medo e dominação: contradições da modernidade
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Este artigo investiga os conceitos de medo, dominação e racionalização e suas inter-relações, observando-os a partir dos livros, Dialética do Esclarecimento, de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, e Sociedade de Risco, de Ulrich Beck, entendendo-os como conceitos chave para o entendimento do surgimento da sociedade moderna. Busca compreender os sentidos admitidos por esses autores para os conceitos acima citados, analisar seu papel na sociedade moderna e assim verificar suas contradições, as quais sem que haja uma observação mais apurada sobre os alicerces da racionalização moderna, aparentam não existir.TRANSCRIPT
3° ENCONTRO DA REGIÃO NORTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA
DE SOCIOLOGIA - SBS NORTE 2012
26, 27 e 28 de setembro de 2012
UFAM – Manaus-AM
GRUPO DE TRABALHO
GT 01 – Amazônia e Teoria Crítica: Ideias em Constelação
COORDENADORES
Renan Freitas Pinto, Dr., UFAM; Davyd Spencer R. de Souza, MSc., UFAM; Dirceu
Ribeiro Nogueira da Gama, Dr., UFAM.
Medo e Dominação: contradições da modernidade.
Dayvison Carlos Costa dos Santos| UFPA | [email protected]
Francisco Moreira Ribeiro Neto | UFPA | [email protected]
Medo e Dominação: contradições da modernidade.
Dayvison Carlos Costa dos Santos
1
Francisco Moreira Ribeiro Neto2
Resumo: Este artigo investiga os conceitos de medo, dominação e racionalização e suas
inter-relações, observando-os a partir dos livros, Dialética do Esclarecimento, de
Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, e Sociedade de Risco, de Ulrich Beck,
entendendo-os como conceitos chave para o entendimento do surgimento da sociedade
moderna. Busca compreender os sentidos admitidos por esses autores para os conceitos
acima citados, analisar seu papel na sociedade moderna e assim verificar suas
contradições, as quais sem que haja uma observação mais apurada sobre os alicerces da
racionalização moderna, aparentam não existir.
Palavras-chave: Medo, Dominação e Racionalização.
Considerações Iniciais
No presente artigo, os assuntos sobre medo, racionalização e dominação se
tornaram relevante para nós, após sermos “convidados” a ler e a apresentar o livro:
Dialética do Esclarecimento de Max Horkheimer & Theodor W. Adorno (1985), na
disciplina Teorias Sociológicas Contemporâneas, do curso de Ciências Sociais, entre
março e junho de 2012 e do qual somos alunos. A disciplina foi ministrada pela Prof.ª
Dr.ª Maria José Aquino, que humildemente, se dispôs a nos ajudar na correção técnica e
a ter um olhar mais preciso para discutir o tema em questão, como também, elaborar
este artigo no intuito de fazer um trabalho acadêmico competente e respeitoso para com
os autores utilizados.
Posteriormente, após lermos também Sociedade de Risco de Ulrich Beck e
partindo de comparações destas obras, procuramos fazer pontes entre elas para
posteriormente exemplificar suas contradições com outros autores relevantes para este
debate. Esses diferentes pontos de vista nos fizeram pensar nessa “racionalização do
mundo”, “fim da dominação” versus “fim sociedade do medo”, como questões que nos
ofereceram subsídios para se pensar nas “Novas”, não tão novas, dominações impostas
por essa própria racionalização. Para isso, estes conceitos devem ser vistos, neste artigo,
como tentativas de esclarecer e entender sua natureza e suas contradições. Eles serão
aqui tomados como conceitos “não muito” abstratos ou filosóficos, mas sim mais
próximos do real, e observáveis no mundo social. Nesse sentido, ressaltamos que este
“real” será conceituado e exemplificado pela observação e olhar atento de outros autores
1 Graduando do 5º semestre de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará. E-mail:
[email protected] 2 Graduando do 5º semestre de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará. E-mail:
sobre os assuntos em questão como Peter L. Berger ou Pierre Bourdieu, já que não
partimos de uma pesquisa empírica, mas de uma “analise de conteúdo” como descreve:
LEVIN, (1987), na qual esses temas possam ser pensados, talvez, como pontos de
partida para possíveis projetos de pesquisa empírica.
