memórias de silvio pellico
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Prisão e conversãoTRANSCRIPT
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Qass
__
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AS
MINHAS
PRISES.
MEMORIAS
IILf
20.
FIILM
VERSO
DO
ITALIANO
pou
FRANCISCO
ANTNIO
DE
SVIELLG
SEGUSJDA
EDIO
AUTHORISADA
PELO
CONSELHO
SUPERIOR
DE
ItSTRUClO
PUBLICA
PARA
AS
ESCOLAS
PRIMARIAS.
-
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MEMORIAS
DE
SILVIO PELLICO.
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MEMORIAS
DE
SILVIO
PELLICO
VERSO
DO
ITALIANO
POR
FRANCISCO
ANTNIO
DE
MELLO
SEGUNDA
EDIO
AUCTORISADA
PELO
CONSELHO
SUPEROR
DE WSTRUCCO
PUBLICA
d
PA.RA Is
ESCOLAS
PRIMARIAS.
LISBOA
/^
IMPRENSA
NACIONAL
18S6.
-
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PQ4T
Z?
~J
-
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JLevar-me-hia
a
escrever
estas
memorias s
pura
vaidade
de
fallar
de mim?
Por certo
que no
foi
este
o
meu
desejo
; e
se
permittido a
algum
tor-
nar-se
juiz
em
causa
sua,
cuido
que
entrara
nisto
fim
mais
bem
acceito.
Foi
meu
intento
cooperar
para
fortalecer
o
ani-
mo
dos
affligidos,
fazendo
a exposio dos
infor-
tnios
que soffri,
e das
consolaes, que
a
minha
prpria
experincia
me
fez
conhecer,
que
se
po-
dem
alcanar,
at
nas
maiores
tribulaes
;
pre-
tendi
dar
um
testmunho
de
que
no
meio
de
meus
longos
tormentos,
no
encontrei
a
humanidade
-
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tam
iniqua
como
a pintam,
nem
tam
desmerece-
dora
de
indulgncia,
nem
tam
escassa
de
almas
boas;
procurei instigar
os coraes
generosos
ao amor
do
prximo,
e
a
que
no
hajam
de odiar
um nico
de
seus
similhantes,
e
a
que no
detes-
tem
irreconciliavelmente seno a
falsidade,
a
per-
fdia,
a
pusillanimidade,
ou
outro qualquer avil-
tamento
moral;
emfim, quiz
repetir uma
ver-
dade, com
quanto
j
bem sabida, muitas vezes
deslembrada
:
que
a
Religio
e
a
verdadeira
Fi-
losofia
demandam,
uma
e
outra,
enrgica
vontade
e
juizo
assente ; e
que, sem
a
unio
de
ambas
es-
tas
condies,
no
pode haver
justia,
nem
digni-
dade,
nem
firmeza
de
princpios.
O
AUCTOR,
-
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Iieste
sculo tam
sedicioso e
turbulento,
em
que
os
homens divorciados uns contra
os
outros
andam
tam
alheios e desacordados de si, que
nem
sequer
lhes
so-
bra
tempo
de
reflectir em
seus
desconcertos
; neste
s-
culo
de
aturada
lida
de
paixes
desenfreadas,
um
li-
vro
de moral que
falle
ao corao
linguagem
meiga e
de
paz, que
lhe
entranhe
sentimentos
puros
de
bene-
volncia, de
virtude
e
de
Religio,
um
dom
do
ceo,
como
o
farol de
salvamento em
noite
de
cerrao
e
tempestade
para
o
nauta
perdido
que
vaga
merc
das ondas,
a
nova
de
perdo
para o
infeliz condem-
nado
morte
e
j
sem esperana, que est
escuta
da
hora fatal, que
lhe
marca o
derradeiro
instante
de
vida.
-
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Bemdita seja
a
Providencia,
que, por
mais
ingratos
que
lhe
sejam
os
homens,
nunca
chega
a
desamparal-os
quando
mais
carecem
de
remdio e
conforto
Em
tam
tristes
e
desesperados
dias,
ainda
se
no
apagou
em
to-
dos
os
coraes
o
amor
da
virtude
e
o respeito
s
cren-
as de
outras
eras,
ainda
ha
quem
se doa de
ver
como
os
nimos
vo
tam
inquietos
e
resentidos,
tam
cheios
de
rancor
e
de
malquerena,
e
ponha todo
o
esforo
em
lhes
applicar
remdio:
bem
como a
planta
emmur-
checida
e sequiosa
mingoa
de
cuidoso
trato e cul-
tura,
em lhe
lanando
uma
gota de
agua
vai tornando
a
si
e
chega
a
recobrar
o
vio
perdido,
assim
o
amor
da
virtude
e dos
bons costumes, definhado e
esmore-
cido
no
corao
do
homem,
ha de
ir
revivendo
com
o
exemplo a
pela medida
que
lhe
forem
lanando
algu-
mas gotas
de
blsamo
de
Religio e de
moral
christaa.
Honra
a esses
poucos
escriptores,
que
se
no
deixam
levar
da
indifFerena
e desleixamento,
que mais parece
desprezo e
desamor
da
humanidade
em
lhe
no
procu-
rarem preservativo contra a
lepra que tam
funda
e
as-
querosa
lhe
vai lavrando,
do
que
receio
de
lhes
ficar
baldado
e
intil
seu
trabalho;
persuadidos
talvez
de
que,
por
mais que
fallem,
a sua linguagem ha
de
ser
sempre
um
dialecto
estranho
e desentendido; por mais
que
gritem,
ho
de
encontrar
sempre
ouvidos
cerrados
e
ensurdecidos,
e
que
por
mais
que escrevam,
e mostrem
com
vivas
cores
luz
do
meio
dia
o
painel
de
costumes
devassos
e soltos, ho de
topar sempre
com
olhos
fie-
-
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chaclos.
Honra
a
todos
esses
espritos i
Ilustrados e bem-
fazejos
desta
nossa
poca,
que
tanto
se
esforam
por
arraigar de novo a arvore
da
Religio
e do
Christia-
nismo,
j
quasi
extica
entre ns. Eterna
gratido a
essa
alma
pura e singella, a
essa
voz
eterna
e
edifica-
tiva de
Silvio Pellico,
que tam
suave
e affectuosa
nos
entra
no
corao.
Este
seu
livro,
cujo
titulo
j
tam
conhecido,
uma
Odyssa
christa,
cheia de sublimes
pensamentos
de
filosofia
moral,
e
de
simples
e evang-
lica poesia,
um modelo
de resignao e
de Religio,
o
livro
do
povo,
que merece ser
lido
por
todas as
classes e
traduzido
em
todas
as
lnguas.
Nestes
tempos
de
instabilidade
de
fortuna,
em que
de
dia para
dia
mudam
a sorte e
o
destino
do homem
merc
das
ambies,
nestes
tempos
de
vicissitude
de condies
hu-
manas
que
este
livro
deve andar
pelas mos
de
to-
dos,
e ler-se
com
mais
avidez, e
meditar-se
com
mais
reflexo.
Aqui aprender
o
affligido e atribulado a
le-
var
com
pacincia
os
trabalhos
e angustias da
vida;
aqui
deparar
com
allivio e conforto
o
triste
e
perse-
guido,
a quem
coube
a m
ventura de habitar
a
mo-
rada do
crime,
e
de
ver
murchar-se-lhe
a
flor
dos
an-
nos
encarcerado
em
lbrega
enxovia;
aqui
aprender
a
escudar-se
de
coragem e
resignao
o
desgraado
ao
ouvir
ler
a sua
sentena
de
morte; e
o
infeliz
subir
menos
convulso
at
ao
ultimo
degro
do
cadafalso;
lon-
ge
de
sua
doce
ptria
e
dos
seus
mais
caros
amigos,
desenganado
da
esperana
lisonjeira de tornar
a
ver
e
-
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apertar
em seus
braos
os
queridos
entes
que
lhe de-
ram
o
ser,
o desditoso
peregrino
e
desterrado
em terra
alheia
ir
pouco
a
pouco
mitigando
o
vivo sentimento
da saudade,
que
tanto
lhe
chora
n'alma;
aqui
achar
conformidade
o enfermo
cortido
de
dores
espera
da
hora
do
passamento e sem
poder
despregar
os olhos
do
logar
de seu
futuro
jazigo.
