memória e ensino de história: uma experiência na educação de

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CAMINHO CAPÍTULO 2 CAMINHO: MEMÓRIA NO ENSINO DE HISTÓRIA PELA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL Caminho: 2. Direção, rumo, sentido. 6. Fig. Direção, tendência. 1 1 Ferreira, 1995, p. 120. > 60

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  • CAMINHO

    CAPTULO 2CAMINHO: MEMRIA

    NO ENSINO DE HISTRIA PELA EDUCAO

    PATRIMONIAL

    Caminho: 2. Direo, rumo,

    sentido. 6. Fig. Direo,

    tendncia.1

    1 Ferreira, 1995, p. 120. >

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  • Ao tomar contato com a metodologia da educao patrimonial, alguns problemas que se apresentavam com a justificativa e a prtica do ensino de histria a partir da memria se tornaram solues mais claras em significados e rumos, que at ento intuamos. Na prtica pedaggica, muitos professores j utilizam a educao patrimonial sem saber o nome dessa metodologia.

    Nosso trabalho tem como fundamento a memria, e sua dinmica propiciada pela utilizao da educao patrimonial. Essa foi originalmente estabelecida como educao em museus, onde o trabalho deve ser feito a partir do objeto a ser explorado e decodificado, sendo a informao desenvolvida a partir do objeto, em que o desenvolvimento de atividades educacionais a partir da evidncia histrica, artstica, cientfica ou natural; ou seja, que utilizem o objeto ou o artefato como ponto de partida para qualquer estudo ou anlise da realidade passada, presente ou futura.

    Apresentaremos, inicialmente, um pouco da chegada de tal teoria no Brasil. No item posterior sero colocadas as bases educacionais dessa metodologia. A vinculao do conceito patrimnio cultural com educao patrimonial e memria desenvolvida no penltimo item. E, por fim, procuro esclarecer a apropriao que realizo das teorias discutidas nos itens anteriores, para a prtica de ensino e para a realizao desta dissertao.

    1 O conceito de educao patrimonial chegando ao Brasil

    A educao patrimonial foi desenvolvida e dirigida pelos e aos museus. O termo educao patrimonial a traduo para o portugus do conceito de Heritage Education (Herana Educao), nascido na Inglaterra e que Maria de Lourdes Parreira Horta, em 1982, como chefe da diviso de acervo histrico e artstico do Museu

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  • Imperial (RJ), teve contato e procurou introduzir no Brasil. A educao patrimonial busca o ensino centrado no objeto cultural, na evidncia material da cultura.2

    Essa metodologia foi adotada em museus ingleses na dcada de 1970 como transformao na atitude educativa dos mesmos. As visitas guiadas, empregadas em praticamente todos os museus, faziam com que as crianas tivessem no museu o mesmo tipo de experincia que tinham na escola. Isto , aulas expositivas e atitude passiva. Os museus procuraram novas aes educativas para atingir o pblico, e a educao patrimonial vem como resposta para muitos museus.

    Cabe ressaltar que tal metodologia se instala num momento em que os estudos sobre a cultura material vinculam-se e alimentam a nova corrente historiogrfica, denominada nova histria, quando os historiadores reforam a utilizao do objeto como fonte primria de informao, no lugar do documento escrito. Na Inglaterra, a nova histria fez a mudana no currculo e no mtodo de ensinar histria nas escolas. Com isso, alunos e professores foram para os museus pesquisar a cultura material.3

    Hoje alguns historiadores e profissionais que lidam com o tema memria vm propondo, no mbito de suas instituies culturais, sobretudo em museus, a elaborao de programas de educao patrimonial. Esta, segundo Maria de Lourdes Parreira Horta, possibilita o reforo da auto-estima dos indivduos e das comunidades e a valorizao da cultura brasileira em sua rica diversidade, abrindo grandes possibilidades de relao entre o ensino de histria e educao patrimonial.4

    2 A proposta educativa da educao patrimonial

    A educao patrimonial uma proposta 3Alencar, 1987, p. 32. >

    4Ori, http://www.positivo.com.br/posinfo/positivo/pinewopind02.html >

    2 Alencar, 1987, pp. 25-26. >

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  • interdisciplinar de ensino voltada para o patrimnio cultural, desenvolvendo o interesse pela preservao da memria. O carter dinmico do estudo de histria, na relao presente-passado, apresentado na educao patrimonial, que no se refere apenas aos objetos do passado, mas igualmente aos do cotidiano, do presente, aos que esto sendo criados pelo homem no exerccio de sua humanidade, a toda natureza, fsica e biolgica, que constitui o nosso universo.

    Existem suportes legais que sustentam a utilizao dessa metodologia, no s nas aes educativas em instituies culturais, como o caso dos museus, mas tambm em escolas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional Lei n 9.394/96 no artigo 26, diz que a parte diversificada dos currculos dos ensinos fundamental e mdio deve observar as caractersticas regionais e locais da sociedade e da cultura. Os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino fundamental, nos temas transversais, apontam para a possibilidade da escola valorizar o estudo do patrimnio cultural e a conseqente adoo de projetos de educao patrimonial, especialmente nos temas do meio ambiente e da pluralidade cultural.

    A educao patrimonial traz como proposta a ao educativa por meio da participao ativa do educando, analisando os objetos culturais. Ela prope a leitura do mundo e das coisas produzidas pelo indivduo em sua vida cotidiana, desenvolvendo no e com o educando a apropriao, afetivamente e conscientemente, de seus valores e marcas prprios, de seu patrimnio pessoal e comunitrio, levando-o compreenso do universo sociocultural e da trajetria histrico-cultural em que est inserido, proposta que um cruzamento com a finalidade da educao em geral.5

    O patrimnio cultural e o meio ambiente em que o educando est inserido oferecem oportunidades de criao de situaes de aprendizado, a partir das manifestaes de processo cultural. Com a educao patrimonial busca-se,

    5Horta, 2003, pp. 1-2,6. >

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  • tanto no processo educativo como em qualquer rea de ensino/aprendizagem, levar os alunos a utilizarem suas capacidades intelectuais para a aquisio de conceitos e habilidades, assim como para o uso desses conceitos e habilidades em sua vida diria e no prprio processo educacional. A aquisio reforada pelo uso dos conceitos e habilidades, e esse uso leva aquisio de novas habilidades e conceitos. O desenvolvimento de habilidades provocado no percurso de etapas, realizando as atividades de observao, registro, pesquisa/estudo (explorao), discusso/concluses (apropriao), levando-nos assim ao conhecimento do objeto. Com a educao patrimonial desenvolvemos habilidades de observao, de anlise crtica, de comparao e deduo, de formulao de hipteses e de soluo de problemas colocados pelos fatos e fenmenos observados.6

    Na observao, talvez com jogos ou comparaes, a percepo visual (emoo e razo) colocada em ao para identificao do objeto. No registro do conhecimento percebido h a adequao do desenvolvimento do pensamento lgico e intuitivo (sensao, imagem e idias) com descries, desenhos, maquetes, fotografias para fixao e aprofundamento do conhecimento percebido, explorando algumas hipteses e pesquisando outras fontes para interpretao das evidncias e significados. A explorao e a apropriao so feitas por meio da sistematizao das idias e das imagens, e do estabelecimento das ligaes com sua realidade ocorre recriao (p. ex. em exposies ou em dramatizaes), desenvolvimento afetivo e valorizao do bem cultural.7

    Para isso acontecer o professor precisa estudar o patrimnio cultural; apontar os resultados educacionais pretendidos e as habilidades, conceitos e conhecimentos a serem adquiridos pelos alunos; procurar um trabalho interdisciplinar; preparar o modo como ser avaliado o trabalho; organizar um produto final e integrar a comunidade escolar. Portanto, pode fazer o educando desenvolver 6Ibid, pp. 8-15. >

    7Alencar, 1987; Horta, 2003. >

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  • o interesse em resolver questes significativas para sua prpria vida, pessoal e comunitria (modo de vida dos nossos antepassados e as solues que eles encontraram, fazendo comparao com as solues atuais e projetando solues moradia, saneamento, abastecimento de gua, iluminao, sade, alimentao, transporte e etc.).8

    A educao patrimonial uma proposta de ensino por meio da evidncia, um aprendizado que apela mais para o sensvel, o concreto, o visual, o ttil, o emocional, do que para o intelectual, de idias e palavras. Nela o processo de ensino-aprendizagem extrapola os muros da escola, dos museus, das bibliotecas e arquivos:

    Num processo de descoberta em que os alunos, professores, pais, avs e toda uma comunidade podem estar envolvidos.9

    Nesse tipo de trabalho existe a possibilidade da sensibilizao na percepo do entendimento de processos da memria, compreendendo a dinmica cultural como um movimento contnuo de mudana, transformao e permanncia. Com a educao patrimonial desenvolvemos:

    Habilidades de observao, de anlise crtica, de comparao e deduo, de formulao de hipteses e de soluo de problemas colocados pelos fatos e fenmenos observados.10

    Os objetos e fenmenos culturais so elementos que potencializam a relao ensino-aprendizagem, a partir de um trabalho organizado e em busca do desenvolvimento da conscincia crtica.

    A metodologia da Educao Patrimonial pode levar os professores a utilizarem os objetos culturais na sala de aula, ou nos prprios locais onde so encontrados, na casa do aluno, em visitas e passeios a lugares de interesse,

    8Horta, 2003. >9Ibid., pp. 1-2. >

    10Ibid., p. 6. >

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  • como peas chave no desenvolvimento dos currculos, e no simplesmente como mera ilustrao das aulas e dos livros.11

    A prpria escola e o meio onde est inserida um elemento acessvel ao estudo pela metodologia da educao patrimonial. Com ela podemos estudar pistas que indicam a vivncia humana no passado, aprendendo a ler os indcios do passado no presente, para deles tirar concluses e, portanto, conhecimentos.12

    O nosso sistema educacional tem como preponderante o estudo de palavras e nmeros. A organizao curricular privilegia, na maior parte de suas disciplinas, os objetivos de promoo do desenvolvimento cognitivo. Entretanto, a pessoa um todo cognitivo afetivo motor, e a modificao de um dos aspectos afeta os demais.

    A metodologia da educao patrimonial pressupe uma mudana de atitude com relao ao patrimnio cultural, apelando mais para o sensvel e o emocional.13 Esse processo passa pela percepo ou tomada de conscincia de um valor, at a identificao com valores que caracterizam o indivduo. Implica na conscincia de que o sujeito produtor. Ele recebe, utiliza-se e produz esse mesmo patrimnio. Ele se insere numa trajetria. Tal conscincia no algo que deva ser imposto. preciso trabalhar uma rede de significados para se construir o conhecimento e tomar opes. No se pode impor o significado simblico de um objeto cultural a algum completamente alheio a ele. Se o sujeito no tem o referencial, no vai se envolver no processo.

    Pensando o processo ensino-aprendizagem na escola, a educao patrimonial valoriza o trabalho de campo para a pesquisa e o aprendizado em sala de aula, tambm destacando uma proposta transdisciplinar.

