mestrado em linguÍstica aplicada e estudos da …
TRANSCRIPT
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Edgar Godoi Gabriel
FRASES SEM TEXTO NA PUBLICIDADE:
DISCURSOS EM TORNO DE UM BRASIL BILÍNGUE
MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA
E ESTUDOS DA LINGUAGEM
São Paulo
2018
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Edgar Godoi Gabriel
FRASES SEM TEXTO NA PUBLICIDADE:
DISCURSOS EM TORNO DE UM BRASIL BILÍNGUE
MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA
E ESTUDOS DA LINGUAGEM
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a
orientação da Professora Doutora Maria Cecília Pérez de
Souza-e-Silva.
São Paulo
2018
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Banca examinadora
__________________________________
__________________________________
______________________________
AGRADECIMENTOS
À dona Ana Maria Godoi Gabriel (minha querida mainha) pelo apoio constante nestes anos
todos — sobretudo nesse período do Mestrado —, pelos valiosos ensinamentos, pelos
primeiros livros e por ser a pessoa amável que é.
À professora Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva, a “Cecilinha”, por me acolher no grupo,
pelos ensinamentos para além das noções teóricas e pela excelente orientação deste trabalho.
Ao professor Jarbas Vargas Nascimento pelos valiosos apontamentos no Exame de
Qualificação.
À professora Silma Ramos Coimbra Mendes pelas observações e reflexões desde os
primórdios deste trabalho e também pelos apontamentos durante o Exame de Qualificação.
A tod@s professorxs do LAEL, em especial à Maria Antonieta Alba Celani e à Beth Brait
pelas reflexões ao longo dos cursos, que contribuíram sobremaneira com a discussão
proposta nesta dissertação.
A tod@s funcionári@s da PUC-SP, em especial à Maria Lúcia dos Reis que, de pronto,
sempre tem as respostas necessárias e por sua simpatia contagiante.
A colegas do Grupo de Pesquisa Atelier que comigo caminharam e compartilharam
ensinamentos, risos, dúvidas e esperanças durante essa odisseia: Amanda Moura, Renata
Lamberti, Regiany Silva, Luciana Mendonça, Lúcia Alencastro, Antônio Artequilino
(Tunico), Rodolfo Cabral, Margarete Bonafé, Marcella Machado e Silvia Armada.
A tod@s companheir@s de copo, prato, piadas/risadas, filosofias, lutas por um mundo mais
humano e o que mais for necessário para tornar a vida mais agradável, em especial Felipe
Augusto Caetano Matos, Fernanda Ferreira dos Santos e Fábio Wolf.
Ao ex-metalúrgico (barbudinho) por provar que um outro Brasil é possível e por inspirar e
trazer esperança a milhões de meus iguais. Ainda que tentem, jamais lhe tirarão essa graça!
E ao CNPq pelo apoio financeiro, sem o qual este trabalho não seria possível.
RESUMO:
Atualmente, poucos ousariam contestar a importância da Língua Inglesa no mundo
globalizado em que vivemos. No Brasil, saber se comunicar em inglês passou a ser uma
necessidade para quem está entrando no mercado de trabalho ou deseja progredir na carreira
profissional. Por meio da publicidade, institutos/escolas de idiomas têm buscado persuadir a
sociedade da importância de seus serviços para a inserção do país no mundo globalizado.
Nesse contexto, sobressaem-se duas empresas: Wizard e Pearson. A Wizard é a maior rede
de escolas de idiomas do mundo, com mais de 1.200 unidades, por onde passam mais de 500
mil alunos por ano; em 2013, foi adquirida pela Pearson, líder mundial em negócios em
educação. Juntas, lançaram, em 2014, Nação Bilíngue, a maior campanha publicitária da
Wizard, cuja missão é “transformar o Brasil em uma nação bilíngue”. De modo geral, a
publicidade tem sido objeto frequente de estudos acadêmicos, no entanto, ainda são
incipientes as pesquisas que se debruçam sobre a circulação das chamadas frases sem texto
(slogans, provérbios, ditos populares...) na publicidade de institutos/escolas de idiomas. Daí
a importância deste trabalho, que tem por objetivo analisar, do ponto de vista verbal e visual,
os discursos veiculados na campanha publicitária Nação Bilíngue (2014-2017), mais
especificamente, depreender os efeitos de sentido produzidos nas/pelas frases sem texto que
circulam nos cartazes/banners digitais da referida campanha. Coletados das páginas digitais
(websites, blogs e redes sociais) da escola de idiomas Wizard, o corpus é constituído por
sete cartazes/banners, referentes às três fases iniciais da campanha: Manifesto (2014-2015),
Entrega Resultados (2016) e Hino (2017). As análises fundamentam-se nas noções de Frases
sem texto, Hiperenunciador e Ethos Discursivo, como preconizadas e desenvolvidas por
Dominique Maingueneau. Os resultados mostram que os discursos que circulam na
campanha publicitária Nação Bilíngue produzem o efeito de sentido segundo o qual a língua
inglesa é tanto uma forma de inserção no mundo globalizado quanto um meio de ascensão
social. Indicam ainda que, diferentemente dos slogans publicitários convencionais, os de
Nação Bilíngue revelam seu caráter mimotópico, isto é, sua capacidade de adaptar-se a ou
metamorfosear-se em outros discursos, simulando até mesmo ser uma não publicidade.
Palavras-chave: Análise do Discurso francesa. Discurso Publicitário. Frases sem texto.
Mimotopia. Inglês como língua franca da globalização.
ABSTRACT:
Only few people would dare to challenge the importance of English in the globalized world
we live in. To speak English has become a must for those Brazilians who are beginning or
developing their career. Thus, language schools strive to persuade society, through their
advertisings, of the importance of their services to insert the country in the globalized world.
In this scenario, two companies stand out: Wizard and Pearson. Wizard is the world’s largest
language school, with more than 1,200 branches where more than 500,000 people study per
year. In 2013, Pearson the world business education leader acquired Wizard. In partnership,
they released Nação Bilíngue [Bilingual Nation], Wizard’s largest advertising campaign,
whose mission is ‘to transform Brazil into a bilingual nation’. We can find lots of studies on
Advertising, however, the ones focusing on phrases without text (i.e. slogans, proverbs,
sayings…) in language schools’ advertisings are still incipient. Advertising discourse is a
profitable field for the so-called phrases without text, especially in the Digital Era, due to its
spatiotemporal coercions. From a verbal and visual point of view, this dissertation aims at
analyzing the discourses conveyed in the Nação Bilíngue (2014-2017); more specifically, to
understand the effects of meaning production in/by the phrases without text in the Nação
Bilíngue’s digital banners. Collected from Wizard’s websites, blogs, and social networks,
corpus study consists of seven digital banners which belong to Nação Bilíngue three phases:
Manifesto (2014-2015), Delivering Results (2016), and Anthem (2017). The analyses are
based on the notions of Phrases without text, Hyper-Enunciator, and Discursive Ethos such
as advocated and developed by Dominique Maingueneau. The results show that the
discourses circulating in Nação Bilíngue produce the effects of meaning that English is both
a means of insertion in the globalized world and a means of ascending social strata. They
also indicate that, unlike conventional advertising slogans, the ones of Nação Bilíngue reveal
their mimotopic character, that is, their capability to adapt to or to metamorphose into other
discourses, even pretending to be a non-advertising.
Key words: French Discourse Analysis. Advertising Discourse. Phrases without text.
Mimotopia. English as an International Language.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1. CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO...................................................... 20
1.1 Percursos de conquistas: quando a razão do mais forte é sempre a melhor............. 20
1.2 A Pearson e suas conquistas expansionistas: da Inglaterra para o mundo................. 23
1.2.1 A Pearson no Brasil: entre negócios privados e público-privados.................... 27
1.3 A escola de idiomas Wizard: da sua criação à sua aquisição.................................... 29
1.4 A expansão da Língua Inglesa e o paradoxo da globalização:
extinção das fronteiras e criação das barreiras culturais “invisíveis”....................... 32
CAPÍTULO 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.......................................................... 38
2.1 Discurso publicitário: a mimotopia........................................................................... 39
2.2 Frases sem texto........................................................................................................ 42
2.2.1 Destacamento.................................................................................................... 42
2.2.2 Aforização......................................................................................................... 43
2.2.3 Sobreasseveração............................................................................................... 46
2.2.4 O Aforizador...................................................................................................... 48
2.3 A noção de Hiperenunciador..................................................................................... 50
2.4 A noção de Ethos Discursivo.................................................................................... 54
CAPÍTULO 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.......................................... 60
3.1 A campanha Nação Bilíngue — #nacaobilingue: panorâmica.................................. 61
3.2 Por que digital?.......................................................................................................... 67
3.3 A coleta dos dados: procedimentos e ferramenta...................................................... 69
3.4 Constituição do corpus.............................................................................................. 71
CAPÍTULO 4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS............................................. 74
4.1 A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil numa nação bilíngue.................. 75
4.2 Temos uma MISSÃO: transformar o BRASIL.......................................................... 86
4.3 Certificado internacional em dois anos de curso....................................................... 94
4.4 O inglês como passaporte para o mundo globalizado............................................. 102
4.5 Inglês como meio de realizar sonhos....................................................................... 109
4.6 Inglês como guardião das posições socialmente prestigiadas................................ 114
4.7 Autoafirmação e convocação: todos por uma #nacaobilingue............................... 119
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 125
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 129
LISTA DE QUADRO
Quadro 1.............................................................................................................................. 45
LISTA DE FIGURAS
Figura 1................................................................................................................................ 75
Figura 2................................................................................................................................ 86
Figura 3................................................................................................................................ 94
Figura 4.............................................................................................................................. 102
Figura 5.............................................................................................................................. 109
Figura 6.............................................................................................................................. 114
Figura 7.............................................................................................................................. 119
Falar é estar em condições de empregar uma certa sintaxe,
possuir a morfologia de tal ou qual língua, mas é sobretudo assumir
uma cultura, suportar o peso de uma civilização.
(Frantz Fanon)
I who am poisoned with the blood of both,
Where shall I turn, divided to the vein?
I who have cursed
The drunken officer of British rule, how choose
Between this Africa and the English tongue I love?
Betray them both, or give back what they give?
(Derek Walcott)
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
(Augusto dos Anjos)
12
INTRODUÇÃO
Atualmente, poucos ousariam contestar a importância da Língua Inglesa no mundo
globalizado em que vivemos. Os meios de comunicação — dos blogs pessoais aos grandes
e tradicionais veículos — enfatizam reiteradamente as vantagens e os benefícios que a
aprendizagem desse idioma pode proporcionar ao seu aprendiz. Se, no âmbito social, não
saber falar inglês pode causar “constrangimento”1, no econômico, as consequências são de
outra ordem.
Os argumentos pró-inglês intensificam-se para quem está entrando no mercado de
trabalho ou deseja evoluir na carreira profissional: “É uma premissa básica”, “(...) não é mais
um privilégio, é uma necessidade no mundo globalizado de hoje”, “Saber inglês significa ter
melhores oportunidades de emprego”, “Salário XX% maior comparado ao daqueles que não
dominam o idioma, segundo a pesquisa X”, entre outros que têm circulado.
Devido a essa “onipresença” nas atividades humanas, saber se comunicar em inglês
tornou-se tão necessário quanto saber operar um computador ou smartphone no século XXI.
Mas por que a Língua Inglesa tem todo esse prestígio? Por que coube a ela o lugar de lingua
franca e de que modo sua expansão global tem influenciado o cotidiano dos brasileiros?
Essas e outras indagações surgiram quando eu cursava a graduação em Letras:
Tradutor e Intérprete (Português e Inglês), período em que vivenciei diária e intensamente o
inglês, nos âmbitos profissional e acadêmico. Tal imersão no idioma foi o ponto catalisador
das minhas reflexões sobre o seu status de prestígio conquistado nas últimas décadas.
Entretanto, eram questões fora do escopo de estudos em Tradução, isto é, questões que essa
área do conhecimento não pretende responder.
Por isso, com o término da graduação, busquei dar continuidade aos estudos e me
matriculei, em 2015, no curso de extensão universitária Análise do Discurso: o que é, como
1 “7 situações embaraçosas para quem não sabe falar inglês”. Blog da Wizard. Disponível em:
http://www.wizard.com.br/blog/aprender-ingles/7-situacoes-embaracosas-para-quem-nao-sabe-falar-ingles/.
Acesso em: 27/02/2017.
13
se faz? Leitura e Escrita, lecionado pela professora Silma Mendes e coordenado pela
professora Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva. Esse curso foi essencial porque, a partir
dele, tive subsídios para propor uma discussão, por uma abordagem discursiva, sobre a
influência da Língua Inglesa no Brasil.
Finalizado Análise do Discurso, prestei seleção para o programa de pós-graduação
em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL). Ao ingressar no programa,
iniciei, no primeiro semestre de 2016, o curso de Mestrado e passei a integrar o Grupo de
Pesquisa Atelier Linguagem e Trabalho (CNPq), sob a coordenação da Professora Dra.
Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva, orientadora desta dissertação.
O Grupo Atelier é formado por mestrandos e doutorandos do LAEL e por
pesquisadores de outras Instituições de Ensino Superior: UERJ, UFF, PUC-RS, UFPA,
UNIFRAN e UTFPR. Suas pesquisas estão centradas no estudo dos mecanismos de
produção e interpretação de textos que circulam em diferentes esferas de atividade:
midiática, religiosa, política, educacional e, particularmente, daqueles relacionados ao tema
trabalho.
As atividades desenvolvidas pelo grupo abrangem duas linhas de pesquisas:
Estudos discursivos, que mobilizam os princípios teórico-metodológicos da Análise do
Discurso francesa, sobretudo a partir dos estudos desenvolvidos por Dominique
Maingueneau; e Linguagem e trabalho, que mobilizam o quadro teórico-metodológico da
Ergologia, desenvolvido por Yves Schwartz e alguns de seus comentadores. Esta dissertação
insere-se na primeira delas.
Seguindo a linha de pesquisa Estudos discursivos, foi possível desenvolver esta
dissertação visando a analisar uma série de peças publicitárias de uma escola de idiomas, um
projeto iniciado ainda no curso de extensão Análise do Discurso. Antes de apresentar a
escola em questão, julgo pertinente uma observação a respeito do contexto sócio-histórico
brasileiro no qual as instituições de ensino de línguas estão inseridas.
A exaltação exacerbada à Língua Inglesa, como meio de alcançar as posições
socialmente prestigiadas e de inserção no mundo globalizado, propiciou, nas últimas
décadas, o crescimento vertiginoso do número de institutos/escolas de idiomas no Brasil,
14
potencializando a indústria da educação privada, em particular do ensino de inglês. Nesse
cenário, destacam-se duas empresas: Wizard e Pearson.
Fundada em 1987 na cidade de Campinas, interior do estado de São Paulo, a Wizard
é a maior rede de escola de idiomas do mundo, com mais de 1.200 unidades em quatro
continentes, por onde passam mais de 500 mil alunos por ano2. Entre os anos de 2000 e 2013,
a Wizard adquiriu boa parte de sua concorrência e consolidou-se líder no ensino de línguas
(leia-se ensino de língua inglesa) no Brasil. Sua ascensão nesse mercado foi tão expressiva
que chegou ao ponto de despertar o interesse internacional. Numa transação de R$ 1,95
bilhão em dezembro de 2013, o Grupo Multi (proprietário das bandeiras Wizard, Yazigi,
Skill, Microlins etc.) foi adquirido pelo conglomerado britânico Pearson, líder mundial em
negócios em educação3, cuja atuação comercial compreende tanto os negócios privados
quanto os público-privados no sistema educacional brasileiro.
Impulsionada sobretudo por interesses econômicos, isto é, pela exigência do idioma
no mercado de trabalho, a necessidade de os brasileiros no século XXI saberem se comunicar
em inglês tornou-se a condição propícia para que a escola de idiomas Wizard, cujo lugar no
mercado educacional é de destaque, assumisse uma “missão: transformar o Brasil em uma
nação bilíngue”, em 18 de julho de 2014, com o lançamento da sua campanha publicitária:
Nação Bilíngue.
Nação Bilíngue é a maior campanha publicitária da história da Wizard e a primeira
sob a direção dos britânicos da Pearson. Dividida em três fases (explicitadas mais adiante),
seus enunciados circularam simultaneamente na TV, em rádios, nas mídias digitais (blogs,
redes sociais e websites) e nas mídias impressas: outdoors, busdoors, panfletos, cartazes,
painéis, jornais, revistas... Enfim, nos diversos suportes em que o discurso publicitário pode
se materializar.
Com o intermédio da publicidade, a necessidade de falar inglês é explorada de
modos diferentes (lúdico, descontraído, informal...) por institutos/escolas de idiomas, que
visam a persuadir a sociedade da relevância de seus produtos/serviços para a inserção do
Brasil no mundo globalizado, isto é, estreitar as relações comerciais e políticas com os países
2 Disponível em: http://www.wizard.com.br/. Acesso em: 25/02/2017. 3 Disponível em: https://br.pearson.com/sobre-nos/historia.html. Acesso em: 25/02/2017.
15
desenvolvidos, o que supostamente influenciaria o desenvolvimento educacional, social e
político-econômico da nação brasileira.
A publicidade tem muitas funções sociais, mas a principal delas é estabelecer o
vínculo que aproxima produtos/serviços de seus consumidores finais, ao promover a marca
anunciante (SANT’ANNA, 1998). Para isso, ela tem à sua disposição a criatividade na hora
de compor os seus textos, bem como o respaldo em valores partilhados (um já-dito, um
estereótipo) no interior de uma dada comunidade. Na busca incessante por apresentar o
inédito, a publicidade pode tanto reproduzir como deslocar alguns desses valores, com o
intuito de criar nos consumidores uma necessidade de consumo, conforme a demanda
mercantil, isto é, a criação ou a expansão de um mercado: o bom deixa de sê-lo, o moderno
torna-se obsoleto, o démodé se apresenta como a mais nova tendência etc.
Por essa razão, a publicidade tem sido objeto de estudo de pesquisadores em áreas
de atuação e seus arcabouços teórico-metodológicos distintos: Filosofia, Sociologia, Direito,
História, Semiótica, Retórica etc. Com certa facilidade, encontram-se ainda pesquisas sobre
a publicidade por uma abordagem linguístico-discursiva (SANDMANN, 1993/2014;
AVILA, 2013; MATOS, 2010; BRASIL, 2009, entre outros).
Mesmo assim, encontramos apenas três trabalhos que analisam os discursos de
instituições educacionais na mídia publicitária, com vistas a atender uma demanda
neoliberal, isto é, educação como meio de inserção do aprendiz no mercado de trabalho ou
no mundo globalizado: Storto (2015), Wolf (2014) e Mendes (2008).
Storto (2015) toma como objeto de estudo os textos institucionais, dispostos em
seus respectivos websites, de trinta e uma escolas particulares bilíngues (Português e Inglês)
localizadas na cidade de São Paulo e analisa as representações feitas por essas escolas a
respeito do seu papel enquanto “agentes de inserção dos alunos no mundo globalizado” por
meio do ensino da Língua Inglesa. Para tanto, Storto se ancora na Linguística Aplicada
Crítica, na esteira de pesquisadores como A. Pennycook, B. Garcia e A. S. Canagarajah, na
interface com a Análise Crítica do Discurso como arcabouço teórico, a partir dos trabalhos
de Norman Fairclough.
Wolf (2014), por sua vez, analisa, a partir de duas séries de peças, a forma como o
inglês é estruturado na mídia publicitária de um instituto de língua inglesa no Brasil e sua
16
relação dialógica com o discurso, com a identidade e com a ideologia na contemporaneidade.
A discussão das implicações entre a materialidade linguística e os discursos é desencadeada
segundo os pressupostos da Linguística Aplicada inter/trans e indisciplinar, proposta por
pesquisadores como Moita Lopes etc., e a teoria dialógica do discurso, de acordo com os
estudos desenvolvidos por Mikhail Bakhtin e o Círculo.
Em Mendes (2008), a pesquisadora analisa, pela Análise do Discurso francesa em
sua perspectiva enunciativo-discursiva, tal qual desenvolvida por Dominique Maingueneau,
quatro Catálogos de Vestibular (biênios 2002-2003 e 2007-2008) de uma Instituição de
Ensino Superior privada do interior do estado de São Paulo. Suas reflexões permitem
compreender de que modo a instituição tem se adaptado aos “novos tempos”, no que diz
respeito à educação ora como um direito, ora como uma mercadoria.
Observe-se que, ao serem veiculados nos diferentes suportes da mídia publicitária,
os discursos sobre a Língua Inglesa e/ou sobre o ensino dessa língua têm despertado o
interesse de estudiosos da linguagem, cujas reflexões são retomadas parcialmente ao longo
desta dissertação.
No entanto, ainda são incipientes as pesquisas que se debruçam sobre a circulação
das chamadas “frases sem texto” (slogans, provérbios, ditos populares...) na publicidade de
institutos/escolas de idiomas, ao menos como preconizadas e desenvolvidas por Dominique
Maingueneau. Devido às suas coerções espaciotemporais, sobretudo na era digital, o
discurso publicitário é um campo profícuo para essas frases sem texto.
Além disso, poucos trabalhos, como o de Carvalho (2016), têm explorado o caráter
mimotópico do discurso publicitário, isto é, sua capacidade de imitar ou de adaptar-se ao
meio em que se encontra, metamorfoseando-se em outros discursos com a capacidade de
legitimar seus enunciados comerciais. Segundo Maingueneau (2010), o discurso publicitário
não pode legitimar a si mesmo, por isso, pode tanto imitar quanto se metamorfosear em
outros discursos, seja captando-os seja subvertendo-os, ao ponto de transformar-se no seu
contrário: apresentar-se como não publicidade.
Diante do exposto, a presente pesquisa tem por objetivo analisar, do ponto de vista
verbal e visual, os discursos veiculados na campanha publicitária Nação Bilíngue (2014-
2017); mais especificamente, depreender os efeitos de sentido produzidos nas/pelas frases
17
sem texto que circulam nos cartazes/banners digitais da referida campanha, de modo a
responder à seguinte pergunta: Quais são os efeitos de sentido produzidos nas/pelas frases
sem texto nos cartazes/banners digitais da campanha Nação Bilíngue?
Para tanto, a pesquisa insere-se no quadro teórico-metodológico da Análise do
Discurso francesa em sua perspectiva enunciativo-discursiva, desenvolvida por Dominique
Maingueneau (2008a, 2010, 2014 e 2015), do qual recorremos às noções de Frases sem
textos, Hiperenunciador e Ethos Discursivo.
As Frases sem texto4 são fragmentos textuais que, ao serem destacadas de seus
respectivos textos-fonte, circulam como se jamais tivessem feito parte de um texto. Quando
isso acontece, tais fragmentos assumem o estatuto de uma enunciação aforizante (doravante
aforização). Segundo Maingueneau (2014; 2015), as aforizações são de dois tipos: primárias
(provérbios, ditos populares, slogans, adágios...), destacadas por natureza; e secundárias
(citações célebres, manchetes de jornal entre aspas...), destacadas de um texto e,
frequentemente, acompanhadas do nome e/ou rosto do locutor/aforizador.
Em textos publicitários, o slogan ocupa um espaço de notoriedade. Por se
caracterizar como prática discursiva de grupo(s) (MAINGUENEAU, 2008a; 2014), enunciar
um slogan publicitário implica um hiperenunciador, isto é, uma instância cuja autoridade
garante mais a validade e menos a verdade de um enunciado, além de adequar o
pertencimento dos locutores à comunidade discursiva correspondente. Neste caso, a noção
de hiperenunciador é depreendida enquanto uma marca: a escola de idiomas Wizard, que
tanto legitima quanto faz circular seus textos pelo seu material publicitário.
Por meio desse material, o enunciador visa a persuadir tanto pelos argumentos
quanto pelo ethos discursivo, isto é, índices liberados durante a enunciação que levam o
coenunciador a construir uma representação imagética da Wizard. Todo texto possui uma
vocalidade que pode se manifestar numa multiplicidade de tons que dá autoridade ao que é
dito. Esses tons permitem ao leitor/ouvinte construir uma representação do corpo do
4 O sintagma “Frases sem texto” pode ser retomado como “pequenas frases” (petites phrases), uma categoria
bastante difundida pela mídia francesa, que consiste em destacar determinados fragmentos textuais de seus
textos originais. Seu equivalente na mídia brasileira são “As frases do dia/mês...”, dispostas em seções
dedicadas a elas em jornais e revistas. (Cf. MAINGUENEAU, 2015, p. 97)
18
enunciador, de onde emerge uma instância subjetiva que desempenha o papel de fiador
daquilo que é/está sendo dito.
O poder de persuasão do discurso consiste em fazer com que o coenunciador se
identifique com o caráter (traços psicológicos) e a corporalidade (uma maneira de habitar o
mundo) da instância enunciadora, ou seja, que o coenunciador incorpore aquele mundo ético
que a enunciação constrói. A incorporação (ação do ethos sobre o coenunciador), não se
justifica por uma simples identificação com o fiador. “Ela implica um mundo ético do qual
o fiador é parte pregnante e ao qual dá acesso” (MAINGUENEAU, 2008a, p. 65).
Nação Bilíngue caracteriza-se por sua multimodalidade, ou seja, a campanha é
composta pelos diferentes, mas interligados suportes (cartaz, outdoor, adesivo, vídeos...),
ainda que cada um esteja submetido às suas coerções genéricas e outras particularidades. Por
isso, foi preciso adotar alguns critérios balizadores para a constituição do corpus de
referência: recorte temporal, gênero do discurso (formato) e a seleção dos cartazes/banners
digitais cujos enunciados são fragmentos destacados dos seus respectivos textos-fonte.
O recorte temporal estabelecido abrange o lançamento das suas três fases iniciais:
Manifesto (2014-2015), Entrega Resultados (2016) e Hino (2017). Dessas três fases, foram
selecionados os cartazes/banners digitais, que, ao contrário do material impresso, circulam
em websites com maior tráfego de internautas, não se restringem a edições (diário, semanal,
mensal, trimestral...), nem aos espaços institucionais da escola.
Coletados das páginas virtuais da Wizard (websites, blogs e redes sociais), os dados
foram selecionados em virtude de seus enunciados serem frases destacadas de seus
respectivos textos-fonte, dispostos nos vídeos que dispararam cada uma das fases. As fases
1, Manifesto, e 3, Hino, têm como disparador um vídeo cada; a Fase 2, Entrega Resultados,
por outro lado, teve como disparadores cinco vídeos, correspondentes aos depoimentos de
cinco estudantes.
A fim de estabelecer a relação de pertencimento dos dados, foi necessária a
transcrição dos textos-fonte (vídeos), disponíveis nas páginas virtuais da marca. Essa
transcrição é utilizada para a análise dos textos-fonte, visto que “não basta constatar que
certas frases foram destacadas de um texto: deve-se considerar também como elas se
apresentam antes do destacamento” (MAINGUENEAU, 2014, p. 13).
19
Expostos o contexto, as justificativas, os conceitos teóricos e os procedimentos
metodológicos, esta dissertação, visando a uma compreensão mais abrangente da discussão
proposta, é composta por quatro capítulos: 1) Contexto Sócio-histórico, 2) Fundamentação
Teórica, 3) Procedimentos Metodológicos e 4) Descrição e Análise dos Dados, seguidos
pelas Considerações Finais.
O primeiro capítulo apreende o contexto sócio-histórico da pesquisa, explicitando
o modo pelo qual as forças econômicas têm condicionado as atividades socioculturais. Em
seguida, recompõem-se a historicidade e o percurso do grupo Pearson, desde sua fundação
em 1844 ao ano de 2015, retratando seu desenvolvimento, sua expansão e sua migração para
os negócios em educação. Além da Pearson, aborda-se também a história da escola de
idiomas Wizard, desde sua fundação em 1987 na cidade de Campinas (SP) até sua venda
para os britânicos, em dezembro de 2013. O fecho do capítulo fica por conta de um breve
percurso das políticas governamentais que propiciaram a expansão do idioma inglês e seus
efeitos globalizantes.
No segundo capítulo, encontra-se a explanação dos conceitos teórico-
metodológicos acionados neste trabalho, os quais balizam as análises; são eles: Frases sem
texto, Noção de Hiperenunciador e Ethos discursivo, segundo a perspectiva enunciativo-
discursiva que Dominique Maingueneau tem desenvolvido em seus trabalhos.
O terceiro capítulo apresenta a campanha publicitária Nação Bilíngue, suas fases,
formatos e circulação. Na sequência, estão as justificativas da opção pelos dados digitais, a
descrição dos procedimentos da coleta dos dados e, por último, a constituição do corpus.
No quarto e último capítulo, compreendem-se as descrições e análises dos dados à
luz do que foi exposto nos capítulos anteriores. Em seguida, encontram-se as Considerações
Finais, reflexões acerca desta pesquisa e seus possíveis desdobramentos, a partir do objetivo
assumido e da resposta à pergunta de pesquisa.
20
CAPÍTULO 1
CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO
... os acontecimentos não são o tempo, eles estão no tempo.
(Benveniste, 1976/2006)
... não é o tempo cronológico que define uma conjuntura,
mas a natureza dos acontecimentos e dos fatos,
e as forças sociais que os produzem.
(Frigotto, 2011)
Não diremos apenas que o discurso intervém em um contexto,
como se o contexto não passasse de uma moldura, de um cenário:
fora de contexto, não se pode atribuir um sentido a um enunciado.
(Maingueneau, 2015)
1.1 Percursos de conquistas: quando a razão do mais forte é sempre a melhor
Em tempos de hegemonia neoliberal, em que se clama a economia de mercado
como a solução para o desenvolvimento humano, as atividades socioculturais estão cada vez
mais pautadas por questões financeiras, cenário característico daquilo que o Global Justice
Movement classificou de corporocracia5. Nesse sistema político-econômico, pequenas e
médias empresas, em especial, se veem muitas vezes coagidas a fundir-se ou integrar-se aos
conglomerados empresariais com condições de competir em nível global. Sabe-se que,
eventualmente, tais fusões e aquisições resultam em monopólios de mercado, cujo alcance
extrapola o universo corporativo e acaba por influenciar toda a sociedade, já que os
conglomerados se tipificam precisamente pela sua capacidade de atuar em setores
5 Corporocracia ou Corporatocracia: tradução do termo em inglês “corporocracy” ou “corporatocracy”
(corporation+cracy), é um neologismo que designa o domínio das corporações, isto é, a denominação de um
governo controlado por grandes corporações e que visa a atender prioritariamente os seus interesses.
21
heterogêneos, entre os quais podemos citar o financeiro, o petrolífero, o agrário, o industrial,
da saúde e, que nos interessa neste momento, o educacional.
Conforme aponta CartaCapital6, a educação brasileira tornou-se, sobretudo no fim
do século XX e início do XXI, um setor atraente para os investidores, isto é, um novo e
profícuo nicho de mercado, especialmente para os chamados fundos de investimento de
grupos fechados — de capital nacional e/ou internacional —, que a princípio visavam ao
ensino superior privado7 e, paulatinamente, migraram para outros negócios em educação:
ensinos fundamental e médio, livros didáticos (sistemas de ensino)8, editoras, cursos técnicos
e profissionalizantes, ensino de idiomas etc.
Os interesses dessas corporações, todavia, não se restringem à esfera privada, pelo
contrário, visam também à pública9. Com o mote “mais Mercado e menos Estado” tão em
voga, tem-se visto a educação pública passar por um grande processo de precarização, em
certa medida legitimado pela máxima (neo)liberal de que o “Estado é custoso e ineficiente”,
abrindo brechas para a participação da iniciativa privada no setor, com suas “políticas de
melhoria mediante parcerias do público e privado” (FRIGOTTO, 2011, p. 242), ou seja, na
busca por eficiência e resultados positivos a curto prazo, essas medidas possibilitam que a
educação seja gerida segundo a batuta do mercado, ao qual “[...] cabe selecionar o
conhecimento, condensá-lo em apostilas ou manuais, orientar a forma de ensinar, definir os
métodos de ensino, os critérios e processos de avaliação e o controle dos alunos e dos
professores” (op. cit., p. 248).
Embora não seja o seu escopo, a atual situação da educação pública está
intimamente ligada ao propósito deste trabalho. Com um ensino formal público deficitário
em alguns aspectos, o corpo estudantil sente a necessidade de recorrer ao ensino privado
6 “O negócio da educação”. Carta Educação, CartaCapital. 31/01/2014. Disponível em:
http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/o-negocio-da-educacao/. Acesso em: 13/04/2016. 7 Para detalhes sobre as políticas que possibilitaram esse nicho mercadológico e sua consequente expansão, Cf.
Cenografia e ethos: os discursos de uma instituição de ensino superior privada (MENDES, 2008). 8 Para uma análise detalhada da entrada de grupos estrangeiros no mercado brasileiro de livros didáticos e
editoras, ver O mercado de livro didático no Brasil (CASSIANO, 2007). 9 Numa reportagem de 04/11/2016, The Intercept Brasil chama atenção para os 10 bilionários convidados a
debater a reforma do ensino médio, em audiência pública organizada pelo MEC no Congresso Nacional
(01/11/2016), na qual havia representantes do empresariado, a priori, sem qualquer relação direta com o ensino
médio público, como Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Fundação Itaú, Instituto Natura etc. Disponível
em: https://theintercept.com/2016/11/04/conheca-os-bilionarios-convidados-para-reformar-a-educacao-
brasileira-de-acordo-com-sua-ideologia/. Acesso em: 05/11/2016.
