memórias da república e da educação: cesário motta junior e a

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1 MEMÓRIAS DA REPÚBLICA E DA EDUCAÇÃO: CESÁRIO MOTTA JUNIOR E A CONVENÇÃO DE ITU/SP (1873) Fernanda Helena Petrini Marçola FE – UNICAMP [email protected] INTRODUÇÃO O tema deste texto refere-se às memórias da república e da educação no Brasil e tem como objetivo central a análise das relações entre república e educação, por meio de um estudo que considera o caráter dialético das relações entre educação e sociedade. O objeto de estudo expressa a atuação de Cesário Nanzianzeno de Azevedo Motta Magalhães Junior, mais conhecido como Cesário Motta Junior, um importante protagonista da educação e político republicano, elemento ativo e atuante nos antecedentes e primórdios tempos da república, com ênfase para a participação do mesmo na descrição da reunião conhecida como Convenção Republicana de Itu, ocorrida em 1873, que fundou as bases do Partido Republicano Paulista (PRP). I – A REPÚBLICA E A EDUCAÇÃO: A FORMAÇÃO DAS ALMAS Em um clássico texto sobre o processo de institucionalização da república no Brasil, José Murilo de Carvalho deixa entrever uma relação entre o imaginário e o papel da educação no projeto republicano que visava “atingir o imaginário popular e recriá-lo dentro dos valores republicanos”. Comparando-se o uso dos símbolos pela Revolução Francesa, este autor relembra o pensamento de Mirabeau: “não basta mostrar a verdade, é necessário fazer com que o povo a ame, é necessário apoderar-se da

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MEMÓRIAS DA REPÚBLICA E DA EDUCAÇÃO: CESÁRIO

MOTTA JUNIOR E A CONVENÇÃO DE ITU/SP (1873)

Fernanda Helena Petrini Marçola

FE – UNICAMP

[email protected]

INTRODUÇÃO

O tema deste texto refere-se às memórias da república e da

educação no Brasil e tem como objetivo central a análise das relações entre

república e educação, por meio de um estudo que considera o caráter dialético

das relações entre educação e sociedade. O objeto de estudo expressa a

atuação de Cesário Nanzianzeno de Azevedo Motta Magalhães Junior, mais

conhecido como Cesário Motta Junior, um importante protagonista da

educação e político republicano, elemento ativo e atuante nos antecedentes e

primórdios tempos da república, com ênfase para a participação do mesmo na

descrição da reunião conhecida como Convenção Republicana de Itu, ocorrida

em 1873, que fundou as bases do Partido Republicano Paulista (PRP).

I – A REPÚBLICA E A EDUCAÇÃO: A FORMAÇÃO DAS ALMAS

Em um clássico texto sobre o processo de institucionalização

da república no Brasil, José Murilo de Carvalho deixa entrever uma relação

entre o imaginário e o papel da educação no projeto republicano que visava

“atingir o imaginário popular e recriá-lo dentro dos valores republicanos”.

Comparando-se o uso dos símbolos pela Revolução Francesa, este autor

relembra o pensamento de Mirabeau: “não basta mostrar a verdade, é

necessário fazer com que o povo a ame, é necessário apoderar-se da

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imaginação do povo. Para a revolução, a educação pública significava acima

de tudo isto: formar as almas”1.

Esta revelação do imaginário e da função educativa da

república ilumina mais um aspecto importante das relações entre a república e

a educação brasileira no período da propaganda e consolidação da república.

Mas, qual é o cenário político, econômico e social onde se inserem estas

relações? Quais são os atores sociais envolvidos neste processo?

Procurando responder a estas questões e buscando atender o

objetivo de aprofundar a compreensão das relações entre educação e

república, este texto procura resgatar as memórias sobre um importante fato

para a institucionalização da república, que foi a reunião de grandes

proprietários, muitos deles cafeicultores do oeste paulista, realizada em

18/04/1843 na cidade de Itu, para fundar as bases do PRP. Estas memórias da

história da república se fundem com as memórias da história da educação, com

destaque para a participação no evento de um importante protagonista da

educação: o médico, maçom e republicano histórico Cesário Motta Junior que

foi alguns anos mais tarde o secretário de obras e interior do governo

Bernardino de Campos e em cuja gestão iniciou-se a reforma da instrução

pública da Província de São Paulo, com a instalação da Escola Normal (Escola

Modelo), implantação dos grupos escolares, instalação do Museu do Ipiranga,

além de outras atuações como um dos fundadores do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo.