Situando Argumentos
Em Dialética do Esclarecimento os autores fazem uma discussão que diz
respeito ao entendimento dos motivos pelos quais uma sociedade dita esclarecida se
afunda em outros tipos de barbárie, cujo desenrolar de sua racionalização está levando-a
a própria “destruição”. Adorno e Horkheimer pensam assim em virtude do momento
histórico em que viveram ser no começo do século XX, um marcado por conflitos entre
alguns países que encabeçaram 2ª guerra mundial e que deram bases para o
antissemitismo, que levou ao holocausto de milhões de judeus.
Para alcançar o objetivo de suas investigações os autores buscaram encontrar as
bases filosóficas que orientam a sociedade moderna, para assim encontrar suas
reverberações no mundo social e suas possíveis relações com a contradição citada
acima. É aí que chegam ao estudo dos conceitos de desmitologização, medo,
dominação, esclarecimento e autodestruição do esclarecimento.
Ulrich Beck, por sua vez, está mais situado como pensador no fim do século XX,
período de intensas mudanças no modo de se pensar e exigir tais mudanças, ele observa
a sociedade moderna percebendo consequências decorrentes do alto teor de
industrialismo no mundo, o qual a princípio tinha como objetivo a satisfação das
necessidades humanas, mas que na modernidade tardia trouxe riscos diferentes de outras
épocas, pois se caracterizam pela sua universalidade, os quais têm sido criados,
distribuídos e redistribuídos em nome do progresso e acabam tendo relevante
interferência no âmbito político, econômico e social. Por isso a sociedade moderna, para
Beck, funciona em virtude dessa criação e distribuição de riscos e não somente pela
produção e distribuição de riquezas como nos primeiros momentos da modernidade.
Na perspectiva de Beck percebemos um pessimismo que também é observado
em Adorno e Horkheimer, isto no que diz respeito a consequências imprevistas das
ações do homem, pois na tentativa de satisfazer as necessidades humanas (Beck) e de
libertação do medo e da dominação (Adorno e Horkheimer) o homem acabou
produzindo exatamente aquilo que o destruiria e o tem destruído, isto é, novos riscos,
novos medos e novas dominações.
Visto dessa forma, os autores das principais obras estudadas neste artigo:
Adorno & Horkheimer e Ulrich Beck, nos dão base para se relacionar variadas formas
de dominação em momentos diferenciados para verificarmos que ainda hoje subsistem
de maneiras diversas e difusas. Para isso utilizaremos algumas teorias sociais que
aparecem no sentido de esclarecer as contradições da sociedade atual à realidade
concreta de novas dominações como em Adorno, Bauman, Beck e Horkheimer, que são
reconhecidos como autores críticos de suas realidades e onde nos ajudam a pensar nas
formas de dominação e com isso para além delas, pois o progresso da razão “liberta”,
porém camufla suas mazelas intrínsecas, que não são sentidas por aqueles que são
objetos de sua dominação.
Por isso, tentearemos lançar um olhar sobre a nossa realidade, investigando a
passagem da sociedade mítica para a sociedade moderna ou esclarecida, proveniente do
entendimento que as obras: Dialética do Esclarecimento (1985) e Sociedade do Risco
nos proporcionam, e na qual a racionalização do mundo surge como sinônimo de
desmistificação do real, fazendo a sua “dissolução” parecer como integradora unilateral
dos homens, mas que na verdade, faz e traz como consequência “novos” medos à
humanidade.
Medo e Sociedade
Todo movimento do pensamento é feito no sentido de livrar os homens do medo.
O outro objetivo do movimento do pensamento (esclarecimento), o de livrar os homens
da dominação, tornando-os dominadores, fica subsumido neste, pois em Dialética do
Esclarecimento a dominação sempre está firmada no medo. Por esse motivo é que
programa do esclarecimento se configura sendo o de desencantamento do mundo, a
destruição do animismo e dos mitos3. Foi dessa forma que vários descobrimentos e
invenções da modernidade aconteceram como, por exemplo, as missões espaciais, onde
homem se “profana aos céus” como algo que pode ser explicado e conhecido racional e
matematicamente, e isto acontece para libertá-lo do medo e do desconhecimento, que
antes pertencia estritamente aos deuses. Quando se desenvolvem conhecimentos
3 ADORNO & HORKHEIMER, 1985.
científicos como, por exemplo, a psicologia e a sociologia têm-se por objetivo alcançar
uma explicação racional e experimentável do mundo social e psíquico que vivemos,
com isso, despreza-se interferências sobrenaturais no comportamento humano e social,
as quais nesse plano são consideradas reais em si mesmas, pois são construídos como
produtos da própria ação humana.
