medo e dominação: contradições da modernidade

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3° ENCONTRO DA REGIÃO NORTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA - SBS NORTE 2012 26, 27 e 28 de setembro de 2012 UFAM Manaus-AM GRUPO DE TRABALHO GT 01 Amazônia e Teoria Crítica: Ideias em Constelação COORDENADORES Renan Freitas Pinto, Dr., UFAM; Davyd Spencer R. de Souza, MSc., UFAM; Dirceu Ribeiro Nogueira da Gama, Dr., UFAM. Medo e Dominação: contradições da modernidade. Dayvison Carlos Costa dos Santos| UFPA | [email protected] Francisco Moreira Ribeiro Neto | UFPA | [email protected]

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Este artigo investiga os conceitos de medo, dominação e racionalização e suas inter-relações, observando-os a partir dos livros, Dialética do Esclarecimento, de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, e Sociedade de Risco, de Ulrich Beck, entendendo-os como conceitos chave para o entendimento do surgimento da sociedade moderna. Busca compreender os sentidos admitidos por esses autores para os conceitos acima citados, analisar seu papel na sociedade moderna e assim verificar suas contradições, as quais sem que haja uma observação mais apurada sobre os alicerces da racionalização moderna, aparentam não existir.

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Page 1: Medo e dominação: contradições da modernidade

3° ENCONTRO DA REGIÃO NORTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA

DE SOCIOLOGIA - SBS NORTE 2012

26, 27 e 28 de setembro de 2012

UFAM – Manaus-AM

GRUPO DE TRABALHO

GT 01 – Amazônia e Teoria Crítica: Ideias em Constelação

COORDENADORES

Renan Freitas Pinto, Dr., UFAM; Davyd Spencer R. de Souza, MSc., UFAM; Dirceu

Ribeiro Nogueira da Gama, Dr., UFAM.

Medo e Dominação: contradições da modernidade.

Dayvison Carlos Costa dos Santos| UFPA | [email protected]

Francisco Moreira Ribeiro Neto | UFPA | [email protected]

Page 2: Medo e dominação: contradições da modernidade

Medo e Dominação: contradições da modernidade.

Dayvison Carlos Costa dos Santos

1

Francisco Moreira Ribeiro Neto2

Resumo: Este artigo investiga os conceitos de medo, dominação e racionalização e suas

inter-relações, observando-os a partir dos livros, Dialética do Esclarecimento, de

Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, e Sociedade de Risco, de Ulrich Beck,

entendendo-os como conceitos chave para o entendimento do surgimento da sociedade

moderna. Busca compreender os sentidos admitidos por esses autores para os conceitos

acima citados, analisar seu papel na sociedade moderna e assim verificar suas

contradições, as quais sem que haja uma observação mais apurada sobre os alicerces da

racionalização moderna, aparentam não existir.

Palavras-chave: Medo, Dominação e Racionalização.

Considerações Iniciais

No presente artigo, os assuntos sobre medo, racionalização e dominação se

tornaram relevante para nós, após sermos “convidados” a ler e a apresentar o livro:

Dialética do Esclarecimento de Max Horkheimer & Theodor W. Adorno (1985), na

disciplina Teorias Sociológicas Contemporâneas, do curso de Ciências Sociais, entre

março e junho de 2012 e do qual somos alunos. A disciplina foi ministrada pela Prof.ª

Dr.ª Maria José Aquino, que humildemente, se dispôs a nos ajudar na correção técnica e

a ter um olhar mais preciso para discutir o tema em questão, como também, elaborar

este artigo no intuito de fazer um trabalho acadêmico competente e respeitoso para com

os autores utilizados.

Posteriormente, após lermos também Sociedade de Risco de Ulrich Beck e

partindo de comparações destas obras, procuramos fazer pontes entre elas para

posteriormente exemplificar suas contradições com outros autores relevantes para este

debate. Esses diferentes pontos de vista nos fizeram pensar nessa “racionalização do

mundo”, “fim da dominação” versus “fim sociedade do medo”, como questões que nos

ofereceram subsídios para se pensar nas “Novas”, não tão novas, dominações impostas

por essa própria racionalização. Para isso, estes conceitos devem ser vistos, neste artigo,

como tentativas de esclarecer e entender sua natureza e suas contradições. Eles serão

aqui tomados como conceitos “não muito” abstratos ou filosóficos, mas sim mais

próximos do real, e observáveis no mundo social. Nesse sentido, ressaltamos que este

