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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MERCADÃO DE MADUREIRA: DO CONTEXTO COMERCIAL
À REPRODUÇÃO CULTURAL. . ILZA LIMA SOLIS RIO DE JANEIRO – RJ JUNHO /2003
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MERCADÃO DE MADUREIRA: DO CONTEXTO COMERCIAL
À REPRODUÇÃO CULTURAL POR ILZA LIMA SOLIS ORIENTADOR PROFº___________________________________________. Monografia de conclusão de Pós-Graduação (lato - senso) Candido Mendes RIO DE JANEIRO –RJ JUNHO /2003
III
A cultura, mais do que herança genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações. Barros Laraia/1992
IV
AGRADECIMENTOS
O ato de agradecer é mostrar que em nossas vidas sempre há pessoas capazes de nos
ajudar. Pessoas essas, que de uma forma direta ou indiretamente contribuíram para minha
formação. Desejo agradecer...
Aos meus filhos, Henrique, Viviane e Rodrigo.
Em especial ao meu marido Carmindo Solis Filho, pela dedicação e compreensão.
E em particular meu Professor Francisco Carrera.
E meu Muito Obrigado
SUMÁRIO
V
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 7
METODOLOGIA APLICADA.
Os autores e as teorias............................................................................. 12
A metodologia aplicada no estudo dos bens simbólicos.......................... 14
CAPÍTULO I - MADUREIRA NA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO DO RIO DE
JANEIRO-RJ.
1.1 - Um breve histórico na construção do subcentro de
Madureira....................................................................................... 16
1.2 - A origem do subcentro funcional de Madureira ............................ 18
CAPÍTULO II - MERCADÃO DE MADUREIRA E O ESPAÇO
2.1 - Coesão X atração do consumo..................................................... 23
CAPÍTULO III – A FUNÇÃO SOCIAL E PERCEPÇÃO DA CULTURA AFRO-
BRASILEIRA NO MERCADÃO DE MADUREIRA
3.1 - A organização espacial dos bens simbólicos no tempo de
festas ........................................................................................... 26
.. 3 2 - Mercadorias vendidas em harmonia com o tempo sagrado
de festa ........................................................................................ 31
VI
3.3 - Estrutura Social da comunidade do culto Afro-brasileira ............40
3.4 - Os objetos religiosos no teor dos pedidos X as aflições atuais
e materiais dos devotos ............................................................... 41
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 44
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 47
ANEXOS ............................................................................................................................
TABELAS...................................................................................................... 27
1
INTRODUÇÃO
“O homem é ativo. A ação que se
realiza sobre o meio que o rodeia
para suprir as condições necessárias a
manutenção da espécie chama-se ação humana.
Toda ação humana é trabalho e todo trabalho é
trabalho geográfico. Não há produção que não
seja produção do espaço, não há produção do espaço
que se dê sem o trabalho. Viver, para o homem, é
produzir espaço”.
SANTOS (1994:85)
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O objetivo geral desta monografia é reconhecer a dimensão espacial do mercado
especializado em artigos religiosos - Mercadão de Madureira - cidade do Rio de Janeiro.
Também está dentro de nossos objetivos reconhecer as formas espaciais gerada por grupos
sociais: dos comerciantes e fiéis dos cultos afro-brasileiras. Entendemos que, a pesquisa
sobre a ação do homem é de fundamental importância para o enriquecimento do
aprendizado sobre o sentimento simbólico e a espacialização. “A espacialização seria um
momento das relações sociais geografizadas, no momento da incidência da sociedade sobre
um determinado arranjo espacial”. Santos (1991:74).
Para desenvolver o trabalho privilegiamos as relações entre geografia e religião, já
que “ambas se encontram através da dimensão espacial. Uma porque analisa o espaço a
outra como fenômeno cultural, ocorre espacialmente”, Rosendahl (1994: 2) ... isto ocorreu
devido ao fato de reconhecermos os significado religioso dos objetos comercializado no
Mercadão.
Delineando a referida geógrafa e entendendo o Mercadão como “espaço de
representações simbólicas rico em signos que cumprem a função de expressarem as
estruturas sociais em sua mais diversas dimensões”, segundo Isnard citado in Corrêa
(1995:10). Neste sentido, podemos deixar claro, que o comércio dos bens simbólicos do
Mercadão de Madureira traduz-se pelas “formas espaciais, através das quais o simbolismo
ganha materialidade, (...) e meios através dos quais a cultura é modela”, Corrêa (1995:10).
Assim, de acordo com Tuan dizemos que: construir é uma atividade complexa. Torna as
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pessoas conscientes e as leva a prestar atenção em diferentes níveis: ao nível de tomar
decisões pragmáticas; de visualizar espaço, (...) e de comprometer-se inteiramente, de corpo
e alma, na criação de uma forma material que capture um ideal”. (1993:119).
Graças a tenacidade dessas conceituações e ao sério comprometimento de alguns
geógrafos e mesmo de outros estudiosos, foi possível hoje, escrever nossa pesquisa que está
ligada a teorias fundamentadas no Homem e suas experiências. Isto é teoria que delineia o
nosso trabalho e vem da corrente humanística, que no pensar de Tuan elabora o conceito
de que “A experiência é um termo que abrange as diferentes maneiras através das quais
uma pessoa conhece e constrói a realidade” (1983:9).
Para melhor compreensão do trabalho faremos o estudo dividindo-o em quatro
partes: Primeiramente delinearemos os autores e as teorias juntamente apresentando a
metodologia utilizada
O capítulo I trata de um breve histórico da construção e origem do subcentro de
Madureira onde se encontra o Condomínio do Entreposto Mercado do Rio de Janeiro, isto
é, o Mercadão de Madureira. A busca do reconhecimento das categorias geográficas de
localização e a organização espacial atual estarão mencionadas.
No capitulo II tentaremos mostrar como as atividades comerciais organizam-se no
interior do Mercadão. A análise privilegia a ação do homem na criação do espaço. Propõe
critérios no reconhecimento do aspecto geográfico-social, econômico e religioso o que
explica a intensidade do fluxo e a dinâmica do consumismo no Mercado.
