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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Renato Caldeira Grava Brazil Recurso especial: a extensão de seus efeitos e a atuação do Superior Tribunal de Justiça no caso concreto MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Renato Caldeira Grava Brazil

Recurso especial: a extensão de seus efeitos e a atuação

do Superior Tribunal de Justiça no caso concreto

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Renato Caldeira Grava Brazil

Recurso especial: a extensão de seus efeitos e a atuação

do Superior Tribunal de Justiça no caso concreto

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Processual Civil, sob a orientação da Professora Thereza Celina Diniz de Arruda Alvim.

SÃO PAULO

2017

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Não tem como iniciar os agradecimentos sem louvar a minha família,

que sempre esteve ao meu lado, não apenas como incentivadores, mas

sempre ressaltando a relevância do árduo caminho até o término da presente

dissertação. A presença e o apoio deles não se resume ao mestrado e deve,

aqui, ser motivo de amplos agradecimentos. Sem a família, base de tudo, não

estaria onde estou e não seria quem hoje sou.

Agradeço a Sergio Bermudes, titular do escritório em que trabalho há

mais de 10 anos por seus frequentes conselhos e por ser uma fonte

inesgotável de conhecimento, que é transmitido com enorme e invejável

facilidade.

Igualmente agradeço ao Fabiano Robalinho que, mesmo diante de dias

absolutamente atribulados e tarefas que muito exigem em nosso escritório,

sempre incentivou a continuidade dos estudos. Foi ele quem acendeu a

primeira faísca para a minha entrada no mestrado.

Agradeço ao Professor Sérgio Shimura, que me abriu as portas do

mestrado na PUC/SP, recebendo-me como ouvinte por um semestre na

cadeira de tutelas provisória que lecionava às vésperas da entrada em vigor do

Código de Processo Civil de 2015. Certamente foram as intrigantes discussões

travadas nessa sala de aula que me incentivaram a realmente buscar o título

de mestre naquela instituição pela qual já era bacharel.

Também devo agradecimentos a Henrique Ávila, que desde o início me

incentivou nos estudos do mestrado. Foram diversas as novas conversas sobre

as aulas, temas e matéria controversas que a nova sistemática processual

trazia para o nosso dia-a-dia.

Faço um agradecimento especial à minha orientadora, Professora

Thereza Arruda Alvim, de um conhecimento vasto e invejável que, desde o

início, deu o suporte e transmitiu a sabedoria que precisava na caminhada ao

longo das matérias cursadas e da redação desta dissertação. A admiração que

tenho pela Professora Thereza é realmente inenarrável.

Agradeço, ainda, ao Professor Eduardo Arruda Alvim pela

disponibilidade para nossas conversas, assim como pelos valiosos conselhos e

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sugestões que foram essenciais para o desenvolvimento da dissertação.

Agradeço também ao Professor Everaldo Crambler pelas precisas

ponderações feitas na banca de qualificação.

Por fim, agradeço também à minha namorada, Giovanna Fujihara, não

por motivos técnicos, mas sim pela compreensão e apoio na jornada de

evolução dessa dissertação. Ela não apenas abriu mão de momentos que

deveríamos estar juntos para que eu pudesse me dedicar, como me confortou

em outros em que as dúvidas e preocupações me assolavam.

Certamente as pessoas aqui mencionadas não são as únicas que

contribuíram para o desenvolvimento do presente trabalho, o que desde logo

justifica um pedido de desculpas para alguém não nomeado especificamente,

mas foram aquelas que tiveram uma contribuição marcante nos

acontecimentos dos últimos três anos que se encerram com a presente

dissertação.

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RESUMO

É inquestionável a relevância da atuação do Superior Tribunal de

Justiça, em especial por seu caráter de uniformizador jurisprudencial e

orientação de decisões através de seus precedentes, na estrutura judiciária

brasileira. A segurança que a atuação da Corte deveria transparecer, porém,

nem sempre é verificada na prática.

Por isso, o presente trabalho abordará brevemente a história de criação

do Superior Tribunal de Justiça e do recurso especial, abordando as

formalidades desse modelo de impugnação, como o modo particular de

processamento e os exigentes requisitos de admissibilidade, que geram muitas

vezes questões controversas na prática, algumas delas aqui tratadas.

A partir da admissibilidade, expõe-se como é feito tal juízo e os meios de

impugnação quando negativo. No mérito, exploraram-se os efeitos do recurso

especial, em mais detalhes o devolutivo e o translativo, que são efetivamente

aqueles que norteiam os limites de atuação da Corte Superior.

Por fim, o trabalho trata exatamente da atuação do Superior Tribunal de

Justiça nos recursos a ele remetidos, com relação à forma, momento e limites

de sua intervenção no julgamento do recurso especial.

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ABSTRACT

The role of the Superior Court of Justice is of undoubted importance in

the Brazilian judicial structure, particularly in relation to standardizing Brazilian

case law and providing guidance to the lower courts in the form of

precedents. However, the Court's pronouncements do not always, in practice,

lead to the desired legal security.

In the light of that reality, this study examines the history behind the

establishment of the Superior Court of Justice and the introduction of the so-

called "Special Appeal" (recurso especial), analyzing the formalities inherent to

this form of appeal (including the stringent prerequisites to admissibility) and the

peculiarities of the manner in which the appeals are tried before the

court. These aspects of the Special Appeal have given rise to considerable

debate. Some of of the practical ramifications of these aspects are addressed

in this study.

The author examines the manner in which the admissibility of Special

Appeals is decided upon and the means of challenging a denial of leave to

proceed. In relation to the merits of the case, the study considers the effects of

lodging a Special Appeal, in particular the scope of the examination by the

Court (the efeito devolutivo) and the extent to which the court can draw on

extraneous matters such as public policy issues (the efeito translativo). These

are, in effect the two aspects that delimit the role of the Superior Court.

We then examine in detail the way in which the Superior Court has dealt

with the issues submitted to it, in terms of form (the orders made), time (and

timing) and the limits of intervention of the Court in its rulings on Special

Appeals.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1

1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ....................................................... 4

1.1. Cortes Superiores e a origem do recurso ............................................ 5

1.2. Evolução no Brasil ................................................................................. 7

1.3. Modelos de corte no direito comparado............................................. 13

1.4. Funções clássicas e contemporâneas do recurso especial ............. 19

1.4.1. Funções clássicas ................................................................................ 19

1.4.2. Funções contemporâneas ................................................................... 22

1.5. Função primordial do Superior Tribunal de Justiça .......................... 25

1.6. O que se espera do Superior Tribunal de Justiça ............................. 31

1.7. A análise de um caso concreto. Ilustração da atuação do Superior

Tribunal de Justiça ......................................................................................... 36

2. CABIMENTO E REGRAMENTO DO RECURSO ESPECIAL................ 44

2.1. Cabimento ............................................................................................. 44

2.2. Regramento do recurso especial ........................................................ 52

2.2.1. Impugnação da decisão negativa de admissibilidade ...................... 57

2.2.2. Escolha do recurso cabível quando não admitido o especial por

mais de um fundamento ................................................................................ 65

3. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE ................................................... 71

3.1. Possibilidade de se sanarem vícios ou primazia do julgamento do

mérito recursal ............................................................................................... 73

3.1.1. Jurisprudência defensiva .................................................................... 76

3.2. Requisitos de admissibilidade formais .............................................. 85

3.3. Decisão de única ou última instância ................................................. 86

3.4. Matérias fáticas e probatórias ............................................................. 89

3.5. Análise de questões contratuais ......................................................... 93

3.6. Prequestionamento .............................................................................. 95

3.7. Repercussão Geral – Propostas de Emenda Constitucional (“PEC”)

209/12 e 17/2013 ........................................................................................... 100

4. EFEITOS DOS RECURSOS ................................................................ 107

4.1. Efeito obstativo ................................................................................... 108

4.2. Efeito suspensivo ............................................................................... 109

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4.3. Efeito substitutivo .............................................................................. 113

4.4. Efeito expansivo ................................................................................. 114

4.5. Efeito translativo ................................................................................ 115

4.6. Efeito devolutivo ................................................................................. 118

5. A EXTENSÃO DO EFEITO DEVOLUTIVO DO RECURSO ESPECIAL

124

5.1. Premissa inicial: fracionamento da atuação do STJ ....................... 124

5.2. Extensão da atuação conforme o juízo realizado ............................ 129

5.3. Capítulos da decisão judicial ............................................................ 132

5.4. Questões de ordem pública............................................................... 136

5.5 Questões de ordem pública só podem ser analisadas após a

admissão do recurso especial? .................................................................. 141

5.6. Princípio da vedação à reformatio in pejus ...................................... 143

5.7. Matérias de ordem pública e a vedação da reformatio in pejus no

recurso especial ........................................................................................... 148

5.8. Fatos e provas perante o Superior Tribunal de Justiça .................. 154

CONCLUSÃO ................................................................................................ 158

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS ......................... Erro! Indicador não definido.

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INTRODUÇÃO

O objetivo de se fazer o presente trabalho focado na atuação do

Superior Tribunal de Justiça surgiu do desconforto desse autor, após 10 (dez)

anos de exercício do contencioso cível, com questões que se depara com

frequência na advocacia. Isto porque a segurança jurídica que a atuação da

Corte deveria transparecer, nem sempre é perceptível. Em algumas ocasiões,

inclusive, é o oposto.

Não seria exagero afirmar que a prática, muitas vezes, foge da teoria,

tanto para o bem, como para o mal. Não por outra razão, buscou-se elaborar

um trabalho que verse efetivamente sobre as características do recurso

especial com um viés eminentemente prático. Não há o intuito de apenas

ponderar doutrinariamente as respostas para as questões que surgem

diuturnamente, mas sim o objetivo de ponderar, também aliado às

consequências práticas, qual a melhor alternativa para tais ou quais situações

concretas.

Foi com esse objetivo que se iniciou o projeto com a contextualização da

origem do Superior Tribunal de Justiça e do próprio recurso especial, passando

por seus ideais primários e pela função ainda do Supremo Tribunal Federal

para a análise de matérias infraconstitucionais. Abordou-se a crise do

Supremo, com aspectos semelhantes ao volumoso trabalho das duas Cortes

Superiores atualmente, que culminou na fragmentação de sua competência e

criação do Tribunal e do recurso que aqui se analisam.

É a partir dessa base histórica e com as características do recurso

apresentado ao Tribunal Superior, que se buscou explorar e dar diretrizes

daquilo que parece ser razoável como a essência da função Superior Tribunal

de Justiça, exercida especialmente através do recurso especial. Explorou-se,

também, aquilo que se espera como forma de atuação do Tribunal na

qualidade de uma Corte Superior, órgão de relevância ímpar dentro da

estrutura judiciária brasileira.

Após tais considerações iniciais, que nortearam cada uma das posições

adotadas ao longo do trabalho, a pretensão foi de relatar brevemente o

conceito do recurso especial, suas hipóteses de cabimento e o seu regramento

de um modo geral, isto é, como se dá o seu processamento, informações sem

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as quais não se poderia adentrar aos temas mais polêmicos nesse trabalho

abordados.

Superados tais pontos, passou-se a expor os requisitos de

admissibilidade, tanto aqueles comuns aos demais recursos, como os

particulares desse inconformismo excepcional, como o prequestionamento, a

decisão de última instância ou mesmo a impossibilidade de discussão de

matérias de fatos e provas na Corte Superior. Não se deixou de explorar — e

até criticar — a jurisprudência defensiva do Superior Tribunal de Justiça e os

importantes avanços nesta seara trazidos pelo novo Código de Processo Civil.

Depois de abordados os requisitos de admissibilidade e interessantes

controversas questões a eles inerentes, explorou-se outro ideal central do

presente trabalho: os efeitos do recurso especial e, em maior profundidade,

aqueles que influenciam precisamente nos limites da atuação do Superior

Tribunal de Justiça, quais sejam, o devolutivo e o translativo.

Especificamente para esses itens, o trabalho almejou abordar algumas

questões de manifesta relevância teórica, mas com grandes impactos na

prática, a fim de tratar dos possíveis limites de atuação do Superior Tribunal de

Justiça, o que deve ser avaliado, inclusive, com as premissas da função de tal

Corte, como uma daquelas de vértice do país.

Por tal razão, foram exploradas algumas conceituações de momentos de

atuação do Superior Tribunal de Justiça; de capítulos da decisão recorrida; e,

em conseguinte, dos limites de atuação da Corte no julgamento do caso

concreto: em resumo, humildemente tentou-se traçar alguns panoramas gerais

para saber exatamente até onde pode o Superior Tribunal de Justiça agir no

caso posto a ele para julgamento, considerando as limitações da Corte em sua

atuação e a função essencial que exerce no sistema judiciário, com evidentes e

grandes reflexos para a sociedade como um todo.

O trabalho não se pretende exaustivo e, muito menos, taxativo sobre as

opiniões que aqui são colocadas, mas, repita-se, intenta despertar a

curiosidade e alimentar o debate para um tema que não apenas é interessante,

como é de enorme relevância para todos que estudam, trabalham, exercem ou

simplesmente têm simpatia com o direito.

Afinal, como se comenta nas primeiras aulas da faculdade, o Direito

está, ainda que implicitamente, em cada ato que se pratica em sociedade. Não

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por outra razão, portanto, é a relevância de bem se compreender as funções e

limites, ou melhor, a concreta atuação da corte mais relevante da estrutura

judiciária em matéria infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça.

É isso, com poucas palavras, o que se objetiva sucintamente tratar nesta

dissertação.

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1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Neste capítulo inaugural se pretende apresentar apenas um cenário

geral sobre a origem e o desenvolvimento do recurso especial no sistema

processual brasileiro, aliado ao tratamento e funções das Cortes Superiores,

mas não esmiuçar a história do instituto, que remonta aos norte-americanos,

ainda no século XVIII, quando sequer constituídos eram os efetivos “Estados

Unidos da América”.

Evidentemente, os institutos, ao longo dos anos, são diversos e foram

submetidos a incontáveis mudanças e evoluções até que se chegou naquele

que, atualmente, se conhece por recurso especial, de competência do Superior

Tribunal de Justiça. Até porque as próprias Cortes Superiores passaram por

estereótipos e mudanças diversas.

Não se abordará cada uma dessas alterações ocorridas, mas será

fornecido um panorama mínimo, com aquilo que se entende como

indispensável para o bom conhecimento e noção, não apenas das razões e

necessidades que justificaram o surgimento de tal meio de impugnação

recursal, mas também para que se tenha bem delineado o caminho percorrido

na história, ponto sempre relevante — e interessante — de qualquer estudo.

Nesse capítulo inaugural, assim, também será feita uma análise crítica

acerca das funções de Cortes Superiores e, especificamente, daquela

atualmente exercida pelo Superior Tribunal de Justiça e o seu papel dentro da

estrutura judiciária e da sociedade civil brasileira como um todo. Afinal, como

uma das Cortes mais altas do país, certamente o objetivo do Tribunal não é de

ser um mero julgador casuístico, tal e qual uma terceira instância, muito

embora isto frequentemente ocorra1.

1 “Embora os recorrentes os interponham com o indissimulável propósito de satisfazer suas

pretensões, os chamados recurso extraordinários foram criados pela Constituição com a finalidade primordial de assegurar a hegemonia dela própria e do direito positivo federal. Mediante o julgamento desses recursos, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, se terminam revendo pronunciamentos contrários aos recorrentes, exercem a jurisdição com o transcendental objetivo de indicar aos demais órgãos do Judiciário e à nação o sentido, o alcance, a vontade das normas constitucionais e de direito federal, assegurando-lhes interpretação e a consequente aplicação, tanto quanto possível, uniformes” (BERMUDES, Sergio. Introdução ao Processo Civil, 5ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2010).

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1.1. Cortes Superiores e a origem do recurso

Independente da nomenclatura atribuída, é amplamente divulgado na

doutrina que os primeiros institutos que se assemelham às funções do

extraordinário e do especial nos dias atuais, surgiram da necessidade de se ter

um poder centralizador e uniformizador de decisões, ou seja, as ditas Cortes

Superiores (ou Supremas) de cada um dos países.

Ora, em épocas em que as próprias leis eram parcas e esparsas, com

interpretações diametralmente opostas, como acontecia, por exemplo, nos

Estados Unidos da América, a necessidade de existir um órgão central que

desse a palavra final era premente. Isso porque “o Estado Federal é um

composto, um complexo de competências diferenciadas, cujo instrumento

constitucional contém regras, expressas ou implícitas, delimitando as esferas

de ação, não só de cada um dos poderes no organismo federal, mas ainda das

entidades federadas em face da União, ou desta em face daquelas”2.

É por isso que José Afonso da Silva sempre afirmou que qualquer

sistema processual efetivamente demanda um tribunal de cúpula que dê a

última palavra sobre a questão em litígio. É o exemplo da França, Espanha e

Itália com as suas respectivas Cortes de Cassação, ou da Alemanha com a

Corte de Revisão. No Federalismo, tal como nos Estados Unidos, bem pondera

o autor, a questão é ainda mais evidente, já que independentes são os Estados

e seus respectivos órgãos julgadores, a revelar a indispensabilidade de um

poder maior que uniformize os entendimentos. É o papel da Suprema Corte

nos Estados Unidos da América3.

“É importante, porém, salientar que, nada obstante o modelo de

funcionamento do Poder Judiciário — que inclui um tribunal de cúpula — ser

bastante peculiar no federalismo, a criação de Cortes Supremas se revelava

2 NUNES, Castro. Teoria e Prática do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense: 1943, p. 155.

3 “Mesmo nos Estados unitários, onde os órgãos jurisdicionais são unificados e a fonte

normativa do direito é única, existe aquele órgão de cúpula e, geralmente, um recurso processual com que se cumpre a missão de interpretar e aplicar uniformemente o direito escrito: Corte de Cassação na Itália, na França e na Espanha, e os respectivos recursos de cassação; Corte de Revisão e recurso de revisão na Alemanha. Nos Estados de forma federativa, a necessidade de uma Corte Suprema e de um recurso com tais finalidades é ainda muito maior do que nos Estados unitários em vista da duplicidade de órgãos jurisdicionais e de fontes normativas do direito: União federal e Estados-membros”. (SILVA, José Afonso da. Do recurso extraordinário no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963, p. 5).

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uma tendência a partir também da Revolução Francesa, em virtude do apego à

letra da lei, que viria a contribuir eficazmente para evitar a restauração do

antigo regime e que gerou, na Europa, a instituição das cortes e a criação dos

recursos de cassação (…). Reconhecia-se que a segurança jurídica (…) era

um valor jurídico que interessava ao Estado preservar e defender, e, no

federalismo, tinha-se claro que seria impossível manter essa segurança diante

da circunstância de que uma mesma lei federal poderia ser interpretada de

formas diferentes e definitivas por diversos tribunais estaduais. Era, pois,

necessário estabelecer meios de fazer valer a segurança por intermédio da

unidade da aplicação das normas jurídicas positivas em cada ordem jurídica.

Por isso, nos dias de hoje, é inconcebível a inexistência de um tribunal de

cúpula”4.

A necessidade de se ter uma forma de uniformizar a interpretação da

norma é inequívoca e a função foi, desde então, atribuída às Cortes mais altas

dos países, o que a história demonstra não apenas ser verdadeiro, mas uma

consequência natural da demanda da sociedade, ainda que distintos sejam os

modos de se fazer essa uniformização, a depender da forma de organização

do Estado5.

No Brasil não seria diferente, uma vez que o federalismo aqui

considerado concede autonomia aos Estados na organização do sistema de

justiça. Claramente, isto não significa a presença de várias jurisdições

diferentes e completamente autônomas, mas sim a delegação de competências

distintas, tal como bem expressa a Constituição Federal brasileira. Não apenas

se distribui a competência, mas também a aplicação das leis, inclusive aquelas

4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário

e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 294. 5 “No regime federativo, ao lado da Justiça da União, há também a Justiça dos Estados. Essa

dualidade favorece a autonomia dos Estados-membros, que organizam o seu sistema de justiça. Não se quer dizer com isso que existam jurisdições diversas - já que o Poder Judiciário é nacional -, mas, sim, que há distribuição de competências. Ao lado da distribuição de competência legislativa, na esfera federal, estadual e municipal, o Poder Judiciário se encontra distribuído nos diversos Estados-membros da Federação, cujos tribunais aplicam leis federais e estaduais. Distribuída a Justiça dessa maneira, é praticamente impossível que haja uniformidade de entendimento acerca do direito federal perante todos os tribunais locais. Daí a necessidade de criar um meio através do qual se possa alcançar a unidade de interpretação do direito federal aqui compreendidas as normas constitucionais e as normas federais infraconstitucionais” (MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e Repercussão Geral e outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 20/21).

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estaduais e municipais criadas no âmbito da competência delegada. Nesse

cenário, é evidente a necessidade de se ter um Tribunal de Cúpula que dê a

palavra final, no intuito de pacificar questões e orientar entendimentos.

Aqui, inicialmente, tratava-se do Supremo Tribunal Federal e do recurso

extraordinário, como se passa a expor.

1.2. Evolução no Brasil

No Brasil, Aliomar Baleeiro relata que “antes mesmo de ser feita nossa

primeira Constituição republicana, onde pontificava o grande Ruy, que

conhecia bem o papel da Suprema Corte americana, já se sonhava com um

tribunal capaz de equilibrar o Legislativo/Executivo e ser o guardião das

liberdades individuais. Assim, em maio de 1889, D. Pedro II recomendou a

Salvador Mendonça e ao Cons. Lafaiete, os quais estavam de malas prontas

para uma visita oficial aos Estados Unidos, que estudassem a Suprema Corte,

pois nela estava a chave do bom funcionamento da Constituição. Sua intenção

era a de substituir o Poder Moderador por um órgão judicial atuante”6.

Assim, é possível considerar que “o recurso extraordinário surgiu, no

Brasil, no momento histórico em que se estruturava juridicamente o Estado

brasileiro, instaurando o regime federativo, inspirado no sistema norte-

americano, e logo após a proclamação da república, através do Decreto 848 de

24 de outubro de 1890. Surgiu em razão da necessidade de se garantir a

supremacia da lei federal e da Constituição, em toda a Federação, e teve

inspiração no writ of error, criado nos Estados unidos da América pelo Judiciary

Act, de setembro de 1789”7.

Desde então, o recurso extraordinário passou por diversas modificações,

em especial com as Constituições promulgadas no grande intervalo de tempo

desde sua criação até hoje. Como o objetivo do presente trabalho, porém, é a

análise da extensão do efeito devolutivo do recurso especial e dos limites da

atuação do Superior Tribunal de Justiça, essa narrativa histórica será feita de

maneira sucinta, no limite para a compreensão das principais alterações

6 Aut. Cit. O Supremo Tribunal Federal, esse outro desconhecido. Rio de Janeiro:

Forense,1968, p. 19. 7 PINTO, Nelson Luiz. Recurso Especial para o Superior Tribunal de Justiça. São Paulo:

Malheiros, 1992, p. 38.

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ocorridas ao longo do tempo, em especial aquelas que influenciam no

entendimento atual sobre o recurso.

Inicialmente, portanto, nos termos do acima mencionado Decreto, o art.

59, § 1º, dispunha que “(…) das sentenças dos Estados em última instância,

haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar

sobre validade ou aplicabilidade de tratado e leis federais, e a decisão do

Estado for contra ela; e b) quando se contestar a validade de leis ou atos de

governos dos Estados, em face da Constituição ou das leis federais, e a

decisão do tribunal do Estado considerar válidos os atos ou leis impugnados”.

Essa era, portanto, a previsão que da Constituição Republicana de 1891

constava, atribuindo ao Supremo Tribunal Federal zelar tanto pela legislação

federal constitucional, como infraconstitucional. A Constituição de 1926, por

seu turno, trouxe como inovação a possibilidade de interposição do recurso por

divergência de entendimento jurisprudencial, assim como concedeu

legitimidade para a sua interposição aos próprios tribunais envolvidos na

discussão jurídica e ao Procurador Geral da República, dando já ares da

existência de um interesse maior, público, na discussão da situação jurídica, do

que a mera resolução da desavença entre as partes.

A Constituição de 1934 trouxe, pela primeira vez no texto máximo do

país, a nomenclatura de recurso extraordinário, antes somente mencionada no

regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Além disso, aclarou a redação

constitucional acerca do cabimento do recurso, não mais apenas para

hipóteses em que a norma fosse declarada inválida, mas sempre que a decisão

fosse a ela contrária, sanando dúvidas que à época já eram suscitadas acerca

da extensão da atuação da Corte Suprema.

Muito embora a Constituição Federal de 1937 não tenha trazido

nenhuma alteração que se julgou relevante para esse relato que se pretende

breve, foi em sua vigência que o primeiro Código de Processo Civil foi

promulgado.

Foi, então, com a Constituição Federal de 1946 que se criaram os

Tribunais para análise das questões federais, retirando essa função de 2ª

instância do Supremo, mas mantendo com ele a obrigação também de

uniformizar os entendimentos da esfera federal país afora.

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9

Já nesse momento, o Supremo Tribunal Federal se via assoberbado

com recursos, dificultando sobremaneira a sua atuação. Em uma das várias

tentativas de amenizar o problema, em 1963 foi criada a Súmula de

Jurisprudência Dominante, por força de Emenda Regimental, que dava a

permissão para o julgamento do recurso, inclusive análise de cabimento e

conhecimento, a ser feito com base nas referidas Súmulas, bastando a

reprodução da tese para o julgamento, dispensando outros esclarecimentos e

maiores fundamentações.

Já a Constituição de 1967, com a redação a ela posteriormente dada

pela Emenda nº 1 de 1969, reproduziu hipóteses de cabimento muito próximo

daquelas hoje vigentes, o que fez em seu art. 119, inciso III. Foi na vigência

das previsões de tal Constituição Federal que ganhou maiores holofotes aquela

que comumente se chamou da “Crise do Supremo”, muito embora a razão da

crise já viesse aumentando anos antes de seu estopim.

A “Crise do Supremo” nada mais é do que a existência de um número de

recursos tão excessivo que a atuação da Corte era praticamente inviável. Na

verdade, o alerta que já vinha soando desde a Constituição anterior, apenas

evidenciou que alguma mudança precisava ocorrer, caso contrário a função

primordial da Corte Suprema nunca seria alcançada, simplesmente porque os

casos continuariam a se acumular, sem nada que o baixo número de ministros

pudesse fazer.

Houve incontáveis tentativas de mitigação do problema, como as

próprias Súmulas, ou a restrição que o verbete 4008 buscou implementar, mas

é certo que a questão não foi efetivamente resolvida, quiçá fora reduzida à

época. De fato, houve diversas emendas constitucionais, alterações

regimentais ou até mesmo procedimentais, tudo no intuito de aliviar a carga de

trabalho dos Ministros do Supremo, mas nenhuma delas, nem todas juntas,

foram suficientes para solucionar o grave problema9. Foi nesse cenário que a

Constituição Federal de 1988 trouxe as mudanças mais drásticas até hoje

vistas quanto ao recurso extraordinário.

8 Súmula 400 do STF: “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a

melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra ‘a’ do art. 101, III, da Constituição Federal”. 9 Sobre o tema, confira-se MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso

especial. 10ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. pp. 73/106.

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10

Fez isso, basicamente, fragmentando a competência do Supremo

Tribunal Federal entre ele e o recém-criado Superior Tribunal de Justiça;

enquanto aquele permanecia com a análise das questões constitucionais, este

assumia a competência com relação às matérias infraconstitucionais, de

legislação federal, que deveriam ser desafiadas agora por meio do recurso

especial.

Assim, percebe-se que houve uma preocupação “em deixar ao Supremo

Tribunal Federal a tarefa única e exclusiva de ser o guardião da Constituição

Federal enquanto ao Superior Tribunal de Justiça o trabalho de fiscalizar a

correta e uniforme aplicação da lei federal”10.

As inovações trazidas pela Constituição de 1988 refletiram as sugestões

que haviam sido feitas por José Afonso da Silva que, em obra de 1963, já

apontava que a solução da crise do Supremo passava “por uma reforma

constitucional, no capítulo do Poder Judiciário Federal, com o fim de redistribuir

competências e atribuições dos órgãos judiciários da União”. Na obra, o autor

sugeriu a criação de outro tribunal, batizando-o, 25 (vinte e cinco) anos antes

da sua efetiva criação, de Tribunal Superior de Justiça, em linha com o Tribunal

Superior Eleitoral e o Tribunal Superior do Trabalho. Na mesma oportunidade,

o autor batizou o recurso direcionado ao novo tribunal também de recurso

especial11.

A tarefa que a Constituição de 1988 tentava concluir era árdua: aliviar a

carga recursal do Supremo Tribunal Federal e permitir uma melhor análise dos

recursos que vinham sendo interpostos em enxurrada. Até por isso, apesar de

manter a Corte maior com os mesmos 11 (onze) ministros que possuía desde o

Ato Institucional nº 6 de 1969, dotou o Superior Tribunal de Justiça de outros

33 (trinta e três).

Talvez por isso já se comentava tratar “de solução cujo acerto somente o

futuro poderá atestar, sendo fora de dúvida que, pelo menos nos primeiros

10

JORGE, Flávio Cheim. Recurso especial com fundamento na divergência jurisprudencial, in Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. Coord. Nelson Nery Jr e Teresa Arruda Alvim Wambier. Vol. 04. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 375. 11

SILVA, José Afonso da. Do recurso extraordinário no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963, p. 476/479.

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11

tempos, serão devidamente apreciados todos os recursos extraordinários, sem

necessidade de emprego de meios restritivos de conhecimento”12.

Fosse embora boa a expectativa à época, é com certa segurança que se

afirma, atualmente, não ter a mudança atingido o seu primordial objetivo.

Análises “revelam que, se antes tínhamos apenas um tribunal estorvado pelo

volume de processos, agora temos dois sofrendo do mesmo mal”13.

A verdade é que apenas a criação do Superior Tribunal de Justiça não

foi suficiente para eliminar a crise até então enfrentada. Certamente ela foi

amenizada durante um período de tempo, mas o volume de recursos

apresentados ao tribunal recém-criado é gigantesco, até porque as partes (ou

seus advogados) o transformam em uma verdadeira terceira instância.

É exatamente esse assoberbamento que faz com que os ministros se

utilizem de outras vias para reduzir o trabalho, ainda que impróprias. Como

exemplo, é possível citar a jurisprudência defensiva, que é comumente utilizada

com relação a qualquer questiúncula como razão de não conhecimento do

recurso especial, no intuito maior de diminuir a sobrecarga de trabalho

pendente de análise. O problema, como se tratará mais detidamente adiante, é

que matérias de fundo de extrema relevância e que demandavam a

intervenção dos Tribunais Superiores, acabam por ficar sem análise diante

desse cenário caótico.

Talvez por isso não seja pouca parte da doutrina que defenda a criação

de uma sistemática semelhante — ou idêntica à repercussão geral para os

recursos especiais (cf. item 3.7 abaixo). Arruda Alvim chega a argumentar que

a Emenda Constitucional 4514 perdeu, efetivamente, a oportunidade de impor

essa importante restrição aos recursos especiais15.

12

GALVÃO, Ilmar. Poder Judiciário. Reforma de 1988. O recurso especial no Superior Tribunal de Justiça.Informativo Jurídico Biblioteca Min. Oscar Saraiva, v.2., n. 2, p. 73 – 167, jul./dez., 1990, p. 119. 13

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016. 14

A Emenda Constitucional 45/2004 trouxe mudanças relevantes para os recursos extraordinário e especial, como, por exemplo, a correção de equívoco cometido pela Constituição de 1988, devolvendo ao Supremo Tribunal Federal a competência para analisar a validade de lei local contestada em face de lei federal. 15

ARRUDA ALVIM. José Manoel de. A EC n. 45 e o Instituto da Repercussão Geral in Reforma do Judiciário. Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004, Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Jr., Octavio Campos Fischer e Willian Santos Ferreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pp. 63/99.

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12

As justificativas para se criar outras formas de restrição do acesso ao

Superior Tribunal de Justiça se concentram exatamente em reduzir o número

de recursos e permitir uma intervenção mais qualitativa da Corte, que, não se

nega, ocupa papel de extrema relevância no cenário jurídico.

O Código de Processo Civil de 2015, nos limites de sua competência,

tentou, mediante o privilégio aos precedentes, impor algumas restrições ao

processamento de recursos aos Tribunais Superiores, mas flertando de

maneira perigosa com um possível engessamento de entendimentos passados,

cuja eventual modificação deverá superar uma via crucis inimaginável. A

intenção, porém, é louvável e merece guarida prática na tentativa de se

restringir a interposição maciça de recursos para os Tribunais Superiores, tal

como se fossem instâncias meramente revisoras, o que, definitivamente, não

faz parte de suas indispensáveis funções.

Moreira Alves já havia há muito predito a situação que atualmente se

enfrenta com o Superior Tribunal de Justiça ao mencionar que “não há Corte

alguma que, sem algumas centenas de juízes, possa julgar, em terceiro grau

de jurisdição, todas as questões de direito já apreciadas pelo duplo grau de

jurisdição ordinária, aplicando, ademais, ao caso concreto, a interpretação dos

textos legais pertinentes que lhe afigura melhor”16.

Ainda que não se considere, atualmente, os Tribunais Superiores como

meras terceiras instâncias julgadoras e existam limites para o cabimento e

processamento dos recursos a eles direcionados, é certo que as restrições

atuais não são ainda suficientes para fazer frente às necessidades das Cortes.

Logo, os ajustes processuais que estão, necessariamente, sempre em

voga, em particular para restringir a via do recurso especial, são relevantes e

não podem deixar de lado a máxima de Alfredo Buzaid de que “o erro de fato é

menos pernicioso do que o erro de direito”17. Isso porque o erro de fato se

limita à causa concreta posta a julgamento, não transcendendo as partes os

efeitos da interpretação, enquanto o erro de direito é muito mais grave, já que

serve de precedente e tem o poder de contaminar os demais juízes. Aí está a

16

ALVES, José Carlos Moreira. O Poder Judiciário na Nova Constituição. A nova ordem constitucional – Aspectos polêmicos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988, p. 199. 17

BUZAID, Alfredo, Nova Conceituação do Recurso Extraordinário na Constituição do Brasil, in Estudos de Direito, p. 183.

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13

relevância da atividade de controle de legalidade do julgamento dos Tribunais

pelo Superior Tribunal de Justiça.

1.3. Modelos de corte no direito comparado

Com fins didáticos e ilustrativos do que se explorará ao longo desse

trabalho, é importante contextualizar que existem, de uma maneira geral, três

modelos de Cortes Superiores nos sistemas judiciários do mundo, a saber: (i)

as Cortes de Cassação, com exemplo clássico da França, ou mesmo Itália e

Espanha; (ii) as Cortes Supremas, como a dos Estados Unidos da América

(“EUA”); e (iii) as Cortes de Revisão, como da Alemanha.

A Corte de Cassação da França teve origem no período da revolução

francesa, a partir da necessidade de se ter um órgão que fazia prevalecer a lei

acima de tudo. Não havia, inicialmente, a preocupação de se uniformizar, mas

sim em fazer prevalecer a lei propriamente dita. Dizia-se, inclusive, que a

função da Corte de Cassação francesa, em seus primórdios, era negativa, já

que se limitava a cassar eventual decisão que fosse considerada contrária à lei.

Nada além disso, ou seja, a matéria de fundo, o mérito, nunca chegava a ser

analisado.

Rapidamente se percebeu a impossibilidade de se vedar ao juiz a

interpretação da lei, já que a função por ele exercida, em sua essência, é a

qualificação dos fatos à norma, o que é feito, invariavelmente, com certo grau

de subjetividade (interpretação).

O Código de Napoleão, então, acabou com essa restrição e, por

consequência, modificou a competência da época da Corte de Cassação,

outorgando-lhe como objetivo, não apenas o de zelar pela integridade da lei,

mas de fazer com que se tenha uma interpretação dela de uma maneira

uniforme em todo o país. Isto, intencionalmente ou não, acaba afastando o

subjetivismo e limitando o espaço de atuação interpretativa dos magistrados18,

18

“(…) Cortes de Cassação, encarregadas, portanto, do só contraste objetivo entre a tese albergada no julgado recorrido acerca da exegese de um texto legal, e aquela predominante no âmbito do Tribunal, sem reformulação, portanto, de juízo de valor acerca do mérito, ou seja, do acerto ou desacerto da decisão recorrida. (…) . Como se vê, a Cassação francesa é um tribunal que, em boa medida, sobrepaira aos demais órgãos jurisdicionais singulares e colegiados, nesse sentido de que não se destina a operar como mais um grau judiciário e, menos ainda, como uma instância para revisão de matéria de fato ou para correção de

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14

já que a decisão de Cassação passou a ter também força vinculante sobre os

órgãos hierarquicamente inferiores.

O objetivo da Corte de Cassação, portanto, era buscar a unicidade da

aplicação da lei na França, exercendo uma função “compatível com a

unificação do direito objetivo e com as consequentes decisões judiciais que

interpretavam os textos legais há pouco tempo editados. O Tribunal de

Cassação passou a ter a função de controlar a interpretação judicial, evitando

decisões judiciais fundadas em interpretações incorretas, contribuindo para a

consolidação da interpretação adequada e, até mesmo, zelando pela

uniformidade da interpretação da lei”19.

Mesmo com tais mudanças, a Corte de Cassação francesa continuou

não tendo como função primordial verificar a justiça do caso concreto, mas sim

fazer uma análise objetiva acerca do alinhamento da decisão do órgão a quo

com aquela interpretação que ela, como corte mais alta do país, tenha fixado

para casos semelhantes20.

A Corte passou a atuar, portanto, de maneira um pouco mais extensa.

Era efetivamente buscada a unicidade com a análise da decisão a ela levada

por meio do recurso, cassando-a se contrária à interpretação que se julgasse

mais adequada. Para tanto, após Napoleão, o juiz poderia — e deveria —

justificar e fundamentar as razões da interpretação que entendia correta. Ainda

assim, entretanto, a Corte não julgava o caso concreto, apenas indicando ao

eventual injustiça decorrente da decisão a quo. Numa palavra, trata-se de um Tribunal encarregado de zelar, no plano nacional, pela inteireza positiva, validade, eficácia e unidade interpretativa da lei; para tanto, a cassação se volta para a aferição da higidez técnico-formal da decisão recorrida, frente a o contexto jurídico-institucional do país, não estando vocacionada à prolação de juízo de valor acerca do thema decidendum, tal como veio resolvido pelo juízo a quo” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e Súmula vinculante, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 238/247). 19

MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes. Recompreensão do Sistema Processual da Corte Suprema. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 45. 20

“O Tribunal de Cassação foi concebido nos termos do Decreto de novembro-dezembro de 1790. Fundou-se, na linha dos princípios da Revolução Francesa, na necessidade de tutela da lei em face dos juízes, constituindo um órgão autônomo e específico voltado a tal fim. Não foi delineado para exercer função jurisdicional, embora tenham lhe sido conferidas algumas competências próprias de um verdadeiro órgão judicial, como a possibilidade de cassação em virtude da não observância das formas processuais por errores in procedendo. Não há dúvida que o Tribunal de Cassação foi instituído para controlar as decisões judiciais, ou seja, para que essas pudessem colocar em risco a vontade do Parlamento. Importou ao Tribunal, assim, basicamente o controle dos erros resultantes da aplicação da lei. Não lhe interessava a ‘justiça’ da decisão e, por consequência, os fatos ou qualquer outra questão que não dissesse especificamente com a aplicação da lei” (MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes. Recompreensão do Sistema Processual da Corte Suprema. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 36).

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15

órgão a quo qual a interpretação da lei que deveria ser dada na situação

apresentada. Aqui parava a sua atuação, limitada a cassar a decisão recorrida,

mas já dando direções com caráter obrigatório de como o órgão de jurisdição

inferior deveria interpretar a norma (e o direito) no caso concreto.

Nesse sentido, conclui-se, então, que as Cortes de Cassação deixaram,

com a evolução de sua forma de atuação, de apenas verificar o caso concreto

a partir da análise fria da norma, passando a assumir a posição que se espera

de um órgão de Cúpula, no sentido de zelar pela uniformidade da interpretação

da lei. É o que o próprio Piero Calamandrei, primeiro autor a bem explorar o

tema, afirma ao dispor sobre a essencialidade e amplitude que as Cortes de

Cassação tinham21, inclusive em obra que direcionou a criação normativa

italiana, reconhecendo que a uniformidade de interpretação das leis é, em

paralelo, o meio para controle da legalidade das decisões dos tribunais.

Além das Cortes de Cassação, a Europa tinha também como relevantes

para o estudo e evolução do direito, as Cortes de Revisão, com seu maior

exemplo na Alemanha. Tais órgãos, “por aí se entendendo os chamados

Tribunais de grande instância, ou Cortes de Apelação, que, ao conhecer de

impugnações fundadas em divergência jurisprudencial, reexaminam o próprio

fulcro da controvérsia, assim rejulgando a causa”22.

Na Alemanha, esclareça-se, o órgão máximo é o seu Tribunal

Constitucional Federal, que não funciona como uma corte de revisão

propriamente dita, com competência ampla, mas tem a prerrogativa de analisar

e sempre rejulgar as lides que envolvam matérias constitucionais e ofensas à

legislação mais alta do país, a Grundgesetz.

21

“La Corte de casación, aunque forme parte del ordenamento judicial, y constituya incluso la cúspide suprema de la jerarquia de órganos a los cuales está encomendada la administración de la justicia, no há sido instituida para conseguir solamente aquella finalidad, en sentido estrictamente jurisdiccional, para la consecución de la cual están instituidos todos los demás jueces (a quienes, en contraposición a la Corte de casación, se les suele denominar jueces de mérito), y que consiste en la actuación del derecho en concreto, mediante declaración de certeza de las singulares voluntades de ley que emanan, para regular las relaciones individuales, de la coincidencia de una hipótesis real con una hipótesis legal. También la Corte de casación coopera, como diremos, a esta función jurisdiccional en sentido estricto, que consiste en administrar justicia a los particulares; pero esta su cooperación es para ella un medio, no un fin, puesto que el fin último que ella, como oficio suyo exclusivo, persigue, es un fin más amplio, y que excede, como veremos, los límites de la controversia particular decidida.” (CALAMANDREI, Piero. Casación Civil. Traducción de Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redín. Buenos Aiures: Ediciones Jurídicas Europa América, 1959, p. 13). 22

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e Súmula vinculante, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 238.

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16

As Cortes Supremas, por sua vez, se distinguem um pouco mais dos

outros dois modelos, pois, além de ser formada, usualmente por nomeação

política — inclusive, mas não apenas e necessariamente magistrados —, ela

possui a função de fazer o direito. Isto é, há uma menor prevalência da letra fria

da lei, sendo que aquilo que realmente predomina é o precedente casuístico,

com força absolutamente vinculativa.

O início desse formato de órgão de cúpula, em especial na Inglaterra,

ocorreu em sentido diametralmente oposto à Corte de Cassação. Enquanto

esta, na França, possuía juízes proibidos de interpretar a lei, que deviam se

limitar a aplicar as normas sem maiores avaliações, aquelas privilegiavam

exatamente a autonomia interpretativa de seus membros no intuito de se criar

precedentes.

É uma Corte, portanto, que visa a unidade do direito mediante a correta

interpretação do caso levado a julgamento23. Não é absurdo dizer, portanto,

que a Corte Suprema faz o direito, já que a norma jurídica acaba por não ser

outra senão aquela que é fruto da sua interpretação.

O maior exemplo desse modelo na atualidade é a Suprema Corte dos

Estados Unidos da América, na qual seus membros, além de literalmente

escolherem os casos que serão julgados, o fazem em número bastante

reduzido anualmente; em contrapartida, fixam precedentes que se dizem

sólidos e que serão efetivamente seguidos pelo restante da estrutura judiciária

daquele país, até porque possuem caráter vinculante.

23

“Como é da natureza do Direito, em uma perspectiva lógico-argumentativa, a admissão de uma pluralidade de significados oriundos da interpretação, é imprescindível que existe um meio de institucional encarregado de concentrar o significado final em que esse deve ser tomado em determinado contexto e de velar pela sua unidade. E é precisamente essa a função que a Corte suprema deve desempenhar: dar unidade ao Direito mediante a sua adequada interpretação a partir do julgamento de casos a ela apresentados. Com isso, a função da Corte suprema é proativa, sendo sua atuação destinada a orientar a adequada interpretação e aplicação do Direito por parte de toda a sociedade civil e de todos os membros do Poder Judiciário. A sua função tem no horizonte o futuro: ela atua de maneira proativa com o fim de guiar a interpretação do Direito, dando a ele unidade. A função da Corte Suprema, portanto, está em promover a unidade do Direito mediante a sua adequada interpretação. Como, de um lado, a interpretação jurídica pode dar lugar a uma multiplicidade de significados, e como, de outro, o Direito encontra-se sujeito à cultura, a unidade do Direito que a Corte Suprema visa a promover tem duas direções distintas: essa é tanto retrospectiva como perspectiva. Vale dizer: a Corte Suprema visa à promoção da unidade do Direito tanto para resolver uma questão jurídica de interpretação controvertida nos tribunais como para desenvolver o Direito diante das novas necessidades sociais, outorgando adequada solução para questões jurídicas novas” (MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. Do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. 3ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, p 79).

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17

Apenas para ilustrar a distinção da Suprema Corte americana, do

Tribunal Constitucional alemão, com o Supremo Tribunal Federal, mencionem-

se números que, apesar de antigos, refletem o abismo que há entre as

filosofias e forma de atuação de tais tribunais. Em exposição que fez perante o

Senado Federal, o Min. Sepúlveda Pertence, então presidente do Supremo,

mencionou que em 1995 a Corte recebeu 30.706 recursos e julgou 35.214. No

mesmo período, o Tribunal Constitucional alemão, como corte de revisão,

recebeu entre 5.000 e 7.000 queixas constitucionais, admitindo apenas 2%

(dois por cento) delas, enquanto a Suprema Corte norte-americana recebeu

cerca de 4.000 propostas de recursos, admitiu 300 e julgou 18024.

Os números só se distanciaram com o passar dos anos e hoje refletem

um cenário ainda mais grave. Lembrando-se que eles ilustram o Supremo

Tribunal Federal, enquanto a situação do Superior Tribunal de Justiça seria

ainda mais díspar, evidenciando-se que as Cortes mais altas na estrutura do

Poder Judiciário brasileiro, têm a qualidade de sua atuação prejudicada pelo

volume de recursos que a elas são direcionados. Isto há de ser tratado, como

se verá ao longo deste trabalho.

Fechando-se os parêntesis acima abertos para expor brevemente a

situação atual da Corte Superior brasileira, inundada em recursos, é

interessante tecer breves observações sobre a sistemática judiciária de países

vizinhos ao Brasil, na América latina.

Na região, todos os países são adeptos da civil law, em que se

privilegiam códigos de direito material e de processo de modo geral, algo

inquestionavelmente herdado da cultura ibérica das nações. Ainda assim,

evidenciam-se as distinções culturais de cada um dos países, que se reflete em

sua organização judiciária, muito embora todos eles de origem bastante

semelhante.

