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DADOS DECOPYRIGHT

Sobre a obra:

A presente obra é disponibilizada pelaequipe Le Livros e seus diversos par-ceiros, com o objetivo de oferecer con-teúdo para uso parcial em pesquisas eestudos acadêmicos, bem como osimples teste da qualidade da obra, como fim exclusivo de compra futura.

É expressamente proibida e totalmenterepudíavel a venda, aluguel, ouquaisquer uso comercial do presenteconteúdo

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Sobre nós:

O Le Livros e seus parceiros disponib-ilizam conteúdo de dominio publico epropriedade intelectual de forma total-mente gratuita, por acreditar que o con-hecimento e a educação devem seracessíveis e livres a toda e qualquerpessoa. Você pode encontrar mais obrasem nosso site: LeLivros.us ou emqualquer um dos sites parceiros ap-resentados neste link.

"Quando o mundo estiver unidona busca do conhecimento, e não

mais lutando por dinheiro epoder, então nossa sociedade

poderá enfim evoluir a um novonível."

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Metodologia dapesquisa jurídicatécnicas de invest-igação, argu-mentação e redação

Marcelo Lamy

Aprender a pensar o DireitoFechamento desta edição: 29 de outubro de2010

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Copyright

© 2011, Elsevier Editora Ltda.

Todos os direitos reservados e protegidos

pela Lei no 9.610, de 19/02/1998.Nenhuma parte deste livro, sem autorizaçãoprévia por escrito da editora, poderá ser re-produzida ou transmitida, sejam quais foremos meios empregados: eletrônicos, mecâni-cos, fotográcos, gravação ou quaisqueroutros.

Copidesque: Pamela AndradeRevisão: Emidia Maria de BritoEditoração Eletrônica: SBNigri Artes e Tex-tos Ltda.

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Elsevier Editora Ltda.Conhecimento sem Fronteiras

Rua Sete de Setembro, 111 – 16o andar20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ– Brasil

Rua Quintana, 753 – 8o andar04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP –Brasil

Serviço de Atendimento ao [email protected]

ISBN 978-85-352-4376-5ISBN (versão eletrônica): 978-85-352-7071-6

Nota: Muito zelo e técnica foramempregados na edição desta obra. No ent-anto, podem ocorrer erros de digitação, im-pressão ou dúvida conceitual. Em qualquerdas hipóteses, solicitamos a comunicação aonosso Serviço de Atendimento ao Cliente,

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para que possamos esclarecer ou encaminhara questão.Nem a editora nem o autor assumemqualquer responsabilidade por eventuaisdanos ou perdas a pessoas ou bens, origina-dos do uso desta publicação.

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros,RJ

L236m

Lamy, MarceloMetodologia da pesquisa jurídica: técnicasde investigação, argumentação e redação /Marcelo Lamy. – Rio de Janeiro: Elsevier,2011.

Inclui bibliografia

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ISBN 978-85-352-4376-5

1. Pesquisa jurídica. 2. Investigação criminal.3. Oratória forense. 4. Redação forense. I.Título. II. Título: Técnicas de investigação,argumentação e redação.

10-4568CDU: 340.12

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Dedicatória

Tomás de Aquino ensinava que o amorpropicia maior grau de união com o ob-jeto amado do que a razão com o objetoconhecido. Em razão disso, que somos

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mais capazes de conhecer quandoamamos, pois a intimidade revela o que

nossa razão é incapaz de perceber.

Dessa forma, dedico esse trabalho àspessoas que cotidianamente revelam

novas realidades para meu ser: minhaamada esposa Luciene, meus amados

filhos Sofia e Th éo.

Obrigado

Marcelo Lamy

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O autor

Marcelo Lamy

Bacharel em Direito (UFPR). Mestre emDireito Administrativo (USP). Doutor emDireito Constitucional (PUC-SP). Professordo Programa de PósGraduação Stricto Sensuem Direito Ambiental e Internacional, Vice-Presidente do Comitê de Pesquisa (Copesq) eMembro do Comitê Institucional de Ini-ciação Científica (Coic) da Unisantos. Pro-fessor participante do Programa dePósGraduação Stricto Sensu em Direito daUFPE. Diretor da Escola Superior de DireitoConstitucional – ESDC. Coordenador e Pro-fessor da Pós-Graduação Lato Sensu emDireito Constitucional da ESDC. Professor deDireito Constitucional e Coordenador da

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Pós-Graduação Lato Sensu em DireitoPúblico das Faculdades Integradas doPlanalto Central (Faciplac). Conselheiro in-ternacional e professor convidado do Insti-tuto Jurídico Interdisciplinar da Faculdadede Direito da Universidade do Porto. Diretorda Revista Brasileira de Direito Constitu-cional – RBDC, dos CadernosInterdisciplinares Luso-Brasileiros e da Rev-ista Notandum.

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Prefácio

Quando se pensa em Universidade, pensa-seimediatamente no tripé: ensino, pesquisa eextensão. A pesquisa, no entanto, tem sidonegligenciada entre nós. São poucas, efetiva-mente, as instituições que legitimamentecompreenderam o papel da pesquisa e adesenvolvem com acerto.

Vivemos inseridos em um apanhado de in-stituições meramente de ensino.

Desenvolvem-se, nesse meio, pilhas de tra-balhos “acadêmicos”, mas pouquíssimosrealmente merecem o nome de pesquisas…

A presente obra ocupa-se de que seaprenda a desenvolver trabalhos acadêmicosque compendiem resultados de pesquisas,que portem legitimamente o qualificativocientífico.

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Na literatura universal, são diversas asobras (para nós, clássicas) que se dedicarama discutir o que é a ciência, o que é o con-hecimento, o que é a pesquisa. Da mesmaforma, não são poucas as que se voltaram aventilar “como” desenvolver trabalhosde cunho científico, ou seja, a explicitar astécnicas e métodos de investigação que tor-nam os afazeres científicos. Muitas são tam-bém as que se voltaram a estudar as téc-nicas que tornam persuasivas ou con-vincentes às ideias.

A presente obra pinça o que nos parece demais relevante de todos esses aspectos, in-ovando no tratamento conjunto e entre-laçado dessas questões.

Ademais, inova em algumas dessas di-mensões de maneira singular.

Por exemplo, de mãos dadas aospensamentos do filósofo espanhol AlfonsoLópez Quintás e do grande mestre da místicaSão João da Cruz, lança luzes esclarecedoras

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sobre matéria que rotineiramente passa des-percebida às obras de metodologia: a ne-cessidade que todos os investigadores têm dereaprender a pensar; a necessidade que to-dos os pensadores têm de se auto-aper-feiçoar antes de pensar nas coisas, pois oscondicionamentos pessoais de todos influen-ciam a forma de ver os objetos doconhecimento.

Destaque se dê também, ao tópico Metod-ologia e Cientificidade, pois apresenta demaneira muito objetiva o ponto fulcral quetoda investigação tem de alcançar para ad-quirir a conotação científica: identificar comprecisão a metodologia de abordagem eescolher com cuidado a metodologia deprocedimento.

Através da literatura, de exemplos e de ex-ercícios muito práticos faz-nos compreendercom certa facilidade o que usualmente é dedifícil apreensão. Vê-se que essa obra é

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reflexo de trabalho amadurecido e testadoefetivamente pelo autor.

Surpreendente também é a praticidadecom que o autor desenlaça os temas com-plexos da teoria da argumentação. Sua re-ceita, explicitada pela própria divisão do tra-balho, é bastante esclarecedora: aprender aidentificar, a organizar, a apresentar, a fun-damentar e a refutar as ideias.

Diante de uma literatura nacional que sevolta quase que exclusivamente a técnicasexternas (que devem ser seguidas formal-mente para pretensamente se fazer ciência),essa obra apresenta um contraponto,mostra-nos que fazer pesquisa é algo muitomais sério, que fazer ciência é, antes de tudo,tornar-se mais humano, que as técnicas sãoimportantes, mas vêm em consequência…

Muito relevante seria para a nossa so-ciedade se os responsáveis pela pesquisa nasUniversidades brasileiras estudassem e re-estudassem as lições que nos apresenta o

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Prof. Dr. Marcelo Lamy, se os estudantes ad-otassem essa nova pauta de desafios em suaaprendizagem.

Jean Lauand

Professor Titular da Faculdade de Educaçãoda USP, do Programa de Pós-Graduaçãoem Educação da FEUSP. Fundador e diretordo CEMOrOc – Centro de Estudos Mediev-ais – Oriente e Ocidente, do EDF –FEUSP.Professor Investigador e PesquisadorEmérito do IJI – Instituto Jurídico Interdis-ciplinar da Universidade do Porto.

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Apresentação

Luis Jean Lauand, em sua obra O que é umaUniversidade?, apresenta-nos umpensamento inquietante: os rumos da edu-cação dependem mais das atitudes, da pos-tura interior de cada educador, do que dequalquer metodologia ou técnica pedagó-

gica.1

Para Lauand, o genuíno educador é aqueleque desce do pedestal e torna-se professor-aluno. É aquele que se vê continuamenteabalado pela renovada paixão de descobrir a

verdade,2 que é capaz de recorrer, nova-mente, junto com seus alunos, a trilha do“encontro” com o tema, que renova sua ad-miração e, em antigos e novos raciocínios, écapaz efetivamente de descobrir, em cada

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aula, novas verdades sobre o mesmoassunto.

É o professor que não se vicia em falar ouformular suas antigas descobertas, mas queas revive, passo a passo, e as aperfeiçoa, emcada aula. Sem perder a maturidade, a ex-

periência do espírito formado3 – que deve sertransmitida aos seus alunos – comunica oadmirável para a sua matéria e guia o alunopara o caminho da admiração, onde tudoperde o seu caráter evidente, enfadonho. Écapaz de superar a mera instrução, o meroditado, para alcançar a formação do experi-mentar, do saborear a matéria.

Ao prepararmos esta obra, estávamos in-spirados por essas palavras.

Procuramos não incorporar, portanto, dis-cursos pontificadores, próprio de quem achaque já sabe…

Ao contrário, buscamos relatar o maisfielmente possível o caminho que percorre-mos quando fomos aprendendo cada um dos

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assuntos aqui tratados, inclusive anexandoalguns trechos de leituras paralelas (de obrasliterárias: nossa paixão confessada!) que cer-tamente conspiraram para as mesmasdescobertas, pois contribuíram significativa-mente para manter acesa a chama do nossoencantamento.

Trata-se, por isso, de uma obra diferen-ciada das usuais de metodologia da pesquisae do trabalho científico, pois não nos preocu-pamos em dar conta de todos os aspectostécnicos e operacionais, mas apenas de re-latar os assuntos que realmente fizeramdiferença na nossa maneira de ver a ciência,as abordagens que verdadeiramentesurtiram impacto positivo nos alunos que jáformamos no caminho acadêmico(graduação, especialização, mestrado edoutorado).

O leitor terá acesso, em consequência, aomaterial que temos utilizado nos últimosanos em diversos cursos de metodologia e

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argumentação e que tem produzido algunsresultados satisfatórios.

Muitas reflexões ainda não testadas ou, emnosso ver, ainda incompletas foram suprimi-das. Talvez em futuras edições possam vir aser incorporadas.

No momento, apresenta-se o que nosparece essencial.

Na primeira parte, dedicada à pesquisa,uma trilha para se aprender a pensarcientificamente.

Na segunda parte, voltada para a argu-mentação, a senda segura para se explicitar oque se aprendeu com efeitos significativos.

As duas partes, no entanto, podem ser sep-aradas apenas didaticamente. Em verdade,são complementares, facetas da mesmamoeda. Pelo aprendizado da pesquisa,aprende-se a expor o conhecimento ad-quirido. Pelo domínio da argumentação,aprende-se também a se fazer pesquisa, apensar.

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Mais ainda, esta obra somente pode serentendida tendo em conta sua configuraçãoíntima que é essencialmente sincrética: ap-resenta as mútuas interações entre diversossaberes, entre a metodologia da pesquisa, ametodologia do trabalho científico, a teoriada argumentação, a lógica e a retórica.

As descobertas aqui relatadas, o caminhode aprendizagem aqui desenvolvido não estápreso somente aos propósitos acadêmicos(desde as primeiras páginas o leitor perce-berá isso) – instrumentar professores nessaciência, preparar alunos para o desafio doconhecimento científico, dirige-se tambémao êxito na vida como um todo, especial-mente na vida profissional.

Tivemos a experiência de ministrar todoesse conteúdo em diversos treinamentospara profissionais do Direito (para ad-vogados, juízes, procuradores, promotoresetc.) e nossa curiosa e paradoxal constataçãofoi a seguinte: é nesse campo que esses

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ensinamentos tornam-se mais preciosos emais carentes (toda especialidade jurídicacarece de profissionais-pesquisadores).

Em outras palavras, esta obra propõe-se aapresentar chaves interpretativas (expressãoque emprestamos de Alfonso López Quintás)que levem a pesquisa e a argumentação paraqualquer de suas finalidades imagináveis.

O autor

1Cf. Luis Jean Lauand. O que é uma Universidade?, p. 121 e

s.

2Cf. Luis Jean Lauand. O que é uma Universidade?, p. 123.

3Cf. Luis Jean Lauand. O que é uma Universidade?, p. 124.

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Introdução

Para que serve a pesquisa?Bertrand Russel, em sua magnífica obra OnEducation, escrita em 1926, alerta-nos:

“Temos, pois, antes de definirmos qual otipo de educação que consideramos o mel-hor, de assentar o tipo de homem que quere-

mos produzir”.1

Esse ponto é fulcral, é o eixo da porta(gonzo) sem a qual a reflexão de toda estaobra tornar-se-ia, a partir daqui, desen-gonçada, fora de lugar.

Não é produtivo, o impacto é artificial,passageiro e inexpressivo educar os homenspara respeitar ou valorizar algo, ou simples-mente para se fazer algo como a pesquisa, se

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esse respeito ou valorização não advier dequem o homem é, mas da simples im-posição cultural momentânea (da mera ne-cessidade passageira de se fazer umapesquisa acadêmica).

Somente o estudo que prepara o homempara o “torna-te o que és” (homem) do po-eta grego Píndaro (518 a.C. – 438 a.C.)atinge-o de modo eficaz e duradouro.

Neste campo definido (tornar o homem oque ele é), vejamos as características aponta-das por Russel como essenciais para a form-ação dos homens de todos os tempos: vitalid-ade, coragem, sensibilidade, inteligência eliberdade.

Pedagogia da vitalidadeÉ o prazer de sentir-se vivo (vitalidade), ointeresse pelas coisas do mundo externo quetorna a existência “humana” e torna-nos ap-tos aos prazeres comuns da vida.

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Quando uma instituição estrutura-se naimposição de conteúdos e não no despertar ointeresse pelos conteúdos, no incentivo ao“encontro”, mata-se parte da vitalidade. Piorainda, a imposição de conteúdos sem o pré-vio despertar do prazer pelo mesmo, acordao vício contrário à vitalidade, a acídia(tristeza que paralisa).

É enfadonho estudar aqueles conteúdosque professores não se preocuparam em des-pertar previamente o interesse. Por isso,rotineiramente parte-se para o decorar (quenão tem nada de seu sentido original:guardar no coração). E esse conteúdo que“quase” se aprende e certamente não crianenhuma atitude decorrente, em poucotempo, é apagado da memória. Não se educaassim, somente se transmite informaçãodescartável após o seu uso (a prova, o vesti-bular, o exame da OAB etc.).

É preciso despertar o interlocutor do sonoque os interesses consumistas e da vaidade

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rotineiramente inoculam em nossas vidas(como se fossem as únicas fontes de satis-fação). É preciso desvelar que a felicidade es-tá também no conhecimento, na descobertapessoal e não apenas no novo aparelho de ce-lular ou na última fórmula de sucesso fácil(dos mecanismos continuamente renovadosda fama ou de sucesso financeiro).

Não haverá verdadeira educação se antesnão se despertar o interesse (a vitalidade)pelo ambiente que estamos imediatamenteinseridos, pelos conteúdos a seremapreendidos.

É nesse campo que a pesquisa é a maispromissora arma educacional. A pesquisa,mesmo nas searas acadêmicas, é uma dasatividades que resiste a cultura impositiva,pois o pesquisador costuma ter a sua dis-posição a escolha do que estudará. Aquiloque o desperta será o objeto de suadedicação.

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Pedagogia da coragemPor outro lado, toda sorte de sistemas in-telectuais dominadores – especialmente cer-tas religiões e ideologias – estão sempre deportas abertas para dar segurança em trocada escravidão. São compatíveis com a “ser-vidão voluntária”, não com a coragem.

Muitas vezes, infelizmente, o educador setransforma em um dominador. Quersimplesmente que seus alunos tornem-seréplicas de si mesmo, pensem como ele, ajamcomo ele… Suas práticas são construtoras dacovardia: prestem atenção, isto cai na prova!Não pensa que o seu objetivo é construirpessoas com almas, com identidade, e nãosoldadinhos de chumbo.

É a coragem (tema excluído dos currículosdas sociedades autoritárias) que constrói orespeito a si mesmo, que permite o governode si mesmo:

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alguns homens vivem governadospelos seus motivos próprios aopasso que outros são meros espel-hos do que pensam, dizem e fazemseus vizinhos. Homens assimnunca poderão ter a verdadeiracoragem, porque desejam ser ad-mirados e apavoram-se com omedo de perder a consideração

pública.2

O homem moldado pela educação da cov-ardia não é capaz de lutar, de liderar. Comovive da convicção dos outros e não da pró-pria, não há entusiasmo, não há ideal. Semesses elementos, nunca terá garra. Pelo con-trário, facilmente desprezará a si mesmo e atudo que vá além de si também.

Somente a alma moldada na coragempermite-se não se desprezar a si mesma (oque supõe superar também a cultura equivo-cada de que somos “irremediáveis”

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pecadores) e a valorizar as coisas que estãoalém de si (o que supõe superar o apego a simesmo, forma de covardia travestida deegoísmo).

Somente o homem estruturado naFortaleza (virtude cardeal) tem convicçõespróprias, e porque são próprias é capaz deamá-las, persegui-las e torná-las vida. AFortaleza nasce da Inteligência (centro deconvicções), da Vontade (amar de verdade) edo Braço (onde se aprende a fazer o que sedeve e estar no que se faz – dificuldade ex-cepcional para o homem de hoje que vive nopassado ou no futuro e desaprendeu a con-struir memória).

Shakespeare, via Lady MacBeth, nos en-sinou: “Queres possuir o que estimas comoornamento da vida e viver como um covardeem tua própria estima, deixando que um‘não me atrevo’ vá atrás de um ‘eu gostaria’,como o pobre gato do adágio?”.

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O gato queria comer o peixe, mas não mol-har os pés!

O covarde é assim: não se atreve e se iludecom o “gostaria”.

Com uma educação erigida na coragemcertamente surgirão homens de convicções,contudo essas convicções não serão utopia,mas realidade.

Novamente aqui se destaca a pesquisa,pois está estruturada para que o pesquisadorrevele a si mesmo, as suas convicções, osseus olhares, as suas interpretações. Oestudo de outros pensadores é mero diálogo,e não a essência. A pesquisa é por excelênciao momento da manifestação corajosa de ol-hares pessoais.

Pedagogia da sensibilidadeÉ comum nas leis definidoras das políticassociais utilizar-se da ideia de que as ativid-ades pedagógicas devem priorizar ações de

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sensibilização e conscientização. O que vema ser isso?

Uma pessoa é emocionalmente sensívelquando uma multiplicidade de estímulosdesperta emoções nela. É insensível, ao con-trário, se continua impassível. No meiotermo, encontramos a sensibilidade ad-equada, que desperta a reação emotivaaceitável.

Nossa sociedade tornou-nos insensíveis:

Quase todo mundo sente-se afetadoquando uma criatura amiga sofrede câncer. Outras pessoasemocionam-se quando veem o so-frimento de desconhecidos em hos-pitais. Já quando leem que a taxade mortalidade do câncer é tal outal, apenas o medo de que elas pró-prias ou alguma pessoa amiga ocontraia as afeta momentanea-

mente.3

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A preocupação apenas com o eu, ou com oeu ampliado (meus familiares mais próxi-mos, meus poucos amigos, meu bichinho deestimação, todos eles não podem sofrer paranão me atingir: o que foi traduzido demaneira soberana pelo filme “A Praia” em2000, dirigido por Danny Boyle, baseado noromance de Alex Garland e estrelado porLeonardo DiCaprio), tornou-nos mais do queinsensíveis, fez-nos cruéis, desumanos.

Sem a sensibilidade necessária, jamais osmales de nossa sociedade serão resolvidos,no máximo serão repelidos para o vizinhomais longe (é preciso afastar dos olhos paranos iludirmos de que não existem mais):“Uma grande proporção dos males domundo moderno deixaria de existir sepudéssemos remediar esse fato, isto é, sepudéssemos aumentar a capacidade para a

simpatia [do grego sympathía] abstrata”.4

Com a sensibilidade adequada teremos ho-mens que serão afetados pelos problemas

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reais e que certamente reagirão, não paratransferi-lo para o vizinho, pois este tambémo importa, mas para resolvê-lo. Assimpoderemos criar a almejada solidariedadeprevista legalmente como princípio básico ecomo objetivo da educação.

A pesquisa, nesse ponto, é a concretizaçãoda sensibilidade adequada, pois se voltasempre para os problemas reais e sociais,não para o eu.

Pedagogia da inteligênciaBertrand Russel alertou: “O desejo de incul-car nos alunos o que é tido como certo fazcom que muitos educadores se mostrem de-

satentos para o treino da inteligência”.5

O objetivo da educação não pode ser o decriar banco de dados, mas homens. Ou seja,educar a inteligência significa criar a aptidãopara adquirir conhecimentos. Não se medea inteligência pelo conhecimento já

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adquirido, mas pela capacidade de o adquirir(esse assunto renderia muitas laudas sobre osistema rotineiramente equivocado deavaliação da aprendizagem).

O fundamento da vida intelectual, por suavez, é a curiosidade. Não qualquer curiosid-ade, como a da fofoca, mas a relativa a ideiasabstratas, gerais. Para isso, é preciso cultivardiversos hábitos complementares: o hábitoda observação, a crença na possibilidade deconhecimento, a paciência para amadurecero pensamento e em especial a largueza de es-pírito, a magnanimidade, pois é “difícil aban-donar crenças alimentadas por muitos anos,bem como o que contribuiu para a nossa au-

toestima e outras paixões”.6

Assim nos dizia Russel:

“todos nós devemos aprender apensar por nós mesmos a respeitode assuntos que nos sejam particu-larmente conhecidos, bem como

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conseguir a coragem necessáriapara defender opiniões impop-ulares, quando as julgamos im-

portantes”.7

Educar para a inteligência é educar tam-bém para o outro, para o pensamento alheio(apesar de nossa reação psicológica naturalser sempre defensiva do eu, a ponto desempre ver o diferente como loucura), para onão conclusivo e para a dúvida (apesar denossa ansiedade e falta de paciência exigiremrespostas definitivas). Somente estas carac-terísticas permitem a democracia, o plural-ismo, a dialética e a dialógica necessáriaspara compreender as complexidades sociaise respeitar novas soluções.

A pesquisa depende da curiosidade e con-strói efetivamente a aptidão pessoal de ad-quirir conhecimentos por conta própria. Edi-fica, portanto, a inteligência.

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Pedagogia da liberdadeQuando o homem perde a si mesmo, por nãodecidir seu próprio rumo ou objetivo para asua vida, vivendo como um autômato, suasforças se debilitam. Torna-se incapaz de selivrar do seu envolvimento, de distanciar-sede seu próprio não eu. É acometido por umaparalisia mental que bloqueia o pensamentopróprio.

A essa realidade psicológica do automat-ismo irrefletido contribui significativamentea nefasta influência dos falsos valores danossa sociedade:

A nossa sociedade ocidental con-temporânea, a despeito do seu pro-gresso material, intelectual epolítico, conduz cada vez menos àsaúde mental, e tende a sabotar asegurança interior, a felicidade, arazão e a capacidade de amor noindivíduo; tende a transformá-lo

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num autômato que paga o seufracasso humano com as doençasmentais cada vez mais frequentes edesespero oculto sob um frenesipelo trabalho e pelo chamado

prazer.8 (sem destaques nooriginal)

Aldous Huxley, ao analisar, em 1958, suaobra Admirável Mundo Novo publicada em1931, leva-nos a mesma reflexão:

Só uma pessoa vigilante podemanter as suas liberdades, esomente aqueles que estãoconstante e inteligentementedespertos podem alimentar aesperança de se governarem asi próprios efectivamente, pormeios democráticos. Uma so-ciedade, cuja maior parte dosmembros desperdiça uma grandeparte do seu tempo não na vigília,

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não aqui e agora e no futuro pre-visível, mas em outra parte, nosoutros mundos irrelevantes (…)terá dificuldade em resistir às in-vestidas daqueles que quiserem

manejá-la e controlá-la.9 (semdestaques no original)

É preciso romper o ciclo vicioso da manip-ulação cultural que nos é imposto e que fal-seia o legítimo individualismo e o verdadeiroexercício da liberdade.

O exercício da liberdade é incompatívelcom a não reflexão:

Os ideais da democracia e daliberdade chocam com o factobrutal da sugestibilidade hu-mana. Um quinto de todos oseleitores pode ser hipnotizadoquase num abrir e fechar de olhos,um sétimo pode ser aliviado dassuas dores mediante injecções de

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água, um quarto responderá demodo pronto e entusiástico àhipnopedia. A todas estas minoriasdemasiado dispostas a cooperar,devemos adicionar as maiorias dereacções menos rápidas, cuja sug-estibilidade mais moderada podeser explorada por não importa quemanipulador ciente de seu ofício,pronto a consagrar a isso o tempo

e os esforços necessários.10 (semdestaques no original)

Para romper com essa manipulação,alguns caminhos são de passagemobrigatória.

É preciso aprender e ensinar a consultardiversas fontes para confrontar os dados quefundam os argumentos (a reflexão é o piorinimigo da manipulação). Aprender a dialog-ar com pensadores de linhas ideológicas di-versas. Exigir de si mesmo o estudo de mais

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de um autor sobre um tema específico, fu-gindo do comodismo dos manuais “mod-ernos” (que simplificam os temas complexose apontam, em geral, um único ponto devista).

É necessário assumir uma “postura crítica”que não se acostuma com as palavras, nemcom os gestos. Acostumar-se com isso es-vazia a potencialidade investigativa e conat-ural de nosso olhar.

López Quintás dá-nos dois exemplosmuito corriqueiros desta atitude: esten-demos a mão para cumprimentar outra pess-oa significando que vamos desarmados aoencontro com ela; ao recebermos algum fa-vor dizemos “obrigado” porque colocamo-nos na obrigação de fazer o mesmo por quemnos favoreceu se a situação se repetir inver-samente; se dissermos “grato” refletimosoutra realidade (a da graça divina), a de querecebemos não por nossos méritos.

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É preciso descobrir que as realidades emanálise não são tão simples quanto imediata-mente aparentam. Os objetos apresentam-semuitas vezes não como simples objetos, mas,como diz Alfonso López Quintás, como âm-bitos. Percepção que Jacob do Bandolim ap-resenta com a profundidade que só um poeta

pode ter:11

NAQUELA MESA

Naquela mesa ele sentava sempre

E me dizia sempre

O que é viver melhor.

Naquela mesa ele contava histórias

Que hoje na memória

eu guardo e sei de cor.

Naquela mesa ele juntava gente

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E contava contente

O que fez de manhã…

E nos seus olhos era tanto brilho

Que mais que seu filho

Eu fiquei seu fã.

Eu não sabia que doía tanto

Uma mesa num canto

Uma casa e um jardim.

Se eu soubesse quanto dói a vida

Essa dor tão doída

Não doía assim.

Agora resta uma mesa na sala

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E hoje ninguém mais fala

No seu bandolim…

Naquela mesa tá faltando ele

E a saudade dele

Tá doendo em mim.

É indispensável tomar distância edescobrir os truques que escamoteiam os ra-ciocínios falsos ou incompletos que buscammais o impacto do que a verdade (tãocomum na mídia e em algumas aulas). Ultra-passando as manchetes, os primeiros pará-grafos, os destaques do texto, ou os exemplosutilizados como se fossem argumentos,muitas vezes descobrem-se realidades quedesmentem esses elementos panfletários.

Para que exista a atitude de Liberdade épreciso romper as amarras do pensarpelos padrões alheios que em geral

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convertem-se em padrões falsamente pess-oais: da opinião ou expectativas dos outros,do reconhecimento ou do juízo dos outros,do poder do mundo e de suas expectativas,da moda; das necessidades e desejos (quemuitas vezes não são próprios, mas fabrica-dos em nosso inconsciente pela comunicaçãode massa, pelo mercado); de temores e de es-crúpulos (muitas vezes produzidos pela cul-tura circundante do não se arriscar – muitoútil para qualquer movimento totalitário).

Huxley é enfático ao nos desvelar nova-mente essa realidade:

É a liberdade individual com-patível com um alto grau desugestibilidade individual?Podem as instituições demo-cráticas sobreviver à subver-são exercida do interior porespecialistas hábeis na ciênciae na arte de explorar a sugest-ibilidade dos indivíduos e da

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multidão? Até que ponto pode serneutralizada pela educação, parabem do próprio indivíduo ou parabem de uma sociedade democrát-ica, a tendência inata a ser demasi-ado sugestionável? Até que pontopode ser controlada pela lei a ex-ploração da sugestibilidade ex-trema, por parte de homens denegócio e eclesiásticos, por políti-

cos no e fora do poder?12 (semdestaques no original)

Precisamos ainda nos libertar da falsarealidade pessoal que nós mesmos con-struímos (desafio presente no “Conhece-te a

ti mesmo”13): do sentimento de que nossaprópria biografia nos determina (quantasvezes ouvimos: “sou assim mesmo, não temjeito!”); da escravidão da autorreferência,ou da autossuficiência, onde pensamos queconduzimos nossas vidas sozinhos

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(“escravidão” que a teologia chama “dopecado”); da escravidão da falsa autoafirm-ação: cumpro as leis, faço tudo o que é certo,sou bom (“escravidão das leis”) – não é o ex-terno que nos torna melhores, mas a puri-ficação de nosso coração; da escravidão doautoengano: gloriar-me dos meus feitos edos meus valores, da minha inteligência…

Estou farto de semideuses, são todos prín-cipes – parafraseando Fernando Pessoa no“Poema em Linha Reta”:

Nunca conheci quem tivesse levadoporrada.

Todos os meus conhecidos têm sidocampeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantasvezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmenteparasita,

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Indesculpavelmente sujo,

Eu, que tantas vezes não tenho tidopaciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sidoridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publica-mente nos tapetes das etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mes-quinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos ecalado,

Que quando não tenho calado,tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às cria-das de hotel,

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Eu, que tenho sentido o piscar deolhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas fin-anceiras, pedido emprestado sempagar,

Eu, que, quando a hora do socosurgiu, me tenho agachado

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústiadas pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nistotudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e quefala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nuncasofreu enxovalho,

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Nunca foi senão príncipe – todoseles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém avoz humana

Que confessasse não um pecado,mas uma infâmia;

Que contasse, não uma violência,mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço eme falam.

Quem há neste largo mundo queme confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

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Então sou só eu que é vil e errôneonesta terra?

Poderão as mulheres não os teremamado,

Podem ter sido traídos – masridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo semter sido traído,

Como posso eu falar com os meussuperiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmentevil,

Vil no sentido mesquinho e infameda vileza.

Quanto de nossos sentimentos, por outrolado, foi forjado fora de nossos corações pelasimples sugestibilidade.

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John Dewey revelou-nos com perspicáciaem 1939 que:

O verdadeiro ponto de apoiodo totalitarismo é o controledos sentimentos, desejos eemoções de seus súditos, é ocomandar a imaginação e os im-pulsos interiores de seus fiéis ser-vos. É um escape, uma ilusãocoletiva, uma alucinação geralpensar que o totalitarismo apenas

tem apoio na coerção externa.14

(sem destaques no original)

Mais ainda, de que “se alguém controlasseas canções de um povo, não precisariapreocupar-se com os que faziam as suas

leis”.15

O verdadeiro significado de Liberdade éautodeterminação, não mera escolha ex-terna, é, como afirma Paulo Ferreira da

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Cunha, “assunção individual que implica

autoconsciência e possibilidade de luta”.16

É manifestação da autonomia, não da het-eronomia, nem da anomia: “Quem entendeliberdade somente como poder fazer o que sequer, esse está amarrado demasiadas vezes

em seus próprios desejos”.17

A concepção equivocada de liberdadecomo libertinagem (fazer o que der na telha!)pode aparentemente nos libertar da es-cravidão dos outros, mas torna-nos escravosde nós mesmos, dos nossos impulsos (quemuitas vezes não são nossos).