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Na quarta, representando o capítulo III, é o reconhecimento das categorias
geográficas de espaço-tempo e espacialização na vivência, produção e reprodução dos
grupos que trabalham e consomem no Mercadão, em particular os grupos de devotos dos
cultos afros.
A última etapa do trabalho foi chamada de Considerações Finais e não conclusão
porque nela desejamos engendrar algumas propostas de pesquisa, por reconhecer que
dentro da análise de nosso trabalho a pesquisa está iniciada e não terminada. Muito há para
estudar.
5
METODOLOGIA APLICADA
“Experiência é um termo que abrange as
diferentes maneiras através das quais uma
pessoa conhece e constrói a realidade”.
TUAN (1983:9)
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OS AUTORES E AS TEORIAS
Este trabalho foi elaborado mediante inúmeras consultas de obras e textos
relacionados à teoria da geografia humanística e também nas outras ciências sociais como a
filosofia e antropologia. A interdisciplinaridade foi uma constante.
Mediante as obras dos autores como: Milton Santos, Yi-Fu Tuan, Roberto Lobato
Corrêa, João Baptista de Mello, Zeny Rosendahl, Mircea Eliade, José Flávio Pessoa de
Barros e outros, nos proporcionaram paradigmas fundamentais para os conceitos básicos do
referido trabalho. No entanto, a teoria direcionada em nossa pesquisa foi a perspectiva
humanística, pelos ensinamentos do geógrafo Mello na experiência vivida a geografia
humanística objetiva interpretar o sentimento e entendimento dos seres humano a respeito
do espaço e lugar”, (1990:93). De outro, pelo geógrafo Tuan, quando menciona que “uma
abordagem humanística à religião iria requerer que tivéssemos consciência das diferenças
no desejo humano por coerência, e que notássemos como essas diferenças estão
manifestadas na organização do espaço e do tempo”, (...), (1985:155).
Cabe ressaltar ainda, a posição de Milton Santos, quando revela que “o homem
atinge um conhecimento analítico e sintético de toda a natureza e adquire a capacidade de
uma utilização global das coisas que o cercam” (1988:29). Estas correntes de pensamentos
foram acrescidas dos conceiros filosóficos de Eliade que menciona: “o pensamento
simbólico faz parte do ser humano, é anterior à linguagem e a razão discursiva. As
imagens, os símbolos, (...), não são criação irresponsáveis do psiquismo mas correspondem
a uma necessidade de preencher a função de revelar as modalidades mais secreta do ser.
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Estudá-las nos leva a conhecer melhor o homem, (...). E, afirma que, o “simbolismo está
presente em todo o pensamento religioso, em todos os lugares (...)”, (1991:1). A base
antropológica da pesquisa esteve marcada pelos estudos de Barros (1993) especialista no
conhecimento dos rituais afro-brasileiras. Diante dessas teorias, encontramos as base que
tornaram possível chegarmos a um entendimento das revelações do homem em termos de
aspirações e necessidades quanto ao meio que ele vive e se reproduz.
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A METODOLOGIA APLICADA.
A metodologia utilizada na construção desta pesquisa concentrou-se na investigação
empírica, intimamente vivenciada em trabalho de campo e baseada nas teorias dos
geógrafos já mencionados. A técnica de observação foi realizada nos períodos de
comemorações, de festas religiosas selecionadas em nosso trabalho no Mercadão de
Madureira. Juntamente com as observações realizamos entrevistas de caráter semi-aberto,
aplicados aos freqüentadores do Mercadão: vendedores, compradores que poderiam ser
devotos ou apenas compradores.
Selecionamos as entrevistas com administradores também . Isso ocorreu para que
obtivéssemos as respostas de nossas indagações, o mais possível da realidade.
As técnicas de observação e entrevista aplicadas aos elementos que representam o
Mercadão permitiu evidenciarmos de forma clara a integração do homem aos seus bens
simbólicos de vivências religiosas e não religiosas e de reconhecer a construção do espaço
a cada tempo de festas, a cada tempo religioso.
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CAPÍTULO I
MADUREIRA NA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO DO RIO DE
JANEIRO/RJ
“A História tem profundidade
e o tempo confere valor”.
TUAN (1993:211)
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1.1 - UM BREVE HISTÓRICO NA CONSTRUÇÃO DO SUBCENTRO DE
MADUREIRA
Para se construir um breve histórico do subcentro Madureira, no qual encontra-se o
Condomínio do Entreposto Mercado do Rio de Janeiro, cuja centralidade alcança um raio
que extrapola os limites da metrópole carioca. Este capítulo procura fazer uma descrição do
processo de descentralização na cidade do Rio de Janeiro em decorrência de seu
espraiamento espacial e demográfico detendo-se no exemplo do subcentro de Madureira,
localizado na Zona Norte, às margens da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) (Mapa
I). Assim o faremos por encontrar-se o Condomínio do Entreposto Mercado do Rio de
Janeiro. Como afirma Corrêa “o processo de descentralização torna o espaço urbano mais
complexo, com vários núcleos de atividade” (1993:43). Neste sentido o popularmente
chamado Mercadão de Madureira cumpre seu papel ao atrair para o seu interior um grande
contingente de consumidores e fiéis, que lhe confere um tipo de centralidade muito
peculiar.
A análise do processo de expansão do Rio de Janeiro no final do século XIX passa
ser entendido pelo seu crescimento populacional resultando na manifestação da urbanização
do Rio de Janeiro. Como acentua Duarte, “o forte incremento da população resultou na
expressiva urbanização da Guanabara, através da expansão de seu espaço construído”,
(1974). Assim, igualmente ao final do século passado as chácaras e fazendas localizadas no
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eixo ferroviário da (EFCB), foram substituídas por núcleos urbanos originando bairros
como Madureira, que abriga atualmente o referido centro funcional.
A Área Central da cidade até 1940 caracteriza-se pela variedade de suas funções,
constituindo-se na principal área de mercado de trabalho da metrópole para onde convergia
diariamente uma grande massa de trabalhadores e usuários. Desse modo, a área central
transformou-se no principal ponto de concentração de tráfego da cidade, com seus
terminais de transporte Rodoferroviário.
