 -,34711
(b) -3,639 27,997 ,001 -1,21270 ,33329 -1,89582 -,52958
Triangulação (a) 1,343 ,256 3,698 28 ,001 1,48810 , ,40237 ,66388 2,31231
(b) 4,176 20,435 ,000 1,48810 ,35634 ,74580 2,23039
Conflito (a) ,976 ,332 ,988 28 ,331 ,2222 ,2248 -,2383 ,6827
(b) 1,074 18,538 ,297 ,2222 ,2069 -,2116 ,6560
(a) Variâncias iguais assumidas.
(b) Variâncias iguais não assumidas.
40
APÊNDICE N
Análise da possível relação entre a variável origem do processo de
mediação familiar (judicial ou voluntário) com a variável resultado do
processo de mediação familiar (com acordo ou sem acordo)
41
Apêndice N. Análise da possível relação entre a variável origem do processo de mediação
familiar (judicial ou voluntário) com a variável resultado do processo de mediação familiar
(com acordo ou sem acordo).
Output 5. Associação entre a origem do processo de mediação familiar (OrigemProcessoMF) e o
resultado do processo de mediação familiar (Result.MediaçãoMF).
Tabulação cruzada OrigemProcessoMF * Result.ProcessoMF
Result.MediaçãoMF
Total Acordo
Sem
Acordo
Origem
ProcessoMF
Voluntário Contagem 18 2 20
% em OrigemProcessoMF 90,0% 10,0% 100,0%
% em Result.MediaçãoF 85,7% 22,2% 66,7%
Judicial Contagem 3 7 10
% em OrigemProcessoMF 30,0% 70,0% 100,0%
% em Result.MediaçãoF 14,3% 77,8% 33,3%
Output 6. Teste de Fisher para aferir a existência de uma associação significativa entre a variável
OrigemProcessoMF e a variável Result.MediaçãoMF.
Testes qui-quadrado
Valor gl
Significância
Assintótica
(Bilateral)
Sig exata
(2 lados)
Sig exata
(1 lado)
Qui-quadrado de Pearson 11,429a 1 ,001
Correção de continuidadeb 8,750 1 ,003
Razão de verossimilhança 11,431 1 ,001
Teste Exato de Fisher ,002 ,002
Associação Linear por Linear 11,048 1 ,001
Nº de Casos Válidos 30
a. 1 células (25,0%) esperavam uma contagem menor que 5. A contagem mínima esperada é 3,00.
b. Computado apenas para uma tabela 2x2
42