    11Ibid., p. 12. >12Ibid., pp. 24-25. >

    13Alencar, 1987. >

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  • 3 Educao patrimonial e patrimnio cultural

    Um elemento na educao patrimonial, e nesta pesquisa, a questo do patrimnio cultural. O trabalho com a memria nos indica o patrimnio cultural, que fundamental na educao patrimonial.

    O patrimnio, como o nome diz, algo herdado de nossos pais e antepassados, contm nossa memria. Essa herana s passa a ser nossa para ser usufruda se nos apropriarmos dela, se a conhecermos e reconhecermos como algo que nos foi legado e que deveremos deixar como herana para nossos filhos, para as geraes que nos sucedero no tempo e na histria.

    Uma herana que constitui a nossa riqueza cultural, individual e comunitria, a nossa Memria, de pertencermos a uma cultura prpria.14

    O interesse de despertar a conscincia crtica e o valor do patrimnio histrico-cultural por parte das comunidades e dos indivduos. Assim o patrimnio cultural pensado como fonte primria de conhecimento e aprendizado.

    com essa perspectiva que a nossa pesquisa se desenvolve, voltada para a recuperao da memria e da auto-estima de comunidades em processo de desestruturao, e para a preservao do seu patrimnio cultural, alm de estimular a compreenso dos processos de transformao e permanncia dos bens culturais.

    Sendo o princpio bsico da educao patrimonial a experincia direta dos bens e fenmenos culturais, leva-nos a sua compreenso e valorizao, em um processo contnuo de descoberta, tomando o patrimnio cultural como ponto de partida para a atividade pedaggica por meio da observao, questionando e explorando aspectos dos fenmenos culturais que, como vestgios, apontaro quais

    14Horta, 2003, p. 6. >

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  • fontes secundrias (livros, textos) nos ajudaro a ampliar nossos conhecimentos.15 Ela se utiliza dos lugares e suportes da memria (museus, monumentos histricos, arquivos, bibliotecas, stios histricos, vestgios arqueolgicos etc.) no processo educativo, a fim de desenvolver a sensibilidade e a conscincia por parte dos educandos para a importncia da preservao desses bens culturais.16

    O carter dinmico do estudo de histria, na relao presente-passado, apresentado na educao patrimonial, que no se refere apenas aos objetos do passado, mas igualmente aos do cotidiano, do presente, aos que esto sendo criados pelo homem no exerccio de sua humanidade, a toda natureza, fsica e biolgica que constitui o nosso universo.17

    A metodologia da educao patrimonial pode ser aplicada a qualquer evidncia material ou manifestao da cultura, seja um objeto ou um conjunto de bens, uma manifestao popular de carter folclrico ou ritual, um processo de produo industrial ou artesanal, tecnologias e saberes populares e a qualquer outra expresso resultante da relao entre os indivduos e seu meio ambiente.18 Dessa forma no se restringe aos objetos culturais materiais, mas tambm aos imateriais. Portanto, pretende-se a valorizao dos bens culturais que compem o patrimnio cultural, tomando o trabalho de campo como o ponto de partida e/ou chegada para a pesquisa e o aprendizado em sala de aula.

    O Brasil um pas pluricultural que, muitas vezes, na prpria escola apresentado como uma nica cultura, dificultando ao aluno se perceber detentor de cultura digna de reconhecimento e preservao, apesar de diversa. As evidncias indicadas pela educao patrimonial demonstram o leque panormico da nossa herana cultural, do patrimnio cultural brasileiro:

    - consagrados pelas instituies governamentais: objetos histricos, objetos artsticos, monumentos representativos

    15Ibid., pp. 4-5. >16Ori, http://www.positivo.com.br/posinfo/

    positivo/pinewopind02.html >17Alencar, 1987, p. 32. >18Horta, 2003, pp. 6-7. >

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  • da memria nacional, centros histricos;

    - patrimnio vivo da sociedade brasileira: artesanatos, maneiras de pescar, maneiras de caar, maneiras de plantar, maneiras de cultivar, maneiras de colher, maneiras de utilizar as plantas como alimentos e remdios, maneiras de construir moradias, maneiras de fabricar objetos de uso, a culinria, as danas, as msicas, os modos de vestir, os modos de falar, os rituais, as festas religiosas, as festas populares, as relaes sociais, as relaes familiares, as canes, as histrias e lendas contadas de gerao em gerao. Tudo isso revela os mltiplos aspectos que pode assumir a cultura viva e presente em uma comunidade.19

    O patrimnio cultural, em diversas dimenses, pode ser encontrado intacto, incompleto ou escondido. a demonstrao de parte da trajetria de vida de uma sociedade/comunidade e por suas caractersticas peculiares de forma, estilo e funo. Existem patrimnios culturais construdos especialmente para celebrar ou relembrar algum episdio. Outros so remanescentes do passado, que sobreviveram ao tempo, e so consagrados pela sociedade como smbolos coletivos, e como referncias da memria de um povo. Perceber o patrimnio cultural no meio ambiente histrico em que a escola e a comunidade escolar esto envolvidas, uma proposta desta pesquisa. Tal percepo aponta que, em suas estruturas, formas e uso, revelam um momento determinado do passado, e so testemunhas dos modos de vida, das relaes sociais, das tecnologias, das crenas e valores dos grupos sociais que os construram, modificaram e utilizaram. Alguns monumentos continuam a servir a mesma funo original, outros servem a novas funes.20

    A investigao sobre os monumentos vinculados escola e comunidade escolar, neste trabalho, no precisa se deter apenas nos patrimnios tombados. Podemos destacar aqui o patrimnio cultural imaterial e inclu-lo na vertente que entende que no s os definidos oficialmente 19Ibid., p. 7. >

    20Horta, 2003, p. 20. >

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  • podem ser objetos de estudo na escola. A definio oficial tem o carter de preservao:

    A partir de 2002, o IPHAN criou um novo Livro de Registro, destinado a referenciar e proteger as manifestaes culturais que so caracterizadas como patrimnio imaterial brasileiro (saberes e modos de fazer).21

    O conceito de meio ambiente histrico nos ajudou a teorizar nossa experincia educativa. Isto , no espao criado e transformado pela atividade humana ao longo do tempo e da histria, que est em toda parte, em torno de ns, acima e abaixo dos nossos ps. O que pode variar a extenso e o modo em que ele pode ser identificado e percebido no meio ambiente em que vivemos hoje. dinmico e continua a mudar no presente.

    Os conceitos de mudana e continuidade so essenciais para a compreenso do patrimnio cultural em todos os seus aspectos, e devem ser trabalhados no processo da educao patrimonial. O meio ambiente histrico tem duas dimenses: a dimenso horizontal, que revela o aspecto de toda uma rea em determinado perodo de tempo, no passado ou no presente; e a dimenso vertical, que mostra as sucessivas camadas e modificaes de uma mesma rea ao longo do tempo.22 Um exerccio que pode ajudar a compreenso desse conceito o de pesquisar e documentar as mudanas ocorridas no espao da escola ou da casa do aluno, ao longo dos ltimos anos, e observar as mudanas ocorridas na sua rua, ou no seu bairro.

    Os patrimnios culturais que conhecemos hoje so fragmentos do cenrio do passado. Assim tambm podemos relacionar o meio ambiente histrico no qual a escola, seus alunos e comunidade esto envolvidos, e situar o estudo percebendo, por exemplo, estruturas com diferentes finalidades: abrigo, defesa, cultos, comrcio. As necessidades bsicas continuam as mesmas, com o 21Ibid., p. 21. >

    22Ibid., pp. 17-19. >

    Foto produzida pelos alunos: ALUNO A.B.S., ALUNA A.B.S.J., ALUNA K.L.S., ALUNO R.J.C., ALUNO S.S.S. . 2 Termo A

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  • desenvolvimento das tecnologias. Novas necessidades geram novas estruturas: estdios no lugar de reas desocupadas.

    O patrimnio cultural, em diversas dimenses, est em um meio ambiente histrico. Observando-o, podemos comparar, e at deduzir, questes significativas do passado e do presente. A inteno compreender a evidncia cultural para conhecer mais sobre ela, sobre a vida no local e as mudanas que ocorreram, de modo a perceber sua importncia ou significado no presente. O estudo do patrimnio cultural a partir das atividades resultantes desse questionamento implica o exerccio de diferentes habilidades, tais como: a observao, o registro verbal, grfico, matemtico, a anlise, a deduo, a comparao, a sntese e a apresentao dos resultados em diferentes formas. O uso e a compreenso de mapas, plantas, fotografias areas, fotos antigas e recentes, documentos originais, arquivos e bibliografia so outras habilidades envolvidas na explorao orientada de um stio ou monumento histrico. Aprende-se a fazer as questes adequadas, levantar problemas, discutir os resultados e verificar as concluses mais adequadas (sensveis e possveis), apesar das limitaes que as evidncias nos colocam, o que pode gerar concluses inexatas ou distorcidas.

    O conceito de patrimnio cultural abrange no apenas os ligados a fatos memorveis da histria ou apresentam excepcional valor esttico ou artstico. Temos a identidade das minorias, marginalizadas ou no, como os ndios, os negros e os imigrantes, que englobam o conceito patrimnio histrico-cultural.23

    A ampliao do conceito de patrimnio cultural possibilita tambm pensarmos a dinmica social do esquecimento, sobretudo das minorias, levando destruio da identidade social dos grupos vtimas de tal destruio.

    Essa destruio das referncias concretas da 23Gallo et al., 2001. >

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  • Memria leva perda da identidade individual, pois sem conhecimento do nosso passado no sabemos quem somos no presente.24

    O ensino de histria no pode excluir a responsabilidade, que no s sua, da preservao do patrimnio cultural. Este possibilita a constatao de elementos diferenciadores e particulares de uma comunidade em relao s demais, que sejam representaes, que falem da vida de um determinado povo em uma determinada poca. Quando tratamos da preservao no pretendemos com isso indicar a paralisao da vida e das coisas. O que se pretende uma relao frente ao passado de compreenso, respeito e convvio. O principal agente da ao de preservao do patrimnio histrico-cultural a comunidade.

    A preservao dos exemplares da produo material e espiritual (no material) do pas elemento bsico para a existncia da Memria de determinada sociedade. Sem o conhecimento e a reflexo sobre o que fomos e o que fizemos, no compreenderemos quem somos e o que somos.25

    com essa postura que assumimos tambm os valores relacionados com as diversas memrias.

    Ao longo do sculo XX, entretanto, percebeu-se a necessidade de preservar a histria das cidades de forma mais ampla, registrando no s a memria hegemnica. Passaram tambm a ter importncia as formas de morar das diversas classes sociais, porque as cidades mais democrticas devem representar todos os seus cidados.26

    Voltamos assim a tocar na temtica da preservao. A partir dela este trabalho educacional enfatiza a gerao de mecanismos que estimulem a preservao dos bens culturais a serem protegidos. Muitos alunos (em geral os migrantes) acabam perdendo a maioria de suas principais referncias histrico-culturais. Tornam-se uma comunidade

    24Somekh, 2001, p. 46. >25Gallo et al. 2001, pp. 111-112. >

    26Somekh, 2001, p. 47. >

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  • que desvaloriza a prpria memria, que se destri/constri em um processo autofgico e aceita a destruio de sua prpria identidade. Nas palavras de Marilena Chau:

    A destruio da Memria nos leva a perder de vista tambm a dimenso humana e social dos modos de vida e experincias.27

    Tal destruio pode ser de algo material ou imaterial que revela a memria de tal comunidade. Para propor uma poltica de preservao importante delimitar aquilo o que compe a identidade de todos os cidados e aquela mais prxima da comunidade a ser trabalhada. Cada bem cultural um fragmento da memria comunitria.