22
para complementar sua formação, na maioria das vezes movido à esperança de conseguir
uma melhor colocação no mercado de trabalho e ser capaz de ascender socialmente.
Assim, nos termos de Frigotto (2011), a educação deixa de ser um direito social e
subjetivo para tornar-se um serviço mercantil. Com efeito, há dois desdobramentos dessa
transformação: (i) segundo a filosofia liberal, espera-se que os serviços prestados pelo setor
privado sejam melhores do que os públicos, o que alimenta a ideia de o privado ser mais
eficiente, bem como legitima a tendência privatista; (ii) a busca por essa formação
complementar nas escolas privadas não está disponível a todos os estudantes da rede pública,
o que gera segregação.
No mundo globalizado em que vivemos, um dos requisitos básicos para se
conseguir uma posição de prestígio no mercado de trabalho é o domínio de uma língua
estrangeira, sobretudo a inglesa, a qual já é pressuposta pelas empresas, tanto as
multinacionais quanto as nacionais, na medida em que estas últimas em geral mantêm
relações comerciais com o mercado internacional e, para tanto, necessitam de mão de obra
qualificada e que tenha um certo nível de fluência no idioma inglês10.
Nesse cenário, a publicidade se impõe como o principal elo entre institutos/escolas
de idiomas e clientes-consumidores, ao explorar argumentos com base, conforme aponta
Coracini (2003), em uma necessidade social (falar inglês), no tempo (em XX meses você se
torna fluente; aprendizagem rápida...), no meio (metodologia própria/eficiente, recursos
tecnológicos avançados...) e no argumento de autoridade (a maior escola do Brasil/mundo,
há XX anos líder de mercado no ensino de inglês...).
Em outras palavras, trata-se de um ensino-aprendizagem eficaz e eficiente no menor
tempo/custo (acessível, embora demandando alguns esforços, inclusive a alunos de baixa
renda), ministrado por uma autoridade no assunto com reconhecimento internacional
(certificados expedidos por instituições ora estadunidenses ora britânicas). Eis algumas
características bastante valorizadas pelo mercado neste início do novo milênio.
Podem-se elencar algumas corporações transnacionais que migraram seus
investimentos para a educação brasileira, em suas diversificadas frentes, muitas vezes
10 Essas afirmações resultam parcialmente de uma análise preliminar a respeito dos argumentos utilizados por
escolas de inglês em seu material promocional. Ademais, as relações internacionais mediadas pela língua
inglesa e o status de prestígio desse idioma são retomados mais adiante.
23
atuando em parcerias público-privadas e decidindo os rumos da educação no país. Contudo,
para atingirmos os objetivos deste trabalho, vamos nos restringir ao ensino da língua inglesa
em uma escola de idiomas privada, Wizard, a partir da sua aquisição, em dezembro de 2013,
pelo conglomerado britânico Pearson.
A Wizard é a maior rede de ensino de idiomas do mundo, com mais de 1.200
unidades em quatro continentes, por onde passam mais de 500 mil alunos por ano. Ao
contribuir para o novo paradigma da educação brasileira, em que a sua mercantilização
atinge níveis inéditos, a Wizard autodenomina-se uma “(...) empresa de capacitação
linguística que tem como missão promover, desenvolver, capacitar e respeitar o potencial de
cada aluno”11.
Por sua vez, o conglomerado britânico Pearson (rubrica que detém dezenas de
empresas) está presente em cerca de 70 países, publica material didático em 100 diferentes
línguas e contabiliza mais de 48 mil funcionários, números que lhe renderam a liderança
mundial em negócios em educação.
A relação entre essas duas grandes empresas e o seu produto mais cobiçado e
lucrativo, o ensino de língua inglesa, são mais bem explanados nos itens que seguem. Neles,
pode-se depreender em que medida os negócios em educação tornaram-se tão atraentes para
os grupos empresariais e qual é a contribuição dos dois grupos em todo esse processo. Este
percurso de conquistas inicia-se com o retorno às origens e ao desenvolvimento do grupo
britânico Pearson ao longo desses anos.
1.2 A Pearson e suas conquistas expansionistas: da Inglaterra para o mundo12
Em 1844, Samuel Pearson fundou a S. Pearson and Son, uma pequena empresa de
construção no condado de Yorkshire (norte da Inglaterra), no bojo da Revolução Industrial
naquele país. Quase quarenta anos mais tarde, em 1880, seu neto, Weetman Dickinson
11 Disponível em: https://www.facebook.com/sapwizard/. Acesso em: 07/07/2017. 12 Informações disponíveis no website da empresa: https://br.pearson.com/sobre-nos/historia.html e
http://timeline.pearson.com/. Acesso em: 12/01/2016.
24
Pearson (mais tarde conhecido como o Visconde Cowdray), importante membro do Partido
Liberal inglês, assume a direção da empresa e, em 1890, transfere a sede para Londres, onde
prosperou e se tornou uma das maiores construtoras do mundo, na época em que a atividade
industrial controlava o desenvolvimento de transportes, comércio e telecomunicações. Foi
nesse período que a Pearson iniciou suas atividades comerciais além-mar: Canadá, EUA,
México, Colômbia, Chile e Egito.
Em acordo com o presidente mexicano General Porfiro Díaz, que governou o país
de 1884 a 1911, a Pearson construiu a Mexico Light and Power Co., o Porto de Vera Cruz e
ferrovias no México. Durante a construção de uma delas, na região de Tampico, descobriu-
se um poço de petróleo que rendia 100 mil barris/dia. Assim, em 1911, foi fundada a
Mexican Eagle, companhia que construiu oleodutos e duas refinarias na região, com o
auxílio e os investimentos da empresa inglesa.
Já estabelecida no ramo da construção, engenharia e infraestrutura, a Pearson se
aventurou na indústria midiática em 1921, ao adquirir um grupo de pequenos jornais do
Reino Unido, os quais formavam a base do Westminster Press. Em 1957, a empresa adquiriu
o jornal financeiro Financial Times e, por conseguinte, 50% da revista londrina The
Economist.
O grupo britânico expandiu seus negócios para o ramo cultural-educacional na
década de 1960. Entre os anos de 1968 e 1970, duas grandes editoras foram anexadas ao
braço editorial da Pearson: Longman e Penguin respectivamente. Alguns anos mais tarde, a
Penguin expandiu-se significativamente e surgiu como umas das editoras favoritas das
crianças dos EUA, ao adquirir a editora Grosset & Dunlap. Em 1983, Pinguin adquiriu
também a editora Frederick Warne.
Com o foco voltado ao ramo midiático, em 1985, a Pearson comprou o jornal
francês Les Echos e o grupo midiático espanhol Recoletos que, logo em seguida, foram
alinhados ao editorial do grupo Financial Times. Em 1988, adquire ainda a Addison-Wesley,
editora especializada em livros de cunho científico, e fez fusão com a Longman,
transformando-se em Addison-Wesley Longman. Na década seguinte, o grupo Penguin
(EUA) comprou o grupo Putnam Berkley, em 1996. Dessa fusão, gerou-se o grupo Penguin
Putnam Inc. Nesse mesmo ano, a Pearson comprou a editora Educacional HarperCollins,
25
voltada para a publicação de material didático para cursos dos ensinos médio e superior, e o
incorporou ao grupo Addison-Wesley Longman.
O grupo britânico, em 1998, concluiu a aquisição da Simon & Schuster Education
(divisão da Viacom Inc.) por USD 4,6 bilhões. A partir da fusão Addison-Wesley Longman
com Simon & Schuster Education, criou-se a Pearson Education, a qual se tornou a grande
líder em todos os segmentos de publicação educacional: Ensino Fundamental, Médio e
Superior, ensino profissional, ensino de língua inglesa e de tecnologia educacional. Mais de
100 empresas ficaram sob o guarda-chuva da Pearson. No ano seguinte, formou-se o Pearson
Technology Group, a maior editora de publicação sobre tecnologia do mundo.
No século XXI, a Pearson continuou expandindo-se: conquistou o mercado japonês,
em 2001, ao adquirir 85% de uma das principais editoras educacionais daquele país: a
Kirihara; adquiriu a inglesa Dorling Kindersley e a editora Rough Guides (líder em
informações sobre viagens e música), anexada ao grupo Penguin; pela quantia de USD 2.4
bilhões, arrematou a National Computer Systems (NCS) — empresa líder em testes e
gerenciamento de dados educacionais nos EUA, remodelando assim o mundo da educação.
Incorporada à Pearson Education como NCS Pearson, a companhia foi fundamental para
realizar alguns objetivos: conectar a casa do aluno e a escola, personalizar cursos e interligar
currículos, avaliações e testes. Ainda na indústria de tecnologia voltada para a educação, o
conglomerado britânico chegou ao comando da Edexcel, o maior grupo examinador privado
do Reino Unido, que, desde então, chama-se Pearson Edexcel.
Em 2005, a Pearson adquiriu a norte-americana AGS Publishing da WRC Media
por USD 270 milhões. Essa aquisição reforçou o negócio da Pearson Education em dois
segmentos de rápido crescimento no mercado estadunidense: testes e publicação de material
didático para alunos com necessidades educativas especiais.
Um dos principais fornecedores de serviços de informação de valor agregado do
mercado educacional, a eCollege passou a ser propriedade da Pearson Education em 2007,
ano em que se adquiriram também a Harcourt Assessment e Harcourt Education
International da Reed Elsevier, pela quantia de USD 950 milhões. Essas aquisições
ampliaram não só a posição da Pearson como a principal empresa de educação do mundo,
como também o seu alcance internacional, ratificando seu caráter globalizante.
26
No ano seguinte, os britânicos intensificaram a sua atuação no mercado educacional
da África, ao aumentar seu controle para 51% nas ações da Maskew Miller Longman, uma
das principais empresas de educação sul-africana que atuava em mais de dez países do
continente africano, da educação básica ao ensino de nível superior.
Em abril de 2009, a Pearson anunciou a aquisição da escola de inglês Wall Street
English, por USD 145 milhões. Até então controlada pelo Wall Street Institute, a Wall Street
English era a principal formadora de Inglês Premium (inglês instrumental voltado
principalmente aos negócios) para adultos na China, com cerca de 35 mil estudantes nos
mais de 39 centros de formação.
No ano de 2011, contam-se mais três aquisições por parte do conglomerado. A
Pearson passou a controlar 76% das ações da TutorVista, empresa que dirigia uma rede de
centros de ensino de língua inglesa, bem como fornecia tecnologias de educação para as
salas de aula de toda a Índia. Além disso, a empresa também fornecia tutorial para mais de
10 mil estudantes de todo o mundo, usando a internet como meio de conectar alunos e
instrutores na Índia.
Pela quantia de USD 230 milhões, a Pearson adquiriu a Schoolnet, empresa
fornecedora de avaliações, currículos e outros serviços que ajudam a personalizar o ensino-
aprendizagem, além de melhorar a eficácia do professor, e que comportava mais de 5 milhões
de alunos nos ensinos primário e secundário, por meio de parcerias público-privadas em todo
os EUA.
A terceira aquisição desse ano foi a Connection Education, do grupo de investidores
liderado pela Apollo Management, pela quantia de USD 400 milhões. Através do programa
Connections Academy, a empresa pôde operar online com escolas públicas “virtuais” ou
com escolas físicas em 21 estados nos EUA, atendendo a mais de 40 mil estudantes por ano
letivo.
O grupo britânico comprou a EmbanetCompass por USD 650 milhões, em 2012.
Parceira de faculdades e universidades norte-americanas sem fins lucrativos, a
EmbanetCompass fornecia soluções de aprendizagem para mais de 100 programas de
universidade. Ainda nesse ano, a Pearson e a Bertelsmann concordaram em fundir a Pinguin
e a Random House, gerando a maior editora do mundo.
27
Em 2014, a Pearson inaugurou o primeiro padrão realmente global de avaliação de
proficiência em língua inglesa: a Global Scale of English (GSE). Em desenvolvimento por
mais de 25 anos e testado em mais de 10 mil estudantes de 130 países, o GSE tem como
objetivo fornecer uma escala precisa e numérica, universal para empresas, governos e
instituições acadêmicas.
Ainda que o foco seja sua atuação no setor educacional, é importante salientar que
a Pearson tem atuado em atividades diversas, como ser proprietária do Banco de
Investimentos Lazard, por exemplo. Ao revisitar as origens do conglomerado britânico,
notou-se que seus negócios não se limitaram a países de língua inglesa, tampouco ao
continente europeu. A Pearson está presente também em países em desenvolvimento (China,
África do Sul, Índia, Rússia, Nigéria...), onde seus negócios em educação são expressivos.
Entre esses mercados emergentes, está o brasileiro, abordado em seguida.
1.2.1 A Pearson no Brasil: entre negócios privados e público-privados13
Embora indiretamente, a Pearson iniciou suas atividades em educação no país em
1996, distribuindo títulos da renomada editora inglesa Longman, pertencente ao grupo
britânico desde 1968. Entretanto, foi somente na virada do século XXI que a companhia se
instalou no mercado brasileiro de livros universitários e profissionais com a compra da
editora Makron Books (2000).
No ano de 2010, por um montante de R$ 888 milhões, o grupo britânico passou a
controlar o Serviço Educacional Brasileiro (SEB) — grupo proprietário das escolas COC,
Pueri Domus e Dom Bosco (educação privada) e membro do programa educacional
NAME14. A partir dessa transação, os britânicos anunciaram estratégias para o
desenvolvimento de produtos e serviços de rápido crescimento no mercado educacional do
Brasil.
13 Informações disponíveis na página da Pearson no Facebook:
https://www.facebook.com/PearsonBrasil/info/?tab=page_info. Acesso em: 12/01/2016. 14 NAME: acrônimo de Núcleo de Apoio a Municípios e Estados. É um programa educacional que visa à
melhora na qualidade do ensino público através de atuações público-privadas, em que se oferecem recursos
pedagógicos, tecnológicos e administrativos. Atualmente, o NAME atende a mais de 200 mil alunos em 140
municípios do Brasil. Cf. www.netname.com.br e https://br.pearson.com/educacao-basica/ name.html.
28
Para escolas de educação básica, por exemplo, a Pearson é capaz de fornecer tanto
produtos e serviços quanto parceria com sistemas de ensino, ou seja, conteúdo, recursos e
tecnologias educacionais (roteiros de aprendizagem, laboratórios virtuais, portais
educacionais...), programas de empreendedorismo e capacitação profissional, estrutura em
avaliação e soluções bilíngues.
Em 2011, a editora britânica Penguin (do grupo Pearson desde 1970) assumiu o
controle de 45% da editora Companhia das Letras, o que fortaleceu no Brasil a oferta de
livros de consumo e proporcionou um grande portfólio para escolas de educação básica das
redes pública e privada. Em março de 2015, a Companhia das Letras, por sua vez, assumiu
o controle de 55% da editora Objetiva, que já pertencia ao grupo Penguin Random House
desde outubro de 2014.
A partir da aquisição do Grupo Multi em dezembro de 2013, a Pearson aumentou
tanto o número de alunos, de 500 mil para 1,3 milhão, quanto o de franquias, de 4 para 2,6
mil unidades no Brasil. Ademais, beneficiando-se da plataforma educacional do grupo
brasileiro, os britânicos esperam alavancar o desenvolvimento de sua bandeira Wall Street
English, escola de inglês Premium, que, até então, contava apenas 4 unidades no país.
Com essas aquisições, a Pearson: ampliou sua atuação na educação (pública e
privada) brasileira, ao fornecer material didático e sistemas de ensino, desde a educação
infantil até a vida adulta e profissional; reforçou sua estratégia de focar seu investimento em
economias de rápido retorno, negócios e serviços digitais, e programas educacionais que
proporcionam um impacto maior nos resultados de aprendizagem; tornou-se o maior grupo
a oferecer cursos de idiomas no país, com bandeiras voltadas a todos perfis; e ratificou sua
liderança mundial no setor educacional.
Traçado o percurso de conquistas e expansão global do conglomerado britânico,
surge a necessidade de revisitar as origens e o percurso de expansão da escola de idiomas
Wizard, em virtude de sua importância no setor educacional brasileiro, que despertou o
interesse econômico no maior grupo educacional do mundo, bem como por ser a produtora
do material publicitário que constitui o corpus de referência deste trabalho.
29
1.3 A escola de idiomas Wizard: da sua criação à sua aquisição15
Falar sobre a escola de idiomas Wizard implica entrelaçar sua história à biografia
do curitibano Carlos Martins, por dois motivos: (i) a formação pessoal e profissional do
fundador impactou sua maneira de conduzir os negócios, o que levou a Wizard a ser a maior
escola de idiomas do mundo e a gerar o Grupo Multi; (ii) a identidade de Carlos Martins foi
construída concomitantemente à fundação e ao desenvolvimento da Wizard, tanto é que o
empresário adotou “Wizard” como parte de seu sobrenome. Por isso, aqui optamos por tratar
as biografias breve e conjuntamente.
Quando Carlos Martins tinha 12 anos de idade, seus pais decidiram seguir a Igreja
de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. A partir dos contatos e das aulas com os
missionários norte-americanos, Carlos aprendeu inglês. Aos 17 anos, ele foi morar nos
Estados Unidos da América, para aprimorar o idioma; e, com 19, serviu em uma missão
religiosa para a Igreja Mórmon em Portugal, onde permaneceu por dois anos, dedicando-se
a trabalhos voluntários e humanitários.
Ao realizar dois de seus sonhos (viver nos EUA e servir numa missão religiosa),
ele retornou ao Brasil aos 21 anos de idade. No entanto, o jovem Martins “não tinha dado
nada por encerrado”. Então foi em busca de seus novos objetivos: constituir uma família e
diplomar-se em nível superior. Aos 26 anos, Carlos Martins foi aceito no curso de Análise
de Sistemas na Universidade Brigham Young, em Utah (EUA), onde pôde conhecer um dos
maiores centros de ensino de idiomas do mundo, o Missionary Training Center. Nessa época,
Carlos Martins conviveu com milhares de jovens que, segundo ele, em apenas oito semanas
de aulas, conseguiam se expressar em um segundo idioma.
Diplomado em Ciência da Computação e Estatística pela Universidade Brigham
Young, Carlos Martins estagiou por um ano na Champion International, empresa de papel e
celulose no estado norte-americano de Ohio, quando foi transferido para a filial brasileira,
em Mogi Guaçu, interior do estado paulista. Foi durante esse período, afirma, que ele
aprendeu o modo como os norte-americanos lidavam com os negócios, que era bem diferente
do que acontecia no Brasil.
15 Informações disponíveis no website do empresário (http://carloswizard.com/) e em O início de Carlos
Wizard Martins, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qxmPrLM0pSE. Acesso em:
29/06/2016.
30
A pedido de um colega de trabalho, Martins começou a dar aulas de inglês à noite,
na sala de sua própria casa. O número de alunos era cada vez maior, o que o levou a abrir
uma escola de inglês e deixar o emprego na fábrica. Pautado pela sua experiência empresarial
adquirida no exterior, Carlos Martins tomou a decisão de abrir não uma unidade, e sim uma
rede de escolas. Dessa forma, em 1987, a escola de inglês Wizard (“sábio”, “mago”, em
inglês) foi fundada na cidade de Campinas, interior do estado de São Paulo, onde ainda hoje
mantém sua sede.
Em 1992, a Wizard deu um grande passo ao abrir franquias de suas unidades, algo
muito recente e pouco conhecido dos brasileiros, mas que já era comum na América do
Norte. Dez anos depois, em 2002, a escola contava 900 unidades, incluindo Brasil e EUA.
Surge, então, o Grupo Multi, sob a presidência de Carlos Wizard Martins. Nesse período, a
Wizard já produzia todo o material didático vendido para as suas franquias, bem como outros
materiais promocionais (guarda-chuva, sacola de praia, protetor de para-brisa de
automóveis...).
Na virada do século, os filhos mais velhos de Carlos Martins voltaram dos EUA,
onde cursaram a faculdade, e aconselharam o pai a comprar a concorrência da sua escola.
Em 2003, Wizard fez sua primeira aquisição, a escola Planet Idiomas. Nos anos seguintes,
outras grandes bandeiras do ensino de idiomas e informática seriam incorporadas ao Grupo
Multi: Yesky Idiomas, Worktech e Alps (2006), Skill (2007), Escola People (2008), SOS
Educação Profissional e Computadores, Microlins, Bit Company, Quatrum e Yazigi (2010).
No final de 2010, o Grupo Multi recebeu um aporte de R$ 200 milhões da Kinea, empresa
de investimentos do banco Itaú.
O grupo decidiu expandir seus investimentos em áreas não ligadas ao ensino de
idiomas: lançou o ofertas.com (site de compras coletivas) e anunciou fusão com o
ofertasunicas.com, quarto maior site do mercado de ofertas online. Em 2011, o Grupo Multi
inaugura o site WeSpeak, uma rede social voltada para estudantes de inglês.
Em agosto de 2013, a escola de inglês a distância Ezlearn foi incorporada ao Grupo
Multi. A Ezlearn atendia mais de 20 mil alunos no curso online e ensinava a língua para mais
de 2 milhões via SMS. Com essa aquisição, o Grupo tornou-se o líder no ensino de idiomas
e cursos profissionalizantes no Brasil. Em dezembro desse mesmo ano, o Grupo Multi foi
vendido para a britânica Pearson, pela quantia de R$ 1.95 bilhão.
31
Após a venda do Grupo Multi, Carlos Wizard Martins retornou ao segmento de
franquias, adquirindo o Mundo Verde (2014), a maior rede de produtos naturais da América
Latina. Em 2016, inaugurou no Brasil a rede de fast-food mexicana Taco Bell.
No setor esportivo, criou a Ronaldo Academy, uma rede de escolas de futebol para
crianças e jovens, em parceria com o ex-jogador de futebol Ronaldo; comprou 100% da
operação das marcas Topper e Rainha, da Alpargatas, fundando a BR Sports; e desenvolveu
a estrutura necessária para vender escolinhas de futebol do Palmeiras no modo franquia.
Conforme noticiou a revista IstoÉ Dinheiro16, Carlos Wizard Martins, ao comprar
35% das ações da escola Wise Up, voltou aos negócios que envolvem escolas de inglês e
franquias no primeiro semestre de 2017, “com planos ambiciosos: consolidar o mercado e
conquistar o mundo”.
Frisamos que os novos negócios de Carlos Wizard Martins têm vistas para o
mercado internacional, isto é, neste processo de globalização não só o Brasil importa, como
também exporta: há um movimento bilateral no universo dos negócios, no qual as empresas
nacionais também batalham por sua fatia no mercado internacional, ainda que em volume
inferior, quando comparado com o poder aquisitivo de transnacionais como a Pearson, por
exemplo.
Expostas as trajetórias do conglomerado britânico Pearson e da escola de idiomas
Wizard, ambas companhias inicialmente familiares e que se tornaram grandes grupos
empresariais, é tempo de abordar o terceiro elemento, o elo de todas essas histórias e o cerne
deste trabalho: a Língua Inglesa e sua expansão global.
16 “Carlos Wizard volta às aulas”. IstoÉ Dinheiro, n. 1018. 12/05/2017. Disponível em:
http://www.istoedinheiro.com.br/carlos-wizard-volta-aulas/#.WRY37ASoqjE. Acesso em: 13/05/2017.
32
1.4 A expansão da Língua Inglesa e o paradoxo da globalização: extinção das
fronteiras e criação das barreiras culturais “invisíveis”
A globalização é, de certa forma, o ápice do processo
de internacionalização do mundo capitalista.
(Milton Santos, 2011)
A língua inglesa tornou-se uma língua internacionalmente dominante,
um “commodity” mundial e um pilar do sistema capitalista global.
(Robert Phillipson, 1992)
Ubicunque lingua anglica, ibi Anglia.
Nas últimas décadas do século XX, a globalização17 estabeleceu-se como um
“processo de integração das nações” nas esferas econômica, política e cultural. Desde então,
com as fronteiras nacionais mais tênues (quando há), nações desenvolvidas têm buscado, ao
redor do globo, não só novos mercados para seus produtos e locais com a mão de obra mais
barata para produzi-los, como também a difusão da sua cultura, entrelaçando o político-
econômico, o ideológico e o cultural.
Para tornar mais eficiente a comunicação entre as nações, fez-se necessário
instaurar uma lingua franca moderna, impulsionada especialmente por medidas de teor
econômico. Assim, estabeleceu-se que seria a língua inglesa. Mas por que coube ao inglês o
status genuinamente global? De acordo com David Crystal (1997/2003, p. 9-10), uma língua
só adquire tal status por uma razão: “o poder de seus falantes”. Esse poder está relacionado
a cultura, ciências, tecnologia etc., mas principalmente ao político e militar para impor e à
economia para expandir e manter. A nação que detém essa hegemonia na atualidade são os
EUA, cujo idioma é o inglês, herança do imperialismo britânico. Nesse cenário de
dominações e imposições, o inglês se constituiu enquanto a língua global (ou internacional),
restando às outras nações se adaptarem a ele para a manutenção das suas relações político-
econômicas.
17 Globalização é um conceito que “tem significados diferentes para pessoas diferentes em diferentes épocas”
(KUMARAVADIVELU, 2006, p. 130), mas com uma unanimidade: sua língua é o inglês. Não é nossa tarefa
iniciar uma discussão sobre os vários significados desse conceito, entendido aqui como o “processo que conduz
a uma integração cada vez mais estreita das economias e das sociedades, especialmente no que diz respeito à
produção e troca de mercadorias e de informação” (@ulete digital). Disponível em: www.aulete.com.br/
globaliza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 01/01/2017.
33
A necessidade de se manterem essas relações corroborou para que o inglês se
expandisse consideravelmente no mundo moderno, tornando-se a primeira língua de fato
global (CRYSTAL, 2006). Fomentada pela sua expansão, propagou-se também a cultura
relacionada à língua, uma vez que o processo de ensino-aprendizagem de um idioma não se
dá sem seus aspectos culturais, (re)produzidos em massa através da indústria da arte e do
entretenimento (música, cinema, literatura, teatro...), das agências de notícias ou grupos
midiáticos (BBC, CNN, Washington Post, New York Times...), mas também de
comunidades mais restritas, como a científica, por exemplo.
O inglês é a língua do poder político-econômico, das ciências e tecnologias, do
sucesso comercial e midiático, e, por tudo isso, a língua de maior prestígio e sedução entre
os jovens. Aparentemente, ela outorga civilização, sabedoria e riqueza aos seus falantes.
Esse idioma passa a impressão de ser onipresente, pois está de algum modo exercendo uma
função, seja no macrossistema (resoluções políticas ou acordos de paz na ONU), seja no
microssistema (o cotidiano do cidadão comum, ao operar seu computador/smartphone ou
mesmo ao se candidatar a uma vaga de emprego).
Ancorado nessa ubiquidade, o inglês funciona, em certos contextos, como uma
espécie de “guardião” das posições socialmente prestigiadas (PENNYCOOK, 1994/ 2003),
ou seja, tornou-se um poderoso instrumento de exclusão, ao operar como uma barreira
“invisível” através da qual se mantêm desigualdades políticas, econômicas e sociais entre
povos, segregando-os em dicotomias: desenvolvido/subdesenvolvido, moderno/retrógrado,
civilizado/bárbaro etc. Ainda assim, sua expansão (particularmente as causas e os efeitos) é,
em geral, negligenciada ou considerada “natural, neutra e benéfica”, conforme argumenta
Pennycook (1994/2003, p. 9):
É considerada natural porque, ainda que possa haver alguma referência crítica à imposição
colonial do idioma, sua consequente expansão é vista como um resultado de forças globais
inevitáveis. É vista como neutra porque se presume que, uma vez destacado dos seus
contextos culturais originais (especialmente Inglaterra e EUA), seja agora um meio de
comunicação neutro e transparente. É considerada benéfica porque, numa visão
maliciosamente otimista de comunicação internacional, se assume que tudo isso ocorra em
pé de igualdade e cooperação.
Por essa razão, Phillipson (1992), Pennycook (1994/2003; 1998), entre outros
linguistas aplicados, chamam a atenção para o fato de que, com o endosso de importantes
34
organizações britânicas e estadunidenses (estas últimas sobretudo no pós-guerra — 1945),
existem políticas promovendo deliberadamente a utilização do idioma inglês nos quatro
cantos do mundo com finalidades políticas e econômicas.
Entre essas organizações, destaque-se o Conselho Britânico (British Council).
Assim rebatizado em 1935, é o órgão britânico cuja principal missão é propagar a língua/
cultura britânica por meio de parcerias público-privadas. Indagado se as atividades do
Conselho eram “promoção cultural” ou “propaganda política”, a resposta, dada no seu
Relatório Anual de 1963-1964, foi bem assertiva: “O Conselho não finge fazer caridade: em
todo o seu trabalho, visa a promover os interesses britânicos a longo prazo” (apud
PENNYCOOK, 1994/2003, p. 148).
Ainda a respeito das atividades do Conselho, Ndebele (1987) sugere que o
Conselho Britânico [...] continua incansável em seus esforços para manter o mundo falando
inglês. A esse respeito, ensinar inglês como segunda língua ou língua estrangeira não é
apenas um bom negócio em termos de produção de material didático de toda sorte, [...]
como também é uma boa prática política. (apud PENNYCOOK, 1994/2003, p. 22)
Há tempos que o governo britânico trabalha a expansão do seu idioma. Entre 1925
e 1930, o linguista inglês Charles Kay Ogden (1889-1957) desenvolveu o Basic English18,
um sistema de linguagem controlada com um vocabulário restrito a 850 palavras, cujo
objetivo é funcionar como uma língua internacional auxiliar, bem como um meio de se
ensinar inglês para falantes de outras línguas. O Basic English mostrou-se a tentativa mais
significativa de se criar uma forma simples e padronizada da língua inglesa. Seu sucesso foi
tanto que, em 11 de julho de 1943, Winston Churchill, então Primeiro Ministro inglês,
despachou uma carta endereçada a Sir Edward Bridges (então secretário do Gabinete de
Guerra), na qual afirmou categoricamente: “Estou muito interessado nesse Basic English.
Seu uso generalizado seria, para nós, um ganho muito mais duradouro e frutífero do que a
anexação de grandes províncias. [...] Os impérios do futuro são os impérios da mente” (apud
PENNYCOOK, 1994/2003, p. 130-131).
18 BASIC ENGLISH é um acrônimo de British American Scientific International Commercial (Propaganda
Científica Internacional Britânica e Americana, em português). Mais informações podem ser encontradas em:
https://en.wikipedia.org/wiki/Basic_English.
35
Ressalta-se ainda o surgimento, em 1948, da Linguística Aplicada, que a priori se
resumia à “aplicação da Linguística” ao ensino de inglês como segunda língua ou como
língua estrangeira. Inicialmente, a Linguística Aplicada esteve muito atrelada a interesses do
Conselho Britânico (PHILLIPSON, 1992; RAJAGOLAPAN, 2013), visto que alguns dos
primeiros linguistas aplicados foram funcionários do Conselho antes de ingressarem na vida
acadêmica. Sobre tal processo, Phillipson (1992, p. 300) informa:
A formação acadêmica para o ELT19 era responsabilidade das universidades, onde a
Linguística Aplicada, em sua atual roupagem, foi gerada pelo Conselho Britânico. Este era,
internamente, o principal elo dos interesses estatais e privados...
Para Rajagolapan (2013) “[...] era preciso assegurar a qualquer custo o papel central
da Grã-Bretanha no projeto de levar a língua inglesa aos quatro cantos do mundo”; citando
Phillipson (1992), Rajagolapan relata ainda que esse esforço foi motivado pelo fato de a Grã-
Bretanha perceber que, “após o declínio de seu império e seu consequente empobrecimento
pós-guerra, sua língua se transformara em algo bem mais precioso do que o petróleo do mar
do Norte” (RAJAGOLAPAN, 2013, p. 155).
Logo, a empreitada de ensinar o idioma globalmente foi de suma importância para
a “expansão massiva da língua inglesa no mundo” (PENNYCOOK, 1998, p. 2), gerando
uma indústria da educação. “O inglês é a língua estrangeira mais ensinada, em mais de 100
países, [...] e, na maioria deles, é a principal língua estrangeira ensinada nas escolas”
(CRYSTAL, 1997/2003, p. 5). Some-se a isso o fato de que a educação pode implicar a
propagação (e imposição) de conhecimentos e ideologias de grupos sociais dominantes.
A partir das reflexões expostas até aqui, podemos avaliar a medida em que o
governo britânico, por meio de órgãos como o Conselho Britânico, tem deliberadamente
elaborado as políticas de expansão do seu idioma, visando à naturalidade, neutralidade e
mesmo beneficência na sua relação com outras línguas, em um mundo globalizado onde
falar inglês deixou de ser um “privilégio” para se tornar uma “necessidade”.
Quando, em sua publicidade, a Wizard assume a “missão de transformar o Brasil
em uma nação bilíngue”, pois assim estará “ajudando” muito mais jovens a alcançar o
sucesso desejado, algumas questões se colocam em torno dessa “missão”, que tem, de um
19 ELT é um acrônimo de English Language Teaching (Ensino de Língua Inglesa, em português).
36
lado, o respaldo da hegemonia do inglês e seu contexto colonialista de “civilizar os territórios
periféricos” e, do outro lado, o papel de “guardião” do acesso ao mundo globalizado, bem
como das posições socialmente prestigiadas.