“real” será conceituado e exemplificado pela observação e olhar atento de outros autores

1 Graduando do 5º semestre de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará. E-mail:

[email protected] 2 Graduando do 5º semestre de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará. E-mail:

[email protected]

Page 3: Medo e dominação: contradições da modernidade

sobre os assuntos em questão como Peter L. Berger ou Pierre Bourdieu, já que não

partimos de uma pesquisa empírica, mas de uma “analise de conteúdo” como descreve:

LEVIN, (1987), na qual esses temas possam ser pensados, talvez, como pontos de

partida para possíveis projetos de pesquisa empírica.

Situando Argumentos

Em Dialética do Esclarecimento os autores fazem uma discussão que diz

respeito ao entendimento dos motivos pelos quais uma sociedade dita esclarecida se

afunda em outros tipos de barbárie, cujo desenrolar de sua racionalização está levando-a

a própria “destruição”. Adorno e Horkheimer pensam assim em virtude do momento

histórico em que viveram ser no começo do século XX, um marcado por conflitos entre

alguns países que encabeçaram 2ª guerra mundial e que deram bases para o

antissemitismo, que levou ao holocausto de milhões de judeus.

Para alcançar o objetivo de suas investigações os autores buscaram encontrar as

bases filosóficas que orientam a sociedade moderna, para assim encontrar suas

reverberações no mundo social e suas possíveis relações com a contradição citada

acima. É aí que chegam ao estudo dos conceitos de desmitologização, medo,

dominação, esclarecimento e autodestruição do esclarecimento.

Ulrich Beck, por sua vez, está mais situado como pensador no fim do século XX,

período de intensas mudanças no modo de se pensar e exigir tais mudanças, ele observa

a sociedade moderna percebendo consequências decorrentes do alto teor de

industrialismo no mundo, o qual a princípio tinha como objetivo a satisfação das

necessidades humanas, mas que na modernidade tardia trouxe riscos diferentes de outras

épocas, pois se caracterizam pela sua universalidade, os quais têm sido criados,

distribuídos e redistribuídos em nome do progresso e acabam tendo relevante

interferência no âmbito político, econômico e social. Por isso a sociedade moderna, para

Beck, funciona em virtude dessa criação e distribuição de riscos e não somente pela

produção e distribuição de riquezas como nos primeiros momentos da modernidade.

Na perspectiva de Beck percebemos um pessimismo que também é observado

em Adorno e Horkheimer, isto no que diz respeito a consequências imprevistas das

ações do homem, pois na tentativa de satisfazer as necessidades humanas (Beck) e de

libertação do medo e da dominação (Adorno e Horkheimer) o homem acabou

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produzindo exatamente aquilo que o destruiria e o tem destruído, isto é, novos riscos,

novos medos e novas dominações.

Visto dessa forma, os autores das principais obras estudadas neste artigo:

Adorno & Horkheimer e Ulrich Beck, nos dão base para se relacionar variadas formas

de dominação em momentos diferenciados para verificarmos que ainda hoje subsistem

de maneiras diversas e difusas. Para isso utilizaremos algumas teorias sociais que

aparecem no sentido de esclarecer as contradições da sociedade atual à realidade

concreta de novas dominações como em Adorno, Bauman, Beck e Horkheimer, que são

reconhecidos como autores críticos de suas realidades e onde nos ajudam a pensar nas

formas de dominação e com isso para além delas, pois o progresso da razão “liberta”,

porém camufla suas mazelas intrínsecas, que não são sentidas por aqueles que são

objetos de sua dominação.

Por isso, tentearemos lançar um olhar sobre a nossa realidade, investigando a

passagem da sociedade mítica para a sociedade moderna ou esclarecida, proveniente do

entendimento que as obras: Dialética do Esclarecimento (1985) e Sociedade do Risco

nos proporcionam, e na qual a racionalização do mundo surge como sinônimo de

desmistificação do real, fazendo a sua “dissolução” parecer como integradora unilateral

dos homens, mas que na verdade, faz e traz como consequência “novos” medos à

humanidade.

Medo e Sociedade

Todo movimento do pensamento é feito no sentido de livrar os homens do medo.