    A preservao dos bens culturais pede sua identificao, proteo e valorizao, e:

    Pressupe que eles sejam apropriados pela sociedade, o que subentende vrias formas de utilizao e fruio do bem pela comunidade.28

    4 A apropriao que queremos fazer da educao patrimonial

    O Brasil um pas pluricultural que, muitas vezes, na prpria escola apresentado como uma nica cultura, dificultando ao aluno se perceber como detentor de cultura digna de reconhecimento e preservao, apesar de diversa. O que est em jogo na utilizao dessa metodologia, sobretudo no que se refere aos interesses desta dissertao, a utilizao dos saberes populares em que os alunos esto envolvidos e trazem para a escola, no estudo de histria. Na realidade, as questes apresentadas indicam o significado de cultura e da sua relao com memria, e concordamos com a seguinte fala:

    27Ibid., pp. 70-71. >28Gallo et al. 2001, p. 132. >

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  • Todas as aes por meio das quais os povos expressam seu modo especfico de ser constituem a sua cultura, que vai ao longo do tempo adquirindo formas e expresses diferentes. A cultura um processo eminentemente dinmico, transmitido de gerao em gerao, que se aprende com os ancestrais e se cria e recria no cotidiano do presente, na soluo dos pequenos e grandes problemas que cada sociedade ou indivduo enfrentam. Neste processo dinmico de socializao, em que se aprende a fazer parte de um grupo social, o indivduo constri a prpria identidade.29

    O que nos interessa nesta dissertao perceber como a metodologia da educao patrimonial contribui no estudo de objetos e fenmenos culturais, alm de investigar se ela promove habilidade de interpretar os objetos culturais (dentro da perspectiva de patrimnio cultural), ampliando a capacidade do aluno de compreender o mundo. Decodificar o contedo dos objetos culturais, por meio da educao do olhar, e o desenvolvimento de pesquisas o que identifica a educao patrimonial e esta pesquisa. Nossa proposta incluir o espao que a comunidade escolar ocupa como meio ambiente histrico e fazer um trabalho com os cuidados que a arqueologia teria em um stio histrico ou monumento histrico tombados e, portanto, reconhecidos oficialmente.

    A procura da cultura material e no material do passado no meio ambiente histrico em que a escola e a comunidade esto envolvidas potencializada por meio do trabalho com a memria. A preocupao dar importncia e valorizao na preservao do patrimnio cultural de comunidades, mesmo que o reconhecimento no seja oficial e/ou a prpria comunidade no tenha a conscincia do valor desses patrimnios, material e no material.

    O estudo que envolve a preservao do patrimnio cultural e os trabalhos com a memria tm a funo tambm de aumentar a auto-estima da populao envolvida. Posso

    29Horta, 2003, p. 7. >

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  • estar estudando uma outra cultura, mas perceber aspectos positivos e negativos relacionar criticamente as culturas da cultura em que estou envolvido e buscar identidade em que o final no determinado, mas que constri aes e posturas sociais, partindo sempre do enfoque da realidade cotidiana dos alunos para o reconhecimento dessa realidade, e a valorizao e reconstituio das memrias.

    Utilizando-se a metodologia da educao patrimonial, nosso objetivo no fazer da escola um museu, mas mediar que os alunos se enriqueam com a metodologia dos museus (preservao e fortalecimento da identidade cultural). A questo de lhes possibilitar leituras sobre os objetos culturais (materiais ou imateriais) e no a leitura deles como se fosse nica.

    Neste trabalho podemos considerar o objeto cultural como resultado do gesto criador. O trabalho com memria tambm pressupe lidar com tal processo de mudana.

    A Memria das aes de uma criao esttica, tecnolgica ou social.30

    A proposta estimular a mudana de atitude com relao ao patrimnio cultural, apelando mais para o sensvel e o emocional, gerando leituras crticas, mas com a perspectiva de preservao.

    O currculo escolar tem privilegiado o desenvolvimento cognitivo. E nesse sentido tambm que a fora do trabalho educativo, envolvendo as temticas de patrimnio cultural e memria, vai se demonstrando. A questo no a de negar a importncia das palavras e dos nmeros no processo ensino-aprendizagem, e sim a de destacar o desenvolvimento afetivo (percepo, sentimento). A aprendizagem afetiva leva a aceitao ou rejeio de valores implcitos no conceito de herana cultural. Assim tambm se percebe o valor da metodologia da educao patrimonial como elemento no trabalho com a

    30Alencar, 1987, pp. 10-11. >

    Interior do Monumento-Museu no incio do sculo XX, durante a gesto de Hermann Von Ihering. Note-se que o nicho da escadaria central estava ocupado por escultura em gesso simbolizando a Repblica. Acervo MP/USP. Oliveira, 1995, p.10.

    Escadaria central do edifcio na dcada de 1920. Nota-se que o nicho passou a ser ocupado por escultura monumento de D. Pedro I. Acervo MP/USP. Oliveira, 1995, p.10.

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  • memria.

    Para desenvolvermos o valor da preservao do patrimnio cultural na linha que est sendo apresentada nesta dissertao, preciso trabalhar tambm no nvel afetivo.

    Sem o sentimento no h possibilidade de aceitao ou rejeio de valores como os implcitos no conceito de herana cultural. A aprendizagem afetiva tem como seu objeto os sentimentos, as preferncias, atitudes e valores.31

    Envolvendo no processo educacional a metodologia da educao patrimonial para o estudo de histria por meio da memria, o que se coloca no a memria reduzida to-somente a um processo de valorizao do passado sem espao para inovao. A memria o elo entre o passado e o presente, base para a construo do futuro. Nas referncias que ela indica podemos entender o presente.

    Sem Memria, a mudana ser um fator de alienao e degradao, pois sempre ficar faltando uma referncia bsica, tornando cada ato uma mera reao mecnica, sem lgica com o passado ou com nossa prpria histria.32

    A relao entre os conceitos de memria e patrimnio cultural no limitada ao que destacado hegemonicamente como patrimnio. O caso dos alunos com que trabalhei exemplar: migrantes colocados em situaes de precariedade de sobrevivncia; portanto, com muita desvalorizao prpria. A preocupao de ampliar o conceito de preservao para os diversos grupos sociais.

    Partindo dos pressupostos da educao patrimonial como despertador da memria, indicando inclusive a negao ou o esquecimento, a herana hegemnica, mais preservada do que a da populao socialmente desvalorizada, a pesquisa desenvolvida em sala de aula foi ganhando corpo. 31Ibid., pp. 35-36. >

    32Somekh, 2001, p. 46. >

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  • O importante no ensino de histria estimular a busca de nossa memria na nossa comunidade de origem e de onde moramos, pois nelas que ocorre efetivamente a vida real. A prpria busca da identidade original, apesar de parecer limitada, desenvolve algumas solues para problemas contemporneos como, por exemplo, o fator de separar e unificar a moradia da populao pobre com:

    O isolamento e a segregao funcional e social dos grandes conjuntos (habitacionais) produziram uma sociedade violenta e sem Memria.33

    O estudo da realidade e da memria local se reveste de valor educacional e social. A questo no a de renegar a influncia global. O que se quer, em trabalho vinculando memria educao patrimonial, destacar que a experincia humana e da comunicao simblica se realiza localmente. Dessa forma pode-se proporcionar s geraes que herdem seus valores sociais, culturais e, em um processo histrico constante, a possibilidade da construo da identidade, a partir de formas superpostas construdas em diferentes tempos, com permanncias e substituies.

    Podemos perceber o limite desta pesquisa, sobretudo deste tipo de trabalho vinculando memria, educao patrimonial e preservao do patrimnio histrico-cultural, quando questionamos o que deve ser preservado, dado que o objetivo no congelar tudo. A preservao est intimamente ligada identidade. Apesar de estar claro que no o agente externo que definir a identidade da comunidade, o que acredito ser uma proposta silenciosa e constante, podemos nos preocupar com as apropriaes e representaes (Certeau, 2001 e Chartier, 1998) construdas pela comunidade escolar, pelo professor e pela escola, alm de outras.

    Pensando na memria urbana, Somekh apresenta de 33Somekh, 2001, p. 53. >

    77

  • forma ampla a relao entre patrimnio histrico-cultural e preservao:

    Cada segmento da populao tem a sua Memria urbana, que aquilo que desejamos manter, o que pretendemos transformar no nosso bairro ou no lugar em que vivemos, trabalhamos, estudamos. Essa uma questo com a qual todo cidado deveria se preocupar. Um bom exerccio para isso construir as referncias de uma memria coletiva. Que tal repensar sua histria de vida e as referncias espaciais urbanas? O centro e suas reas histricas so referncias importantes, mas no so nicas. A vila onde eu jogava bolinha de gude, a praa onde eu andava de bicicleta ou uma outra onde teve uma passeata de que participei, o museu onde pude apreciar quadros que s tinha visto em livros, a igreja ou o templo do meu bairro tambm fazem parte dessa referncia. A memria coletiva urbana o conjunto de marcos histricos, no s da elite, mas de toda a sociedade, de todos ns, os seus cidados.34

    A melhoria da qualidade de vida envolve a preservao da memria.35 Tal melhoria pode ser apresentada, concretamente, quando situamos as caractersticas peculiares de cada comunidade, dado que no somos massa, apesar de buscarmos a solidariedade e a vivncia comunitria. Assim: Pela preservao patrimonial dos bens culturais atenuam-se os efeitos negativos da globalizao, quais sejam, os da equalizao e perda daquilo que tpico (em ns). Isso se consegue com a preservao e valorizao dos elementos de individualidade e peculiaridade, atributos culturais que, inter-relacionados, permitem a construo de significados e o fortalecimento da nossa identidade em uma sociedade especfica.36

    O papel do ensino de histria vincula-se agilizao nas aes de identificao, proteo e valorizao do

    34Ibid., pp. 71-72. >35Gallo et al. 2001, p. 115. >

    36Ibid., p. 117. >

    Foto produzida pelos alunos: ALUNO A.C.M., ALUNO H.S.F., ALUNO J.R. . 2 Termo B

    Piques, 1860 Henrique Manzo (1896 1982). leo sobre tela / a.c.d. H. Manzo / So Paulo 1945 / 73,3 X 101,4 cm. Foto de Wanderlei Celestrino / Lab. Fot. Museu Paulista. Carvalho e Lima, 1993, p.170.