E
qual
corao
haver
ahi
tam
resequido,
que
se no
doa
dos tractos e
tormentos
por
que
passara
aquelle
homem virtuoso?...
quaes
olhos
nunca affeitos
a
chorar, d'onde
no
rebente
uma lagri-
ma
ao ler
algumas
paginas
deste livro,
que
tanto
nos
enleva
e
arrebata?...
Tal
foi
o
interesse
e
affeio
que
me
inspirou
n'alma este
pobre preso
em
idade
flrida,
condemnado a
viver
vida
de angustias
por
tam
largo
espao
de annos;
qual
outro
canto de cisne, tanto me
soaram
dentro
do
corao os
seus
meigos
accentos de
dor,
tanto
me
encheo de
ternura
e
consolao
a
lei-
tura
deste
livro, e
tanto me commoveo
que o no pude
ler
a
olhos
enxutos
e protestei logo
traduzil-o
para
o
tornar
a
ler
s
comigo uma e
muitas vezes. Succedeo
porm,
que,
instado por
amigos,
a
quem
mostrei al-
guns
pedaos
desta
traduco, e
mais
que
tudo
pelo
de-
sejo
que tenho
de
fazer
vulgarizar
os
princpios
de
mo-
ral
e rectido
em
que elle
tanto
abunda,
eu mudasse
de teno,
e me
afoite hoje a
dal-a
luz tal
qual
a
verti
em
linguagem. Por
muito
inferior a
tenho
eu, e
ousadia fora
comparal-a com a
expresso
sentimental
e
genuina
que constitue uma
das
grandes
bellezas
do
-
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XI
original;
mas
o
Publico,
nem sempre
severo e
rigoroso,
desculpar
os
muitos
deffeitos
delia,
bem
persuadido
de
que
eu,
mesquinho e
apoucado
engenho, no
aspiro
a
gloria
tam alta
como
de
escriptor
publico, para o
que
fra
mister mais cabedal
de conhecimentos, mais
atu-
rada leitura, e
talento
menos escasso.
(Prefacio
da
/.
a
edio).
Coimbra,
Setembro
de
1841.
F.
A.
DE
MELLO.
-
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-
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ELOGIO
HISTRICO
DO
SCIO
DO
INSTITUTO D
ACADEMIA
DRAMTICA
FRANCISCO
ANTNIO
DE
MELLO
RECITADO
NA
SESSO
SOLEMNE
DO
1.
DE ABRIL DE 1849
PELO
sono
FRANCISCO
DE CASTRO
FREIRE.
lio
extranheis,
senhores,
que
nesta
reunio
solem-
ne,
consagrada
unicamente
commemorao
dos
nos-
sos scios finados, venha
eu, para
quem
so desconhe-
cidas
as flores da
eloquncia,
occupar este logar,
e no
hesite
invocando
os
direitos, ou
antes
os deveres
da
amizade,
em
pagar,
em
vosso
nome,
uma
divida
de
saudade e
lagrimas
memoria do
nosso
fallecido
scio
o
sr.
Francisco Antnio
de Mello.
No o
extranheis, senhores.
Tendo
sido forado
pe-
los
titulos
sagrados
da
amizade
a seguir
at
ao jazigo
fnebre
o
fretro
deste
nosso
conscio,
um
dos
poucos
amigos
da infncia
que a
morte
ainda
me havia
pou-
-
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XIV
pado:
tendo
sido
forado
a
dar a
volta
chave
fatal,
que
para
sempre,
c
na
terra,
me
escondeu,
com
os
restos
mortaes
do
amigo,
um
corao que
chorava
com
as
minhas
maguas
e que
se comprazia
com
as
minhas
venturas; um corao
onde
palpitaram
constantes
os
sentimentos da
mais
firme e
nunca desmentida
affei-
o:
cumpria-me
por
isso
tambm
lanar
aqui
hoje,
primeiro
que
todos,
sobre
o
seu
tumulo,
e
depois
de
regadas
com
as
minhas
lagrimas,
as flores
da
saudade,
que
vs,
pela
maior
parte mancebos
cheios de
vida,
trou-
xestes
em
tributo
espontneo
a esta festa
dos
mortos.
Alm
disto,
senhores,
sigo
assim,
como
me
dado,
uma nobre
practica encetada
nesta
casa
por
occasio
de
se
memorar
a
perda
do primeiro
dos
nossos
scios,
que
a
morte nos
roubara
(a)
;
sigo
uma
practica
que
vs
hoje acabaes
de
ver
imitada
pelo
eloquente
e digno
scio
que
me
precedeu
(6).
Sei
que a minha
voz
frouxa,
e que
mal
poder
de-
senhar
em
quadro breve uma
vida curta
sim,
mas
abun-
dantemente
entretecida de
virtudes
e
talentos;
anima-
me
porm a
esperana
de
que
a
verdade
dos
traos,
e
()
Allude-se
ao
elogio
histrico
do
scio
o
sr.
Joo
de
Vascon-
cellos Pereira
Coutinho
de
Mendona
Falco,
recitado
pelo
scio
o
sr. Manoel
Maria
da Silva
Bnischy, e
publicado
no n.
6
da
Revista
Acadmica.
(b) O
sr.
Antnio
Joaquim
Ribeiro
Gomes
d'
Abreu,
que
nesse
mesmo
dia
recitou
o
elogio
histrico
do
scio
do
instituto
o
sr.
Hen^
rique
Jos
de
Castro;
-
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a
expresso
sincera
da
minha
dor,
suppriro
em
parte
este
deffeito.
No
reino do
Algarve
e
na cidade
de
Tavira
nasceu,
aos
17
de
outubro
de
1804,
o
nosso
chorado
scio
o
sr. Francisco
Antnio
de
Mello, de pes
no
abastados
em
bens
da
fortuna,
ricos,
porm,
de
sentimentos
chris-
tmente
virtuosos e honrados.
Alli,
imbudo desde
en-
to
nestes
sentimentos,-^
que plantados desveladamente
em
seu tenro
corao se radicaram
como em
terreno
prprio, e cresceram
depois
viosos
debaixo daquelle
sol
mais
creador,
a
ponto de
no
vergarem
nunca
com
as
tempestades das paixes nem
com
as seducoes
dos
mos exemplos,
passou
o
nosso conscio
a
sua
infn-
cia
at
edade
dos
onze annos, tendo
concludo
por
esse
tempo
o estudo das primeiras
letras,
para o qual
mostrou grande
amor
e
inclinao.
Regressava
por
essa
epocha
das
suas
viagens
scienti-
ficas,
que
por
ordem
do
nosso
governo,
fizera
pelo
in-
terior
da
Frana, pela
Hollanda,
Blgica
e
Itlia,
seu
tio,
o sr.
Manoel Pedro
de
Mello,
lente
de
Mathematica
nesta
Universidade.
Este
homem
extremamente
am-
vel,
este
sbio
distincto*
de
quem
eu
me
ufano
de
ter
sido
discpulo,
e
a
quem
devi,
em
memoria
s
cinzas
de
meu pae, amizade
e
proteco;
reunia
celebri-
dade
do
seu
nome, entre
conterrneos
e
extranhos,
como
mathematico
abalisado,
consummado
filosofo,
h-
bil
e experiente
engenheiro,
e
litterato
profundo
so-
-
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lida religio e
todas
as virtudes sociaes
que delia
deri-
vam;
distinguindo-se entre
estas as
de
bom
parente
e
soccorredor
de
sua
famlia,
Assim
um dos seus
primei-
ros cuidados,
logo
depois
da
sua
volta,
foi o
de
chamar
para
esta
nossa
Coimbra
e
para
junto de
si,
aquelle
so-
brinho,
que,
na
boa estra dos seus primeiros
estudos,
deu
abonos
de
distinco
para
os
estudos superiores
e
para
as scieneias,
Estas
esperanas
no
falharam;
e
ao
passo
que
o
nosso
scio
ia percorrendo
brilhantemente
o
circulo dos estu-
dos preparatrios,
no tracto
com
o
seu virtuoso tio,
e
nos
exemplos
contnuos
que
este
lhe
dava,
fortificava-se
nos
bons
e
sos
princpios da
sua
primeira
educao,
e
ad-
quiria
essa urbanidade
singela
e
affavel,
que
unida a
muita
bondade
e
grandeza d'alma,
formaram
depois
aquelle seu
caracter,
pelo
qual,
apezar
de um exterior
melancholico
e,
primeira
vista,
talvez
pouco
attracti-
vo,
elle
se
tornou
summamente
sympathico
para
todos
os
que
o
conheceram.