Diz-se, portanto, que “transparece aquela relatividade cultural no atual

ceticismo dos estudiosos latino-americanos do direito processual quanto aos

rigores da divisão dos sistemas jurídicos em famílias e quanto às tentativas de

24

“Exposição feita na reunião da Comissão e justiça, em 02.4.97, aceca da Proposta de Emenda à Constituição n. 554, de 1995, do Senador Ronaldo Cunha Lima, in Parecer do Sen. Jefferson Peres”, in VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder Judiciário: Como torná-lo mais ágil e dinâmico: efeito vinculante e outros temas. In Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 212, 7-26, abr-jun/1998

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enquadrar em algumas delas os sistemas jurídicos dos países componentes da

América Latina. Enquanto a generalidade dos países de língua espanhola

mantém-se fiel às origens, ibéricas de seu direito, o Brasil afastou-se

significativamente delas, especificamente no que diz respeito ao direito privado

e ao processo civil, este nitidamente inspirado em modelos italianos mais

modernos. A cultura processualística italiana está presente em todo o

pensamento brasileiro de modo extremamente significativo, como

consequência da presença de Enrico Tullio Liebman durante a Segunda Guerra

Mundial – sendo muito menos notada essa influência nos demais países latino-

americanos. Na literatura latino-americana de língua espanhola, especialmente

na argentina e uruguaia, só mais recentemente se sente de modo expressivo a

marca dos pensadores italianos – não tanto dos clássicos, como no Brasil, mas

daqueles ligados às novas tendências representadas pela bandeira da

efetividade do processo. Os hispano-americanos cultuam de modo especial a

obra dos espanhóis (especialmente Prieto-Castro e Jaime Guasp), a de

Amílcar Mercader e a do grande pensador do processo civil latino-americano,

Eduardo Juan Couture”25.

É por isso que se notam facilmente diferenças nas estruturas judiciárias

dos países latino-americanos. Na Argentina, por exemplo, assim como no

México, os dois maiores países em número de províncias ao lado do Brasil, há

poderes descentralizados. Isto é, na Argentina cada uma das províncias tem

sua legislação autônoma, com sua respectiva Corte Suprema, que possui

competência para temas de todas as naturezas, inclusive constitucional. Sobre

este ponto, porém, a palavra final caberá sempre à Corte Suprema da

República Argentina, poder centralizador do Judiciário argentino. Ela atua,

portanto, como órgão que faz o controle constitucional definitivo sobre os

julgamentos das cortes das províncias e federais, através do recurso

extraordinário de inconstitucionalidade.

O México, assim como a Argentina, possui normas civis regionais para

cada um de seus trinta e um Estados, além do Distrito Federal, sendo que cada

um deles conta um Superior Tribunal de Justicia. Existe o controle final e

25

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. Tomo I. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 181.

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central, exercido pela Suprema Corte de Justicia, que analisa os temas através

do chamado juicio de amparo.

No Brasil, como se sabe, a Constituição Federal outorga competência

para legislar sobre processo ao poder central, ou seja, à União, de modo que

resta efetivamente impossibilitada a existência de Cortes Superiores ou

Supremas regionais. Os Tribunais Estaduais e Regionais Federais analisam,

portanto, questões de direito municipal e estadual, além de temas federais sob

a batuta do Supremo Tribunal Federal para aspectos constitucionais e do

Superior Tribunal de Justiça para assuntos de legislação ordinária federal26.

1.4. Funções clássicas e contemporâneas do recurso especial

Antes de se adentrar detidamente no modelo de Corte brasileira e na

função que o Superior Tribunal de Justiça exerce dentro da estrutura Judiciária,

é importante mencionar as classificações que a doutrina expõe acerca das

funções, ou dos objetivos, se assim se preferir, dos recursos a serem

direcionados às mais altas Cortes.

Muito embora grande parte do quanto se dirá aqui se aplica com

perfeição também ao recurso extraordinário, o centro do presente trabalho é a

exposição das características e funções do recurso especial. Para a presente

exposição, nesse momento inicial, baseia-se nos fundamentos expostos por

Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas em relevante trabalho sobre o tema27.

1.4.1. Funções clássicas

As funções clássicas dos recursos, já há muito exploradas e trabalhadas

por Piero Calamandrei28, para citar apenas um dos expoentes, podem ser

subdivididas, basicamente, em (i) função nomofilática; e (ii) função

uniformizadora. As duas funções são bastante semelhantes e, na grande

26

Todas as referências extraídas de DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. Tomo I. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 183/187. 27

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, pp. 308/327. 28

CALAMANDREI, Piero. Casación Civil. Traducción de Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redín. Buenos Aiures: Ediciones Jurídicas Europa América, 1959, pp. 45/60.

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maioria das vezes, indissociáveis, o que permite a muitos autores trata-las

como se apenas uma fossem.

Em resumo, no entanto, a primeira delas pode ser referida como aquela

que praticamente visa proteger a lei do juiz, que teve origem e evolução na

França29, com seu Tribunal de cassação originariamente instalado fora da

estrutura do Poder Judiciário, que tinha o intuito de zelar pelo sentido correto

da lei30. Desse modo, a função nomofilática (ou nomofilácica), evoluindo ao

longo do tempo junto com o direito, inclusive com o juiz, que deixou de ser um

mero e formal aplicador da lei, passou a ter como ponto central de seu conceito

a busca pela unicidade do direito. Isto é, por tal função, não mais se

pretende zelar pela aplicação da lei em si, mas sim da melhor aplicação do

direito ao caso concreto, já que o litígio entre as partes se revela como o

instrumento que o Estado possui para estabelecer a necessária unicidade.

A função uniformizadora, de semelhança inegável, visa a “orientação à

conformação da manutenção de forma sistemática do direito e à garantia do

respeito aos princípios da igualdade perante a lei e da legalidade. Em outras

palavras, busca-se que haja uniformidade na aplicação e interpretação das

regras e princípios jurídicos em todo o território submetido à sua [da lei]

vigência”31.

Assim, em suma, as Cortes Superiores, na análise dos recursos a elas

direcionados buscam verificar se as regras de direito material e processual

foram bem aplicadas, de forma a assegurar que todos tenham um mesmo

tratamento perante a lei. Em outras palavras, visa evitar que a um mesmo fato

sejam consideradas qualificações jurídicas distintas, por exemplo.

29

“A chamada função nomofilácica é aquela por meio da qual o recurso de cassação/revisão tem o precípuo papel de buscar a interpretação exata, única e verdadeira da lei, a fim de garantir a certeza e a estabilidade jurídica. A ideia da nomofilaquia nascei na França, onde, durante a Revolução Francesa (1789/1799), com influência nas ideologias de Rousseau e Montesquieu e dos ideais do Iluminismo, lutou-se pela onipotência da lei e pela igualdade dos cidadãos perante essa lei. A lei passou a ser o centro de todo o sistema, de modo que era necessária a criação de um mecanismo apto a protege-la de eventuais arbítrios dos magistrados” (AZZONI, Clara Moreira. Recurso Especial e Extraordinário, Aspectos Gerais e Efeitos. São Paulo: Atlas, 2009, p. 23). 30

SATTA, Salvatore. Direito processual civil. Trad. Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2003, vol. 2, p. 39, apud WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 298. 31

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 311.

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Essa função acabou por ganhar corpo com a autonomia que os órgãos

fracionados do Judiciário receberam, de modo que casos semelhantes

passaram a ser tratados de maneira distinta, a depender do local da decisão

(Comarca, Fórum, juiz, etc.). Não é natural que haja decisões conflitantes

dentro de uma estrutura única e a função uniformizadora busca exatamente

evitar que isto aconteça, privilegiando o princípio da igualdade perante a lei32.

Obviamente, a função busca a uniformização dos julgamentos, de modo

a permitir a previsibilidade de quem vai ao Judiciário sobre o seu caso. Afinal, a

propositura de uma ação não pode ser uma loteria a depender do foro ou do

sorteio no momento da distribuição. A igualdade perante a lei e a segurança

jurídica prezam pela previsibilidade, algo absolutamente essencial que o

Código de Processo Civil de 2015 tentou privilegiar ao atribuir mais

mecanismos de prevalência dos precedentes.

Claramente, no entanto, como se dirá diversas vezes ao longo desse

trabalho, o privilégio aos precedentes e a previsibilidade não significa — nem

pode significar — completo engessamento dos posicionamentos

jurisprudenciais. A sociedade está em constante mudança e, do mesmo modo,

deve estar o entendimento do Judiciário, ainda que ambos sejam

consideravelmente vagarosos.

É exatamente por causa dessa constante mudança que se diz ser a

diversidade sucessiva de entendimentos perfeitamente aceitável e até

desejável: “Devemos ressaltar que a diversidade de interpretações ao longo do

tempo é praticamente inevitável: no entanto, o que é importante observar é que

a diversidade simultânea de entendimentos é que é intolerável, ou, ao menos,

perturba seriamente a funcionalidade do direito, diferentemente do que se

32

“O princípio da legalidade, segundo o qual a conduta dos indivíduos é previamente rejulgada e lhe é dado saber o que pode ou não fazer e as consequências de suas atitudes, deve ser concretizado de modo engrenado com o princípio da igualdade ou da isonomia. Todos são iguais perante a lei – havendo, portanto, previsibilidade e segurança jurídica -, se a lei for compreendida e aplicada da mesma forma para todos. Se assim não for, esvaziam-se por completo o sentido e a razão de ser desses princípios, base do Estado de Direito. E é a correção de tais distorções que compõe a essência da função uniformizadora dos recursos dirigidos aos tribunais de cúpula. Vale dizer, o que se persegue é a consagração de mecanismo hábil a ensejar que, no curso do processo interpretativo que precede a solução de um conflito levado ao Judiciário, haja a ‘prorrogação’ da segurança e da estabilidade geradas no momento da edição da lei. Veja-se bem: não se trata de afirmar que a literalidade da lei deve prevalecer. O que estamos asseverando é que essa função zela pela prevalência da uniformidade interpretativa, que impede ofensas à igualdade e à legalidade, de modo que a lei, que é vocacionada a ter uma única interpretação correta, deve receber sempre, dadas as mesmas condições fáticas relevantes ao julgamento, a mesma interpretação” (ob. cit., p. 312).

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passa com a diversidade sucessiva. A diversidade sucessiva decorre de

interpretações que se sucedem no tempo, mudança essa claramente

percebida, à luz da modificação das condições contextuais que interferem no

entendimento de uma norma. E, por isso mesmo, essa diversidade sucessiva

não turba a funcionalidade do direito porque se sabe que uma interpretação

antiga não mais vale (…)”33.

1.4.2. Funções contemporâneas

As funções que são usualmente denominadas de contemporâneas, (i)

dikelógica e (ii) paradigmática, não recebem esse nome porque foram criadas

posteriormente, mas sim, como os autores acima mencionados bem exploram,

porque não foram inicialmente previstas quando da criação dos institutos.

Mais do que isso. Essas funções, muitas vezes, sofreram tentativas de

ser afastadas do sistema de recursos para as Cortes Superiores, mas só

logrou-se êxito em minimizar a sua incidência já que a sua completa exclusão

só poderia ocorrer com a extinção do instituto em si, ou mesmo do recurso que

permite às Cortes exercerem as suas funções.

A primeira delas é a dikelógica que, segundo se extrai do próprio

significado da palavra, busca tutelar a individualidade34, isto é, o caso concreto

posto a julgamento na busca pela justiça naquele litígio. É sabido, porém, que

nos casos encaminhados para as Cortes Superiores (em especial no Brasil) a

tutela individual acaba sendo renegada a um segundo plano, ganhando

prevalência a tutela do direito ali posto, não pelo caso específico, mas sim

como forma de orientação e formação de precedentes. O benefício das partes

com eventual resultado seria apenas uma consequência do julgamento

realizado, mas a busca pela justiça na aplicação do direito à espécie não é a

prioridade dos tribunais de cúpula, muito embora seja inevitável que isto ocorra

como consequência final do julgamento realizado.

33

ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 856. 34

“A palavra dikelógica, de origem grega, é composta pela partícula dike, que significa ‘justiça’, e pelo pospositivo lógiko, cujo significado é ‘relativo à razão’. Assim, a função dikelógica está associada à busca de justiça no caso levado ao tribunal, mediante a correta aplicação do direito. Trata-se, pois, da tutela do chamado ius litigatoris" (ob. cit., p. 316).

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Ilustração dessa situação é a presença do requisito da repercussão geral

para a admissibilidade do recurso extraordinário e, atualmente, das propostas

de emenda constitucional que buscam implementar a mesma essência para os

recursos especiais, tudo a indicar a importância maior no julgamento de tais

recursos, que não apenas o litígio instaurado entre as partes daquele processo.

Aqui, veja-se, ainda que indesejável a análise de maneira dikelógica de

recurso remetido ao Superior Tribunal de Justiça, é impossível a sua completa

exclusão. É possível a criação de certos filtros, como a própria repercussão

geral, na tentativa de minimizar a questão, mas a sua completa dissociação do

julgamento da hipótese é impossível. Até porque a interpretação da lei, do

direito e a avaliação da justiça são questões inerentes ao ser humano e, em

especial, ao juiz para o julgamento de rigorosamente qualquer caso a ele

apresentado, já é ele quem faz o juízo do caso concreto e sua subsunção às

normas.

Não há como se afastar essa interpretação, por menor que seja em

alguns casos, e, por consequência, a função dikelógica continuará a estar

presente ainda que de maneira temperada a partir das sistemáticas de

precedentes e filtros que vêm se tentando implementar.

Por sua vez, a função paradigmática, também conhecida por persuasiva,

se reflete no caráter vinculativo de decisões proferidas pelos órgãos superiores

aos órgãos inferiores. Em suma, portanto, é a função pela qual os órgãos

hierarquicamente inferiores devem respeitar e seguir os entendimentos

consolidados nos órgãos hierarquicamente superiores.

Essa função tem reflexo diferente a depender do formato do Poder

Judiciário do país. A título de exemplo, países da common law têm tendência a

verificar a função paradigmática de maneira mais intensa, já que a palavra da

Corte Suprema é o que forma a lei. Por outro lado, países da civil law tentam

dar mais prevalência para as regras formais e escritas, ainda que em

determinadas hipóteses exista o caráter vinculante das decisões de órgãos

superiores.

Nesse sentido, o Brasil, país de civil law, se encaixaria na prevalência da

lei escrita, mas com uma tendência de aumento da força dos precedentes,

como é bastante refletido no atual Código de Processo Civil. Enquanto isso, os

Estados Unidos da América, maior exemplo da common law, têm atenuado

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suas posições e vem migrando pouco a pouco para dar mais ênfase para a

norma escrita.

O sistema jurídico brasileiro não se alinha, efetivamente, à corrente

estrita da função paradigmática, segundo a qual há uma obrigatoriedade

severa aos juízes de seguirem todas as decisões de órgãos superiores e,

ainda, algumas vezes, de órgãos de hierarquia equivalente. Também não se

amolda com perfeição à corrente atenuada, segundo a qual o juiz deve levar

“em consideração as decisões anteriores sobre a mesma controvérsia,

estatuindo que ele deve seguir tais decisões a menos que as considere erradas

o bastante para suplantar a presunção inicial a seu favor”35.

Nem lá, nem cá. O Código de Processo Civil busca dar prevalência aos

precedentes com caráter vinculante36, em uma tentativa de não apenas dar

maior segurança jurídica, mas até de fazê-lo dentro de um prazo razoável

(celeridade do processo). Muitas das decisões de órgãos hierarquicamente

superiores permanecem sem poder de persuasão e apenas sugerem uma

forma razoável de se agir, mas sistemas foram implementados para que, na

multiplicidade de casos, fixem-se precedentes a serem seguidos. O racional da

norma é lógico, resta ver se, na prática, funcionará como esperado.

É importante consignar ao final dessa sucinta exposição sobre as

funções dos recursos para as Cortes Superiores, que a atual sistemática

processual buscou, como se disse, dar relevância e criar mecanismos de

estabelecimento de precedentes, mas atuou para permitir que se mantenha a

segurança jurídica dos casos já julgados, em especial quando houver alteração

de entendimento anteriormente consolidado.

Trata-se da possibilidade de modulação de efeitos na hipótese dessa

alteração: “havendo alteração de entendimento, pode o tribunal decidir no

sentido de que só dali para frente é que as decisões se basearão no novo

entendimento, pelo que o cabimento da ação rescisória já estaria afastado (…).

O objetivo do instituto é neutralizar a ‘surpresa’ decorrente da nova posição dos

Tribunais, que equivale à mudança das regras no meio do jogo,

comprometendo fundamentalmente o valor previsibilidade. Trata-se de

35

Ob. cit., pp. 319/320. 36

Confiram-se, a título de exemplo, os artigos 932, IV e V; 976 e seguintes; e 1.030, todos do Código de Processo Civil de 2015.

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possibilitar que a nova regra incida dali para frente, como a lei, que rege o

presente e o futuro, mas não o passado”37.

As previsões legais nesse sentido38 são razoáveis e revelam a

importância de se trabalhar processualmente, em juízo especialmente, com o

conceito de previsibilidade, de evitar a surpresa para a parte, que deve saber

exatamente no que está litigando, inclusive quais as consequências e cenários

— até os piores — daquele processo em que é parte. A previsibilidade deve

estar presente e é ela que permite, em larga escala, o respeito ao princípio da

segurança jurídica.

1.5. Função primordial do Superior Tribunal de Justiça Tendo em vista que o objetivo primordial do presente trabalho é explorar

exatamente a atuação do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do

recurso especial, particularmente os limites da profundidade da análise que

deve e pode ser feita pela Corte, é indispensável abordar, ainda que sem,

nesse momento embrionário da discussão, se apresentar uma posição

definitiva, a discussão acerca da real função que o Tribunal exerce na estrutura

judiciária e processual brasileira.

Há muito, Barbosa Moreira já defendia que o Superior Tribunal de

Justiça estava “essencialmente destinado a proteger a integridade e a

uniformidade de interpretação do direito federal infraconstitucional”39. Araken

de Assis, citando Juan Carlos Hitters, complementa que “além de preservar a

integridade do direito federal, tarefa inerente ao federalismo, o recurso especial

atua como mecanismo apto a garantir a uniformidade da interpretação

emprestada, nos tribunais locais e regionais, a esse direito. Neste aspecto, o

37

Ob. cit., p. 325. 38

Sobre a modulação: “Art. 927 (…) § 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante

do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4

o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada

ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.” 39

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, vol. 5, p. 589.

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recurso especial se aproxima do recurso de cassação: não visa à justiça do

caso, mas vela pela exata observância das leis, regulando a jurisprudência”40.

A consideração de que o Superior Tribunal de Justiça possui a primordial

função de uniformizar a interpretação da lei é razoável. Não apenas porque

através do recurso especial se busca impedir a violação legal e a interpretação

errada do direito federal infraconstitucional (art. 105, III, alíneas a e c da

Constituição Federal), mas porque há a real necessidade de se orientar os

tribunais país afora acerca daquilo que se entende como o posicionamento

correto referente a determinada norma federal.

Essa forma de atuação é condizente com o próprio sistema federativo e

a pretensão que justificou, lá no século XIX, a criação do Supremo Tribunal

Federal: a necessidade de se ter uma Corte uniformizadora de entendimentos

e que oriente os demais órgãos do Poder Judiciário em sua forma de atuação.

É também por isso que se afirma que “através dos recursos especial e

extraordinário busca-se a uniformização da interpretação da lei federal ou a

guarda da Constituição Federal, evitando-se a persistência de decisões que

adotem orientações diferentes acerca de uma mesma regra ou princípio

jurídico de direito constitucional ou de direito federal infraconstitucional”41.

O Superior Tribunal de Justiça, muito embora distinto da Corte tida por

suprema no Brasil, nada mais é do que uma subdivisão dela, assumindo, como

já explorado, competência que era antes do Supremo Tribunal Federal. A sua

criação, portanto, não parece ter alterado o real objetivo dos recursos

apresentados, permanecendo intacta a relevância de se manter hígido o

sistema normativo federal infraconstitucional e uniforme a sua interpretação.

A necessidade de orientação nesse sentido salta aos olhos ao se

considerar o tamanho do Brasil e as diversas peculiaridades e formas de

pensar nas mais diferentes localidades do país. Não seria interessante para um

Poder Judiciário uno que cada órgão fracionado desse a uma mesma situação,

submetida a uma mesma previsão legal, interpretação distinta. Com o Superior

Tribunal de Justiça assumindo esse papel de orientador na interpretação

40

ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 912. 41

MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e Repercussão Geral e outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 19.

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legislativa, evitam-se os tratamentos desiguais e privilegia-se, também, a

segurança jurídica, pois à parte será possível minimamente prever o resultado

de seu litígio, se sobre caso semelhante tiver a Corte se manifestado,

acabando com a loteria judicial, ou seja, com a sorte do litigante a depender do

órgão julgador de seu processo.

Sobre o assunto, a doutrina bem comenta que “as diversas formas de

interpretação de uma lei acarretam que um dos valores funcionais do direito

seja abalado, qual seja, a certeza. E, consequentemente, quanto maior forem

os entendimentos diferentes dessa lei, ela ficará cada vez mais despida de

certeza. O direito, por sua vez, diante dessa inescondível circunstância procura

criar meios para reprimi-la, face à necessidade de se conferir um só

entendimento a respeito de um mesmo texto legal e alcançar, com isto, o fim

último do direito: a segurança jurídica”42.

Claramente, porém, essa linha de atuação do Superior Tribunal de

Justiça não é pacificamente aceita país afora. Não é incomum deparar-se com

decisões contrárias a matérias já pacificadas pela Corte Superior em diversos

dos Tribunais, o que, além de contrário à sistemática processual, contribui para

afogar ainda mais o Tribunal Superior, prejudicando a sua atuação em

questões por ele ainda não decididas ou, ao menos, não pacificadas. Tal

postura contribui, também, para prolongar desnecessariamente o processo, o

que é um problema bastante atual, longe de se imaginar como facilmente

solucionável, já que a cada ano o aumento do número de novas ações judiciais

propostas é bastante significativo. Se as ações em curso não são encerradas,

o passivo cresce exponencialmente.

O próprio Superior Tribunal de Justiça já alertava, com relação a ele

próprio, mais ainda deveria ser aos demais tribunais, sobre a necessidade de

se seguir a orientação das Cortes Superiores, ao expressar que “a real

ideologia do sistema processual, à luz do princípio da efetividade processual,

do que emerge o reclamo da celeridade em todos os graus de jurisdição, impõe

que o STJ decida consoante o STF acerca da mesma questão, porquanto, do

contrário, em razão de a Corte suprema emitir a última palavra sobre o tema,

42

JORGE, Flávio Cheim. Recurso especial com fundamento na divergência jurisprudencial, in Aspectos Poêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. Coord. Nelson Nery Jr e Teresa Arruda Alvim Wambier. Vol. 04. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 377.

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decisão desconforme do STJ implicará o ônus de a parte novamente recorrer

para obter o resultado que se conhece e que na sua natureza tem função

uniformizadora e, a fortiori, erga omnes”43.

No Código de Processo Civil de 1973 as decisões do Superior Tribunal

de Justiça que eram vistas, de certa forma, como uma orientação geral a partir

de seus precedentes, hoje ganharam uma força a mais com a vigência do

Código de Processo Civil de 2015.

Nesse sentido, o art. 927 impõe aos juízes a observância dos

posicionamentos adotados pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de

recursos especiais repetitivos, assim como impõe o respeito, ou seja, a decisão

em consonância com enunciados das Súmulas editadas pela Corte em matéria

infraconstitucional44, o que acaba por equiparar toda e qualquer súmula, como

se vinculante do Supremo Tribunal fosse.

A intenção do novo diploma é importante e “em tese, o expediente,

apesar do sacrifício imposto à independência jurídica das instâncias inferiores,

revela-se apto a diminuir a quantidade de feitos, a médio prazo, e, desse modo,

ensejar a cabal aplicação de outras disposições do CPC de 2015, aprimorando

a qualidade dos seus pronunciamentos (v.g., a fundamentação do art. 489, §

1º)”45. Busca-se privilegiar os precedentes em um sistema que, até então, não

possuía previsão legislativa que exigisse o seu respeito46.

Espera-se, de fato, que haja uma melhora no controle do número de

processos, sem que isto prejudique, obviamente, a análise dos casos que

demandam, efetivamente a intervenção do Superior Tribunal de Justiça, o que

não tem ocorrido na prática atualmente, já que o excessivo número de recursos

impede a atuação da maneira formalmente desejada.

43

AgRg no REsp n. 527.697, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, Dje de 01.3.04. 44

“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (…) III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivo; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional. (…)”. 45

ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 913. 46

CARNEIRO, Athos Gusmão. O Papel da Jurisprudência no Brasil. A súmula e os precedentes jurisprudenciais. Relatório ao Congresso de Roma in Doutrina Superior Tribunal de Justiça. Edição Comemorativa – 15 anos. Brasília: Editora Brasília Jurídica Ltda., 2005, pp. 343/344.

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29

Encerrados os parêntesis abertos no parágrafo anterior sobre a

necessária atuação do Superior Tribunal de Justiça e da indispensável

premência na redução dos recursos a ele direcionados, até porque objeto do

próximo capítulo desse trabalho, é certo que o atual Código de Processo Civil,

como mencionado, buscou privilegiar a sua atuação como Corte de

interpretação e precedentes, concedendo-lhe importantes poderes que antes

não possuía para o julgamento dos recursos repetitivos com a maior precisão

possível.

Como exemplo, pode-se citar a faculdade prevista no art. 1.038, II, de

designar audiência pública para “ouvir depoimentos de pessoas com

experiência e conhecimento na matéria, com a finalidade de instruir o

procedimento”, algo que era prerrogativa apenas do Supremo Tribunal Federal,

mas que, por analogia, já vinha sendo utilizado, com resultado bastante

positivo, em situações de extremo relevo. Aquela que abriu as portas para tal

procedimento foi nos recursos especiais nº 1.457.199 e 1.419.697, julgados

conjuntamente, em que o relator, Min. Paulo de Tarso Sanseverino designou a

audiência pública “com vistas a municiar esta Corte [STJ] com informações

indispensáveis para o deslinde da controvérsia”.

Na ocasião, houve a inscrição de vinte e um interessados (dentre eles as

partes) para a exposição dos fundamentos que julgassem pertinentes, o que foi

devidamente realizado pelo Superior Tribunal de Justiça e foi digno de nota do

Relator, ao ponderar “que a audiência pública foi extremamente importante na

formação do meu convencimento acerca das principais questões controvertidas

a serem dirimidas para a solução da controvérsia posta no presente processo”.

Outro bastante significativo exemplo que reflete a força que o atual

Código de Processo Civil buscou dar à atuação das Cortes Superiores na

fixação de precedentes e orientação jurisprudencial é a disposição do art. 998,

parágrafo único47, segundo a qual, uma vez elegido recurso como

representativo de controvérsia, o recorrente tem a faculdade da desistência,

47

“Art. 998. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos”.

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30

mas esta não retirará do Tribunal a competência da análise da matéria cuja

relevância já foi reconhecida com a afetação.

Logo, “a desistência não impede o julgamento, com a definição da tese a

ser adotada pelo tribunal, mas tal julgamento não atinge o autor ou o recorrente

que desistiu, apenas, para estabelecer o entendimento do tribunal, a influenciar

e repercutir nos outros processos pendentes e futuros”48.

Na verdade, o atual Código de Processo Civil nada mais fez do que

refletir entendimento que já vinha sendo adotado pelo Superior Tribunal de

Justiça, que, sob o fundamento de prevalência do interesse público, coletivo,

sobre o individual e privado, impedia a desistência pela parte, quando o recurso

tivesse sido afetado como representativo da controvérsia49, ainda que,

ocasionalmente, a tese fosse julgada em prol do interesse coletivo e,

posteriormente, acabasse não sendo aplicada ao caso concreto por força da

desistência. Certo para o Superior Tribunal de Justiça, porém, é que o

interesse coletivo não poderia ser colocado em segundo plano e não julgado

por força do interesse individual da parte recorrente. O julgamento da tese e a

posterior homologação da desistência era uma forma de tentar conciliar ambos

os interesses.

É saudável que os precedentes do Superior Tribunal de Justiça ganhem

mais força para prevalecerem, mas é também relevante que tenha o Tribunal

autonomia para agir na elaboração dos procedentes com qualidade e minucia

na análise das teses postas. Por tal razão, também, a Corte não pode continuar

a ser inundada com recursos, permitindo a participação ativa — até proativa —

dos ministros para a formação de seu convencimento, tal como ocorreu no

caso acima citado, em que designada a audiência pública.

48

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. Editora Jus Podivm. Salvador, 2016, p. 596. 49

Processo civil. Questão de ordem. Incidente de Recurso Especial Repetitivo. Formulação de pedido e desistência no Recurso Especial representativo de controvérsia (art. 543-C, § 1º, do CPC). Indeferimento do pedido de desistência recursal. - É inviável o acolhimento de pedido de desistência recursal formulado quando já iniciado o procedimento de julgamento do Recurso Especial representativo da controvérsia, na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ. Questão de ordem acolhida para indeferir o pedido de desistência formulado em Recurso Especial processado na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ. (QO no REsp 1063343/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/12/2008, DJe 04/06/2009).

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31

A discussão, porém, não é tão simplória. A Lei nº 13.256/16 trouxe

alterações à sistemática do recurso ao Superior Tribunal de Justiça, em

especial ao art. 1.029, levantando questionamentos relevantes sobre o

procedimento do inconformismo e o limite de atuação da Corte. A considerar a

redação dada por referida norma, imputando ao Tribunal Superior a obrigação

de julgar a partir da “aplicação do direito ao caso”, tem-se muita controvérsia

acerca de até onde pode a Corte ir durante a sua análise casuística. Esta

extensão e limites da atuação do Superior Tribunal de Justiça é ponto central

deste trabalho, e coloca em xeque a função que sempre, desde sua criação,

considerou-se como primordial para o Tribunal.

Afinal, se, a partir da leitura fria da lei, se permitir que o Superior Tribunal

de Justiça passe a julgar concretamente os casos a ele apresentados, a sua

função de Corte Superior e orientação geral, inclusive no controle da

integridade das leis federais, poderá ser drasticamente prejudicada. Isso tudo

porque seu campo de atuação restará significativamente majorado, atuando,

após a admissibilidade do recurso, como uma instância comum, isto é,

praticamente como uma possível terceira instância após os Tribunais Estaduais

e os Regionais Federais, que foi exatamente o que se buscou evitar com a sua

criação no intuito de desafogar o Supremo Tribunal Federal e encerrar a crise

que há anos estava instaurada.

O assunto, desse modo, passa pela efetiva competência do Superior

Tribunal de Justiça com o Código de Processo Civil de 2015, o que será

amplamente explorado ao longo dessa dissertação, com situações concretas

de discussão, motivo pelo qual se limita a adiantar, nesse momento, que não

se deve, de forma alguma, deixar de lado a função primordial do Tribunal, no

sentido zelar pela integridade da lei federal infraconstitucional e orientar a sua

correta interpretação, que certamente não foi perdida mesmo com a infeliz

redação trazida pela Lei nº 13.256/2016. A função da Corte, porém, vai muito

além.

1.6. O que se espera do Superior Tribunal de Justiça

Não se questiona, como amplamente exposto acima, que a atuação do

Superior Tribunal de Justiça deva nortear, no que toca ao direito federal

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infraconstitucional, a atuação dos demais órgãos judiciários estaduais e

federais. Nesse ponto, suas decisões, “em devendo ser exemplares, há,

igualmente, de carregar consigo alto poder de convicção, justamente porque

são, em escala máxima, os precedentes a serem observados e considerados

pelos demais Tribunais”50.

Claramente, porém, não é viável ao Superior Tribunal de Justiça exercer

como deve a sua função com o número de recursos que o assola e que cresce

exponencialmente. Há que se ponderar, ademais, que não basta a simples

transferência de competências ou atividades para os tribunais locais, também

já por demais assoberbados; é preciso, isto sim, criar mecanismos que

conciliem a situação do cenário como um todo: diminuam o número de

recursos sem prejudicar a segurança jurídica e a qualidade do retorno que o

Poder Judiciário deve dar ao jurisdicionado.

Não há, com relação ao Superior Tribunal de Justiça, de toda forma,

alternativas que não a imposição de restrições para a interposição (ou

processamento) de recurso especial, obviamente sem que isto configure uma

violação à justiça ou mesmo ao devido processo legal.

É o que defende, na nossa visão de maneira correta, Arruda Alvim no

artigo já citado acima, ao explorar que constitui “equívoco injustificável ligar-se

à circunstância do Superior Tribunal de Justiça apreciar questões relevantes a

um problema de acesso à Justiça, porque, para realizar o acesso à Justiça, há

uma estrutura, no país, que se desdobra nas diversas justiças estaduais, de um

lado, e, de outro, na justiça federal, cujos organismos cobrem todo o território

nacional”51.

Cumpre ressaltar que a obra do Professor Arruda Alvim beira 20 anos e

não deixa de ser atual. É certo, porém, que em 1999 o Poder Judiciário não

estava inundado de processos como atualmente, de forma que a necessidade

de se criar meios de restrição para a interposição de recursos não se limita aos

Tribunais Superiores, mas já alcança, nos dias de hoje, os Tribunais Estaduais,

que começam a perder em qualidade para conseguir minimamente atender o

50

ARRUDA ALVIM, José Manoel de. A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do recurso especial e a relevância das questões in Revista de Processo; vol. 96/199, pp. 37/44; e in Doutrinas Essenciais de Processo Civil, vol. 7, pp. 625/636, out/2011. 51

ARRUDA ALVIM, José Manoel de. A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do recurso especial e a relevância das questões in Revista de Processo; vol. 96/199, pp. 37/44; e in Doutrinas Essenciais de Processo Civil, vol. 7, pp. 625/636, out/2011.

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mar de recursos que lhes assola. O Código de Processo Civil, portanto, não

erra ao dar mais poderes ao Relator, em especial para fazer prevalecer

entendimentos já consolidados, como se vê, por exemplo, da disposição do art.

932 do Código de Processo Civil.

Ainda que vagarosamente, parece estar-se caminhando para privilegiar

corretamente os precedentes — sempre com a previsão de uma forma de

revisão pontual dos precedentes que venham a se revelar errados ou

ultrapassados frente à eventual nova realidade jurídica, social ou mesmo

econômica — e criar uma nova mentalidade, este ponto essencial, que busque

reduzir a interposição de infinitos recursos, principalmente os descabidos ou

protelatórios, a permitir a atuação dos Tribunais como deve ser e não mais na

busca incessante por números de recursos julgados.

As razões para essas limitações, como já abordado nesse trabalho, são

diversas e a essência delas pode ser extraída, mais uma vez, das lições do

Prof. Arruda Alvim: “Avulta, por tudo quanto se disse, enormemente de

importância o reflexo do conteúdo das soluções, em face de determinados

pronunciamentos jurisdicionais, diante da posição ocupada pelo Tribunal na

estrutura do Poder Judiciário, alojada no cume da sua pirâmide. Conquanto a

validade e a eficácia das decisões sejam, normalmente, circunscritas às partes,

as proferidas pelos Tribunais de cúpula transcendem o ambiente das partes e,

com isto, projetam-se o prestígio e autoridade da decisão nos segmentos

menores da atividade jurídica, de todos quantos lidam com o direito, e, mesmo

em espectro maior, para a sociedade toda. É nesta segunda perspectiva, em

grau máximo, que se inserem, por excelência, as decisões do Superior Tribunal

de Justiça. Sendo o mais elevado Tribunal em que se aplica o direito federal

infraconstitucional, ao afirmar a correta inteligência do direito federal – e é

sempre isso que afirma o STJ e não outra coisa -, o valor e o peso inerentes a

tais decisões é enorme, por causa da posição pinacular do STJ. Esta é a razão

em virtude da qual tais pronunciamentos exorbitam do interesse das partes,

projetando-se para toda a sociedade a verdade do seu entendimento e nesta

influindo”52.

52

ARRUDA ALVIM, José Manoel de. A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do recurso especial e a relevância das questões in Revista de Processo; vol. 96/199, pp. 37/44; e in Doutrinas Essenciais de Processo Civil, vol. 7, pp. 625/636, out/2011.

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34

Entretanto, voltando-se detidamente para o recurso especial, não se

pode deixar de mencionar obra de Daniel Mitidiero em que o autor traça as

distinções entre Cortes Superiores e Cortes Supremas, explorando, de maneira

bastante interessante, a necessidade dos Tribunais Superiores brasileiros se

conscientizarem da necessidade de representarem em Cortes Supremas, tal

como a americana em questão de forma conceitual de atuação, o que passa

por um processo de transformação não apenas externo, mas também interno

do próprio Tribunal.

A obra aborda exatamente o objetivo funcional das mais altas cortes de

um sistema judiciário. A Corte Superior, então, seria aquela pensada e atuante

como de controle do direito e de jurisprudência. Isto é, o Tribunal atuaria de

forma sempre reativa e no intuito primordial de fiscalizar a legalidade das

decisões proferidas pelos órgãos a quo. Nessa sua atividade, a uniformização

da jurisprudência seria apenas o meio utilizado para fazer prevalecer a

legalidade das decisões recorridas, reformando-se aquelas tidas por ilícitas. A

Corte, portanto, quase não teria autonomia para gerir sua atividade e atuaria

sempre de forma reativa nesse controle do direito, fazendo uso da

jurisprudência para manter, ou impor, a legalidade das decisões. A atuação

seria, dessa forma, voltada para o passado.

A Corte Suprema, por sua vez, se revela como órgão “de adequada

interpretação do Direito, que se vale dos seus precedentes como um meio para

orientação da sociedade civil e da comunidade jurídica a respeito do significado

que deve ser atribuído aos enunciados legislativos”, sendo que “a interpretação

do direito é o fim da corte de vértice, sendo o caso concreto apenas o meio do

qual a corte pode desempenhar a sua função. No modelo de Cortes Supremas,

a formação do precedente tem um papel central, de modo que a violação à

interpretação ofertada pela corte de vértice pelos juízes que compõem a

própria corte e por aqueles que se encontram nas instâncias ordinárias é vista

como uma grave falta institucional que não pode ser tolerada dentro do sistema

jurídico”53.

Ao pensar sobre a atuação que o Superior Tribunal de Justiça vem

adotando desde sua criação, há certamente uma tendência significativa para

53

MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. Do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. 3ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, pp. 17/18.

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sua qualificação como Corte Superior, que atua de maneira, usualmente,

reativa na solução do caso concreto e, como consequência, faz de suas

decisões precedentes para orientar os órgãos a ele inferiores. Tanto assim, por

exemplo, que as súmulas do Superior Tribunal de Justiça não possuíam sequer

caráter vinculativo, ou seja, não havia obrigatoriedade de se decidir no mesmo

sentido.

O Código de Processo Civil trouxe, como já mencionado, algumas

relevantes modificações no intuito de reforçar esse procedimento de

transformação do Superior Tribunal de Justiça em uma Corte Suprema, com

atuação mais relevante e mais autonomia para agir no intuito de uniformizar o

entendimento das leis federais e orientar a sociedade como um todo — ainda

mais considerando a visibilidade que o Judiciário, mesmo recebendo o

Supremo Tribunal Federal mais holofotes, tem ganhado nos últimos anos,

especialmente por força dos escândalos de corrupção.

Inquestionavelmente, para se permitir ao Superior Tribunal de Justiça

que exerça a sua relevante função e assuma, de fato, a posição de uma Corte

Suprema, não em sua função propriamente dita, mas no reconhecimento de

sua relevância para a estrutura judiciária e sociedade civil como um todo, o

número de recursos pela Corte analisados tem que diminuir. Meios para tanto

têm sido criados e há um consenso geral sobre essa necessidade. A passos

largos, ou não, o caminho já começou a ser trilhado.

Por outro lado, o esforço não deve ser apenas da sociedade, advogados

e do legislativo, deve partir também do próprio tribunal. São os Ministros que,

apesar dos cargos políticos, devem agir com absoluta imparcialidade e

razoabilidade no julgamento, cientes de sua relevante função e do exemplo que

eles devem dar para o restante da sociedade jurídica, em especial com a

orientação de posicionamentos com relação à interpretação da lei.

Mais do que isso, “é imprescindível que o Supremo Tribunal Federal e o

Superior Tribunal de Justiça adotem: (i) uma prática justificativa de seus

julgados que seja capaz de viabilizar às partes, à sociedade civil e aos demais

órgãos do Poder Judiciário tanto uma fundamentação adequada para

consecução de um processo justo como um precedente idôneo para promoção

da unidade do Direito; (ii) uma prática de confrontação analógica entre casos –

na sua unidade fático-jurídica – que permita aferir o respeito ao precedente, a

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necessidade de distinção entre casos ou mesmo a oportunidade para

superação de determinado entendimento consolidado; (iii) uma prática que

conduza apenas ao exame de casos dotados de repercussão geral, incluídos

aí, necessariamente, os casos em que os seus precedentes foram violados ou

ignorados pelas Cortes de Justiça; (iv) uma prática primariamente interpretativa

e apenas secundariamente de controle, proativa e voltada para o futuro e,

portanto, para orientação da comunidade jurídica e da sociedade civil, que

permita um autogoverno mais acentuado para gestão da própria agenda e para

formação de seus precedentes; (v) uma prática que importe na efetiva

formação de precedentes vinculantes horizontal e verticalmente erigidos para

promoção da igualdade e da segurança jurídica, com respeito à coisa julgada e

ao adequado desenvolvimento do sentido normativo dos enunciados

constitucionais e legislativos”54.

O que se pode afirmar, quase ao final desse capítulo inaugural da

dissertação, com um breve, mas relevante desvio do tema central do trabalho,

é que independente das previsões constantes do Código de Processo Civil

sobre a atuação do Superior Tribunal de Justiça no caso concreto, como se

explorará amplamente mais adiante, é certo que não se pode deixar de lado a

sua função precípua e primordial, de zelo pela legislação federal

infraconstitucional e orientação acerca de sua correta interpretação, sempre se

preocupando com as consequências que a decisão a ser adotada gerará não

apenas em seu cumprimento, mas extra autos como um todo.

1.7. A análise de um caso concreto. Ilustração da atuação do

Superior Tribunal de Justiça

Muito se disse sobre as essenciais funções do Superior Tribunal de

Justiça e do papel que se espera seja adotado pela Corte. Para melhor ilustrar

o que se argumentou nesse trabalho, porém, expõe-se um exemplo concreto

de julgamento.

No final de 2014, foi julgado o recurso especial nº 1.361.800/SP que

tinha como tese afetada “o termo inicial da incidência dos juros moratórios na

54

MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. Do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. 3ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, pp. 152.

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liquidação ou execução individual de sentença genérica proferida em ação civil

pública”. Em resumo, portanto, existindo uma sentença genérica sobre direitos

coletivos, estava o Tribunal a decidir se, nas execuções individuais desse

julgado coletivo — que podem ser milhares a depender do direito tutelado —,

depois de reconhecido o direito do interessado, se os juros de mora incidiriam a

partir da citação da executada no procedimento individual, como anteriormente

já tinha entendido a Corte55, ou se o momento inicial da incidência dos juros

seria a citação no processo principal, a ação civil pública.

Previamente ao julgamento do mérito da questão, surgiu relevante

discussão sobre a própria afetação do recurso e o seu julgamento conjunto

com outro, de diferente relatoria. Na oportunidade, decidiu-se pela manutenção

da seleção do recurso como representativo da controvérsia e, também, pelo

julgamento unitário de dois especiais com distintos relatores, tudo para que,

inicialmente, se mantivesse a suspensão das diversas ações já ajuizadas sobre

o tema e, em seguida, para que a aplicação da decisão a ser tomada, seja qual

for, fosse uniforme em todos os Tribunais do país.

As decisões quanto a tais questões de ordem, foram tomadas de

maneira correta, no intuito de uniformizar e organizar a estrutura judiciária do

país como um todo. As medidas adotadas pelo Superior Tribunal de Justiça

evitariam o descontrole sobre a tsunâmica, para usar o termo do Min. Sidnei

Benetti, massa de processos sobre matéria idêntica.

55

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. POUPANÇA. EXPURGOS. INDENIZAÇÃO POR LESÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. JUROS MORATÓRIOS. MORA EX PERSONA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO NA FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. As ações civis públicas, em sintonia com o disposto no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, ao propiciar a facilitação a tutela dos direitos individuais homogêneos dos consumidores, viabilizam otimização da prestação jurisdicional, abrangendo toda uma coletividade atingida em seus direitos, dada a eficácia vinculante das suas sentenças. 2. A sentença de procedência na ação coletiva tendo por causa de pedir danos referentes a direitos individuais homogêneos, nos moldes do disposto no artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor, será, em regra, genérica, de modo que depende de superveniente liquidação, não apenas para apuração do quantum debeatur, mas também para aferir a titularidade do crédito, por isso denominada pela doutrina "liquidação imprópria". 3. Com efeito, não merece acolhida a irresignação, pois, nos termos do artigo 219 do Código de Processo Civil e 397 do Código Civil, na hipótese, a mora verifica-se com a citação do devedor, realizada na fase de liquidação de sentença, e não a partir de sua citação na ação civil pública. 4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no REsp 1348512/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 04/02/2013)

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A postura da Corte quanto a este ponto, nesse sentido, está condizente

com a sua função de Corte Superior, que não apenas deve orientar a

interpretação legal, mas também zelar pela ordem de todo o sistema. Foi o que

fez nas questões de ordem.

Com relação ao objeto do recurso, o caso que versava sobre

indenização com origem nos planos econômicos foi julgado por maioria

apertada de votos, decidindo-se pela fixação da seguinte genérica tese: “os

juros de mora incidem a partir da citação do devedor no processo de

conhecimento da Ação Civil Pública quando esta se fundar em

responsabilidade contratual, cujo inadimplemento já produza a mora, salvo a

configuração da mora em momento anterior”56.

Sem adentrar ao mérito do resultado, se certo ou errado na visão do

presente trabalho, há que se analisarem as razões de decidir, além daquelas

exclusivamente jurídicas, para se estudar essencialmente se a atuação do

Superior Tribunal de Justiça, enquanto a Corte alta que é, foi coerente com o

que se espera de sua função.

A leitura das considerações gerais feitas pelo relator, Min. Sidnei Benetti,

demonstram o racional de sua decisão: entender de modo diverso daquele por

ele considerado equivaleria a eliminar a razão de ser do instituto da ação civil

pública e incentivaria a propositura de ações individuais pelos interessados, já

que a espera do julgamento final da ação coletiva apenas faria com que

“perdessem” os juros que deveriam incidir durante todo o período em que

tramitou a referida demanda judicial.

É o que se extrai, por exemplo, do seguinte trecho de seu voto57: “No

fundo, o pleito de que o julgamento de Ação Civil pública se limite à só

56

Esclareça-se que o julgamento ainda não é definitivo, pois opostos embargos de declaração, estão eles ainda pendentes de julgamento. Muito embora não exista trânsito em julgado, uma brevíssima pesquisa é suficiente para evidenciar que o precedente já vem sendo amplamente aplicado. 57

No mesmo sentido a declaração de voto da Min, Nancy Andrighi: “A prevalecer a tese de que os juros de mora devem ser contados da citação em cada execução individual da sentença coletiva, estar-se-á incentivando a protelação da ação civil pública, sem que isso implique qualquer ônus ao devedor, que acabará beneficiado por us própria torpeza, em detrimento do credor, único prejudicado pela demora na conclusão do processo. Mas não é só! Essa situação acarretará, como contrapartida, a rejeição e o descredito da ação coletiva pelas vítimas de danos individuais homogêneos, que irão preferir a utilização da via individual, na qual os juros serão computados desde a citação na ação de conhecimento. Em outras palavras, a se confirmar o entendimento do voto condutor, o STJ estará incentivando a substituição do julgamento de uma única ação coletiva pelo julgamento de milhares de ações individuais” (fls.