    Reproduo de Paredo de Piques, Ladeiras da Consolao e da Rua do Palha Milito Augusto Azevedo 1862 / 12,9 X 21,8 cm / Azevedo, Milito A. lbum Comparativo da Cidade de So Paulo. 1862 1887 / So Paulo, Photografia Americana, sem data, pgina 48. / Museu Paulista. Foto de Wanderlei Celestrino / Lab. Fot. Museu Paulista. Lima, 1993, p.170.

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  • patrimnio cultural da comunidade onde est atuando, procurando desde as manifestaes regionais, passando pelas eruditas e populares, chegando at as formas de expresso dos grupos tnicos e das minorias, o que constitui em seu conjunto a histria das nossas regies e de nossa gente. A base da preservao cultural est na memria comunitria, que inclui modos de fazer e saber de uma simples comunidade, de uma sociedade instalada sob determinada circunstncia, em territrio pequeno ou grande, como um povo.37

    Desde a Carta de Atenas [1931 Escritrio Internacional dos Museus (EIM)], passando pela Carta de Veneza (1964 II Congresso Internacional de Arquitetos e Tcnicos de Monumentos Histricos/ICOMOS Conselho Internacional de Museus), depois pela Declarao de Amsterd (1975 Carta Europia do Patrimnio Arquitetnico Conselho da Europa) e a Declarao de Nairobi (1982 UNEP Organizao das Naes para o Meio Ambiente), destacando em 1992 a Carta do Rio, o conceito de patrimnio como memria desenvolvido como direito coletivo. At o planeta Terra ser considerado como patrimnio, testemunhando uma extenso limite e potencial na valorizao de trabalhos sobre patrimnio cultural: a Terra nosso patrimnio, que precisamos transmitir para o futuro.38

    Podemos trabalhar a educao patrimonial utilizando museus, monumentos, arquivos, bibliotecas os lugares da memria no processo educativo, a fim de despertar a conscincia de preservao da memria.39 O objetivo educar para a preservao, a reflexo crtica, a conservao e a valorizao da memria da comunidade. Faz-se necessrio o processo de conhecimento, apropriao e valorizao de sua herana cultural, pensando em melhor utilizao dos bens na gerao e na produo de novos conhecimentos, tendo assim um contnuo processo de criao cultural.40

    A metodologia da educao patrimonial, que surgiu

    37Saia, 2001. >38Somekh, 2001. >

    39Drpa, 2001. >40Soares, 2001. >

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  • inicialmente para que se desenvolvessem programas didticos nos museus, pode ser adequada para o trabalho nas escolas onde os objetos estudados esto inseridos no cotidiano das comunidades. De tal forma que, partindo da realidade concreta dos educandos (situao socioeconmica e cultural em que eles vivem) se pode fazer com que eles busquem novos conhecimentos e ampliem seus horizontes, sem esquecer quem realmente so.41 Isso envolve a criao de situaes de aprendizagem coletiva sobre os produtos e manifestaes do processo cultural, despertando nos seus alunos o interesse em conhecer/resolver questes significativas, de interesse humano/individual e social, ampliando sua capacidade de conhecer o mundo.

    A construo/reconstruo da memria comunitria aponta para a preservao do patrimnio cultural por meio de trabalhos com a memria como elemento potencializador do estudo de histria, sobretudo quando vinculado construo do conhecimento ligado histria da comunidade. O patrimnio cultural e a preservao se tornam elementos de reflexo e de postura de cidadania. Direito de cidadania e de humanidade, nele as diversas comunidades encontram canal de comunicao para a expresso de sua diversidade cultural ou, ao menos, a possibilidade de conservao do seu patrimnio cultural, de preservar sua identidade, de identificar na mudana o que fica.

    Produzidos em um processo social determinado, decorrente tanto da ao da natureza e da ao humana, o patrimnio cultural uma herana que recebemos de nossos antepassados por meio da cultura na qual a comunidade est submersa e dinamicamente produzindo. Ele elemento potencializador de aprendizagens, sobretudo quando relacionado diretamente com a comunidade.

    Dmitruk (2001) coloca a questo do valor da histria de uma comunidade em pleno sculo XXI para o ensino de histria. Apresenta a sociedade dividida por classe,

    41Ibid. >

    A partir de 1917 iniciou-se a decorao interna do Monumento-Museu sob a orientao de Afonso de Escragnole Taunay, diretor da instituio entre 1917 e 1945. Acervo MP/USP. Oliveira, 1995, p.10.

    Foto produzida pelos alunos: ALUNO A.C.M., ALUNO H.S.F., ALUNO J.R. . 2 Termo B

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  • raa, etnia, gnero e idade, entre outras hierarquizaes. Indica o reforo que os livros didticos e de histria sobre as vises hegemnicas de classe dominante. E por esses motivos que a histria local ganha sentido: as memrias e lembranas de gente viva, de carne e osso, as histrias e experincias um passado to presente. Ainda segundo aquele autor, o conceito de histria local diz respeito a uma ou a vrias comunidades, pequenas ou mdias cidades, ou a uma regio, tendo o seu potencial como:

    a) uma estratgia metodolgica de ensino-aprendizagem da Histria que aproxima os/as alunos/as da famlia, da comunidade e facilita a identificao das caractersticas do processo histrico no nvel local; b) uma fonte temtica para a construo do saber histrico escolar que estimule a insero do local na sua articulao com a generalidade e a complexidade scio-histrica; c) um patrimnio que envolve bens culturais (materiais e imateriais) dos diferentes grupos que compem uma sociedade e que precisa ser reconhecido como um legado, uma herana a ser conhecida.; d) uma prtica historiogrfica no campo da Histria Social que trabalha com a memria social, evidencia o lugar da gente comum na construo de narrativas histricas e permite vasculhar, de forma focalizada, a sociedade em termos de poder e dominao, discutindo como se constroem as identidades dos diversos grupos sociais.42

    A histria local, assim, aponta caminhos para compreender e interpretar a histria social e as relaes entre memria e patrimnio cultural: a incluso dos sujeitos sociais, tanto nas narrativas histricas como nos vrios lugares da memria, evidencia o lugar da gente comum na histria. Ela ajuda na anlise da sociedade por meio das relaes de poder e de dominao, desvendando as conexes entre os aspectos micro e macrossociais, e a conhecer os grupos e as relaes sociais dentro de um determinado contexto social e cultural, as construes e reconstrues das identidades, suas formas de resistncias.

    42Dmitruk, 2001. >

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  • As histrias que impelem, em sentido figurado, a falar do mar, lembrando do sal.43

    Na perspectiva de histria local, destacado o cotidiano em que se fazem e refazem as relaes sociais e que tambm se reflete o mundo colocando em pauta os temas da contemporaneidade. Nela a memria apresentada como fundamento para o trabalho com a educao patrimonial, com os patrimnios histrico-culturais. Ela se relaciona com a identidade individual ou coletiva. Preservar, recuperar, (re)construir os vestgios da memria so as formas de se contrapor ao efeito desintegrador da rapidez contempornea.44

    Maria Aparecida Nunes de Oliveira de Souza (2001) afirma que:

    Falar em Memria significa lembrar dos elementos que a constituem, como monumentos, estaturias, obeliscos, etc., porm, a memria de um determinado povo ou lugar vem sendo por muitos esquecida e desrespeitada.

    O trabalho com memria possibilita a busca das identidades. Como bem diz Adriana Santos (2001), baseada em Ecla Bosi:

    A memria no se relaciona apenas com o passado, mas tambm com o presente, j que a partir dela podemos caracterizar a ns mesmos e as idias que valorizamos.

    O imediato do presente passa por ns a partir das nossas experincias passadas, podendo ajudar nas diversas interpretaes.

    A tarefa especfica da educao patrimonial descobrir, em um objeto de uso cotidiano, a rede de significados, relaes, processos de criao, fabricao, trocas, comercializao e usos diferenciados que do sentido s evidncias culturais e nos informam sobre

    43Ibid. >44Drpa, 2001. >

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  • o modo de vida das pessoas no passado e no presente, em um ciclo constante de continuidade, transformao e reutilizao. No podemos nos esquecer do patrimnio imaterial, que tambm vestgio de memria.

    A preocupao com um trabalho educativo escolar, que envolva a educao patrimonial no contexto da memria, a da luta contra a excluso social. O objetivo no a uniformizao, mas o reconhecimento das diversas identidades para estimular, nos dizeres de Paulo Freire, a fora criadora popular.45

    Schwengber (2001), referindo-se s aes do Ncleo de Pesquisa em Educao Patrimonial da Universidade do Sul de Santa Catarina, prope um trabalho educativo constante, inibindo a cultura destruidora e construindo uma cultura de preservao patrimonial por meio da educao. com essa preocupao que esta pesquisa se desenvolve, dando nfase memria no ensino de histria, utilizando-se da educao patrimonial para a preservao do patrimnio cultural da comunidade em busca da identidade.

    A metodologia da educao patrimonial nos leva a formular hipteses sobre os objetos e os fenmenos observados, buscando descobrir sua funo original e sua importncia no modo de vida das pessoas que os criaram. A refuncionalizao ou ressignificao dos objetos de uso cotidiano oferece um excelente tema de explorao, discusso e pesquisa, dentro e fora da sala de aula (antigos ferros de passar hoje transformados em vasos de flores). O que nos interessa, no caso desta dissertao, perceber que tal metodologia pode ser vlida no estudo de objetos e fenmenos culturais.

    A habilidade de interpretar os objetos e fenmenos culturais amplia nossa capacidade de compreender o mundo. Cada produto da criao humana, utilitrio, artstico ou simblico, portador de sentidos e significados, cuja forma, contedo e expresso devemos aprender a ler, ou seja, a decodificar (...) Compreender os cdigos de uma 45Aguiar, 2001. >

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  • determinada sociedade nos facilita a compreenso de seu modo de ser e de agir. Para desenvolver este aprendizado, o conhecimento especializado no essencial. Qualquer pessoa pode faz-lo, desde que utilize suas capacidades de observao e de anlise direta do objeto ou fenmeno estudado, e saiba recorrer a fontes complementares para explorar os dados percebidos.46

    A prpria introdutora dessa metodologia no Brasil tem sugesto de anlise de um objeto ou fenmeno cultural, a partir da necessidade de delimitar os objetivos e metas da atividade de acordo com o que se pretende e com a complexidade de cada material analisado, os aspectos fsicos/materiais; modo/processo de construo; valor/significado; aspectos descobertos pela observao; aspectos a pesquisar. De volta sala de aula possvel analisar os dados coletados no local, reformulando os resultados a partir de pesquisas e discusses posteriores e apresentando as concluses de forma coletiva, com painis, desenhos, mapas, grficos, cronologias, exposies de objetos e fotos, maquetes, etc.47

    A educao patrimonial busca a capacitao dos indivduos para a leitura e a compreenso desses processos culturais (importncia do patrimnio vivo das comunidades, da dinmica do processo cultural, e dos elementos que constituem o patrimnio imaterial de uma cultura), para a recuperao da auto-estima de comunidades, partindo sempre do enfoque da realidade cotidiana dos alunos, levando-os a reconhecer e atribuir significados sua histria pessoal e comunitria, de seus pais e avs.48