O outro objetivo do movimento do pensamento (esclarecimento), o de livrar os homens

da dominação, tornando-os dominadores, fica subsumido neste, pois em Dialética do

Esclarecimento a dominação sempre está firmada no medo. Por esse motivo é que

programa do esclarecimento se configura sendo o de desencantamento do mundo, a

destruição do animismo e dos mitos3. Foi dessa forma que vários descobrimentos e

invenções da modernidade aconteceram como, por exemplo, as missões espaciais, onde

homem se “profana aos céus” como algo que pode ser explicado e conhecido racional e

matematicamente, e isto acontece para libertá-lo do medo e do desconhecimento, que

antes pertencia estritamente aos deuses. Quando se desenvolvem conhecimentos

3 ADORNO & HORKHEIMER, 1985.

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científicos como, por exemplo, a psicologia e a sociologia têm-se por objetivo alcançar

uma explicação racional e experimentável do mundo social e psíquico que vivemos,

com isso, despreza-se interferências sobrenaturais no comportamento humano e social,

as quais nesse plano são consideradas reais em si mesmas, pois são construídos como

produtos da própria ação humana.

O mito, em sua estrutura, admitia a projeção de subjetividades em objetos

concretos e naturais, o antropomorfismo. Nele não havia total contenção da verdade

naquilo que é natural, porquanto o natural, no mito, é a manifestação da subjetividade,

isto é, daquilo que é intangível, que transcende ao âmbito da experiência, aquilo que é

nas coisas, porém não as coisas. O mito, por isso, converte tudo àquilo que não é

conhecido, tangível ou experimentável, em sacralidade. Esta conversão não acontece à

toa, pois esta advém do medo. Tudo aquilo que o homem não consegue manusear ou

decifrar lhe causa assombro, horror, medo, por isso se torna santo e por sua santidade,

respeitado e obedecido.

Então, os homens percebem os deuses na natureza, porquanto sem este anteparo

estas divindades não poderiam ser situadas. Uma tentativa de objetividade da

subjetividade. Mas situá-las não significa determiná-las, pois o natural não compreende

o sobrenatural, não obstante o expressa.

Nesse contexto, onde o medo ou aquilo que causa medo é sacralizado, o natural

sendo a expressão do sobrenatural, configura-se como a expressão do próprio medo.

Com efeito, tudo o que é inteligível, pelo esclarecimento, é a expressão do medo,

portanto advindo dele. Essa assertiva é o princípio de todas as relações, segundo Adorno

e Horkheimer.4

O esclarecimento é a maior manifestação, em Dialética do Esclarecimento,

dessa locomoção da sociedade pelo medo, pois não compreendendo o mito, tendo-o

como dominador e alegando que este se utilizava daquilo que não era inteligível para

explicar o inteligível, reputava-o e reputa-o ainda como falsidade. Assim, o

esclarecimento aparece como resposta ao medo da perpetuação da liberdade

“falsificada” trazida pelo mito, falsificada por ser complacente ao desconhecido,

submetendo-se a ele e submetendo-se por medo dele.

4 Ibidem, 1985.

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Com efeito, a luta contra a manutenção do desconhecido, logo do medo, é a

gênese do esclarecimento e também de todas as mudanças sociais decorridas deste, pois

o esclarecimento, tanto quanto o medo, não se configura apenas como um conceito

histórico-cultural ou filosófico, mas como fenômeno real, que passa à concretude

social.5 Como dizem Adorno e Horkheimer: “[...] o esclarecimento exprime o

movimento real da sociedade burguesa como um todo sob o aspecto da encarnação da

Ideia em pessoas e instituições [...]” (ADORNO & HORKHEIMER. 1985, p. 13).

Depreende-se, então, que o esclarecimento é não somente um fenômeno filosófico, mas

também social, e assim sociológico, que surge em contrariedade ao mito e ao medo.

Frente a essas concepções, percebemos que o medo possui um papel muito

relevante para a movimentação da sociedade e isto ocorre pela incapacidade do homem

de conhecer tudo. O que acontece na obra de Adorno e Horkheimer é que, nessa

tentativa de acabar com o desconhecido, a humanidade, através do esclarecimento, não

conhece o desconhecido, mas apenas destrói a ideia de desconhecido, e destruindo a

ideia, a concretude do medo, a saber, do desconhecido, permanece juntamente com a

dominação que vem dele. É nesse ponto que fica evidente a “autodestruição do

esclarecimento”, a qual é um dos problemas centrais discutidos em Dialética do

Esclarecimento.