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proclamação anódina de tese, incentivado o condenado a procrastinar a

concretude da condenação no aguardo da propositura de execuções

individuais, para, só então, iniciar o curso de juros de mora, contém o germe da

destruição da efetividade do relevante instrumento processual que é a Ação

Civil Pública, que tantas esperanças abriu para a eliminação da demora na

solução de grandes controvérsias e da superação da própria insegurança

jurídica na sociedade brasileira, além de incentivar a judicialização em massa,

de gigantesco número de processos repetitivos, que estão a asfixiar o

Judiciário nacional e a impedir o célere e qualificado deslinde de processos

para os jurisdicionados em geral”58.

Pouco adiante, complementa o Relator: “deve-se arredar firmemente a

tentativa, disfarçada de mera discussão a respeito de início de fluência de juros

de mora, de destruição do próprio instrumento a Ação Civil Pública brasileira,

em verdadeira traição ao modelo da ‘Class Action’ criada pelo Direito Anglo-

Americano exatamente para o amparo, entre outros, de direitos coletivos

homogêneos, de modo a compô-los para todos os titulares de tais direitos, sem

necessidade de ingresso de cada um deles em Juízo, para judicializar,

individualmente, suas pretensões”59.

64/65 do acórdão) e também do Min, Herman Benjamin: “Em síntese, pretender que, na Ação Civil pública, o termo inicial dos juros de mora seja a citação na fase de liquidação/execução individual da sentença ocasionará tragédia processual decomposta em dois atos e uma apoteose socialmente desonrosa: o abarrotamento do Judiciário com milhares de processos tecnicamente desnecessários, veículos do único objetivo de antecipar o dies a quo do acessório e, em regrassão da História, da (re)processualização individual do processo coletivo, tudo desaguando, em ápice, no apequenar do acesso democrático e eficaz à Justiça” (fls. 75/76 do acórdão). 58

Confira fls. 38/39 do voto vencedor. REsp 1361800/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministro SIDNEI BENETI, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/05/2014, DJe 14/10/2014. 59

Extraído da fl. 39 do voto vencedor, mas há ainda outro trecho relevante sobre o entendimento do Relator, Min. Sidnei Benetti: “Além disso, evidente que a procrastinação do início da contagem dos juros moratórios traria em seu bojo o efeito perverso de estimular a resistência ao cumprimento da condenação transitada em julgado na Ação Coletiva, visto que é claro que seria economicamente mais vantajoso, como acumulação e trato do capital, não cumprir de imediato o julgado e procrastinar a efetivação dos direitos individuais, via incontida recorribilidade, e, quiçá, a eternização da violação de direitos, como ocorre, aliás, na atualidade, em que a judicialização pulverizada desempenha relevante papel no giro de assuntos de diversas naturezas — não apenas os referentes a Cadernetas de Poupança e Planos Econômicos, subjacentes ao caso, mas a todos os demais, que afligem a sociedade na irrealização de direitos e afogam o Poder Judiciário me multitudinária massa de processos individuais, para os quais se remeteriam todos os titulares e Cadernetas de Poupança, com direito reconhecido no julgamento da ação Coletiva” (fl. 40 do voto).

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40

A preocupação do voto vencedor, com relação à inutilidade da ação civil

pública e à possibilidade do devedor procrastinar é de todo válida, mas será

que a consideração poderia ser a tal ponto genérica, a fim de estabelecer uma

tese de juros de mora para rigorosamente todas as ações civis públicas?

Parece-nos que não.

Não se discute a relevância do instituto da ação civil pública e a

possibilidade da tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mas não é

razoável que se fixe uma tese a tal ponto genérica quando é sabido que cada

ação civil pública, a depender do tema e da situação julgada, tem suas

relevantes peculiaridades.

Diferentemente do caso dos planos econômicos, em que se considerou

naquele julgamento que “a sentença coletiva é de natureza condenatória,

mesmo sendo genérica, e é líquida, apenas faltando a individualização do

direito individual, que facilmente pode ser realizada à consulta pelo devedor

dos registros em seu poder”60, não são todas as hipóteses postas em juízo que

o cumprimento seria tão simples e imediato61.

Há casos, como uma condenação alternativa, por exemplo, em que o

cumprimento imediato e prévio à escolha pelo interessado é impossível. Seria

razoável impor ao devedor, nesta hipótese, também juros desde a citação na

ação civil pública? A situação seria exatamente oposta ao racional do voto

vencedor: quem procrastinaria seria o credor — tenha-se em mente que em

qualquer hipótese a procrastinação deve ser repelida pelo Judiciário —, já que,

quanto mais demorar para fazer a sua opção de cumprimento, mais juros

incidiriam em seu benefício. Com este simples exemplo busca apenas

demonstrar que a atuação do Superior Tribunal de Justiça, conquanto deva

buscar nortear as interpretações, tem que possuir no exercício de seu mister,

uma preocupação muito maior do que resolver o caso concreto ou meramente

a tese jurídica: há que se estudar, avaliar e existir uma relevante ponderação

quanto às consequências que a fixação do entendimento poderá gerar. No

60

Confira fl. 43 do voto vencedor. 61

Esclareça-se aqui que o autor deste trabalho não está afirmando a simplicidade do cumprimento da sentença coletiva dos planos econômicos, ou atestando a correção do julgamento feito pelo Superior Tribunal de Justiça, mas apenas fazendo uma avaliação partindo dos pressupostos considerados pela maioria vencedora.

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41

caso, ainda que a intenção tenha sido das melhores, essa indispensável

preocupação não existiu62.

O voto vencedor, na verdade, chegou a reconhecer que existiriam

impactos e o cumprimento imediato de sua ordem poderia não ser viável nem

no caso concreto, mas optou por nada avaliar no momento do julgamento:

“Problemas concretos, como o propalado temor de volume de grande monta

para satisfação dos créditos reconhecidos por sentenças condenatórias

proferidas em Ações Civis Públicas, bem que podem merecer o tratamento

adequado proporcional às respectivas dificuldades e peculiaridades, existentes

no sistema jurídico, mas não se irão, aqui, prematuramente indicar”63.

Aqui pecou o Superior Tribunal de Justiça em sua forma de atuação

como Corte Superior. Percebeu um problema no seu posicionamento, mas se

esquivou de dar a solução; preferindo jogar para frente até que chegue a ele

novamente a questão. Não é isto que se espera. Afinal, sendo inviável o

cumprimento da ordem genérica tal como emanada, serão novos recursos

interpostos até que o tema volte a ser analisado pela Corte. Logo, ao invés de

aliviar a carga judiciária, o posicionamento causa um impacto inverso, já que

apenas orienta a tese genérica e geral, sem especificar eventuais

particularidades que, já se sabia à época, existiam e seriam arguidas, o que

criará um novo ciclo recursal completo.

Dos 15 (quinze) Ministros que participaram da sessão de julgamento,

Herman Benjamin, estudioso do tema ação civil pública, foi o único que

demonstrou ampla preocupação com as consequências que a decisão ali

tomada poderia causar não apenas nas ações do tema, mas na sociedade e no

país como um todo. Foi por isso que sugeriu, na hipótese de oposição de

embargos de declaração, já que os votos proferidos até então nada falavam a

62

E não existiu nem no voto vencido, que se limitou a analisar a tese jurídica para chegar a conclusão distinta, sem nada falar sobre as consequências ou a preocupação com o impacto que eventual decisão poderia causar: “Desse modo, à guisa de resumo, verifica-se que, na liquidação/execução individual de sentença genérica proferida em ação civil pública: (I) as relações processuais são objetiva e subjetivamente distintas; (II) a atividade cognitiva é desdobrada em duas fases, a primeira produzindo uma sentença genérica, e a segunda realizando uma ‘liquidação imprópria’; e (III) no caso, a mora é ex persona, exigindo a interpelação (citação) do devedor para sua caracterização. Logo, o termo inicial para incidência dos juros moratórios deve ser a data da citação na liquidação/execução individual da sentença genérica” (fl. 25 do acórdão). 63

Confira fl. 60 do acórdão.

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respeito, a análise da viabilidade e extensão da modulação de efeitos da

decisão tomada.

Defendendo sua posição pela incidência dos juros desde a citação na

ação principal, assim ponderou o Ministro: “Esse desiderato não se opõe a

providências, inclusive no âmbito deste Tribunal, no que tange à execução dos

julgados, em especial à modulação dos efeitos para, assim, numa perspectiva

consequencialista, evitar, no caso concreto, condenações que possam pôr em

risco a estabilidade econômica do País, mormente a sobrevivência de bancos

oficiais, eles próprios agentes do desenvolvimento”64.

Pouco depois complementa: “tenho em mente a responsabilidade

inafastável de qualquer juiz, mormente dos Tribunais Superiores, de zelar pela

integridade da ordem e estabilidade econômicas do País. Perderá muito de seu

valor jurídico-pacificador e da sua própria legitimidade a decisão judicial que

ponha em risco ou solape a própria base, notadamente a pública, da qual se

pretende saiam os recursos financeiros para viabilizar o ressarcimento dos

credores. Em qualquer circunstância, o caos, seja social, sanitário, econômico,

ambiental ou de segurança pública, vem a ser precisamente a única ‘solução’

que o juiz deve, incansavelmente, evitar”65.

Nada mais correto. Como já mencionado, o Superior Tribunal de Justiça

não deve zelar, única e tão somente, pelo direcionamento jurídico da matéria,

resolvendo a questão litigiosa posta com base no ordenamento e dando a

melhor solução do direito, que deverá ser seguida e respeitada nos demais

tribunais do país. Deve existir uma preocupação maior, de orientação da

sociedade como um todo e de manutenção da ordem, em um sentido amplo, tal

como ponderado em seu voto pelo Min. Herman Benjamin.

Em outras palavras, ao se proferir uma decisão com caráter repetitivo, a

Corte não pode se ater, exclusivamente, na melhor solução jurídica, deve

também sopesar as consequências que aquela tomada de decisão gerará, e

não apenas na esfera do direito e dos processos, como bem ponderou o Min.

Herman Benjamin (independente de seu posicionamento no mérito). De toda

forma, resta ainda a dúvida, inclinando-se o autor para uma resposta negativa,

sobre a viabilidade de se criar um precedente repetitivo, portanto vinculante, de

64

Confira fl. 78 do acórdão (destaques no original). 65

Confira fl. 79 do acórdão.

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tal modo genérico como o ocorrido no caso, sem qualquer tipo de modulação

de efeitos.

Nessa linha de raciocínio, portanto, espera-se estejam alinhadas as

duas relevantes e essenciais atuações do Superior Tribunal de Justiça, isto é, a

orientação de interpretação legislativa na esfera federal, ao lado da

preocupação com as consequências que a sua decisão gerará, no intuito de

não apenas uniformizar os entendimentos na esfera do direito, mas manter a

razoabilidade e a ordem na aplicação da posição por ele adotada, evitando-se

consequências catastróficas que poderiam ser geradas em uma análise

exclusivamente jurídica e que não eliminariam, ademais, novos recursos à

Corte. Não se pode deixar de lado, portanto, as peculiaridades que podem vir a

existir no cumprimento casuístico do precedente vinculante.

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2. CABIMENTO E REGRAMENTO DO RECURSO ESPECIAL

2.1. Cabimento

Até 1988, como abordado no capítulo precedente, o judiciário brasileiro

era formado, como Corte Superior, apenas pelo Supremo Tribunal Federal,

competente para julgar os recursos, então sempre chamados de

extraordinários, que questionassem tanto violações da Constituição de 1967,

com redação dada pela emenda nº 1 de 1969, como de lei federal.

Dispunha o art. 119 da Constituição Federal vigente à época, em seu

inciso III, alínea “a”, que seria cabível recurso extraordinário quando a decisão

recorrida “contrariar dispositivos desta Constituição ou negar vigência de

tratado ou lei federal”.

Muito embora única a competência do Supremo Tribunal Federal, a

previsão era distinta para hipóteses de cabimento do recurso, o que se

concebia a partir da interpretação que se dava aos termos contrariar e negar

vigência constantes do dispositivo constitucional, sendo o primeiro utilizado no

que toca à Constituição Federal e o segundo para as leis federais.

“Sempre se entendeu que a expressão contrariar é muito mais ampla e

abrangente que negar vigência. Não que negar vigência se referisse apenas a

negar ou recusar a aplicação de determinado dispositivo legal, dando-o como

revogado. Efetivamente, não era tão restrito o sentido que lhe dava o Supremo

Tribunal Federal. Entretanto, a distinção entre os conceitos de contrariar e

negar vigência, inspirou o Supremo Tribunal Federal a editar a conhecida

Súmula nº 400 de sua jurisprudência”66 que, por sua vez, previa que “decisão

que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza

recurso extraordinário pela letra ‘a’ do art. 101, III, da Constituição Federal”.67

66

PINTO, Nelson Luiz. Recurso Especial para o Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: Malheiros, 1992, pp. 108/109. 67

Compartilhando o entendimento: “O art. 105, III, a, prevê o cabimento do recurso especial contra tais decisões quando elas tiverem contrariado ou negado vigência a tratado ou lei federal. ‘Negar’ vigência consiste em totalmente desconsiderar, não aplicar, uma norma jurídica. ‘Contrariar’ significa aplicar mal equivocadamente. A rigor, bastaria o emprego desse segundo termo para abranger as duas hipóteses, como se fez relativamente ao recurso extraordinário”. WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 16ª ed., vol. 2, 2016, p. 606.

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Logo, o entendimento de se negar vigência se restringia às hipóteses de

não aplicação de preceito de lei a determinado caso por ele regido, ou, então,

quando a interpretação dada pelo Tribunal local, estadual ou federal, fosse

efetivamente absurda, já que a razoável, ainda que distinta daquela pacífica no

Supremo, não bastava para o cabimento do recurso com fundamento na alínea

“a” do art. 119, III, então vigente68.

A Constituição de 1988, ao criar o Superior Tribunal de Justiça e

fragmentar entre tribunais distintos a competência para análise de questões

constitucionais e federais infraconstitucionais, estabeleceu, para estes casos, o

recurso especial. E considerando que “a função do recurso especial, que antes

era desempenhada pelo recurso extraordinário, é a manutenção da autoridade

e unidade da lei federal, tendo em vista que na Federação existem múltiplos

organismos judiciários encarregados de aplicar o direito positivo elaborado pela

União”69, o cabimento advém do simples inconformismo da parte. Na verdade,

continua Humberto Theodoro Jr, a impugnação da parte pela via do especial

“só terá cabimento dentro de uma função política, qual seja, a de resolver uma

questão federal controvertida”70.

Assim, ciente o legislador constitucional das discussões sobre a

amplitude de cabimento e interpretação dos termos constantes da Constituição

Federal até então em vigor, tomou o cuidado de tentar minimizar os problemas

existentes com o objetivo de fazer efetivamente prevalecer a relevante função

do Superior Tribunal de Justiça.

Desse modo, o recurso especial passou a ter previsão de cabimento no

art. 105, III, da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

68

Vale fazer a observação de que o teor da Súmula 400 ia de encontro à disposição da alínea “d” do art. 119, III, da Constituição de 1967, haja vista que previa exatamente o cabimento de recurso extraordinário quando fosse dada “à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal”. Afinal, razoável ou não a interpretação, se era ela divergente daquela do Supremo ou de outro tribunal, era cabível o recurso extraordinário. 69

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, p. 1.121. 70

ob. cit., p. 1.121.

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c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Veja-se que a hipótese de cabimento prevista na letra “a” encerra as

dúvidas, ao consignar que o recurso especial seria cabível tanto quando a

decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, como quando negar-lhes

vigência. Abordando-se ambos os termos como fundamento de interposição do

especial, elimina-se a relevância da discussão acerca da amplitude de cada um

deles, tal como existia na sistemática anterior.

Superado esse debate, o que se nota, pela simples leitura do dispositivo

constitucional, é a indicação de que o recurso especial, inicialmente, apenas é

cabível contra decisões dos Tribunais. Tal previsão, portanto, além de

consignar com outras palavras que o especial apenas pode combater acórdão,

que é a última decisão proferida pelos tribunais — nunca o é a monocrática,

sempre agravável, inclusive nos termos do art. 1.021 do atual Código de

Processo Civil —, afasta o seu cabimento contra decisões, de última ou única

instância de juizados especiais71.

Abram-se parêntesis para apenas esclarecer que a questão não é a

mesma com o recurso extraordinário, já que “a Constituição de 1988 não mais

alude a ‘causas decididas em única ou última instância por outros tribunais’

(texto do art. 119, III, da anterior Constituição da República), mas a ‘causas

decididas em única ou última instância’ (dicção do art. 102, III, da atual

Constituição Federal) (…). Por essa razão, não há óbice à interposição de

recurso extraordinário contra decisão de órgão do Poder Judiciário que não

caracterize Tribunal, se, em única ou última instância, versar sobre matéria

constitucional, como ocorre, por exemplo, em relação às decisões proferidas

pelas turmas a que se refere o art. 41 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de

1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis”72.

O dispositivo constitucional, ademais, estabelece três hipóteses distintas

de cabimento do recurso para o Superior Tribunal de Justiça. Logo, é possível

a interposição do recurso especial quando a decisão recorrida, proferida em

única ou última instância, contrariar, basicamente, lei federal ou a ela negar

71

Inclusive, a Súmula nº 203 do Superior Tribunal de Justiça, assim prevê: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”. 72

MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves, 2ª ed., vol. III. Campinas: Millennium, 1998, p. 250.

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vigência. Isto é, o julgado deverá aplicar erradamente a previsão legal federal

ou, então, negar a sua aplicação em hipótese nitidamente por ela regida73.

A segunda situação, um pouco menos comum, se dá quando a decisão

recorrida (acórdão) considerar regular algum ato do governo local quando este

for questionado em comparação com a previsão da lei federal, ou seja, quando

se alega que o referido ato vai de encontro à norma. Vale lembrar que,

anteriormente à Emenda Constitucional nº 45/2004, a redação da alínea “b”

previa o cabimento do recurso especial quando a decisão julgasse válida lei

local (logo, estadual ou municipal), em face da federal, o que foi alterado para

passar a competência desta hipótese para o recurso extraordinário, de modo a

consignar, acima de dúvidas, que conflitos entre leis locais e federais, já que de

competência delegada pela União, são resolvidos pelo Supremo Tribunal

Federal74.

A alteração da redação da alínea “b”, porém, não eliminou as discussões

teóricas acerca do cabimento dos recursos extraordinário e especial. É

cristalino que a emenda deslocou para o art. 102, III, alínea “d”, da Constituição

Federal, ou seja, como hipótese de cabimento de recurso extraordinário a

decisão que “julgar válida lei local contestada em face de lei federal”, limitando

o recurso especial para questionar o ato do governo local.

Muitas vezes, porém, a efetiva distinção da situação no caso concreto —

ou até mesmo a diferenciação entre as duas hipóteses de cabimento — é muito

tênue, o que pode gerar confusão não apenas na parte recorrente, como para

os próprios magistrados que farão a análise acerca do recurso interposto, se

cabível, e de sua admissibilidade.

O atual Código de Processo Civil amenizou a questão ao prever em

seus artigos 1.032 e 1.033 o redirecionamento do recurso entre os tribunais

superiores, quando interposto especial em situação concreta de cabimento de

extraordinário e vice-versa, evitando-se o não conhecimento e assegurando o

julgamento da pretensão da parte pela Corte competente (cf. item 3.1 abaixo).

73

Aqui se deve considerar lei complementar federal, lei ordinária federal, lei delegada federal, decreto-lei federal, medida provisória federal e decreto autônomo federal para fins de cabimento da violação contida no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal. 74

Constituição Federal: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (…) III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: (…) d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”.

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Com relação à situação restante da alínea “b”, “trata-se de requisito

objetivo, constatável de plano. Basta que o tribunal local tenha julgado válido

ato de governo local, contestado em face de lei federal, para que tenha

cabimento o especial pela alínea b do inc. III do art. 105 da CF/88. Esse

raciocínio significa que prevaleceu o ato de governo local, afastada a lei

federal. Se, todavia, for julgado inválido ato de governo local, dando-se

prevalência à lei federal, à parte vencida não aproveitará a hipótese de

cabimento da alínea b, ora sob foco”75.

Já a terceira hipótese de cabimento do recurso especial se dá quando a

decisão recorrida tenha dado, a determinada lei federal, uma interpretação

distinta daquela que lhe tenha atribuído outro tribunal, seja ele superior,

hierarquicamente equivalente, ou mesmo de competência distinta, como

decisões de tribunais estaduais e regionais federais. Em suma, o que importa

é, em um caso de concreta similitude fática, a distinção da interpretação dada a

um mesmo dispositivo de lei federal, desde que tenha ocorrido em tribunal

distinto, não sendo possível a interposição do especial com fundamento em

divergência fundada em acórdão do próprio tribunal prolator daquele recorrido,

a teor da Súmula nº 13 do Superior Tribunal de Justiça76.

Há, quanto às duas últimas hipóteses de cabimento do especial, certa

discussão doutrinária acerca do caráter autônomo das alíneas que não a “a” do

dispositivo constitucional. Alguns doutrinadores costumeiramente têm chamado

as alíneas “b” e “c” do recurso especial como hipóteses de cabimento,

considerando a alínea “a” como a única hipótese de real fundamento do

especial, tudo a indicar que não seria possível a interposição de maneira

autônoma do recurso sem se demonstrar, efetivamente, a violação à lei federal.

A Professora Teresa Arruda Alvim, inclusive e, por exemplo, sustenta

que deveriam ser tratadas como subalíneas, já que são especificações da

alínea “a”77. A autora argumenta que as hipóteses das alíneas “b” e “c”, na

75

ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 865. 76

Súmula 13 do Superior Tribunal de Justiça: “A divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial”. 77

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3º ed., 2016, pp. 327/328. Na mesma linha: Flavio Cheim Jorge. Recurso especial com fundamento na divergência jurisprudencial. In: Nelson Nery junior e Tereza Arruda Alvim Wambier (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos

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verdade, apenas especificariam situações em que a lei federal poderia ser

violada pela decisão objeto do especial. Em suma, então, na linha de raciocínio

por ela posto, em qualquer das hipóteses haveria uma contrariedade ou uma

negativa de vigência da lei federal, seja por ato do governo local, ou por

interpretação da lei distinta — tida por equivocada pelo recorrente — da que

tenha atribuído à norma outro tribunal. É o mesmo entendimento do Prof.

Eduardo Arruda Alvim78.

A polêmica da questão reside em especial na alínea “c”, ao se analisar

se a divergência jurisprudencial pode ser considerada como uma hipótese

autônoma para a interposição do especial. Como visto, brevemente embora, há

uma corrente que entende a resposta como negativa, ou seja, que deve

sempre haver a indicação de uma violação legal, citando-se como exemplo a

professora Teresa Arruda Alvim, já que tal previsão apenas facilitaria o

julgamento da afronta à lei federal, permitindo a admissão do recurso por uma

divergência de entendimento jurisprudencial.

Aliado a isso, os adeptos de tal linha de raciocínio abordam que o

Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário, também possui

a função de uniformizar a jurisprudência a partir da interpretação que o tribunal

dá à Constituição Federal, ainda que inexista previsão expressa nesse sentido

no próprio texto constitucional. Desse modo, considera-se que para o Superior

Tribunal de Justiça não deveria ser diferente, justificando-se o caráter supérfluo

da alínea “c”, já que se trata de hipótese inerente à própria função do tribunal

superior.

Para Nelson Luiz Pinto, “quando se ingressa com recurso especial com

fundamento na letra ‘c’ do art. 105, III da Constituição Federal, não basta

afirmar-se que a decisão recorrida diverge de outra, proferida por outro

Tribunal. Há necessidade, também, de que a parte alegue e demonstre que a

interpretação acertada da lei federal em questão é aquela constante da decisão

paradigma, e não a contida na decisão recorrida, razão pela qual se pede a

reforma do acórdão, para que prevaleça a tese contrária”.

cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais – 4ª série. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 78

“Tem-se em princípio que as hipóteses de cabimento das alíneas b e c constituem-se, na generalidade dos casos, em subespécies daquela albergada na alínea a. Com efeito, nessas hipóteses é possível falar em contrariedade à lei federal” ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 865.

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Posteriormente, conclui que “se se alega que a interpretação dada, na

decisão recorrida a respeito de determinada lei federal, não é correta, está-se

afirmando, consequentemente, que essa lei federal foi contrariada pelo

acórdão, o que, por si só, possibilitaria o cabimento do recurso especial pela

letra ‘a’ do art. 105, III da C.F.”79.

É, na verdade, o ensinamento de Barbosa Moreira, com outras palavras:

“Acórdão que deu a lei federal interpretação divergente da adotada por outro

tribunal não é, necessariamente, acórdão errado: sua interpretação será talvez

preferível à do acórdão de outro tribunal. A presença da característica

apontada na letra c não implica que o recorrente tenha razão em pleitear a

reforma ou a anulação do acórdão recorrido, a fim de que prevaleça a

interpretação dada à lei federal pelo acórdão de que aquele divergiu. É

perfeitamente possível que a divergência haja de resolver-se em favor do

acórdão recorrido, que interpretou a norma de maneira correta”80.

Sendo polêmico o assunto, há a corrente oposta, que argumenta ser

cada uma das três alíneas do inciso III do art. 105, da Constituição Federal,

hipóteses independentes de cabimento do especial, afinal, seria exatamente

essa a literalidade da previsão constitucional. Entender-se na linha de não

haver autonomia entre as alíneas, existindo uma dependência da hipótese “a”,

estar-se-ia esvaziando por completo os dois outros comandos constitucionais.

A partir desse racional, os autores que argumentam pela autonomia, em

especial da alínea “c”, pregam não apenas o esvaziamento de sua utilidade e

previsão, mas também a necessidade de se prestigiar a possibilidade do

Superior Tribunal de Justiça atuar no intuito de uniformizar a jurisprudência dos

tribunais do país, independente de existir uma expressa violação de lei na

decisão recorrida.

Esse entendimento é refletido nas ponderações de Fredie Didier Jr.,

“(…) O segundo entendimento esvazia o conteúdo do comando constitucional

previsto na letra ‘c’, ignorando, exatamente, que o objetivo do texto normativo é

o de permitir que o Superior Tribunal de justiça uniformize a interpretação da lei

federal e, com isso, forneça paradigmas que tornem mais previsíveis as

79

Ob. cit. Pp. 117/118. 80

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, vol. 5, pp. 163/164.

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decisões judiciais, diminuindo a insegurança jurídica. Toda interpretação que

favoreça a uniformização da jurisprudência deve ser prestigiada. O sistema

jurídico brasileiro é estruturado partindo-se dessa premissa (arts. 926-927,

CPC). Ademais, é preciso lembrar que o inciso III do art. 105 da CF/1988

consagra um direito de acesso aos tribunais superiores, cuja interpretação não

pode ser restritiva”81.

Não obstante a discussão doutrinária, inclusive com parte da doutrina

considerando um absurdo lógico82 o conhecimento de um recurso especial pela

alínea “c” e não pela “a”, não é esse o entendimento que tem prevalecido no

Superior Tribunal de Justiça — ainda que existam julgados em sentido

contrário —, que vem privilegiando a autonomia das hipóteses de cabimento

previstas no texto constitucional, como fez no recurso especial 332.376 de

relatoria do Min. Franciulli Netto, 2ª Turma, j. 24.03.03.

Resta claro que há razoáveis fundamentos para alinhar-se a qualquer

uma das duas correntes. É certo, porém, que não se pode simplesmente

ignorar a previsão constitucional, que lista três hipóteses distintas de cabimento

do recurso especial, para se considerar a existência de apenas uma delas, com

duas subsidiárias, o que, ao menos em teoria, limitaria os direitos dos

interessados, já que restringiria o cabimento do especial.

Muito embora não seja fácil exemplificar na prática uma hipótese em que

o dissídio jurisprudencial esteja completamente dissonante de uma violação de

lei, haja vista que não é viável se considerar duas interpretações distintas como

possíveis para uma mesma disposição legal, isto é, ou um tribunal interpretou

corretamente, de acordo com a lei, ou o outro, o que faria o especial, ainda que

por tabela, se fundar em afronta a dispositivo de lei federal; não se pode

simplesmente vedar tal hipótese, como se não fosse ela a efetiva previsão

constitucional.

Assim, por maior que seja a dificuldade de visualizar tal situação na

prática, parece que a melhor leitura realmente é aquela que reflete a disposição

da Constituição Federal, com três hipóteses distintas e independentes que

81

DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., p. 349. 82

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. DANTAS, Bruno. ob.cit., p. 334.

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justificam a interposição de recurso especial, evitando-se restrições não

previstas no texto constitucional.

2.2. Regramento do recurso especial

Conforme dicção do art. 1.029, o recurso especial deve ser interposto

perante o Presidente ou Vice-Presidente dos Tribunais locais (estaduais e

regionais federais), conforme regimento interno dos respectivos Tribunais,

abordando indispensavelmente os seguintes pontos: (i) a exposição do fato e

do direito; (ii) a demonstração do cabimento do recurso interposto; e (iii) as

razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida.

Esclareça-se que, na hipótese de ser interposto o recurso especial

conjuntamente com o extraordinário, devem o ser em petições distintas.

A priori, o recurso especial não será dotado de efeito suspensivo, que

poderá ser extraordinariamente requerido nos termos do art. 1.029, § 5º,

incisos I, II e III, do Código vigente, quando justificado o perigo de dano

irreversível, aliado à probabilidade de provimento da pretensão, exatamente na

mesma linha dos pedidos suspensivos dos demais recursos. A pretensão de

sustar a eficácia do acórdão recorrido será dirigida ao Superior Tribunal de

Justiça “no período compreendido entre a publicação de admissão do recurso e

sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para

julgá-lo”; para o próprio “relator, se já distribuído o recurso”; ou, então, ao

magistrado competente pela análise da admissibilidade no tribunal local, “no

período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da

decisão de admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido

sobrestado”.

É importante, já no início, ressaltar que não raramente o Superior

Tribunal de Justiça aplica por analogia a Súmula nº 28483 do Supremo Tribunal

Federal para justificar a não admissão, ou o não conhecimento de recurso

especial interposto. Por isso, o recorrente deve se atentar em suas razões para

83

Súmula nº 284 STF: “é inadmissível recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.

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bem expor os fundamentos e as violações de lei que justificam a admissão de

seu recurso, sob pena de vê-lo ter seguimento negado84.

Interposto o recurso, será a parte contrária intimada a respondê-lo no

prazo de 15 (quinze) dia e, ao final do referido prazo, com ou sem a

apresentação das contrarrazões, o Presidente ou o Vice-Presidente do Tribunal

deve proceder ao juízo provisório de admissibilidade, tal como prevê o art.

1.030 do diploma em vigor.

Diz-se provisório, pois a admissibilidade do recurso interposto será

novamente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça que, de maneira

alguma, se vincula ao posicionamento exarado pelo Tribunal de origem,

devendo fazer então o juízo definitivo da admissibilidade recursal. O especial e

o extraordinário são, inclusive, os únicos recursos que possuem dupla análise

de sua admissibilidade de acordo com a atual sistemática85.

Nesse momento, vale relembrar que o Código de Processo Civil

originalmente aprovado e sancionado previa em seu art. 1.030 que, uma vez

encerrado o prazo para apresentação de resposta ao recurso direcionado a

uma das Cortes Superiores, os autos deveriam ser a elas remetidos, conforme

o caso. Desse modo, a partir da redação original dada ao código, também o

especial e o extraordinário, como o recurso de apelação, não se submetiam a

um juízo duplo de admissibilidade. Ocorre que o procedimento foi

drasticamente alterado, antes mesmo da entrada em vigor do Código, pela Lei

13.256 de 4 de fevereiro de 2016 que, entre outros aspectos, trouxe de volta,

tal como no diploma de 1973, um primeiro juízo de admissibilidade para o

84

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 126, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SÚMULA 280/STF. VIOLAÇÃO AO ART. 620 DA CLT. ALUSÃO DE FORMA VAGA AO DISPOSITIVO. SÚMULA 284/STF. SIMPLES REITERAÇÃO DAS ALEGAÇÕES VEICULADAS NO RECURSO ANTERIOR. (…) II - A ausência de demonstração precisa de como a violação ao dispositivo de lei federal teria ocorrido, limitando-se a parte recorrente em, apenas citar, de forma vaga, o aludido dispositivo, impede o conhecimento do recurso especial, pela aplicação, por analogia, do entendimento da Súmula 284, do Colendo Supremo Tribunal Federal. II - O Agravante não apresentam argumentos capazes de desconstituir a decisão agravada. III - Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 185.799/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 11/03/2015). 85

A considerar a sistemática do Código de Processo Civil de 1973, o recurso de apelação

também se submetia ao duplo juízo de admissibilidade: em 1º Grau e no Tribunal. O projeto do novo CPC havia excluído a dupla admissibilidade de todos os recursos, mas a Lei nº 13.256/16 o estabeleceu novamente para o especial e o extraordinário.

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Tribunal de origem, restabelecendo-se, portanto, o juízo de admissibilidade

bifásico86.

Cumpre relembrar, também, que “a matéria relativa à admissibilidade

recursal é de ordem pública, não estando sujeita à preclusão, por se tratar de

norma cogente, sendo que deve ser apreciada, de ofício, pelo órgão julgador,

ainda que a parte interessada tenha deixado de apontar a falta dos requisitos

para a interposição de determinado recurso em suas contrarrazões”87.

Para a análise específica da admissibilidade com relação à alínea “c” do

art. 105, III, da Constituição Federal, o § 1º do art. 1.029 do Código de

Processo Civil traz a necessidade de se juntar cópia ou fazer referência a

repositório oficial quando o recurso especial for interposto também por dissídio

jurisprudencial, impondo, ainda, a essencialidade de se realizar o cotejo-

analítico entre o acórdão recorrido e o paradigma – demonstrando-se as

semelhanças entre eles, a fim de justificar a divergência alegada.

As obrigações constantes do referido parágrafo estão refletidas também

no regimento interno do Superior Tribunal de Justiça, em seu art. 25588,

86

“Interposto o recurso excepcional, perante o tribunal a quo, o recorrido é intimado para apresentar resposta e, finalizado esse prazo, os autos do processo são conclusos ao presidente ou vice-presidente para adotar uma das providências previstas nos incisos do art. 1.030 do CPC/2015, dentre as quais a de realizar o primeiro juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais. Verifica-se, assim, que esse dispositivo, incluído pela Lei 13.256, de 04 de Fevereiro de 2016, reintroduziu o duplo juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais que não constava do texto original do Código de Processo Civil de 2015, pois primeiramente o Código de Processo Civil de 2015 determinava a interposição do recurso excepcional no tribunal a quo e sua remessa imediata às Cortes Superiores, sem realizar qualquer juízo de admissibilidade. O art. 1.030 do CPC/2015, entretanto, estabelece uma série de possíveis atos que devem ser concretizados ainda no tribunal recorrido, prescrevendo a prática de atos que otimizam a uniformização da jurisprudência dos Tribunais Superiores” (AURELLI, Arlete Inês. CIMARDI, Cláudia Aparecida. O juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais no Código de processo Civil de 2015, in Questões Relevantes sobre Recursos, Ações de Impugnação e Mecanismos de Uniformização da Jurisprudência após o primeiro ano de vigência do novo CPC. Coord. Bruno Dantas, Cassio Scarpinella Bueno, Cláudia Elisabete Shwerz Cahali e Rita Dias Nolasco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 180). 87

Ob. citada, p. 177. 88

RISTJ. “Art. 255. O recurso especial será interposto na forma e no prazo estabelecido na legislação processual vigente, e recebido no efeito devolutivo, salvo quando interposto do julgamento de mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas, hipótese em que terá efeito suspensivo. § 1º Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na internet, com indicação da respectiva fonte, devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. § 2º revogado. § 3º São repositórios oficiais de jurisprudência, para o fim do § 1º deste artigo, a Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Revista do Superior Tribunal de Justiça e a Revista Tribunal

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alterado para ficar justamente alinhado com o novo processo civil pela Ementa

Regimental nº 22 de 2016.

Especificamente com relação à obrigação contida na parte final dos

dispositivos, legal e regimental, deve a parte recorrente expor em suas razões

recursais, detidamente, que o acórdão recorrido deu à lei federal interpretação

divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal, explorando as semelhanças

fáticas e a conclusão distinta. É o que se chama de cotejo analítico dos

acórdãos, não bastando a mera transcrição das ementas do julgado recorrido e

do paradigma, como entende pacificamente o próprio Superior Tribunal de

Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO RESCISÓRIA (…) DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA - AUSÊNCIA DO EXIGIDO COTEJO ANALÍTICO E DE SIMILITUDE FÁTICA E JURÍDICA ENTRE OS JULGADOS. (…) III - O dissídio jurisprudencial deve ser demonstrado com o exigido cotejo analítico entre os julgados mencionados, observada a similitude fática e jurídica, de modo que inviável o inconformismo apontado pela alínea “c” do permissivo constitucional sem o cumprimento de tais requisitos. Anote-se, ademais, que a simples transcrição de ementas não é bastante para a configuração da divergência. Agravo regimental improvido.” (AgRg no Ag 743.441/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 30/09/2008)89.

Para encerrar os requisitos específicos da divergência jurisprudencial, é

importante ressaltar que ela deve ser atual, o que significa dizer que não pode

se fundar em entendimento já superado pelo próprio tribunal prolator do

acórdão paradigma. É o que, em outras palavras, restringe a Súmula nº 83 do

Superior Tribunal de Justiça: “não se conhece do recurso especial pela

divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da

decisão recorrida”.

Federal de Recursos e, autorizados ou credenciados, os habilitados na forma do art. 134 e seu parágrafo único deste Regimento”. 89

São vários os exemplos no mesmo sentido: REsp nº 420841⁄RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª T., j. 13.05.08, DJe 26.05.08; REsp nº 1032578⁄RJ, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., j. 13.05.08, DJe 21.05.08; AgRg no REsp nº 876031⁄MS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., j. 03.04.08, DJe 17.04.08.

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A doutrina bem explica esse ponto: “Não se trata de problema ligado à

antiguidade da decisão. Esta pode ter sido proferida há muitos anos, mas será

adequada para o confronto se se referir ao mesmo texto legal. O que não se

admite é a utilização de jurisprudência ultrapassada, quando o tema já foi

interpretado de maneira diferente no próprio tribunal, no Supremo Tribunal

Federal ou no Superior Tribunal de Justiça”90.

Por sua vez, o § 2º do art. 1.029, impunha a obrigação de se justificar e

fundamentar corretamente em caso de inadmissibilidade do recurso por

dissídio jurisprudencial, não bastando que se dissesse não haver semelhança

entre o acórdão recorrido e o paradigma — tratava-se de reflexão do art. 489,

que apresenta a necessidade de ampla fundamentação das decisões judiciais,

com um padrão mínimo —, mas a previsão foi revogada pela controversa Lei nº

13.256/16.

Não se pode dizer, porém, que a obrigação de devidamente

fundamentar a decisão de inadmissibilidade, seja ela qual for, deixou de existir,

já que ainda permanece como obrigação do magistrado a partir da regra

constante do art. 489, § 1º, do Código de Processo Civil91, que estabelece

90

De um modo geral, o autor cita precisamente os seguintes pontos para a viabilidade da interposição do recurso especial pela alínea “c” do art. 105, III, da Constituição Federal, além do já mencionado acima: “A divergência de interpretação dada a norma federal, para que seja relevante, para fins de recurso especial, deve obedecer aos seguintes requisitos: 1) o acórdão confrontado não pode ser do mesmo tribunal em suas câmaras, turmas ou seções. A divergência interna não enseja recurso especial, exigindo-se decisão de outro tribunal; 2) o acórdão confrontado deve ter sido proferido em última instância ordinária, não valendo como divergente a decisão se no tribunal ainda poderiam caber, por exemplo, embargos infringentes [não mais existentes]. A divergência pode ser, contudo, com decisão do próprio Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, porque são outros tribunais. 3 a interpretação dada à lei federal pelo acórdão que serve de paradigma não pode encontrar-se superada no próprio tribunal de origem ou pela jurisprudência dos tribunais superiores (…) 4) ainda, a divergência deverá estar explícita no corpo do acórdão e não na ementa, que é meramente explicativa, devendo, também, ter sido a interpretação a razão de decidir; 5) finalmente, para que a divergência seja considerada, é necessário que o acórdão divergente esteja comprovado por certidão ou esteja transcrito em repertório oficial ou reconhecido cuja referência deve ser expressa, transcrevendo-se os trechos conflitantes” (GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 20ª ed., vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 374). 91

“Art. 489, § 1º. não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

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todos os parâmetros para se considerar como adequada a fundamentação de

uma decisão judicial.

Nesse momento, não se pode deixar de expor a sempre precisa lição do

mestre Barbosa Moreira sobre o conceito dos termos na análise do recurso

especial, quando diferencia o juízo de admissibilidade do juízo de mérito: “A

linguagem tradicional do fôro não ignora tal distinção. Nossa prática judiciária

de há muito consagrou as expressões ‘conhecer’ ou ‘não conhecer’ do recurso,

de um lado, e ‘dar provimento’ ou ‘negar provimento’, de outro. Nessa dupla

alternativa fielmente se espelha o teor do fenômeno que estamos analisando.

Quando o órgão judicial resolve conhecer do recurso, profere juízo positivo de

admissibilidade; quando resolve dele não conhecer, profere juízo negativo de

admissibilidade (ou juízo de inadmissibilidade). Em conhecendo do recurso,

tem o órgão de julgá-lo no mérito: caso se convença de que o recorrente tem

razão, ou de que a matéria devolvida ope legis não foi corretamente apreciada

pelo juízo a quo, dá-lhe provimento; na hipótese contrária, nega-lhe

provimento. Semelhante decisão corresponde à de procedência ou

improcedência da demanda”92.

2.2.1. Impugnação da decisão negativa de admissibilidade

Encerradas as breves digressões prévias à admissibilidade, realizada

esta positivamente, o processo será remetido ao Superior Tribunal de Justiça;

se negativa93, poderá ser objeto de recurso. Este será o agravo, a ser remetido

para o Tribunal Superior, previsto no art. 1.042, com exceção das situações em

que negado o seguimento por decisão “fundada na aplicação de entendimento

firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos

92

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Juízo de Admissibilidade no Sistema dos Recursos Civis. Imprenta: Rio de Janeiro, 1968, pp. 33/34. 93

“(…) a lei distingue as hipóteses em que o presidente ou vice-presidente do tribunal a quo ‘nega seguimento’ (CPC 1.030, I) ao recurso, dos casos em que ele ‘profere juízo de admissibilidade’ (CPC, 1.030, V). Na verdade, negar seguimento significa proferir juízo negativo de admissibilidade, pois tranca a via recursal e impede o recurso seja julgado pelo mérito. (…) Doutra parte, não é ocioso dizer que, como negativa de seguimento (CPC, 1.030, I) caracteriza situação detrimentosa, restritiva do direito do recorrente, as hipóteses em que a lei prevê deva o tribunal a quo negar seguimento ao recurso são de interpretação estrita, vedada a aplicação analógica ou extensiva a situações assemelhadas” (NERY JR. Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2.330).

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repetitivos”, situação em que o recurso cabível é o agravo interno, que será

analisado pelo Órgão Especial ou pelo Pleno do tribunal de origem, a depender

da previsão do respectivo regimento interno.

Em suma, portanto, apenas será cabível o agravo previsto no art. 1.042

para as hipóteses em que o recurso não for admitido com base no art. 1.030, V,

por força da previsão expressa de seu § 1º94, todos do Código de Processo

Civil.

Já para as situações previstas nos incisos I e III do art. 1.030, o recurso

cabível é o agravo interno, tal como prevê expressamente o § 2º do mesmo

dispositivo95. Essa previsão possui um racional, uma vez que as hipóteses de

referidos incisos demanda o distinguishing, ou seja, a demonstração de que o

caso concreto não se assemelha ao precedente utilizado como parâmetro para

sua análise e consequente negativa de prosseguimento96.

É o que conceitua o Ministro Gilmar Mendes ao dispor que o

distinguinshing consiste “na prática utilizada pelos tribunais para fundamentar a

94

“Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado a apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: (…) § 1º Da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042”. 95

“Art. 1.030. § 2º Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021”. 96

“O distinguishing expressa a distinção entre casos para o efeito de se subordinar, ou não, o caso sob julgamento a um precedente. A necessidade de distinguishing exige, como antecedente lógico, a identificação da ratio decidendi do precedente. Como a ratio espelha o precedente que deriva do caso, trata-se de opor o caso sob julgamento à ratio do precedente decorrente do primeiro caso. Assim, é necessário, antes de mais nada, delimitar a ratio decidendi, considerando-se os fatos materiais do primeiro caso, ou seja, os fatos que foram tomados em consideração no raciocínio judicial como relevantes ao encontro da decisão. De modo que o distinguishing revela a demonstração entre as diferenças fáticas entre os casos ou a demonstração de que a ratio do precedente não se amolda ao caso sob julgamento, uma vez que os fatos de um e outro são diversos. (...) Diferenças fáticas entre casos, portanto, nem sempre são suficientes para se concluir pela inaplicabilidade do precedente. Fatos não fundamentais ou irrelevantes não tornam casos desiguais. Para realizar o distinguishing, não basta o juiz apontas fatos diferentes, cabendo-lhe argumentar para demonstrar que a distinção é material, e que, portanto, há justificativa para não se aplicar o precedente. Ou seja, não é qualquer distinção que justifica o distinguishing. A distinção fática deve revelar uma justificativa convincente, capaz de permitir o isolamento do caso sob julgamento em face do precedente. Note-se que exatamente pela circunstância de que o distinguishing depende de justificativa, há que se ter uma pauta racional uniforme na identificação dos seus critérios. Ou melhor, há que se uniformizar a aplicação dos próprios critérios para a realização do distinguishing, criando-se aí também uma obrigação de se respeitarem as decisões passadas.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 326/327).

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não aplicação do precedente a determinado caso”97. Sobre o tema,

complementa Antonio Gidi “se o juiz considera que o precedente não é

aplicável ao caso sob sua jurisdição porque os fatos são diferentes, ele deve

distinguir (to distinguish) os fatos do processo dos fatos do precedente. Se não

for possível distingui-los, ele deve aplicar o precedente e indicar em sua

decisão as razões pelas quais considera que o precedente deve ser modificado

pelo tribunal superior (to overrule)”98.

Logo, na hipótese do inciso I, alínea “b”, do mencionado art. 1.030, que

versa especificamente sobre o recurso especial, o Presidente ou Vice-

Presidente do Tribunal de origem deverá negar seguimento “a recurso

extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em

conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior

Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de

recursos repetitivos”.

