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MÉRCIA APARECIDA NUNES VASCONCELLOS
A DIALÉTICA DA CULTURA: O USO DE ANGLICISMOS NA MÍDIA
MARÍLIA 2005
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MÉRCIA APARECIDA NUNES VASCONCELLOS
A DIALÉTICA DA CULTURA: O USO DE ANGLICISMOS NA MÍDIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Marília, para a obtenção do título de Mestre em Comunicação. Área de concentração: Mídia e Cultura. Linha de Pesquisa: Produção e Recepção de Mídia. Sob a orientação da Professora Doutora Jussara Rezende Araújo.
MARÍLIA 2005
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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO
REITOR MÁRCIO MESQUITA SERVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO COORDENAÇÃO: PROFa. Dra. SUELY FADUL VILLIBOR FLORY
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO MÍDIA E CULTURA
LINHA DE PESQUISA PRODUÇÃO E RECEPÇAO DE MÍDIA
ORIENTADORA PROFa. Dra. JUSSARA REZENDE ARAÚJO
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A DIALÉTICA DA CULTURA: O USO DE ANGLICISMOS NA MÍDIA
Autora: Mércia Aparecida Nunes Vasconcellos Orientadora: Professora doutora Jussara Rezende Araújo Aprovado pela Comissão Examinadora
________________________________ Profa. Dra. Jussara Rezende Araújo
Orientadora
________________________________ Prof. Dra. Loredana Límoli
________________________________ Profa. Dra. Suely Fadul Villibor Flory
Data da defesa: 27/06/2005.
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RESUMO
A presente pesquisa investigou os motivos pelos quais o uso de
anglicismos (xenismos) na mídia incomoda o senso comum, gera debates
acalorados que resultam no Projeto de Lei nº 1676/99, do deputado Aldo Rebelo,
e o problema da fixação no homem-massa na crença de que a infra-estrutura
econômica determina a linguagem.
A investigação apontou algumas escolas científicas que explicam o
fenômeno do anglicismo no contexto do senso metacomunicacional e escolas
científicas em que cultura e civilização são vistas em uma relação contraditória,
gerando uma dialética própria em que ao mesmo tempo que a linguagem revela a
luta de classe, deixa um ponto obscuro quanto às causas proxêmicas e históricas
dessa luta.
A contradição impede que a linguagem seja aprisionada como algo puro
ou algo puramente proxêmico e ideológico, como vamos mostrar através de
autores como Paulo Ghiraldelli Jr. e outros, que afirma que a linguagem “se faz
por uma triangulação que está longe de necessitar que os nomes estejam presos,
de modo exclusivo, a significados”.
Palavras-chave: Aculturação, Anglicismo, Meios de Comunicação de Massa e
Xenismos.
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ABSTRACT
This research investigated the reasons why the use of anglicism on media
annoys the common sense, it begets excited discussions which results in the
Projeto de Lei nº 1676/99, of the politics Aldo Rebelo, and the problem of the
fixation in the mass-man in the belief that the economical infra-structure
determines the language.
The investigation pointed out some scientific schools which explain the
anglicism phenomenon in the context of the met communicational sense in which
culture and civilization are seen as a contradictory relationship begetting a
dialectic proper in which the same time it reveals the class conflict, it allows an
obscure point in relation t the proxemics and historical causes of this conflict.
The contradiction prevents the language of being imprisoned as something
pure or something purely proxemic and ideological, as we are going to show
through some authors as Paulo Ghiraldelli Jr. and others, who affirm that the
language “is done by a triangulation which is far of needing that the names be
imprisoned, in an exhaustive way, to the meanings”.
Key-words: Acculturation, Anglicism, Mass Media, “Xenismos”
7
Agradecimentos
A Deus: pela vida e pela saúde!
A meus pais, Moyzés e Vera, pelo amor, pelos cuidados, pela educação e
formação e pelos incentivos. A forte presença de ambos em minha vida sempre
foi marcada pela dignidade, carinho, compreensão e sensatez.
A Lara Maria, minha filha, pela compreensão. Peço desculpas pelas horas que
não passei com você. O seu choro, quando eu saia de casa para fazer esse
curso, eu ouvia o dia todo. A volta para casa era muito esperada e a chegada,
cheia de alegria. Eu amo você, minha filha!
Ao meu irmão Mauro, pelo socorro nas horas de desespero. Sua vida é o maior
exemplo da fé e do amor de Deus, que mantém unida a nossa família.
À minha irmã Maria Emilia: quanta sintonia em nossas vidas!
Ao meu cunhado, Celso Batista, pelas brincadeiras capazes de me trazerem de
volta à vida normal.
A vocês dois, o meu muito obrigada pela realização do sonho de ser tia.
Aos professores: desde as primeiras palavras ensinadas por dona Marialva
Pereira, até a dedicação de Jussara Rezende Araújo, passando pelas mãos dos
queridos professores Maria Celeste de Jesus Góis Vasconcelos, Miguel Contani,
Durvali Fregonezzi, Rafael Eugenio Hoyos Andrade, Eliana Valdéz Lópes e Eliza
Guimarães.
8
À professora doutora Suely Fadul Villibor Flory, pelo incentivo e carinho, pela
resolução dos problemas, pela orientação para a conclusão desse trabalho.
Ao professor Romildo Sant’Anna: muita saudade de suas aulas, de seus
carinhos, do café na cantina, dos momentos alegres pelos corredores da
faculdade. Quanto aprendi com você!
Aos meus alunos que me impulsionam sempre para o aperfeiçoamento.
Aos colegas de trabalho, pelos bons momentos.
Aos companheiros de viagem, Fernanda, Ricardo e Alzimar:
Fernanda Ramalho, pelo apoio e respeito. Pelos finais de semana. Seu trabalho
será sempre admirado por mim, amiga. E, lembremos sempre dessa nossa
vitória!
Ricardo Costa: nossas viagens são inesquecíveis! Quanta aventura nas estradas!
Em especial, à grande amiga Alzimar Ramalho. É difícil falar de você, Alzi. Mas,
você foi meu muro de arrimo por todo esse período em que convivemos juntas na
sala de aula, em nossas casas, em nossas viagens, em nosso trabalho, em
nossas escapadas para descontrair.
Esses poucos mais de dois anos foram preciosos e prestaram-se ao papel de
afinar muito mais nossa amizade. Que ela seja eterna e que a confiança, o
respeito e a admiração façam-se sempre presentes. Obrigada pelas informações
dadas, pelas indicações feitas, pelos finais de semana em frente ao computador,
ajudando-me a levantar quando estava para cair. Obrigada pela presença nos
momentos de angústia e desânimo.
À amiga Adriana de Oliveira: quão valiosas foram suas contribuições! Seu estado
permanente de contentamento é contagiante.
9
À amiga Olívia Guimarães, pelos bons tempos de outrora e pela certeza de poder
contar com você.
À Nágila e Ereni, pelos cuidados com minha filha durante minha ausência.
A todos aqueles que fizeram grandes colaborações e não foram citados, muito
obrigada!
Aos membros da Banca de Qualificação, professora doutora Suely Fadul Villibor
Flory e professora doutora Ana Maria Gottardi, pelas palavras de apoio e pelas
contribuições oferecidas para a conclusão desse trabalho.
À minha orientadora, professora doutora Jussara Rezende Araújo, que me
mostrou a dialética científica.
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Dedicatória
Dedico este trabalho à minha mãe. E melhor
amiga!
Você, mãe, é uma pessoa admirável. Mulher de fibra e guerreira. Suas palavras
são sempre as que preciso ouvir e sua fé sempre me conduz ao caminho certo, à
felicidade.
Você, mãe, é o maior e melhor sistema da minha vida. E ela, devo a você.
Essa caminhada que acabo de encerrar é reflexo da sua caminhada! Da sua luta!
Do seu amor!
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. Considerações preliminares........................................................................................................14
CAPÍTULO I
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
1. Quadros teóricos da pesquisa ....................................................................................................16
1.1. O problema da aculturação......................................................................................................17
1.2. O processo colonizatório .........................................................................................................18
1.3. A formação de xenismos na língua portuguesa...............................................................19
2. Metodologia.................................................................................................................................23
2.1. Procedimentos adotados..........................................................................................................24
CAPÍTULO II
O USO DE XENISMOS ANGLÓFONOS NO JORNALISMO
1. O anglicismo presente na crônica...............................................................................................25
1.1. “Segundo mandato para o companheiro Bush?” – Paulo Nogueira B.Jr...... ............... ...........27
1.2. “O cúmulo da covardia” – Eliane Cantanhêde........................................................................ 29
2. A presença de xenismos anglófonos no gênero jornalístico informativo....................................31
2.1. “Polifonia” – Marcelo Diego.......................................................................................................31
2.2. “Assessoria de imprensa da emissora diz que não responde pelas imagens”- Da redação
da“Folha de São Paulo”...................................................................................................................33
2.3.“Músico inglês se apresenta em SP comandando uma big band de jazz”- “Guilherme
Werneck...........................................................................................................................................35
2.4 “Lançamento DVD mostra performance na penitenciária de Sing Sing”- Edson
Franco..............................................................................................................................................38
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CAPÍTULO III
O USO DE XENISMOS ANGLÓFONOS NA PUBLICIDADE
1. O anglicismo presente na publicidade........................................................................................41
1.1. Anúncio publicitário da yellowcom...........................................................................................45
1.2. Anúncio publicitário da 2 B Brasil ...........................................................................................48
CAPÍTULO IV
O USO DE XENISMOS ANGLÓFONOS NA MÚSICA
1. A presença de anglicismo na música ........................................................................................51
1.1. “Chuckberry Fields Forever” - Gilberto Gil ……………………………....................................56
1.2. “I love you tonight” – Falcão/Dudu Maroti/Marcos Romera…………………............................57
1.3. “ Samba do approach” – Zeca Baleiro ....................................................................................57
CAPÍTULO V
O PROJETO DE LEI Nº 1.676/99 DO DEPUTADO ALDO REBELO
1. O Projeto de Lei nº 1.676/99......................................................................................................60
2. Entrevistas com Aldo Rebelo ....................................................................................................66
2.1. Aldo Rebelo concede entrevista em Assis..............................................................................66
2.2.”Comciência” entrevista Aldo Rebelo - “Há risco para a língua?” - Mário Perini................... 69
2.3. “IstoE” entrevista Aldo Rebelo - “Língua ferida” – Florência Costa e Ines Garçoni ..............72
2.4. “A Notícia” - entrevista Aldo Rebelo – “Projeto quer barrar invasão lingüística .....................76
3. A competência da política sobre o tema....................................................................................81
4. Falso nacionalismo....................................................................................................................85
CAPÍTULO VI
REPERCUSSÕES DO PROJETO DE LEI NA MÍDIA
1. “Polêmica sobre língua estrangeira em anúncios” - Paulo Ghiraldelli Jr...................................87
2. “Escrevendo Muderno” - João Ubaldo Ribeiro .........................................................................90
3. “Aldo Rebelo Propõe a regulamentação dos estrangeirismos na Língua Portuguesa” – Da
redação da revista “ComCiência”..................................................................................................93
13
4. “Faroeste Brasileiro” – Ivan Iunes.............................................................................................95
5. “O deputado e a língua” – Marcos Bagno.................................................................................97
CAPÍTULO VII
O PROJETO DE LEI 1.676/1999 COMO TEMA DE VESTIBULAR
1. Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Dezembro/2004...............................................104
2. FUVEST.- 2000........................................................................................................................105
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................108
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................114
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INTRODUÇÃO
1. Considerações preliminares
Esse trabalho é resultado de um estudo de uma seleção de textos
veiculados pela mídia com objetivos de oferecer uma inteligibilidade sobre o uso
de vocábulos anglófonos (xenismos) na comunicação em seus vários canais: no
jornalismo, na publicidade, na música e na legislação brasileira.
Vamos endossar algumas teorias que explicam como e porque o uso de
vocábulos provenientes de línguas estrangeiras é massificado e os motivos que
incomodam alguns setores políticos e intelectuais. Para isso destacamos o
Projeto de Lei nº 1.676/99 do deputado Aldo Rebelo, que visa à proibição do uso
de xenismos1 em diferentes setores da sociedade, inclusive na mídia e nas
repartições públicas.
Pensamos que o uso de vocábulos estrangeiros na mídia não agride a
moral nem a cidadania do brasileiro. Para isso coletamos textos jornalísticos e
publicitários impressos e músicas de massa, que ilustram o emprego de
vocábulos anglófonos, como algo social.
Nossos quadros teóricos de referência demonstram que, ao contrário do
que defendem alguns intelectuais e políticos nacionais, as veiculações de léxicos
e expressões estrangeiras enriquecem as ficções televisivas; programas de
entretenimentos e gêneros jornalísticos. Dessa forma a nação está sempre em
contato com novas expressões, que são geradas pelo mercado das trocas
comerciais, mercadológicas e de massa, sendo o mercado o problema real, que
gera o desenraizamento e a exclusão moral.
A pesquisa está estruturada em sete capítulos, em que desenvolvemos desde os
“Pressupostos Teóricos” até o enfoque do “Projeto de Lei nº 1.676/99
1 No Projeto de Lei que serve de corpus a esta pesquisa o deputado Aldo Rebelo emprega equivocadamente o termo estrangeirismo no lugar de xenismo. Explicamos que o termo “estrangeirismo” é a fase de peregrinação da palavra estrangeira até que seja incorporada à língua receptora, enquanto “xenismo” é o emprego da palavra estrangeira sem adaptação às normas lingüísticas da língua receptora, como é o caso da palavra show.
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de Aldo Rebelo como tema de vestibular”, passando pelas partes intermediárias:
“O uso de xenismos anglófonos na Publicidade”, “O uso de xenismos anglófonos
na música”. “O Projeto de Lei nº 1.676/99 do deputado Aldo Rebelo”, e “As
repercussões do Projeto de Lei na Mídia”.
Fazemos, aqui, uma reflexão crítica da história do Brasil e das
transformações político-sociais e culturais, de modo que a insatisfação recaia
sobre a linguagem. Pretendemos demonstrar que o fator lingüístico não é o único
responsável pela incorporação de neologismos externos, mas que suas causas
se encontram no processo de aculturação e enculturação sofridos durante o
período de colonização ou pela insatisfação de fundo político-social, e também
pela introdução da tecnologia no país e a busca de prestígio social.
Essa é a dialética da natureza: algo que só é desvelado depois de velado,
observado, com o movimento do retorno e o ver de novo, como nos ensinou
nossa orientadora.
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CAPÍTULO I
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
“Os mass media criam um ambiente cultural no qual os indivíduos
são mergulhados, que queiram, quer não”. Francis Vanoye
1. QUADROS TEÓRICOS DA PESQUISA
Ao definirmos nossos quadros teóricos de referência buscamos autores
que nos possibilitassem a compreensão do processo de formação de
neologismos externos na Língua Portuguesa, pois nossos pressupostos iniciais
eram de que a língua é um sistema aberto, passível de incorporar elementos de
outras línguas. Nesse contexto, para nós, a cultura dos Estados Unidos exercia,
mais que a de outros países, grande influência sobre o Brasil em diferentes
setores e segmentos, por isso era o maior responsável pela preferência de
empréstimo léxico-semântico da língua inglesa, ou seja, o brasileiro espelhava-se
nos povos dos Estados Unidos, empregando estes signos em busca de prestígio
social e até de um respaldo psíquico como um alterego.
Aos poucos fomos entendendo que o uso de vocábulos estrangeiros não
era recente e nem era reflexo (espelho psíquico) da luta de classes. O processo
de ocupação do território, simbolicamente violento, forjou uma comunicação
complexa. O fenômeno da importação de vocábulos estrangeiros deixou de ser,
ao nosso ver, apenas um fato social e lingüístico e passou a ser, também,
cultural.
A teoria da comunicação desenvolveu-se e conheceu diversos modelos.
Vamos endossar aqui o modelo da “teoria da dependência”, na qual a matriz
organizacional da mídia do mundo é fundamentalmente estadunidense, por ter
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tomado dimensões de massa e difundido técnicas de padronizações de mercado,
aperfeiçoando-se à medida que as sociedades se tornaram mais fragmentadas. E
nessa situação o Brasil também se encontra.
A impressão em massa a partir da divulgação da tradução da Bíblia, feita
do original grego por Lutero, ainda se presta a importantes papéis sociais e
culturais, sendo uma amostra do imaginário coletivo.
Referindo-se às interações sociais estabelecidas pela mídia, Pércio
Oliveira2 diz “o aspecto mais importante da interação social é que ela provoca
modificação de comportamento nos indivíduos envolvidos, como resultado do
contato e da comunicação que se estabelece entre eles”.
Também como reflexo dessa grande difusão do modus faciendi
estadunidense, a comunicação de massa chegou ao Brasil, na década de 50,
instalando suas bases industriais no mercado cultural somente na década
seguinte, e com ela, novamente, os anglicismos, visto que a escola da
comunicação de massa criou neologismos juntamente com os ensinamentos
transmitidos, e, tais como a maneira de escrever, transmitiu também seus
conceitos e emprestou seu repertório. Portanto, a linguagem, um produto social
que reflete e retrata a realidade social, influi sobre o sistema de percepção e
articulação com o mundo, quando o enunciatário participa de todo o processo
global da comunicação.
1.1. O PROBLEMA DA ACULTURAÇAO
Atualmente, a sociedade brasileira aboliu de sua bagagem lingüística os
francesismos que imperavam até metade do século passado, dando preferência,
prestigiando e tendo como modelo tudo o que diz respeito aos Estados Unidos.
As barreiras geográficas ficaram muito próximas e a exportação e a
importação estimularam os brasileiros. São produtos que entram no país com
rótulos em língua inglesa e com preços inferiores. As relações comerciais
tornaram-se freqüentes e comuns. O “made in” tomou conta da mercadoria
2 OLIVEIRA, Pérsio S. de. Introdução à Sociologia. 13ª ed. SP: Ática, P. 19
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comercializada no Brasil e tem a preferência do público consumidor. Mesmo
porque as empresas estrangeiras desenvolveram uma cultura de marketing
diferenciada da que se desenvolveu no nosso país e ainda têm mais recursos
financeiros e tecnológicos para investir em propaganda atraindo, assim, o
consumidor.
Por outro lado, a necessidade de aprender inglês, como segunda língua,
fez com que inúmeras academias e cursos livres de língua estrangeira se
espalhassem pelo país, com mensalidades baixas, permitindo acesso em massa
de alunos. A alta freqüência nos cursos de inglês deve-se ao fato de as pessoas
acreditarem que aprender a língua inglesa é uma alternativa para melhorar as
expectativas de vida e ampliar as possibilidades de emprego.
1.2. O PROCESSO COLONIZATÓRIO
Albert Memmi3 afirma que no processo de colonização francesa na África,
os colonizadores impuseram rapidamente seus modos de vida, através da
imposição cultural, da religião e dos hábitos culinários e domésticos. O
colonizado teve tudo o que era seu banido, passando a ter como modelo o
colonizador, imitando-o e com ele identificando-se. Isso equivale também ao
Brasil, durante o período de ocupação do território brasileiro.
Em tempos mais modernos, com a influência da mídia durante os anos 50
e 60, há uma nova visão de aculturação decorrente dos meios de comunicação. A
maioria dos brasileiros tem como modelo os valores culturais estadunidenses,
não apenas como resultado de processos ou influências ocorridas em função dos
intercâmbios, tecnologias ou convívios mais recentes, mas também como
decorrência da dependência instaurada no processo de colonização do Brasil sob
a invasão dos europeus.
Assim, tal identificação não se deu apenas por imposição, mas também
porque o colonizado alienou-se por julgar o colonizador superior, o que aumentou
a sua discriminação em todos os sentidos, até mesmo na política. Segundo
3 MEMMI, Albert. Retrato do Colonizado Precedido pelo Retrato do Colonizador. RJ: Paz e Terra, 1967.
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estudo clássico de Memmi, o colonizado acata as imposições e para não morrer
no bojo dos códigos culturais, os referentes extralingüísticos são aglutinados num
componente que chamamos de complexo de inferioridade. O colonizador
representa a negação do colonizado e o colonizado a negação do colonizador.
Esse período, o colonizatório, foi de conflitos, aparentemente nacionalistas, que
deu início à xenofobia social e cultural. Os conflitos não eram somente em virtude
da importação e imposição dos costumes, cultura, política e até mesmo língua,
mas também porque o colonizador toma o lugar do colonizado e usurpa seus
privilégios e ao colonizado nada resta senão acomodar-se, perdendo, então, sua
identidade nacionalista e abandonando a luta pela liberdade nacional.
Como vemos, o problema não está na linguagem, mas na forma emocional
e violenta como a hegemonia dominante ocupa o mercado em termos de
mundialização.
Vemos assim, que a aculturação é um fenômeno complexo, que envolve
não apenas a imposição da linguagem, mas a invasão altera o cotidiano e os
costumes, negando a identidade do invadido.
1.3. A FORMAÇÃO DE XENISMOS NA LÍNGUA PORTUGUESA
São três as fases pela qual um sintagma (uma palavra) transita até que
seja incorporado à nossa língua: palavra estrangeira, estrangeirismo (uma fase
de peregrinação em que o termo pode ser aceito ou não) e, terceira fase, na qual
a palavra estrangeira pode assumir duas características distintas: empréstimo ou
xenismo. No primeiro caso, a palavra sofre alterações que podem ser as mais
variadas, como líder, de leader, e futebol, de football. No segundo caso, a palavra
tem sua forma preservada, como resort e show.
Os elementos lingüísticos que chegam diariamente a este país, como uma
invasão lexical e não são adaptados aos princípios lingüísticos da língua
receptora, recebem o nome de neologismos externos ou xenismos, e verifica-se a
transferência lexical de um elemento já formado em língua estrangeira para outra
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língua. Portanto, no processo de adoção de um vocábulo tem-se a passagem do
“signo lingüístico extraído de uma língua em que funciona segundo as regras
próprias do código dessa língua, para outra língua, em que se insere num
sistema lingüístico” 4.
Tornou-se, então, essa palavra, neologismo externo. E o neologismo
externo nada mais é senão uma palavra estrangeira que sofreu um processo de
incorporação até tornar-se empréstimo lingüístico externo ou estrangeiro, ou
ainda xenismo.
Nem todas as palavras estrangeiras sofrem o mesmo processo de
incorporação. Há diferentes tipos de empréstimos que resultam do contato com
outros sistemas lingüísticos, diferentes do seu primitivo, conforme explica
Carvalho5 :
- empréstimos íntimos: resultam da convivência de duas línguas num mesmo
espaço geográfico, colocando em evidência o domínio de uma sobre a outra;
- empréstimos culturais ou externos: resultam do intercambio entre diferentes
países, especialmente do contato político, social e cultural entre seus povos; e
- empréstimos dialetais: resultam de diferentes hábitos de linguagem de uma
mesma língua (variantes regionais e sociais).
Interessa-nos, neste momento, apenas o segundo caso, em função
dos textos midiáticos, selecionados por nós, produzidos com fundamentos
extraídos da segunda língua, a inglesa, os quais não são “uma criação lingüística
no sentido real do termo, pois a novidade do mundo extralingüístico não acionou
a criatividade do falante” 6, mas que se acomodou a um sistema diverso ao seu,
respeitando os hábitos lingüísticos da língua receptora.
Exemplo disso “é facilmente encontrado em vocábulos técnicos – esporte,
economia, informática... – como também em outros tipos de linguagens especiais:
publicidade e colunismo social”7.
4 GUILBERT, L. “Theorie du Néologisme”. In: Cahiers de l’ Association Internationale des Études Françaises. Nº 25, Paris: 1972, p. 3 5 Nelly Carvalho, Empréstimos Lingüísticos. SP: Ática, 1989, p. 37. 6 Ib. , p. 42. 7 Ib., p. 73.
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Para Ieda Maria Alves8, a introdução de um termo, para que seja efetivo,
deve passar por diferentes fases, manifestando-se em diferentes níveis. Primeiro,
a palavra estrangeira (P.E.) existe na língua doadora; depois o estrangeirismo
(E), cujo termo existente na língua importadora é empregado em outro sistema
lingüístico, língua receptora, e sentido como elemento externo, até chegar a
empréstimo lingüístico (E.L.), que é a instalação de um termo adaptado de
qualquer tipo na língua receptora, e que poder ser aceito/adotado, rejeitado ou
substituído, e quando aceito deixa de ser percebido como termo estrangeiro,
torna-se elemento que faz parte da langue, já socializado; ou xenismo (X), que
consiste na instalação de um termo e ausência de adaptação para a língua
receptora.
As fases acima descritas podem ser facilmente esquematizadas conforme
se segue, e é o modelo teórico que adotamos nessa nossa pesquisa:
Palavra Estrangeira (P.E.)
(football e show) Estrangeirismo (E) (football e show)
Empréstimo Xenismo (E.L.) (X) (futebol) (show)
8 Ieda Maria Alves, 1990.
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O elemento tomado emprestado de uma língua só passa a fazer parte
do conjunto lexical da língua receptora depois de ter ultrapassado a fase do
estrangeirismo, quando está se integrando à língua receptora, sofrendo ou não
adaptações diversas chegando à adoção ou incorporação. Mas, vamos focar os
xenismos, que são aqueles elementos incorporados e empregados em textos
midiáticos, sem alteração em sua forma, ou seja, a origem de uma palavra em
inglês é mantida na língua importadora, neste caso, a língua portuguesa.
O importante de todo esse processo são os motivos que levam o país
a importar um termo novo e ser empregado como se fosse palavra portuguesa.
As amostras de xenismos encontrados nos usos dos códigos do repertório
de textos midiáticos revelam a grande influência de diferentes culturas na
formação das palavras portuguesas e no enriquecimento do léxico, apesar de
termos nos limitado e restringido aos termos importados da língua inglesa na
seleção de dados coletados, mas a presença de xenismos provenientes das
línguas francesa e espanhola também são encontrados nas produções midiáticas
de massa, embora com incidências menores (anexos I, II,III e IV).
Os meios utilizados para que o processo de incorporação se dê são
diversificados, mas o mais comum é o meio de comunicação, mais
especificamente, a mídia impressa brasileira, jornais e revistas, e emissoras de
rádio, que muitas vezes empregam a palavra estrangeira e depois explicam-na, o
que permite o completo entendimento do termo que a partir de então passa a ser
usado por grande parte da coletividade (anexo V).
Notamos que a produção da mídia impressa brasileira apresenta redução
quase que total de destaque em neologismos externos. Um quase rompimento
com os tabus lingüísticos, pois os vocábulos aparecem naturalmente como
qualquer palavra portuguesa, com maior incidência e maior diversificação. Até
mesmo as siglas foram incorporadas.
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2. METODOLOGIA
2.1. Procedimentos adotados
Os procedimentos adotados foram diversificados. Devido à grande
incidência de textos midiáticos que empregavam xenismos anglófonos,
selecionamos alguns de diferentes gêneros. Paralelamente, revisitamos teorias
que explicam o fenômeno, buscando esclarecer o caso do Projeto de Lei nº
1.676/99 do deputado Aldo Rebelo.
Nossas suposições iniciais foram que os aspectos e transformações
sociais, culturais, políticas, econômicas e outros sofridos pelo brasileiro, em
função da nova ordem mundial, impuseram léxicos no cotidiano, que são
transmitidos nos textos midiáticos e depois empregados pelos brasileiros.