O mito, em sua estrutura, admitia a projeção de subjetividades em objetos
concretos e naturais, o antropomorfismo. Nele não havia total contenção da verdade
naquilo que é natural, porquanto o natural, no mito, é a manifestação da subjetividade,
isto é, daquilo que é intangível, que transcende ao âmbito da experiência, aquilo que é
nas coisas, porém não as coisas. O mito, por isso, converte tudo àquilo que não é
conhecido, tangível ou experimentável, em sacralidade. Esta conversão não acontece à
toa, pois esta advém do medo. Tudo aquilo que o homem não consegue manusear ou
decifrar lhe causa assombro, horror, medo, por isso se torna santo e por sua santidade,
respeitado e obedecido.
Então, os homens percebem os deuses na natureza, porquanto sem este anteparo
estas divindades não poderiam ser situadas. Uma tentativa de objetividade da
subjetividade. Mas situá-las não significa determiná-las, pois o natural não compreende
o sobrenatural, não obstante o expressa.
Nesse contexto, onde o medo ou aquilo que causa medo é sacralizado, o natural
sendo a expressão do sobrenatural, configura-se como a expressão do próprio medo.
Com efeito, tudo o que é inteligível, pelo esclarecimento, é a expressão do medo,
portanto advindo dele. Essa assertiva é o princípio de todas as relações, segundo Adorno
e Horkheimer.4
O esclarecimento é a maior manifestação, em Dialética do Esclarecimento,
dessa locomoção da sociedade pelo medo, pois não compreendendo o mito, tendo-o
como dominador e alegando que este se utilizava daquilo que não era inteligível para
explicar o inteligível, reputava-o e reputa-o ainda como falsidade. Assim, o
esclarecimento aparece como resposta ao medo da perpetuação da liberdade
“falsificada” trazida pelo mito, falsificada por ser complacente ao desconhecido,
submetendo-se a ele e submetendo-se por medo dele.
4 Ibidem, 1985.
Com efeito, a luta contra a manutenção do desconhecido, logo do medo, é a
gênese do esclarecimento e também de todas as mudanças sociais decorridas deste, pois
o esclarecimento, tanto quanto o medo, não se configura apenas como um conceito
histórico-cultural ou filosófico, mas como fenômeno real, que passa à concretude
social.5 Como dizem Adorno e Horkheimer: “[...] o esclarecimento exprime o
movimento real da sociedade burguesa como um todo sob o aspecto da encarnação da
Ideia em pessoas e instituições [...]” (ADORNO & HORKHEIMER. 1985, p. 13).
Depreende-se, então, que o esclarecimento é não somente um fenômeno filosófico, mas
também social, e assim sociológico, que surge em contrariedade ao mito e ao medo.
Frente a essas concepções, percebemos que o medo possui um papel muito
relevante para a movimentação da sociedade e isto ocorre pela incapacidade do homem
de conhecer tudo. O que acontece na obra de Adorno e Horkheimer é que, nessa
tentativa de acabar com o desconhecido, a humanidade, através do esclarecimento, não
conhece o desconhecido, mas apenas destrói a ideia de desconhecido, e destruindo a
ideia, a concretude do medo, a saber, do desconhecido, permanece juntamente com a
dominação que vem dele. É nesse ponto que fica evidente a “autodestruição do
esclarecimento”, a qual é um dos problemas centrais discutidos em Dialética do
Esclarecimento.
A sociedade esclarecida, descrita por Adorno e Horkheimer, é a sociedade
dominada pelo pensamento técno-científico, na qual tudo é calculável, pois é
matematizado. Nela a mitologia é abominável, o uso da razão é seu único instrumento.