    Utilizando-se a metodologia da educao patrimonial, o objetivo no fazer da escola um museu, mas se enriquecer com a metodologia dos museus, possibilitando leituras sobre os objetos culturais (materiais ou imateriais) e no sua decodificao, como se fosse nica. Podemos trabalhar com o significado simblico acumulado ao longo dos anos do objeto. Ele uma memria, um registro de

    46Horta, 2003, p. 12. >47Horta, 2003, pp. 13-14; 23. >

    48Ibid., pp. 27-29. >

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  • algo que passou e est perpetuado na preservao dessa matria. S que esta no uma memria de coisas, e sim uma memria de aes. Assim os objetos museolgicos so considerados por Horta como aes cristalizadas, resultado do gesto criador, a memria das aes de uma criao esttica, tecnolgica ou social.49

    O sujeito produtor, recebe, utiliza e produz o patrimnio. E a conscincia desta movimentao que o habilita para a anlise crtica do patrimnio cultural dentro do processo ilimitado de busca do aumento da auto-estima.50

    Usualmente, associamos memria e passado. Entretanto, ela mais do que isso: o elo entre o passado e o presente. ainda a base para a construo do futuro. a que, acredito, est uma grande importncia da relao memria e ensino de histria por meio da educao patrimonial. ela tambm que nos fornece referncias suficientes para entendermos o presente. A memria est relacionada intimamente com um dado bsico do fenmeno humano a mudana. Sem memria, a mudana ser um fator de alienao e degradao, pois sempre ficar faltando uma referncia bsica, tornando cada ato uma mera reao mecnica, sem lgica com o passado ou com nossa prpria histria.51

    importante reconstituir as referncias de diversos grupos sociais que compem a sociedade urbana. O conceito de patrimnio cultural que estamos adotando que assinala a memria das minorias, marginalizadas ou no, como os ndios, negros e imigrantes.52 A eliminao das lembranas de grupos empobrecidos, em constante mobilidade espacial, necessria sua sobrevivncia, leva destruio de sua memria, o que realiza a falta de referncias no presente para tal comunidade.53 importante que o conceito de preservao do patrimnio supere a simples preservao da herana de alguns grupos sociais.

    52Gallo et al. 2001, p .116. >53Somekh, 2001, p. 46. >

    49Alencar, 1987, pp. 10-11. >50 Gallo et. al. 2001, p. 109. >51Somekh, 2001, pp. 45-46. >

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  • O texto de Rogrio Ferreira de Souza54, com leitura marxista, discute o patrimnio no-oficial em locais discriminados e estigmatizados por grande parte da sociedade, que o caso da favela, e considera ser possvel trat-la como estratgias por meio das quais grupos sociais e indivduos narram sua memria.

    Assim pensamos o trabalho de ensino de histria vinculado memria nos patrimnios culturais relacionados prpria comunidade. A procura de vestgios da cultura material e no material do passado no meio ambiente histrico em que a escola e a comunidade esto envolvidas potencializada por meio do trabalho com a memria.

    Nosso objetivo nesse trabalho vislumbrar esses patrimnios e, na busca da valorizao da comunidade, vincular memria e ensino de histria, caminhando pela educao patrimonial. Enfim, a proposta desta pesquisa incluir tambm o espao que a comunidade escolar ocupa como meio ambiente histrico, e tomar as cautelas que se teria em um stio histrico ou monumento histrico tombados e, portanto, reconhecidos oficialmente.

    54Favela e os espaos monumentalizados: um lugar de memria coletiva e smbolo de resistncia. Disponvel em: http://www.unirio.br/cead/morpheus/N%C3%BAmero%2003%20-%20especial%20mem%C3%B3ria/Rog%C3%A

    9rio%20Souza.htm >

    Foto produzida pelos alunos: ALUNO A.C.M., ALUNO H.S.F., ALUNO J.R. . 2 Termo B

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  • Tarefa: 1. Trabalho que se deve concluir em determinado prazo.1

    Metafrica: 1. Relativo a metfora.2

    Metfora: No sentido que Gilberto Gil atribui, em sua cano Metfora3:

    Uma lata existe para conter algoMas quando o poeta diz lataPode estar querendo dizer o incontvel

    Uma meta existe para ser um alvoMas quando o poeta diz metaPode estar querendo dizer o inatingvel

    Por isso no se meta a exigir do poetaQue determine o contedo em sua lataNa lata do poeta tudo nada cabe

    Pois ao poeta cabe fazerCom que na lata venha caber O incabvel

    Deixe a meta do poeta No discutaDeixe a sua meta fora da disputa

    Meta dentro e foraLata absolutaDeixe-a simplesmente metfora

    CAPTULO 3 A PESQUISA: TAREFA

    METAFRICA DE EDUCAR

    PESQUISA

    1 Ferreira, 1995, p. 625. >2 Ibid., p. 430. >

    3 Gil, 1990. >

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  • A pesquisa tem suas razes em minhas experincias educacionais. Nela os materiais de ensino foram utilizados para o ensino e para a pesquisa. Ela no surgiu de um momento para o outro, faz parte de um processo que envolve minha formao escolar, inclusive a acadmica, e meus trabalhos enquanto educador, sobretudo quando percebia ressonncias, positivas ou negativas, por parte dos alunos. Ela foi ganhando perfil nos anos de 2001 e 2002, e seu desenvolvimento ocorreu em uma escola municipal da periferia do municpio de So Paulo, onde eu era o professor de histria no ensino fundamental regular, no perodo da tarde e na modalidade de Educao de Jovens e Adultos EJA (Suplncia II) do perodo noturno, na qual a busca de metodologias de ensino se faz muito necessria.

    Em geral na EJA os alunos, devido a idade e experincias vividas, possibilitam com mais rapidez e alcance o contato com maior material vinculado suas memrias (oral, escrita, iconogrfica). O compartilhar com os demais colegas, descrevendo experincias, trazendo objetos e fotografias, torna-se mais imediato. Diferentemente dos alunos do ensino fundamental regular, os alunos de EJA precisam de um tempo maior para a pesquisa e a organizao dos dados, embora apreciem apresentar os produtos das pesquisas em exposies.

    Vrias opes fizeram o caminho da pesquisa, cada uma gerando limites e possibilidades ao pesquisador/professor. Foi escolhido o 2 Termo (6 srie), pois o tema abordado (As moradias e o cotidiano em diversos perodos da histria) no termo (srie) se relaciona com maior preciso: o interesse dos alunos pelo cotidiano, as propostas gerais da disciplina histria vinculadas aos projetos e objetivos da unidade escolar; a existncia de diversos materiais didticos para o estudo, a experincia do professor com a temtica e sua vinculao com a memria individual e social dos alunos.

    Durante os dois semestres o mesmo tema foi abordado nos 2 Termos (6 srie) com diferentes grupos de alunos,

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  • possibilitando a percepo das razes acima apresentadas.

    Nesta parte esto colocadas as anlises das experincias realizadas em sala de aula a partir dos objetivos e da metodologia de ensino elegida.

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  • 1 OBJETIVOS

    Os objetivos do presente trabalho so os seguintes:

    q Descrever e avaliar as experincias com um programa de ensino de histria que relaciona histria e memria para alunos da Educao de Jovens e Adultos (EJA Suplncia II) do perodo noturno do ensino fundamental (1 ao 4 Termo, equivalente ao perodo de 5 a 8 srie) do municpio de So Paulo;

    q Analisar como os alunos se manifestam quando so orientados para recuperar elementos de sua histria pessoal, familiar e social, relacionando-os ao eixo histria e memria;

    q Discutir como o professor de histria e os alunos, no processo de ensino-aprendizagem, podem contribuir para a construo do conhecimento de histria.

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  • 2 CARACTERIZAO DOS ALUNOS

    Para conhecer melhor o modo de vida dos alunos do supletivo noturno de um bairro da periferia, suas experincias e expectativas em relao ao ensino de histria, buscamos realizar uma caracterizao dos mesmos quanto a faixa etria, sexo, estado civil, local de nascimento e profisso. Nas listas de freqncia escolar foi possvel identificar a faixa etria e o sexo dos alunos freqentes. J nas questes de nascimento, profisso e estado civil, a opo foi trabalhar com os dados apresentados em questionrios, que os alunos tinham a liberdade de responder ou no. Alm disso, muitos tinham uma assiduidade inferior a 75% do total de aulas, o que gerou a impossibilidade de responderem as questes.

    Destacando que o trabalho foi desenvolvido em duas classes, dos 75 alunos matriculados no incio do semestre de 2002, 41 tiveram freqncia regular at o final do semestre. Dos alunos de freqncia regular, o nmero de mulheres se assemelha ao nmero de homens: 20 so do sexo masculino e 21 do feminino. O maior nmero de alunos se concentra nas faixas etrias de maior aceitao no mercado de trabalho, no havendo distino de sexo entre 14 e 19 anos. Na faixa etria de 20 a 27 anos, o nmero predominante de estudantes homens, o que pode sugerir que a mulher, exercendo dupla jornada de trabalho, tem maior dificuldade para estudar. H um nmero grande de desistncias ao estudo escolar devido jornada de trabalho, tanto para a mulher quanto para o homem. A evaso de certa forma atinge igualmente os dois sexos.4

    Vinte e sete alunos so migrantes.

    Quanto profisso exercida, todos so empregados 4 Anexo lista de alunos e suas freqncias. >

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  • operacionais (empregadas domsticas, lavadores de carro, operrios com pequena qualificao tcnica etc.), estabelecendo-se uma relao entre o nmero de anos de estudo com a qualificao profissional.

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  • 3 A ESCOLA

    E.M.E.F. Jos do Patrocnio, localizada na cidade de So Paulo, no limite entre os municpios de So Caetano, So Bernardo e Diadema, regies que abrigam um grande nmero de indstrias. Prxima Via Anchieta (estrada de trnsito entre o litoral sul do Estado de So Paulo e a Capital), entre o quilmetro 12 e o quilmetro 14. A escola est rodeada por indstrias, moradias mais antigas, favelas e prdios de classe mdia baixa. Esteve sob a orientao do Ncleo de Ao Educativa I (NAE-I) e atualmente est sob a orientao da subprefeitura Ipiranga. A escola est localizada na Rua Cantiga Ingnua, nmero 64, no Jardim Santa Emlia, com o seguinte nmero de telefone: (0xx11) 6331-3132.

    Seu prdio todo trreo, dividido em sete blocos, foi construdo pelo governo do Estado, e na dcada de 70 trocou com a prefeitura. Possui 12 salas de aula, um laboratrio de informtica, uma sala de leitura (com o acervo de leitura), sala de apoio pedaggico (para alunos de 1 a 4 srie que possuem dificuldade de aprendizagem), uma sala de vdeo, duas quadras de esporte e um ptio onde fazem as refeies no intervalo. No ptio temos acesso cozinha, aos dois banheiros para alunos, a uma sala de dentista, ocupada como extenso da sala de almoxarifado que fica ao lado dela. A escola tem um estacionamento, sala de professores com dois banheiros. A sala da direo, da coordenao pedaggica e da secretaria funcionam em uma mesma construo com um banheiro prprio. Entre os blocos h jardins. A escola divide um quarteiro com a E.M.E.I. Jos Maria Escriv (escola municipal de educao infantil). Tem duas entradas em ruas com posies opostas.