Entendemos, no entanto, que a base do uso não era puramente lingüística
e buscamos respaldo na história, que nos mostrou que a incorporação de línguas
estrangeiras teve início durante o período de colonização, quando o território
brasileiro foi ocupado, acentuando-se com o advento da industrialização no Brasil
e a implantação de grandes empresas9, quando houve uma invasão lexical e
restaram grande dependência política, econômica e tecnológica que desde então
se estabeleceram entre a Inglaterra, Estados Unidos e Brasil. Nessa época, a
comunidade brasileira foi assimilando cada vez mais elementos com base nos
costumes e modo de vida dos povos dos Estados Unidos, país dominante e
desenvolvido, “donos do mundo”, segundo eles mesmos10.
Assim, passamos a investigar a que modelo econômico-sócio-cultural
serve a mídia quando ressemantiza um vocábulo sem critérios justos; vende
9 SODRÉ, N. W. História da Burguesia Brasileira. Petrópolis, Vozes, 1983. 10 A esse respeito, Nelly Carvalho, 1989, diz que de um lado a influência começa com o “saber cientifico das terminologias de ponta, desce ao saber técnico e dissemina-se entre os usuários comuns” e por outro lado “a imitação/admiração se fortalece pelo cinema, música, moda e TV” (p.56). Outro lingüista, Rony Farto Pereira, 1983, p. 44, complementa a asserção de Nelly Carvalho quando diz que juntamente com a importação de desenvolvimento tecnológico e científico também se importam modismos e enlatados de TV, que fazem parte do cotidiano do brasileiro.
24
significados sem uma visão da hegemonia política que está por trás das
linguagens.
É justamente por isso que não apenas representam a incorporação de
novos léxicos, mas também são fruto de novos veículos de comunicação, com
novas linguagens.
Contudo, a aceitação e o uso de termos anglófonos, e de outros, em textos
midiáticos, parte do leitor, que é usuário da língua falada, situada em outro nível,
como forma de buscar prestígio e reconhecimento social, destacando-se aqui a
aculturação do brasileiro. Mais uma demonstração de que se trata de um
fenômeno político-econômico e sociocultural.
25
CAPÍTULO II
O USO DE XENISMOS ANGLÒFONOS NO JORNALISMO
Apresentamos a seguir textos selecionados de diferentes gêneros
midiáticos que mostram a presença de xenismos anglófonos, os quais são
grafados em itálico. Os exemplos são utilizados aqui apenas para ilustrar o uso
metalingüístico de xenismos em textos midiáticos, não sendo, portanto, objetos
de análise.
1. O ANGLICISMO PRESENTE NA CRÔNICA
A crônica teve seu ponto alto na Idade Média, após o século XII, quando a
história já se apresentava como uma perspectiva individual. Até então, crônica
era uma relação de acontecimentos organizados cronologicamente, sem
participação interpretativa do cronista.
A partir do século XIX, a crônica passou a representar um trabalho literário
próximo do conto e do poema, porém se impondo como uma forma especial de
produção textual, em virtude de sua classificação.
A crônica capta o imaginário coletivo em suas manifestações cotidianas. É
uma soma de jornalismo e literatura, que se dirige a uma classe que tem grande
preferência pelo jornal em que é publicada, correspondendo aos interesses dos
seus consumidores, ora direcionados pelo proprietário do jornal, ora pelos
editores-chefes de redação.
As crônicas não são muito longas e primam pela grande elaboração e
organização de idéias e palavras para que possam explorar o tema abordado em
número restrito de laudas, ou até mesmo de linhas. Muitas vezes, no silêncio das
palavras escondem-se as verdadeiras significações do que foi verbalizado,
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sacramentando a liberdade do cronista e a avidez para cumprir a missão de
antena do leitor, do povo, explorando “as potencialidades da língua, buscando
uma construção frasal que provoque significações várias (mas não gratuitas ou
ocasionais), descortinando para o público uma paisagem até então obscurecida
ou ignorada por completo”, conforme afirma Jorge de Sá11.
O narrador típico da crônica é um narrador-repórter, que se coloca na
posição de quem está a serviço da vida e da sociedade, embora tal gênero
literário, como matéria jornalística, tenha caráter efêmero e esteja fadado ao
rápido esquecimento.
Uma das principais características da crônica é seu caráter dialógico que
estabelece determinada tensão ou conflito entre idéias ou conceitos, levando os
interlocutores a visões diferentes sobre determinado tema, provocando o leitor e
fazendo contribuições contrárias para que os próprios interlocutores façam suas
definições acerca das opiniões e construam seu próprio conhecimento.
Muitos leitores de crônicas se reconhecem nos temas, personagens,
ambientes descritos, problemas apresentados e discutidos, e é muito aceita no
jornal por ser o gênero da efemeridade e sempre tratar, posicionar-se em relação
a um acontecimento público, geralmente político, como podemos verificar no
texto de João Ubaldo Ribeiro, Falando Muderno12 . Por isso diz-se que a crônica
é autoral e não editorial, já que não manifesta a opinião do jornal. Com tons de
conversa, atribui-se ao fato um sentido. Toma-se um conflito maior, no qual
conflitos menores se centram.
As crônicas não estão presas a normas estilísticas. A elas é dada total
liberdade da escolha de estilo, e tendo a consciência do poder de entendimento
dos leitores, o emprego de vocábulos estadunidenses em crônicas apresenta-se
como fato corriqueiro e natural. A língua portuguesa corrente e fluente é
mesclada com palavras inglesas que, normalmente, classificam-se como
substantivos e são empregadas isoladamente, mesmo porque essa característica
11 SÁ, Jorge de. A Crônica. Ática, SP, 1992, p. 10. 12 Falando Muderno, de João Ubaldo Ribeiro, foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 15/4/2001, como uma espécie de ironia ao Projeto de Lei de Aldo Rebelo.
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de empréstimo permite que o entendimento de um termo anglófono seja extraído
de seu contexto.
Em contato com a mídia impressa brasileira deparamo-nos com inúmeras
crônicas que empregam signos estrangeiros, e isso não é um fato recente,
apenas tem-se disseminado após a instauração do livre comércio com os
Estados Unidos, aumentando, diuturnamente as importações, e com o processo
iminente da globalização, o brasileiro está, cada dia mais, sendo colocado em
contato com palavras e textos que contenham signos diversos ao da língua
portuguesa, como pode ser constatado nas crônicas que se seguem. E, quando
uma palavra estrangeira se apresenta como nova ao acervo lexical do leitor,
muitas delas são explicadas para que possam ser compreendidas e
memorizadas, e até empregadas posteriormente, pelo leitor.
1.1. “SEGUNDO MANDATO PARA O COMPANHEIRO BUSH?” – PAULO
NOGUEIRA BATISTA JR.13
“Segundo mandato para o companheiro Bush?
George W. Bush merece um segundo mandato? Nos EUA, as opiniões estão muito divididas, com alguma vantagem para o presidente. No resto do mundo, a resposta é: “Não!” – com ponto de exclamação e tudo. Será justa essa resposta? Tem cabimento a ênfase? Não creio, sinceramente. Ninguém desconhece, é claro, os podres da sua gestão: notadamente, a desastrosa invasão do Iraque e as fragilidades da sua política econômica. Acontece que o companheiro Bush vem prestando, sem querer, um certo serviço a países como o Brasil.Pode parecer estranho, mas é o que vem ocorrendo. Explico. Com a desintegração da União Soviética, rompeu-se o equilíbrio de poder no mundo. Única superpotência remanescente, os EUA passaram a predominar, sem maiores contestações, em escala planetária e, com especial intensidade, nas suas áreas tradicionais de influência, como a América Latina. Bill Clinton soube valer-se desta nova configuração, alternando com habilidade os instrumentos de hard power com os de soft power. Força bruta, intervenções militares, em certas ocasiões, mas temperadas com consulta aos principais aliados, manobras diplomáticas e esforços de persuasão e
13 FOLHA DE S. PAULO (30/09/2004) – OPINIÃO ECONÔMICA
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sedução (aqui no Brasil, o procônsul Fernando Henrique Cardoso babava na gravata). Com o companheiro Bush, o quadro é diferente. Não que os objetivos fundamentais da política externa dos EUA tenham sofrido transformação radical. Mas o estilo, sim. Bush é franco e aberto. A sua alma texana não cultiva a hipocrisia que, segundo La Rochefoucauld, é “a homenagem do vício à virtude”. A agenda de Washington ficou mais explícita e, portanto, mais vulnerável. Acabaram-se os rapapés e os disfarces. Sumiram as figuras de retórica que disfarçam a submissão dos procônsules de diferentes cantos do planeta à estratégia da superpotência. Conseqüentemente, a influência dos EUA declinou e cresceram as resistências a Washington em grande parte do mundo, inclusive na América do Sul. No Brasil, por exemplo, existe um numeroso “partido americano”, gente que nasceu por aqui sob protesto e se identifica visceralmente com os EUA. Os seus integrantes falam português com indisfarçável “sotaque espiritual”, como diria Nelson Rodrigues. Com a ascensão do companheiro Bush, esse “partido americano” perdeu o rumo de casa e já não sabe mais o que inventar para se fazer ouvir. Outro traço curioso e paradoxal do companheiro Bush: é republicano e conservador, mas não dá ouvidos à ortodoxia econômica.O estouro da imensa bolha especulativa herdada do período Clinton ameaçava jogar a economia dos EUA em profunda recessão. O que fez Bush? Apoiado pelo Congresso, adotou uma política fiscal muito expansionista, baseada não só nos cortes de impostos tradicionalmente defendidos pelo Partido Republicano, mas também em acentuada expansão dos gastos de segurança e militares, ligados à “guerra contra o terror”, cresceram rapidamente despesas discricionárias com educação, saúde e outros programas governamentais. No campo do comércio exterior, o companheiro Bush mandou os partidários do livre comércio passear e seguiu, sem inibições, uma linha seletivamente protecionista, mas uma vez com o apoio (e até sob pressão) da maioria dos congressistas. Os defensores tupiniquins da Alca ficaram totalmente desorientados. E o senso de humor do companheiro Bush? Nada vale? Lembro aquela visita a sua “alma mater”, a Universidade Yale. Bush discursando: “A vocês, alunos nota A, eu digo: parabéns! A vocês, alunos nota C, eu digo: vocês também podem tornar-se presidente dos EUA um dia”. E o episódio do desmaio? O espaço está acabando, mas vale uma rápida reprise. Certo dia, lá está o companheiro Bush na Casa Branca, assistindo à TV na companhia de seus dois cachorros, Spot e Barney. De repente, desmaia e vai ao chão, contundido o rosto de maneira indisfarçável. Aversão oficial: tentou engolir um pretzel (um biscoito salgado) sem mastigar direito. Mas ficou pouco tempo desacordado. Como saber, se ele estava sozinho? Quando recobrou os sentidos, Spot e Barney estavam na mesma
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posição, só que com uma “expressão preocupada”, explicou Bush. Aliás, esses cachorros do presidente, de tão mencionados em seus discursos e entrevistas, viraram verdadeiras celebridades nacionais. Na página inicial do site da Casa Branca, há uma fotografia e um link para a home page de “o primeiro-cachorro”, Barney (Spot morreu nesse meio tempo). Lá encontramos a sua biografia, a foto do dia, arquivos de fotos e filmes, entre outras informações. Nesse site, o “primeiro-cachorro” recebe mais destaque do que a primeira-dama e quase tanto quanto o próprio presidente, sinal de modéstia (mais uma qualidade do companheiro Bush). Portanto, se eu pudesse fazer um apelo aos (certamente pouquíssimos) cidadãos americanos que lêem o caderno Dinheiro da Folha, eu diria: “Não desempreguem o companheiro Bush! Não deixem, assim, truncada e inacabada essa obra tão necessária de reequilíbrio das forças internacionais!”. Mas parece que está tudo sob controle. Se estrangeiros pudessem votar, o presidente americano sofreria certamente acachapante derrota. É o que relevam pesquisas de opinião. Felizmente, outras pesquisas mostram que os americanos estão pouco ligando para o que pensa o resto do mundo.”
Os xenismos hard power e soft power que aparecem nesta crônica do
jornal Folha de São Paulo são integrados ao discurso do autor, que parte do
pressuposto que seus leitores o entenderão, uma vez que pertencem ao domínio
da informática. Hardware e software são vocábulos largamente utilizados no
Brasil e no mundo, constituindo-se numa linguagem da norma profissional, cujos
xenismos foram incorporados à linguagem cotidiana.
1.2. “O CÚMULO DA COVARDIA” – ELIANE CANTANHÊDE14
“O cúmulo da covardia
Eu estava ontem caminhando em Higienópolis, simpático bairro paulistano, quando topei com um trecho da calçada em obras e tive de fazer um desvio pela rua. Olhei, o carro mais próximo estava bem longe, e fui. De repente, dois rapazes à minha frente puseram as mãos na cabeça – típico gesto diante de uma tragédia. Virei para o lado a
14 FOLHA DE SÃO PAULO - OPINIÃO /BRASÍLIA - 27 DE AGOSTO DE 2004.
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tempo de ver, quase sentir um carro branco passando a centímetros de mim. O motorista gritou da janela: “Quer morrer?”. Eu não quero morrer, mas ele quer me matar, porque jogou o carro contra mim sem motivo. Não havia carro na outra pista, nem buracos, nada. Foi a violência pela violência. Num segundo, ficou claro por que atacam mendigos a pauladas ou marretadas na cabeça. É o ódio social aliado à sensação de poder, de força. Uns jogam carros contra pessoas indefesas. Outros miram suas armas justamente contra o lado mais fraco, contra pessoas que foram abandonadas pelo Estado e pelas famílias, que não têm teto, nem saúde, nem auto-estima, nem o que comer. Não faz sentido. Ou faz? O ato de barbárie extrapolou São Paulo, fez escola em Pernambuco, virou questão nacional e nos faz refletir sobre onde vamos parar. Quando o Estado não faz sua parte, a elite só pensa no próprio umbigo e a classe média se digladia por migalhas públicas, o fosso social se aprofunda. E chega-se a isso: joga-se o carro contra o pedestre, mata-se por matar o mais miserável dos miseráveis. Os seis mortos e as demais vítimas da barbárie no coração da principal cidade do mais importante Estado brasileiro são um alerta. Se foram “neonazistas”, skinheads dessa ou daquela família, ou uns loucos do mal, é quase detalhe. O fundamental é que o espírito nazista baixa quando as instituições falham e a desigualdade social é tanta e tal. Esse, aliás, é o verdadeiro crime bárbaro.”
Nesta crônica o xenismo skinheads utilizado como sinônimo de carecas
pode ser explicado sob vários aspectos:
- a utilização do vocábulo inglês skinheads remete imediatamente aos
grupos de tendências neonazistas presentes nas mídias, principalmente na
imprensa televisiva da Europa e Estados Unidos, em especial, com relatos de
violência, preconceito e depredação. Associa-se, portanto, ao uso gratuito da
violência que caracteriza as ações do grupo, freqüentemente divulgadas por
mídias que atingem grandes massas;
- a força expressiva é muito maior do que a tradução “carecas”, uma vez
que esta não tem valores negativos agregados, como ocorre com “skinheads”
que remete, de pronto, a uma “tribo urbana”, marcada pelo preconceito e
violência .
Constatamos, portanto, que os xenismos, num processo de semantização
que advém de seu uso na língua de origem, acabam por sublinhar o fenômeno da
31
aculturação, tanto dos autores como dos possíveis leitores do texto,
configurando-se como um fenômeno não somente lingüístico, mas social.
2. A PRESENÇA DE XENISMOS ANGLÓFONOS NO GÊNERO
JORNALÍSTICO INFORMATIVO
Os textos denominados informativos apresentam predomínio da função
informativa da linguagem e trazem os fatos mais relevantes no momento em que
acontecem. Estes textos cumprem certos requisitos de apresentação que se
prestam ao papel de complementar a informação lingüística. No texto jornalístico
noticioso, encontramos uma informação nova sobre acontecimentos, objetos e
pessoas que se apresentam como “unidades informativas completas”15.
2.1. POLIFONIA 16
“Polifonia Na Internet, os últimos ficam em primeiro
Marcelo Diego Enviado especial a Atenas Naturalmente, a atenção de quase todos numa Olimpíada se concentra nas vitórias, superações e conquistas. De quase todos, pois há gente como o canadense Jonathan Crowe, 32, que tem mais interesse em contar as histórias dos últimos colocados. O webdesigner esmiúça os resultados de Atenas – 2004, atrás das últimas colocações em cada prova. As exceções são eventos como o boxe e o judô – como as lutas são eliminatórias, não dá para determinar as “lanternas”. No www.mcwetboy.net/dfl é possível saber, por exemplo, que o polonês Jakub Czaja fechou os 3.000m com obstáculos em 8 min56s024, o mais lento entre os participantes. Que no tiro, Aleksander Babchenko, do Quirguistão, acabou a disputa da pistola 50m em 40 lugar, com 1.130 pontos (o mínimo para passar adiante eram 1.164 pontos). Ou que o americano Justin Wilcock sentiu dor nas costas e teve as piores notas nos saltos ornamentais (plataforma de 3 metros).
15 A expressão é empregada por Ana Maria Kaufman e Maria Elena Rodrigues para referirem-se às noticias que contêm todos os dados necessários para que o leitor compreenda a informação. 16 Folha de S. Paulo - Especial 1 – 29/08/04 - Ano 84 – n. 27.542
32
Crowe diz que sua idéia não é ridicularizar os competidores. Para ele, “triunfar é sexy, mas participar já é bravo”. Na página, não há referências aos medalhistas (“eles já recebem publicidade demais”). O canadense monta ainda um ranking, com os países com mais últimos lugares. “Dou um ponto para cada um que finaliza por último. Como um monte de países ficaram empatados, criei um critério, o de dividir os pontos pelo tamanho das delegações”. Nessa escala, o Brasil ocupava a 92ª colocação, ontem, à frente de Coréia do Sul, Japão e Espanha. Crowe diz que histórias sobre os últimos colocados só chamam a atenção quando extremamente incomuns, como a de Dereck Ramond, que só terminou uma bateria classificatória nos 400m rasos em Barcelona-92 com a ajuda do pai. Mas, para o canadense, elas deveriam ser contadas dado o esforço de cada atleta para chegar à Olimpíada. “Eles de fato dão muito duro”. A página, que começou com 30 visitas diárias, já bate em 30 mil acessos. “É incrível como o brasileiro está interessado”. E qual seria a melhor história de Atenas? “Difícil. Talvez a dos chineses no salto sincronizado, que eram favoritos ao ouro, mas tiveram a concentração quebrada por um torcedor que invadiu a área das piscinas e ficaram em último”.
O texto jornalístico em questão, embora se proponha a ser informativo, tem
no seu título “Polifonia” uma abertura para o múltiplo e plural, uma vez que
significa “muitas vozes” e seu desenvolvimento sublinha, exatamente, que há
diferentes ângulos de se enfocarem ou de se analisarem os fatos. O subtítulo “Na
Internet, os últimos ficam em primeiro”, comprova que os mesmos fatos, no caso
as competições da Olimpíada, podem ser vistos de modos diametralmente
opostos.
Os xenismos que aqui aparecem (Internet, webdesigner e outros), já de
largo uso entre nós, são, em sua maioria, ligados à Internet ou a vocábulos
referentes ao esporte (ranking), ou já incorporados à linguagem cotidiana pela
propaganda e pelo cinema sexy.
Os xenismos integram o texto jornalístico, mesmo informativo, uma vez
que fazem parte do desenvolvimento e evolução da língua falada, influenciada
diretamente pela hegemonia científico cultural dos Estados Unidos, cujo idioma,
através do cinema, da informática e da ciência, faz-se presente na própria língua
33
portuguesa, utilizada no dia a dia e reproduzida nas diferentes mídias do jornal
ao rádio e TV.
2.2. ASSESSORIA DE IMPRENSA DA EMISSORA DIZ QUE NÃO RESPONDE PELAS IMAGENS - DA REDAÇÃO17
“Assessoria de imprensa da emissora diz que não
responde pelas imagens Site é responsável, diz SBT
Da reportagem local Da redação Por meio de sua assessoria de imprensa, o SBT afirmou que não é responsável pelos vídeos de Internet mostrados no quadro “Rola na Rede”, apresentado há seis meses no programa “Domingo Legal” pelo sul-matogrossense Ermelino Robson Lima Ramos. “As imagens exibidas no quadro ‘Rola na Rede’, apresentado por Ermelino Robson Lima Ramos, são de responsabilidade do próprio Ermelino, titular do site Vídeos Legais”, declarou em nota à Folha a emissora. Procurado pela reportagem, Ramos, 42, disse que as perguntas sobre a exibição dos vídeos levados por ele ao programa “deveriam ser respondidas pela equipe do ‘Domingo Legal’”. Por e-mail, o apresentador do quadro esclareceu que recebeu o convite para participar do programa como funcionário do site picarelli.com.br, do deputado estadual Mauricio Picarelli (PTB), que apresenta um programa na afiliada do SBT em Campo Grande. Nas duas primeiras semanas do “Rola na Rede”, esse foi o endereço divulgado no “Domingo Legal” para que os espectadores enviassem seus “vídeos curiosos”, mas, segundo Ramos, “o deputado entendeu que seu site teria sido prejudicado com o excessivo número de acessos gerado pela divulgação em rede nacional”. Ainda de acordo com Ramos, o novo endereço de Internet – vídeoslegais.com.br – foi criado “por sugestão do pessoal do próprio SBT” e não tem nenhuma ligação com o deputado Picarelli. Já a emissora, que nega ter sugerido a criação de um novo endereço, explica que preferiu romper relações com Picarelli, diante da proximidade das eleições municipais, nas quais Magali Picarelli, mulher do deputado, concorre ao cargo de vereadora. Entre os projetos de lei já apresentados por Picarelli no MS, há um que sustenta que “é inadmissível que
17 Folha de S. Paulo - Folha Ilustrada – 29/08/04 - Ano 84 – n. 27.542
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estabelecimentos comerciais, em total desrespeito ao direito inviolável de privacidade e intimidade dos cidadãos”, instalem câmeras eletrônicas “em locais completamente inadequados”. Ironicamente, são algumas dessas mesmas câmeras que registram “vídeos engraçados” como os disponíveis nos sites do deputado Picarelli, nos Vídeos Legais e agora no “Domingo Legal”, do SBT. “Se comparar o conteúdo da lei mencionada com os vídeos apresentados no ‘Domingo Legal’ e, posteriormente, incluídos no site a pedido de internautas que acompanharam a exibição do quadro no programa do Gugu, você verá que não existe ali qualquer invasão de intimidade. Não há flagrantes de pessoas em situação intima”, defende Ramos. Outro Lado Redes citam uso jornalístico Da reportagem local Da redação Rede TV! e Band, que também exibem conteúdo audiovisual extraído da Internet, não se pronunciaram sobre os embasamentos jurídicos que usam para tal até a conclusão desta edição. Por intermédio de sua assessoria de imprensa, a Rede TV! declarou que usa menos de 20 segundos de vídeos tirados da Internet a cada edição do programa apresentado por Luisa Mell, o “Late Show”. Exibido aos sábados, o programa, único sobre o mundo animal na TV aberta, costuma trazer, no ultimo bloco, um clipe com imagens divertidas de bichos de estimação. No caso do “Repórter Cidadão”, em que o quadro “Jaca News” também exibe pegadinhas retiradas da rede, o material, segundo a emissora, é distribuído por agencias internacionais. O jornalístico policial diário é apresentado por Vanilton Alves Pereira, o Jacaré, conhecido como “clone” de Carlos Massa, o Ratinho. Interação A Rede TV! também usa vídeos de Internet no telejornal “Leitura Dinâmica”, que faz um apanhado dos acontecimentos do dia. Mas sustenta que o uso é restritamente jornalístico. Para a Band, “como todo programa de entretenimento, ‘A Noite É uma Criança’ conta com a participação do telespectador, que interage com o apresentador. Otávio Mesquita recebe muitas mensagens por e-mail com conteúdos diversos, como piadas e animações gráficas. As mais interessantes, divide com o publico”. Procurada pela reportagem da Folha, a assessoria da Globo também não se manifestou. Mas as imagens de Internet já exibidas no “Programa do Jô” foram eventuais com créditos e, quando possível, a origem.”
Nestes exemplos, os xenismos site, Internet, e-mail estão incorporados à
língua portuguesa. É verdade que existe uma tendência a substituir site por
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“sítio”, principalmente nas correspondências oficiais, como por exemplo do MEC
e CAPES. No entanto, já existe uma incorporação dos três xenismos aqui
utilizados, e o uso das traduções correspondentes aos significados dos vocábulos
em inglês não foram abonadas pelo uso.
2.3. “MÚSICO INGLÊS SE APRESENTA EM SP COMANDANDO UMA BIG BAND DE JAZZ” – GUILHERME WERNECK18
“Músico inglês se apresenta em SP comandando uma big band de jazz
Matthew Herbert fala de política e eletrônica Guilherme Werneck Editor-adjunto da Ilustrada Matthew Herbert, 32, faz em São Paulo, na abertura da versão brasileira do festival eletrônico Sónar, o que diz ser o último show com a sua big band de jazz. Encarnado personas diferentes – Doctor Rockit, Wishmountain e Radioboy – até assumir o próprio nome, Herbert é um dos responsáveis por produzir, desde meados da década de 90, uma musica eletrônica criativa, baseada na house, no electro e no jazz. Dos discos de house de Dr. Rockit ao libelo contra as marcas globalizadas do disco “The Mechanics of Destruction”, lançado sob o nome de Radioboy e disponível de graça na Internet, Herbert sempre se preocupou em apresentar uma produção eletrônica original e, mesmo que de forma pouco obvia, política. Essa busca por originalidade o levou a criar o manifesto PCCOM (Contrato Pessoal para a Composição de Musica, na sigla em inglês), que, entre outras coisas, não admite o uso de samples de musicas preexistentes e de baterias eletrônicas, e é a chave para entender a dinâmica de sua produção. Com a Matthew Herbert Big Band, que gravou o álbum “Goodbye Swingtime” no ano passado, a sua fonte de samples é toda uma orquestra composta por alguns dos melhores músicos de jazz britânicos, que ele manipula em tempo real. Leia trechos da entrevista que Herbert concedeu à Folha por telefone, de Londres, e em que ele fala da big band e de suas idéias sobre musica eletrônica e política.