A densidade demográfica e o crescente aumento do número de veículos passaram a
contribuir para o congestionamento do tráfego , dificultando o fluxo da população a área
central. Ao lado disso, afora os obstáculos decorrentes dos fatores topográficos não só
impôs cada vez mais dificuldades de acesso ao centro, como induziu a sociedade carioca a
procurar prover suas necessidades, em locais mais próximos de suas moradias. Assim, a
ampliação do mercado consumidor, só foi possível em locais de infra-estrutura favorável e
em área que se tornaram foco de convergência de transporte ou mesmo eixo de circulação
obrigatória. Dessa forma, compreendemos que uma área bem servida de meio de transporte
e um notável mercado consumidor, será o principal ponto de emergir centros funcionais,
além de ser o agente responsável do processo de descentralização das atividades do setor
terceiro na cidade. Como referido por Corrêa “a descentralização no que se refere ao
comércio e serviço gerou um complexo conjunto de núcleos secundários e constitui-se em
uma miniatura do núcleo” (1993:50). Verificamos no entanto que o desenvolvimento das
atividades de um subcentro, conforme diz Geiger in Segadas (1968:46), originou “uma
cidade dentro da outra”.
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1.2 - A ORIGEM DO SUBCENTRO FUNCIONAL DE MADUREIRA
A história da origem do subcentro de Madureira não seria muito diferente de
inúmeros outros bairros se não fossem algumas peculiaridades de localização no espaço
urbano A análise da apresentação de fatores de fundamental importância que retratam o
subcentro de Madureira na cidade do Rio de Janeiro, pode ser agrupada inicialmente em
vários tópicos:
A posição de Madureira deve ser considerada como elemento fundamental para o
desenvolvimento do seu núcleo funcional. No interior do Rio de Janeiro, Madureira
encontra-se em uma zona de estrangulamento do relevo, na estreita passagem existente
entre o Morro do Inácio Dias e o Morro do Juramento. Neste espaço, passa ser beneficiado
com a construção de duas vias férreas. “A Estrada de Ferro Central do Brasil e a Estrada
de Ferro Auxiliar de Magno, ambas inauguradas no final do século XIX, provocaram a
abertura de duas Estações, Madureira e Magno. Como afirma Segada Soares, (1968:82).
Assim, com a criação dessas estações, Madureira passa a servir como ponto de fluxo e
refluxo da população local e das áreas vizinhas, além de se tornar o ponto de cristalização
na interseção dos meios de transportes mais flexíveis, como ônibus, caminhão e
automóveis, conectando este bairro aos mais diversos locais na cidade. Por outro lado o
aumento da população consumidora nessa área de Madureira favoreceu o crescimento do
comércio local, como também permitiu que Madureira passasse a ostentar um papel de
grande subcentro da cidade do Rio de Janeiro”.
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Madureira, centro funcional da área suburbana, vem se destacando por sua notável
atividade ligada ao setor terciário, sobretudo por manter um dinâmico setor de serviços, e
um comércio significativo e muito variado sobressaindo portanto diferentes unidades de
vendas, como os centros comerciais; lojas departamentais ou galerias onde se encontram
várias lojas em um mesmo local. Desse modo, essa aglomeração de estabelecimentos de
comércio varejista, além de ser distribuidora de bens e serviços, exerce um grande poder de
atração. Por conseguinte o consumidor passa ter a oportunidade de obter uma variedade de
produtos sem mesmo precisar de um grande deslocamento espacial, com isso, constata-se a
importância desse subcentro, no provimento populacional de sua área de influência.
No âmbito do subcentro de Madureira, o centro comercial Condomínio do
Entreposto Mercado do Rio de Janeiro, conhecido popularmente como Mercadão de
Madureira, faz juz à sua fama por ser detentor de uma ampla gama de produtos religiosos e
produtos de bens de consumo duráveis encontrados nas lojas-basar, e outros de bens não-
duráveis, como alimentos, cigarros e bebidas..., esses produtos exercem um forte poder de
atração já que são encontrados num mesmo espaço, atraindo um grande contingente
populacional.
O surgimento do Mercadão de Madureira remota o ano de 1959, como principal
Centro Comercial na distribuição hortifrutigranjeira, abastecido pelos produtores rurais, que
viviam na redondeza da cidade, como igualmente da comercialização de verduras e
legumes das remanescentes chácaras de Madureira, o qual num passado não muito distante
tinha como principal atividade econômica à agricultura.“A necessidade em disciplinar o
desenvolvimento urbano levou o Estado assumir responsabilidade na organização de seu
espaço”. Duarte (1974:54). Neste contexto, verificamos que a política de planejamento,
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interceptou o abastecimento dos produtos agrários no Mercadão de Madureira e transfere a
atividade agrária, para áreas mais distantes. Assim, o Mercadão passa comercializar as
verduras e ervas, de algumas pequenas chácaras permanecentes no local, como também
tornar-se o principal centro de comércio varejista no que concerne a produtos diversos das
mais variadas demandas industriais. Tudo isso, em nome da modernização que
acompanhou o desenvolvimento da cidade. Entendemos assim, que tais mudanças como
afirma o geógrafo Corrêa deve-se sobretudo “as numerosas pequenas e médias indústrias
distribuídas por quase toda a cidade”. E reafirma que essas indústrias, “produzem elas bens
de consumo para o mercado próximo”. (1993:56). Diante da concepção do geógrafo,
entendemos que o Mercadão fora beneficiado por essas atividades industriais, e passou
atender em última análise ao bem-estar da população que vive distante da Área Central.