A sociedade esclarecida, descrita por Adorno e Horkheimer, é a sociedade

dominada pelo pensamento técno-científico, na qual tudo é calculável, pois é

matematizado. Nela a mitologia é abominável, o uso da razão é seu único instrumento.

Por seu caráter calculador, a sociedade esclarecida coisifica tudo e imerge tudo em um

só plano, o matemático. Por essa possibilidade de entendimento de tudo, há o

estabelecimento de leis, de leis científicas, que nascem a partir do conhecimento de um

fenômeno. Desse modo, o anseio do esclarecimento de libertar os homens, acaba

produzindo leis; O desejo de libertação da dominação encontrada no mito, acaba

resultando em submissão a outras leis; por isso a sociedade esclarecida se manifesta

totalitária e possuindo uma simpatia pela coerção social, através das leis científicas.6

A sociedade esclarecida é a sociedade moderna como já demonstramos, ela

surge tendo como princípio a superação do medo humano, o qual se revela pelo

5 Ibidem, 1985.

6 Ibidem, 1985.

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desconhecimento, o qual também pode ser entendido como incerteza sobre algo do qual

não se tem domínio, e não se tendo domínio sobre algo, vivenciam-se riscos. Esse

objetivo de superar o desconhecido não foi alcançado, pois a sociedade que surge para

acabar com os riscos, produz riscos ainda piores, isto é a manifestação da ambivalência

inerente ao medo, que impulsiona à liberdade, porém sempre acompanhada de riscos7.

Como dizem: Daniel de Brito e Wilson Barp, (2008, p. 30):

[...] as luzes da emancipação são ofuscadas pelo medo. A

ordem socioeconômica moderna valeu-se da ciência para

criar instrumentos de aceleração do progresso, subverteu a

ideia de esclarecimento (aufklärung) e tornou o saber um

instrumento técnico, relegando a um plano inferior a

autoconsciência.

Essa subversão da ideia de esclarecimento, convertendo-o em mero instrumento

técnico para o progresso, isto é, para fins, revela que nesse processo o esclarecimento

perde suas características libertadoras, pois se é um instrumento do progresso é uma

parte de um sistema que domina a ele próprio. Com efeito, ao esclarecimento sobra a

autoconsciência de sua ineficácia no processo de libertação que não existe mais, porque

foi substituído pelo progresso déspota, que renova o medo e a dominação. Vemos aqui,

o que Max Weber, (1985) chama de consequências imprevistas ou paradoxo das

consequências.

Este fenômeno acontece quando resultados completamente inesperados são

verificados ligados a eventos que visavam fins diferentes ou exatamente antagônicos

aos alcançados. Portanto, ao programa esclarecedor pode ser imputado um peso causal

no que respeita a conceição de novos medos ou riscos, onde nota-se a impressão do

fenômeno das consequências imprevistas ou paradoxo das consequências.

O esclarecimento pelo que foi exposto até aqui, seria uma tentativa ilusória de

libertação humana, pelo qual se acreditava que o processo de racionalização do mundo

traria o progresso humano, porém isto se mostrou um enorme equívoco, pois a

sociedade esclarecida afunda-se em outras barbáries, caminhando para a própria

7 Sobre a ambivalência e medo, consultar “Ambivalência e Medo: faces dos riscos na Modernidade”

(Daniel Chaves de Brito & Wilson José Barp, 2008)

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destruição. Ulrich Beck, a esse respeito, explora a concepção de modernidade8 para

explicar que toda produção de liberdade pela dominação da natureza é acompanhada da

produção de riscos ou medos, e medos piores que os anteriores.

A perspectiva sociológica de Beck, parti do pressuposto de que esta sociedade

não se organiza mais apenas pelas diferenças de classe, as quais tem a ver com a

distribuição de riquezas, mas pelas diferenças ou distribuições de risco. Desta maneira,

Beck utiliza, para caracterizar a sociedade em questão o termo sociedade de risco, com

o intuito de diferenciá-la da sociedade de classes.

O autor assinala que na sociedade de classe (final do séc. XIX e início do séc.