Hesitando entre o
estudo
das
mathematicas,
para
as
quaes
tinha
reconhecida
aptido,
e o
de medicina,
de-
cidiu-se
por
esta
ultima
sciencia.
Longo,
porm,
e
cheio
de
angustias
foi o
perodo
desta
sua
terceira
epocha
lit-
teraria.
As
idas
de
reforma
e
liberdade
que
no
anno
de
1820
comearam a
ser
proclamadas
no
nosso
paiz,
acharam
echo
prompto
e
fcil
nos
coraes virgens
dos
mance-
bos
que
ento
frequentavam
a
nossa
Universidade,
e
-
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23/326
XVII
que
embalados
nos
sonhos
de
Esparta
e
Roma,
e sem
poderem
avaliar
ainda
os
muitos
descontos
que
devem
dar-se
nas cousas
humanas,
levavam na fora
do
seu
enthusiasmo as
theorias
liberaes s suas
consequncias
as
mais
exageradas.
Assim a
reaco,
que
estas
idas
soffreram
em
1823
devia
encontrar
muitos
destes
cora-
es
insoffridos, e
como
abafando
debaixo
de
idas re-
trogradas.
J
ento
o
nosso
Portugal
comeava
a ser
victima dos dios
e
dissenes politicas,
que, por mal
nosso, o
tem
dilacerado tanto,
e promettem,
se
Deos
se
no
de de
ns,
de
o
levar
sua ultima
ruina,
e
de
o
riscar
do
numero
das
naes.
Por
occasio
de
uma
festa
acadmica
em
que se celebravam
as
ultimas mudanas,
commetteram-se
imprudncias,
e
perpetrou-se
um cri-
me.
Os
rastos
deste
no
se
poderam
descubrir:
mas
as
imprudncias
trouxeram
em
resultado
a
priso
de
grande
numero
de acadmicos,
pela
maior
parte
innocentes.
O
nosso
scio
foi
uma das victimas,
e
teve
de ver
por
este
motivo
interrompida
a sua carreira
litteraria,
at
que
outra faze
politica,
lanando
o
vo
da
amnys-
tia
sobre
estes
acontecimentos,
o restituiu
liberdade.
No
entretanto
sobreviveu
para
atormental-o
uma
mo-
lstia
fatal
na
sua
famlia,
da
qual
se
pde escapar,
no
evitou
comtudo
que delia se
lhe
originassem
os primei-
ros
symptomas
de
novas
enfermidades,
que
progredindo
pouco
a
pouco, e
amargurando-lhe
successivamente a
existncia,
conseguiram
mais
tarde
roubal-o
vida
na
flor
dos
annos.
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
24/326
XVIII
E
no
bastava
tudo isto
para
provar
a
sua
pacin-
cia.
Seu
tio,
aquelle
segundo.
pae
carinhoso,
que
lhe
havia
proporcionado
a
espectativa de
uni
futuro
lison-
geiro, foi
tambm
victima innocente
em
1828
das
nos-
sas fataes
dissenes.
Homiziado,
para
evitar
maior
per-
seguio,
na
casa
generosamente
hospitaleira
do
virtuoso
Capito
mr
de
Murtede
o
sr.
Antnio
Jos
Affonso,
e
alli,
quasi
sempre separado
de
sua
virtuosa
esposa,
de
um filho
innocente
e
do seu
querido
sobrinho,
arrastou
atribulado,
apezar
dos
carinhos
e
assduos
cuidados
da-
quella
boa
famlia,
uma pesada existncia
de
quatro
an-
nos
decorridos
at
ao
dia
13
de
abril
de
1833,
em
que
uma
apoplexia fulminante o roubou
vida
na
edade
de
68 annos.
Se nesta
lucta com
as
enfermidades
-do
corpo,
e
com
as dores
d'alma
ainda
mais
pungentes, no
afrouxou
a
pacincia
do
nosso
conscio;
cerlo
que
o
seu
espi-
rito avergou
um
pouco
com
tanto
pezo,
e d'ahi
lhe
pro-
veio
aquelle
ar
de
resignada
melancholia
e
uma
certa
timidez,
bem natural
s
almas
sensveis,
quando se lhes
rasga
o
vo
das doces
illusoes,
e encaram finalmente o
mundo
real
e
descarnado
com
todas
as
suas
misrias.
A
esta
timidez
porventura, e em muito grande
parte
ainda aos
tristes
preconceitos
polticos,
devemos
attri-
buir
o no
se
haver
feito
devida
justia
ao
seu
mrito
litterario
nos
ltimos
annos
da
sua
formatura.
Concluda
esta,
e
seguindo-se
logo
a
morte
do
seu
bom
tio, no
hesitou,
por
gratido
s
suas
cinzas,
em
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
25/326
XIX
unir
a sua
sorte
da
viuva
e filho do seu
bemfeitor,
aos
quaes
prestou
sempre
todo
o
amparo
que coube
em
suas foras, e consagrou at
morte
o mais extremoso
affecto.
Data
de
ento a
sua
vida
clinica, a
qual
encetou
como
ferveroso
sacerdote. Mal
convalescido ainda
da
cholera-morbus,
que
ento
com
os
outros
dois
lagel-
los de Deos, parecia querer acabar com esta
nossa
terra,
e chamado
para
dirigir um hospital, que para
os
en-
fermos desta
epidemia
se
organisra no
convento de
S.
Francisco
da
Ponte,
acudiu
logo;
e
charidoso
e des-
velado
occupou-se
todo,
no
s
em
soccorrer
os
doen-
tes
com
os remdios da
arte, mas
tambm em
dirigir
e
zelar
os
escassos soccorros,
que para
a sustentao
daquelle hospital lhe
foram
consignados.
Tereis
visto, senhores,
o
retrato que
o
sbio e
vir-
tuoso
Hufeland
fez
do
homem
que
.desempenha,
como
deve,
o sacerdcio
da
Medicina no menos
respeitvel
que o sacerdcio
dos
altares. Este retrato,
ouso di-
zel-o
o
do
meu
amigo,
o
do scio
que
hoje
chora-
mos.
E
se
no
interrogae
a
memoria
ainda
fresca
da
maior
parte
das
famlias
desta
cidade,
no
s
as
abas-
tadas, mas as
mais
pobres e
desvalidas,
que
todas,
com
uma
s voz, respondero: que no conheceram
nunca
medico, que
o
excedesse
no desapego
a
idas
de inte-
resse;
no desvelo
pelos
seus doentes;
na
assiduidade e
atteno
que
lhes
prestava;
na
charidade
com
que
os
ouvia; e
na
consolao
que
sabia
derramar
pelos cora-
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
26/326
coes
dos que
os
cercavam.
Nem
os
progressos
das
suas
enfermidades
poderam
afrouxar
o
zelo,
com
que desem-
penhou
sempre
as
obrigaes
deste
seu
ingrato
minis-
trio;
zelo
excessivo
ao qual
se
deve
talvez
a
mais
breve
terminao
dos
seus
dias.
Foi
com
estes
ttulos,
que
elle
grangeou
a estima
geral, e
que
se
tornou
bemquisto
de
todos
os partidos,
sem
que
influencia
destes,
mas
sim
daquella,
se
deva
attribuir
a sua eleio
para
os
cargos
de
conselheiro
da
municpio
e
do
districlo,
que
por
vezes
occupou.
E
de tudo
isso ainda lhe
sobravam
horas
que dedicava
ao
estudo
das
boas
letras,
e
principalmente
ao
da nossa
hella
lingua
portugueza.
Esta
escolha
de
estudos,
com
que
se
feriava
das suas
occupaes, revelam
o quanto
era de
bem
formada a
sua
alma,
e quam
grande
era
o
seu
patriotismo,
porque vs bem sabeis, senhores,
que
no
amor
da
nossa lingua
vai a
dose
maior
do
amor
pela terra
e pelas
cousas
da ptria.
Na
aturada
lio dos
nossos clssicos
adquiriu elle
colheita abundante
de
linguagem pura;
e
nestes
pontos
chegou
o
seu voto
e
o
seu
conselho
a ser de
grande
pezo para
os
muitos
que
o
consultavam.