18 Folha de S. Paulo - Folha Ilustrada – 29/08/04 - Ano 84 – n. 27.542
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Folha – Você tem tocado o repertorio de “Goodbye Swingtime” há quase dois anos. O que mudou no som da big band nesse tempo? Matthew Herbert – O som ficou quase irreconhecível. Quando fomos para o estúdio os músicos nunca tinham visto a música antes. Nós tocamos duas vezes e depois já gravamos. E, claro, agora eles já tocaram umas cem vezes e a música sai bem diferente. Eles entenderam que algumas partes têm de ser realmente desagradáveis e que outras têm de ser muito bonitas. Há muito mais controle e confiança agora. O disco é tímido se comparado ao som da banda. Folha – Tocar com uma banda é uma forma de resolver um problema da musica eletrônica, que é uma apresentação estática do artista com suas maquinas? Herbert – Sim. Para mim é uma libertação. Eu gosto do fato de que é um show de eletrônica, mas que, se faltasse energia, nós poderíamos continuar tocando. É uma coisa estúpida de dizer, mas, em um certo sentido, numa apresentação eletrônica você se sente menos músico, como estivesse trapaceando. Não acredito que seja correto dizer isso em termos de composição, mas, ao vivo, eu sinto que num monte de performances eletrônicas há trapaça mesmo, porque boa parte do som está estabelecida dias antes do show. É por isso que eu trabalho sampleando em tempo real, porque eu não consigo prever o que vai acontecer durante a noite. Folha – No seu site é possível ver os custos da Guerra do Iraque em tempo real. Desde o principio você se opôs à guerra e à política externa de Tony Blair. Você pensa que esse tipo de oposição é eficaz? Herbert – Eu penso muito que quando você participa de uma comunidade artística, se quiser, você adiciona a sua voz ao descontentamento político. Se um jornalista escreve um artigo sobre o fato de que a guerra é ilegal, isso não pára a guerra. Se eu escrevo uma canção dizendo que a guerra é ilegal, ela também não pára a guerra. Mas quando você combina uma musica, um livro, um comentário no radio, você se torna e deixa claro que você é parte de uma filosofia maior, segundo a qual é errado começar uma guerra. Eu acho que, se você tem uma voz pública e se posiciona com paixão em relação a determinado assunto, você não tem outra alternativa a não ser achar um jeito de se expressar. Folha – Você pensa que a política de Tony Blair e o fato de ele ter se mostrado submisso a George W. Bush desapontou os ingleses? Herbert – Eu devo dizer que eu estou desapontado com ele no nível humano. Porque ele é um primeiro-ministro muito cristão e fala muito sobre moralidade nos mesmos termos que Bush o faz. Usar essa religiosidade e esse moralismo para dar suporte a uma guerra que vem sendo criticada em todo o mundo é uma situação muito peculiar, horrorosa. Eu certamente penso que um primeiro-ministro de esquerda ser o melhor amigo do presidente que está mais à direita no mundo é muito estranho. E me
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impressiona o quanto Bush é radical na direção errada. Mesmo assim, usando a lógica, eu prefiro ele a Bill Clinton, porque Bush é claramente um alvo mais óbvio. Clinton fez coisas muito parecidas com as que o Bush faz, mas de um modo mais camuflado. Folha – Você estava em Nova York no 11 de Setembro e gravou as reações das pessoas. Por que você nunca usou esse material? Herbert – Foi porque eu achei que iria morrer e as gravações eram realmente confusas. Havia o som das torres caindo e o som das pessoas enlouquecendo. Acho que deve haver uma razão para você ordenar esses sons e organizar isso em música. Tem de haver um motivo e uma estrutura que levem a utilizar essas coisas. Eu cheguei a pensar em usá-los no aniversário dos ataques. Folha – Eles não são mórbidos? Herbert – Eles são, é muito estranho. Para ser muito honesto, eu não quero amplificar a tragédia ainda mais. Há mais civis mortos no Iraque nos últimos seis meses do que os mortos no 11 de Setembro. Não quero que pensem que a morte de pessoas no Iraque ou no Afeganistão é uma tragédia menor. Acho que George W. Bush e os terroristas são ambos expressões do mal. E eu não quero amplificar ou participar do processo de fazer dessas pessoas santos ou mártires. Acho que uma vida no Iraque vale o mesmo que uma vida em Nova York. É preciso achar um modo de expressar que esse episódio foi apenas trágico. O FESTIVAL O que: evento multimídia com DJs, exposições e debates. Quando: dias 8, 10, 11 e 12/9 Onde: Credicard Hall (av. Nações Unidas, 17.955, Santo Amaro), Instituto Tomie Ohtake (R. Coropês, 88, Pinheiros) e teatro Abril (av. Brigadeiro Luis Antonio, 411, Bela Vista) Quanto: de R$ 25 a R$ 240 (o pacote) ONDE COMPRAR www.ticketmaster.com.br Call Center (SP: tel. 6846-6000; outros Estados: tel. 0300-7896846) Bilheterias oficiais* Credicard Hall (das 12h às 20h) Teatro Abril (das 12h ás 20h) Instituto Tomie Ohtake (das 10h às 20h) Pontos-de-venda* Ticketmaster (sujeito a cobrança de taxa) São Paulo Fnac Pinheiros (av. Pedroso de Moraes, 858) Fnac Paulista (av. Paulista, 901) Saraiva: Morumbi Shopping (av. Roque Petroni Jr., 1.089) Saraiva: Shopping Eldorado (av. Rebouças, 3970) Saraiva: Shopping Center Norte (travessa Calsalbuono, 120) Directv Music Hall (al. Dos Jamaris, 213) Posto Ipiranga Presidente JK (av. Prof. Francisco Morato, 2.600)
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Posto Ipiranga Estação das Acácias (R. Jurubatuba, 550, São Bernardo do Campo) Posto Ipiranga Estação de Serviços Gravatinha (av. Portugal, 1.756, Santo André) Campinas Fnac (av. Guilherme Campos, 500, loja A) Rio de Janeiro Fnac Barra Shopping (av. das Américas, 4.666) Modern Sound (R. Barata Ribeiro, 502) Posto Ipiranga Sol da Lagoa (av. Epitácio Pessoa, 3.666) Posto Ipiranga Jockey Rio (avenida Bartolomeu Mitre, 1.631) Posto Ipiranga Millenium Grajaú (R. Barão do Bom Retiro, 1.864) Posto Ipiranga Millenium Maracanã (R. Francisco Xavier, 312) Salvador Aeroclube Plaza Show (av. Olegário Mangabeira, 6.000) Curitiba Fnac Park Shopping Barigüi (av. Prof. Pedro Parigot de Souza, 600) Brasília Fnac Park Shopping (SAI/SO Área 6580) Belo Horizonte Posto Ipiranga Grajaú (av. Nossa Senhora do Carmo, 756) *Todos os pontos vendem ingressos de estudante”
Os xenismos que aparecem nos exemplos aqui arrolados, embora
apareçam em reportagem jornalística, têm como leitores virtuais pessoas ligadas
à música que tem um jargão profissional próprio. São eles: big band, house,
electro, Internet, samples, hall, Call Center, shopping, Directv, Jockey Rio, Plaza
Show e Park Shopping, entre outros.
2.4. “LANÇAMENTO DVD MOSTRA PERFORMANCE NA PENITENCIÁRIA DE SING SING” – EDSON FRANCO19
“Lançamento DVD mostra performance na penitenciária de
Sing Sing
B.B. King e Joan Baez libertam inspiração em show na
prisão
Edson Franco
19 Folha de S. Paulo - Folha Ilustrada – 27/08/2004 - Ano 84 – n. 27.540
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FREE-LANCE PARA A FOLHA
Muito antes de Michael Moore ter inspirado as grandes
platéias a dissociar os substantivos “documentário” e
“chatice”, o diretor e produtor David Hoffman já dava
mostras da viabilidade comercial do modelo. Assim é nesse
seu “B.B. King and Joan Baez: in Concert at Sing Sing
Prision, 1972”, que agora sai em DVD no Brasil.
Em vez de filmar apenas o show histórico na penitenciaria de Sing Sins, no Dia de Ação de Graças, ele resolveu investigar o entorno de maneira criativa. E com isso foi alem da magnitude do evento. Muito mais do que um registro meramente musical, o DVD é um atestado do poder libertador de almas que a música tem. Para começar, todos os envolvidos têm espaço na produção, sem hierarquização de importância. Os detentos, de câmera na mão, entrevistam seus pares, revelando o preso que cria um gato, outro que lê sobre psicanálise e até aquele que não carrega nada além do ódio dentro de si. No caso dos músicos, o DVD traz curiosidades como o despertar de B.B. na manhã do show e sua chegada ao local. Comentários sobre o gigantismo do presídio e conversas sobre os perigos envolvidos na tarefa tomam conta dessa parte. É no olhar e nas palavras dos agentes de segurança que toda a dramaticidade da empreitada encontra tradução. Primeiro, a satisfação por lidarem com artistas. Depois, a atenção nervosa a cada movimento na casa de shows improvisada. Por fim, o desespero quando o blues de King (numa apresentação soberba) deixa as coisas quase fora de controle. Além de King e Baez, se apresentou o grupo vocal Voices of the East Harlem. Há tempo para uma performance teatral em que os presos falam sobre a violência no interior da instituição. Com uma vontade de pôr fim àquilo, o diretor do presídio acompanha a coisa com o rosto petrificado. Nos momentos estritamente musicais, chama atenção o silencio respeitoso diante do folk difícil de digerir de Baez, acompanhada apenas pelo próprio violão. Depois, na companhia de sua irmã Mimi Fariña, ela fez um dueto de pura beleza em “Mi Corazón”. E aí a população carcerária de origem latina mostra a sua cara, com um sorriso de orelha a orelha. Com muito funk e soul, o grupo Voices of the East Harlem torna cruel a determinação de que os presos deveriam assistir ao show sentados. E eles resistem até a hora em que King começa seu show, uma verdadeira catarse coletiva. Depois de controlados, os presos voltam, mais leves, para o seu mundo de muros e grades. B.B King and Joan Baez: in Concert at Sing Sing Prision, 1972 Lançamento: Indie Records Quanto: R$ 40, em média”
40
Conforme vimos neste capítulo, a presença de xenismos é marcante nas
produções midiáticas brasileiras e não se apresentam como elementos estranhos
à língua portuguesa e nem como fator discriminatório àqueles que não conhecem
o léxico empregado. São elementos incorporados em decorrência da valoração
da língua inglesa, decorrente do intenso intercambio cultural entre povos de
cultura e língua diferentes.
Referem-se às áreas de informática, de música, do lazer, da ciência onde
o predomínio da cultura americana faz-se sentir de maneira relevante.
A evolução natural da língua incorpora esses vocábulos, uma vez que o
uso, a necessidade, a influência da cultura norte-americana é presença constante
em nossos dias, justificando-se a incorporação de xenismos, que passam a ser
utilizados por segmentos significativos da sociedade e vão aparecer,
conseqüentemente, nas mídias que procuram utilizar a linguagem do povo com
suas incorporações e acréscimos.
Da mesma maneira do texto anterior, os xenismos aqui reunidos, como
performance, show, blues, folk, funk, soul, referem-se à esfera da música e fazem
parte de um texto sobre um show musical ocorrido na prisão de Sing Sing, nos
Estados Unidos. Justifica-se o uso do vocábulo em inglês para uma clientela
especial, ligada à música, cuja linguagem profissional já incorporou referidos
vocábulos.
No capitulo seguinte procuraremos registrar e comentar os xenismos na
publicidade para formar um quadro contextual do uso de xenismos nas diferentes
mídias.
41
CAPÍTULO III
O USO DE XENISMOS ANGLÓFONOS NA PUBLICIDADE
1. O ANGLICISMO PRESENTE NA PUBLICIDADE
A publicidade é uma das mídias que mais emprega vocábulos da língua
inglesa.
O texto publicitário é uma forma de comunicação feita para as massas, que
sob a ótica da semântica resulta da interação de diferentes signos verbais e não-
verbais para se chegar à sedução através da mensagem. Porém, o texto
publicitário não tem como objetivo transmitir uma informação, mas sim incitar o
que chama público-alvo a assumir certos comportamentos, já que esse tipo de
texto é autoritário.
São inúmeros os recursos empregados nos textos publicitários que visam
reforçar o poder de compra. Vestergaard e Schroder20 afirmam que os textos
publicitários carregam uma ideologia que pertence ao senso comum. Apresentam
algo tão evidente e natural que dispensam qualquer exame crítico. As convicções
são inabaláveis e as mensagens procuram promover a mudança social. Além do
mais, a ideologia da propaganda procura manter estática a sociedade, no sentido
de retardar ou impedir a revisão dos princípios básicos da ordem social,
mascarando e compensando tudo o que é tido como antidemocrático dentro da
sociedade capitalista.
Essa estratégia faz com que indivíduos e grupos se sintam especiais, e,
embora os produtos sejam produzidos em massa, têm o poder de fazer com que
agradem a coletividade e sejam sentidos como sinônimo de felicidade e
necessidade individual.
20, VESTERGAARD T. & SCHRODER, K. A linguagem da propaganda. Trad. J. ª dos Santos. SP: Martins Fontes, 1998.
42
Nelly Carvalho21 aborda também a questão da cultura relacionada à
escolha do léxico e a relação entre ambas e diz:
“língua e cultura formam um todo indissociável e, no caso da língua e da cultura maternas, esse todo não é ensinado em nenhum lugar especial, mas adquirido ao sabor dos acontecimentos cotidianos. Ele identifica os indivíduos como participantes de uma coletividade e serve de denominador comum para o convívio social (...). A língua, não tendo função em si, existe para expressar a cultura e possibilitar que a informação circule” .
O vocabulário, símbolo verbal da cultura, perpetua a herança cultural
através dos códigos verbais e faz a ponte entre o mundo da linguagem e o
mundo objetivo, provocando o surgimento de neologismos, como forma de
adaptação da língua à evolução do mundo.
Quanto à carga cultural das palavras, muitas vezes elas recebem
conotações diferentes, mesmo porque a cultura, na qual a língua está inserida,
desempenha um papel de grande importância, pertencendo à comunidade como
um todo.
E mesmo que ultrapasse fronteiras entre diferentes nações, o léxico deve
ser escolhido pelo que é mais aceito e pela carga cultural que lhe é inerente,
assim como a imagem, o produto e o produtor da cultura.
Para ser eficaz, a mensagem publicitária deve capitalizar a relação que
existe entre a organização das sociedades e a questão de identidade, levando o
receptor a tomar consciência de tais associações. Contudo, o léxico deve ser
escolhido de forma a desencadear mecanismos que projetem e identifiquem o
produto, evitando a rejeição e o uso de palavras tabus. Os produtores de
anúncios publicitários empregam léxicos que tenham carga cultural pertinentes às
da comunidade em que se veiculam os anúncios, tentando não contrariar o
estabelecido, para que possam ser entendidos e aceitos, e o que é mais
importante, com rapidez, clareza e persuasão.
Sobre essa abordagem, Sandman22 afirma que a linguagem da
propaganda é “até certo ponto reflexo e expressão da ideologia dominante, dos
valores em que se acredita”. Nesse sentido, entendemos que há grande apreço
21 CARVALHO, Nelly. Publicidade: a linguagem da sedução. SP: Ática, 1996, p. 101. 22 SANDMANN, A. J. A linguagem da propaganda. 2ª ed., SP, Contexto, 1997, p. 34.
43
pelo que tem origem estrangeira, com destaque ao que é de origem dos Estados
Unidos, tornando a xenofobia ou o xenofilismo um fato vivo e aceitável em nossa
cultura com “força apelativa mesmo para o receptor que não sabe inglês”23 .
Carvalho, sobre o emprego do léxico da língua inglesa em textos
publicitários, diz:: “freqüentemente toda a mensagem é redigida em outra língua.
Até mesmo o outdoor, que atinge um público bem amplo e indiscriminado, de
uma forma global, utiliza esse recurso. Exemplo: “All Star. It’s all to school” (na
época do início das aulas)” e “nas revistas femininas também é bastante comum
o apelo ao inglês: “Summer Time. New Face. Personality. Josefina Calçados’ e
Chopper basics form basic lunatics” 24 .
Conforme vemos, os signos do léxico da língua inglesa podem ser ou não
vazios em significado, porque o que importa nos discursos publicitários é impor e
celebrar a marca exaltando o objeto, para garantir seu consumo e sua
permanência no mercado.
Perante a grande ocorrência de elementos lexicais ingleses na mídia
publicitária brasileira, entendemos que esses textos são inteligíveis e aceitos por
grande parte do público consumidor e apresentam retorno favorável, pois se isso
não acontecesse não seriam tão empregados.
Não percebemos preocupação neste segmento com o léxico usado, ou
seja, não importa se a palavra estrangeira de origem inglesa é conhecida ou não
pelo receptor da mensagem, mas sim que o termo estrangeiro exerça influência
na decisão de compra do consumidor, pois coloca em evidência a admiração e a
necessidade de ter como modelo o estrangeiro. Principalmente o povo dos
Estados Unidos.
Convém lembrar que a linguagem empregada em peças publicitárias é
direcionada muito mais para um público insatisfeito com as condições do país em
que vive e que busca prestígio através de uma linguagem diferenciada, ou seja,
uma língua estrangeira, no caso a inglesa, o que faz com que se sinta muito mais
especial e seduzido a comprar os produtos ou serviços anunciados, pois assim
23 ib., p. 40. 24 CARVALHO, Nelly. Publicidade: a linguagem da sedução. SP: Ática, 1996, p. 45.
44
mascara a insatisfação e frustração que sente e pensa que se aproxima ou se
equipara aos norte-americanos.
Escolhemos algumas peças publicitárias veiculadas em revistas de
circulação nacional para demonstrarmos como os vocábulos ingleses são
empregados e a complexidade de seu uso.
45
1.1. ANÚNCIO PUBLICITÁRIO DA YELLOWCOM25
25 Revista Caras, edição 474, ano 10, nº 49, de 06 de dezembro de 2002
46
O texto acima, veiculado na revista Caras é direcionado aos jovens e
adultos que ainda não atingiram a maturidade. A época em que a publicidade da
loja YellowCom foi veiculada, anunciando o lançamento do telefone celular
Samsung, é bastante propícia às compras: final de ano. 13º salário. Natal.
A estrutura deste texto publicitário é bastante diferente do tradicional
encontrado na maioria das revistas brasileiras, e de certa forma, na maioria dos
textos publicitários. Porém, o título “tá vendo como na YellowCom só tem top
Model? Compre seu celular aqui”, aparece em letras maiores e é bastante
sugestivo e direto, além de empregar linguagem popular “tá”, bastante comum
entre os jovens e também uma palavra bastante conhecida neste mesmo grupo
social: top model, que apresenta ambigüidade de sentido, pois a figura feminina
responsável por esse anúncio é uma top model: Daniela Cicarelli e top model
pode ser também o celular que estás sendo anunciado. Ainda no título pode-se
perceber que não há objeção alguma quanto a empregar o verbo comprar no
imperativo, sob a forma de “compre”, o que tem sido evitado e substituído por
outras palavras, tais como adquira ou leve.
Abaixo do título encontra-se, em letras menores, um texto com teor
predominantemente persuasivo, empregando verbos na forma imperativa,
conforme se segue: “Você está convidado para a inauguração da YellowCom.
Passe na loja mais perto de você e aproveite as ofertas especiais de
inauguração. Você não vai ser louco de não aparecer?”
Os textos informativos, referenciais, são encontrados ao lado dos produtos
anunciados, com inúmeras palavras de origem inglesa, mas que denotam
novidade, modernidade, conhecimento do produto anunciado, avanço tecnológico
e até mesmo fazem parte de um grupo de prestígio social e financeiro.
As informações veiculadas nos textos referenciais só são compreendidas
por pessoas que conheçam o sistema de serviços de telefones celulares, pois
empregam termos técnicos e siglas também importadas da língua inglesa, tais
como display LCD, PIM Web Browser, Display TFT, entre outros.
47
A marca segue o padrão tradicional: na parte inferior da página, do lado
direito, para que a leitura também seja efetuada na diagonal, vindo logo abaixo o
slogan: “Se é novidade, está na YellowCom”.
O que se torna bastante interessante neste anúncio é que, na verdade, a
publicidade é da inauguração da loja YellowCom, “Telesp Celular – uma
empresa do grupo Portugal Telecom,” porém, anunciando dois aparelhos
Samsung, um pré-pago e outro pós-pago. Uma parceria perfeita.
À direita, na parte inferior, na vertical, encontra-se em tom sóbrio a marca
YellowCom, e um texto grafado em letras minúsculas informando sobre o
parcelamento, formas de pagamento e validade da promoção, pois, dentro do
anúncio aparece em destaque a informação, bastante atrativa e sedutora “Tudo
em 3 X sem acréscimo”.
Também há um texto em destaque no rodapé da página indicando os
shoppings onde a YellowCom tem lojas: na capital paulista e em cidades do
interior. Não se faz referência a qualquer outro estado, mas sabe-se que a revista
Caras não é vendida e nem restrita apenas ao estado de São Paulo.
Quanto às cores empregadas nesta publicidade, tem-se como destaque o
amarelo. O que não poderia ser diferente, já que é uma publicidade da
YellowCom, e sendo que o correspondente de yellow em português é “amarelo”.
E esta cor tem associação material com verão e calor de luz solar (estação
em que o anúncio é veiculado) e associação afetiva com iluminação, conforto,
gozo, orgulho, idealismo, adolescência, espontaneidade, variabilidade,
originalidade, expectativa. Sobre isso, ainda há de se dizer que o significado do
amarelo voltado para a iluminação ainda está associado ao próprio produto
anunciado: Samsung Colors, com visor colorido, novas tendências de iluminação,
e Samsung Luminix, também com visor luminoso. Ou ainda à própria figura
feminina, jovem, bem vestida, alegre e sensual, top model brasileira e
apresentadora de TV, Daniela Cicarelli, que endossa o produto anunciado
dizendo: “Eu sou Yellow”.
Outros exemplos de textos publicitários que empregam xenismos da língua
inglesa encontram-se nos anexos deste trabalho.
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Antes de dar início à análise deste texto publicitário, convém lembrar que
esta revista tem como público alvo a classe social dominante, cujos textos são
destinados ou específicos a pessoas de negócios, e os produtos e serviços
anunciados, em sua maioria, fazem referência ao empresariado.
A estrutura do anúncio segue a padrão convencional. O título “Nós
queremos o seu briefing” é grafado em letras maiores e preocupa-se com o
receptor e não com o conteúdo informacional do serviço anunciado, o que chama
a atenção e colabora para que o leitor se sinta individualizado, tanto pelo uso do
pronome “seu” quanto pelo emprego de uma palavra inglesa briefing.
A imagem é séria, em tons de azul e branco, sendo que estas têm valor ou
denotam intelectualidade, confiança e ordem e dignidade.
O texto argumentativo, em destaque, visa a informar sobre o serviço
anunciado e as vantagens a serem conquistadas com seu uso:
“Se a sua empresa tem alguma necessidade envolvendo pesquisas de marketing, nada melhor do que contar com a experiência de quem atua há décadas nesse mercado, sempre com muito sucesso. Composta por profissionais altamente capacitados, a 2B Brasil possui tudo o que é necessário para resolver qualquer desafio no menor prazo possível, com o budget adequado e a máxima qualidade. Aliando pesquisa e consultoria ao mesmo tempo, a 2 B Brasil é uma empresa única, capaz de analisar os resultados das pesquisas, indicar as melhores estratégias e solucionar os problemas mais complexos”.
Não se fala que a empresa do receptor está tendo problemas ou
dificuldades financeiras, mas fala em necessidades, o que não denota
negatividade. A palavra “problema” aparece no final com sentido positivo
“solucionar os problemas mais complexos”, oferecendo segurança, por dizer que
está no mercado há décadas e sempre obtendo sucesso com seus serviços.
Em forma de texto ainda, faz-se uma recomendação ao receptor e
provocam-lhe interesse e curiosidade sobre os meios para resolver suas
necessidades: “Envie o seu briefing para a 2B Brasil, traga a sua necessidade de
pesquisa e venha discutir seu desafio de marketing conosco. Nós vamos
surpreender você!”.
O texto é validado pela fotografia e nome do diretor-presidente da 2B
Brasil Marketing, Research & Colsulting, acompanhado pelo seu briefing: “já
50
atuou nas mais importantes empresas do meio, como ACNielson, Análise &
Síntese Pesquisa e Marketing, ACI Pesquisa e Estudos de Mercado e Audi Panel
(divisão da Audi Market), entre outras”.
Esse briefing do diretor-presidente da empresa que oferece seus serviços
endossa a experiência da 2 B Brasil e comprova que onde ela atua o sucesso é
garantido, por se tratar de empresas bem sucedidas e conhecidas no meio
empresarial.
A marca da empresa 2B Brasil, embora apareça na parte inferior do
anúncio e também da página, não segue o modelo padrão de anúncios
publicitários, aparece centralizada e apesar de ser uma empresa brasileira, em
sua marca aparece apenas uma palavra em português: “2B Brasil Marketing,
Research e Consulting”, que por outro lado distingue-se pelo verde,
representando o Brasil.
Há de se duvidar que tal empresa teria o mesmo sucesso se seu nome
fosse “2 B Brasil Publicidade, Pesquisa e Consultoria”?
E sobre os termos briefing, marketing, budget: os dois primeiros, repetidos
ao longo do texto. E o contato: (11) 6846-6846. Bom número. Fácil de gravar e
denota influência e poder da empresa, pois na grande São Paulo conseguir um
número de telefone comercial como esse não é nada fácil. Também a introdução
dos xenismos pela tecnologia de ponta se faz presente no site da empresa:
“www.2bbrasil.com.br”, que a coloca em posição de prestígio por fazer parte e
acompanhar o avanço tecnológico.
Deve-se considerar também que quem faz o anúncio é uma figura
masculina, não muito jovem, que ocupa melhor posição no mundo dos negócios e
que, provavelmente, seja uma pessoa conhecida pelos leitores por fazer parte do
contexto sócio-econômico e cultural de quem lê a Revista do Anunciante.
51
CAPÍTULO IV
O USO DE XENISMOS ANGLÓFONOS NA MÚSICA
1. A PRESENÇA DE ANGLICISMO NA MÚSICA
A arte é progressora e transformista, ligada a valores anacrônicos,
expressando a magnitude e a grandeza do ser humano com ele mesmo. A busca
de evolução, perfeição e reconhecimento de um modelo de música popular
brasileira demandou muito tempo e o registro de composições de autores
conhecidos, divulgadas por meios gráficos, como as partituras, ou através da
gravação de discos, fitas ou videoteipes veio somente mais tarde e teve como um
dos primeiros compositores de música popular brasileira Domingos Caldas
Barbosa, cantando maliciosamente em meados do século XVIII “A minha Iaiá”,
ressaltando a ambigüidade entre ser escravo e ser escravo do amor de Iaiá.
A história da música popular brasileira tomou novos rumos somente na
metade do século XIX, em decorrência da diversificação social que começara a
existir nas grandes cidades, principalmente nas consideradas mais importantes
na era do Brasil colonial, Salvador e Rio de Janeiro, quando a população desses
centros urbanos “configurou em sua heterogeneidade o que modernamente se
chama de massa e passou a exigir um tipo novo de produção cultural, capaz de
atender a novas formas de lazer”, conforme Nicole Jeandot27. Nesse mesmo final
de século, “ainda marginalizada, a população negra pobre se refugia nos morros,
onde exercitava seus batuques e rodas de capoeira, fazendo surgir um dos
gêneros mais representativos da musica popular brasileira: o samba”.28 Grandes
nomes surgiram a partir dessa época. Em 1919, Pixinguinha. Um dos primeiros
músicos a fazer arranjos para músicas populares, inaugurando uma nova fase na
27 JEANDOT, Nicole. Explorando o Universo da Música. SP: Scipione, 1990, p. 125. 28 Ib. p. 125
52
orquestração da música nacional. Luiz Gonzaga do Nascimento foi o responsável
pelo baião, já por volta de 1945, depois retomado por Gilberto Gil e Caetano
Veloso.
Conforme vimos com Alfredo Bosi29, a assimilação e aceitação dos traços
da colonização no Brasil deixaram marcas no modo de vida do brasileiro, que
busca a cada dia maior autenticidade em tudo o que faz e produz. Porém, não se
sente forte o suficiente para enfrentar a influência de outras culturas. E assim, o
brasileiro vai se acostumando ao que não lhe pertence, sem muitas
oportunidades de novas criações, que oscilam entre as culturas erudita, popular
de massa.