Tudo isso nos propõe este livro, que apesquisa nos torne livres…

1.Bertrand Russel. Da Educação, p. 32.

2.Cf. Bertrand Russel. Da Educação, p. 35.

3.Bertrand Russel. Da Educação, p. 38.

4.Bertrand Russel. Da Educação, p. 38.

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5.Bertrand Russel. Da Educação, p. 40.

6.Bertrand Russel. Da Educação, p. 41.

7.Bertrand Russel. Da Educação, p. 44.

8.Eric Fromm apud Aldous Huxley. Regresso ao Admirável

Mundo Novo, p. 51.

9.Aldous Huxley. Regresso ao Admirável Mundo Novo, p.

83.

10.Aldous Huxley. Regresso ao Admirável Mundo Novo, p.

198–199.

11.Gabriel Perissé desenvolve análise desse poema musical

que desvela claramente a complexa reali-dade que um

simples objeto traz ao tornar-se âmbito. A precisão e a pro-

fundidade de sua análise fazem-nos indicar vivamente a

leitura de sua obra Método Lúdico-Ambital: a leitura das

entrelinhas.

12.Aldous Huxley. Regresso ao Admirável Mundo Novo, p.

198–199.

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13.Texto inscrito no frontispício do templo de Apollo (deus

da harmonia) na cidade grega de Delphos, juntamente com

o seguinte: “Nada em excesso”.

14.John Dewey. Liberdade e Cultura, p. 33.

15.John Dewey. Liberdade e Cultura, p. 32.

16.Paulo Ferreira da Cunha. Res Pública: ensaios constitu-

cionais, p. 21.

17.Anselm Grün. Caminhos para a liberdade, p. 28.

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CAPÍTULO 1

Preparando-se paraa pesquisa

Todo pesquisador, iniciante ou experiente,ao iniciar um novo projeto de estudos, vê-seatingido por certa ansiedade, por uma re-lativa angústia intelectual.

O simples fato de imaginar o árduo tra-balho que terá pela frente (a começar pela di-fícil arte de decidir sobre o que se debruçaráe de descobrir quais leituras e tarefas teráque percorrer) e de internalizar a incertezasobre os resultados (que poderá ou não at-ingir) fazem dessa reação algo natural, de-masiadamente humana.

Por outro lado, o prazer de resolver um en-igma e a satisfação de demonstrar um

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pensamento novo (seu) e de compreenderum assunto estudado de um modo especial-mente diferenciado (experiências de quem jápercorreu alguma vez esse caminho) entusi-asmam de forma singular a qualquerinvestigador.

Mais ainda, a percepção de que a pesquisaé o caminho seguro para despertar o espíritocrítico, a inteligência capaz de examinar asdescobertas dos outros, de fazer as suas pró-prias indagações e de encontrar as re-spectivas respostas, torna essa atividade olocus de novas dimensões pessoais.

Quando escrevemos percebemos commaior clareza as relações entre as nossasideias. Escrever, em verdade, induz a pensar,pois explicar em texto o que achávamos terentendido (mentalmente) exige reestruturarnossa percepção anterior. Escrever ajuda apensar melhor.

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Capacitar-se para a pesquisa é habilitar-separa incorporar um novo modo de ser e agir,uma nova humanidade desperta.

Nesse contexto, as angústias e dificuldadescontinuarão a existir, mas ganharão a di-

mensão que Cruz e Souza1 retrata magistral-mente no soneto “Sorriso Interior” (como sóum poeta pode fazer):

O ser que é ser e que jamais vacila

Nas guerras imortais entre semsusto,

Leva consigo este brasão augusto

Do grande amor, da grande fétranquila.

Os abismos carnais da triste argila

Ele os vence sem ânsias e semcusto…

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Fica sereno, num sorriso justo,

Enquanto tudo em derredor oscila.

Ondas interiores de grandeza

Dão-lhe esta glória em frente àNatureza,

Esse esplendor, todo esse largoeflúvio.

O ser que é ser transforma tudo emflores…

E para ironizar as próprias dores

Canta por entre as águas doDilúvio!

Por outro lado, há que se ter em conta queas incertezas, causas de nossa cotidiana inse-gurança, também são a razão de nossa feli-cidade. Para aquele que não se deu conta de

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tal realidade humana, basta considerar ostrechos abaixo transcritos da novela Helió-polis, de Ernst Junger.

Nessa obra, após um grupo de persona-gens discutir o que é a felicidade, aparece uminstigante relato, o relato de Ortner, em queesse personagem adquire uma habilidade es-pecial, o dom da premonição. Aguçando seuolhar é capaz de saber tudo o que ocorrerá. Ejustamente nesse ponto começa seu dilema,sua infelicidade:

Muy pronto perdí todo interés porel juego. La salvaje tensión que sehabía apoderado de mí en otrostiempos y que hacía que la nochepasara en un abrir y cerrar deojos, cedió el puesto, tras laprimera sorpresa, al aburrimiento,después de comprobar que misuerte era infalible. Me sentabajunto a la mesa de juego del mismomodo que el oficinista espera

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impaciente el fin de la jornada. Loúnico divertido era la pasión de losotros: el modo como aquellosmentecatos tendían sus trampas

para caer en las mías.2

Embora tais conhecimentos proporcionas-sem a Ortner grandes sucessos financeiros, oaborrecimento contaminou rapidamente suavida previsível:

Tal era mi vida, contempladadesde el exterior. No podía ser máspróspera. Y, sin embargo, a me-dida que aumentaban mi poder ymi prestigio, iba aumentando, enigual proporción, mi sentimientode infelicidad. Primero fue elhastío, cada vez más torturador.Noté que me faltaban la tensión, elfactor de incertidumbre, el pro y elcontra, el rojo y el negro que dansu encanto a la vida. Encarnaba el

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papel de combatiente invencible.Podía calcular todas las posibilid-ades. A mi vida le faltaban lo mis-terioso, lo enigmático, lo indeterm-inado, lo que acelera los latidos del

corazón.3

Pesquisar é uma complexa e prazerosaatividade simples. A simplicidade vem de seuconceito: reunir as informações necessáriaspara responder às indagações do pesquisad-or, para solucionar algum problema colocadopelo mesmo, e compartilhar tais ilações comos demais. A complexidade advém da suaprática: Quais indagações são relevantes?Quais são as informações necessárias?Quando elas são suficientes? Quanto das res-postas atingidas pode ser contestado? Etc.

Por outro lado, a pesquisa é uma realidadeque embebe nossa vida.

Ao entrar em uma biblioteca, podemosverificar que dezenas de milhares de

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pesquisadores pensaram sobre incontáveisquestões e problemas, colheram inform-ações, estabeleceram diálogos, e deram res-postas ou soluções, compartilhando, por fim,suas conclusões com os outros.

Mais ainda, muitas dessas pesquisas nãoficaram presas nessas “torres de marfim”,moldaram verdadeiramente nossa visão demundo, determinaram a maior parte de tudoaquilo em que acreditamos: efetivamentecada um de nós não teve a oportunidade deverificar a verdade ou não de que exista umsistema solar, de que nosso organismo pos-sua neurônios, ou de que a palavra “amor”tenha tais origens etimológicas…

Nunca saberemos completamente a in-fluência de nossa pesquisa, mas é precisoque tenhamos consciência da responsabilid-ade de entrar nessa seara de atividadeshumanas.

Aprender a pesquisar mudará seu modo depensar, ensinar-lhe-á, mais ainda, novos

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modos de pensar. Mais ainda, dar-lhe-á re-percussão social.

1.1 O que se espera dapesquisa acadêmica oucientífica – 1o passoA pesquisa, embora seja uma atividade hu-mana corriqueira (quem não investigou umdia a história de alguém por quem se apaix-onou? Quem não sondou a melhor opção deaquisição de um aparelho celular? Etc.),quando revestida de finalidades acadêmicasou científicas, especialmente quando in-serida no processo educativo, almeja objet-ivos concretos e tem características próprias.

O primeiro passo no preparo de umapesquisa é, portanto, compreender qual pa-pel que se espera para o pesquisador nopalco em que ele atuará.

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Nos cursos de graduação e pós-graduação,seara cotidiana de muitos pesquisadores, deuma forma geral, imagina-se que o trabalhode pesquisa demonstre:

a. Amplitude e profundidade de conhe-cimentos na área da pesquisa (razãopela qual se exige a revisão da literaturade referência da mesma).b. Domínio sobre o tema do trabalho(razão pela qual se exige a revisão ex-austiva da literatura básica sobre omesmo).c. Capacidade crítica de análise das in-formações coletadas e das conclusões desuas fontes de pesquisa (fator que difer-encia radicalmente uma compilação, ummero estudo exploratório de um tra-balho de pesquisa).d. Rigor metodológico (elemento queefetivamente demonstra a incorporaçãode um método de pensar e agir próprioda pesquisa).

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e. Capacidade lógica de sistematização(refletida pela estrutura geral do tra-balho final e interna de cada tópico domesmo).f. Perfeição na forma, na redação e naapresentação, nos termos das normastécnicas de redação de trabalhocientífico e acadêmico definidas pelaABNT.

Tais elementos são os objetivos eleitos rot-ineiramente pelas pesquisas acadêmicas.Revelam, em verdade, o papel educacionalda pesquisa: construir uma expertise, moldaro espírito lógico, crítico e reflexivo.

No entanto, o mais essencial para todo equalquer trabalho de pesquisa não se atémaos muros acadêmicos e não pode ser negli-genciado: a EFETIVA CONTRIBUIÇÃO àciência ou à sociedade.

A pesquisa que interessa, em suma, e semdemérito para os requisitos anteriores, é aque “diga algo que não sabíamos”, de forma

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que possamos compreender melhor o que jásabíamos ou pensávamos que sabíamos.

O que se deve almejar efetivamente é quese crie uma pesquisa que mude ou aperfeiçoenossas opiniões e convicções.

Em outras palavras, o valor da pesquisadepende de quanto ela abala ou reorganizaas convicções antes sedimentadas.

Mas não é preciso se assustar. Para que taldesiderato se realize, o caminho não será fá-cil, mas também não é impossível nem apen-as de gênios.

O segredo, se existe um, reside, por umlado, em dominar efetivamente o assunto. E,após isto, e somente após isto, pensar e re-pensar sobre o mesmo, identificando as la-cunas lógicas de nossas fontes, as conclusõesprecipitadas que outros pensadores to-maram, as generalizações equivocadas, as in-certezas que não foram enfrentadas. Seránessa seara de incompletudes que a pesquisaalcançará os horizontes da criação.

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Por outro lado, o segredo reside em incor-porar as características da investigaçãocientífica, que é sistemática, empírica ecrítica.

SISTEMÁTICA é a investigação pautadapor uma disciplina, que não segue apenas osventos momentâneos, que assume as rédeasdo planejamento, que planeja como iráestudar um determinado tema.

EMPÍRICA é a pesquisa que busca orde-nadamente informações, que não se con-centra em meras intuições, mas em buscarcontinuamente novas informações e que asanalisa com seriedade, independentementedas idiossincrasias pessoais.

CRÍTICA é a investigação que seautoaperfeiçoa continuamente, que não sevicia em um procedimento planejado deestudo, que reflete sobre o próprio procedi-mento para verificar se ele não está desvi-ando o olhar e eventualmente precisa ser

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modificado, complementado por outraabordagem.

1.2 Definindo o problemade seu projeto de pesquisa– 2o passoMuitas pesquisas começam com uma espéciede comichão intelectual, com um relampejoque apenas o pesquisador vislumbra. Nessascircunstâncias, bastará que o pesquisadorverifique se a sua pergunta ou se a sua res-posta intuitiva será significativa para osdemais.

Cotidianamente, no entanto, são muitos osque precisam desenvolver trabalhos depesquisa e não gozam da prévia inspiração.Para esses, algumas dicas são necessárias,embora a mais essencial tenha sido dada hátempos por Plotino: “sábio é o que em tudolê”.

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Aquele que tem o olhar desperto para lertudo a sua volta, sempre tem muitos e mui-tos temas de investigação, porque temmuitas e muitas dúvidas. Ao contrário,aquele que se deixou embotar pelo mecani-cismo da vida cotidiana e parou de refletir,aquele que se desumanizou, estará semprevazio.

1.2.1 Escolher Uma Área TemáticaEm primeiro lugar, é preciso ESCOLHERUMA ÁREA TEMÁTICA, a área geral de in-vestigação que se vai explorar. Não se falaaqui de uma área do saber (DireitoTributário, Direito Penal etc.), mas de umaárea temática: imposto de renda, crimes con-tra a vida, por exemplo.

Para tanto, diversos podem ser os fatoresdecisivos: interesse pessoal – a paixão,quando bem conduzida, conduz o homemmais longe do que a razão; perspectivasprofissionais – tema que aperfeiçoa atual

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afazer ou que abre novas perspectivas de atu-ação; viabilidade prática – acesso concretoque se tem ao material de estudo etc.

1.2.2 Encontrar Um TópicoEspecíficoE segundo lugar, é preciso restringir,ENCONTRAR NA ÁREA TEMÁTICA UMTÓPICO ESPECÍFICO.

O caminho para descobrir seu tópico passapor um singelo trabalho de investigação. Énecessário consultar obras gerais, revistasespecializadas, artigos recentes, ensaios, ob-servar os seminários ou congressos relacion-ados com sua área temática, verificar sites daárea, conversar com especialistas da área…

Desenvolvendo tal investigação podere-mos aguçar nossa curiosidade intelectual edescobrir algum tópico que desperte nossacuriosidade ou mesmo nossa perplexidade.

Quando isso acontecer, é preciso ler umpouco mais sobre o tópico primariamente

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escolhido. E nessa leitura crítica, com os ol-hos inquietos, identificar dúvidas e in-quietações pessoais sobre o tópico. São essasperturbações que permitirão o próximopasso.

1.2.3 Questionar O Tópico ParaDescobrir As Trilhas Da PesquisaEm terceiro lugar, é preciso QUESTIONARESSE TÓPICO SOB OS MAIS DIVERSOSÂNGULOS.

Essa trilha deve ser percorrida com umpouco mais de cuidado e não pode o investi-gador que quer fazer ciência fiar-se nas pró-prias intuições.

Será preciso ler e com atenção poucos tex-tos (mas bem escolhidos) sobre o tópico quepreviamente selecionou.

Mas, cuidado! Não se limite a tirar fo-tocópias, a sublinhar os textos que lê.Escreva! Escreva resumos, críticas, ind-agações que ocorrem no momento. Quanto

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mais escrever, mesmo que não o faça deforma organizada, mais pensará verdadeira-mente, mais estará apto a ser um criador.

Aprender a fazer perguntasdantes não perguntadasTalvez o primeiro passo significativo paraum pesquisador seja o de apre-ender a lercriticamente. Com os olhares abertos para ascontradições, inconsistências e explicaçõesincompletas, o pesquisador ver-se-á rec-heado de problemas para a pesquisa.

As melhores perguntas são as que as pess-oas têm feito desde os filósofos gregos.Muitas são lugares comuns, clichês, mascontinuam válidas: Quem? O que? Quando?Onde? Por quê? Como?

Se os textos que consultamos primaria-mente não percorrem tais indagações, po-demos abrir sendas para a nossa pesquisa.

De outra forma, identifique as partes e otodo de seu tópico, rastreie a história e as

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mudanças do seu objeto de análise, identi-fique a utilidade ou importância do mesmo.Esses olhares também podem abrir novossulcos de investigação.

Deixe a mente aberta para fazer perguntasque não foram feitas pelas suas fontes depesquisa, para dar respostas que não foramelaboradas pelos pesquisadores anteriores.

É preciso incorporar o lema queGuimarães Rosa aponta em sua obraTutaméia (Terceiras Histórias): “Eu só douresposta para perguntas que ninguém per-

guntou”.4

Habilidade que Rubem Alves endossa comprecisão e demonstra sua repercussão:

Se suas respostas fossem respostaspara perguntas perguntadas, operguntador permaneceria dentrodo mesmo mundo de onde suasperguntas haviam brotado. O con-hecimento só faria confirmar a

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mesmice do mundo familiar denossas rotinas cotidianas. Respos-tas que fazem tropeçar, respostas

que são o começo de outro mundo.5

São posturas como essas que permitirãoformular as perguntas para a nossa pesquisa.

Cumprida essa etapa, é importante con-cretizar o que já se construiu mentalmente:

especifique seu tópico: vou estudar,

especifique a razão de seu estudo:porque quero descobrir quem/oque/quando/onde/se/por que/como.

Selecionar criteriosamente boasleiturasO despertar para a pesquisa depende, emgrande medida, do hábito intelectual de con-tinuamente observar a realidade.

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O treino continuado para essa inclinaçãoadvém certamente de cultivar a leitura deboas obras de bons autores.

Veja-se, por exemplo, quantas indagaçõesnos despertam os seguintes textos literáriostranscritos:

ANALFABETISMO, de MACHADO

DE ASSIS6

Gosto de algarismos, porque nãosão de meias medidas nem demetáforas. Eles dizem as coisaspelo seu nome, às vezes um nomefeio, mas não havendo outro, não oescolhem. São sinceros, francos, in-gênuos. As letras fizeram-se parafrases: o algarismo não tem frases,nem retórica.

Assim, por exemplo, um homem, oleitor ou eu, querendo falar donosso país dirá:

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– Quando uma Constituição livre pôsnas mãos de um povo o seu destino,força é que este povo caminhe para o fu-turo com as bandeiras do progresso des-fraldadas. A soberania nacional residenas Câmaras; as Câmaras são a repres-entação nacional. A opinião públicadeste país é o magistrado último, o su-premo tribunal dos homens e das coisas.Peço à nação que decida entre mim e oSr. Fidelis Teles Meireles Queles; elapossui nas mãos o direito a todos super-ior a todos os direitos.

A isto responderá o algarismo coma maior simplicidade:

– A nação não sabe ler. Há só 30% dosindivíduos residentes neste país que po-dem ler; desses uns 9% não leem letrade mão. 70% jazem em profunda ig-norância. Não saber ler é ignorar o Sr.Meireles Queles: é não saber o que ele

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vale, o que ele pensa, o que ele quer;nem se realmente pode querer oupensar. 70% dos cidadãos votam domesmo modo que respiram: sem saberpor que nem o quê. Votam como vão àfesta da Penha, – por divertimento. AConstituição é para eles uma coisa in-teiramente desconhecida. Estão prontospara tudo: uma revolução ou um golpede Estado.

Replico eu:

– Mas, Sr. Algarismo, creio que asinstituições…– As instituições existem, mas por epara 30% dos cidadãos. Proponho umareforma no estilo político. Não se devedizer: “consultar a nação, represent-antes da nação, os poderes da nação”;mas – “consultar os 30%, represent-antes dos 30%, poderes dos 30%”. Aopinião pública é uma metáfora sem

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base: há só opinião dos 30%. Umdeputado que disser na Câmara: “Sr.Presidente, falo deste modo porque os30% nos ouvem…” dirá uma coisa ex-tremamente sensata.

E eu não sei que se possa dizer aoalgarismo, se ele falar desse modo,porque nós não temos base segurapara os nossos discursos, e ele temo recenseamento. 15 de agosto de1876

Gabriel Perissé relata as observações deWalter Wink, professor de teologia bíblicanorte-americano, sobre a passagem bíblicatão conhecida de Mateus 5, 41: “se alguém teferir na face direita, oferece-lhe a esquerda”.Passagem que tantas vezes interpretamos ereplicamos como uma lição de aceitaçãopacífica da violência, de passividade e deamor ao inimigo.

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Por que Jesus teria falado emoferecer ao agressor a face es-querda depois que a direita foi at-ingida por uma bofetada?

A resposta necessita da com-preensão do contexto social e cul-tural (incluindo o comportamentocorporal daquele tempo e lugar)em que o Mestre vivia.

Na antiga Palestina, um pobre es-cravo, diante de seu senhor,aguarda o momento de receber umviolento tapa no rosto. Mas o seu“dono” não usará a mão esquerda,destinada (naquela mentalidade)apenas para as tarefas considera-das indignas. Usará a direita, paradestacar o seu poder e superiorid-ade. Desse modo, no entanto, ja-mais conseguiria atingir a facedireita do escravo, a menos que lhe

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desse um soco ou usasse a palmada mão direita, e mesmo assimcontorcendo-se ou virando o braço.

Por que, perguntemos de novo, Je-sus fala que a face direita (dexteramaxilla) foi a primeira a seratingida?

Para atingir seu escravo na facedireita, o senhor terá que usar ascostas de sua mão direita, o que,naquele tempo, tinha também umsentido preciso. Agredir alguémcom as costas da mão direita eraum gesto próprio de quem ocupavauma posição social de relevo equeria humilhar o mais fraco.

Assim, como que hierarquica-mente, os senhores esbofeteavamos escravos; os maridos as mul-heres e os professores os alunos.

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Era sempre com as costas da mãodireita na face direita.

A mensagem implícita, facilmentereconhecida pelo escravo, pelamulher, pelo filho e pelo aluno eraa seguinte: “Submeta-se a mim!Veja com quem está falando! Fiqueno seu lugar!”

Mas aqui ouvimos a recomendaçãode Jesus, mais revolucionária doque parecia à primeira vista: de-pois de receber o tapa na facedireita, ofereça a face esquerda.

E esse gesto surpreendente trazuma mensagem, a ser interpretadapor aquele que bateu. E amensagem é a seguinte: “Vamos,use de novo a mão direita, mostresua dignidade e seu poder, masagora você terá que me agredir na

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face esquerda, com um soco da suamão direita ou com um tapa,usando a palma da sua mãodireita, e dar um soco ou um tapacom a palma da mão (você bemsabe) só têm sentido entre pessoasque estão em pé de igualdade.Vamos, estamos em pé deigualdade. Examine isso: nós doissomos seres humanos. Esta é a dig-nidade que nos iguala. Veja amentira em que se baseava o seugesto violento, a sua arrogância.Você pensa que é superior a al-guém? Será você superior a umapessoa capaz de dominar-se eoferecer a outra face? Você se con-sidera superior a uma pessoa que,oferecendo a outra face, oferece-lhea oportunidade de pensar, de re-

pensar seu comportamento?7

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Uma simples frase, por outro lado, poderender muitas horas de reflexão e váriosrumos para investigações. Veja-se, por exem-plo, a primeira frase do clássico livro AnaKarênina, publicado em 1867, de LevNikoláievich Tolstói:

Todas as famílias felizes são pare-cidas entre si. As infelizes são infel-izes cada uma a sua maneira.

Quanto dessa afirmação subverte nossaequivocada percepção!

1.2.4 Definir A Importância DeSua PesquisaEm quarto lugar, é preciso definir um funda-mento lógico, a IMPORTÂNCIA DA SUAPESQUISA PARA OS DEMAIS:

tópico (sobre o que quer escrever):vou estudar, pergunta (o que nãosabe sobre ele): porque quero

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descobrir quem/o que/quando/onde/se/por que/como, importân-cia (por que quer saber sobre ele):para entender como/ por que/ o

que.8

Exemplo: vou estudar a súmula vincu-lante, porque quero descobrir como o STFtem a utilizado, para entender porque adoutrina tem criticado o seu papel de legis-lador positivo.

Nesse passo, é preciso demonstrar que nãosaber algo (sua pergunta) implica em nãosaber algo ainda mais importante.

Não é necessário que apresentemos umasolução para o mundo que nos cerca, apenasque atinjamos algum conhecimento ne-cessário para que o problema prático possaser repensado.

Em uma pesquisa sobre a violênciadoméstica, por exemplo, não é necessárioque atinjamos a solução desse problema tão

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intricado. Apenas que se de monstre algosobre a violência doméstica que nãosabíamos, alguma coisa que não com-preendíamos, e que tal conhecimento é ne-cessário antes de lidarmos com ela.

Esse passo não precisa ser algo que deve-mos fazer (pesquisa aplicada), mas apenasalgo que devemos saber (pesquisa pura oubásica).

De qualquer forma, verificamos que ohábito desses três passos traz uma novaforma de pensar e um novo modo deescrever.

Em momento mais avançado, algumasmodificações serão necessárias para assumiro papel de verdadeiro pesquisador (pois apesquisa existe para os outros).

O que qualifica o pesquisador como tal é acapacidade de converter uma pergunta pró-pria em um problema de todos cuja soluçãoimporta para toda a comunidade. Assim aproposição transforma-se na seguinte:

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“VAMOS estudar, porque DEMONSTRAREI(não mais descobrir) quem/o que/quando/onde/se/por que/como, para EXPLICAR(não mais entender) como/por que/ o que”.

Em nosso exemplo anterior: VAMOSestudar a súmula vinculante, porqueDEMOSTRAREMOS como o STF a tem util-izado, para EXPLICAR porque a doutrinatem criticado o seu papel de legisladorpositivo.

De qualquer forma, não desanime se nãoconseguir de imediato formular inteiramenteseu problema nesses três passos. Importanteé que não se esqueça essa sugestão, pois aclareza de seus objetivos economizará signi-ficativas horas de seus estudos.

Ademais, a capacidade de enunciar osproblemas com todas as suas dimensões, demaneira clara, concreta, completa e concisa,é algo não só útil para a pesquisa, mas para avida.

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Alguns critérios, por fim, podem servirpara uma autoanálise sobre a qualidade daideia/problema gestada: boas ideias intri-gam, alentam, excitam; boas ideias não sãonecessariamente novas, mas sempre in-ovadoras (atualizam estudos, adaptamcolocações a contextos diferentes, chegam acertas conclusões através de caminhos diver-sos); boas ideias servem para elaborar novasteorias ou para solucionar problemas, ouservem para gerar novas interrogações ouquestionamentos.

EXERCÍCIO PRÁTICO(autoavaliativo)Planeje um projeto depesquisa inicial seguindo ospassos anteriormenteindicados:

(a) tópico (sobre o que quer es-crever): vou estudar;

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(b) pergunta (o que não sabesobre ele): porque querodescobrir quem/o que/quando/onde/se/por que/como;(c) importância (por que quersaber sobre ele): para entendercomo/por que/ o que.

1João da Cruz e Souza. Poesia, p. 86.

2Ernst Junger. Heliópolis. Visión retrospectiva de una

ciudad, p. 151.

3Ernst Junger. Heliópolis. Visión retrospectiva de una

ciudad, p. 159.

4João Guimarães Rosa. Tutaméia, p. 29.

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5Rubem Alves. Lições de Feitiçaria. Meditações sobre a

poesia, p. 29.

6Machado de Assis. Crônicas Escolhidas, p. 18–19.

7Gabriel Perissé. O professor do futuro, p. 33–34.

8Esse modelo prático foi retirado da obra A Arte da

Pesquisa de Wayne C. Booth, Gregory G. Co-lomb, Joseph

M. Williams.

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CAPÍTULO 2

Coletando e organiz-ando o materialinicial

A coleta de material que servirá de suporteteórico (marco teórico ou marco referencial)para a pesquisa depende intrinsecamente daperspectiva da pesquisa. Se a pesquisa sepropõe a demonstrar o acerto ou o erro deuma teoria, o que soe acontecer com aspesquisas quantitativas, o conjunto do ma-terial bibliográfico estará condicionado aosautores que sustentam dita teoria. Se apesquisa se dispõe a descobrir novas facetasde uma questão já enfrentada, o que soeacontecer com as pesquisas qualitativas, o

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conjunto será essencialmente aberto a diver-sas possibilidades, embora dependa de ummicroconjunto que já enfrentou a questão,mesmo que tangencialmente.

A diretriz, portanto, deve ser o problemada pesquisa.

Estabelecido um bom problema, apto amotivar o trabalho de pesquisa, é precisobuscar e definir o material que servirá pararesponder suas indagações ou simplesmenteque fundamentará as “suas” respostas: asfontes de estudo e de informações.

Mas observe a indicação precisa: o materi-al que responderá suas perguntas, que iráancorar suas respostas. Não se trata de ma-terial genérico sobre o seu tema, mas de ummaterial adequado para resolver o seu prob-lema de pesquisa.

Portanto, um passo prévio deve ser dado:quais as informações que preciso para as“minhas” perguntas e “minhas” respostas?Somente depois de desvelado esse ponto

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deve se passar para a Coleta e Organizaçãodo Material, que não é uma atividade que sedá ao acaso.

A maioria dos pesquisadores iniciantes,quando começa a selecionar e a ordenar oseu material, busca e organiza-o de acordocom os tópicos mais relevantes que imaginadever tratar em sua pesquisa (como em umíndice lógico imaginário). O resultado disso,provavelmente, será que o estudo (próximafase) e o texto que virá a escrever poderãofacilmente constituir-se como verdadeirosresumos do que os outros já disseram. Issonão é pesquisa!

O pesquisador iniciado, no entanto, pro-cede diferentemente. A seleção e a organiza-ção do material dependem de suas perguntase dos passos necessários para construir suasrespostas.

O que estamos procurando revelar é que sefaz necessário mudar a perspectiva: a coletade informações parte da necessidade da

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pesquisa e não simplesmente das obras quenos deparamos relativas ao tema.

2.1 Revisão da literaturaVimos anteriormente, dentre os requisitosexigidos para os trabalhos de pesquisa, aexigência da revisão da literatura de referên-cia da área do curso e da literatura básicasobre o tema.

Essa exigência advém mais da experiênciado que de uma necessidade conceitual daciência. Por outro lado, advém do propósitoeducacional de formar especialistas.

Costumeiramente, a ciência que desen-volvemos consolida uma evolução do que foianteriormente desenvolvido por outrospensadores. É o que Thomas Kuhn, em suaobra A Estrutura das Revoluções Científicas,intitula de “ciência normal”, aquela em que apesquisa se desenvolve pela acumulação denovos olhares sob os mesmos pressupostos.

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Raras são as ocasiões em que o cientistasubverte a tradição, os pressupostos anteri-ores, e apresenta um novo conjunto deparadigmas que nega a teoria anterior.Nesses casos, opera-se verdadeiramente umarevolução científica. Copérnico, Newton, La-voisier e Einstein são exemplos de pensad-ores que desenvolveram essa ciênciaextraordinária.

Como, em geral, a pesquisa acadêmica sedesenvolve em um procedimento institucion-alizado que a sujeita ao julgamento de outrospesquisadores, é natural que a ciênciaacadêmica desenvolva-se sob o manto daciência normal. E, nessa seara, o contributoque se apresenta ao pensamento científiconaturalmente será o da acumulação de novosolhares sob idênticos pressupostos.

A pesquisa desenvolvida por quem almejaingressar na comunidade acadêmica neces-sariamente é uma pesquisa que deve percor-rer os paradigmas anteriormente

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construídos. A pesquisa que queira apresent-ar novos paradigmas, de qualquer forma,terá que analisar os anteriores para contestá-los.

Torna-se necessário, portanto, emqualquer pesquisa, revisar o que de mais im-portante foi escrito sobre tudo o que tangen-cia ao problema que se escolheu para con-centrar os olhares da pesquisa.

Mesmo assim, essa exigência (revisão daliteratura) atrela-se ao problema e nãosomente à área e ao tema.

Se o problema que se almeja resolver é de-corrente de lacunas ou entraves (teóricos,práticos ou metodológicos) ainda nãoresolvidos pelos pensadores, a revisão da lit-eratura deverá concentrar-se no “estado daarte”, que geralmente é bem descrito emobras atuais.

Se o problema em estudo advém oumodifica-se em função de um contextoteórico, de um novo quadro teórico, a revisão

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da literatura passará provavelmente porobras clássicas de História e de Teoria Gerale apenas pelos trabalhos atuais que contest-am esses referenciais.

Se o problema liga-se à evolução de umdeterminado instituto ou conceito, a revisãoda literatura passará certamente sobre asobras clássicas atinentes a esse instituto ouconceito.

2.1.1 Criando Uma Lista Pro-visória De FontesNa investigação primária para gestar o prob-lema da pesquisa, o pesquisador já consultoualgumas obras, artigos, ensaios etc.