Nos dias de hoje, o Mercadão de Madureira é caracterizado pela grande diversidade
de seu comércio e por isso mesmo atrai uma notável clientela. No entanto, como diz o
Comendador Nelson Prudente de Morais, “o dinamismo desse mercado de Madureira é pela
variedade e qualidade dos produtos uma vez que estes estão intimamente relacionados com
o nível de vida de seus clientes: “No Mercadão tem de tudo para todos,vários preços e
várias mercadorias” reafirma o Comendador Moraes
A vocação e a consagração do Mercadão de Madureira como grande centro
comercial não excluiu as manifestações locais e mesmo de outras regiões, no que se refere à
cultura religiosa. Ao contrário, a influência do consumismo ligado à seitas Afro-brasileira
fez com que o Mercadão especializa-se com maior ênfase na comercialização de artigos
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religiosos. A intensidade dos fluxos dos grupos religiosos no Mercadão de Madureira
passou a interferir nas vendas e conseqüentemente no arranjo espacial. Um maior fluxo de
fiéis acarretará o aumento de consumo de mercadorias. O comércio de produtos religiosos
possui um comportamento semelhante aos demais mercados que seguem as leis de mercado
principalmente pela força simbólica que reveste os objetos religiosos. Como sublinha
Rosendahl “é a crença no objeto que o valoriza entre os demais”. (1996:27). O comércio
dos bens simbólicos no Mercadão apresenta-se em harmonia com as necessidades que o fiel
tem para realizar seus ritos. As questões relativas do que vende e como vende as
mercadorias estão relacionadas à demanda dos fiéis, e não aos consumidores cotidianos
como: ambulantes que vão prover-se de mercadorias para revender e não pelo consumo. O
Mercadão em sua concretude representa o lugar onde vários grupos distintos passam a se
relacionar e a se posicionar como consumidores, de bens religiosos para si e para revenda.
É também um lugar de vendas tanto para o atacado como para o varejo. O Mercadão assim,
passa à título de lugar de destaque no bairro de Madureira.
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CAPÍTULO II
MERCADÃO DE MADUREIRA
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2.1 - COESÃO X ATRAÇÃO DO CONSUMO
O espaço do Mercadão reflete o seu poder comercial, são aproximadamente
trezentos e sessenta lojas comerciais agrupadas. Possuem essas lojas divisórias comuns a
qualquer shopping center., embora sem o luxo desses grandes centros comerciais, mesmo
assim as pessoas são capazes de sentir a diferença entre o interior e o exterior no Mercado.
No interior os clientes têm a possibilidade de escolher os diferentes tipos de artigos. O
conjunto coeso de artigos religiosos e não religiosos mostram a concentração de atividades
comerciais no Mercado. O comércio de venda no ervanário, os armazéns e os aviários,
junto uma das outras, a venda dos artigos de festa e doces concentrados no interior do
Mercado, o armarinho expõem toda sorte de tecidos do mais simples à mais fina renda
francesa, junto à casas especializadas em indumentárias e as lojas-basar. As lojas de flores e
velas sempre próximas das lojas especializadas em imagens e bem simbólicos e sem deixar
de falar, nos bares e lanchonetes que compõem o espaço. Esse agrupamento de comércio
revela em si a criação de áreas especializadas do comércio no Mercadão de Madureira.
Entendemos assim que estamos diante de exemplos de economia de aglomeração. Neste
sentido, “verificamos que mesmo sendo de natureza distinta, estão localizadas junta uma
das outras, formando um conjunto coeso que pode induzir o consumidor a comprar outros
bens que não faziam parte de seu propósito” Corrêa (1993:56:57). Tais atividades
agrupadas no espaço, permitem uma maior acessibilidade aos grupos de clientes, dando
portanto à possibilidade de escolher diversas mercadorias expostas. Isto se explica a atração
do consumo no Mercadão originando grande intensidade de fluxo. “Só venho aqui , porque
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aqui é o local onde encontramos tudo que precisamos além do preço dos produtos ser bem
mais barato, do que ai fora”. (Revelação de um cliente entrevistado no lugar. 1996).
Para reconhecermos as formas espaciais e o comércio de bens simbólicos do
Mercadão realizamos as entrevistas com o objetivo de verificar o motivo do grande fluxo
dos clientes ao local. Por outro lado, procuramos identificar se os consumos dos elementos
materiais estavam relacionados ou não com o calendário religioso. Foram realizadas cento
e trinta e três entrevistas com os clientes, além da própria observação em diferentes tempos
religiosos do calendário comemorado em nossa cidade. Desse modo, confeccionando o
Gráfico I - Distribuição dos fatores de atração segundo a opinião dos freqüentadores
do Mercadão: 56% pela concentração dos artigos religiosos; 21% pela variedade de lojas;
15% pela concentração das lojas e os demais 8% não souberam responder sua ida ao Mercadão.
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CAPÍTULO III
A FUNÇÃO SOCIAL E PERCEPÇÃO DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA
NO MERCADÃO DE MADUREIRA
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3.1 - A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DOS BENS SIMBÓLICOS EM TEMPO DE
FESTA
“Cada sociedade organiza o seu espaço segundo uma lógica que lhe é inerente”.
Corrêa ( 1993:83 ). Concordamos com a acepção do geógrafo e evidenciamos em nossa
pesquisa que no âmbito da dimensão do espaço em tela o arranjo dos bens simbólicos estão
interdependente no tempo e espaço, pois acompanha o calendário litúrgico dos terreiros,
atraindo diferentes fluxos de fiéis para seu espaço. Neste aspecto o arranjo vem exatamente
atender a uma perspectiva que é de seguir uma estrutura espaço - temporal. Neste sentido é
que vai atingir o consciente desses grupos de fiéis para demonstrar a adaptação do comércio
no convívio religioso com os grupos que ali vão consumir. Para essa idéia, encontramos
base na afirmativa de Tuan que diz; “Experiência é um termo que abrange as diferentes
maneiras através das quais uma pessoa conhece e constrói uma realidade ( 1983:09).
Com base nas afirmativas de Corrêa e Tuan foi observado no decorrer da
pesquisa, que o espaço é estruturado pelo tempo a partir da vivência de vendedores
distintos, cada um baseado em suas experiências. E observamos que grande parte dessas
experiências são marcadas por uma estrutura espaço-temporal, principalmente no que diz
respeito a manipulação dos objetos religiosos, que são controlados por um tempo de festa, o
tempo sagrado, como também diz respeito aos usuários consecutivos, esses utilizam o
Mercadão como o meio destinado à doutrina do consumo votivo naquele tempo sagrado.