Por seu caráter calculador, a sociedade esclarecida coisifica tudo e imerge tudo em um
só plano, o matemático. Por essa possibilidade de entendimento de tudo, há o
estabelecimento de leis, de leis científicas, que nascem a partir do conhecimento de um
fenômeno. Desse modo, o anseio do esclarecimento de libertar os homens, acaba
produzindo leis; O desejo de libertação da dominação encontrada no mito, acaba
resultando em submissão a outras leis; por isso a sociedade esclarecida se manifesta
totalitária e possuindo uma simpatia pela coerção social, através das leis científicas.6
A sociedade esclarecida é a sociedade moderna como já demonstramos, ela
surge tendo como princípio a superação do medo humano, o qual se revela pelo
5 Ibidem, 1985.
6 Ibidem, 1985.
desconhecimento, o qual também pode ser entendido como incerteza sobre algo do qual
não se tem domínio, e não se tendo domínio sobre algo, vivenciam-se riscos. Esse
objetivo de superar o desconhecido não foi alcançado, pois a sociedade que surge para
acabar com os riscos, produz riscos ainda piores, isto é a manifestação da ambivalência
inerente ao medo, que impulsiona à liberdade, porém sempre acompanhada de riscos7.
Como dizem: Daniel de Brito e Wilson Barp, (2008, p. 30):
[...] as luzes da emancipação são ofuscadas pelo medo. A
ordem socioeconômica moderna valeu-se da ciência para
criar instrumentos de aceleração do progresso, subverteu a
ideia de esclarecimento (aufklärung) e tornou o saber um
instrumento técnico, relegando a um plano inferior a
autoconsciência.
Essa subversão da ideia de esclarecimento, convertendo-o em mero instrumento
técnico para o progresso, isto é, para fins, revela que nesse processo o esclarecimento
perde suas características libertadoras, pois se é um instrumento do progresso é uma
parte de um sistema que domina a ele próprio. Com efeito, ao esclarecimento sobra a
autoconsciência de sua ineficácia no processo de libertação que não existe mais, porque
foi substituído pelo progresso déspota, que renova o medo e a dominação. Vemos aqui,
o que Max Weber, (1985) chama de consequências imprevistas ou paradoxo das
consequências.
Este fenômeno acontece quando resultados completamente inesperados são
verificados ligados a eventos que visavam fins diferentes ou exatamente antagônicos
aos alcançados. Portanto, ao programa esclarecedor pode ser imputado um peso causal
no que respeita a conceição de novos medos ou riscos, onde nota-se a impressão do
fenômeno das consequências imprevistas ou paradoxo das consequências.
O esclarecimento pelo que foi exposto até aqui, seria uma tentativa ilusória de
libertação humana, pelo qual se acreditava que o processo de racionalização do mundo
traria o progresso humano, porém isto se mostrou um enorme equívoco, pois a
sociedade esclarecida afunda-se em outras barbáries, caminhando para a própria
7 Sobre a ambivalência e medo, consultar “Ambivalência e Medo: faces dos riscos na Modernidade”
(Daniel Chaves de Brito & Wilson José Barp, 2008)
destruição. Ulrich Beck, a esse respeito, explora a concepção de modernidade8 para
explicar que toda produção de liberdade pela dominação da natureza é acompanhada da
produção de riscos ou medos, e medos piores que os anteriores.
A perspectiva sociológica de Beck, parti do pressuposto de que esta sociedade
não se organiza mais apenas pelas diferenças de classe, as quais tem a ver com a
distribuição de riquezas, mas pelas diferenças ou distribuições de risco. Desta maneira,
Beck utiliza, para caracterizar a sociedade em questão o termo sociedade de risco, com
o intuito de diferenciá-la da sociedade de classes.
O autor assinala que na sociedade de classe (final do séc. XIX e início do séc.