Certamente, a definição das fontes devecomeçar desse ponto. Esses primeiros mater-iais consultados poderão constituir umaprimeira lista de fontes.

Nesse primeiro conjunto diminuto, serápossível identificar outras possíveis fontes.Basta verificar as referências desses textos.

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Mas espera-se que nessa fase (posterior àdelimitação do problema), faça-se um levan-tamento mais cuidadoso que o anterior. Épreciso consolidar um conjunto mais eficazde fontes.

Previamente, é preciso que se tenha ciên-cia de que quanto mais separarmos o quesabemos do que queremos saber, maiseficazmente encontraremos aquilo de queprecisamos.

Procure, pelo seu tópico específico, peloseu problema concreto, nos cadastros dasbibliotecas.

Excelentes bibliotecas, bancos de dados ede textos podem ser consultados pela inter-net. Nas procuras pela web, no entanto,torna-se necessária certa familiaridade comas “palavras-chave” que podem ser associa-das à sua pesquisa. De plano, convém verifi-car o site do Scielo, o site Domínio Público, osite dos Periódicos Capes, a Biblioteca Digit-al de Teses e Dissertações, bem como as

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Bibliotecas Virtuais Temáticas do Ibict, e asBibliotecas do Senado Federal e da USP.

Nesse ponto, há que se fazer também umaressalva. Se, após insistentes buscas, não en-contrar nenhum ou parco material, pode serque sua escolha de pesquisa tenha recaídosobre assunto que até mesmo pode o tornarfamoso. No entanto, se o prazo para a ex-ecução da mesma é exíguo, cuidado! Poderáenredar-se na teia dos que ficam amarradosno meio do caminho. Talvez, valha a penavoltar ao primeiro passo e pensar em umnovo problema.

Por outro lado, encontrada uma boa obra,há que dedicar a ela, verificando e valoriz-ando de forma diferenciada suas referências.A partir delas, poder-se-á, com segurança,construir uma lista de fontes de qualidade.

Outra ressalva se faz necessária. O levan-tamento bibliográfico ou relativo ao marcoreferencial, na pesquisa qualitativa (quedescobre evolutivamente qual é o núcleo do

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problema), sempre é provisório. Até o finalda pesquisa, continuamente pode ser ne-cessário rever a lista de fontes construída.

2.1.2 Cuidado Com A QualidadeDas Fontes EletrônicasPor outro lado, deve-se ter extrema cautelaquanto às fontes encontradas na internet.Utilize-se apenas das publicações eletrônicasdisponíveis on-line que saiba possuir qualid-ade e confiabilidade. Infelizmente, há detudo publicado na internet. Na era dos blogs,todos se converteram em autores, sábios eautoridades, mas em verdade, muitas vezes,não o são…

Há, pelo contrário, uma série de pub-licações de excelente qualidade na web. Umdos caminhos para separar o joio do trigo éverificar se a publicação está indexada noQualis da Capes ou em outro índice inter-nacional, como o Isis-Thomson, Scopus etc.

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2.1.3 Necessidade De Selecionar EClassificar As FontesA experiência tem nos demonstrado que aqualidade do trabalho final está atrelada in-exoravelmente à qualidade das obras con-sultadas. São as boas obras que nos desper-tam boas ideias ou boas soluções. Gastartempo selecionando boas obras, em verdade,constitui verdadeiro ganho de tempo e con-sequente conquista de qualidade.

De qualquer forma, uma vez feita sua listainicial, duas tarefas podem se apresentar:ainda é preciso aumentá-la ou é precisoencurtá-la.

Se apresentar-se muito curta, leia tudo oque houver nela e dessa leitura poderá ex-trair novos raciocínios que permitam novassondagens. Se for muito longa (questão queem geral se apresenta), selecione os textospela maior adequação ao seu trabalho e pelamaior qualidade.

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Agregar mais e mais fontes normalmente émais fácil e divertido do que re-fletir sobre ovalor do que já se encontrou. No entanto, senão estabelecermos uma lista de fontescontroláveis, avizinhar-se-á de nossa realid-ade o terrível monstro da impossibilidade.

É preciso estabelecer uma lista de boasfontes, pois disso dependerá a qualidade dotrabalho final, bem como a quantidade dehoras ou mesmo dias necessários à leitura.

Uma boa fonte vale mais do que umaporção de fontes medíocres. Leve a sério,portanto, essa tarefa: reduza suas fontes àsmais valiosas.

Como selecionar as fontesNão é fácil para o iniciante identificar asboas fontes. Algumas ideias, no entanto, po-dem facilitar tal empreitada.

O caminho fácil é pedir indicação a bibli-otecários, professores, orientadores, colegasque desenvolveram trabalhos em áreas

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semelhantes. Será necessário, no entanto,que o pesquisador adquira esse faro. Opesquisador que recebe muitos auxílios podenão desenvolver a autonomia necessária.

E não existe segredo, apenas o seguinte: épreciso enfrentar o desafio.

Será necessário fazer uma leitura por alto(cuidado não é o momento de ler com toda aprofundidade) e verificar o que está sendoafirmado com relação às necessidades dapesquisa e se as afirmações e o discurso dasobras consultadas são feitos com profundid-ade e critério.

De qualquer forma, a área do conheci-mento envolvida na pesquisa e o tópicoescolhido, em geral, possuem, cada qual, umrol de reconhecidas autoridades, de recon-hecidos pensadores ligados aos mesmos.Esses não podem deixar de ser consultados.Automaticamente devem entrar em nossalista de fontes. Para identificá-los costuma

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ser muito simples: quase todos osmencionam.

Se encontrar uma obra que lhe parecer im-prescindível para o seu trabalho, terá umcaminho seguro. Um cuidado imediato se re-comenda: verifique se é a edição mais re-cente da mesma. Por outro lado, se essa obraé decisiva, diminua a velocidade da leiturapor alto. Talvez aqui seja preciso uma leituramais lenta e refletida, pois os rumos daspesquisas podem se alterar depois dessa an-álise mais cuidadosa.

Classificando as fontesOs conhecidos manuais ou cursos, em geral,são obras que permitem estabelecer umavisão geral de seu tema. Um cuidado, no ent-anto, deve ser tomado: em geral, esse tipo deobra cai muito facilmente no relato simplific-ado dos temas e, pior, muitas vezes ap-resenta determinados temas como se o

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posicionamento do respectivo autor fosse oúnico possível.

Definitivamente, são obras que podem ealgumas vezes devem ser consultadas, masrotineiramente não podem conduzir nossainvestigação.

Os artigos científicos, publicados em boasrevistas, costumam focalizar em um tópicobem específico e, nesse âmbito, apresentar asproblemáticas mais atuais desse. São muitoúteis para a pesquisa, mas muitas vezes nãoapresentam o panorama geral que anterior-mente encontramos nos cursos e manuais.

Um método sábio, rotineiramente re-comendado pelos autores de obras de metod-ologia da pesquisa, é o de diferenciar e clas-sificar as fontes de uma investigação emprimárias, secundárias e terciárias.

Primárias são as que apresentam os ele-mentos que o pesquisador trabalha direta-mente, são as fontes originárias das ideias e,portanto, as mais importantes.

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Secundárias são as fontes que percorreramraciocínios próprios e adequados, referen-ciando informações das fontes primárias.São as fontes, portanto, em que se pode bus-car as mais variadas consequências de dadosou raciocínios apontados originariamentepor outros.

Terciárias são as fontes que sintetizam ouexplicam o que fora apresentado nas fontesanteriores (secundárias). Constituem,efetivamente, suporte fraco para a suapesquisa, mas, por outro lado, são excelentespara as primeiras aproximações.

Dê sempre preferência a buscar as inform-ações em suas fontes originárias, salvo seinacessíveis.

No Direito Constitucional, por exemplo,praticamente todas as obras gerais explicamo pensamento de Peter Haberle quanto à suateoria da Sociedade Aberta dos Intérpretes.Ora, essa obra é de fácil acesso. Sem descon-siderar as interpretações de qualidade dessa

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teoria, o pesquisador deve buscar direta-mente, na fonte originária, a sua inter-pretação sobre a mesma. Pode ocorrer que afonte derivada não tenha explicado justa-mente algo que interessa para a suapesquisa. Pode ocorrer que a fonte derivadanão tenha explicado com a mesma dimensãoque o pesquisador cuidadoso possa lhe dar.

Da mesma forma, as citações encontradasem nossas fontes devem, quando possível,ser conferidas na fonte originária, pois, infel-izmente, muitas vezes são retiradas de seucontexto. Já me deparei, de novo infeliz-mente, com citações que transcreviam ra-ciocínios justamente que os autores primári-os contestavam em seguida. Não ceda àpreguiça de não consultar a fonte original.

Dicas operacionaisNesse momento, identificadas as melhoresobras ou as indispensáveis, se tivercondições, compre-as. Pois estará habilitado

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a, livremente, “destruí-la”, rabiscá-la, escre-ver suas ideias nos cantos das páginas etc.

Não tendo condições, o que em geral é arealidade do pesquisador (em geral o protó-tipo legítimo do sonhador), procure resumirtudo o que ler (mesmo nessa fase, que não seestá fazendo a leitura aprofundada, masapenas a leitura panorâmica para selecionaras fontes). Evite, se possível, tirar fotocópiasdo que acha que virá a usar.

Há algo muito curioso relativo às fotocópi-as. As pilhas de fotocópias têm uma naturezamítica surpreendente: costumam se escond-er em gavetas e somente depois que apesquisa se encerrou aparecem para seremdescartadas.

Detalhe importantíssimo: crie um sistemapara registrar os dados das fontes que encon-trou. Podem ser pequenas fichas, um arquivoeletrônico. Tanto faz. O que importa é regis-trar os dados da fonte: autor, título, editora,edição, ano e onde está o material (se

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pesquisamos em mais de um local, passadoalgum tempo, é difícil lembrar em que bibli-oteca estava tal obra).

Se tirar cópia de parte de um livro (em-bora avisemos de tal risco), não se esqueçade tirar cópia da página de rosto ou da quecontenha os dados bibliográficos, senão teránovamente que descobrir esses dadosquando estiver escrevendo sua pesquisa.

2.2 Entorno ou contextosocial da pesquisaUm pesquisador deve se manter atualizadocom relação à literatura existente sobre a suaespecialidade, mas também tem de semanter a par dos acontecimentos e dasmudanças sociais que o circundam.

As pesquisas desenvolvidas pelas ciênciassociais não são abstratas e meramentehipotéticas, ligam-se inexoravelmente aoentorno social. Não há, mesmo nas pesquisas

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teóricas de base, como se pensar em umapesquisa social que não gere impactos na so-ciedade ou que não dependa da concepçãosocial vigente sobre o tema em que sedebruça.

Todo pesquisador dessa área, portanto,tem de se preocupar em consultar fontescomplementares para a sua pesquisa,fontes que revelem as dimensões socioló-gicas, antropológicas, políticas. Não pode,portanto, um pesquisador jurídico alienar-seem seus estudos e esquecer que os institutosjurídicos regulam relações sociais…

Triste nesse sentido e prejudicial àpesquisa é a presente desvalorização que sedá nos cursos jurídicos às disciplinas deformação básica, especialmente à sociologia,à antropologia, à ciência política e à filosofia.

Exercício prático(autoavaliativo)

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Construa uma lista provisóriade fontes bibliográficas(livros, artigos etc.) que suaprimeira investigação indiquecomo necessários para desen-volver a sua pesquisa.

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CAPÍTULO 3

Elaborando o pro-jeto de pesquisa e oplano de trabalho

Chegado o momento em que (a) se delimitouprecisamente o objeto concreto da pesquisa e(b) fez-se a sondagem inicial das fontes sobas quais a investigação debruçar-se-á, torna-se necessário (c) elaborar um projeto estru-

turado de pesquisa1 – guia que servirá parapontuar as últimas delimitações e planeja-mentos necessários e que pautará os rumosseguros para o desenvolvimento dainvestigação.

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3.1 Utilidade da elaboraçãodo projeto de pesquisaO sucesso de uma pesquisa não advém, em

geral,2 de uma inspiração transcendental oudo mero acaso, da loteria da vida. E mesmoque ocorra, não se apresentará, em geral,além da solução, não como um texto articu-lado e desenvolvido.

Nicolau Maquiavel, em sua clássica obra OPríncipe, desde 1513 nos explicou que a for-tuna (ocasião, oportunidade) só opera seusefeitos benéficos se acompanhada da virtù(intelectualidade aliada da ousadia).

A fortuna independe da vontade humana.O homem dotado de virtù, no entanto, sabeencontrá-la e aproveitá-la: “Não se aguarda aFortuna, devese persegui-la, preparar-separa com ela se encontrar. A Fortuna é aOcasião, e conhecê-la é privilégio daquelesque se esforçam, que não ficam a esperar os

acontecimentos”.3

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A virtù está muito ligada ao “conheci-mento” da realidade…

Na idade média, o poder era privilégio dosabençoados por Deus; na antiguidade, daclasse. Para Maquiavel, aquele que utiliza avirtù e a fortuna pode chegar ao poder.Rende, assim, um tributo à inteligência, à as-túcia, à coragem e à ousadia: “O povo de-spreza aquele que pede muito conselho etoma decisões através de outrem. O povo ab-omina aquele que se mostra fraco e sem con-

dição de exercer a arte de governo”.4

É clara a preocupação de utilizar a in-teligência, de perceber as coisas por simesmo e de ousar: “Aproveitar a oportunid-ade é privilégio de poucos, não porque estesrecebem alguma dádiva especial, mas porquese utilizam da ousadia, não temem os de-

safios que lhes são apresentados”.5

O sucesso da pesquisa, portanto, advém dadedicação intelectual a mesma e da ousadiacrítica. O projeto de pesquisa deve, em

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consequência, concentrar-se nisso, na virtù:estabelecer aprofundado planejamento detrabalhos intelectuais que deverão ser desen-volvidos e os pontos inovadores, de ousadia,que precisarão ser fundamentados.

A tentação de querer começar imediata-mente o trabalho de pesquisa, pois o seuplanejamento detalhado parece-nos perda detempo, deve ser afastada.

O planejamento evita trabalhos confusos,com muitas voltas ou tópicos inexpressivosou dispensáveis. Implica, ao contrário, naprodução de trabalhos objetivos, precisos ede resultado relevante.

Na prática, a elaboração do projeto ajuda-nos a constatar a qualidade do que nos di-spomos a fazer. Verificaremos, nós mesmos,a coerência, a utilidade, até mesmo o encan-tamento que a pesquisa que nos dispomos adesenvolver pode gerar.

Ademais, em muitas ocasiões, tal tarefa éinarredável. Costumeiramente, por exemplo,

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exige-se tal projeto para se concorrer aomestrado ou ao doutorado. Da mesmaforma, é imprescindível tal mister para sepleitear bolsas ou incentivos.

Pré-RequisitosO Projeto de Pesquisa explicitará o problemada pesquisa e como esse será enfrentado,passo a passo. Depende, portanto, do bomenfrentamento dos desafios anteriormenteapresentados: da definição do problema e deum cuidadoso trabalho exploratório (defin-ição das fontes de pesquisa).

Característica EssencialTal projeto, por sua vez, consolida-se em umtexto escrito. Esse texto deve ser apresentadoem uma redação sintética, sinal de que oautor tem ideias bem claras e precisas do quepretende fazer, de que resultados visaatingir.

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Não é momento de escrever o trabalho,mas apenas de indicar com acuidade como omesmo será. A redação do projeto, portanto,não deve ser alongada, circular ou prolixa.Ao contrário, deve se apresentar de formaconcisa, embora profunda.

Razão pela qual o projeto não pode serdesenvolvido em muitas laudas (algumas in-stituições costumam até mesmo limitar otamanho máximo do projeto a 15 ou a 20laudas). Apresenta-se para dizer o que ecomo se quer fazer, mas não apresentará ja-mais a completude das ideias que o trabalhofuturo conterá.

3.2 Estrutura do projeto depesquisaVárias são as possibilidades ou exigênciasformais quanto ao Projeto de Pesquisa, quedependem especialmente do propósito desua apresentação.

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De qualquer forma, segundo a NBR15.287:2005, emitida pela Abnt em 30/12/2005, o projeto de pesquisa deve contar comos seguintes elementos, nessa sequência:

(A) pré-textuais: capa (opcional), lom-bada (opcional), folha de rosto (obrig-atório), lista de ilustrações (opcional),lista de tabelas (opcional), lista de abre-viaturas e siglas (opcional), lista de sím-bolos (opcional), sumário do projeto(obrigatório);(B) textuais (todos obrigatórios): temado projeto, problema, hipótese(s), objet-ivos, justificativas, referencial teórico,metodologia, recursos necessários,cronograma;(C) pós-textuais: referências (obrig-atório), glossário (opcional), apêndice(opcional), anexo (opcional), índice(opcional).

A exigência formal concreta (na realidadepontual de alguma instituição) poderá

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requisitar algum elemento utilizando-se deexpressão diversa das que aqui apontamos. Aelaboração, nesse caso, deve dar atençãoapenas ao significado da parte estrutural queexplicitaremos a seguir e não ao nome queaqui utilizamos.

3.2.1 Elementos Pré-Textuaisa CAPA deve apresentar as seguintes inform-ações, nessa ordem: a) nome da entidadepara a qual o projeto será submetido, b)nome do autor ou dos autores, c) título, d)subtítulo (distinguido tipograficamente ouprecedido de “:”), e) local (cidade) da en-tidade, f ) ano.

A FOLHA DE ROSTO deve apresentar asseguintes informações, nessa ordem: a)nome do autor ou dos autores, b) título, c)subtítulo (distinguido tipograficamente ouprecedido de “:”), d) tipo de projeto depesquisa e nome da entidade a que deve ser

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submetido, e) local (cidade) da entidade, f )ano.

Algumas instituições exigem que o autorou os autores apresentem seus DADOSCURRICULARES. Feita essa exigência, deveser cumprida após a folha de rosto.

3.2.2 Elementos Textuais

3.2.2.1 TemaO TEMA DO PROJETO é revelado peloTÍTULO e pela DELIMITAÇÃO DO TEMA.

O TÍTULO é a parte estrutural que talvezexija maiores cuidados, pois, de imediato,despertará interesse ou não. Queiramos ounão, a apresentação inicial (antecipada desdea capa do projeto) condiciona a análisesubsequente.

De qualquer forma, o título deve sintetizara pesquisa, sua essência (problema, hipótesee propósito da investigação), expressar opropósito maior ou mais relevante do

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projeto, que é a solução buscada para oproblema.

DELIMITAÇÃO DO TEMA é a parte estru-tural que se apresenta logicamente a seguir,pois explicita e desvela a amplitude concretaque muitas vezes o título anteriormenteapontado não pode revelar.

Nesse ponto, é preciso dizer especialmenteo que não será abordado, estabelecer os lim-ites, as fronteiras. Trata-se de dizer a parcelado mundo que não faz parte de seu territóriode investigação e de dizer a que necessaria-mente faz.

É preciso que a pesquisa seja pragmatica-mente reduzida a dimensões adequadas: aamplitudes viáveis (a pesquisa excessiva-mente aberta provavelmente não será levadaa cabo no tempo e dentro dos recursos deque se dispõe, que são sempre limitados) e aamplitudes necessárias (a solução do prob-lema, por sua vez, exige algumasabordagens).

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É certo que os limites de uma investigaçãosão sempre flexíveis, especialmente no mo-mento de prospecção. Ampliam-se ourestringem-se à medida que o trabalhoavança. É o acúmulo de leituras e de inform-ações que concretizará definitivamente oscontornos reais da pesquisa.

Nenhuma ideia inicial pode ser concebidade maneira rígida e definitiva. No entanto,somente sua delimitação provisória per-mitirá o desenvolvimento do trabalho.

Deve-se fixar, mesmo que provisoria-mente, os limites particulares do tempo e doespaço, o âmbito histórico e geográfico. Épreciso indicar, por exemplo, se a pesquisaconcentrar-se-á na evolução de determinadoinstituto desde quando e em que circun-scrições territoriais.

A formulação do problema e da hipóteseaponta-nos, mesmo que de forma transitória,se a pesquisa deve se debruçar sobre adoutrina, sobre a legislação e sobre a

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jurisprudência. Ou, pelo menos, indicam-nosas ênfases que deverão se construir quanto aesse trinômio.

Da mesma forma, o desafio da resoluçãodo problema de pesquisa indicanos se precis-aremos nos debruçar ou não em amplo le-vantamento histórico ou no DireitoComparado.

Sem a correta delimitação da pesquisa nãosó o projeto fica prejudicado, mas a própriapesquisa que se desenvolverá. Prejudicar-se-á certamente a complexidade e a profundid-ade que o investigador deverá desenvolver seele tentar abraçar o mundo (o ditado popularjá nos ensinou: quem muito abraça, poucoaperta!).

3.2.2.2 ProblemaFORMULAÇÃO DO PROBLEMA, por suavez, é o componente do projeto que o estru-tura intrinsecamente. É o problema que

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explicita para que serve, em essência,qualquer investigação.

Nesse ponto, vastamente tratado anterior-mente, cabem, no entanto, mais algumasressalvas.

Um problema bem formulado é mais im-portante para o desenvolvimento da ciênciado que sua eventual solução. Mesmo que nãose solucione o problema, uma investigaçãopode ter um grande mérito se abrir, ou pavi-mentar, um caminho para a solução futura.

A dúvida do pesquisador em relação a umassunto e/ou tema, por outro lado, não con-stitui um problema de pesquisa. A dúvidacompartilhada ou não respondida por outrospesquisadores, pelo contrário, constitui umlegítimo problema.

O problema não surge na mente do invest-igador do nada, é fruto da leitura e da obser-vação atenta do tema que se deseja pesquis-ar. Nesse sentido, o pesquisador deve fazerdiversas leituras de “boas” obras que tratem

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do tema no qual está situada a pesquisa, bemcomo observar – direta ou indiretamente – ofenômeno (fatos, sujeitos). Somente apósesses passos, conquistados também pelasondagem do material de pesquisa, é pos-sível formular questões significativas.

3.2.2.3 HipóteseDEFINIÇÃO DA(S) HIPÓTESE(S) é o com-ponente que indica a(s) resposta(s) imagin-ada(s) inicialmente pelo pesquisador. É umaresposta provisória à pergunta que sintetizouo problema. É o que se pretende demonstrar,não o que já se tem demonstrado evidente,desde o ponto de partida, como pressuposto.

Essa resposta, embora provisória, con-stitui verdadeiro instrumento para a con-dução futura da pesquisa. É com essa res-posta imaginada que o pesquisador poderáelaborar o plano de seu trabalho (elementoque será apresentado a seguir) e organizarsuas tarefas economicamente.

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3.2.2.4 ObjetivosOBJETIVOS é o componente que explicita,em primeiro lugar, os impactos que podemser gerados a partir da utilização dos resulta-dos do projeto (alguns identificam esse passocomo “objetivo geral”). Respondem à per-gunta “para que fazemos a pesquisa?”.

Identificado os principais pontos a seremabordados, esse ponto desvela com lucidez oque e como se pretende esclarecer a(s) prob-lemática(s) levantada(s), até mesmos as per-guntas secundárias que o pesquisador deveráresponder (alguns identificam esse passocomo “objetivos específicos”).

De qualquer forma, a indicação dos objet-ivos, dos RESULTADOS ESPERADOS, alémde advertir a utilidade concreta de qualquerpesquisa, é elemento imprescindível, ne-cessário em qualquer projeto que almejefinanciamento.

O projeto tem de apresentar qual é o prob-lema e de que maneira o estudo ajudará a

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resolvê-lo: provando uma teoria, aportandoalguma evidência empírica à mesma, demon-strando eventual lacuna de análise, rev-elando as consequências práticas de determ-inado posicionamento etc.

Especialmente em casos de financiamento,é preciso apresentar resultados práticos alémdas fronteiras da pesquisa, tais como a ap-resentação dos mesmos em eventual con-gresso, o encaminhamento de projeto norm-ativo ao Congresso Nacional etc.

3.2.2.5 JustificativaJUSTIFICATIVA é o ponto do projeto emque se deve apresentar a RELEVÂNCIA doprojeto. É a parte estrutural que evidencia acontribuição do projeto para o conhecimentoe para a sociedade, que ajuda a compreendera magnitude do problema e a verdadeira di-mensão que representa a resolução domesmo.

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Trata-se de elemento essencial para o con-vencimento de qualquer leitor do seu tra-balho futuro, bem como de eventuaisavaliadores do projeto, seja para fins dequalquer processo seletivo, seja para a con-cessão de bolsas. Mais ainda, trata-se de ele-mento que, uma vez desvelado, incentiva opróprio pesquisador, pois não há pesquisaque seja bem desenvolvida sem entusiasmo.

Nesse ponto, há que se ter a clareza con-creta, novamente, de por que e para quefazemos uma pesquisa.

3.2.2.6 Referencial teóricoREFERENCIAL TEÓRICO é o componenteque desvela os pressupostos do pesquisador,até mesmo sua concepção de mundo. Nãodeixa de ser, por outro lado, uma nova formade delimitação da pesquisa, pois a abord-agem teórica orienta o caminho da análise e,em grande medida, condiciona os resultados.

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Em termos gerais, os pressupostos teóri-cos podem ser traduzidos por uma linha depensamento ou por um conjunto delimitadode pensadores.

Nas pesquisas que se propõem a demon-strar uma teoria, chamar-se-á marco teórico.Nas pesquisas desveladoras de facetas nãopensadas, marco referencial.

3.2.2.7 MetodologiaMETODOLOGIA é, paradoxalmente, o ele-mento mais negligenciado nos projetos depesquisa.

A pesquisa científica define-se essencial-mente como um processo de busca de umconhecimento a partir de instrumentos eprocedimentos controláveis e repetíveis poroutrem. De outra forma, são tidas como res-postas legítimas (científicas) para asquestões da pesquisa, somente aquelas quesigam um instrumental e um métodopredefinido.

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Em definitivo, para que um projeto depesquisa seja científico deve explicitar ametodologia.

3.2.2.7.1 Metodologia de abordagem

O MÉTODO DE ABORDAGEM ou de res-olução das perguntas da pesquisa correspon-derá à concepção teórica adotada pelopesquisador, a uma concepção da realidadesubjacente. Exemplos de métodos de abord-agem podem ser: dialético, estruturalista,empirista, positivista, sistêmico, her-menêutico e fenomenológico.

Não há um método de abordagem melhorou superior, simplesmente podem ser mel-hores ou superiores de acordo com o objetodo estudo ou mesmo com o propósito doestudo. Em outras palavras, deve ser utiliz-ado o método de abordagem mais útil acaptar o que se quer desvendar.

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A DIALÉTICA, talvez um dos mais pre-ciosos métodos para as áreas sociais, partedo pressuposto de que a realidade é semprehistórica e historicamente superável. A real-idade humana não é algo definitivo, está in-serida em um atual vir-a-ser (é histórica).Razão pela qual a superação histórica éinarredável (aparecerá um novo vir-a-ser). Arealidade está configurada, portanto, emparcela estável (estrutura) e em parcelatransitória (contradição intrínseca ao serdaquele momento e que se revelará no mo-mento seguinte). Todo ser tem em si mesmoo atual vir-a-ser (tese) e o futuro vir-a-ser(antítese). Este é o foco da atenção do méto-do de abordagem dialético, a mudança, odinamismo. Reduz o olhar para a caracter-ística processual.

Em consequência dessa cosmovisão, é pos-sível apontar algumas características dométodo de abordagem dialético: o que seconhece é um processo, não há retratos do

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objeto; em consequência, seus instrumentosde observação são também dinâmicos; suaatenção à transição torna-a avessa à dogmát-ica, indagando tudo de forma crítica e auto-crítica; como quer explicar a mudança, ob-serva mais os condicionamentos responsá-veis pelas alterações, embora tenha emmente que não há um determinismoinarredável; convive e estuda regularmenteas ideologias, pois as vê como causa de es-tabilidade ou de mudança; é capaz dedebruçar-se sobre os anseios humanos (re-volucionários, reformistas, conservadores oureacionários), embora jamais mensuráveis;não se detém na superficialidade dos aconte-cimentos, pois explicam somente o hoje enão o vir-a-ser.

Uma ressalva: a dialética marxista ap-resenta apenas um acréscimo metodológicorelevante, o fato de que o fator determinanteda mudança não advém de intencionalidades

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subjetivas ideológicas ou políticas, mas dainfraestrutura econômica.

O ESTRUTURALISMO, ao contrário dadialética, realça o aspecto repetitivo, a par-cela estável do ser. Acredita que toda a real-idade está invariavelmente estruturada. Aessa estrutura a ciência deve dedicar-se.

Tem os seguintes pressupostos:1. Para entender um fenômeno é precisodesmontá-lo em suas partes (análise).2. A complexidade de um fenômeno ésempre uma percepção superficial, naprofundidade todo fenômeno é simplesporque gira em torno de uma estruturainvariante (simplicidade subjacente).3. Explicar é escavar e ultrapassar a sub-jacência, pois somente na superfície osseres variam, não do fundo, naestrutura.4. Todo fenômeno é explicável em mod-elos estruturais.

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Lévi-Strauss demonstrou a validade dessemétodo e o tornou relevante após estudar osmitos indígenas, pois verificou que todos osmitos, de todos os povos, apresentam temassemelhantes e estruturas simbólicas semprerepetidas.

Secundarizase, por essa abordagem, ahistoricidade, garantindo-se uma invest-igação do lastro de objetividade que toda in-stituição apresenta, seu modelo estrutural. Ohistórico, o variante, é superficial, o essencialé o invariante. Por isso, o destino dessa abor-dagem é explicar o invariante, o modeloestrutural.

O EMPIRISMO funda-se na superaçãoda especulação meramente teórica pela ob-servação, pelo teste, pela mensuração quant-itativa. Para superar os subjetivismos, ima-gina que o modelo de laboratório, experi-mental, é o adequado para afastar os juízosde valor, as influências ideológicas, as merasespeculações. Amparado na cosmovisão de

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que a ciência verdadeira é a descritiva e nãoa explicativa, utiliza-se de métodos procedi-mentais ancorados na coleta e mensuraçãode dados e na lógica meramente indutiva.Nada mais é do que a tradução histórica deuma intenção: que os métodos seguros dasciências naturais sejam usados para todas asinvestigações.

O POSITIVISMO, também desconfiadoda especulação teórica, também associado aoanseio de objetividade e de neutralidade, nãose preocupa tanto com o experimento, mascom a tessitura da linguagem científica, como método, com o rigor lógico. Entende quenenhuma teoria enunciada é verdadeira,apenas pode ser enunciada como válida, porenquanto (enquanto não aparecer um caso

concreto que destrua a explicação).6 Em out-ras palavras, a ciência produz apenas inter-pretações aproximativas e nunca resultados

definitivos.7

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O SISTÊMICO enxerga a sociedade esuas partes como um fenômeno organiza-cional, como um sistema (com partes articu-ladas e concatenadas) que tem um mecan-ismo próprio e dinâmico de recomposição ouequilíbrio. Ressalta, portanto, a dinâmica deautomanutenção do sistema. Controlar con-flitos e enxergálos sempre como internos ésua habilidade fundamental. Constitui otípico olhar de muitos estudiosos que ex-cluem a discussão de modelos alternativos(que superariam o sistema) e concentram-seem desvelar como maximizar os paradigmasconsolidados (dentro do sistema, com asarmas do sistema).

Se tenho como pressuposto, por exemplo,que não é mais preciso discutir o que são equais são os direitos fundamentais, e simcomo levá-los à prática. Tenho como pres-suposto uma abordagem sistêmica.

O HERMENÊUTICO é o método que ad-vém da certeza de que o contexto é o norte de

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explicação de toda e qualquer comunicaçãohumana. Não é pela forma, pela gramática,que qualquer discurso pode ser compreen-dido, mas pelo seu entorno. Essa abordagempreocupa-se com isso: despertar a sensibilid-ade, a percepção adequada para com-preender mais o não dito do que o dito.Revela-se trilha singular para explicar atostão humanos como os seguintes: ausentar-separa marcar presença, silenciar para ser per-cebido, modular um sim que é um puro não.