Portanto, a parte recorrente, quando for negado seguimento ao seu

especial por força de entendimento que tenha prevalecido em recurso repetitivo

analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, poderá impugnar a

decisão por meio do agravo interno. Claramente, a impugnação não deverá

versar sobre o acerto ou o erro do entendimento sufragado pelo Superior

Tribunal de Justiça no regime dos recursos repetitivos, mas sim buscará

demonstrar que a hipótese objeto de seu especial é distinta daquela já

analisada pela Corte, o que justificaria, por consequência, o processamento e

eventual admissão do recurso interposto.

Se, ainda assim, não for acolhido o agravo interno, o interessado não

pode se ver de mãos atadas e precisará de uma alternativa para ver seu

recurso corretamente julgado. Aqui reside significativa controvérsia na doutrina,

enquanto o Superior Tribunal de Justiça ainda não se manifestou, ao menos

colegiadamente, sobre o tema, a fim de esclarecer a questão que ficou no ar,

97

MENDES, Gilmar Ferreira. A ação declaratória de constitucionalidade: a inovação da EC 2, de 1993 in Ação Declaratória de constitucionalidade, coord. Ives Gandra Martins e Gilmar Mendes Ferreira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 57, nota de rodapé 25 apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e Súmula vinculante, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 197. 98

Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e Súmula vinculante, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 197/198.

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completamente sem resposta, pela nova legislação, a doutrina já vem

começando a adotar certos posicionamentos.

É certo, como defendem Nelson Nery Jr. e Georges Abboud em recente

artigo publicado pela Revista de Processo, que não se pode simplesmente não

existir um recurso e a análise da admissibilidade recursal ser feita

definitivamente pelo órgão a quo, quando essa competência é, invariavelmente

do órgão ad quem99. Resta saber, nesse sentido, qual seria a medida

adequada para fazer prevalecer a competência constitucional dos Tribunais

Superiores.

Para parte da doutrina, então, restará aberta, como única alternativa

para o recorrente, a reclamação para o Superior Tribunal de Justiça, com

fundamento no art. 988, IV, § 4º, do Código de Processo Civil100, haja vista a

aplicação equivocada da tese firmada em sede de recurso repetitivo. A

reclamação, porém, só pode ser apresentada previamente ao trânsito em

julgado da decisão reclamada, na linha da previsão expressa do inciso I, do §

5º do citado dispositivo, o que, invariavelmente, obriga a parte a continuar

impugnando a decisão, ainda que rejeitados seus argumentos, correndo risco

de multas por caráter protelatório, apenas para manter viva a possibilidade da

reclamação ser apresentada e conhecida.

Prolongar-se-ia o término do processo com o objetivo de ver a matéria

de direito corretamente analisada, evitando-se injustiças ou equívocos

99

“Desse modo, é competente, de modo definitivo, para proferir os juízos de admissibilidade e de mérito dos recursos, o tribunal ad quem, isto é, o tribunal destinatário do recurso, aquele a quem a CF (LGL\1988\3) e a lei conferem a tarefa de julgar o inconformismo manifestado por meio do recurso. O STF e o STJ, a quem a CF (LGL\1988\3) confere competência para julgar RE e REsp, respectivamente, não podem declinar desse mister constitucional. Também não se pode ‘delegar’ para outro tribunal, a competência para proferir definitivamente os dois juízos (admissibilidade e mérito) – ou apenas um deles (admissibilidade) – do recurso. Ao determinar a tão só impugnabilidade por agravo interno para o próprio tribunal a quo, da decisão do relator que nega seguimento ao RE/REsp com fundamento no CPC (LGL\2015\1656) 1030 I e III, o CPC (LGL\2015\1656) 1030 § 2º praticamente obstaculiza a via recursal para os Tribunais Superiores, fazendo com que a causa termine definitivamente no tribunal local, sem que tenha havido oportunidade de a mesma causa, recorrível por RE/REsp, ser analisada pelo STF e/ou STJ. Não se pode impedir que o tribunal competente (STF e STJ) julgue a admissibilidade definitiva dos recursos que, pela CF 102 III e 105 III, têm eles a competência para julgar”. (NERY JR., Nelson. ABBOUD, Georges. Recursos para os Tribunais Superiores e a Lei 13.256/2016 in Revista de Processo, vol. 257/2016, p. 217-235, jul/2016, pp. 10/11). 100

“Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: (…) IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; (…) § 4º As hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam”.

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perceptíveis do Judiciário, na aplicação equivocada de um precedente

repetitivo. Para parte da doutrina, então, seria essa a solução encontrada pelo

legislador para tentar acomodar a celeridade necessária, força dos

precedentes, sem encerrar, por outro lado, a possibilidade da parte evidenciar

que determinado caso àquele entendimento consolidado não deve se

submeter.

Quanto a esse ponto, porém, parece a reclamação não ser a melhor

alternativa. Há outra corrente, adepta de que, na hipótese do agravo interno

não ser acolhido, “cabe o agravo ao Tribunal Superior, dado que a competência

definitiva para a admissibilidade do RE/REsp é, sempre, do tribunal ad quem

isto é, do STF e do STJ, conforme o caso, a fim de que se dê operatividade e

cumprimento aos comandos emergentes da CF 102 III e 105 III”101.

Não se discorda quanto à indispensável necessidade de se manter a

competência constitucional para a análise final da admissibilidade recursal,

entretanto, a interposição do agravo previsto no art. 1.042 do Código de

Processo Civil contra decisão colegiada do órgão a quo não reflete a melhor

alternativa, já que se trata de uma criação doutrinária carente de embasamento

processual.

Portanto, inclina-se esse trabalho para o lado de doutrinadores que

defendem o cabimento de novo recurso especial ou até extraordinário, que

possui o mesmo objetivo do agravo acima mencionado, mas com previsão

legal distinta, já que haveria uma violação de lei a justificar o seu cabimento.

Em tais recursos, porém, não se repetiria a argumentação daquele

interposto anteriormente, ao qual foi negado seguimento, mas sim exploraria a

violação legal (no caso do especial) cometida pelo acórdão que negou

provimento ao regimental, ou dele não conheceu, ceifando a possibilidade de

análise pelo Superior Tribunal de Justiça — órgão constitucionalmente

competente para a análise definitiva da admissibilidade de recurso especial —

de questão que ainda não foi a ele submetida, já que distinta do precedente

utilizado como parâmetro.

Faria mais sentido a interposição, na situação aqui exemplificada, de

novo recurso especial contra o acórdão do órgão competente do Tribunal

101

NERY JR., Nelson. ABBOUD, Georges. Recursos para os Tribunais Superiores e a Lei 13.256/2016 in Revista de Processo, vol. 257/2016, p. 217-235, jul/2016, pp. 11/12.

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Estadual ou Regional Federal, do que a simples apresentação de agravo com

fundamento no art. 1.042 do atual diploma, como isoladamente já se viu ser

defendido102, eis que o conteúdo decisório se encaixa exatamente na exceção

legal de cabimento do referido agravo, isto é, quando a decisão a ser atacada

for “fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão

geral ou em julgamento de recursos repetitivos”.

Não parece, portanto, ser caso de novo agravo, revelando-se, ao menos

para o autor, a alternativa mais viável a interposição de um novo recurso

especial, como acima mencionado. O que é certo, porém, é que alguma

medida há que ser cabível, não sendo viável simplesmente nada ter o

interessado a fazer se impossibilitado o trânsito de seu recurso especial por

uma análise errada de um precedente.

Há ainda, vale citar, uma corrente mais drástica, que entende não ser

razoável sequer o cabimento do agravo interno nas hipóteses aqui tratadas, de

negativa de seguimento com aplicação de precedente consolidado nas Cortes

Superiores, já que, na verdade, tal ato pelos Tribunais de origem nada mais é

102

“O cabimento do agravo do CPC 1042 contra a decisão colegiada do TRF ou TJ que, ao julgar o agravo interno, mantém a decisão do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal que negou seguimento ao RE/REsp ou julgou a questão do sobrestamento, é conclusão que se extrai do sistema constitucional, para que se dê ao CPC 1030 parágrafo 2.° e CPC 1042 caput, que esteja em conformidade com o texto constitucional, que fixa a competência do STF e do STJ para julgar o RE ou REsp, respectivamente. Isto significa que a sistemática trazida pela reforma constante da L 13256/2016 (DOU 5.2.2016) só não será inconstitucional se se der aos dispositivos aqui mencionados interpretação conforme a Constituição. Criou-se, na verdade, mais uma etapa para o juízo de admissibilidade de RE/REsp: negado seguimento ao recurso ou julgada a questão do sobrestamento, o recorrente não poderá interpor agravo diretamente no STF/STJ, mas sim deverá interpor agravo interno (CPC 1021) para o colegiado tribunal local. Este é o passo criado pela L 13256/2016. O entendimento contrário, de que não caberia nenhum recurso do acórdão que resolver o agravo interno, estaria sendo subtraída a competência constitucional do STF/STJ, ou, caso os tribunais superiores concordem com esse sistema, estariam renunciado à competência constitucional, o que é inadmissível. O sistema do CPC foi todo criado e concebido para que o juízo de admissibilidade do RE/REsp fosse feito diretamente no tribunal competente: STF/STJ. Ao modificar-se o sistema originário pela L 13256/2016, onerou-se sobremodo os tribunais regionais federais e os tribunais de justiça, cujo colegiado terá de resolver número considerável de agravos internos interpostos contra decisão proferida pelo Presidente ou Vice-Presidente. (…) Contra a decisão monocrática do presidente ou vice-presidente do tribunal de origem que negar seguimento a RE e/ou REsp, nos casos do CPC 1030 I (negar seguimento ao RE e/ou REsp) e III (sobrestar o andamento do RE e/ou REsp), não cabe, pela via direta, agravo para o STF e/ou STJ, mas agravo interno para órgão colegiado do próprio tribunal a quo (CPC 1021). Contra a decisão do colegiado do tribunal a quo proferida no julgamento do agravo interno, se não conhecido ou negado provimento ao agravo, subsistindo, portanto, a decisão do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local, cabe o agravo do CPC 1042. Além do agravo do CPC 1042, pode caber, em tese, outro RE ou REsp, conforme o caso e se preenchidos os pressupostos constitucionais da CF 102 III e 105 III, respectivamente” (NERYJR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, página 2.390/2.391 e 2.334).

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do que utilização de competência delegada dos próprios Tribunais Superiores.

Essa corrente é reflexo de entendimento que já tinha ganhando forma na

vigência do Código de Processo Civil de 1973, haja vista que, além do

Presidente ou Vice-Presidente estar agindo por competência delegada do

Tribunal Superior, do acórdão que julgar o agravo interno caberia,

supostamente, novo recurso especial e novo extraordinário103. Ou seja, todo o

percurso do julgamento do agravo interno seria completamente desnecessário

e apenas tomaria tempo do processo, porque a partir de sua rejeição, novos

recursos para as Cortes Superiores seriam interpostos, para levar a elas, em

essência competentes para a análise do tema, o julgamento da matéria

controvertida. Esta corrente, esclareça-se, não se revela majoritária.

O recurso especial contra o acórdão do agravo regimental seria cabível,

também, quando a parte buscar a alteração do entendimento consolidado, “é

que, tendo em vista a função desempenhada pelos tribunais superiores em

relação à definição da inteligência da Constituição e da lei federal (cf.

comentário do art. 1.029 do CPC/2015), a eles também incumbirá a grave

tarefa de revisar e atualizar seus próprios precedentes. Sendo assim, p.ex.,

caso a parte identifique motivo para a superação da tese firmada em

julgamento do recurso especial repetitivo (sobre esses motivos, cf. comentário

ao art. 927 do CPC/2015), deve-se admitir recurso especial contra o acórdão

proferido pelo órgão colegiado do tribunal local que rejeitar o agravo interno

interposto com base no § 2.º do art. 1.030 do CPC/2015. (...) Concordamos

com esse ponto de vista e acrescentamos que, havendo motivo para a

superação de entendimento firmado, o recurso especial terá por fundamento

103

“Já contra as decisões indicadas nos itens i, ii, iii e v, acima, caberá agravo interno, no prazo de quinze dias, a ser julgado pelo órgão colegiado indicado como competente no regimento interno do tribunal a quo (art. 1.030, § 2º, na redação dada pela Lei 13.256/2016). Essa regra reflete uma orientação jurisprudencial adotada pelo STF e o STJ ainda na vigência do CPC/1973. Só se justifica pela perspectiva desses tribunais de tentarem diminuir um pouco de sua avassaladora carga de trabalho, pois: (1º) o presidente ou vice presidente do tribunal local, ao proceder ao exame de admissibilidade do recurso extraordinário ou especial atua por delegação do STF ou STJ, respectivamente — e não por delegação de qualquer órgão colegiado de seu tribunal. Sob esse aspecto, não se justifica remeter o reexame da questão a um órgão interno do tribunal local; (2º) a decisão do agravo interno será retratada em um acórdão, contra o qual poderão caber, novamente, recursos especial e extraordinário. Ou seja, sob a perspectiva do judiciário como um todo, trata-se de solução antieconômica e que conspira para uma duração ainda maior do processo” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 16ª ed., vol. 2, 2016, p. 615).

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violação ao art. 926, caput do CPC/1973 – que exige a jurisprudência seja

íntegra”104.

Com relação ao inciso III do art. 1.030, Código de Processo Civil, a

determinação ao Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal local é para

“sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda

não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de

Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional”.

Após decisão nessa linha, a forma de atuação da parte deverá ser

rigorosamente igual à hipótese do inciso I do mesmo dispositivo, já que

precisará demonstrar a distinção do seu caso daquele utilizado como

parâmetro para a suspensão, haja vista que de nada prestará sustar o

andamento de um processo pela pendência de julgamento de um recurso

repetitivo ao qual não se submeterá o recurso suspenso.

É possível perceber, então, o intuito do legislador de não apenas

privilegiar e dar mais força ao sistema de precedentes, como, por

consequência, de estreitar a via dos recursos excepcionais, evitando-se a

remessa de casos já tratados pelo Superior Tribunal de Justiça, para se

restringir aqui à matéria objeto do trabalho, assim como de outros que se

submeterão a precedente repetitivo que está pendente de julgamento,

evitando-se, desse modo, a remessa desnecessária do recurso para Brasília.

Alinhada com esse intuito é a previsão, ainda do art. 1.030, II, segundo a

qual, previamente a efetuar o juízo de admissibilidade, se for verificado que o

acórdão recorrido está em dissonância com entendimento pacificado em sede

de recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça, o processo deve ser

devolvido ao órgão julgador para que possa fazer o juízo de retratação, a fim

de, também nesta hipótese, evitar a remessa desnecessária de mais um

processo à Corte Superior.

A limitação da chegada de recursos aos tribunais superiores, desde que

feita com razoabilidade, como no caso do inciso II acima mencionado, é salutar

para o sistema processual, pois evita a intervenção das Cortes quando há

outras formas de fazer prevalecer o entendimento já pacificado, reservando

mais tempo para a sua atuação quando realmente essencial.

104

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado, com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.551.

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2.2.2. Escolha do recurso cabível quando não admitido o especial

por mais de um fundamento

Pela dicção da lei, certamente haverá situações em que um recurso

especial com diversos fundamentos, ao mesmo tempo, não poderá não ser

admitido por força de um precedente repetitivo do Superior Tribunal de Justiça

e também porque não preencheu determinado requisito de admissibilidade, por

exemplo. Uma única decisão de admissibilidade, portanto, contém capítulos

que deveriam ser objeto de agravo interno e outros que mereceriam ser

atacados pelo agravo a ser direcionado ao Superior Tribunal de Justiça (art.

1.042). A norma legal, porém, não dá solução para tal hipótese, cabendo à

doutrina o debate e à jurisprudência o assentamento da questão.

Há quem defenda, ilustrando a posição com o Prof. Nelson Nery, que

deverão ser interpostos os dois recursos. Isto é, o agravo direcionado à Corte

Superior do capítulo da decisão que inadmitir o recurso por vícios ou óbices e,

também, o agravo interno, direcionado ao órgão colegiado do próprio Tribunal,

com relação à impossibilidade de prosseguimento por força da aplicação de

entendimento repetitivo, por exemplo.

Argumenta-se que não seria possível permitir apenas a interposição do

agravo para a Corte Superior, órgão que detém a competência final para a

análise da admissibilidade, porque não estaria esgotada a instância ordinária

com relação aos pontos do recurso inadmitido por força do precedente

vinculante105. E complementa, nesse ponto com precisão, que “a reforma

105

“Agravo para o STF/STJ (CPC 1042) e agravo interno (CPC 1021). Caso o recurso excepcional seja interposto com vários fundamentos (v.g. CF 102 III a e b, CF 105 III a e c) e haja a decisão de negativa do seguimento ao RE/REsp com base, e.g., no CPC 1030 I e V, parte da decisão é impugnável por agravo interno e parte pelo agravo do CPC 1042. Consideram-se os capítulos da decisão para efeito de recorribilidade, de sorte que o recorrente deverá interpor os dois agravos simultaneamente. O agravo da decisão denegatória com base no CPC 1030 V é dirigido ao STF/STJ (CPC 1042), ao passo que o capítulo da decisão que denegou o recurso excepcional com fundamento no CPC 1030 I é impugnável por agravo interno (CPC 1021), conforme determinam os parágrafos 1° e 2° do CPC 1030. O recorrente não pode interpor somente o agravo do CPC 1042 para o tribunal superior abarcando todos os capítulos, porque não terá sido esgotada a via recursal ordinária, já que previsto o agravo interno contra o capítulo da decisão denegatória fundada no CPC 1030 I. Da decisão do tribunal a quo no agravo interno, se improvido, caberá o agravo do CPC 1042 para o STF/STJ.” (NERYJR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, página 2.334)

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introduzida pela L 13256/2016 carece de sistematicidade e qualidade técnica.

Por conseguinte, força o intérprete a lançar mão da interpretação conforme

para conferir integridade e coerência em sua aplicação”, já que “a possibilidade

de inadmissibilidade por capítulos distintos e independentes criará situação de

intrincada recorribilidade”106.

Muito embora extraído das previsões legais, não nos parece, porém, que

a alternativa de se interpor ambos os recursos simultaneamente seja o

entendimento mais acertado. Em especial pelo princípio da unirrecorribilidade,

não seria hipótese de interposição dos dois recursos distintos contra a mesma

decisão, mas sim de fungibilidade para que apenas um deles seja interposto e

devidamente processado com a movimentação de toda a máquina judiciária.

A questão é: qual dos dois? Revela-se mais razoável que seja o agravo

previsto no art. 1.042 do Código de Processo, haja vista remeter a análise da

matéria diretamente ao Superior Tribunal de Justiça que, ao fim e ao cabo, é

competente para julgar as duas hipóteses e deve dar a palavra final sobre a

admissibilidade recursal. Agir diferente e se considerar apenas o regimental

como cabível, seria permitir que o Tribunal local, pela via do agravo interno,

analisasse questão de competência a ele não delegada, que seriam

exatamente os capítulos da decisão impugnáveis pelo agravo de despacho

denegatório previsto no mencionado art. 1.042.

O Superior Tribunal de Justiça, ainda na vigência do Código de

Processo Civil de 1973, que possuía previsão semelhante à do atual em seu

art. 543-C, já havia se posicionado da forma ora defendida, pois, se assim não

fosse, “configurar-se-ia uma situação no mínimo esdrúxula: ao insurgente

incumbiria interpor agravo interno, para apreciação do Tribunal de origem,

inclusive sobre questões não submetidas ao rito do repetitivo, ou, então,

proceder à dupla impugnação recursal, em flagrante ofensa ao princípio da

unirrecorribilidade, manejando (i) agravo interno quanto ao tema obstado em

face do § 7º do artigo 543-C do CPC [de 1973, correspondente ao atual art.

1.040] e (ii) agravo do artigo 544 do CPC [de 1973, correspondente ao atual

art. 1.042], dirigido ao STJ, no tocante aos demais óbices”107.

106

NERY JR., Nelson. ABBOUD, Georges. Recursos para os Tribunais Superiores e a Lei 13.256/2016 in Revista de Processo, vol. 257/2016, p. 217-235, jul/2016, p. 13. 107

STJ, AgRg nos Edcl no AREsp 574.189/SC, 4ª T., j. 03/03/2015, Rel. Min. Marco Buzzi.

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O lado doutrinário, à exceção da expressão acima exemplificada, vem se

solidificando na mesma linha do Superior Tribunal de Justiça, tal como se

defende nesse trabalho, reforçando, inclusive, a necessidade de se ter

tolerância nesses casos, permitindo à parte corrigir eventual vício de sua

impugnação se o órgão julgador entender pelo cabimento de outra forma de

impugnação, exatamente pela existência de dúvida razoável quanto ao recurso

cabível.

Nesse sentido, “parece-nos correto esse entendimento, e defendemos

sua aplicação à luz do CPC/2015. Mas, como se disse, a lei processual não é

clara, a respeito. Diante disso, sustentamos que, no caso, aplique-se o

princípio da instrumentalidade recursal: diante da dúvida gerada pela lei, caso o

órgão (do próprio tribunal recorrido ou do tribunal superior) que receba o

recurso (previsto no art. 1.021 ou no art. 1.042) entenda ser cabível o outro

agravo, deverá admitir aquele considerado errôneo, permitindo, inclusive, a

complementação das razões recursais, remetendo-o ao tribunal tido por

competente. Deve-se, de todo modo, aproveitar o recurso interposto, admitindo

sua correção”108.

Não havendo distinção conceitual entre a situação do Código de 1973 e

o atual, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que determinou a

remessa de agravo do art. 1.042, então 544, quando cabível o interno, para o

Tribunal de origem a fim de processar e julgar o recurso109, deve continuar a

prevalecer com a atual sistemática processual, inexistindo razões para eventual

(drástica) alteração.

Muito embora a doutrina tenha caminhado para um posicionamento

alinhado com a razoabilidade e com o objetivo maior do atual Código de

Processo Civil, qual seja, a primazia — “As partes têm o direito de obter em

prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”, art.

4º, CPC/15 — pelo julgamento do mérito recursal, o Superior Tribunal de

Justiça demonstrou recentemente que não trilhará o mesmo caminho.

108

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado, com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.549. 109

Nesse sentido o AgRg no AREsp 260.033/PR, Corte Especial, j. 05/08/15, Rel. Min. Raul Araújo.

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Em decisão monocrática, o Ministro Luis Felipe Salomão, por entender

que a previsão do diploma processual é bastante clara, não conheceu em parte

de agravo interposto, por entender que, naquela parte específica, por ter o

recurso especial sido inadmitido por força de aplicação de entendimento

repetitivo (art. 1.030, I, CPC), deveria ser atacado por agravo interno (§ 2º do

mesmo dispositivo legal), ainda que outros fundamentos da inadmissibilidade

do especial fossem atacáveis via agravo ao Superior Tribunal de Justiça.

O Ministro, então, considerou que “diante da expressa previsão legal do

cabimento de agravo interno, a interposição de agravo em recurso especial

constitui falha inescusável que impede a aplicação do princípio da fungibilidade

recursal”110. Para ir nessa linha, o Min. Luis Felipe Salomão, contrariando

precedentes já sólidos, citou dois outros julgados, mas que não possuem

rigorosamente nenhuma semelhança com o caso que estava por ele a ser

analisado.

O primeiro deles não conhece de agravo interno interposto contra

decisão colegiada, pelo seu nítido descabimento (AgInt no AgInt no AREsp

110

Reproduza-se a ementa do julgado: “AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.168.877 - RS (2017/0233861-5) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO AGRAVANTE : BANCO DO BRASIL S/A ADVOGADO : RAFAEL SGANZERLA DURAND E OUTRO (S) - RS080026A AGRAVADO : CANISIO ZIMERMANN ADVOGADOS : RENZO THOMAS - RS047563 ROGERS WELTER TROTT - RS065022 RENAN THOMAS E OUTRO (S) - RS074371 DECISÃO 1. Cuida-se de agravo do BANCO DO BRASIL S/A contra decisão que (a) negou seguimento a recurso especial no que se refere à questão do termo inicial dos juros de mora, com base no art. 1.030, I b, do CPC/2015, tendo em vista que o acórdão recorrido está em consonância com tese firmada em sede de recurso repetitivo e (b) inadmitiu o recurso especial em relação à prescrição, em face da aplicação da Súmula 282/STF. (…). 2. A decisão agravada foi publicada já na vigência do atual Código de Processo Civil, o qual prevê, em seu art. 1.030, I, b, § 2º, do CPC/2015, que cabe agravo interno contra a decisão que nega seguimento a recurso especial interposto contra acórdão em conformidade com entendimento do STJ em recurso repetitivo. Confira: Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: I negar seguimento: [...] b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos; [...] § 2º Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021. Diante da expressa previsão legal do cabimento de agravo interno, a interposição de agravo em recurso especial constitui falha inescusável que impede a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. (…). Em relação à prescrição, verifica-se que o Tribunal de origem não enfrentou o tema no acórdão recorrido, carecendo, portanto, a matéria do indispensável prequestionamento. 4. Ante o exposto, conheço em parte do agravo em recurso especial e nego-lhe provimento. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 26 de setembro de 2017. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO Relator” (STJ - AREsp: 1168877 RS 2017/0233861-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 29/09/2017).

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914.851); enquanto o segundo não acolhe agravo regimental interposto contra

alguns dos fundamentos da decisão recorrida, quando os demais são

autônomos e suficientes para manter o resultado do julgamento (AgRg no

AREsp 219.866).

São hipóteses completamente distintas daquela posta a julgamento, que

não deveriam motivar a alteração de posicionamento razoável do Superior

Tribunal de Justiça.

O que se nota, por consequência, é que, muito embora já exista certa

conscientização com relação à primazia do julgamento de mérito e

razoabilidade na análise do processo e suas formalidades como um todo, ainda

há certa oscilação da jurisprudência, inclusive da Corte que deveria melhor

direcionar o caminho a ser traçado, evidenciando que ainda pendem

significativos passos a serem dados para se alcançar um ponto de equilíbrio.

Certo é, entretanto, que, na presente situação, quando a decisão de

inadmissibilidade de recurso especial, proferida por Tribunal Estadual ou

Regional Federal tiver como fundamentos duas frentes distintas, isto é, a não

admissão por aplicação de precedente repetitivo ou de entendimento firmado

em repercussão geral e por qualquer outro vício, simultaneamente, se revela

mais sensato permitir a interposição apenas do agravo previsto no art. 1.042 do

Código de Processo Civil, a ser direcionado ao Superior Tribunal de Justiça,

hipótese em a Corte finalmente competente analisará o conjunto dos

fundamentos apresentados pela parte.

Tal possibilidade, além de evitar que dois recursos sejam interpostos

simultaneamente contra a mesma decisão, o que iria de encontro não apenas

ao princípio da unirrecorribilidade, mas também ao da economia processual,

permitiria ao órgão que possui a competência final sobre a questão da

admissibilidade, analisar este tema de maneira definitiva.

Na hipótese de assim o Superior Tribunal de Justiça não entender, é

certo também que, até se consolidar um entendimento sobre o tema que é

controverso e recente, com o novo Código de Processo, não se deveria

simplesmente deixar de conhecer de parte do recurso e ceifar o direito da parte

de ver seu fundamento devidamente analisado. Ou se analisa o recurso como

um todo, permitindo eventual correção formal necessária, ou se determina a

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remessa para o órgão que se entender por competente, em consonância com a

tão mencionada primazia pelo julgamento do mérito da ação posta em juízo.

Não ter essa sensibilidade demonstra falta de razoabilidade na atuação

que deve ser exemplar das Cortes Superiores, na linha de sua função

primordial, como já acima detidamente exposto, em prejuízo do jurisdicionado

que se vê diante de uma omissão da norma quanto ao tema específico.

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3. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

Resumidamente, “a admissibilidade de um recurso é sua aptidão para

receber um julgamento de mérito. Não se confunda, entretanto, o mérito do

recurso com o mérito da ação porque este último é o pedido formulado na

ação, enquanto aquele constitui o objeto do recurso, o reexame do conteúdo da

decisão, que leva à sua anulação, reforma ou confirmação”111.

“Positivo ou negativo, o juízo de admissibilidade é essencialmente

declaratório. Ao proferi-lo, o que faz o órgão judicial é verificar se estão ou não

satisfeitos os requisitos indispensáveis à legítima apreciação do mérito do

recurso. A existência ou inexistência de tais requisitos é, todavia, anterior ao

pronunciamento, que não a gera, mas simplesmente a reconhece”112.

O recurso especial, não diferente dos demais recursos existentes no

Código de Processo Civil, possui certas formalidades para sua interposição,

conhecimento e processamento. Muitas dessas formalidades, tidas como

requisitos de admissibilidade, não se distinguirão daquelas previstas para os

demais recursos, como a tempestividade e o preparo, este para alguns deles,

por exemplo, enquanto outras serão específicas dessa medida excepcional.

E é exatamente por ser o recurso especial uma medida excepcional que

possuirá certos requisitos de admissibilidade particulares, aplicáveis

unicamente a ele e, muitas vezes, ao recurso extraordinário. Não é, na

verdade, sem razão que se exige o cumprimento de condições mais severas

para o recurso especial, tendo em vista a função relevante do Superior Tribunal

de Justiça, que não tem condições – e nem deveria ter – de julgar

rigorosamente todas as ações ajuizadas, tal como se fosse uma terceira

instância, meramente revisora.

Não sendo essa a proposta do Tribunal Superior, como visto

exaustivamente acima, obviamente certos filtros devem ser impostos, a fim de

que a Corte possa intervir apenas em situações em que efetivamente isto se

demande, ou seja, quando for rigorosamente indispensável.

111

BERMUDES, Sergio. Introdução ao Processo Civil, 5ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 165. 112

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Juízo de Admissibilidade no Sistema dos Recursos Civis. Imprenta: Rio de Janeiro, 1968. p. 130.

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72

Não se pode permitir, por outro lado, como usualmente se vê em

decisões judiciais, a confusão entre os juízos de admissibilidade e de mérito. O

primeiro exige o preenchimento formal dos requisitos legais para

processamento, enquanto no segundo se analisa, propriamente, se é hipótese

de provimento ou não do recurso interposto. Não deveria ser possível, então,

não admitir recurso especial porque não vislumbradas as violações legais,

como diuturnamente se vê, já que isto é tema de mérito.

É por isso que a doutrina corretamente consagra que “não se pode

condicionar a admissibilidade à procedência, já que esta pressupõe aquela, e

para chegar-se à conclusão de que um recurso merece provimento é

necessário que, antes, se tenha transposto a preliminar. Requisito de

admissibilidade será, então, a mera ocorrência hipotética do esquema legal (ut

si vera sint exposita): não se há de querer, para admitir o recurso extraordinário

pela letra a, que o recorrente prove desde logo a contradição real entre a

decisão impugnada e a Constituição; do contrário — vale a pena insistir —,

estaríamos exigindo que o recurso fosse procedente para ser admissível.

Bastará que se argua a violação de dispositivo da Carta da República”113. O

mesmo raciocínio se aplica ao recurso especial.

Além disso, há que se reconhecer que o Código de Processo Civil de

2015, acertadamente, diga-se, buscou evitar a já conhecida e diariamente

presente jurisprudência defensiva do Superior Tribunal de Justiça que, diante

de qualquer vício, por menor que fosse, optava por não conhecer do recurso,

evitando julgá-lo ainda que de relevância ímpar.

Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Um ponto de equilíbrio deve ser

encontrado para que se busque, tal como se discursou acerca do atual diploma

processual, a primazia do julgamento de mérito, refletida em seu art. 4º,

segundo o qual “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução

integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Não se pode relevar

rigorosamente todas as situações, sob risco de transformar o Superior Tribunal

113

E mais adianta complementa o autor: “A verdade é que ali, ocorre flagrante invasão da competência do Supremo Tribunal Federal, a que pertence, com exclusividade, julgar o recurso no mérito, pela autoridade judiciária inferior, à qual defere a lei tão somente, competência para denegar recursos inadmissíveis, e não infundados”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Juízo de Admissibilidade no Sistema dos Recursos Civis. Imprenta: Rio de Janeiro, 1968, pp. 37/38).

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de Justiça em uma corte ainda mais inundada de recursos e revisora de

decisões dos Tribunais estaduais e federais, mas também não se pode, ao

contrário, buscar qualquer inconveniente ou justificativa insignificante que

permita não se processar o recurso interposto.

É por isso, parece, que o atual Código permite que sejam sanados

equívocos, mas deixa um toque de discricionariedade que, como se tem visto

na experiência, é também muito arriscado em um país como o Brasil. Deixando

de lado, porém, as questões extraprocesso, inicie-se este capítulo falando da

possibilidade de serem certos vícios sanados para, logo em seguida, adentrar

às formalidades propriamente ditas que devem ser seguidas quanto ao recurso

especial.

3.1. Possibilidade de se sanarem vícios ou primazia do

julgamento do mérito recursal

O § 3º do art. 1.029114, apresenta importante inovação ao permitir ao

Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça a desconsideração

de “vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que

não o repute grave”, visando justamente evitar a jurisprudência defensiva muito

comum nos tribunais superiores, a fim de que o litígio posto seja, efetivamente,

julgado, resolvendo-se a controvérsia entre as partes: é um dos objetivos do

recente Código de Processo Civil, efetivamente, ver o mérito julgado com

resolução do conflito existente. Está tal artigo em harmonia com os arts. 4º115 e

932, parágrafo único116, que preveem o objetivo de julgamento do conflito posto

e buscam evitar a jurisprudência defensiva.

A primeira observação que vale ser feita é no sentido de que a

permissão para se relevar um vício formal não grave, ou determinar a sua

correção, se volta apenas para os Tribunais Superiores e não para os Tribunais

114

“Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: (…) § 3º O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça Poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave”. 115

“Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. 116

“Art. 932. Incumbe ao relator: (…) Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”.

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de origem. A redação, porém, foi feita previamente à alteração do art. 1.030 e o

retorno do juízo de admissibilidade aos tribunais estaduais e federais. Para

Fredie Didier, a norma exclusiva ao Supremo e ao Superior Tribunal deve

permanecer, cabendo apenas a eles tolerar um vício ou determinar que seja

sanado – na hipótese de não admissão deverá a parte recorrer e a análise da

previsão do § 3º do 1.029 ficará a cargo dos tribunais superiores117.

A segunda se refere à dificuldade de se estipular o que se caracterizaria

por “vício formal não grave” passível de ser relevado ou corrigido. A doutrina já

começou a tratar do tema, mas a resposta à pergunta somente poderá ser

afirmada após a consolidação dos entendimentos nas Cortes Superiores.

Nos Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, Pedro

Miranda de Oliveira, cita como não incidente o rigorismo formal em casos de

(a) preliminar de repercussão geral no recurso extraordinário; (b) ausência de

procuração; (c) não juntada do acórdão paradigma; e (d) defeito no preparo118.

Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha vão um pouco mais

além ao ponderarem que não se considera grave tudo aquilo que puder ser

corrigido, como representação processual, ausência de assinatura do

advogado, etc. E vão ainda mais longe ao citar como exemplo o AI 375.077 da

Min. Ellen Gracie, oportunidade em que restou superada a falta de

prequestionamento para analisar o mérito do recurso, diante da relevância da

matéria. Defendem os autores, portanto, que até a falta de prequestionamento

pode ser superada no intuito de ver a palavra sobre questão de direito, ou seja,

ter o litígio efetivamente decidido119.

Certo é, de acordo com a própria letra da lei, que o vício de

intempestividade não é, em absoluto, sanável. Os demais, portanto, ficam em

uma zona cinzenta. Parece razoável acreditar que vícios como não juntar o

acórdão paradigma, não incluir preliminar de repercussão geral, falta de

procuração e semelhantes, podem ser sanados. Enquanto a não inclusão de

117

DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil.vol. 3, Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed, pp. 318/319 118

MIRANDA, Pedro Miranda de Oliveira in Breves Comentários ao Código de Processo Civil. Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier; Fredie Didier Jr.; Eduardo Talamini e Bruno Dantas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 2.299/2.300. 119

Aut. cit. Curso de Direito Processual Civil.vol. 3, Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed, pp. 318/319

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uma preliminar de prequestionamento pode ser relevada, desde que a matéria

tiver sido tratada no julgamento do Tribunal a quo.

A discussão, entretanto, é bastante delicada. Ao se apoiar cegamente no

precedente da Min. Ellen Gracie, à exceção da tempestividade, todo e qualquer

vício poderia ser superado em benefício do julgamento do mérito. Isto poderia,

além de simplesmente passar uma borracha nas formalidades e filtros dos

recursos especiais, fazer com que o Superior Tribunal de Justiça passe a

escolher o que pretende julgar, independente de como interposto o recurso e

de suas condições. Afinal, não teria a Corte condições de atuar em todos os

casos que a ela chegassem, na hipótese de afastar todo e qualquer vício que

não seja o da tempestividade.

Tal situação poderia trazer inclusive grave insegurança jurídica, pois

recursos manifestamente inadmissíveis passariam a ser admitidos se a matéria

de fundo fosse, eventualmente, relevante. O processo é um rito formal e não

deve ser considerado de maneira tão irreverente. Certos requisitos devem sim

ser respeitados, preenchidos e estar presentes, sob pena de, efetivamente, não

se conhecer do recurso ainda que o erro seja do advogado e a parte possa

responsabilizá-lo.

Em outras palavras, a possibilidade de se sanarem vícios constantes

dos recursos deve ser analisada cum grano salis, no intuito de se tentar

encontrar um equilíbrio entre proteger os jurisdicionados da jurisprudência

defensiva do Superior Tribunal de Justiça, através da qual qualquer pequena

razão é justificadora para não se julgar um recurso, e a excessiva

complacência, hipótese em que se relevaria todo e qualquer vício para permitir

o julgamento do mérito.

Na primeira situação, questões relevantíssimas que demandam a

intervenção da Corte Superior poderiam deixar de ser analisadas por um vício

quase insignificante, como uma guia recolhida com o código errado, por

exemplo, enquanto na segunda se inundaria o Superior Tribunal de Justiça de

recursos, tornando inviável a sua importante função e atividade, já que todo e

qualquer vício poderia ser superado em benefício da matéria de fundo.

Obviamente, uma posição intermediária e salutar é a que se espera seja

adotada pela jurisprudência com a vigência do atual Código de Processo Civil.

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3.1.1. Jurisprudência defensiva

Nesse momento do presente trabalho, não se pode deixar de explorar,

ainda que sucintamente, a louvável evolução que o Código de Processo Civil

de 2015 trouxe com relação aos meios de se evitar a jurisprudência defensiva,

bastante usual no Superior Tribunal de Justiça.

A jurisprudência defensiva, para José Miguel Garcia Medina, foi adotada

“com a finalidade de viabilizar o funcionamento do STJ, tornando-o

‘sustentável’ (levando em conta o número de processos que poderia julgar)”,

complementando que, por isto, “a jurisprudência passa a adotar postura não

apenas mais rigorosa em relação aos requisitos recursais, mas vai além,

impondo às partes a observância de exigências não previstas em qualquer

norma jurídica”120.

O excesso de trabalho dos Tribunais Superiores é inquestionável,

entretanto, os prejuízos de uma falta de organização judiciária para atender aos

anseios dos jurisdicionados, ou de um sistema processual que permita a

interposição recursal com certos requisitos apenas, não pode ser controlada

por condutas não previstas em lei, ou excessivamente rigorosas em prejuízo do

direito posto. A jurisprudência defensiva, conquanto adotada para viabilizar a

atuação do respectivo Tribunal, cria um efeito reverso, pois deixa de conhecer

uma enormidade de recursos, dentre os quais certamente diversos que

clamavam pela intervenção e análise da Corte Superior.

A discussão chamou atenção também de Cândido Rangel Dinamarco:

“Como é para lá de notório, os objetivos de preservação da ordem jurídica, de

uniformização da interpretação do direito e de fazer justiça nos casos concretos

vêm esbarrando nos últimos tempos na imensa quantidade de recursos que a

todo o momento chegam ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal

de Justiça, gerando uma carga de trabalho impossível de ser vencida por seus

Ministros. Essa realidade deu ensejo à formação do que se denominou de

jurisprudência defensiva, na qual se exacerba o valor dos requisitos formais

para o conhecimento do recurso extraordinário e do especial, valendo como um

120

MEDINA, José Gabriel Garcia. Pelo fim da jurisprudência defensiva: uma utopia?. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-29/processo-fim-jurisprudencia-defensiva-utopia>.

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campo minado no caminho para o julgamento do mérito recursal. Não basta ter

um bom direito para vencer, é necessário um advogado treinado para vencer

as verdadeiras armadilhas que esse sistema vem criando e, além disso, uma

boa dose de sorte”121.

O Código de Processo Civil tentou mitigar a situação, como já

ponderado no capítulo precedente e, para iniciar o tema, vale citar as previsões

dos arts. 1.032122 e 1.033123, que trazem importante inovação no sistema dos

recursos especial e extraordinário ao prever que, na hipótese de se interpor um

recurso especial e o Superior Tribunal de Justiça entender ser a matéria

constitucional ou na hipótese de se interpor um recurso extraordinário e o

Supremo Tribunal Federal entender ser a matéria infraconstitucional, não se

deixar de julgar a pretensão da parte posta em juízo, mas sim converter o

recurso interposto no cabível, com as respectivas formalidades, a fim de que o

Tribunal efetivamente competente julgue a questão controvertida.

Está-se diante, portanto, de mais uma das previsões da atual sistemática

processual, que busca evitar a jurisprudência defensiva dos tribunais, em

detrimento do julgamento do direito da parte posto em juízo. Evita-se, assim,

corretamente, que se deixe de julgar um recurso por um eventual vício formal,

que é perfeitamente passível de ser sanado.

Reproduzam-se, pela precisão, as ponderações da Prof.ª Teresa Arruda

Alvim nos Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: “Trata-se

de inovação com diversos objetivos, mas o principal é o de evitar um dos casos

de jurisprudência ‘defensiva’, consubstanciado em acórdãos em que um

Tribunal diz que a competência é do outro. E nenhum dos dois julga. Diz este

artigo que, se o relator do recurso especial entender que a questão sobre a

qual versa este recurso é constitucional, em vez de, pura e simplesmente, não

apreciar o mérito do recurso, deve remetê-lo ao STF. Antes disso, deve dar à

121

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. Tomo II. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 1.073. 122

“Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional”. 123

“Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.

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parte recorrente o prazo de 15 (quinze) dias para que seja demonstrada

explicitamente, em preliminar, a repercussão geral. Não há porque o inverso

não deva acontecer: também se o relator do recurso extraordinário, no STF,

entender que a questão tratada no recurso é de natureza infra-constitucional,

deve remeter este recurso ao STJ”124.

O que se deve consignar, ademais, é que o Código de Processo Civil de

2015 trouxe importante inovação ao permitir que vícios reputados como não

graves possam ser sanados pela parte, com o objetivo de se prezar pelo

julgamento de mérito. Isso porque a posição que vinha sendo adotada pelo

Superior Tribunal de Justiça na vigência do diploma de 1973 parecia ser

excessivamente rigorosa, que prejudicava a própria relevância da Corte ao

deixar de intervir quando era efetivamente indispensável.

Um exemplo que bem ilustra a referida postura do Superior Tribunal de

Justiça é o não conhecimento de recurso especial quando interposto

previamente ao julgamento de embargos de declaração, quando estes não são

reiterados posteriormente. Isto é, independente do julgamento dos embargos

ter alterado ou não o acórdão objeto do especial, se estes não fossem

reiterados, o especial seria prontamente inadmitido. Veja que era esse o

posicionamento largamente utilizado pela Corte125:

“(…) Necessária a ratificação do recurso quando interposto antes do julgamento de embargos declaratórios, sob pena de considera-lo intempestivo (…)” (AgRg nos EREsp 981.583/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 02.05.2011).

* * * “(…) Pendente o julgamento dos aclaratórios da parte contrária, é inoportuna a interposição de recurso especial, sem a ratificação posterior de seus termos, uma vez que não houve o necessário exaurimento da instância (Corte Especial, REsp n. 776.265/SC, relator para acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, maioria, DJU, de 06.08.2007)” (REsp 834.564/BA, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 03.09.2009, DJe 19.10.2009).

124

Ob. cit., p. 1.499. 125

O entendimento chegou até a ser Sumulado no verbete 418: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.

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Há casos, inclusive, em que não se conheceu do recurso especial

quando interposto previamente à intimação do acórdão, seja o recorrido ou o

dos embargos de declaração, mas quando já concluído o julgamento e

disponibilizado o próprio acórdão para consulta no site do Tribunal respectivo, o

que era ainda mais alarmante.

O e. Min. Castro Meira, em julgamento realizado em 2005, em corrente

contrária à que havia se pacificado recentemente no Superior Tribunal de

Justiça, já havia consignado que o recurso deveria ser considerado, em casos

tais, como tempestivo, já que “muitas vezes, a parte toma conhecimento da

decisão e se antecipa à publicação. Se se antecipa, não pode ser

prejudicada”126.

No entanto, esse entendimento acabou sendo deixado de lado e

prevalecendo o rigorismo exacerbado, o que era constantemente alvo de

criticas da doutrina, como bem abordou Flávio Cheim Jorge em artigo

publicado na Revista de Processo, no qual elencou, de maneira não taxativa,

diversas razões que evidenciavam o equívoco da posição então adotada pelo

Superior Tribunal de Justiça.

Disse o autor: “Como tivemos oportunidade de demonstrar, não há como

prevalecer o entendimento acima, pois: (a) a interrupção do prazo recursal,

com a interposição dos embargos de declaração, existe para facilitar a atuação

do recorrente, nunca para prejudicá-lo; (b) a parte, como regra, interpõe o

recurso típico antes de saber da existência ou não de embargos opostos pela

parte contrária; (c) o recurso típico interposto é ato processual existente, válido

e eficaz; (d) os embargos de declaração podem não ser conhecidos e nesse

caso o prazo não será interrompido; (e) é estranha ao processo civil norma

legal que preveja a reiteração dos embargos de declaração, ao contrário do

agravo retido (art. 523, § 1.º, do CPC (LGL\1973\5)) e dos recursos especial e

extraordinários retidos (art. 543, § 3.º, do CPC (LGL\1973\5)); (f) a fluência do

prazo recursal pode dar-se de forma diferente para as partes, de modo que o

prazo para uma delas pode ter se esgotado e para a outra nem se iniciado

(basta pensar em ciência inequívoca); (g) inexiste preclusão lógica, perda de

126

AgRg no Ag 655610/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/04/2005, DJ 01/08/2005, p. 399.

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interesse ou renúncia tácita pela não modificação da decisão embargada

etc.”127.

Talvez um dos mais enfáticos em sua crítica à jurisprudência defensiva

como um todo, José Rogério Cruz e Tucci é bastante incisivo sobre o assunto:

“Retorno ao tema atinente aos malefícios experimentados pelos jurisdicionados

que são vítimas da famigerada jurisprudência defensiva. É certo que

determinados óbices à admissão dos recursos aos tribunais superiores são

fruto de construção engenhosa, que guardam certa coerência hermenêutica

com as regras processuais em vigor. Todavia, há, em significativo número,

outras barreiras que mais se identificam à “perversidade pretoriana”, as quais

não têm qualquer razão plausível para subsistirem no âmbito de um

ordenamento jurídico civilizado, comprometido com a efetividade da tutela

jurisdicional. (…) Ressalte-se que esta orientação, como ocorre na

generalidade das vezes nas quais vem aplicada a denominada jurisprudência

defensiva, evidencia que o direito material do recorrente não tem a menor

relevância para o tribunal. Entendo, com o devido respeito, que tal

posicionamento representa inarredável denegação de jurisdição. Realmente,

no que toca ao STJ — o autodenominado “Tribunal da Cidadania” —, a

despeito de alguma flexibilização observada nos últimos tempos, continua ele

se valendo de questiúnculas e estratagemas, no afã de afastar o julgamento do

mérito do recurso, em detrimento de sua missão constitucional em prol da

unidade da aplicação do direito federal”128.