XX) o funcionamento era calcado na distribuição de riquezas, pois em um momento de
industrialismo o objetivo era subjugar a natureza para a satisfação das necessidades
humanas. A principal necessidade apontada por ele é a erradicação da fome, ou pelo
menos sua diminuição. Neste período histórico, diz o autor, que a força motriz da
sociedade era a desigualdade na distribuição das riquezas como o próprio afirma:
O conceito de “sociedade industrial” ou “de classes” (na mais
ampla vertente de Marx e Weber) gira em torno da questão
de como a riqueza socialmente produzida pode ser
distribuída de forma socialmente desigual e ao mesmo tempo
“legítima”. (BECK, Ulrich. 2010, p. 24)
Na sociedade da segunda metade do séc. XX nota-se ainda a desigualdade, no
que diz respeito à distribuição de riquezas, como motor social, mas para Beck essa
propulsão que aparentemente vem da desigualdade de riquezas é fator contraditório da
desigualdade de riscos. Nesse sentido, como é possível que as ameaças e riscos
sistematicamente coproduzidos no processo tardio de modernização sejam evitados,
minimizados, dramatizados, canalizados e, quando vindos à luz sob a forma de “efeitos
colaterais latentes”, isolados e redistribuídos de modo tal que não comprometam o
processo de modernização e nem as fronteiras do que é (ecológica, medicinal,
psicológica ou socialmente) “aceitável”? A questão da distribuição de riscos em Beck é
o fator central, nela efetivamente reside o motor da sociedade atual.
8 Modernidade tardia, esse é o termo utilizado por Ulrich Beck para definir as transformações da
sociedade, em geral, nas últimas décadas do séc. XX.
Devido ao alto grau de industrialização do mundo, a alta tecnologia, as ações
humanas passaram a gerar riscos diferentes de outrora, pois estes não são riscos
pontuais, particulares, ou de um grupo, mas de toda a humanidade. Fica, portanto,
evidente em Beck a autodestruição do esclarecimento que Adorno e Horkheimer já
vinham falando.
Sobre este assunto Beck (2010) comenta que os excrementos acumulados nas
ruas da cidade medieval ameaçavam somente os narizes daqueles que por ela
caminhavam, na modernidade, diz o mesmo autor, a destruição da fauna e da flora
ameaça todo o planeta, mudando-se com isso a abrangência do medo pelo advento da
sociedade moderna ou esclarecida. Os efeitos nefastos dessa modernização não mais se
irradiam somente aos mais próximos ou aos lugares que foram gerados, mas sim ao
mundo inteiro como afirma Bauman:
“Os medos são agora difusos, eles se espalham. É
difícil definir e localizar as raízes desses medos, já
que os sentimos, mas não os vemos. É isso que faz
com que os medos contemporâneos sejam tão
terrivelmente fortes, e os seus efeitos tão difíceis de
amenizar” como as “ameaças tóxicas”. (BAUMAN,
2010, p. 73).
Apesar de a análise de Beck focar em grande parte os riscos globais, aqueles que
são sofridos por toda a humanidade, o autor mostra que existem riscos que são
localizados, embora temporariamente e estratificados. Ele exemplifica que, usinas
nucleares oferecem maiores riscos aos que estão mais próximo, geograficamente
falando, porém em um nível menor a todo o restante da humanidade. Aqui fica visível a
distribuição desigual de riscos.
Beck além de demonstrar que a distribuição de riscos é latente e oferece perigo a
vida humana, desvela que ela traz consequências econômicas, políticas e sociais. Assim,
o esclarecimento com seus preceitos aparecem no mundo social como formas benéficas
ao mesmo, pois estas consequências decorrem da ciência e são “resolvidas” pela
ciência, mas o esclarecimento, como já afirmamos, em seu desenvolvimento
racionalizado é paradoxal.
Em virtude dos riscos da modernização as relações políticas não podem ser
tomadas de maneira isoladas, pois os riscos, diz o autor, não respeitam fronteiras
nacionais ou político-administrativas. Nesse ínterim, se fazem necessárias decisões
conjuntas que visem melhorar não a condição de uma nação ou uma classe apenas, mas
a humanidade e as condições de vida no globo para o todo.
Nesse turbilhão de riscos, a ciência aparece criadora dos mesmos, e ao mesmo
tempo como aquela que tenta saná-los, é por isso que Beck afirma que a sociedade de
risco, também é a sociedade da ciência e da tecnologia. Aqui se faz importante assinalar
que, para o Ulrich Beck, devido a essa característica da ciência e da tecnologia, ela se
torna instrumento político, porquanto, mesmo frente aos riscos, a política ainda visa à
produção de riqueza, muitas vezes desprezando os riscos a serem produzidos por ela.