O FENOMENOLÓGICO, por sua vez,voltado a estabelecer uma base liberta depressuposições, parte de uma certeza singu-lar e bastante impactante para todos os out-ros métodos, da certeza de que a ciênciasomente pode observar e explicar o obser-vado. Não cabe à ciência induzir conclusõesdos dados, nem mesmo deduzir o que estápor trás dos fenômenos. Legítimo apenas évivenciar as observações singulares, valorizara subjetividade das realidades sociais.

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3.2.2.7.2 Metodologia deprocedimento

O MÉTODO DE PROCEDIMENTOrelaciona-se à maneira específica pela qualum objeto ou parte do objeto de pesquisaserá trabalhado durante o processo depesquisa. Exemplos de métodos de procedi-mentos podem ser: histórico, estatístico,comparativo, observação, monográfico, eco-nométrico e experimental.

Para pesquisas essencialmente biblio-gráficas, convém indicar como serão sele-cionadas as leituras. Para pesquisas experi-mentais, é preciso indicar o procedimento detestagem (definir quais as variáveis que ser-ão controladas e modificadas para se verifi-car o que modifica do objeto). Para pesquisasdescritivas, é necessário advertir o procedi-mento da observação: entrevista, ques-tionário, análise documental, entre outros.

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A entrevista é um diálogo preparado comobjetivos definidos e uma estratégia de tra-balho. O questionário é um conjunto dequestões preelaboradas, sistemática e se-quencialmente dispostas em itens que con-stituem o tema de pesquisa.

Geralmente se preferem, para o ques-tionário, perguntas fechadas e, para a entrev-ista, perguntas abertas ou simplesmentetópicos. De fato, como nesta última o entrev-istador se encontra junto ao informante,bastam apenas indicações mais amplas, po-dendo fazer, no momento oportuno, as ad-aptações e complementações que forem ne-cessárias, o que não acontece no ques-tionário onde o informante se encontra soz-inho e sem nenhuma ajuda.

Perguntas fechadas são as que alguém re-sponde assinalando uma das alternativas, jáanteriormente fixada no formulário.

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Um cuidado deve ser tomado: é precisoque haja efetiva coerência entre a hipótese,os procedimentos e o cronograma.

3.2.2.8 RecursosDeve-se demonstrar, nesse ponto, aVIABILIDADE do projeto de pesquisa ouquais as possibilidades e dificuldades super-áveis do ponto de vista financeiro, material etemporal.

Convém explicitar, em primeiro lugar, como que já se pode contar.

Em segundo lugar, é preciso indicar as ne-cessidades a se superar para o desenvolvi-mento da pesquisa, tais como: despesas decusteio (remuneração de serviços pessoais oude terceiros e respectivos encargos, materiaisde consumo) e despesas de capital (equipa-mentos e material permanente – que aotérmino da pesquisa incorporar-se-ão ao pat-rimônio da entidade e não do pesquisador).

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São exemplos de materiais permanentes:livros, máquina fotográfica, gravadores,utensílios de desenho, softwares, equipa-mentos de informática etc. Materiais de con-sumo: papéis necessários para impressões,cartuchos de tinta para impressora, filmesfotográficos, pastas, arquivos, canetas etc.Serviços: cópias, encadernações, impressosgráficos, despesas de locomoção e estadiaetc.

Os recursos humanos também devem serlistados: número de integrantes, número dehoras dedicado à pesquisa, passando poroutros serviços que, porventura, sejam ne-cessários (tradução, digitação, consultoria deprofissionais de áreas diversas etc.).

3.2.2.9 CronogramaCRONOGRAMA é o elemento formal que ap-resenta o planejamento de como se imaginaque o trabalho será desenvolvido, em cadauma das suas etapas (ou resultados parciais),

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no tempo disponível para sua execução. Éforma, portanto, que permite controlar ob-jetivamente o alcance dos resultados parciaisno que diz respeito ao prazo imaginado paraos mesmos.

O fato de não atingir um resultado parcialno tempo que era esperado permitenos corri-gir os rumos, apertar o passo e resgatar atrilha da pesquisa, sob pena da linha dechegada de nossa eterna corrida contra otempo tornar-se impossibilitada.

As etapas do desenvolvimento do trabalhocientífico podem ser divididas nas seguintes:planejamento, análise e redação. Por sua vez,a distribuição do tempo, em função dereferir-se a atividades bastante complexas,deve ser apontada na dimensão “meses”.

Planejamento8 é a etapa em que se deveatingir os seguintes resultados parciais se-

quenciais (embora reversíveis9): (a) formu-lação do problema e da hipótese, (b) levan-tamento inicial de fontes e estudo superficial

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do material coletado, (c) formulação do pro-jeto de pesquisa e do plano de trabalho.

Análise é a etapa em que se busca osseguintes resultados parciais e sequenciais:(a) leitura atenta e detida, com o con-sequente registro cuidadoso dessa leitura, detodas as fontes apontadas pela nossa listainicial, (b) levantamento de novas fontespara suprir lacunas eventualmente identi-ficadas, com as consequentes leituras e ne-cessários apontamentos, (c) para os trabal-hos que estão ancorados em pesquisas decampo ou entrevistas, elaboração dos ques-tionários e realização das pesquisas ouentrevistas.

Redação é a etapa em que se busca o

seguinte: (a) redação quase-definitiva10 decada um dos tópicos de nosso plano de tra-balho com o olhar inexoravelmente ligado ao

projeto global, (b) correção global do texto,11

(c) elaboração dos textos necessários para apublicação.

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No projeto de pesquisa, deve ser ap-resentado o cronograma de desenvolvimentodessas tarefas. Usualmente, como o plane-jamento já foi cumprido, apontar-se-ácomo se imagina temporalmente a realizaçãodas demais etapas, dentro do tempo de queconcretamente se disponha.

Exemplificamos com o referencial de 1ano, a começar em janeiro, para umapesquisa que não envolva pesquisa decampo:

Logicamente, ao exemplificarmos, apon-tamos um critério também.

Dividimos o tempo disponível de formaequânime para a Análise e para a Redação,pois é necessário dedicar-se nessaproporção.

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Muitos pesquisadores concentram-se naanálise e fazem textos finais ao afogadilho.Esse fator é responsável por muitas falhasque o próprio investigador solucionaria ao sededicar mais a reler sua própria produção.

Cuidado! Um revisor contratado (comu-mente ortográfico) não estará habilitado epor isso nunca apontará lacunas ou falhas deconteúdo!

Na maioria das vezes não disporemos dotempo necessário para desenvolver uma boapesquisa (pelo menos segundo nossa imagin-ação). Temos que, nessas circunstâncias,planejar dentro dos recursos que dispomos,mas a praticidade não pode fazer a corda es-tourar pelo lado mais fraco, a última tarefa,pois é esta a única faceta externa de nossapesquisa. Um texto final de baixa qualidadedesbarata todo o projeto de pesquisa.

3.2.3 Elementos Pós-Textuais

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REFERÊNCIAS é parte que indica pormen-orizadamente cada uma das fontes utilizadaspara elaborar o projeto de pesquisa.

APÊNDICES são textos ou documentoselaborados pelo pesquisador, a fim de com-plementar a argumentação desenvolvida,que são inseridos dessa forma para não pre-judicar a unidade nuclear do trabalho, a se-quência lógica do mesmo.

ANEXOS são textos ou documentos deautoria diversa, inseridos com a finalidadede fundamentar, comprovar ou ilustrar odesenvolvido no trabalho.

Os apêndices e anexos devem ser identific-ados por letras maiúsculas consecutivas,travessão e respectivos títulos. Exemplo:APÊNDICE A – Ata da sessão de julgamentoda Súmula Vinculante número 05.

3.3 Plano de Trabalho

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O Plano de Trabalho não costuma ser exigidono Projeto de Pesquisa, nem mesmo a Abnt oexige. A realidade da academia brasileira, emverdade, tem negligenciado ou mesmo es-quecido esse pressuposto do trabalhocientífico. Meritória exceção é a obra AMonografia Jurídica de Eduardo de OliveiraLeite, que o apresenta com o destaquenecessário.

O plano de trabalho é o instrumento quearranja e dispõe as partes de um trabalho emuma sequência lógica e gradativa, a partir desuas bases teóricas, revelando claramente oconteúdo integral da futura obra. É a estru-tura sobre a qual se vai construir a obra.

Não é possível desenvolver um trabalhocientífico de qualidade, independentementedo problema e da extensão do mesmo, sem aconstrução prévia de um plano lógico que lhedê clareza e logicidade, que estabeleça o en-cadeamento e a articulação de suas partesestruturais.

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Ao contrário, sem tal plano, a pesquisacorre sério risco de converter-se em umamera justaposição ou enumeração de ideias.Realidade tão presente em diversos trabal-hos que temos tido a oportunidade deavaliar.

Temos para nós, portanto, que deveriasempre integrar o Projeto de Pesquisa. Re-comendamos, assim, que sempre o integre,para não romper com o padrão indicado pelaAbnt, como um APÊNDICE obrigatório.

Por outro lado, somente com o Plano deTrabalho em mãos é que nosso orientador, sehouver, poderá avaliar como o pesquisadorpretende desenvolver seu trabalho e dar-lhessugestões.

3.3.1 Apêndice A – Estrutura Ló-gica Do TrabalhoA Estrutura Lógica do Trabalho Científico é,em suma, o conjunto ordenado e sequencialdos tópicos sob os quais se debruçará o

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investigador, que revela a articulação dasideias (principais e acessórias) necessáriaspara a resolução do problema de pesquisa.

Concretiza-se objetivamente na elaboraçãode um sumário imaginário da futura obra aser escrita.

Logicamente, porque sua elaboração se dáno início da pesquisa, está sujeito mais doque à mutabilidade, a ser aperfeiçoado. Nadaobstante, constitui instrumental eficaz paraevitar a dispersão do pesquisador, para con-duzir o pensamento e a argumentação emcada tópico do trabalho, para que opesquisador fixe-se no essencial.

O ponto de partida, mais uma vez, deve sero cabedal de conhecimentos adquirido pelasleituras anteriores sobre o problema.

Uma vez adquirido certo grau de conheci-mento do conjunto do problema, o investi-gador pode construir o sumário, apontandoas partes, os argumentos parciais que suahipótese de resolução do problema precisará

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percorrer. Identificando as partes de seu ra-ciocínio global, é preciso identificar a se-quência mais lógica das mesmas, que, emgeral, deve se dar do mais simples ao maiscomplexo.

Um plano não se constrói de uma só vez,pelo contrário, a edificação desse plano vaise completando juntamente com o trabalho.Nada obstante, desde o início, o plano con-stitui um instrumento muito útil ao pesquis-ador, pois o habilita a escolher as fontes commaior precisão (para cada uma das partes,que sempre são mais específicas) e a organiz-ar suas tarefas em uma sequência eficaz(pois pode concentrar-se em cada parte,sequencialmente).

O plano ou sumário deve atender àsseguintes características:

(a) todas as partes do plano devem estardiretamente vinculadas ao objetivo dotrabalho, à resolução do problema dapesquisa;

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(b) as partes do plano devem ser ap-resentadas na mesma sequência de queo raciocínio rigoroso se dá, das ideiasmais simples às mais complexas;(c) deve ser perceptível o encadeamentoentre as ideias (concluída uma, podemospassar para a próxima – há uma subor-dinação entre as ideias, umas só podemser compreendidas depois que esclareci-das outras).

É necessário evitar meras descrições oujustaposições de dados ou ideias. Os trabal-hos científicos prestam-se à análise crítica,não são meros relatórios.

O plano de trabalho bem estruturado rev-ela a articulação almejada de ideias. Osumário feito ao afogadilho enumera umamontoado de tópicos não hierarquizados,não pensados, não articulados.

Por outro lado, sua apresentação deve serequilibrada e de fácil compreensão. Há quesubdividir o trabalho em poucas partes, e

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essas, por sua vez, em poucas subpartes. Aocontrário, não será possível compreender opropósito global do trabalho.

Os títulos das partes devem indicar oconteúdo correspondente a um bloco de ar-gumentos, de forma concisa, direta e expres-siva. Não pode ser a tradução do tema a serabordado, mas do argumento que sequer construir. Por outro lado, não é o ar-gumento, com todos os passos lógicos domesmo, mas a simples enunciação domesmo.

Treinar tal desiderato é todo relevante. Háque se ter em conta que a maioria das obrascom as quais nos deparamos são por nósconsultadas e não necessariamente lidas. Aconsulta, mais ainda, recai, na maioria dasvezes, apenas sobre o sumário. Se nãosoubermos construir esses anzóis, não fis-garemos o leitor.

Para elaborar a estrutura do trabalho, poroutro lado, é muito eficaz utilizar-se das

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regras metódicas sugeridas por René Des-cartes em sua clássica obra Discurso doMétodo:

1. Evidência: “nunca aceitar algo comoverdadeiro que eu não conhecesse clara-mente como tal; ou seja, de evitar cuida-dosamente a pressa e a prevenção, e denada fazer constar de meus juízos quenão se apresentasse tão clara e distinta-mente a meu espírito que eu não tivesse

motivo algum de duvidar dele”.12

2. Análise: “repartir cada uma das di-ficuldades que eu analisasse em tantasparcelas quantas fossem possíveis e ne-cessárias a fim de melhor solucioná-

las”.13

3. Sequência Lógica: “conduzir por or-dem os meus pensamentos, iniciandopelos objetos mais simples e mais fáceisde conhecer, para elevar-me, pouco apouco, como galgando degraus, até oconhecimento dos mais compostos, e

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presumindo até mesmo uma ordementre os que não se precedem natural-

mente uns aos outros”.14

4. Relações e Revisões: “efetuar em todaparte relações metódicas tão completase revisões tão gerais nas quais eu tivesse

a certeza de nada omitir”.15

Pela regra da evidência, o pesquisadorpode selecionar melhor que tópicos devemser explicados, pois algo que aparentementeé evidente para o investigador não o serápara os demais. Pela regra da análise, é pos-sível identificar melhor quais devem ser aspartes possíveis e necessárias do problema.Pela lógica, estrutura-se a sequência dostópicos do trabalho. Em função das relaçõese revisões, articulamse os tópicos e revisam-se as eventuais lacunas.

3.3.2 Apêndice B – Revisão DaLiteratura

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A revisão da literatura de referência do temae da literatura relacionada à pesquisa con-creta demonstra que o pesquisador está atu-alizado, que acompanha as últimas dis-cussões do campo de investigação e, maisainda, que está previamente acompanhadodo instrumental que se faz necessário paralevar a cabo sua tarefa.

A indicação pormenorizada dessa lista defontes demonstra, portanto, que o projeto depesquisa poderá atingir os objetivos almeja-dos, que a pesquisa não é fruto de meraselucubrações, mas da maturidade, do estudodesenvolvido até o momento. Deve, port-anto, complementar necessariamente oPlano de Trabalho.

Deve ser apresentada, se possível, deforma hierarquizada e subdividida: (a) umalista de fontes para cada parte do trabalho(segundo o sumário anteriormente desen-volvido); (b) hierarquizadas, em cada lista,em fontes gerais (obras de cunho geral),

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fontes principais (melhores trabalhos encon-trados) e fontes acessórias.

Exercício Prático(autoavaliatio)Elabore um Projeto dePesquisa com os elementosconsiderados obrigatórios pelaABNT (folha de rosto, sumáriodo projeto, tema, problema,hipótese(s), objetivos, justific-ativas, referencial teórico,metodologia, recursos ne-cessários, cronograma, refer-ências) e com os apêndicesacima sugeridos (A – sumárioe B – lista de fontes).

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1O ponto de vista aqui apresentado – que esta é a última

etapa da relevante fase do planejamento da pesquisa – pode

ser contraposto pelo seguinte raciocínio: o levantamento

certeiro de fontes é possível apenas depois dessa etapa.

Parece-nos, no entanto, que o conflito assim apresentado é

singelo demais. Essas atividades configuram aquela espécie

de experiência humana que chamamos de reversível: a

coleta de informações modifica o projeto; o projeto, por sua

vez, modifica a própria coleta… Não são fenômenos ou

etapas isoladas. De qualquer forma, o projeto consolida a

última etapa do planejamento. Somente no projeto “escrito”

enxergamos definitiva e globalmente o que se quer e o que

se fará.

2Como dizia Karl Popper: “não é porque só conheço cisnes

brancos, que os pretos não existam”… Não conheço

pesquisas inspiradas, mas a cientificidade exige de minha

parte dizer: “em geral”.

3Gabriel Chalita. O Poder, p. 69–70.

4Gabriel Chalita. O Poder, p. 76.

5Gabriel Chalita. O Poder, p. 68.

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6Há muitos positivismos, mas essa afirmação pode ser clara-

mente atribuída ao pensamento de Karl Popper, um de seus

representantes modernos.

7Afirmação consentânea com as observações de Albert, dis-

cípulo de Karl Popper.

8Uma observação paralela: somente depois de terminada

essa etapa é que os alunos deveriam buscar os seus orienta-

dores para discutir o seu trabalho imaginado.

9Há realidades que se revelam como “experiências reversí-

veis”, cuja constituição se dá unicamente “em relação”, em

mútua influência. Essas realidades não podem ser com-

preendidas isoladamente, mas somente no plexo de relações

que se estabelecem entre os seus correlacionados. Assim se

dá com as etapas de um projeto de pesquisa. Embora

comecemos com a formulação do problema, que condiciona

o levantamento de fontes, ao levantarmos as fontes, às

vezes, percebemos a necessidade de reformular o prob-

lema… Essa reformulação, por sua vez, pode modificar as

necessidades de levantamento de fontes… Essa reversibilid-

ade se dá quase entre todas as etapas da pesquisa.

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10Alguns autores utilizam a expressão “redação provisória”.

Pare-ceme perigosa tal expressão. Pode levar o pesquisador

a fazer meros esboços ao invés de escrever seu texto. A ex-

periência me deixou temeroso quanto aos meus próprios

“textos-tópicos”. Passados alguns meses, nem imagino quais

eram as ideias que pensava no momento… Hoje, eles não

duram mais do que uma semana. Ou os descarto ou

escrevo…

11Depois de redigirmos cada tópico, talvez algumas de

nossas ideias tenham se modificado; precisamos, portanto,

retomar cada tópico e aperfeiçoar o que antes falamos. Por

outro lado, apenas com a visão global, da completude do

trabalho, podemos identificar se os tópicos foram tratados

no contexto da pesquisa, entrelaçados, articulados, bem

como se restaram brechas a ser preenchidas.

12René Descartes. Discurso do Método, p. 49.

13René Descartes. Discurso do Método, p. 49.

14René Descartes. Discurso do Método, p. 49–50.

15René Descartes. Discurso do Método, p. 50.

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CAPÍTULO 4

Metodologia ecientificidade

4.1 Definição do método ecientificidadeAo construir o projeto de pesquisa, apon-tamos a necessidade de se definir o métodode abordagem (que muitas vezes traduznossa visão de mundo) e os procedimentos

de pesquisa.1

A preocupação de se deixar claro quais osmétodos utilizados advém de razão muitosimples: somente assim a pesquisa pode serchamada de “científica”.

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A clareza nesse elemento estrutural dapesquisa é o que torna os resultados verificá-veis por outros. Ora, o paradigma almejadopela ciência é justamente esse: que as con-clusões alcançadas por um pesquisador pos-sam ser testadas, verificadas ou mesmo mat-izadas por outros.

O teste ou verificação somente é possívelao se apontar o método utilizado para atingiras conclusões. São os métodos“pressupostos” que definem o “universo deanálise” e a “abrangência das conclusões”.Sem a devida transparência nesse ponto, nãohá como verificar, pois a verificação poder-se-ia se dar em outro universo, em outra ót-ica de análise (isto não é verificação, maseventual universalização – paradigma nãopara a cientificidade de uma tese, mas para aconversão de uma tese científica já testadaem “teoria científica”).

Por outro lado, um trabalho acadêmicopode ser muito profundo e até mesmo

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relevante, pode apontar soluções muito cri-ativas e bem fundamentadas; no entanto, secarecer de uma definição concreta dos seusmétodos de abordagem e procedimentais,não poderá ser agraciado com o epíteto“científico”.

A verdade, objetivo de todo e qualquerestudo humano, pode ser atingida por diver-sos caminhos: intuição, revelação, artes,pensamento mítico, senso comum… Essescaminhos, no entanto, apesar de sua im-portância e profundidade (em verdade sãocaminhos que verdadeiramente dão sentidoa nossa vida), não podem ser verificados,testados, confirmados ou falseados. Não são,portanto, científicos. O que não significa quesejam inferiores, nem superiores, apenas

diferentes.2

4.2 O que é fazer ciência?Produzir Novos Conhecimentos…

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A legítima pesquisa científica visa produzir“novos” ou “renovados” conhecimentos.

Curiosamente, a realidade acadêmica tem-se demonstrado bem diferente.Rotineiramente deparamo-nos com “discípu-los acadêmicos”, que parecem vocacionadosa simplesmente “seguir” um mestre, asimplesmente enquadrar-se dentro do uni-verso desvendado por seu preceptor.Raramente deparamo-nos com “acadêmicosdiscípulos”, que embora inseridos no uni-verso de seus preceptores, dão novos passos,questionam os pressupostos dos mesmos,aperfeiçoando ou matizando-os, apresent-ando novas alternativas não pensadas…

Curvar-se simplesmente ao que já foi con-struído é o mesmo que tornar o trabalhoacadêmico réplica dogmática ou ideológica enão pesquisa, pois este não é seu propósito.Pedro Demo, nesse sentido, é enfático:“Onde campeia o argumento de autoridade,

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acabamos sem autoridade e, sobretudo, sem

argumento”.3

…Objetivos E VerificáveisA ciência propõe-se unicamente o seguinte:captar e desvendar “objetivamente” a realid-ade. A metodologia propõe-se a dizer “comochegar a isso de forma confiável”. É, port-anto, instrumento.

Erro é superestimar a metodologia, maisimportante é a descoberta. A ciência não éapenas técnica, é também arte, é tambémcriação: “Quem segue excessivamente as téc-nicas, será por certo medíocre, porquanto

onde há demasiada ordem, nada se cria”.4

Mas erro também é subestimar a metodo-logia, pois é ela que nos permite saber se adescoberta é confiável.

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4.3 Faz-se ciência pelapesquisaÉ certo que há uma faceta da ciência ligada àtransmissão dos conhecimentos adquiridos ea consequente colocação à prova de seus res-ultados. A construção, no entanto, da ciênciase dá precipuamente pela atividade depesquisa (não importa de qual espécie), pelainquietação no que diz respeito à realidade:

Para muitos parece evidente arealidade. Nada mais enganoso. Éprecisamente o que mais ig-noramos. Por isto pesquisamos, jáque nunca dominamos a realidade.Quem imagina conhecer a realid-ade, já não tem o que pesquisar, oumelhor, tornou-se dogmático e

deixou o espaço da ciência.5

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A PESQUISA TEÓRICA almeja desvendaros quadros teóricos de referência, os contex-tos até mesmo ideológicos que condicionamo significado construído de determinadarealidade que se estuda. Ampara-se no con-hecimento “criativo” dos clássicos, no diá-logo com as ideias que estes desenvolveram.Mas não se concentra em meramente repetiras ideias alheias:

O bom teórico não é tanto quemacumulou erudição teórica, leumuito e sabe citar, mas principal-mente quem tem visão crítica daprodução científica, com vistas aproduzir em si uma personalidadeprópria, que anda com os própriospés. É mau teórico quem não passado discípulo, do colecionador decitações, do repetidor de teorias al-

heias.6

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A PESQUISA METODOLÓGICA desvelacomo captamos e manipulamos a realidade.Ampara-se na discussão de qual o caminhoseguido pelos autores para construir suasteorias, quais foram seus pressupostos emesmo seus procedimentos de investigação.

A PESQUISA EMPÍRICA é a voltada paraa faceta experimental ou observável dosfenômenos. Ancora-se na manipulação dedados objetivos e concretos captados porprocedimentos controláveis e de resultadosmensuráveis.

A PESQUISA PRÁTICA é a que se voltapara a verificação concreta de possíveis idei-as ou posicionamentos teóricos.

Em qualquer dessas formas, a pesquisavisa um único objetivo, transformar ahipótese ventilada no projeto em tese. Fazercom que a hipótese seja confirmada, pois foitestada, fundamentada, comprovada,converteu-se em tese. E isto é fazer ciência.

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4.4 Limites do conheci-mento científicoO conhecimento científico é nada mais doque uma forma de muito prestígio de setransmitir as descobertas alcançadas pelosaber humano. Não é uma forma de maiorou menor relevo do que as outras formas deconhecimento, tais como as atingidas pelosenso comum, pelas artes, pela inspiraçãodivina etc.

O que lhe dá prestígio é o fato de ser umaforma de conhecimento que pode ser test-ada. Mas isso não significa que as suasdescobertas são maiores que as atingidas poroutras formas de conhecimento.

Pelo contrário, a cientificidade legítima éaquela que se atrela de forma inexorável àprovisoriedade das conclusões: os resultadosprovados devem ser tidos como provadosapenas enquanto não se descubram suas fal-has. A ciência verdadeira é um corpo

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irrequieto, de questionamento inesgotável,um processo infindável, de contínuo vir-a-ser:

Definir a ciência como processosignifica vê-la como um incessantevir-a-ser, como uma fonte imorre-doura de indagação sobre a realid-ade, como um movimento sempre acaminho e em constante questiona-mento da realidade e de si mesma.Morreria a ciência se colhesse res-ultados definitivos, como morre,por exemplo, no dogmatismo ou noconformismo, ou no mimetismo.Continuamos sempre a pesquisar,a desvendar novas facetas do real,a questionar o que já fizemos,porque acreditamos que não existea última palavra, ou seja, não hána prática a verdade, a evidência,

a certeza.7

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Nenhuma ciência almeja ser tida como ab-solutamente verdadeira (isto seria instalar odogma como resultado do processocientífico), anseia simplesmente demonstrar,hoje, o que conhecemos de forma segura(comprovável) sobre determinada realidade.

A ciência legítima não almeja produzirtanta certeza como a cultura popular lhequer atribuir. É comum até mesmo nas dis-cussões acadêmicas depararmo-nos comafirmações categóricas como a seguinte “istoestá provado cientificamente”. Ora a provacientífica verdadeiramente é uma prova “porenquanto”. Não um dogma. Dar aura de in-questionabilidade a qualquer conclusãocientífica é tornála dogma e não ciência:

(…) a comunidade propende aacreditar naquilo que aparece coma face científica. Assim é que umabesteira econômica, montada den-tro de um quadro econométricosofisticado e usando uma

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linguagem bem hermética, temmuita chance de ser aceita como

posição incontestável.8

Por esse conjunto de razões, é precisoapontar algumas características que tornamlegitimamente uma pesquisa “científica”.

4.5 O que é e o que não écientífico?Características Essenciais ÀCientificidadeEm primeiro lugar, uma pesquisa científicadeve ser desenvolvida segundo umaCOERÊNCIA lógica. Não é compatível comafirmações contraditórias. As partes do ra-ciocínio devem ser desdobradas sem tropeço,com começo, meio e fim. As conclusões de-vem ser consequência das premissas, dos

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pontos de partida, dos raciocínios que foramdesenvolvidos no decorrer do trabalho.

Não será científica a pesquisa incoerente,em que encontremos enunciados contra-ditórios, uma desordem interna de ideias(muitas vezes apenas um apanhado de ideiasagregadas sem qualquer finalidade), concei-tos mal definidos ou usados em sentidos di-versos ou contraditórios no decorrer do tra-balho, conclusões não dedutíveis dos ra-ciocínios anteriores.

A coerência, para ser verificada, exige umasistematização das ideias que se apresent-arão. Essa sistematização exige: ordenar asideias, definir os termos, descrever e explicarcom transparência (plicas são dobras: é pre-ciso retirar todas as dobras, todas as facetascomplexas e apresentar os conceitos semplicas – “sineplicas”, com simplicidade –pois o pesquisador, e não o leitor, é o respon-sável por “ex-plicar”).

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Em segundo lugar, a cientificidade advémda CONSISTÊNCIA, da firmeza das ideiasapresentadas, que resistem a todos ospossíveis contra-argumentos. Científica econsistente é a obra amparada em argu-mentos sólidos, de tessitura firme; quedemonstra suficiente conhecimento, poisnão ignora as teorias existentes, as dis-cussões havidas e atuais, mas apresenta ex-plicações melhores.

Em terceiro lugar, a característicacientífica agrega-se apenas ao trabalhorevestido de ORIGINALIDADE. Pesquisacientífica não é mera cópia, imitação do quejá foi desenvolvido. Isto é parasitismo, quaseplágio. Não se trata de exigir em cadapesquisa a descoberta de algo totalmentenovo, mas, pelo menos, de se garantir quecada trabalho científico desenvolva o espíritocrítico, o comportamento contestador, quenaturalmente apresenta as ideias havidascom um novo olhar, o do autor do trabalho.

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Nesse momento, é preciso fazer uma res-salva. Dificilmente se é original por inspir-ação, mas certamente o pesquisador atingeessa característica depois de um árduoestudo, de uma dedicação séria e profundapara entender o que outros pensaram sobreo tema.

Em quarto lugar, a cientificidade exige omáximo de OBJETIVAÇÃO. Não propria-mente a objetividade, a completa inde-pendência de nossas ideologias ou pré-con-cepções de mundo, pois isto é impossível.Mas objetivação: o esforço continuado dedesvelar nossas pressuposições, de controlarnossas ideologias, não as encobrindo,reduzindo-as ao máximo.

Alguns cuidados ajudam na objetivação:adotar espírito crítico e especialmente auto-crítico; incorporar uma dose de rigor notratamento de qualquer tema, especialmentenaquilo que temos por evidente (que muitasvezes é evidente apenas para a nossa

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concepção de mundo); procurar distanciar-se do que analisamos (muitas vezes nos en-volvemos tanto em um tema que enxergamosapenas aquilo que gostaríamos que fosse, emdetrimento daquilo que realmente é); abrir-se às opiniões diversas, ao teste alheio denossas ideias (é preciso que estudemos maisos pensamentos/pensadores que não nosagradam, que parecem contrários a nossapré-concepção, muito mais do que aquelescom que simpatizamos).

Característica Complementar ÀCientificidadeCumpridos esses critérios, estaremos diantede uma obra científica. A comunidadecientífica, no entanto, julgará nosso trabalhosegundo mais um requisito, segundo o diá-logo que estabelecemos com a opinião deoutros pesquisadores, segunda aINTERSUBJETIVIDADE.

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Nesse quesito, especialmente destacávelnas pesquisas inseridas na academia,verificar-se-á se a pesquisa desenvolvidatrouxe à baila o pensamento dos pesquisad-ores de referência na área, se comparou crit-icamente as suas teorias, se apontou críticasfundadas às suas teses, se identificou lacunasou mesmo contextos não explorados…

Não se trata de verificar se o pesquisadorrecheou seu trabalho de citações ou referên-cias. Hábito comum que muitas vezes mas-cara a atitude de subserviência.

Trata-se de se verificar se o pesquisadortrouxe ao seu trabalho os “argumentos” ex-arados por outros pesquisadores paraanalisá-los; desvelando seus significados,desmembrando suas partes, questionandoseus pressupostos ou suas conclusões, atémesmo completando suas ideias.

Um trabalho sem citações é pobre com re-lação à discussão circundante do tema e deveser evitado. Mas um trabalho amparado em

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citações, como se fossem argumentos deautoridade, não é científico, pois não faz oque é próprio da ciência, verificar a veracid-ade das afirmações. Deve ser mais do queevitado, deve ser execrado.

Na ciência, um enunciado não é científicoem razão da boca que o pronuncia, mas emrazão da coerência, da consistência, da ori-ginalidade e da objetivação do argumentoapresentado. Em verdade, um bom argu-mento não precisa de nenhuma autoridadeexterna.

É preciso tomar muito cuidado para nãocair na tentação de rechear o trabalhocientífico de citações que visem convencer oleitor pela autoridade de quem as emitiu.Este expediente pode ser utilizado parademonstrar que as conclusões do pesquisad-or estão em consonância com a de outros,mas não para evidenciar que as conclusõesestão corretas.

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Em termos práticos, para se evitar o para-sitismo de incorporar mecanicamente asposições de outros, sem a discussão devida,recomenda-se que toda vez que se fizer umacitação (salvo diante das ilustrativas, comoacima referidas), faça-se também umcomentário pessoal e crítico sobre os argu-mentos apresentados pelo texto citado.