Realmente, há que se concordar que o excesso que vinha sendo

adotado na jurisprudência defensiva do Superior Tribunal de Justiça não trazia,

rigorosamente, nenhum benefício para os jurisdicionados e para a sistemática

processual como um todo, pois questões relevantes, que necessitavam da

intervenção daquela Corte, ainda mais com sua função de uniformizar

jurisprudência, deixavam de ser analisadas por força dessa insistente negativa

de processamento dos recursos especiais.

127

Requisitos de admissibilidade dos recursos: entre a relativização e as restrições indevidas (jurisprudência defensiva), in RePro, vo. 217/2013, p. 13 – 39, Mar/13, DTR\2013\1834. 128

TUCCI, José Rogério Cruz e. Um basta à perversidade da jurisprudência defensiva. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-jun-24/basta-perversidade-jurisprudencia-defensiva

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Mais recentemente, porém, o Superior Tribunal de Justiça começou a

dar indícios de que caminharia no sentido de alterar o desarrazoado

entendimento, que levava a jurisprudência defensiva ao extremo. O primeiro

passo foi dado em julgado de relatoria do Min. Marco Aurélio Belizze, datado

de 12.8.14, em que se reconheceu a tempestividade de recurso especial

interposto antes da publicação do acórdão recorrido129.

No corpo do voto, o Relator discorre com precisão sobre os avanços

tecnológicos que não podem ser ignorados pelos Tribunais, muito pelo

contrário, devem por ele ser acompanhados, já indicando que a exigência

imutável da necessidade de publicação não fazia mais sentido, inclusive

porque referidos avanços vinham para contribuir com “maior agilidade aos

processos”, algo sempre desejado.

Logo em seguida, o Ministro conclui que “uma vez divulgada oficialmente

a decisão monocrática ou colegiada, por qualquer meio, fica a parte autorizada

à interposição do recurso, não sendo razoável e condizente com a nova visão

do direito e com o momento social vivenciado atualmente, exigir que a parte

aguarde inerte a publicação da decisão no Diário de Justiça tão somente para

suprir uma mera formalidade processual”.

129

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO DO RECURSO ESPECIAL ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO EM ÓRGÃO OFICIAL. TEMPESTIVIDADE. HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA E LESÕES CORPORAIS GRAVES. PRONÚNCIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. LEGÍTIMA DEFESA. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. RECURSO IMPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Embargos de Divergência n. 492.461/MG, modificando entendimento há muito consolidado, passou a considerar tempestivo o recurso especial interposto antes da publicação oficial, haja vista a nova realidade da publicidade das decisões judiciais em meio eletrônico que possibilitam às partes o conhecimento prévio do acórdão antes mesmo de sua veiculação oficial. Tal orientação foi novamente alterada pela Corte Especial no julgamento dos EDcl na SEC 3660/GB, no sentido de ser intempestivo o especial interposto antes da publicação do acórdão recorrido no Diário Oficial. 2. Contudo, imperiosa a revisão desse último entendimento, visto que o Superior Tribunal de Justiça, como Tribunal da cidadania, não pode se dissociar da realidade, notadamente da grande evolução dos meios de comunicação e informação nos dias atuais, em obediência aos princípios da instrumentalidade das formas, da igualdade, da boa-fé objetiva, celeridade e lealdade processuais. 3. Entretanto, apesar de se constatar a tempestividade do especial, o recurso não comporta provimento quanto ao seu mérito. Isso porque, para o acolhimento da tese da legítima defesa, com a consequente absolvição sumária do ora agravante, seria imprescindível exceder os fundamentos do acórdão impugnado e adentrar no exame do conjunto fático-probatório, o que é vedado no recurso especial, consoante o que dispõe o enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp 399.793/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 21/08/2014)

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Pouco depois, já no final de 2015, quando sancionado o diploma

processual que entraria em vigor em março do ano seguinte, o Superior

Tribunal de Justiça deu um novo e importante passo para acabar com o

exacerbado entendimento. No julgamento do recurso especial nº 1.129.215

reconheceu-se a tempestividade de recurso interposto na pendência de

julgamento de embargos de declaração, independente de ratificação, quando

não houver alteração do julgado130.

O razoável entendimento foi, posteriormente, consolidado no Tema

jurisprudencial 572: “não é necessária a ratificação do recurso interposto na

pendência de julgamento de embargos de declaração quando, pelo julgamento

dos aclaratórios, não houve modificação do julgado embargado”.

O entendimento sufragado acima reflete a razoabilidade de julgamento

que se espera de uma Corte Superior, cuja função é analisar os casos

130

"QUESTÃO DE ORDEM. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. CORTE ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NÃO ALTERAÇÃO DA DECISÃO EMBARGADA. DESNECESSIDADE DE RATIFICAÇÃO. INSTRUMENTALISMO PROCESSUAL. CONHECIMENTO DO RECURSO. INTERPRETAÇÃO DA SÚMULA 418 DO STJ QUE PRIVILEGIA O MÉRITO DO RECURSO E O AMPLO ACESSO À JUSTIÇA. 1. Os embargos de declaração consistem em recurso de índole particular, cabível contra qualquer decisão judicial, cujo objetivo é a declaração do verdadeiro sentido de provimento eivado de obscuridade, contradição ou omissão (artigo 535 do CPC), não possuindo a finalidade de reforma ou anulação do julgado, sendo afeto à alteração consistente em seu esclarecimento, integralizando-o. 2. Os aclaratórios devolvem ao juízo prolator da decisão o conhecimento da impugnação que se pretende aclarar. Ademais, a sua oposição interrompe o prazo para interposição de outros recursos cabíveis em face da mesma decisão, nos termos do art. 538 do CPC. 3. Segundo dispõe a Súmula 418 do STJ "é inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação". 4. Diante da divergência jurisprudencial na exegese do enunciado, considerando-se a interpretação teleológica e a hermenêutica processual, sempre em busca de conferir concretude aos princípios da justiça e do bem comum, é mais razoável e consentâneo com os ditames atuais o entendimento que busca privilegiar o mérito do recurso, o acesso à Justiça (CF, art. 5°, XXXV), dando prevalência à solução do direito material em litígio, atendendo a melhor dogmática na apreciação dos requisitos de admissibilidade recursais, afastando o formalismo interpretativo para conferir efetividade aos princípios constitucionais responsáveis pelos valores mais caros à sociedade. 5. De fato, não se pode conferir tratamento desigual a situações iguais, e o pior, utilizando-se como discrímen o formalismo processual desmesurado e incompatível com a garantia constitucional da jurisdição adequada. Na dúvida, deve-se dar prevalência à interpretação que visa à definição do thema decidendum, até porque o processo deve servir de meio para a realização da justiça. 6. Assim, a única interpretação cabível para o enunciado da Súmula 418 do STJ é aquela que prevê o ônus da ratificação do recurso interposto na pendência de embargos declaratórios apenas quando houver alteração na conclusão do julgamento anterior. 7. Questão de ordem aprovada para o fim de reconhecer a tempestividade do recurso de apelação interposto no processo de origem." (REsp 1129215/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/09/2015, DJe 03/11/2015);

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concretos para, através dos precedentes, formar uma jurisprudência que

orientará o posicionamento dos demais tribunais do país131. Não era, de fato,

razoável que se impedisse o julgamento e, por consequência, a análise do

caso concreto para formação de jurisprudência guiadora dos demais Tribunais

por uma formalidade manifestamente inexplicável ou por um vício

inequivocamente sanável.

Nessa linha de raciocínio, para colocar, de uma boa vez, uma pá de cal

no assunto, o Código de Processo Civil hoje em vigor encerrou as discussões

ao dispor em seus artigos 1.024, § 5º e 1.044, § 2º ser desnecessária a

ratificação, quando do julgamento dos embargos não houver alteração do

resultado anterior, in verbis:

“Art. 1.024, § 5º: Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independente de ratificação”. “Art. 1.044, § 2º: Se os embargos de divergência forem desprovidos ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso extraordinário interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de divergência será processado e julgado independentemente de ratificação”.

Na mesma linha de se evitar a rejeição pelo Superior Tribunal de Justiça

de recursos cuja admissão seria imperiosa, é o art. 1.025132 do Código vigente

que considera como prequestionadas todas as matérias postas nos embargos

de declaração, ainda que o Tribunal a quo não tenha expressamente sobre

elas se manifestado. Não raro, a parte, perante o Código Processo Civil de

1973, se via com os princípios do devido processo legal e da ampla defesa

prejudicados quando, não obstante a oposição de embargos, a questão não

era analisada pela Turma Julgadora e, uma vez interposto recurso especial,

pois o tema era de legislação federal, nem bem era ele admitido por falta de

prequestionamento; nem se reconhecia violação ao art. 535 então vigente, pois

se considerava que o juiz não estava obrigado a se manifestar sobre todos os

131

MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. Do Controle à Interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. 132

“Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

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argumentos da parte, desde que apontasse outros suficientes para justificar

seu posicionamento. Veio a nova previsão legislativa certamente para somar.

Encerradas essas breves divagações sobre a jurisprudência defensiva,

conclui-se ser muito claro que uma falta de assinatura, uma guia preenchida

errada, a falta do acórdão paradigma, a título de exemplo, devem ser situações

em que a parte tenha a possibilidade de sanar para ver seu caso efetivamente

julgado. Do mesmo modo, as hipóteses como a interposição de recurso antes

da publicação do acórdão, ou antes, do julgamento de embargos cujo resultado

posterior não altere o anterior, assim como a falta de manifestação do Tribunal

sobre determinado fundamento, muito embora provocado pela parte com

embargos de declaração, também não devem ser razões para deixar de se

admitir e processar o especial regularmente interposto.

Por outro lado, é essencial ter muito cuidado com a amplitude que se dá

aos vícios reputados como não graves, sob pena de se eliminarem os

requisitos de admissibilidade e permitir o julgamento de todo e qualquer caso

pelos Tribunais Superiores, independente de como forem interpostos, o que

inviabilizaria ainda mais a sua atuação, podendo dar ensejo à criação de novos

e perigosos entraves.

Não parece, entretanto, ser esse o objetivo da norma. A razão das

previsões que buscam evitar a jurisprudência defensiva na atual sistemática

processual é impedir que qualquer questiúncula fosse utilizada pelos Tribunais

Superiores como razão para não se julgar o recurso interposto. Se o vício for

grave, em especial de direito, como a falta de prequestionamento ou a falta de

apontamento de disposição legal violada, não seria caso de se permitir a

correção. Se não for grave, como os exemplos citados acima, não há porque

não conceder a oportunidade para que sejam sanados.

Uma quantidade mínima de formalidades e exigências deve ser mantida

pelas Cortes Superiores, inclusive para que se mantenha viva a razão de sua

criação e a essência de sua função, resta ao jurisdicionado aguardar para

verificar a exata dimensão que o Superior Tribunal dará às novas disposições

legais.

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3.2. Requisitos de admissibilidade formais

Ainda antes de se adentrar aos requisitos de admissibilidade que geram

mais controvérsia na doutrina, é importante tratar, muito embora de maneira

breve, daqueles requisitos objetivos e de fácil análise, que seriam aqueles tidos

por genéricos e, sucintamente, previstos em lei.

Inicie-se esse capítulo, assim, com a transcrição de ensinamento de

Cassio Scarpinella Bueno sobre o assunto: “O juízo de admissibilidade dos

recursos compreende o exame acerca dos seguintes elementos: (i) cabimento

(constatação de qual é o recurso cabível para a decisão considerada

concretamente); (ii) legitimidade (quem tem legitimidade para apresentar o

recurso); (iii) interesse (demonstração da necessidade de interpor um recurso

para a invalidação, reforma, esclarecimento ou integração da decisão); (iv)

tempestividade (o recurso precisa ser interposto no prazo a ele reservado); (v)

regularidade formal (há regras formais, não formalismos, a serem observadas

para garantir, inclusive a compreensão da postulação recursal); (vi) preparo

(recolhimento de valores que, como regra, são exigíveis para a interposição do

recurso); e (vii) inexistência de fato impeditivo ou extintivo (o exercício do

direito de recorrer não pode colidir com fato futuro que o esvazie ou o

comprometa)”133.

Nesse sentido, pode-se aqui citar como requisitos de admissibilidade

objetivos do recurso especial, assim nomeados nesse trabalho para facilidade

de diferenciação, (i) a tempestividade, já que todo recurso deve ser interposto

no prazo legal para tanto, sendo que, na atual dinâmica, com exceção dos

embargos de declaração, todos, dentre eles o especial, possuem o prazo de 15

(quinze) dias; (ii) preparo, eis que deve haver o recolhimento das custas

pertinentes para interposição do recurso especial; (iii) cabimento, isto é, deve

ser verificada se, efetivamente, era hipótese de interposição de recurso

especial (não cabível contra decisão monocrática proferida no Tribunal, exempli

gratia); e a (iv) regularidade formal, aqui englobada a estrutura do recurso, se

133

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, 2ª ed., p. 673

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expostas as razões, se a peça está assinada, se o acórdão paradigma foi

anexado (ou citada fonte).

Além deles, não se pode deixar de fora também (i) a legitimidade para

recorrer; (ii) o interesse para a interposição do recurso; e (iii) a inexistência de

fato impeditivo ou extintivo de se recorrer, que são questões que, muito por

óbvio, bloqueiam o acesso da via excepcional, dispensando-se maiores

digressões134.

Esses vícios todos, classificados pelo Prof. Barbosa Moreira entre

intrínsecos e extrínsecos135, são facilmente notados em uma análise objetiva

da regularidade do recurso, o que permite sua admissão, com consequente

processamento, ou então a percepção do vício com consequente intimação

para que seja sanado, tal como autoriza o art. 1.029, § 3º, CPC, e, se assim

não for, para que a ele seja negado seguimento, ceifando-se a possibilidade da

parte de ver reformado o julgado que o interessado entendia como contrário à

lei.

3.3. Decisão de única ou última instância

É previsão expressa do art. 105 da Constituição Federal que, para o

cabimento do recurso especial, a causa deve ter sido decidida em única ou

última instância. Para esta, significa que deve ter havido o esgotamento de

todos os demais recursos viáveis no Tribunal de origem (é o que dispõe,

inclusive, a Súmula 281 do STF136, aplicável também ao STJ).

134

Englobando esses 7 (sete) requisitos é o que defende Fernando Anselmo Rodrigues: “Os requisitos de admissibilidade dos recursos são aqueles elencados no Código de Processo Civil, quais sejam: cabimento, legitimação para recorrer, interesse em recorrer, tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer” (RODRIGUES, Fernando Anselmo. Requisitos de Admisssibilidade do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário, in Aspectos Polêmicos e Atuais do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 186). 135

“Parece-nos preferível alinhar, de um lado, os requisitos intrínsecos, e de outro os requisitos extrínsecos da admissibilidade. Entre os primeiros, examinaremos o cabimento, a legitimação para recorrer, o interesse em recorrer e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer. Na segunda classe, a tempestividade, a regularidade formal, o pagamento das custas e o preparo” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Juízo de Admissibilidade no Sistema dos Recursos Civis. Imprenta: Rio de Janeiro, 1968, p. 46). 136

Súmula 281 do Supremo Tribunal Federal: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”.

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Assim, “os recursos extraordinário e especial têm como pressuposto de

cabimento o esgotamento das vias ordinárias. Sendo cabíveis, ainda, recursos

ordinários, eles é que deverão ser interpostos primeiramente, e não

diretamente os excepcionais. Sendo cabíveis embargos de declaração (CPC,

art. 535) ou embargos infringentes (CPC, art. 530), deverão, antes, ser

empregados estes recursos e, somente após o julgamento dos mesmos (…),

estar-se-á diante de decisão ‘de última instância’ a que se referem os arts. 102,

III, e 105, III, da Constituição Federal”137. Nitidamente a segunda hipótese

citada na doutrina acima foi elaborada ainda na vigência do antigo Código de

Processo Civil, mas o seu racional se aplica com perfeição à situação atual,

que se expõe nesse momento.

Com relação à referência a “única instância”, o significado se extrai da

literalidade das próprias palavras, o que fez com que alguns autores, como

Pedro Miranda de Oliveira, considerarem tal expressão supérflua. Afinal, como

ele pondera, se é única instância, é obviamente também a última e, portanto,

não haveria que existir a distinção posta138.

Vale aqui lembrar uma diferença entre os recursos extraordinário e

especial. Como se nota da disposição de cada um deles constante da

Constituição Federal, o especial é cabível apenas contra decisões (únicas ou

de última instância) proferidas pelos Tribunais Regionais Federais e pelos

Estaduais, enquanto o extraordinário não possui esta ressalva – ou seja, ao

menos em tese, seria cabível contra decisões que violem a Constituição

Federal, mesmo que não proferidas por Tribunal – é a hipótese, por exemplo,

de julgamento em colégio recursal, contra o qual não cabe recurso especial,

mas tão somente extraordinário.

Nesse ponto, diferentemente de diversas outras hipóteses do direito

comparado (Itália, Portugal e Argentina, por exemplo), no Brasil não parece ser

137

MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e Ações Autônomas de Impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 216. 138

“Também são impugnáveis via recurso extraordinário as decisões proferidas em única instância, Contudo, a meu ver, não seria necessário o texto constitucional fazer menção às causas de única instância. Afinal, se é única é também última. Em outras palavras, o adjetivo única é, na verdade, supérfluo, até porque não pode deixar de ser última uma instância que efetivamente seja única. Bastaria, portanto, ao legislador constituinte referir-se à decisão de última instância” (OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo Sistema Recursal, conforme o CPC/2015. 3ª ed., Florianópolis: Empório do Direito, 2017, pp. 320/321).

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cabível o recurso per saltum, ou seja, aquele interposto direto para a Corte

Suprema, antes de esgotadas as demais vias. Seria como interpor um recurso

extraordinário de uma sentença, se ela violasse a Constituição Federal, ao

invés de se apresentar o competente recurso de apelação. Cumpre ressaltar

que a doutrina esmagadoramente majoritária, em consonância com o que

prevê os arts. 102 e 105, entende não ser cabível o recurso per saltum (é o

caso da Prof.ª Teresa Arruda Alvim Wambier, do Prof. Arruda Alvim e de Fredie

Didier Jr., por exemplo). Há uma minoria, porém, como Pedro Miranda de

Oliveira que defende o oposto, acreditando ser possível o recurso per saltum,

pois isto traria maior efetividade ao processo, além de auxiliar em sua duração

razoável (defende, inclusive, a possibilidade por acordo entre as partes que

assim preveja)139.

O atual Código de Processo Civil, por outro lado, eliminou a discussão

que havia no diploma de 1973 em relação ao cabimento de recurso especial

contra decisões do relator, proferidas com base no art. 557 do código então

vigente, mas que eram irrecorríveis. Agora, com a previsão de cabimento de

agravo interno contra toda decisão do Relator, como prevê o art. 1.021, as

decisões monocráticas não serão proferidas em caráter de última instância,

havendo a possibilidade de, caso interposto o agravo interno, haver

pronunciamento do colegiado previamente à interposição de recursos para as

Corte Superiores.

Com relação ao tema, além disso, na hipótese de julgamento de

embargos de declaração quando já houver sido interposto o recurso pela outra

139

“Se os recursos, de um lado, compõem a gama de direitos processuais que visam à segurança jurídica, de outro, a sobreposição de sucessivos graus de jurisdição acarreta demora na entrega da prestação jurisdicional. É nesta perspectiva que muitos países instituíram a inovadora figura do recurso per saltum da primeira instância para o Tribunal Superior (de sobreposição) quando as partes apenas tiverem suscitado questões de direito. A possibilidade de utilização desse recurso constitui uma forma atípica de invocação e ordenação dos graus jurisdicionais. Com o aludido instrumento, admite-se a interposição de um recurso contra decisão judicial de primeiro grau, diretamente para a Corte Especial (tribunal de sobreposição), sem a intervenção do tribunal de segunda instância. (…) Para que tenha cabimento o recurso per saltum impõe-se que não haja discussão de matéria fática, ou que sobre ela não tenha havido controvérsia, restando controvertidas apenas as questões jurídicas, pois, apenas estas permitem saltar um grau de jurisdição, ou mais de um, permitindo o seu conhecimento e julgamento pelo tribunal ad quem. Esse recurso funda-se num suposto lógico, de que toda questão de direito é sempre uma questão de direito, seja na primeira, segunda ou nas instâncias especiais, pelo que, julgada essa questão, não precisa passar pelo reexame dos tribunais inferiores, pois quem dá a última palavra sobre questões de estrito direito no Brasil são os Tribunais Superiores (STJ e STF).” (OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo Sistema Recursal, conforme o CPC/2015. 3ª ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, pp. 314/316).

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parte, não há mais a obrigatoriedade de reiteração, conforme art. 1.024, § 5º140,

do Código de Processo Civil. Por outro lado, se houver alteração do acórdão, o

recorrente terá o prazo de 15 dias para complementar ou alterar (basicamente,

aditar) o recurso já interposto.

Cumpre relembrar que esse tema, também fruto de jurisprudência

defensiva, era bastante discutido e, inclusive, delicado na vigência da

sistemática processual anterior. Afinal, o Superior Tribunal de Justiça

simplesmente optava por não conhecer de recurso especial interposto antes do

julgamento dos embargos de declaração, se não reiterados posteriormente,

ainda que não houvesse alteração do julgado.

A posição chegava, como já se disse, a ser mais drástica, pois não se

conhecia de recurso interposto após o julgamento dos embargos, mas antes da

publicação do acórdão, tal como explorado no item 3.1.1 desse trabalho. Vale

apenas reforçar que esse adiantamento da parte apenas permite maior

celeridade processual e não há razão que justifique não se conhecer do

recurso quando inquestionavelmente concluído o julgamento, tal como

atualmente dispõe o Código de Processo Civil em vigor.

3.4. Matérias fáticas e probatórias

O recurso especial possui uma amplitude de cabimento bastante inferior

aos demais recursos — à exceção do extraordinário —, como o de apelação,

por exemplo, em que absolutamente toda a matéria posta a julgamento em 1º

Grau pode ser novamente tratada pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional

Federal. Para o Superior Tribunal de Justiça, porém, as hipóteses de

cabimento estão restritas na Constituição Federal e as imposições para

admissibilidade são diversas, restringindo-se a um pequeno espaço a

amplitude de questões passíveis de análise, tal como tratado no item 2.1

acima.

É por tal razão, como visto, que se afirma que as Cortes Superiores —

Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça — têm a função

140

“Art. 1.024. O juiz julgará os embargos em 5 (cinco) dias. (…) § 5º. Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação”.

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precípua de preservar a ordem jurídica, fornecendo aos demais tribunais

inferiores as diretrizes de atuação e interpretação das normas constitucionais

e/ou federais. É por isso, também, que se diz que não se está diante de 3º e 4º

Graus de Jurisdição, mas sim de Cortes que visam ordenar a posição a ser

adotada pelos tribunais afora (não são Cortes de cassação).

Sobre o assunto, vale fazer referência às ponderações de Luiz

Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero: “O julgamento de

um recurso extraordinário ou de um recurso especial constitui, portanto, uma

oportunidade para que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de

Justiça outorguem adequada interpretação ao direito, adscrevendo significado

ao discurso do legislador (aos textos constitucionais e legais), reduzindo com

isso o grau de indeterminação inerente ao direito. Em outras palavras, durante

muito tempo a interpretação do direito foi apenas um meio para que essas

cortes de vértice lograssem o fim controle dos casos evidenciados pelas

decisões judiciais recorridas. Com o redimensionamento do papel dessas

cortes, o controle das decisões tomadas no caso concreto (a aplicação do

direito à espécie, como menciona o art. 1.034) é apenas um meio a fim de que

a real finalidade dessas cortes possa ser desempenhada: o oferecimento de

razões capazes de diminuir a indeterminação do direito mediante adequada

interpretação. Se antes a interpretação era o meio e o controle era o fim, agora

o controle do caso é o meio que proporciona o atingimento do fim

interpretação”141.

Mesmo sendo inquestionável que o Código de 2015 trouxe relevantes

inovações nos julgamentos pelos Tribunais Superiores, como se tratará

exaustivamente nos capítulos mais a frente desse trabalho, certo é que as

Cortes permanecem com a vedação de analisar fatos e provas.

Desse modo, o contexto fático realizado pela decisão recorrida deve ser

o ponto de partida para a verificação de ofensa à Constituição Federal ou à

legislação federal, inclusive para fins de rejulgamento da causa, nos termos do

art. 1.034, caput. “Os recursos especial e extraordinário constituem recursos de

141

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. Vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pp. 544/545.

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direito estrito, somente podendo o tribunal superior analisar a questão de direito

submetida ao seu crivo”142.

Isso porque “por meio do recurso especial é possível devolver ao STJ

apenas a matéria de direito federal devidamente prequestionada. A correção de

vícios decorrentes, por exemplo, de má apreciação da prova é insuscetível de

ser feita por intermédio do recurso especial. Já vimos, por exemplo, que o

reexame da matéria fática é proibido em sede de recurso especial o que

significa que a profundidade do efeito devolutivo deste recurso é,

qualitativamente, menor do que o de apelação. Já se disse anteriormente: o

recurso especial é recurso de estrito direito. Repise-se, todavia, que a proibição

de que na instância extraordinária se reexaminem fatos não impede que o STJ

atribua aos fatos, tais como ocorridos, sua correta qualificação jurídica, o que

configura problema de estrito direito. (…) requalificar fatos é matéria de direito,

no caso, à luz do direito federal. Aqui os fatos subsistem à luz da versão que a

eles emprestou o acórdão; ou seja, deve subsistir a descrição empírica dos

fatos, mas essa versão ou essa ‘verdade’ pode ser corrigida, tendo em vista o

seu enquadramento na lei federal, pelo STJ, que pode ser outro, diferente

daquele constante do acórdão recorrido”143.

É possível, portanto, a valoração da prova ou a análise da subsunção do

fato reconhecido pelo acórdão recorrido à norma legal/constitucional,

entretanto, é vedado que se analise novamente fatos e provas (Súmula 7 do

STJ144) quanto à sua existência ou demais aspectos que não sejam inerentes

às questões estritamente de direito.

É nessa linha que caminha boa parte da doutrina: “O material que pode

ser trabalhado em recurso extraordinário e em recurso especial, portanto, é

composto de fatos e de direito — até mesmo porque fato e direito se

interpenetram no processo de delimitação do caso, interpretação e aplicação

do direito. O que não é possível é rediscutir a existência ou inexistência dos

fatos em recurso extraordinário e em recurso especial (Súmula 279 do STF, e

142

DIDIER JR., Fredie. CUNHA DA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., p. 308. 143

ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 883. 144

Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

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Súmula 7 do STJ). Vale dizer: o recorrente tem que trabalhar com o caso em

seu recurso partindo da narrativa fática estabelecida pela decisão recorrida.

Consequentemente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de

Justiça não podem considerar existente fato considerado inexistente e

considerar inexistente fato considerado existente pela decisão recorrida. Essa

perspectiva teórica explica a razão pela qual, por exemplo, é possível obter do

Superior Tribunal de Justiça pronúncia voltada ao adequado dimensionamento

da reparação de danos civis, notadamente de danos morais. Em situações

dessa ordem, discute-se o caso em todos os seus aspectos, mas não se

interfere na conformação do caso outorgada pela decisão recorrida”145.

Nesse sentido, parece que o objetivo de se vedar a análise das provas,

é evitar que o Superior Tribunal de Justiça tenha que se debruçar sobre os

autos novamente para fins de verificar a existência de tal ou qual prova,

necessária para o julgamento da lide. Esta não é, nem deveria mesmo ser, a

função de qualquer das Cortes Superiores, o que as tornaria efetivamente em

uma 3º instância, meramente revisora dos atos dos tribunais.

O que lhe é permitido fazer é, a partir do quadro fático e probatório

delineado pelo acórdão recorrido, revalorar o quanto posto. Isto é, poderia o

Superior Tribunal de Justiça reavaliar o valor que foi dado a determinada prova,

como o reconhecimento de um contrato, incontroversamente existente, como

título executivo. Ou, então, questionar se determinada testemunha deveria

receber tanta credibilidade como a ela concedida pelo julgado objeto do

recurso146.

Nestas hipóteses, não estaria o Tribunal Superior revolvendo o conjunto

fático-probatório dos autos, mas apenas fazendo uma nova valoração das

provas reconhecidamente existentes e dos fatos incontroversos ou delimitados

145

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel, ob. cit., p. 546. 146

“O mero reexame da prova seria o exame mais minucioso, atento e vagaroso das provas constantes dos autos, que deveria levar ao mesmo resultado: à solução de que a subsunção deu-se de modo equivocado. Mas no mero reexame as provas seriam examinadas e reavaliadas individualmente. Não se trata, como no caso da revaloração, de alterar ou inverter a carga valorativa que a instância ordinária tenha atribuído às provas, mas de se perguntar, por exemplo, se seria merecedor de credibilidade o depoimento de tal testemunha que teria empregado termos denotativos de pouca firmeza. Essa atividade, que a jurisprudência chama de (mero) reexame de provas, não se admite realize-se em recurso especial ou recurso extraordinário” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2008, p. 378).

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pelo Tribunal a quo, o que parece ser perfeitamente possível e razoável. Faz-

se aqui, ainda, referência ao item 5.6 do presente trabalho, em que o tema é

abordado ainda mais detidamente para se verificar os limites da atuação do

Superior Tribunal de Justiça.

A diferenciação acerca dos limites da matéria de direito e da matéria de

prova, no entanto, não é tão simples. Afinal, ainda que permitam “o recurso

extraordinário e o especial tão somente a revisão in iure, ou seja, a

reapreciação de questões de direito enfrentadas pelo órgão a quo”, isto “não

esgota as dimensões de um problema bem mais complexo do que à primeira

vista se afigura: a própria distinção entre questões de fato e questões de direito

nem sempre é muito fácil de traçar com perfeita nitidez”147.

É claro que os fatos, assim como as suas provas, devem ser

sucintamente expostos no recurso interposto, inclusive como manda o art.

1.029, I148, do Código de Processo Civil, para que o Tribunal Superior possa ter

real conhecimento da lide no julgamento do direito, entretanto, como dito, é

vedado a ele que reanalise as questões fática e de provas como um todo,

devendo se restringir às considerações postas pela decisão (acórdão)

recorrida, ou seja, aos limites da moldura traçada pelo julgado objeto do

recurso.

3.5. Análise de questões contratuais

A situação acerca da possibilidade de se analisarem cláusulas

contratuais nos recursos excepcionais é bastante semelhante às questões

fáticas e probatórias. Isto porque, até pelo teor da Súmula nº 5 do Superior

Tribunal de Justiça149, não se revela possível a interposição de recurso

especial com fundamento em violação contratual — por mais que o contrato

seja considerado como fazedor de lei entre as partes.

147

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, vol. 5, 1995, pp. 580/581. 148

“Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: I – a exposição do fato e do direito”. 149

Súmula 5 do Superior Tribunal de Justiça: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

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Há que se distinguir, entretanto, mais uma vez, a análise propriamente

dita da cláusula contratual, da revaloração de um determinado ponto pela

decisão recorrida. Ou seja, é possível a qualificação jurídica distinta de uma

cláusula contratual pelo STJ – desde que a valoração ou qualificação levada a

efeito pelo Tribunal a quo viole alguma norma legal, obviamente.

Esta é opinião de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, que

parece razoável, quando ponderam que o mero reexame de provas ou de

cláusula contratual não deveria se confundir com a qualificação jurídica da

prova ou da cláusula contratual, tal como acima já exposto. Isto é, a

qualificação jurídica pode ser analisada pelo tribunal superior no âmbito do

recurso especial (nova valoração da prova). O que não se permite é o simples

reexame da prova ou da cláusula contratual. Nesse sentido, percebe-se:

quando a interpretação da cláusula contratual determinar o tipo do contrato (se

aluguel ou comodato, p. ex.) de que se trata a causa, é possível submetê-la ao

controle jurisdicional por meio do recurso especial (…)”150, quando a análise

deve ser feita da interpretação em si da cláusula, exemplificativamente, não

seria cabível o recurso.

Há, entretanto, relevante questão que vem sobre o tema. Doutrina e

jurisprudência estão consolidados sobre a impossibilidade da análise contratual

pelo e. Superior Tribunal de Justiça, como acabou de se expor. Entretanto,

todo o racional do posicionamento é construído a partir da relação individual

entre duas partes, únicos interessados na resolução do conflito posto ao

Judiciário, o que, supostamente, não demandaria a intervenção do Superior

Tribunal de Justiça.

É cada vez mais comum na atualidade, entretanto, em especial pelos

incontáveis negócios que são feitos via internet, a utilização de contratos de

adesão, com cláusulas padrão, com relação às quais o interessado não tem

sequer a prerrogativa de fazer um único comentário, sugestão ou alteração.

Basta clicar no espaço disponível online, no campo “Li e Concordo com os

Termos”, por exemplo, para que a avença seja celebrada sem qualquer

discussão do ajuste entre as partes.

150

DIDIER JR., Fredie. CUNHA DA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., p. 306/307.

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Com o exponencial crescimento dessa modalidade de relação, há que

se questionar se não haveria espaço para que o Superior Tribunal de Justiça

pudesse analisar a cláusula contratual de adesão, ou de contratos coletivos e

repetidos, como no exemplo, a fim de dar a correta interpretação da situação,

inclusive no intuito de evitar litígios repetidos sobre o mesmo tema, exatamente

pela falta de um precedente sólido.

Guilherme Recena flerta com o tema em sua dissertação de mestrado,

levantando bem a questão, mas deixando de dar uma resolução final151. Trata-

se das “normas tipicamente vagas”, como ele chama, hipótese em que o

Superior Tribunal de Justiça deveria reconhecer a distinção daquelas que

justificaram a edição de sua Súmula de nº 5, a fim de fixar um direcionamento

de interpretação para tais cláusulas contratuais que, em seu resultado prático,

são eminentemente coletivas152.

3.6. Prequestionamento

É notório que se exige, para processamento do especial, que a matéria

nele impugnada esteja prequestionada, ou seja, que tenha sido tratada pelo

Tribunal a quo no acórdão recorrido153. A história recente deixa transparecer

151

COSTA, Guilherme Recena. Superior Tribunal de Justiça e recurso especial: análise da função e reconstrução dogmática. Dissertação de mestrado. São Paulo. Universidade de São Paulo. 2011, pp. 203/208. 152

“Sendo a norma, em tais casos, uma manifestação acentuadamente jurispruidencial, para que a aplicação de cláusulas gerais, standards e conceitos jurídicos indeterminados seja consistente, é enorme a importância do estudo dos casos. Seu desenvolvimento ocorre, assim, sobretudo por meio de um raciocínio tópico, e não por um pensamento axiomático-dedutivo, já que o texto legal, por si só, diz pouco ao julgador. No entanto, a partir da análise de problemas concretos, vão sendo tomadas decisões que concretizam, pouco a pouco, as normas vagas, de acordo com os valores a que elas remetem. A partir daí, cabe comparar as rationes decidendi dos precedentes pertinentes, podendo-se induzir regras que vão progressivamente delimitando os contornos da cláusula”. (COSTA, Guilherme Recena. Superior Tribunal de Justiça e recurso especial: análise da função e reconstrução dogmática. Dissertação de mestrado. São Paulo. Universidade de São Paulo. 2011, p. 213). 153

“O requisito do prequestionamento é da própria essência do recurso especial. Com efeito, não é possível cogitar-se tenha havido ofensa a tratado ou lei federal (de molde a ser cabível o recurso especial pela alínea a do inc. III do art. 105 do texto constitucional), por parte do acórdão local, se a decisão não tiver ferido a questão federal sob foco. Igualmente, não é concebível recorrer pela alínea c do inc. III do art. 105 (divergência jurisprudencial), se o tribunal proferiu o acórdão recorrido não tiver tratado da questão federal, pois não haverá divergência jurisprudencial” (ALVIM, Eduardo Arruda. ALVIM, Angélica Arruda. Recurso especial e prequestionamento, in Aspectos Polêmicos e Atuais do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 160).

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que essa exigência tem origem na expressão causa decidida constante do art.

105, III, da Constituição Federal154. O raciocínio formado pela jurisprudência

tem razão de ser, afinal, para que a causa seja decidida previamente, deve ela

ser objeto de análise pelo Tribunal a quo. Daí teria se originado o requisito do

prequestionamento para abrir a via do recurso especial155.

Como bem ponderam, novamente, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro

da Cunha, “para que haja pré-questionamento, não basta a simples indicação

ou menção a dispositivo ou a preceito normativo; é preciso haver manifestação

sobre o tema, debate ou discussão. A discussão, a manifestação ou o debate

sobre o tema configura o pré-questionamento, ainda que não tenha sido

mencionado ou indicado o dispositivo ou preceito normativo”156.

Inicialmente há, desse modo, duas formas de prequestionamento: (i) o

expresso ou explícito, em que a decisão recorrida menciona expressamente o

dispositivo de lei ou constitucional tido como violado; e (ii) o implícito, em que a

decisão, apesar de tratar da matéria em discussão, não menciona qualquer

dispositivo. Ainda nesta hipótese tem-se por prequestionados os artigos de lei

federal que fundamentem o eventual recurso.

Muito embora com posição controversa sobre a possibilidade de análise

da prescrição pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que não prequestionada,

o que será objeto de capítulo pertinente, Alexandre Câmara, bem define o

requisito de admissibilidade ora explorado: “Prequestionamento é a exigência

de que o recurso especial ou extraordinário verse sobre matéria que tenha sido

expressamente enfrentada na decisão recorrida. É que só se admite o recurso

extraordinário (ou o recurso especial) a respeito de causas decididas (para se

usar aqui a terminologia empregada no texto constitucional). Significa isto dizer

que o RE e o REsp só podem versar sobre o que tenha sido decidido, não

sendo possível, nestas duas espécies recursais, inovar suscitando-se matéria

154

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (…) III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida (…)”. 155

“O prequestionamento foi consolidado jurisprudencialmente, por tradição histórica. A expressão ‘causa decidida’ (arts. 102, III e 105, III, da CF) conteria tal exigência” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 308/309). 156

Ob. cit., p. 311.

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(ou fundamento) que não tenha sido suscitado e apreciado na decisão

recorrida”.

Logo em seguida complementa, “pense-se, por exemplo, em um

processo em que não tenha sido suscitada, nas instâncias ordinárias, a

prescrição. Não obstante a existência de dispositivo legal a estabelecer que a

prescrição pode ser deduzida em qualquer grau de jurisdição (art. 193 do CC),

deve-se compreender tal disposição no sentido de que essa matéria pode ser

deduzida originariamente a qualquer tempo nas instâncias ordinárias. Não

tendo sido a matéria submetida ao debate em contraditório nas instâncias

ordinárias, porém, não será possível deduzi-la originariamente em grau de

recurso extraordinário ou especial, por não se tratar de matéria ‘decidida’, ou

seja, por faltar prequestionamento.”157.

Desse modo, diante da indispensabilidade do prequestionamento para

que sejam admitidos os recursos, os embargos de declaração passaram a ser

utilizados também com o intuito de forçar o Tribunal a se manifestar sobre

questão posta, a fim de viabilizar a interposição de recursos para as Cortes

Superiores. “Assim, e por isso, o recurso de embargos de declaração passou a

prestar-se legitimamente para cobrar do órgão que proferiu a decisão a ser

impugnada por recurso extraordinário ou recurso especial que se refletisse

efetivamente na decisão a discussão que se tinha travado entre as partes ao

longo do processo. Tais embargos eram e são interpostos para que o órgão

prolator da decisão supra essa omissão”158.

Tendo em vista a impossibilidade dos Tribunais Superiores analisarem

fatos e provas, os embargos de declaração eram muito utilizados também no

intuito de provocar o Tribunal de origem a se manifestar sobre questões não

postas no acórdão recorrido, a fim de que o Supremo Tribunal Federal e o

Superior Tribunal de Justiça pudessem fazer a análise do conflito sem adentrar

ao conjunto fático-probatório dos autos, mas apenas verificando eventual

subsunção do quanto posto na decisão com a norma, ou seja, analisando a

157

CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016, 2ª ed., pp. 540/541. 158

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 2ª ed., p. 401.;

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moldura fática estabelecida pelo acórdão recorrido. Teresa Arruda Alvim

ressalta que “se o tribunal só inclui expressamente na decisão os fatos em que

efetivamente baseou a solução normativa encontrada e não aqueles que foram

por ele desprezados, porque considerados, por exemplo, irrelevantes, não

tendo sido levado em conta, fica difícil, senão impossível para a parte

demonstrar, para fins de mera admissibilidade do recurso excepcional, que a

decisão deveria ser outra, porque outros fatos deveriam ter sido levados em

conta pelo Tribunal a quo para decidir”159.

Nova discussão surgia nesse momento, refletindo posicionamentos

distintos dos Tribunais Superiores: o que aconteceria se, mesmo com a

oposição dos embargos de declaração, o Tribunal a quo não se manifestasse

sobre a questão posta? Entendia o Superior Tribunal de Justiça160 que o

requisito do prequestionamento não estava preenchido, pois não teria ocorrido

a efetiva análise do tema para permitir a ele a sua revisão (Súmula 211161). O

Supremo Tribunal Federal, de maneira mais razoável, entendia que, uma vez

opostos embargos de declaração, tal ato seria suficiente para se considerar as

questões ali suscitadas como prequestionadas caso o Tribunal se mantivesse

omisso (Súmula 356162). Isto é, sucintamente, o que se chama de

prequestionamento ficto.

159

Aut. cit., Sobre a necessidade de cooperação entre os órgãos do Judiciário para um processo mais célere – ainda sobre o prequestionamento, in Direito e Democracia, Canoas, vol. 7, n. 2, 2º semestre de 2006, p. 407/426 – trecho da p. 9 do artigo. 160

Anos antes o Superior Tribunal de Justiça chegou a entender que a oposição de embargos de declaração poderia até ser dispensada se a questão foi suscitada pela parte, ainda que não constasse expressamente do acórdão: “Adotando o posicionamento que, modo geral, vem sendo prestigiado neste Superior Tribunal de Justiça, não levo a rígidos balizamentos o pressuposto, que mantenho, de a matéria haver sido questionada no decorrer do processo. Assim, em linha de princípios, admitido o questionamento implícito, decorrente do conjunto das alegações formuladas pela parte. Ainda em linha de princípios, dispenso, nos casos de omissão do acórdão, deva ser a matéria reavivada em embargos declaratórios, quando se cuide de tema já claramente questionado no decorrer do contraditório; diga-se que outros são os objetivos processuais dos embargos de declaração, os quais podem suprir omissão nos fundamentos da sentença ou do acórdão quando tal omissão seja suscetível de prejudicar a execução do julgado, ou de prejudicar a compreensão do conteúdo e extensão do ‘decisum’, hipóteses estas que refogem, vênia máxima, ao tema dos pressupostos constitucionais de admissibilidade do apelo extremo” (RSTJ 15/233, citação p. 242, voto do Min. Athos Carneiro). 161

Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”. 162

Súmula 356 do Supremo Tribunal Federal: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.

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Cumpre observar que o Código de Processo Civil de 2015 coloca,

corretamente, uma pá de cal na questão, quando dispõe em seu art. 1.025 que

“consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou,

para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam

inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro,

omissão, contradição ou obscuridade”. A opção do legislador por esse conceito

“merece aplausos, pois concretiza o verdadeiro acesso à justiça e viabiliza que

os tribunais superiores decidam as causas em prol da primazia do mérito”163.

O art. 489164, do atual diploma, também veio para auxiliar no tema,

impondo aos juízes a obrigação de fundamentar minimamente as decisões,

listando-se exaustivos requisitos, inclusive, a obrigação de se manifestar não

apenas sobre os fatos e fundamentos acolhidos, mas também sobre os

rejeitados, expondo as razões de decidir para tanto.

Logo, se opostos os embargos de declaração e, ainda assim,

permanecer o vício, não haverá necessidade de retorno dos autos; o Superior

Tribunal de Justiça poderá julgar de imediato o recurso, pois as matérias nele

postas consideram-se como prequestionadas, ainda que não tenha o Tribunal a

quo sobre todas elas se manifestado (desde que provocado por embargos de

declaração).

163

GOÉS, Gisele Santos Fernandes. As questões de ordem pública nos recursos excepcionais, in Questões Relevantes sobre Recursos, Ações de Impugnação e Mecanismos de Uniformização da Jurisprudência após o primeiro ano de vigência do novo CPC. Coord. Bruno Dantas, Cassio Scarpinella Bueno, Cláudia Elisabete Shwerz Cahali e Rita Dias Nolasco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 250. 164

“Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1

o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença

ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”

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100

3.7. Repercussão Geral – Propostas de Emenda Constitucional

(“PEC”) 209/12 e 17/2013

A partir de proposta elaborada pelos próprios ministros do Superior

Tribunal de Justiça, a PEC 209 de 2012, assinada pela então Deputada Rose

de Freitas e pelo Deputado Luiz Pitiman, busca, em suma, estabelecer aos

recursos especiais, filtro semelhante aos recursos extraordinários com base na

repercussão geral do caso analisado.

Nesse sentido, o objetivo da emenda — já aprovada neste ano de 2017

pela Câmara dos Deputados — é alterar o artigo 105 da Constituição Federal,

para incluir um parágrafo adicional (§ 1º de acordo com a proposta), que teria a

seguinte redação:

“§ 1º No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento”.

À PEC 209/2012, originada na Câmara dos Deputados, some-se a PEC

17/2013, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, que nada mais fez do que

alterou o órgão que seria o competente para analisar o requisito imposto pela

eventual futura alteração da Constituição. Retira-se a referência a dois terços

dos membros do órgão competente para o julgamento do recurso e, mantendo-

se o mesmo quórum, insere-se a referência à Corte Especial165.

A redação é de extrema semelhança com a previsão do § 3º do art. 102,

Constituição Federal166, que estabelece o filtro da repercussão geral para

admissibilidade do recurso extraordinário. A alteração se resume, basicamente,

165

Texto da PEC 17/2013: “Art. 105 (…) § 1º No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros da Corte Especial”. 166

“Art. 102, § 3º, Constituição Federal: “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.

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101

na retirada do termo “repercussão geral” e inclusão de “relevância”, o que

apesar de possuir o mesmo sentido, poderá dar margem para interpretações

ainda mais amplas, já que ambos os conceitos são inquestionavelmente

genéricos e subjetivos.

A repercussão geral do extraordinário já vinha sendo considerada pela

doutrina como a “relevância da questão discutida no RE – essa relevância deve

ser de tal monta que cause impacto do ponto de vista econômico, político,

social ou jurídico para além dos interesses subjetivos da causa”167. O que nada

mais é do que uma definição genérica para um conceito propositadamente

genérico.