XX) o funcionamento era calcado na distribuição de riquezas, pois em um momento de

industrialismo o objetivo era subjugar a natureza para a satisfação das necessidades

humanas. A principal necessidade apontada por ele é a erradicação da fome, ou pelo

menos sua diminuição. Neste período histórico, diz o autor, que a força motriz da

sociedade era a desigualdade na distribuição das riquezas como o próprio afirma:

O conceito de “sociedade industrial” ou “de classes” (na mais

ampla vertente de Marx e Weber) gira em torno da questão

de como a riqueza socialmente produzida pode ser

distribuída de forma socialmente desigual e ao mesmo tempo

“legítima”. (BECK, Ulrich. 2010, p. 24)

Na sociedade da segunda metade do séc. XX nota-se ainda a desigualdade, no

que diz respeito à distribuição de riquezas, como motor social, mas para Beck essa

propulsão que aparentemente vem da desigualdade de riquezas é fator contraditório da

desigualdade de riscos. Nesse sentido, como é possível que as ameaças e riscos

sistematicamente coproduzidos no processo tardio de modernização sejam evitados,

minimizados, dramatizados, canalizados e, quando vindos à luz sob a forma de “efeitos

colaterais latentes”, isolados e redistribuídos de modo tal que não comprometam o

processo de modernização e nem as fronteiras do que é (ecológica, medicinal,

psicológica ou socialmente) “aceitável”? A questão da distribuição de riscos em Beck é

o fator central, nela efetivamente reside o motor da sociedade atual.

8 Modernidade tardia, esse é o termo utilizado por Ulrich Beck para definir as transformações da

sociedade, em geral, nas últimas décadas do séc. XX.

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Devido ao alto grau de industrialização do mundo, a alta tecnologia, as ações

humanas passaram a gerar riscos diferentes de outrora, pois estes não são riscos

pontuais, particulares, ou de um grupo, mas de toda a humanidade. Fica, portanto,

evidente em Beck a autodestruição do esclarecimento que Adorno e Horkheimer já

vinham falando.

Sobre este assunto Beck (2010) comenta que os excrementos acumulados nas

ruas da cidade medieval ameaçavam somente os narizes daqueles que por ela

caminhavam, na modernidade, diz o mesmo autor, a destruição da fauna e da flora

ameaça todo o planeta, mudando-se com isso a abrangência do medo pelo advento da

sociedade moderna ou esclarecida. Os efeitos nefastos dessa modernização não mais se

irradiam somente aos mais próximos ou aos lugares que foram gerados, mas sim ao

mundo inteiro como afirma Bauman:

“Os medos são agora difusos, eles se espalham. É

difícil definir e localizar as raízes desses medos, já

que os sentimos, mas não os vemos. É isso que faz

com que os medos contemporâneos sejam tão

terrivelmente fortes, e os seus efeitos tão difíceis de

amenizar” como as “ameaças tóxicas”. (BAUMAN,

2010, p. 73).

Apesar de a análise de Beck focar em grande parte os riscos globais, aqueles que

são sofridos por toda a humanidade, o autor mostra que existem riscos que são

localizados, embora temporariamente e estratificados. Ele exemplifica que, usinas

nucleares oferecem maiores riscos aos que estão mais próximo, geograficamente

falando, porém em um nível menor a todo o restante da humanidade. Aqui fica visível a

distribuição desigual de riscos.

Beck além de demonstrar que a distribuição de riscos é latente e oferece perigo a

vida humana, desvela que ela traz consequências econômicas, políticas e sociais. Assim,

o esclarecimento com seus preceitos aparecem no mundo social como formas benéficas

ao mesmo, pois estas consequências decorrem da ciência e são “resolvidas” pela

ciência, mas o esclarecimento, como já afirmamos, em seu desenvolvimento

racionalizado é paradoxal.

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Em virtude dos riscos da modernização as relações políticas não podem ser

tomadas de maneira isoladas, pois os riscos, diz o autor, não respeitam fronteiras

nacionais ou político-administrativas. Nesse ínterim, se fazem necessárias decisões

conjuntas que visem melhorar não a condição de uma nação ou uma classe apenas, mas

a humanidade e as condições de vida no globo para o todo.