Em rápida visita às páginas institucionais da Pearson e do Conselho Britânico 20,
pode-se ler que os britânicos, com sua expertise e seus serviços, “(...) visam a ajudar a
melhorar a qualidade do ensino brasileiro” e congêneres. O emprego recorrente do léxico
“ajudar” (e suas variantes) indica que, em relação aos brasileiros, os britânicos partem da
premissa de que são superiores, com condições de ajudar a melhorar, detentores do saber
“correto” etc. Eis um resquício dos principais aspectos do discurso (neo)colonialista: a
arrogância, pois “não existe nada pior que alguém querendo fazer o bem, especialmente o
bem aos outros. O mesmo se aplica aos que ‘pensam bem’, com sua irresistível tendência a
pensar por e no lugar do outro” (MAFFESOLI apud BOHN, 2013, p. 84).
Canagarajah (1999, p. 57) chama a atenção para o fato de que “na maioria das
comunidades periféricas existe algum histórico de imposição da língua inglesa, a qual está
frequentemente competindo com a língua nativa por motivos políticos e materiais”. Ora,
impor-se como segunda língua, língua estrangeira ou mesmo língua adicional21 é também
uma forma de manutenção da sua hegemonia, pois “quando o inglês se torna a primeira
escolha enquanto segunda língua, quando é o idioma no qual tanto se escreve e no qual as
mídias visuais tanto acontecem, o inglês está constantemente empurrando outros idiomas
para fora do seu caminho” (PENNYCOOK, 1994/2003, p. 14).
Dois casos corroboram essa tese: o inglês ter suplantado o francês enquanto língua
de prestígio e o fato de a língua inglesa ser a única contemplada na publicidade da escola de
20 Conselho Britânico: https://www.britishcouncil.org.br/atividades/educacao/servicos-solucoes; Pearson:
https://br.pearson.com/sobre-nos/responsabilidade-corporativa.html. 21 Cientes da complexidade conceitual em designar “língua estrangeira” e “segunda língua”, recorremos à
proposta de Leffa e Irala (2014, p. 29-32): O ensino de outras línguas ocorre numa realidade situada no tempo
e no espaço e está intimamente ligado a essa realidade. Podemos até chamá-lo de língua estrangeira [...] o que
hoje já não se sustenta mais no caso do espanhol e do inglês no Brasil, por fazerem parte de uma realidade que
nos é familiar. A inadequação do termo “segunda língua” [...] pode ser facilmente percebida, principalmente
quando se consideram as características do aluno. Muitos [...] já conhecem mais de uma língua. Nomear como
“estrangeira” a língua oficial de outro país também não parece ser a melhor solução. [...] a língua que [se
estuda] na escola pode não ser uma segunda língua ou uma língua estrangeira, mas será, mais adequadamente,
uma língua que podemos chamar de “adicional”. O uso desse termo traz vantagens porque não há necessidade
de se discriminar o contexto geográfico (língua do país vizinho, língua franca ou internacional) ou mesmo as
características individuais do aluno (segunda ou terceira língua).
37
idiomas Wizard, ainda que se ofereçam também o francês, espanhol, italiano, alemão,
japonês e chinês em suas mais de 1.200 unidades. Consequentemente, o segundo caso
evidencia a inter-relação da publicidade com a demanda e procura por esse idioma no
mercado educacional, trazendo à tona sua busca pela homogeneidade.
Segundo Canagarajah (1999, p. 129), “[...] precisamos entender que, para muitas
comunidades periféricas, o inglês é mais um código em um rico repertório de múltiplas
línguas”, ainda assim, “ao optar por aprender e falar inglês, o estudante toma uma complexa
decisão ideológica e social” (op. cit. p. 57), pois “falar uma língua é assumir um mundo, uma
cultura” (FANON, 2008, p. 50), ou seja, aprender e optar por falar inglês pode implicar uma
visão de mundo conflitante com as crenças e os valores locais.
Ancorado no poder político-econômico e na influência cultural que os EUA e a
Inglaterra exercem no mundo contemporâneo, esse breve percurso sobre as políticas
expansivistas (e impositivas) do inglês tratou de abordar em que medidas esse idioma
assumiu o predicado de “língua global”, a ponto de ser a língua mais utilizada por falantes
que não têm o inglês como língua nativa, e a ponto de se tornar um pré-requisito em
praticamente todas as esferas da atividade humana na atualidade.
Sua expansão e importância são tais, que a revista londrina The Economist22
classificou a língua inglesa de “um império mundial por outros meios”. Seguindo por esse
viés, se juntarmos a tese de Phillipson (1992), de que a língua inglesa (“uma ferramenta a
serviço do império britânico”) está em constante confronto com outras línguas, visando ao
anglocentrismo, e a máxima imperialista dos antigos romanos (“onde quer que esteja a
língua romana, lá está Roma”), eis o silogismo: ubicunque língua anglica, ibi Anglia.
Feitas as considerações a respeito do contexto sócio-histórico, passemos para o
capítulo Fundamentação Teórica, no qual se encontram as discussões sobre os conceitos
teóricos acionados neste trabalho.
22 “The Triumph of English. A world empire by other means”. The Economist. 20/12/2001. Disponível em:
http://www.economist.com/node/883997. Acesso em: 01/04/2016.
38
CAPÍTULO 2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A linguagem tem um lado individual e um lado social,
sendo impossível conceber um sem o outro.
(Saussure, 1916/2012)
A linguagem é para o homem um meio, na verdade,
o único meio de atingir o outro homem, de lhe transmitir e
de receber dele uma mensagem. Consequentemente,
a linguagem exige e pressupõe o outro.
(Benveniste, 1976/2006)
Neste capítulo, passo aos conceitos teóricos, os quais se inserem na Análise do
Discurso de linha francesa, mais especificamente na abordagem enunciativo-discursiva tal
qual tem sido desenvolvida por Dominique Maingueneau (2008a; 2010; 2014; 2015).
Respectivamente, o capítulo visa a: discutir os métodos de localização do discurso
publicitário no universo discursivo e sua mimotopia; definir as frases sem texto; conceituar
a instância legitimadora de práticas discursivas sem autor mencionado; e, por fim, abordar a
representação imagética do enunciador criada discursivamente durante o ato de fala.
Antes de iniciarmos as discussões propostas, faz-se necessário uma observação
fundamental, que perpassa toda a obra de Maingueneau: empreender uma análise nessa
perspectiva enunciativo-discursiva implica a concepção de que o interdiscurso é constitutivo
de qualquer discurso, ou seja, há primazia do interdiscurso sobre o discurso.
Em Maingueneau (1984/2008c), o teórico desenvolve a hipótese do Primado do
interdiscurso, que amarra o Mesmo do discurso e seu Outro23. Isso equivale dizer que todo
discurso é concebido do diálogo com outro(s) discurso(s), seja em relação de aliança, embate
23 Este Outro, com maiúscula, não coincide com seu homônimo lacaniano (MAINGUENEAU,1984/2008c).
39
ou neutralidade aparente. Assim, “o Outro não deve ser pensado como uma espécie de
invólucro do discurso... o Outro não é nem um fragmento localizável (uma citação) nem uma
entidade externa” (op. cit., p. 36), ele já nasce imbricado, trata-se de uma relação
inextricável; o Mesmo e o Outro se constituem, portanto, no interior de um interdiscurso.
Posto isso, sigamos com os conceitos anunciados.
2.1 Discurso publicitário: a mimotopia
Embora concebidas em épocas diferentes, Maingueneau (2010, p. 157-170) agrupa
as categorias de Paratopia (incluindo os tropismos e as sombras), Atopia e Mimotopia,
noções inter-relacionadas que auxiliam na composição de uma cartografia dos discursos no
universo discursivo. Devido a essa inter-relação, retomamos resumidamente os conceitos de
paratopia e atopia24, visando a uma maior compreensão do caráter mimotópico do discurso
publicitário. Após essa conceitualização, iniciamos as reflexões sobre a mimotopia do
discurso publicitário.
• Paratopia: os discursos religioso, filosófico, literário e científico são
discursos constituintes, simultaneamente auto e heteroconstituintes; têm
uma potencialidade paratópica, isto é, seu estatuto determina que eles só
podem se autorizar por si mesmos, não podem ter outros discursos acima de
si. Esses discursos devem se apresentar como ligados a uma Fonte
legitimante, ancorados em algum Absoluto: só um discurso que se constitui
legitimando rigorosamente sua própria constituição pode exercer um papel
constituinte em relação a outros discursos.
• Atopia: o discurso atópico tem sua existência de modo clandestino,
parasitário, e diz respeito ao não lugar. O autor toma como objeto de estudo
o discurso pornográfico para ilustrar sua atopia, sua impossibilidade de
24 As categorias de Paratopia e Atopia não são acionadas neste trabalho; portanto, não é pertinente travar uma
discussão mais aprofundada acerca delas. Uma noção mais detalhada dessas categorias pode ser consultada em
Maingueneau (2006; 2008a; 2010; 2015).
40
existência plena, ao defender a tese de que, simultaneamente, é impossível
que não exista e é impossível que exista.
Em suma, os discursos com potencial paratópico e atópico compartilham certas
afinidades: são discursos-fronteira, que só existem por uma localização paradoxal. Paratopia
expressa o pertencimento e o não pertencimento, uma impossível inclusão em uma topia,
pois está além da sociedade mesmo participando dela. Por sua vez, atopia está aquém da
sociedade, que lhe indefere um lugar e negligencia sua existência.
O discurso publicitário suscita algumas questões a seu respeito, especificamente a
respeito de sua topia no universo discursivo: não é paratópico, nem atópico e tampouco está
submetido a um tropismo que o aproxime dos discursos constituintes. Por essa razão,
Maingueneau (2010, p. 168-170) problematiza o “lugar” desse discurso, a partir das
seguintes constatações:
• Diferente dos discursos tópicos (hospitalar, escolar, familiar...), que têm o seu
lugar “estabelecido” na sociedade, o discurso publicitário é constantemente
percebido como algo “a mais”, “em excesso”, pois é aquele cujos enunciados
interrompem a programação do rádio ou da televisão, instalam-se em meio à
sinalização de vias públicas e estações de trem/metrô, invadem a caixa postal e
disputam sua atenção na tela do dispositivo eletrônico ao navegar pela web, com
seus pop-ups e banners digitais surgindo a todo momento, “obrigando” o
internauta a se voltar a eles.
• O discurso publicitário, por não ter uma cenografia verdadeiramente própria, é
capaz de imitar enunciados de outros tipos de discurso, captando-os ou
subvertendo-os. É uma espécie de “camaleão”, adaptando-se ao meio em que se
encontra. Nesse aspecto, segundo Maingueneau, ele se assemelha ao discurso
literário, que também é capaz de mobilizar qualquer gênero de discurso para
constituir sua cenografia.
• Pelo fato de ser onipresente, nômade e metamorfosear-se com frequência, o
discurso publicitário, com efeito, tem visto suas fronteiras se expandirem nos
últimos anos. Seja imitando seja absorvendo, o discurso publicitário pode
metamorfosear-se em qualquer tipo de discurso. No entanto, suas habilidades
41
de imitação, nomadismo e transformação não lhe garantem o estatuto de
discurso constituinte. Pelo contrário, o discurso publicitário recorre a todo
momento aos discursos constituintes em busca da sua legitimidade.
Baseado nessas três constatações, Maingueneau lança a hipótese de que é preciso
criar uma categoria que dê conta do estatuto do discurso publicitário no universo discursivo
em sua globalidade: a mimotopia (capacidade de imitar/adaptar-se ao meio). Com isso, o
autor sugere que deveríamos renunciar a localizar o discurso publicitário em uma zona
delimitada do espaço discursivo, mas ressalva que a introdução de um estatuto de discurso
mimotópico (simultaneamente localizado e não localizável) não representa apenas um
acréscimo de uma zona a mais no universo discursivo: por sua própria existência, ela
modifica o conjunto desse universo.
Como procuramos demonstrar no corpus de referência, o discurso publicitário
mimetiza outros tipos para se legitimar: ora se passa pelos discursos patriarcal, ufanista e
revolucionário, ora pelos discursos cristão, militar e econômico-financeiro, ao ponto até de
se passar por não publicidade. Demonstraremos também que, embora a Wizard esteja
inserida na esfera educacional privada, seus textos pouco abordam a Educação ou suas
concepções pedagógicas.
Por isso, as reflexões acerca do discurso publicitário enquanto mimotópico são
substanciais não só porque trazem à baila a insuficiência de uma simples identificação do
tipo e gênero discursivos, como também evidenciam que é preciso, na medida do possível,
localizar esse discurso no universo discursivo (não numa zona delimitada do espaço
discursivo), traçar sua cartografia, isto é, depreender sua topia, atribuir-lhe um (não)lugar,
funções na esfera das atividades sociais, nuances e metamorfoses, e identificar sua relação
(de aliança, neutralidade aparente ou de embate) com os demais discursos, sejam eles
paratópicos, tópicos ou atópicos. Tal processo nos proporciona um olhar mais abrangente,
panorâmico e dialógico do corpus no momento da sua análise.
Feitas as considerações a respeito da (não)topia do discurso publicitário, passemos
à discussão sobre as “Frases sem textos”.
42
2.2 Frases sem texto
“Frases sem texto25” são fragmentos textuais (versos de canções/poemas, citações
célebres, manchetes jornalísticas...) que, ao serem destacadas de seus respectivos textos-
fonte, circulam como se jamais tivessem feito parte de um texto, como acontece com um
número razoável de ditos populares e provérbios. Quando isso acontece, tais fragmentos
assumem o estatuto de uma enunciação aforizante (doravante aforização26).
Segundo Maingueneau (2014; 2015), as aforizações são de dois tipos: primárias
(provérbios, ditos populares, slogans, divisas, máximas heroicas...) destacadas por natureza;
e secundárias (citações célebres, declarações polêmicas, manchetes de jornal entre aspas...)
destacadas de um texto e, frequentemente, acompanhadas do nome e/ou rosto do
locutor/aforizador.
Essas pequenas frases têm proliferado no nosso cotidiano, graças aos avanços
tecnológicos e ao maior alcance da comunicação de massa: são facilmente encontradas na
grande mídia, nas vias públicas e mesmo no âmbito pessoal (legendas de fotografias/ vídeos,
adesivos, estampas em camisetas, placas de automóveis, frases de efeito compartilhadas nas
redes sociais ou aplicativos de comunicação instantânea...).
A circulação dessas “frases sem texto” — na maioria das vezes simultaneamente
em diferentes suportes e durante um curto período — acontece porque tais fragmentos
são/foram extraídos do seu (con)texto original, ou seja, passa(ra)m por um processo
chamado destacamento do texto-fonte.
2.2.1 Destacamento
O destacamento consiste em extrair um enunciado de seu texto-fonte, que pode ou
não vir a circular com autonomia posteriormente, ou seja, como se ele não tivesse feito parte
25 A noção de “frase” é entendida neste trabalho como uma “abstração, um artifício de linguistas”, visto que o
produto comunicacional é o texto, ainda que este possa ser constituído por uma única frase (MAINGUENEAU,
2015, p. 131-132); e a noção de “texto” é entendida como “uma manifestação de um gênero de discurso”
(MAINGUENEAU, 2014, p. 62). 26 Embora seja um termo ambíguo, que pode designar tanto a enunciação quanto o enunciado que lhe é produto,
Aforização é mais fácil de empregar que enunciação aforizante (MAINGUENEAU, 2012, p. 127).
43
de um texto. Todo fragmento textual é passível de receber algum tipo de investimento tanto
de quem o enuncia quanto de outrem — “um agenciador invisível” (MAINGUENEAU,
2015, p. 134) —, independentemente do tipo ou gênero do discurso: do bate-papo informal
a uma passagem bíblica, do refrão do bolero ao discurso do presidente da república etc.
Destacar enunciados de seus textos originais é um ato que passa ao largo do controle
de quem os proferiu, pois pode — e na maioria das vezes é — ser realizado por terceiros. É
o caso, por exemplo, de algumas celebridades que, durante entrevistas, dão declarações
polêmicas que acabam sendo alçadas a manchetes de jornais, títulos ou intertítulos de
colunas/artigos etc., podendo até mesmo ser o tema de discussões em fóruns online ou ganhar
hashtags (#) nas redes sociais: um fenômeno discursivo bastante comum na
contemporaneidade.
Maingueneau (2014, p. 18-20) ressalva que, mesmo não sendo absoluta, há uma
distinção dos fragmentos extraídos entre destacamento fraco e destacamento forte. Em
linhas gerais, há destacamento fraco quando a frase destacada fica contígua ao texto-fonte,
permanece em sua vizinhança, ao passo que o destacamento forte implica uma separação do
texto-fonte, ao qual o leitor/ouvinte não tem acesso, a menos que faça uma busca, que não
está à altura de todos.
À medida que os destacamentos implicam uma descontextualização do enunciado,
há algo consubstancial a eles: as alterações. Na grande maioria dos casos, ao ser extraído do
texto-fonte, o enunciado sofre algum tipo de modificação, seja pela necessidade de sintetizar
a informação, seja para torná-lo mais atraente e pregnante ao leitor/ouvinte, o que
consequentemente influencia a produção de efeitos de sentido. As alterações podem ser mais
ou menos importantes, mas nunca indiferentes ou arbitrárias, porque elas são um sintoma de
uma mudança de estatuto pragmático: “O enunciado destacado não é mais um fragmento do
texto, ele tem a ver com um regime de enunciação específico [chamado de] aforização”
(MAINGUENEAU, 2014, p. 27).
2.2.2 Aforização
Quando destacado do texto-fonte, um enunciado fica suscetível a circular com
autonomia e a ser interpretado como se não tivesse feito parte de um texto, isto é, ele assume
44
um estatuto aforizante. Ao fazê-lo, esse enunciado destacado, com efeito, já não é mais um
fragmento de um texto, mas uma enunciação aforizante, um regime de enunciação
específico que se distingue da enunciação textualizante (Quadro 1).
Maingueneau (2014; 2015) propõe a existência de dois regimes enunciativos
distintos: enunciação textualizante e enunciação aforizante. A primeira é o modo mais
amplamente conhecido, o qual implica um gênero de discurso que, por sua vez, define as
posições correlatas (enunciador e coenunciador ou produção e recepção) em interação, bem
como as suas coerções genéricas. A segunda, que nos interessa neste momento, não implica
um gênero de discurso nem um coenunciador específico, mas um auditório que não se situa
no mesmo plano do enunciador, que por isso não é capaz de intervir na enunciação.
A enunciação aforizante obedece a uma economia diferente da textualizante, pois é
a expressão de uma convicção posta absolutamente; não se trata de resposta, argumentação
ou narração, que implicam a existência de uma enunciação textualizante anterior em
interação, mas de pensamento, tese, proposição, afirmação, sentença (MAINGUENEAU,
2014). Em outras palavras,
A aforização não se apresenta como um fragmento de texto, mas como um enunciado
autossuficiente, situado ao mesmo tempo “no” texto em que está inserido e “fora” de
qualquer texto. [Sua] lógica é a de apagar tanto as marcas de inscrição num ambiente textual
quanto seu pertencimento a um gênero de discurso. (op. cit., p. 40)
As aforizações são de dois tipos: primárias e secundárias. Ao tipo primário,
correspondem os provérbios, ditos populares, adágios, slogans, as máximas, divisas etc.; são
frases destacadas por natureza e que têm a circulação e o sentido mais ou menos
estabelecidos no interior de uma comunidade discursiva. Ao tipo secundário, correspondem
as citações célebres, manchetes entre aspas nos jornais ou nos portais de notícias, bem como
as “frases da semana/do mês...”; são frases destacadas de um texto (vide Quadro 1).
45
Quadro 1. Regimes enunciativos e tipos de Enunciação Aforizante
Fonte: MAINGUENEAU, 2015, p. 133.
Essa distinção, ressalva o autor, não repousa sobre critérios estritamente históricos,
pois um número razoável de provérbios e ditos populares se originou de textos, isto é, foram
extraídos de seus respectivos textos-fonte (enunciação textualizante), o que poderia
caracterizá-los como “aforizações secundárias”, em uma lógica de citação direta.
Aliás, na citação em estilo direto, a responsabilidade do dizer é delegada ao
enunciador citado. A aforização não é uma “citação” comum, pois tem sua lógica própria,
como afirmado anteriormente. “A aforização, lembremos, não resulta necessariamente do
destacamento de um texto e de uma inserção em um novo texto” (MAINGUENEAU, 2014,
p. 28). Ela se caracteriza enquanto recusa de ser parte de uma lógica do texto e do gênero de
discurso, expressando-se fora de qualquer genericidade.
Observe-se que a aforização se caracteriza como um regime enunciativo
diferenciado: uma “recusa” à lógica do texto. De fato, são regimes distintos, mas
coexistentes. Ainda que resista à textualização, uma aforização é proferida no interior de um
texto. Dito de outra forma, entre a aforização e o texto há uma “relação paradoxal”:
46
A aforização mantém uma relação paradoxal com o texto: por natureza, ela se opõe à
textualização, porém se inscreve inevitavelmente “no interior” de um texto. Em certo
sentido, podemos até mesmo dizer que é o texto que ressalta a aforização, que torna saliente
esse regime de enunciação que o contesta. (MAINGUENEAU, 2014, p. 62)
Em síntese, a aforização “pura” não existe: ela é (re)inserida em um texto e, devido
a esse processo, sofrerá as mesmas coerções do gênero do discurso no qual será
(re)empregada. Deste modo, nas palavras de Maingueneau (2014, p. 11), “dado que não há
frase sem texto, a não ser inscritas nos textos, esses dois regimes [textualizante e aforizante]
não são duas espécies do gênero próximo ‘enunciação’, mas antes uma forma de a
enunciação não coincidir consigo mesma”.
No caso de uma aforização secundária, um título/uma manchete entre aspas
pertence ao texto, ainda que não seja precedido ou seguido de outra frase. Em relação à
aforização primária, pode-se pensar nas personalidades carismáticas (sábio zen, oráculo,
guru, santo...) que se expressam apenas por aforizações. Em realidade, mesmo esses
enunciados “autônomos” são constituintes de um texto: inscrevem-se no ritual de consulta a
uma autoridade (MAINGUENEAU, 2014).
É no interior de um texto que se salienta uma enunciação aforizante. É também no
interior de um texto que determinados fragmentos colocam-se numa modulação diferente da
dos demais, prontificando-se a receber algum tipo de investimento, seja do locutor seja de
terceiros. Esses fragmentos são constitutivos de uma operação chamada sobreasseveração.
2.2.3 Sobreasseveração
Conforme Maingueneau (2008a; 2010; 2012; 2014) vem enfatizando ao longo dos
anos, constatar que fragmentos foram destacados de tais ou quais textos não basta, visto que
sua extração não acontece aleatoriamente. É preciso considerar também como os fragmentos
se apresentam nos textos-fonte, suas características destacáveis, pois é justamente essa
destacabilidade que torna possível seu processo de “detextualização”, ou seja, uma saída do
texto que tensiona a dinâmica da textualização, indo “na direção oposta à de integrar os
constituintes do texto em uma unidade orgânica” (MAINGUENEAU, 2014, p. 15). Nesse
47
caso, não se trata de uma citação, mas de uma “enfatização em relação ao entorno textual”,
de uma operação chamada sobreasseveração.
Encontrado em todo e qualquer gênero do discurso, dos textos fortemente
monitorados às conversações cotidianas — tendo-se sempre em mente que o oral e o escrito
mobilizam recursos diferentes —, um enunciado sobreasserverado é aquele que, em geral,
apresenta uma ou mais das seguintes marcas:
• é autônomo do ponto de vista textual, isto é, não é preciso considerar o que
precede nem o que se segue para compreendê-lo, é uma síntese da tese
defendida no texto;
• é generalizante/genérico do ponto de vista enunciativo, ou seja, sua
aplicação não se restringe às pessoas (par correlato eu-tu) ou ao contexto
(aqui-agora) em que fora enunciado;
• apresenta uma saliência textual, ou seja, a posição que o fragmento ocupa
no texto-fonte é um lugar privilegiado. Em textos escritos, ele está
geralmente no início ou final do parágrafo, da seção, do capítulo...;
• é marcado por metadiscurso, ou seja, introduzido por um conector de
reformulação (isto é, ou seja, enfim, em outras palavras...) ou por uma
retomada categorizante.
A sobreasseveração é o ato de antecipar um destacamento (MAINGUENEAU,
2014); é uma modulação textual que indica o fragmento que não está no mesmo plano dos
demais, isto é, como se o enunciador “indicasse/sugerisse” o trecho (frase, parágrafo...) que
ele gostaria de ver destacado, circulando de maneira autônoma.
No entanto, é preciso observar que, mesmo sendo sobreasseverado, não há nenhuma
garantia de que um fragmento textual venha a ser efetivamente destacado. Da mesma forma,
“[...] nada impede que se destaque de um texto uma sequência que não tenha sido
sobreasseverada” (MAINGUENEAU, 2014, p. 23). O ato de sobreasseverar está submetido
ao enunciador, que seleciona o encadeamento de sua enunciação consciente ou
inconscientemente; já o ato de destacar fragmentos pode ser realizado tanto pelo enunciador
quanto por outrem, segundo os critérios que lhe convenham no momento.
48
Vimos até aqui que as frases sem texto circulam em abundância no nosso dia a dia,
pois foram destacadas de seus respectivos (con)textos originais e assumiram o estatuto de
enunciações aforizantes, bem como que esses fragmentos destacados podem apresentar
certas marcas em seus textos originais, qualificando-os como enunciados sobreasseverados.
No próximo item, a discussão passa para o estatuto do locutor/enunciador de aforizações,
isto é, o aforizador.
2.2.4 O aforizador
O estatuto da instância enunciadora de um texto e de uma aforização é apreendido
de forma diferente, pois há uma tensão entre o “mesmo” enunciado apresentado ora como
uma frase sem texto (destacada), ora como integrado ao corpo de um texto.
Em textos jornalísticos, por exemplo, o enunciador é a instância responsável pelos
fragmentos que o jornalista relata em estilo direto ou indireto. As informações são
transmitidas ao jornalista por meio de uma enunciação textualizante (entrevista, declaração,
nota...). Quando aforizado, o enunciado do texto torna-se alheio a uma situação
comunicacional, não se dirigindo a um coenunciador específico, mas a um auditório
universal, do qual todos os leitores participam. Assim, ao ter a “mesma” fala alçada a uma
manchete entre aspas, o locutor do texto assume o estatuto de aforizador da manchete, ou
seja, ao mudar o estatuto do enunciado (de texto para aforização), muda-se também o estatuto
do seu locutor (de enunciador para aforizador).
Segundo Maingueneau (2014, p. 43),
O aforizador não é um simples enunciador, o suporte de operações referenciais ou modais,
mas o que poderíamos chamar de subjectum: ao mesmo tempo origem do ponto de vista
expresso no enunciado e sujeito responsável, que se posiciona em meio a um conflito de
valores.
Esse sub-jectum (sujeito) define-se como aquilo que não varia, isto é,
independentemente das situações de comunicação e dos momentos, ele está apto a responder
pelo que diz, pois “nele coincidem sujeito da enunciação e sujeito no sentido jurídico e
moral, que afirma valores diante do mundo” (op. cit., p. 43).
49
Quem diz é tão importante quanto o que se diz. Por esse motivo, as aforizações
secundárias são frequentemente acompanhadas ora do nome, ora do nome e do rosto do
aforizador, que pode ser retratado por meio de fotografia, pintura, desenho, busto etc. Essa
associação, afirma Maingueneau (2014, p. 46), se explica porque “o rosto possui algumas
propriedades notáveis”:
• é a única parte do corpo que, de maneira superficial, permite identificar um
indivíduo como distinto do outro;
• é, no imaginário profundo, a sede do pensamento e de valores
transcendentais;
• é nele que se encontra a boca, fonte da fala e, portanto, da aforização.
Conforme mencionado anteriormente, o corpus é constituído por cartazes/banners
publicitários da Wizard. Pelo fato de a escola não ter um rosto humano para associar aos
seus enunciados aforizados, seu logotipo exerce função semelhante à de um rosto, isto é,
atesta a identidade do aforizador, quando empregado nas adjacências dos enunciados
destacados nos cartazes/banners.
Observe-se que, neste item, privilegiamos o locutor de aforizações secundárias, as
quais em geral são acompanhadas de nome e imagem do aforizador. Essas aforizações
enfrentam uma situação complexa: a maioria desaparece assim que são destacadas;
pouquíssimas são integradas ao thesaurus linguístico e assumem o estatuto de uma
aforização primária (provérbios, ditos populares, máximas heroicas...).
As aforizações primárias, no entanto, simulam uma existência independentemente
de seus empregos em tais ou quais textos. Além disso, dessas aforizações “(...) não se espera
que nenhum locutor portador de um nome próprio preceda a aforização” (MAINGUENEAU,
2014, p. 37); isso porque, ao enunciar um provérbio, um ditado ou mesmo um slogan, a
figura do aforizador cruza-se, então, com outra: a do hiperenunciador.
50
2.3 A noção de Hiperenunciador
Segundo Maingueneau (2014, p. 69), é a partir de vários tipos de citação “cujo autor
não é especificado” que se tem acesso à noção de hiperenunciador. A fim de compreender
melhor tal noção, deve-se abordar primeiramente o sistema de particitação (palavra-valise
que funde participação e citação), um sistema de citação singular que atravessa os vários
gêneros de discurso. Conforme as palavras do autor, há particitação quando:
• o enunciado citado é memorizável e autônomo, por natureza ou por
destacamento, ou seja, fragmento textual que adquira o estatuto de uma
aforização primária;
• o enunciado pretende ser reconhecido como citação pelos destinatários, sem
que o enunciador citante indique sua fonte, em uma lógica de discurso direto
levada ao extremo, ou seja, o enunciado implica um coenunciador modelo
que partilhe do mesmo conhecimento;
• o enunciado pertence a um thesaurus verbal de contornos vagos,
indissociável de uma comunidade que se define de forma privilegiada pela
partilha de tal thesaurus. O enunciador cita o que seu coenunciador e
qualquer outro membro da comunidade poderia/deveria citar, agindo
conforme os ditames da comunidade a que pertence;
• thesaurus e comunidade correspondente implicam um hiperenunciador, que
lhes dá sua unidade e cuja autoridade garante menos a verdade do enunciado
e mais sua validade, sua adequação aos valores, aos fundamentos de uma
coletividade.
“As aforizações são candidatas ideais à particitação” (MAINGUENEAU, 2014, p.
70), pelo fato de a maior parte das particitações ser aforizações. Mesmo com essa correlação
quantitativa, trata-se de uma tarefa árdua estabelecer um sistema dos modos de particitação,
que estão muito próximos da variedade de situações sócio-históricas.
Maingueneau (2008a, p. 95) propõe-se a distinguir as diversas famílias de
particitação, isto é, funcionamentos pragmáticos que apresentam certas afinidades: as
particitações sentenciosas (provérbios e adágios jurídicos), as particitações escriturais
(humanistas e thesaurus bíblico) e as particitações de grupo (slogans). Abordamos
51
rapidamente os dois primeiros grupos e, então, nos concentramos no terceiro, em virtude de
sua relevância para o corpus de referência.
Nas particitações sentenciosas, pode-se depreender a noção de hiperenunciador
como “a sabedoria popular” ou “a sabedoria das nações” no caso dos provérbios/ditos
populares e o “Direito” no caso dos adágios jurídicos. A diferença entre eles é que, nos
provérbios, a comunidade é de ordem cultural; e no adágio, de ordem profissional. Assim,
ao enunciar um provérbio/adágio, o enunciador partilha do ponto de vista da comunidade,
como membro que é, “... abandona voluntariamente sua voz e toma outra emprestada para
proferir um segmento da fala que não lhe pertence propriamente, que ele apenas cita”
(GREIMAS, 1970 apud MAINGUENEAU, 2014, p. 72). Por isso, é mais evidente neste
grupo o apagamento enunciativo, isto é, as generalizações.
As particitações escriturais — um grande número de “frases célebres” atribuídas a
personagens históricas marcantes, que o thesaurus absorveu — sustêm a noção de
hiperenunciador enquanto a instância que assegura a compreensão da enunciação aforizante
entre enunciador e coenunciador. Ao lançar mão de aforizações da Antiguidade greco-latina
ou mesmo das Escrituras Sagradas, o enunciador afirma seu pertencimento a uma
comunidade, na qual a circulação de tais textos é assegurada. Assim, podem-se enunciar
textos em Latim ou Grego sem mencionar a fonte: o leitor modelo é alguém que possui as
mesmas referências e, portanto, habilitado a interpretar a aforização.
Em relação às particitações de grupo, a noção de hiperenunciador varia em função
do estatuto do slogan: se é militante ou comercial. No primeiro caso, a noção de
hiperenunciador vai depender da coloração política das reuniões, podendo ser tanto “a
esquerda”, “o sindicato”, “os ciclistas” quanto “os ecologistas”, “os patriotas”, “os
apartidários” etc. As reuniões giram em torno do slogan militante repetido por interesses
imediatos dos manifestantes, situados num lugar determinado, pois se trata de grupos
transitórios, com um interesse em comum momentâneo (aqui e agora).