Neste aspecto, verificamos que:” O tempo e o espaço são controlados quando se está
planejando ativamente”. Tuan ( 1983:142). De fato “espaço e tempo”, como já frisamos
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tornou-se fundamental importância no que diz respeito a se conhecer a dimensão de um
espaço especializado em bens simbólicos.
Os comerciantes que comercializam os objetos religiosos tem um objetivo definido
e consciente que é organizar esses artigos de acordo com aquele tempo sagrado de festa, os
objetos tem organização própria e possui uma relação intima com o grupo de fiéis que ali
freqüentam. Desse modo, desempenha um papel importante na memória coletiva; porque
cada aspecto, cada detalhe dessa organização possui um sentido, que só é inteligível para
membros do grupo religioso, pois em cada tempo que é colocado em posição de destaque
os objetos, corresponde um modo singular, diferente da estrutura da vida cotidiano. Isso
ficou claro quando em nossa entrevista com os vendedores nos foi revelado que em cada
loja especializada sempre há mais de um membro que pertence aos cultos Afros -
brasileiros. Pode-se explicar que as vendas são conscientes do seu caráter religioso e as
tendências de conhecer as festas encontram-se relacionadas ao calendário religioso pois,
cada modificação do arranjo das lojas esta relacionada com a hierarquia de preferência dos
objetos a serem consumidos no espaço e no tempo.
Vejamos como exemplo em nosso trabalho: “o tempo e o espaço tornam-se
conscientes e participam na consecução dos objetivos” Tuan ( 1983:142 ). Na festa de
Yemanjá, mãe de todos os orixás, acontece na passagem do ano. No dia trinta e um
dezembro, no final do ano. Nesse período todos os artigos que a simbolizam ocupam um
lugar de destaque no Mercadão . Os vendedores, consciente do tempo de festa, tempo
sagrado, colocam a imagem em posição de destaque, os barquinhos ocupam um lugar
visível ao cliente, o que não acontece em outras festas durante o ano. Vitrines expõem toda
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a sorte de paramentações do orixá. Mas..., logo no dia vinte de janeiro, tempo sagrado de
festa do orixá oxóssi a configuração do lugar passa ser outra. Nesse tempo de
representação dos caboclos são colocadas as suas imagens em lugar de destaque. Essa
determinação expressa o arranjo dos bens simbólicas nas lojas. Este arranjo segue a lógica
dos bens simbólicos daquele tempo sagrado. Assim, os vendedores expõem em suas lojas
toda paramentação representativa desses caboclos: os penachos, arcos e flechas e demais
objetos que simboliza esse santo. Esse comportamento é repetido a cada vez que se
aproxima uma celebração de algum santo no calendário litúrgico anual.
Analise do mês de fevereiro. Próximo ao dia dois de fevereiro. Tempo sagrado de
comemoração a Nossa Senhora dos Navegantes que para comunidade Afro é representado
pelo tempo de festa do Orixá yemajá, mas uma vez o arranjo das lojas volta a se
representado por todos os objetos relacionado à esse Orixá. Isto ficou claro quando
observamos que na loja de tecido o vendedor colocou em um manequim à vestimenta da
santa, as demais lojas se dispuseram em colocar a mais variadas imagens representativas da
santa e mais outros artigos simbólicos. Nas casas de flores encontramos uma maior
quantidade de flores representativas deste tempo religioso.
No decorrer do inicio do mês de fevereiro, principalmente após o dia dois até meado
do mês de abril, é representado pelo período de Quaresma. Nesse tempo, quase todo os
terreiros encontram-se fechados. A organização no mercado volta ao ritmo normal, isto é,
não há um arranjo definido, não há predomínio de um objeto sobre o outro. Porém
percebemos o movimento continuo intenso e obtemos como resposta de nossa indagação.
A venda está relacionada ao tempo em que as comunidades afras vão em buscar de objetos
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diversos para realização de um rito denominado “despacho” ou mesmo uma obrigação para
proteção contra “força negativa” representada pelo período de carnaval. Após esse tempo,
no dia vinte e três de abril, dia de comemoração do orixá Ogum, a forma espacial do
Mercadão é marcada pelos artigos simbólicos desse orixá que tomam a posição de
destaque. Os vendedores colocam na porta de suas lojas em um lugar de destaque à imagem
do santo e os demais artigos simbólicos-religiosos: como a imagem de São Jorge, a cerveja,
o charuto, uma vela que permanece acesa e mais um conjunto de paramentação como,
capacetes, armas do santo, espada e lança, que passam a ocupar um lugar hierárquico. O
mesmo arranjo irá se repetir no dia treze de maio, tempo das festas do Orixá “Preto velho”,
e mais uma vez o arranjo passa seguir à lógica dos bens daquele tempo e termina na
primeira semana do mês de junho. A partir desse mês as lojas organizam-se para
homenagear os exús - são colocadas as mais lindas imagens esotéricas representativas
dessa festa: as ferramentas, e uma variedade de tecidos que dão um brilho apreciável no
Mercadão. Dessa forma a organização do espaço é diferenciada durante todo o ano. As
inúmeras festas do calendário litúrgico dos terreiros estão representadas no Mercadão de
Madureira.
Diante desta realidade assimilamos que a cada modificação do espaço oferece uma
ação de tempo religioso, cada organização do arranjo dos bens simbólicos representa um
tempo específico de vendas e a cada nova organização representa o tempo futuro no sentido
de que as vendas condicionam a configuração do espaço representada por diferentes objetos
simbólicos. Essa experiência de organização no espaço no tempo litúrgico determinado
pelo calendário religioso afro-brasileiro nos dá um arranjo singular no Mercadão de
Madureira.
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Vejamos agora, as festas selecionadas em nossa pesquisa em cada tempo sagrado.
Foi analisado as principais mercadorias vendidas e o arranjo espacial das lojas em harmonia
com a festa, o tempo sagrado. As festas selecionadas em nossa pesquisa, têm por objetivo
mostrar como ocorre a organização das lojas no Mercadão de Madureira, de acordo com o
calendário litúrgico do terreiro. Tentaremos mostrar a harmonia dos artigos colocados em
posição de destaque nas lojas no tempo festa de cada orixá.