    Funciona em trs perodos: das 8 s 12 horas o ensino para 1 a 4 srie do ensino fundamental; das 13 s 18 horas o ensino para 5 a 8 srie, e em alguns anos uma classe

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  • do ensino de 1 a 4 srie; das 19 s 23 horas funciona a Educao de Jovens e Adultos (EJA), no perodo da pesquisa com dez turmas (duas para o ensino relativo da 1 a 4 srie, e oito turmas para o ensino relativo da 5 a 8 srie).

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  • 4 A PESQUISA E O CURRCULO DA ESCOLA

    A pesquisa est inserida nos Projetos Especiais de Ao (PEA), de 2002, da escola, que recebeu a denominao expressando a alfabetizao atravs das artes, dos movimentos corporais, das cincias, bem como das relaes sociais, com tica e cidadania, pensado para a melhoria da qualidade de vida e formao cidad dos alunos. Os PEAs so elaborados no incio do ano letivo sob a orientao da direo e da coordenao pedaggica da escola, com participao de professores e funcionrios da unidade. A preocupao maior estabelecer a ligao com os PEAs e as prticas e resultados alcanados no ano anterior. A pesquisa tambm se preocupou em se relacionar com os parmetros curriculares nacionais, j que so a referncia institucional para os currculos escolares.

    O nmero de aulas do 2 Termo (6 srie) constitui-se de quatro aulas semanais em cinco meses. O plano de ensino do 2 Termo, elaborado pelo professor no incio do ano letivo, depois de um conhecimento prvio dos alunos e do PEA j estar esboado, apresentado a seguir.

    U.E: E.M.E.F. Jos do Patrocnio NAE-1

    PLANO DE ENSINO Ano Letivo: 2002

    Componente Curricular: Histria

    Ano/Ciclo: 2/II/Suplncia/Noturno

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  • q Desenvolver a capacidade do aluno de aprender, por meio do domnio da leitura, da escrita e do clculo;

    q Compreender o ambiente natural e social, o sistema poltico, a tecnologia, as artes e os valores em que se fundamenta a sociedade;

    q Desenvolver a capacidade de aprendizagem do aluno, visando a aquisio de conhecimentos e habilidades e a formao de atitudes e valores;

    q Fortalecer os vnculos de famlia, os laos de solidariedade humana e os elos de tolerncia recproca em que se assenta a vida social;

    q Inserir o aluno no contexto da informao global, propiciando-lhe o acompanhamento e a compreenso dos avanos cientficos e tecnolgicos e, simultaneamente, estimulando o prazer da convivncia justa e fraterna;

    q Estimular os alunos a socializarem o conhecimento adquirido no meio em que vivem, provocando a transformao e a melhoria da qualidade de vida da prpria comunidade que os cerca;

    q Recuperar certos princpios ticos, formando uma comunidade que saiba reivindicar e cobrar as responsabilidades individuais e coletivas, iniciando essa cobrana em suas prprias aes;

    q Integrar o aluno portador de necessidades especiais escola, a partir da responsabilizao e participao dos seus familiares nesse processo educativo, bem como na obteno dos recursos bsicos para o xito dessa integrao (cursos de formao para pais e educadores, garantia de atendimento do aluno pelos especialistas necessrios, instalaes e equipamentos adaptados a ele etc.).

    Objetivos e metas propostos no projeto da escola:1

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  • 2 q Utilizar os patrimnios histricos/culturais e da comunidade como instrumentos de memria, fontes para o estudo de histria;

    q Reconhecer a construo do conhecimento histrico por meio do cotidiano;

    q Caracterizar e distinguir diferentes relaes culturais a partir de diferentes tempos e/ou espaos;

    q Relacionar o processo contemporneo de moradia com o mesmo processo em outros tempos e outros lugares;

    q Organizar informaes histricas sobre o cotidiano escolar e da comunidade que envolva o tema da moradia na histria;

    q Debater idias e express-las por escrito e por outras formas de comunicao.

    Objetivos especficos do componente curricular (intencionalidade didtica):

    3 q Relacionar patrimnios histrico/culturais brasileiros com a cultura e a histria do bairro;

    q Desenvolver a capacidade para a preservao do patrimnio histrico/cultural para a educao ao consumo consciente e responsvel com o futuro;

    q Analisar e perceber o potencial das fontes iconogrficas e relacionar com a utilizao das imagens na atual sociedade;

    q Promover a leitura crtica das imagens, valorizando o cotidiano como instrumento para o estudo de histria;

    q Construir espaos de memria escolar, relacionando as imagens do bairro, da escola e das imagens transmitidas pelos meios de comunicao de massa.

    Resultados esperados em relao aos objetivos propostos, em termos de contedos conceituais, procedimentais e atitudinais.

    97

  • q Aulas expositivas-dialogadas;q Projeo de vdeos e transparncias;q Atividades com material

    iconogrfico;q Elaborao de painis com imagens

    (fotografias, desenhos, colagens);q Realizaes de entrevistas;q Apresentaes orais e escritas,

    individuais e em grupos;q Visitas a museus e espaos culturais;q Montagem de espaos no interior da

    escola, que valorizem a memria escolar, comunitria e individual.

    q Atividades escritas e orais;q Verificao dos cadernos e das

    participaes em sala de aula;q Atividades individuais e em grupos.A avaliao ser um processo contnuo e ser

    expresso por meio de conceitos (P, S, NS), tendo como base a viso global do aluno, observando-se seus avanos e dificuldades, considerando o interesse, a participao, os registros e as produes do aluno.

    q Atividades constantes, com orientao do professor em sala de aula e outras para serem realizadas em casa;

    q Instrumentos diversificados para a retomada e a reviso de contedos no assimilados pelo aluno.

    4

    5

    Propostas de atividades:

    Formas, critrios, instrumentos e periodicidade de avaliaes:

    6 Formas e critrios de recuperao contnua:

    98

  • q Periodicidade bimestral, segundo levantamento bimestral de faltas;

    q A unidade escolar propiciar um regime especial de estudos ao aluno que comprovar, por meio de atestado mdico, ser portador de afeces congnitas ou adquiridas, infeces, traumatismos, distrbios agudos que o impossibilite de freqentar a escola durante um certo tempo, bem como o caso de aluna gestante. Sero oferecidos a esses alunos exerccios domiciliares sob a forma de compensao de ausncias.

    Dos trs objetivos propostos no PEA, a disciplina de histria focalizar especialmente dois:

    q Criar oportunidades para a descoberta e o prazer da leitura e da escrita por meio da msica, da pintura, da dana, do teatro e de outros meios de expresso de comunicao;

    q Desenvolver as seguintes habilidades: ler; compreender; interpretar diferentes tipos e gneros de textos, escritos em diferentes modalidades de lngua (formal/informal); interagir com diversos portadores de textos e habilidades para escrever os variados tipos de textos que as prticas sociais da escrita exigem dos indivduos.

    7

    8

    Formas e critrios de compensao de ausncias

    Relaes PEA e contedo desenvolvido no componente curricular:

    99

  • 5 MATERIAL DIDTICO

    UTILIZADO NAS AULAS

    Materiais e atividades utilizados vinculados temtica memria, que constituram fundamentos de outras atividades, e outros materiais utilizados para reflexo e tomada de posies frente a valorizao, recuperao e preservao da memria:

    - Imagens: fotografias (produzidas e/ou de posse dos alunos, contendo o cotidiano dos alunos e do Museu Paulista, o histrico da construo e a montagem dos cenrios do museu, stios arqueolgicos com pinturas rupestres, de povos indgenas), reprodues de telas produzidas por Jean Baptiste Debret sobre escravido e desenhos produzidos pelos prprios alunos a partir dos assuntos trabalhados em sala de aula;

    - Vdeos: documentrios sobre a memria de bairros e museus;

    - Dirios, memorialistas e romances (vide bibliografia);

    - Notcias da imprensa de perodos passados comparadas com notcias atuais;

    - Textos referindo-se ao cotidiano dos perodos estudados;

    - Textos analisando perodos, fatos e/ou personagens;

    - Textos e imagens que museus e instituies culturais produziram;

    - Visita ao Museu Paulista e pedido de apresentao por escrito dos relatos de impresses que os alunos tiveram das visitas;

    - Organizao e preparao para exposies dos trabalhos produzidos.

    100

  • 6 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    Podemos considerar as seguintes etapas desta pesquisa:

    6.a Preparativos

    O primeiro semestre de 2001 foi o momento de verificar as possibilidades de temticas para cada termo (srie), relacionadas com o projeto pedaggico e os planos da escola. No segundo semestre de 2001 decidi desenvolver a pesquisa com o ensino da Educao de Jovens e Adultos (EJA) (Suplncia II). Fui registrando experincias em relao s temticas de cada termo e a receptividade por parte dos alunos, organizando trabalhos que eles produziam e apresentando em exposies, o que despertou neles muito interesse.

    6.b Coleta de dados

    O primeiro semestre de 2002 foi utilizado para a coleta de dados que sero aqui analisados.

    6.b.1 - Foram aplicados dois questionrios com perguntas abertas aos alunos do 2 Termo (6 srie), supletivo noturno da Escola Municipal Jos do Patrocnio, no incio do semestre e no final do semestre, sobre o significado do ensino de histria e as expectativas dos alunos. O primeiro questionrio foi aplicado no incio das aulas do primeiro semestre de 2002 para 38 alunos, com o objetivo de levantar qual o entendimento deles sobre o papel da escola, do ensino de histria, sua importncia, interesses e qual a aplicabilidade para a vida desses alunos. O segundo questionrio, aplicado no final do primeiro semestre de

    Questionrio 2 respondido pelo aluno F.F.F.A, 20 anos - 2 Termo B.

    Questionrio 1 respondido pela aluna A.A.S., 40 anos - 2 Termo A.

    101

  • 2002, com o objetivo de avaliar como o curso interferiu no processo de ensino-aprendizagem de histria, foi respondido por 34 alunos. Para garantir a participao de um maior nmero de alunos, foi-lhes dito que a tarefa de responder o questionrio seria tomada como integrante do processo de avaliao da disciplina, garantindo-lhes que as respostas dadas no seriam consideradas como certo ou errado.

    6.b.2 - Gravao de depoimentos e relatos de experincias de alunos sobre as condies sociais do bairro, a memria pessoal relacionada com a coletiva e sobre os patrimnios histrico-culturais.

    6.b.3 - Coleta de fotografias, destacando a memria do bairro por meio das moradias.

    6.b.4 - Realizao de desenhos e/ou textos para iniciar uma temtica e/ou no desenvolvimento dela, o professor tendo assim elementos para construir o conhecimento junto com os alunos.

    6.c Contexto para a anlise de dados

    Fui professor dessa turma, tanto no 1 Termo (5 srie) quanto no momento da aplicao da pesquisa 2 Termo (6 srie). No semestre anterior ao que se desenvolveu a pesquisa, as preocupaes eram de iniciar o estudo de histria apresentando o ensino da disciplina com variedades de fontes, destacando a cultura material, como anlise de diversas interpretaes e no como discurso nico e sem

    11

    O meu pai fazia a mesma coisa

    que o pai dela fazia. S que o nosso

    era diferente. Eu fazia com a palha

    de banana. Punha para secar. A,

    do jeito que ela falou mesmo, a eu

    fazia. E colocava uma madeira no

    meio... . Relato da aluna N.L.S.S.