No
exercido
de
traduzir e
verter
para a
lingua
ptria
os
bons
es-
criptos
das
alheias,
ganhou
avultado cabedal
dos
conhe-
cimentos
practicos da
propriedade,
copia,
indole e
mys^
terios
dos
termos da nossa
lingua.
Como
provas
ahi
nos
deixou
nessas
publicaes
peridicas
que
sahiram
luz
debaixo
da
responsabilidade
do
Instituto,
algumas
das
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
27/326
\\i
formosas
paginas
que
tanto
accreditaram
aquellas
pu-
blicaes.
Lede,
senhores,
no
1.
volume
da Chronica
Littera-
ria, a
traduco do
hespanhol
para
excellente
portu-
guez,
de um artigo
sobre
Mr.
de
Lamartine,
no qual
se
d
o
verdadeiro
apreo
ao
mrito
sublime,
como
poeta,
do
cantor das
Meditaes
e
das
Harmonias
reli-
giosas.
Lede
aquelle seu
Prefacio
verso do
italiano das
Minhas
Prises de Silvio
Pelico,
de
que
logo
fallarei,
desse
prefacio
que, segundo
lhe
escrevia
o
nosso
scio
e
mximo
litterato
o
sr.
Agostinho
de
Mendona
Fal-
co, era
bastante
s
por si para
documento
sobejo das
suas
muitas virtudes, e
dos dotes
innegaveis para
es-
criptor da
lingua portugueza.
Lede,
finalmente, no
2.
volume
da
Chronica^
aquella
traduco
das
Lagrimas
de
Elisa
desse
trecho
tam
sentimental
e
melancholico, dessa
epopa
de dores e
angustias
por
que passa o pobre
corao de uma
mu-
lher
sacrificada
barbaramente
nas
mais
doces
aflfeies
do
seu
corao.
Tambm
cultivou
com
aproveitamento
os
amenos cam-
pos
da
poesia,
porm
aquella
sua
timidez
e
natural
mo-
dstia levaram-no
a
rasgar
ou
queimar
a
maior parte
destas producoes.
Somente
em alguns
desses
livros,
que
hoje
se
consagram s
preciosas
memorias
da
ami-
zade,
escaparam
alguns fragmentos:
e
eu
bem
desejara,
senhores,
poder
repetir-vos
aqui
alguns
delles:
um
*2
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
28/326
XXII
principalmente
em
que
elle
derrama,
em
sentidos
ver-
sos,
religiosas
consolaes
no
corao
de
uma
triste
me
viuva,
que
s
com
blsamos
destes
tem
podido
mitigar
a
saudade
de
um
filho
virtuoso
e
nico,
nosso
commum
e
nunca
esquecido
amigo
da infncia,
morto
no vio
da
edade
e
das
esperanas
mais
lisonjeiras
(a);
quizera
repetil-o
aqui,
para
que
melhor
podesseis
avaliar
a
tem-
pera
sonora
daquella
alma
sensvel.
E
voltando
agora
aquella
sua
traduco
das
Minhas
Prises,
o
maior
floro
da
sua coroa
litteraria;
eu
no
vos
canarei
em
elogiar,
com
os nossos
Casilhos
e
pri-
meiros
litteratos,
o
aprimorado
merecimento
daquelle
seu
trabalho,
nem
em
tecer
o
panegyrico
daquelle
livro,
que
attrahiu
a
sua
escolha,
daquelle
verdadeiramente
livro
de
oiro,
repassado,
desde
a
sua
primeira
at
ultima
pagina,
de
sincera e
ardente religio,
de
amor
practico
de
Deos
e
dos
homens;
e
que,
segundo
a
frase
de
um
escriptor
francez,
mundano e
terrestre
como
,
captivando
pela
sua
realidade,
interessando
como ro-
mance, pode
sem receio
depositar-se
em
todas
as mos,
at
nas de
uma
virgem
no
dia mesmo da sua
coramu-
nho,
O
nosso
scio,
a
quem
a
leitura daquelle
livro
fez
(a)
Manoel
Matinas Vieira,
repetente
e bacharel
formado
na
fa-
culdade
de
mathematica,
onde
se
distinguiu por
seus
talentos,
e foi
premiado
em
todos
os
annos.
Morreu no dia 29
de
abril
de
1834,
aos
'i5
annos
edade,
Jaz
ria
capella
do
cyImjIo
coHeiru de
Santa Rita
de
Coimbra.
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
29/326
XX11I
derramar
lagrimas de
ternura por mim
presenciadas,
bem
disse
a
Providencia
pelo
presente
que
lhe enviara,
e considerando
o
auxilio e
conforto que
a sua leitura
poderia levar
aos
tantos coraes que soffrem,
os ran-
cores
e malquerenas que poderia destruir,
protestou
logo
traduzil-o, e
com
animo
charidoso,
e
a
instancias
de
amigos,
decidiu-se
a
publical-o.
O
Instituto soube apreciar
a
tempo
tanto
mrito e
tantos
talentos,
e
poude honrar-se
com
todos
estes seus
trabalhos,
tendo
escripto, logo na
sua
installao,
o seu
nome
entre
os dos seus scios.
Nesta
obra
sancta
da
civilisao
pela
arte,
foi eile
um
dos
obreiros
os
mais
assduos.
Censor quasi
perpetuo
das
publicaes
litte-
rarias
do Instituto,
desempenhou este
cargo com
o
mes-
mo
zelo
que applicava a tudo
o
que
se
lhe
incumbia.
Censor de
algumas peas
dramticas,
apresentou
sem-
pre
o
seu parecer
com
a
conscincia
do
homem
probo,
que
no
se
deixando
prender
por
cantos de
sereias,
no
receia,
quando
preciso, vir
apontar
com o dedo
para
a
immoralidade
escondida debaixo
de
flores.
Final-
mente,
no
s foi,
como
j
fica
dito,
collaborador,
se-
no
tambm,
muitas
vezes,
redactor dos
nossos
peri-
dicos
litterarios.
Porm,
senhores,
o aperto do
tempo ora-me
a
dei-
xar
em
silencio
muitos
outros
louvores,
que eu
pode-
ria
ir
buscar
sua
vida
publica e
privada,
e
a des-
enrolar diante
de
vs
a
ultima pagina
luctuosa
da sua
vida.
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
30/326
XIV
A
morte
que
ao
principio
insidiosamente
atacara
o
nosso
scio,
havia-se
adiantado
a
passo
largo, e
j
nos
fins de
1845
estivera
a
ponto
de
lhe
cortar
os
fios da
vida,
Fez
ento
uma
pequena
pausa;
porm
elle
no
se
illudiu,
e
conhecendo
que
era
com
fim
de
descarregar
golpe
mais
seguro,
tractou
de
prepara
r-se
para
a
jor-
nada
da
eternidade,
fazendo
no
principio
de
1846
uma
confisso
geral,
e
soccorrendo-se
sua f, cada vez mais
viva
nos
auxilios
da
religio,
para arrostar
com as
an-
gustias
que
j
ento soffria,
e que
estava
certo
haviam
de
crescer
progressivamente.
No
vos
aligirei,
senhores,
demorando-me
na
des-
cripo
destes lances
dolorosos; e
s
para que delles
faaes
leve
ideia,
accrescentarei que nas vsperas da
sua
morte,
elle
se
viu
obrigado a prescindir do nico
refrigrio
que ainda
lhe
restava,
o
da
companhia e con-
solaes
dos
seus
amigos,
porque
os
amigos
lhe
rouba-
vam
o
ar,
cuja
falta
lhe
dava
as
ancis
da
morte.
E
a
morte, que elle
j
invocava como
libertadora*
veiu
finalmente
acabar com
s
seus
tormentos,
e
des-
prender
para o
seio de Deos a sua
alma
involta
nas
consolaes
da
religio,
e
nas
oraes
dos
seus
amigos.
Foi no dia,
para
mim
nunca
esquecido, 14
de
janeiro
de
1847.
O
seu
testamento
foi
o
epilogo
de
uma
vida
tam
vir-
tuosa.