II – A CONVENÇÃO DE ITU (1873): O JOVEM CESÁRIO MOTTA JUNIOR

Considerada a cidade mais rica da Província de São Paulo em

meados do século XIX, Itu foi o cenário de importantes eventos para a

república e também para a educação. Os dias 17 e 18 de abril de 1873 foram

marcados por acontecimentos emblemáticos e plenos de significados para a

história da república e do Brasil. Trata-se da conjunção dos fatos: a

inauguração da Estrada de Ferro Ituana no dia 17 e da realização da

Convenção de Itu no dia 18 de abril.

1 CARVALHO, J.M. de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p. 11.

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Assinatura da Ata da reunião do Partido Republicano em Itu aos 18 de Abril de 1873. Painel de azulejo da

década de 1940, da série de reproduções de antigos documentos iconográficos de Itu. Executado por

Antonio Luiz Gagni.

Fonte: Acervo iconográfico do Museu Republicano da Convenção de Itu – MP/USP.

Em 17 de abril de 1873 aconteceu a inauguração da Estrada

de Ferro Ituana, com a incorporação de uma companhia para realizar a ligação

ferroviária entre Itu e Jundiaí. Este feito foi empreendido por capitalistas e

“abonados fazendeiros da região ituana onde o café também dominava a

paisagem agrícola”2, liderados na reunião de 20 de janeiro de 1870 por José

Elias Pacheco Jordão, apoiado entre outros pelo Presidente da Província

2 CARVALHO, 1973 apud MATOS, O.N. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. Campinas/SP, Pontes, 4 ed., 1990, p. 87.

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Antonio Candido da Rocha e Antonio Queiroz Telles (que tinha os títulos de

Barão, Visconde e Conde de Parnaíba) e presidia a Câmara de Vereadores,

este também teve seu nome associado a outros dois empreendimentos, o

incentivo a imigração e a fundação da Companhia Mogiana de Estrada de

Ferro.

No dia 18 de abril de 1873 ocorreu uma reunião de líderes

republicanos, que ficou conhecida como a Convenção de Itu, sendo mais um

desdobramento das ações da propaganda republicana que estimulava a

propagação dos clubes republicanos pelo país. Foi principalmente por meio da

divulgação em 1870 de um Manifesto no jornal carioca “A República”, que as

adesões ao movimento republicano cresceram, com a participação do Clube

Republicano de São Paulo e de representantes de cidades paulistas como

Jundiaí, Amparo, Piracicaba, Capivari, Itapetininga, Rio Claro, Botucatu e Itu.

Avessos a centralização promovida pelo Império e adeptos do federalismo, os

líderes do PRP estruturaram esta organização na Assembléia ou Convenção

de Itu em 18733.

A conjunção das datas se explica: os líderes republicanos

escolheram a data e o local de reunião devido à facilidade de transporte

propiciado pela ferrovia4 além do clima festivo que se encontraria a cidade5.

Este clima festivo é descrito por um privilegiado testemunho

dos dois fatos, um jovem estudante de medicina de 26 anos que acompanhava

o pai para a Convenção. Vindo de Porto Feliz, chegou a Itu no dia 16, aquele

que se tornaria anos mais tarde um protagonista da república e da educação:

Cesário Motta Junior, que redigiu em 1890 as anotações dos eventos de 18736.