    (44 anos), 2 Termo B.

    Exerccio respondido pela aluna M.M.M., 25 anos - 2 Termo A.

    Foto produzida pelos alunos: ALUNA G.A.M., ALUNO G.R.M., ALUNA H.V.O., ALUNO J.N.G.D. e ALUNO M.F.C.

    102

  • diversidade, e como conhecimento vinculado ao cotidiano e realidade dos alunos. Tais preocupaes so trabalhadas em todos os Termos da EJA.

    A sada de alunos que freqentaram o semestre anterior, no caso o 1 Termo (5 srie), e a entrada de novos alunos para o semestre em questo, no caso o 2 Termo (6 srie), que freqente no sistema escolar brasileiro, sobretudo no que diz respeito ao ensino noturno, gera a necessidade do constante repensar sobre os conceitos bsicos utilizados no ensino de histria (porque estudar histria e como estudar histria). Enfim, pensar o objetivo do estudo de histria.

    103

  • 7 A D M I R A R

    Admirar: 1. Olhar ou considerar com admirao, espanto, assombro. 2. Experimentar sentimento de admirao (3 e 4) por. 3. Causar admirao, surpresa, espanto ou assombro etc. a. 4. Extasiar-se diante de. Int. 5. Causar admirao, surpresa, espanto, assombro. 6. Sentir admirao, surpresa, espanto, assombro etc. 7. Ter ou sentir admirao a si mesmo. 8. Ter ou sentir admirao recproca.6

    Admirao: 1. Ao ou efeito de admirar. 2. Estranheza, espanto, assombro, pasmo. 3. Considerao, respeito, estima. 4. Afeio, inclinao, simpatia.7

    ADMIRAR5: O OLHAR DOS ALUNOS EM TEXTOS E DESENHOS

    7.a - REFLEXES

    Olhar com admirao mais que olhar. contemplar com o respeito que tal ao pode propiciar. Admirar esse olhar que colocamos no trabalho educativo envolvendo histria e memria. Aquilo a que estamos expostos constantemente ou aquilo que, mesmo por pouco tempo, nos marcou profundamente no momento de recepo da imagem, vincula-se memria, podendo ser elemento facilitador para sua lembrana ou esquecimento.

    Dentro da lgica da propaganda mercadolgica, nosso olhar rpido, difuso, banalizado, rebaixado em sua sensibilidade, prejudicando nossa percepo dos demais sentidos. Em nosso trabalho com ensino de histria e memria temos procurado potencializar os demais sentidos no olhar admirar. Assim, para o senso comum, o olhar restringe-se viso, pois estamos numa sociedade em que o olhar requisitado freqentemente pelo excesso de imagens, cultura associada visualidade, agora apoiada por meios eletrnicos de produo e reproduo de imagens, que retiram muitas vezes nossa capacidade de olh-las criticamente.

    Mesmo as imagens produzidas como documentos ilustrativos podem ser problematizadas enquanto documentos monumentalizados e, portanto, serem objetos do olhar, do admirar8. Esses objetos, como acessrios ilustrativos fortemente vinculados e determinados por documentos escritos, levam-nos a esquecer a construo cultural historicamente elaborada por agentes sociais, que a produo pictrica ou fotogrfica, e principalmente suas funes diferentes daquelas dos documentos escritos.

    5Agradeo ao P. Joo Maria pelo aprofundamento deste tema em curso no Colgio

    Santa Amlia. >6 Ferreira, 1995, pp. 16-17. >

    7 Ibid., p. 16. >8Le Goff, 1994. >

    Exerccio respondido pela aluna S.F.O., 26 anos - 2 Termo A.

    104

  • Na educao as imagens tm sido utilizadas, na maioria das vezes, como um apoio para a comprovao de um texto escrito, o tipo de discurso que no admite a anlise de diversas fontes. Mas no trabalho histria e memria temos que considerar o olhar admirao como vinculando imagem com rastro, com ndice, que envolve vrios sentidos,9 e incluir a materialidade das representaes visuais no horizonte das preocupaes didticas, entendendo as imagens como coisas que participam das relaes sociais e, mais que isso, como prticas materiais. A produo, a circulao e a apropriao das imagens so elementos fundamentais para compreender com profundidade o papel das mesmas nas construes e reconstrues das memrias sociais.

    A materialidade da cultura (e a imagem enquanto objeto ou representao mental) o universo do olhar admirao. Mas para que a observao seja eficaz indispensvel usar todo e qualquer tipo de fonte (fontes materiais, escritas, orais, hbitos corporais etc.), ainda que as materiais possam predominar.

    As imagens no tm sentido em si. a interao social que produz seus sentidos, mobilizando diferencialmente (no tempo, no espao, nos lugares e circunstncias sociais, nos agentes que intervm) determinados atributos para dar existncia social (sensorial) a sentidos e valores e faz-los atuar. Da no se poder limitar a tarefa procura do sentido essencial de uma imagem ou de seus sentidos originais, subordinados s motivaes subjetivas do autor, e assim por diante. necessrio tomar a imagem como um enunciado, que s se apreende na fala, em situao. Da tambm a importncia de retraar a trajetria das imagens.

    necessrio tomar as coisas visuais, antes de mais nada, como coisas que podem prestar-se a diversos usos, entre os quais os documentais, conforme as situaes, e no como essncia ou programa original. As imagens no so o sentido que o primeiro olhar aponta. Pensemos num

    9Oliveira, http://www.hottopos.com/vdletras6/mirtes.htm >

    105

  • outdoor de cigarros com cavaleiro em aventura. O objetivo vender cigarro dando a sensao da conquista de vitria, de aventura. Mas as doenas e os custos no so colocados diretamente. Em nosso cotidiano vivemos a imagem em vrias dimenses, usos e funes. O emprego de imagens como fonte de informao apenas um uso entre tantos e no altera a natureza da coisa, mas se realiza efetivamente em situaes culturais especficas, entre vrias outras.10

    A imagem um trao, um ndice, no o real. Mas envolvida na temtica memria ela, como qualquer fonte, no explica o representado. Somos ns que dialogamos com as fontes e lhes atribumos significados.

    Se na gravao dos depoimentos e dos relatos de vida a utilizao das fotografias da poca em pesquisas histricas pode servir, ao mesmo tempo, como desencadeador da memria e desinibidor das falas, ajudando a elucidar determinados fatos e acontecimentos importantes da vida de uma determinada comunidade ou grupo, verdade tambm que sem o apoio das outras fontes, incluindo-se as orais, ler e compreender as fotografias seria um trabalho limitado. Desse modo, o entrecruzamento de fontes se torna de fundamental importncia na construo de um quadro de referncias mais amplo para se compreender o sentido do contedo das imagens, a fim de que elas adquiram um sentido no em si, mas em seu contexto.

    As imagens, como por exemplo as fotografias, podem se tornar um desencadeador de lembranas mltiplas e, no caso do pesquisador, um estmulo formulador de hipteses para testar a comunicao das fotografias e o seu esquecimento temporrio ou total.11

    Estamos submetidos constantemente a um bombardeio de imagens, na mdia e no dia-a-dia em revistas, outdoor etc., e cada vez menos provvel que uma delas tenha relevo. Estamos anestesiados com o excesso de imagens, tornando-nos seres do esquecimento. Em resposta ao perigo

    10Meneses, 2003. >

    11Henrique M. Silva, 2000. >

    106

  • de desligamento de nossos sentidos, a memria surge como matria-prima para a luta contra o anestesiamento a que somos expostos.

    O atordoamento do sujeito com a variedade e a velocidade da civilizao da imagem parece conduzir incomunicabilidade. Por isso nossa proposta de uma anlise crtica s imagens que estamos submetidos, vinculando imagens com o ensino da relao entre histria e memria. O que se busca na memria uma aproximao da essncia.12

    No trabalho proposto da vinculao entre o ensino de histria e a memria, sugerimos a leitura com admirao do livro da vida, cujos autores e personagens somos ns, cultivando a sensibilidade. Educar para o olhar admirado educar para a sensibilidade. Contrape-se, por exemplo, com as imagens transmitidas pela TV. A escola tem dificuldade de trabalhar uma era imagtica. Na escola predomina a narrativa textual, a palavra escrita. Fora dela recebemos uma avalanche de imagens. Enquanto a escola se esfora, ao menos teoricamente, para formar cidados, a TV forma consumidores. As instituies de ensino tambm devem ter suas rdios comunitrias e produzir vdeos. S um olhar crtico nos abre o horizonte da cidadania e da democracia real.

    Ao estmulo exagerado para o consumo podemos contrapor a educao do olhar admirado, vincular ao estudo de histria e memria. O olhar que pra extasiado de modo a compreender o que se pode tirar alm da primeira viso, olhar e comparar com outros significados que esto em sua cultura.

    Cada vez mais somos submetidos por todos os lados a um excesso de informaes e estmulos, nestes tempos em que se consolida uma sociedade da informao. A televiso , de longe, o principal meio de comunicao privilegiado numa realidade em que a leitura preterida frente s mdias

    12Leite, 2000. >

    Reproduo de rua do Rosrio(Lado da igreja) Milito Augusto de Azevedo, 1862 / 14,1 X 22 cm. In:lbum Comparativo da Cidade de So Paulo 1862 1887, So Paulo, Photographia Americana, s/d. Acervo MP/USP. Lima, 1995, p.34.

    Foto produzida pelos alunos: ALUNO A.C.M., ALUNO H.S.F., ALUNO J.R. . 2 Termo B

    Rua do Rosrio em 1858 Jos Wasth Rodrigues (1891 1957) / leo sobre tela / a.c.i.d. J.W.R., 1920 / 110 X 160 cm. Lima, 1995, p.34.

    Foto produzida pelos alunos: ALUNA G.A.M., ALUNO G.R.M., ALUNA H.V.O., ALUNO J.N.G.D. e ALUNO M.F.C. . 2 Termo A.

    107

  • digitais.

    Para acompanhar a velocidade de transformaes e mudanas, os meios de comunicao reproduzem o frenesi em programas, vinhetas, peas publicitrias e em todo esse processo, um padro esttico que se consolida.

    A responsabilidade da escola de educar com uma pedagogia do olhar. Dessa forma podemos valorizar os padres originais do educando. O direito informao de qualidade passa pela escola, que pode valorizar a informao e a sabedoria que o aluno das classes de EJA traz e reconstri a partir de sua memria.

    A mdia, com a banalizao da violncia, a erotizao da infncia, o estmulo ao consumo, o uso excessivo de grias e a descontextualizao de notcias, aponta para o esquecimento do passado, das tradies culturais e para a valorizao apenas do que contemporneo, realando a alta velocidade da linguagem visual, entre outros. A educao que passada pelos meios de comunicao estimula o novo e o consumo do novo. Quer jogar o velho, o passado: experimenta a cerveja x; quanto voc paga, das casas y.