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3.2 - MERCADORIA VENDIDAS EM HARMONIA COM O TEMPO SAGRADO.
Para a apreensão lógica do sistema de classificação das mercadorias relacionada
com o tempo de festa, tempo sagrado, tornou-se necessário levarmos em consideração à
base colocação de Pessoa de Barros (1993:8) que diz: “Os próprios santos se distinguem e
identificam por meio de suas preferências em matéria de consumo; pelas peculiaridades de
gosto de cada um deles. Uma divindade privilegia certas cores e texturas, nas suas
vestimentas; certos sabores e aromas, nas suas comidas; determinados paladares, em suas
bebidas; determinadas essências, nos seus “defumadores”; certos metais, nos seus adereços
e emblemas; certas pedrarias nas suas jóias”. Neste sentido, concluímos que a demanda dos
objetos acontece em função de cada Orixás, de modo que podemos verificar também essas
diferenças, de acordo com o tempo sagrado de festa, isto é, as mercadorias devem
representar-se em harmonia com o Orixá, no seu tempo sagrado.
Cabe abordar que esses objetos sagrados são considerados símbolos dos Orixás e
esses são utilizados para propósitos ritualístico e de rotina pela comunidade. Assim, como
as ervas são objetos de cultos dos mais antigos símbolos dos Orixás e utilizados para várias
finalidades, porém a obrigatoriedade da presença das folhas em qualquer das atividades do
culto, e por conseguinte de importância fundamental. Desse modo, o que se refere às
espécies vegetais, e entender que esses estão diretamente relacionados ao Orixá, como diz
Pessoa de Barros. “O mundo vegetal também está dividido pelo Orixá e consequentimente
também está relacionado nos quatros elementos-base.” Segundo Lépine citado in
Barros:(199:61), afirma que “cada Orixá está associado a elementos da natureza,
fenômenos meteorológico, determinada cor, dia da semana, animais, plantas”. Neste
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sentido, entendemos que a lógica do sistema de classificação utilizado em nossa pesquisa, e
confirmada por esses autores, e por suas afirmações. Mas devemos deter-nos especialmente
pelo nosso trabalho de campo, onde os ervateiros e a mãe-de-santo, do Centro Espirita
Cipriano, no RJ; Esses, foram que mais serviram como informantes, na classificação desses
bens simbólicos, mas foi através dos entrevistados, o consumidor adepto do culto afro que
concluímos as nossas pesquisa, pois a cada tempo sagrado nos foi permitido saber através
de sua revelação os objetos que eles consumiam nesse período.
Foi possível elaborar as mercadorias consumidas no período de cada tempo de festa
dos Orixás. Assim elaboramos seis tabelas de classificação das mercadorias consumidas no
Mercadão de Madureira de acordo com o calendário litúrgico dos terreiros no tempo
sagrado de festa.
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HOMENAGEM AO ORIXÁ IEMANJÁ
OBJETOS ALIMENTAÇÃO VEGETAIS DO SANTO
( NOME POPULAR)
PAREMENTAÇÃO ABA
LOUÇA-CERÂMICA VERMELHA
PORCELANA BRANCA
ARROZ BRANCO AGUAPÉ
VESTIMENTA-TECIDO
CETIM-PRATEADO, BRANCO E
AZUL
RENDA-BRANCA
COCO MARICOTINHA
IMAGEM DA SANTA
PERFUME DO ORIXÁ
BARQUINHO-AZUL E BRANCO
PENTE,ESPELHO E COLAR
PEIXE MARICOTINHA
ARMA
ESPELHO
CHAMPANHE FOLHA DA COSTA
FLORES
PALMAS BRANCAS
ROSAS BRANCAS
FRUTAS
UVA, PÊRA E
OUTROS
ÁGUA DE ALEVANTE
VELA-
BRANCA
PEDRA PRECIOSA
PÉROLA BRANCA E AZUL
GUIA
CRISTAL BRANCO
Bens simbólicos consumidos nos dias 2 de fevereiro a 15 de agosto a 31 de dezembro
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HOMENAGEM AOS CABLOCOS - OXOSSÍ
OBJETOS
ALIMENTAÇÃO ERVAS
PARAMENTAÇÕES ABA; ABA PENACHO
ABÓBORA MILHO
CAPANGA
MILHO CARRAPICHO-BEIÇO-DE-BOI
RECIPIENTE DOS ALIMENTOS FEITOS EM. BARRO
MEL JASMIM-MANGA
VASILHANTE DE BEBIDA CUETÉ
FEIJÃO CAIÇARA
COLARES DE CONTAS VERDE
FRUTAS DIVERSAS BANANA, MAÇÃ, UVAS E ETC...