Nesse turbilhão de riscos, a ciência aparece criadora dos mesmos, e ao mesmo

tempo como aquela que tenta saná-los, é por isso que Beck afirma que a sociedade de

risco, também é a sociedade da ciência e da tecnologia. Aqui se faz importante assinalar

que, para o Ulrich Beck, devido a essa característica da ciência e da tecnologia, ela se

torna instrumento político, porquanto, mesmo frente aos riscos, a política ainda visa à

produção de riqueza, muitas vezes desprezando os riscos a serem produzidos por ela.

Por isso é preciso uma ciência que venha legitimar ações que produzam riscos, dizendo

que estes riscos são mínimos ou irrelevantes perante os resultados visados.

Diante dessa politização da ciência, constatada por Beck, passam a existir

incertezas sociais a respeito dos riscos, porquanto vários postulados científicos a

respeito de um mesmo fenômeno, ou de uma mesma produção de riscos, contrários

entre si, são apresentados à sociedade. Assim, com respeito aos riscos de contaminação

do ar, de alimentos ou da água, Beck diz a única solução para a certeza de alguma coisa,

seria parar de comer, de beber, e até de respirar.

Portanto, como dissemos no início, para a configuração da sociedade de risco,

Ulrich Beck precisou entender que a sociedade das últimas décadas do século XX não

pode mais ser descrita como sendo organizada em classes apenas, mas como uma

sociedade que tende a uma globalização, que é impulsionada pela ameaça da

concretização dos riscos de modernização que só podem ser concebidos enquanto

riscos, pois se de fato acontecerem, extinguirão a sociedade. A sociedade do risco é,

então, a sociedade do medo e da incerteza.

Racionalização e “Novas” dominações

O programa do esclarecimento, segundo Adorno e Horkheimer, era dissolver os

mitos e substituí-los pelo saber. Saber este que traria um conhecimento mais preciso

sobre realidade das coisas e que faria os homens dominarem melhor as forças do

desconhecido, seja no âmbito espiritual ou no campo material, pois agora todas as

Page 11: Medo e dominação: contradições da modernidade

escolhas se centrariam na razão do homem (razão esta que o reconforta diante do

desconhecido).

O medo do desconhecido perde força neste tipo de concepção, uma vez que se

criam “certezas” sobre as coisas o homem deixa de ter medo, porém, outros “medos”

(na figura do saber matematizável) são criados para enquadrar os indivíduos numa

sociedade extremamente complexa e cheia de contradições econômicas como a nossa,

onde estas formas de exploração não possuem um esquema claro de dominação como o

cinema, o rádio e as revistas. Por isso, a credulidade, a aversão à dúvida, o vangloriar-se

com o saber fizeram com que os conhecimentos parciais emergissem e o entendimento

humano com a natureza das coisas se corporificasse, muitas vezes, como afirmam

Adorno e Horkheimer, a conceitos vãos e experimentos erráticos.

Nesse sentido, afirma Adorno e Horkheimer, que Bacon possuía um

entendimento patriarcal sobre o conhecimento, pois “o entendimento que vence a

superstição deve imperar sobre a natureza desencantada”, nisto já se pode pensar num

outro de sacralidade, vinculada agora no saber que hierarquiza seus indivíduos e

encontra sua auto regulação através das divisões postas pelo capitalismo e seus

progressos, o conhecimento hoje impera sobre a natureza das coisas.

Por isso, numa sociedade como a nossa, que é considerada pós-moderna9, o

saber é concebido como chave mestra, sendo que o poder que ele emana constrói outros

desconhecimentos como o que é produzido no cinema para amenizar os sofrimentos da

vida cotidiana, por isso, ele não reconhece barreiras quando escraviza crianças, pois

estão todos os homens e mulheres a serviço do saber, do capital e dos empresários.

Nesse sentido, “o que os homens apreendem da natureza é como emprega-la para

dominar completamente a ela e aos homens”: Adorno e Horkheimer (1985).

Não obstante, para alguns sociólogos, a perda de apoio que a religião fornecia

aos resíduos pré-capitalistas, faz da diferença técnica especializada a motriz propulsora

do “caos social”. Porém, argumentam Adorno e Horkheimer, como isso é possível se a

“modernidade” possui um ar de “semelhança”. Semelhança esta, que a nosso ver

proporciona outro tipo de medo (não latente), pois como afirma Zigmunt Bauman

(2010, p. 74): “Os medos não tem raiz. Essa característica liquida do medo faz com que

9 Sobre o conceito de pós-modernidade consultar: Antony Giddens, (1991).

Page 12: Medo e dominação: contradições da modernidade

ele seja explorado política e comercialmente”, já que advêm pela dominação das

diferentes “classes” e “massas”, sendo que estas categorias não se encontram mais

vinculadas à religião, mas sob o domínio da ciência para “explicar” suas contradições e

medos.