Maingueneau afirma que, nas particitações de grupo, não interessa à Análise do
Discurso os locutores empíricos, mas o autor coletivo do qual participam. O nós que o
sustenta supõe uma fronteira com um outro hostil. Como posto nas análises, ao enunciar um
dos slogans escolhidos, não se busca a identidade do cidadão X ou Y, mas sim em que
comunidade discursiva o enunciador se insere e qual é o seu posicionamento.
52
O slogan comercial exige uma abordagem específica em comparação ao slogan
militante. Diferentemente deste, o comercial não se refere a uma instância transcendental (o
saber popular, o Direto, as Escrituras Sagradas...) em busca de legitimidade, mas a uma
marca. É a marca que estabelece os limites e os valores partilhados no interior da sua
comunidade (marca e os consumidores que a ela aderem), unindo-os, partilhando uma
identificação, um modo de habitar o mundo.
Na busca por legitimidade que atenue sua finalidade mercantil (sua condição de
existência), a marca elabora estratégias enunciativas em seus textos, ao atribuir valores ao
hiperenunciador. Maingueneau (2014, p. 78) discorre sobre essas estratégias:
• a primeira é a “captação das propriedades pragmáticas do provérbio”. Bem
entendido, não se trata apenas do provérbio em si, mas também de, entre
outros, músicas/cantigas folclóricas de domínio popular (ao menos no
contexto brasileiro), cujo estatuto pragmático se assemelha ao do provérbio.
Assim, altera-se um provérbio/canção a seu favor, fazendo com que o
slogan se beneficie da autoridade de um hiperenunciador sentencioso com
vistas à persuasão, pois partir de um pré-construído (memória discursiva)
facilita tanto a memorização quanto a consequente circulação de seus
enunciados;
• a segunda consiste em delegar a responsabilidade do slogan a um aforizador
singular, porém emblemático, que exprima uma convicção pessoal, uma
figura fiadora de renome, carismática, que “encarne” os valores do
produto/serviço anunciado e também da empresa.
O slogan comercial submete-se ao discurso publicitário e, como tal, não pode
legitimar a si mesmo, como acontece com os discursos constituintes (paratópicos). Por isso,
de acordo com Maingueneau (2014), o slogan publicitário, na realidade, não pode ser da
mesma natureza que o slogan militante. No plano discursivo, o comercial está destinado a
mimetizar o militante para se legitimar, seja captando-o, seja subvertendo-o.
Como se pode constatar mais adiante, o slogan publicitário está na fronteira: ainda
que na maioria das vezes seja destacado de um texto, apresenta-se sem marcas de discurso
relatado, aspirando a ter a força de um provérbio/ditado popular e caracterizando-se como
uma aforização primária. Ademais, esse tipo de slogan almeja ser absorvido pela sociedade,
53
pois, de certa forma, “[...] sonha ser um elemento do thesaurus da comunidade linguística”
(MAINGUENEAU, 2014, p. 78), mas poucos conseguem realizar essa passagem.
Observe-se que no sistema de particitação, uma forma particular de citação, não se
indica o autor citado, pois existe, entre as instâncias correlatas (enunciador e coenunciador),
um acordo já pré-estabelecido que torna tal indicação desnecessária. Nesse caso,
O hiperenunciador aparece como uma instância que, por um lado, garante a unidade e a
validade da irredutível multiplicidade dos enunciados do tesauro e, por outro, confirma os
membros da comunidade em sua identidade, pelo simples fato de eles manterem uma
relação privilegiado com ele. (MAINGUENEAU, 2008a, p. 109)
Isso faz com que os particitadores (membros de uma dada comunidade discursiva) se
apaguem de alguma forma diante desse hiperenunciador, privilegiando-o.
A noção de hiperenunciador, porém, se inscreve numa perspectiva mais ampla e
complexa (MAINGUENEAU, 2008a). Até o momento, tratou-se de um aspecto seu menos
“empírico” (“espírito do povo/espírito de uma nação”, “Deus”, “sabedoria popular”,
“esquerda/direita”...), que garante tanto a unidade quanto a legitimidade das práticas
discursivas no interior de uma dada comunidade.
Tendo em vista a natureza do corpus de referência e os objetivos desta pesquisa, é
preciso um refinamento da noção de hiperenunciador que nos permita investigar o seu
funcionamento em textos publicitários.
No discurso publicitário, cujos textos são escritos a várias mãos, ou seja, produtos
de um trabalho coletivo, que envolve profissionais de especialidades diversas —
departamento de Marketing, Redação, Artes, Tecnologia e, muitas vezes, a colaboração entre
duas ou mais agências publicitárias —, o produto final é atribuído a uma instituição, a um
locutor individual: a marca, cujas propriedades antropomórficas são conhecidas
(MAINGUENEAU, 2008a). É ela a instância transcendente que minimiza a heterogeneidade
das vozes envolvidas (o coletivo) em favor de si mesma. Assim, a marca que assina o texto
publicitário, responsabilizando-se legalmente pelo seu conteúdo, é assumida neste contexto
como a instância denominada hiperenunciador27.
27 A discussão sobre textos publicitários — escritos a várias mãos e reivindicados por uma marca — suscita,
com efeito, questões relacionadas à sua autoria. No entanto, tal discussão foge ao escopo deste trabalho. Para
54
Em todo ato de tomar a palavra, seja para (parti)citar um provérbio ou qualquer
outro fragmento textual pertencente ao thesaurus linguístico compartilhado no interior de
uma comunidade, o enunciador constrói uma representação dessa comunidade e, sobretudo,
constrói uma imagem de si (sábio, culto, humilde, arrogante, chato, prepotente...), por meio
de um tom, de um modo de dizer e ser, isto é, ele constrói um ethos discursivo.
2.4 A noção de Ethos Discursivo
Ethos é um termo emprestado da retórica antiga e designa “a imagem de si que o
locutor constrói em seu discurso para exercer uma influência sobre o destinatário”
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012, p. 220). Essa noção surgiu no bojo da tradição
retórica, na Grécia Antiga, e foi legada aos nossos tempos graças aos trabalhos do filósofo
grego Aristóteles (384-322 a.C.), precisamente, a Retórica, Ética a Nicômaco e Política.
Um dos maiores obstáculos de se trabalhar com a concepção de ethos retórico,
conforme ponderações de Maingueneau (2008b, p. 12), “é o fato de ela ser muito intuitiva”,
sem uma definição teórica clara: condição que obriga o(a) pesquisador(a) a inscrevê-la em
uma problemática precisa e privilegiar tal ou qual de suas facetas — tendo sempre em vista
seus objetivos de pesquisa, a partir da disciplina —, caso se queira explorá-la e torná-la
operacional.
Por essa razão, a concepção de ethos tem sido adotada por diversas disciplinas e
operacionalizada em conformidade com sua corrente teórico-metodológica. Por meio da
coletânea organizada por Ruth Amossy (2005/2014), pode-se verificar como a problemática
da “imagem de si”, construída discursivamente, foi introduzida e tem sido debatida, a partir
da década de 1970, nos estudos linguístico-pragmático-discursivos, por autores como Émile
Benveniste, Catherine Kerbrat-Orecchioni, Michel Pêcheux, Erving Goffman, Oswald
Ducrot e Dominique Maingueneau.
um aprofundamento da questão, ver: A Noção de Autor em Análise do Discurso (MAINGUENEAU, 2010, pp.
25-47) e Enunciação presa e Enunciação destacada (MAINGUENEAU, 2015, pp. 131-138).
55
A noção adotada nesta dissertação é a de ethos discursivo, introduzida no quadro
da Análise do Discurso francesa por Dominique Maingueneau (1984/2008c), que a
apresentou como “Modo de Enunciação”, um dos itens da Semântica Global que rege os
discursos. Segundo esse autor, sua noção de ethos ultrapassa em muito o quadro da
argumentação (retórica), mesmo não sendo, em essência, infiel à concepção aristotélica
(MAINGUENEAU, 2008a, 2008b), manifesta no e pelo discurso.
De fato, trata-se de uma noção discursiva, isto é, “o ethos está crucialmente ligado
ao ato de enunciação” (MAINGUENEAU, 2008a, p. 60). Ainda assim, deve-se considerar
que o par correlato da enunciação, o coenunciador, pode construir representações do
enunciador antes mesmo que este se pronuncie: há tipos de discurso (e circunstâncias) em
que essa “imagem prévia” é favorecida: publicitário, político, artístico, religioso etc. Tal
constatação fez com que Maingueneau (2008a; 2008b) estabelecesse uma distinção entre
“ethos pré-discursivo” e “ethos discursivo”.
As representações podem ser construídas a partir da memória discursiva
(estereotipia), evocada quando o leitor/ouvinte associa o texto do enunciador a um gênero
de discurso ou a um posicionamento ideológico. Esse ethos prévio é confirmado ou
infirmado tão logo o enunciador iniciar sua fala.
Deve-se considerar também que o ethos visado não é necessariamente o produzido:
“em matéria de ethos, os fracassos são moeda corrente” (MAINGUENEAU, 2008a, p, 61).
Por exemplo, ao tematizar questões polêmicas (diversidade racial, identidade de gênero...)
ou um tabu em seu material publicitário, uma empresa, que visa a ser notada como pluralista
ou progressista, pode ser percebida como preconceituosa, antifamília, socialmente
descompromissada ou até mesmo oportunista. Cabe, portanto, ao coenunciador a construção
ética do enunciador, à medida que este discursa.
Vários fatores contribuem para o coenunciador criar uma representação do
enunciador. Em caso de gêneros conversacionais (interação face a face), a modulação e o
ritmo da voz e os elementos extralinguísticos (vestimenta, gestos, ambiente...). Em caso de
gêneros instituídos, o registro da língua (formal ou informal), o planejamento textual
(progressão, organização), o suporte utilizado (vídeo, áudio, livro...), entre outros.
56
Maingueneau também trabalha a noção de ethos discursivo para além da eloquência
(na oralidade) e alarga seu alcance, abarcando todos os tipos de texto, dos orais aos escritos,
diferentemente do que fez a retórica tradicional, que se concentrou na oralidade. Com efeito,
mesmo que denegue, o texto escrito também possui uma vocalidade que pode se manifestar
numa multiplicidade de tons que dá autoridade ao que é dito. Esses tons permitem ao leitor
construir uma representação do corpo do enunciador — da instância discursiva, não do
locutor empírico —, de onde emerge uma instância subjetiva que desempenha o papel de
fiador daquilo que é dito (MAINGUENEAU, 2013).
Ethos discursivo, afirma o autor, mantém um laço crucial com a reflexividade
enunciativa e permite articular corpo e discurso para além de uma oposição empírica entre
oral e escrito. Esse deslocamento recobre não só a dimensão verbal, mas também o conjunto
de determinações físicas e psíquicas ligado ao fiador pelo arsenal de representações coletivas
estereotipadas, que podem se ratificar, atenuar ou retificar durante a enunciação.
O coenunciador constrói a figura do fiador, segundo índices liberados ao longo da
enunciação do próprio locutor. A figura do fiador implica um caráter, ou seja, “uma gama
de traços psicológicos” (astuto, moralista, entediante, corajoso...), e uma corporalidade, ou
seja, “uma compleição corporal, mas também uma maneira de se vestir e de se movimentar
no espaço social” (MAINGUENEAU, 2013, p. 108).
Em partes, o poder de persuasão do discurso consiste em fazer com que o
coenunciador se identifique tanto com o caráter quanto com a corporalidade da instância
enunciadora, ou seja, que o coenunciador incorpore aquele mundo ético que a enunciação
constrói. A incorporação, isto é, a ação do ethos sobre o coenunciador, opera em três
registros indissociáveis, segundo Maingueneau (2013, p. 109):
• a enunciação leva o coenunciador a conferir um ethos ao seu fiador, ela lhe
dá corpo;
• o coenunciador incorpora, assimila, desse modo, um conjunto de esquemas
que definem para um dado sujeito, pela maneira de controlar seu corpo, de
habitá-lo, uma forma específica de se inscrever no mundo;
57
• essas duas primeiras incorporações permitem a constituição de um corpo, o
da comunidade imaginária dos que comungam na adesão a um mesmo
discurso.
A incorporação do leitor/ouvinte não se justifica por uma simples identificação com
o fiador. “Ela implica um mundo ético do qual o fiador é parte pregnante e ao qual dá acesso”
(MAINGUENEAU, 2008a, p. 65). No corpus ora analisado, esse “mundo ético” é um
estereótipo cultural no qual a publicidade contemporânea se apoia para persuadir seu
coenunciador, ao associar seus produtos/serviços a uma maneira de habitar o mundo
(“profissional que sabe inglês tem salário maior”, “quem fala inglês tem as melhores
oportunidades do mercado de trabalho..., portanto, é bem-sucedido” etc.).
Com isso, além de persuadir pelos argumentos, a noção de ethos permite refletir
sobre o processo mais geral da adesão dos sujeitos a um posicionamento, uma adesão “física”
a determinado universo de sentido, pois o coenunciador faz mais que decifrar conteúdos: ele
participa do mundo configurado pela enunciação.
Se, por um lado, o processo de incorporação do coenunciador é pouco evidente em
textos ligados aos gêneros de discurso funcionais (formulário administrativo, manual de
instrução, bula de medicamento...), por outro, esse processo fica mais evidente em discursos
como o publicitário, literário, científico, político etc.
O discurso publicitário, cujos textos são compostos por profissionais habilitados
que dominam as técnicas de expressão e as estratégias enunciativas, visa à incorporação
imediata do coenunciador, porque deve convencer um público que pode ignorá-lo ou recusá-
lo a qualquer momento. Por esse motivo, “[...] a publicidade põe em primeiro plano o corpo
imaginário da marca que supostamente está na origem do enunciado publicitário”
(MAINGUENEAU, 2008b, p. 11).
Para exercer o seu poder de modo pleno, o ethos deve estar em sintonia com a
conjuntura ideológica visada, a fim de ser imediatamente reconhecido pelo coenunciador.
Dessa forma, devemos ter em mente que os textos publicitários não são escritos visando à
contemplação de suas composições apenas; configuram-se como uma enunciação dirigida a
um coenunciador que eles precisam mobilizar, vender-lhe um produto/serviço ou uma ideia
e fazê-lo encarnar o que se prescreve (beba isto, use aquilo, seja assim, pense diferente...).
58
Neste ponto, faz-se necessário rememorar que o teórico francês, ao longo de sua
obra, tem retomado a noção de ethos discursivo com uma certa frequência e, nessas
retomadas, umas mais e outras menos, tem tensionado a sua operacionalização em tipos e
gêneros de discurso distintos28. Em texto pertinente para o nosso estudo, Maingueneau
(2014, p. 99-115) apresenta uma faceta pouco convencional da noção de ethos, ao analisar
duas pequenas frases:
1) “Obama é jovem, bonito e bronzeado”, dita pelo então Primeiro-Ministro
italiano Silvio Berlusconi, a respeito do então Presidente dos EUA Barack
Obama (06/11/2008);
2) “Ele não é muito inteligente”, supostamente dita pelo então presidente francês
Nicolas Sarkozy, a respeito do então Primeiro-Ministro espanhol José Luis
Zapatero (17/04/2009).
Durante sua análise, o analista do discurso retoma o ethos prévio de ambas as
figuras políticas, mas não desenvolve a noção, apenas “menciona”, pressupondo que os
leitores já estejam familiarizados com o seu ethos discursivo. Mesmo assim, é possível
depreender, por meio dessa análise, que o ethos (individual ou coletivo) se impõe como fator
determinante no que tange à circulação de aforizações, ou seja, não se trata apenas do que se
diz, mas quem diz: se não fossem as representações sociais de Berlusconi e Sarkozy, as duas
pequenas frases dificilmente atingiriam o estatuto de panaforização: “termo que combina
aforização e o pan- de pandemia (MAINGUENEAU, 2014, p. 100).
Segundo o pesquisador, tais enunciados causaram furor midiático, em boa medida,
justamente porque confirmam de modo emblemático o ethos prévio dos enunciadores:
Berlusconi é reconhecido pelas suas constantes gafes, suas falas “politicamente incorretas”;
já Sarkozy é reconhecido, sobretudo pelos adversários políticos, por sua imagem de “um
homem convencido de ser superior a todo mundo” (MAINGUENEAU, 2014, p. 112).
Em outra recente retomada da noção, Maingueneau (2016) afirma estar “ciente” de
que a operacionalização do ethos discursivo ainda levanta muitas dificuldades e permanece
insuficientemente específica para dar conta da diversidade das situações comunicacionais.
28 Além dos trabalhos indicados neste subcapítulo, Cf. Maingueneau (1987/1997; 2010).
59
Tais dificuldades, no entanto, não se referem à operacionalização da noção em textos
vinculados ao discurso publicitário, campo privilegiado para o ethos.
A concorrência acirrada de mercado (princípio básico do neoliberalismo) e a
comunicação instantânea (era digital) contribuem para que o discurso publicitário seja um
lugar privilegiado para a noção de ethos discursivo, pois tanto a corporalidade quanto o
caráter do fiador deve ser rápida e facilmente assimilado, visando à imediata incorporação
do coenunciador. Portanto, acreditamos que a noção ora apresentada seja satisfatória para a
nossa análise do corpus de referência.
Exposta a explanação dos conceitos aqui mobilizados, encerramos este capítulo de
Fundamentação Teórica, para relatarmos os métodos de coleta dos dados e os critérios de
composição do corpus de referência no próximo capítulo. Passemos, então, ao Capítulo 3 —
Procedimentos Metodológicos.
60
CAPÍTULO 3
PROCEDIMENTOS METOLÓGICOS
Quando não houver caminho
Mesmo sem amor, sem direção
A sós ninguém está sozinho
É caminhando que se faz o caminho
(Titãs, “Enquanto houver Sol”, 2003)
Neste capítulo, apresento a campanha publicitária Nação Bilíngue, os pontos em
comum e o que distingue as três fases iniciais. Feito isso, justifico a opção por priorizar o
material digital em detrimento do material impresso. Em seguida, descrevo os procedimentos
metodológicos adotados tanto para a coleta dos dados quanto para a constituição do corpus
de referência. Antes, porém, teço algumas palavras sobre o surgimento do meu interesse por
Nação Bilíngue.
O interesse por Nação Bilíngue surgiu quando eu cursava Análise do Discurso: o
que é, como se faz?, em 2015. Durante o curso, foi solicitado aos alunos que levassem dados
para análise, como aplicação da teoria discutida ao longo do semestre. Quando estava em
busca de algum dado para a realização do exercício proposto, recordei-me da campanha
Nação Bilíngue, que, à época, estava em sua primeira fase e circulava simultaneamente nos
meios de comunicação de massa, fato que chamou a atenção.
Nessa ocasião, selecionei para análise, devido à sua “simplicidade” e ao pouco
tempo de apresentação em sala, um cartaz digital de Nação Bilíngue (atual Figura 1).
Definido o corpus, iniciei as pesquisas sobre a Wizard para a apresentação.
Ao preparar o material (slides, qual informação é pertinente, quais não são...),
comecei a estabelecer as conexões entre o que aquele “simples” cartaz informava e o
contexto sócio-histórico, isto é, a natureza dos acontecimentos sociais que eclodiram no ano
de 2013 (a priori na cidade de São Paulo) em diante e que marcaram a história do Brasil.
61
Naquele momento me vi diante de um dilema: o cartaz possibilitava muita discussão, mas
eu só dispunha de alguns minutos de apresentação. O que fazer? Qual informação priorizar?
Embora com uma dose de angústia, selecionar as informações para a apresentação
em sala me ajudou a visualizar uma possível composição (mesmo com contornos ainda
vagos) do objeto de estudo, bem como a integração das reflexões a respeito da Língua Inglesa
e seu status de prestígio mundial.
Posteriormente, ingressei no curso de Mestrado, com início no primeiro semestre
de 2016. Como já havia começado as pesquisas sobre a Wizard e coletado uma parte do seu
material publicitário, optei pela manutenção do projeto de analisar a campanha publicitária
Nação Bilíngue, que só tinha a fase inaugural.
Se, por um lado, a proposta de analisar uma campanha publicitária tão recente
(quase concomitantemente) é interessante por conta de um provável ineditismo, por outro,
impõe desafios que estão fora do controle do pesquisador, como o fator temporal. À medida
que o tempo avançava, não se sabia se haveria uma nova fase de Nação Bilíngue; se sim,
qual seria a temática? Quando a Wizard lançaria? Essas questões provocaram um certo
desconforto no que diz respeito a impor uma data-limite para a coleta dos dados.
De qualquer forma, a imposição de uma data-limite para a coleta do material foi
inevitável, devido às coerções que são mais bem explicitadas ao longo deste capítulo. Na
sequência, iniciamos a apresentação da campanha publicitária Nação Bilíngue e do seu
conceito #nacaobilingue.
3.1 A campanha Nação Bilíngue — #nacaobilingue: panorâmica
Finalizados os trâmites legais envolvendo a aquisição do Grupo Multi (proprietário
da Wizard, Yazigi, Skill, Microlins...) pelos britânicos da Pearson em janeiro de 2014, a
campanha publicitária Nação Bilíngue, a maior da história da Wizard e a primeira sob a nova
direção, dividiu-se em três fases, cujos lançamentos datam:
62
Fase 1: 18 de julho de 2014
Fase 2: 15 de janeiro de 2016
Fase 3: 10 de dezembro de 2016 / 12 de janeiro de 2017
Cada uma recebeu um título: Fase 1 Manifesto; Fase 2 Entrega Resultados; e Fase
3 Hino. Para uma compreensão mais completa da campanha, discorremos sobre cada uma
de suas fases separadamente, destacando as nuanças e o que as une.
Fase 1: Manifesto
Na primeira fase (2014-2015), Nação Bilíngue e seu conceito29 #nacaobilingue
foram criados e veiculados em todo o território nacional pela agência de publicidade
paulistana MultiSolution. Sua divulgação contou com as redes sociais (Facebook, Twitter,
Instagram e Youtube), ações em mídia online (banners, pop-ups), anúncios impressos
(jornais, revistas...), peças de decoração para as unidades da escola (cartazes, panfletos,
mobile, folhetos), painéis, outdoors e busdoor. Enfim, nos diversos suportes e gêneros
discursivos em que o discurso publicitário circula. O destaque, entretanto, fica por conta do
filme/vídeo, que circulou durante os horários nobres da TV e do rádio.
O mote da fase é o slogan “A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil em
uma nação bilíngue”, manifesto em dispositivos diversos: adesivos, outdoors, painéis,
panfletos, cartazes e banners digitais etc.
A designação dada a esta fase desperta interesse, pois é um nome pouco comum
para uma campanha publicitária. Segundo o @ulete digital30, manifesto significa:
sm.
1. Que se manifestou, manifestado
2. Declaração formal de intenções ou expressão pública (ger. por escrito) de ideias
políticas, estéticas etc.
3. Declaração que se faz por escrito e que se transmite de um Estado a outro oficialmente
por via diplomática
4. Inventário dos bens para fiscalização fazendária
29 O termo “conceito” em publicidade se refere à premissa, ao mote, isto é, ao diferencial da campanha. 30 Disponível em: http://www.aulete.com.br/manifesto. Acesso em: 10/11/2017.
63
5. Relação completa das mercadorias levadas por avião ou navio e que deve ser entregue
na alfândega antes do descarregamento
6. O documento em que constam quaisquer dessas relações
adj.
7. Que se mostra evidente, patente, claro; NOTÓRIO; INDISCUTÍVEL; INEGADO.
Ao refletirmos sobre o momento histórico (Capítulo 1) e sua relação com o que a Wizard
busca manifestar na fase inaugural da campanha, podemos aceitar como válidas as acepções
1, 2, 3 e 7. Soma-se a estes sentidos, o compromisso de ajudar o país por meio dos seus
serviços, conforme expresso nas palavras de Alexandre Max, Head de Marketing da Pearson
Brasil31, quando do lançamento da campanha:
A conquista do crescimento profissional é sem dúvida um dos grandes sonhos do brasileiro.
Esta conquista está diretamente ligada, nos dias de hoje, com a capacidade de se comunicar
em inglês. A Wizard assume como propósito esta missão: Ajudar o Brasil a se transformar
numa nação bilíngue.
Inferimos, então, que a “missão” de “transformar o Brasil em uma nação bilíngue”,
ou seja, possibilitar que tenha a “capacidade de se comunicar em inglês”, é devido ao fato
de a Wizard ter assumido o compromisso de “ajudar” o país, para que o brasileiro “conquiste
o crescimento profissional ... um dos [seus] grandes sonhos”. Assim, passamos à fase 2.
Fase 2: Entrega Resultados
Na segunda fase (2016), o processo foi semelhante ao da anterior: criação e
divulgação pela agência publicitária paulistana MultiSolution, com forte ação em mídia
digital, redes sociais, vinhetas e filmes/vídeos, cartazes, mobiles, painéis, outdoors etc.
Esta fase ganhou ainda outros contornos, ao contar com uma ampla ação de
merchandising em programas de TV. São programas televisivos populares que vão ao ar nos
períodos vespertino e noturno, como: Programa Eliana e Domingo Legal (SBT), A Tarde É
Sua, Luciana by Night e TV Fama (RedeTV), Hoje em Dia (Rede Record), Jogo Aberto (TV
Bandeirantes), Sport Center (SporTV), entre outros, cujos apresentadores “também foram
31 “Wizard lança campanha ‘Nação Bilíngue’ criada pela MultiSolution”. Grandes Nomes da Propaganda.
18/07/2014. Disponível em: http://grandesnomesdapropaganda.com.br/anunciantes/wizard-lanca-campanha-
nacao-bilingue-criada-pela-multisolution/. Acesso em: 04/2016.
64
desafiados a entrar para a nação bilíngue”32, fazendo as chamadas dos próprios programas
em língua inglesa. Tal como a anterior, nesta fase, o vídeo foi o protagonista, circulando nas
mídias de comunicação de massa (TV, rádio, redes sociais...).
Além dessa ampla ação em programas televisivos populares, foi criada também, em
parceria com a Rádio 89FM, a promoção “Cantation do Quem Não Faz Toma”33, uma
gincana na qual o(a) participante cadastrado(a) canta, por um minuto, uma música em língua
inglesa. O(a) vencedor(a) ganha uma bolsa de estudos em uma unidade da Wizard de sua
escolha. Salientamos que houve uma forte ação em mídias de comunicação de massa.
Na fase 1, propagou-se que, em dois anos de curso, o(a) estudante conquista um
certificado internacional ou a Wizard oferece aulas gratuitas para “chegar lá”, isto é,
conquistar o certificado TOEIC. Apoiado nessa promessa, a criação dos cinco vídeos
(retomados mais adiante) desta fase tiveram como foco o depoimento de cinco alunos da
Wizard — sendo duas moças, dois rapazes e um menino —, a respeito de suas motivações
pessoais e/ou profissionais para estudar inglês e como essa aprendizagem o(a) beneficiou,
ou seja, como a conquista do TOEIC o(a) ajudou a realizar sonhos.
Dito de outro modo, esta segunda fase tratou de “prestar contas” e apresentar à
comunidade os resultados dos dois anos de curso, argumentando favoravelmente ao seu
compromisso de ajudar o país (missão social), à sua metodologia de ensino, bem como à
fiabilidade da marca.
Chamamos a atenção, ainda, para um acontecimento importante ocorrido nas
vésperas do lançamento da Fase 3: em 24 de outubro de 2016, a Pearson anuncia a alteração
do nome da escola de idiomas, de “Wizard” para “Wizard by Pearson”. Por conseguinte, a
marca não só “incorporou o endosso da Pearson”, como também “implementou um novo
design, mais moderno e impactante”,34 ou seja, alterou toda a sua comunicação visual,
incluindo o logotipo, as fachadas das unidades e as páginas virtuais — websites, blogs,
32 “Wizard lança campanha de 2016 e confirma compromisso com criação da nação bilíngue”. Portal Fator
Brasil. 16/01/2016. Disponível em: http://www.revistafatorbrasil.com.br/ver_noticia.php?not=312318.
Acesso em: 04/2016. 33 “Cantation do Quem não faz toma”. Disponível em: http://www.radiorock.com.br/wizard/regulamento.
Acesso em: 01/11/2016. 34 “Wizard agora é ‘Wizard by Pearson’”. Pearson 24/10/2016. Disponível em:
https://br.pearson.com/imprensa/noticias/wizard-agora-e-_wizard-by-pearson.html. Acesso em: 25/10/16.
65
portais e redes sociais —, tornando homogênea, portanto, a identidade visual da Wizard com
a da Pearson.
Fase 3: Hino (We Are Wizard)
Na terceira fase (2016-2017), o processo de criação, produção e divulgação foi
igualmente executado pela agência publicitária paulistana MultiSolution, com forte ação em
mídias digitais, redes sociais, filmes/vídeos etc. Como a publicidade está sempre em busca
do ineditismo, houve novidades em relação às fases anteriores.
A Fase 3 trouxe a público um produto que não tinha recebido destaque nas fases
precedentes: o ensino de inglês para crianças; afinal, estas são a “alma do negócio”.
Provavelmente por isso, esta fase teve um lançamento duplo: 10 de dezembro de 2016, com
o filme para os jovens e adultos (Hino) sendo lançado durante os intervalos de uma novela
da Rede Globo e, em 12 de janeiro de 2017, o filme para as crianças (Wizkids), que segue
basicamente o roteiro de Hino, porém com crianças (3 a 5 anos de idade) interpretando, de
maneira lúdica, os papéis de alunos35.
Outra mudança significativa foi a baixa adesão ao material impresso (mobiles,
outdoors, busdoors...) e aos cartazes/banners digitais, em comparação às fases anteriores
(detalho essa mudança mais adiante). Nos seus lugares, foram produzidas três vinhetas (16
segundos de duração cada) abordando temas destacados no website da escola, como “Você
Bilíngue”, “Compromisso de Aprendizagem” e “Número Um”.
É possível que tal estratégia se deva ao fato de a campanha Nação Bilíngue já ser
conhecida, mas, principalmente, que se deva à proposta desta fase, como enfatiza Paulo
Voltolino36, VP da MultiSolution, “A bandeira #nacaobilingue vive um novo movimento,
por vocação e com propósito”; continua ele:
35 Informamos que a parte dedicada às crianças, o Wizkids, não compõe o corpus de referência; citamos apenas
com finalidades ilustrativas e informativas. 36 “Wizard by Pearson lança novo filme para ‘We are Wizard’ — Todos por uma Nação Bilíngue”. Grandes
Nomes da Propaganda 16/12/2016. Disponível em:
http://grandesnomesdapropaganda.com.br/anunciantes/wizard-by-pearson-lanca-novo-filme-para-we-are-
wizard-todos-por-uma-nacao-bilingue/. Acesso em: 20/12/2016.
66
Entramos na fase três da campanha e agora é o momento de uma grande convocação,
reforçar uma causa em favor da educação. Quanto mais bilíngue se torna um País, melhor
será sua condição sociocultural e a influência positiva na própria língua base.
Ou seja, essa “grande convocação” se dá em forma de canto/grito do Hino: o slogan “We
Are Wizard”, proferido no vídeo por dezenas de jovens. Por isso, os melhores resultados são
obtidos, naturalmente, através de vídeos/vinhetas, os quais englobam verbal, visual e áudio,
diferentemente de outras mídias.
Tal qual Manifesto, a designação dada à Fase 3 merece nossa atenção. Por isso,
recorremos novamente ao @ulete digital37, o qual indica que hino é
sm.
1. Canto em honra ou louvor à pátria, a clubes, colégios etc. (hino da Independência).
2. Poema ou cântico em louvor a Deus, ou a deuses, heróis etc.
3. Canção sacra, cantada ger. em algum ritual litúrgico.
4. Canção ou poema que exprime admiração ou entusiasmo por algo ou alguém: O poeta
escreveu hinos à sua amada.
5. Fig. Qualquer coisa que sirva para elogiar ou louvar: O canto dos pássaros é um hino ao
sol.
Conforme temos exposto até aqui, exceto a acepção 3, as demais estão em consonância com
o mote desta fase: “We are Wizard Todos por uma #nacaobilingue”.
Observe-se que Paulo Voltolino refere-se ao conceito #nacaobilingue como uma
“bandeira”: lema, emblema ou distintivo que norteia um grupo. Temos, desta forma, um
conjunto de palavras importantes: manifesto, missão, transformação, Brasil, nação bilíngue,
inglês, bandeira, convocação e hino. Note-se que o vocabulário é semelhante ao de um
chamado patriótico, militar e/ou religioso, o que nos leva a depreender alguns efeitos de
sentido. No entanto, deixemos as interpretações para o próximo capítulo.
Realizada a panorâmica da campanha Nação Bilíngue e seu conceito
#nacaobilingue, passemos à explicação da opção pela publicidade digital.
37 Disponível em: http://www.aulete.com.br/hino. Acesso em: 10/11/2017.
67
3.2 Por que digital?
Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista,
diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto.
(Saussure, 1916/2012)
Durante muito tempo, considerou-se o texto como uma sequência de frases dotadas
de sentido e indiferentes ao seu mídium38. Mais recentemente, com o aprimoramento do
audiovisual e o desenvolvimento da informática, o mídium passou a exercer um papel
crucial, uma vez que revolucionou a natureza dos textos e o seu modo de consumo: sua
difusão pode ser via oral, impressa, digital ou multimodal.