Ato contínuo, as preocupações da comunidade jurídica são

consequências lógicas. Afinal, como a proposta da nova norma constitucional

empurra para a lei a competência de, efetivamente, reger de maneira mais

precisa os critérios de definição da relevância a justificar a interposição do

recurso especial, não é demais dizer ser impossível prever como funcionará, na

prática, o formalismo que poderá vir a ser imposto, embora seja inequívoca a

necessidade de se instaurar um filtro aos recursos especiais, a fim de

desafogar minimamente o Superior Tribunal de Justiça, em especial daqueles

casos em que sua intervenção não se faz necessária168.

167

NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 392. 168

Carlos Mário da Silva Velloso, em artigo que versa exatamente sobre a morosidade do Poder Judiciário diz sobre a falta de senso lógico no sistema recursal que obriga as Cortes mais altas do país a intervir em questões que assim não deveriam demandar: “O sistema recursal, com um número muito grande de recursos, é irracional. O despejo de um botequim pode chegar ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. O superior Tribunal de Justiça tem decidido recursos sem nenhuma relevância jurídica ou social, como, por exemplo, recursos em que se discute se é possível a criação de cães em condomínios de apartamentos. Dizia que que o despejo de um botequim pode chegar ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal. Exemplifico e demonstro a afirmativa: a sentença de 1º grau decreta o despejo. A apelação para o tribunal de 2º grau é perfeitamente cabível, dado que o requisito do cabimento desse recurso é o sucumbimento, apenas. Interposta a apelação, é ela, meses depois — ou até anos depois — improvida. A parte vencida interpõe, então, recurso especial para o STJ e recurso extraordinário para o STF. Ambos os recursos, de regra, são incabíveis. O presidente do tribunal vai inadmiti-los, certamente. Serão interpostos, então, dois agravos, um para o STJ, primeiro. Lá, o Relator nega-lhes provimento. Segue-se a interposição de agravo para a Turma, que, meses depois, confirma a decisão. Publicado o acórdão, o que demanda algum tempo, é interposto o recurso de embargos de declaração, que serão rejeitados. A publicação do acórdão vai demorar mais algum tempo. Muita vez são interpostos embargos de declaração. Encerrada a questão no STJ, segue-se a repetição de tudo o que se narrou no Supremo Tribunal Federal”. (VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder Judiciário: Como torná-lo mais ágil e dinâmico: efeito vinculante e outros temas. In Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 212, 7-26, abr-jun/1998, pp. 10/11).

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102

A discussão que naturalmente vem à tona, portanto, é sobre a

delimitação acerca do que se entenderá por suficientemente relevante para

permitir a superação do filtro da repercussão geral para o prosseguimento do

recurso especial interposto.

Muito se diz, por exemplo, que deveria ser considerada uma limitação

objetiva por valor envolvido na ação. Ainda que a uma primeira vista se tenha

uma impressão de que uma ação com valor milionário envolvido se suporia ser

mais complexa e relevante, não se pode deixar de lado relevantes discussões

jurídicas, conceituais em especial, em que, muitas vezes, não há um valor

monetário envolvido, mas demandam a intervenção do Superior Tribunal de

Justiça na relevante função que exerce como orientador de posicionamentos.

No caso da repercussão geral para o recurso extraordinário, a Lei nº

11.418/2006 buscou regular a questão com a redação conferida ao art. 543-A,

hoje praticamente reproduzida no art. 1.035169, mas, ao fim e ao cabo,

continuaram a ser genéricas as balizas de orientação do filtro então criado.

As semelhanças com o requisito da repercussão geral existente para o

recurso extraordinário são diversas e as comparações, inevitáveis. Não por

outra razão, ainda, na hipótese de aprovadas as propostas, devem as

169

“Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1

o Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou

não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo. § 2

o O recorrente deverá demonstrar a

existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal. § 3

o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que: I - contrarie súmula

ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; II – (Revogado); III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal. § 4

o O relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a

manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 5

o Reconhecida a repercussão geral, o relator no

Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional. § 6

o O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de

origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento. § 7º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 6º ou que aplicar entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos caberá agravo interno. § 8

o Negada a repercussão geral, o

presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica. § 9

o O recurso que

tiver a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.§ 10. (Revogado). § 11. A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no diário oficial e valerá como acórdão.”

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103

previsões legais, infraconstitucionais, portanto, ser consideradas também como

parâmetros gerais da relevância casuística como requisito de admissibilidade

do recurso especial. É o caso, por exemplo, do art. 1.035, § 1º do Código de

Processo Civil, ao dispor que “para efeito de repercussão geral [e, na hipótese,

de relevância], será considerada a existência ou não de questões relevantes do

ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os

interesses subjetivos do processo”. E, ainda, a previsão do § 2º do mesmo

dispositivo, que impõe ao recorrente a demonstração da repercussão geral de

seu recurso. Na mesma linha, o art. 987, § 1º, também do diploma processual,

que presume a repercussão geral de recurso extraordinário interposto em

incidente de resolução de demanda repetitiva170.

As PECs não esclarecem esse paralelo com o recurso extraordinário,

mas a comparação, como se disse, é absolutamente inevitável. O que gerará

maiores dúvidas, porém, é o rito, já na Corte Superior, da relevância dos casos

de repercussão geral e do caráter vinculante que possuem para os demais

Tribunais do país. Têm-se dúvidas se deve ser estabelecido rigorosamente o

mesmo peso para os casos do Superior Tribunal de Justiça, que julgam em

volume muito maior e questões muito mais particulares do que aquelas que

ofendem a Carta Magna brasileira, analisadas pelo Supremo em sua função

constitucional.

De todo modo, a comparação entre os filtros dos recursos é natural, até

porque o estímulo para a adoção da repercussão geral para o recurso especial

vem, também, do recurso extraordinário e do seu atual funcionamento. Afinal,

argumenta-se que o Superior Tribunal de Justiça estaria por demais

assoberbado, com recursos inúmeros que lá chegam diariamente para a

análise de cada um dos seus 33 Ministros. Fazendo um ilustrativo paralelo, a

Corte estaria às vésperas de enfrentar situação como a crise do Supremo (cf.

item 1.2 acima), que resultou exatamente na fragmentação da competência

daquela Corte e, em seguida, na criação do Superior Tribunal de Justiça para

análise de recursos que versem sobre questões de direito federal.

170

“Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso. § 1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida”.

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104

Para demonstrar referida situação, os propositores da emenda citam que

o Supremo Tribunal Federal recebeu no ano de 2007, 159.522 (cento e

cinquenta e nove mil, quinhentos e vinte e dois) processos. Com a entrada em

vigor, naquele ano, do filtro da repercussão geral, já no ano de 2011, o número

de recursos caiu significativamente, para 38.109 (trinta e oito mil, cento e nove)

processos, o que equivale a uma redução de cerca de 75%171.

Assim, a justificativa da proposta de emenda constitucional consigna que

“resta por necessária a adoção do mesmo requisito no tocante ao recurso

especial, recurso esse de competência do STJ. A atribuição de requisito de

admissibilidade ao recurso especial suscitará a apreciação de relevância da

questão federal a ser decidida, ou seja, devendo-se demonstrar a repercussão

geral, considerar-se-á a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de

vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses

subjetivos da causa. Atualmente, vige um modelo de livre acesso, desde que

atendidos os requisitos já explicitados como constantes do inciso III, do art.

105, da Constituição Federal. De tal sorte, acotovelam-se no STJ diversas

questões de índole corriqueira, como multas por infração de trânsito, cortes no

fornecimento de energia elétrica, de água, de telefone. Ademais, questões,

inclusive já deveras e repetidamente enfrentadas pelo STJ, como correção

monetária de contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que,

nos primeiros 16 (dezesseis) anos de funcionamento do STJ, respondeu cerca

de 21,06% do total de processos distribuídos, um quantitativo de vultosos

330.083 (trezentos e trinta mil e oitenta e três) processos”, continuam a ser

diariamente distribuídas.

Não restam dúvidas de que a situação é bastante grave e merece

atenção, até para permitir que o Superior Tribunal de Justiça possa atuar da

maneira correta, intervindo nos casos estritamente necessários, ao invés de

analisar situações corriqueiras cujo posicionamento da Corte já está formado e

estabilizado — evidentemente não se pode engessar o sistema e há de haver

uma forma de revisão de precedentes, até porque a própria sociedade evolui e

muda com o tempo.

171

O exame dos números de recursos na atuação do Supremo Tribunal Federal e os efeitos da implantação da repercussão geral como requisito do recurso extraordinário é bem exposto em trabalho de Eduardo Cambi e Aline Regina das Neves (aut. cit. Repercussão geral e PEC 209/2012 in Revista de Processo, vol. 220/2013, pp. 183/206, jun/13).

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105

A situação, tal como a do Supremo durante a sua crise, demanda uma

“solução drástica ante a falência do sistema, que atualmente impede o

exercício minimamente saudável das elevadas atribuições da Corte”172, o que

poderia indicar o acerto das propostas de emenda constitucional que buscam,

de certo modo, limitar os recursos especiais que terão trânsito, desde que

considerado o filtro com a necessária razoabilidade e não como mais uma

simples alternativa para genérica e injustificadamente se diminuir o volume de

trabalho.

Por outro lado, também por isso, o atual Código de Processo Civil busca

dar uma maior prevalência aos precedentes e evitar assim sucessivos recursos

de matérias já pacificamente decididas, em especial pelas Cortes Superiores. É

uma medida que caminha no mesmo sentido e com o mesmo objetivo da

implementação de um novo filtro ao recurso especial. Não se questiona que

uma inovação, ainda que relevante como essa, carregue consigo um grau de

insegurança pela incerteza do que dali se advirá. O grande desafio é

estabelecer critérios palpáveis e razoáveis para evitar uma restrição por demais

alongada, que possa impedir a intervenção do Superior Tribunal de Justiça em

eventuais casos que assim demandem, muito embora de aparente menor

expressão173.

A força dos precedentes deve, portanto, ser um aliado ao filtro que a

PEC 209/2012 busca implementar, como forma de tentar dar maior celeridade

e segurança jurídica aos processos, desde que, obviamente, utilizado com

razoabilidade e bom senso, algo que muitas vezes se vê faltar em juízo, de

parte a parte.

Não se acredita, ao contrário de outros autores174, que o maior problema

do Superior Tribunal de Justiça seja o número baixo de ministros, mas sim a

172

Embora falando da Crise do Supremo, a situação é idêntica e se aplica com perfeição ao cenário atual do Superior Tribunal de Justiça. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 454. 173

Sobre o tema, ler SERAU JR., Marco Aurélio. DONOSO, Denis. Relevância da questão federal como filtro de admissibilidade do recurso especial: análise das propostas de emenda constitucional n. 209/2012 e n. 17/2013., in Revista de Processo, vol. 224/2013, pp. 241/251, out/2013. 174

“O número de ministros do STJ é reduzido, se o compararmos com tribunais que, em outros países, exercem função parecida. A Corte de Cassação italiana, por exemplo, tinha no ano de 2010, 360 juízes. A Corte de Cassação francesa tem 120 Conseillers e 70 conseillers référendaires. Evidentemente, há diferenças entre as estruturas do Judiciário brasileiro e a dos

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concentração errada de esforços. Os números da repercussão geral no

Supremo demonstram a redução no número de recursos e não se nota um

prejuízo na qualidade do que se julga. A atuação da Corte, portanto, foi

concentrada de maneira mais adequada. O mesmo precisa ser feito com a

outra Corte Superior e o filtro pode auxiliar nesse árduo trabalho.

Não se pode deixar de ponderar que, a bem da verdade, a real solução,

embora bastante utópica, passa por uma necessária alteração de mentalidade

e cultura do país, cujos litigantes, com ou sem filtro de relevância da matéria,

continuarão a recorrer incansavelmente na busca pelo êxito de sua tese, assim

como os Tribunais muitas vezes continuarão a julgar sem a atenção

necessária, causada especialmente pelo gritante excesso de trabalho.

Enquanto toda a cultura do país não mudar nesse sentido, com sensibilidade,

razoabilidade de todos envolvidos no processo judicial, filtros diversos, por

mais criativos que sejam, nunca serão suficientes.

referidos países, mas a comparação demonstra que o número de ministros no Superior Tribunai de Justiça, especialmente se consideradas as peculiaridades e a amplitude do direito federal infraconstitucional brasileiro é muito pequeno” (MEDINA, José Miguel. Sobre a PEC n. 209/2012, que pretende instituir o requisito da ‘relevância’ da questão federal para o recurso especial. Cadernos Jurídicos da OAB-PR 35/3).

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4. EFEITOS DOS RECURSOS

É com sinceridade que se inicia este capítulo ponderando nunca ser

tarefa fácil tratar dos efeitos recursais. A doutrina oscila com relação aos

efeitos realmente existentes e, em especial, com relação à sua classificação ou

subclassificação, já que muitas vezes são considerados como desdobramentos

de um efeito maior de classificação anterior.

Assim, muito embora o foco principal do trabalho seja o efeito devolutivo

e o translativo do recurso especial, especificamente quanto à atuação do

Superior Tribunal de Justiça no caso concreto, não parece razoável adentrar a

esse tema, sem antes fazer um apanhado mais amplo daqueles efeitos hoje

considerados como existentes com relação aos recursos de um modo geral.

Já se adianta, nesse sentido, que aqui se abordarão os conceitos de

seis efeitos considerados pela doutrina, sem a pretensão de defender a sua

exaustividade ou a correção da tal classificação, mas, por serem aqueles mais

mencionados, vale aqui a sua breve análise. São eles: (i) devolutivo; (ii)

suspensivo; (iii) translativo; (iv) expansivo; (v) substitutivo; e (vi) obstativo.

Claramente, os dois primeiros são os efeitos que ninguém é capaz de

não considerar. Os demais enfrentam certa alternância, mas são, como dito, os

mais abordados pela doutrina. Assim, enquanto aqueles são considerados

como os efeitos básicos175 dos recursos, os demais são tratados como

consequências consideradas com a interposição e posterior julgamento.

Nesse ponto, inclusive, há que se diferenciar o efeito recursal obstativo

que, como se demonstrará, é sentido logo no momento da interposição,

enquanto os efeitos devolutivo176, translativo, expansivo e substitutivo são

notados, ou melhor, geram consequências, após o julgamento do recurso. O

efeito suspensivo, por sua vez, pode ser notado, inclusive, previamente à

interposição do recurso, ainda que em casos excepcionais, tal como autoriza o

175

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, p. 1.005. 176

Há quem defenda, como Alexandre Freitas Câmara (O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016, 2ª ed., p. 504), que o efeito devolutivo é também originado pelo simples ato de interpor o recurso, haja vista que a mera interposição seria capaz de devolver a análise da matéria. Essa hipótese não é 100% verdadeira, já que o recurso pode vir a não ser admitido, o que não devolveria, efetivamente, a análise da matéria recorrida.

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parágrafo único do art. 995 do Código de Processo Civil177, ou ser uma

consequência automática da própria interposição, para aqueles casos em que

o recurso já é dotado do efeito suspensivo por força de lei, como a apelação, a

título exemplificativo178.

Feita essa brevíssima introdução sobre os efeitos dos recursos, assim

como do objetivo do presente capítulo, passa-se a tratar de cada um dos seis

efeitos aqui considerados.

4.1. Efeito obstativo

Principie-se a exposição com o mais simples dos efeitos recursais: o

obstativo ou também nomeado impeditivo. Trata-se de efeito que efetivamente

é gerado pela simples interposição de um recurso admissível e que possui a

virtude de obstar, ou impedir, como a própria nomenclatura já permite

compreender, a preclusão com relação à decisão recorrida, ou, então, o seu

trânsito em julgado.

É o que a doutrina explora: “A interposição do recurso tem o condão de

obstar a preclusão e a formação de coisa julgada, mantendo o processo

pendente até o seu julgamento. Mais propriamente, aliás, até o momento do

escoamento do último prazo recursal. A interposição do recurso – ou a

existência de prazo recursal pendente – impede a preclusão e o trânsito em

julgado das decisões judiciais. Todos os recursos têm o condão de impedir a

preclusão e, em sendo o caso, a formação de coisa julgada”179.

O recurso há de ser, entretanto, admissível para que o efeito obstativo

possa ser gerado. Afinal, o recurso inadmissível não gera qualquer efeito, pois

não tem a prerrogativa de causar nenhuma consequência na decisão que ele

ataca. Como exemplo clássico tem-se o recurso intempestivo, haja vista que no

momento de sua interposição a decisão recorrida já havia transitado em

julgado.

177

“Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso. Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso. 178

“Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo”. 179

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 527.

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Assim, “uma vez interposto recurso admissível – isto é, recurso que

preencha todos os seus requisitos de admissibilidade -, a decisão recorrida não

se estabiliza, não se torna firme (não havendo que se falar nem em preclusão

da matéria decidida nem em formação – se for o caso – de coisa julgada).

Evidentemente, porém, este efeito só se produz se o recurso for admissível,

mas não se é ele inadmissível. Basta pensar no caso de um recurso

intempestivamente interposto contra uma sentença de mérito. É evidente que,

neste caso, não poderia o recurso intempestivo impedir a formação de uma

coisa julgada que, no momento de sua interposição, já estava formada”180.

O efeito obstativo, portanto, está regularmente presente no recurso

especial, haja vista que, quando da interposição de um reclamo admissível ao

Superior Tribunal de Justiça, será obstado o trânsito em julgado do acórdão

recorrido e é, a título de ilustração, exatamente por isso que se afirma que as

execuções promovidas durante a pendência de julgamento de tais recursos nas

cortes superiores, será sempre provisória181.

4.2. Efeito suspensivo

O efeito suspensivo, também como se pode extrair de sua nomenclatura,

é aquele que tem o condão de sustar a imediata eficácia da decisão recorrida.

O Código de Processo Civil de 1973 tinha o efeito suspensivo como regra dos

recursos, de modo que as exceções se davam com a eficácia imediata das

decisões, salvo as previsões legais em sentido contrário.

Era o que dispunha, por exemplo, o art. 542, § 2º, no sentido de que “os

recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo”. Na

mesma linha, o art. 497, segundo o qual o recurso extraordinário e o recurso

especial não impedem a execução da sentença; a interposição do agravo de

instrumento não obsta o andamento do processo (…)”.

Já o Código de Processo Civil de 2015 alterou a regra, estabelecendo

que geralmente os recursos não serão dotados de efeito suspensivo, salvo

180

CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016, 2ª ed., pp. 504/505. 181

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 199.

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disposição expressa de lei (art. 995182). A regra da presença do efeito

suspensivo permaneceu, única e tão somente, para o recurso de apelação183.

Para os demais casos, a parte deverá se valer da exceção prevista no

parágrafo único do art. 995, que permite a concessão de efeito suspensivo a

recurso originariamente dele não dotado “se da imediata produção de seus [da

decisão] efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação,

e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso”184.

Previsão semelhante já constava do antigo diploma processual para

aqueles casos que não possuíam o efeito como inerentes à interposição, que é

o caso do agravo de instrumento, por exemplo, cuja autonomia era dada ao

relator, nos termos do art. 558 então vigente: “O relator poderá, a requerimento

do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens,

levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais

possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a

fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento

definitivo da turma ou câmara”.

Diz-se, assim, que o efeito suspensivo é ope legis, quando decorrer

diretamente de determinação legal, que não é mais a regra, como mencionado,

no sistema processual civil em vigor. Por outro lado, o efeito suspensivo é ope

iudicis, quando decorre de uma decisão judicial, ainda que os requisitos para a

concessão judicial do efeito suspensivo estejam, também, previstos em lei.

182

“Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso. Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação ,e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso”. 183

“Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo. § 1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que: I – homologa divisão ou demarcação de terras; II – condena a pagar alimentos; III – extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado; IV – julga procedente o pedido de instituição de arbitragem; V – confirma, concede ou revoga tutela provisória; e VI – decreta a interdição.” 184

Sobre o tema: “(…) o efeito suspensivo (impedimento da imediata execução do decisório impugnado), que era a regra geral para o Código de 1973, passou a ser a exceção no novo CPC, prevista apenas para a apelação (art. 1.012, caput). Assim é que o art. 995 dispõe que ‘os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso’. Apenas excepcionalmente a decisão será suspensa, ‘se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso’ (parágrafo único do art. 995). Isto, todavia, dependerá sempre de decisão do relator” (THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, p. 1.005).

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Há sensível diferença entre as duas hipóteses, pois, na primeira, não se

considera que houve a suspensão da eficácia da decisão recorrida

propriamente dita, mas sim uma prolongação da suspensão que já tinha se

iniciado quando da prolação da decisão, haja vista o caráter suspensivo

inerente ao recurso que viria, eventualmente, a ser interposto. Nesta situação,

os efeitos da decisão só se concretizariam com o decurso do prazo recursal185.

Já na segunda hipótese, isto é, da concessão do efeito suspensivo por decisão

judicial, aí sim, está-se efetivamente suspendendo a eficácia da decisão objeto

do recurso.

Para complementar o assunto, “é importante, aqui, estabelecer uma

distinção entre os casos de efeito suspensivo ope legis e ope iudicis. Naqueles

casos em que o efeito suspensivo produz-se por força de lei (efeito suspensivo

ope legis), a decisão recorrível nasce ineficaz. Significa isto dizer, em outros

termos, que prolatada a sentença ela já não é capaz de produzir os seus

efeitos e, nesta hipótese, a interposição do recurso não produz, propriamente,

a suspensão dos efeitos da decisão recorrida (já que tais efeitos já estavam

suspensos). Em casos assim, nos quais o recurso é dotado de efeito

suspensivo ope legis, a interposição do recurso não suspende os efeitos da

decisão recorrida, mas prolonga sua suspensão, fazendo com que a decisão

recorrida permaneça incapaz de produzir efeitos. Pode-se dizer então, que,

nesses casos de efeito suspensivo ope legis, este não é propriamente um

efeito da interposição do recurso, mas um efeito da recorribilidade (já que o

mero fato de ser recorrível a decisão já obsta a produção de efeitos da

decisão). Nesta situação, caso o recurso venha a ser interposto

tempestivamente, a decisão recorrida permanecerá ineficaz até que o recurso

seja julgado. De outro lado, porém, se o recurso é, por força de lei, desprovido

de efeito suspensivo, a decisão por ele impugnável produz seus efeitos desde

o momento em que se torna pública (como se dá nos casos previsto no § 1º do

art. 1.012, que expressamente faz referência a ‘produzir efeitos imediatamente

185

“Aliás, a expressão ‘efeito suspensivo’ é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso”. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, vol. 5, 1995, p. 255).

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após a publicação da sentença’ que se enquadra em alguns dos casos ali

enumerados). Nestas hipóteses, atribuído o efeito suspensivo por decisão

judicial (efeito suspensivo ope iudicis), a decisão que vinha produzindo

efeitos deixará de produzi-los. Pois em casos assim, o efeito suspensivo é,

mesmo, um efeito da interposição do recurso, pois só a partir da decisão

concessiva da eficácia suspensiva é que a decisão judicial estará com sua

eficácia suspensa”186.

Especificamente com relação ao recurso especial, a única exceção à

falta de efeito suspensivo previsto em lei se dá quando ele é interposto contra

decisão de mérito proferida em sede de incidente de resolução de demandas

repetitivas, por força de previsão expressa do art. 987, § 1º, do Código de

Processo Civil187.

Dessa forma, quando não se está diante da situação de recurso

interposto em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas, a parte

que almejar a obtenção de efeito suspensivo a seu recurso especial deve-se

valer da autorização que a norma lhe dá de pedir, excepcionalmente, a

sustação da eficácia do acórdão recorrido.

Tal faculdade é concedida pelo já mencionado parágrafo único do art.

995 e pode ser direcionada ao Tribunal Superior, ao Relator ou ao Presidente

ou Vice-Presidente do Tribunal a quo, conforme competência regimental para

análise da admissibilidade do especial, tudo a depender do momento

processual em que for formulado o pedido de suspensão.

As situações estão concretamente descritas no art. 1.029, § 5º, do

Código, segundo o qual a pretensão suspensiva deverá ser dirigia “I – ao

tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da

decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado

para seu exame prevento para julgá-lo; II – ao relator, se já distribuído o

recurso; III – ao presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, no período

compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de

admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado”.

186

CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016, 2ª ed., p. 507. 187

“Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso. § 1º. O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.

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113

4.3. Efeito substitutivo

O efeito substitutivo é aquele que decorre da prevalência da decisão do

recurso sobre a decisão recorrida. Isto é, sempre que o recurso é admissível,

ou seja, é conhecido, o seu julgamento passa a ser o considerado, em

substituição à decisão recorrida. Em resumo ele “ocorre quando o julgamento

do recurso passa a ocupar o lugar da decisão de que se recorreu, o que só tem

lugar quando há decisão de mérito”188.

É importante consignar que a substituição se dá independente de

acolhimento do recurso. Logo, mesmo que seja negado provimento ao recurso

especial interposto, por exemplo, desde que no mérito (admissível, portanto),

prevalecerá a decisão dele sobre o acórdão recorrido, ainda que mantido na

íntegra pelo Tribunal ad quem.

Assim, reforce-se que “o efeito substitutivo verifica-se tanto quando o

julgamento seja de provimento (quando se tratar de vício de juízo, e não vício

de atividade) quanto de improvimento. O efeito acontecerá exclusivamente no

que pertine à parte conhecida do recurso. No mais, remanesce íntegra a

decisão de que se recorreu. Também só há o efeito substitutivo da parte da

decisão que foi impugnada, pois só esta pode ser objeto de decisão do órgão

ad quem: para confirmar ou reformar a decisão”189.

A substituição, ao final, apenas ocorre quando há a correção do erro de

julgamento, não do erro de atuação do magistrado prolator da decisão

recorrida. Isto porque se a declaração for de nulidade, por exemplo, poderá ser

determinado o retorno dos autos para que novo julgamento seja feito, ou para

que uma prova seja produzida, de modo que não haverá efetivamente uma

prevalência da decisão do órgão ad quem sobre a do órgão a quo.

Assim, Barbosa Moreira precisamente trata a questão, ainda que não

aponte expressamente a existência do efeito substitutivo, quando consigna que

“só quando o fundamento do recurso consista em erro in procedendo é que o

Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça, ao dar-lhe

provimento, anula a decisão da instância inferior e, se for o caso, faz baixar os

188

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores no Direito brasileiro. 3 ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 386. 189

Ob. cit. p. 386/387.

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114

autos, para que outra ali se profira. Salvo nessa hipótese, o acórdão do tribunal

ad quem, seja qual for o sentido em que este se pronuncie, substitui, na

medida em que se conheça da impugnação, a decisão contra qual se

recorreu”190.

Há prevalência da decisão do recurso mesmo em hipótese de error in

procedendo se, no caso de recurso apelação, por exemplo, o Tribunal optar por

analisar imediatamente o mérito com fundamento no art. 1.013, § 3º, do Código

de Processo Civil.

4.4. Efeito expansivo

Esse particular efeito dos recursos ocorre quando, por algumas das

razões previstas na lei processual, o julgamento do recurso acaba por envolver

questões que vão além da matéria estritamente ventilada no inconformismo da

parte levado ao órgão ad quem. É o caso de se afastar uma preliminar e julgar

o mérito, ou acolher uma questão de ordem pública ou, ainda, o acolhimento de

uma preliminar que afeta a sentença como um todo, ainda que parte dela não

tivesse sido objeto de recurso.

A conceituação de Nelson Nery Junior é precisa: “Depois de proferido

juízo de admissibilidade positivo do recurso, com seu conhecimento, o órgão

ad quem deve apreciar-lhe o mérito, na extensão em que lhe foi devolvida a

matéria objeto da impugnação. O julgamento do recurso pode ensejar decisão

mais abrangente do que o reexame da matéria impugnada, que é o mérito do

recurso. Dizemos que, nesse caso, existe o efeito expansivo (…)”191.

Diz-se que o efeito expansivo é objetivo interno quando,

exemplificativamente, acolhe-se uma preliminar que, por consequência, afeta a

sentença como um todo, tornando-a supérflua no que toca às questões de

mérito que foram analisadas. Outro exemplo, citado pelo i. Professor, se dá em

analise do an debeatur pelo Tribunal, o que tornaria prejudicada a questão

seguinte, que é o quantum debeatur.

190

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, vol. 5, 1995, p. 584. 191

NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 456.

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115

O efeito expansivo é interno, portanto, quando sua consequência é

gerada com relação à própria decisão impugnada. Será externo, então, quando

os efeitos do julgamento serão sentidos por outros atos que não a própria

decisão recorrida. É o caso, também exemplificativamente, do provimento de

agravo de instrumento, ao qual não fora atribuído efeito suspensivo. No caso,

veja-se que todos os atos praticados na ação originária pela não atribuição do

efeito suspensivo, restarão prejudicados com o provimento do recurso, se com

isto forem incompatíveis. Seria o caso de se permitir prosseguimento de atos

constritivos em uma ação de execução, na pendência de julgamento de agravo

de instrumento que, quando provido, reconhece-se a inexistência de título

executivo.

Nesse exemplo, todos os atos praticados em 1º Grau de Jurisdição,

entre a interposição do recurso e seu julgamento, certamente são contrários ao

resultado e, portanto, não poderão ser mantidos, ainda que diretamente não

tivessem sido atacados com recursos próprios.

Para encerrar, o efeito expansivo subjetivo pode ocorrer quando os

efeitos do julgamento do recurso são sentidos por terceiros que não o

praticante do ato. É o que acontece, por exemplo, quando um dos litisconsortes

interpõe recurso que, se provido, aproveitará a todos os demais.

Revela apenas esclarecer, ao final, que o efeito expansivo, à

semelhança do substitutivo, não ocorrerá com o julgamento de todo e qualquer

recurso, mas apenas quando efetivamente as consequências acabem por ir

além do quanto impugnado expressamente no recurso interposto pela parte.

4.5. Efeito translativo

Pode-se afirmar, sucintamente, que o efeito translativo é a faculdade que

a lei concede ao órgão ad quem de analisar determinadas matérias ainda que

não julgadas pela decisão recorrida e não constantes do recurso a ser

apreciado. Assim, além da transferência compreendida nos termos do recurso,

existem matérias de que o tribunal ad quem poderá conhecer,

independentemente da devolução operada pela vontade impugnante do

recorrente. Trata-se das questões de ordem pública, como aquelas ligadas às

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condições da ação e aos pressupostos processuais do recurso192, e outras que,

por força de lei, os tribunais têm de apreciar e resolver ex officio, a qualquer

tempo e em qualquer grau de jurisdição (art. 485, § 3º)”193.

O efeito translativo emana do princípio inquisitivo, que atua em um

âmbito de interesse coletivo e ultrapassa os limites do interesse individual da

parte. É claro que o efeito translativo devolve determinadas matérias — ou não

devolve, nos termos exatos da nomenclatura, já que não tratadas — para

permitir o seu julgamento pelo órgão ad quem, mas se distingue do devolutivo,

que será tratado em seguida, pois este decorre do princípio dispositivo194, que

geralmente está em voga com interesses disponíveis das partes195, ou seja,

levadas ao órgão superior por força de impugnação apresentada pelo

interessado.

Usualmente, vale dizer, quando o Tribunal ad quem acaba por julgar

questões distintas daquelas abordadas no recurso, ele estaria por proferir uma

decisão possivelmente ultra ou extra petita, sendo eventualmente, ainda, infra

petita se analisado menos do que se pleiteou. Nenhuma dessas hipóteses,

porém, se dá com aquelas matérias que são a essência do efeito translativo, já

que o racional de tal efeito é exatamente permitir a apreciação de determinadas

matérias, como acima posto, independente de sua impugnação no recurso.

Há, nesse ponto, certa distinção nas correntes doutrinárias, sobre quais

exatamente seriam as matérias que refletem o efeito translativo. Para Teresa

192

“O objeto da devolutividade constitui o mérito do recurso, ou seja, a matéria sobre a qual deve o órgão ad quem se pronunciar, provendo-o ou improvendo-o. As preliminares alegadas normalmente em contrarrazões de recurso, como as de não conhecimento, por exemplo, não integram o efeito devolutivo do recurso, pois são matérias de ordem pública a cujo respeito o tribunal deve ex officio se pronunciar. Seria mais apropriado dizer que esse tipo de questão fica ao exame do tribunal pelo denominado efeito translativo do recurso (abaixo, n. 3.5.4), porquanto o efeito devolutivo, como já vimos, é manifestação do princípio dispositivo: somente se devolve ao tribunal a matéria que o recorrente efetivamente impugnou e sobre a qual pede nova decisão” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 402/403. 193

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, pp. 1.007. 194

“O que rege o âmbito da devolutividade de todos os recursos — e, no caso de apelação, por excelência — é o princípio dispositivo, expressado na máxima latina tantum devolutum quantum appellatum” (ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008). 195

Sobre o assunto, confira-se novamente THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, pp. 1.007, além de NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 462 e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 401/402.

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117

Arruda Alvim, por exemplo, referido efeito se restringiria às matérias de ordem

pública, já que outros argumentos, tais como questões dispositivas, ou outros

fundamentos de defesa ou, ainda, causas de pedir não analisadas no juízo a

quo, poderiam ser no órgão ad quem apreciadas por força do vetor

profundidade do efeito devolutivo. Para ela, “o efeito translativo incide

exclusivamente sobre matéria de ordem pública, em relação à qual o juiz tem o

dever de apreciação ex officio”196.

Barbosa Moreira sequer chegou a mencionar a existência do efeito

translativo, limitando-se a afirmar que ambas as matérias, de ordem pública e

dispositivas, poderiam ser analisadas pelo Tribunal ad quem por força da

dimensão vertical do efeito devolutivo197.

Tem prevalecido, no entanto, a corrente que considera tanto as questões

dispositivas, quanto as de ordem pública, como passíveis de análise pelo

tribunal hierarquicamente superior exatamente por força do princípio

translativo198. Cumpre esclarecer que se trata de uma questão eminentemente

doutrinária, pois, na prática, independente de ser uma consequência do efeito

translativo ou da profundidade do devolutivo, as matérias poderão ser

analisadas pelo órgão ad quem, independente de o terem sido pelo a quo ou

do recurso terem constado.

A questão que mais gera controvérsias sobre o tema, com relação ao

recurso especial, se refere ao momento e aos limites da atuação do Superior

Tribunal de Justiça com relação ao efeito translativo, particularmente para

matérias de ordem pública, quando analisado um caso concreto posto a

julgamento. Esse debate, porém, será amplamente explorado no capítulo

seguinte, em que se tratará especificamente dos limites da atuação da Corte no

julgamento dos recursos a ela direcionados (cf. item 5 abaixo).

196

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 401. 197

Tanto é assim que o mestre dá um conceito genérico de efeito devolutivo como aquele que “consiste em transferir ao órgão ad quem o conhecimento da matéria julgada em grau inferior de jurisdição” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, vol. 5, 1995, p. 256). 198

“O exame das questões de ordem pública, ainda que não decididas pelo juízo a quo, fica transferido ao tribunal destinatário do recurso de apelação por força do CPC 515, § 1º a 3º. Da mesma forma, ficam transferidas para o tribunal ad quem as questões dispositivas que deixaram de ser apreciadas pelo juízo de primeiro grau, nada obstante tenham sido suscitadas e discutidas no processo” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 461).

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118

4.6. Efeito devolutivo

O efeito devolutivo dos recursos pode ser resumido, simploriamente,

naquele efeito que devolve ao órgão ad quem a análise dos fundamentos

julgados pela decisão recorrida e devidamente impugnados no recurso. É o

reflexo do brocardo tantum devolutum quantum appellatum, ou seja, devolve-se

ao tribunal a análise nos limites postos no recurso apresentado.

“Assim, por exemplo, se foi emitido um pronunciamento judicial em

capítulos (por exemplo, uma sentença que contém mais de uma decisão), o

recurso só devolve ao tribunal o conhecimento daqueles capítulos que tenham

sido expressamente impugnados (e o art. 1.002 é expresso em afirmar que o

recurso pode impugnar a decisão no todo ou em parte). Pense-se, e.g., em

uma sentença que tenha condenado o vencido a indenizar a parte vencedora

por danos morais. Pois se versar o recurso apenas sobre os danos morais, o

capítulo referente aos danos materiais não terá sido devolvido ao tribunal e, por

conseguinte, não poderá ser reapreciado (sobre ele, neste exemplo, já se

tendo formado a coisa julgada). E não é por outra razão que, no trato da

apelação, estabelece o art. 1.013, §1º, que o que dele consta se aplica ‘desde

que relativo ao capítulo impugnado”199.

Muito embora o efeito devolutivo tenha hodiernamente alcançado a

conceituação acima posta, essa linha muito se distingue daquilo que se tem

conhecimento como a origem da expressão. Esta, segundo discorre Alcides de

Mendonça Lima, teria surgido de épocas passadas, quando interposto um

recurso, o exame da matéria julgada era integralmente devolvido àquele que

tinha a competência originária para analisar a questão.

No passado, portanto, os soberanos eram quem tinham os poderes para

julgar as ações levadas ao Judiciário que, somente por delegação de poder,

eram analisadas pelos juízes, que agiam em nome e mando do soberano.

Logo, interposto o recurso, era o tema remetido ao soberano pessoalmente, já

199

CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016, 2ª ed., pp. 505/506. Com exemplo bastante semelhante, vale citar BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Dos Recursos. Arts. 994 a 1.044. In: Comentários ao Código de Processo Civil. Coord. José Roberto F; Gouvêa. Luis Guilherme A. Bondioli e João Francisco N. da Fonseca. São Paulo: Saraiva Jur. 2ª ed. 2017, pp. 24/25.

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que era quem detinha, desde o início, a competência originária para julgar o

assunto. Daí viria a razão de devolver a matéria a ser julgada200.

Talvez por isso, inclusive, possa se afirmar que a expressão efeito

devolutivo não é 100% precisa, já que não se devolve à apreciação da matéria

à mesma pessoa, mas sim leva a sua análise a outro magistrado, de órgão

hierarquicamente superior, ou melhor, transfere ao órgão ad quem a análise201.

Não se pode deixar, porém, de registrar que se devolve a análise dos

fundamentos postos ao Poder Judiciário, de modo que não parece

completamente inadequada a expressão comumente utilizada.

Fechando-se os parêntesis sobre a origem da nomenclatura do efeito

ora exposto, é importante ressaltar que a doutrina costuma expor a existência

de dois vetores que compõem o efeito devolutivo, a profundidade e a extensão

ou, então, com nomes diferentes, mas mesmo racional, as dimensões

horizontal e vertical.

A extensão do efeito devolutivo é limitada pela parte recorrente e reflete

com precisão a conceituação no início deste capítulo. Explica-se: a extensão

da devolução ao órgão ad quem se restringirá ao quanto impugnado no

recurso, especificamente com relação aos capítulos tratados. Cumpre

mencionar que, em toda e qualquer situação, a limitação do efeito devolutivo é

feita efetivamente pelo pedido de nova decisão formulado no recurso, “daí a

razão pela qual o efeito devolutivo pressupõe sempre o ato de impugnação – a

interposição do recurso -, não se podendo falar em efeito devolutivo na

remessa necessária do CPC 475, mas sim de consequência análoga ao

denominado efeito translativo”202.

Após essa delimitação é que entraria o fator profundidade, pois dentro

dos limites estabelecidos no recurso, pode o Tribunal, por exemplo, analisar

outros temas suscitados no processo, ainda que não constantes

expressamente da decisão recorrida, ou mesmo por ela não julgados. Logo, “o

recurso abrange não somente as questões decididas na sentença, mas

200

LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 286. 201

LUCON, Paulo Henrique dos Santos, Art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil e recurso especial (ordem pública e prequestionamento). 202

NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 402.

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também todas aquelas que poderiam ter sido (questões de ofício e aquelas

suscitadas e discutidas pelas partes, mas que deixaram de ser apreciadas pelo

órgão jurisdicional)”203.

Obviamente, porém, se o recurso é parcial, a devolução pela

profundidade se limita aos capítulos impugnados no recurso, não alcançando

aqueles pontos decididos, mas que não foram alvo do inconformismo da parte,

já que sobre eles se operou, efetivamente, a coisa julgada204.

É exatamente isso que reflete o art. 1.013 do Código de Processo Civil,

quando dispõe que “a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da

matéria impugnada”, continuando em seu § 1º, “serão, porém, objeto de

apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e

discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que

relativas ao capítulo impugnado”.

Quando se fala em recursos de fundamentação vinculada, por outro

lado, há uma limitação dos vetores do efeito devolutivo, que ficará restrito

exatamente à extensão e profundidade colocada no recurso, nada além disso.

É o caso dos recursos excepcionais, dentre eles o especial, objeto desse

trabalho. A razão para tanto é bastante simples: se a matéria não constou do

acórdão recorrido, ainda que debatida em 1º Grau, por exemplo, não terá sido

preenchido o requisito do prequestionamento. Matérias de fato, ou contratuais,

também não poderão ser analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda

203

LUCON, Paulo Henrique dos Santos, Art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil e recurso especial (ordem pública e prequestionamento), p. 5. 204

Vale citar elucidativo exemplo: “Exemplificamos para facilitar a compreensão desse relevante ponto: se numa ação indenizatória o autor cumula pedidos de reparação de danos morais e materiais e o juiz julga ambos improcedentes, cabe exclusivamente ao autor decidir se deseja recorrer em relação ao dano moral, ao dano material ou a ambos. Aqui fica evidente o vetor extensão, expressão do princípio dispositivo: o recurso pode ser total ou parcial, e essa definição cabe ao recorrente. Delimitada a extensão do recurso, passa a incidir – exclusivamente sobre a zona impugnada – o vetor profundidade, que exprime o princípio inquisitório e, desse modo, independe de menção expressa nas razões do recurso, desde que a matéria tenha sido discutida no juízo a quo, ainda que não tenha sido decidida (CPC, art. 516, art. 1.013, § 1º, do CPC). No exemplo proposto, supondo que o autor tenha apelado da sentença exclusivamente em relação ao dano moral, o tribunal pode apreciar, no âmbito delimitado pela extensão do recurso, as mais diversas questões agitadas no primeiro grau como fundamentos do pedido ou da defesa, ainda que não constem da decisão recorrida ou das razões de recurso. Não poderá, todavia, se pronunciar sobre quaisquer fundamentos atinentes ao dano material, uma vez que este se encontra fora dos limites horizontais do recurso, e assim já estará submetido ao efeito da preclusão” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 389).

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que prequestionadas, como já expostos no item 3.6 acima, quando se tratou

dos requisitos de admissibilidade do recurso especial.

Com exceção dos recursos que possuem a mencionada devolutividade

restrita, o efeito devolutivo encontrará limites também na vedação da reformatio

in pejus. Trata-se princípio que, em suma, proíbe que o julgamento do recurso

interposto coloque o recorrente em situação pior do que aquela em que estava

antes de sua interposição.

Isso tudo, inclusive, sem deixar de lado a relevante questão da

previsibilidade, o que foi bastante considerado na redação do atual Código de

Processo Civil. Diante disso, tem-se que afirmar que a parte tem o direito de

litigar em juízo com certo grau de previsibilidade acerca de sua situação. Por

exemplo, a própria restrição da análise pelo tribunal ao quanto objeto do

recurso (tantum devolutum quantum apellatum), pois não seria razoável para o

recorrente demonstrar seu inconformismo mediante recurso com um cenário

completamente incerto. Isto é, daquela situação, sair pior do que entrou, ou

seja, ter um resultado que lhe coloque em situação mais prejudicial do que

possuía se não tivesse recorrido.

Sobre esse ponto, vale relembrar a lição de Barbosa Moreira que, muito

embora dada enquanto discorria sobre a correlação entre o pedido e a

sentença, bem demonstrou a relevância da previsibilidade e da parte saber

exatamente a situação em juízo ou, em outras palavras, ter plena ciência de

qual a pior situação em que pode ser colocada em caso de derrota. Não se

pode ficar pior do que o acolhimento integral do pedido205; logo, também não

poderia ficar pior para o recorrente do que a simples manutenção da decisão

recorrida. O paralelo é fácil de se fazer.

É também nessa linha de raciocínio que se entende com relação à

limitação de análise das questões atinentes ao capítulo impugnado. Ora, se

apenas se recorreu da não fixação de indenização a título de danos morais,

não pode o tribunal negar provimento para afastar também a indenização

205

“(…) Significa que o resultado do processo não pode ser, para o réu, pior do que aquele que decorrerá do acolhimento in totum do pedido. Essa é, creio eu, a razão fundamental da política legislativa de toda essa sistemática: sempre a questão da previsibilidade. É preciso que o réu possa prever quais as piores consequências concebíveis para ele no caso de derrota, a fim de orientar-se, de tomar a decisão sobre a atitude que deve assumir em face da propositura da ação” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença in Revista de Processo, ano 21, n. 83, julho-setembro de 1996, p. 211).

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material concedida em 1º Grau. Esta transitou em julgado se o réu não

recorreu.

E mais uma vez Barbosa Moreira é preciso: “com a ressalva já

formulada, a sentença citra petita, ultra petita ou extra petita é sempre, em

todas as hipóteses, uma sentença nula. Essa nulidade deve ser declarada de

ofício pelo órgão julgador da apelação, desde que a devolução tenha sido total.

O órgão julgador da apelação também tem de fazer a sua autocontenção. Não

pode pronunciar-se sobre coisa alguma que não esteja contida no efeito

devolutivo. Não se pode mexer naquilo que não foi objeto de recurso, ainda

que isso conduza a situações de contradição lógica. Se não houve recurso

contra uma parte da sentença, mas verificou-se que faltava um requisito de

validade do processo (por exemplo, o Ministério Público não foi chamado a

intervir quando o caso era de obrigatória intervenção), nem por isso se está

autorizado a anular a parte da sentença da qual não houve recurso. Essa já

transitou em julgado, e só com ação rescisória é possível atingi-la. Repito,

entretanto, que, desde que a devolução tenha sido total, é perfeitamente

possível ao tribunal, no julgamento do recurso, verificar de ofício e tirar daí as

consequências cabíveis, a existência de vício extra petita, ultra petita ou citra

petita”206.

Na prática, porém, as situações não se revelam tão simplórias, ainda

mais quando há certa contradição aparente, tendo em vista a essência da

questão de ordem pública ser a possibilidade de sua análise a qualquer tempo

e grau de jurisdição, antes do trânsito em julgado. Tais hipóteses são, também,

as exceções às regras acerca da limitação traçada pelos termos do recurso e a

própria reformatio in pejus, que geram as mais amplas discussões sobre os

limites do efeito devolutivo e da amplitude da atuação do Superior Tribunal de

Justiça. Estes pontos, porém, serão detidamente expostos e explorados no

capítulo que segue, de modo que se limitará nesse momento a ressaltar a

existência de exceções e controvérsias, que passam a ser tratadas no item 5

deste trabalho.

De todo modo, pode-se dizer, como regra geral, e como tal também

possui suas exceções, que o efeito devolutivo permite que se leve ao Poder

206

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença in Revista de Processo, ano 21, n. 83, julho-setembro de 1996, pp. 214/215.

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Judiciário novamente a análise de questões já apreciadas, usualmente por

órgão hierarquicamente inferior — com raras exceções, como os embargos de

declaração que permitem a verificação pelo mesmo órgão julgador —, além de

matérias que poderiam ser cognoscíveis de ofício (de ordem pública) ou que

estão postas nos autos, ainda que não tenham sido objeto de julgamento,

desde que, porém, sejam relativas aos capítulos efetivamente impugnados no

recurso.