4.6 Indicadores da qualid-ade de uma investigaçãoEmbora nenhuma pesquisa seja perfeita, háum conjunto de critérios que podem ser util-izados para avaliar a qualidade científica deum trabalho (critérios que servem tanto paraavaliar a proposta, o projeto, quanto paraavaliar os resultados da pesquisa). Vejamos:

Título

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O título de uma pesquisa deve refletir todo otrabalho de investigação a ser desenvolvidoou já desenvolvido. Mas, de maneira espe-cial, os resultados pretendidos ou atingidos.

Apresentação Do Problema DaPesquisaÉ preciso apresentar com clareza e precisãoos objetivos e as perguntas da investigação,bem como desvelar a concordância entre osobjetivos e as perguntas. A justificação da in-vestigação deve estar amparada em motivosrotineiramente valorizados: desenvolvi-mento do conhecimento, apresentação denovas teorias (valor teórico), solução de situ-ações concretas, resolução de controvérsias(valor prático), aporte metodológico (valormetodológico) etc.

A apresentação do problema ganha qualid-ade se sua redação está suportada em algunsdados estatísticos atuais ou testemunhos deespecialistas sobre o mesmo. Ou seja, se o

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problema da pesquisa não adveio apenas damente criativa do pesquisador, mas de umanecessidade claramente identificada porautoridades no assunto ou por reivindicaçõessociais atuais; se o problema foi construídoatravés de variáveis encontradas em fontesrelevantes e de prestígio que discutem atual-mente o mesmo.

Hipótese InicialComo não há pesquisa, mesmo a qualitativa,sem uma resposta provisória (hipótese),mesmo que intuitiva, ao problema ap-resentado, é preciso que a hipótese seja com-preensível pelos destinatários do trabalho(os leitores).

A compreensibilidade da hipótese, poroutro lado, está atrelada a diversos fatoresobjetivos: coerência na escolha das premis-sas (são apresentadas as relevantes e todasas necessárias) ou dos pressupostos, con-sistência ou sensatez das inferências,

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precisão das definições conceituais ou opera-cionais condicionantes do discurso.

Dependendo da pesquisa, é necessáriotambém apresentar porque hipóteses rivaistêm de ser descartadas (podem ser incom-pletas, podem ser ineficazes…).

Revisão Da LiteraturaEm toda pesquisa é preciso rever o que foidesenvolvido pelos autores de destaque nocampo de conhecimento que se insere a in-vestigação (descobertos através dos bancosde dados ou bibliográficos mais importantesda área). A pesquisa deve revelar os estudosque apoiam as hipóteses de investigação e osque as refutam. Ademais, tem de desvelar asdeficiências ou lacunas descobertas nosautores de referência.

Sob esse suporte, pode o investigador re-ver o problema colocado e desvendar a suarelevância.

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Quando possível, é significativo inserir notexto que descreve a revisão da literaturareferências recentes, dos dois últimos anos,de preferência. Essencial, por outro lado, éindicar como serão ou foram selecionadas asfontes relevantes.

Marco Referencial Ou TeóricoNas pesquisas quantitativas é essencial de-limitar com exatidão o marco teórico que su-plantará toda a investigação. Nas pesquisasqualitativas é imperioso apresentar ampla-mente o marco referencial.

A diferença advém dos propósitos diferen-ciados dessas pesquisas. A pesquisa quantit-ativa (mais adequada às ciências exatas)propõe-se a provar uma teoria. É, portanto,necessário que o seu marco seja exato. Apesquisa qualitativa (mais comum no âmbitodas ciências sociais) almeja descobrir ouafinar as perguntas da investigação, com-preender uma realidade ainda não descrita

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completamente, apresenta, portanto, apenasuma necessidade: indicar a cosmovisão daabordagem investigativa e não uma teoriaexata, tem de revelar mais o marco inter-pretativo do que o marco teórico.

Alcance Ou Delimitação DaPesquisa, AmostraÉ preciso que a proposta de pesquisa tenhauma clara identificação de seu alcance ou deseus condicionamentos, pois sob esses pres-supostos é que construirá a resolução doproblema.

Nesse ponto, é determinante apontar comprecisão o universo da análise, o que emmetodologia identifica-se como “amostra”. Aamostra tem de ser precisa e adequada aospropósitos do estudo, ao mesmo tempo temde ser de algum modo representativa douniverso global, pois ao final da pesquisa, to-do investigador deve se colocar a seguinte

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pergunta: se ampliada a amostra, as inferên-cias serão as mesmas?

Para que atinja a representatividade, port-anto, é necessário que a amostra seja sufi-cientemente diversa, somente assim poderáo investigador construir possível generaliza-ção. Na fase da investigação teórica (na re-visão da literatura), em consequência, é pre-ciso analisar pensadores de variadas cor-rentes, pois o trato de argumentos de váriascosmovisões tornará as ilações possíveismais facilmente generalizáveis.

Desenho Da InvestigaçãoToda investigação tem uma estrutura lógica(revelada especialmente pelo sumário globale pela estrutura interna de cada tópico). Essaestrutura tem de ser clara e adequar-se aoproblema apresentado, à hipótese sugerida,ao alcance da investigação, à resolução dosobstáculos identificados e às fontes disponí-veis para a investigação.

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Coleta De DadosO desenvolvimento de qualquer pesquisa de-pende de uma rigorosa coleta de inform-ações, pois é sob esse suporte que se extraemas conclusões.

É relevante, portanto, que a pesquisademonstre claramente qual será ou foi ométodo de seleção e de obtenção das inform-ações (de acordo com a abordagem dapesquisa).

Será conveniente, em consequência, ao fi-nal da pesquisa (não mais no planejamento),que se explicite o lugar, o momento, as ad-aptações que se fizeram necessárias, o con-texto, a autossupervisão dessa tarefa. Damesma forma, convirá apontar como seavaliou o material coletado e a confiabilidadedo método de análise utilizado.

A neutralidade almejada (embora para-doxalmente sempre impossível) de umapesquisa recomenda que se apresentem ob-jetivamente os dados colhidos antes de o

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pesquisador os avaliar. Assim outrospesquisadores podem fazer suas ilações in-dependentes das do autor da pesquisa. Fatoque permitirá confirmar ou refutar ahipótese do pesquisador.

Análise Dos DadosHá de apresentar-se coerência entre as anál-ises desenvolvidas e os objetivos, as pergun-tas, as hipóteses e o desenho da investigação.

Ademais, as análises devem ser desen-volvidas de modo rigoroso e em todas as di-mensões possíveis. Ilações displicentes ouparciais, de apenas alguns aspectos e não detodas as possibilidades, tornam frágeis asconclusões extraídas. De outra forma, ilaçõesdesonestas, que ocultem (pelo discurso) asinformações ou distorçam os dados, são ocaminho seguro para o descrédito dapesquisa concluída.

Ao contrário, a análise ancorada em inter-pretações e inferências claras (discurso

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honesto), mesmo que tornem frágeis ou nãogeneralizáveis as respostas construídas,trazem a credibilidade científica ao trabalhodesenvolvido.

Em verdade, um verdadeiro trabalho depesquisa (com todo o peso e mérito dessequalificativo) sempre apresenta, ao final, umresumo honesto dos resultados alcançados,bem como uma discussão honesta da valid-ade das conclusões alcançadas (sua força –dentro dos limites da análise; suas fraquezas– em função de eventuais debilidades do uni-verso de análise; sua possibilidade ou não degeneralização).

Nesse ponto, é muito útil ao pesquisadorarraigar-se em certo preconceito psicológicocontra si mesmo. O pesquisador tem de cuid-ar para que os desejos e tendências pessoais(nossos sonhos e convicções) não conduzamseu relato. A pesquisa, a análise, tem de serneutra, independente do que gostaríamos…

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Há verdadeira cientificidade quando opesquisador aprende a adequar-se ou mane-jar as situações ou resultados não esperados,sem os desvirtuar.

Redação Do Documento Final(Relatório Dos Resultados)A redação final, em primeiro, tem de respon-der ao problema colocado. Os resultados edescobrimentos têm de aportar alguma teor-ia, resolver algum problema ou aportar met-odologicamente algo. Isto, de certa forma, éresponder ao problema colocadoinicialmente.

Mas não cumpre sua missão somente comesse elemento, é preciso que as conclusõestenham suporte nas informações coletadas eque a discussão final (análise crítica da pró-pria resolução do problema) seja coerentecom a dimensão dos resultados e descobri-mentos realmente encontrados (um trabalho

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científico deve reconhecer as suaslimitações).

A pesquisa ganhará destaque se alcançar arelevância teórica, prática ou metodológicaanteriormente imaginada, bem como se ap-resentar claras recomendações de novosestudos que se fazem necessários.

Por outro lado, é preciso que o texto ap-resentado tenha qualidade ortográfica,sintática e semântica, clareza, coerência ló-gica, elaboração adequada de citações e dereferências. No mesmo sentido, que seja ap-resentado com qualidade gráfica (especial-mente no que diz respeito às tabelas, quad-ros e diagramas).

4.7 Um cuidado especialpara a pesquisa jurídicaA Marca Da Historicidade E DaCultura

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O objeto da ciência jurídica é essencialmentehistórico, ou seja, é um objeto caracterizadopelo “estar” e não pelo “ser”. Apresenta-seindelevelmente caracterizado por essamarca: as coisas não “são” (definitivamente),apenas “estão” (provisoriamente) dessa oudaquela forma, nesse ou naquele momento,em um contínuo vir-a-ser. A identidade dasrealidades estudadas pelo direito está intrin-secamente relacionada com as suas formasvariáveis, com sua transição e não a estabil-idade (como as realidades físicas).

Mais ainda, é essencialmente cultural ouideológico. Apesar de sua provisoriedade,seu “ser” provisório (ou “estar” concreto), emdeterminado momento, é concretizado deacordo com a visão de mundo circunstancial,com a cultura e ideologia reinante no tempo.

De outra forma, as marcas da historicid-ade e da ideologia estão alojadas no interiorde cada objeto jurídico, são característicasintrínsecas.

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Diante dessa constatação, é preciso cuidarque o trabalho científico pontue exatamentea evolução histórica ou cultural/ideológica,que desvende a opção ideológica.

Não será científico o trabalho de pesquisajurídico que não desvendar essas facetas.Razão pela qual sugerimos anteriormenteque o pesquisador não deixe de consultarfontes complementares interdisciplinares deantropologia, ciência política, sociologia,filosofia, economia, psicologia etc.

A investigação é o caminho para adquirir epara revelar a consciência dos condiciona-mentos históricos e ideológicos.

A Marca QualitativaAs realidades jurídicas manifestam-se maisde forma qualitativa do que quantitativa-mente. Grande parte dos objetos estudadospelas ciências jurídicas tem contornosvoláteis, não mensuráveis completamente,de difícil manipulação exata.

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É impossível estabelecermos, por exemplo,um contorno exato e estável do que é a“liberdade de manifestação do pensamento”.É praticamente impossível delimitar, es-tabelecer uma “definição” precisa (os limitesfronteiriços do que é e do que não é) de umasérie de institutos. Poder-se-á construir o seunúcleo conceitual (pelo que aparece de formaquase invariável no tempo e no espaço), masnão sua definição.

Dessa forma, as realidades jurídicas estãomais afeitas às analises qualitativas do que àsobservações quantitativas. Embora se possa,reflexamente, mensurar não seu significado,mas sua aplicação prática pelos instrumentosquantitativos.

A Marca Da PraticidadeNas ciências naturais, a prática é umaquestão extrínseca ao objeto do estudo, em-bora mesmo as ciências possam ser

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utilizadas para esse ou aquele fim, inclusivepolítico.

Nas ciências sociais, o objeto de estudo es-tá rotineiramente inserido na prática, não seestuda apenas o que se pensa de algo, masessencialmente como se vive concretamentealgo. Se o investigador jurídico pretenderestudar algo desvinculado de sua prática es-tará em verdade alienado de dimensão signi-ficativa de seu próprio objeto de estudo.

No campo jurídico, ademais, o pesquisad-or não estuda apenas um objeto, estuda a simesmo, pois há uma identidade inarredávelentre o sujeito cognoscente e o objeto doconhecimento. Os objetos investigados nãosão completamente estranhos e exteriores aoinvestigador, é sempre possível imaginar-secomo parte de nós, no mínimo como o parâ-metro de “nosso” grupamento.

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4.8 Pesquisador como legí-timo educadorO professor que não desenvolve pesquisatorna-se mero repetidor de textos e de ideiasde outros. Corre o risco de contar para osseus alunos apenas o que leu, não o que pen-sou criticamente sobre o tema. Corre o riscode inculcar nos seus estudantes a mesmamentalidade que o contaminou, a do recept-or passivo que acumula mimeticamente oconhecimento alheio.

Por não estar treinado a descobrir a ver-dade, mas apenas a enxergá-la com os olhosalheios, não constrói alunos-pensadores,mas alunos-repetidores, muito bem prepara-dos para responder os testes de concursospúblicos, mas pouco preparados para a vidae para a ciência.

Sob essa educação estivemos sujeitos amaioria de nós. Fomos moldados para a sub-serviência, não para o pensar autônomo.

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Para registrar o pensamento alheio, não parapensar por nossa conta.

Como superar essa marca indelével cun-hada em nós, veremos nos próximos tópicos.

Exercício prático(autoavaliativo)(1) Verifique se o seu projetode pesquisa foi pensado deforma compatível com as cara-cterísticas da cientificidade. Senecessário, refaça o mesmo.

(2) Escreva um rascunho doprimeiro tópico/subtópico (ouum dos primeiros) do seu pla-no de trabalho (ou sumário),seguindo os critérios meto-dológicos predefinidos em seuprojeto e observando as carac-terísticas da cientificidade: co-erência, consistência,

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originalidade, objetivação ehistoricidade.

1Indicamos exemplificativamente que o método de abord-

agem pode ser hipotético, dedutivo, indutivo, fenomenoló-

gico, dialético, positivista, estruturalista ou hermenêutico, e

que o procedimento pode ser histórico, estatístico, compar-

ativo, de observação, monográfico, econométrico ou

experimental.

2Para compreender a necessidade do método para caracter-

izar a cientificidade, indicamos que se assista ao vídeo da

série “fácil de entender”, disponibilizado no seguinte link:

<www.youtube.com/

watch?v=uZ_vdGFMbBA&feature=related>.

3Pedro Demo. Introdução à Metodologia da Ciência, p. 11.

4Pedro Demo. Introdução à Metodologia da Ciência, p. 22.

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5Pedro Demo. Introdução à Metodologia da Ciência, p. 27.

6Pedro Demo. Introdução à Metodologia da Ciência, p. 24.

7Pedro Demo. Introdução à Metodologia da Ciência, p. 76.

8Pedro Demo. Introdução à Metodologia da Ciência, p. 32.

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CAPÍTULO 5

Aprender a pensar

5.1 Um método de ensino ede pesquisaO filósofo espanhol Alfonso López Quintás,desde sua defesa de doutorado, dedicou-se aconstruir um procedimento pedagógico quenão se limitasse a ensinar os conteúdos, umametodologia de ensino que apresentasse out-ras perspectivas, que possibilitasse aos dis-centes a descoberta “por si mesmos” dosconteúdos.

Com uma visão lúcida sobre a necessidadede adequar os métodos de ensino à realidadedo ouvinte de nosso tempo (notadamente

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repulsivo a imposições autoritárias e, aomesmo tempo, sensivelmente despreparadopara defender-se das manipulações que ocercam), esse pensador acabou por criar, re-flexamente, um método “per-feitamente” (oprefixo per serve para dar ideia de plenit-ude) estruturado de pesquisa.

Sob essa ótica reflexa, percorreremos seusprincipais ensinamentos nesse e no próximotópico.

5.2 Aprender a observar arealidade escondida ecompletaO pressuposto inicial de seu olhar é, de persi, bastante revelador. Entende que a nossaprópria realidade e grande parte das realid-ades que nos circundam precisa ser estudadapelo que “são” e pelo que “devem vir-a-ser”, pois essas possibilidades quase-

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impositivas (não são meras potências, masdever-ser) constituem facetas intrínsecasda própria realidade: “Se devemosconhecê-las, precisamos avaliá-las pelo que

são e pelo que estão chamadas a ser”.1 O de-ver ser já faz parte do ser.

E mais, as questões só podem ser devida-mente esclarecidas se as situarmos em seuverdadeiro e completo contexto… Nãosão os reducionismos, próprio das especial-idades, que permitirão conhecer a realidadeque nos circunda, pois esclarecem apenasuma faceta dessa.

É preciso, portanto, aprender a observaratentamente a realidade, em toda a sua com-plexidade. Para isso, é necessário aprender apensar em suspensão.

5.2.1 Pensar Em SuspensãoOs valores são realidades de uma ambiguid-ade constitutiva, carentes de contornosdefinidos que necessitam, para serem

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observados, de um prelúdio: uma verdadeirareformulação de nossos olhares.

É preciso desacostumar-se do olhar vi-ciado com as realidades objetivas (típicas dosobjetos, que podem ser dominados, doma-dos, manuseados), “definidas” (de contornosexatos e precisos), para poder enxergar real-idades de outra natureza.

É preciso desacostumar-se com o pensarlinear, em etapas, de um passo a outro,para ingressar no pensar em suspensão,no raciocínio que não termina, que entrelaçadiversos aspectos em suas múltiplas relaçõespossíveis, sem precipitar-se a realizar con-clusões cabais, definitivas.

Há realidades humanas que estão abertasa influências continuadas, que não podemser rigorosamente delimitadas ou mensura-das, pois estão continuamente sujeitas anovas interações, a novas medidas de realiz-ação: “el valor es un modo de realidad

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relacional y solo se revela a quien desarrolla

un tipo de «pensamiento en suspensión»”.2

O valor nem é uma realidade que se con-cretiza no nível dos objetos, como entidadeexterna e alheia, projetada à distância dohomem, do sujeito (objetivismo axiológico),nem é uma realidade emanada da interiorsubjetividade ou afetividade humana (subjet-ivismo axiológico). É uma entidade que ger-mina e se desenvolve no meio termo, na re-lação entre o ideal e o sujeito, no “entre”.

O “falso valor” que se imagine exterior e“distante” é outra realidade, é heterônoma, éinstrumento de dominação (impõe-se comolimite externo à liberdade). O “falso valor”que se imagine interior e “imediato” é outrarealidade, é vertigem, é escravidão daspaixões.

O “verdadeiro valor”, descoberto e viven-ciado em uma distância adequada (nem ime-diata, nem distante, mas presente), é locusde realização pessoal, de criatividade, do

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exercício da liberdade criativa. Nesse distan-ciamento e proximidade, o valor apresentadofascina, entusiasma, mas não domina, nãoproduz a vertigem escravizadora.

Essa presença (distância e proximidade) éque permite conhecermos o valor. Emqualquer realidade relacional, os polos outermos da relação não podem ser domin-antes, senão a relação não se estabelece. Arelação dominada deixa de ser relação. Aocontrário, havendo relação, despertam-se in-úmeras possibilidades de assimilação e deconcretização.

Marcada é, por exemplo, a divisão e polar-ização existente entre os estudiosos do meioambiente: uns situam-se na defesa dohomem acima de tudo (como pauta para odireito ambiental) e outros se situam na de-fesa do meio ambiente até mesmo acima dohomem.

A polarização não é capaz de desvelar o“valor” do meio ambiente. Somente o jogo, o

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distanciamento, o entreveramento dos doispolos (que devem ser convertidos em termosda relação e deixarem de ser polos), produznovas descobertas:

La teoría del juego y de los ámbitos abreante nosotros el horizonte de un humanismoextraordinariamente rico, inspirado no en eldominio de objetos, sino en la creación detoda suerte de vínculos. El entorno humanoaparece entonces a una nueva luz. Vistos ensu aspecto «ambital», los seres del entornohumano dejan de reducirse a meros objetos– objetos de conocimiento, de manipulacióny dominio – para convertirse en colabor-adores del hombre en el gran juego de exist-

encia.3

Os valores não são externos, nem internos,embora se tornem, em função do jogo (es-tabelecido pela relação), íntimos:

Los valores – insistimos en ello –son distintos del hombre, pero no

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siempre distantes, externos y ex-traños. Pueden llegar a convertirseen íntimos al ser humano y con-stituir una especie de «voz interi-or». Interioridad, en el nivelcreador, no designa un «dentro»por contraposición a un «fuera»,sino el poder creador de relaciones

auténticas de diálogo.4

Os valores, assim vivenciados, criam vín-culos automáticos e íntimos ao que es-tabelece esse jogo. Vínculos não propria-mente coativos, mas obrigatórios; maisainda, auto-obrigatórios (este talvez seja osentido do “dever-ser” dos valores):

Cuanto más densa de sentido es larealidad del entorno con la que en-tra el hombre en relación de juegocreador, tanto más se siente ésteapelado y obligado. De esta obliga-ción y apelación brota el impulso

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del hombre al cumplimiento del de-ber. El deber se funda en el valorque ostentan las realidades ca-paces de apelar al hombre a daruna respuesta co-creadora,creadora en vinculación. Cumplirel deber no significa ceder a unacoacción procedente de una instan-cia externa, sino obligarse a unarealidad valiosa. De modo se-mejante, conocer un valor no es as-imilar un objeto externo. Es entre-verar el proprio ámbito de realid-ad con el campo de posibilidades dejuego que ofrece el «objecto». «In-terioridad» y «exterioridad» no in-dican en este contexto lúdico unareferencia espacial – de tipo em-pírico –, sino un entreveramiento

creador.5

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Vivenciar os valores produz, em verdade,provocações para o legitimo exercício daliberdade criativa, em concreto:

Al convertir las posibilidades reci-bidas en el impulso de la actividadpropia, el hombre se siente im-pulsado por un especial dinamismointerno, una forma de energía sin-gular que no tiene en él su origen,pero que se ha convertido en algo

íntimo.6

Nesse sentido, é preciso, agora, “pensarem suspensão”: o que deve ser a realizaçãojudicial de um princípio, de um valor, umaordem ou um convencimento?

O valor é descoberto pela relação, pelojogo, e projeta-se, na situação concreta, deforma objetiva (precisa), mas não como umobjeto (realidade enclausurada em simesma): “El valor se objetiva en cada real-ización concreta del mismo, pero no se

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objetiviza, no queda sometido a las condi-

ciones empíricas de los meros objetos”.7

É pela concretização que descobrimos a fa-ceta valorativa, pois o valor se expressa nes-sas realidades. Mas uma vez desvelada suafaceta no concreto, é preciso voltar a pensar“em suspensão”, pois em outras situaçõesconcretizar-se-á de forma diversa, em amp-litude diferenciada, em razão de seus outroscampos de jogo. Em outras palavras, o jogo(as condições de um caso) concretiza o valor,mas esta concretização é apenas exemplo enão parâmetro exato para as seguintes.

O valor, como realidade relacional, em-bora apresente alguns contornos diante deum caso, não possui contornos definitivos.Em novos casos, poderá projetar contornosmais restritos ou mais amplos:

El valor se encarna en realidadesconcretas y se expresa a su través,pero, a la vez, desborda el lugar de

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encarnación expresiva. Por eso hayque pillarlo al vuelo, en suspensión.En cada realidad valiosa, el valorestá al mismo tiempo presente yausente; se halla – según indic-amos – objetivado, pero no objetiv-izado, de modo análogo a lo queacontece con las significaciones enel lenguaje. De ahí la necesidad delpensamiento en suspensión paracaptar los valores en su lugar deconcreción y plena realización, yhacerse cargo de sus diferentes

grados.8

López Quintás é ainda mais preciso: “Elvalor se revela en los acontecimientos lúdi-cos de encuentro, pero se revela como algo

transcendente a cada acto de revelación”.9

O valor, como parte integrante do sistemajurídico, deve ser estudado também pelo

método espiral.10 Em cada ato de revelação

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podemos vislumbrar o seu conteúdo multifa-cetado e inesgotável (imensurável). Massomente porque pensamos em suspensão es-tamos abertos a enxergar essas novasconcretizações-realidades.

5.3 Aprender a pensar e re-pensarPor outro lado, o método pedagógico pro-posto por Alfonso López Quintás deve serconduzido por quem (professores, pais,líderes) ajude a conhecer e a prever as con-sequências do que se compreendeu.

O contexto de “ajudar a conhecer” tambémdeve ser percorrido pelo pesquisador, umnatural autodidata. No seu caso, no entanto,podemos intitular esse pressuposto como“aprender a conhecer” ou “aprender apensar”.

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Nesse ponto, López Quintás desenvolvecom precisão um conjunto de doze “chaves-interpretativas” da realidade.

O contexto de “ajudar a prever” é muitorelevante para o pensamento de LópezQuintás, pois, como um legítimo humanista,sua preocupação volta-se para a realizaçãode cada ser humano, para que a vida de cadaum atinja o sucesso (“una vida lograda”).

Esse contexto, em primeira mão, nãopassa despercebido ao pesquisador, pois rot-ineiramente pensa nas consequências de talou qual tese que defende. Mais ainda, muitasvezes a pesquisa é imaginada em função dosresultados almejados.

Mas o aspecto que López Quintás enfrentasobre a previsão é muito mais profundo.Busca revelar a relação existente entre nossavisão de mundo, nossos sentimentos e a con-sequente atitude de vida que incorporamos.

Muitas vezes, o pesquisador instalou-se econtinua instalado em uma visão de mundo,

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em uma concepção de vida que o fazenxergar limitadamente a realidade. Maisainda, o faz perder a capacidade de preverque outra visão de mundo poderia lhe daroutro encaminhamento, outro resultado atémesmo para sua vida.

Abrir-se para esse “re-pensar” sobre o quenos molda é preciso.

Somente assim, percebemos que, por ex-emplo, nossa visão hedonista, que reclama asatisfação urgente de nossas pretensas ne-cessidades, transforma, muitas vezes, nossosdesejos (que deveriam ser somente isso) emobjetivos de vida. E porque estão fora dolugar, confundem toda nossa vida: confundi-mos o cansaço com infelicidade, aquisição debens materiais com realização pessoal…

A corrupção do ser humano tem in-ício na corrupção da mente, no mo-mento em que ocorre a confusão eadulteração dos conceitos. A regen-eração de pessoas e povos deve

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começar pelo esclarecimento dasideias mediante o exercício do

pensar bem.11

A profunda apreensão da realidade traduz-se, portanto, em compreender que existematitudes adequadas (conformes) e inadequa-das (desconformes) à mesma.

5.4 Chaves interpretativasPara compreender a realidade material oucultural, objetivo da investigação científica,López Quintás nos apresenta uma trilha, umconjunto de técnicas de observação (que in-titula “descobertas”) que efetivamente apurao olhar crítico.

5.4.1 Objetos E ÂmbitosA realidade pode se apresentar de duasformas, em dois níveis: como objeto ou comoâmbito.

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“Objeto” é a forma configuradora das real-idades delimitadas (cuja essência é con-stituída sem qualquer relação com outrosseres, pois está fechada em si mesma), quelegitimamente podem ser manuseadas, pos-suídas, usadas como meio.

É a característica, em geral, coincidentecom a nossa linguagem. Tratamos como ob-jeto os seres inanimados, que não extravas-am qualquer dinamicidade além de simesmo.

Assim pode ser visto, por exemplo, um liv-ro: como um punhado de papel pintadotipograficamente.

“Âmbito” é a forma das realidades rela-cionais, das realidades que só podem sercompreendidas olhando para o seu entorno,e que, por esse modo de ser diferenciado,não podem ser manuseadas, possuídas ousimplesmente usadas (como os objetos).

A natureza ambital transfigura a realidade(dá-lhe outra forma), passando a

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compreender, dentro de si mesma, a“relação” que estabelece com o seu entorno.A relação não é externa, mas intrínseca. So-mente “com” a relação atinge-se o pleno sen-tido dessa espécie de realidade.

Assim pode ser visto, por exemplo, umaobra literária: incompreensível se observadaapenas através dos seus elementos materiais,papel e tinta.

Identificar qual espécie de realidade es-tamos estudando modifica nosso olhar, des-venda outras possibilidades antes desperce-bidas, impede que rebaixemos nosso trata-mento a uma realidade superior ou quesobrevalorizemos uma realidade inferior.

No campo jurídico, tal percepção críticatambém se apresenta, mas, por vezes, édesconsiderada supinamente. Kant, por ex-emplo, explica que tratar com dignidade aohomem é tratá-lo como pessoa e não comoobjeto. Por outro lado, o direito positivocontinua referindo-se à “busca” e

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“apreensão” de menores, como se objetosmanuseáveis fossem.

Não se trata meramente de um problemaexterno de linguagem, mas de uma con-cepção arraigada de manuseio que a lin-guagem revela.

Da mesma forma, falamos da minha es-posa, do meu marido, do meu filho… Todossão objetos de posse?

5.4.2 Experiências ReversíveisAs realidades ambitais, porque são realid-ades abertas à relação, dinâmicas, es-tabelecem uma união estreita e bidirecional(configuram e são configuradas) com o seuentorno, trazem aquilo que em princípio éexterno para a sua intimidade (que já não é amesma).

No dizer de López Quintás, há realidadesque se revelam unicamente como “experiên-cias reversíveis”, pois sua constituição in-terna se dá unicamente “em relação”, em

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mútua influência. Essas realidades não po-dem ser compreendidas isoladamente (comoos objetos), mas somente no plexo de re-lações e influências que se estabelecem entreos seus correlacionados:

Você, convertendo o poema em suaprópria voz interior, estabelececom ele uma união estreitíssima.Continuam sendo duas realidadesdiferentes, mas já não estão umfora do outro. Seus destinos seuniram. O poema vive porque você(e outros intérpretes) lhe dá vida, evocê se desenvolve culturalmentegraças ao poema (e a outras obrasde qualidade), que lhe oferece o te-souro de sabedoria e beleza que al-

berga.12

Diversas são as realidades que se integramnas correlacionadas, que formam uma unid-ade entranhável com as que se relaciona:

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Uma experiência linear é a que vaido sujeito ao objeto – eu dou umimpulso na caneta e a caneta sofreesse impulso e aí permanece. O es-quema que estrutura esta ação é oesquema ação/paixão: eu atuo –ele padece. Na experiência rever-sível, não é assim; eu atuo sobrevocê, você atua sobre mim, sãoduas atuações livres que comple-mentam a nós dois. (…) Por exem-plo, um professor que se considereo “tal”, que fale e pontifique… e osalunos não tenham mais quesimplesmente padecer o que ele diz,somente recebendo, mas sem inici-ativa, seria um professor que vivede experiências lineares. Mas se oprofessor fala, atua sobre os alun-os, mas eles também reagem, porexemplo, fazendo trabalhos, pro-pondo perguntas… é uma

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experiência reversível na aula, isto

é mais maduro.13

Assim se dá, por exemplo, com os concei-tos de Direito, de Constituição, de Legalid-ade e de Estado.

A posição conceitual que se apontou para oDireito e para a Legalidade, nos dias atuais,permitiu que a Constituição passasse a sercompreendida sobre outras formas. Poroutro lado, a nova configuração da Constitu-ição permitiu renovar o conceito de Direito ede Legalidade.

A nova configuração do Estado alterou asconcepções de Direito, Legalidade e Con-stituição. Por outro lado, essas novasconcepções permitiram-nos enxergar umnovo Estado.

Quem não se atenta a essas influências bi-direcionais age como um pesquisador as-mático, que vive timidamente sua especialid-ade (sua capacidade exclusivamente linear o

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impede de dar passos atléticos), quando nãomorre asfixiado (pois seus pressupostos nãosão mais compatíveis com a realidade que ocircunda), mesmo estando rodeado de ar:

El hombre recluido en sí mismo no es librepara ser creativo, asumiendo activamente lasposibilidades que le vienen ofrecidas desdefuera y que se convertirían en íntimas si las

tomara como principio eficaz de su acción.14

Assim, sob essa nova matriz de obser-vação, precisam ser estudadas as realidadesambitais. Sem investigar o entrelaçamento,sem pesquisar o “campo de jogo” dessas real-idades, a explicação será mais do que redu-cionista, será rebaixadora.

5.4.3 O EncontroTendo em conta a existência de realidadesambitais e de que essas refletem experiênciasreversíveis, López Quintás nos apresenta umnovo e decisivo desafio (também para a

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pesquisa): incorporarmos a atitude pessoalde encontro.