O mídium não é um mero “acessório”, nem um simples “meio” de transmissão do
discurso; ele impõe coerções sobre seus conteúdos e comanda os usos que dele podemos
fazer (MAINGUENEAU, 2013). Nesse sentido, o autor salienta que muitas mutações sociais
se manifestam através de um simples deslocamento midiológico, isto é, relativo ao mídium,
visto que “uma sociedade não se distingue das formas de comunicação que ela torna
possíveis e que a tornam possível” (op. cit., p. 82).
A partir dessa reflexão, algumas considerações são necessárias para justificar a
nossa opção por analisar o material publicitário digital e não o impresso. Uma delas é a
exploração dos meios digitais pela Wizard para comunicar-se com os estudantes, outra é
uma experiência que tivemos e as demais são de ordem pragmática, reflexo de um mundo
de interações globalizadas e cada vez mais pautadas pela cultura digital. Comecemos pela
historicidade da marca.
É importante registrar que, antes da venda para a Pearson em 2013, a Wizard já
explorava os meios digitais na relação escola-aluno e no ensino-aprendizagem, através de
website, redes sociais, plataformas e ferramentas digitais. Podemos citar como exemplo a
criação, em 2011, do WeSpeak (www.wespeak.com), uma rede social que promove a
interação, integração e comunicação entre estudantes de inglês, ou seja, já havia uma
38 Optamos por manter “mídium” (pl. mídiuns) para nos referirmos ao meio e suporte, devido aos critérios
adotados pelos tradutores da obra (MAINGUENEAU, 2013), segundo os quais, “por analogia à forma já
consagrada midiologia e pela existência de médium, forma já dicionarizada para se referir a outro conceito”.
68
“tradição digital” entre a Wizard e os estudantes, que posteriormente foi ampliada pelos
britânicos, ao passo que o acesso à internet foi também se democratizando no país.
Nos primórdios deste trabalho, em 2015, durante visitas a algumas unidades da
escola na capital paulista, notamos que seu material publicitário impresso (panfletos,
cartazes, adesivos...) direcionava o potencial aluno para a internet, com a finalidade de que
o interessado não só visitasse o website para obter mais informações sobre os cursos, como
também aderisse à marca nas redes sociais (“curta nossa página no Facebook”, “siga-nos no
Twitter/Instagram”, “Inscreva-se no nosso canal no Youtube”), ainda que não estivesse
matriculado. Esse apelo chamou a atenção para o protagonismo da internet nesse contexto
de mediação empresa-consumidor.
Optar pelo digital foi determinante também pela praticidade na obtenção dos dados.
Coletar as peças impressas, passado mais de um ano do lançamento da primeira fase (julho
de 2014), seria praticamente impossível, visto que era grande a chance de as unidades
visitadas já não as terem mais, o que eventualmente geraria uma lacuna na composição do
corpus. Recorremos, então, ao arquivo digital no momento da coleta.
Além disso, o conceito #nacaobilingue já revela a forte adesão da campanha aos
meios digitais. O caractere # (hashtag) — outrora uma popular representação gráfica para
“número” —, nas plataformas digitais, significa “tag”39, isto é, uma espécie de
rótulo/etiqueta ou palavra-chave que indica o conteúdo/tema da publicação em questão.
Mesmo que Nação Bilíngue circule em vários mídiuns, ela já foi concebida para protagonizar
nos meios digitais, onde a circulação é mais veloz (espalha-se mais rapidamente, atingindo
um número maior de pessoas), perdura (não está restrita a edições: diários, mensais,
semestrais...) e, sobretudo, onde se tem maior acesso ao público-alvo da Wizard: o jovem40,
que, via de regra, utiliza alguma rede social.
Note-se, aliás, que um slogan precedido de # é uma prática discursiva relativamente
recente, que pode ser empregado e ressignificado seja em contextos de caráter pessoal seja
em caráter coletivo, fenômeno que carece de estudos acadêmicos por uma abordagem
39 Cf. https://www.tecmundo.com.br/navegador/2051-o-que-e-tag-.htm. 40 Salientamos que a escola de idiomas Wizard oferece cursos a faixas etárias distintas. No entanto, só os jovens
(18 a 30 anos de idade) são contemplados nas imagens que compõem o corpus de referência.
69
enunciativo-discursiva41. E #nacaobilingue — cujo estatuto comercial mimetiza o slogan
militante para se legitimar e amenizar sua finalidade mercantil — resulta do engajamento
dos seus particitadores, membros da comunidade discursiva We Are Wizard. Isso vai ao
encontro, inclusive, da Noção de Hiperenunciador, discutida em capítulo precedente.
A propósito, a comunicação eletrônica via internet é “o traço mais distintivo da
atual fase da globalização [...] Ela se tornou o motor principal, que está dirigindo os
imperativos da economia, assim como as identidades culturais/linguísticas” (B.
KUMARAVADIVELU, 2006, p. 131). Nestes novos tempos, a internet revolucionou a
forma de as pessoas interagirem; seu protagonismo é atestado em números: segundo a
pesquisa Digital Future Focus Brazil 201542, os brasileiros gastam em média 650 horas por
mês conectados às redes sociais e 290 horas por mês acessando portais de notícias e páginas
de entretenimento.
Como buscamos elucidar no próximo capítulo, Língua Inglesa e cultura digital
(relações mediadas pela internet) são figuras de destaque no atual estágio de globalização;
esses elementos são encontrados ao longo de todo o corpus de referência.
Assim, passemos para o item seguinte, no qual descrevemos o processo/percurso e
a ferramenta utilizada para a coleta dos dados.
3.3 A coleta dos dados: procedimentos e ferramenta
Foram utilizados dois procedimentos para a coleta dos dados: as buscas no Google
e as visitas periódicas às páginas da escola. Por se priorizarem os dados digitais, o Google
foi uma ferramenta bastante utilizada. Digitava-se, na barra de buscas, “Wizard Nação
Bilíngue”, “Campanha Nação Bilíngue” ou mesmo “Escola Wizard Nação Bilíngue”. Em
41 Em Pequenas frases na política brasileira, francesa e anglo-saxônica (BARONAS et al., 2016), encontram-
se alguns estudos sobre o fenômeno pequenas frases precedidas de hashtags, que circulam nas redes sociais,
em prol de causas sociais, religiosas, políticas etc. 42 “Brasileiros gastam 650 horas por mês em redes sociais”. O Globo. 20/05/2015. Disponível em:
http://blogs.oglobo.globo.com/nas-redes/post/brasileiros-gastam-650-horas-por-mes-em-redes-sociais-
567026.html. Acesso em: 15/12/2016.
70
seguida, clicava-se na seção “Imagens” e depois em “Ferramentas”, onde se filtram, dentre
outros recursos, período e formato desejados na busca.
Esse percurso frequentemente nos direcionava para websites, blogs ou redes sociais
da própria Wizard. Por essa razão, o outro método foram as visitas periódicas às páginas da
escola de idiomas (websites, blogs das unidades e as três principais redes sociais: Facebook,
Twitter e Youtube — este para os vídeos), sem um intermediário, pois nem todas as
informações disponíveis nessas páginas são destacadas no buscador Google, provavelmente
devido a questões legais (direitos autorais).
Frisamos que a escola de idiomas Wizard, desde seu início, sempre investiu
maciçamente em seu Marketing, o que resultou em uma grande quantidade de material
publicitário disponível online. Por isso, restringimos a coleta de dados à campanha vigente
(Nação Bilíngue) e chegamos aos seguintes resultados:
• FASE 1 — Manifesto (2014-2015): foram coletados o vídeo e 23 peças,
entre as quais estão os cartazes temáticos sobre datas comemorativas (Dia
dos Pais, Dia das Mães, Independência do Brasil, dos EUA...), os cartazes
cujos enunciados fazem referência ao vídeo e um mapa com o Índice de
Proficiência em Inglês, que elenca os países mais fluentes nesse idioma.
Segundo o mapa, o Brasil ocupou a 38ª posição em 201343.
• FASE 2 — Entrega Resultados (2016): foram coletados os 5 vídeos e 15
peças, entre as quais estão os cartazes temáticos (Dia Internacional da
Mulher, Halloween, Olimpíadas 2016, Dia dos Professores...) e os cartazes
com fragmentos dos depoimentos de 5 alunos da Wizard (sendo dois
rapazes, duas moças e um menino), relatando como o certificado
internacional TOEIC ou como a aprendizagem da língua inglesa o(a) ajudou
a realizar sonhos pessoais e/ou profissionais. Note-se que, diferentemente
da fase anterior, na Fase 2 são cinco vídeos-disparadores, pois cada vídeo
corresponde ao depoimento de um(a) estudante.
43 Dos 70 países pesquisados em 2015, o Brasil ocupou a 41a posição; dos 72 países pesquisados em 2016, o
Brasil ocupou a 40ª posição, ou seja, uma classificação considerada baixa, insuficiente. Como de praxe, os
primeiros colocados são países ricos, tornado implícita a relação “mais fluência em inglês, mais próspera a
nação”. A divulgação e exploração desses dados ratificam a pertinência dos serviços das escolas de idiomas no
desenvolvimento do país. Informações disponíveis em: http://www.ef.com.br/epi/. Acesso em: 20/01/2017.
71
• FASE 3 — Hino (2016-2017): foram coletados o vídeo e, dada a diminuição
expressiva da publicidade em formato de cartazes/banners digitais, 12
peças, entre as quais estão as temáticas (Dia dos Namorados, Valentine’s
Day, Dia das Mães...), bem como as peças cujos enunciados se referem ao
vídeo-disparador da fase.
Realizada essa etapa de coleta do material digital, encontramo-nos com uma soma de 7
vídeos (30 a 45 segundos cada, o equivalente a 240 segundos em média) e 50 peças.
3.4 Constituição do corpus
Mesmo focando na campanha vigente, trata-se ainda de muito material. Tal fato, a
priori “assustador”, nos levou a adotar mais alguns critérios balizadores para o recorte dos
dados e a composição do corpus de referência.
Posto que Nação Bilíngue é a primeira campanha publicitária da Wizard sob a
direção do conglomerado britânico Pearson, seu lançamento é tomado como o marco inicial.
Mencionado no início do capítulo, ingressei no curso de Mestrado em janeiro de 2016. A
Fase 3 — Hino foi lançada em 12 de janeiro de 2017. O primeiro semestre de 2017
corresponde ao meu terceiro semestre no programa de Mestrado (2016-2017). Neste ponto,
adotamos o lançamento da Fase 3 como data-limite, isto é, critério de recorte.
Portanto, o recorte temporal do corpus de referência é entre os dias 18 de julho de
2014 e 12 de janeiro de 2017, período que compreende o lançamento das três primeiras fases
da campanha previamente apresentada.
Estabelecido o recorte temporal, resta-nos ainda estabelecer o formato/gênero do
discurso, visto que entre o material coletado há vídeos e cartazes/banners digitais.
Decidimos, então, analisar os cartazes e os banners digitais. Apesar de terem nomes distintos,
a única diferença entre eles é que o banner possui um “Uniform Resourse Locator” (código
URL) que, quando clicado, direciona o internauta para o endereço programado — no geral,
o website da empresa. Ademais, muitos dos cartazes digitais encontram-se hospedados em
banners rotativos.
72
Dois são os critérios que nos levaram à escolha: (i) a arte em sua composição é
(re)utilizada em outros gêneros do discurso, como adesivos, painéis, folhetos, outdoors etc.
Dito de outro modo, ao analisar os cartazes e banners, de alguma forma os outros gêneros
também são retomados, mesmo que implicitamente; (ii) sua circulação não se limita às
páginas da marca, pelo contrário, o banner digital circula nos websites com o maior tráfego
de internautas, os famosos pop-ups que surgem a todo momento na tela do dispositivo.
No entanto, ainda que nos limitamos a esse gênero do discurso e ao período
estipulado, analisar todos os cartazes/banners digitais coletados seria uma tarefa
incompatível com uma pesquisa de Mestrado.
Assim, adotamos mais um critério de recorte: analisar somente os cartazes/banners
digitais que estampam fragmentos destacados do texto-fonte de cada fase. Tal decisão se
deve ao fato de que, para atrair o clique do internauta, o enunciado do cartaz precisa ser
breve, pregnante, atrativo e condensar a ideologia da marca. Em outras palavras, trata-se de
Frases sem texto, noção que despertou meu interesse desde o início do curso de Mestrado e
que, como apontado na Introdução, ainda não tinha sido aplicada em textos publicitários de
institutos/escolas de idiomas.
Definidos os critérios de recorte, o processo de análise é executado em três etapas:
Identificação da fase, transcrição e análise do texto-fonte.
1. Identificação da fase
Nação Bilíngue tem como lançamento de suas três fases os seus respectivos vídeos-
disparadores, possibilitando que o seu conteúdo (tema, estilo, enunciados...) irradie para os
demais formatos, interligando-os. Dessa forma, os enunciados dos cartazes/banners se
referem a um texto-fonte, disponível em vídeo. Por meio da composição do banner (estilo,
enunciado, tema...) e do conteúdo do vídeo, é possível identificar a que fase pertence o dado
em análise.
2. Transcrição do texto-fonte
Identificada a relação de pertencimento dos dados, iniciamos o processo de
transcrição do texto-fonte. Essa transcrição não exige nenhum dígrafo, isto é, nenhuma
73
marca de transcrição de áudio, pois sua única função no trabalho é possibilitar a análise do
texto-fonte, terceira e última etapa.
3. Análise do texto-fonte
Retomando as palavras de Maingueneau (2014), não basta constatar que os
fragmentos foram destacados de um texto, é preciso considerar também como o fragmento
se apresenta no texto-fonte. A análise dos textos-fonte indica se os fragmentos destacados
apresentam algum índice de sobreasseveração ou se, ao serem extraídos, sofreram algum
tipo de modificação etc.
Embora fundamentais para a campanha Nação Bilíngue, salientamos que os vídeos
não compõem o corpus de referência, ou seja, não serão objetos de análise neste trabalho.
Recorremos a eles pura e simplesmente por causa dos textos-fonte, isto é, para sua
transcrição, sem a qual a análise proposta neste trabalho não seria possível.
É preciso observar também que a circulação desses cartazes e banners digitais não
anula a dos vídeos. Em alguns casos, como apontamos no próximo capítulo, eles podem
aparecer próximos, complementando-se.
Tal qual expresso no trecho em epígrafe, fomos estruturando a presente pesquisa de
acordo com as circunstâncias encontradas ao longo do caminho que fizemos — jogando um
pouco com a etimologia da palavra método / METHODOS /, formada a partir da justaposição
das palavras gregas meta e hodos.
Este capítulo teve o objetivo de apresentar a campanha publicitária Nação Bilíngue,
justificar a opção pelo material digital e descrever as etapas metodológicas de coleta dos
dados e de constituição do objeto de estudo. No capítulo seguinte, têm-se a descrição e a
análise do corpus de referência, a partir do que foi exposto anteriormente.
74
CAPÍTULO 4
DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
A definition of language is always, implicity or explicity,
a definition of human beings in the world.
(Raymond Williams, 1977)
... bem antes de servir para comunicar,
a linguagem serve para viver.
(Benveniste, 1976/2006)
Nos capítulos precedentes, contextualizamos a pesquisa, apresentamos o quadro
teórico-metodológico que baliza as nossas reflexões e constituímos o objeto de estudo. Neste
capítulo, encontram-se a descrição e a análise do corpus de referência. A fim de acompanhar
o encadeamento da campanha publicitária Nação Bilíngue (sua inter-relação, o que cada fase
tem por objetivo..., tal qual apresentada anteriormente), seguiremos a ordem cronológica dos
lançamentos de cada uma das fases. Sendo assim, inauguramos o capítulo pela Fase 1 —
Manifesto.
75
4.1 A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil numa nação bilíngue
Figura 1.
Fonte: Portal Wizard Santa Catarina. Disponível em: http://portalwizardsc.com.br/.
Acesso em: 22/11/2015.
A Figura 1 pertence à Fase 1 — Manifesto, cujo lançamento data 18 de julho de
2014, com abrangência em todo o território brasileiro. É uma das peças mais importantes da
campanha, tanto que há um exemplar exposto na entrada da sede da empresa, em Campinas
— São Paulo (Cf. http://www.wizard.com.br/sobre-wizard/).
Trata-se de um cartaz digital posicionado horizontalmente em um banner rotativo,
isto é, que compartilha o espaço com outros cartazes, destacando-se a cada 10 segundos.
Sobre um fundo cinza claro, aparentando neutralidade, encontram-se os elementos verbais e
não verbais que o constituem.
Na parte superior, da esquerda para o centro, dividido em três linhas, em fonte
tipográfica Calibri Light preta e negritada, encontra-se o enunciado verbal mais saliente
76
A Wizard tem uma missão:
transformar o Brasil
em uma nação bilíngue.
Na parte inferior à esquerda, logo abaixo desse enunciado, tem-se o logotipo da
escola: a silhueta de uma cabeça de águia (alternando entre traços finos e delicados e traços
grossos), nas cores azul e vermelha, tornado para a direita, com o semblante determinado,
concentrado e sério, como se a ave estivesse em pleno voo de caça. Abaixo está grafado o
nome da instituição, “Wizard”, com letras azul escuro, garrafais e italicizadas; e, em seguida,
o slogan “Você Bilíngue”, em azul e tipografia versalete, com o V, de “você”, capitalizado.
Na parte central e inferior do cartaz, à direita do logotipo, tem-se um retângulo azul
em que se lê “SAIBA MAIS” em caixa alta e fonte Calibri branca, que, ao ser clicado,
direciona o(a) internauta para uma página específica do website da escola, onde se pode
obter mais informações sobre a campanha publicitária.
O globo terrestre, estendido na parte central e à direita do cartaz, tem as cores azul
(na parte dos oceanos Atlântico e Pacífico), verde e cinza (nos continentes) e cinza e branca,
variando para colorir as representações de nuvens. A imagem do globo destaca o continente
americano, focando o sul-americano, onde está o Brasil, sobre cujo território e arredores
pairam algumas nuvens e uma sombra nas proximidades (ao leste), como se fosse o fim de
tarde de um dia parcialmente nublado. No lado oposto, esquerdo e superior do globo, onde
se encontram os continentes América Central e a costa leste da América do Norte, há poucas
nuvens e muita luz, como se fosse meio-dia de um dia bem ensolarado. Sobre essa imagem
do globo terrestre, tem-se o conceito da campanha, “#nacaobilingue”, com o sombreado
preto, em letras vermelhas destacadas em negrito — com o tom mais escuro na parte inferior
e mais claro na parte superior. Esse conceito extrapola os limites do globo terrestre e passa
sobre o continente sul-americano.
Numa primeira leitura da Figura 1, pode-se indagar qual seria a outra língua que,
junto com a portuguesa, tornaria o Brasil uma nação bilíngue, visto que a Wizard oferece
cursos em oito idiomas. Embora o enunciado mais saliente não marque verbalmente, é
possível depreender a produção de efeitos de sentido por meio do contexto sócio-histórico e
da integração dos elementos verbais e visuais. Por isso, analisamos cada um desses
elementos e, em seguida, a Figura 1 como uma unidade discursiva. Iniciemos pelo logotipo.
77
O logotipo de uma empresa é sua assinatura e identidade visual, que distingue a
marca das demais. Por tratar-se de uma empresa, o logotipo exerce função semelhante à do
rosto humano (fotografia, busto, desenho...) durante a identificação. O da Wizard é
constituído por três elementos: a silhueta da cabeça da Águia de cabeça branca (Bald Eagle,
em inglês), o nome da instituição e o slogan “Você Bilíngue”.
Ainda que a águia conste na mitologia grega e seja um símbolo em outras grandes
civilizações humanas, o uso pela Wizard está relacionado aos Estados Unidos da América.
Sustentamos esse argumento com base em três evidências: o ensino da língua inglesa é o
principal produto da escola de idiomas Wizard; as cores vermelha e azul do logotipo levam
os mesmos tons de vermelho e azul da bandeira estadunidense; essa espécie de águia —
também conhecida como “águia-americana” — é o animal símbolo dos EUA, país onde
Carlos Martins (fundador e figura mais proeminente da escola) morou, estudou e
desenvolveu-se profissionalmente (vide capítulo 1), e com o qual mantém uma relação bem
próxima, a ponto de visitá-lo periodicamente.
A águia de cabeça branca é símbolo de poder, força, autoridade e coragem. Por ser
muito ágil, precisa e de natureza predatória, é conhecida como a rainha das aves. Ela tem
sua imagem constantemente relacionada a deidade, realeza e liderança, pois sua acuidade
visual lhe permite tanto fitar o sol diretamente quanto localizar a presa à distância, ou seja,
é uma metáfora recorrente nos discursos financeiros, administrativos, econômicos e afins,
que apreciam tais características em seus atores sociais, a ponto de lhes traçar o perfil
baseado nas características da ave, além de estabelecer uma identificação com o estudante
que almeja tais status e posição social (voos altos).
Para algumas culturas norte-americanas, essa águia é reverenciada como o “reflexo
do espírito da nação”, inspirando orgulho e sentimento de liberdade nos seus cidadãos44. Por
conta dessa adoração, sua imagem está presente em prédios públicos, no brasão e em
documentos oficiais dos EUA45. Em tempos de imperialismo norte-americano e hegemonia
neoliberal, sustentamos que a imagem dessa águia representa também o zeitgeist, isto é, o
espírito de nossa época.
44 Bald Eagle. Disponível em: http://www.baldeagleinfo.com/eagle/eagle9.html. Acesso em: 25/01/2017 45 Wikipedia. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Bald_eagle. Acesso em: 25/01/2017.
78
Inferimos, apoiados nesse simbolismo, que a silhueta da cabeça de uma Águia de
Cabeça Branca, no universo Wizard, diz respeito à sua postura empresarial, com seriedade,
paciência e ética, sempre olhando para o futuro (para a frente/direita), mas também que serve
de metáfora para a língua inglesa, a partir da qual o estudante tem acesso a “altos voos”, à
“liberdade”, a uma visão de longo prazo (futuro) que o aprendizado da língua inglesa pode
propiciar, bem como ao intelecto, ao raciocínio, visto que o destaque está na cabeça da ave,
em seu rosto [“(...) no imaginário profundo, a sede do pensamento e de valores
transcendentais” (MAINGUENEAU, 2014, p. 46)].
Completa-se o logotipo com o slogan “Você Bilíngue”, um predicado nominal sem
verbo, constituído de um dêitico e uma oração relativa. Trata-se de uma frase generalizante,
“[...] completa em si mesma e que se esquiva de uma localização temporal ou modal, fora
da subjetividade do locutor” (BENVENISTE, 1966 apud MAINGUENEAU, 2014, p. 29),
ou seja, é uma frase que escapa à órbita textual, destacada par excellence.
Observe-se que o logotipo tem a silhueta da águia voltado para o globo terrestre. O
globo, posicionado do lado direito da Figura 1, também contribui para a produção de efeitos
de sentido. Visto no primeiro capítulo, a globalização atingiu seu ápice nas décadas finais
do século XX, extinguindo boa parte das fronteiras nacionais e integrando as mais diferentes
nações e culturas.
Nesse cenário, o inglês se impôs como a língua comum a todas as nações que se
integram política, econômica e culturalmente. Dessa forma, o apelo, ou melhor, a apologia
ao bilinguismo Português-Inglês em Nação Bilíngue é axiomático, sobretudo porque é
proposto por uma empresa brasileira sob a direção de anglo-saxões, oriundos de um país
cujo idioma é o inglês; logo, inserido no mundo globalizado e especialista no “know-how”.
Repare-se que a presença do globo terrestre no cartaz reafirma a necessidade de se
aprender a Língua Inglesa, construída discursivamente como a chave que abre as portas para
o mundo globalizado ou mesmo como sua aprendizagem é uma espécie de “guardião” das
posições socialmente prestigiadas.
Outro elemento de suma importância no mundo globalizado moderno é a
comunicação via internet, isto é, aplicativos vários e redes sociais, representada pelo
conceito da campanha: #nacaobilingue. Bem como a língua inglesa, a comunicação via
79
internet é utilizada tanto para fins político-econômicos quanto culturais, conectando e
integrando as mais diversas culturas em torno de um objetivo comum. Para ambas, as
fronteiras nacionais estão mais tênues. O mesmo se dá com a noção de espaço-tempo: através
de uma chamada de vídeo, por exemplo, um cidadão no Brasil pode participar de uma
reunião com pessoas que estão em diferentes partes do mundo sem qualquer dificuldade.
A globalização é representada pelo globo terrestre, que evidencia a forte relação
entre a língua inglesa e a comunicação via internet: ambas utilizadas como ferramentas para
conectar, integrar e globalizar culturas e nações. E a “luz”, uma espécie de farol, ascendente
na costa leste da América do Norte, chamando a atenção para a região, pode representar,
metaforicamente, um exemplo a seguir, o “novo”, o caminho “correto” ou “guia”, isto é, o
oposto às trevas: retrógrado, bárbaro, incivilizado.
Para além dessas alegorias, essa claridade evoca a memória discursiva e remete ao
Iluminismo, movimento intelectual do século XVIII em que se preconizava a razão.
Ressalta-se que esse movimento foi um dos alicerces da Declaração de Independência dos
EUA (1776), festejada anualmente nas mais de 1.200 unidades da Wizard.
Por fim, temos o enunciado verbal mais saliente da Figura 1. Em “A Wizard tem
uma missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue”, não se indicam a priori as figuras
correlatas de enunciador e coenunciador. Trata-se de uma sentença. No entanto, pautado por
uma relativa estabilidade do gênero, ainda que o discurso publicitário seja entendido aqui
como mimotópico, a presença do logotipo nos entornos do enunciado indica o locutor.
Num primeiro momento, o logotipo abaixo do enunciado nos leva a inferir que a
Wizard é a instância enunciadora e, de mesmo modo, ainda que vagamente, por se tratar de
uma escola de idiomas, tanto os alunos quanto os potenciais alunos na figura de
coenunciador, visto que a publicidade é uma comunicação de massa. Mas aqui nos
deparamos ainda com outra questão: o enunciado está no plano desembreado.
“A Wizard tem uma missão:” é constituído de uma não pessoa do discurso —
segundo a nomenclatura de Benveniste (1976/2006) — e de um presente não dêitico, o que
não permite determinar o aqui-agora, pois não há ancoragem numa situação de enunciação.
Tal astúcia enunciativa permite ao enunciado ser retomado em qualquer contexto e por
80
qualquer enunciador; ademais, produz também um efeito de verdade/fato, visto que a
proposição não sofre a interferência de uma instância subjetiva.
Note-se que a não ancoragem numa situação de enunciação específica e o caráter
generalizante e sentencioso são características de um enunciado desembreado, mas também
de um regime enunciativo que Maingueneau (2014; 2015) denomina aforizante.
“A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue” é uma
frase sem texto, isto é, um fragmento destacado de um texto que circula com certa autonomia,
pois foi aforizado. A aforização, quando destacada de seu texto original, entra numa lógica
de discurso direto; assim, as aspas desempenham um papel crucial para atestar a real
existência de uma aforização (MAINGUENEAU, 2014). No entanto, esse enunciado é posto
em circulação sem as aspas e tem seu estatuto alçado a uma aforização primária,
precisamente um slogan comercial. Na medida em que o enunciado é alçado à aforização, a
Wizard de enunciadora é alçada à sua aforizadora.
Concebido para ser repetido o máximo possível e conquistar a adesão do Outro, o
slogan se caracteriza por ser uma particitação de grupo e, principalmente, por implicar a
existência de um hiperenunciador que o sustém. Neste caso, por se tratar de um slogan
publicitário, “A Wizard tem uma missão:...” implica a existência de uma marca como
hiperenunciador: a Wizard, a maior escola de idiomas do mundo, cujo lugar de destaque no
cenário educacional brasileiro (ensino de inglês) foi fundamental para que esse slogan
circulasse, como publicidade, em nível “pandêmico”, isto é, simultaneamente em mídias de
comunicação de massa (redes sociais46, televisão, painéis, rádio, jornais, revistas e outdoors)
durante determinado período.
Deve-se observar que, embora esse slogan circule com certo grau de autonomia em
relação ao seu texto-fonte, o vídeo Manifesto igualmente circulou nas mídias de
comunicação de massa, nos horários nobres da televisão e do rádio. Por isso, chamamos
atenção para o fato de a Figura 1 circular em um raio maior que as demais Figuras, pois seu
enunciado apresenta um nível mínimo de alteração, quando comparado ao fragmento-fonte
(retomado mais adiante).
46 Conforme apresentado no capítulo 3. Procedimentos Metodológicos, foram consultadas as três principais
redes sociais: Facebook, Twitter e Youtube.
81
O slogan “A Wizard tem uma missão:...” extrapolou as fronteiras da marca. Pode-
se encontrá-lo em revistas e websites especializados em publicidade e propaganda, jornais
de grande e média circulação, tema de blogs pessoais e de discussões em fóruns online etc.,
mas sobretudo em publicações da própria escola de idiomas nas suas páginas digitais (blogs,
websites, redes sociais...), as quais são comentadas e/ou compartilhadas por milhares de
internautas, amplificando a circulação do enunciado.
À medida que o slogan viraliza, convocam-se novos membros a aderir à missão de
implantar o bilinguismo no Brasil. Esse posicionamento está em consonância com um tema
bastante atual para os brasileiros: saber se comunicar em inglês. Tema esse que, inclusive, é
diariamente fomentado pela avalanche publicística de institutos/escolas de idiomas, que
frisam e martelam a todo momento o quão essencial é o inglês, a língua da globalização e
das posições socialmente prestigiadas. Nesse sentido, destaca-se a influência da publicidade
na sociedade e sua correlação com a demanda pelo idioma.
A Wizard se coloca como o agente da missão de “transformar”, bem como a
instância que tanto legitima o enunciar do slogan quanto determina os valores éticos, um
modo de os membros da comunidade discursiva habitar o mundo. Maingueneau (2014, p.
77-78) afirma que os valores atribuídos ao hiperenunciador “não podem mascarar totalmente
as finalidades puramente mercantis que são sua condição de existência” e que, por isso, as
empresas lançam mão de “estratégias” enunciativas nos seus textos publicitários com vistas
a “eufemizar esse vício original”.
Sobressai-se, então, a mimotopia do discurso publicitário. Enquanto uma empresa,
a Wizard está inscrita numa esfera da atividade humana: a educação privada, cuja finalidade
é o lucro, seu meio de sobrevivência. Para legitimar o enunciado comercial e atenuar seus
fins, “A Wizard tem uma missão...” se passa por um slogan militante, posicionando-se em
prol do desenvolvimento da nação por meio da implementação da língua inglesa.
Caso não houvesse ou fosse substituído o nome “Wizard”, esse enunciado simularia
facilmente um slogan de uma nação indígena, por exemplo, que reivindica seu lugar na
história do país. Repare-se também que, diferentemente da grande maioria dos textos
publicitários, o slogan ora analisado não recorre à função conativa (apelativa), os
tradicionais verbos no modo imperativo, relacionados à venda (compre, peça, tenha, use,
seja...). Em outras palavras, ele simula ser uma não publicidade.
82
Nesse processo de metamorfose, o slogan comercial mobilizou, através de uma rede
interdiscursiva, outros discursos além do pedagógico/educacional e do corporativo/
empresarial, como o político, jurídico, cultural etc., pois é sabido que um discurso nunca se
encontra isolado, mas na relação com outro(s) discurso(s).
Ao imitar um slogan militante, favorável à educação, pode-se, numa primeira
leitura, crer que a missão de transformar o Brasil em uma nação bilíngue deve-se ao fato de
o sistema educacional brasileiro, sobretudo o público, estar entre os piores nos rankings
internacionais. Assim, a melhora da educação daria uma guinada na economia do país (em
desenvolvimento), visto que os países desenvolvidos apresentam altos índices de fluência
em língua inglesa.
De fato, o domínio dessa língua está entre as premissas básicas para se conseguir
uma posição prestigiada no mercado de trabalho nacional. Entretanto, mesmo que o slogan
simule ser uma não publicidade, a constituição mesma da Figura 1 (um cartaz publicitário
com elementos que identificam a marca) estabelece uma relação diferente com o
coenunciador, ainda que sutilmente.
Trata-se de uma asserção: para inserir-se no mundo globalizado, o Brasil precisa
melhorar seus índices de fluência em inglês; um caminho é adotar o idioma como sua
segunda língua, estreitando as relações com os países desenvolvidos. Nesse quesito, a
Wizard tem a “missão” (corporativa) de transformá-lo, ou seja, a empresa está disposta a
“ajudar” o país com a prestação de seus serviços. O efeito de sentido de “benfeitoria” logo
esmorece, quando confrontado com o contexto sócio-histórico.
Essa missão de transformar o Brasil implica também questões de outra ordem, por
exemplo: quem se beneficia(ria) com essa transformação e a que custo?
Ancorada no momento histórico de hegemonia neoliberal, isto é, em que as
sociedades estão cada vez mais submetidas à batuta do maestro Mercado, a reflexão acima
desvela que não se trata apenas da finalidade “puramente mercantil”. Vai além. Implica uma
série de mudanças sociais que, em última análise, resulta em expansão de poder para
determinado(s) grupo(s). Subjacente à aparente preocupação com o futuro da educação e
com o desenvolvimento do Brasil, encontra-se um movimento expansivista de um nicho
83
mercadológico bilionário do ensino de língua inglesa47, do qual o conglomerado britânico
Pearson é o líder mundial.