CARQUEJA
VESTIMENTA TECIDO VERDE E BRANCO
VINHO TINTO
VELA VERDE OU BRANCA
Bens simbólicos consumidos no dia 20 de janeiro
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QUARESMA
OBJETOS ALIMENTAÇÃO
ERVAS
PERFUME DE EXÚ-MULHER
GALINHA PRETA ÁGUA-DE-ALEVANTE
VELA BRANCA, PRETA VERMELHA
DENDÊ FOLHA-DA-COSTA
DEFUMADO BICHO DE QUATRO PATAS CABRITO
COMIGO-NINGUÉM-PODE
CHARUTO
CARNE VERMELHA ALECRIM
LOUÇA EM BARRO ALGUIDAR
CACHAÇA ARRUDA
COPO/DE ASCENDER VELA
CEBOLA GUINÉ
COLAR DE CONTAS VERMELHA E PRETA
TOMATE MACAÇA
ARMA FERRAMENTA EM FERRO
FARINHA DE MESA
FAVAS
PARAMENTAÇÕES ABA
CARVÃO
RECIPIENTE DE BEBIDAS TAÇA E COPOS
VESTIMENTA DE EXÚ TECIDOS
MORIM, VELUDO, RENDA BROCADA, CETIM E OUTROS NAS
CORES VERMELHO E PRETO
SAL GROSSO
CAPANGA
IMAGEM
CARTOLA
PERFUME DE EXÚ
Bens simbólicos consumidos em fevereiro no período de Quaresma
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HOMENAGEM AO ORIXÁ OGUM
OBJETOS ALIMENTAÇÃO ERVAS; VEGETAIS DO SANTO
IMAGEM DO SANTO ACARÁ COM ENFEITE DE PALITO ESPADA DE SÃO JORGE
VELA BRANCA
DENDÊ NATIVO PÉRIGÚM
FLORES CRISTA DE GALO, CRAVO,
PALMA BRANCAS OU VERMELHAS
MEL , CARURU-DE-PORCO BREJO
CHARUTO CERVEJA BRANCA ÀLÚMON PARAMENTAÇÃO ABA
CAPACETE E CAPA BICHO DE DUAS PATAS
GALO CARIJÓ MANGUEIRA
COLAR - GUIA MINSAGA AZUL
BIFE DE COSTELA BOTÃO-DE-SÃO ANTÔNIO
DEFUMADO CARNE DE PORCO OBI ARMA DO ORIXÁ
ESPADA DE AÇO E LANÇA BELDROEGALAMOS
CRESCIDO VESTIMENTO DO SANTO
TECIDO, SEDA BROCADA, RENDA, CETIM
NA CORES AZUL E BRANCO
BELDROEGA AMOR CRESCIDO
PALITO RECIPIENTE DE BEBIDA
TAÇA , AZUL OU BRANCA
Bens simbólicos consumidos no dia 23 de abril
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HOMENAGEM AO ORIXÁ PRETO VELHO
OBJETOS ALIMENTAÇÃO ERVAS; VEGETAIS DO SANTO
ROSÁRIO DE LÁGRIMA DE NOSSA SENHORA
CARNE-SECA ARRUDA
FLORES CRAVO BRANCA
ABÓBORA GUIÉ
VELA BRANCA
COUVE MANJERICÃO
RECIPIENTE DE BEBIDA CUIETÉ
FARINHA
ARMA ERVA DO SANTO
FEIJÃO PRETO
VESTIMENTA POPELINE QUADRICULADO NA
COR BRANCA E PRETO RENDA BRANCA
FEIJOADA
PIRÃO
CACHIMBO
VINHO TINTO LICOROSO
LOUÇA DE ÁGATA OU PORCELANA, CRISTAL, PRATO,
TIGELA OU COPO
TUTU À MINEIRA
Bens simbólicos consumidos no dia 13 de maio
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HOMENAGEM AO POVO DE RUA EXÚ
OBJETOS ALIMENTAÇÃO
ERVAS
VESTIMENTA DO EXÚ TECIDOS DIVERSOS, NA
CORES VERMELHO E PRETO
BICHO DE DUAS PATAS GALINHA PRETA
GALO
PIMENTA-MALAGUETA
ARMAS DE EXÚ FERRAMENTA EM FERRO COM
O PONTO DO SANTO
BICHO DE QUATRO PATAS CABRITO
PIMENTA-DA-COSTA
IMAGENS BEBIDAS CACHAÇA, CERVEJA, WISQUE E
CINZANO
TIRIRICA E NAVALHA-DE-MACONHA
LOUÇAS EM BARRO E CRISTAL
BRANCO
CEBOLA, TOMATE, MEL E DENDÊ
URTIGA VERMELHA
COPO DE ACENDER VELA FARINHA DE MESA COERANA
PARAMENTAÇÀO ABA COLAR DE CONTAS,
VERMELHA E PRETA BRINCO, ARGOLA E ANEL
CARNE DE BOI URTIGA BRANCA
PERFUME DE EXÚ
CARNE DE CABRITO MACAÇA
CIGARRO, CHARUTO E CIGARRILHA
PERPÉTUA
GUIA PRETO E VERMELHO
FLORES ROSAS VERMELHA E OUTRAS CORES
Bens simbólicos consumidos no dia 13 de junho
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Os valores simbólicos dos objetos nos permitiram demonstrarmos o simbolismo
desenvolvido pelo imaginário dos devotos. Não se trata de fazermos comparação de
religiosidade em si, apenas demonstrar que embora “cada cultura possui seus próprios
símbolos de intimidades”. Tuan (1983:63), eles expressam produto de uma mesma
mentalidade, o que foi comprovado com o grupo afro e seus comportamentos cultural-
religioso.
Como aborda Rosendahl: “A religião nunca é apenas metafísica. Em todos os
povos, as formas e os objetos de culto são rodeados por uma aura de profunda seriedade
moral, e uma necessidade da vida religiosa. As religiões distribuem entre as diversas partes
do espaço o maior número de imagens e símbolos que expressam suas idéias, (...),
produzem significado religioso nos fiéis, na comunidade e no grupo como um todo. E,
prossegue afirmando que um grupo religiosos, mais que qualquer outro tem necessidade de
se apoiar em um objeto, em parte da realidade que permanece, porque ele próprio não tem
pretensão de mudar, ao contrário de todas as instituições e costumes que se transformam e
das idéias e experiências que se renovam”, (1994:47).
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3.3 - ESTRUTURA SOCIAL DA COMUNIDADE DO CULTO AFRO NO BRASIL
Na tentativa de caracterizar o agente modelador do Mercadão de Madureira,
privilegiamos caracterizá-lo pela expressão de grupos pertencente ao culto ou a
comunidade afro-brasileira nessa pesquisa. No entanto à denominação Afro- brasileiro vem
pertencer o universo mais amplo da religiosidade de origem africana no Brasil. Não se trata
em qualificar e distingui o grupo em si, pois essa denominação foi dada pelo próprio grupo
e comunidade pesquisada, os quais se reconhecem e que representam nas tradições mais
próximas das diversificadas seitas de origem africana.
Trata-se porém de um grupo social, formado por homens e mulheres, partindo da
constatação de, que a maioria deles é do sexo feminino, porém percebemos que essa
comunidade tem em comum mais do que uma fé religiosa, isto é, são grupos
originariamente com a mesma identidade, nos quais os componentes são formados por
grupos negros, mulatos, o que demonstra a não rupturas de laços de origem histórica,
ligados a cultura dos negros africanos trazidas para o Brasil.