3 c.f. SOUZA, J.S. Itu e a consolidação da República. Revista Campo & Cidade, Edição Especial Comemorativa 2010, Edição Eletrônica; e, do mesmo autor, Notas sobre a Convenção de Itu. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1976. Separata de: Anais do Museu Paulista, vol. 27. 4 CARVALHO, R.M. Quatro séculos de Itu: fatos e personalidades. Itu/SP, Ottoni Editora, 2010. 5 MATOS, O.N. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. Campinas/SP, Pontes, 4 ed., 1990. 6 Este documento intitulado Recordações históricas (1873) ficou durante anos sob a posse do jurista Candido Motta, primo de Cesário Motta Junior, sendo doado ao historiador Afonso Taunay para o Museu Republicano na década de 1940. c.f. CARVALHO, R.M. Quatro séculos de Itu. Itu/SP, Ottoni, 2010, Vol. I, p. 170.

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III – A FERROVIA E A REPÚBLICA: O PROGRESSO

Associada à idéia de progresso, a ferrovia, um dos símbolos

máximos da então modernidade chega a Itu em 17/04/1873 com a inauguração

da Estação da Estrada de Ferro Ytuana, obra realizada com recursos

particulares. Este importante fato foi assim descrito e enfatizado por Cesário

Motta Junior7 em suas Recordações Históricas de 1873:

Em abril de 1873 devia-se inaugurar a Estrada de Ferro de Jundiaí à Itu. Para essa ocasião, em que se faziam festas na última dessas cidades, fôra marcada a primeira reunião dos republicanos da Província (...) tendo feito ali várias conferências públicas, e auxiliado na organização do partido, fui nomeado em companhia, entre outros (...) sinceros democratas que conservam puríssimo o entusiasmo que animava suas crenças políticas. Meu pai, fundador do clube, foi conosco. Eu era ainda estudante. (...) saímos de Porto Feliz no dia 16 de abril: chegamos a Itu as 7:00 horas. As ruas estavam arborizadas; grande animação na cidade. A 17 o movimento era imenso. Os trolys sucediam-se de momento a momento, havia uma alegria geral. Uma ala de bambus e palmeiras extendia-se da Rua do Comércio até a Estação da Estrada de Ferro. No começo da rua um arco virente e simples era encimado por um anjo com o dístico “Ao Progresso Ituano”. (Grifos nossos).

Materializado na figura de um anjo como mensageiro de uma

nova era, tentava-se construir um imaginário de progresso associado à ferrovia

e também à república, afinal, a Companhia Ituana se fez como

empreendimento de cafeicultores e capitalistas de Itu e região, representantes

do pensamento republicano. Pode-se entender melhor estas representações na

descrição de Cesário Motta Junior8 sobre a ferrovia e seus festejos.

Uma corrente constante de povo ligava a cidade à estação (...) pouco depois das 2:00 horas anunciou-se a aproximação do trem: o povo aglomerou-se junto da plataforma (...) o Dr. Queiroz Telles erguer vivas, calorosamente correspondidos. Chegaram 7 vagões embandeirados, no meio de gerais e entusiásticas aclamações (...) o Dr. José Elias Pacheco, presidente da companhia; em frases entrecortadas pela emoção, fez ver as dificuldades que teve de enfrentar, as lutas que travou, as esperanças que nutria, e o apoio que encontrou nos acionistas e nos companheiros de diretoria aos quais todos saudavam. Seguiram-se lhe com a palavra o

7 MOTTA JR, C. Recordações históricas (1873). Reportagem sobre a Convenção de Itu (1890). In: TAUNAY, A. de E. Guia do Museu Republicano Convenção de Itu. São Paulo, Indústria Gráfica Siqueira, 1946, p. 67 e 69. 8 Ibid., p. 69 e 70.

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Desembargador Gavião em nome da Companhia Paulista (...) apareceu então o Dr. Candido Barata, que em um dos mais belos discursos que tenha ouvido, saudou a Companhia e, especialmente, o seu presidente, cujo nome pediu que fosse estampado na face da posteridade em letras de ouro. Um dia o povo é rei – começou ele e demonstrou que naquela solenidade a verdadeira realeza era a do povo. Foi freneticamente aplaudido. (Grifos nossos).