Para isso, o enunciador faz mais do que persuadir pelos argumentos; ele explora o
seu mundo ético, o seu modo de dizer, que também é um modo de ser, de habitar o mundo,
para que o coenunciador possa aderir ao seu posicionamento.
Em “A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue”,
depreende-se uma vocalidade, manifesta por meio de alguns tons: assumir uma missão dessa
magnitude exige do enunciador coragem, determinação, compromisso e planejamento, uma
vez que tal missão não se encerra em algo trivial. Some-se a isso a simbologia da águia,
apresentada anteriormente: natureza de predador, constantemente relacionada à deidade,
realeza e sagacidade.
A enunciação desse slogan confirma o ethos pré-discursivo da Wizard, isto é, sua
representação prévia de uma empresa grandiosa, eficiente, engajada e vencedora, que
superou sua concorrência, conquistando a liderança do mercado de ensino de inglês e,
sobretudo, por estar vinculada a uma realeza imperial (os britânicos da Pearson).
Tais características conferem ao fiador do texto uma corporalidade (robustez,
grandiosidade) e um caráter (competitivo, determinado, corajoso) que se relacionam ao
mundo ético dos sagazes homens de negócios, que prezam a excelência, a novidade e que
devem estar sempre atentos, em busca de novos desafios (missões e transformações).
Desse modo, a incorporação do coenunciador, que visa a atingir esse status social
por meio do aprendizado da língua inglesa, ocorre porque o fiador dá acesso a esse mundo
ético dos homens de negócios, com base em estereótipos validados e amplamente divulgados
nas publicidades de institutos/escolas de inglês: “o profissional fluente em inglês tem o
salário maior...”, entre outros, discutidos ao longo deste capítulo.
47 Quando da aquisição do Grupo Multi (Wizard, Yazigi, Skill, Microlins...) pelos britânicos da Pearson, em
2013, dizia-se que o Brasil era o 4º maior mercado para o idioma inglês no mundo: avaliado em R$ 7 bilhões
por ano, num total de 2,8 milhões de estudantes, com uma demanda crescente, conforme o país se preparava
para sediar os eventos esportivos internacionais, como a Copa do Mundo 2014 e as Olímpiadas 2016. Cf.
Reuters Brasil. 03/12/2013. Disponível em:
http://br.reuters.com/article/businessNews/idBRSPE9B200420131203?sp=true.
84
Se, até o momento, mostramos que o slogan da Figura 1 foi destacado de um texto-
fonte, circulou por diversos mídiuns e gêneros de discurso etc., faz-se necessário analisar de
onde esse enunciado foi extraído, ou seja, o seu texto original (vídeo Manifesto).
Só a maior escola de idiomas do Brasil, presente em 5 países, com uma metodologia
exclusiva voltada ao perfil de cada aluno, pode te levar aonde você sonha chegar. Sabendo
do tamanho desse sonho, [1 e 2] a Wizard tem uma missão: transformar o Brasil em uma
nação bilíngue. [3] Acreditamos tanto nisso, que em dois anos de curso você conquista um
certificado internacional ou a Wizard oferece aulas gratuitas para você chegar lá. Só quem
confia tanto na própria metodologia e no sonho de um Brasil melhor pode selar um
compromisso do tamanho de uma nação. WIZARD, por uma nação bilíngue.48
Ao analisar o texto-fonte, nota-se que o enunciado “A Wizard tem uma missão:
transformar o Brasil em uma nação bilíngue” é um fragmento sobreasseverado, pois
corresponde a, no mínimo, duas das marcas discutidas anteriormente: é autônomo, tem valor
generalizante e é introduzido por uma retomada categorizante (“Sabendo do tamanho desse
sonho”). Além desses índices de destacabilidade, é um enunciado pregnante, cujo caráter
sentencioso condensa a ideologia e sintetiza o objetivo da campanha publicitária. Em outras
palavras, é um fragmento que “constitui uma tomada de posição do enunciador sobre uma
questão polêmica” (MAINGUENEAU, 2014, p. 15).
Em relação ao tipo de destacamento, nota-se que o enunciado destacado se dá em
uma peça avulsa, cuja circulação é independente da do texto-fonte, ao qual o leitor não tem
acesso de imediato, pois está disponível num vídeo específico, noutra plataforma. Assim, a
menos que o leitor/internauta se proponha a investigar o enunciado para fins específicos,
raramente se encontram juntos o texto-fonte e a Figura 1.
Por essa razão, mesmo que a Figura 1 esteja numa lógica de “gancho” ou manchete
da imprensa, isto é, mesmo que seja breve e sedutor o suficiente para atrair a atenção ou o
clique do internauta e convencê-lo a acessar o website da Wizard para mais informações
48 Wizard Nação Bilíngue. Manifesto. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=i9e-j_GDzUk.
Acesso em: 22/11/2015.
OBSERVAÇÃO: o texto ora transcrito, sem nenhum dígrafo (marca de transcrição), refere-se ao vídeo-
disparador da Fase 1 — Manifesto, conforme descrevemos no capítulo anterior. Este é o texto-fonte das Figuras
1, 2 e 3. Os números entre colchetes [1, 2 e 3] indicam o fragmento referente à Figura em análise. Com isso,
evitamos a retomada do texto-fonte durante a análise das Figuras 2 e 3, que são da mesma fase.
85
sobre a campanha, podemos inferir que se trata de um destacamento forte, já que implica
uma, mesmo que breve, pesquisa por parte do internauta.
Quanto às alterações, ao comparar o fragmento-fonte com o destacado, nota-se que
o nível de modificação é mínimo, e justificado. Maingueneau (2014) observa que quando os
enunciados destacados decorrem de fragmentos fortemente sobreasseverados, as alterações
tendem a ser menos importantes. No texto-fonte, “A Wizard tem uma missão...” é precedido
da retomada causativa “Sabendo do tamanho desse sonho,” e está posposto a uma vírgula.
Nesses casos, é natural a supressão da retomada, sobretudo em textos publicitários, dadas
suas coerções espaciotemporais. Quanto à capitalização do determinante a, justifica-se
porque inicia um período, obedecendo às normas gramaticais da Língua Portuguesa, que
preconizam letra maiúscula em início de frases.
86
4.2 Temos uma MISSÃO: transformar o BRASIL
Figura 2.
Fonte: Wizard Maringá. Disponível em: http://wizardmaringa.com.br/nacao-bilingue/.
Acesso em: 22/11/2015.
A Figura 2 pertence à Fase 1 — Manifesto, lançada em 18 de julho de 2014, com
abrangência em todo o território brasileiro. Sua importância para o corpus se dá pelos
discursos acionados em sua composição.
Trata-se de um cartaz digital posicionado horizontalmente na parte superior do
website da unidade Wizard Maringá (interior do estado do Paraná) onde o(a) internauta
interessado(a) preenche um formulário para se matricular (e ganhar 20% de desconto) no
curso. Vale mencionar que acima desse cartaz encontra-se, em caixa alta, o enunciado “SÓ
A MAIOR ESCOLA DE IDIOMAS DO BRASIL, PRESENTE EM 5 PAÍSES, COM UMA
METODOLOGIA EXCLUSIVA E EFICIENTE49 VOLTADA AO PERFIL DE CADA
49 A título de informação, perceba-se a inserção de “E EFICIENTE” no enunciado, quando comparado ao texto-
fonte (vídeo Manifesto).
87
ALUNO, PODE TE LEVAR AONDE VOCÊ SONHA CHEGAR”. E, após o formulário,
ou seja, na parte inferior da página, encontra-se o vídeo Manifesto, o disparador da fase
homônima, com a legenda “CONFIRA O FILME DA CAMPANHA”.
A Figura 2 é uma fotografia colorida do Morro do Corcovado, um dos pontos
turísticos mais famosos do mundo, mas principalmente o ponto mais famoso do Rio de
Janeiro, porque comporta o maior símbolo do cristianismo no Brasil: o Cristo Redentor. A
foto, batida à distância, enquadra também as montanhas ao redor do Morro e o pôr-do-sol na
Cidade Maravilhosa. Por ter sido batida contra o Sol, a fotografia captura a imagem de Cristo
e do Morro no escuro; seu foco inclinado — o ponto de vista do(a) fotógrafo(a) é o de alguém
em nível inferior —, de baixo “olhando” para o alto, buscando a imagem cristã situada no
cume do Morro, o que produz o efeito de sentido de que há uma distância a percorrer, mas
que o objetivo é visível e, portanto, tangível. À direita da imagem cristã, contam-se algumas
antenas grandes, sincretismo da natureza e da ação humana. Em primeiro plano sobre a
paisagem retratada, uma imagem simultaneamente bucólica e citadina, encontram-se os
elementos verbais e visuais que constituem a figura.
Na parte superior, da esquerda para o centro, dividido em duas linhas desalinhadas,
em fonte tipográfica Calibri Light (em negrito) azul e vermelha, está o enunciado verbal
mais saliente:
Temos uma (em azul) MISSÃO: (em vermelho)
transformar o BRASIL (em azul)
logo abaixo desse enunciado, tem-se o globo terrestre e o conceito da campanha:
#nacaobilingue (previamente descritos e analisados na Figura 1).
Do centro para a direta da imagem, precisamente na base do Morro do Corcovado,
está um retângulo de margens brancas, onde se lê, no modo imperativo, “FAÇA PARTE
DESSA NAÇÃO”, em fonte Calibri em caixa alta, branca e negritada.
É sugestiva a localização do enunciado “FAÇA PARTE DESSA NAÇÃO”, pois
está no sopé do Morro, representando visualmente que o(a) estudante comece por baixo —
o primeiro passo é matricular-se em um curso de inglês na Wizard, que lhe auxilia nessa
caminhada — e vá subindo gradativamente até alcançar o cume/sucesso.
88
Nesse sentido, é perceptível o apelo à figura onipotente de Cristo, no alto e de
braços abertos, enquanto o cidadão olha em direção ao céu, onde Ele está. Logo se estabelece
a relação do Salvador (em nível superior) e o humano (em nível inferior), rogando por
redenção, possível somente através do Messias. Estamos aqui diante de uma cena validada50
e legitimada em culturas cristãs.
A imagem de Jesus Cristo no topo de uma montanha evoca, consequentemente, um
dos discursos mais emblemáticos do Novo Testamento, narrado pelo evangelista Mateus
(capítulos 5-7): o Sermão da Montanha. Em linhas gerais, dirigindo-se aos seus discípulos,
Cristo discorre sobre seus ensinamentos (moral, padrões de comportamento etc.), um estilo
de vida capaz de conduzir o ser-humano ao Reino de Deus.
Aproveitando essa simbologia cristã fortemente marcada na Figura (e nada
fortuita), podemos estendê-la ao papel de “messias” que o idioma inglês tem desempenhado
nas últimas décadas no Brasil, isto é, falar inglês tem sido alçado como o principal meio de
ser bem-sucedido pessoal e profissionalmente, segundo a publicidade de institutos/escolas
de idiomas, como a campanha Nação Bilíngue, por exemplo.
Essa conexão entre inglês e religião, cristianismo mais exatamente, remete-nos
tanto às origens da própria escola de idiomas Wizard (quando seu fundador regressou ao
Brasil após participar de duas missões evangelizadoras capitaneadas por uma igreja norte-
americana) quanto ao expansionismo do império britânico e, mormente, de sua língua. Não
por acaso, o povo inglês tem como padroeiro uma das mais estimadas personagens do
cristianismo: o guerreiro São Jorge51. Em analogia ao seu mito mais famoso, podemos
associar a Inglaterra a São Jorge e o “dragão” a tudo que não é europeu, destacando-se a
missão assumida pela Grã-Bretanha de civilizar (“salvar”) o mundo.
Como salientado em Pennycook e Coutand-Marin (2003), Pennycook e Makoni
(2005), dentre outros, congregar língua inglesa e religião tem se mostrado uma tarefa
triunfante, pois em muitas partes do mundo o inglês ainda funciona como uma “língua
50 Aqui adotamos o conceito de Maingueneau (2013), que as define como cenas “... já instaladas na memória
discursiva coletiva”, estereotipadas tanto positiva quanto negativamente e que estão “disponíveis para
reinvestimentos em outros textos” (p. 102). 51 “Quem é o Santo Padroeiro da Inglaterra?” Disponível em: http://molhoingles.com/sao-jorge-padroieiro-da-
inglaterra/. Acesso em: 05/08/2017.
89
missionária”, isto é, como um instrumento de catequização: torna-se bilíngue (vernáculo e
inglês) convertendo-se ao cristianismo e torna-se cristão aprendendo inglês.
No Brasil, um país de predominância cristã (herança do colonialismo português),
essa “conversão” não se refere propriamente à religião, mas a um estilo de vida, a um status
social de prestígio e poder que, crê-se, o domínio da língua inglesa pode proporcionar aos
seus falantes. Dito de outro modo, seja “vinde a mim, todos os que estais cansados e
oprimidos, e eu vos aliviarei” (MATEUS, 11, 28), seja “FAÇA PARTE DESSA NAÇÃO”,
está-se diante de um chamado, de uma convocação, caso se almeje redenção/sucesso.
Tal convocação ocorre em dois planos: no visual (forte referência ao discurso
religioso); e no verbal, o enunciado mais saliente da Figura 2, no qual se lê “Temos uma
MISSÃO: transformar o BRASIL”. A priori, esse enunciado chama a atenção pela sua
ambiguidade, que provoca no leitor um esforço mental na tentativa de depreender os efeitos
de sentido da mensagem.
Observe-se que, num primeiro momento, não fica claro a quem se dirige esse nós
de “Temos” (nós da Wizard-Pearson? nós brasileiros? nós estrangeiros? nós quem
exatamente?); nem fica claro em que ou como “transformar o Brasil”.
Nesse caso, alguns indícios auxiliam a compreensão do enunciado: a falta de
pontuação no final da frase; a correlação do verbal e visual — globo terrestre nas suas
adjacências; e a falta de menção à Wizard na Figura 2.
Embora composto em estilo telegráfico, o complemento de “transformar o
BRASIL” é “#nacaobilingue”, o conceito da campanha e a tag da comunidade discursiva
We Are Wizard52. O conceito exerce dupla função no enunciado, pois é associado também
aos coenunciadores em (Wizard e quem adere à marca: nós) “Temos uma MISSÃO”. Essa
leitura é possível a partir do texto-fonte, onde o fragmento original indica a Wizard como a
instância que assume tal missão e, ao mesmo tempo, a falta de menção à escola de idiomas
na figura.
52 A comunidade discursiva We Are Wizard é constituída pela escola de idiomas, seus alunos e simpatizantes,
que interagem internamente (aulas, eventos organizados pela escola...) e digitalmente por meio de
#nacaobilingue, seja comentando seja compartilhando algum conteúdo de seu interesse. Na página institucional
da Wizard, há uma aba exclusiva: http://www.wizard.com.br/nacaobilingue/.
90
Importante observar que, mesmo não pertencendo à comunidade We are Wizard, o
internauta é interpelado a se posicionar, dado o tom convocatório ao patriotismo do
enunciado, induzido por outros discursos e corroborado pelo léxico “missão”, e também
porque o nós, em “Temos”, busca estabelecer identificação e cumplicidade com o leitor.
Conforme mencionamos, “Temos uma MISSÃO: transformar o BRASIL
#nacaobilingue” é um enunciado embreado, cujo “nós” refere-se a um eu expandido, ou seja,
a um enunciador coletivo. Perceba-se ainda que não é possível apreender a situação de
enunciação, o que reitera suas características de um fragmento destacado de um texto, uma
frase sem texto. Trata-se da alteração de “A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil
em uma nação bilíngue”. Antes de refletir sobre as modificações e seus efeitos de sentido, é
necessário averiguar o tipo de destacamento.
A Figura 2 circula num website da Wizard, numa página onde o(a) internauta insere
seus dados pessoais para matricular-se. Mencionado na descrição acima, essa peça está
disponível na mesma página virtual em que o vídeo Manifesto. O enunciado destacado está,
então, nas proximidades do seu texto-fonte, o que nos levaria a caracterizá-lo como um
destacamento fraco.
No entanto, deve-se considerar que a Figura 2 tem autossuficiência de conteúdo e,
por isso, circula com autonomia; inclusive, poucos a associariam ao vídeo, dadas as
alterações e por estar noutro suporte. Assim, não se pode caracterizar o enunciado de
destacamento forte, porque ele está nas imediações do texto-fonte, tampouco de
destacamento fraco, pois seu estatuto pragmático não comporta tal definição, por distinguir-
se de uma manchete, por exemplo, que o texto-fonte complementa o sentido do trecho alçado
a título/subtítulo. Ademais, são raras as ocorrências de cartaz e vídeo no mesmo ambiente.
Ciente das complicações, penso ser razoável a adoção de uma categoria meio-
termo, nem fraco nem forte, um destacamento “médio” para a Figura 2, pois a página onde
ela está hospedada pode ser cancelada ou ter o layout alterado a qualquer momento — já que
no universo digital as estruturas são efêmeras, modificando-se frequentemente para atrair os
acessos — e a Figura 2 pode “recuperar” seu estatuto de destacamento forte. Vale ponderar.
As reflexões sobre o tipo de destacamento do fragmento conduzem às alterações realizadas
no enunciado, dada a sua vinculação teórica.
91
No texto-fonte (vide Figura 1), lê-se “Sabendo do tamanho desse sonho, a Wizard
tem uma missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue”. Ao analisar um
destacamento num jornal francês, Maingueneau (2014) constata que as alterações tendem a
ser mais notáveis em caso de destacamento fraco, pois o leitor tem sob seus olhos o texto-
fonte. Se por ventura aceitássemos que “Temos uma MISSÃO:” é um destacamento fraco,
as alterações estariam teoricamente justificadas.
Contudo, acreditamos que elas dizem respeito a um modo de inscrição numa
comunidade. Tal qual um provérbio ou adágio, o enunciado em questão implica sujeitos
pertencentes a uma mesma comunidade discursiva, por isso, dispensa-se a nomeação dos
envolvidos na “missão”, visto que ela é de e compartilhada por todos os membros: pertence
ao seu thesaurus verbal e é indissociável da comunidade We Are Wizard.
Note-se que não há menção à Wizard nessa figura, porque o enunciador pressupõe
pragmaticamente que o coenunciador seja um membro. O slogan “Temos uma MISSÃO:...”
não apenas ressalta de quem e qual é essa missão (unindo-os em torno de um objetivo
comum), como também evidencia que pode e deve ser particitado pelos membros,
reafirmando o seu pertencimento à comunidade e agindo conforme esse pertencimento. A
instância maior, que legitima e valida o enunciar desse slogan e outras práticas, é aqui
tomada como o hiperenunciador: a marca Wizard.
Após ser destacado e modificado, o enunciado principal assume o estatuto de slogan
publicitário (aforização primária), concebido para ser retomado o máximo possível pelos
particitadores. Neste caso, em que o enunciado recorre aos discursos religioso e militar
(patriótico, ufanista), o termo slogan atinge seu paroxismo: segundo informa o Online
Etymology Dictionary53, “slogan” é uma variação do anglicismo “slogorn”, derivado do
termo irlandês e escocês-gaélico sluagh-ghairm (“grito de guerra”), utilizado pelos antigos
clãs daquela região para a preservação de seus grupos (familiares) durante as batalhas.
Buscando se impor legitimamente, o grito de guerra “Temos uma MISSÃO:...”
mimetiza um slogan militante (a favor da pátria “MISSÃO: transformar o Brasil”), o que
não passa de uma estratégia enunciativa para amenizar sua finalidade mercantil, embora essa
53 Online Etymology Dictionary. Disponível em:
http://www.etymonline.com/index.php?allowed_in_frame=0&search=slogan. Acesso em: 21/05/2016.
92
finalidade, como procuramos demonstrar na Figura 1, esteja intrinsecamente ligada a outras
esferas e problemáticas.
Observe-se que esse slogan tem por função unir os membros particitadores e
reafirmar o objetivo comum, privilegiando a escola de idiomas Wizard como a instância
hiperenunciador, cujo lugar de destaque no cenário educacional brasileiro corrobora para
que, por meio da publicidade, o enunciado circule. Discutido anteriormente, este slogan
circulou durante o mesmo período que o vídeo Manifesto, complementando-se.
Diferentemente da Figura anterior, esta tem sua circulação focada nos espaços
institucionais da Wizard (unidades, websites, redes sociais...), ou seja, “Temos uma
MISSÃO: transformar o BRASIL #nacaobilingue” dirige-se, a priori, para quem já é
membro de We Are Wizard ou simpatizante. Por isso, não há menção à escola de idiomas,
que fala com e entre os seus pares54.
Conforme abordamos no Capítulo 1, a expansão global da Língua Inglesa,
capitaneada por Reino Unido e EUA, implica conflitos constantes com línguas e culturas
locais. Nesse sentido, destacam-se as cores azul e vermelha — emblemáticas tanto da Wizard
quanto das bandeiras dos EUA e Reino Unido — e o apelo à imagem de Cristo utilizados na
composição artística da Figura 2, materialidade linguística que reitera quem se beneficia(ria)
com a transformação proclamada no slogan.
Retomemos sumariamente as reflexões em torno do globo terrestre (Figura 1). A
“luz” ascendente nas imediações da costa leste da América do Norte no globo pode ser uma
metáfora para o “alvo”, o “novo/moderno”, o caminho “correto”, o “modelo” de democracia,
civilização e liberdade a seguir, já que se trata de uma região reconhecida mundialmente
pelo seu desenvolvimento e pela sua modernização.
Spurr (1993 citado em PENNYCOOK, 1998, p. 55) sugere que a ideologia do
moderno tenha substituído a ideologia do civilizado — que justificou as colonizações
europeias (sendo a britânica a mais expressiva) até o século XX —, isto é, mesmo com a
substituição do termo, ainda é um sistema de valores que classifica (e subjuga) as sociedades
humanas de acordo com seu avanço tecnológico e sua organização política. Diante da sanha
54 Vale mencionar que, em alguns anúncios em revistas e jornais, o slogan “Temos uma MISSÃO:...” circulou
no mesmo cartaz publicitário que o slogan “Em 2 anos de curso, certificado internacional ou aulas gratuitas
para vocês chegar lá.”, que será analisado na Figura 3.
93
das nações industrializadas de exportar sua modernidade para os países em estágio de
(sub)desenvolvimento no final do século XX, o sociólogo britânico Anthony Giddens (1990,
p. 63) pondera: “A modernidade é inerentemente globalizante”.
Nesse sentido, o slogan “Temos uma MISSÃO: transformar o BRASIL” vai ao
encontro da ideologia segundo a qual Reino Unido e EUA têm a “missão de
civilizar/modernizar” os países em desenvolvimento, impondo a língua inglesa como forma
de abertura a e inserção no mundo globalizado e moderno.
O emprego de (nós) “Temos...” no enunciado sugere o efeito de coletividade e
comprometimento, isto é, uma missão que desperta o senso patriótico/ufanista que conduzirá
a uma transformação mútua e favorável a todos igualmente. No entanto, esse significado é
contestado pela característica impositiva/autoritária do slogan, que nos leva a inferir ser uma
ordem, vinda de uma instância superior (imperador, general, líder...).
Por tratar-se de uma particitação, sua enunciação implica um hiperenunciador pelo
qual se transmite a ordem de “transformar o Brasil”. O tom firme e autoritário do enunciado
nos permite depreender um fiador com um traço psicológico de um patriota determinado a
lutar pela nação, com uma corporalidade de membro (soldado) devoto. Essa representação
do fiador dá autoridade à proposição e faz com que o coenunciador incorpore, isto é,
identifique-se e participe do mundo ético de We Are Wizard — uma comunidade engajada
—, construída durante a enunciação, que afirma ser possível a transformação do Brasil em
uma nação bilíngue, a fim de civilizá-lo/modernizá-lo.
94
4.3 Certificado internacional em dois anos de curso
Figura 3.
Fonte: Wizard Maringá Disponível em: http://wizardmaringa.com.br/toeic-2/.
Acesso em: 22/11/2015
A Figura 3 faz parte da Fase 1 — Manifesto, lançada em 18 de julho de 2014, com
abrangência em todo o território nacional. Sua escolha deve-se ao tema “mercantilização da
educação” e por ser um prelúdio à Fase 2 — Entrega Resultados.
Trata-se de um cartaz digital posicionado horizontalmente na parte superior do
website da unidade Wizard Maringá (interior do estado do Paraná), página que o(a)
internauta acessa para obter informações detalhadas sobre o certificado internacional
TOEIC55, realçado em vários textos da campanha Nação Bilíngue. Abaixo desse cartaz,
como uma espécie de legenda, encontra-se, dividido em três linhas, em letras maiúsculas e
55 TOEIC é um acrônimo de Test Of English for International Communication (Teste de Inglês para
Comunicação Internacional, em português), é um teste internacional que avalia a proficiência em língua inglesa
de quem não tem o inglês como língua materna.
95
centralizado, o enunciado: “A WIZARD, ALÉM DE SER APLICADORA DO TOEIC, É
RECORDISTA NA PONTUAÇÃO ALCANÇADA PELOS SEUS ALUNOS. VOCÊ VAI
DEIXAR O TOEIC DE FORA DO SEU CURRÍCULO?
A Figura 3 é composta por uma fotografia dividida em dois lados. À esquerda,
encontra-se a imagem de um prédio de arquitetura arrojada, com concreto à vista na parte
superior e na inferior há um jardim com plantas à meia altura, cercado de grades. Do lado
direito da imagem, tem-se, na parte superior, uma claridade, como se a fotografia fosse batida
contra o Sol, ofuscando a visão.
Do lado esquerdo, há três jovens adultos sorridentes em fila: em primeiro plano, um
homem caucasiano, cabelos louros e penteado da moda, trajando uma camiseta laranja com
uma mochila preta nas costas; ao seu lado, em segundo plano, há uma jovem negra, cabelos
caracolados, trajando uma camisa xadrez azul e branca, portando alguns livros nos braços;
atrás dela, em terceiro plano, há uma jovem caucasiana, cabelos pretos e lisos, trajando uma
camiseta branca com listras laranjas e azuis, com uma bolsa pendurada no ombro esquerdo
e portando alguns livros também. Os três jovens sorriem e olham para a câmera. Devido aos
elementos presentes na imagem (prédio com jardim cercado de grades, jovens com roupas
informais, livros e mochila...), infere-se que no prédio funciona uma escola, onde os três
jovens provavelmente estudam e, pela claridade da luz solar, estão em intervalo ou horário
de saída, por volta do meio-dia.
Do lado direito (“na claridade”), têm-se, em destaque, o globo terrestre e o conceito
da campanha: #nacaobilingue (ambos descritos e analisados na Figura 1). Abaixo do globo,
encontra-se, dividido em quatro linhas, fonte tipográfica Calibri nas cores azul e vermelha,
alinhado à esquerda, o enunciado verbal
Em 2 anos de curso, (em azul)
CERTIFICADO INTERNACIONAL (em vermelho)
ou aulas (em azul) GRATUITAS (em vermelho)
para você chegar lá. (em azul)
96
Na parte inferior, à direita, tem-se o logotipo da Wizard — a silhueta da cabeça de uma
águia, nome da instituição e slogan “Você Bilíngue” (descrito e analisado na Figura 1), onde
geralmente o locutor assina/carimba a mensagem.
Antes de prosseguirmos com a análise da Figura 3, são necessárias algumas
considerações prévias a respeito da página em que ela está hospedada, que auxiliam na
compreensão do cartaz.
Nessa página, a Wizard informa o que é e como se obtém o TOEIC, explica os
detalhes do teste e exibe a média de pontuação (valorizando a eficiência da escola). Nesse
interim, a escola de idiomas condiciona a importância do certificado TOEIC ao mercado de
trabalho, quando elenca as empresas transnacionais que o exigem de seus funcionários.
Observe-se que, na própria legenda (descrita acima), a escola já enviesa o olhar do
internauta ao questioná-lo retoricamente: “VOCÊ VAI DEIXAR O TOEIC DE FORA DO
SEU CURRÍCULO”? Em seguida, argumenta que “(...) o certificado TOEIC objetiva avaliar
as condições de cada aluno para se desenvolver no mercado de trabalho”; e, mais adiante,
que o “TOEIC é uma das principais exigências de empresas do mundo inteiro e em
consultorias de recursos humanos” (ênfase acrescida).
Nos fragmentos citados, verbaliza-se tanto a língua inglesa na condição de
“guardião” das posições de prestígio social na contemporaneidade, quanto o seu ensino-
aprendizagem com vistas quase que exclusivamente para o mercado de trabalho.
Encontra-se, nessa contextualização, o enunciado “Em 2 anos de curso,
CERTIFICADO INTERNACIONAL ou aulas GRATUITAS para você chegar lá”. Trata-
se de uma proposição no plano embreado, enunciado pela Wizard — atestado pelo seu
logotipo subscrito — para um “você”. Esse dêitico destaca-se pelo seu caráter
concomitantemente individualizante e generalizante, pois se dirige a todo e qualquer
internauta que estiver lendo o enunciado. Ademais, produz o efeito de sentido de
proximidade, exclusividade, isto é, como se o enunciado fosse feito “sob medida” para você
(todo e qualquer leitor).
Depreende-se também um dêitico temporal “Em 2 anos de curso...”, o qual,
conforme explicitado anteriormente, toma como data-base julho de 2014 (lançamento de
97
Nação Bilíngue), ou seja, o(a) estudante que se matriculou em 2014, conquistou o certificado
internacional TOEIC em 2016.
Em relação ao “chegar lá”, este não se constitui como um dêitico espacial, pois é
uma anáfora metafórica/figurativa, cujo referente é “certificado internacional”, ou seja, diz
respeito ao percurso entre se matricular no curso e conquistar o TOIEC. Não se trata,
portanto, de uma oposição ao aqui/este lugar da enunciação, que aliás nem é mencionado.
Além desses dêiticos, o emprego do numeral cardinal “2” e a sintaxe do enunciado
colaboram na produção de efeitos de sentido. O numeral, neste caso, não só facilita a leitura
e economiza caracteres, como também tem poder de persuasão, pois serve de argumento
baseado na precisão (em exatos 2 anos de curso) e na economia (“reduz” a quantidade: não
são 730 dias nem 24 meses, são “apenas” 2 anos de curso); recorre-se ao discurso científico,
precisamente ao matemático, como argumento de autoridade.
Topicalizar “Em 2 anos de curso” é enfatizar esse circunstancial de tempo. Tal
recurso enunciativo tem sua razão de ser. Devido à sua extensão, o enunciado foi destacado
com algumas alterações, quando comparado ao fragmento-fonte:
Acreditamos tanto nisso, que em dois anos de curso você conquista um certificado
internacional ou a Wizard oferece aulas gratuitas para você chegar lá.
Foram suprimidos os seguintes trechos entre colchetes: “[Acreditamos tanto nisso,
que] em 2 anos de curso, [você conquista um] certificado internacional ou [a Wizard
oferece] aulas gratuitas para você chegar lá”; e o “E” que inicia o período foi capitalizado,
segundo regras gramaticais da Língua Portuguesa.
Tais modificações no enunciado são dinâmicas em dois níveis interligados: no
textual, visam a adequá-lo ao gênero de discurso cartaz digital, transformando seu estilo de
prolixo em telegráfico, ainda assim salientando os signos linguísticos mais relevantes; no
discursivo, visam a adequá-lo segundo valores predominantes do momento histórico e de
um perfil. O público-alvo da Wizard (crianças e jovens adultos — vide campanha Nação
Bilíngue) pertence basicamente às Gerações Y (ou Geração do Milênio) e Z.
É uma juventude que tem como principais características a conectividade a
tecnologias e redes sociais (relações mediadas virtualmente), o fácil acesso a informações,
98
aptidão para multitarefas, a efemeridade em relacionamentos interpessoais e no trato com
objetos (uma geração “desapegada”), mas, sobretudo, é uma juventude que deseja realizar
os sonhos o quanto antes, que quer e gosta de resultados rápidos, imediatos, incluindo aí a
ascensão profissional56. Ao enfatizar “Em 2 anos de curso”, o enunciado adquire um status
bastante persuasivo e instigante para esses jovens “Time is Money”, ‘sem tempo a perder’,
pois está de acordo com os valores visados.
Consequentemente, essas alterações no enunciado influenciam a sua produção de
efeitos de sentido. No texto original, tem-se
Acreditamos tanto nisso, que em dois anos de curso, você conquista um certificado
internacional ou a Wizard oferece aulas gratuitas para você chegar lá.
Ao suprimir os sintagmas verbais (você conquista e a Wizard oferece — verbos de
ação; “conquistar” implica esforço, dedicação, mérito...), subtrai-se a “ação” da mensagem,
transformando-a em uma espécie de fórmula matemática:
2 anos de curso = Investimento. Certificado internacional = Resultado OU aulas gratuitas
(sem ônus) para chegar lá, isto é, até receber o certificado internacional = meta alcançada.
Seguindo essa lógica rentável, o leitor é levado a entender que, pagando em dia, vai
conseguir o certificado de qualquer modo. Dito de outra forma, esse curso é um investimento
seguro, tornando o aprendizado um grande negócio sem riscos.