Por isso é preciso uma ciência que venha legitimar ações que produzam riscos, dizendo
que estes riscos são mínimos ou irrelevantes perante os resultados visados.
Diante dessa politização da ciência, constatada por Beck, passam a existir
incertezas sociais a respeito dos riscos, porquanto vários postulados científicos a
respeito de um mesmo fenômeno, ou de uma mesma produção de riscos, contrários
entre si, são apresentados à sociedade. Assim, com respeito aos riscos de contaminação
do ar, de alimentos ou da água, Beck diz a única solução para a certeza de alguma coisa,
seria parar de comer, de beber, e até de respirar.
Portanto, como dissemos no início, para a configuração da sociedade de risco,
Ulrich Beck precisou entender que a sociedade das últimas décadas do século XX não
pode mais ser descrita como sendo organizada em classes apenas, mas como uma
sociedade que tende a uma globalização, que é impulsionada pela ameaça da
concretização dos riscos de modernização que só podem ser concebidos enquanto
riscos, pois se de fato acontecerem, extinguirão a sociedade. A sociedade do risco é,
então, a sociedade do medo e da incerteza.
Racionalização e “Novas” dominações
O programa do esclarecimento, segundo Adorno e Horkheimer, era dissolver os
mitos e substituí-los pelo saber. Saber este que traria um conhecimento mais preciso
sobre realidade das coisas e que faria os homens dominarem melhor as forças do
desconhecido, seja no âmbito espiritual ou no campo material, pois agora todas as
escolhas se centrariam na razão do homem (razão esta que o reconforta diante do
desconhecido).
O medo do desconhecido perde força neste tipo de concepção, uma vez que se
criam “certezas” sobre as coisas o homem deixa de ter medo, porém, outros “medos”
(na figura do saber matematizável) são criados para enquadrar os indivíduos numa
sociedade extremamente complexa e cheia de contradições econômicas como a nossa,
onde estas formas de exploração não possuem um esquema claro de dominação como o
cinema, o rádio e as revistas. Por isso, a credulidade, a aversão à dúvida, o vangloriar-se
com o saber fizeram com que os conhecimentos parciais emergissem e o entendimento
humano com a natureza das coisas se corporificasse, muitas vezes, como afirmam
Adorno e Horkheimer, a conceitos vãos e experimentos erráticos.
Nesse sentido, afirma Adorno e Horkheimer, que Bacon possuía um
entendimento patriarcal sobre o conhecimento, pois “o entendimento que vence a
superstição deve imperar sobre a natureza desencantada”, nisto já se pode pensar num
outro de sacralidade, vinculada agora no saber que hierarquiza seus indivíduos e
encontra sua auto regulação através das divisões postas pelo capitalismo e seus
progressos, o conhecimento hoje impera sobre a natureza das coisas.
Por isso, numa sociedade como a nossa, que é considerada pós-moderna9, o
saber é concebido como chave mestra, sendo que o poder que ele emana constrói outros
desconhecimentos como o que é produzido no cinema para amenizar os sofrimentos da
vida cotidiana, por isso, ele não reconhece barreiras quando escraviza crianças, pois
estão todos os homens e mulheres a serviço do saber, do capital e dos empresários.
Nesse sentido, “o que os homens apreendem da natureza é como emprega-la para
dominar completamente a ela e aos homens”: Adorno e Horkheimer (1985).
Não obstante, para alguns sociólogos, a perda de apoio que a religião fornecia
aos resíduos pré-capitalistas, faz da diferença técnica especializada a motriz propulsora
do “caos social”. Porém, argumentam Adorno e Horkheimer, como isso é possível se a
“modernidade” possui um ar de “semelhança”. Semelhança esta, que a nosso ver
proporciona outro tipo de medo (não latente), pois como afirma Zigmunt Bauman
(2010, p. 74): “Os medos não tem raiz. Essa característica liquida do medo faz com que
9 Sobre o conceito de pós-modernidade consultar: Antony Giddens, (1991).
ele seja explorado política e comercialmente”, já que advêm pela dominação das
diferentes “classes” e “massas”, sendo que estas categorias não se encontram mais
vinculadas à religião, mas sob o domínio da ciência para “explicar” suas contradições e
medos.