Escripto
com
a
conscincia
da
morte
prxima,
e
com
a
hora
marcada
quasi
profeticamente,
so
nelle
para
edificar,
e
para
fazer correr
lagrimas
dos
coraes
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
31/326
XXV
os
mais
frios, as
palavras
de
compuno
com
que
aquelle
Anjo
se
humilha
perante
a
Bondade
Suprema,
e
lhe
pede perdo
de suas culpas
e
fragilidades;
as
palavras
com
que honra a
memoria dos seus virtuosos
pes
e
parentes, aquellas que
dirige
agradecido
viuva do
seu
bemfeitor
e
sua
famlia
pelos
cuidados e
carinhos
com
que
o
tractaram
na
sua
doena.
Na
repartio
dos
seus
poucos
haveres
quiz
pagar
todas
as suas dividas de
amizade
e gratido.
Os
seus
ntimos
receberam penhores
da
sua affectuosa
saudade.
A
mim
legou-me,
entre
outras memorias,
uma
obra
de
suas
mos,
concluda
oito
dias
antes
da
sua
morte,
e
que
ento
pela primeira vez
me
esteve
mostrando
pla-
cidamente,
occultando-me
o
seu
destino
A
confraria
da
Misericrdia, de
que era
medico
e
ir-
mo, o
acompanhou
com
as
honras
fnebres
at ao seu
jazigo,
que,
por
sua
disposio,
foi
o
adro
lageado
da
igreja
do
mosteiro
de
Sancta
Clara.
Parece
que
a
sua
alma
queria
regozijar-se
com a ideia,
de
que
as ora-
es
daquellas
boas
freiras,
que
amava
como
irmas,
reboando
pelo
templo
e
misturadas
com os solemnes
sons
do
rgo,
sahiriam
pelo
portal,
e
viriam bater
so-
bre
a
sua
loisa
para
de
l
se
repercutirem
para o
co.
O aspecto
dos
que
acompanhavam
o prstito
fnebre
era
profundamente triste;
ouviram-se
muitos
elogios;
correram
muitas lagrimas,
e
estas eram
misturadas
com
as
de
muitos
pobres,
a
quem
elle
tinha
tractado
e
soccorrido.
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
32/326
XXVI
Concluirei,
senhores,
repetindo
uma
passagem,
que
ha
pouco
encontrei
no
nosso
Fr.
Amador
Arraes,
n'um
exemplar
que
pertenceu ao
meu
amigo,
e
a
qual mar-
cada por
elle
com
um
signal,
nos servir, como estou
certo serviu
a
elle,
de
refrigrio.
Diz
assim
:
Ditoso
o
que
passa
por
dores
e
tribulaes,
e
nesta
vida
exer-
citado
como
em
um
campo
de
pacincia
e
uma
con-
tenda
de
gloria.-
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
33/326
AS
IIIH1S
PRISES.
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
34/326
Homo natus de
muliere,
brevi vivens
tempore^
repletar
mutti
nseriis.
Job.
C.
XLV.
1
Q
homem
nascido da mulher,
que
vive
breve
tempo,
cercado
de
muitas
misrias.
Job. log.
cit.
ftrad.
de
*
Pi
de
Fig>)
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
35/326
.
iLm
uma sexta
feira, 13
de
outubro de
1820,
fui
preso
em
Milo
e
escoltado
at
Santa
Margarida:
eram
trs horas
da
tarde.
Tive
de
soffrer um
longo
interro-
gatrio, que durou todo
aquelle
dia e
alguns
dos que
se
lhe
seguiram.
Mas
no direi cousa
alguma
do que
alli
passei:
como timbroso
namorado, que
protesta re-
sentir-se
da
amante
que
o maltrata,
assim
eu
dou
de
mo
politica e fallarei
de
outra
cousa.
s
nove
horas da
noite
daquella
malaventurada
sexta
feira,
o
escrivo me entregou
ao
carcereiro, o qual
con-
duzindo-me
logo
ao
quarto
que
me
fora
destinado,
me
pedio
com
certo
ar
de
polidez,
que
houvesse
de
confiar-
lhe
o
meu
relgio, dinheiro, e
o
mais que
trouxesse
na
algibeira,
o
que
tudo a
seu
tempo
me seria
restitudo,
depois
do
que
se
retirou,
dando-me respeitosamente as
bas-noites.
1
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
36/326
AS
MINHAS
PRISES.
Esperai
um
pouco,
amigo,
lhe
disse
eu;
mandai-
me
dar
alguma
cousa
de
comer,
que
ainda
estou
sem
jantar.
Promptamente,
senhor,
que
o
remdio
no
est
longe;
e
o senhor
ver
o que
bom
vinho ...
Vinho ...
no
o bebo.
Espantado
com
similhante
resposta,
Angelino
fitou
os olhos
em
mim,
persuadido
de
que eu
gracejava:
os
carcereiros
que tem
taberna
por
sua
conta
horrorizam-
se
do
preso
que no
bebe
vinho.
No
o bebo,
seriamente.
Pois
condoo-me
de
vs,
senhor,
que
assim
tereis
de
soffrer
em dobro as
tristezas
da
solido...
E desenganado
de que eu
lhe fallava
com
seriedade,
saio:
e em menos
de
uma
hora
trouxe-me
de
jantar.
Enguli
alguns boccados,
bebi
um
copo
de
agua,
e
fi-
quei
s.
O
quarto
era trreo, e
dava
sobre um
pateo:
pri-
ses
direita,
prises
esquerda,
prises
por
cima,
e
prises defronte...
Encostei-me
para
a
janella, e
alli
me
deixei
ficar
por
algum
tempo
a reparar
na
afervorada
lida
dos
guardas
e
no
cantar
frentico
de
muitos
dos
presos.
E entrei
a
considerar...
Vai em um
sculo
que isto
aqui
era
um
mosteiro ...
Das
sanctas
e
penitentes
vir-
gens que
ento
o
habitavam,
quando
que pela
mente
lhes
passara,
que
suas
cellas acostumadas
a
feminis
ge-
midos
e
a
devotos
hymnos,
viriam ainda
pelo discorrer
dos
tempos a
tornar-se
a
estancia
de homens de
todas
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
37/326
CAPITULO
I.
as
condies,
destinados
a
maior
parte
s gals
e s
for-
cas...
e
em
que
nellas
haveriam
de
resoar cantigas
tor-
pes
e
blasphemas ...
E
daqui
mais a
um sculo,
quem
respirar
nesta
morada?
Ai tempo...
que
tam
rpido
foges ... Oh
perpetua
instabilidade
das cousas ...
E
o
que vos
contempla
ainda
ousa
lastimar-se, porque
a
fortuna
deixou
de
sorrir-lhe,
porque
se
v
sepultado
em um
crcere,
porque
o
ameaa
um patbulo ?...
On-
tem
era eu
ainda
um
dos
mais
felizes mortaes
que
ha-
via
no
mundo ...
Hoje...
eil-as
perdidas,
todas as do-
uras que
faziam o
encanto
da
minha existncia
Li-
berdade,
convivncia
com
os
amigos,
esperana...
ai
tudo
se
acabou
para
mim ...
No,
no
me
fascinas,
louca
illuso Bem
sei
que
j
daqui no torno
a
sair,
seno
para
ser
ferrolhado
em mais
hrridos calabou-
os,
ou para ser
entregue
a
mos
de algoz...
Embora ...
que
esse
dia,
que
houver
de
seguir-se
ao
da
minha
morte,
ha
de
ser
tal, como
se
eu
vivera
em
um palcio,
e
como
se dalli fora
Jevado
com
as
honras de
mais
lu-
zida
pompa ao logar da minha
sepultura.
E
assim
reflectindo na rapidez com que
foge
o
tem-
po,
minha
alma
se
ia
fortalecendo.
Mas
a
lembrana
de
meu
pai, de minha mi, de meus
dois
irmos,
de
minhas
duas
irmas,
e de outra
familia que
eu
amava
com
tanto extremo
como
se
fosse
minha,
veio
ento
apoderar-se-me
do
espirito
com tal fora
e
predom-
nio,
que
me
embargou
todas
as
reflexes
filosficas.
E tanto
me
enterneci, que
chorei
como
uma
criana.
*
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
38/326
AS
MINHAS
PRISES,
II.
Havia
trs
mezes
que
eu
estivera em
Turim,
onde
tive
a
ventura
de
tornar
a
ver,
depois de
alguns
annos
de
separao,
os
meus
queridos
pais,
um
de
meus
ir-
mos e
minhas
duas
irms.