Veja-se que o foco do discurso não é o ensino-aprendizagem (o que/como se
ensina), que aliás nem é mencionado, mas sim o CERTIFICADO INTERNACIONAL
(duplamente grifado), com o qual o estudante torna-se “apto ao trabalho”. Assim, pode-se
apreender a língua inglesa enquanto uma ferramenta de acesso ao mercado de trabalho
(globalizado) e, como tal, uma mercadoria à venda na loja mais próxima.
Nesse sentido, o qualificador internacional exerce uma função importante no
enunciado. Sabe-se que o padrão de vida em países desenvolvidos é superior ao do Brasil, o
que seduz muitos jovens a buscarem uma oportunidade profissional no estrangeiro
(sobretudo EUA e Inglaterra, no tocante à língua inglesa), tal qual aconteceu com o fundador
56 “Conheça a geração Y, os profissionais que nasceram entre 1980 e 1995”. Folha de S.Paulo. 20/11/2016.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/sobretudo/carreiras/2016/11/1833552-conheca-a-geracao-y-os-
profissionais-que-nasceram-entre-1980-e-1995.shtml. Acesso em: 21/07/2017.
99
da escola, Carlos Wizard Martins. A conquista do certificado internacional TOEIC significa,
então, aptidão para se buscarem oportunidades no exterior.
Destaca-se, uma vez mais, a filosofia mercadológica, na qual o ensino é vendido
como um processo linear com prazos e metas, como se fosse uma produção industrial cujo
produto é uniforme e regular, independentemente se os sujeitos envolvidos são mulher negra,
mulher branca, homem branco... (vide Figura 3). A educação, outrora um direito social e
subjetivo (FRIGOTTO, 2011), é colocada numa “métrica” (dois anos, quatro módulos...),
com a qual todo e qualquer sujeito tem de aprender, pondo em xeque uma afirmação do
vídeo Manifesto: “(...) com uma metodologia exclusiva voltada ao perfil de cada aluno...”.
Para além dessas questões sócio-históricas, tais modificações no fragmento
possibilitaram que o enunciado adquirisse o estatuto de um slogan comercial, que em geral
precisa ter uma estrutura breve e pregnante para circular mais facilmente.
Um slogan é concebido para ser retomado o máximo possível e sua principal
característica é implicar sempre uma instância que o legitime. Por tratar-se de um slogan
publicitário, “Em 2 anos de curso...” implica, como hiperenunciador, a escola de idiomas
Wizard, cujo lugar de destaque no cenário educacional brasileiro fez com que ele circulasse,
por meio da publicidade, nas mídias de comunicação de massa.
Ainda que tenha circulado em matérias jornalísticas especializadas em publicidade,
em jornais/revistas de média e grande circulação etc., seu foco tem sido a circulação interna,
isto é, postagens em redes sociais promovendo o curso. A Figura 3 circula mais
internamente, porque esse slogan tem funcionado como o “último argumento”: no geral, ele
surge quando o interessado já teve algum contato prévio com a escola (seja visitando
pessoalmente, seja acessando os websites/redes sociais...). De qualquer forma, enquanto um
slogan, não se exime de convocar novos membros para a comunidade We Are Wizard.
O fato de haver rostos humanos pode induzir, num primeiro momento, a atribuir
“Em 2 anos de curso...” aos estudantes na fotografia. Esse slogan, porém, não está entre
aspas nem há qualquer marca que o atribua a esses estudantes. Observe-se que existe uma
divisão na imagem definindo os espaços, e o slogan está na claridade, parte branca. O
logotipo da marca, subscrito (“carimbado”), revela a identidade do aforizador: a Wizard.
100
Enquanto a maior escola de idiomas do mundo, a Wizard é uma instituição cujo
lugar de destaque no ensino de inglês lhe confere a alcunha de “especialista” no assunto,
uma especialista segura do que afirma. Ela confia tanto na própria metodologia que propõe
um desafio: caso não consiga, o aluno tem direito a aulas gratuitas para “chegar lá”, lançando
mão, assim, de sua eficiência pedagógica e da sua fiabilidade perante a sociedade, ou seja,
de seu ethos pré-discursivo.
“Em 2 anos de curso, certificado internacional ou aulas gratuitas para você chegar
lá” manifesta uma experiência e uma convicção da escola de idiomas. Mais do que isso: a
partir de um interdiscurso que preconiza vários anos de estudos (esforço, dedicação), custos
elevadíssimos (documentação, viagens ao exterior...), esse slogan assevera que é possível
conquistar um certificado internacional em dois anos de curso, em uma unidade da marca
mais próxima do estudante (eficiência e eficácia). Exalta-se, dessa forma, a integração das
nações, isto é, a globalização, graças à qual, o(a) estudante não precisa mais se deslocar até
outro país para conquistar um certificado internacional.
Conforme temos demonstrado, a partir de um ethos pré-discursivo de empresa
grande, eficiente e predadora, “Em 2 anos de curso...” confirma essa representação prévia,
demonstrando que está de acordo com a conjuntura ideológica visada, a saber, a dos jovens
da Gerações Y e Z, cujas interações são tão globais quanto virtuais.
Perceba-se que o coenunciador é envolvido no mundo ético de uma juventude
apressada e inquieta, que deseja atingir seus objetivos rapidamente, pois quer viajar o
mundo ou trabalhar/estudar em outro país, opções que a conquista do certificado TOEIC
supostamente torna possíveis. Para tanto, o tom simultaneamente objetivo e dinâmico do
slogan permite a criação dessas representações do fiador, sua maneira de habitar o mundo.
O coenunciador incorpora esse ethos discursivo de “eficiência norte-americana”
(American way of efficiency), isto é, atingir os melhores resultados (maximizar os lucros)
num tempo mínimo (menor custo), baseado na objetividade da filosofia tempo é dinheiro,
cultivada como um estereótipo dos estadunidenses, marcados na Figura 3 pelos destaques
nas cores azul e vermelha do enunciado e pelo logotipo: o nome da empresa “Wizard” (sábio)
e a silhueta da águia.
101
De acordo com a designação dada à Fase 1, Manifesto, a Wizard fez circular uma
declaração formal das suas intenções e dos seus objetivos para/com o Brasil, a fim de
angariar adeptos da “missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue”. Assim, nas
Figuras 1 e 2, foi dito o que fazer; na Figura 3, como fazer.
Nas próximas Figuras (4, 5 e 6), a discussão versa sobre os resultados de se aprender
inglês na/com a Wizard, por meio do depoimento de três estudantes.
102
4.4 O inglês como passaporte para o mundo globalizado
Figura 4.
Fonte: Wizard Curitiba. Disponível em: http://www.wizardcuritiba.com.br/.
Acesso em: 18/06/2016.
A Figura 4 pertence à Fase 2 — Entrega Resultados, lançada em 15 de janeiro de
2016, com abrangência em todo o território nacional. Sua relevância é atestada pelo tema:
língua inglesa como ferramenta de acesso ao mundo globalizado.
Trata-se de um cartaz posicionado horizontalmente em um banner rotativo, isto é,
que compartilha o espaço com outros dois cartazes, destacando-se a cada 10 segundos em
um website da unidade Wizard de Curitiba (capital do estado do Paraná). Sobre um fundo
cinza médio, aparentando neutralidade, encontram-se os elementos verbais e não verbais que
o constituem.
Em primeiro plano, levemente inclinada para sua direita, tem-se a imagem de uma
jovem caucasiana, cabelos lisos, compridos e pintados (suas mexas variam entre a cor preta
e cobre), olhos pretos, sorriso largo e olhando para frente. Ela traja uma blusinha de seda
103
azul claro com estampa de bolinhas azul escuro. Sentada à mesa, a jovem tem na mão direita
uma Wizpen [caneta da Wizard que auxilia os estudantes na pronúncia de
palavras/expressões em inglês] e, à sua frente, há um livro da Wizard aberto, com o qual
aparenta estudar.
Na altura de seu colo, vê-se #nacaobilingue — o conceito da campanha publicitária
Nação Bilíngue — em letras garrafais, “perpassando” a jovem. Sua posição sugere o efeito
de sentido de que a moça guarda a tag “no peito”: popularmente conhecido como o “lugar”
onde se guardam as emoções e os afetos. O colo feminino é onde se refugiam os carentes de
afago e proteção (colo de mãe, namorada, amiga...); também, é onde geralmente se encontra
o emblema do uniforme de empresa/time/grupo/seita etc. Assim, o conceito sobre a
estudante a qualifica como membro da comunidade discursiva We Are Wizard.
Do lado esquerdo e na parte superior do cartaz, bem próximo à jovem estudante,
tem-se o enunciado mais saliente, em fonte tipográfica Calibri negritada e azul escuro,
alinhado à esquerda e dividido em quatro linhas:
Com a Wizard
consegui fazer
um curso
internacional.
Com a mesma tipologia e a mesma cor, porém com uma fonte menor, alinhado à esquerda e
dividido em duas linhas, está o enunciado (legenda) no qual se lê
Annie Farias Marques,
aluna Wizard Teresina — PI
A Figura 4 constitui-se na interação dos seus elementos verbais e não verbais.
Embora estejam correlacionados, precisamos focar ora no verbal ora no visual, para que a
discussão ocorra de maneira fluida. Assim, iniciamos pela frase sem texto “Com a Wizard
consegui fazer um curso internacional”.
104
Dessa enunciação aforizante, é possível depreender os dêiticos de pessoa e tempo:
(eu) consegui. Trata-se de uma ação já validada no momento da enunciação; e a pessoa que
toma a palavra e diz eu, neste caso, é a moça da imagem, identificada na legenda pelo nome
“Annie Farias Marques”, uma aluna da Wizard, unidade Teresina, capital do estado do Piauí
(PI), região nordeste do Brasil.
Uma frase destacada, seguida de uma legenda e ao lado de um rosto, no geral, diz
respeito a uma aforização secundária. Lembremo-nos que, “nos textos publicitários, a
diferença entre um slogan e uma aforização secundária é quase unicamente a presença das
aspas” (MAINGUENEAU, 2014, p. 33).
Observe-se, entretanto, que o enunciado não está entre aspas, nem há qualquer outra
marca (balão, seta, tipologia ou cor diferente) que isente a Wizard dessa fala. Pelo contrário,
a cor utilizada (azul escuro) é emblemática da marca, uma constante nos seus textos. A fala
é atribuída à Annie (identificada pela legenda), posiciona-se bem próximo à estudante e diz
respeito à sua experiência pessoal. Há um esforço de não delimitar o estatuto do enunciado
em uma fala de Annie (aforização secundária) ou da Wizard (aforização primária — slogan),
somando, deste modo, a propriedade de ambos os tipos.
Essa ambiguidade no estatuto salienta a presença do hiperenunciador. Annie
manifesta uma experiência pessoal (conseguiu fazer um curso internacional), mas ela não
fala sozinha, e sim da e pela comunidade discursiva We Are Wizard, como membro que é.
Ao falar de si, ela está falando do grupo também, visto que a estudante enuncia o que pode
e deve ser dito pelos demais membros, agindo em conformidade com os valores e
reafirmando o seu pertencimento à comunidade.
O hiperenunciador é depreendido tanto por autorizar/legitimar a fala de Annie
quanto por atuar como o “agenciador invisível” (MAINGUENEAU, 2015, p. 134) que
destacou e fez circular esse fragmento textual, não outro. Em outras palavras, destacou o
fragmento textual que mais lhe convém e atende aos seus interesses.
Para uma melhor compreensão desse processo (destacamento, alteração e
circulação) a que foi submetido “Com a Wizard consegui fazer um curso internacional”, é
preciso retomar o seu texto-fonte, disponível no vídeo Depoimentos Nação Bilíngue Annie:
105
[Annie] I needed to learn English to study abroad. And thanks to Wizard I could attend an
international course in New York. [Eu precisava aprender inglês para estudar fora. E
graças à Wizard consegui realizar um curso internacional em Nova Iorque]*.
Meu nome é Annie e eu consegui o meu certificado internacional com a Wizard e cheguei
lá.
[Narrador] A Annie e outros milhares de brasileiros já aprenderam a falar inglês para
realizar sonhos. Agora, é a sua vez. Venha também para a nação da maior rede de ensino
de idiomas do mundo.
[Annie] Obrigada, Wizard, por me ensinar inglês e me fazer chegar lá.
[Narrador] Wizard, por uma nação bilíngue.57
Quando comparamos o fragmento-fonte “E graças à Wizard consegui realizar um
curso internacional em Nova Iorque” ao seu equivalente aforizado, notamos a ocorrência de
algumas alterações, que contribuem para a produção de efeitos de sentido da Figura 4. A
princípio, tem-se a substituição de “E graças à Wizard” por “Com a Wizard” e “realizar”
por “fazer”; na sequência, tem-se a supressão do trecho em que Annie afirma ter feito o
curso internacional “em Nova Iorque”.
Com a Wizard é um sintagma polivalente, pois funciona: como um restritivo (com
a Wizard e nenhuma outra); como o meio (por meio da Wizard); como um condicionante (só
conseguiu por causa da Wizard); e como uma personificação da marca, tornando-a uma
“companhia” de Annie, ou seja, não só preparou formalmente para o curso internacional,
como também acompanhou Annie durante o tal curso. Nesse sentido, ao lado de/junto com
Annie. Valorizam-se, dessa maneira, os laços afetivos entre Wizard e os estudantes, tal qual
demonstrado em #nacaobilingue, posicionado no colo da estudante, salientando o caráter
acolhedor e comunitário de We Are Wizard.
A substituição de realizar por fazer imprime um tom mais informal ao enunciado,
aproximando-o da oralidade, à medida que “realizar” geralmente precede ‘sonhos’, ‘desejos’
57 “Depoimentos Nação Bilíngue Annie”. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=hXktjx6pY5A. Acesso
em: 20/02/2017.
* O fragmento italicizado entre colchetes corresponde à legenda do vídeo no momento em que a estudante
Annie fala em inglês. Portanto, a tradução é da Wizard.
106
ou ‘façanhas’, o que imprimiria um tom mais solene ao enunciado e destoaria da linguagem
cotidiana dos jovens: coenunciador desse discurso.
A supressão do sintagma em Nova Iorque surpreende. A cosmopolita Nova Iorque
mexe com o imaginário sobretudo dos jovens: é um dos principais destinos de brasileiros.
Retratada incessantemente nas artes (cinema, música, pinturas...) e nos grandes veículos de
comunicação, Nova Iorque é a cidade do dinheiro (das transações bilionárias), da política
internacional (sede da ONU); por essas e outras razões, é a cidade do poder econômico,
político e cultural.
Destacado do depoimento de Annie, o fragmento sofreu as modificações descritas
acima para melhor atender os interesses da comunidade e foi posto a circular na Figura 4,
principalmente nos espaços institucionais da escola de idiomas, como websites, blogs e redes
sociais, onde tem sido comentada e compartilhada pelos internautas. Conforme mencionado
anteriormente, os vídeos desta segunda fase de Nação Bilíngue tiveram ampla divulgação
nos programas televisivos populares, ou seja, texto-fonte e enunciado aforizado circularam
durante o mesmo período.
O testemunho de Annie recorre à memória discursiva do leitor, pois parte de uma
cena validada, um pré-construído: quando alguém se vê diante de um grande desafio e o
supera, exclama “(eu) consegui...”. Annie enfrentou o desafio de aprender a falar inglês em
dois anos para fazer um curso internacional e conseguiu.
O depoimento/testemunho reforça a fiabilidade do discurso porque recorre à
comoção, uma vez que utiliza pessoas/grupos de destaque em determinadas comunidades
(atletas, artistas, celebridades...), enquanto fiadores da tese defendida. Em geral, são atores
sociais famosos que desempenham o papel de fiador. Contudo, na Figura 4, a fiadora é uma
jovem oriunda da região nordeste do Brasil, cujo perfil é semelhante ao de milhares de jovens
brasileiros que estão em buscam de uma melhor colocação no mercado de trabalho, visando
à sua ascensão social.
Ao ler “Com a Wizard consegui fazer um curso internacional”, o internauta é levado
a identificar algumas normas sociais e, com isso, pode comparar-se à Annie: não é uma
celebridade, é proveniente de uma região fora dos grandes centros urbanos brasileiros, que
107
com a Wizard conseguiu tornar-se bilíngue e estudar fora do Brasil. Então, eu também
consigo. Basta me matricular nessa escola de inglês.
Durante sua enunciação, a jovem estudante libera alguns índices que permitem o
internauta criar representações suas (superadora, vitoriosa, feliz...) e da comunidade de que
faz parte, cujo hiperenunciador é a marca Wizard. Com seu depoimento favorável à Wizard,
Annie torna-se a fiadora do discurso e, enquanto tal, dá acesso ao mundo ético dos jovens
de We Are Wizard, com o qual o coenunciador se identifica e incorpora os valores:
estudantes falantes de inglês e que, por isso, estão felizes/satisfeitos/orgulhosos com as suas
vitórias e conquistas etc.
O tom de vitória/superação do depoimento de Annie fia a eficiência pedagógica da
escola de idiomas. Por meio desse tom, o coenunciador é capaz de depreender o ethos de
empresa eficaz e eficiente da Wizard, que entrega resultados positivos, isto é, uma empresa
confiável, tal qual ressaltado em seus textos publicísticos.
Uma vez mais, como uma espécie de continuum da Figura 3, a língua inglesa —
junto com o certificado internacional TOEIC — é alçada a “passaporte” para o mundo
globalizado e das posições socialmente prestigiadas.
Em grande parte dos casos, as aforizações secundárias são acompanhadas pelo
nome e/ou imagem do rosto (fotografia, busto, retrato...) do aforizador, visando a autentificar
a aforização como sendo sua fala. Isso tem sua razão de ser. Segundo Maingueneau (2014),
o rosto: é a única parte do corpo que, de maneira superficial, permite identificar um indivíduo
como distinto do outro; é no imaginário profundo a sede do pensamento e de valores
transcendentais; é nele que se encontra a boca, fonte da fala e, portanto, da aforização.
O teórico francês afirma ainda que, nas fotos, geralmente não se mostram as mãos
do aforizador, pois isso implicaria a presença de um coenunciador que poderia intervir na
enunciação. Assim, “as fotos de rostos centram-se no olhar, dirigido a um auditório
indeterminado do qual cada leitor participa” (MAINGUENEAU, 2014, p. 46).
Na Figura 4, Annie está sentada à mesa, com seus braços à mostra, contra um fundo
cinza descontextualizado e neutro. Embora apareçam seus braços e ela esteja sorrindo “para
108
a câmera”, não há interação com outrem, pois seu olhar se volta para um auditório universal
(do qual todo e qualquer internauta participa) e, enquanto utiliza sua caneta no livro, não
aponta ou gesticula para ninguém.
O enquadramento da Figura 4 visa a retratar tanto os produtos da Wizard (a Wizpen
e o livro didático) quanto a fala atribuída à Annie, visto que se trata do discurso publicitário,
cujas peculiaridades podem destoar das do discurso midiático-jornalístico.
Nesse sentido, retratou-se mais que o rosto do aforizador, como uma forma de
demonstrar que a Wizard, por meio do seu material didático, está junta de seus alunos, visto
que a escola de idiomas não tem um rosto/corpo e não há menção ao seu logotipo na figura.
Assim, o enquadre da fotografia visa a suprir uma demanda publicitária.
109
4.5 Inglês como meio de realizar sonhos
Figura 5.
Fonte: Página Oficial da Wizard no Facebook. Disponível em:
https://www.facebook.com/wizard.oficial/photos/a.10150643338847875.384637.209433342874/10
153450850272875/?type=3&theater. Acesso em: 18/06/2016.
A Figura 5 é parte da Fase 2 — Entrega Resultados, lançada em 15 de janeiro de
2016, com abrangência em todo o território nacional. Sua escolha se deve ao fato de seu
enunciado destoar levemente do fragmento-fonte e por alçar a língua inglesa como meio de
realizar sonhos.
Trata-se de um cartaz posicionado horizontalmente na condição de capa da página
da Wizard no Facebook (as fotografias de capa e perfil são os primeiros contatos do
internauta com a página), postada em 18 de janeiro de 2016, ou seja, período do seu
lançamento. Sobre um fundo cinza médio, o qual aparenta neutralidade, encontram-se os
elementos verbais e não verbais que o constituem.
110
Do centro para o lado direito do cartaz, tem-se a imagem em destaque de um jovem
caucasiano, cabelos lisos, curtos e pretos com um penteado moderno, uma espécie de topete;
ele usa óculos de armação larga e preta e sorri largamente enquanto olha para a frente. O
jovem traja uma camisa xadrez de mangas curtas, nas cores azul claro, cinza e branco.
Sentado à mesa, o rapaz tem na sua mão direita uma Wizpen [caneta da Wizard que auxilia
o(a) estudante na pronúncia de palavras/expressões em inglês] e, à sua frente, um livro da
Wizard aberto, com o qual aparenta estudar.
Na altura de seu colo, vê-se o conceito da campanha publicitária Nação Bilíngue
(#naçãobilingue) em letras garrafais, “perpassando” o jovem. Sua posição produz o efeito de
sentido de que o rapaz guarda #nacaobilingue “no peito”: popularmente conhecido como o
“lugar” onde se guardam as emoções e os afetos, mas também é onde geralmente se encontra
o emblema do uniforme de empresa/time/grupo/seita etc. Assim, o conceito #nacaobilingue
sobre o estudante o qualifica como pertencente à comunidade We Are Wizard.
Do lado esquerdo e na parte superior do cartaz, bem próximo ao jovem estudante,
tem-se o enunciado mais saliente, em fonte tipográfica Calibri negritada e azul escuro,
alinhado à esquerda e dividido em duas linhas:
Estudar na Wizard me preparou
para o intercâmbio.
Abaixo desse enunciado, com a mesma tipologia e uma fonte menor, alinhado à esquerda e
dividido em duas linhas, está a legenda
Alvir Souto Neto,
aluno Wizard Paulínia — SP
Igualmente a Annie (Figura 4), Alvir tem seus braços à mostra e seu olhar dirige-se
para um auditório universal, ou seja, não está interagindo com alguém específico, apto a
intervir na sua enunciação. Trata-se somente de um enfoque publicístico, que visa a destacar
os produtos da Wizard. Desse modo, a análise do visual desta figura é semelhante à da
anterior, o que nos permite, doravante, concentrarmo-nos em “Estudar na Wizard me
preparou para o intercâmbio”.
111
Nessa frase sem texto, depreendemos as marcas de lugar (na Wizard), pessoa (me)
e tempo (preparou — uma ação já validada no momento da enunciação). O enunciado é
atribuído ao jovem da imagem, cuja identidade é atestada pela legenda: Alvir Souto Neto,
aluno da Wizard na unidade Paulínia, município do interior do estado de São Paulo.
Também na Figura 5, a aforização é apresentada com o estatuto ambíguo, ou seja,
soma simultaneamente as propriedades de uma aforização primária e uma secundária (cor
emblemática da empresa, sem marcas de discurso relatado em estilo indireto...), assegurando
o pertencimento de Alvir à comunidade discursiva We Are Wizard. Enquanto membro dessa
comunidade, o jovem estudante tem sua fala condicionada ao grupo, cujo hiperenunciador
legitima, destaca e faz circular o seu depoimento.
Neste ponto, faz-se necessária a retomada do texto-fonte — disponível no vídeo
Depoimentos Nação Bilíngue Alvir —, com vistas à apreensão da presença do
hiperenunciador no trecho aforizado de sua fala:
[Alvir] I had a dream to be an exchange student in Canada. And now it is possible to make
this dream come true. [Eu tinha um sonho, de fazer um intercâmbio no Canadá. Hoje, a
realização desse sonho já é possível]*.
Meu nome é Alvir e com a Wizard eu conquistei o meu certificado internacional e cheguei
lá.
[Narrador] O Alvir e outros milhares de brasileiros já aprenderam a falar inglês para
realizar sonhos. Agora, é a sua vez. Venha também para a nação da maior rede de ensino
de idiomas do mundo.
[Alvir] Obrigado, Wizard, por me ensinar inglês e me fazer chegar lá.
[Narrador] Wizard, por uma nação bilíngue.58
Repare-se que “Estudar na Wizard me preparou para o intercâmbio” não consta no
depoimento de Alvir, ao menos não como um período completo. No trecho em que o jovem
depoente cita o intercâmbio, lê-se
58 “Depoimentos Nação Bilíngue Alvir”. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=uAosatBF3nU. Acesso
em: 20/02/2017.
* O fragmento italicizado entre colchetes corresponde à legenda do vídeo no momento em que o estudante
Alvir fala em inglês. Portanto, a tradução é da Wizard.
112
Eu tinha um sonho de fazer um intercâmbio no Canadá. Hoje, a realização desse sonho já
é possível.
O estudante afirma que fazer um intercâmbio era um sonho e que, “hoje”, ele está preparado
para realizá-lo. Não se menciona, porém, a justificativa desse “preparo”.
No correr do seu depoimento, Alvir afirma “[...] com a Wizard eu conquistei meu
certificado internacional e cheguei lá”. Na sequência, encontramos na fala do narrador: “O
Alvir e outros milhares de brasileiros já aprenderam a falar inglês para realizar sonhos”
(grifo nosso).
Pressupõe-se, então, que lhe faltava aprender inglês para realizar seu sonho; e a
conquista do certificado internacional TOEIC lhe deu esse poder. Assim, o fragmento
aforizado é constituído por uma junção de indícios e pressupostos do depoimento de Alvir,
ou seja, a Wizard lhe atribui uma fala que ele não proferiu propriamente.
Esse caso evidencia quão condicionada aos interesses da comunidade está a fala do
estudante Alvir, que enuncia aquilo que pode e deve ser enunciado pelos demais membros.
Note-se que o hiperenunciador modificou (reescreveu, aliás), destacou e fez circular o
fragmento, de acordo com o objetivo da Fase 2 da campanha Nação Bilíngue: entregar os
resultados, isto é, as conquistas dos alunos (membros de We Are Wizard).
Ao fazer circular a proposição “Estudar na Wizard me preparou para o intercâmbio”
pelas mídias de massa e, principalmente, nas redes sociais, às quais milhões de brasileiros
têm acesso diário, o hiperenunciador torna o enunciado bastante persuasivo para milhares de
jovens que, como Alvir, sonham ser intercambistas.
Fazer um intercâmbio, atualmente, é ter um item-chave no curriculum vitae, isto é,
um diferencial para o mercado de trabalho, pois indica que o(a) candidato(a) possui
experiência internacional e, provavelmente, domina um idioma estrangeiro — na grande
maioria dos casos, o inglês. Tem-se, uma vez mais, a submissão do aprendizado da língua
inglesa com vistas para o mercado de trabalho globalizado.
O internauta jovem, ao ler “Estudar na Wizard me preparou para o intercâmbio”,
identifica-se de imediato com Alvir, porque compreende a importância do intercâmbio para
a construção da carreira profissional. Ademais, esse enunciado desperta confiança nos
113
leitores, levados a discernir um movimento lógico de causa (estudar na Wizard) e efeito
(preparar-se para o intercâmbio).
Alvir, o jovem interiorano, exalta a metodologia de ensino da Wizard, expressando
uma convicção, baseada em uma experiência singular do aforizador. Ao fazê-lo, o estudante
de Paulínia coloca-se como fiador do discurso e, com isso, dá acesso ao mundo ético dos
estudantes de We Are Wizard, aptos a realizar o sonho de fazer intercâmbio, sobretudo nos
países anglófonos prestigiados (EUA, Canadá, Inglaterra, Irlanda...).
Em seu depoimento, cujo tom é de agradecimento pelo feito, Alvir permite ao
coenunciador construir algumas representações dele (penteado “descolado”, armação dos
óculos moderna, vestimenta informal...) e de We Are Wizard (jovens fluentes em inglês, que
fazem intercâmbio, viajam para países desenvolvidos...), que tem na Wizard sua instância
hiperenunciador. Dessa feita, o leitor/internauta é capaz de depreender o ethos de escola
competente da Wizard, a (cor)responsável pelo sucesso dos seus alunos, confirmando seu
ethos pré-discursivo.
114
4.6 Inglês como guardião das posições socialmente prestigiadas
Figura 6.
Fonte: Blog Wizard Gonzaga. Disponível em: http://www.wizardgonzaga.com.br/.
Acesso em: 18/06/2016.
A Figura 6 pertence à Fase 2 — Entrega Resultados, lançada em 15 de janeiro de
2016, com abrangência em todo o território nacional. Sua escolha deve-se ao tema
“aprendizagem de língua inglesa como meio de ascensão social” e “a relação língua inglesa
com as posições socialmente prestigiadas”.
Trata-se de um cartaz posicionado horizontalmente em um banner rotativo, isto é,
que compartilha o espaço com outros quatro cartazes destacando-se a cada 20 segundos, de
um blog mantido pela Wizard unidade “Gonzaga” (bairro do município de Santos, litoral do
estado de São Paulo). Sobre um fundo cinza médio, aparentando neutralidade, encontram-se
os elementos verbais e não verbais que o constituem.
No primeiro plano, levemente inclinada para sua esquerda, tem-se a imagem de uma
mulher caucasiana, cabelos lisos, compridos e pintados de loiro nas pontas, olhos pretos,
115
maquiagem discreta, sorriso largo e olhando para frente. Ela traja uma camisa cor-de-rosa
clara, mangas longas, esmalte azul escuro, no dedo anelar da mão direita uma aliança de
ouro, ou seja, uma aliança de noivado. Sentada à mesa, a mulher tem na sua mão direita uma
Wizpen [caneta da Wizard que auxilia o(a) estudante na pronúncia de palavras/expressões
em inglês] e, à sua frente, um livro da Wizard aberto, com o qual a mulher aparenta estudar.
Na altura de seu colo, vê-se #nacaobilingue — o conceito da campanha publicitária
Nação Bilíngue — em letras garrafais, “perpassando” a mulher. Sua posição sugere o efeito
de sentido de que ela guarda a tag “no peito”: popularmente conhecido como o “lugar” onde
se guardam as emoções e os afetos; além disso, o colo feminino é onde se refugiam os
carentes de afago e proteção (colo de mãe, namorada, amiga...), mas também é onde
geralmente se encontra o emblema do uniforme de empresa/time/grupo/seita etc. Assim, o
conceito sobre a estudante a qualifica como alguém pertencente à comunidade discursiva
We Are Wizard.
Do lado esquerdo e na parte superior do cartaz, bem próximo à estudante, está o
enunciado mais saliente, em fonte tipográfica Calibri negritada e azul escuro, alinhado à
esquerda e dividido em quatro linhas:
Hoje sou
reconhecida como
uma executiva
bilíngue.
Abaixo desse enunciado, com a mesma tipologia, porém com uma fonte menor, alinhado à
esquerda e dividido em duas linhas, está a legenda
Anamaria Santos Fonseca,
aluna Wizard Vitória da Conquista — BA
Bem como Annie e Alvir (Figuras 4 e 5, respectivamente), tem-se a imagem de uma
pessoa, Anamaria, com os braços à mostra e olhando para a frente. Anamaria não interage
com alguém apto a intervir em sua aforização, mas com um auditório universal, do qual todo
e qualquer leitor participa. Trata-se de um enfoque publicístico que visa a apresentar a marca
116
junto de seus alunos. Nossas observações a respeito do não verbal são, portanto, semelhantes
às das figuras anteriores. Fato que nos permite a concentração na frase sem texto “Hoje sou
reconhecida como uma executiva bilíngue”.
Nesse enunciado, depreendemos as marcas de tempo (hoje) e pessoa (sou); o eu que
toma a palavra, segundo consta na legenda, é Anamaria Santos Fonseca, estudante da Wizard
unidade Vitória da Conquista, interior do estado da Bahia. A dêixis “hoje” marca o período
da conquista do certificado internacional TOEIC, ou seja, Anamaria passou a ser
reconhecida como uma executiva bilíngue em 2016, data do lançamento da Fase 2.
Tal qual nas figuras anteriores, essa aforização também se apresenta com um
estatuto ambíguo, somando as propriedades de uma enunciação aforizante primária e uma
secundária, evidenciando que a fala de Anamaria é condicionada à comunidade discursiva
de que faz parte.
A fim de depreendermos a presença do hiperenunciador no enunciado atribuído à
estudante, é preciso retomar o seu texto-fonte, o qual se encontra disponível no vídeo
Depoimentos Nação Bilíngue Anamaria:
[Anamaria] Hi! I had a professional goal to speak English at work. Now I’m well- known
as a bilingual lawyer. [Oi! Eu tinha um objetivo profissional. Falar inglês no ambiente de
trabalho. Hoje, sou reconhecida como uma advogada bilíngue]*.
Meu nome é Anamaria. Consegui o meu certificado internacional com a Wizard e cheguei
lá.
[Narrador] A Anamaria e outros milhares de brasileiros já aprenderam a falar inglês para
realizar sonhos. Agora, é a sua vez. Venha também para a nação da maior rede de ensino
de idiomas do mundo.
[Anamaria] Obrigada, Wizard, por me ensinar inglês e me fazer chegar lá.
[Narrador] Wizard, por uma nação bilíngue.59
Se, por um lado, a comparação do fragmento-fonte com o seu equivalente aforizado
revela que pouco se alterou no enunciado, por outro, essa alteração se mostra
demasiadamente significativa. Em seu depoimento, Anamaria Santos Fonseca afirma “Hoje,
59 “Depoimentos Nação Bilíngue Anamaria”. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=Uobx-UjbEt4.