Somente dessa forma (como essa dis-posição) poderemos ingressar, em nossas in-vestigações, no âmago dessas realidades.

Para encontrar o que é vital em uma real-idade social estudada, não podemos simples-mente observar externamente suas caracter-ísticas. É preciso imaginarmonos inseridosnela, interagindo, pelo menos ficcional-mente, com a mesma.

Da mesma forma, para encontrar o que éfundamental em uma obra literária oucientífica (realidade cultural sob a qual rot-ineiramente nos debruçamos nas pesquisasacadêmicas), não devemos simplesmentepassar os olhos sobre as afirmações literais.É preciso entrar em relação criadora com aobra, em diálogo com o que for apresentado.

É necessário incorporar o método de en-contro na leitura de tudo (Plotino afirmavaque sábio é o que em tudo lê), que permite

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descobrir o afirmado pelo autor, mas quenão encerra o pensamento nessa dimensão,pelo contrário, que permite o livre fluir deideias não ditas (talvez mais vivas e signific-ativas para a nossa pesquisa), que permiteretirar as luzes da obra analisada e as luzesausentes, pressupostas, inferidas…

Jean Lauand, nesse sentido, é exemplo.Detendo-se no sentido preciso de cada palav-ra utilizada, extrai o significado subjacente,estarrecedoramente revelador de novas

luzes:15

“Muito obrigado” – os três ní-veis da gratidão

Dizíamos que a limitação do conhe-cimento humano reflete-se na lin-guagem: não podemos expressar oque as coisas são, na medida emque não sabemos completamente oque elas são. Além do mais, muitasvezes, uma palavra acentua

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originariamente só um dentre osmuitos aspectos que a realidadedesignada oferece. E pode ocorrerque, com o passar do tempo, essarealidade mude, evolua substan-cialmente a ponto de perder a con-exão com o étimo da palavra, quepermanece a mesma. Isto não noschoca, pois, no uso quotidiano, aspalavras vão perdendo trans-parência: falamos em salada defrutas porque envolve mistura enem notamos que salada deriva desal. Do mesmo modo, o barbeiro,hoje em dia, quase já não faz bar-bas, mas cortes de cabelo; comotambém o tintureiro já não tinge,mas só lava; o garrafeiro comprajornais velhos e muito poucas gar-rafas; o chauffeur não aquece, masdirige o carro; e nem nos

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lembraríamos de associar funileiroa funil.

Se essas incompatibilidades nãonos causam estranheza é porque alinguagem tornou-se opaca paranós: dizemos colar, colarinho,coleira, torcicolo e tiracolo e nãoreparamos em que derivam decolo, pescoço (daí que seja incom-preensível, à primeira vista, a ex-pressão “sentar no colo”).

Essas considerações são import-antes preliminares ao estudo dagratidão e das formulações que elarecebe nas diversas línguas. Tomásensina que a gratidão é uma real-idade humana complexa (e daítambém o fato de que sua ex-pressão verbal seja, em cada lín-gua, fragmentária: este ou aqueleaspecto-gancho é o acentuado): “A

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gratidão se compõe de diversosgraus. O primeiro consiste em re-conhecer (ut recognoscat) o benefí-cio recebido; o segundo, em louvare dar graças (ut gratias agat); oterceiro, em retribuir (ut retribuat)de acordo com suas possibilidadese segundo as circunstâncias maisoportunas de tempo e lugar” (II-II,107, 2, c).

Este ensinamento, aparentementetão simples, pode ser reencontradonos diferentes modos de que as di-versas línguas se valem paraagradecer: cada uma acentuandoum aspecto da multifacética realid-ade da gratidão. Algumas línguasexpressam a gratidão, tomando-ano primeiro nível: expressandomais nitidamente o reconheci-mento do agraciado. Aliás, recon-hecimento (como reconnaissance

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em francês) é mesmo um sinônimode gratidão. Neste sentido, é in-teressantíssimo verificar a etimolo-gia: na sabedoria da língua inglesato thank (agradecer) e to think(pensar) são, em sua origem, e nãopor acaso, a mesma palavra. Aodefinir a etimologia de thank o Ox-ford English Dictionnary é claro:“Th e primary sense was thereforethought”. E, do mesmo modo, emalemão, zu danken (agradecer) éoriginariamente zu denken(pensar). Tudo isto, afinal, é muitocompreensível, pois, como todomundo sabe, só está verdadeira-mente agradecido quem pensa nofavor que recebeu como tal. Só éagradecido quem pensa, pondera,considera a liberalidade do benfeit-or. Quando isto não acontece,surge a justíssima queixa: “Que

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falta de consideração!”. Daí que S.Tomás – fazendo notar que o máx-imo negativo é a negação do grauínfimo positivo (a última à direitade quem sobe é a primeira à es-querda de quem desce…) – afirmeque a falta de reconhecimento, o ig-norar é a suprema ingratidão: “odoente que não se dá conta dadoença não quer se curar”.

A expressão árabe de agradeci-mento shukran, shukran jazylansituase diretamente naquele se-gundo nível: o de louvor do benfeit-or e do benefício recebido. Já a for-mulação latina de gratidão, gra-tias ago, que se projetou no itali-ano, no castelhano (grazie, gra-cias) e no francês (merci, mercê) érelativamente complexa. Tomás diz(I-II, 110, 1) que seu núcleo, graçacomporta três dimensões: 1) obter

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graça, cair na graça, no favor, noamor de alguém que, portanto, nosfaz um benefício; 2) graça indicatambém dom, algo não devido,gratuitamente dado, sem méritopor parte do beneficiado; 3) a re-tribuição, “fazer graças”, por partedo beneficiado. No tratado DeMalo (9,1), acrescenta-se umquarto significado de gratiasagere: o de louvor; quem consideraque o bem recebido procede deoutro, deve louvar. No amploquadro que expusemos – o das ex-pressões de gratidão em inglês,alemão, francês, castelhano, itali-ano, latim e árabe – ressalta ocaráter profundíssimo de nossaforma: “obrigado”. A formulaçãoportuguesa, tão encantadora e sin-gular, é a única a situar-se, clara-mente, naquele mais profundo

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nível de gratidão de que falaTomás, o terceiro (que, natural-mente, engloba os dois anteriores):o do vínculo (ob-ligatus), daobrigação, do dever de retribuir.Podemos, agora, analisar ariqueza de sugestões que se encerratambém na forma japonesa deagradecimento. Arigatô remete aosseguintes significados primitivos:“a existência é difícil”, “é difícilviver”, “raridade”, “excelência (ex-celência da raridade)”. Os dois últi-mos sentidos acima são com-preensíveis: num mundo em que atendência geral é a de cada umpensar em si, e, quando muito,regularem-se as relações humanaspela estrita e fria justiça, a excelên-cia e a raridade salientam-se comocaracterística do favor. Mas, “di-ficuldade de existir” e “dificuldade

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de viver”, à primeira vista, nadateriam que ver com o agradeci-mento. No entanto, S. Tomásensina (II-II, 106, 6) que a gratidãodeve – ao menos na intenção – su-perar o favor recebido. E que hádívidas por natureza insaldáveis:de um homem em relação a outro,seu benfeitor, e sobretudo em re-lação a Deus: “Como poderei re-tribuir ao Senhor – diz o Sl. 115 –por tudo o que Ele me tem dado?”.Nessas situações de dívida im-pagável – tão frequentes para asensibilidade de quem é justo – ohomem agradecido sente-se em-baraçado e faz tudo o que está aseu alcance (quidquid potest),tendendo a transbordar-se num ex-cessum que se sabe sempre insufi-ciente (cfr. III, 85, 3 ad 2). Arigatôaponta assim para o terceiro grau

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de gratidão, significando a con-sciência de quão difícil se torna aexistência (a partir do momentoem que se recebeu tal favor, imere-cido e, portanto, se ficou no deverde retribuir, sempre impossível decumprir…).

Mas a dinâmica imaginada como ne-cessária para que realmente a leitura seja umencontro, para que a leitura seja umapesquisa, não se estabelece de imediato (em-bora a atitude deva ser imediata). É precisodar alguns passos, gradativos, que per-mitirão o encontro.

O primeiro passo, descrito por LópesQuintás (adaptado aqui, como serão osseguintes, com certa liberdade criativa), ex-ige diferenciar aquilo que se apresenta deimediato (o apanhado de ideias), daquilo queconstitui, de forma geral, o núcleo de sentidoem torno do qual a realidade se apresenta.

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O segundo passo é o da contextualiza-ção, pois nada é gerado no vazio, tudo temsua história, todos têm as suas motivações(as criações são realidades ambitais). Nessemomento, muitos sentidos podem ser desve-lados (retirando o véu).

O terceiro passo consiste em identificare compreender os pontos relevantes e nucle-ares, as ideias que configuram o sentido pro-fundo, mascaradas pela trama global. Trata-se de uma análise detalhada dos argumentosque compõem o relevante, o nuclear.

O quarto passo é de abertura para ooutro, consiste em perceber a beleza e aeficácia da imagem apresentada.

É preciso cuidar para que a atitude de en-contro não seja abafada pela análise críticados passos anteriores. A pesquisa, adescoberta honesta faz-se com o entrelaça-mento: raramente alguém apresentou umpensamento da forma perfeita (pelo menospara o olhar do leitor), quase sempre é

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possível aperfeiçoar o dito; mas isto não deveimplicar na assunção da atitude desmedidade achar que ninguém apresentou bem…

O quinto e último passo é o que se di-rige a uma valoração geral do texto e dopensamento sobre o texto. Trata-se de reunire relacionar todas as descobertas que seproduziram nos passos anteriores, de expli-citar em que medida o estudado nos fez re-pensar algo e em que medida novas reflexõessão necessárias.

Por outro lado, para que exista o encontroé necessário permitir-se o diálogo, abrir-senão apenas para a liberdade pessoal, mastambém para a alheia. Mais ainda, paraenxergar a riqueza alheia.

5.4.3.1 Liberdade de opinião –condição do encontro

“Aquele que deixa o mundo ou suaprópria porção dele moldar-lhe oplano de vida não tem necessidade

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de qualquer outra faculdade senãoa de imitação” (Stuart Mill).

Desde o ensaio Da Liberdade – maior leg-ado do escritor político inglês Stuart Mill,publicado em 1859 – indaga-se quais são oslimites legítimos de ingerência de qualquerautoridade coletiva em relação à opinião doindivíduo, pois se estes não são refreados,certamente perece a verdadeira liberdade depensamento e de opinião:

Não é suficiente, portanto, a pro-teção contra a tirania do magis-trado; necessária também a pro-teção contra a tirania da opinião edo sentimento predominantes, con-tra a tendência da sociedade paraimpor, por meios outros que nãopenalidades civis, as próprias idei-as e práticas, como regras de con-duta para aqueles que discordamdelas; agrilhoar o desenvolvimento

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e, se possível, impedir a formaçãode qualquer individualidade nãoem harmonia com os seus pro-cessos, compelindo todos os carac-teres a conformar-se com o modeloadotado. Existe um limite à inter-ferência legítima da opiniãocoletiva em relação à independên-cia individual; determinar esselimite e mantê-lo contrausurpações é tão indispensável àboa condição dos negócios hu-manos como a proteção contra o

despotismo político.16

A defesa da liberdade de opinião é o con-traponto às pressões da opinião pública. Nãopode haver ingerência social, para StuartMill, se um ato não atinge outro membro dogrupo (princípio do dano). Os limites da in-gerência são, por sua vez, a outra face dos

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limites da legítima ação livre: o ferir aos out-ros membros da sociedade.

De outra forma, como apontava StuartMill: o único motivo que justifica a interfer-ência da lei ou da opinião na esfera individu-al é a demonstração de que tal conduta con-creta (comissiva ou omissiva) causará dano aoutrem ou afetará interesse legítimo de outr-em. Na parte que diz respeito a si mesmo, aindependência de atuação deve ser absoluta.

Em nosso campo, a investigação científica,devemos estar desatrelados dos preconceitosideológicos. Todas as ideias são válidas e de-vem ser consideradas. Rechaçadas devem serapenas as que gerem danos.

Tirania da opinião

Há um sentimento curioso em cada um denós de considerar nossa regra de conduta aatitude correta para todos os demais.

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Ninguém reconhece “naturalmente” que opróprio padrão de julgamento é aquilo deque gosta, sua preferência e algumas vezes arazão. Há uma disposição nos homens, se-jam governantes, sejam concidadãos, de im-por as próprias opiniões e inclinações comoregra para os demais.

Ora, essa atitude, muitas vezes não perce-bida, constitui exatamente o obstáculo mordo encontro.

Em certos universos acadêmicos (mesmoem algumas obras ditas científicas) isto éainda mais curioso, esquece-se que a pro-posta racionalista é a de que a razão prepon-dere acima das pessoas. Por isso, Karl Pop-per aponta com tamanha argúcia que a aca-demia (e a ciência) se desvirtua quando oobjetivo torna-se convencer ao invés de es-clarecer: “infelizmente é extremamentecomum entre os intelectuais querer impres-sionar os outros (…) não ensinar mascativar”.

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Além disso, não podemos esquecer de que“muito” do que nos foi legado culturalmenteé de fato um construto dogmatizado, poisaquilo que foi conquistado por algumas ger-ações é transmitido às próximas como umaverdade absoluta, sem questionamentos.Assim já nos alertava Aldous Huxley em seubrilhante ensaio Sobre a Democracia:

Noções que para uma geraçãosão novidades dúbias,tornam-se para a seguinte, emverdades absolutas, que écriminoso negar e um deversustentar. Os descontentes daprimeira geração inventam umafilosofia justificativa. A filosofia éelaborada e, logicamente, tiram-seconclusões. Os seus filhos são cria-dos com a filosofia completa (aconclusão remota bem como a as-sunção primária), que se torna,pela familiaridade, não uma

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hipótese razoável, mas ver-dadeiramente uma parte damente, condicionando e, por as-sim dizer, canalizando todo opensamento racional. Para amaioria das pessoas, nada que sejacontrário a qualquer sistema deideias, com as quais foram criadasdesde a infância, pode, possivel-mente, ser razoável. As novas idei-as são razoáveis se puderem serencaixadas num esquema já famili-ar, e irrazoáveis se não puderemser encaixadas. Os nossos pre-conceitos intelectuais determ-inam os canais ao longo dosquais a nossa razão terá de

fluir.17 (sem destaques no original)

São fatos como esses que tornaram a intol-erância algo tão natural ao homem, ao pontode podermos afirmar que cada um de nós

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tem o seu reduto de intolerância. E o pior, aintolerância refreia aos pensadores de-sprovidos de coragem para enfrentá-las. Dequantos nobres pensamentos a humanidadese privou por isso!

As penas da lei ou da opinião advêm daspreferências ou aversões da sociedade domomento. E a luta do homem no poder temsido a de modificar as preferências e aver-sões e raramente a de esquadrinhar quais defato deveriam tornar-se as leis para ohomem.

Realidade mais chocante ainda é perceber-mos, com Rousseau, que essa detestável tira-nia da opinião alheia foi criada por nós mes-mos: pois o homem sociável, sempre fora desi, vive da opinião dos outros, do juízo deles

vem o sentimento de sua própria existência.18

Ou ainda, como aponta Popper, que a pro-cura de dirigentes e profetas produz a ofertade intelectuais-profetas, de intelectuaisdiri-gentes e jamais de verdadeiros racionalistas

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que despertassem e desafiassem os outros a

formarem opiniões livres.19

E se não percebemos isso, cuidado: Nãodeseja algo (a liberdade de opinião, aprendera pensar livres de nossas próprias idiossin-crasias) quem não imagina ser deficiente na-quilo que não pensa lhe ser preciso (para-fraseando Platão no Banquete).

Th omas Jefferson, em correspondênciacom John Adams, admite claramente essahamartía (do grego, marca hereditária)social:

O avanço do liberalismo humanorecobrará algum dia a liberdadeque gozou há dois mil anos. Estepaís, que deu ao mundo o exemploda liberdade física, deve-lhe tam-bém o da emancipação moral que,todavia, é nominal entre nós. A in-quisição da opinião públicadesmente na prática a

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liberdade afirmada pelas leis

na teoria.20 (sem destaques nooriginal)

Por um lado, buscamos nos adequar àopinião pública, pois queremos ingressar nomeio, queremos ser aceitos. Por outro, comonos alerta John Dewey, acostumamo-nos àopressão. O impulso original para a liber-dade pode ser bloqueado, perdido ou defor-mado pelas condições circundantes, pela cul-tura: “os homens podem ser levados, porlongo hábito, a aceitar cadeias restritivas daliberdade”.

A necessidade da discussão

O silenciamento da expressão de uma opin-ião é um mal, pois não há liberdade de opin-ião sem que a mesma possa se expressar eseja aceita na sua construção. Não é

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liberdade de opinião o mero livrepensamento sem o respectivo extravas-amento da mesma no seio social.

Desta forma, recusar-se a ouvir uma opin-ião porque se está certo de que é falsa im-porta, além de supor a infalibilidade de suacerteza (inocência pueril a da confiança com-pleta nas próprias opiniões, ou nas opiniõesda parte do mundo com a qual entramos emcontato!), é verdadeiro e atualíssimo ob-stáculo à liberdade de opinião, à ciênciacomo um todo.

Porque julgamos inquestionável algo (in-falível), achamos justo restringir a discussãoou mesmo recusamos a prestar ouvidos aopiniões diversas, até porque nossa per-suasão é tamanha que achamos imoral ouperniciosa a ideia diversa. Atitudes assimcondenaram Sócrates por imoralidade (cor-ruptor da mocidade); condenaram Cristo porblasfêmia.

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Incrível é que não se abale a confiança dealguém pela demonstração de que em outrasregiões ou em outros tempos pensava-se ocontrário, julgavam-se falsas ou até absurdasas opiniões que se defendem hoje! Incrívelque as pessoas não cogitem que suas opin-iões provavelmente serão rejeitadas por épo-cas futuras!

Não podemos ter certeza se estamos di-ante da verdade se estivermos perante super-stições ou preconceitos, crenças independ-entes de fundamentação, argumentação nãosubmetida à prova em contrário, pelo menosàs objeções comuns: “Aquele que só conheceseu próprio lado da questão, pouco sabe

dela”.21

Colocar-se na posição mental daqueles quepensam diferentemente, mesmo que estesnão existam, é o que nos habilita a conhecera verdade de nossa opinião. Ademais, os fun-damentos da opinião é que preenchem a sig-nificação da opinião em sua plenitude: “O

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hábito firme de corrigir e completar a pró-pria opinião, cotejando-a com a de outraspessoas, longe de causar dúvida e hesitaçãoao pô-la em prática, é o único fundamento

estável para que se tenha confiança nela”.22

Vazia e fraca, sem vitalidade é a opiniãoque se esqueceu dos seus fundamentos.Nesse caso, o próprio assentimento torna-seapático. O poder desta crença apáticarestringe-se a não permitir a entrada dequalquer convicção nova, mas nada faz a fa-vor do espírito ou do coração.

Por outro lado, há que se ter em mente queno conflito de opiniões, em geral, cada ladopossui parcela de verdade e somente a dis-cussão serena pode extrair o que de verdadehá em cada uma delas: “não é no partidárioapaixonado e sim no espectador mais calmoe desinteressado que essa colisão de opiniões

exerce efeito salutar”,23 pois não suprimeparte da verdade pela simples paixão.

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Para assim agir, Stuart Mill aponta algu-

mas diretrizes:24 a) se uma opinião força aosilêncio, pode ser verdadeira; b) a opiniãopode conter apenas parte da verdade, assima colisão de opiniões permite-nos descobrir oresto da verdade;

c) mesmo que a opinião contenha a ver-dade total, é necessário discuti-la para quenão seja admitida como preconceito, compouca compreensão ou sentimento de seusfundamentos racionais; d) a significação cor-rerá o risco de perder-se ou debilitar-se, fic-ando privada do efeito indispensável sobre ocaráter e a conduta, se não for discutida.

Desenvolvimento da individualidadeno pensar

Quem faz por costume (ou por hábito) nãoescolhe, pois se para optar não raciocina, não

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julga, se não julga não decide, não escolhe.Quem faz por hábito, imita.

É desejável ao homem o exercitar o en-tendimento, os desejos equilibrados. Não asimples imitação dos comuns (do estabele-cido socialmente) ou dos superiores (“diri-gentes” e “profetas”), mas o guiar-se pelo quea sua razão diz que mais convém a si mesmo.

O império da lei, do costume ou das opin-iões dominantes, sem mais, aniquila a indi-vidualidade. Assim, a peculiaridade do gosto,a excentricidade de conduta passa a evitar talcomo crime: “a tirania da opinião é tal que

torna a excentricidade reprovável”.25

Gênios, é verdade, são e provavel-mente sempre serão pequenaminoria; contudo, para tê-los, é ne-cessário conservar o solo no qualse desenvolvem. Os gênios só po-dem respirar livremente em atmos-

fera de liberdade.26

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O gênio é individualista, desenvolve suasfaculdades individuais contra a corrente epor isso nos beneficia de suas descobertas.Necessitamos da originalidade, os indivíduosnão podem perder-se na multidão, na massa,na mediocridade coletiva. A massa pensa oque lhes dita suas autoridades, sem premed-itação. E o homem-massa (como apontaOrtega y Gasset), apesar de não refletir, in-siste em impor sua opinião (para ele,inquestionável).

As pessoas são diferentes e por isso precis-am de condições diversas (modos de vidadiferentes) para o desenvolvimento espiritu-al, nem por isso podem ser vistas comolunáticas.

O despotismo do costume é obstáculo aoprogresso humano. A única fonte infalível epermanente do progresso é a liberdade, odesenvolvimento da individualidade queemancipa o homem. E, infelizmente, os ho-mens rapidamente tornam-se

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incapazes de conceber a diversidadequando por algum tempo se desacos-tumam dela.

Parece-nos equivocado enaltecer a liber-dade, no entanto, a ponto de dizer aos de-mais que vão ficar todos bem quando foremlivres. Não é a liberdade simplesmente quetraz o sucesso da vida, este advém tambémda competência, da diligência, de virtudes eda sorte (referimo-nos à virtù e à fortunaapontada por Maquiavel). Apenas podemosafirmar que a existência da liberdade faz comque nossas aptidões pessoais tenham umpouco mais de influência no nosso bemestar,permite que sejamos responsáveis por nósmesmos – única forma digna e meritosa dedesenvolvimento apontada há séculos por

Demócrito.27

Para que exista liberdade, por fim, épreciso distanciar-se dos apetites imediatos eassumir apetites refletidos por algotranscendente:

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A liberdade autêntica, a dignidadeprópria do ser humano, começaquando este, no momento de fazerescolhas, é capaz de distanciarsedos seus apetites imediatos e opt-ar pela possibilidade que lhepermite realizar o ideal dasua vida, cumprir a sua vocação ea sua missão e conferir à sua per-

sonalidade a configuração devida.28

(sem destaques no original)

É a meta que nos define como pessoas ecomo homens livres:

Se queremos ser livres, temos denos fazer uma ideia clara e exactado que somos e do que devemoschegar a ser. A minha verdadeiraliberdade começa a perfilar-sequando me interrogo seriamentesobre “o que vai ser de mim”. O queserá de mim depende daquilo que

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eu decidir perante as possibilid-ades com que conto e do ideal queeu escolher como meta para aminha existência. Quanto mais val-or possuir esta meta, mais perfeitoserá o meu desenvolvimento como

pessoa.29 (sem destaques nooriginal)

Superada a fase do libertar-se das amarrasexternas, é preciso construir a trilha própria.É nessa construção que se realiza efetiva-mente a liberdade: “o meu interesse primor-dial não deva consistir em libertar-me deentraves, mas em conseguir libertar-mepara cumprir as exigências do ideal ajustado

ao meu modo de ser”.30 (sem destaques nooriginal)

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Exercício prático(autoavaliativo)Escreva um pequeno texto (até4 laudas) que apresente oproblema central de suapesquisa. Neste texto, identi-fique as eventuais facetas am-bitais e reversíveis.

1Alfonso López Quintás. Descobrir a Grandeza da Vida. In-

trodução à Pedagogia do Encontro, p. 10.

2Alfonso López Quintás. El conocimiento de los valores, p.

33.

3Alfonso López Quintás. El conocimiento de los valores, p.

87.

4Alfonso López Quintás. El conocimiento de los valores, p.

51.

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5Alfonso López Quintás. El conocimiento de los valores, p.

52-53.

6Alfonso López Quintás. El conocimiento de los valores, p.

72.

7Alfonso López Quintás. El conocimiento de los valores, p.

59.

8Alfonso López Quintás. El conocimiento de los valores, p.

89.

9Alfonso López Quintás. El conocimiento de los valores, p.

96.

10Cf. Alfonso López Quintás. El conocimiento de los valores,

p. 104 e s.

11Alfonso López Quintás. Descobrir a Grandeza da Vida. In-

trodução à Pedagogia do Encontro, p. 17.

12Aut. Cit. Descobrir a grandeza da vida, p. 22.

13Aut. Cit. “A Formação Adequada à Configuração de um

Novo Humanismo”. Conferência de Alfonso López Quintás

proferida na Faculdade de Educação da Universidade de

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São Paulo, em 26/11/1999, disponível no seguinte link: <ht-

tp://www.hottopos.com.br/prov/quint2p.htm>.

14Alfonso López Quintás. El espíritu de Europa, p. 144.

15Jean Lauand. Filosofia, Linguagem, Arte e Educação. 20

conferências sobre Tomás de Aquino, p. 41-43.

16John Stuart Mill. Da Liberdade, p. 07.

17Aldous Huxley. Sobre a Democracia e outros estudos, p.

35.

18Jean Jacques Rousseau. Discurso sobre a origem e os fun-

damentos da desigualdade dos homens, p. 242.

1819 Cf. Karl R. Popper. A vida é aprendizagem, p. 118.

20Apud John Dewey. Liberdade e Cultura, p. 28.

21John Stuart Mill. Da Liberdade, p. 42.

22John Stuart Mill. Da Liberdade, p.25.

23John Stuart Mill. Da Liberdade, p. 59.

24John Stuart Mill. Da Liberdade, p. 59-60.

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25John Stuart Mill. Da Liberdade, p. 76.

26John Stuart Mill. Da Liberdade, p. 73.

27Karl R. Popper. A vida é aprendizagem, p. 126.

28Alfonso López Quintás. O Livro dos Grandes Valores, p.

335.

29Alfonso López Quintás. O Livro dos Grandes Valores, p.

335.

30Alfonso López Quintás. O Livro dos Grandes Valores, p.

335.

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CAPÍTULO 6

Condições pessoaispara aprender apensar

Alfonso López Quintás aponta-nos, em seurol de chaves interpretativas (estudamos notópico anterior, as três primeiras), mais novedescobertas para a Inteligência tornar-se cri-ativa (criadora de novos olhares, de novasexplicações). São, sob nossa ótica, atitudesque o pesquisador deve assumir para quepossa enxergar as realidades ambitais, as ex-periências reversíveis, e vivenciar o encon-tro. Nessa pauta comportamental, ver-dadeira trilha metodológica, o pesquisador

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torna-se criador (deixa de ser repetidor) edesvela novas realidades.

6.1 Valores e virtudesNa quarta descoberta (os valores1 e as vir-

tudes2), López Quintás indicanos atitudes ne-cessárias, exigências para o encontro (para odiálogo intelectual com os autores e objetosestudados).

Em primeiro lugar, é preciso levar para aleitura (falamos aqui de qualquer tipo deleitura, não só a de textos) o nosso, o quesabemos sobre o assunto, nossas com-preensões e pré-compreensões, com gener-osidade. Ou seja, sem mascarar o quepensamos ou “pré-pensamos”, dar ao outro onosso.

Essa atitude pessoal prepara-nos paraaceitar o reverso, para escutar o que os out-ros têm a nos dizer sem preconceitos. Porisso, o segundo passo é a disponibilidade

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de espírito, que permite não apenas escut-ar as propostas explicativas alheias, mas vi-brar com as mesmas, vivenciá-las como pró-prias. Para tanto, é preciso refrear, nessemomento, nosso espírito crítico, pois ten-demos a ler filtrando tudo o que é dito, se-gundo nossas pré-compreensões ou predis-posições (há muito de predisposição que nãoadvém de uma pré-compreensão). Paraencontrar-se verdadeiramente com umpensamento alheio é preciso descartar, pelomenos provisoriamente, das autoconfianças,das opiniões próprias tidas como sólidas. Aocontrário, estaremos fechados em nós mes-mos e entorpecidos para o alheio.

O estabelecimento desse movimento bid-irecional (o nosso =>, <= o outro) exige, denossa parte, ainda: veracidade – paramostrar o que pensamos sem deformaçõestáticas, sem querer dominar a discussão(somente os objetos podem ser dominados,manipulados, não os âmbitos, como a

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opinião alheia); desejo de compreendero outro – para colocar-se no lugar do outro,para ver a vida sob novo ponto de vista, en-tendendo por dentro o ponto de vista alheio,sem indiferenças, que deixa de ser alheio(não basta entender o pensamento alheio, épreciso percorrer pessoalmente, vivenciar, omesmo, embora continue alheio).

Há que se cuidar, no entanto, para não as-sumir um posicionamento reverso ao ver-dadeiro encontro com o alheio. Ao consider-ar o pensamento alheio, devemos vivenciá-locomo próprio, mas de uma forma paradoxal:mantendo uma distância justa do mesmo.Há que se vivenciar o alheio como próprio ealheio ao mesmo tempo. Anular completa-mente a distância faz com que o alheio dom-ine o “nosso” (atitude muito comum nosestudiosos acostumados a revestir-se dediscípulos).

O verdadeiro encontro produz o diálogo, oentreveramento de posicionamentos e não o

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domínio completo de qualquer lado (domin-ar o alheio ou perderse no alheio). As realid-ades que se encontram (no sentido legítimodo termo) devem ser aproximadas, mas nãofundidas, devem estar a certa distância, masnão afastadas. Dessa maneira é possível ojogo, o espaço de liberdade que desvendanovos significados, novas descobertas.

É a distância justa, não o afastamento, quepermite também o legítimo espírito crítico. Enesse ponto, López Quintás apresenta obser-vação preciosa para a investigação científica,diz que “Os exemplos delatam os pensadoresporque indicam o nível de realidade em que

eles se movem”.3

Pelos exemplos apresentados junto às con-siderações de alguém é possível dimensionara amplitude do raciocínio apresentado, qualo universo abrangido pelas respectivas con-siderações (preocupação do pensamento rig-oroso: os limites ou pressupostos de um ra-ciocínio). Pelos exemplos observados pelo

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pensador podem ser verificadas as possibil-idades ou não de ampliar-se um raciocínio.Desvelam, de outra forma, qual a verdadeiraexperiência que o pensador tem da realidadeconcreta, como o pensador enxerga a realid-ade ou se a realidade é tratada como objetoou como âmbito.

Por outro lado, López Quintás desvelarealidade que muitas vezes não queríamosque fosse verdade (especialmente quandonosso prazo é curto): que pensar algo pro-fundamente dá trabalho e leva tempo. Háum ritmo natural, necessariamente lento oumais lento, para que possamos adquirir in-timidade com um tema. Saber viver,adaptar-se a esse tempo é que denominapaciência.

6.2 O ideal e a liberdadeinterior

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Na quinta descoberta, López Quintás apontaque o homem é movido por ideais, que nãohá intelectualidade sem um ideal, sem umpropósito, que não há pensamento se não sequer chegar a algum lugar.

Mas esse ideal pode revestir-se de duasfantasias diferentes. Pode configurar-secomo uma atitude dominadora (que quererdominar o objeto de investigação) ou comouma atitude criadora (que simplesmente as-sume as possibilidades do tema e desvela fa-ceta ou facetas valiosas).

O pesquisador que incorpora a atitudedominadora fica inquieto enquanto não at-inge o domínio, é perturbado por qualquerdescoberta que contrarie sua possibilidadede domínio.

O pesquisador que incorpora a atitude cri-adora, por outro lado, vivencia toda equalquer luz encontrada, retira, portanto,energia de tudo o que se descobre, seja fa-vorável ou não ao que pensava. Porque está

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aberto ao outro, se algo contrariar a seuspreconceitos não se sentirá ofendido, masenriquecido.