Toda
a
nossa
famlia
se
amara
sempre
tanto Nunca
houve
filho,
que mais
cu-
mulado
fosse dos
benefcios
de
seu
pai e
de
sua
mi.
Oh ...
e como
ao
tornar
a
ver
estes
velhos
venerandos,
no
sentia
commover-se-me
o
corao,
achando-os
desfi-
gurados
pela
idade
muito
mais
do
que imaginara
Quam
grato me no fora
ento, o
nunca mais
separar-me
delles,
e
o
dedicar-me
affanoso
a lhes
suavisar
o
pezo
da velhice
Qual no
foi
o
meu pezar, nesses
poucos
dias que
me
demorei
em
Turim,
por
ter
de
cumprir
tantos deveres,
que
me
consumiam
o tempo
todo,
e
que
me
no
dei-
xavam
ter
a
consolao
de
estar
sempre em
casa,
na
companhia
de
meus queridos
pais
A
minha
pobre
mi
exclamava
com
amargurada
tristeza:
Ah
no
foi
para
nos
ver
que
o
nosso
Silvio
veio
a
Turim
Na
manha
em
que voltei
para
Milo, a
separao
foi
para mim das
mais dolorosas.
Meu
pai entrou comigo na
carruagem
e acompanhou-me
a distancia
quasi
de meia
legoa; de-
pois
se
partio
s...
Eu me
voltava
para
o
seguir
com
os
olhos
at
o
perder
de
vista,
e
no
podia
suster
as
lagrimas; olhava
para
um annel,
prenda
que
minha
mi
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
39/326
CAPITULO II.
me
dera,
e
no
me fartava de o
beijar:
nunca
me
des-
pedi
de
meus
pais
que
tam
angustiado
me
sentisse.
Sem
dar
credito
a presentimentos,
admirava-me
de no
po-
der
superar
tamanha dor, e aterrado
disto,
perguntava
a mim
mesmo:
donde
que
me
vem tam extraordi-
nria inquietao
como
a
que
sinto?
Parecia-me
estar
a
ler
no
meu
futuro
alguma
grande
catastrophe.
Agora
na priso, representavam-se-me
de novo
aquelle
susto e
aquellas angustias; volviam-me lembrana to-
das
as
palavras
que, trs
mezes
antes,
ouvira
da bocca
de
meus pais.
Aquella
queixa
de
minha mi:
Ah
no
foi
para
nos
ver,
que
o
nosso
Silvio
veio
a
Turim
era
um golpe de
pesada
maa
de chumbo,
que me
es-
magava
o corao. Eu me
reprehendia
a
mim
mesmo,
por
me
no
haver
mostrado mil
vezes
mais
carinhoso
para
com
elles...
Eu,
que
tanto
amor
lhes
tenho...
ex-
primir-lho
com
tanta
sequido ...
Eu, que
talvez
mais
no
tornaria
a
vel-os...
saciar-me
tam
pouco
de rever-
me em
suas feies
tam queridas ...
Ai
que tam
ava-
rento
lhes
fui
em
provas de
minha
afeio ...
E a
alma
se
me
cortava
com
pensamentos
taes.
Fechei
a
janella,
passeei
uma
hora,
cuidando
de
no
lograr
repouso
em
toda
aquella
noite.
Atirei
comigo
ao
leito,
e
a fadiga
me
adormecco.
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
40/326
AS
jYILXHAS
PRISES.
III.
O
despertar
do
somno
ao cabo
da
primeira
noite
de
priso,
cousa
horrvel.
possvel, dizia
eu,
at-
tentando
no
logar
em
que
me
achava;
pois
possvel
que eu
aqui
esteja ...
no
ser
um sonho
isto
que
vejo?...
No
ha
duvida...
prenderam-me
ontem;
ontem
que
me
fizeram
aquelle
longo
interrogatrio,
que deve
con-
tinuar
amanha...
e
quem
sabe
at quando
se
prolon-
gar?...
Sim,
foi
ontem
noite
antes
de adormecer,
que
as
lagrimas
me
correram
em
fio, ao lembrar-me
de
meus
queridos
pais...
O
repouso,
o
perfeito
silencio,
e
o
curto
somno que
me
havia
restaurado
as
foras do
espirito,
pareciam
centuplicar
a
vehemencia
da
minha
dor.
Naquella
ab-
soluta
privao de distraces, a angustia da
minha
cara
famlia,
e principalmente
de meu
pai
e de minha
mi,
logo que
minha priso
lhes
constasse,
se
me
gra-
vava na imaginao
com
incrvel fora.
E
eu
dizia:
Neste
instante,
ou
elles
dormem
ainda
tranquillos,
ou
velam
talvez pensando em
mim
com
ternura,
longe...
e bem
longe de
suspeitarem
o triste
logar
em
que
me
vejo ...
Oh ...
felizes, se a
Deus prou-
vesse
arrebatal-os do mundo,
antes
que lhes
l
chegue
a
insfausta
nova
do
meu
infortnio
Quem
lhes
dar
fora
para
supportarem
golpe
tamanho?
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
41/326
CAPITULO
III
Uma
voz
c
de
dentro
parecia
responder-me
:
Aquelle
a
quem
todos
os
affligidos
invocam,
amam
e
sentem
dentro
em si
mesmos;
Aquelle
que
prpria
Mi
deo fora
para
seguir
seu
Filho ao
Golgotha,
e
para
collocar-se
perto
de
sua
cruz o
Amigo
dos des-
graados, o
Amigo
dos
mortaes.
Foi
este
o
primeiro
momento
em
que
a
Religio
triumphou
milagrosamente do meu
corao: ao
amor
filial devo este
beneficio. Noutro
tempo,
com
quanto
eu
no fosse
inimigo
da
Religio, pouco
ou
nada me es-
merava em
a
seguir.
As
objeces
triviaes
com que
de
ordinrio
costumam
atacal-a,
no
me
pareciam
de
vul-
to,
e ainda
assim, mil
duvidas
sophisticas
affracavam
a
minha f. J
de
muito
tempo,
que estas duvidas
no
versavam
sobre a
existncia
de
Deus, e no
deixava
de
reflectir,
que
existindo Deus,
necessria
consequn-
cia
de
sua
justia
haver
outra
vida
para
o
homem
que
soffre
em
um mundo
tam injusto: e
daqui
conclua
eu,
com
quanta razo devemos
procurar
os
bens
dessa
segunda
vida: e
daqui
tornava
a
concluir,
que
era
mister
seguirmos
um
culto todo
de amor de Deus
e
do
prximo,
e
havermos
um
desejo
constante
de nos
ennobrecermos
por
meio
de
generosos
sacrifcios.
Ha-
via
j
muito, que
eu
discorria
por este modo, e
ac-
crescentava:
E
que
pois
o Christianismo seno
este
aturado
desejo
de
ennobrecer
a alma?
Admirava-me
como
revelando-se
tam
pura,
filosfica
e
inexpugnvel
a
essncia
do
Christianismo,
viesse
tempo
em que a
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
42/326
8
AS
MINHAS
PRISES.
orgulhosa
filosofia
ousasse
dizer:
D'ora
em
diante
cabe-me
a
mim
fazer
as
suas
vezes.
E
por
que
modo
has
de
tu
fazer
as suas
vezes?...
Ensinando o
vicio?
De
certo,
no;
pois,
ensinando
a
virtude?...
bem ...
eis
ahi
em
que
consiste
o amor de
Deus
e do
prxi-
mo;
,
nem
mais
nem
menos,
o que o Christianismo
ensina.
Assim,
vergonha
dizel-o,
discorria
eu
desde
mui-
tos annos,
abstendo-me
sempre
de deduzir
consequn-
cias:
s
pois
consequente ...
s
christo ...
nem
mais
te
escandalisem
abusos;
nem
mais subtilizes
sobre
qual-
quer
ponto
difficil
da
doutrina
da
Igreja,
desde
o
in-
stante em que
lhe decifras o dogma
principal
e de
to-
dos o
mais
claro:
Ama
a
Deus e
ao prximo.
Depois
que
me
vi preso, resolvi
em
fim
tirar
aquella
concluso,
e
effectivamente
a
deduzi.
Hesitei
por al-
gum
tempo,
cuidando,
que
se
algum
viesse
a
me
co-
nhecer
mais
religioso
do
que
era d'antes,
se
julgaria
com
direito
de
reputar-me
hypocrita
ou envilecido
pela
desgraa.