Exemplo disso é, segundo Adorno e Horkheimer, a passagem do telefone ao
rádio, que separou os papéis do individuo. No telefone o individuo ainda desempenhava
o papel de sujeito, já que a conversa dependia dele. O rádio, por conseguinte,
transformou todos os indivíduos em sujeitos passivos, pois os ouvintes entregaram-se
submissamente aos diferentes canais radiofônicos, que são efetuados por radialistas que
não (re) conhecem sua verdadeira intenção de controle sobre a realidade cotidiana, pois
estes são apenas marionetes do domínio daqueles que detém poder, que segundo
Adorno e Horkheimer, (1985) são os donos do aço, petróleo, eletricidade e química.
Para o consumidor, nesse tipo de sociedade, não há nada mais a classificar que
não tenha sido antecipado pelos esquematismos de produção da indústria cultural, isto é,
a ideologia da arte que o cinema e o rádio utilizam para legitimar o “lixo” que produzem
ou a “arte” para as massas é encontrada na consciência terrena das equipes de produção,
onde tudo é pensado antecipadamente ao consumidor para que se obtenha lucro e com
isso o indivíduo fique sempre sujeito às manobras de interesse privado dos senhores do
capital.
Nesse sentido, Adorno e Horkheimer (1985) dizem que há uma “irracionalidade
da racionalidade” ou uma “atrofia da imaginação e da espontaneidade”, já que o
individuo não pensa por si próprio e tudo neste cenário “racional” é criado e recriado
ciclicamente como novo para que o indivíduo tenha sempre a vontade de consumir
como novo os produtos que na verdade só mudam de aparência, não em conteúdo.
Por isso, afirmamos que o individuo passa por outro tipo de dominação, não
mais vinculada à religião como afirmamos, mas aos diferentes tipos de exploração
material e dominação pessoal do capital, cujo individuo, em teoria, deveria pensar e
escolher as coisas e produtor por si próprio, o que de modo algum acontece e pior sem
este ter a noção dessa relação de poder e dominação como afirma Bourdieu (2010): O
poder está por toda parte em situações que entra pelos olhos e não é percebido, ele é
uma espécie de circulo cujo centro está em toda parte e em parte alguma, sendo
exercido sobre aqueles que não o sentem ou o ignoram.
O individuo nesse tipo de sociedade desconhece as formas de dominação
racional, econômica e social que lhes são impostos pela ilusão de uma razão libertadora
do medo e do desconhecido. Nessa conjuntura analítica, o que pode ser considerado
como novo na fase da indústria cultural? Resposta: Nada.
A maquinaria da indústria cultural gira, nesse sentido, sem sair do lugar, cujo
aperfeiçoamento técnico é mais valorizado que o conteúdo, determinando o que, quando
e onde se deve consumir, enquanto que o “novo” como produção autentica é descartado
por este representar um risco de produção e lucro ao capital, por isso sua reprodução
como “novo” é, segundo Silva, (2010) uma dissimulação dos valores nos produtos, onde
os sujeitos se coisificam como agentes que ao adquirir mercadorias massificadas tem a
ilusão de serem únicos por tê-la. É por isso que os produtos são colocados nas
prateleiras mundiais como novos para o consumidor sempre aceitá-las ilusoriamente
como novas, legitimas e de modo diferenciado de acordo com seu status social, isso é o
que chamamos de dominação racional da irracionalidade.
Prova dessa dominação, são os filmes de animação de outrora, que segundo
Adorno e Horkheimer, eram expoentes da fantasia contra o racionalismo. Hoje, os
personagens são jogados para lá e para cá na dimensão da tela para a diversão se
converter na qualidade de crueldade organizada, pois assim inculca em todas as cabeças
a antiga verdade de que a condição da vida nesta sociedade é o desgaste contínuo. A
violência contra o personagem transforma-se em violência contra o expectador. Isso faz
com que as pessoas incorporem de maneira eficaz a sua condição de vida como
“normal” e adequada às suas vivencias de exploração contínua, pois assim se torna mais
difícil tentar escapar ao que foi construído para cada indivíduo como afirma Berger,
(2004) quando diz: que os estratos sociais já foram petrificados no passado e a condição
de cada um no presente é só uma consequência do que foi escrito para a nossa atuação
em sociedade, ou melhor, para os papéis de nossa existência.