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3.4 - OS OBJETOS RELIGIOSOS NO TEOR DOS PEDIDOS X AS AFLIÇÕES
ATUAIS E MATERIAIS DOS DEVOTOS
A busca exaustiva dos artigos religiosos no Mercadão atende a vários propósitos, e
um dos mais importante, são os objetos que se integram no rito e na realização dos pedidos,
na maioria das vezes, esses podem ser realizados por uma simples vela acesa, na própria
casa do devoto, outros são preparados dentro de um ato cerimonial, do rito hierárquio do
culto, isto é, o pedido acontece na hora em que se prepara o elemento e, portanto, sendo
reforçado na entrega como uma forma contratual de oferenda.
A comunicação do devoto com a divindade é fato marcante, porém o papel do pais
ou mãe-de-santo é fundamental. Compete-lhe propiciar com seu poder, criar condições
para que a comunicação mística se faça. Neste sentido manipula as comidas, ervas, objetos,
espaço, coisa na construção do sagrado. E é através dessa construção dos elementos que
ocorre a participação do devoto, pois é nesse momento que ele o devoto fornece as
informações precisas do seu pedido, ou mesmo quando esse em forma de agradecimento se
conduz para presentear o santo, através da construção do sagrado. Dessa forma, e através
dos artigos manipulados que vai dar condições de relação entre o devoto e o divino. Não é
nossa intenção situar o misticismo da preparação do sagrado, porque não tarefa do
Geógrafo. A nossa intenção, foi conhecer quais as aflições e quais carências materiais dos
devotos que freqüentam o espaço do Mercadão, em busca de consumir esse artigos
religiosos. Dos entrevistados 70% revelam que o consumo de artigos religiosos, seria para
presentear aos seus Orixá, por ter conseguido resolver determinados problemas, além
desses servirem como solução para resolver problemas espirituais religiosos: “continuar
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com força na vida espiritual”, e continuar conquistando tudo que eles almejam “proteção”,
“saúde” e “prosperidade”. Os 30% restante buscam resolver problemas materiais “sucesso
numa operação”, “passar num exame”, “trazer o amado de volta”, “conseguir um
emprego”, “pedir para afastar um vício”. Elaboramos uma estrutura agrupando os pedidos
segundo a sua natureza e, procurando ser fiel à linguagem das revelação; a qual
transcrevemos nas palavras dos devotos no Mercadão.
1. Resolver problemas espiritais: A compra tem finalidade para pedidos em sua
maior parte pedem para da continuidade à vida espiritual, como também para afastar
perturbações.
“Vou fazer um trabalho grande, como
agora que vou deitar para o santo. E, um
trabalho de afirmação e fortalecimento
para meus Orixás”.
“Essa compra de artigos espirituais é para
atender um trabalho espiritual na minha
religião. É uma maneira de alcançar a
plenitude da vida espiritual conforme a
minha religião exige”.
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2. Relacionado com estudo: A compra tem como finalidade atender pedidos que
abrangem os diversos níveis de escolaridade.
“ Comprei doce para Cosme e Damião,
vou dar cocada e guaraná, assim consigo
passar de ano no colégio”.
Tentamos mostrar, que através da manipulação dos objetos religiosos, foi possível
verificarmos e atestarmos o crescimento da capacidade do homem de sentir, e pensar. E,
como essa capacidade demonstra, experiência voltada para o mundo exterior. Tuan afirma
essa idéia em sua obra quando cita Paul Ricoeur, “O sentimento é (...) sem dúvida
intencional: é um sentimento por alguma coisa ___ (...). Por outro, ele manifesta e revela a
maneira pela qual o eu é afetado intimamente”. No sentimento, “uma intensão e uma
afeição coincidem em uma mesma experiência”, (1983:10). E, é nesse sentido que
verificou-se o processo de socialização entre o homem , e, a religião. De modo, que, é
através de seus artigos religiosos, e suas carências espirituais e mesmo as materiais que,
fazem de seus mundo integrações entendidas, somente à sua comunidade religiosa.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Ao analisarmos o processo de expansão ocorrida na cidade do Rio de Janeiro, no
final do século passado, nos serviu de base para o entendimento da construção da área
central do bairro de Madureira, ou seja, na construção do centro de atividade na área
suburbana onde através de sua centralidade de negócios e serviços, foi possível
delimitarmos o Centro Comercial Condomínio Entreposto Mercado do Rio de Janeiro, o
Mercadão de Madureira, cuja à influência de seus negócios tomaram ritmos vultosos,
explicado pelo magnetismo de seu comércio religioso.
No curso de nossa pesquisa, o conhecimento das investigações, na apropriação do
espaço interior do Mercadão, é explicado pela vivência de grupos que trabalham e
organizam o espaço dentro de um legado tradicional da cultura religiosa Afro-brasileira.
Essa, já é em si umas das explicações explícita da atração do consumo e da origem de
grande intensidade de fluxo, demonstrando o dinamismo do mercado.
Cabe ressaltar, que a íntima relação dos artigos religiosos no espaço é perceptível
por toda comunidade, principalmente quando essa organização encontra-se num ritmo
repetido, a cada vez que se aproxima de um tempo de festa sagrada, à esse preceito em
organizar têm como objetivo selecionar as mercadorias vendidas, de acordo com o
calendário litúrgico dos terreiros.
Deseja-se enfatizar esta discussão sobre o reconhecimento da construção e obtenção
dos objetos religiosos e simbólicos no espaço. E ao mesmo tempo ressaltar que não pode
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ser concluída ou finalizada, pois sempre haverá interpretações, inerente ao comportamento
humano.
Finalizando, queremos sugeri algumas propostas de pesquisa, objetivando a abertura
de discussões no campo da Geografia, objetivando assim, maior número de análises e
interpretações, porém dentro da perspectiva geográfica cultural e econômica. Tais propostas
são indagações que nos permitem algumas reflexões.
* Sugerimos uma análise mais profunda nas questões dos problemas sócio-
econômico dos grupos que fornecem e fabricam os artigos religiosos, principalmente os que
trabalham no fundo do quintal.
41
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44
ANEXO
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46
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