As diferentes criações culturais de um povo são resultantes da ação do
próprio homem, mesmo que tenha sofrido influências de diferentes línguas e
culturas. E foram essas misturas que compuseram e enriqueceram o folclore
brasileiro em todos os seus aspectos e manifestações, mais especificamente o
musical.
No Brasil, palco de amplas discussões sobre o nacionalismo no sentido de
que escancarou as portas para as multinacionais, que importam novas culturas e
valores, percebemos reflexos nas artes musicais. Poucos artistas fazem músicas
com conceito específico de música nacional. “Nacional é exótico, isto é, tudo que
recebe o alvará da indústria cultural multinacional”30. Os autores argumentam:
“não sei se hoje é nacional o que Villa-Lobos considerou como tal. Aliás, caberia
discutir a questão do nacional também na sua ambigüidade, tanto no erudito
quanto no popular; é o que, data vênia, como diriam os bacharéis de sempre,
intentarei à minha moda – que não deixa, portanto, de ser uma maneira nacional
de abordar o assunto (...)” 31.
O envolvimento do país com sua própria condição de colônia mostra que
“os modelos de fora impuseram à história do país um constante voltar-se para o
exterior no afã de encontrar no estrangeiro (França, Inglaterra e hoje Estados
29 BOSI, Alfredo. Cultura Brasileira. Temas e situações. 2ª ed., SP: Ática, 1992. 30 SQUEF, Enio & WINISK, José Miguel. O nacional e o popular na cultura brasileira: música. 2ª ed., SP: Brasieiense, 1983, p. 17. 31 Ib. P. 18.
53
Unidos) o que não se vislumbra aqui dentro”32. Isso acontece desde o início de
nossa colonização quando fomos influenciados pelos ritmos africanos e europeus
e no final do século XIX e início do século XX, quando sofremos influências do
francês, resultando o nosso carnaval com características típicas brasileiras.
Na linguagem musical, os termos estrangeiros são empregados nas
composições musicais, sem receio algum de serem ou não aceitos ou
entendidos. Um reflexo da influência estrangeira em um país que, após sua
independência, abriu as portas para o mundo e canta com enaltecimento
composições artísticas musicais mesclando uma linguagem nacional combinada
à outra linguagem que vem de fora, como no exemplo que segue:
Words - Chitãozinho e Xororó & Bee Gees Smile, an ever lasting smile a smile can bring your name to me E não, não quero nem pensar, chorar ao ver você partir This world has lost it's glory let's start a brand new story, now, my love Eu sei é tempo de amar e quero me entregar amor Talk in ever lasting words and dedicate them all to me And I will give you all my life and hear if you should talk to me Eu sei, palavras eu falei e não acreditou o que fazer Se eu tenho só palavras pra conquistar você And you think, that you think, that I don't even mean a single word I say O que fazer se eu tenho só palavras pra conquistar você It's only words and words are all I have to take your heart away It's only words and words are all I have to take your heart away
Com isso, uma nova elite intelectual de importação conquista espaço, com
a criação de um estilo musical próprio, em que a expressão artística está voltada
para o sentido e sentimento nacionalista, ora como defesa, ora como forma de
32 Ib. P. 22.
54
agressão. Independente do seu intuito, essa criação musical é arte, já que brota
da alma e exprime sensibilidade, expressa e imita a essência e a natureza do ser
humano e é submissa ao discurso ideológico, o qual nasce de uma relação de
significados como recorte da realidade, do ser humano que lê o mundo e pensa
lingüisticamente, através de palavras, escritas ou faladas. Em língua portuguesa
ou estrangeira.
A Jovem Guarda, movimento relacionado ao desenvolvimento da indústria
cultural no Brasil e ao impulso consumistada década de 60, apresentava
composições e ritmos musicais novos, influenciados pelo rock internacional de
Elvis Presley, Paul Anka, Neil Sedaka e pelos Beatles, que induziam os jovens
daquela geração ao consumismo social e a comportamentos diferenciados, como
vestimentas, cabelos, gestos e gírias. Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Ronnie
Von, Wanderléa, Waldirene, Martinha e Eduardo Araújo estimularam uma nova
ordem social tanto pelas composições quanto pelos produtos que possuíam a
marca da Jovem Guarda veiculados pelos meios de comunicação.
Vejamos, por exemplo, o apogeu da Bossa Nova, com forte influência do
rock’n roll e da música pop internacional. Uma nova modalidade e metalinguagem
musical, o tropicalismo. Época de muitas críticas, revistando tudo o que havia
sido produzido musicalmente no país e no mundo. Caetano Veloso, Chico
Buarque e Gilberto Gil, precursores de novo estilo musical nacionalista,
irreverentes, espíritos artísticos revolucionários e acadêmicos, empregavam
termos estrangeiros em suas composições. Até Gilberto Gil, atual ministro da
Cultura, cantou “Nega”, em língua inglesa:
“NEGA” (PHOTOGRAPH BLUES) - GILBERTO GIL Nega Nega You spent so blissfully The last few days with me Nega I spent so nicely too The last few days with you When I met you, it was so fine I didn't talk a lot to you I only mentioned your smooth hair You made a speech about shampoo We took many, many, many photographs
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Downtown As we passed through Nega You spent so blissfully The last few days with me Nega I spent so nicely too The last few days with you You've been going just where I've gone All my people you have seen I've been doing just what you've done Now I can dig your cup of mu tea We let our moments become, become What they really had to be Nega You spent so blissfully The last few days with me Nega I spent so nicely too The last few days with you Develop our photographs As simple dreams that will come true Perhaps they will make you laugh Or make you sure about we two Develop, baby, our photographs Perhaps they will make you sure Perhaps they will show you nothing Nothing, but a shade of blue
Diferentes motivos levaram compositores brasileiros a produzirem músicas
na língua de seu povo – conforme a música de seu povo. Afinal, “o fator povo
entra na história da música brasileira” (...) e “para os nacionalistas, o povo seria o
objeto número um de suas preocupações; nem tanto naquilo que o povo teria de
ser, idealmente, numa sociedade industrializada, mas naquilo que ele era
inclusive em sua miséria, em seu subdesenvolvimento”, segundo Squeff e
Wisnik33. As mais díspares produções mostram, paradoxalmente, a mesma
preocupação: entender a realidade dentro de algumas perspectivas nacionalistas
comuns.
Mais recentemente, novos grupos de axé e de outros ritmos, que também
sofreram e sofrem influências do processo de aculturação nacional, despontam a
cada dia. Xitãozinho e Xororó, Mariza Monte, o grupo É o Tchan, Mamonas
Assassinas, Reginaldo Rossi e também Falcão e Zeca Baleiro.
33 Ib. P. 88
56
A cada dia novos termos lexicais da língua inglesa são usados em
composições musicais e o acervo lingüístico nacional não pára de crescer.
Neologismos externos de diferentes tipos. A maioria incorporada pelos meios de
comunicação de massa empregada na música e também aceitos pelos ouvintes.
A cada termo anglófono é conferida grande importância e cresce a preferência
por seu uso, considerando-se que a inteligibilidade seja completa.
Pode ser que na música o termo não ultrapasse a fase do estrangeirismo e
não chegue a xenismo, e sua vida útil seja efêmera. Mas, mesmo que não caia
no gosto do povo, não seja compreendida e dure somente pelo tempo em que a
música é tocada em emissoras de rádio, televisão e outros meios de
comunicação, ela é ouvida, cantada e venerada, fazendo parte do contexto social
do momento.
Vejamos, apenas a título de ilustração, alguns exemplos de composições
musicais que empregam o código da língua inglesa.
1.1. “CHUCKBERRY FIELDS FOREVER” – GILBERTO GIL
Chuckberry Fields Forever
Trazidos da África pra Américas de Norte e Sul Tambor de tinto timbre tanto tonto tom tocou E neve, garça branca, valsa do Danúbio Azul Tonta de tanto embalo, num estalo desmaiou Vertigem verga, a virgem branca tomba sob o sol Rachado em mil raios pelo machado de Xangô E assim gerados, a rumba, o mambo, o samba, o rhythm’n’blues Tornaram-se os ancestrais, os pais do rock and roll Rock é o nosso tempo, baby Rock and roll é isso Chuckberry fields forever Os quatro cavaleiros do após-calipso O após-calipso Rock and roll Capítulo um Versículo vinte -Sículo vinte Século vinte e um
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Versículo vinte -Sículo vinte Século vinte e um
1.2. I LOVE YOU TONIGHT – FALCÃO/DUDU MAROTI/MARCOS ROMERA
I love you
I love você E sei que você Também love mim (I love you) E quero receber O que você prometeu Only para eu (only for you) Se não for assim, É melhor pra mim, Ficar sem ver tu. (I need you) Pois esse seu jeitin Me deixa doidin, Doidin for you. I love you tonight (tonight, tonight) I love you tonight (tonight, tonight) I love you tonight I love you too much! I love seu capricho I love seu umbiguinho I love seu pezinho I love seus cabelinhos I love seu pescocinho And I love seu buchinho I love seu rostinho I love seu suvaquinho I love seus olhinhos I love sua bochechinha I love sua bundinha And I love you todinha (I love you!)
1.3. “SAMBA DO APPROACH” – ZECA BALEIRO
Samba do Approach
Venha provar meu brunch Saiba que eu tenho approach Na hora do lunch
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Eu ando de ferryboat Eu tenho savoir-faire Meu temperamento é light Minha casa é hi-tech Toda hora rola um insight Já fui fã do Jethro Tull Hoje me amarro no Slash Minha vida agora é cool Meu passado é que foi trash Fica ligada no link Que eu vou confessar my love Depois do décimo drink Só um bom e velho engov Eu tirei o meu green card E fui pra Miami Beach Posso não ser pop star Mas já sou um noveau riche Eu tenho sex-appeal Saca só meu background Veloz como Damon Hill Tenaz como Fittipaldi Não dispenso um happy end Quero jogar no dream team De dia um macho man E de noite drag queen
Os exemplos de composições musicais acima fizeram sucesso em suas
épocas: eram tocados e cantados pelas massas. Pois, a indústria cultural usa
recursos que engrandecem o ego do indivíduo e da coletividade, proporcionando-
lhes através da linguagem/comunicação musical o que falta em um país sem
grandes marcas de tradição cultural.
Assim, a cultura de massa apropria-se de palavras estrangeiras como
forma de comunicação, mesmo nas diferentes composições classificadas como
cultura erudita, popular ou do povo, presentes em todas as composições
observadas. E, a principal contribuição das composições selecionadas, é que o
movimento musical nacionalista, como Gilberto Gil, emprega códigos anglófonos
como se fossem palavras portuguesas.
A composição I Love You prima pelo estilo coloquial, imitando o falar e os
costumes do povo brasileiro, até mesmo termos vulgares, para convencer,
persuadir a mulher a respeito do amor que o eu-irônico nutre por ela.
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A música “Samba do Approach”, de Zeca Baleiro foi escolhida para ilustrar
a metáfora da ironia a respeito da forte influência e valoração do estrangeiro nas
conversas sociais e também pelo seu tom satírico.
Percebemos nos dois últimos exemplos, que os compositores não se
preocupam com o emprego de uma linguagem que corresponda às normas
gramaticais da língua portuguesa, mesmo porque a intenção é mostrar que isso
não é importante, o importante é empregar um outro código lexical para chamar a
atenção das massas.
Lembramos que no segmento das artes musicais, muitas vezes a melodia
predomina, sendo possível o gosto pela música com desconhecimento das
palavras e por isso, as mesclas de código da língua inglesa e língua portuguesa
são tão comuns, sendo que algumas conferem ao tema tom de modernidade,
inclusão social e até provocação.
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CAPITULO V
“É sempre tarefa ingrata acercar-se dos textos em que se expressa o pensamento autoritário no Brasil”.
Marilena Chauí
O PROJETO DE LEI Nº 1.676/99 DO DEPUTADO ALDO REBELO
1. O PROJETO DE LEI N°1.676/99
Versão aprovada na CCJ Dispõe sobre a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa e dá outras providências. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º Nos termos do caput do art. 13, e com base no caput, I, § 1° e § 4° do art. 216 da Constituição Federal, a língua portuguesa: I- é o idioma oficial da República Federativa do Brasil; II- é forma de expressão oral e escrita do povo brasileiro, tanto no padrão culto como nos moldes populares; III- constitui bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro. Parágrafo único. Considerando o disposto no caput, I, II e III deste artigo, a língua portuguesa é um dos elementos da integração nacional brasileira, concorrendo, juntamente com outros fatores, para a definição da soberania do Brasil como nação. Art. 2º Ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, no intuito de promover, proteger e defender a língua portuguesa, incumbe: I- melhorar as condições de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa em todos os graus, níveis e modalidades da educação nacional; II- incentivar o estudo e a pesquisa sobre os modos normativos e populares de expressão oral e escrita do povo brasileiro; III- realizar campanhas e certames educativos sobre o uso da língua portuguesa, destinados a estudantes, professores e cidadãos em geral; IV- incentivar a difusão do idioma português, dentro e fora do País; V- fomentar a participação do Brasil na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; VI- atualizar, com base em parecer da Academia Brasileira de Letras, as normas do Formulário Ortográfico, com vistas ao aportuguesamento e à inclusão de vocábulos de origem estrangeira no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
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§ 1º Os meios de comunicação de massa e as instituições de ensino deverão, na forma desta lei, participar ativamente da realização prática dos objetivos listados nos incisos anteriores. § 2º À Academia Brasileira de Letras incumbe, por tradição, o papel de guardiã dos elementos constitutivos da língua portuguesa usada no Brasil. Art. 3º É obrigatório o uso da língua portuguesa por brasileiros natos e naturalizados, e pelos estrangeiros residentes no País há mais de 1 (um) ano, nos seguintes domínios socioculturais: I- no ensino e na aprendizagem; II- no trabalho; III- nas relações jurídicas; IV- na expressão oral, escrita, audiovisual e eletrônica oficial; V- na expressão oral, escrita, audiovisual e eletrônica em eventos públicos nacionais; VI- nos meios de comunicação de massa; VII- na produção e no consumo de bens, produtos e serviços; VIII- na publicidade de bens, produtos e serviços. § 1º A disposição do caput, I- VIII deste artigo não se aplica: I- a situações que decorram da livre manifestação do pensamento e da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, nos termos dos incisos IV e IX do art. 5º da Constituição Federal; II- a situações que decorram de força legal ou de interesse nacional; III- a comunicações e informações destinadas a estrangeiros, no Brasil ou no exterior; IV- a membros das comunidades indígenas nacionais; V- ao ensino e à aprendizagem das línguas estrangeiras; VI- a palavras e expressões em língua estrangeira consagradas pelo uso, registradas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa; VII- a palavras e expressões em língua estrangeira que decorram de razão social, marca ou patente legalmente constituída. § 2º A regulamentação desta lei cuidará das situações que possam demandar: I- tradução, simultânea ou não, para a língua portuguesa; II- uso concorrente, em igualdade de condições, da língua portuguesa com a língua ou línguas estrangeiras. Art. 4º Todo e qualquer uso de palavra ou expressão em língua estrangeira, ressalvados os casos excepcionados nesta lei e na sua regulamentação, será considerado lesivo ao patrimônio cultural brasileiro, punível na forma da lei. Parágrafo único. Para efeito do que dispõe o caput deste artigo, considerar-se-á: I- prática abusiva, se a palavra ou expressão em língua estrangeira tiver equivalente em língua portuguesa; II- prática enganosa, se a palavra ou expressão em língua estrangeira puder induzir qualquer pessoa, física ou jurídica, a erro ou ilusão de qualquer espécie;
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III- prática danosa ao patrimônio cultural, se a palavra ou expressão em língua estrangeira puder, de algum modo, descaracterizar qualquer elemento da cultura brasileira. Art. 5º Toda e qualquer palavra ou expressão em língua estrangeira posta em uso no território nacional ou em repartição brasileira no exterior a partir da data da publicação desta lei, ressalvados os casos excepcionados nesta lei e na sua regulamentação, terá que ser substituída por palavra ou expressão equivalente em língua portuguesa no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de registro da ocorrência. Parágrafo único. Para efeito do que dispõe o caput deste artigo, na inexistência de palavra ou expressão equivalente em língua portuguesa, admitir-se-á o aportuguesamento da palavra ou expressão em língua estrangeira ou o neologismo próprio que venha a ser criado. Art. 6º. A regulamentação desta lei tratará das sanções administrativas a serem aplicadas àquele, pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que descumprir qualquer disposição desta lei. Art. 7º A regulamentação desta lei tratará das sanções premiais a serem aplicadas àquele, pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que se dispuser, espontaneamente, a alterar o uso já estabelecido de palavra ou expressão em língua estrangeira por palavra ou expressão equivalente em língua portuguesa. Art. 8º À Academia Brasileira de Letras, com a colaboração dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, de órgãos que cumprem funções essenciais à justiça e de instituições de ensino, pesquisa e extensão universitária, incumbe realizar estudos que visem a subsidiar a regulamentação desta lei. Art. 9º O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo máximo de 1 (um) ano a contar da data de sua publicação. Art. 10. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA A História nos ensina que uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua. Por quê? Porque é o modo mais eficiente, apesar de geralmente lento, para impor toda uma cultura – seus valores, tradições, costumes, inclusive o modelo socioeconômico e o regime político. Foi assim no antigo oriente, no mundo greco-romano e na época dos grandes descobrimentos. E hoje, com a marcha acelerada da globalização, o fenômeno parece se repetir, claro que de modo não violento; ao contrário, dá-se de maneira insinuante, mas que não deixa de ser impertinente e insidiosa, o que o torna preocupante, sobretudo quando se manifesta de forma abusiva, muitas vezes enganosa, e até mesmo lesiva à língua como patrimônio cultural. De fato, estamos a assistir a uma verdadeira descaracterização da língua portuguesa, tal a invasão indiscriminada e desnecessária de estrangeirismos – como “holding”, “recall”, “franchise”, “coffee-break”, “self-service”
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– e de aportuguesamentos de gosto duvidoso, em geral despropositados – como “startar”, “printar”, “bidar”, “atachar”, “database”. E isso vem ocorrendo com voracidade e rapidez tão espantosas que não é exagero supor que estamos na iminência de comprometer, quem sabe até truncar, a comunicação oral e escrita com o nosso homem simples do campo, não afeito às palavras e expressões importadas, em geral do inglês norte-americano, que dominam o nosso cotidiano, sobretudo a produção, o consumo e a publicidade de bens, produtos e serviços, para não falar das palavras e expressões estrangeiras que nos chegam pela informática, pelos meios de comunicação de massa e pelos modismos em geral. Ora, um dos elementos mais marcantes da nossa identidade nacional reside justamente no fato de termos um imenso território com uma só língua, esta plenamente compreensível por todos os brasileiros de qualquer rincão, independentemente do nível de instrução e das peculiaridades regionais de fala e escrita. Esse – um autêntico milagre brasileiro – está hoje seriamente ameaçado. Que obrigação tem um cidadão brasileiro de entender, por exemplo, que uma mercadoria “on sale” significa que esteja em liquidação? Ou que “50% off” quer dizer 50% a menos no preço? Isso não é apenas abusivo; tende a ser enganoso. E à medida que tais práticas se avolumam (atualmente de uso corrente no comércio das grandes cidades), tornam-se também danosas ao patrimônio cultural representado pela língua. O absurdo da tendência que está sendo exemplificada permeia até mesmo a comunicação oral e escrita oficial. É raro o documento que sai impresso, por via eletrônica, com todos os sinais gráficos da nossa língua; até mesmo numa cédula de identidade ou num talão de cheques estamos nos habituando com um “Jose” – sem acentuação! E o que falar do serviço de “clipping” da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados, ou da “newsletter” da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano da Presidência da República, ou, ainda, das milhares de máquinas de “personal banking” do Banco do Brasil – Banco DO BRASIL – espalhadas por todo o País? O mais grave é que contamos com palavras e expressões na língua portuguesa perfeitamente utilizáveis no lugar daquelas (na sua quase totalidade) que nos chegam importadas, e são incorporadas à língua falada e escrita sem nenhum critério lingüístico, ou, pelo menos, sem o menor espírito de crítica e de valor estético. O nosso idioma oficial (Constituição Federal, art. 13, caput) passa, portanto, por uma transformação sem precedentes históricos, pois que esta não se ajusta aos processos universalmente aceitos, e até desejáveis, de evolução das línguas, de que é bom exemplo um termo que acabo de usar – caput, de origem latina, consagrado pelo uso desde o Direito Romano. Como explicar esse fenômeno indesejável, ameaçador de um dos elementos mais vitais do nosso patrimônio cultural
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– a língua materna -, que vem ocorrendo com intensidade crescente ao longo dos últimos 10 a 20 anos? Como explicá-lo senão pela ignorância, pela falta de senso crítico e estético, e até mesmo pela falta de auto-estima? Parece-me que é chegado o momento de romper com tamanha complacência cultural, e, assim, conscientizar a nação de que é preciso agir em prol da língua pátria, mas sem xenofobismo ou intolerância de nenhuma espécie. É preciso agir com espírito de abertura e criatividade, para enfrentar – com conhecimento, sensibilidade e altivez – a inevitável, e claro que desejável, interpenetração cultural que marca o nosso tempo globalizante. Esse é o único modo de participar de valores culturais globais sem comprometer os locais. A propósito, MACHADO DE ASSIS, nosso escritor maior, deixou-nos, já em 1873, a seguinte lição: “Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos, é um erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo é decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer, locuções novas, que de força entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade.” (IN: CELSO CUNHA, Língua Portuguesa e Realidade Brasileira, Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro Ltda., 1981, p. 25 – na ortografia original de 1968). Os caminhos para a ação, desde que com equilíbrio machadiano, são muitos, e estão abertos, como apontado por EDIRUALD DE MELLO, no seu artigo O português falado no Brasil: problemas e possíveis soluções, publicado em CADERNOS ASLEGIS, n° 4, 1998. O Projeto de Lei que ora submeto à apreciação dos meus nobres colegas na Câmara dos Deputados representa um desses caminhos. Trata-se de proposição com caráter geral, a ser regulamentada no pormenor que vier a ser considerado como necessário. Objetiva promover, proteger e defender a língua portuguesa, bem como definir o seu uso em certos domínios socioculturais, a exemplo do que tão bem fez a França com a Lei n° 75-1349, de 1975, substituída pela Lei n° 94-665, de 1994, aprimorada e mais abrangente. Quer-me parecer que o PL proposto trata com generosidade as exceções, e ainda abre à regulamentação a possibilidade de novas situações excepcionais. Por outro lado, introduz as importantes noções de prática abusiva, prática enganosa e prática danosa, no tocante à língua, que poderão representar eficientes instrumentos na promoção, na proteção e na defesa do idioma pátrio. A proposta em apreço tem cláusula de sanção administrativa, em caso de descumprimento de qualquer uma de suas provisões, sem prejuízo de outras penalidades cabíveis; e ainda prevê a adoção de sanções premiais, como incentivo à reversão espontânea para o português de palavras e expressões estrangeiras correntemente em uso.
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Nos termos do projeto de lei ora apresentado, à Academia Brasileira de Letras continuará cabendo o seu tradicional papel de centro maior de cultivo da língua portuguesa do Brasil. O momento histórico do País parece-me muito oportuno para a atividade legislativa por mim encetada, e que agora passa a depender da recepção compreensiva e do apoio decisivo da parte dos meus ilustres pares nesta Casa. A afirmação que acabo de fazer deve ser justificada. Primeiramente, cumpre destacar que a sociedade brasileira já dá sinais claros de descontentamento com a descaracterização a que está sendo submetida a língua portuguesa frente à invasão silenciosa dos estrangeirismos excessivos e desnecessários, como ilustram pronunciamentos de lingüistas, escritores, jornalistas e políticos, e que foram captados com humor na matéria Quero a minha língua de volta!, de autoria do jornalista e poeta JOSÉ ENRIQUE BARREIRO, publicada há pouco tempo no JORNAL DO BRASIL. Em segundo lugar, há que ser lembrada a reação positiva dos meios de comunicação de massa diante da situação que aqui está sendo discutida. De fato, nunca se viu tantas colunas e artigos em jornais e revistas, como também programas de rádio e televisão, sobre a língua portuguesa, especialmente sobre o seu uso no padrão culto; nesse sentido, também é digno de nota que os manuais de redação, e da redação, dos principais jornais do País se sucedam em inúmeras edições, ao lado de grande variedade de livros sobre o assunto, particularmente a respeito de como evitar erros e dúvidas no português contemporâneo. Em terceiro lugar, cabe lembrar que atualmente o jovem brasileiro está mais interessado em se expressar corretamente em português, tanto escrita como oralmente, como bem demonstra a matéria de capa – A ciência de escrever bem – da revista ÉPOCA de 14/6/99. Por fim, mas não porque menos importante, as comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil se oferecem como oportunidade ímpar para que discutamos não apenas o período colonial, a formação da nacionalidade, o patrimônio histórico, artístico e cultural da sociedade brasileira, mas também, e muito especialmente, a língua portuguesa como fator de integração nacional, como fruto – tal qual a falamos – da nossa diversidade étnica e do nosso pluralismo racial, como forte expressão da inteligência criativa e da fecundidade intelectual do nosso povo. Posto isso, posso afirmar que o PL ora submetido à Câmara dos Deputados pretende, com os seus objetivos, tão-somente conscientizar a sociedade brasileira sobre um dos valores mais altos da nossa cultura – a língua portuguesa. Afinal, como tão bem exprimiu um dos nossos maiores lingüistas, NAPOLEÃO MENDES DE ALMEIDA, no Prefácio de sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa (28ª ed., São Paulo, Edição Saraiva, 1979), “conhecer a língua portuguesa não é privilégio de
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gramáticos, senão dever do brasileiro que preza sua nacionalidade... A língua é a mais viva expressão da nacionalidade. Como havemos de querer que respeitem a nossa nacionalidade se somos os primeiros a descuidar daquilo que a exprime e representa, o idioma pátrio?”. Movido por esse espírito, peço toda a atenção dos meus nobres colegas de parlamento no sentido de apoiar a rápida tramitação e aprovação do projeto de lei que tenho a honra de submeter à apreciação desta Casa legislativa. Sala das Sessões, em 28 de março de 2001.”
2. ENTREVISTAS COM ALDO REBELO
Apresentamos a seguir uma série de entrevistas com o deputado Aldo
Rebelo.
2.1. ALDO REBELO CONCEDE ENTREVISTA EM ASSIS
Por ocasião das campanhas eleitorais municipais de 2004, o deputado
Aldo Rebelo esteve visitando a cidade de Assis/SP, para apoiar o candidato `a
prefeito e os vereadores da coligação PT/PC do B, quando o entrevistamos sobre
seu Projeto de Lei e sobre a intencionalidade da elaboração do Projeto de
promoção, proteção, defesa e uso da Língua Portuguesa. Mediante o pouco
tempo disponível do ministro, sua assessora solicitou que a entrevista fosse feita
on line, seguida da confirmação do ministro pedindo que enviasse as perguntas
por e-mail.
Em duas semanas, Aldo Rebelo encaminhou, via on line (por e-mail), as
respostas. Encaminhou também mais duas emendas que foram acrescentadas
ao Projeto. A primeira de autoria do deputado Geraldo Magela, quanto ao inciso
VII do parágrafo 1o., do Artigo 3o, e outra do relator deputado Vilmar Rocha, pela
substituição do Artigo 6º34.