Em outras palavras, López Quintás nos en-sina que o ideal autêntico (querer descobrir averdade objetivamente) confere pleno sen-tido à investigação, enquanto o falso ideal(querer apresentar-se como sábio) esvazia desentido a investigação, desorienta e desequi-libra o investigador.

Na sexta descoberta, López Quintás nosdemonstra que a verdadeira liberdade (aliberdade interior) exige distanciar-se daspulsões instintivas e escolher, a cada mo-mento, a ação que mais contribua para real-izar nosso ideal. É livre apenas aquele quetem um ideal e o sobrepõe às pulsõesmomentâneas.

Não são os ânimos que podem conduzirum pesquisador, mas a incansável lembrançade o que se quer desvelar. Nos momentos emque o ânimo enfraquecer (pois o cansaço, o

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desespero, ou até mesmo a apatia podemabater ao pesquisador), é preciso relembrar erenovar o ideal que nos motivou (sétimadescoberta: como dar pleno sentido à nossavida).

Quando nossa leitura, nossos estudos,tornarem-se enfadonhos, tediosos, é precisorenovar a atitude de encontro com o quelemos (oitava descoberta: nossa capacidadede ser eminentemente criativos).

Quando não estamos vislumbrando as re-percussões ou implicações de cada tema queestudamos é preciso renovar o “pensamentorelacional” (nona descoberta). O “em-si-mesmar-se” é fonte de travamentos. Não érazoável a proposta de Ortega y Gasset: “Opensamento que realmente penso – e não sórepito mecanicamente, por tê-lo ouvido –,tenho de pensá-lo eu sozinho ou eu em

minha solidão”.4 Somente o encontro é capazde despertar novos olhares para a ciência. Odesenvolvimento da ciência foi assim

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pensado: se faltam ideias, leiam-se outrosbons autores.

6.3 A questão da linguagemNa décima descoberta, López Quintás tan-gencia tema muito caro ao trabalho dopesquisador, a investigação rigorosa da lin-guagem, dos termos utilizados nos textos queestudamos, pois “cada vocábulo que usamosnos compromete, porque tem muitas im-

plicações”.5

Por outro lado, somente aqueles queaprenderam a pensar com o rigorismo esper-ado podem expressar-se adequadamente.

As palavras dizem mais do que aparentamà primeira vista. Estar desperto para as suaspossibilidades permite o pensar e o expres-sar rigoroso – duas necessidades de qualquerpesquisador.

Nem sempre é fácil identificar o conteúdopreciso em que um termo está sendo

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utilizado. López Quintás, no entanto, nos ap-resenta uma regra de ouro: descobrir otermo oposto, naquele momento, desvelamuitos significados ocultados. Por outrolado, ao escrevermos, se utilizamos umtermo que possui muitos significados, tome-se o cuidado de apontar o significado que seutiliza. Se for o caso, em nota de rodapé.

Stalin afirmava que o meio mais eficaz queos Estados modernos possuem para dominaras gentes não são as armas, mas os vocábulosdo dicionário. Que palavra é poder há muitonos ensinou Hesíodo em sua obra Teogonia,bem como, mais recentemente (em 1948),George Orwell em sua obra (lembremos daNovilíngua sempre reeditada com menospalavras).

Dominar o significado dos termos, fazercom que se enxergue apenas o que se quer éforma de manipulação muito requintada,pois limita nossas possibilidades de enxergaro mundo.

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Ortega y Gasset pedia que tomássemoscuidado com os termos, pois entendia queestes são os déspotas mais duros que fazem ahumanidade padecer. O filósofo alemãoMartin Heidegger certeiramente pontuavaque as palavras são a pouco, na história,mais poderosas que as coisas e os fatos. Wit-tgenstein nos mostrou que os limites donosso mundo são os limites de nossa língua.

Usam-se, na comunicação em massa, e àsvezes (infelizmente) nos textos científicos,

como nos alerta Alfonso López Quintás6, pa-lavras “talismãs” com o intuito de esvaziar areflexão (como o alho que repele o vampiro,há palavras que repelem o pensamento).

Há certos termos que parecem albergar, detempos em tempos, o segredo da autenticid-ade humana e por isso tornam-se inques-tionáveis, talismãs. No século XVII istoaconteceu com a palavra “ordem”, no séculoXVIII, com a “razão”, no século XIX, com a

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“revolução”, no século XX, até hoje, com a“liberdade”.

Todos são a favor da liberdade, emborapoucos saibam realmente o que significa.Apesar disso, colocar-se ao seu lado trazautomaticamente prestígio, mesmo que sejaao lado dos vocábulos dela derivados (demo-cracia, autonomia, independência – palavras“talismãs” por aderência). Por sua vez,questioná-la desprestigia automaticamente,mesmo que a oposição não seja verdadeira(pensemos no defensor da autocensura).

Gregorio Marañón y Posadillo, ao biogra-far a vida do imperador romano Tibério,relata-nos típica expressão talismã de todosos tempos:

Os povos descontentes tudo esper-am dessa palavra mágica:mudança de governo. Mas a mul-tidão nunca imagina que pode per-der na troca. Os dias de mudançasempre são os de maior regozijo

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popular, sem que se turbe oalvoroço pelas recordações das in-

finitas decepções.7

A comunicação em massa sempre manip-ula ao apresentar-se reducionista, ao nostratar ou meramente como clientes, ou comoseguidores, ou como súditos e não comopessoas. Manipula ao nos tornar objetos dedomínio, para manejar nossa conduta, semnos dar oportunidade de pensar. A grandeforça da manipulação advém da confusão deconceitos e da rapidez da resposta que nãonos permite tempo de análise.

Na investigação científica, curiosamente,deparamo-nos também com tal manipu-lação. Quantas e quantas vezes, por exemplo,vimos ser invocada a “dignidade da pessoahumana” como fundamento argumentativosem se preocupar, efetivamente, em fixarqual o significado desse termo, verdadeirotalismã dos nossos dias. Quantas vezes se

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falam em dano à honra ou em inconstitu-cionalidade sem se estabelecer o que são…

6.3.1 Conceitos JurídicosDetermináveisOs significados dos termos jurídicos, emborarotineiramente imprecisos ou inadequados(até mesmo porque a linguagem é sempre re-dutora da realidade), são rotineiramentepreenchidos segundo uma ótica muito re-strita, segundo o pressuposto jusfilosóficopositivista que transita na trilha estreita daidentidade entre o posto e o direito.

Assim veremos esse tema que advém daslimitações da linguagem jurídica.

Há institutos estabelecidos em lei que seapresentam positivados em pretensa delimit-ação completa. Ou seja, apresentam-sedefinidos (“de-finidos”: revelam completa-mente as fronteiras limítrofes do que são edo que não são). Em seus próprios enuncia-dos, delimitam suas exatas extensões e

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compreensões, de modo unívoco, em dadocontexto. Diversos outros, a maioria, em ver-dade, explicitam apenas parcialmente esseslimites ou extensões. Ou seja, apresentam-se, na forma como foram enunciados, comoconceitos.

Todos os conceitos revelam uma zona fixa(um núcleo) e uma zona periférica. Nodomínio do núcleo conceitual são estabeleci-das as certezas; onde se inicia a zona peri-férica, as dúvidas começam.

A doutrina,8 debruçando-se sobre esteproblema, identifica-os como indetermina-dos quando suas zonas periféricasapresentam-se de forma extensa e difusa e aszonas nucleares de forma reduzida (assimocorre, em nosso sistema, v. g., com notóriaespecialização, notável saber, significativadegradação do meio ambiente, conduta ir-repreensível etc.).

Segundo o estágio atual da teoria dos con-

ceitos jurídicos indeterminados,9

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possibilidade de controle jurídico sobre osmesmos existe, mas este se dá apenas juntoao núcleo do conceito, não junto à zonaperiférica.

Recusar a possibilidade absoluta de con-trole sobre esses seria convertê-los em algodespropositado, seria o mesmo que mani-festamente não aplicar a lei que os haja for-mulado. Admitir, no entanto, o controle ab-soluto como se estivéssemos perante umadefinição também seria desvirtuar os limitesdo que foi positivado (lembremos o pres-suposto, o do direito posto).

Diante de qualquer conceito jurídico inde-terminado, apesar de sua indeterminação, dequalquer forma, há sempre uma zona de cer-teza negativa (o que não é) e positiva (o queé), onde é possível o controle para afastar asinterpretações e aplicações incorretas, em-bora sempre permaneça uma zona de pen-umbra, de incerteza, que é insindicável.

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Vê-se, portanto, que o preenchimento departe do significado jurídico de um conceitoindeterminado é possível, embora semprepermaneça uma zona cinzentaindeterminável.

Suplantada a possibilidade, importa de-terminar que meios podem ser admitidospara tal preenchimento de significância.

Nosso ordenamento, como todos os mod-ernos, tem como pressuposto que toda equalquer ação ou decisão de qualquer autor-idade pública deve ser fundamentada e queesta motivação deve ser feita utilizando-se dopróprio Direito (aqui o pressuposto limitanovamente o olhar, Direito é o posto).

Dizendo de outra forma, o preenchimentodo significado que diminui a abrangênciadaquela zona cinzenta, embora não aelimine, somente será possível nos termos doque já estiver predeterminado pela análisesistemática, pela interpretação sistemáticado próprio Direito positivado.

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A densificação e o respectivo controlesobre os conceitos jurídicos indeterminadosdevem ater-se exclusivamente ao que oenunciado e o sistema permitem identificarsem qualquer dúvida como contrário aonúcleo conceitual.

Nesse caminhar lógico apresentado (usualem grande parte dos pensadores que sedebruçaram sobre o tema), o pressuposto de-limita o olhar. Cabe-nos agora perguntar:sob outros pressupostos, haverá outros cam-inhos de preenchimento do significado?

Exercício prático(autoavaliativo)No tópico 3 (Elaborando o Pro-jeto de Pesquisa e o Plano deTrabalho), apontamos que umdos elementos pós-textuais op-cionais do Projeto de Pesquisaé o Glossário.

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No tópico 4 (Metodologia eCientificidade), ao tratar dosindicadores de qualidade deuma investigação, vimos a ne-cessidade de tornar precisas asdefinições conceituais condi-cionantes do discurso.

Nesse tópico 6 (CondiçõesPessoais para Aprender aPensar), ao estudar a lin-guagem, reforçamos a ne-cessidade de identificar o con-teúdo preciso em que umtermo será utilizado.

Sob esses pressupostos, embreve texto, elabore um breveGLOSSÁRIO para o seu tra-balho de pesquisa, no qualpossa identificar os significa-dos precisos dos termos queserão decisivos para

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demonstrar a sua hipótese depesquisa.

Não se trata de copiar defin-ições apresentadas por di-cionários (embora possa separtir deles), mas de apresent-ar significados “iniciais” (nodecorrer da pesquisa provavel-mente melhorará tais defin-ições) de termos que desvelam“o seu olhar”.

1Valor, para López Quintás, é uma qualidade que atribuímos

àquilo que nos ajuda a “ser mais”, a crescer como pessoas.

2Virtude, por sua vez, é uma atitude, um modo pessoal de

estar no mundo, de interagir com o mundo. É uma tradução

dos valores, uma transformação dos valores em formas de

conduta.

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3Alfonso López Quintás. Inteligência Criativa: descoberta

pessoal dos valores, p. 236.

4Cf. Ortega y Gasset. “El hombre y la gente”. Madrid, Rev-

ista do Occidente, 1957, p. 24. Apud Alfonso López Quintás.

Inteligência Criativa: descoberta pessoal dos valores, p.

236.

5Alfonso López Quintás. Inteligência Criativa: descoberta

pessoal dos valores, p. 237.

6Cf. Alfonso López Quintás. La tolerancia y la manipulación.

7Gregorio Marañon. Tibério: Historia de un resentimiento,

p. 230.

8Cf. José Manuel Sérvulo Correia. Legalidade e Autonomia

Contratual nos Contratos Administrativos, p. 120.

9Cf. Gustavo Binenbojm. Uma teoria do direito

Administrativo.

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CAPÍTULO 7

Aperfeiçoamentopessoal para opensar

Esse tópico foi concebido como um conjuntode orientações (para os pesquisadores prin-cipiantes e também para os adiantados) quepropicia, aos que legitimamente se dispõema conhecer, o desembaraço daquilo quecomumente entrava o desenvolvimento in-telectual autônomo.

Para tanto, muito útil seria contar commaior experiência e ciência. Creio, no ent-anto, que as pessoas que leiam esse textocom o espírito inflado pelo desejo de incor-porar verdadeiramente as características de

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um pesquisador, não estarão atentas aos de-feitos ou simplificações que se apresentarãoe, por isso, farão proveito das ideias aquilançadas.

Os alinhamentos traçados, de qualquerforma, não estão fundados em uma visãoparticular, nem pessoal, ancoram-se nas leit-uras de diversos autores e pensadores. Emespecial, a base de nossa tecelagem está con-formada pela clássica obra Subida aoMonte Carmelo, escrita pelo frade carmel-ita São João da Cruz (1542–1591) em fins doséculo XVI (entre os anos 1578 e 1585), e poralguns apontamentos de Platão, expressas nolivro VII da República (século IV a.C.).

Causa muita tristeza assistir a tantas pess-oas com talento e disposição suficientes paratornarem-se excelentes pesquisadores malo-grarem nessa trilha.

Por falta de uma orientação adequada (ecomo há orientadores ainda deficientes deluz e de experiência adequada!), não sabem

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que precisam desapegarse de alguns princí-pios ou atitudes. Caminhando desorientados,por si mesmos, segundo foram moldados an-teriormente (em geral, para serem assim-iladores de conteúdos transferidos), ap-resentam verdadeira resistência (próprio desuas personalidades moldadas) para umapesquisa verdadeira.

A preocupação dos orientadores e dos liv-ros dessa área (metodologia da pesquisa)desconsidera o tema desse bloco, direciona-se às técnicas, às formalidades e pouco (algu-mas vezes nada) dedica a uma preocupaçãoprévia: quem é o pensador e quais os seusobstáculos pessoais. Não tem em mente queo ser pensante, antes de ser pensante, é umser, que tem seus limites e obstáculos pess-oais que inexoravelmente afetam a pesquisa.

O homem excessivamente inserido namassa vive o vaticínio de Platão: “esses ho-mens estão aí desde a infância, de pernas epescoço acorrentados, de modo que não

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podem mexer-se nem ver senão o que estádiante deles, pois as correntes os impedem

de voltar a cabeça”.1 Mais ainda, mesmo quese permita a libertação de suas amarrasintelectuais, vê-se embaraçado, pois “as som-bras que via outrora lhe parecerão mais ver-

dadeiras”2 do que as realidades que lhe pas-sam a demonstrar os novos olhares.

Há algo paradoxal na personalidade hu-mana: resiste bravamente a rever seus posi-cionamentos; mas, uma vez destruído emsuas concepções, inclina-se a rejeitarveementemente as antigas ilusões (o que ocientista político italiano Antonio Gramsciintitulou “despertar da consciência crítica”).

Por outro lado, a revisão de posicionamen-tos pessoais não se dá pela imposição: “aslições que se fazem entrar à força na alma

nela não permanecerão”.3 O que se podefazer, simplesmente, é moldar, construir ashabilidades para que o receptor percorra opensamento por si só. A descoberta feita pelo

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próprio pensador é a que deita raízes e mudaos olhares.

O propósito desse tópico, portanto, estáimbuído da concepção educacionalplatônica:

A educação é, pois, a arte que sepropõe este objetivo, a conversãoda alma, e que procura os meiosmais fáceis e mais eficazes de oconseguir. Não consiste em darvisão ao órgão da alma, visto quejá a tem; mas, como ele está malorientado e não olha para ondedeveria, ela esforça-se por

encaminhá-lo na boa direção.4

Essa concepção dirige a atividade educa-cional para a formação da “capacidade” depensar, para o moldar o temperamento, ocaráter ou a personalidade para os hábitosdo legítimo pensar, para as virtudes da

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intelectualidade. Isto é “encaminhar a almana boa direção”.

Pela atividade embebida com essepropósito, busca-se algo complexo: a conver-são da alma corrompida ou ofuscada pelasdemais ocupações.

7.1 Aperfeiçoamento DasFaculdades SensitivasO homem conhece, observa e compreendetodas as realidades através dos seus sentidos.É como um prisioneiro que enxerga o mundoexterior apenas através das janelas da suaprisão. Se não olhar por ela, nada verá.

A consciência de que o olhar é limitadopela janela dos sentidos liberta a intelectual-idade. A não percepção desse fator, no ent-anto, pode embotar a alma e direcioná-la aconfiar em tudo que os seus sentidos oupaixões lhe mostram, como se fossem “toda”a realidade.

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A desmesurada confiança nos sentidosune, mergulha o homem nas paixões e im-pede os benefícios da racionalidade, impedea claridade da razão. Na caverna de suas per-cepções sensoriais, que vê somente sombras(simulacros da realidade), não conhece real-mente as coisas como elas efetivamente são.

Para alcançar a sabedoria é preciso renun-ciar à própria percepção. Ao contrário,estaciona-se o pensamento. De outra forma,a gradativa união da alma à realidade a serdesvendada é um caminho do não saber,antes do que do saber. Porque admito queminha percepção pode ser falsa; penso, apro-fundo, verifico novas possibilidades…

Para atingir a liberdade de espírito é pre-ciso romper quaisquer amarras que impeçamnosso pensar. A liberdade é incompatívelcom a escravidão, com um coração afetu-osamente ligado às suas percepções. En-quanto a alma não se despoja de tudo o que éseu, não tem capacidade de saborear algo

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diferente: “Sabe-se bem, por experiência,que a vontade, quando afeiçoada a umobjeto, prefere-o a qualquer outro que seriamelhor em si, porém, satisfaria menos o seu

gosto”.5 Somente a alma vazia de suasafeições, de suas preconcepções está apta areceber novo conteúdo.

Por isso, o primeiro cuidado a que deve sedirigir a educação da capacidade de pensar éo moldar aos educandos na liberdade dos

apetites.6

São João da Cruz descreve que o apegoacima descrito priva a alma do espírito daverdade (dano negativo), pois o homemapegado às suas percepções resiste a descar-tar seu próprio olhar, não suporta abandoná-los.

Os homens enredados nos sentidos, naspaixões (inclinações naturais despertadaspor esses), sujeitam-se, em consequência, acinco danos intelectuais (danos positivos).Estudemos cada um, adaptando-os (com

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certa liberalidade) aos propósitos dessecurso.

(1) O apego aos sentidos e àspaixões fatiga e cansa.O homem apaixonado por suas precon-cepções nunca descansa, está sempre esempre a provar seus preconceitos (talcomo os apetites mais comezinhos,nunca se contentam, uma vez satisfeitos,querem mais), pois não alcança a liber-dade de si mesmo, a liberdade e o re-pouso que provoca a ciência da “desim-portância” de nossa visão.(2) Os sentidos e as paixões ator-mentam e afligem.O homem que se sujeita ao jugo dos seuspreconceitos enreda-se no tormento ena aflição de os carregar, pois tais real-idades não produzem deleite, apenas ir-ritações, exigem, ao contrário, a afliçãocontinuada de não os contradizer, o tor-mento repetido de os justificar.

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(3) Causam obscuridade ecegueira.A alma cativa dos apetites sensíveis nãoconsegue andar em pátios iluminados deoutras formas: “o apetite cinge tão deperto a alma e se interpõe a seus olhostão fortemente, que ela se detém nestaprimeira luz, contentando-se com ela,não mais percebendo a verdadeira luzdo entendimento. Só poderá vê-la nova-mente quando o deslumbramento do

apetite desaparecer”.7

De outra forma, “(…) a alma permane-cerá nas trevas e na incapacidade até seapagarem os apetites. Estes são como acatarata ou os argueiros nos olhos: im-

pedem a vista até serem eliminados”.8

(4) Sujam e mancham.A alma que se apega a suas percepções einclinações fica desfigurada pelas mes-mas. Tal como um belo rosto coberto defuligem fica desfigurado, a alma que se

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apega, que se deixa absorver pelas suasidiossincrasias não pensadas torna-seincapaz de ver através dessas manchas.Quando o santuário da alma é decoradocom as preconcepções não refletidas, es-pecialmente com as pré-compreensõesprovocadas pelos sentidos e pelaspaixões (que sempre querem justificarsuas inclinações momentâneas ou ha-bituais), o entendimento fica sem espaçopara transitar, fica emaranhado. Torna-se cativo de um aposento sem espaço.(5) Entibiam, enfraquecem.Quem gasta suas energias em justificarseus apetites, suas preconcepções, fica,naturalmente, com menos forças paradedicar-se ao entendimentoaprofundado.O fato de não se concentrarem os ol-hares para a descoberta objetiva (sem oeu) faz essa forma de entendimento per-der o vigor, o ardor. A intelectualidade

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fica como minada em suas forças, poisestá acompanhada de parasitas que sug-am sua seiva, desviam sua energia paraoutros propósitos.Os parasitas (pré-compreensão e pré-conceito) podem até mesmo tornar o en-tendimento cativo, sem forças, à beirada morte. Ou então, deixam-no debilit-ado. De qualquer forma, torna o homempesado para caminhar por si mesmo naintelectualidade, áspero com o próximo(com as ideias alheias), sem vontadepara trilhar novas sendas.Desnudar a alma de suas preconcepçõesirracionais é impossível, contrário à pró-pria natureza humana, pois ela é dotadade apetites. Romper, no entanto, com aadesão voluntária a esses apetites é quese torna necessário. Em outras palavras,não é a pré-compreensão que impede aintelectualidade (embora sempre

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atrapalhe), mas a pré-compreensão aque se adere.O querer desapegar-se dessa adesão, noentanto, não é fácil, exige atenção ren-ovada. Volta e meia é preciso recobrar oolhar sobre esse apego e sobre o graudesse apego a que se está sujeito. Nãoimporta se um pássaro está preso porum fio grosso ou fino, das duas formas ovoo fica limitado. Em verdade, os fiosmais finos são menos perceptivos e maisflexíveis, exigindo, portanto, muito maiscuidado.Às vezes, pela falta de desapegar-se deuma ninharia (que muitas vezes não éninharia para a vida pessoal, poispoderá exigir mudar de conduta) deixade se compreender uma série de realid-ades. Permitir a aliança, mesmo que ve-lada, com alguma preconcepção, mesmoque pequena, evita progredir no cam-inho do entendimento verdadeiro.

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Por outro lado, São João da Cruz dá-nosuma série de conselhos para superar

esses apegos.9 Vejamos apenas algunsdeles: (a) é preciso inclinar-se ao tra-balho, não ao descanso (embora a fadiga

e o sono sejam inimigos do estudo10); aomais difícil, não ao mais fácil; (b) é pre-ciso agir em desprezo próprio, falar con-tra si, esforçar-se para conceber baixossentimentos quanto às próprias con-vicções; (c) para cultivar o desapego a simesmo, é preciso apegar-se a algo maiselevado, à descoberta da realidade.

7.2 Aperfeiçoamento DasFaculdades EspirituaisPlatão entende que o homem, para percorrero caminho do conhecimento, não pode sermanco de algumas virtudes, necessita de al-gumas características: memória, disciplina

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inquebrantável, amor inconteste ao tra-

balho,11 temperança, coragem e grandeza de

alma.12

Há, em suma, características que config-uram o espírito do pesquisador. Ao homemdotado de tais atributos a investigação torna-se conatural.

São João da Cruz, por sua vez, aponta-nosque para o homem caminhar em direção aDeus (para a nossa leitura, em direção à ver-dade) deve passar por momentos de privação(noites). A primeira privação (comparadapor ele ao crepúsculo) é a dos sentidos (daluz dos sentidos). A segunda (comparada àmeianoite, por ser a mais escura e sombriade todas) é a do espírito (da própria luzintelectual).

O homem apegado a sua veste, a sua nat-ural maneira de ser e ver o mundo que orodeia, a sua luz própria, racional, que ageem virtude de suas próprias capacidades,desabilita-se para enxergar outros mundos:

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O entendimento não pode conhecerpor si mesmo coisa alguma, a nãoser por via natural, isto é, só o quealcança pelos sentidos. Por estemotivo, necessita de imagens paraconhecer os objetos presentes por siou por meio de semelhanças, comodizem os filósofos, ab obiecto et po-tentia paritur notitia, isto é, do ob-jeto presente e da potência nascena alma a notícia. Se falassem a al-guma pessoa de coisas jamais con-hecidas o vistas nem mesmo at-ravés de alguma semelhança ouimagem, não poderia evidente-mente ter noção alguma precisa arespeito do que lhe diziam. Por ex-emplo: dizei a alguém que em certailha longínqua existe um animalpor ele nunca visto, se não descre-verdes certos traços de semelhançadesse animal com outros, não

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conceberá ideia alguma, apesar detodas as descrições. Por outro ex-emplo mais claro se entenderá mel-hor. Se a um cego de nascençaquisessem definir a cor branca ouamarela, por mais que explicas-sem, não o poderia entender,porque nunca viu tais cores, nemcoisa alguma semelhante a elas,para ser capaz de formar juízo aesse respeito; apenas guardaria namemória os seus nomes, percebidospelo ouvido; mas ser-lhe-ia impos-sível fazer ideias de cores nunca

vistas.13

Nosso molde pré-configurado de ver omundo impede-nos de estudar emcompletude.

O físico norte-americano Th omas SamuelKuhn, nesse sentido, descreve o efeito de ce-gueira que gera o paradigma, pois limita o

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raio de nossa visão. Porque estamos acos-tumados a ver de determinada forma, aopassar ao lado de algo que se situe fora denossos costumes, não enxergamos, con-tinuamos a “tentar” explicar o que “não” vi-mos, pelas nossas formas, pelos limites denossa visão.

Há realidades que não enxergamos:

Me explicaram mas não entendi.Eu não havia esquecido o suficientepara poder imaginar o novo (…)Não entendi porque entender éisto: a gente vê uma coisa e vaiprocurando, na memória, um ca-bide onde a “coisa” possa ser pen-durada. Quando encontramos ocabide e a penduramos dizemos“entendemos”. O fato de o cabide jáestar lá, na memória, à espera, sig-nifica que aquela ideia já estavaprevista. Já era sabida. Nãocausava susto. A memória não tem

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cabides para coisas novas. Só para

coisas velhas.14

É preciso incorporarmos a pedagogia doesquecimento: “É preciso esquecer o sabido

para saber o que nunca se soube”.15

Lembrei-me das cigarras. As cigar-ras são seres subterrâneos quevivem à raiz das árvores. Dizem al-guns que há cigarras que passammais de 15 anos dentro da terra,sem jamais ver a luz, sem nadaconhecer do espaço aberto, dascores, das árvores, do vento. Mas,de repente, elas ouvem um cha-mado novo, chamado que se encon-trava adormecido dentro dos seuscorpos. O curioso é que todasouvem o chamado ao mesmotempo. Por quê? Não sei. Chamadoque nunca tinham ouvido.

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Chamado para uma coisa nova queelas nem sabiam que existia. Saementão de dentro da terra, sobemnas árvores e deixam, agarradasnos troncos, suas cascas vazias,cascas que durante muitos anostinham sido suas moradas. Nãoservem mais. Agora a vida lhesdiz: “Voar é preciso”. Mas paravoar elas teriam de se “esquecer”de sua maneira subterrânea de ser.Por isso elas abandonam suas cas-cas nos troncos das árvores. Não seprestam ao voo. Não fazem lugarpara as asas. O que fora casa

agora é ataúde.16

O que São João da Cruz nos apresenta,nesse sentido, é que é possível privar-se dopadrão pessoal e aquiescer ao outro paraenxergar novas realidades, mas essa privaçãodeve ser total:

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O cego não inteiramente cego nãose deixa guiar direito por quem oconduz. Pelo fato de enxergar umpouco, ao ver algum caminho já lheparece mais seguro ir por ali,porque não vê outros; e como temautoridade, pode fazer errar a

quem o guia e vê mais do que ele.17

Quem aspira unir-se à verdade não podepercorrer o caminho do entendimento apoi-ado, apegado a suas compreensões parciais(às vezes imaginárias ou fruto de sentimen-tos), pois isto impede a continuidade da in-vestigação sobre o objeto.

Às vezes, em alguns trabalhos acadêmicosaté bem estruturados, apresentam-se algu-mas conclusões parciais (nos tópicos iniciais)que condicionam todas as demais. Há que seperguntar: e se os passos anteriores estiver-em errados, incompletos?

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É preciso, para continuar a trilha do con-hecimento, da ciência, viver do “não saber”,mesmo que já se saiba algo. Isto cria umhábito, um modo de ser intelectual que nãomais se prende ao próprio modo de en-tender. Embora todos tenham um modopróprio, a busca de desatrelar-se do mesmofaz-nos sair da caverna de Platão.

Para chegar a isso, é preciso efetivamenteapartar-se para muito longe de si mesmo.Não consegue isto quem não deu um passo

anterior: desprezar-se a si mesmo.18

É natural que demos valor ao quedescobrimos, às luzes particulares queacendemos na morada intelectual. Mas, seisto fizermos (antes de terminar a pesquisa),pararemos de fazer ciência e passaremosapenas a colacionar provas de que “nós”temos razão, de que nossas habilidades fo-ram eficientes. A investigação assim conduz-ida deixa de ser da racionalidade e converte-se em pesquisa de justificações.

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Marcos Nobre, nesse sentido, aponta queum dos maiores problemas da pesquisa emDireito nos dias de hoje; é que essa atividadeestá contaminada pela lógica do parecer.Assim sendo, o investigador, limitado emseus objetivos, ignora parte do materialdisponível, faz inconsciente triagem apenasdo que homologa ou ratifica a sua opiniãoinicial. Essa lógica, ademais, não está cal-cada, muitas vezes, na demonstração, masapenas em argumentos de autoridade, que

digam onde está a suposta razão.19

Segundo nosso maior ou menor treina-mento em sair de nós mesmos, adquirimosmais e mais capacidades visuais, enxergamosmais coisas, preparamo-nos para fazer ciên-cia. Assim alcançamos mais conhecimento,embora estes sejam infindáveis:

suponhamos uma imagem per-feitíssima, com muitos e primor-osos adornos, trabalhada com

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delicados e artísticos esmaltes,sendo alguns de tal perfeição, quenão é possível analisar toda a suabeleza e excelência. Quem tivermenos clara a vista, olhando a im-agem, não poderá admirar todasaquelas delicadezas da arte. Outrapessoa de melhor vista descobrirámais primores, e assim por diante;enfim, quem dispuser de mais ca-pacidade visual maiores belezasirá percebendo; pois há tantasmaravilhas a serem vistas na im-agem que, por muito que se repare,ainda é mais o que fica por con-

templar.20

Segundo Tomás de Aquino, a verdade éfruto da adequação das coisas ao intelecto edo intelecto às coisas (veritas est adequatiorei et intellectus). Ocorre que, para ointelecto conformar-se à verdade das coisas

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(o que a pesquisa quer descobrir, mesmo quese busquem verdades culturais como a doDireito), é preciso que essa potência estejaapta para “toda” a verdade a ser encontrada.

O grau de conhecimento alcançado de-pende dessa capacidade. É a capacidade dorecipiente que nos diz quanto de conteúdopode ser contido. Embora, em determinadomomento, possamos estar repletos ou trans-bordando de conteúdo, segundo nossas ca-pacidades, é possível ampliar as mesmas.

Para São João da Cruz, “todos os conheci-mentos adquiridos constituem antes impedi-

mento que auxílio, se a ele nos apegarmos”.21

A alma, vendo-se favorecida por descober-tas, muitas vezes concebe secretamente boaopinião de si, satisfação de sua descoberta. Oproveito, a partir de então, será menor doque poderia ser, pois essa mesmíssima satis-

fação paralisa a inquietação.22

Se a alma não fecha os olhos novamente,se não volta voluntariamente à escuridão, ao

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caminho do não saber, estaciona e não selança a novos voos.