Nesse sentido, todas as necessidades de “prazer” e “satisfação” são nessa
perspectiva e segundo Adorno e Horkheimer, apresentadas ao consumidor podendo
serem sempre satisfeitas, mas que na verdade essas necessidades são organizadas para
que o consumidor seja um eterno consumidor de produtos que em conteúdo ilusório o
satisfazem momentaneamente. Desse modo, a busca de superação do medo que originou
o progresso da razão não faz nada mais do que reiterar outros tipos de dominação aos
diferentes sujeitos e classes sociais oriundas da divisão de trabalho, que devem ser
minadas cotidianamente por ideologias pelo rádio, pela TV, pelo cinema e revistas
como se seu lugar na escala social fosse “naturalmente” aquele, e que sua vida seja vista
como liberta de amarras que lhe fizessem pensar sobre certos tipos de dominação por
aqueles que detêm o poder.
Por fim, compreendemos que o cerne da racionalização do mundo na concepção
da Dialética do esclarecimento de Adorno e Horkheimer, (1985) encontra uma das suas
expressões na indústria cultural, que tem como lema oferecer “algo” ou “tudo” ao
consumidor, mas ao mesmo tempo privá-lo disso. Devemos então pensar nessa “nova”
dominação como também resultado e consequência do progresso da razão, onde os
deuses de outrora deixaram de ser venerados como entidades absolutas e a ciência e seu
progresso racionalizado passaram a ocupar o antigo lugar dessa verdade/ divindade,
tornando-se outra verdade absoluta e “naturalizando”, desse modo, as criações
hierárquicas de riqueza e pobreza da sociedade, já que a maioria das sociedades são
dominadas e dominantes deste modo operacional/ racional de dominação.
Considerações Finais
A busca pela liberdade dos homens em diferentes épocas foi e é feita através da
“racionalização” do mundo para o afastamento do medo, em princípio esse modo de
pensar pareceu muito eficiente, porém em seu curso mostrou-se bastante contraditória,
pois esse processo de “libertação” do desconhecido acabou (re) produzindo “novos”
medos e riscos à sociedade, encobrindo a noção do medo para aliviar suas incertezas
enquanto processo de desconhecimento do real. Desse modo, as teorias de Adorno,
Horkheimer e Beck foram e são importantes no que se referem aos seus métodos de
análise da realidade, isto é, racionalização do homem versus fim do medo versus
contradições desse processo. Assim, com um olhar intelectual eficiente sobre o todo
social, seus métodos dão subsídios para se pensar sob vários pontos de vista sobre as
relações sociais dentro das intersecções “racionais” e dos “medos” que acompanham a
humanidade. Além disso, outros pontos podem ser discutidos a partir desses aspectos
como a liquidez dos relacionamentos do homem frente aos meios de comunicação e da
modernidade como Zygmunt Bauman os descreve, as ameaças advindas com/pelo
progresso como as consequências do aquecimento global, ou mais próximos de nós
falando, nas ameaças de sentido territorial como no desaparecimento, através da
inundação, de algumas tribos indígenas ou na retirada obrigatória desses
moradores/povos dos arredores do que será a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Assim,
afirmamos que a respeito desses contextos verificamos que se faz necessária a reflexão
de qual postura deve ser assumida pela sociedade frente às contradições aqui expostas,
onde nos autodenominamos “racionais” e agimos como meros “irracionais”, no sentido
lato da palavra, sobre os próprios princípios do que nós designamos como sendo
racional. Desse modo, esses princípios da “modernidade esclarecida” não devem ser
tomados somente como benefícios, como elucidamos ao longo do texto, mas também
em prejuízos ao todo social sob a ilusória dinâmica de sobrepujacão de um homem ao
outro pelo viés da razão e do que seja racional, ficando “distante” do medo do
desconhecido e tendo uma vida de “certezas” explicada pela “ciência”.
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