    Nossa pesquisa prope repensarmos tal situao e apresenta uma experincia de ensino que vincula vises de mundo, vida e experincia humana na prtica educativa cotidiana, relacionadas ao ensino de histria e memria. Ela prope ao aluno ver o mundo como um espao museolgico em que todas as marcas (imagens, objetos, arquitetura, escrita, relatos orais) de memria devem ser desconstrudas e analisadas a partir da apropriao realizada pela comunidade.13

    Nossa preocupao no de examinar com nostalgia, e sim analisar a vinculao dos passados relacionados aos presentes, as conjunes de vrias memrias.

    13Mattar, Mdia para a infncia: preocupao de gente grande. >

    108

  • A memria faz ver o fato a partir dos indivduos, ao mesmo tempo em que reencontra neles a ascendncia mais pertinente dos acontecimentos, as influncias mais profundas e indelveis de uma poca. Ela oferece um modo de ver o passado, ao cruzar a histria e a intimidade, o mais pblico e o mais pessoal.

    Um mundo social que possui riqueza e uma diversidade que no conhecemos pode nos chegar pela memria dos velhos. O admirar realizado quando nos sentimos parte de razes. O enraizamento talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. O ser humano tem uma raiz por sua participao real, ativa e natural na existncia de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro.

    O trabalho com memria leva o sujeito a admirar-se com as prprias razes, coloc-las em questo, mas fazendo do seu passado digno de valor como outros passados. Seria intil voltar as costas ao passado para pensar no futuro. uma iluso perigosa acreditar que haja a uma possibilidade. A oposio entre o futuro e o passado absurda. O futuro no traz nada, no nos d nada, ns que, para constru-lo, devemos dar-lhe tudo, dar-lhe nossa prpria vida. Mas para dar preciso ter, e no temos outra vida, outra seiva, a no ser os tesouros herdados do passado e digeridos, assimilados, recriados por ns. De todas as necessidades da alma humana no h outra mais vital que o passado.

    preciso uma conciliao que permita aos seres humanos reencontrarem suas razes.

    A memria rodeia, roa e penetra os materiais de cultura, neles se apoiando, agarrando-se e se arraigando, compondo o campo de uma economia, de uma geografia e de uma arquitetura intrinsecamente existenciais. A a paisagem humana convida no ao olhar insolente, desdenhoso, dos vnculos consumistas em que as coisas todas so reduzidas

    109

  • mercadoria e perderam sua intimidade, sua atmosfera; mas sim fruio de um olhar admirado, comovido e distanciado, que toma as coisas em seu valor distintivo.

    O olhar admirado se contrape ao olhar consumista e se associa ao olhar da memria. um olhar tico e curioso. Busca olhar com cuidado e ateno para perceber coisas no destacadas no imediato.14

    Nunca a questo do olhar esteve to no centro do debate da cultura e das sociedades contemporneas. Um mundo onde tudo produzido para ser visto, onde tudo se mostra ao olhar, coloca necessariamente o ver como um problema. Entretanto, como olhar quando tudo ficou distinguvel, quando tudo parece a mesma coisa? Quanto mais rpido o movimento, menos profundidade as coisas tm, como se estivessem contra um muro, contra uma tela. A cidade contempornea corresponderia a esse novo olhar. Seus prdios e habitantes passariam pelo mesmo processo de superficializao, a paisagem urbana se confundindo com outdoors. O mundo se converte em um cenrio, os indivduos em personagens. Cidade-cinema. Tudo imagem.

    Na cidade do movimento, a arquitetura, sob o impacto da velocidade, perde espessura. A construo tende a virar s fachada, painel liso onde so fixados inscries e elementos decorativos para serem vistos por quem passa correndo pela auto-estrada. Ocorre uma superficializao do prdio: por trs da fachada ele um simples galpo igual a todos os outros. Painis luminosos que reproduzem castelos medievais. Em vez de se construir a representao, representa-se a construo. Contudo, preciso ter tempo para ver os rostos e as paisagens.As imagens so distribudas com contedos para leituras e olhares superficiais.15

    Envolvidos com semelhantes pensamentos, na prtica em sala de aula realizamos atividades em que os alunos produziram desenhos e responderam questes sobre

    14Gonalves Filho, 1990. >

    15Carvalho, http://www.lead.org.br/menu/treinamento/cohort9/textos/

    PauloSergiodeCarvalhoTN_2.htm >

    110

  • imagens, alm de exporem suas idias em relao ao tema de aula. Pensamos as imagens como fontes histricas de abrangncia multidisciplinar. a que lhe atribumos significados e admirao.16

    7.b - DESENHOS E IMAGENS TIRADENTES, A INDEPENDNCIA DO BRASIL E O MUSEU PAULISTA

    Com o intuito de verificar quais competncias para a construo do conhecimento os alunos possuam antes de se iniciar o estudo do relacionamento entre Tiradentes, a Independncia do Brasil e o Museu Paulista, foi lhes solicitada a elaborao de desenhos e que respondessem uma questo. Era o ms de abril de 2002, e 45 alunos realizaram as atividades propostas.

    Em relao s imagens, pudemos perceber que os alunos reproduziram, em maior nmero, as imagens veiculadas em livros, revistas e outras mdias, criando vises de heris para os personagens, que so vistos como condutores dos acontecimentos: Tiradentes aparece representado como Jesus Cristo e D. Pedro I colocado no centro do movimento da Independncia, tal como na famosa obra de Pedro Amrico (Independncia ou Morte).

    A memria oficial (senso comum) o elemento indicado na maior parte dos desenhos. No conjunto deles, Tiradentes representado com referncias a homem, forca, barba e cabelo. Ele confundido com a obra de Pedro Amrico, com a figura do professor (talvez por ironia, dado deste igualmente portar barba) ou se referindo a uma imagem que pode ser considerada igreja ou castelo (referncia do passado).

    A Independncia do Brasil representada na imagem por D. Pedro I (referindo-se obra de Pedro Amrico), 16Kossoy, 2002. >

    Desenho feito pela aluna M.M.M., 25 anos

    2 Termo A

    111

  • tambm com referncia guerra, ao mapa e bandeira do Brasil (smbolos nacionais), ao museu e referncias curiosas: criana, boneca da me de D. Pedro I, indicando a liberdade pessoal (brincar, estudar, trabalhar e futebol).

    Em relao questo Qual o objetivo da construo do prdio do Museu Paulista (Museu do Ipiranga)?, o destaque nas respostas associou a viso geral de que em um museu s h coisas velhas, dado ser seu objetivo guardar objetos antigos e apresentar para geraes futuras. Uma boa parte dos alunos apresentou o objetivo dos idealizadores da construo do prdio marco, Monumento ao Grito, em que podemos perceber um contedo estudado (ou informaes obtidas) criticamente antes do 2 Termo. Isto , o Museu Paulista foi construdo com esses objetivos. Foram apresentadas relaes mais diretas e divulgadas: com a Histria do Brasil e com a data de 7 de setembro. O pensamento de que D. Pedro morava l foi apresentado por um aluno. A indicao de que o Museu guardava os restos da me de D. Pedro I apresenta a identificao do prdio com o conjunto Parque da Independncia, e tambm certa confuso de personagens. Em relao ao tema memria, as respostas nos levam a relacionar o prdio do museu como sendo um lugar de memria,17 pois: guarda objetos, guarda restos, um marco, significado das pessoas que viviam na poca, para comemorar, ligado ao passado e histria.

    Aps a discusso do que foi produzido pelos alunos, relacionando a imagem de Tiradentes com a de D. Pedro I e o espao do Grito (o Museu Paulista), o professor apresentou vdeos, transparncias de imagens e textos. No texto Fizeram Voc de Bobo,18 desconstruda a imagem de Tiradentes como Jesus Cristo, idealizada pelos republicanos, e debatida a imagem sendo construda com o objetivo de sensibilizar consumidores e para que grande parte da populao possa abraar a causa (propaganda de cigarro com homens e mulheres, segundo a beleza proposta

    17Nora, 1993. >

    18Dimenstein, 1994, p. 16.; veja tambm Anexo Texto Fizeram voc de bobo. >

    112

  • pela classe dominante, em situaes de ao, de aventura e de paz; a imagem de uma ndia nua contrapondo-se de uma mulher nua em revistas chamadas masculinas, e outros exemplos).

    Com a anlise da imagem Independncia ou Morte, obra de Pedro Amrico exposta no Museu Paulista, fomos notando detalhes e contextualizando o momento da elaborao da pintura. Lemos o texto Relato do Padre Belchior Pinheiro de Oliveira,19 que o primeiro documento escrito sobre o Grito. Assim se desconstri a imagem que a pintura de Pedro Amrico realizou. Esta um documento histrico como outro qualquer, no a descrio da realidade. uma memria, em volta de outras. Por fim nos deparamos com o espao do Grito.

    Dois vdeos institucionais apresentam o histrico do Museu Paulista, ou popularmente chamado de Museu do Ipiranga, e parte da construo do seu cenrio interno, que valoriza a histria de uma So Paulo carro-chefe do Brasil.20

    Foram projetadas nas aulas imagens da constituio histrica do Cenrio do Museu Paulista21, apresentando alguns interesses da constituio da memria oficial sobre a histria do Brasil e a histria da cidade de So Paulo.

    A proposta de ensino de histria que enfocamos pretende atingir o homem de hoje, envolvido em um mundo consumista em que o velho e a experincia so descartados, e no qual a memria descartada ou utilizada como material de estmulo ao consumo (vejam os programas de televiso, novelas e minissries que so de poca). Buscamos identidades, o reconhecimento, a preservao do patrimnio histrico cultural, a valorizao da auto-estima. A dissertao no pretende ser eterna, como modelo de ensino de histria, mas uma reflexo de uma experincia para o mundo de hoje, incio do sculo XXI, e uma reflexo sobre o papel da memria para esse ensino. No

    19Cintra, 1921, pp. 211-213.; veja tambm Anexo Texto Pe Belchior. >

    20Museu Paulista da USP (Museu do Ipiranga), 1999. >

    21Anexo Cenrio do Museu Paulista realizado a partir de OLIVEIRA, 1995. >

    113

  • fundo, a questo por que ensinar histria hoje. A leitura que fazemos do passado, da histria, o olhar com que verificamos o patrimnio histrico-cultural da comunidade cercado e influenciado pelo contexto cultural em que estamos inseridos. A proposta discutir vises de histria, mostrando a possibilidade das diferenas.22

    O que propomos a metodologia de ensino de histria que valorize a memria da comunidade, intercruzando-a com outras memrias apresentadas na sociedade: os museus, as exposies em vrias instituies culturais, os patrimnios histrico-culturais tombados, os patrimnios histrico-culturais apresentados na mdia, os patrimnios histrico-culturais da comunidade escolar (sem se dar conta em muitos casos). Da a importncia da educao patrimonial.

    22Jenkins, 2001. >

    114

  • 8 R I T M O

    RITMO: A NARRAO DOS ALUNOS A PARTIR DA CASA

    8.a - REFLEXES