Por fim, então, consigne-se que o efeito devolutivo está presente com

relação a todos os recursos existentes atualmente no sistema processual civil

brasileiro207, independente do grau de jurisdição.

207

“Para se caracterizar o efeito devolutivo, não há necessidade de que a matéria objeto do recurso seja de mérito, sendo suficiente que a matéria impugnada seja submetida ao órgão ad quem para novo julgamento. Os recursos têm a finalidade de provocar o reexame de decisões em geral (embargos de declaração), de decisões interlocutórias (agravo), de sentenças (apelação), de acórdãos (embargos infringentes, embargos de divergência, recurso especial, recurso extraordinário, recurso ordinário). O efeito devolutivo existe, portanto, em todos os recursos” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 403/404). Muito embora o autor consigne no trecho destacado que a matéria deva ser submetida ao órgão ad quem, em trecho pouco anterior em seu livro, faz ressalva que parece ser mais assertiva: “A aptidão para provocar o reexame da decisão impugnada por meio do recurso já é suficiente para caracterizar o efeito devolutivo do recurso. Não há necessidade de que o órgão destinatário seja diverso daquele que proferiu o ato impugnado. Assim, mesmo os embargos de declaração e os embargos infringentes da LEF 34, dirigidos ao mesmo órgão de onde proveio a decisão recorrida, têm efeito devolutivo, que é comum e existe em todos os recursos no sistema processual brasileiro, seja o da CF, do CPC ou, ainda, o de leis processuais extravagantes” (ob. cit., p. 403).

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5. A EXTENSÃO DO EFEITO DEVOLUTIVO DO RECURSO

ESPECIAL

Muito se tratou ao longo deste trabalho sobre a função que deve ser

exercida pelo Superior Tribunal de Justiça na qualidade de Corte que deve

zelar pela higidez e aplicação das leis pelos Tribunais Estaduais e Regionais

Federais, sempre atuando de modo a orientar a melhor forma de interpretação

da legislação federal infraconstitucional.

Já se abordou, também, a conceituação dos efeitos inerentes ao recurso

especial, inclusive o próprio devolutivo e o translativo, este que, de certa forma,

também permite ao Tribunal Superior a análise de determinadas questões em

sede de recurso especial.

É nesse momento, porém, que serão abordadas especificamente

questões que se entendem como polêmicas, ao se traçar, ou ao menos se

imaginar, os limites da atuação do Superior Tribunal de Justiça no caso

concreto posto a julgamento.

5.1. Premissa inicial: fracionamento da atuação do STJ

Inicialmente, é importante deixar absolutamente claro, porque importante

para a análise da extensão do julgamento, que a atuação dos Tribunais

Superiores em sede de recurso excepcional a eles direcionados pode se dar

em três momentos distintos: (i) no juízo de admissibilidade; (ii) no juízo de

cassação; e (iii) no juízo de rejulgamento, ou de revisão.

O primeiro deles se dá na revisão da análise do juízo de admissibilidade

do recurso interposto, seja revendo o juízo de admissibilidade positivo de

recurso especial; seja em sede de agravo de despacho denegatório para,

conforme o caso, rever, ou manter, a decisão que não admitiu o especial

interposto pela parte interessada. Nesse momento, o Ministro deverá se

restringir à verificação acerca da presença dos requisitos de admissibilidade no

recurso interposto, admitindo-o ou não. Insista-se, então, que “no juízo de

admissibilidade, fica o Tribunal Superior adstrito a verificar se estão ou não

presentes os requisitos de admissibilidade do recurso especial ou

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extraordinário. Na falta de algum deles, o Tribunal não conhecerá do

recurso”208. Obviamente, o Superior Tribunal de Justiça não possui qualquer

vinculação à analise feita pelo órgão a quo, devendo, porém, em qualquer

hipótese, fundamentar a sua decisão209.

É importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já fez questão de

abordar expressamente a distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de

mérito dos recursos excepcionais, desvinculando completamente a primeira

análise da probabilidade de êxito do recurso ou de efetivamente existir uma

violação legal ou constitucional. O entendimento é irrepreensível: “Alteração da

tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece do

RE se for para dar-lhe provimento: distinção necessária entre juízo de

admissibilidade do RE — para o qual é suficiente que o recorrente alegue

adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da

Constituição nele prequestionados — e o juízo de mérito, que envolve a

verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a

Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado

o Tribunal a quo e o recurso extraordinário”210.

O juízo de cassação, por sua vez, muito comum em países da Europa,

vem em momento seguinte ao da análise da admissibilidade e permite a

cassação do acórdão recorrido — ou da decisão recorrida — para que outro

seja em seu lugar proferido. Muito embora a atuação do Superior Tribunal de

208

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 403. 209

“Seja na admissibilidade do recurso extraordinário, seja na admissibilidade do recurso especial, é vedado o não conhecimento do recurso com base em fundamento genérico. Embora o art. 1.029, § 2º, tenha sido revogado, permanece semelhante vedação. Trata-se de solução decorrente do direito ao contraditório com direito de influência e do dever de fundamentação como dever de debate (arts. 93, IX, CF e 7º, 9º, 10, 11 e 489, §§ 1º e 2º, CPC). Assim, note-se que não é apenas no caso de recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial que existe vedação à inadmissibilidade genérica. Em todo e qualquer caso de interposição de recurso extraordinário ou de recurso especial, a admissibilidade deve ser examinada levando em consideração as peculiaridades do caso. Se, porém, o recorrente alegar violação à Constituição ou à legislação federal apoiando-se em precedentes constitucionais ou precedentes federais, a vedação à inadmissibilidade genérica ganha contornos ainda mais precisos: nessa hipótese, a proibição de não conhecimento genérico significa que o órgão jurisdicional tem o dever de examinar as circunstâncias fático-jurídicas do caso para demonstrar a existência de distinção que impede o conhecimento do recurso. Trata-se de decorrência dos arts. 93, IX, CF e 7, 9, 10, 11 e 489 § 1, CPC, do qual o art. 1.029, § 2º, CPC, constituía simples explicitação” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pp. 564/565). 210

STF, Pleno, RE 298.695/SP, rel. Min, Sepúlveda Pertence, j. 06.08.2003. No exato mesmo sentido o RE 298.694/SP, de mesma relatoria, j. 10.5.01.

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Justiça possa se encerrar no juízo de cassação, o que acontece em algumas

específicas situações no direito brasileiro, não é a regra e nem a previsão legal.

Aqui, uma vez admitido o recurso, cassar-se-á o acórdão recorrido para que o

mérito impugnado seja julgado. Às vezes, porém, a consequência do

provimento do especial pode se limitar à cassação da decisão recorrida, como

pode acontecer no caso de reconhecimento da existência de violação ao art.

1.022 do Código de Processo Civil, determinando-se a remessa ao Tribunal a

quo para que analise determinado fundamento levantado pela parte211. Seria a

hipótese, também, de se reconhecer cerceamento de defesa e determinar a

devolução dos autos para produção da prova requerida pelo interessado. A

decisão recorrida, nestes casos, seria exclusivamente cassada, não apenas

reformada.

É possível, nessa linha, muito embora a doutrina consagre não existir,

no Brasil, tribunal de cassação — o que de fato é verdadeiro, já que inexiste

Corte com esse intuito único —, afirmar que “o recurso extraordinário (e

também o especial) destina-se tanto a invalidar o julgamento impugnado como,

se necessário, rejulgar a causa. Vale dizer: entre nós, o Supremo Tribunal

Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm poder tanto de cassação como de

revisão do julgamento da causa”212.

O que acontece no Brasil, nesse sentido, é que o juízo de cassação

ocorre a partir do mesmo recurso que o juízo de revisão (rejulgamento), ainda

que não necessariamente no mesmo momento e, também, ainda que não se

possa sempre segregar detidamente os dois juízos, muitas vezes feitos em um

mesmo acórdão ou até em uma mesma decisão monocrática. Impugna-se a

decisão, seja com o intuito de cassar, seja de revisar, ou, ainda, de um e

subsidiariamente o outro, de modo que, admitido o recurso, será ele, assim

como seus fundamentos, julgados como um todo pelo Tribunal Superior.

Exatamente por tal razão, ou seja, após a cassação adentrar-se ao juízo de

211

Essa prática era bastante usual na vigência do Código de Processo Civil de 1973, mas ainda não se sabe se será mantida com o atual diploma, que prevê o julgamento do recurso imediatamente após a sua admissão (art. 1.034). 212

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I, Ed. 52ª. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp. 670 e 674.

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revisão, que se diz no Brasil não existir, propriamente dito, um Tribunal de

cassação, ou melhor, que tenha essa exclusiva função213.

Assim, “não há no processo civil brasileiro, como existe em outros

países, recurso de cassação, onde o tribunal superior cassa o acórdão do

tribunal inferior e lhe devolve os autos para que seja proferida nova decisão

(juízo de cassação separado do de revisão). Os nossos recursos

constitucionais têm aptidão para modificar o acórdão recorrido. O provimento,

tanto do recurso especial quanto do extraordinário, tem como consequência

fazer com que o STF ou o STJ reforme ou anule o acórdão recorrido”214.

É exatamente isso que está refletido no art. 1.034 do Código de

Processo Civil: “admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, o

Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça julgará o processo,

aplicando o direito”. Tal redação não passa de adaptação da Súmula 456 do

Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe: “O Supremo Tribunal Federal,

conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à

espécie”, deixando agora expressa a sua aplicação, na prática já corrente, ao

recurso especial215.

213

“Há basicamente dois modelos, diferenciados pela função, de cortes de superposição no mundo: as que cassam e substituem (chamadas de cortes de revisão) e as que cassam sem substituir (daí, meras cortes de cassação). As primeiras enunciam a tese jurídica correta e, no julgamento da causa, aplicam-na elas próprias ao caso concreto. As cortes de cassação, por sua vez, após fixarem a solução jurídica a prevalecer no caso, devolvem os autos à instância de origem ou os remetem a outro órgão judiciário de mesma hierarquia que a sua, para que a tese fixada seja aplicada concretamente. No Brasil, como já dito, a Constituição Federal determina a natureza de corte de revisão do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, na medida em que prevê o julgamento da causa, em recurso extraordinário (art. 102, inc. III) e especial (art. 105, inc. III). Por isso, a princípio, se o tribunal de superposição conhece e dá provimento a um recurso, ele deve (a) anular a decisão impugnada e remeter o caso para a instância de origem, se verificar vício de inobservância de exigência processual (erro in procedendo; vício de atividade); ou (b) julgar a causa, substituindo o acórdão recorrido, se corrigir erro relativo a norma de direito material (erro in iudicando, vício de juízo”. FONSECA, João Francisco Naves da. A profundidade do efeito devolutivo nos recursos extraordinário e especial in Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais, Coord. Fredie Didier Jr. Salvador: JusPodivm. 2ª ed., livro 6, 2016, p. 1.011. 214

NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 422. 215

Há quem defenda ser, inclusive, desnecessária a previsão do art. 1.034 de que o Superior Tribunal de Justiça aplicará o direito à espécie, já que é isso que ele, invariavelmente, fará ao julgar o mérito do recurso: “O art. 1.034 fala apenas em admissão do recurso, sem declarar, por desnecessário, os modos pelos quais se afirma a admissão. Ao juízo positivo de admissibilidade segue-se o julgamento do mérito do recurso, que pode constituir, não apenas a reforma da decisão recorrida como ainda a anulação dela com a ordem de que outra se profira. É dispensável a gerundial ‘aplicando o direito’ por que isto sempre fará a corte ao julgar o recurso” (BERMUDES, Sergio. CPC de 2015 Inovações, vol. 1. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2016).

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Desse modo, o fluxo216 de um recurso especial já no Superior Tribunal

de Justiça é previamente determinado e conhecido. Logo, se positivo o juízo de

admissibilidade, passar-se-á à análise do mérito do recurso. Obviamente, a

admissão do recurso não significa, e nem implica, em seu acolhimento

posterior, já que esse primeiro juízo se restringe, exclusivamente, à presença

dos requisitos necessários para processamento do inconformismo na

competente Corte Superior.

Admitido o recurso, se a ele for negado provimento, resta mantida

incólume a decisão recorrida. Se, por outro lado, for provido o recurso, ele pode

o ser, única e tão somente, para ser anulada (cassada) a decisão do recurso,

para que outra seja proferida em seu lugar. É possível, portanto, que em certas

hipóteses a atuação do Tribunal Superior cesse após a cassação do acórdão

recorrido.

Usualmente, porém, mais relevante agora com a disposição do art.

1.034 do Código de Processo Civil, uma vez cassada a decisão recorrida, já se

inicia o juízo de revisão, no qual o Superior Tribunal de Justiça rejulgará a

lide217. É no juízo de revisão que a Corte irá efetivamente analisar o mérito do

recurso posto, dando a ele, se o caso, provimento para reformar a decisão

recorrida. Para se chegar ao juízo de revisão, no entanto, sempre se passará

previamente pela cassação da decisão recorrida, assim entendido o seu

afastamento para que nenhum outro efeito mais produza.

Essa distinção dos momentos de atuação do Superior Tribunal de

Justiça no julgamento de um recurso especial a ele direcionado é bastante

relevante, pois distingue a amplitude e a forma que deve a Corte agir nos

216

O Supremo Tribunal Federal bem abordou o assunto, obviamente não quanto ao recurso especial, mas em entendimento que a ele se encaixa com perfeição: “o julgamento do recurso extraordinário comporta, a rigor, três etapas sucessivas, cada uma delas subordinada à superação positiva da que lhe antecede: (a) a do juízo de admissibilidade, semelhante à dos ordinários; (b) a do juízo sobre a alegação de ofensa a direito constitucional (que na terminologia da Súmula 456 do STF também compõe o juízo de conhecimento); e, finalmente, se for o caso, (c) a do julgamento da causa, ‘aplicando o direito à espécie’ (STF, AgRg no EDcl em RE 346.736/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª T., j. 04.06.13). 217

“(…) O juízo de cassação é o juízo de censura que sofre a decisão ou acórdão impugnado quando, por exemplo, negar vigência a dispositivo constitucional ou de lei federal. O provimento do RE ou do REsp, no que tange a esse juízo de cassação, implica a rescisão da decisão inconstitucional ou ilegal. No entanto, esses recursos têm, também, o juízo de revisão, que se constitui no segundo momento do julgamento do RE e do REsp, ou seja, na consequência do provimento dos recursos excepcionais. Provido o recurso com a cassação da decisão ou acórdão, é necessário que o STF ou STJ passem a julgar a lide em toda a sua inteireza (revisão).” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 422/423)

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limites do exercício de sua atividade em cada uma das hipóteses, como se

passa a explorar.

5.2. Extensão da atuação conforme o juízo realizado

Ao longo do presente trabalho foi possível notar que não há o objetivo de

prestigiar tal ou qual doutrinador, mas sim trazer importantes citações e

opiniões que contribuam com o debate e com os elementos que são aqui

expostos sobre o Superior Tribunal de Justiça e o recurso especial.

Com relação ao tema de recursos e efeito devolutivo, porém, não se

pode deixar de fazer diversas menções ao Professor Nelson Nery, um dos

maiores expoentes da atualidade sobre o tema de recursos. Especificamente

com relação ao efeito devolutivo, o posicionamento do Professor chama

atenção e gera constantes debates, o que justifica a sua menção específica

nesse momento, com as respostas, em concordância ou não, aos pontos

elencado e explorados no capitulo que seguirá a este.

Para o autor, então, em sede de recurso especial, as limitações formais

já tratadas nesse trabalho, como requisitos para cabimento, são todas

exclusivamente analisadas em um primeiro juízo do recurso interposto. Isto é, o

cabimento, prequestionamento, matérias de fatos e provas, enfim, todo e

qualquer requisito ou óbice ao processamento do recurso deve ser verificado

no juízo de admissibilidade.

Admitido o recurso, as restrições permanecerão no juízo de cassação,

isto é, quando o Superior Tribunal de Justiça verificará se houve, pelo Tribunal

a quo uma violação legal, tal como manda a Constituição Federal para o seu

efetivo cabimento. Se, porém, se atestar pela afronta à lei e prover o especial

para cassar o acórdão recorrido, inicia-se, nos termos do autor, o juízo de

revisão, momento em que as limitações formais da Corte serão esvaziadas e

deixarão de incidir218. É nessa linha que o autor afirma, em diversas

218

“(…) É verdade que somente as quaestiones iuris é que podem ser objeto de RE e REsp, ou seja, podem se constituir no mérito desses recursos. Daí o acerto do STF 279 e do STJ 7, que proíbem a interposição de RE e do REsp para simples reexame da prova. Essa matéria – exame da prova – não pode ser objeto do juízo de cassação dos recursos excepcionais. O juízo de cassação é o juízo de censura que sofre a decisão ou acórdão impugnado quando, por exemplo, negar vigência a dispositivo constitucional ou de lei federal. O provimento do RE ou REsp, no que tange a esse juízo de cassação, implica a rescisão da decisão inconstitucional ou

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oportunidades, que, superadas a admissibilidade e cassado o acórdão, o

Superior Tribunal de Justiça julgará a lide em toda a sua inteireza.

O entendimento, muito embora trabalhado e publicado na vigência do

Código de Processo Civil de 1973, se mantém com o atual diploma, em

especial pela disposição do art. 1.034 da sistemática vigente, já que para o

autor “aplicar o direito à espécie é exatamente julgar a causa, examinando

amplamente todas as questões suscitadas e discutidas nos autos, inclusive as

de ordem pública que não tiverem sido examinadas pelas instâncias ordinárias.

É que, removido o óbice constitucional da causa decidida (CF 102 III e 105 III),

o que só se exige para o juízo de cassação dos RE e REsp, o STF e o STJ

ficam livres para, amplamente, rever a causa”219.

Em outras palavras, a partir do entendimento ora reproduzido, o Superior

Tribunal de Justiça, uma vez admitido e provido o recurso especial para afastar

o acórdão recorrido, atuaria como uma nova instância, com portas abertas para

analisar a causa como um todo, com competência recursal ampla, incidindo a

ele a teoria geral dos recursos, já que superadas as formalidades do especial,

recurso de fundamentação vinculada e extremamente formal.

O próprio autor afirma que “na segunda fase do julgamento, vale dizer,

no juízo de revisão, os tribunais superiores passam a ter a mesma competência

dos tribunais de apelação (TJ e TRF), podendo rejulgar a causa inclusive com

reexame de prova, do direito local (estadual e municipal). No juízo de revisão

incide o regime jurídico da teoria geral dos recursos como um todo, inclusive

com a incidência do efeito translativo: exame pelo STF e STJ, ex officio, das

matérias de ordem pública”220.

Entendimento nesse sentido era a rotina do Supremo Tribunal Federal

nas décadas de 1960 e 1970, entretanto, talvez inclusive pelo excesso de

trabalho e a consequente crise do Supremo, isto foi gradativamente modificado.

Há, entretanto, dois julgamentos bastante relevantes sobre a discussão do

ilegal. No entanto, esses recursos têm, também, o juízo de revisão, que se constitui no segundo momento do julgamento do RE e do REsp, ou seja, na consequência do provimento dos recursos excepcionais. Provido o recurso com a cassação da decisão ou acórdão, é necessário que o STF ou STJ passem a julgar a lide em toda a sua inteireza (revisão).” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 422/423 – destaques no original). 219

Ob. Cit., p. 423. 220

Ob. Cit., p. 466.

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tema. São os já mencionados recursos extraordinários 298.694 e 298.695, de

relatoria do Min, Sepúlveda Pertence.

Na oportunidade, o Ministro Relator insistiu no posicionamento de que,

“mesmo no RE, a, ao Supremo Tribunal é dado manter o dispositivo do

acórdão recorrido, ainda que por fundamento diverso daquele que o tenha

lastreado”. Ou seja, para ele, o Supremo Tribunal Federal poderia atuar

amplamente no juízo de revisão, mantendo ou reformando acórdão ainda que

por fundamento que dele, e nem do recurso, constasse221. A atuação da Corte,

portanto, seria bastante ampla.

O Ministro Moreira Alves, em uma das últimas sessões antes de sua

aposentadoria, levantou questão de ordem exatamente acerca da possibilidade

da atuação do Supremo com tanta extensão. Foi então que consignou, na sua

visão, que “o recurso extraordinário se destina a julgar a tese jurídica do

acórdão recorrido. Por isso, se o acórdão recorrido não ataca-la, mas versar

sobre outra tese jurídica, não pode ele ser conhecido e provido (pela letra ‘a’ do

inciso III do artigo 102 da Constituição, o conhecimento do recurso implica

necessariamente o seu provimento) por falta de prequestionamento dessa

questão; o acórdão recorrido, porém, se basear numa tese jurídica (assim, por

exemplo, na existência de direito adquirido) e o recurso extraordinário nessa

mesma letra ‘a’ ataca-la indicando o dispositivo constitucional do direito

adquirido como tendo sido mal aplicado, terá ele de ser julgado com base

nessa questão (existir, ou não, direito adquirido) e não com base em outra

questão (como a irredutibilidade de vencimentos) que não foi versada nem no

acórdão nem no recurso extraordinário”.

221

“A solução contrária, data máxima vênia, implicaria impor ao Tribunal – ao qual se confiou, ‘precipuamente, a guarda da Constituição’ (CF, art. 102) – constrangimento ao qual não se submetem outras instâncias. Basta pensar no caso do Superior Tribunal de Justiça, como recordei ao indicar o adiamento desta decisão. Com efeito, não cabe àquela alta Corte superior julgar o recurso fundado na arguição de inconstitucionalidade de lei. Não obstante, no julgamento do recurso especial por contrariedade à lei federal, se o STJ, malgrado o reconhecimento de sua violação, entender que a norma ordinária é incompatível com a Constituição, ninguém lhe contesta a autoridade para declarar incidentemente a inconstitucionalidade da lei invocada e, por isso, manter a decisão recorrida. Constituiria paradoxo verdadeiramente ‘Kafkaniano’ que, diferentemente, ao STF – guarda da Constituição – não fosse dado, no julgamento do RE, declarar que a lei questionada é, sim, inconstitucional, embora por fundamento diverso do acolhido pelo acórdão recorrido, e, em consequência, estivesse vinculado a aplicar a norma legal que considera incompatível com a Carta Magna” (STF, Pleno, RE 298.695/SP, rel. Min, Sepúlveda Pertence, j. 06.08.2003 – destaques no original).

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O assunto gerou discussões e controvérsias, mas o voto do Relator

acabou prevalecendo, com a possibilidade de se julgar o recurso extraordinário

com base em fundamento distinto daqueles constantes do acórdão e objeto

precisamente do recurso extraordinário. Tal julgamento quase significou uma

reviravolta no entendimento do Supremo, retornando para as décadas de 60 e

70. Isto, porém, não chegou a se concretizar, mantendo-se a alteração que já

havia se consolidado, no sentido de se limitar a atuação da Corte Suprema,

ainda que no juízo de revisão, aos contornos da lide dados pelo acórdão

recorrido e pelo extraordinário interposto pelo interessado.

Assim, rendendo as merecidas homenagens, esse trabalho não se

alinha ao nível de amplitude da atuação das Cortes altas do país,

especialmente do Superior Tribunal de Justiça considerado pelo Prof. Nelson

Nery e nos recursos acima mencionados em julgamento do Supremo Tribunal

Federal, cuja competência específica continuará a ter certas limitações,

inclusive no chamado juízo de revisão, sob pena de se ter uma grave violação

da segurança jurídica e permitir que as Cortes, efetivamente, selecionem aquilo

que queiram julgar e se tornem, em tais casos, uma verdadeira terceira

instância revisora.

Nos subitens que se seguem serão expostos detalhadamente os temas

e os fundamentos ora debatidos, justificando-se as posições que são adotadas

nesse trabalho, explicando-se detidamente as razões de eventuais

discordâncias com as ilustres lições que ora foram reproduzidas, em especial

para justificar um posicionamento intermediário que aqui se adota, no sentido

de permitir ao Superior Tribunal de Justiça, no juízo de revisão, rejulgar a

causa levada a ele, a partir das delimitações postas pelo recurso interposto e

pelo acórdão recorrido.

5.3. Capítulos da decisão judicial

O art. 1.034 do Código de Processo Civil é muito claro ao dispor que,

uma vez admitido o recurso especial, deverá o Superior Tribunal de Justiça,

“julgar o processo, aplicando o direito”. Logo em seguida, em seu parágrafo

único, consigna que “admitido o recurso especial por um fundamento, devolve-

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se ao tribunal o conhecimento dos demais fundamentos para a solução do

capítulo impugnado”.

Há, aqui, duas questões que merecem ser tratadas: (i) a devolução da

análise dos demais fundamentos de defesa; e (ii) a sua restrição ao capítulo

impugnado. A mera leitura da letra da lei dá margem para dúvidas e é

importante traçar os conceitos que, ao menos para o autor do trabalho,

parecem ser aqueles que refletem a melhor interpretação da norma.

A conceituação parte do princípio básico e geral dos recursos, no

sentido de que as suas razões é que delimitam a análise do órgão ad quem, de

modo que a ele é devolvido o que se impugnou no recurso interposto. Seria a

ilustração do princípio do quantum devolutum quantum apellatum.

Nesse momento do trabalho, porém, sabe-se que tal limitação não é

absoluta e a própria interposição do recurso gera outras várias consequências.

Dentre elas, para fins de compreensão da disposição do art. 1.034, deve-se

focar naquilo que a doutrina explora como reflexos do efeito devolutivo, isto é, a

sua extensão e sua profundidade, sendo que esta “só se verifica depois de

delimitada a extensão da incidência da devolução, não sendo lícito ao juízo ad

quem examinar questões discutidas e não decididas sobre capítulo da

sentença que não foi impugnado”222.

Isso se reflete, como comenta a autora da obra cujo trecho se

transcreveu, no próprio art. 1.013, ao dispor “que a apelação devolverá ao

tribunal o conhecimento da matéria impugnada (dimensão horizontal do efeito

devolutivo), sendo objeto de apreciação também as questões suscitadas e

discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que

relativas ao capítulo impugnado. Nesta parte final, vê-se com nitidez que a

dimensão horizontal delimita o âmbito de extensão da profundidade do efeito

devolutivo”223.

A melhor forma de se explicar o conceito, porém, ainda é por meio de

exemplos. Imagine-se que A moveu uma ação contra B pleiteando

indenizações material e moral, mas teve ambos os pedidos julgados

improcedentes. Ao recorrer, porém, A não tinha mais interesse nos irrisórios

222

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 388. 223

Ob. Cit., p. 388/389

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danos materiais e impugnou tão somente a rejeição da indenização moral, já

que se sentiu por demais ofendido. Ao fazer essa limitação, está A restringindo

a atuação do órgão ad quem aos danos morais (extensão do efeito devolutivo)

e afastando, portanto, qualquer discussão sobre os danos materiais.

Para fundamentar a indenização moral, A havia exposto em sua inicial

que B teria ofendido a sua honra e maculado a sua imagem. São dois

fundamentos distintos e independentes, mas ao recorrer, A optou apenas por

desenvolver o prejuízo à sua imagem, deixando de lado a honra, já que com

ela não estava mais tão preocupado. O órgão ad quem, então, ao analisar os

danos morais, terá a prerrogativa de verificar todos os fundamentos — tanto de

defesa, como da parte autora — com relação à configuração, ou não dos danos

morais. Logo, A pode receber dano moral se o Tribunal entender que houve

ofensa à sua honra, ainda que em seu recurso não tenha explorado este ponto.

Não poderá o Tribunal, por outro lado, abordar questões relacionadas aos

danos materiais224, já que com relação a essa questão houve o trânsito em

julgado.

Logo, quando o parágrafo único do art. 1.034 menciona que haverá a

devolução nos limites do capítulo impugnado, está a norma refletindo a

extensão do efeito devolutivo. Quando, no caput do dispositivo se fala em

devolução dos demais fundamentos, está-se refletindo a profundidade do efeito

devolutivo, sempre limitada à extensão alcançada pela limitação apresentada

pelo próprio recorrente225, tal como exposto no presente capítulo.

Nesse sentido, portanto, a interposição do recurso especial, quando

admitido pelo Superior Tribunal de Justiça, permitirá a ele a análise dos

fundamentos que envolvem o capítulo impugnado, ainda que não constem

expressamente do recurso interposto ou da decisão recorrida, mas nada

224

“(…) supondo que o autor tenha apelado da sentença exclusivamente em relação ao dano moral, o tribunal pode apreciar, no âmbito delimitado peal extensão do recurso, as mais diversas questões agitadas no primeiro grau como fundamentos do pedido ou da defesa, ainda que não constem da decisão recorrida ou das razões de recurso. Não poderá, todavia, se pronunciar sobre quaisquer fundamentos atinentes ao dano material, uma vez que este se encontra fora dos limites horizontais do recurso, e assim já estará submetido ao efeito da preclusão” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p 389). 225

Com exceção das matérias de ordem pública, como será abaixo exaustivamente tratado.

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deverá analisar sobre capítulos não impugnados, sob risco de se extrapolar os

limites da extensão delimitada no especial interposto.

Isto porque a opção do recorrente de interpor recurso apenas contra

uma parte da decisão recorrida (um capítulo), equivale à sua renúncia com

relação ao restante de sua pretensão, rejeitada naquele momento. Afinal, “se a

parte podia renunciar ao direito fora do âmbito judicial, não há razão para supor

que ela deixe de poder fazê-lo também em juízo”226.

Mais do que isso, o Código de Processo Civil buscou permitir à Corte

Superior que, ao analisar os fundamentos de defesa, ou mesmo as diversas

causas de pedir, julgue o processo de uma boa vez, eliminando-se idas e

vindas. Isto é, se afastado um fundamento de defesa ou uma causa de pedir,

mas existam outras a ser analisadas, o Superior Tribunal de Justiça pode de

pronto elas julgar, não tendo que devolver os autos ao Tribunal a quo para

assim fazê-lo, com consequente e posterior interposição de novo especial227.

Abram-se parêntesis para ressaltar que se retirou uma etapa do

procedimento, acelerando o término do processo, ainda que eventualmente

possa se ter diminuído a segurança jurídica, haja vista ser a Corte Superior a

única que, eventualmente, analisará o assunto. Há, todavia, que se achar um

meio termo razoável entre a segurança jurídica e a celeridade processual, que

nos parece ter sido o objetivo do legislador na hipótese. Resta verificar, na

prática, se ele será alcançado228.

226

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença in Revista de Processo, ano 21, n. 83, julho-setembro de 1996, p. 208. 227

“Permite-se, no CPC atual, que o próprio Tribunal Superior decida as demais causas de pedir. Assim como se permite expressamente que se analise eventual outro fundamento de defesa. Portanto, se o réu alega pagamento e prescrição, em ação em que lhe é cobrada determinada quantia, e o juiz acolhe o pagamento, julgando improcedente a ação, e o Tribunal de segundo grau confirma integralmente esta sentença, sem analisar o outro fundamento da defesa, o Tribunal Superior pode, para suprir a falha do segundo grau, segundo o CPC projetado, afastado o pagamento, conhecer da prescrição.” (OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2.568). 228

“Fala-se que o tempo é a dimensão fundamental da vida humana, desempenhando no processo idêntico papel. Sendo o processo uma entidade da vida social, a demora em sua conclusão corre em detrimento da própria eficácia do direito material que visa proteger. Na verdade, a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legítimos não é útil senão quando obtida em espaço razoavelmente rápido de tempo, sendo por isso indiscutível que a lentidão do aparelho judiciário provoca o que se tem chamado de fenômeno da compressão dos direitos fundamentais do cidadão. O fato tempo sobressai como elemento determinante para garantir e realizar o acesso à justiça.” (MELO, Gustavo de Medeiros, O acesso adequado à justiça na perspectiva do justo processo, in Processo e Constituição, Estudos em Homenagem ao

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Fechando-se os parêntesis, conclui-se que a interposição de recurso

especial devolve ao Supremo Tribunal Federal apenas a análise do capítulo

impugnado no recurso, em toda a sua profundidade, isto é, com todos os

fundamentos dele inerentes e as causas de pedir a ele referentes, ocorrendo o

trânsito em julgado com relação aos demais capítulos, não impugnados, cuja

execução poderá ser definitiva, inclusive por analogia ao que prevê o art. 356,

§§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil229.

Inclusive, a conceituação de trânsito em julgado dada pela melhor

doutrina italiana bem ilustra o quanto exposto: “Allo scopo di porre fine alle liti e

di dare certeza ai diritti, il legislatore ha fissato un momento in cui è ineterdetta

ogni nuova pronuncia su ciò che fu giudicato. Giunto il processo a quel punto,

non solo la sentenza non è più impugnabile in via ordinaria ma la decisione è

vincolante per le parti e per l’ordinamento e nessun giudice può novamente

giudicare lo stesso oggetto nei confronti dele stesse parti (…)”230.

5.4. Questões de ordem pública

É mais do que sabido que as questões de ordem pública podem ser

analisadas em sede recursal, independente de seu questionamento pela parte

interessada, haja vista o seu caráter, que lhes assegura serem apreciáveis de

ofício. O racional desse entendimento reside no interesse coletivo (público) de

que a questão seja efetivamente analisada, o que deveria prevalecer sobre o

interesse das partes, permitindo então que haja julgamento e acolhimento, se o

caso, independente de sua impugnação ou levantamento por algum dos

litigantes. Logo, sobre essas matérias específicas, basicamente pressupostos

processuais e condições da ação, não se operaria a preclusão231.

Professor José Carlos Barbosa Moreira, coordenado por Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 691). 229

Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: (…) § 2º. A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto. § 3º. Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva”. 230

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. Sexta Edizione. Milano: Goiffrè

Editore, 2002, p. 265. 231

Como é sabido e ressabido, as matérias de ordem pública podem e devem ser conhecidas ex officio pelo órgão jurisdicional, não se operando a preclusão (CPC, art. 301, § 4º e art. 303,

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Assim, de um modo geral, “o efeito devolutivo da apelação sempre

devolveria ao órgão ad quem a matéria impugnada, no mínimo, por força do

princípio dispositivo (ou demanda), e, igualmente, as questões que, ocorra

controvérsia ou não, ao juiz seja dado conhecer de ofício, por força do princípio

inquisitório”232.

No que toca à apelação, o assunto é, de fato, menos controverso. As

discussões ficam mais acaloradas quando se está diante de recurso especial,

cuja fundamentação é vinculada e que possui diversos requisitos de

admissibilidade. Nessa linha, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, muito

embora alterando entendimento anterior que prevalecia há anos233, consolidou

sua jurisprudência no sentido de que “para a abertura da instância especial, é

necessário o cumprimento do requisito do prequestionamento das matérias de

ordem pública”234.

O tema foi objeto do Informativo de Jurisprudência n. 329 (27 a 30 de

agosto de 2007) que assim expôs: “Não obstante, ainda que se trate de

questão chamada de ‘ordem pública, isto é, nulidade absoluta – passível,

segundo respeitável doutrina, de conhecimento a qualquer tempo, em qualquer

grau de jurisdição -, este Superior Tribunal de Justiça já cristalizou seu

entendimento pela impossibilidade de se conhecer de matéria de ofício, quando

inexistente o necessário prequestionamento”.

inc. II). O fenômeno da preclusão nada mais é que (i) um acontecimento ou, simplesmente, um fato ‘resultado de outro (inércia durante o tempo útil destinado ao desempenho de certa atividade)’ – preclusão temporal; ou (ii) a ‘consequência de determinado fato que, por ter sido praticado na ocasião oportuna, consumou a faculdade (para a parte) ou o poder (para o juiz) de praticá-lo uma segunda vez’ – preclusão consumativa; ou ainda (iii) a ‘decorrência de haver sido praticado (ou não) algum fato, incompatível com a prática de outro’ – preclusão lógica”. 232

ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 286. 233

A título exemplificativo: “As matérias de ordem pública, ainda que desprovidas de prequestionamento, podem ser analisadas excepcionalmente em sede de recurso especial, cujo conhecimento e deu por outros fundamentos, à luz do efeito translativo dos recursos, (…) Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, já que cumprirá ao Tribunal ‘julgar a causa aplicando o direito à espécie’ (Art. 257 do RISTJ; Súmula 456 do STF)” (STJ, Edcl no AgRg no REsp 1.043.561/RO, rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, 1ª T., j. 15.02.11). 234

Trecho do voto no AgRg nos EREsp 947.231/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 23/04/2012, DJe 10/05/2012. No mesmo sentido: AgRg nos EAg. N. 723.222/SP, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, DJe de 17.6.2008; AgRg nos EDcl nos EREsp n. 508.173/SC, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJ de 15.5.2006.

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138

A doutrina vinha caminhando no mesmo sentido, ao considerar que

mesmo nas hipóteses de matéria de ordem pública o tema deveria estar

prequestionado no acórdão recorrido e, por consequente, fazer parte dos

fundamentos do especial interposto, caso contrário ao Superior Tribunal de

Justiça não seria possível a análise235.

Para apimentar um pouco mais a já calorosa discussão, o Código de

Processo Civil de 2015 trouxe significativa alteração à previsão legal sobre o

tema, ao dispor no art. 485, § 3º, que “o juiz conhecerá de ofício da matéria

constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição,

enquanto não ocorrer o trânsito em julgado”236.

A alteração feita ao final da disposição legal, com a inclusão da frase

“enquanto não ocorrer o trânsito em julgado”, retirando a previsão anterior que

limitava expressamente a “enquanto não proferida a sentença de mérito”237, dá

a entender, e assim o fez com a esmagadora maioria da doutrina, que inclusive

nos recursos excepcionais, as matérias de ordem pública podem e devem ser

analisadas, ainda que não suscitadas pelas partes.

Logo, a “orientação mais recente do STJ (…) tende a ser abandonada,

tendo em vista a redação do parágrafo único do art. 1.034 do CPC/2015,

devendo voltar a ganhar força o entendimento que antes prevalecia”238.

O entendimento que vem prevalecendo do lado doutrinário, portanto,

reflete a disposição legal, desenvolvendo o raciocínio a partir do fato que “o

235

“Questão interessante é a de saber como se coloca a exigência do prequestionamento em face de questões de ordem pública, que devam ser conhecida ex officio pelo juiz. Tal é o caso, por exemplo, da falta de condições da ação, vício que, segundo preceitua o art. 267, § 3º, do CPC, deve ser conhecido de ofício e em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida sentença (ou acórdão, em se tratando de tribunal). Parece-nos que, também neste caso, haverá a necessidade de prequestionamento, porque, caso contrário, não se fará presente o requisito constitucional ensejador do cabimento do recurso especial pela alínea a do inc. III do art. 105 da CF/88, que alude a ‘causas decididas’. Ou seja, será sempre preciso que o tribunal local tenha apreciado a questão federal objeto do recurso, para viabilizar o acesso ao Superior Tribunal de Justiça pela via do recurso especial” ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 876/877). 236

Os incisos mencionados são os seguintes: “Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (…) IV – verificar a ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo; V – reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; VI – verificar a ausência de legitimidade ou de interesse processual; (…) IX – em caso de morte da parte, a ação for considerada intrasmissível por disposição legal”. 237

O Código de Processo Civil de 1973 previa o seguinte em seu art. 267: “§ 3º O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI”. 238

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado, com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016; p. 1.559.

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NCPC menciona expressamente dever o magistrado conhecer destes vícios e

proferir sentença sem resolução de mérito a qualquer tempo enquanto não

ocorrer o trânsito em julgado”, o que reflete “tendência que vinha se esboçando

principalmente no plano da doutrina, no sentido de que estes vícios (nulidades

absolutas/matérias de ordem pública) deveriam ser conhecidos também

quando o processo estiver no STF ou no STJ, como decorrência da

interposição de recurso extraordinário ou especial”239.

Há ainda quem defenda o oposto, em uma corrente quase isolada, ao

insistir na previsão constitucional acerca da indispensabilidade da causa

decidida como requisito de admissibilidade do recurso especial. Nesse modo

de raciocínio, as matérias de ordem pública, ainda que reconhecíveis de ofício,

assim não poderiam ser nas Cortes Superiores, se não tratadas no acórdão

recorrido, pois iriam exatamente de encontro à exigência constitucional da

causa ter sido efetivamente decidida pelo Tribunal a quo. Não se eliminaria,

eventualmente, a possibilidade do prejudicado ter uma ação rescisória ou

questionar posteriormente em juízo, entretanto, para essa corrente, o recurso

especial não ultrapassaria o juízo de admissibilidade, esbarrando no óbice do

prequestionamento240.

Vale citar aqui julgado do Superior Tribunal de Justiça, já citado

rapidamente acima, que bem ilustra esse posicionamento:

239

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 2ª ed., p. 861, destaques o original. 240

“Sempre entendi, a despeito da literalidade do enunciado [Súmula 456 do STF] e, mais do que ele, da própria textualidade do novel art. 1.034, que a questão só pode ser analisada na perspectiva constitucional. Os incisos III dos arts. 102 e 105 da CF são limites intransponíveis para o legislador infraconstitucional: o recurso extraordinário e o recurso especial pressupõem causa decidida, razão pela qual entendo que questões não decididas, ainda que de ordem pública, não podem ser julgadas ex novo pelo STF e pelo STJ naquelas sedes recursais. Não se trata de sustentar a aplicação do princípio da eficiência processual expressamente agasalhado no inciso LXXVIII do art. 5º da CF. Trata-se, bem diferentemente, de invocar regra de competência estrita, que preserva, como escrevo no n. 9, supra, a competência recursal extraordinária e especial do STF e do STJ e, em última análise, o papel que se espera daqueles Tribunais no modelo constitucional que, nesses casos, não são e não podem se comportar como órgãos de revisão ampla. Nem mesmo a lembrança do § 3º do at. 485 que, também na sua literalidade, insinua que questões de ordem pública são cognoscíveis ‘em qualquer tempo e grau de jurisdição enquanto não ocorrer o trânsito em julgado’. Evidentemente, não nego que o texto da regra permite infirmar o que acabei de criticar. Nego, contudo, que ela possa querer significar o que, na perspectiva do que aqui defendo, é inviável sem agredir o modelo constitucional”. (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, 2ª ed., p. 720).

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"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. DISCUSSÃO ACERCA DA APLICAÇÃO DE REGRA TÉCNICA RELATIVA AO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. IMPRESCINDIBILIDADE. SÚMULA N. 168/STJ. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na linha do entendimento do Supremo Tribunal Federal, é firme quanto à impropriedade de debate, em embargos de divergência, sobre a aplicação de regra técnica relativa ao conhecimento do recurso especial. 2. Para a abertura da instância especial, é necessário o cumprimento do requisito do prequestionamento das matérias de ordem pública. 3. Incidência da Súmula n. 168/STJ. 4. Agravo regimental desprovido." (AgRg nos EREsp 947.231/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 23/04/2012, DJe 10/05/2012)

Há que se concordar, no entanto, com a doutrina majoritária, até porque

o intuito do Código de Processo Civil hoje vigente pareceu exatamente trazer a

tona, de maneira expressa, o entendimento que já vinha prevalecendo na

doutrina, mas que era repelido pelo Judiciário, ou seja, de que as matérias de

ordem pública podem ser reconhecidas efetivamente a qualquer tempo, até

pelas Cortes Superiores.

Como já mencionado brevemente, o objetivo de um entendimento como

esse é fazer prevalecer o interesse maior, coletivo, do Estado e da sociedade,

de não se manter eventual vício insanável porque não suscitado pela parte ou,

como é mais comum, pelo advogado contratado. Até por isso tais matérias são

reconhecidas como de ordem pública, no intuito exato de demonstrar que a

carga que carregam é muito maior do que o interesse das duas partes litigantes

no processo específico.

Por tal razão, alinha-se aqui à corrente que reconhece a possibilidade

(dever-poder), até pela expressa dicção do art. 485, § 3º, do Código de

Processo Civil, do Superior Tribunal de Justiça reconhecer de ofício matérias

de ordem pública, quando do julgamento do recurso especial.

Entretanto, essa atuação não é irrestrita, encontrando limites inclusive

na fragmentação da decisão recorrida em capítulos, tal como acima exposto e

abaixo melhor se explorará. Além disso, até a análise das matérias

reconhecíveis ex officio não pode ser feita em qualquer momento e sem

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quaisquer limites, sob pena de se encerrar por completo com o princípio da

segurança jurídica, além do contraditório e ampla defesa241.

5.5 Questões de ordem pública só podem ser analisadas após a

admissão do recurso especial?

Uma vez interposto o recurso especial, devidamente processado com a

abertura de prazo para apresentação de resposta pela outra parte e/ou

interessados, o primeiro passo é o seu juízo de admissibilidade. Neste

momento, como já tratado, será analisada a regularidade formal do recurso

interposto, isto é, se preenche rigorosamente todos os requisitos necessários

para permitir o seu devido processamento perante o Superior Tribunal de

Justiça.

Em outras palavras, o momento de se analisar a admissibilidade do

recurso especial, deverá ser restrito às formalidades, isto é, requisitos tidos por

objetivos, como a tempestividade, preparo, poderes do advogado, como todos

os demais já explorados no item 3.2 desse trabalho, como, a título de exemplo,

eis que o tema foi objeto do mencionado item, o prequestionamento, não versar

sobre matérias de fato e provas, ser o acórdão recorrido final (não ser possível

a interposição de outro recurso).

Assim, sendo indispensável o prequestionamento para a admissão do

recurso especial, a matéria de ordem pública não versada no acórdão recorrido

não pode ser objeto de análise no momento do juízo de admissibilidade242.

241

Ainda que se trate de matéria de ordem pública, não deve ser ignorado o princípio do contraditório: “Entretanto, mesmo quando é o caso de conhecer e decidir questão de ordem pública, o que o juiz ou o tribunal têm o dever de ofício de resolver, com ou sem provocação da parte, não lhe será lícito fazê-lo, sem antes cumprir o contraditório, assegurado aos litigantes pela Constituição como direito fundamental (CF, art. 5º, LV). Por isso, deparando-se com o problema dessa natureza, cabe ao julgador abrir oportunidade para prévia manifestação das partes, para só depois pronunciar-se. Assim, no art. 9º do NCPC vem disposto que ‘não se proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida’. O art. 10, por sua vez, aduz que ‘o juiz não pode decidir, em qualquer grau de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício’. Dessa maneira, o contraditório efetivo (assegurado pelo art. 7º) é visto, além de sua dimensão tradicional, como garantia de não surpresa, seja no tocante às questões novas, seja em relação aos fundamentos novos aplicados à solução das questões velhas”. (THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, pp. 966). 242

“Assim, poderá o STF ou STJ analisar matéria que não foi examinada na instância a quo, pois o pré-questionamento diz respeito apenas ao juízo de admissibilidade. O juízo de

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142

Aqui, repita-se: deve ser o juízo restrito às formalidades do recurso interposto,

sem qualquer valoração de seu mérito.

Se existir um vício insanável, que poderia ser analisado por força de seu

caráter de ordem pública, mas o recurso especial não preenche os requisitos

mínimos para que seja admitido, essa matéria especificamente não poderá ser

analisada pelo Superior Tribunal de Justiça243, de forma que o vício irá

prevalecer, particularmente, naquela ação. Nesta hipótese, a parte ainda

poderia arguir o referido vício em eventual ação rescisória, mas o assunto não

poderia ser tratado nos próprios autos pelo óbice formal que impediu a

superação do juízo de admissibilidade de seu recurso especial interposto244.