Mas
eu,
conhecendo
interiormente
que no
era
um
hypocrita,
nem
um
homem
envilecido,
protes-
tei
de
nunca
mais
me
importarem
quaesquer
censuras
no
merecidas;
e desde
ento
deliberadamente me re-
solvi
a
ser christo.
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
43/326
CAPITULO
IV
IV.
Com
o
anelar
do
tempo
que
pude
conseguir
per-
severana
naquelle
sancto
propsito;
mas
puz-me
a
re-
volvel-o
no
pensamento,
e
quasi
a
abraal-o
dentro
do
corao,
desde
aquella
primeira
noite
de
captiveiro.
Pela
volta
da
manha
achei-me
mais
desafogado
das
angustias
que
me
opprimiam,
e
com
o
espirito
mais
tranquillo.
Tornei
a
lembrar-me
de
meus
pais
e
de
outras
pessoas,
que
tambm
me
eram
queridas,
e
no
desesperava
da
fora
de
sua
alma...
que
tanto
me
con-
solava
a
doce
lembrana
dos
virtuosos
sentimentos
que
outr'ora
lhes
conhecera
Q*
Extraordinria
maravilha ...
Por
aue
ainda
ha
pouco
tam
grande
perturbao
me
abalava,
imaginando
qual
seria
a
delles;
e
agora tamanha confiana
tinha
na
sua
fortaleza
de
animo?...
Seria um prodgio esta
feliz
mudana?...
seria
um eFeito
natural do
maior vi-
gor
de
minha crena em
Deus?...
E
que
importa
to-
mar,
ou
no,
em
conta
de
prodgios
os benefcios
reaes
e sublimes
da Religio?...
A
meia noite, vindo visitar-me dois segundos
(assim
chamavam
os
carcereiros
subalternos), deram comigo
de
pssima
catadura.
Ao
amanhecer tornaram,
e
acha-
ram-me
tranquillo
e
animado
de
cordial
desenfado.
Com efleito
disse
Tirola,
o
senhor,
esta
noite,
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
44/326
10 AS MINHAS PRISES*
estava com um
parecer
de basilisco;
agora
j
me
no
parece
o
mesmo
;
signal
de
que
no
(ha
de
me
per-
doar)
um
malfeitor; porque os
malfeitores
(eu
j
sou
velho no
officio, e
a
minha
experincia
tem
algum
peso),
os malfeitores
esto
sempre
mais furiosos
no
segundo
dia de
priso
do
que no
primeiro.
O
senhor
toma ta-
baco?
No
uso,
mas
no
desagradeo vossa
offerta.
Quanto
vossa
observao,
perdoai-me,
mas
no a jul-
go
prpria
de
homem
avisado
como
me
pareceis.
Se
agora
de
manha
j
me
no
achais
exterior
de basilis-
co, no
poder ser
esta
mudana
uma
prova
de
nece-
dade,
ou de
facilidade
em
me
illudir,
antevendo
como
chegado
o
dia
de meu
livramento?
No o
duvidara
eu,
se
o
senhor
estivesse
na
ca-
da
por
outros
motivos;
mas por
estes
-negroci
os
d
p
Es-
tado,
e
no
dia
de
hoje...
nada...
isso
tem
mais
que
se
lhe
diga;
e
o
senhor
no
tam
simples
que
assim
o
entenda.
Ha
de
me
perdoar:
toma
outra
pitada?
Venha
ella.
Mas
como
que
se
pde
ter
cara
tam
alegre,
como
a
que
representais,
vivendo
sempre
entre
desgraados?
O
senhor
cuidar
que
por
no
fazer
caso
dos
malles
alheios:
o
por
que,
eu
mesmo
o no
sei,
a fallar
a
verdade;
mas
o
que
lhe
posso
asseverar
,
que
basta
n*
tes
vezes
me
faz
mal
o
ver
chorar; e
ento
disfaro
e
me
finjo
alegre,
para
que
os
pobres
presos
tambm
se
riam.
Bom
homem
veio-me
agora
um
pensamento, que
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
45/326
CAPITULO
IV. 11
ainda no
tive;
e
,
que se
pode ter o officio
de
car-
cereiro, e
ser
de
bem
boa
laia.
O
officio no faz
nada ao caso ...
E
perguntando-me o
que
eu appetecia para
almoo,
saio. Passados
alguns minutos
trouxe-me o
caf.
Puz-me
a
olhar
para elle
com
um
sorrir
ardiloso,
como
se
quizesse
perguntar-lhe:
Levar-me-hias
tu
um
escriptinho
a
outro
infeliz como eu, ao meu
amigo
Piero
*
?
E
elle
me
tornou com
igual
sorriso,
como
se
quizesse
responder-me
:
No senhor,
e se vos
dirigir-
des
a outro
qualquer de meus companheiros,
que
se
aprompte,
ficai
certo
que
vos
trahir.
Se
eu
e
elle
mutuamente
nos entendamos,
no
o
affiano
de certeza.
verdade
porm, que
por
dez
ve-
zes
estive
quasi
a
pedir-lhe um
pedao
de
papel
e um
lpis,
e que
me
no
atrevi;
pois
certo
no-sei-que
em
seus
olhos
parecia
avisar-me,
que
me
no
fiasse
em
nin-
gum,
e
muito
menos
em outrem que
no
fosse
elle.
v.
Se
Tirola,
sua expresso
de
bondade,
no
reunisse
olhar
tam
malicioso,
se eu lhe devisra mais
nobre phy-
sionomia,
no
teria,
por
certo,
resistido
tentao
de
*
Piero
Maroncelli,
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
46/326
12
AS MINHAS
PRISES.
fazer
delle
um
mensageiro;
e talvez
um
bilhete
meu,
chegando
a
tempo
ao
meu
amigo,
lhe
desse
fora
de
reparar
algum
descuido;
e isto
salvaria
talvez,
no
a
elle,
que
o
infeliz
j
estava
assas
denunciado,
mas
a
mim
e
a
muitos outros. Pacincia
assim
tinha
de
acon-
tecer.
Fui
chamado
para
a
continuao
do
meu
interro-
gatrio,
que
durou todo
aquelle
dia
e
outros
que
se
lhe
seguiram,
sem mais
intervallo
do
que
o
das
co-
midas.
Em
quanto durou o processo, os dias
para
mim
voa-
ram
rpidos;
que
tamanha
energia
de
espirito
me
era
mister
para
responder
a
perguntas
interminveis e
tam
diversas;
para
reflectir, recolhendo-me
s
horas
da
co-
mida
e noite, em
tudo quanto
me
haviam
pergun-
tado;
no que tinha
respondido;
e em
tudo emfim
so-
bre
que,
provavelmente,
teria
ainda
de
ser
interrogado.
No
fim
da
primeira
semana passei
por
um
grande
desgosto: o
meu
pobre amigo
Piero, desejoso
tanto
quanto eu
o
estava
de ver estabelecida
entre
ns
algu-
ma
correspondncia,
enviou-me
um
escriptinho; para
o
que
no
se
srvio
dos segundos,
mas
sim
de
um
in-
feliz
preso,
que com
estes vinha fazer algum
servio
aos
nossos quartos:
era
um
homem de sessenta
a
setenta
annos,
condemnado a
no
sei
quantos
mezes
de
priso.
Com
um
alfinete
que
trazia comigo
piquei um
dedo
e
escrevi
com
sangue
algumas
regras
em
resposta,
que
entreguei
ao
mensageiro. Teve este a
mventura
de ser
-
5/19/2018 Mem rias de Silvio Pellico
47/326
f
A
PI
Tl
LO
V.
3
espreitado,
apalpado
e
apanhado
com
o
escripto
em si,
e
chibatado,
segundo
julgo.
Senti
horrveis
gritos,
que
me
pareceram
ser do
des-
graado,
e
depois
no
o
tornei mais a
ver.
Sendo de
novo
chamado
a
perguntas,
estremeci
ao
ver
que
me
appresentavam o
tal
bilhete,
rabiscado
com
o
meu
sangue.
Por
fortuna
minha
no
continha
elle
cousa
alguma
que
podesse reputar-se de
suspeita.
Tudo
se
reduzia
a
um
simples cumprimento.
Perguntaram-me
com
que tinha tirado
o
sangue;
tomaram-me o alfinete,
e
puzeram-se
a
rir
por nos
terem assim burlado.