A entrevista segue em sua íntegra:
34 As emendas não foram incorporadas a este texto porque são muito extensas, mas estão disponíveis no site:
www.camara.gov.br/aldorebelo.
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Mércia Vasconcellos: Onde o projeto se encontra e por onde já passou? Houve alteração ou emenda? Aldo Rebelo: O projeto, apresentado em 15 de setembro de 1999, atualmente se encontra na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados e aguarda a designação de relator. Depois de sua apresentação, o projeto foi encaminhado às Comissões de Educação e Cultura e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Na Comissão de Educação e Cultura foram apresentadas sete emendas ao projeto. O parecer da relatora da Comissão, deputada Iara Bernardi, foi favorável ao projeto e a duas emendas (9/08/2000). (a) Emenda 03/00 – Deputado Geraldo Magela, deu ao inciso VII do parágrafo 1o., do artigo 3o. a seguinte redação: “VII – as palavras e expressões em língua estrangeira que decorram de razão social, marca ou patente legalmente constituída no seu país de origem”. (b) Emenda de relator – Substitui o artigo 6o. pelo seguinte: “A regulamentação desta lei tratará das sanções administrativas a serem aplicadas àquele, pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que descumprir qualquer disposição desta lei, sem prejuízo das sanções de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas”. Na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania o projeto não recebeu emendas e o parecer do relator, deputado Vilmar Rocha, pela constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito, pela aprovação do projeto com as emendas, foi aprovado (28/03/2001). O projeto teve sua redação final aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (5/6/2001) e, depois, foi encaminhado ao Senado Federal (8/6/2001). No Senado, tramitou na Comissão de Educação. O relator, senador Amir Lando, elaborou substitutivo que foi aprovado pelo Plenário da Casa sem apresentação de emendas (27/05/2003). O projeto substitutivo do Senado voltou à Câmara dos Deputados (29/05/2003) e tramitou na Comissão de Educação e Cultura, na qual o relator, deputado Átila Lira, elaborou parecer favorável. O parecer foi aprovado em 27/07/2003. Da Comissão de Educação e Cultura, o projeto foi encaminhado novamente à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, onde se encontra atualmente. MV: O que o levou a apresentar o projeto? AR: O processo de degradação da nossa língua, ou “desnacionalização lingüística”, como disse o crítico literário Wilson Martins. A nossa língua deve ser tratada como um bem soberano do patrimônio cultural do Brasil e o projeto trouxe essa discussão à tona. MV: Quem foram as pessoas consultadas para a elaboração do projeto? AR: Escritores, jornalistas, lingüistas, professores, acadêmicos, estudantes, técnicos legislativos. A elaboração de um projeto de lei raramente é um trabalho isolado. A inspiração veio da legislação francesa e, quando comecei a trabalhar o tema, surgiram inúmeros parceiros,
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de todos os Estados brasileiros, que sempre defenderam o nosso idioma contra os estrangeirismos. MV: O projeto não contraria a realidade brasileira? AR: Não. A realidade histórica brasileira é a de um País com grandes desequilíbrios e a desfiguração do nosso idioma serve para aumentar as distâncias sociais – talvez o mais grave dos desequilíbrios que combatemos. A língua é um grande ponto de equilíbrio do povo brasileiro e por isso deve ser defendida, assim como todos os bens que são historicamente nossos. MV: Este projeto não poderia ser interpretado como uma impulsividade de tentar resgatar o que se perdeu há centenas de anos durante a colonização do País? AR: Nada perdemos durante a colonização. Pelo contrário, ganhamos nossa unidade. Quando Portugal decidiu empreender a colonização, cuidou de providenciar um idioma para a comunicação com os nativos. Isso porque ao contrário do que se pensa, os dois milhões de índios não falavam, como os remanescentes não falam, apenas o tupi, e sim numerosas línguas e dialetos. O tupi era o tronco idiomático dos grupos indígenas com quem os portugueses tiveram os primeiros contatos. Os missionários aplicaram as regras do latim para fazer uma gramática do tupi. Nasceu o nheengatu, ou a arte de bem falar, também conhecida como língua geral. O nheengatu chegou a ser o idioma mais falado no Brasil no século XVIII. Cumprido o seu papel de intermediação entre tupis, portugueses, caboclos e outros grupos indígenas, o nheengatu declinou e, já no final do século XVIII, o português se impôs de forma notável no Brasil e se consolidou como a língua da unidade nacional num país-continente. MV: Como e por que o senhor acha que o uso de anglicismos é lesivo e descaracteriza a língua portuguesa? AR: O uso de anglicismos não é apenas lesivo à língua, mas à nossa soberania. A língua é uma ferramenta de conquista. A história da humanidade comprova isso: as legiões de Roma impuseram o latim às tribos ibéricas; e, mais recentemente, quando as tropas indonésias ocuparam o Timor Leste em 1974, a primeira providência dos invasores foi proibir o ensino e o uso do português. Assim, combater o uso abusivo e desnecessário de anglicismos é, além de um dever cívico, uma maneira de combater as tentativas de dominação cultural, social e econômica que sofremos. E o uso de anglicismos descaracteriza nosso idioma porque o português tem recursos léxicos suficientes para acompanhar as inovações, descobertas, invenções e mudanças que transformam o mundo. É uma língua precisa, graciosa, bela e culta, que devemos aprimorar e valorizar. Segundo Antonio Houaiss, o português tem um acervo de aproximadamente 400 mil vocábulos, o mesmo do inglês. É, então, inaceitável a substituição de palavras portuguesas tradicionais por termos estrangeiros de difícil compreensão para a grande maioria do nosso povo.
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MV: Quando o senhor diz: “Os meios de comunicação de massa e as instituições de ensino deverão, na forma desta lei, participar ativamente da realização prática dos objetivos listados nos incisos anteriores”, como o senhor espera que seja essa participação? AR: Cada instituição possui sua vocação própria e é dentro dessa vocação – comunicar, educar – que se dará a participação na promoção e defesa da língua portuguesa. São vários os formatos possíveis. Certa vez, recebi uma carta de uma senhora de Campinas (SP) que acabava de ser alfabetizada. Nessa carta, ela falava sobre a sua alegria de ter aprendido a ler e a escrever e sobre sua indignação com o fato de o inglês estar tomando o lugar do português. Quero dizer com isso que qualquer estímulo, desde que feito na instância correta, vai gerar resultados. MV: Quais contribuições o projeto traz para a sociedade? AR: A primeira contribuição, e talvez a mais importante, foi ter trazido à tona o debate acerca dos estrangeirismos. Fiquei surpreendido com a quantidade e variedade de pessoas que se manifestaram sobre o projeto. Agora, se ele for aprovado, a contribuição será em torno da própria valorização da nossa língua. Se conseguirmos frear a invasão dos estrangeirismos e renovar a consciência da importância da língua para a nossa unidade nacional, certamente vamos prestar um grande serviço à soberania brasileira.
2.2. “COMCIÊNCIA” ENTREVISTA ALDO REBELO - “HÁ RISCO PARA A
LÍNGUA?” - MÁRIO PERINI35
“Há risco para a língua? A língua e a soberania nacional
Mário Perini O deputado Aldo Rebelo, do PC do B de São Paulo, faz de seu projeto em defesa da língua portuguesa também um instrumento de luta contra a globalização. Segundo ele, a língua é também um fator de identificação nacional. O uso de estrangeirismos prejudicaria o entendimento do mundo para as pessoas que não conhecem o inglês, aumentando o processo de exclusão. Nessa entrevista para a revista Com Ciência, Rebelo fala de como surgiu o projeto, do atual trâmite no senado e da futura regulamentação. ComCiência – A legislação francesa que trata da proteção da latinidade da língua serviu de inspiração para o seu projeto de lei que restringe o uso de estrangeirismos? Aldo Rebelo – De certa forma sim. A lei francesa, nº 75-
35 www.comciencia.com.br
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1349, de 1975, foi substituída em 1994 pela Lei Toubon, nº 94-665. Ela define a língua francesa como “elemento fundamental da personalidade e do patrimônio da França”. É obrigatório o seu uso em todo o círculo de propaganda e venda de bens e serviços – da embalagem à garantia – nas placas, anúncios ou inscrições afixados em lugares públicos. Penso que ao oferecer a tradução dos termos os franceses souberam combinar o universalismo com a tradição nacional e esse aspecto positivo foi considerado quando da formulação do nosso projeto. Na minha opinião, a aprovação do projeto vai possibilitar a valorização da Língua Portuguesa e a comunicação será facilitada, tanto para os letrados, quanto para os que não dominam outra língua, hoje muitas vezes excluídos dos processos de fala. ComCiência – Para elaborar o seu projeto de lei, o senhor procurou a assessoria de algum lingüista? Houve algum debate sobre o projeto com membros da Academia Brasileira de Letras? Rebelo – Consultei lingüistas, doutores, conversei com a Academia Brasileira de Letras e as contribuições foram muito importantes. Mas foi em viagens pelo Brasil, em conversas com o povo, nas ruas de capitais e de cidades do interior que observei as maiores dificuldades na comunicação, o que justifica a necessária tradução dos termos. ComCiência – Deputado, desculpe o uso do estrangeirismo que farei agora. Como funciona o lobby entre os seus pares no congresso para a aprovação de um projeto dessa natureza, relacionado ao uso da língua? Rebelo – O debate da proposta na Câmara foi iniciado com o seminário “Nossa Pátria, Nossa Língua” e fez parte das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Foi uma atividade organizada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Associação Brasileira de Leitura (ABL), a Universidade de Brasília e a PUC-RS. Durante dois dias, cerca de 900 pessoas de todas as idades e classes sociais puderam debater com lingüistas, jornalistas, gramáticos, professores, escritores e embaixadores, num rico e produtivo encontro. Após o seminário e durante a tramitação, os deputados foram muito receptivos e eu acredito que o mesmo vai acontecer no senado. Estou propondo um novo seminário, e espero que com o amadurecimento da discussão possamos ter bons resultados. ComCiência – Se a lei for aprovada pelo senado e regulamentada no prazo de um ano, como o senhor espera que seja a sua execução e a fiscalização de que ela estará sendo cumprida? Rebelo – A regulamentação vai determinar a forma de fiscalizar. Todos os usuários poderão reclamar o direito de se comunicar em Língua Portuguesa, mesmo porque o artigo 13º da Constituição nos dá essa garantia. O projeto apenas regulamenta. Após a apresentação do projeto foi criado na �ê�s�nív o Movimento Nacional de Defesa da Língua Portuguesa, com uma página para debates e várias
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iniciativas de discussão do tema. O endereço é: http://www.novomilenio.inf.br/idioma. Esse movimento se constitui em um possível núcleo de fiscalização da lei, mas o sucesso da proposta só virá com o tempo, a partir da conscientização dos usuários. ComCiência – No seu projeto de lei, o parágrafo primeiro do artigo 3º, que fala da obrigatoriedade do uso da língua portuguesa, diz que essa obrigatoriedade não se aplica a situações que decorram da livre manifestação do pensamento e da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. O senhor não acha que muitas situações de uso dos estrangeirismos podem se amparar nesse dispositivo? Rebelo – Poderão, de fato, mas essas situações serão possíveis mais por parte do usuário comum do que do detentor do poder da comunicação e é importante diferenciarmos os usos. A comunicação feita pelo Poder Público e pela da imprensa, por exemplo, ao abusar dos estrangeirismos termina impondo os termos, que são repetidos e incorporados às vezes de forma artificial. Se um órgão público oferece um serviço de “Ombudsman”, o usuário fica sujeito ao uso daquela palavra e muitas vezes desconhece a expressão equivalente em português, que é o “Ouvidor”. Isso provoca um verdadeiro sepultamento de palavras, que são aos poucos esquecidas em benefício de uma substituição pasteurizada e supérflua, e isso pode ser evitado. A Língua Portuguesa tem cerca de 350 mil palavras e mais de 15 mil verbos. Tamanha abundância precisa ser melhor conhecida e preservada em benefício da auto-estima do nosso povo e contra a idéia de que o que vem de fora é melhor e mais moderno.”
Mário Perini, da revista de circulação nacional “Com Ciência”, entrevista o
deputado Aldo Rebelo, lembrando, inicialmente, do projeto francês que preserva
o uso de xenismos e a origem da língua francesa, o Latim. Como é revelado pelo
próprio deputado, o Projeto de Lei nº 1.676/99 emprega a mesma expressão
usada na Lei Tourbon nº 94-665 e a mesma obrigação.
As proibições também existem. E o discurso do deputado é o mesmo
empregado na Justificativa do Projeto. Mas proibir o uso de estrangeirismos, e
não de xenismos, pode tornar-se lei na teoria, mas não na prática. O
entrevistador desculpa-se por usar o termo lobby e o entrevistado usa os
xenismos: Internet e ombudsman, mesmo que a título de exemplo.
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2.3. “ISTOE” ENTREVISTA ALDO REBELO - “LÍNGUA FERIDA” –
FLORÊNCIA COSTA E INES GARÇONI36
“Língua Ferida
Aldo Rebelo, deputado do PC do B, propõe polêmico projeto de defesa do português e diz que o uso do
estrangeirismo é uma forma de exclusão Aportuguesamento contra o “deletar” – domínio dos EUA
Florência Costa e Ines Garçoni Hard, light, diet, drink, sale, print, over, mouse. Palavras como essas causam arrepio no deputado federal do PC do B Aldo Rebelo (SP), autor de um projeto de lei de defesa da língua portuguesa, culta e bela, porém, ultrajada, segundo ele. Mas, ao levantar essa bandeira, o parlamentar provocou polêmica e chegou a ser apontado como xenófobo e autoritário, por querer limitar o uso de palavras estrangeiras, a maioria de origem inglesa. Para ele, um exemplo do exagero a que chegou a influência americana no País é a Barra da Tijuca, bairro carioca que ele chama de “sucursal de Miami”. Cuidadoso e preciso com as palavras, Rebelo, no entanto, foi traído uma vez pelo subconsciente durante duas horas de conversa. Soltou a palavra outdoor. Enrubescido, corrigiu-se: “um grande cartaz”. O nacionalismo dele não se restringe à seara das letras. Comunista, Rebelo não poupa elogios aos militares brasileiros por rejeitarem a idéia de que os americanos possam usar o nosso território para seus planos de combate ao narcotráfico e à guerrilha na Colômbia. Torcedor do Comercial de Viçosa (AL), Flamengo e Palmeiras, Rebelo chutou a antiga idéia de que o futebol é o ópio do povo, alimentada no passado por comunistas brasileiros. O deputado é autor do requerimento que criou a CPI do Futebol na Câmara. “Nem nas CPIs do Collor e do Orçamento a pressão contra a instalação foi tão forte”, desabafou, lembrando que técnicos, governadores e até ministros agiram nos bastidores para impedir a investigação sobre os escândalos que derrotam o esporte nacional. ISTOE – Por que apresentar um projeto de lei que restringe os estrangeirismos? Aldo Rebelo – Hoje, por causa da queda da auto-estima do brasileiro, não se diz mais, por exemplo, “começar uma reunião”. Se diz dar um start. A maioria da população não conhece o inglês. Além de dificultar a comunicação, o uso indiscriminado da língua inglesa constrange quem não a domina. O projeto procura coibir este tipo de abuso. Mas a idéia central não é proibir e sim melhorar o ensino da língua portuguesa. Olavo Bilac disse que uma Nação entra em decadência quando perde o amor pelo seu idioma. O
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projeto determina que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além das instituições de ensino e a Academia Brasileira de Letras, adotem medidas para elevar a qualidade da aprendizagem do português. Queremos ainda que o uso da língua seja obrigatório no próprio governo. O Banco do Brasil não poderia, por exemplo, fornecer um serviço chamado Personal Banking. Nem o IBGE poderia abrir uma página na Internet, dirigida à juventude, batizada de IBGE Teen. ISTOE – Não há um sentimento anti-americano nessas idéias? Aldo– De forma nenhuma. Acho necessário a população brasileira conhecer outros idiomas, inclusive o inglês. Quem fala bem o inglês e o português provavelmente não gosta de misturar as duas. Não tenho nada contra a língua estrangeira. Tem jornais no Brasil publicados em italiano, japonês e etc. Não queremos proibir isso. Inclusive acho que o ensino do espanhol nas escolas brasileiras até tardou, já que temos quase 16 mil quilômetros de fronteira com países de língua espanhola. O problema é substituir o nosso idioma por outro. ISTOE – Mas isto está acontecendo? Aldo– Sim. Entrega a domicílio virou delivery, liquidação foi trocada por on sale, eliminatória, melhor de três ou semifinal transformaram-se em playoffs. Por que uma loja de produtos para animais tem que se chamar pet shop? O Banco do Brasil fez uma pesquisa com os clientes e constatou que eles condenam o uso de palavras em inglês. Além disso há aportuguesamentos de gosto duvidoso, como startar, deletar, printar. Isso é diferente do chamado empréstimo. Há a necessidade de atualizar o idioma, criando palavras e expressões a partir dele próprio ou emprestando e adaptando termos de outros. Temos centenas de expressões de origem árabe, como açúcar, almirante, azeite, alferes. Mas nós fizemos o aportuguesamento. A palavra futebol é de origem inglesa (football) e foi adaptada para o português. ISTOÉ – E a mania de batizar os filhos com nomes em inglês? Aldo– É outro absurdo. Mas não sei se é o caso de proibir, embora seja preocupante. Em Curitiba, um pai viu a expressão “Made in USA” e batizou a filha com o nome de Madinusa. Sabe por que em Portugal tem tanta gente com o nome Joaquim e Manoel? Porque lá a lei proíbe batizar uma criança com nomes como John, Washington, Shirley... ISTOE – Na Barra da Tijuca fizeram uma réplica da Estátua da Liberdade. O que o sr. Achou disso? Aldo– A Barra virou uma sucursal de Miami. É um abuso que revela a queda da auto-estima de uma parcela minoritária da classe média brasileira. Nada contra quem queira ir a Miami. Mas não se pode impor ao País os padrões culturais de Miami. É aquele tipo de gente que vai na livraria do aeroporto e pede um romance de Sidney Sheldon achando que está consumindo literatura de primeiro mundo.
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ISTOE – Qual é a saída para as palavras inglesas que surgem com a informática? Aldo– Se não tiver tradução, a saída é encontrar no português alguma palavra parecida. Senão, deve-se aportuguesar. Boa parte das palavras inglesas da informática tem origem latina. Veja o caso de site. Abrindo um dicionário inglês-português vamos encontrar “site: sítio, local, etc”. Mas o processo de substituição é demorado. Por exemplo, há 20 anos ainda se dizia que narrador de futebol era speaker. Goleiro era goalkeeper. Escanteio era corner. ISTOE – O sr. Conhece alguém que tenha tido problemas com o uso abusivo do estrangeirismo? Aldo– Várias pessoas, que inclusive me escrevem. Um cidadão do Mato Grosso, por exemplo, comprou um equipamento eletroeletrônico e não entendia o que estava escrito. Apertou uns botões e perdeu o aparelho. Uma senhora no Rio Grande do Sul se deparou com uma loja chamada Sweet Way e, quando o filho foi perguntar como se lia, ela pronunciou suétvai. ISTOE – O Brasil foi muito influenciado, até o início do século, pelo francês. O sr. Considera esta influência também tão negativa? Aldo– O francês é o idioma que mais fez empréstimo ao português. Tem mais de três mil palavras aportuguesadas, como abajur, toalete, garagem, chofer. Foi positivo pois trouxe palavras que não existiam na nossa língua, assim como o árabe. Nesse aspecto foi uma contribuição. Mas, se na época tivesse havido um esforço, o português poderia ter sido enriquecido com a criação de expressões próprias. ISTOE – E a influência do inglês, não tem algum fator positivo? Aldo– Em alguns aspectos, sim. Na ciência, especialmente em áreas onde o Brasil não realiza pesquisa, e mesmo no setor de tecnologia, nós não temos outro recurso senão fazer os empréstimos. ISTOÉ – O sr. Não teme ser considerado autoritário? Aldo– Não. Autoritário é querer impor palavras estrangeiras. O uso de vocábulos de outro idioma é uma forma de exclusão, de se diferenciar desta imensa maioria que só sabe e só se comunica em português. Projeto de lei proíbe o uso de estrangeirismos Um projeto de lei, aprovado em março de 2001 na Câmara dos Deputados, restringe o uso de palavras estrangeiras e obriga o uso da língua portuguesa por brasileiros natos e naturalizados e pelos estrangeiros residentes no Brasil há mais de um ano. O projeto rege o ensino e a aprendizagem; o trabalho; as relações jurídicas; a expressão oral, escrita audiovisual e eletrônica oficial e nos eventos públicos nacionais; os meios de comunicação de massa; e a publicidade de bens, produtos e serviços. Trata-se do PL nº 1676, proposto pelo deputado Aldo Rebelo, do PC do B de São Paulo. Após a aprovação na Câmara, o projeto seguiu para o Senado. Se for aprovado pelos senadores, terá um ano para ser regulamentado”.
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Em entrevista à revista semanal “Istoe”, o deputado Aldo Rebelo usou o
termo outdoor e imediatamente refez seu discurso empregando a expressão
equivalente em português como ele mesmo sugere em seu Projeto de Lei.
O que pudemos perceber nesta entrevista é que houve mudança no
discurso do deputado. Na primeira pergunta, sobre o porquê de apresentar o
Projeto, o deputado que defendia a idéia de que o Projeto havia sido elaborado
pautado na ideologia de preservar o que há de mais nacionalista e soberano: a
língua portuguesa e que o País merecia essa homenagem pelos seus 500 anos,
aponta como razão principal da propositura do Projeto a queda da auto-estima do
brasileiro, seguida da posição de que dificulta a comunicação.
Na entrevista notamos ainda que a idéia central do Projeto não é a
proibição do uso de elementos estrangeiros, e nem seu controle, mas sim a
melhoria do ensino de português.
O deputado sugere encontrar um termo parecido em português para as
palavras de origem inglesa, e, caso não haja, propõe o aportuguesamento do
signo estrangeiro, antes recriminado quando fala de “aportuguesamentos de
gosto duvidoso, como startar, deletar, printar”. O desconhecimento sobre o que
são empréstimos também foi percebido na entrevista. O deputado diz que os
termos startar, deletar e printar não são empréstimos. Segundo teorias que
serviram de aporte para nosso estudo sobre diferenças entre palavra estrangeira,
estrangeirismo, empréstimo e xenismos, os exemplos dados são empréstimos,
visto terem sofrido adaptações para a língua receptora. Vejamos, nos três
exemplos dados pelo deputado, o processo de incorporação seguiu as normas de
formação dos verbos da primeira conjugação.
O deputado também dá exemplos de pessoas que sofreram prejuízo com
o uso de signos lingüísticos estrangeiros: “Um cidadão do Mato Grosso, por
exemplo, comprou um equipamento eletroeletrônico e não entendia o que estava
escrito. Apertou uns botões e perdeu o aparelho”. Seria mais sensato se o
Projeto apontasse a preocupação em controlar a obrigatoriedade da presença de
manuais em português, ou que incentivasse a produção e fabricação de produtos
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nacionais baixando seus impostos para que pudessem ser comercializados
dentro do próprio País, evitando a importação de produtos diversos por preços
inferiores aos nacionais. Mas, em se tratando de estimular o desenvolvimento
científico e tecnológico do País, melhor é aceitar os “empréstimos”. Vejamos o
que respondeu o deputado quando indagado se havia algum fator positivo da
influência do inglês: “Em alguns aspectos, sim. Na ciência, especialmente em
áreas onde o Brasil não realiza pesquisa, e mesmo no setor de tecnologia, nós
não temos outro recurso senão fazer os empréstimos”.
Caberia uma lei de incentivo às pesquisas científicas e tecnológicas ainda
não realizadas no País!