Durante o lunch (almoço comemorativo) manifestações

republicanas com saudações ao empreendedorismo e a república federativa

foram feitas na presença do presidente da Província, descritas por Cesário

Motta Junior9:

O presidente da Província (Dr. João Teodoro) o Dr. José Elias e outros foram saudados. Em uma das extremidades da mesa estavam Américo de Campos, Ubaldino, Quirino dos Santos, Antonio Cintra, etc. O que se deu de mais notável foi o seguinte: Martim Francisco, filho, saudou a iniciativa dos ituanos, que provaram na realização deste cometimento, não mais precisar o povo da tutela do governo. João Gabriel, tomando talvez este brinde atentatório da dignidade do presidente da Província, brindou o princípio de autoridade, necessário à manutenção da ordem, indispensável ao progresso, encarnado na pessoa de Dr. João Teodoro. Daí parece ter nascido a reação: fizeram-se saudações aos mais enérgicos democratas, terminando-se com um brinde a República Federativa. (Grifos nossos).

No final da tarde do dia 18 aconteceu a reunião republicana

presidida pelo ituano e presidente do Clube Republicano local João Tibiriçá

Piratininga, tendo como secretário Américo Brasiliense. Nesta reunião, relata

Cesário Motta Junior10 que, discutiram-se as bases para a organização do PRP

e o papel da imprensa na propaganda republicana.

Eram estas as discussões das bases para a organização do PRP. Resumiam-se nas seguintes: cada município enviaria um deputado à Assembléia Constituinte, que devia reunir-se em São Paulo. O seu objetivo seria elaborar o projeto da Constituição política, e as leis orgânicas do partido (...) aprovadas as bases travou-se discussão sobre a imprensa: tratava-se de saber se bastava apoiar a da Capital, ou se deveria dar preferência à da Corte. Dividiram-se as opiniões, manifestando-se o maior número pela sustentação da Capital.

A reunião da Convenção de Itu demonstra os avanços e

também os limites deste grupo político que embora republicano e com discurso

9 Ibid., p. 70. 10 Ibid., p. 71.

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liberal preferia ignorar a questão da escravidão11, visto que grande parte dos

elementos deste grupo era composta por proprietários que ainda eram

dependentes da mão-de-obra escrava, neste sentido, é representativo o

episódio descrito por Cesário Motta Junior12

À porta da casa achava-se uma escrava, quase branca pedindo 200 $000 para libertar-se. Quirino dos Santos com palavras cheias do maior sentimentalismo, propôs que as pessoas presentes concorressem para aquela redenção. Todos contribuíram.

Encerrando os eventos no dia 19 houve “uma festa literária no

colégio dos jesuítas” para as comemorações e “no dia 20, teve lugar um jantar

oferecido pelo Clube Republicano de Itu aos representantes de todos os

distritos” onde aconteceram muitos brindes e saudações. De Cesário Motta

Junior13 saudando “a Academia de Direito Republicana” e outros participantes

que saudaram a imprensa republicana, a mulher republicana, imprensa

campineira e “ao Clube de Itu pelos esforços que emprega para o

desenvolvimento da instrução”. Américo Brasiliense saudou ainda a república

federativa.

Na avaliação dos eventos assim registrou Cesário Motta

Junior14:

terminadas as festas e reuniões, escrevi numa carteirinha alguns apontamentos. São passados dezessete anos; os acontecimentos produziram os desejados frutos. A cidade que se celebrou a Primeira Convenção Republicana recebeu o culto místico de quantos aplaudem o advento da nova era. (Grifos nossos).

Este trecho final sobre a avaliação dos eventos por Cesário

Motta Junior, expressa o desafio deste representante de um grupo dominado

11 Na época, segundo relatos, a população de Itu era composta de 10.821 habitantes, sendo 4.245 escravos. c.f. MARTINS, A.L. O despertar da República. São Paulo, Contexto, 2001, p. 66. O historiador e cronista ituano Francisco Nardy Filho faz várias referências aos negros na sociedade ituana. c.f. NARDY Fº, F. A cidade de Itu. Itu/SP, vol. III, 3 ed., Ottoni Editora, 2006, p. 257-60. 12 MOTTA JR, C. Recordações históricas (1873). Reportagem sobre a Convenção de Itu (1890). In: TAUNAY, A. de E. Guia do Museu Republicano Convenção de Itu. São Paulo, Indústria Gráfica Siqueira, 1946, p. 71. 13 Ibid., p. 71 e 72. 14 Ibid., p. 67.