Ah ...
mas
eu
no
me
ria ...
A
mim,
no
se
me
podia
tirar
de diante
dos
olhos
o velho mensageiro De
bom grado
comprara
eu
o
seu
perdo
custa
de
qualquer
cas-
tigo
que me
infligissem.
Pois
quando
me
retiniram
ambos
os ouvidos
com aquelles
gritos,
que
suppuz
se-
rem
do
desgraado?...
ento
que
o
corao
me
cho-
rou
de
lastima
Debalde
procurei
informar-me
a
seu
respeito
com
o
carcereiro
e
segundos;
abanavam
a
cabea,
e diziam:
Pobre
homem...
coitado
custou-lhe
bem
caro
o tal
recado;
j
se
no
torna
a
encarregar
de
outro:
agora
est elle
mais
descanado.
E no
me davam
mais
ex-
plicao.
Alludiriam
elles
estreita
priso
em
que talvez
es-
taria
o
desditoso,
ou
fallariam
assim,
por
que
tivesse
morrido
na
occasio
das
chibatadas,
ou
em
consequn-
cia
das
mesmas?
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H
AS
MINHAS
PRISES.
Um
dia
pareceo-me
vel-o da
parte de
l do
porto
com
um
feixe
de
lenha
s costas:
e
o
corao
me
pul-
sou
tam
forte,
como
se
eu
tornasse
a ver
um
irmo
ca-
rinhoso.
vi.
Quando
deixei
de
ser
martyrisado
com
interrogat-
rios,
e
no
tinha
cousa
alguma
em
que
occupasse
os
meus
tristes
dias,
ento
que senti carregar
sobre
mim
o
enorme
peso
da
solido.
Permittio-se-me
o
ter uma
Biblia e o Dante
; o
car-
cereiro
offereceo-me
a
sua livraria, que
consistia
em
alguns
romances
de
Scuderi,
de
Piazzi,
e em
outros
de
menor
valia;
mas tamanha era
a inquietao
do
meu
espirito,
que
ento
fora
impossvel
applicar-me
a
qualquer
leitura. Entretinha-me
em decorar
todos
os
dias
um canto
do Dante; e
todavia
este
exerccio
era
tam
machinal,
que menos se me occupava
o pensamento
com
aquelles versos
do que com
as
minhas
desaventuras.
O
mesmo
me
acontecia
ao
ler
outras
obras,
excepto
s
vezes
alguma
passagem da
Biblia.
Este livro divino,
que
eu
sempre
muito
prezara, ainda em tempos
em
que me
tive
por
incrdulo, era
agora
por
mim
estu-
dado
com
mais respeito
do
que
nunca; s
muitas
ve-
zes
succedia,
que,
bem
apezar
meu,
o
lia
com
animo
distrahido,
e ento
no
o comprehendia; mas
pouco a
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II.
AS
MINHAS
PKISOES.
me
deixar
levar
de
distraces,
descuidando-me
da
ida
do
culto.
Esta minha
atteno
em
ter-me
aturadamente
na
presena de
Deus,
em
vez
de
fatigar-me
o
espirito e
encher-me
de
susto,
era
para
mim
de
extremo
apra-
zimento.
O
no
deslembrar-me
nunca, de que
Deus
est
sempre
cerca de
ns,
que
est dentro
de ns
mes-
mos,
ou
antes, que
ns
estamos
nelle,
insensivelmente
me ia
fazendo
perder
o horror
da
solido,
e
c
no
meu
interior
perguntava
a mim
mesmo:
No
estou
eu
por
ventura em
tam boa companhia?...
Este
s
pen-
samento era bastante
para
tranquillizar
a
minha
alma;
punha-me
a cantar
com
ternura,
e cheio
de
interior
satisfaco.
Oh
sim...
dizia eu, pois
no podia vir uma
febre
que
me cortasse
os
dias
da
vida,
e me levasse
sepul-
tura?
E
por
certo
que
a minha
morte havia
de
ser sen-
tida
no fundo
d'alma, e pranteada
por
essas pessoas
que
amo; mas
com o
tempo
haviam
de
ir
ganhando
fora
de se
resignarem
com
minha
perda. Pois ento...
porque,
em vez
de uma cova,
pouco
a pouco
me
ha
de
ir
tragando
uma
enxovia,
deverei acreditar que Deus
os
no
alentar
com a
mesma
fora?
E
o
meu
corao
erguia por
elles
ao
ceo as
mais ar-
dentes
supplicas,
supplicas,
que as
mais
das
vezes eram
mixturadas
com
lagrimas;
mas
estas
minhas
lagrimas,
tinham
certa
doura.
E
eu
tinha
inteira f
em
que
Deus
os
protegeria,
a
elles
e
a
mim.
E
no me
enganei.
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CPITLLO
VII.
17
VII.
Muito
mais
suave
viver
em
liberdade do que
fer-
rolhado
em
um
crcere;
quem
o
duvida?
Bem ...
pois
at
nas
misrias
de
um
crcere,
quando
se
vive
entre-
gue ao
pensamento,
que
Deus
est
presente;
que
as ale-
grias
c
deste
mundo
vo
de
fugida;
que
o
verdadeiro
bem mora
na
conscincia,
e
no
em deleitaes terre-
nas,
pde
ainda
Iograr-se
algum prazer na vida.
Em
menos
de
um
mez
j
eu
tinha deliberado
tornar
o
meu
destino,
seno
de
todo,
ao
menos,
um
tanto ou
quanto
supportavel. E
conheci
que,
no querendo
commetter
a
aco
indigna
de comprar
a
impunidade
custa
da
runa
de
outrem,
ou
me
havia
de
caber
por
sorte
um
patbulo,
ou
um
dilatado
captiveiro.
E
foroso
era
con-
formar-me.
Hei
de
respirar
em
quanto me
deixarem
um filego
de
vida,
dizia eu
comigo;
e
se
me tolhe-
rem
os
ltimos
alentos,
farei como
todos os
moribun-
dos,
quando
se lhes aproxima a hora do
passamento:
morrerei.
E
pondo
todo o
estudo
em
me
no
queixar de
cousa
alguma, procurava
dar
minha
alma
todas
as
conso-
laes possveis.
O
que
mais
me
recreava
era
a
enume-
rao
de
cadaum
dos
bens que tinham
aformosentado
meus
dias:
um
bom
pai,
uma
boa
mi,
irmos
e
irmas
excellentes,
estes e aquell'outros
amigos,
boa
educao,
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18
AS MINHAS
PRISES,
o amor
das
letras...
A quem
sobrou
mais do
que
a
mim
feliz
ventura?
E
ainda
que
agora
esta
ventura
me
seja
amargurada
pelo
infortnio,
por
que
o
no
hei
de agra-
decer
a Deus? E
quasi
sempre
aquellas
recordaes me
enterneciam,
fazendo-me
correr
as
lagrimas
por
um
in-
stante;
mas
logo
outra
vez
me
revestia
de
animo e de
alegria.
Alcancei
um
amigo desde
os primeiros
dias
da
mi-
nha
priso: e no
era o carcereiro, nem
algum
dos
se-
gundos,
nem
dos
que
instruam
o
meu
processo, mas
era
todavia
uma
creatura
humana.
Quem
seria?...
um
menino
surdo-mudo
de
cinco
ou
seis
annos...
O
pai
e
a mi,
tinha-os a
lei
punido
por ladres.
O
infeliz
or-
fosinho
era
sustentado custa
do
Estado
com
outras
muitas crianas
da
mesma condio.
Habitavam todos
uma casa
fronteira
ao
meu
crcere,
e
a certas horas se
lhes
abria
a
porta
para
poderem
sair
a
tomar
ar
no
pateo.
O
surdo
e mudo
chegava-se
para debaixo
da
minha
janella,
e
punha-se
a
fazer-me assenos com
meiguice
e
ar de
riso.
Ento
eu
atirava-lhe
com
um
bom
pedao
de
po;
e
elle,
assim
que
o
apanhava, dava
um
salto
de
contente,
e
corria
a
repartil-o
com
os
companhei-
ros;
depois
vinha
comer
o
seu
boccado
para
junto
da
minha
janella,
e com
o
sorrir
de
seus
lindos
olhos
me
exprimia
o
seu
agradecimento.
As
outras
crian