Exemplo disso é, segundo Adorno e Horkheimer, a passagem do telefone ao

rádio, que separou os papéis do individuo. No telefone o individuo ainda desempenhava

o papel de sujeito, já que a conversa dependia dele. O rádio, por conseguinte,

transformou todos os indivíduos em sujeitos passivos, pois os ouvintes entregaram-se

submissamente aos diferentes canais radiofônicos, que são efetuados por radialistas que

não (re) conhecem sua verdadeira intenção de controle sobre a realidade cotidiana, pois

estes são apenas marionetes do domínio daqueles que detém poder, que segundo

Adorno e Horkheimer, (1985) são os donos do aço, petróleo, eletricidade e química.

Para o consumidor, nesse tipo de sociedade, não há nada mais a classificar que

não tenha sido antecipado pelos esquematismos de produção da indústria cultural, isto é,

a ideologia da arte que o cinema e o rádio utilizam para legitimar o “lixo” que produzem

ou a “arte” para as massas é encontrada na consciência terrena das equipes de produção,

onde tudo é pensado antecipadamente ao consumidor para que se obtenha lucro e com

isso o indivíduo fique sempre sujeito às manobras de interesse privado dos senhores do

capital.

Nesse sentido, Adorno e Horkheimer (1985) dizem que há uma “irracionalidade

da racionalidade” ou uma “atrofia da imaginação e da espontaneidade”, já que o

individuo não pensa por si próprio e tudo neste cenário “racional” é criado e recriado

ciclicamente como novo para que o indivíduo tenha sempre a vontade de consumir

como novo os produtos que na verdade só mudam de aparência, não em conteúdo.

Por isso, afirmamos que o individuo passa por outro tipo de dominação, não

mais vinculada à religião como afirmamos, mas aos diferentes tipos de exploração

material e dominação pessoal do capital, cujo individuo, em teoria, deveria pensar e

escolher as coisas e produtor por si próprio, o que de modo algum acontece e pior sem

este ter a noção dessa relação de poder e dominação como afirma Bourdieu (2010): O

poder está por toda parte em situações que entra pelos olhos e não é percebido, ele é

uma espécie de circulo cujo centro está em toda parte e em parte alguma, sendo

exercido sobre aqueles que não o sentem ou o ignoram.

Page 13: Medo e dominação: contradições da modernidade

O individuo nesse tipo de sociedade desconhece as formas de dominação

racional, econômica e social que lhes são impostos pela ilusão de uma razão libertadora

do medo e do desconhecido. Nessa conjuntura analítica, o que pode ser considerado

como novo na fase da indústria cultural? Resposta: Nada.

A maquinaria da indústria cultural gira, nesse sentido, sem sair do lugar, cujo

aperfeiçoamento técnico é mais valorizado que o conteúdo, determinando o que, quando

e onde se deve consumir, enquanto que o “novo” como produção autentica é descartado

por este representar um risco de produção e lucro ao capital, por isso sua reprodução

como “novo” é, segundo Silva, (2010) uma dissimulação dos valores nos produtos, onde

os sujeitos se coisificam como agentes que ao adquirir mercadorias massificadas tem a

ilusão de serem únicos por tê-la. É por isso que os produtos são colocados nas

prateleiras mundiais como novos para o consumidor sempre aceitá-las ilusoriamente

como novas, legitimas e de modo diferenciado de acordo com seu status social, isso é o

que chamamos de dominação racional da irracionalidade.

Prova dessa dominação, são os filmes de animação de outrora, que segundo

Adorno e Horkheimer, eram expoentes da fantasia contra o racionalismo. Hoje, os

personagens são jogados para lá e para cá na dimensão da tela para a diversão se

converter na qualidade de crueldade organizada, pois assim inculca em todas as cabeças

a antiga verdade de que a condição da vida nesta sociedade é o desgaste contínuo. A

violência contra o personagem transforma-se em violência contra o expectador. Isso faz

com que as pessoas incorporem de maneira eficaz a sua condição de vida como

“normal” e adequada às suas vivencias de exploração contínua, pois assim se torna mais

difícil tentar escapar ao que foi construído para cada indivíduo como afirma Berger,

(2004) quando diz: que os estratos sociais já foram petrificados no passado e a condição

de cada um no presente é só uma consequência do que foi escrito para a nossa atuação

em sociedade, ou melhor, para os papéis de nossa existência.