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em grande parte por grandes proprietários de café, uma elite adepta de um

“liberalismo à americana”, juntamente com os “jacobinos a francesa” e os

positivistas que compunham o grupo mais amplo de diversos matizes

ideológicos e que foram os protagonistas e responsáveis pela transição entre

monarquia e república, com a complexa tarefa de “substituir um governo e

construir uma nação15”. Daí a ênfase de Cesário Motta Junior sobre a

afirmação de uma nova era, neste e em outros momentos da propaganda

republicana durante o Império.

Inauguração da Estação de Itu. Estação da Estrada de Ferro Ituana inaugurada em 1873. Painel de

azulejo da década de 1940, da série de reproduções de antigos documentos iconográficos de Itu.

Executado por Antonio Luiz Gagni. Reproduz a litografia de Jules Martin.

Fonte: Acervo iconográfico do Museu Republicano da Convenção de Itu – MP/USP

IV – A ATUAÇÃO POLÍTICA DOS REPUBLICANOS E A EDUCAÇÃO

Inspirado na organização política pelo “constitucionalismo

inglês, via Benjamin Constant” o Império brasileiro importando e combinando

15 CARVALHO, J.M. de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p. 24.

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elementos como governo de gabinete com a presença de partidos nacionais,

eleições e liberdade de imprensa deu feição a monarquia nacional para garantir

a unidade política do país e manter a união das províncias e da ordem social16.

Sem enfrentar desde o início da independência as questões sobre a formação

da nação e constituição da cidadania, como a escravidão e a diversidade racial,

o legado deixado pelo Império da “não exigência de incorporação do povo à

nação”, deixou como tarefa à república este complexo desafio, que foi

desenvolvido pela “insuficiência do povo para o exercício da cidadania”. Esta

matriz de pensamento envolvida na questão das políticas de representação

(voto dos analfabetos) colocou os temas da instrução e da educação como

centrais para a constituição da nação17.

Neste sentido, apesar do restrito campo de atuação reservado

pela monarquia para as Assembléias Provinciais, em 1877 o Partido

Republicano Paulista elegeu para a Assembléia Legislativa Provincial de São

Paulo o trio de deputados conhecido como o “triunvirato republicano” composto

por Cesário Motta Junior, Martinho Prado Júnior e Prudente José de Moraes

Barros representantes da causas de defesa da federação, autonomia das

províncias e também da educação18. Nesta fase destaca-se a atuação de

Cesário Motta Junior19 na sessão de 27/02/1878 durante defesa do Projeto do

Triunvirato sobre a criação do Instituto Paulista de Ciências Naturais:

onde possam os brasileiros conhecer a existência das forças que atuam sobre o mundo físico, determinando essas mudanças, embora transitórias, nos corpos, e que tanto influenciam sobre todos os seres; produzindo aqui as modificações meteorológicas, cuja ação é tão pronunciada sobre eles, ali as diversas alterações térmicas, que, corrigindo aqueles ou combinando-se com eles, ora conservam-lhes as condições de vitalidade, ora desenvolvem-nas, aqui resolvendo-se em movimento, ali acompanhando a luz, em toda parte ostentando-se como poderoso agente nas operações múltiplas da natureza.

Esta atuação dos políticos republicanos desde 1870 (Manifesto

Republicano) demonstra que já no período de propaganda haviam planos para

16 Ibid., p. 23. 17 ROCHA, M.B.M. Matrizes da modernidade republicana. Campinas/SP, Autores Associados, 2004, p. 14. 18 SOUZA, J.S. O triunvirato republicano e a educação pública. 12/08/2005. Disponível em: <www.itu.com.br>. Acesso em: 26 jul. 2010. 19 MOTTA JR, C. 1878 apud REIS Fº, C. A educação e a ilusão liberal: origens da escola pública paulista. Campinas/SP, Autores Associados, 2 ed., 1995, p. 104.