2.4. “A NOTÍCIA” ENTREVISTA ALDO REBELO – “PROJETO QUER BARRAR
INVASÃO LINGÜÍSTICA”37
“Projeto quer barrar invasão lingüística Reza a filosofia que tudo em excesso é prejudicial. Basta ver que na medicina o remédio em doses elevadas se transforma em veneno. No caso da língua portuguesa, o uso de palavras estrangeiras já está se tornando abusivo nos últimos anos, o que preocupa setores da sociedade que tentam barrar essa invasão sorrateira. Esta discussão já chegou ao Congresso Nacional, e o Projeto de Lei 1.676, de 1999, do deputado Aldo Rebelo (PC do B/SP), que trata desse assunto, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça. O autor do projeto, ex-presidente da União dos Estudantes (UNE) na década de 80, acredita que até o final do ano o Senado o transforme em lei. Aldo Rebelo diz que o seu projeto de lei não veda o uso de palavras estrangeiras, mas quer apenas regular o abuso. Ele comenta que assim como o País passa por um processo de deterioração da economia e da cultura nacionais, há também no momento uma “desnacionalização lingüística”. “Assim como o patrimônio público e as empresas privadas do país estão sendo vendidos a grandes grupos multinacionais, a desnacionalização do idioma português vem acontecendo, palavra por palavra. Chegando ao ponto de termos um bilingüismo sorrateiro”, ressalta. A Notícia – Você acha que, através do projeto de lei de sua autoria, será possível impedir o uso de palavras
37 A Notícia, Santa Catarina, 24 set 2000, Entrevista de Domingo, p. A4 – Entrevista feita por Domingos Abreu Miranda
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estrangeiras no cotidiano de empresas e escolas numa época de globalização da economia? Aldo Rebelo – Na verdade, a proposta não quer impedir o uso de palavras estrangeiras, mas, sim, o abuso, ou seja, o uso exagerado. As palavras ou expressões em língua estrangeira consagradas pelo uso não serão alteradas. O próprio português falado no Brasil, além da contribuição do árabe, do inglês entre outros idiomas, foi enriquecendo pela enorme contribuição das línguas e dos dialetos indígenas e africanos, dos quais temos milhares de vocábulos incorporados no nosso dia-a-dia. Do tupi vieram numerosas palavras, ainda hoje correntes, como abacaxi, arapuca, caipira, maracanã, piracema, jacaré, cutucar, além de nomear quase toda a fauna brasileira. Dos dialetos africanos, o português recebeu centenas de outras, como batuque, caçula, cafuné, mocambo, moleque, samba, senzala, quilombo. AN– Ainda este ano, o seu projeto poderá ser transformado em lei? O que ainda falta para ser aprovado? Aldo – Ele já foi aprovado pela Comissão de Educação da Câmara e agora está na Comissão de Constituição e Justiça, que deverá apreciá-lo até outubro para então ser enviado ao Senado Federal. Os prazos não são precisos, mas acreditamos que a votação final deverá ocorrer ainda este ano. AN – A informática é um exemplo típico do uso abusivo de palavras estrangeiras. Você acha que isso se dá por submissão cultural, ou está de acordo com as inovações tecnológicas onde o inglês acaba imperando? Aldo – Acredito que no campo da informática muitos novos termos em inglês poderiam ser evitados, pois têm palavras equivalentes em nosso idioma. Seria o caso de deletar (apagar), startar (iniciar), update (atualizar), browser (navegador), bookmark (marcador), entre dezenas de outras. A submissão cultural vai deixar de ter lugar quando o relacionamento com outros povos acontecer baseado no princípio da igualdade. A condição de brasileiros não nos faz superior a nenhuma outra nação. Por outro lado, o que vemos, e isso se mostra também no nosso idioma, é um pouco a idéia de que os nossos bens e a nossa cultura são inferiores e, portanto, o que vem de fora é melhor, mais avançado e moderno e isso é um equívoco AN – O ensino do português nas escolas, hoje, é estimulante e adequado a desenvolver o amor dos alunos ao idioma materno? Qual o papel da escola nesse esforço em prol da língua portuguesa? Aldo – Não é novidade que a educação no Brasil passa por um momento de crise. Faltam investimentos em bibliotecas, reciclagem de professores, merenda escolar e até construção e manutenção de escolas. Assim como o português, outras disciplinas são vítimas desse caos. Mas, a rigor, a escola tem o dever de ressaltar que o português é o idioma nacional. É da escola a tarefa de destacar o amor dos brasileiros à língua portuguesa, de relembrar que o
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idioma dispõe de todos os recursos para nomear pessoas, lugares, coisas, concretudes e abstrações, manifestações da produção e do espírito. A escola pode mostrar o quanto é desnecessário recorrer a palavras estranhas para denominar lojas, eventos, serviços, e mesmo que esta atitude deva ser respeitada, como indicados de arbítrio e da proteção de espécies individuais numa sociedade democrática, tenhamos a clareza de que a língua é um bem a ser construído e respeitado coletivamente. É preciso que a escola também estimule o aluno à prática da leitura: os clássicos da língua portuguesa estão disponíveis gratuitamente nas bibliotecas públicas. AN – Você considera importante, dentro dos objetivos de seu projeto, a dublagem de filmes e vídeos? Aldo – Acho fundamental que sempre seja dada à oportunidade de comunicação em língua portuguesa, pela dublagem ou utilização de legenda em português. AN – O uso de outros idiomas, sobretudo na publicidade voltada para o consumo de produtos que incorporam novas tecnologias procedentes do exterior, é um recurso de venda bastante comum. Esta área poderia dar uma contribuição expressiva à valorização do idioma português? Aldo – Basta andar nas ruas de uma grande cidade, abrir um jornal, folhear uma revista ou ligar a televisão para observar que o problema existe. Se vamos a um centro comercial (shopping center) corremos o risco de precisar de um tradutor para entender o nome e as ofertas das lojas: o que mais de vê e se ouve é palavra estrangeira. Até botequim agora tem nome em inglês. A pizzaria do bairro bota na placa: Delivery. A publicidade contém expressões indecifráveis para a maioria dos brasileiros. E a propaganda oficial ainda recrudesce esse movimento: órgãos oficiais e até mesmo o presidente da República usam palavras que o povo brasileiro não conhece, como fast track, trade-off e agrobusiness. No Banco do Brasil, o cheque especial é Ourocard, e o serviço eletrônico se chama Personal Banking. A Caixa Econômica Federal tem o Credicash e o Federal Card e o Banespa tem o Netbanking. A página do IBGE – Instituto Brasileira de Geografia e Estatística – Na Internet chama-se IBGE Teen. Que mal haveria em IBGE Jovem? AN – Como ficaria a situação de comunidades onde há forte presença de população de outras etnias e que costumam usar palavras de sua origem para manter o tradicionalismo? Exemplo da Oktoberfest, em Blumenau. Aldo – O projeto respeita tanto o ensino de idiomas estrangeiros, assim como o falar das comunidades indígenas e as situações que decorram de livre expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, conforme a Constituição Federal. Portanto, de acordo com o projeto, uma festa tradicional como a Oktoberfest e ainda a comunicação das diferentes etnias entre si e no relacionamento com as comunidades brasileiras não sofrerão qualquer mudança. Em São Paulo,
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por exemplo, jornais diários são publicados em outras línguas como o italiano. Há também publicações em japonês, alemão, cujas periodicidades não saberia determinar. O português foi enriquecido com palavras de diversos idiomas. Do árabe vieram arroz, açúcar, azeite, alfazema; dos germânicos, herdamos espiar, estaca, luva, ganso, balcão. Do francês adotamos palavras como paletó, boné, telefone; do chinês podemos citar nanquim, chá, tufão; do italiano usamos afresco, agüentar, baronesa, boletim, gazeta, soneto, empresa; do japonês, herdamos biombo, gueixa, leque e samurai, além dos vacábulos da culinária de todos esses países. Esse processo de incorporação é natural e continuará acontecendo. AN – Você acha que é hora de se criar um movimento nacional em defesa do idioma? Aldo – Vemos que desde a apresentação do projeto, em setembro do ano passado, foi iniciado um grande debate sobre o tema. Hoje, a discussão está mais intensa e o assunto está nas escolas, nas universidades, nos bairros, nas entidades de classe, na imprensa, nas comunidades mais distantes e também nos centros urbanos. Essa reflexão coletiva é benéfica e soma ponto em favor de um movimento nacional em defesa do nosso idioma. O povo apóia a proposta. Na verdade há vários movimentos em todo o Brasil. Um. Em especial, tem até página na Internet: http://ww.novomilenio.inf.br/idioma. A língua portuguesa merece ser redescoberta. Segundo o saudoso filólogo Antônio Houaiss, são mais de quinze mil verbos e cerca de 350 mil vocábulos. Tamanha riqueza pode e deve ser explorada por seus falantes de maneira criativa e inteligente. O português é cheio de virtudes e se torna deslumbrante quando trançado por alguns dos melhores escritores do mundo que dele se valeram e se valem para criar uma literatura que já recebeu o Prêmio Nobel, pela pena de José Saramago. AN – O Congresso, a Academia Brasileira de Letras, a OAB e outras entidades estão receptivas a este seu projeto? Aldo – Com certeza. Realizamos, no início do ano, na Câmara dos Deputados, o seminário “Nossa Pátria, Nossa Língua”. O encontro fez parte da comemoração dos 500 anos do Brasil e foi uma parceria entre a Câmara dos Deputados, a Academia Brasileira de Letras, universidades como a UNB e a PUC/RS e a Associação Brasileira de Imprensa – ABI. Foram mais de 900 participantes entre estudantes, professores, especialistas e não especialistas. Pessoas de todas as idades, classes sociais, partidos políticos e crenças religiosas interessadas em discutir o idioma. No dia 4 de setembro último, o conselho federal da OAB aprovou uma indicação à Câmara dos Deputados favorável pelo projeto. Eles entendem que, do ponto de vista jurídico, a proposta está inteiramente de acordo com o momento em que vivemos. Entidades sindicais e comunitárias também estão promovendo debates, sempre no sentido de ampliar a reflexão para a valorização da língua portuguesa como um bem nacional.
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AN – Essa invasão de palavras estrangeiras no uso diário das pessoas é um sinônimo da crescente desnacionalização da nossa economia? É possível barrar esta “desaportuguesação” de nosso idioma sem que também haja uma mudança política mais ampla, no sentido de preservar também a indústria brasileira? Aldo – Temos observado um fenômeno que não é recente, mas que tem passado por um período de aceleração. Como parte de um processo de deterioração da economia e da cultura nacionais, o Brasil passa por um processo de “desnacionalização lingüística”. Assim como o patrimônio público e as empresas privadas do País estão sendo vendidos a grandes grupos multinacionais, a desnacionalização do idioma português vem acontecendo, palavra por palavra. Chegando ao ponto de termos hoje um bilingüismo sorrateiro, uma combinação babélica chamada de portuglês ou portinglês. É uma verdadeira epidemia que se alastra na escola, na imprensa, nas instituições acadêmicas, no governo, na indústria e no comércio, no moderno setor de serviços, nas situações mais comuns – da faixa comercial estendida na rua ao livro da sumidade. O português á a língua materna de quase 170 milhões de brasileiros. Os doutores e os homens do campo, os intelectuais e os simples operários, todos usam o português não só para a comunicação oral ou escrita, mas para refletir e sonhar. O idioma não nos pertence, é uma herança de nossos antepassados e um compromisso com as gerações futuras. Os que lutam pelos direitos do povo e pela elevação de seu padrão de vida material e espiritual não podem ser indiferentes ao destino da língua que eles falam. É evidente que ninguém é obrigado a ser patriota, mas ninguém pode deixar de reconhecer na língua um bem maior da nacionalidade.”
Nessa entrevista, Rebelo reconhece a naturalidade da incorporação de
vocábulos estrangeiros à língua portuguesa e afirma que continuará ocorrendo,
mesmo com a aprovação de seu Projeto.
O entrevistador de “A Notícia” faz uma colocação que ultrapassa as
condições intelectuais do deputado, saindo da questão social, cultural e
lingüística e entrando na esfera da política econômica do país: “Essa invasão de
palavras estrangeiras no uso diário das pessoas é um sinônimo da crescente
desnacionalização da nossa economia? É possível barrar esta
“desaportuguesação” de nosso idioma sem que também haja uma mudança
política mais ampla, no sentido de preservar também a indústria brasileira?”.
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Neste caso, a desnacionalização tem raízes e não é recente. Empresas
brasileiras e patrimônios públicos são vendidos a multinacionais, administrados
por estrangeiros, o que implica em usar a língua que domina o mundo.
Mas, o deputado prima pelo discurso de preservar a Língua Portuguesa
como “produto da soberania nacional”. Contudo, a resposta do deputado
surpreende: “Os que lutam pelos direitos do povo e pela elevação de seu padrão
de vida material e espiritual não podem ser indiferentes ao destino da língua que
eles falam. É evidente que ninguém é obrigado a ser patriota, mas ninguém pode
deixar de reconhecer na língua um bem maior da nacionalidade”. A língua,
segundo Rebelo, deve ser a maior preocupação do brasileiro, até mesmo daquele
que luta por melhores condições de vida.
3. A COMPETÊNCIA DA POLÍTICA SOBRE O TEMA
Vamos agora pontuar sobre a competência da política na elaboração do
Projeto de Lei nº 1.676/99, de autoria do deputado Aldo Rebelo.
No Artigo 1º, o deputado refere-se à Língua Portuguesa como “forma de
expressão oral e escrita do povo brasileiro, tanto no padrão culto como nos
moldes populares”. Lembramos que a própria expressão “padrão culto” é uma
expressão ultrapassada, arcaica de entendimento lingüístico saussuriano de
langue e parole38.
As línguas, segundo Francis Vanoye39, prestam-se ao papel de comunicar
e para isso deve haver um código comum que no nosso caso é a própria língua
portuguesa, no interior da qual existe uma “língua comum, conjunto de palavras,
expressões e construções mais usuais, língua tida geralmente como simples,
mas correta”. Esse nível lingüístico, ou da linguagem, permeia outros níveis. De
um lado a linguagem cuidada e a linguagem oratória e do outro a familiar e a
38 Conceitos de Ferdinand de Saussure sobre as funções lingüísticas de língua e fala, em Curso de lingüística geral. São Paulo, Cultrix, 1969. 39 VANOYE, Francis. Usos da Linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. 4ª ed., São Paulo: Martins Pontes, 1983, p. 31.
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informal ou popular. São níveis de linguagens diferentes e sujeitos a “influências
diferentes – lingüísticas, climáticas, ambientais”40.
Assim, o autor do Projeto de Lei considerou apenas padrões lingüísticos e
não a existência de padrões jornalístico, publicitário, literário em que a língua
portuguesa executa a função de veicular mensagens, como ele mesmo afirma em
seguida: “constitui bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural
brasileiro”.
Em seu Artigo 3º, encontramos: “É obrigatório o uso da língua portuguesa
por brasileiros natos e naturalizados, e pelos estrangeiros residentes no País há
mais de 1 (um) ano, (...)”. Se a língua oficial do Brasil é a portuguesa, torna-se
redundante dizer que é “obrigatório” o seu uso, mesmo porque os casos de
xenismos são isolados e minoritários, além de incontroláveis.
As punições propostas no Artigo 4º só poderão ser aplicadas se houver
controle e supervisão rígida do uso de estrangeirismo (xenismos). Contudo, a
punição na forma de lei, de acordo com o Projeto, ocorrerá por considerar seu
uso lesivo ao patrimônio cultural brasileiro, como se isso fosse um dos maiores
atos lesivos ocorridos no País, esquecendo-se que o maior problema do brasileiro
é a falta ou a baixa auto-estima.
No primeiro parágrafo da Justificativa do Projeto de Lei, Aldo Rebelo
afirma: “a História nos ensina que uma das formas de dominação de um povo
sobre outro se dá pela imposição da língua”. Mas, o foco do problema não está
na imposição da língua, e sim na forma irracional que nossas elites políticas
adotaram como modelo desenvolvimentista e neoliberal que traz conseqüências
não apenas ideológicas do símbolo lexical (metalinguagem), mas também
epistemológicas causando a unidimensionalidade do modo de desenvolvimento
brasileiro que privilegia as tecnologias; o pavor das florestas; os descasos na
urbanização e inviabilidade dos fluxos viários.
Mais adiante, o deputado compara o uso de estrangeirismo (xenismos) no
Brasil ao Antigo Oriente, ao mundo Greco-Romano e à época dos grandes
descobrimentos, repetindo-se agora com a globalização. O deputado atribui esse
40 Ib. p. 31
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fato a uma “invasão indiscriminada e desnecessária”, exemplificando com
estrangeirismos como ‘bolding’, ‘recall’, ‘franchise’, ‘coffee-break’, ‘self-service’ e
de aportuguesamentos de gosto duvidoso, em geral despropositados, como
‘start’, ‘printar’, ‘bidar’, ‘atacar’, ‘database’. Do ponto de vista do deputado, essas
ocorrências podem comprometer ou até truncar a comunicação oral e escrita com
o homem simples do campo. Percebemos aqui, uma discriminação ao homem do
campo, tido como incapaz de compreender e acompanhar as inovações
nacionais e mundiais que chegam através dos meios de comunicação de massa.
Mas, a dialética do político não vê que o problema não é o uso do código
estrangeiro na mídia brasileira, mas sim a superestrutura, as fragilidades do
nosso sistema educacional que é submisso à vontade política das elites
capitalistas que se baseiam em modelos dos Estados Unidos; e não vê que
senso crítico e estético só se obtêm com profissionais capacitados e preparados
para educar crianças e adolescentes.
Vejamos a justificativa do deputado com relação a isso: “Como explicar
esse fenômeno indesejável, ameaçador de um dos elementos mais vitais do
nosso patrimônio cultural – a língua materna – que vem ocorrendo com
intensidade crescente ao longo dos últimos 10 a 20 anos? Como explicá-lo senão
pela ignorância, pela falta de senso crítico e estético, e até mesmo pela falta de
auto-estima?”.
Quanto à auto-estima, mencionada pelo deputado, afirmamos que é um
fenômeno universal e não depende ou está no código, nas leis, mas sim nas
opções pessoais, na mentalidade das pessoas, e nem é a responsável pelo uso
de signos lingüísticos estrangeiros: é um problema extralingüístico.
Quanto ao momento histórico em que o deputado apresenta o Projeto de
Lei, consideramos um oportunismo político e não uma forma de homenagem ao
País:
“O momento histórico do País parece-me muito oportuno para a atividade legislativa por mim encetada, e que agora passa a depender da recepção compreensiva e do apoio decisivo da parte dos meus ilustres pares nesta Casa. A afirmação que acabo de fazer deve ser justificada. Primeiramente, cumpre destacar que a sociedade brasileira já dá sinais claros de descontentamento com a
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descaracterização a que está sendo submetida a língua portuguesa frente à invasão silenciosa dos estrangeirismos excessivos e desnecessários, como ilustram pronunciamentos de lingüistas, escritores, jornalistas e políticos, e que foram captados com humor na matéria Quero a minha língua de volta!, de autoria do jornalista e poeta JOSÉ ENRIQUE BARREIRO, publicada há pouco tempo no JORNAL DO BRASIL”41.
Ao finalizar sua justificativa, o deputado acrescenta:
“Por fim, mas não porque menos importante, as comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil se oferecem como oportunidade ímpar para que discutamos não apenas o período colonial, a formação da nacionalidade, o patrimônio histórico, artístico e cultural da sociedade brasileira, mas também, e muito especialmente, a língua portuguesa como fator de integração nacional, como fruto – tal qual a falamos – da nossa diversidade étnica e do nosso pluralismo racial, como forte expressão da inteligência criativa e da fecundidade intelectual do nosso povo”42.
Porém, na entrevista que fizemos com o ministro, a inspiração para
elaborar o Projeto de Lei nada tem de nacionalista, ou seja, busca no estrangeiro:
“a inspiração veio da legislação francesa”, diz Aldo Rebelo. O Projeto de Lei teria
mais credibilidade se tivesse sido inspirado nas necessidades do brasileiro.
O deputado não mencionou as relações do poder governamental, do qual
ocupa atualmente o cargo de ministro da Coordenação Política, e que esta esfera
tem se mostrado muito mais preocupada e tendenciosa à integração internacional
que à nacional. Um exemplo da importância do uso corrente da língua inglesa na
prática cotidiana do Governo Federal foi a exploração, pela escola de Inglês Up to
Date, de Assis, São Paulo, em campanha publicitária para captação de novos
alunos, utilizando o seguinte texto: “O presidente Lula não fala inglês. Mas este
cargo já está ocupado”. Uma ironia aquele que ocupa o mais alto cargo no País e
não fala a inglês. Mas, ocupar outros cargos de importância requer a fluência da
língua inglesa e o conhecimento da cultura estadunidense.
A língua inglesa se faz necessária e seu uso é amplamente praticado e
estimulado pelas elites modernas, entre elas, as que apóiam o Projeto de Lei,
41 Trecho transcrito da Justificativa do Projeto de Lei 1.676/99. 42 Trecho transcrito da Justificativa do Projeto de Lei 1.676/99.
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buscando, assim como seu mentor, auto-afirmar-se perante uma sociedade
carente de valores nacionalistas, frutos do descaso político nacional e que é o
próprio governo, sistema capitalista, que permite que tudo entre no País e os
cidadãos brasileiros sejam meros espectadores do consumismo norte-americano
e europeu, se falarmos sobre a inspiração francesa para a elaboração do Projeto.
Portanto, o problema mais grave não é o lingüístico, mas sim o sócio-cultural,
visto que os códigos são usados pelas pessoas de maneira crítica ou aculturada.
Nesse fenômeno o jornalismo informativo também se encontrou. Houve
padronização inclusive do texto publicitário e para a ciência da comunicação
foram criadas normas próprias.
4. FALSO NACIONALISMO
O Projeto de Lei não está atento às questões de uso lingüístico e nem à
globalização. A língua não está vinculada exclusivamente às normas gramaticais
acadêmicas, mas, sobretudo às normas sociais, e o Projeto de Lei, elaborado em
comemoração aos 500 anos do Brasil, reflete a não aculturação daquele que o
elaborou e combate as mensagens oriundas de outras culturas, mas não ataca o
sistema do modo de produção, apresentando-se, assim, como o espelho do
invasor, ou seja, o próprio opressor. Exatamente como ocorreu no Brasil, com a
extinção da língua do aborígine e da sua cultura, e também no Tibete, invadido
pela China comunista, que resultou em morte de um milhão e duzentos mil
tibetanos. Além da dor da violência física, os tibetanos ainda enfrentam a tragédia
de ver seu país, sua religião e sua cultura aniquilados pelo invasor comunista que
tenta riscar todo um povo da história e do mapa. E o resto do mundo faz de conta
que não vê, e a memória histórica e cultural de um povo que vivia em regime
feudal se perde com o tempo. Parece ser contra isso a iniciativa do deputado
Rebelo.
Mas, os tibetanos não se esquecem das inúmeras tentativas de
doutrinação e violentos processos públicos de autoridades comunistas. E, no
Tibete, ninguém mais pôde falar livremente e nem professar sua religião.
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Isso nos leva a considerar que a postura nacionalista do deputado Aldo
Rebelo, organizador do Partido Comunista do Brasil em 1985, ao propor o Projeto
de Lei buscando preservar e defender a Língua Portuguesa como bem nacional e
soberania, pode ser comparada com as práticas realizadas no Tibete pela China
comunista.
Também se inspirar em legislação francesa não é uma atitude nacionalista.
As carências dos brasileiros não são moldadas segundo hábitos, culturas e leis
européias. Muito mais do que leis punitivas, a nação brasileira necessita de que
as leis já existentes sejam cumpridas e que o nível de auto-estima seja normal,
por meio de educação, salário e saúde. Lutar por esses direitos é ser
nacionalista.
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CAPÍTULO VI
REPERCUSSÕES DO PROJETO DE LEI NA MÍDIA
Para demonstrarmos a repercussão que o Projeto de Lei teve na mídia
brasileira, selecionamos um conjunto de textos que trazem opiniões diferentes e
que discutem não apenas o Projeto de Lei isoladamente, mas também a
identidade nacional, retratada pela língua, história e cultura do País. São
características vinculadas aos fatos ocorridos na política que a mídia transfigura,
reforçando nossos conceitos teóricos até aqui apresentados.
Após os textos fazemos um rápido comentário sobre os mesmos, sem a
preocupação de fazermos um aprofundamento teórico-metodológico sobre cada
um, porque o objetivo dessa nossa pesquisa não é interpretar ou analisar os
textos veiculados na mídia, mas sim mostrar como a mídia interpretou e divulgou
o Projeto de Lei.
O primeiro texto que apresentamos é de autoria de Paulo Ghiraldelli Jr.,
que tem importância no sentido de que revela certas faces ocultas dos
defensores do Projeto. Vejamos a face epistemológica que esconde o arcaico nas
palavras do autor: o pós-moderno da direita francesa. Os extremos se encontram:
um deputado da esquerda colonizado inspirando-se na direita francesa.
1. “POLÊMICA SOBRE LÍNGUA ESTRANGEIRA EM ANÚNCIOS” – PAULO GHIRALDELLI JR43
“Polêmica sobre língua estrangeira em anúncios
A “Era Sarney” não existiu, ela foi a “Era da Nova República”. A “Era Collor” queria, segundo o próprio Presidente, ser lembrada pela “entrada do país na modernidade”, mas ficou para a história como uma época sombria de corrupção. A “Era FHC” foi, de fato, a “Era da
43 www. terra.com.br – Acesso 12 de janeiro de 2005.
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Modernidade”, sem que com isso tenhamos de tomar o adjetivo “moderno” como “bom”. A “Era Lula”, se depender do que ocorre com o debate a respeito do idioma, deverá se tornar a época da vigência do pós-moderno da direita francesa. Afinal, nada mais com rosto de mosaico, onde “história” e “geografia” políticas e culturais perdem o rumo, do que essa nossa época. O governo agora advoga um projeto de lei que obriga os anúncios a serem escritos em português. De acordo com o mapa do assunto há quatro grupos em disputa: o dos lingüistas e o da mídia, que são contra, o grupo do governo (dentre os quais Renato Janine Ribeiro e Aldo Rebelo), que são a favor do projeto. Nos quatro casos, há particularidades: os lingüistas dizem que o deputado Aldo Rebelo, em nome da soberania nacional e da defesa da língua, está querendo engessar algo que é vivo e dinâmico; a mídia acusa Aldo de fechar o país ao universalismo cultural e, enfim, Renato defende Aldo, mas diz que o projeto deveria ser filosoficamente fundado em outro discurso, em vez de se falar em soberania nacional o deputado deveria falar em cidadania. Para Renato, o projeto é bom “porque é um direito humano básico todo cidadão entender os discursos que circulam pela praça”. Creio que a partir de hoje, o mapa de Renato Janine vai ganhar mais um partido: o meu. Eu não creio que o projeto de Aldo Rebelo seja útil, mas não o atacaria pelos motivos da mídia ou dos lingüistas, ainda que ambos tenham, no caso, um pouco de razão. Ao mesmo tempo, também acho, com Renato Janine, que há um problema de argumentação na base do projeto do Deputado. Sei que Renato não diz que o problema é filosófico. Sou eu que digo. De fato ele é filosófico, também para Renato. O filósofo Renato Janine Ribeiro quer manter o projeto e mudar suas bases de argumentação, ou seja, sua justificativa filosófica. Eu gostaria de manter parte das bases de argumentação de Renato – a defesa da cidadania – e abolir o projeto. Sendo assim, estou com os que não querem a vigência do projeto, embora esteja com Renato Janine, que quer ver a cidadania defendida na medida em que quer que “todo cidadão” “possa entender os discursos que circulam pela praça”. Há uma contradição na minha posição? Não creio. Não vou contra o Deputado por causa do dinamismo da língua ou por causa de seu pretenso nacionalismo exacerbado. A língua é tão dinâmica que vai tornar o projeto do Deputado letra-morta. E o nacionalismo do Deputado não é digno de nota porque está ligado a uma posição do comunismo velho, que ainda tem a ver com a tese da “aliança popular” entre “burguesia nacional e proletariado” (não me digam, a essa altura, que eu não sei que o PC do B é diferente ou queria ser diferente do PCB, ai meu Deus), e que certamente não moverá nenhum moinho. Sou contra o projeto do deputado porque sou a favor da defesa da cidadania, como o Renato Janine quer. Só que, para que todos possam entender os discursos que circulam pela praça, a última coisa que eu faria era apoiar um projeto que, no fundo, tem como base a censura. Sim, o
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projeto é um projeto de censura, e assim, paternalista: todos os brasileiros são decretados burros, incapazes de entender certas palavras, ainda que tenhamos Internet e televisão a cabo em favelas e na zona rural, e ainda que tenhamos dicionários nas escolas mais longínquas dos grandes centros. Se bem que, para entendermos anúncios, nada disso é necessário. Em defesa da cidadania, Renato Janine poderia ter dito o que disse, mas o que disse em nada se casa com o projeto. Crianças de rua, que nunca foram para a escola, em época de Copa do Mundo conseguem mostrar a escalação dos times de países que eu nunca nem sabia que existiam. Elas não são burras. Pessoas da zona rural e sem qualquer escolarização, conseguem, quando abordadas por estrangeiros, dar informações turísticas como se dominassem o italiano ou o inglês. Elas não são estúpidas. E se quisermos bases filosóficas para argumentar em favor desta nossa posição, não teremos dificuldade. Podemos apelar para Donald Davidson: a linguagem é social, ela só é linguagem na medida em que o processo comunicacional se faz e este, por sua vez, se faz por uma triangulação que está longe de necessitar que os nomes estejam presos, de modo exclusivo, a significados. Assim, Renato Janine não pode dar qualquer mão para Aldo Rebelo em filosofia, nem na área da filosofia política nem na área da filosofia da linguagem. Muito menos com o senso comum nas mãos, Renato pode ajudar seu parceiro de Governo. Rebelo está sozinho, e a filosofia não pode, nem mesmo com a boa vontade do Renato, ajudar o elemento governista. Renato Janine é Governo e Aldo Rebelo também. Eu não sou Governo, mas é claro que simpatizo com o Lula e com tudo que ele está fazendo. Mas no campo do idioma, creio que o Presidente (ele que sempre se entendeu com várias pessoas e que, pela falta de escolaridade, nunca deixou de poder discutir economia com estrangeiros) deveria dar um basta nisso. O Presidente poderia dizer ao Aldo e ao Renato Janine: “companheiros, parem com isso, eu sempre soube que Big Mac é Big Mac e que calça Jeans se lê ‘gins’ e não ‘geans’, como queria o Brizola”. Fazendo assim, Lula faria o pós-moderno da direita política voltar ao passado, ao menos naquilo que ele tem de cômico. E faria mais uma modinha francesa, que veio pela direita, retornar a Paris pela esquerda.”
Para Paulo Ghiraldelli Jr. há um problema de argumentação na base do
Projeto. Ele vai ficar com Jenine quando argumenta cidadania, mas, através de
um outro Projeto. O que o deputado não entende é que se o nome for trocado por
um equivalente em português, o cidadão pode acabar não compreendendo; é
uma questão de uso social da linguagem.