Nesse sentido, todas as necessidades de “prazer” e “satisfação” são nessa

perspectiva e segundo Adorno e Horkheimer, apresentadas ao consumidor podendo

serem sempre satisfeitas, mas que na verdade essas necessidades são organizadas para

que o consumidor seja um eterno consumidor de produtos que em conteúdo ilusório o

satisfazem momentaneamente. Desse modo, a busca de superação do medo que originou

o progresso da razão não faz nada mais do que reiterar outros tipos de dominação aos

Page 14: Medo e dominação: contradições da modernidade

diferentes sujeitos e classes sociais oriundas da divisão de trabalho, que devem ser

minadas cotidianamente por ideologias pelo rádio, pela TV, pelo cinema e revistas

como se seu lugar na escala social fosse “naturalmente” aquele, e que sua vida seja vista

como liberta de amarras que lhe fizessem pensar sobre certos tipos de dominação por

aqueles que detêm o poder.

Por fim, compreendemos que o cerne da racionalização do mundo na concepção

da Dialética do esclarecimento de Adorno e Horkheimer, (1985) encontra uma das suas

expressões na indústria cultural, que tem como lema oferecer “algo” ou “tudo” ao

consumidor, mas ao mesmo tempo privá-lo disso. Devemos então pensar nessa “nova”

dominação como também resultado e consequência do progresso da razão, onde os

deuses de outrora deixaram de ser venerados como entidades absolutas e a ciência e seu

progresso racionalizado passaram a ocupar o antigo lugar dessa verdade/ divindade,

tornando-se outra verdade absoluta e “naturalizando”, desse modo, as criações

hierárquicas de riqueza e pobreza da sociedade, já que a maioria das sociedades são

dominadas e dominantes deste modo operacional/ racional de dominação.

Considerações Finais

A busca pela liberdade dos homens em diferentes épocas foi e é feita através da

“racionalização” do mundo para o afastamento do medo, em princípio esse modo de

pensar pareceu muito eficiente, porém em seu curso mostrou-se bastante contraditória,

pois esse processo de “libertação” do desconhecido acabou (re) produzindo “novos”

medos e riscos à sociedade, encobrindo a noção do medo para aliviar suas incertezas

enquanto processo de desconhecimento do real. Desse modo, as teorias de Adorno,

Horkheimer e Beck foram e são importantes no que se referem aos seus métodos de

análise da realidade, isto é, racionalização do homem versus fim do medo versus

contradições desse processo. Assim, com um olhar intelectual eficiente sobre o todo

social, seus métodos dão subsídios para se pensar sob vários pontos de vista sobre as

relações sociais dentro das intersecções “racionais” e dos “medos” que acompanham a

humanidade. Além disso, outros pontos podem ser discutidos a partir desses aspectos

como a liquidez dos relacionamentos do homem frente aos meios de comunicação e da

modernidade como Zygmunt Bauman os descreve, as ameaças advindas com/pelo

progresso como as consequências do aquecimento global, ou mais próximos de nós

falando, nas ameaças de sentido territorial como no desaparecimento, através da

Page 15: Medo e dominação: contradições da modernidade

inundação, de algumas tribos indígenas ou na retirada obrigatória desses

moradores/povos dos arredores do que será a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Assim,

afirmamos que a respeito desses contextos verificamos que se faz necessária a reflexão

de qual postura deve ser assumida pela sociedade frente às contradições aqui expostas,

onde nos autodenominamos “racionais” e agimos como meros “irracionais”, no sentido

lato da palavra, sobre os próprios princípios do que nós designamos como sendo

racional. Desse modo, esses princípios da “modernidade esclarecida” não devem ser

tomados somente como benefícios, como elucidamos ao longo do texto, mas também

em prejuízos ao todo social sob a ilusória dinâmica de sobrepujacão de um homem ao

outro pelo viés da razão e do que seja racional, ficando “distante” do medo do

desconhecido e tendo uma vida de “certezas” explicada pela “ciência”.

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