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estruturação de um sistema de ensino público em São Paulo e que prosseguiu

nos primeiros anos do período republicano. Além disto, expressa a opção

política republicana pela conquista do poder político de forma evolutiva com

uma reforma pacífica das instituições ao invés de uma radical revolução social,

revelando uma mentalidade liberal moderada, com uma visão conservadora da

democracia. A sociedade brasileira seria desta maneira, “pelo alto”, sendo

ensinada pela militância e propaganda a reconhecer o atraso e a corrupção da

monarquia em relação às vantagens da república descentralizada e federativa,

expressão máxima da ordem e progresso modernos. É no bojo deste projeto

republicano que a educação pelo voto e pela escola ganha destaque20.

Com a chegada do poder em 1889 do grupo representado

pelos cafeicultores que almejavam um modelo liberal e federalista, inspirado

nos Estados Unidos, um Congresso Constituinte é eleito em 1890 para

organizar o país de forma jurídica e política com a elaboração de uma nova

Constituição, a Constituição de 1891 que confirmou a república representativa,

federalista e presidencialista com a separação entre Igreja e Estado, a

eliminação do voto censitário e a instalação da condição de ser alfabetizado

para votar e ser votado21.

A reforma do ensino estava no centro do amplo projeto

civilizador da república onde a educação popular foi exaltada como

necessidade política e social, dada a exigência de alfabetização para a

participação política (eleições diretas) elemento que poderia integrar a nação

ao grupo dos países mais adiantados, como os Estados Unidos e países

europeus que já tinham seus sistemas de ensino implantados, além de

significar um projeto de controle da ordem social e valorização de costumes e

da civilidade.

É neste contexto, em fevereiro de 1893 durante o governo de

Bernardino de Campos na Província de São Paulo, que Cesário Motta Junior

assume a Secretaria de Negócios do Interior, que reunia as pastas da higiene,

saúde e instrução pública. Empenhado na aplicação de conhecimentos

científicos na vida coletiva, destacava-se como reformador social pela atuação

20 HILSDORF, M.L.S. História da educação brasileira: leituras. São Paulo, Thompson, 2003. 21 CURY, C.R.J. A educação nas Constituições brasileiras. In: STEPHANOU, M. e BASTOS, M.H.C. (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Rio de Janeiro, vol. III, século XX, Vozes, 2005.

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com a racionalização de serviços públicos e realizações importantes nas áreas

referidas22. Na esfera da educação destaca-se a Reforma da Instrução Pública,

com a instalação da Escola Normal, além da implantação dos grupos escolares

como modelo de escola primária graduada, urbana com arquitetura

monumental e utilização de novos métodos de ensino, como o ensino

intuitivo23.

Cesário Motta Junior permaneceu até 1895 a frente da

secretaria, retirando-se por razões de intrigas e baixa política, voltando ao Rio

de Janeiro onde reassumiu seu cargo de deputado. Faleceu pouco tempo

depois, em 24/04/1897 aos 50 anos de idade24.

Cesário Motta Junior. Óleo sem tela, 1923. Henrique Tavola.

Fonte: Acervo iconográfico do Museu Republicano da Convenção de Itu – MP/USP

22 MONARCHA, C. Escola normal da praça: o lado noturno das luzes. Campinas/SP, Unicamp, 1999. 23 c.f. SOUZA, R.F. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo. São Paulo, Unesp, 1998. 24 CARVALHO, R.M. Quatro séculos de Itu. Itu/SP, Ottoni, 2010, Vol. I, p. 171 e 173. Alguns biógrafos como o citado Carvalho (2010) alegam que Cesário Motta Junior deveria ser o indicado para o cargo de Presidente da Província de São Paulo após a saída de Bernardino de Campos, porém, teria sido traído por alguns “amigos políticos”. Cássio Motta, também destaca ao final de seu livro as importantes realizações de Cesário Motta Junior em pouco mais de dois anos como secretário de governo. c.f. MOTTA, C. Cesário Motta e seu tempo. São Paulo, Indústria Gráfica João Bentvegna, 1947.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As relações entre república e educação no Brasil têm sido