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Entendemos que o autor de “Polêmica sobre língua estrangeira em
anúncios” vê a identidade nacional e a cidadania como elementos superiores à
soberania da língua portuguesa defendida por Aldo Rebelo e propõe a anulação
do Projeto, enquanto Renato Janine propõe mudanças em suas bases filosóficas.
Um outro ponto de discordância ao Projeto, feita por Ghiraldelli, é de sua
censura paternalista e discriminatório. Para isso, cita os contatos e as facilidades
em se ter Internet e televisão a cabo em favelas e na zona rural. Além, de aulas
de inglês na rede pública. Isso não significa que os alunos terminem o ensino
médio falando inglês, porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo
Ghiraldelli, não fala inglês e nem por isso não discute economia com
estrangeiros.
Ler anúncios que veiculam léxico inglês não depende de saber ou não a
língua inglesa, pois os recursos visuais são muito sugestivos e a modernidade
propicia isso. Mas, vejamos a maior ironia do texto, caso o Projeto não seja
aprovado: “Lula faria o pós-moderno da direita política voltar ao passado, ao
menos naquilo que ele tem de cômico. E faria mais uma modinha francesa, que
veio pela direita, retornar a Paris pela esquerda”.
O artigo veiculado na Internet apresenta uma retrospectiva da intenção
dos administradores anteriores a este governo de modernizar o país e refere-se a
ao governo atual como “pós-moderno da direita francesa”, uma ironia ao Projeto
de Lei, inspirado em projeto semelhante aprovado na França.
2. “ESCREVENDO MUDERNO” DE JOÃO UBALDO RIBEIRO44
“Escrevendo Muderno
A nível de Governo, acho maravilhosa a idéia de resgatar o português, atualmente tão relegado a favor do inglês. Acho também maravilhoso achar que pelo menos 90% da população concorda que essa medida, pois essa medida, ela é fundamental para resgatar nossa cultura, hoje tão penalizada pelo domínio do inglês. Mas também acho que essa lei, ela não pode ser colocada a nível de povo propriamente dito, porque, apesar de maravilhosa em sua
44 O ESTADO DE S. PAULO – 15/04/2001
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intenção, de boas intenções, o inferno está cheio. Como citei acima, nada tenho contra o governo, ele emitir suas próprias normas, aplicáveis aos funcionários dele e aos documentos dele. Porém, a nível corporativo, acho que o governo, ele deveria reconsiderar tal decisão, porque a globalização, ela não pode ser brecada, não importa os antigos, que persistem no seu nacionalismo ultrapassado. Basta colocar o assunto objetivamente para se obter um insight maravilhosamente simples: a nível corporativo, o inglês já é universal, ao ponto de que já há – e, de certa forma, sempre houveram – empresas que exigem, ao nível médio de seus funcionários, o conhecimento da língua de Shakespear, até mesmo em função do processo irreversível, a nível de informática. Coloco também que, a nível de fala popular, esta lei, ela com certeza terá o mesmo destino que sobreviu a tantas outras, de não pegar, ou seja, a lei, ela corre o risco de nunca vim a ser aplicada. Vou ir mais longe: esta lei, ela não vai pegar na população, pois a verdade é que ela só irá penalizar os que usam termos em inglês ou inglesificados, que hoje são a maioria, isto devido de que a língua portuguesa, ela não tem a capacidade de expressão da língua bretã, necessitando então de que usemos o vocabulário inglês. Seria maravilhoso que nós tivéssemos uma língua capaz de expressar nossas idéias tão maravilhosamente quanto o inglês, ele é capaz de fazer. Não nego, o mérito de nossos artistas, que hoje atinge um nível maravilhoso. Na verdade, devo colocar a ressalva de que acho que os nossos artistas, eles são, em sua grande maioria, maravilhosos, principalmente na televisão, este poderoso meio de comunicação. Ou verdade seria declarar o contrario. Mas a realidade é que a língua portuguesa, ela não é circunsquita a televisão, ela é do povo em geral. E, mesmo na televisão, ela perde bastante do inglês, que é uma língua muito mais apropriada para o diálogo do que o português. I love you, ele tem o som super mais natural do que eu te amo. Muitos negam isso para não ir ao encontro dos nacionalistas que dominam as mídias, mas, se a pessoa for examinar bem sua conciência, verá que estou super coberto de razão. Na música, é a mesma coisa. A nossa música, ela é reconhecidamente rica, com supertalentos maravilhosos, que eu adoro. Adoro, não. Muito mais que isso, eu amo a música brasileira, do funk ao axé e seria tapar uma peneira com o sol querer negar como são maravilhosos artistas do porte de Chico Buarque, Caetano Veloso e tantos outros que me não deixam (o que atrai o pronome – mas ninguém fala assim, ou sejam, as regras por si só não querem dizer nada, o que só vem de encontro as minhas afirmações anteriores), que me não deixam mentir. Mas, contudo, a verdade é que a grande música é em inglês e sempre foi, através por seus maravilhosos interpretes, do saudável Frank Sinatra ao superturbinado Michael Jackson. A lista dos grandes artistas americanos é inenumerável, de tão longa. E vamos pensando com
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objetividade, a nível do racional, sem posicionamentos baseados em preconceitos super sem sentido: a música brasileira, com todos os seus talentos, é meia medíocre, se defrontada com a música americana. Alguém, a guisa de exemplo, pode imaginar um clássico como Nigth and Day cantado em português? Não dá. A nível de literatura, nossa língua, vamos reconhecer, ela não tem ninguém que chegue perto do já mencionado maravilhoso Shakspear. E onde está, por exemplo, o nosso Stephen King? Vamos cantando por aí e a ninguém chegaremos com tal estrutura supermaravilhosa de talento literário. Pode-se alegar que temos um Machado de Assis, mas hoje, ao contrário do próprio Shekspear, que qualquer um pode ir no teatro e entender, são raros os que podem ler Machado de Assis, que, apesar de seu grande valor, usa uma linguagem superultrapassada, que já foi maravilhosa em seu tempo, mas esse tempo, vamos colocar as coisas com esenção, ele já é superantigo, não importe o quanto já foi maravilhoso. Haveriam muitas mais coisas a colocar a respeito dessa lei, mas a falta de espaço penaliza a quem almeija de esgotar determinado assunto num espaço superlimitado. Está certo, o brasileiro, ele é um povo superalegre, superbom, supercordial, um povo efetivamente maravilhoso. Mas sua língua, ela já era, e tem exemplos claros desse fato, como qualquer pessoa que já vá na Barra da Tijuca poderá atestificar. Ao invés de ficar se preocupando com esses assuntos que já foi vencido pela globalização, os nossos políticos, eles deveriam era de estarem preocupando-se com a fome, a inclusão social, ou sejam, coisas que de fato interessa. Eu diria mesmo de que essa lei é fruta de falta de ter o que fazer, porque, se não pudemos nos livrarmos de tantas mazelas herdadas da colonização portuguesa, pudemos pelo menos nos livrar de uma língua que nos isola do mundo e atrapalha a nossa ascenção como povo. Que o governo lhe conserve, tudo bem, seria uma tradição louvável. Todavia, porém, posso concluir garantindo super com certeza: se essa lei fosse submetida a um plebicito, não êxito em fazer uma previsão, no meu ver, supercorreta. Essa lei, ela seria rejeitada por praticamente toda a população, sem exceção. Mas não, tudo indica que será aprovada. Durma-se com um barulho destes.”
O cronista João Ubaldo Ribeiro ironiza o Projeto de Lei do deputado Aldo
Rebelo, empregando uma linguagem diametralmente oposta à considerada
norma culta, utilizando-se de termos da língua inglesa como se fossem próprios
da nossa cultura.
Do seu ponto de vista, o brasileiro não sabe, não conhece e não emprega
corretamente a língua portuguesa, e não há, então, razão para se preocupar com
a “língua de Shakespeare”, que aparece no texto grafado de três maneiras
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diferentes. A maioria dos brasileiros pode até não saber quem foi, nem que foi um
dos maiores dramaturgos da literatura inglesa, autor de Romeo and Juliet e
Hamlet, the Prince of Dinnamark, mas sabe que ele existiu e sabe pronunciar o
nome. O brasileiro poderia, assim, até escrever Chaquespir, já que, segundo
Ubaldo, o brasileiro é “cheio de idéias”. E, com muitos exemplos em sua crônica
narrativa, tendo como tema o Projeto de Lei Nº 1.676, grafa palavras com erros,
segundo a Norma Gramatical Brasileira (diga-se culta). O importante, para o
cronista, é a comunicação – função primordial da linguagem. E, não podemos
deixar passar desapercebida a miscigenação de raças que colonizaram o Brasil e
impuseram seus hábitos, costumes e até língua e concordamos que há assuntos
e questões mais importantes para serem tratadas pelos nossos representantes.
3. “ALDO REBELO PROPÕE A REGULAMENTAÇÃO DOS
ESTRANGEIRISMOS NA LÍNGUA PORTUGUESA” - DA REDAÇÃO DA
REVISTA “COMCIÊNCIA”45
“Aldo Rebelo propõe a regulamentação dos estrangeirismos na Língua Portuguesa
Para promover, proteger e defender a língua portuguesa, o Art. 2° do Projeto de Lei determina que o Poder Público, com a colaboração da sociedade, deve melhorar as condições de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa em todos os graus, níveis e modalidades da educação nacional. Além disso deve incentivar o estudo e a pesquisa sobre os modos normativos e populares de expressão oral e escrita dos brasileiros, realizar campanhas e jogos educativos sobre o uso da língua portuguesa, incentivar o uso da língua portuguesa dentro e fora do Brasil, fomentar a participação do Brasil na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e atualizar as normas do Formulário Ortográfico da Língua Portuguesa, para que sejam incluídos e aportuguesados vocábulos de origem estrangeira. O professor de português Pasquale Cipro Neto, na coleção didática Ao Pé da Letra, trata do uso de certos estrangeirismos de forma bem humorada. Ele sugere, ironicamente, que não há substituição para palavras como
45 www.comciencia.com.br
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pizza, por exemplo, que teria que ser substituída por algo como “disco de massa com queijo e molho de tomate”. No texto de apresentação do projeto aos seus pares no Congresso, intitulado “Culta, Bela e Ultrajada: um projeto em defesa da língua portuguesa”, Aldo Rebelo afirma que a proposta “trata com generosidade as exceções, e ainda abre à regulamentação a possibilidade de novas situações excepcionais”. Neste mesmo documento, o deputado mostra a sua intenção de “conscientizar a nação de que é preciso agir em prol da língua pátria, mas sem xenofobia ou intolerância de nenhuma espécie. É preciso agir com espírito de abertura e criatividade para enfrentar – com conhecimento, sensibilidade e altivez – a inevitável, e claro indesejável, interpenetração cultural que marca o nosso tempo globalizante.” Mesmo generosa com as exceções, a proposta tem claúsula de sansão administrativa, em caso de descumprimento de qualquer uma de suas provisões, além de incentivar a reversão espontânea para o português de palavras e expressões estrangeiras correntemente usadas através da adoção de sanções premiais. O Projeto de Lei define como prática abusiva os casos em que a palavra ou expressão em língua estrangeira utilizada, tiver equivalente em língua portuguesa. Além disso, o projeto define como prática enganosa se a palavra ou expressão em língua estrangeira puder induzir qualquer pessoa a erro ou ilusão de qualquer espécie; e prática danosa ao patrimônio cultural se a palavra ou expressão em língua estrangeira puder descaracterizar qualquer elemento da cultura brasileira. Após a publicação da lei, as palavras ou expressões em língua estrangeira postas em uso no território nacional ou em repartição brasileira no exterior terão que ser substituídas por palavras ou expressões equivalente em língua portuguesa. O prazo é de 90 dias, a contar da data de registro da ocorrência. Um dos pontos polêmicos do projeto é o uso constante de termos estrangeiros na literatura científica e técnica. Segundo Rebelo, estes neologismos da nomenclatura técnica e científica “devem ser aportuguesados para adquirir a feição e a sonoridade de um verso de Camões”. Apesar da Constituição dizer que a língua portuguesa é o idioma oficial brasileiro, a presença de estrangeirismos é marcante. A Academia Brasileira de Letras é responsável por fazer o vocabulário ortográfico da língua portuguesa, e tem função importante no aportuguesamento das palavras estrangeiras. Nos termos do Projeto de Lei apresentado, continuará desempenhando seu tradicional papel de centro maior de cultivo da língua portuguesa no Brasil. A opinião do Presidente da Academia Brasileira de Letras dada em entrevista ao Jornal do Brasil, é compartilhada por muitas pessoas. Segundo Padilha, o projeto tem méritos por pretender preservar a língua portuguesa da invasão estrangeira. Contudo, ele não acredita na viabilidade, pois uma lei não seria suficiente para conter o uso de determinadas expressões ou palavras. Segundo ele, trata-
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se de uma questão de bom senso não abusar de estrangeirismos.”
Neste texto vimos que a maior ênfase é dada à melhoria do ensino e da
aprendizagem da língua portuguesa, embora cite trechos do Projeto de Lei.
O autor apóia-se no presidente da Academia Brasileira de Letras, para
quem o Projeto é inviável, para dizer que a abolição de xenismos
(estrangeirismos, segundo o deputado), ou abuso em seu emprego, deveria ser
controlado pela consciência e bom senso de cada.
Referindo-se ao ponto mais polêmico do Projeto, o articulista ressalta:
“Segundo Rebelo, estes neologismos da nomenclatura técnica e científica ‘devem
ser aportuguesados para adquirir a feição e a sonoridade de um verso de
Camões’”. Ou seja, o autor do Projeto não distingue os níveis de repertórios da
academia, da massa, popular e intelectual, o que representa um equívoco.
Também segundo o texto, o Projeto não prevê o componente
extralingüístico; apóia-se no universalismo das direitas pós-modernas; tem
intenções de fabricar uma aliança entre o proletariado e a burguesia nacional;
coibindo o uso de empréstimos lingüísticos na língua, e, nem mesmo tem o apoio
da Academia Brasileira de Letras.
4. “FAROESTE BRASILEIRO” – IVAN IUNES46
“Faroeste Brasileiro
Deputado Aldo Rebelo defende, na UnB, projeto de lei sobre
preservação do idioma. Ele quer proteção da identidade nacional
Não fosse a fraca participação do público, a discussão entre o deputado federal Aldo Rebelo e a professora do Instituto de Letras da UnB Enilde Faulstich poderia ter chegado ao ponto de ebulição. Ironicamente, o auditório Dois Candangos esteve lotado durante o encontro, promovido pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), que discutiu a influência do estrangeirismo na língua
46 www. unb.br/agencia – publicado em 01/01/2003.. Todos os textos e fotos podem ser utilizados e reproduzidos desde que a fonte seja citada. Textos: UnB Agência.
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portuguesa e apresentou o projeto de lei nº 1676, de 1999, autoria do PC do B (SP). À mesa, além do deputado Aldo Rebelo e da professora e coordenadora do Centro de Estudos Lexicais e Terminológicos (Centro Lexterm) da UnB, Enilde Faulstich, estavam a doutoranda pelo Instituto de Letras Patrícia Vieira e o coordenador geral do DCE Artur Antônio dos Santos. Entre os convidados do diretório, a atenção recaiu especialmente sobre as críticas de Faulstich a diversos pontos do projeto de lei de Rebelo. “Diversas passagens da proposta do deputado representam idéias que não são coerentes, pois não se observam na realidade. Mas quero ressaltar que existem várias posições boas e muito bem formuladas que devem ser aproveitadas”, explica a professora. CONFLITOS E IDIOMAS – Líder do governo na Câmara dos Deputados, Rebelo jogou a corda para o debate logo nas primeiras palavras de sua exposição. Para ele, a influência norte-americana, motivada pela hegemonia econômica e tecnológica do país, representa riscos consideráveis para a identidade nacional brasileira. O monólogo entre os dois idiomas, Português e Inglês, faz com que a língua portuguesa seja bombardeada pela anglicana, porém, o revés não acontece. “Alguns índios da Amazônia aprendem primeiro o inglês devido à presença de estrangeiros”, revela Rebelo indignado. Para o deputado Aldo Rebelo, o Tratado de Madri, de 1750, - colocou sob a égide espanhola todo país que utilizasse a língua do país – foi das primeiras manifestações de importância do idioma para a identidade nacional. Assim, a língua portuguesa tornou-se obrigatória em todo o território brasileiro. “Um jornalista americano, correspondente em um país africano, revelou que os países com diversidade de idiomas, geralmente, apresentam maiores conflitos”, exemplifica Rebelo para explicar o porquê de ter apenas um dialeto oficial. DISCORDÂNCIA FUNDAMENTAL – Quando todas as idéias pareciam convergir, as críticas da professora Enilde Faulstich atearam faíscas no debate sobre o projeto de lei de Rebelo. Especialmente, na parte do texto que revela a preocupação do deputado em “proteger, promover e defender a língua portuguesa”. Para Faulstich, os verbos são exagerados: “Devemos promover é a escola. Quanto a proteger e defender, temos de identificar o inimigo. A independência e a soberania nacional estão realmente em perigo?” Segundo Faulstich, até mesmo a observação de Rebelo quanto ao multilinguismo, é errada. “Somos multilingües. Não entendo o porquê do estado insistir em passar a imagem de único idioma”, explica. Ela ressalta ainda que, se existir inimigo, ele não é único. A presença maciça de países de língua espanhola teria de ser encarada como outra ameaça. “Não há mal nas línguas. Elas convivem e trocam informações”, revela. Com as severas críticas de Faulstich ao projeto de lei, Rebelo teve de amenizar os ânimos. Respondendo à proposta da professora de promover a escola, Rebelo foi
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enfático: “Melhorar o ensino é um desafio do país, não da língua, com certeza. Mas ela é essencial no processo. Ninguém aprende Física sem saber português”, explicou Rebelo. A ameaça enxergada pelo deputado, mas não compartilhada pela professora, de invasão do inglês mereceu as últimas considerações de Rebelo, atrasado para uma reunião no congresso. “Quando era pequeno, vi o time de futebol da Iugoslávia, Estrela Vermelha, jogar no Pacaembu. Há poucos dias, vi um locutor chamá-lo de Red Star de Belgrado”, observou. Para ele, o episódio é emblemático para sua defesa da língua portuguesa. “Isso é uma vergonha! Uma empulhação!”, reagiu indignado, respondido de pronto com aplausos da platéia.”
Ivan Iunes faz um relato do que foi o debate realizado na Universidade de
Brasília, contando com a participação do deputado Aldo Rebelo e a professora
coordenadora do Centro de Estudos Lexicais e Terminológicos da UnB, Eunice
Faulstich, a doutoranda Patrícia Vieira e o coordenador do Diretório Central dos
Estudantes da UnB, Arthur Antonio dos Santos.
Apontamos aqui a perfeição do texto de Ivan Iunes, que derruba o Projeto
pela força e clareza de sua argumentação, enquanto o texto do deputado Aldo
Rebelo é marcado por conceitos errados, ultrapassados e irrefletidos.
5. “O DEPUTADO E A LÍNGUA” - MARCOS BAGNO47
“O deputado e a língua O deputado federal Aldo Rebelo (PC do B / SP) deu
entrada na Câmara dos Deputados num Projeto de Lei que “Dispõe sobre a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa”. A leitura do texto do projeto deixa bem claro que o grande alvo de ataque do autor são os chamados estrangeirismos, isto é, termos e expressões de outras línguas que estão sendo cada vez mais empregados na língua falada e escrita no Brasil. Mais precisamente, concentra-se nas palavras de origem inglesa. O texto mereceria uma demorada análise, que não podemos fazer aqui. Mas, antes de tudo, para definição de posições, é importante deixar claro que esse projeto já encontrou um elevado grau de rejeição por parte da maioria dos lingüistas e pesquisadores engajados na investigação dos fenômenos lingüísticos do Brasil. Atenção: escrevi lingüistas e pesquisadores, isto é, pessoas que analisam a língua de
47 www. Marcosbagno.com.br – o texto foi publicado no Jornal de Brasília em 9 de janeiro de 2000.
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acordo com teorias científicas consistentes, com base em coleta de dados da língua realmente utilizada pelos brasileiros, coleta feita segundo metodologias rigorosas, diversas vezes testadas e aprovadas. Não escrevi gramáticos tradicionalistas, muito menos apresentadores de programas de televisão sobre português certo e errado, nem tampouco autores de colunas de jornal e revista que dão “dicas” de “bom” português. Esses são meros repetidores de uma doutrina gramatical mumificada, repleta de inconsistências e incoerências, que dita regras para uma “língua” que nenhum ser humano de carne e osso fala nem escreve, e cujo único efeito comprovado, do ponto de vista pedagógico, é a criação de uma tremenda insegurança por parte dos brasileiros escolarizados na hora de se manifestar oralmente ou por escrito em situações mais ou menos formais, além de provocar uma profunda aversão dos alunos pelo estudo da língua na escola.
O que mais surpreende é que esse projeto, embora de autoria de um membro do PcdoB, reproduz o discurso mais conservador, elitista e reacionário no que diz respeito à língua. Basta dizer que, em sua justificativa, o deputado cita como “um dos nossos maiores lingüistas” o professor Napoleão Mendes de Almeida, que durante muitas décadas, até morrer em 1998, defendia idéias como: “É português estropiado que no Brasil se fala”, idioma que para ele equivalia a uma “língua de cozinheiras, babás, engraxates, trombadinhas, vagabundos, criminosos”. Sua visão dos fenômenos lingüísticos era profundamente autoritária, preconceituosa e toda voltada para o passado da língua. Além disso, o título de “lingüista” decerto não lhe agradaria, porque para ele a ciência lingüística só servia para “fixar inúteis, pretensiosas e ridículas bizantinices”.
O projeto também faz referência elogiosa à lei francesa de 1975 sobre os anglicismos que, como toda legislação desse tipo, não teve nem de longe o efeito esperado, sendo, aliás, alvo de escárnio por parte dos franceses, que cada dia mais recheiam sua fala de termos oriundos do inglês. É bom lembrar que essa lei francesa foi elaborada por um deputado da direita...
A língua tem esta qualidade maravilhosa de ser, ao mesmo tempo, um patrimônio público e um bem individual. Se o projeto do deputado Rebelo se limitasse a (tentar) conter o uso de estrangeirismos nas manifestações lingüísticas oficiais, seria possível talvez apoiá-lo. Afinal, se a Constituição diz que o português é a língua oficial do Brasil, tudo aquilo que tivesse caráter oficial deveria, em princípio, vir redigido exclusivamente em português. Assim, é bastante razoável que o deputado critique a expressão “Personal Banking” estampada nos caixas eletrônicos do Banco do Brasil espalhados em todo o território nacional (embora esse banco não seja rigorosamente oficial). Mas mesmo aí seria difícil delimitar o que é exclusivamente português — a palavra cheque, por exemplo, que parece tão nossa, é inglês “puro”, inclusive na grafia... Haveria sucesso em substituí-la por um “equivalente” em nossa língua?
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No que é oficial, pode até ser. No entanto, querer aplicar multas ao cidadão que se servir de expressões estrangeiras é de um profundo autoritarismo só comparável ao da Igreja católica, que sempre quis controlar o pensamento de seus fiéis por meio da confissão de pecados nem sequer cometidos, apenas imaginados, e da imposição de penitências. A língua é usada, antes de mais nada, para a comunicação do indivíduo consigo mesmo, é o veículo do pensamento (ou a matéria mesma de que ele se compõe), e as relações entre pensamento e linguagem despertaram, ao longo deste século, o interesse de inúmeros lingüistas, psicólogos, antropólogos, biólogos etc. A quem confessarei meu pecado por ter pensado em comer num self-service? Ou por ficar ansioso, durante uma palestra, pelo coffee-break? Ou por gostar de viajar de van?
A língua que cada um de nós fala é elemento essencial de nossa própria identidade individual, daquilo que somos. Querer legislar sobre o uso individual da língua, além de autoritário, por querer interferir naquilo que a pessoa é como ser humano, é perfeitamente inútil, já que não se pode legislar sobre o que uma pessoa vai ou não pensar. É querer transformar em crime o que a pessoa é e o que ela pensa.
A luta contra os estrangeirismos é uma bandeira que, de tão velha, já está mais do que esfarrapada. No final do século passado, por exemplo, o filólogo português Cândido de Figueiredo esbravejava contra o “enxerto da francesia”, contra a “malária” representada pela “invasão” de termos e expressões de origem francesa no português, prevendo, como se faz hoje, a ruína e até o possível desaparecimento da língua portuguesa! Apesar da profecia apocalíptica dele e de outros, o português continuou vivo e dinâmico, usado por cada vez mais gente, sendo a sexta língua mais falada no mundo todo. Primeiro foi o francês, agora é o inglês. Mudou a língua “invasora”, mas o discurso purista permanece o mesmo.
O projeto diz que “nosso homem do campo” não compreenderá o termo printar, porque é um verbo formado com base no inglês. Mas será que esse mesmo camponês entenderia o verbo imprimir? A compreensão ou não de uma palavra nada tem a ver com sua origem, com sua etimologia, com a língua de onde ela procede: tem a ver com a coisa ou o fato que ela designa, com o mundo de referências ao qual ela remete. Nem o brasileiro mais culto e bem-informado poderá entender termos que não façam parte do seu universo de referências. Só quem conhece o mundo dos navios a vela, por exemplo, saberá o que é o estai da mezena do joanete, a sobregatinha, a giba, a ostaga e a draiva, entre outros termos igualmente poéticos e estranhos, mas que são português “puro”. Para muita gente culta, eles soam mais estrangeiros do que drive, reset, delete, insert ou download... O nosso camponês, por outro lado, se for ligado no esporte mais popular do país, saberá perfeitamente o que é um pênalti, um gol e um drible, termos de origem inglesa que ficaram quase
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inalterados no português do Brasil, bem como o nome do próprio futebol.
Outra coisa importante é lembrar que os estrangeirismos não alteram as estruturas da língua, a sua gramática. Por isso não são capazes de destruí-la, como juram os conservadores. Os estrangeirismos contribuem apenas no nível mais superficial da língua, que é o léxico. Um exemplo: “O boy-boy flertava com a baby-sitter no hall do shopping-center”. Embora os substantivos sejam todos de origem inglesa (e a raiz do verbo também), a sintaxe e a morfologia são perfeitamente portuguesas, como se verifica pela flexão do verbo, pelas preposições e pelos artigos. A ordem das palavras no enunciado — primeiro o sujeito, depois o verbo, depois o objeto e por fim os adjuntos adverbiais — corresponde integralmente à ordem normal da sintaxe portuguesa.