Acesso em: 20/02/2017.
* O fragmento italicizado entre colchetes corresponde à legenda do vídeo no momento em que a estudante
Anamaria fala em inglês. Portanto, a tradução é da Wizard.
117
sou reconhecida como uma advogada bilíngue”; ao passo que, no fragmento destacado,
Anamaria afirma “Hoje, sou reconhecida como uma executiva bilíngue”.
Note-se que não se trata de uma simples substituição de um substantivo por outro
(advogada-executiva), mas sim de adequar a experiência de Anamaria aos interesses da
comunidade We Are Wizard, que destacou, modificou e fez a fala circular em forma de
publicidade da escola de idiomas Wizard. Com isso, atribui-se à Anamaria um lugar cuja
valoração social é superior ao que a depoente dispõe quando da sua fala primeira.
Dada a concisão inerente ao gênero do discurso cartaz digital — e tendo em mente
que nem todos assistirão ao vídeo —, essa alteração no enunciado de Anamaria Santos
Fonseca, ancorando-se no estereótipo do falante de inglês como ator social de prestígio,
produz o efeito de sentido de que a ascensão social é algo intrínseco à aprendizagem de
língua inglesa, visto que a depoente passou a ser reconhecida não por ter se tornado uma
executiva, mas sim uma executiva bilíngue.
Executivo(a) é quem executa algo; e as profissões que acompanham ‘executivo’,
como Diretor-Executivo, Chefe-Executivo (Chief Executive Officer, CEO), entre outros, ou
mesmo na esfera governamental, como Poder Executivo (Presidente da República ou Chefe
de Estado) são popularmente associados aos cargos de poder e prestígio social.
Embora não traje terno, e sim um “modelito casual”, a vestimenta de Anamaria
enquanto uma “executiva” também corrobora para a produção de efeitos de sentido.
Observe-se que, em contraste com Annie e Alvir (Figuras 4 e 5), Anamaria Santos Fonseca
é uma mulher um pouco mais velha, com roupas, maquiagem e penteado mais discretos,
além de estar noiva: bem-sucedida na vida profissional e pessoal.
Quando Anamaria afirma que, após fazer o curso da Wizard, passou a ser
reconhecida como uma executiva bilíngue, implicitamente está dizendo que o mercado de
trabalho a reconheceu (legitimou) enquanto tal. Desse modo, o internauta pressupõe que a
depoente já esteja inserida no universo corporativo globalizado, cujo mundo ético implica
viagens internacionais, reuniões de negócios etc., condições do cargo exercido.
À medida que circula pelas mídias digitais, a Figura 6 estabelece como
coenunciador visado o adulto que já está, de algum modo, inserido no mundo dos negócios,
diferentemente das figuras anteriores. É para esse público que a Wizard direciona o seu curso
118
de inglês para adultos: o profissional que enxerga no domínio da língua inglesa uma forma
de manutenção ou promoção de sua atual posição (Cf. www.wizard.com.br/curso/curso-de-
ingles/adults/).
Com isso, o depoimento/testemunho de Anamaria Santos Fonseca a coloca como a
fiadora da eficiência da escola de idiomas Wizard, pois foi por conta de sua eficiência
pedagógica que a depoente passou a ser reconhecida como uma executiva bilíngue. Enquanto
a fiadora, seu discurso dá acesso ao mundo ético corporativo, em que os sagazes homens de
negócio dominam o inglês e, com ele, tratam dos negócios internacionais.
O internauta que almeja esse lugar social e enxerga no aprendizado da língua
inglesa uma forma de promoção profissional ou ascensão social, logo estabelece algum tipo
de identificação e incorpora esse ethos determinado, vencedor, astuto etc., vislumbrando no
curso da Wizard uma possibilidade de realizar seu sonho.
Na Fase 1 (Figuras 1, 2 e 3), a Wizard manifestou seu objetivo de “transformar o
Brasil em uma nação bilíngue” com apenas “2 anos de curso” e a conquista do certificado
internacional. Na Fase 2 (Figuras 4, 5 e 6), a Wizard apresentou os resultados de quem
aceitou o desafio de tornar-se bilíngue, ao propagandear o depoimento de seus estudantes e
membros de We Are Wizard. Na Fase 3 (Figura 7), veremos como essa “nação bilíngue”
está empenhada em seu objetivo, ao fazer uma grande convocação para “transformar o Brasil
em uma nação bilíngue”.
119
4.7 Autoafirmação e convocação: todos por uma #nacaobilingue
Figura 7.
Fonte: Wizard Cuiabá. Disponível em: http://www.wizardcuiaba.com.br/category/videos/.
Acesso em: 12/06/2017.
A Figura 7 pertence à Fase 3 — Hino, cujo lançamento data 12 de dezembro de
2016, com abrangência em todo o território nacional. É um banner digital posicionado
horizontalmente em uma página intitulada “Post” na seção “Vídeos” de um website
institucional mantido pela Wizard by Pearson unidade Cuiabá (capital do Mato Grosso).
Trata-se de uma peça retangular dividida em três partes desiguais. A primeira,
flanco inferior à esquerda, é um triângulo azul escuro, posicionado verticalmente, de
dimensões médias, sobre o qual se encontra, na cor branca destacada com negrito, fonte
tipográfica Times, um enunciado alinhado à esquerda e dividido em quatro linhas:
We Are
Wizard (em letras grandes e italicizadas)
120
Todos por uma
#nacaobilingue”
A segunda parte, no meio do banner, recobrindo a maior parte do retângulo, é uma
fotografia colorida com o fundo (segundo plano) desfocado, dificultando a identificação do
local, que parece ser a escadaria de um prédio. Sobre esse fundo desfocado, encontram-se,
em primeiro plano, três jovens sentados, sendo duas mulheres ao redor de um homem, de
frente para o ponto de vista do fotógrafo. Tal qual a Figura 3, tem-se um homem caucasiano
em primeiro plano na imagem e duas mulheres, uma negra e uma branca, em seu entorno.
Os três jovens estão olhando para o tablet nas mãos do rapaz. Esse dispositivo eletrônico
pode ser entendido como a conexão, via internet, da escola com os estudantes para além do
horário de aula.
Ao lado direito do rapaz, há uma moça ruiva, cabelos lisos e presos, que aparenta
rir do conteúdo que o rapaz mostra em seu tablet. Ao centro, está o jovem caucasiano,
cabelos pretos e curtos, com uma barba volumosa, usa óculos de armação preta e larga e
veste uma camiseta azul escuro com um círculo vermelho na altura do peito e, no interior
desse círculo, há a cabeça de uma ave em cor branca: o logotipo da Wizard by Pearson. Na
manga esquerda de sua camiseta, tem-se novamente, em dimensões menores, o logotipo da
escola. O rapaz veste a camisa da escola de idiomas e, em seu peito, leva o emblema de um
grupo do qual é parte integrante.
Do lado esquerdo do rapaz, de cabelos lisos e curtos na cor preta, vestindo uma
camisa branca com estampa vermelha e calças jeans, há uma jovem negra virada em direção
aos colegas. Embora esteja rindo e olhando para o tablet do rapaz, a moça tem em mãos um
livro didático da Wizard, cuja capa está visível. Ao seu lado esquerdo, há uma mochila
apoiada no banco sobre o qual os três jovens estão sentados.
A terceira parte, flanco superior à direita, é um triângulo vermelho pequeno sem
qualquer inscrição. O triângulo azul escuro (médio) e o vermelho (pequeno) junto com o
branco no enunciado formam as cores emblemáticas da Wizard by Pearson, bem como da
bandeira do Reino Unido.
Com base nos objetos presentes na imagem (mochila, livro didático, tablet) e na
aparência dos jovens e na informalidade de suas vestimentas (calças jeans, camisas e
121
camisetas), bem como ao local onde estão, inferimos que se trata de um ambiente escolar,
mais precisamente de um edifício universitário. E, no tempo livre, os jovens estudantes
aproveitam para estudar inglês no livro e no tablet.
Recapitulando o que se disse em 3. Procedimentos Metodológicos, nas vésperas
do lançamento da Fase 3 — Hino, a Wizard teve alterados seu nome e, consequentemente,
sua identidade visual (cores, formatos, logotipo...). Por essa razão, a composição artística do
banner e o design do logotipo diferem das figuras anteriores.
A mudança, segundo a própria companhia, faz parte de uma estratégia global de
marketing da empresa, que envolve a associação direta da Pearson com algumas marcas. Por
isso, o nome atual da escola de idiomas é Wizard by Pearson. Quanto ao animal icônico, a
águia sofreu mudanças drásticas: no novo logotipo, ela foi redesenhada e inserida em um
grande círculo vermelho de tom brasil. Dados os novos contornos da face e sua inserção em
um círculo vermelho, o novo desenho da silhueta da águia no logotipo se assemelha à ave
mitológica de fênix, renascida das próprias cinzas.
Com essa mudança na identidade da marca, percebe-se como a Wizard passou de
uma orientação mais voltada aos EUA para outra mais voltada aos aspectos culturais
britânicos: cores, logotipo e o nome, endossado pela Pearson. Feitas as considerações,
passemos ao enunciado mais saliente do banner.
Mesmo não havendo nenhuma pontuação entre eles, “We Are Wizard Todos por
uma #nacaobilingue” é constituído sintaticamente por dois períodos coordenados, atestado
pela tipologia e topologia: o primeiro diz respeito a quem somos; o segundo, ao que fazer.
Em We Are Wizard [Nós Somos Wizard], depreendemos a dêixis de pessoa
discursiva “nós”, que implica a existência de mais de uma pessoa. Embora haja três jovens
na imagem, não há nenhuma marca (balão, seta, aspas...) que isente a Wizard by Pearson
dessa fala. Isso porque o enunciado não parte de um locutor específico, mas de um aforizador
coletivo. Trata-se, como visto ao longo deste capítulo, da comunidade discursiva We Are
Wizard, cujo hiperenunciador é a escola de idiomas Wizard By Pearson, que destacou e fez
circular essa aforização. Temos, então, um slogan (particitação de grupo) de autoafirmação.
Por sua vez, “Todos por uma #nacaobilingue” retoma, mais enfaticamente, a
“missão” dessa comunidade, a saber, “transformar o Brasil em uma nação bilíngue” (Figuras
122
1 e 2). Note-se que, pelo tom impositivo, de ordem, mesmo o internauta que não pertence à
comunidade We Are Wizard se vê compelido a atender afirmativamente, devido ao caráter
inclusivo do pronome indefinido todos (todos nós, toda gente, todo mundo...).
Desse modo, esse slogan estabelece como coenunciador um auditório universal, do
qual “todos” (membros e potenciais membros) participam, isto é, o leitor se encontra em
meio a um chamado cívico, ou melhor, a uma convocação, que, como tal, uma resposta
negativa pode lhe trazer algum tipo de consequência.
Graças ao seu lugar de destaque no cenário empresarial-educacional brasileiro, a
Wizard by Pearson faz essa convocação (slogan) circular, por meio da publicidade, em nível
pandêmico: simultaneamente em todos os veículos de comunicação de massa60. Sua
circulação inclui jornais e revistas (média e grande circulação), painéis e outdoors nas vias
públicas, programas de rádio e televisão e, sobretudo, as mídias digitais, onde tem sido
comentada e compartilhada por milhares de internautas, amplificando o seu alcance e
angariando cada vez mais membros.
As particitações de grupo implicam um hiperenunciador que defina os valores
partilhados no interior de uma dada comunidade, mas também que minimize a
heterogeneidade dos membros em favor de si mesmo. Enquanto um slogan, “We Are Wizard
Todos por uma #nacabilingue” dá coesão e reafirma o posicionamento da comunidade
perante um exterior hostil ou indiferente à sua causa. Essa convocação visa, portanto, não só
à manutenção, como também e principalmente à expansão do grupo.
Observe-se que o enunciado mimetiza um slogan militante, ao se colocar a favor
do ensino de língua inglesa como a mola propulsora do desenvolvimento socioeconômico
do país, conforme discutido anteriormente. Saber se comunicar em inglês tornou-se uma
necessidade — quase uma obrigação — para o brasileiro do século XXI, e a Wizard (by
Pearson) incumbiu-se da “missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue”.
Subjacente a esse interesse “social”, encontra-se um nicho mercadológico
bilionário que tende a aumentar nos próximos anos. Assim, ao convocar todos pela missão
de transformar o Brasil em uma nação bilíngue, está-se afirmando que com mais alunos-
60 O filme Hino (texto-fonte do slogan ora analisado), por exemplo, teve diversas chamadas na internet (redes
sociais, blogs...) para sua estreia, nos dias 10 e 11 de dezembro de 2016, durante os intervalos da novela das
21:00h na Rede Globo de Televisão.
123
consumidores, mais receita We Are Wizard terá, isto é, mais capacidade de expansão e
implementação da língua inglesa no país.
Legitimado pelo atual estágio da globalização e governança do Mercado nas
sociedades neoliberais, esse processo está de acordo com o modus operandi da Pearson:
expandir-se cada vez mais até o ponto de tornar-se hegemônico, imbatível.
Para tanto, o discurso tem de estar alinhado à conjuntura ideológica visada, pois
suas condições de êxito implicam, entre outros, o ethos discursivo. A partir do ethos pré-
discursivo de empresa eficiente, segura, determinada e aguerrida, que superou/venceu a
concorrência e conquistou a liderança no seu nicho mercadológico, a Wizard encontra apoio
no conglomerado Pearson, cujo histórico é semelhante ao da empresa brasileira, guardadas
as suas proporções.
Ao se denominar em língua inglesa, a comunidade discursiva We Are Wizard libera
alguns indícios com os quais o coenunciador cria algumas representações suas: é uma
comunidade voltada para o âmbito globalizado, com práticas discursivas que incluem a
comunicação via internet, #nacaobilingue, além de se filiar ideologicamente a determinados
valores anglo-saxões.
Esses índices induzem o leitor, baseado no estereótipo de que as nações anglófonas
são industrializadas/modernas, a relacionar fluência em língua inglesa com desenvolvimento
econômico. Assim, por meio de um tom impositivo, de uma instância superior, o
coenunciador é levado a criar um caráter patriótico, determinado, dinâmico dos jovens
membros de We Are Wizard, fiadores do discurso, que dão acesso ao mundo ético dessa
comunidade; com isso, o coenunciador incorpora esse ethos de união, determinação e
engajamento em prol da transformação do Brasil numa nação que tenha o idioma inglês
como segunda língua, o que o beneficiaria, pois estreitaria as relações comerciais, sociais e
culturais com os países desenvolvidos.
Neste ponto, evocamos as palavras de Maingueneau (2014), de que não basta
constatar que fragmentos foram destacados de textos, é preciso considerar também como
eles se apresentam no texto original. Por isso, retomemos o texto-fonte desse slogan,
disponível no vídeo-disparador da Fase 3 — Hino We Are Wizard:
124
A sua voz é o som mais poderoso do universo.
Ela é capaz de começar uma revolução, de romper barreiras e te levar mais longe.
Eles aceitaram o desafio de aprender a falar inglês e venceram. (We Are Wizard!)
E você, em qual idioma tem sonhado? (We Are Wizard!).
WIZARD: Todos por uma #nacaobilingue.61
A comparação dos fragmentos-fontes com os seus equivalentes destacados nos
permite constatar que possuem uma estrutura breve e pregnante, cujo caráter sentencioso
condensa a ideologia e sintetiza o objetivo de Nação Bilíngue, ou seja, “constitui uma tomada
de posição do enunciador sobre uma questão polêmica” (MAINGUENEAU, 2014, p. 15).
Tais índices de destacabilidade categorizam esses fragmentos como fortemente
sobreasseverados. Quando isso acontece, ao serem destacados, as alterações tendem a ser
menos importante (MAINGUENEAU, 2014). Por isso, “We Are Wizard Todos por uma
#nacaobilingue” não sofreu nenhuma modificação, exceto o fato de terem sido juntados em
um só enunciado na Figura 7.
Diferentemente das anteriores, a Figura 7 é um banner que, ao ser clicado, direciona
o internauta para o vídeo We Are Wizard (texto-fonte), hospedado no próprio website em
que se encontra o banner. Portanto, essa figura constitui-se como um destacamento fraco,
funcionando com uma espécie de “gancho” jornalístico na impressa.
61 Wizard. We Are Wizard. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WHQMMD95Poc. Acesso
em: 22/03/2017.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fundamentalmente monologal, a aforização tem como efeito
centrar a enunciação no locutor ... [que] pode assumir a altura,
expressar uma convicção, uma experiência,
enunciar sua verdade, subtrair-se à negociação.
(Maingueneau, 2015)
Este trabalho teve por objetivo analisar, do ponto de vista verbal e visual, os
discursos veiculados na campanha publicitária Nação Bilíngue (2014-2017), da escola de
idiomas Wizard; e, mais especificamente, depreender os efeitos de sentido produzidos
nas/pelas frases sem texto nos cartazes/banners digitais dessa campanha. A partir desse
objetivo, buscou-se responder à seguinte pergunta de pesquisa: “Quais são os efeitos de
sentido produzidos nas/pelas frases sem texto nos cartazes/banners digitais da campanha
publicitária Nação Bilíngue?”
Para tanto, recorremos às noções de Frases sem texto, Hiperenunciador e Ethos
discursivo, na perspectiva enunciativo-discursiva da Análise do Discurso francesa, tal qual
desenvolvida por Dominique Maingueneau. A seguir, apresentamos os resultados obtidos
com a análise dos dados.
Devido à volatilidade inerente às mídias digitais, a definição de uma enunciação
aforizante como destacamento forte/fraco torna-se algo possivelmente efêmero. Entretanto,
nos dados ora analisados, considerando o momento em que foram coletados, com exceção
das Figuras 2 e 7, todas as outras aforizações se constituíram como destacamentos fortes,
isto é, sua circulação acontece de forma autônoma em relação à do texto-fonte. Ao serem
destacados, todos os enunciados sofreram algum tipo de alteração, quando comparados aos
seus fragmentos-fontes.
Após serem destacados e alterados, os enunciados estampados nas Figuras 1, 2, 3 e
7 foram alçados a slogans publicitários (aforizações primárias), já os das Figuras 4, 5 e 6
apresentam-se com o estatuto ambíguo: são fragmentos extraídos dos depoimentos,
acompanhados pelo nome e rosto de cada depoente, mas não apresentam nenhuma marca de
126
discurso relatado (aspas, balão, seta, cor ou tipografia diferente...). Isso fez com que esses
enunciados se beneficiassem das propriedades de ambos os tipos: aforização primária e
secundária. Ademais, essa ambiguidade pôs em evidência a presença do hiperenunciador.
Foi possível depreender a noção de hiperenunciador no corpus como um todo. Nas
Figuras 1, 2, 3 e 7 (Fases 1 e 3), sua presença é apreendida como a instância que legitima a
retomada e a circulação dos slogans comerciais, através de suas marcas: #nacaobilingue (tag
da comunidade We Are Wizard) e logotipo.
Em relação às Figuras 4, 5 e 6 (Fase 2), depreendemos o hiperenunciador tanto por
#nacaobilingue quanto por aquilo que não só pode, como deve ser dito pelos membros de
We Are Wizard. Embora as falas sejam atribuídas aos depoentes, nota-se um modo de
enunciar condizente com o grupo a que pertencem. Além disso, ao comparar os fragmentos-
fonte e seus equivalentes destacados, percebe-se que os depoimentos foram modificados
com o intuito de melhor atender aos interesses da comunidade discursiva. Dessa forma, o
hiperenunciador é o terceiro ausente que destaca, altera e faz circular os enunciados
pertinentes. Esse modo de enunciar dos membros de We Are Wizard se refere ao ethos
discursivo dessa comunidade, cujo hiperenunciador é a escola Wizard.
No atual estágio de globalização, o ensino de inglês — a lingua franca da política,
economia e cultura — é considerado um “produto maduro”, isto é, um produto com o
consumo relativamente estável e, portanto, conhecido pela sociedade, status que atrai o
interesse de muitas empresas em comercializá-lo. Com o objetivo de se destacar em meio à
forte concorrência de mercado — princípio básico da filosofia neoliberal —, o que se vende
nos textos publicitários não é o produto per si, mas um mundo ético a que o uso ou a posse
do produto dá acesso.
Estudar inglês na Wizard é ter acesso ao seu mundo ético, cujas práticas discursivas
incluem: comunicar-se por meio da #nacaobilingue; conquistar o certificado internacional
TOEIC (com o qual o jovem estudante tem a possibilidade de estudar ou trabalhar/morar em
outro país, bem como a promoção profissional por ter se tornado bilíngue); a relação de
pertencimento à maior escola de idiomas do mundo, dirigida e endossada pelo líder mundial
em negócios em educação, o conglomerado Pearson, entre outras.
127
No capítulo 1, ao apresentar o percurso histórico da Wizard, apresentamos também
seu ethos pré-discursivo, o qual é confirmado nos textos de Nação Bilíngue, ou seja, sua
representação imagética de empresa grande, competitiva, eficiente e com características
predatórias, que superou toda a sua concorrência, consolidando-se líder de mercado no seu
segmento empresarial.
A partir dessa imagem de si construída discursivamente, a Wizard se apresenta, em
Nação Bilíngue, como a única escola de idiomas capaz de realizar os sonhos dos alunos.
Para isso, reforça o estereótipo do falante de inglês como alguém que ocupa um lugar social
prestigiado, despertando o desejo de estudantes que almejam tal status e enxergam no
aprendizado de língua inglesa uma — talvez a única — forma de alcançá-lo.
Contudo, a adesão não se dá pela simples identificação entre enunciador e
coenunciador; a Wizard se coloca como a fiadora que dá acesso ao mundo ético de We Are
Wizard, cujos membros são engajados em transformar o Brasil em bilíngue (Figuras 1, 2 e
7), estão cientes das novas demandas da juventude (Figura 3) e têm a possibilidade de
realizar seus sonhos, sejam eles estudar nos EUA (Figura 4), fazer intercâmbio no Canadá
(Figura 5) ou ascender socialmente, por meio de uma promoção na carreira, consequência
de tornar-se um profissional bilíngue (Figura 6).
Embora não esteja verbalmente marcado em nenhum cartaz/banner digital que o
objetivo maior é a implementação da Língua Inglesa, esse efeito de sentido é assegurado
pelos demais elementos das figuras (águia-americana, o nome da escola “Wizard”), pelas
cores na sua composição artística: azul e vermelho nos tons emblemáticos das bandeiras dos
EUA e da Grã-Bretanha, bem como pelo contexto sócio-histórico (Capítulo 1).
Assim, as frases sem texto de Nação Bilíngue produzem, por um lado, o efeito de
sentido de que a implantação do bilinguismo no Brasil é a melhor chance de inserção dos
estudantes no mundo globalizado e moderno, cujo idioma é o inglês; por outro lado, que esse
idioma é um meio de ascensão social. De todo modo, tem-se a prevalência do discurso
econômico respaldando os textos de Nação Bilíngue.
Constatamos ainda que, diferentemente dos slogans publicitários convencionais, os
de Nação Bilíngue não recorrem à função conativa (apelativa), sobressaindo-se o seu caráter
128
mimotópico, isto é, sua capacidade de adaptar-se a ou metamorfosear-se em outros discursos,
simulando até mesmo ser uma não publicidade.
Observe-se ainda que o modo de enunciar também contribui para a produção de
determinados efeitos de sentido. Conforme dito no trecho em epígrafe, o regime enunciativo
aforizante desvela sua força, pois é tese, convicção; não implica um coenunciador específico,
mas um auditório universal que não se situa no mesmo plano do aforizador, por isso, incapaz
de intervir na enunciação. Assim, ao fazer apologia ao bilinguismo, a Wizard se coloca no
alto e impõe a sua vontade/verdade, pois está resguardada por uma instância superior. Com
base nessas características, lançamos a hipótese de que a aforização é o regime enunciativo
ideal para se propor uma transformação dessa envergadura.
A transformação de uma nação concerne às autoridades competentes, que podem
discutir o tema por meio de votações, plebiscitos, assembleias gerais etc., pois cabe ao poder
público, o Estado, zelar pelo bem-estar da população. No entanto, em tempos de
corporocracia, as demandas de um povo não têm sido decididas por ele, através dos meios
cabíveis, mas por conglomerados empresariais que tomam a frente do poder público para
ditar o que é melhor para toda a sociedade. Em outras palavras, os grandes grupos
empresariais têm sequestrado as iniciativas governamentais e agido como se a sociedade a
eles pertencesse.
Atualmente, os grupos detentores do poder não mais se intimidam por impor pautas
que visam a atender aos seus interesses prioritariamente. A campanha publicitária Nação
Bilíngue é um exemplo. Para pôr em prática sua proposta, a Wizard by Pearson precisa de
recursos, obtidos com o aumento no número de alunos. Para tanto, a escola de idiomas
explora ao máximo seu ethos de empresa grandiosa, poderosa, experiente, competente e
beneficente, a fim de recrutar o máximo de alunos-consumidores que se engajem em sua
causa, isto é, em sua missão de transformar o Brasil em uma nação bilíngue.
Esperamos que as discussões travadas nesta dissertação contribuam para o
desenvolvimento de trabalhos futuros, sejam com a mesma temática, sejam a respeito da
circulação de slogans precedidos por hashtag (#), fenômeno discursivo que carece de
estudos linguístico-discursivos. Esperamos, ainda, que contribua com reflexões críticas
acerca das causas e dos efeitos da expansão global da Língua Inglesa e da tentativa de sua
legitimação na contemporaneidade.
129
REFERÊNCIAS
AMOSSY, Ruth. (org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. 2.ed. Vários
Tradutores. São Paulo: Contexto, 2005/2014. Images de soi dans le discours. La
construction de l’ethos. Lausanne: Delachaux et Niestlé, 1999.
AVILA, Tiago Brasil de. O idoso na publicidade: cenografia e ethos. [Dissertação de
Mestrado] Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem.
São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2013.
BARONAS, R.L.; LIMA, R.R.; MORAES, G.A de.; OLIVEIRA, H. (orgs.). Pequenas
frases na política brasileira, francesa e anglo-saxônica: abordagens discursivas. Campinas:
Pontes Editores, 2016.
BRASIL, Luciana Floriano. O slogan e suas múltiplas dimensões na publicidade.
[Dissertação de Mestrado] Programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa. São Paulo:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2009.
BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral II. 2ª ed. Tradução: Eduardo
Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1976/2006. Problèmes de Linguistique Générale II.
Éditions Gallimard, 1974.
BOHN, Hilário I. “Ensino e aprendizagem de línguas: os atores da sala de aula e a
necessidade de rupturas”. In: MOITA LOPES, L.P. da. (org.). Linguística Aplicada na
modernidade recente. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.
CANAGARAJAH, A. Suresh. Resisting Linguistic Imperialism in English Teaching.
Oxford: Oxford University Press, 1999.
CARVALHO, Richarles S. de. Materialidades discursivas persuasivo-nostálgicas na
publicidade. [Tese de Doutorado] Programa de Pós-Graduação Ciências da Linguagem.
Tubarão: Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), 2016.
CASSIANO, Célia C. F. O mercado do livro didático no Brasil: da criação do PNLD à
entrada do capital internacional espanhol (1985-2007). [Tese de Doutorado] Programa de
130
Pós-Graduação Educação, História, Política, Sociedade. São Paulo: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), 2007.
CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do
Discurso. 3ed. Coordenação de tradução: Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2012.
Dictionnaire D’Analyse du Discourse. Paris: Éditions du Seuil, 2004.
CORACINI, Maria José R.F. O discurso publicitário sobre escolas de língua e a construção
da identidade. In: Letras & Letras, 19(1): 2003, pp. 53-74. Disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/download/25147/13965. Acesso em:
17/01/2017.
CRYSTAL, David. English as an International Language. 2. ed. Cambridge: Cambridge
University Press, 1997/2003.
_______. A revolução da linguagem. Tradução: Ricardo Quintana. Rio de Janeiro: Jorge
Azhar, 2006. The Language Revolution. Malden, MA: Polity Press, 2004.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução: Renato da Silveira. Salvador:
EDUFBA, 2008. Peau noire, masques blancs. Éditions du Seuil, 1952.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Os circuitos da História e o balanço da educação no Brasil na
primeira década do século XXI. In: Rev. Bras. Educ. 16(46): 2011. pp. 235-254. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v16n46/v16n46a13. Acesso em: 19/12/2016.
GIDDENS, Anthony. The Consequences of Modernity. Cambridge: Polity Press, 1990.
KUMARAVADIVELU, B. “A Linguística Aplicada na era da globalização”. Tradução:
MOITA LOPES, L.P. In: MOITA LOPES, L.P. (org.). Por uma Linguística Aplicada
INdisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006.
LEFFA, Vilson J.; IRALA, Valesca Brasil. “O ensino de outra(s) língua(s) na
contemporaneidade: questões conceituais e metodológicas”. In: _______. (orgs.). Uma
espiadinha na sala de aula: ensinando línguas adicionais no Brasil. Pelotas: Educat, 2014,
p. 21-48.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em Análise do Discurso. 3 ed. Tradução:
Freda Indursky. Campinas: Pontes / Editora da Unicamp, 1997. Nouvelles Tendances em
Analyse du Discours. Hachette, 1987.
131
_______. Discurso Literário. Tradução: Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006. Le
discours littéraire. Paris: Armand-Colin, 2005.
_______. Cenas da Enunciação. Sírio Possenti e Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva
(orgs.). Vários tradutores. São Paulo: Parábola Editorial, 2008a.
_______. “A propósito do ethos”. Tradução: Luciana Salgado. In: Ethos Discursivo. Ana
Raquel Motta e Luciana Salgado (orgs.). São Paulo: Contexto, 2008b.
_______. Gênese dos discursos. Tradução: Sírio Possenti. São Paulo: Parábola Editorial,
2008c. Genèses du Discours. Liège: Mardaga, 1984.
_______. Doze conceitos em Análise do Discurso. Sírio Possenti e Maria Cecília Pérez de
Souza-e-Silva (orgs.). Vários tradutores. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.
_______. “Texto, gênero de discurso e aforização”. Tradução: Ana Raquel Motta. In: Texto
ou discurso? Beth Brait e Maria Cecília Souza-e-Silva (orgs.). São Paulo: Contexto, 2012.
_______. Análise de textos de comunicação. 6.ed. ampliada. Tradução: Maria Cecília Pérez
de Souza-e-Silva e Décio Rocha. São Paulo: Cortez, 2013.
_______. Frases sem texto. Tradução: Sírio Possenti et alii. São Paulo: Parábola Editorial,
2014. Les phrase sans texte. Paris: Armand-Colin, 2012.
_______. Discurso e Análise do Discurso. Tradução: Sírio Possenti. São Paulo: Parábola
Editorial, 2015. Discours et analyse du discours — Intruduction. Paris: Armand Colin, 2014.
_______. “Retorno Crítico sobre o Ethos”. Tradução: PC Mesti. In: BARONAS, RL;
MESTI, PC; CARREON, RO. (orgs.). Análise do Discurso: entorno da problemática do
Ethos, do político e de discursos constituintes. Campinas: Pontes Editores, 2016.
MATOS, Silvia Toreli. Cenografia e ethos em publicidades dos Sistemas de Ensino na
revista Nova Escola. [Dissertação de Mestrado] Programa de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), 2010.
MENDES, Silma R.C. Cenografia e Ethos: Os discursos de uma instituição de ensino
superior privada. [Tese de Doutorado] Programa de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), 2008.
132
PHILLIPSON, Robert. Linguistic Imperialism. Oxford: Oxford University Press, 1992.
PENNYCOOK, Alastair. The Cultural Politics of English as an International Language. 3
ed. Londres: Pearson Education, 1994/2003.
_______. English and the Discourses of Colonialism. Oxon: Routledge, 1998.
_______; COUTAND-MARIN, Sophie. “Teaching English as a Missionary Language”. In:
Discourse: Studies in the cultural politics of education. 24(3): 2003. pp. 337-353.
_______; MAKONI, Sinfree. “The Modern Mission: The Language Effects of Christianity”.
In: Journal of Language, identity, and education. 4(3): 2005. pp. 137-155.
RAJAGOLAPAN, Kanavillil. “Política de ensino de línguas no Brasil: história e reflexões
prospectivas”. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da (org.). Linguística Aplicada na
Modernidade Recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola Editorial,
2013.
SANT’ANNA, Armando. Propaganda: Teoria, Técnica e Prática. 7 ed. São Paulo:
Thomson Pioneira, 1998.
SANDMANN, Antônio J. A Linguagem da Propaganda. 10. ed. São Paulo: Contexto,
1993/2014.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal. 19. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000/2011.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Tradução: A. Chelini, JP Paes e I.
Blikstein. 28 ed. São Paulo: Cultrix, 1970/2012. Cours de Linguistique Générale. Paris:
Payot, 1916.
STORTO, André Coutinho. Discursos sobre bilinguismo e educação bilíngue: a perspectiva
das escolas. [Dissertação de Mestrado] Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade
Estadual de Campinas (IEL-Unicamp). Campinas, 2015.
TITÃS. “Enquanto houver Sol”. In: TITÃS Como estão vocês?. São Paulo: BMG, 2003.
WOLF, Fábio. A Língua Inglesa na mídia publicitária de um instituto de idiomas e suas
relações dialógicas com o discurso, a identidade e a ideologia na contemporaneidade. [Tese
de Doutorado] Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2014.