largamente estudadas nos últimos anos25, principalmente a partir de trabalhos

pioneiros como o do professor Casemiro dos Reis Filho e sua obra “A escola e

a ilusão liberal26”, permanecendo como referência e atualidade. Assim sendo, o

olhar do historiador encontra, como no caso deste texto, na trajetória e

memória do intelectual e político Cesário Motta Junior e sua atuação na

Convenção de Itu (1873), uma oportunidade e inspiração para reafirmar a

importância dos estudos sobre a história da educação e da escola27 em nosso

país, resgatando essas memórias da república e da educação, propiciando

desta forma uma visão mais abrangente da educação entendida, não como um

fato isolado, mas sim inserida no bojo do projeto republicano.

25 Destacam-se os textos de CARVALHO, M.M.C. A escola e a República. São Paulo, Brasiliense, 1989 e MONARCHA, C. Escola normal da praça: o lado noturno das luzes. Campinas/SP, Editora Unicamp, 1999. 26 REIS Fº, C. A educação e a ilusão liberal: origens da escola pública paulista. Campinas/SP, Autores Associados, 2 ed., 1995. 27 Merecem destaque os trabalhos que abordam a história e a historiografia das instituições escolares. C.f. SANFELICE. J.L. História e historiografia de instituições escolares. In: Revista HISTEDBR On-line, Campinas/SP, nº 35, p. 192-200, set.2009.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, J.M. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2003 CARVALHO, M.M.C. A escola e a República. São Paulo, Brasiliense, 1989 CARVALHO, R.M. Quatro séculos de Itu: fatos e personalidades. Itu/SP, Ottoni Editora, vol. I, 2010 CURY, C.R.J. A educação nas Constituições Brasileiras. In: STEPHANOU, M. e BASTOS, M.H.C. (orgs) Histórias e memórias da educação no Brasil. Rio de Janeiro, vol. III, século XX, Vozes, 2005 HILSDORF, M.L.S. História da educação brasileira: leituras. São Paulo, Thompson, 2003 MARTINS, A.L. O despertar da República. São Paulo, Contexto, 2001 MATOS, O.N. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. Campinas/SP, Pontes, 4 ed., 1990 MONARCHA, C. Escola Normal da praça: o lado noturno das luzes. Campinas/SP, Editora Unicamp, 1999 MOTTA, C. Cesário Motta Junior e seu tempo. São Paulo, Indústria Gráfica João Bentivegna, 1947 MOTTA JR, C. Recordações históricas (1873). Reportagem sobre a Convenção de Itu (1890). In: TAUNAY, A. de E. Guia do Museu Republicano Convenção de Itu. São Paulo, Indústria Gráfica Siqueira, 1946 NARDY FILHO, F. A cidade de Itu. Itu/SP, vol. III, 3 ed., Ottoni Editora, 2006 REIS FILHO, C. A educação e a ilusão liberal: origens da escola pública paulista. Campinas/SP, Autores Associados, 2 ed., 1995 ROCHA, M.B.M. Matrizes da modernidade republicana. Campinas/SP, Autores Associados, 2004 SANFELICE, J.L. História e historiografia de instituições escolares. In: Revista HISTEDBR On-line, Campinas/SP, nº 35, p. 192-200, set.2009 SOUZA, J.S. Itu e a consolidação da República. Revista Campo & Cidade, Edição Especial Comemorativa 2010, Edição Eletrônica ______. Notas sobre a Convenção de Itu. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1976. Separata de: Anais do Museu Paulista, vol. 27

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______. O triunvirato republicano e a educação pública. 12/08/2005. Disponível em: <www.itu.com.br>. Acesso em: 26 jul.2010 SOUZA, R.F. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo. São Paulo, UNESP, 1998 TAUNAY, A. de E. Guia do Museu Republicano Convenção de Itu. São Paulo, Indústria Gráfica Siqueira, 1946