Uma vez realizado o juízo de admissibilidade de maneira positiva,

assegurando-se o trânsito ao recurso especial interposto e, em seguida,

cassado o acórdão recorrido245, no momento de se exercer o juízo de revisão,

o Superior Tribunal de Justiça poderá — e deverá — analisar eventuais

rejulgamento da causa é diferente do juízo de admissibilidade do recurso extraordinário: para que se admita o recurso, é indispensável o pré-questionamento, mas, uma vez admitido, no juízo de rejulgamento não há qualquer limitação cognitiva, a não ser a limitação horizontal estabelecida pelo recorrente (extensão do efeito devolutivo). Conhecido o recurso excepcional, a profundidade do seu efeito devolutivo não tem qualquer peculiaridade. Nada há de especial no julgamento de um recurso excepcional; o ‘excepcional’ em um recurso extraordinário ou especial está em seu juízo de admissibilidade, tendo em vista as suas estritas hipóteses de cabimento.” (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., pp. 322/323). 243

“Conforme entendimento sedimentado nesta Corte, inviável a análise do mérito do recurso especial quando este sequer ultrapassou a barreira de admissibilidade recursal, ainda que se trate de matéria de ordem pública. Precedentes” (AgRg no AREsp 413.730/GO, rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., j. 08.04.2014. 244

“Opera-se o efeito translativo nos recursos ordinários (apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração e recurso ordinário constitucional), mas não na primeira fase de julgamento dos recursos excepcional (recurso extraordinário, recurso especial e embargos de divergência), isto é, no juízo de cassação destes recursos. (…) Não há o efeito translativo na primeira fase de julgamento dos recursos excepcionais (extraordinário, especial e embargos de divergência) – juízo de cassação -, porque seus regimes jurídicos estão no texto constitucional que diz serem cabíveis das causas decididas pelos tribunais inferiores (CF 102 III e 105 III). Caso o tribunal não tenha se manifestado sobre questão de ordem pública, o que acórdão somente poderá ser impugnado por ação autônoma (ação rescisória), já que incidem na hipótese os STF 282 e 356, que exigem o prequestionamento da questão constitucional ou federal suscitada, para que seja conhecido o recurso constitucional excepcional”. (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 465/466). 245

“(…) Apenas nesta última etapa (isto é, após ultrapassada a primeira etapa do julgamento do mérito, relacionada ao acerto da decisão recorrida quanto à aplicação da norma constitucional ou federal) é que estará autorizado o Tribunal superior a, p.ex., conhecer de matérias de ordem pública. Entendemos, assim, que o efeito translativo somente ocorre, em relação a estes recursos excepcionais, após ultrapassado o juízo de admissibilidade e, também, ultrapassada a primeira fase do julgamento do mérito” (MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado, com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pp. 1.559/1.560).

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matérias de ordem pública, inclusive no intuito de atender à previsão legal do

art. 1.034, combinada com a do art. 485, § 3º, ambos do Código de Processo

Civil246. Logo, “conhecido e provido o recurso excepcional (RE, REsp e

EmbDiv), isto é, cassada a decisão recorrida, os tribunais passam a ter

competência plena para julgar a causa, aplicando o direito à espécie (…”)247.

Nesse sentido, uma vez admitido o recurso e provido para cassar o

acórdão recorrido, poderá atuar o Superior Tribunal de Justiça em toda a

profundidade do efeito devolutivo no julgamento da lide (aplicando-se o direito

à espécie). Estará ele limitado, inclusive para fins de efeito translativo, ou seja,

de matérias de ordem pública, à extensão atribuída pela parte ao seu recurso.

Não deverá, nessa linha de raciocínio, fazer incidir questões de ordem pública

a capítulos não impugnados. É o que melhor se passa a expor.

5.6. Princípio da vedação à reformatio in pejus

Falando-se simploriamente, a reformatio in pejus ocorre quando,

interposto recurso por apenas uma das partes, no julgamento de sua

irresignação, o órgão ad quem acaba por, sem provocação da parte adversa,

tornar a situação do recorrente pior do que seria se não houvesse interposto o

246

Exige-se, nos recursos excepcionais, o pré-questioanamento da questão de direito que se pretenda levar à apreciação dos tribunais superiores, conforme já visto. Sucede que, se o recurso extraordinário ou especial for interposto por outro motivo, e for conhecido, poderá o STF ou STJ, ao julgá-lo, conhecer ex officio ou por provação de todas as matérias que podem ser alegadas a qualquer tempo (aquelas previstas no § 3º do art. 485, além da prescrição ou da decadência), bem como de todas as questões suscitadas e discutidas no processo, relacionados ao capítulo decisório objeto do recurso extraordinário (art. 1.034, par. ún., CPC), mesmo que não tenham sido enfrentadas no acórdão recorrido. (…) Para fins de impugnação (efeito devolutivo), somente cabe recurso extraordinário ou especial se for previamente questionada, pelo tribunal recorrido, determinada questão jurídica. Para fins de julgamento (profundidade do efeito devolutivo), porém, uma vez conhecido o recurso extraordinário ou especial, poderá o tribunal examinar todas as matérias que possam ser conhecidas a qualquer tempo, inclusive a prescrição, a decadência e as questões de que trata o § 3º do art. 485 do CPC, ‘porque não é crível que, verificando a nulidade absoluta ou até a existência do processo [ou do próprio direito, acrescente-se], profira decisão eivada de vício, suscetível de desconstituição por meio de ação rescisória ou declaratória de inexistência de decisão judicial’” (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., pp. 321/323). 247

E continua o autor: “Na segunda fase do julgamento, vale dizer, no juízo de revisão, os tribunais superiores passam a ter a mesma competência dos tribunais de apelação (TJ e TRF), podendo rejulgar a causa inclusive com reexame de prova, do direito local (estadual e municipal). No juízo de revisão incide o regime jurídico da teoria geral dos recursos como um todo, inclusive com a incidência do efeito translativo: exame pelo STF e STJ, ex officio, das matérias de ordem pública” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 465/466).

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144

recurso. Em outras palavras, “a noção de reformatio in pejus reside na

descrição da situação jurídica de uma das partes ser piorada pelo julgamento

de um recurso mesmo sem o pedido do recorrente. O agravamento da

situação, destarte, deriva da atuação oficiosa do órgão ad quem, e não na

resposta dada ao pedido respectivo formulado pelo recorrente”248.

O princípio que proíbe a reforma prejudicial ao recorrente tem sua

essência exatamente no efeito devolutivo do recurso, de modo que esse

prejuízo só adviria de um julgamento que fosse além dos limites traçados pela

pretensão recursal. Afinal, o recurso certamente não seria interposto no intuito

de prejudicar a própria parte que recorre.

Isso tudo porque “é ao recorrente que cabe delimitar o âmbito do mérito

recursal, devendo deduzir razões de impugnação e formular pedido de reforma

da decisão (âmbito de devolutividade do recurso). O órgão ad quem deve

examinar a questão posta nestes limites e não pode piorar a situação do

recorrente, a não ser que esta piora decorra da cognição de matéria de ordem

pública, de ofício ou acolhendo preliminar(es) alegada(s) pelo recorrido em

contrarrazões. Este é o significado do princípio da proibição da reformatio in

pejus”249.

Claramente, portanto, o princípio da reformatio in pejus comporta

determinadas exceções, que igualmente possuem limites e geram diversas

discussões outras, como algumas hipóteses que ainda serão exploradas ao

longo desse trabalho.

É importante esclarecer, indo um pouco mais além, que a efetiva

verificação da reforma para pior deve se dar na prática. Nesse sentido, caso

248

O autor ainda complementa: “A reformatio in pejus, portanto, vincula-se intimamente ao “efeito devolutivo” dos recursos e, consequentemente, de forma mais ampla, ao “princípio dispositivo. O sistema processual brasileiro, por isso mesmo, nega a possibilidade da reformatio in pejus. Sem o pedido do recorrente, o julgamento do recurso não pode ser modificado para prejudicar o recorrido. Se não há pedido para o agravamento de sua situação, é necessário entender que houve, em idêntica medida, aquiescência com a decisão e, por isto, fica afastada a possibilidade de atuação oficiosa do órgão ad quem. O princípio que veda a reformatio in pejus é implícito no ordenamento jurídico nacional, derivando do próprio papel que é exercido pelo “efeito devolutivo” no âmbito dos recursos. Como é vedado que o órgão julgador do recurso deixe de observar os limites de sua atuação, impostos pelo âmbito de devolutividade recursal, ele não pode, sem o pedido do recorrente, piorar a situação criada pela decisão ao recorrido” (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil 5. São Paulo, 3ª edição, 2011, págs. 64/65). 249

MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação: teoria geral e princípios fundamentais dos recursos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª edição, 2013, página 73.

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haja a manutenção da sentença, com alteração apenas das razões de decidir

que em nada modificam o resultado final, não se estaria diante de hipótese de

reformatio in pejus.

A regra, como se disse, não é absoluta e há casos em que a mera

alteração de fundamento pode acarretar uma reforma para pior na situação do

recorrente. “É o caso da ação civil pública julgada improcedente por falta de

provas, caso em que se permite a repropositura da ação (cf. art. 16, Lei

7.347/1985; art. 18, Lei 4.717/1965; art. 101, I, do Código de Defesa do

Consumidor). Havendo apelação, se o tribunal mantiver a decisão de

improcedência, mas porque o fato não é lesivo a direito difusos, estará

incidindo em reformatio in pejus, considerando que não será mais possível a

repetição da ação”250.

Situação semelhante ocorreria com a ação julgada extinta por abandono

por parte do autor, que recorre para arguir que não houve requerimento do réu,

na linha da exigência do § 6º do art. 485 do atual Código, e o Tribunal afasta a

extinção por abandono, mas julga improcedentes os pedidos. Ora, o autor

recorreu contra um abandono, logrou êxito neste ponto, mas teve sua

pretensão inicial afastada por completo pelo Tribunal. A possibilidade de propor

novamente a ação — ou mesmo de produzir provas nos mesmos autos a fim

de demonstrar a procedência — não mais existem com o julgamento do órgão

a quo. Ainda assim não haveria reformatio in pejus?

Apesar de parecer razoável o raciocínio que aqui se expõe, não é a linha

que vem prevalecendo na doutrina, em especial pelo que dispunha o art. 515, §

3º, do Código de Processo Civil de 1973 e o que dispõe o art. 1.013, § 3º251, do

atual diploma. Entende-se, costumeiramente e muitas vezes apenas

genericamente, que uma vez afastada a sentença terminativa, até pela

disposição de tais artigos, poderia o órgão ad quem, em especial os Tribunais

250

MIRANDA, Gilson Delgado. SHIMURA, Sergio. Há vedação à reformatio in pejus no novo CPC? in Questões Relevantes sobre Recursos, Ações de Impugnação e Mecanismos de Uniformização da Jurisprudência após o primeiro ano de vigência do novo CPC. Coord. Bruno Dantas, Cassio Scarpinella Bueno, Cláudia Elisabete Shwerz Cahali e Rita Dias Nolasco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 73. 251

“A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. (…) § 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: I – reformar sentença fundada no art. 485 (…)”.

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estaduais e regionais federais, já que a norma expressa fala em apelação,

julgar o mérito ainda que desfavoravelmente ao próprio recorrente252.

Caminhando lado a lado com tal entendimento, há ainda quem considere

que, uma vez sendo a sentença recorrida terminativa, o seu afastamento para

julgar o mérito da lide não poderia ser considerado como reformatio in pejus, já

que tal ponto sequer foi apreciado pela decisão objeto do recurso253. O

raciocínio é, na nossa visão, excessivamente simplista: não é o fato da

sentença recorrida ter ou não apreciado o mérito que abre a possibilidade da

reforma para pior no tribunal. O que caracterizará a reformatio in pejus, na

opinião deste autor, é o resultado prático final do julgado, ou seja, se a situação

do recorrente restou efetivamente pior, ou não.

Inquestionavelmente a regra processual autoriza, de maneira expressa,

o afastamento da sentença terminativa e o julgamento do mérito pelo Tribunal

se a causa estiver já madura. Isto não se discute, mas há que se ponderar que

são diferentes as situações de uma extinção por abandono e uma ilegitimidade

afastada, já que nesta a mesma ação não poderia ser proposta, salvo se

corrigido o vício (aí já não seria exatamente a mesma ação).

O entendimento que tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça é

também genérico e, previsivelmente, reflete a disposição legal, talvez com base

na linha de se buscar a celeridade processual para permitir o julgamento da

252

“O que pode ocorrer sem a violação ao princípio aqui discutido e com observância ao sistema processual civil é que, nos casos em que incide o “efeito translativo” do recurso, manifestação do mais amplo “princípio inquisitório”, o órgão ad quem, profira decisão mais gravosa ao recorrente e a despeito da ausência de recurso do recorrido quando a hipótese admitir a sua atuação oficiosa. Assim, por exemplo, não há reformatio in pejus no sentido repudiado pelo sistema processual civil brasileiro, na hipótese de o órgão ad quem anular sentença por reputar uma das partes ilegítima, a despeito de somente o autor ter se voltado da sentença que acolhera integralmente o seu pedido mas fixara ínfimos honorários advocatícios. A atuação do tribunal é correta por força do que lhe autoriza o §3º do art. 267.” (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil 5. São Paulo, 2008, págs. 33/34) 253

“Uma questão interessante surgiu a partir da introdução do §3º no art. 515 do CPC pela Lei n. 10.352, de 26 de dezembro de 2001, que estabelece: “Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”. Ao julgar o mérito, o tribunal poderá decidir pela procedência ou improcedência do pedido. Se decidir pela improcedência, não haverá reformatio in pejus, embora seja inegável que, para o autor, ela é pior que a extinção sem resolução do mérito, já que impede a repropositura da demanda. Mas só há reformatio in pejus quando a sentença de primeiro grau tenha sido de mérito, isto é, tenha apreciado a lide. Se foi meramente extintiva, o juiz nem sequer apreciou a pretensão formulada pelas partes, e o tribunal poderá acolhê-la ou rejeitá-la.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil, volume 2. São Paulo. Editora Saraiva, 2010. Páginas 68/69)

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causa madura, ainda que o resultado possa vir a prejudicar a parte recorrente.

Veja-se um julgado bastante exemplificativo:

"PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO. EXTINÇÃO. SENTENÇA TERMINATIVA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. APELAÇÃO. TRIBUNAL. MÉRITO. JULGAMENTO. POSSIBILIDADE. PEDIDO EXPRESSO. DESNECESSIDADE. MATÉRIA DE FATO. CAUSA MADURA. 1 - Extinto o processo, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade passiva ad causam, pode o tribunal, na apelação, afastada a causa de extinção, julgar o mérito da contenda, ainda que não haja pedido expresso nesse sentido, máxime se, como no caso concreto, as razões de apelação estão pautadas na procedência do pedido inicial, porque demonstrado o fato constitutivo do direito e não contraposta causa extintiva desse mesmo direito. Deficiência técnica que não tem força bastante para se opor à mens legis, fundada na celeridade, economia e efetividade. 2 - Por outro lado, a sistemática dos julgamentos desse jaez não pode ficar adstrita à literalidade do dispositivo de regência, notadamente na expressão "exclusivamente de direito", devendo haver espaço para sua incidência toda vez que estiver o processo em "condições de imediato julgamento", o que significa versar a demanda não somente matéria de direito, mas versando também matéria de fato, já tiverem sido produzidas (em audiência) todas as provas necessárias ao deslinde da controvérsia, estando a demanda, a juízo do tribunal, madura para julgamento. 3 - Recurso especial não conhecido." (REsp 836.932/RO, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2008, DJe 24/11/2008)254

Além da expressa disposição legal, que autoriza de maneira genérica o

afastamento da sentença proferida com fundamento no art. 485 do Código de

Processo Civil, há que se render para argumento de lógica utilizado pelo Min.

Hélio Quaglia Barbosa255, citando o Professor Cândido Rangel Dinamarco,

quando consigna que não haveria que se falar em reformatio in pejus quando

se afasta a sentença terminativa e julga-se o mérito, pois “o julgamento de

meritis que o tribunal fizer nessa oportunidade será o mesmo que faria se

houvesse mandado o processo de volta ao primeiro grau, lá ele recebesse

254

Há ainda diversos outros precedentes como, por exemplo: AgRg no REsp 1117861 / SC, Ministro RAUL ARAÚJO (1143), T4 - QUARTA TURMA, j. 10/05/2016, DJe 30/05/2016; AgRg no REsp 704218 SP 2004/0164627-3, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, T4 – Quarta turma, j. 15/03/2011, DJe 18/03/2011; Apelação Cível Nº 70060380698, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Heleno Tregnago Saraiva, Julgado em 17/07/2014. 255

AgRg no Ag 867885/ MG, Quarta Turma, j. 25/09/2007, DJ 22/10/2007, p. 297).

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sentença, o autor apelasse contra esta e ele, tribunal, afinal voltasse a julgar o

mérito”256.

O entendimento não deve se aplicar de maneira indiscriminada.

Hipóteses em que o beneficiado pela sentença recorre, por exemplo, para

majorar ou buscar a fixação de honorários, se a outra parte não recorreu, ele

não pode ver julgado contra si qualquer dos demais aspectos da sentença,

como o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva ou a improcedência dos

pedidos, por exemplo. Aqui se aplica estritamente a definição de capítulos da

sentença: se apenas se recorreu dos honorários, os demais capítulos da

decisão transitaram em julgado e, portanto, não podem alterados, nem em se

tratando de matéria de ordem pública. É o que se passa a tratar.

5.7. Matérias de ordem pública e a vedação da reformatio in pejus

no recurso especial

Está mais do que consolidada a possibilidade do Superior Tribunal de

Justiça analisar matérias de ordem pública, reconhecíveis ex officio por sua

essência, no juízo de revisão (rejulgamento) do recurso especial, ou seja,

depois do juízo de admissibilidade ser positivo e restar cassado o acórdão

recorrido por violação a dispositivo de lei ou, ainda, divergência jurisprudencial.

Resta saber, porém, quais seriam os limites, se é que existem, para a análise

de tais matérias em sede de recurso especial.

Logo, nesse momento, a principal questão que surge é se poderia o

Superior Tribunal de Justiça analisar matéria de ordem pública ainda que isso

afronte o princípio da vedação da reformatio in pejus, ou seja, em prejuízo do

próprio recorrente.

Referido princípio, como mencionado acima, nada mais reflete do que a

proibição da situação do recorrente, após a análise de seu recurso, restar pior

do que aquela que estava consignada com a decisão recorrida. Em outras

palavras, se apenas uma das partes interpôs recurso, estaria o órgão ad quem

impossibilitado de, no julgamento, colocar o recorrente em uma situação mais

256

DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 177/181.

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desfavorável do que aquela que estava no momento em que prevalecia a

decisão (ou acórdão) alvo da insurgência do interessado. A situação do

recorrente, por referido princípio, deve restar melhor ou pelo menos idêntica

após o julgamento de seu recurso257.

Grande parte da doutrina entende que, tratando-se de questões de

ordem pública, reconhecíveis de ofício pelos magistrados, “não constitui

embaraço para o tratamento da matéria a falta de provocação da parte, nem

tampouco incide na vedação de reformatio in pejus a deliberação que redunde

em prejuízo para o recorrente”258. Afinal, “não se pode cogitar de reforma para

pior quanto às questões sobre as quais o tribunal pode e deve conhecer de

ofício, como os pressupostos processuais e condições da ação”259.

Em outras palavras, ainda que apenas uma das partes tenha interposto

o recurso, se houver alguma questão de ordem pública não analisada pelo

Tribunal a quo, poderá o ad quem dela fazer análise, mesmo para julgar de

maneira completamente contrária ao recorrente. Diz-se, inclusive, que sequer

seria reformatio in pejus propriamente dita, já que se trata de possibilidade

inerente ao efeito translativo, não do devolutivo260.

257

“Outro princípio importante para o sistema processual brasileiro diz respeito à proibição de que o julgamento do recurso, interposto exclusivamente por um dos sujeitos, venha a tornar a sua situação pior do que aquela existente antes da insurgência. Ora, se o recurso é mecanismo previsto para que se possa obter a revisão de decisão judicial, é intuitivo que sua finalidade deve cingir-se a melhorar (ou pelo menos manter idêntica) a situação vivida pelo recorrente. Como remédio voluntário, o recurso é interposto no interesse do recorrente. Não pode, por isso, a interposição do recurso piorar a condição da parte, trazendo para ela situação mais prejudicial do que aquela existente antes do oferecimento do recurso. Tal é a formulação do princípio em exame, que proíbe a reformatio in pejus” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 514). 258

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, pp. 965/966. 259

MIRANDA, Gilson Delgado. SHIMURA, Sergio. Há vedação à reformatio in pejus no novo CPC? in Questões Relevantes sobre Recursos, Ações de Impugnação e Mecanismos de Uniformização da Jurisprudência após o primeiro ano de vigência do novo CPC. Coord. Bruno Dantas, Cassio Scarpinella Bueno, Cláudia Elisabete Shwerz Cahali e Rita Dias Nolasco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 75. 260

“(…) é perfeitamente lícito ao tribunal, por exemplo, extinguir o processo sem resolução de mérito, em julgamento de apelação contra sentença de mérito interposta apenas pelo autor, não ocorrendo aqui a reformatio in peius proibida: há, em certa medida, reforma para pior, mas permitida pela lei, pois o exame das condições da ação é matéria de ordem pública a respeito da qual o tribunal deve pronunciar-se ex officio, independentemente de pedido ou requerimento da parte ou interessado (CPC 267 VI e § 3º). Dizemos em certa medida porque, na verdade, nem se poderia falar em reformatio in peius, instituto que somente se coaduna com o princípio dispositivo, que não é o caso das questões de ordem pública transferidas ao exame do tribunal destinatário por força do efeito translativo do recurso” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 462/463).

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150

Logo, se ajuizada uma ação por “A” contra “B”, pleiteando danos

materiais e morais, ambos procedentes em 1º Grau de jurisdição, mas estes

em valor menor do que o requerido inicialmente, em um recurso interposto

apenas por “A”, seria permitido ao órgão ad quem simplesmente extinguir a

ação, contrariamente ao recorrente, por força de alguma matéria de ordem

pública, como coisa julgada ou prescrição, por exemplo.

Questão bastante ilustrativa do tema se refere à matéria reconhecível de

ofício, que é a prescrição. Muito se explora, na linha das questões de ordem

pública em essência, que a prescrição deve ser reconhecida de ofício a

qualquer tempo e momento, ainda que implique, na prática, em reformatio in

pejus. Na verdade, entendimento intermediário caminha no sentido de que o

seu reconhecimento pode ocorrer de ofício, ainda que em prejuízo ao

recorrente, mas o seu afastamento não. Isto é, se extinta ação pela prescrição,

com fundamento, portanto, no art. 485, II, do Código de Processo Civil, mas

apenas o réu recorrer com o intuito de majorar os honorários, o

reconhecimento da prescrição não pode ser de ofício afastado pelo Tribunal

para julgar o mérito propriamente dito da ação.

Com o devido respeito aos entendimentos divergentes, ainda que

majoritários, a permissão indiscriminada para julgamento por órgãos superiores

de matéria de ordem pública em prejuízo do recorrente (ou seja, independente

da vedação à reformatio in pejus) não parece ser a melhor solução. Todo o

processo civil é construído pautado no princípio da segurança jurídica que se

constitui, muito basicamente, pela previsibilidade. Ora, a parte litigante deve

saber o que esperar do Poder Judiciário e, mais do que isso, deve ter

consciência de qual seria a pior situação a que ela poderia restar submetida ao

praticar determinado ato em juízo.

Em exemplo muito didático, embora feito para hipótese de 1º Grau, o

mestre Barbosa Moreira ilustra a questão: “Se me permitem comparação muito

atual, um técnico de futebol que esteja preparando a sua seleção para

determinado jogo precisa saber o que está em disputa naquele jogo. Se se

trata de jogo meramente classificatório, ele vai preparar a equipe de certa

maneira; se se trata de jogo eliminatório, poderá adotar outra tática. O mesmo

acontece com o réu: é preciso que ele possa avaliar quais são as suas chances

e qual a pior coisa que lhe pode acontecer se for derrotado. Dependendo das

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circunstâncias, o réu poderá optar conscientemente entre diversas atitudes,

inclusive a de não defender-se, desde que esteja seguro do limite máximo do

prejuízo que poderá vir a sofrer, se derrotado. Esse elemento de previsibilidade

é absolutamente essencial para que o réu possa exercer amplamente o seu

direito de defesa”261.

A situação na esfera recursal é a mesma. O recorrente, ao optar por

interpor o recurso cabível, deve ter plena ciência da pior situação possível a

que poderá estar sujeito com o julgamento de sua irresignação. Não seria

razoável que ele saia em situação significativamente pior do que aquela em

que estaria se não tivesse recorrido.

Não se está argumentando, obviamente, que as matérias de ordem

pública não devam ser analisadas, muito pelo contrário. Devem sim ser e de

ofício, como manda a lei, mas a sua aplicação deve ficar restrita ao capítulo

impugnado no recurso, não devendo alcançar outros que já transitaram em

julgado quando uma das partes optou por não recorrer262, inclusive com o

reforço da lógica trazida pelo julgamento parcial de mérito, como consta do art.

356 do Código de Processo Civil e que prevê o trânsito em julgado da parte

não recorrida da decisão263.

261

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença in Revista de Processo, ano 21, n. 83, julho-setembro de 1996, p. 209. 262

“Mesmo a constatação da existência de questões de ordem pública contrárias ao recorrente não permite a reformatio in pejus. A profundidade do efeito devolutivo opera nos limites da sua extensão. Isso está claramente explicitado no art. 1.013, § 1º, parte final, do CPC/2015 (‘desde que relativas ao capítulo impugnado’). Se, no exemplo que se acabou de dar, o tribunal constatasse existir coisa julgada material advinda de uma anterior sentença que havia rejeitado todos os mesmos pedidos do autor, ainda assim, esse fundamento apenas serviria de base para o desprovimento do recurso interposto, ou seja, apenas ensejaria a negativa de ampliação do valor condenatório que havia sido recursalmente pleiteada. Os capítulos condenatórios que não foram objeto de recurso pelo réu permaneceriam incólumes, por estarem fora da extensão do efeito devolutivo do recurso interposto pelo autor”. (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 16ª ed., vol. 2, 2016, pp. 492/493). 263

“Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355. § 1

o A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a

existência de obrigação líquida ou ilíquida. § 2o A parte poderá liquidar ou executar, desde logo,

a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto. § 3

o Na hipótese do § 2

o, se houver

trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva. § 4o A liquidação e o cumprimento

da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz. § 5

o A decisão proferida com base neste artigo é

impugnável por agravo de instrumento.”

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152

Por facilidade, vamos a outro exemplo: imagine-se, como mencionado

há pouco, que na ação movida por “A” contra “B”, pleiteando indenizações

moral e material, ambos os pedidos sejam julgados procedentes, mas a fixação

moral foi inferior à pretensão posta na inicial. “B” opta por não recorrer,

conformando-se com a condenação a ele imposta, mas “A” insurge-se contra a

decisão em 1º e 2º Graus, indo ao Superior Tribunal de Justiça (considere-se

superada a barreira de admissibilidade) no intuito de ver majorada a sua

indenização moral.

Nessa situação, então, se o Tribunal Superior, no juízo de revisão notar

um vício insanável, como a ilegitimidade passiva, por exemplo, pode e deve

analisar essa matéria de ordem de pública, ainda que nunca suscitada

anteriormente no curso do processo (art. 485, § 3º). Agora, o reconhecimento

de tal ilegitimidade deve ficar restrito ao capítulo impugnado no recurso.

Assim, no exemplo, poderá o Superior Tribunal de Justiça afastar por

completo a indenização moral fixada diante da ilegitimidade passiva, haja vista

estar o capítulo pendente de julgamento. Note-se que a situação do recorrente

é pior do que a anterior, no sentido de que a indenização fixada originariamente

também foi afastada, mas ao optar por recorrer, assumiu o risco, eis que ciente

da possibilidade do capítulo como um todo ser revisto pela eventual existência

de alguma matéria de ordem pública não analisada.

Muito embora “B” não tenha recorrido também da indenização moral

objeto do recurso de “A”, pode o Superior Tribunal de Justiça afastar por

completo referida verba, por força da profundidade do efeito devolutivo. Isso

porque a análise pelo Tribunal do objeto do recurso passa, invariavelmente,

pelas condições de ação daquele pedido específico, de forma que o

reconhecimento da carência de uma delas, a extinção (ou a improcedência a

depender da hipótese) seria, de fato, a medida de rigor. Disso, como dito, o

recorrente tinha plena ciência — era, portanto, previsível, ainda que,

eventualmente, improvável264.

264

Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior: “Discute-se sobre ser, ou não, o prequestionamento condição para que o Superior Tribunal de Justiça examine questão de ordem pública não enfrentada pelo acórdão impugnado por meio de recurso especial, havendo correntes em ambos os sentidos. O entendimento que se coloca numa posição intermediária parece ser bem mais razoável: o STJ poderia apreciar de ofício, questão de ordem pública como as condições da ação, desde que tenha sido conhecido o especial em que lhe cabe aplicar o direito à espécie. O tema incluir-se-ia no efeito devolutivo em profundidade, que

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O que não poderia fazer o Tribunal Superior, ao jugar o recurso especial,

é reconhecer a ilegitimidade também para a indenização material, nunca

recorrida e transitada em julgado. Para esta hipótese, “B” teria sempre a opção

da ação rescisória, mas a condenação naquele processo, em que não se

interpôs nenhum recurso sobre o capítulo da sentença que fixou a indenização

material, a condenação era absolutamente final.

Nessa linha de raciocínio, repita-se a lição de Barbosa Moreira, para

quem “o órgão julgador da apelação [assim como o Superior Tribunal de

Justiça] também tem de fazer a sua auto-contenção. Não pode pronunciar-se

sobre coisa alguma que não esteja contida no efeito devolutivo. Não se pode

mexer naquilo que não foi objeto do recurso, ainda que isso conduza a

situações de contradição lógica. Se não houve recurso contra uma parte da

sentença, mas verificou-se que faltava um requisito de validade do processo

(por exemplo: o Ministério Público não foi chamado a intervir quando o caso era

de obrigatória intervenção), nem por isso se está autorizado a anular a parte da

sentença da qual não houve recurso. Essa já transitou em julgado, e só com

ação rescisória é possível atingi-la (…)265”.

Dessa forma, mesmo estando-se diante de matérias de ordem pública,

deve-se respeitar a limitação feita pelo próprio art. 1.034 do Código de

Processo Civil, restringindo-se a análise pelo Superior Tribunal de Justiça aos

capítulos impugnados pelo recurso interposto, ou seja, à sua extensão,

mantendo-se certa previsibilidade e segurança jurídica ao jurisdicionado.

Quanto aos capítulos que não foram objeto de recurso, se efetivamente houver

alguma matéria de ordem pública que sobre eles devesse ter sido considerada,

a parte interessada terá ainda a possibilidade de propor a competente ação

rescisória, nos termos do art. 966, especialmente incisos IV e V266, do atual

abrange os pressupostos do julgamento a ser examinado” (aut. cit., Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, pp. 1.126/1.127). 265

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença in Revista de Processo, ano 21, n. 83, julho-setembro de 1996, pp. 214/215. 266

“Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente; III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar manifestamente norma jurídica;

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diploma processual, mas naqueles autos o tema não mais poderá ser

analisado.

Esse entendimento, inclusive, já vinha sendo refletido por parte da

doutrina na vigência do Código de Processo Civil de 1973, como se vê do

seguinte exemplificativo e elucidativo trecho: “(…) se houver recurso especial

versando apenas o mérito, o STJ não poderá apreciar questão preliminar,

ainda que essa fosse apreciável de ofício pelas instâncias ordinárias, tal como

sucede no caso do recurso de apelação, por exemplo. E não poderá fazê-lo

mesmo que essa preliminar se encontre decidida pelo acórdão, salvo recurso

que, contra essa parte da decisão, se dirija. Às instâncias extraordinárias não

se aplica o § 3º do art. 267 (…). Por isso mesmo, se houver recurso especial

versando a questão de mérito, o recorrido, que alegara preliminar, rejeitada, se

pretender o prevalecimento eventual dessa preliminar (pois o julgamento de

mérito, em tese, pode ser invertido em seu desfavor), deverá interpor recurso

especial sob a forma adesiva (condicionada)”267.

5.8. Fatos e provas perante o Superior Tribunal de Justiça

Um dos mais notórios entraves para a admissibilidade do recurso

especial é aquele óbice refletido na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de

Justiça, segundo a qual “a pretensão de simples reexame de prova não enseja

recurso especial”. Há casos óbvios de mera pretensão de reforma, tal e qual

fosse a Corte Superior uma terceira instância revisora, mas há, também,

situações em que a discussão pode gerar dúvidas e a decisão acaba recaindo

para um caráter subjetivo de quem faz a análise.

Previamente a qualquer questão sobre o assunto, deve-se ao menos

buscar a conceituação de matéria de direito e de matéria de prova. Nesse

sentido, a melhor doutrina discorre que “consiste a questão de fato em verificar

se existem as circunstâncias baseado nas quais deve o juiz, de acordo com a

VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória”; VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos. 267

ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 883/884.

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lei, considerar existentes determinados fatos concretos (ex.: - ficou provada a

aposta entre Tício e Cáio durante a corrida?) (…)”268. A questão de direito,

então, seria prévia e consistiria, basicamente, na verificação se a norma, a que

o autor se refere existe no ordenamento jurídico. Obviamente, a conceituação

aqui feita é propositalmente simplista, mas atende ao objetivo proposto que é

distinguir, abstratamente, as matérias de fato das de direito que envolvem a

lide.

De toda forma, superada a conceituação, é claro que não deve ser

admitido recurso especial que vise, única e tão somente, a análise de fatos e

provas ou, até mesmo, aqueles em que a verificação de todo o conjunto fático-

probatório dos autos é indispensável para o julgamento, exatamente por

esbarrarem frontalmente no óbice acima transcrito.

A discussão sobre o tema reside, então, no juízo de revisão, acerca dos

limites da atuação do Superior Tribunal de Justiça quando estiver a julgar o

mérito de recurso especial já admitido. Poderia a corte Superior, então, atuar

regularmente como um Tribunal qualquer e fazer uma análise geral do

processo a ela remetido para aplicar o direito à espécie?

A resposta mais sensata parece ser negativa, de modo que “os Tribunais

Superiores receberão os fatos tais como foram postos no acórdão recorrido e

rejulgarão as questões decididas na instância de origem”269.

Nessa linha de raciocínio, não significa dizer que o Tribunal Superior

deva simplesmente fechar os olhos para os fatos e as provas tratados nos

autos, mas sim que deve ele se ater àqueles delimitados pelo acórdão

recorrido. Parece impossível a segregação completa entre os fatos, as provas e

o direito pleiteado em determinada ação, eles estão rigorosamente interligados,

de forma que, invariavelmente, o recurso especial irá abordar não apenas a

formalidade da matéria de direito, mas eventuais fatos e provas que existam

para demonstrar exatamente o direito almejado.

Embora não se revele factível a segregação completa, é possível buscar

a delimitação da atuação da Corte na reanalise dos fatos e provas já

268

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1965, pp. 175/176. 269

OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2.568.

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considerados pelo acórdão recorrido. É possível que se faça uma nova

qualificação de determinado ato frente ao ordenamento jurídico, ou seja, nova

verificação ou valoração da prova em sua subsunção à norma270. Essa é a

possibilidade de atuação no campo da prova, já que efetivamente não caberia,

por exemplo, reconhecer como inexistente ato tido por existente pelo órgão a

quo, ou vice-versa. As linhas divisórias são tênues, mas perceptíveis.

Portanto, considerando que fato e direito estão invariavelmente

interligados, “o que não é possível é rediscutir a existência ou inexistência dos

fatos em recurso extraordinário e em especial (Súmula 279 do STF, e Súmula

7ª do STJ). Vale dizer: o recorrente tem que trabalhar com o caso em seu

recurso partindo da narrativa fática estabelecida pela decisão recorrida.

Consequentemente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de

Justiça não podem considerar existente fato considerado inexistente e

270

Vale transcrever trecho de voto do Min. Vicente Cernicchiaro que, muito embora antigo, bem aborda o assunto: A valoração da prova é relativa ao ato jurídico perfeito. A adequação da prova à Constituição e à lei ordinária. Compreende admissibilidade de formação consoante o ordenamento jurídico. A primeira é consentimento, constatável em plano meramente normativo. A segunda porque relacionada com os princípios de realização, própria também da experiência jurídica, não se confunde com a interpretação da prova, ou seja, a avaliação dos dados fáticos elaborados pelo Magistrado. (...) A valoração da prova distingue-se da análise da prova. essa distinção amolda-se perfeitamente ao campo teorético. O instituto, porém, na experiência, para caracterização fenomênica pode exigir análise, realização de provas. Sem dúvida, confissão é narração, reconhecimento de autoria de fato. Por sua natureza, reclama espontaneidade, deliberação sem qualquer constrangimento. Com efeito, confissão e tortura são termos contraditórios. Todavia, a livre opção ou a coação dependem de prova. em sendo assim, a confissão ou a extorsão de palavras no campo fático, não pode ser dirimida na ação de habeas corpus” (REsp. 112087/DF; 6ª Turma; DJ 27.10.1997; p. 54.843). Reproduzam-se, ainda, outros julgados do Superior Tribunal de Justiça que refletem o entendimento: Consoante jurisprudência da Corte, ‘a revaloração da prova delineada no próprio decisório recorrido, suficiente para a solução do caso, é, ao contrário do reexame, permitida no recurso especial”(REsp 723147/RS, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 24.10.2005; AgRg no REsp 757012/RJ, desta relatoria, Primeira Turma, DJ de 24.10.2005; REsp 683702/RS, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 02.05.2005; “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - ROUBO DE CARGA - DEMANDA REGRESSIVA DE SEGURADORA CONTRATADA PELO PROPRIETÁRIO DOS BENS EM FACE DA TRANSPORTADORA - DECISÃO MONOCRÁTICA PROVENDO O RECLAMO DA DEMANDADA, PARA ISENTA-LA DO DEVER DE INDENIZAR. INSURGÊNCIA DA AUTORA - 1. A REDEFINIÇÃO DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS EXPRESSAMENTE MENCIONADOS NO ACÓRDÃO HOSTILIZADO CONSTITUI MERA REVALORAÇÃO DA PROVA - DELIBERAÇÃO UNIPESSOAL EM CONFORMIDADE AO ENTENDIMENTO CRISTALIZADO NA SÚMULA N. 7 DO STJ - 2. SUBTRAÇÃO DA CARGA, MEDIANTE AÇÃO ARMADA DE ASSALTANTES - CAUSA INDEPENDENTE, DESVINCULADA À NORMAL EXECUÇÃO DO CONTRATO DE TRANSPORTE, QUE CONFIGURA FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO, EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL - ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - ALUSÃO, ADEMAIS, NO ARESTO ATACADO, DA ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIAS CONCRETAS POR INICIATIVA DA TRANSPORTADORA VISANDO À PREVENÇÃO DA OCORRÊNCIA - 3. RECURSO DESPROVIDO.” (AgRg no REsp 1036178/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2011, DJe 19/12/2011).

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considerar inexistente fato considerado existente pela decisão recorrida. Essa

perspectiva teórica explica a razão pela qual, por exemplo, é possível obter do

Superior Tribunal de Justiça pronúncia voltada ao adequado dimensionamento

da reparação de danos civis, notadamente de danos morais. Em situações

dessa ordem, discute-se o caso em todos os seus aspectos, mas não se

interfere na conformação do caso outorgada pela decisão recorrida”271.

Caso entenda a Corte Superior ser falha a delimitação do conjunto

fático-probatório do acórdão objeto do especial, não poderá ela, ainda que sob

justificativa das previsões do art. 1.034 e seu parágrafo único, tentar julgar

desde logo o mérito da lide, fazendo uma análise absolutamente completa do

processo. Não é essa a função do Superior Tribunal de Justiça e nem tem o

Tribunal mão de obra suficiente para atuar dessa maneira, o que colocaria em

risco, novamente, a prestação jurisdicional minimamente célere.

O que deve ser feito, portanto, é a determinação de retorno dos autos ao

órgão a quo para que, corrigindo as premissas fáticas e probatórias, julgue

novamente a ação272.

Assim, quando superada a barreira da admissibilidade de um recurso

especial, a atuação do Superior Tribunal de Justiça deve ser feita pautada nos

limites fáticos e probatórios estabelecidos no acórdão recorrido. Dentro dessa

moldura pode a Corte analisar amplamente as questões para melhor aplicar o

direito à espécie. O que estaria além dos limites de sua atuação é a verificação

do processo como um todo, inclusive fatos e provas, independente de qualquer

consideração feita pelo órgão a quo, situação em que atuaria efetivamente

como uma terceira instância.

Na hipótese de não constarem do acórdão recorrido elementos

suficientes para o julgamento do especial admitido, ou estarem as premissas

fático-probatórias equivocadas, deve o Superior Tribunal de Justiça prover a

insurgência, determinando-se a devolução do caso para que, corrigindo-se os

erros ou incluindo-se os elementos necessários, o Tribunal de origem julgue

novamente a questão.

271

DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., p. 308. 272

WAMBER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 2ª ed., p. 1.483.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho seria rigorosamente supérfluo se o intuito único

fosse evidenciar a essencialidade da função exercida pelo Superior Tribunal de

Justiça por meio do recurso especial. A inconstância da atuação da Corte, no

entanto, justifica a elaboração de uma dissertação dedicada exclusivamente a

esse recurso excepcional e sua função dentro da estrutura judiciária brasileira.

Nesse sentido, ao final, algumas são as conclusões que se extraem das

exposições aqui feitas. A primeira delas é a reafirmação de ponto já largamente

abordado pela doutrina, de que a função do Superior Tribunal de Justiça não

deve, efetivamente, se restringir à resolução do caso concreto a ele posto a

julgamento. É muito mais do que isso.

Na qualidade de uma Corte Superior, o objetivo do Tribunal deve ser —

e efetivamente é — muito maior. Ainda que sua função primordial, de

uniformização de jurisprudência e orientação de interpretação das normas

legais no âmbito federal, seja exercida casuisticamente, por meio de casos

individuais que até a Corte chegam, a sua atuação possui uma relevância que

se destaca e escapa à exclusividade das partes do processo e influencia, em

determinas hipóteses com caráter vinculativo, todos os Tribunais Estaduais e

Regionais Federais.

Desse modo, a forma de atuar da Corte não deve se restringir à

resolução do caso concreto ou mesmo à resolução da questão de direito

pendente de análise. Há que existir, especialmente, uma preocupação e

sempre uma relevante ponderação acerca das consequências que a tomada de

uma determinada decisão irá gerar, não apenas na esfera jurídica, mas

igualmente em âmbito extrajudicial. As decisões do Superior Tribunal de

Justiça têm o poder de afetar a sociedade civil como um todo, exemplificando-

se esta hipótese com o caso dos planos econômicos tratado no item 1.7 desse

trabalho.

Não apenas isso, a relevância da função do Superior Tribunal de Justiça

envolve ainda duas outras questões que mereceram atenção ao longo da

exposição aqui feita: (i) o volume de recursos que chegam à Corte e impedem

a atuação qualitativa do Tribunal; e (ii) os limites dessa atuação, afinal, não é

pela manifesta importância de sua função que não devam existir restrições.

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159

Com relação ao primeiro ponto, já são diversos os requisitos de

admissibilidade hoje existentes, muitas vezes utilizados como pretexto para

fazer frente a uma precipitada jurisprudência defensiva do Superior Tribunal de

Justiça, o que acaba por diminuir os recursos, mas, muitas vezes, afasta sua

intervenção em casos indispensáveis ou, outras vezes, encerram graves

injustiças: a prática já demonstrou, por exemplo, que dois recursos especiais

sobre o exato mesmo tema, com os precisos mesmo fundamentos, não

necessariamente terão assegurados o mesmo trânsito. Um pode ser admitido e

outro não.

Isto não deve ocorrer em um sistema judiciário organizado. É por isso

que a implementação de novas formalidades, ou filtros, como a repercussão

geral da fundamentação do recurso especial, tal como para o recurso

extraordinário, parece ser medida salutar.

Restam ser estabelecidos critérios razoáveis e sensatos para se verificar

a existência, ou não, da repercussão geral. O mesmo se espera, com a

redução de trabalho da Corte, como os números mostram ter ocorrido no

Supremo Tribunal Federal com a implementação de tal filtro, da aplicação dos

demais requisitos e dos julgamentos de mérito. Afinal, lembre-se, o Superior

Tribunal de Justiça orienta a intepretação infraconstitucional, de modo que

deve ser o exemplo não apenas na aplicação do direito, mas também em

critério de funcionalidade e efetividade do Tribunal.

Sempre rendendo as homenagens necessárias ao Tribunal Superior,

não se pode deixar de ressaltar, com relação ao segundo ponto acima

mencionado, os limites para atuação da Corte. Ora, é exatamente porque a

relevância de sua função é notória, que devem ser ainda mais claros limites

para tais intervenções.

É por isso que, ao final, se defende inicialmente que o único momento

em que o Superior Tribunal de Justiça aplicará o direito ao caso concreto, tal

como preceitua o art. 1.034 do Código de Processo Civil, é no juízo de revisão.

Isto é, apenas depois de admitido o recurso especial, em respeito a todas as

formalidades inerentes a tal inconformismo excepcional, e cassado o acórdão

recorrido, é que haverá o julgamento de mérito da lide. Antes desse terceiro

momento da intervenção do Tribunal, ele ficará restrito às formalidades

inerentes à sua atuação pontual e de Corte Superior.

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O Superior Tribunal de Justiça não é uma terceira instância revisora das

questões levadas ao Judiciário. Não apenas por isso os requisitos de

admissibilidade são severos, mas também se evidencia que, na visão deste

autor, nem no juízo de revisão está a Corte livre para atuar como bem

entender. Continuará ela presa aos limites fáticos e probatórios da decisão

recorrida e não poderá intervir em matérias decididas e não impugnadas, ou,

em outras palavras, sobre as quais operou o trânsito em julgado.

Logo, a intervenção dos ministros deve se restringir aos limites impostos

pelo acórdão recorrido e pelo recurso interposto, especificamente aos capítulos

da decisão impugnados, ainda que sua análise recaia sobre matérias de ordem

pública, reconhecíveis de ofício e a qualquer tempo e grau de jurisdição, desde,

obviamente, que não transitada a questão em julgado, o que terá ocorrido com

o capítulo não impugnado pelo interessado.

Resumidamente, portanto, a essência da atuação do Superior Tribunal

de Justiça — que deve sempre vir acompanhada de indispensável

preocupação com as consequências da decisão a ser tomada — se manifesta

em suas intervenções em recursos especiais devidamente admitidos, em que

foram cassados os acórdãos recorridos por violação de lei ou dissídio

jurisprudencial, dentro dos limites fáticos e probatórios traçados pelo acórdão

recorrido e apenas com relação aos capítulos impugnados no recurso

apresentado. Esta limitação abrange, inclusive, matérias de ordem pública, em

respeito aos princípios da previsibilidade e da segurança jurídica.

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