A história, como em muitos outros campos, nos dá boas lições sobre os fenômenos relativos à língua. É curioso pensar, por exemplo, que os livros bíblicos que compõem o Novo Testamento foram escritos em grego, embora seus autores fossem todos judeus que viviam em terras sob o domínio político de Roma. Por que não escreveram os evangelhos, as epístolas e o Apocalipse em hebraico, sua língua tradicional, ou em aramaico, sua língua familiar, ou ainda em latim, língua oficial do Império a que estavam submetidos? Porque, naquela época, o grego era a grande língua de cultura: quem quisesse transmitir uma mensagem capaz de alcançar o maior número possível de ouvintes e leitores teria de fazer isso em grego. É o mesmo que acontece hoje em dia com o inglês. Não adianta um importante cientista brasileiro fazer uma grande descoberta em sua área de pesquisa e escrever um artigo em português. Se não conseguir publicar sua descoberta ou invenção em alguma revista ou jornal científico de língua inglesa, é provável que o resto do mundo nunca fique sabendo. Quem quiser promover uma campanha em escala mundial por meio da Internet também terá de fazer isso em inglês, para que um internauta em Cingapura, na Grécia ou no Paquistão consiga entender do que se trata e se engajar, se lhe parecer conveniente. Ao se lançarem na grande aventura marítima, entre os séculos XV e XVI, os portugueses acabaram se tornando os primeiros europeus a fazer contato com povos de regiões até então desconhecidas na África e na Ásia (e, mais tarde, aqui na América). Esse contato fez com que muitas palavras originárias dessas regiões penetrassem nas grandes línguas da Europa, por meio do português, e que muitas palavras de origem portuguesa entrassem nas línguas africanas e asiáticas. É o caso de banana, que os portugueses aprenderam na África e divulgaram pelo mundo todo, junto com a planta, e de caju, palavra indígena brasileira, que as outras línguas acolheram. É assim que se explica, também, em sentido inverso, que em japonês o pão se chame pan, e que o termo usado para agradecer seja arigatô, derivado do português obrigado. Do português feitiço se formou o francês tanque, que acabou voltando
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para nós, com novo significado. O mesmo aconteceu com o português tanque, que os ingleses na Índia usaram para batizar o veículo militar (tank), palavra que também voltou para o português, com sentido diferente. E o que dizer do adjetivo português barroco, que todas as línguas européias tomaram emprestado para designar o grande movimento artístico e literário dos séculos XVII e XVIII? Se naquela época, naqueles países, houvesse uma lei como a que o deputado Aldo Rebelo propõe agora, essas palavras portuguesas (e outras tantas) teriam sido banidas e seus usuários teriam de pagar multas.
O aportuguesamento de uma palavra ou expressão não se faz por decreto. Ele acompanha o uso que os falantes nativos da língua fazem desses empréstimos lexicais. Muitas vezes, uma palavra estrangeira entra na moda, vigora por algum tempo e depois deixa de ser usada. Que mulher brasileira hoje em dia usa decote no cabelo? Ou que homem veste um redingote? As palavras deixam de ser usadas quando as coisas que elas designam também deixam de ser usadas. Assim, para impedir a disseminação dos termos ingleses na área da informática, seria preciso impedir a entrada no país dos equipamentos, programas, computadores, enfim, de toda a tecnologia à qual esses termos vêm aplicados. E isso seria impossível, além de insano.
Por outro lado, uma quantidade enorme de termos que hoje soam perfeitamente naturais para um falante de português de qualquer extrato social foram, num primeiro momento, termos importados que, com o processo lento e gradual de aportuguesamento, se incorporaram de pleno direito no nosso vocabulário mais comum e trivial: boate, clube, balé, boné, hotel, futebol, tricô, crochê, suflê, butique, panqueca, batom, garçom, ruge, judô, ópera, abajur, ioga, túnel, trem, avião, menu, restaurante, debutante, golfe, iate e milhares de outros. Qualquer brasileiro não-escolarizado sabe o que é um carnê, um cupom ou um tíquete. Quando morei no Nordeste, surpreendi-me ao ouvir pessoas iletradas usando as palavras birô (do francês bureau, “escrivaninha”) e étagère (“prateleira”, em francês). E o que dizer da jangada, verdadeiro símbolo do estado natal do deputado (Alagoas), mas que é uma palavra de origem malaia? Me pergunto também se no partido do deputado Rebelo (partido do qual ele é o líder, palavra inglesa) não haverá reuniões de comitê (palavra francesa)...
Por isso, não há razão para se opor ao uso dos termos vindos do inglês, sobretudo no campo da informática. Nem há como exercer controle (palavra francesa) sobre todos os detalhes (outra francesa!) do uso da língua e querer impedir assim a suposta avalanche (mais uma!) dos estrangeirismos. Não existe língua pura: o vocabulário de qualquer língua do mundo é o resultado de séculos de intercâmbios com outros povos, outras culturas e, conseqüentemente, outras línguas. E agora que esses intercâmbios são ainda mais intensos e freqüentes, lutar contra os empréstimos lingüísticos é uma luta desde já perdida. Querer uma língua pura é o mesmo que querer
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uma raça pura, e já sabemos a que tipo de situações trágicas as idéias desse tipo podem levar...
O uso da língua não precisa de legislação. A língua é um sistema auto-regulador, ela mesma dá conta de suas necessidades. Ela mesma acolhe o que tem serventia e descarta o que é dispensável. E ela é assim porque é falada por seres humanos que querem se fazer entender, interagir, comunicar-se uns com os outros. A língua não precisa ser “defendida”, muito menos defendida de seus próprios falantes, que são seus legítimos usuários e devem ter a liberdade de fazer dela o que bem quiserem. Os males da globalização são outros. O uso de termos estrangeiros é uma mera conseqüência, a mais inofensiva delas. Há coisas muito mais urgentes sobre as quais legislar, problemas sociais e econômicos muitíssimo mais graves sobre os quais fazer incidir a força da lei. Quem precisa ser defendido é o professor de português, humilhado continuamente com salários obscenos. Mas a língua... vamos deixar ela solta, ok?”
O lingüista Marcos Bagno aponta o discurso empregado no Projeto de Lei
do deputado Rebelo para demonstrar que o imaginário lingüístico do deputado é
contraditoriamente conservador; sob encomenda para agradar as elites nacionais
e reacionário, isto é, vê a linguagem como mero reflexo da superestrutura, já que
Rebelo é membro do PC do B. Bagno compara-o com Napoleão Mendes de
Almeida, citado no Projeto, que tinha uma visão autoritária e preconceituosa dos
fenômenos lingüísticos. A origem da língua portuguesa fazia-se valer por si só.
Bagno traz à mente a invasão do francês e diz: “o português continuou vivo e
dinâmico, usado por cada vez mais gente, sendo a sexta língua mais falada no
mundo todo. Primeiro foi o francês, agora é o inglês. Mudou a língua “invasora”,
mas o discurso purista permanece o mesmo”.
Quanto à postura de evitar a discriminação do homem do campo, onde
deveria haver mais incentivo e investimento governamental, Bagno declara: “a
compreensão ou não de uma palavra nada tem a ver com sua origem, com sua
etimologia, com a língua de onde ela procede: tem a ver com a coisa ou o fato
que ela designa, com o mundo de referências ao qual ela remete. Nem o
brasileiro mais culto e bem-informado poderá entender termos que não façam
parte do seu universo de referências”.
Como exemplo da inviabilidade do Projeto, Bagno fala da invasão lexical
que acompanha a informática: “para impedir a disseminação dos termos ingleses
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na área da informática, seria preciso impedir a entrada no país dos
equipamentos, programas, computadores, enfim, de toda a tecnologia à qual
esses termos vêm aplicados. E isso seria impossível, além de insano”.
Mais uma opinião que contraria o Projeto de Lei do deputado Aldo Rebelo.
Vamos finalizar nossa descrição buscando oferecer nossa seleção de
como o Projeto de Lei serviu para o estudo de interpretação de textos e temas de
redação.
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CAPÍTULO VII
O PROJETO DE LEI 1.676/1999 COMO TEMA DE VESTIBULAR
O assunto mereceu destaque em algumas provas de vestibular. Várias
universidades utilizaram o tema para provocar seus candidatos que disputavam
uma vaga no ensino superior, seja nas provas de redação, seja nas de
interpretação de textos.
1. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ – DEZEMBRO/200448
“TEXTO Devemos reprimir o uso de palavras estrangeiras? A história ensina que a imposição da língua é uma forma de dominação de um povo sobre o outro. O estrangeirismo abusivo é lesivo ao patrimônio cultural e está promovendo uma verdadeira descaracterização da língua portuguesa. Nosso idioma oficial passa por uma transformação que não se ajusta aos processos aceitos de evolução das línguas. Que obrigação tem um brasileiro de entender que uma mercadoria “on sale” está em liquidação. Aldo Rebelo, deputado Federal, PC do B – SP, é autor do projeto de lei que restringe o uso de estrangeirismos.) O estrangeirismo é essencial. Negar a influência de um idioma sobre outro é negar a natureza de todas as línguas. Cerca de 70% das palavras do português vêm do latim e o restante, de outros idiomas. Apesar da luta dos puristas de todas as épocas, as línguas vivem em constante aprimoramento. Ainda assim, acredito que uma eventual estratégia de defesa do idioma não deveria ser feita por decreto, mas pela melhoria do sistema educacional. (Francisco Marto de Moura, autor de livros didáticos de língua portuguesa. Nova Escola, março de 2003.) 02. Assinale a alternativa correta. A) Francisco Marto de Moura afirma: “Cerca de 70% das palavras do português vêm do latim e o restante de outros idiomas”. Pode-se pressupor que Moura acredita que o estrangeirismo é inaceitável.
48 www.vestibular.pucpr.br – Acesso em 17 de janeiro de 2005.
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B) A partir da leitura do texto, é possível concluir que Aldo Rebelo e Francisco Marto de Moura defendem pontos de vista diferentes. C) A partir da leitura do texto, é possível concluir que Aldo Rebelo e Francisco Marto de Moura defendem o mesmo ponto de vista. D) Ao ler o texto, é possível concluir que Aldo Rebelo e Francisco Marto de Moura concordam que a defesa do idioma será feita com a melhoria do sistema educacional. E) Aldo Rebelo afirma: “Nosso idioma oficial passa por uma transformação”. Pode-se pressupor que o deputado acredita que o estrangeirismo é aceitável. 03. Assinale a alternativa em que o termo apesar, que inicia a frase “Apesar da luta dos puristas de todas as épocas, as línguas vivem em constante aprimoramento”, está traduzido corretamente: A) Sem a luta dos puristas de todas as épocas, as línguas vivem em constante aprimoramento. B) Contudo a luta dos puristas de todas as épocas, as línguas vivem em constante aprimoramento. C) Mas a luta dos puristas de todas as épocas, as línguas vivem em constante aprimoramento. D) Embora os puristas de todas as épocas lutem, as línguas vivem em constante aprimoramento. E) Com a luta dos puristas de todas as épocas, as línguas vivem em constante aprimoramento.”
2. FUVEST - 2000 49
“Redação
Recentemente, o Deputado Federal Aldo Rebelo (PC do B – SP), visando proteger a identidade cultural da língua portuguesa, apresentou um projeto de lei que prevê sanções contra o emprego abusivo de estrangeirismos. Mais que isso, declarou o Deputado, interessa-lhe incentivar a criação de um "Movimento Nacional de Defesa da Língua Portuguesa". Leia alguns dos argumentos que ele apresenta para justificar o projeto, bem como os textos subseqüentes, relacionados ao mesmo tema. "A História nos ensina que uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua. (...)". "...estamos a assistir a uma verdadeira descaracterização da Língua Portuguesa, tal a invasão indiscriminada e desnecessária de estrangeirismos – como ‘holding’, ‘recall’, ‘franchise’,‘coffee-break’, ‘self-service’ – (...). E isso vem
49 www.fuvest,.br – Acesso em 17 de janeiro de 2005.
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ocorrendo com voracidade e rapidez tão espantosas que não é exagero supor que estamos na iminência de comprometer, quem sabe até truncar, a comunicação oral e escrita com o nosso homem simples do campo, não afeito às palavras e expressões importadas, em geral do inglês norte-americano, que dominam o nosso cotidiano (...)". "Como explicar esse fenômeno indesejável, ameaçador de um dos elementos mais vitais do nosso patrimônio cultural – a língua materna –, que vem ocorrendo com intensidade crescente ao longo dos últimos 10 a 20 anos? (...)". "Parece-me que é chegado momento de romper com tamanha complacência cultural, e, assim, conscientizar a nação de que é preciso agir em prol da língua pátria, mas sem xenofobismo ou intolerância de nenhuma espécie. (...)". (Dep. Fed. Aldo Rebelo, 199”) ” "Na realidade, o problema do empréstimo lingüístico não se resolve com atitudes reacionárias, com estabelecer barreiras ou cordões de isolamento à entrada de palavras e expressões de outros idiomas. Resolve-se com o dinamismo cultural, com o gênio inventivo do povo. Povo que não forja cultura dispensa-se de criar palavras com energia irradiadora e tem de conformar-se, queiram ou não queiram os seus gramáticos, à condição de mero usuário de criações alheias." (Celso Cunha, 1968). "Um país como Alemanha, menos vulnerável à influência da colonização da língua inglesa, discute hoje uma reforma ortográfica para ‘germanizar’ expressões estrangeiras, o que já é regra na França. O risco de se cair no nacionalismo tosco e na xenofobia é evidente. Não é preciso, porém, agir como Policarpo Quaresma, personagem de Lima Barreto, que queria transformar o tupi em língua oficial do Brasil para recuperar o instinto de nacionalidade. No Brasil de hoje já seria um avanço se as pessoas passassem a usar, entre outros exemplos, a palavra ‘entrega’ em vez de ‘delivery’." (Folha de S. Paulo, 20/10/98” .” Levando em conta as idéias presentes nos três textos, redija uma DISSERTAÇÃO EM PROSA, expondo o que você pensa sobre essa iniciativa do Deputado e as questões que ela envolve. Apresente argumentos que dêem sustentação ao ponto de vista que você adotou.”
Após o exame vestibular, os organizadores da prova fizeram alguns
comentários, publicados na Internet, sobre o tema abordado, observando que a
escolha foi feita para testar os conhecimentos atuais e posicionamentos dos
candidatos quanto à questão de defesa e preservação da Língua Portuguesa,
com base em três textos de apoio.
Apresentamos aqui um dos comentários:
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“O tema exigiu que o candidato abordasse a questão da preservação da língua portuguesa diante da questão dos estrangeirismos e dos empréstimos lingüísticos. Nos três textos de apoio, há alusões ao uso da língua como instrumento de dominação cultural: no primeiro, o deputado Aldo Rebelo afirma que "a dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua"; Celso Cunha diz que um povo não-criativo está condenado "à condição de mero usuário de criações alheias" e o texto da Folha de S. Paulo exemplifica os alemães (e os franceses) como um povo "menos vulnerável à influência“, mas que corre o risco de radicalizar suas posições. A partir disso, o candidato poderia abordar o tema de diferentes formas: a xenofobia lingüística que poderia causar certo pedantismo; a sutil dominação de um povo pelos "empréstimos" lingüísticos ou “ utopia de se pretender uma língua "pura" sem influências estrangeiras” Seria importante ressaltar que a própria língua portuguesa, como outras línguas modernas, não são "puras" e as trocas lingüísticas podem e devem ser pensadas, mas sem o caráter de aculturação que tendem a assumir e/ou, principalmente, sem a perda da identidade cultural”.
Conforme pudemos ver, o Projeto de Lei nº 1.676 ocupou grande espaço
na mídia brasileira. Cronistas, jornalistas, articulistas, estudiosos da língua, da
cultura e da história brasileira aproveitaram-se do fato político e escreveram
sobre o assunto de âmbito e interesse nacional para manifestar-se a favor ou
contrário ao Projeto de Lei do deputado Aldo Rebelo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo de nossa pesquisa foi demonstrar que o uso de
códigos estrangeiros na Língua Portuguesa não é puramente lingüístico, mas sim
extralingüístico, e não afeta a moral cultural do brasileiro, e nem não há como
corrigir decisões políticas quando nossos representantes estão despreparados
cognitivamente para o desempenho de suas funções.
Considerar apenas o fator lingüístico, passível de incorporar o léxico
estrangeiro e que domina as relações comerciais em nossa sociedade de massa,
esquecendo-se do cultural, econômico, histórico, social e político, é uma atitude
equivocada, mesmo porque sua incorporação não depende unicamente de
fatores lingüísticos e o uso de xenismos também não depende somente do nível
de informação e alienação das pessoas envolvidas no processo. A linguagem é
mediadora e só pode ser interpretada tendo em vista a práxis social.
A incorporação dos mais diversos elementos xênicos tem suas bases no
processo de ocupação do território brasileiro, e hoje, mais do que outrora, o
brasileiro dispensa sincera admiração pelo sistema americano, símbolo de
sucesso, por ser um país que articula as formações hegemônicas de capital
financeiro-simbólico.
O uso, portanto, da língua inglesa em nossa sociedade de massa, que se
tornou mais acentuada com a explosão da Revolução Industrial e sistema
capitalista brasileiro, apresenta diferentes razões, entre elas, a opção do código
comunicacional; a demonstração do conhecimento de uma língua dominante,
socialmente aceita.
Enfim, o uso da língua inglesa em nossa sociedade, seja nos grupos
sociais, academias ou meios de comunicação de massa, faz parte de uma
realidade do dia-a-dia do brasileiro. Parece que o deputado Aldo Rebelo, ao
propor o Projeto de Lei em defesa da língua portuguesa, não esteve atento para
esse fato. Usar códigos da língua inglesa, mesmo que isoladamente, tornou-se
109
moda no Brasil. Sua penetração foi muito forte, como pudemos perceber nos
textos que ilustram os gêneros midiáticos: jornalístico, publicidade e música. Em
todos esses gêneros percebemos que o emprego de xenismos não trunca o
processo global de comunicação, e que, pela sua alta freqüência, agradam o
público receptor.
Especificamente no caso da publicidade, que mais emprega xenismos,
vimos que elas são direcionadas para um público insatisfeito com as condições
do país em que vivem e que buscam prestígio através de uma linguagem
diferenciada, ou seja, uma língua estrangeira, no caso a inglesa, e que isso faz
com que os receptores da mensagem se sintam muito mais especiais e
seduzidos a comprarem os produtos ou serviços anunciados, pois assim
mascaram a insatisfação e frustração que sentem e pensam que se aproximam
ou se equiparam ao americano, mesmo que pela linguagem.
Esses textos ilustram o uso real de xenismos como resultado de um
processo social e criativo dos produtores de textos jornalísticos, pois neste
segmento há consciência de que a língua portuguesa permite que elementos
estrangeiros sejam incorporados à língua diária do brasileiro como forma de
aculturação e que dão novos valores ao seu modo de vida. Também se
prestaram ao papel de demonstrar a impropriedade do Projeto de Lei do
deputado Aldo Rebelo, que, a nosso ver desconhece os reais motivos de todo o
processo de incorporação e uso de xenismos pela sociedade de massa. A
propositura do Projeto e seu teor demonstram autoritarismo e até mesmo
desconhecimento da própria língua e da história seu país, parecendo mais um
oportunismo de sua parte por ocasião dos 500 anos do Brasil.
Também, quando questionado se consultou especialistas das diferentes
áreas, em todas as entrevistas respondeu que sim, inclusive na nossa, mas, não
citou quem foram as pessoas consultadas. Lembramos também, que as citações
nominais feitas na Justificativa do Projeto, são em sua maioria de especialistas
arcaicos e que estavam inseridos em uma outra época e em outro contexto
histórico e social.
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Outro fato que nos leva a pensar que especialistas não foram consultados,
especialmente os lingüistas, diz respeito às terminologias lingüísticas “expressão
estrangeira”, “empréstimo” e “estrangeirismos” que não são empregados
adequadamente no Projeto de Lei nº 1.676/99 e nem é a eles que o deputado se
refere, mas sim aos xenismos, com os quais o deputado propõe um rompimento:
“De fato, estamos a assistir a uma verdadeira descaracterização da língua portuguesa, tal a invasão indiscriminada e desnecessária de estrangeirismos - como "holding", "recall", "franchise", "coffee-break", "self-service" - e de aportuguesamentos de gosto duvidoso, em geral despropositados - como "startar", "printar", "bidar", "atachar", "database". E isso vem ocorrendo com voracidade e rapidez tão espantosas que não é exagero supor que estamos na iminência de comprometer, quem sabe até truncar, a comunicação oral e escrita com o nosso homem simples do campo, não afeito às palavras e expressões importadas, em geral do inglês norte-americano, que dominam o nosso cotidiano, sobretudo a produção, o consumo e a publicidade de bens, produtos e serviços, para não falar das palavras e expressões estrangeiras que nos chegam pela informática, pelos meios de comunicação de massa e pelos modismos em geral”50.
A necessidade de rompimento é proposta da seguinte forma, contrariando
ainda o princípio lingüístico em tese:
“Parece-me que é chegado o momento de romper com tamanha complacência cultural, e, assim, conscientizar a nação de que é preciso agir em prol da língua pátria, mas sem xenofobismo ou intolerância de nenhuma espécie. É preciso agir com espírito de abertura e criatividade, para enfrentar - com conhecimento, sensibilidade e altivez - a inevitável, e claro que desejável, interpenetração cultural que marca o nosso tempo globalizante. Esse é o único modo de participar de valores culturais globais sem comprometer os locais”51
Notamos também que seu autor do Projeto de Lei nº 1.676/99 não prevê o
componente extralingüístico; apóia-se no universalismo das direitas pós-
modernas; tem intenções de fabricar uma aliança entre o proletariado e a
burguesia nacional; e nem mesmo tem o apoio da Academia Brasileira de Letras,
como vimos no texto de Mário Perini, da revista ComCiência. 50 Trecho extraído da Justificativa do Projeto de Lei nº 1.676. 51 Trecho extraído da Justificativa do Projeto de Lei nº 1.676.
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Conforme vimos, o Projeto teve grande repercussão na mídia.
Destacamos aqui também, nossa opinião de como a mídia poderia ter gerado
uma inteligibilidade acerca do assunto, mostrando o lado positivo e o negativo do
Projeto e quem são os favoráveis e os contrários ao Projeto.
No texto “Polêmica sobre língua estrangeira em anúncios”, Paulo
Ghiraldelli Jr. propõe a anulação do Projeto por não conter argumentação
relevante e pelas falhas em suas bases filosóficas. O Brasil não vai perder sua
identidade pelo simples contato com outra língua, mesmo porque isso não implica
em deixar de falar a língua portuguesa e nem substituí-la por outra. O que o
deputado não vê é que o código da língua inglesa pode ser ressemantizado,
mantendo nossa unidade territorial, com maior representação pela nossa
Bandeira Nacional, nosso Hino Nacional Brasileiro e pela nossa própria cultura e
valoração da cidadania.
Já a crônica de João Ubaldo Ribeiro, sobre o Projeto de Lei, chamou
nossa atenção por retratar o país como não tendo identidade nacional desde sua
formação, ou colonização, sem respaldo lingüístico para impor sua vontade. Mas,
Ubaldo ironiza o projeto ao falar da língua portuguesa (e não brasileira). Se nem
a língua é brasileira, como pode falar-se em língua nacional? Falar-se-ia em
língua brasileira. Mas, a Constituição é clara: língua oficial. E não língua nacional.
E de ter uma língua nacional o Brasil está bem longe. Língua nacional é a
transcrita por Ubaldo. Exatamente aquela que o brasileiro fala. E que outrora, não
falava. E nem que em futuro falará. A não ser que imposta pelos americanos, ou
por legisladores.
Agora, por decreto, um legislador tenta relegar e proibir o uso de signos
anglófonos em nossa cultura, como se estivéssemos também sendo excluídos da
globalização mundial, pois esses signos se fazem presentes em todos os
segmentos de todas as sociedades. No caso do Brasil, que também participa do
mundo globalizante, os xenismos anglófonos figuram como se fizessem parte do
acervo lexical da língua portuguesa, sem provocarem ruído52 no processo de
52 Francis Vanoye entende por ruído de comunicação todo que afeta, em graus diversos, a transmissão da mensagem.
112
comunicação, conforme vimos nos textos selecionados que empregam o léxico
da língua inglesa.
Na ausência de pesquisas que explorem melhor essa forma de
comunicação que contribui para o aumento do acervo lexical da língua
importadora, concluímos que o emprego de signos anglófonos na mídia brasileira
contribui para que a comunicação se dê de maneira prestigiosa e consideramos o
xenismo, ou termo estrangeiro, um código comum em nossa cultura, o que
independe da vontade de legisladores que confundem critérios morais com
critérios éticos no que diz respeito ao desenvolvimento do nosso País e
pensem
como um dos maiores puristas da língua portuguesa, Castro Lopes53, que
escreveu em 1909:
“Hoje, boteco é shopping, qualquer lojinha é center, entrevista é briefing, modelo é design, sucesso de livraria é best-seller , edifícios de apartamentos só com nomes estrangeiros e loteamentos idem .Já não se fala mais em exposição, pois o negócio está virando solenemente show-room . Há jornais nacionais , em língua portuguesa , com um news no título . O sonoro e fácil acampamento já virou camping . Já não se diz mais azul, estrela , espetáculo , amor , mas blue , star , show , love , verdadeiras atrações aos novos tupiniquins borocochôs.’’
O purista da língua ainda sugere, o que o Projeto de Lei de autoria do
deputado Aldo Rebelo, um século depois, pensa em acatar: “Ah! que si houvesse
um tribunal também para os infractores do purismo lingüístico...”.
Terminada essa pesquisa, concluímos que a incorporação de signos do
repertório estrangeiro à língua portuguesa e a fácil aceitabilidade mostram que os
signos não têm as mesmas lógicas cartesianas que muitas vezes queremos
emprestar a eles. Não se trata de discutir se a linguagem é reflexo da consciência
ou não. Queremos demonstrar que a linguagem é social e individual e depende
do referente extralingüístico do grupo observado e que, sobretudo, está sempre
em construção. Principalmente, a língua portuguesa que sofre desde sua
formação reflexos de outras línguas e também de outros atributos.
53 LOPES, Castro. Neologismos indispensáveis e Barbarismos Dispensáveis. 2ª ed. Lisboa: A Editora, 1909.
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Sendo assim, buscamos explicar a problemática pelo processo de
aculturação e depois de enculturação situado na base do processo de ocupação
do território nacional, gerando desvalorização pela mídia e por fim a
demonstração de que o fenômeno dos neologismos e a questão do uso de
termos oriundos da língua inglesa na mídia brasileira são apenas reflexos de uma
estrutura epistemológica condicionada.
A hipótese de que a incorporação de léxicos estrangeiros anglófonos à
língua portuguesa seja uma agressão, como procurou defender o deputado Aldo
Rebelo com seu Projeto de Lei Nº 1.676/99 que dispõe sobre a promoção, a
proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa e dá outras providências, não
parece pertinente, visto que tais léxicos ocupam grande espaço não só na mídia
brasileira, mas também nas relações governamentais, o que pode ser verificado
nos “releases” que têm como procedência o Palácio do Governo.
Também, não podemos dizer que o repertório lingüístico do deputado é
condizente com as terminologias lingüísticas, pois em todos os momentos,
quando queria se referir aos empréstimos lingüísticos, usava estrangeirismos.
Dessa forma, nossa investigação buscou, através de um estudo de vários
casos da produção midiática, verificar mais particularmente as signagens que
estão sendo produzidas com o uso cada vez mais ingênuo de léxicos do universo
desenvolvimentalista e seus reflexos no cotidiano do mercado das trocas
simbólicas, buscando comprovar a impropriedade do Projeto de Lei do deputado
Aldo Rebelo.
Enfim, o uso de vocábulos ingleses privilegia a admiração e a necessidade
de ter como modelo o estrangeiro, pois este fenômeno representa o novo, a
novidade, o luxo, o acompanhamento das tecnologias de ponta, de forma a
camuflar que o que aqui falta é identidade nacional em oposição ao que vem de
fora, que tem mais valor e representa o enobrecimento individual ou coletivo,
independente da classe social, cultural e econômica do público receptor.
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BIBLIOGRAFIA
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