Presa à propriedade de suas visões (nova-mente a questão não reside na visão, mas noapego), impede-se a continuidade do cam-inho da desnudes (sem contar com o fato deque essas primeiras descobertas podem serfalsas). Se essas ilusões (verdadeiras ou fal-sas) deitam raízes profundas, impede-se oretorno para o caminho da pesquisa. Em out-ras palavras: a alma presa às suas descober-tas apenas mudou a morada de suaignorância, detém-se no meio do caminho…

Ao contrário, preservado o desapego, ex-cluído o desejo pelo descoberto, poderãosomar-se novas descobertas… Para subir aescada do conhecimento, que nos aproximado plano superior da verdade, é preciso deix-ar para trás, continuamente, os degraus jáconquistados. A pesquisa e o espírito de in-vestigação, depois que alcançam algum pa-tamar de união com o ser conhecido,

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precisam desvincular-se do conquistado (quegera novos “acostumbramientos”) para cam-inhar ao próximo piso.

Há que se tomar cuidado, no entanto, comessa atitude para não incorrer no vício in-telectual oposto. O desapego do que foi con-quistado é necessário, mas não antes de seconsolidar o entendimento já descoberto.Senão a trilha do conhecimento não seráproveitosa.

Embora a solidificação das ideias seja afonte do apego, paradoxalmente, é precisoaprofundar no que foi entendido até o mo-mento, pois não deixa de ser parte da realid-ade investigada. Deve-se evitar o apego, masnão que se aprofunde o entendimento.

Enquanto estiver-se a discorrer e a expli-car o que se está compreendendo, a atençãonesse ponto deve concentrar-se (sob pena dese construir o caminho da investigação apen-as desconstrutiva, que não pode ser opropósito final de nenhuma pesquisa).

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Quando a compreensão gerar o sossego doespírito próprio de quem dominou a situ-ação, de quem já usufruiu de todos os provei-tos de determinada compreensão, é quesurge o momento de desapegar-se.

Exercício Prático(autoavaliativo)Ao identificarmos os pres-supostos teóricos (referencialteórico) de nosso trabalho,talvez tenhamos feito escolhas(conscientes ou despercebi-das) pouco refletidas, fruto depré-compreensões nossas oumoldadas pelos outros emnossas mentes. O mesmo podeter ocorrido quando redigimoso breve glossário.

Retome seu projeto e seuglossário para repensar, sob

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outros pressupostos, se suasideias ou conceituações con-tinuam válidas. Se necessário,corrija-o.

1Platão. A República, p. 225.

2Platão. A República, p. 226.

3Platão. A República, p. 251.

4Platão. A República, p. 229.

5São João da Cruz. Subida ao Monte Carmelo. Obras com-

pletas, p. 154.

6Cf. São João da Cruz. Subida ao Monte Carmelo. Obras

completas, p. 179.

7São João da Cruz. Subida ao Monte Carmelo. Obras com-

pletas, p. 163.

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8São João da Cruz. Subida ao Monte Carmelo. Obras com-

pletas, p. 164.

9Cf. São João da Cruz. Subida ao Monte Carmelo. Obras

completas, p. 176 e s.

10Platão. A República, p. 251.

11Platão. A República, p. 249.

12Platão. A República, p. 250.

13São João da Cruz. Subida ao Monte Carmelo. Obras com-

pletas, p. 189.

14Rubem Alves. Aprendiz de mim: um bairro que virou

escola, p. 26.

15Rubem Alves. Aprendiz de mim: um bairro que virou

escola, p. 80.

16Rubem Alves. Aprendiz de mim: um bairro que virou

escola, p. 80–81.

17São João da Cruz. Subida ao Monte Carmelo. Obras com-

pletas, p. 192.

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18Cf. São João da Cruz. Subida ao Monte Carmelo. Obras

completas, p. 193.

19Cf. Transcrições do debate realizado pela Escola de Direito

de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas sobre a Pesquisa

em Direito. Cadernos Direito GV, v. 5, n. 5, set. 2008, p. 25.

20São João da Cruz. Subida ao Monte Carmelo. Obras com-

pletas, p. 198–199.

21Aut. Cit. Subida ao Monte Carmelo. Obras completas, p.

209.

22Cf. São João da Cruz. Subida ao monte carmelo. Obras

completas, p. 218.

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CAPÍTULO 8

Escrevendo os res-ultados da pesquisa

É natural para a grande maioria dos pesquis-adores que concomitante aos estudosempreendidos vá se escrevendo quase defin-itivamente sobre os conteúdos assimilados.Tal posicionamento prático é razoável ecoaduna-se com a realidade de quase todosos investigadores: a falta de um tempo ex-clusivo apenas para escrever sobre o que seestuda.

As preconizadas “fichas de leitura”, objetocorriqueiro de recomendação de pratica-mente todas as obras de metodologia, defato, não se adapta à realidade da maioria

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dos investigadores. Parecem, em razão disso,indicações para um mundo utópico.

Da mesma forma, há verdadeiro descom-passo entre a indicação de que os investi-gadores escrevam primeiramente um ras-cunho, para em momento posterior redigir otexto definitivo, como uma segunda obra, deum segundo momento.

Diante dessa realidade, há que se apontar,nesse bloco, apenas algumas recomendaçõesque visam a evitar os vícios da supressão domodelo ideal de investigação e de ap-resentação dos resultados.

8.1 Fio Condutor Do TextoEm primeiro lugar, há que se tomar cuidadopara que o texto produzido não seja reflexosomente das ideias consultadas em outrostextos, das ideias dos outros; para que otexto não se transforme em mero resumo.

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Qualquer investigação bem conduzida(identificável pela árdua reflexão sobre ostemas) atinge descobertas pessoais sobre oobjeto de estudo. São essas descobertas quedevem ser apresentadas no texto.

De outra forma, o texto deve apresentar asperguntas a que se propôs responder e as re-spostas que conseguiu construir. Opensamento alheio, encontrado nas diversasobras que consultamos, é mero instrumentopara sustentar ou desenvolver a resposta quequeremos apresentar. O fio condutor dotexto é o argumento de pesquisa, é adescoberta a ser revelada e não simples-mente o dito pelos demais sobre o tema deinvestigação.

8.2 Natureza DialógicaPor outro lado, não se trata de fazer com queo leitor do texto engula nossas constataçõesou concepções. É preciso fazer com que o

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leitor percorra o mesmo caminho de reflexãoque o investigador empreendeu.

Espera-se que se apresentem ideias novase importantes sobre determinado problema.Mas anseia-se, de maneira especial, que oapresentado seja acompanhado da contextu-alização (discussão travada pelos diversos in-vestigadores sobre o problema), da identi-ficação das falhas ou lacunas ainda nãosupridas pelos estudiosos do tema, bemcomo das explicações ou razões que justi-ficam o posicionamento adotado pelopesquisador e autor do texto.

Em determinadas pesquisas, naquelas queo resultado a ser apresentado desmitifica acultura vigente, naturalmente incapaz deenxergar outras realidades, há que se re-forçar os argumentos fundantes da nova ót-ica, bem como deter-se mais longamente nocaminho, no iterintelectual.

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Ilustra com precisão esse embate provo-cado pelos paradigmas o conto “Como atirarvacas no precipício”:

Um filósofo passeava por umafloresta com um discípulo, convers-ando sobre a importância dos en-contros inesperados. De acordocom o mestre, tudo que está diantede nós nos oferece uma chance deaprender ou de ensinar.

Quando cruzam a porteira de umsítio que, embora muito bem local-izado, tinha uma aparência miser-ável, o discípulo comentou:

– O senhor tem razão. Veja este lugar…Acabo de aprender que muita gente estáno paraíso, mas não se dá conta disso econtinua a viver em condiçõesmiseráveis.

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– Eu disse aprender e ensinar – retru-cou o mestre. – Contatar o que acontecenão basta; é preciso verificar as causas,pois só entendemos o mundo quandoentendemos as causas.

Baterem à porta da casa e foramrecebidos pelos moradores: umcasal, três filhos, todos com asroupas sujas e rasgadas.

– O senhor está no meio desta floresta,não há nenhum comércio nas redon-dezas – observou o mestre ao pai defamília. – Como sobrevivem aqui?

E o homem calmamenterespondeu:

– Meu amigo, nós temos uma vaquinhaque nos dá vários litros de leite todos osdias. Parte desse produto nós vendemosou trocamos, na cidade vizinha, por

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outros gêneros de alimentos. Com aoutra parte, produzimos queijo, coal-hada e manteiga para o nosso consumo.E assim vamos sobrevivendo.

O filósofo agradeceu a informação,contemplou o lugar por um mo-mento e foi embora. No meio docaminho, disse ao discípulo:

– Pegue a vaquinha daquele homem,leve-a ao precipício ali adiante e jogue-alá embaixo.– Mas ela é a única forma de sustento dafamília! – espantou-se o discípulo.

O filósofo permaneceu calado. Semalternativa, o rapaz fez o que lhepedira o mestre, e a vaca morreuna queda. A cena ficou gravada emsua memória.

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Muitos anos depois, já umempresário bem-sucedido, o ex-dis-cípulo resolveu voltar ao mesmolugar, contar tudo à família, pedirperdão e ajudá-losfinanceiramente.

Ao lá chegar, para sua surpresa,encontrou o local transformadonum belíssimo sítio, com árvoresfloridas, carro na garagem e algu-mas crianças brincando no jardim.Ficou desesperado, imaginandoque a humilde família tivesse pre-cisado vender o sítio para sobre-viver. Apertou o passo e foi rece-bido por um caseiro muitosimpático.

– Para onde foi a família que vivia aquihá dez anos? – perguntou.– Continuam donos do sítio – foi aresposta.

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Espantado, ele entrou correndo nacasa, e o senhor logo o reconheceu.Perguntou como estava o filósofo,mas o rapaz nem respondeu, poisse achava por demais ansioso parasaber como o homem conseguiramelhorar tanto o sítio e ficar tãobem de vida.

– Bem, nós tínhamos uma vaca, mas elacaiu no precipício e morreu– disse o senhor. – Então, parasustentar a minha família, tive queplantar ervas e legumes. Como asplantas demoravam a crescer, comecei acortar madeira para vender. Ao fazerisso, tive que replantar as árvores e pre-cisei comprar mudas. Ao comprar mu-das, lembreime da roupa de meus filhose pensei que talvez pudesse cultivar al-godão. Passei um ano difícil, masquando a colheita chegou eu já estavaexportando legumes, algodão e ervas

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aromáticas. Nunca havia me dado contade todo o meu potencial aqui: ainda bem

que aquela vaquinha morreu!1

8.3 NecessárioEncantamentoHá que se ter diante dos olhos um fato in-conteste: qualquer texto, acadêmico ou não,é valorizado quando gera encantamento, en-volvimento do leitor. Não basta apresentarideias de forma precisa, fundadas e dialoga-das com as demais autoridades. É precisoencantar.

Nesse sentido, Henry Fielding (romancistainglês, 1707-1754) dá-nos uma receita, nocapítulo primeiro de sua clássica obra AHistória de Tom Jones:

Um autor deve considerar-se nãocomo um cavaleiro que oferece umbanquete particular ou de

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caridade, senão como quem dirigeuma casa pública de refeições, naqual são bem-vindas todas as pess-oas em troca de seu dinheiro. Noprimeiro caso, é sabido que o an-fitrião proporciona as iguarias quebem entende; as quais, embora in-diferentes ou absolutamente de-sagradáveis ao paladar dos con-vivas, não podem ser criticadas;antes, pelo contrário, a boaeducação obriga-os, exteriormente,a aprovar e elogiar o que quer quelhes seja colocado à frente. Ora, ocontrário sucede ao dono de umacasa de refeições. Os homens quepagam o que comem insistirão emsatisfazer o seu paladar, por maisdelicado e fantástico que seja; e, sealguma coisa lhes for de-sagradável, reivindicarão o direito

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de censurar, insultar e livrementemaldizer o seu almoço.

Por conseguinte, para evitar que seofendam os frequentadores com al-guma decepção dessa ordem, cos-tumam os hospedeiros honestos ebem-intencionados apresentaruma lista de pratos que pode serexaminada por todas as pessoas aoentrarem na casa; e, assim sendo,informados dos acepipes que lhes édado esperar, podem ficar eregalar-se com o que lhes propor-cionam, ou sair à procura de outracasa de refeições mais adequadaaos seus gostos.

Como não nos dignamos e tomaremprestado o espírito ou asabedoria de quem quer que nospossa conduzir a uma outra coisa,condescendemos em aceitar um

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sugestão desses honestos provi-sioneiros e oferecemos antecipada-mente não só uma lista geral dospratos de todo o nosso banquete,mas daremos também ao leitor lis-tas especiais para cada serviço quefor apresentado neste e nosvolumes seguintes.

As provisões, portanto, que aquifazemos outra coisa não são senãoa Natureza Humana. Nem receioque o leitor sensato, por mais lux-uriosos que sejam os seus gostos, seassuste, me critique ou se escandal-ize por haver eu citado um artigosó. Como saber por experiênciaprópria o magistrado de Bristol,conhecer da arte de comer bem,pode-se obter da tartaruga, alémdos deliciosos calipahe calipee,muitas espécies diferentes de com-ida; nem pode ignorar o leitor que

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na Natureza Humana, embora re-unida aqui num só nome genérico,existe tão prodigiosa variedade queserá mais fácil a um cozinheiro darcabo de todas as diversas espéciesde alimentos animais e vegetais doque a um escritor esgotar tão in-tenso assunto. Objetarão, acaso, osmais delicados que esse prato é de-masiado comum e vulgar; poisqual é, se não esse, o assunto de to-dos os romances, novelas, peças epoemas de que abundam as lojas?Muitas viandas deliciosas seriamrejeitadas pelo epicurista se lhebastasse a desprezá-las como vul-gares e comuns o existir algumacoisa com o mesmo nome nos maissórdidos becos. Em realidade, averdadeira natureza é tão difícil deser encontrada nos autores como,

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nos mercados, o presunto deBaiona ou a salsicha de Bolonha.

Mas o conjunto, para prosseguir-mos a metáfora, consiste naculinária do autor; pois, como nospropõe o Sr. Pope,

O verdadeiro espírito adornavantajosamente a natureza;

O que foi muitas vezes pensado,mas nunca tão bem expresso.

O mesmo animal que se honra deter parte da sua carne comida àmesa de um duque pode degradar-se talvez em outra parte, tendo al-guns de seus membros pendurados,por assim dizer, no talho mais vilda cidade. Onde reside, pois, adiferença entre a comida de umnobre e a de um porteiro, se hão de

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ambos almoçar o mesmo boi ou amesma vitela, senão no temperar,no guisar, no enfeitar e no ap-resentar? Daí o provocar e excitarum o mais lânguido apetite, aopasso que o outro transverte e en-fraquece o apetite mais aguçado emais ardente.

Semelhantemente, a excelência deum banquete mental consistemenos no assunto do que na perí-cia do autor em bem guisá-lo.Quão satisfeito, portanto, nãoficará o leitor ao verificar que,nesta obra, seguimos à risca umdos mais elevados princípios domelhor cozinheiro que já produziua época atual, ou talvez a de He-liogábalo. Esse grande homem,como o sabem perfeitamente todosos amantes dos finos acepipes,começa apresentando coisas

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simples diante dos convivas famin-tos e, logo, eleva-se, à proporçãoque lhes supões os estômagos de-clinantes, à verdadeira quinta-es-sência dos molhos e das especiari-as. Semelhantemente, ap-resentamos a Natureza Humana, aprincípio, ao agudo apetite denosso leitor, sob o aspecto chão esimples em que ela se encontra naprovíncia, para picá-la e temperá-la depois com todos os altos condi-mentos franceses e italianos daafetação e do vício que propor-cionam as cortes e as cidades.Dessa maneira, não duvidamos deque o nosso leitor se torne desejosode ler indefinidamente, da mesmaforma como se julga que o grandehomem, a que nos acabamos denos referir, haja feito algumaspessoas comerem.

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Dito isso, à guisa de premissa, nãomais apartaremos os que apreciama nossa lista de pratos das iguariasque os esperam e entraremos semdemora a apresentar o primeiroserviço da nossa história para o

seu deleite.2

8.4 A Quem Se DirigeUm trabalho de pesquisa é escrito, emprimeiro lugar, aos pares, a outros investi-gadores ou pensadores. Mas, presume-se quepossa ser lido e consultado por qualquer in-teressado no tema. Escrever é um ato social.

Em consequência, é preciso tomar oseguinte cuidado: definir o significado dostermos utilizados. Somente diante de termosconsagrados e indiscutíveis afasta-se tal ne-cessidade. Ao contrário, ao empregar ex-pressões que apresentam conteúdo mesmoque ligeiramente diferenciado nos autores

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que consultamos, é preciso apurar o dis-curso, sob pena do mesmo não ser com-preendido como se imagina.

O mesmo se diga quando citamos determ-inado pensador chave para nosso percursodialógico. Há que contextualizar quem é opensador. Eventual banca avaliativaprovavelmente conhecerá o autor referido,mas como o trabalho dirigese a todos ospúblicos, há que se indicar quem é quem.

Sabedores de a quem se dirige o texto de-corrente de um trabalho de pesquisa, é pre-ciso pensar em “como” se escreve. Nesseponto, não há receitas prontas…

Umberto Eco3nos apresenta, no entanto,algumas dicas:

• Não use períodos longos e entrecorta-dos (com excessivas observaçõesparalelas).• Evite radicalmente a linguagem poét-ica, a ciência tem de ser precisa.

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• Elimine as divagações, a finalidade dotrabalho escrito é provar algo e nãomostrar erudição.• Verifique se qualquer pessoa (depreferência alguém de outra área) en-tende o que escreveu.• Use com parcimônia reticências, pon-tos de exclamação, ironias e metáforas,podem prejudicar a cientificidade, poisnão se apresenta justificativa desse tipode argumento.• Não aportuguese os nomes próprios(terrível ver citado Tomás Morus, ao in-vés do original Th omas Moore; ima-ginem referências de brasileiros assimconstruídas: Giuseppe de Alencar, JohnGuimarães Rose).

8.5 Citações, Paráfrases,Notas De Rodapé

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É difícil dizer qual a quantidade ideal decitações que devem integrar o texto definit-ivo. A natureza do trabalho e a finalidade decada citação apresentarão, no entanto, bal-izas concretas.

É certo que um trabalho sobre opensamento de determinado autor apresent-ará muitas citações do mesmo, para que pos-samos as analisar.

Da mesma forma, a presença de trechosoriginais de pensadores relevantes paranosso trabalho será mais encontrada do quede outros.

De qualquer forma, a citação não é o cam-inho mais cômodo: para o autor do texto nãoter que pensar como escrever sobre determ-inado assunto. Ao contrário, toda e qualquercitação apresentada deve ser interpretadapelo pesquisador, até mesmo aquelascitações que se apresentem para reforçarnossa interpretação.

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Nesse ponto, Umberto Eco4vem nova-mente em nosso socorro, apresentando algu-mas regras de ouro que ora adaptamos:

(a) Ou a citação diz algo de novo ou con-firma o que fora dito com precisão oucom autoridade.(b) É preciso que se apresente com ab-soluta precisão a fonte original do textotranscrito (autor, obra, editora, ano,página), dando-se preferência à ediçãode maior qualidade, agregando, setradução, o texto na língua original emrodapé.(c) As citações devem ser fiéis:• se suprimido algum trecho, indique-secom o seguinte símbolo “(…)”;• se intercalado algum comentáriopessoal, indique-se graficamente assim“[comentário]”;• se destacado algum trecho ou palavranão destacado no original, ao final da

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citação é preciso indicar “(semdestaques no original)”;• se há algum erro no trecho citado, nãose pode corrigir o erro, mas deve-seapontá-lo com o seguinte “[sic]”.

Em grande parte do trabalho, utilizar-se-ão mais paráfrases do que citações. Ou seja,explicitaremos com as nossas palavras asideias que outros autores apresentaram.Nesse momento, também é preciso cuidado.É necessário diferenciar a nossa com-preensão sobre qualquer tópico (para nãocolocar na boca alheia as nossas ideias) e aideia reproduzida de outrem.

Quando claramente traduzimos ideias al-heias, há que se indicar a fonte de taispensamentos, da mesma forma que damos aorigem dos trechos transcritos.

Em termos técnicos e práticos, se adotar-mos o sistema de notação em rodapé,apresenta-se, nesse momento, o símbolo“Cf.” (conforme). Quando há “Cf.”, estamos

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diante de paráfrases ou comentários pessoaissobre ideias apresentadas por outrem;quando se suprime o “Cf.”, estamos diante decitações.

As notas de rodapé, como apontado,servem para indicar a fonte das citações oudas paráfrases, para apresentar as referên-cias. Salvo se adotado o método de notaçãoconhecido como autor-data, em que nopróprio corpo do texto indica-se, entreparênteses, o autor, a data da obra e as pági-nas, exemplo “(ECO, 1999,)”p. 121p. 122p.123p. 124–127.

As notas de rodapé, no entanto (emqualquer sistema de notação), podemcumprir outras funções:

• Acrescentar outras referências paraaprofundar o estudo de um ponto con-creto; podem fazer remissões internas,indicando outras partes do próprio tra-balho que devem ser consultadas.

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• Ampliar as ideias apresentadas nocorpo do texto, mas que se inseridas nomesmo atrapalhariam o roteiro lógico.• Indicar com precisão o significado comque determinado termo está sendoutilizado.• Anexar trechos na língua original.

Para findar a inacabada reflexão que oraparadoxalmente encerramos, gostaria decompartilhar com todos algumas in-quietações que somente um poeta podedescrever. A arte vai realmente mais além doque a nossa vã ciência ou racionalidade tentaalcançar.

TABACARIA, de Fernando PessoaNão sou nada.Nunca serei nada.Não posso querer ser nada.À parte isso, tenho em mim todos os son-

hos do mundo.Janelas do meu quarto,

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Do meu quarto de um dos milhões domundo que ninguém sabe quem é

(E se soubessem quem é, o quesaberiam?),

Dais para o mistério de uma rua cruzadaconstantemente por gente,

Para uma rua inacessível a todos ospensamentos,

Real, impossivelmente real, certa, descon-hecidamente certa,

Com o mistério das coisas por baixo daspedras e dos seres,

Com a morte a pôr umidade nas paredes ecabelos brancos nos homens,

Com o Destino a conduzir a carroça detudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse averdade.

Estou hoje lúcido, como se estivesse paramorrer,

E não tivesse mais irmandade com ascoisas

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Senão uma despedida, tornando-se estacasa e este lado da rua

A fileira de carruagens de um comboio, euma partida apitada

De dentro da minha cabeça,E uma sacudidela dos meus nervos e um

ranger de ossos na ida.Estou hoje perplexo, como quem pensou e

achou e esqueceu.Estou hoje dividido entre a lealdade que

devoÀ Tabacaria do outro lado da rua, como

coisa real por fora,E à sensação de que tudo é sonho, como

coisa real por dentro.Falhei em tudo.Como não fiz propósito nenhum, talvez

tudo fosse nada.A aprendizagem que me deram,Desci dela pela janela das traseiras da

casa.Fui até ao campo com grandes propósitos.

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Mas lá encontrei só ervas e árvores,E quando havia gente era igual à outra.Saio da janela, sento-me numa cadeira.

Em que hei de pensar?Que sei eu do que serei, eu que não sei o

que sou?Ser o que penso? Mas penso ser tanta

coisa!E há tantos que pensam ser a mesma coisa

que não pode haver tantos!Gênio? Neste momentoCem mil cérebros se concebem em sonho

gênios como eu,E a história não marcará, quem sabe?,

nem um,Nem haverá senão estrume de tantas con-

quistas futuras.Não, não creio em mim.Em todos os manicômios há doidos maluc-

os com tantas certezas!Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou

mais certo ou menos certo?

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Não, nem em mim…Em quantas mansardas e não mansardas

do mundo.Não estão nesta hora gênios-para-si-mes-

mos sonhando?Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas

–Sim, verdadeiramente altas e nobres e

lúcidas –,E quem sabe se realizáveis,Nunca verão a luz do sol real nem acharão

ouvidos de gente?O mundo é para quem nasce para o

conquistarE não para quem sonha que pode

conquistá-lo, ainda que tenha razão.Tenho sonhado mais que o que Napoleão

fez.Tenho apertado ao peito hipotético mais

humanidades do que Cristo,Tenho feito filosofias em segredo que nen-

hum Kant escreveu.

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Mas sou, e talvez serei sempre, o damansarda,

Ainda que não more nela;Serei sempre o que não nasceu para isso;Serei sempre só o que tinha qualidades;Serei sempre o que esperou que lhe abris-

sem a porta ao pé de uma parede sem porta,E cantou a cantiga do Infinito numa

capoeira,E ouviu a voz de Deus num poço tapado.Crer em mim? Não, nem em nada.Derrame-me a Natureza sobre a cabeça

ardenteO seu sol, a sua chuva, o vento que me

acha o cabelo,E o resto que venha se vier, ou tiver que

vir, ou não venha.Escravos cardíacos das estrelas,Conquistamos todo o mundo antes de nos

levantar da cama;Mas acordamos e ele é opaco,Levantamo-nos e ele é alheio,

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Saímos de casa e ele é a terra inteira,Mais o sistema solar e a Via Láctea e o

Indefinido.(Come chocolates, pequena:Come chocolates!Olha que não há mais metafísica no

mundo senão chocolates.Olha que as religiões todas não ensinam

mais que a confeitaria.Come, pequena suja, come!Pudesse eu comer chocolates com a

mesma verdade com que comes!Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata,

que é de folha de estanho,Deito tudo para o chão, como tenho deit-

ado a vida.)Mas ao menos fica da amargura do que

nunca sereiA caligrafia rápida destes versos,Pórtico partido para o Impossível.Mas ao menos consagro a mim mesmo um

desprezo sem lágrimas,

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Nobre ao menos no gesto largo com queatiro

A roupa suja que sou, sem rol, pra o de-curso das coisas,

E fico em casa sem camisa.(Tu, que consolas, que não existes e por

isso consolas,Ou deusa grega, concebida como estátua

que fosse viva,Ou patrícia romana, impossivelmente

nobre e nefasta,Ou princesa de trovadores, gentilíssima e

colorida,Ou marquesa do século dezoito, decotada e

longínqua,Ou cocote célebre do tempo dos nossos

pais,Ou não sei quê moderno – não concebo

bem o quê –,Tudo isso, seja o que for, que sejas, se

pode inspirar que inspire!Meu coração é um balde despejado.

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Como os que invocam espíritos invocamespíritos invoco

A mim mesmo e não encontro nada.Chego à janela e vejo a rua com uma

nitidez absoluta.Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os car-

ros que passam,Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,Vejo os cães que também existem,E tudo isto me pesa como uma condenação

ao degredo,E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)Vivi, estudei, amei, e até cri,E hoje não há mendigo que eu não inveje

só por não ser eu.Olho a cada um os andrajos e as chagas e a

mentira,E penso: talvez nunca vivesses nem estu-

dasses nem amasses nem cresses(Porque é possível fazer a realidade de

tudo isso sem fazer nada disso);

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Talvez tenhas existido apenas, como umlagarto a quem cortam o rabo

E que é rabo para aquém do lagartoremexidamente.

Fiz de mim o que não soube,E o que podia fazer de mim não o fiz.O dominó que vesti era errado.Conheceram-me logo por quem não era e

não desmenti, e perdi-me.Quando quis tirar a máscara,Estava pegada à cara.Quando a tirei e me vi ao espelho,Já tinha envelhecido.Estava bêbado, já não sabia vestir o dom-

inó que não tinha tirado.Deitei fora a máscara e dormi no vestiárioComo um cão tolerado pela gerênciaPor ser inofensivoE vou escrever esta história para provar

que sou sublime.Essência musical dos meus versos inúteis,

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Quem me dera encontrar-te como coisaque eu fizesse

E não ficasse sempre defronte da Taba-caria de defronte,

Calcando aos pés a consciência de estarexistindo,

Como um tapete em que um bêbadotropeça

Ou um capacho que os ciganos roubaram enão valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta eficou à porta.

Olho-o com o desconforto da cabeça malvoltada

E com o desconforto da alma mal-entendendo.

Ele morrerá e eu morrerei.Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.A certa altura morrerá a tabuleta também,

e os versos também.Depois de certa altura morrerá a rua onde

esteve a tabuleta,

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E a língua em que foram escritos os versos.Morrerá depois o planeta girante em que

tudo isto se deu.Em outros satélites de outros sistemas

qualquer coisa como genteContinuará fazendo coisas como versos e

vivendo por baixo de coisas como tabuletas,Sempre uma coisa defronte da outra,Sempre uma coisa tão inútil como a outra,Sempre o impossível tão estúpido como o

real,Sempre o mistério do fundo tão certo

como o sono de mistério da superfície,Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem

uma coisa nem outra.Mas um homem entrou na Tabacaria (para

comprar tabaco?)E a realidade plausível cai de repente em

cima de mim.Semiergo-me enérgico, convencido,

humano,

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E vou tencionar escrever estes versos emque digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los

E saboreio no cigarro a libertação de todosos pensamentos.

Sigo o fumo como uma rota própria,E gozo, num momento sensitivo e

competente,A libertação de todas as especulaçõesE a consciência de que a metafísica é uma

consequência de estar mal disposto.Depois deito-me para trás na cadeiraE continuo fumando.Enquanto o Destino mo conceder, con-

tinuarei fumando.(Se eu casasse com a filha da minha

lavadeiraTalvez fosse feliz.)Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou á

janela.

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O homem saiu da Tabacaria (metendotroco na algibeira das calças?).

Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)Como por um instinto divino o Esteves

voltou-se e viu-me.Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó

Esteves!, e o universoReconstruiu-se-me sem ideal nem esper-

ança, e o dono da tabacaria sorriu.

1Alzira Castilho (org.). Como atirar vacas no precipício.

Parábolas para ler, pensar, refletir, motivar e emocionar,

p. 17-19.

2Aut. Cit. Tom Jones, p. 17-19.

3Cf. Aut. Cit. Como se faz uma tese, p. 113-121.

4Cf. Aut. Cit. Como se faz uma tese, p. 121-127.

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CAPÍTULO 1

Identificando ideiascom liberdade

1.1 Propósitos do Estudo daTeoria da ArgumentaçãoO conhecimento das técnicas de argu-mentação serve a três propósitos: desvelar osfundamentos ou as imperfeições das própri-as ideias; analisar com perspicácia as tesesalheias; persuadir aos demais de nossasconvicções.

Embora constitua o instrumental por ex-celência para impor (convencer e persuadirsão alguns de seus objetivos) as próprias

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convicções, a própria visão do mundo, essemesmo instrumental é o mais poderosoutensílio para se aceitar ou se recusar demaneira fundamentada qualquer tese queseja apresentada.

Nesse sentido, a compreensão e o domínioda argumentação constituem as únicas tril-has seguras para se construir a verdadeiraliberdade, o direito fundamental à liberdadede pensamento.

Não há verdadeira liberdade se não es-tamos preparados para enxergar as teses im-plícitas, se não estamos habilitados a identi-ficar os argumentos favoráveis e contrários adeterminado posicionamento e a verificarquais destes estão justificados ou não foramadequadamente refutados.

Ao contrário, diante da incapacidade de seenxergar os argumentos que realmentesuportam uma tese, ficamos sujeitos à ma-nipulação velada (a inimiga atual da liber-dade e da democracia).

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1.1.1 Domínios Da ArgumentaçãoA argumentação não é uma demonstraçãomatemática sob a qual o raciocínio fica presoa um encadeamento de ideias necessaria-mente conducentes a um resultado preciso,exato e único. Talvez seja essa a falsa argu-mentação, a que visa simplesmente à adesãomanipulante.

Para argumentar ou utilizar as técnicas daargumentação, é preciso reaprender a pensar(nossas ideias, nossas convicções, são apenasnossas – ou, no máximo, de avalizadospensadores –, não são, necessariamente, averdade). Em consequência, é precisoreaprender a apresentar as ideias, com téc-nicas de expressão rigorosas (claramente de-limitadas), a classificar e revelar os argu-mentos que suportam nossas ideias, a identi-ficar e refutar os argumentos que poderiamrefutar nosso posicionamento.

Dessa forma, a verdadeira argumentaçãonão visa à persuasão “burra”, mas visa à

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persuasão. Visa à persuasão “justa”,“inteligente”. Dirige-se ao convencimento, aque o receptor da mensagem fique honesta-mente convencido (porque também percor-reu o caminho intelectual) e não cegamentepersuadido (pela mera adesão ao discursoconvincente).

1.1.2 Realismo Da ComunicaçãoAlgumas armadilhas, no entanto, podem serapresentadas para a Argumentação.

É comum que em determinados contextosa liberdade para pensar e fundamentar aspróprias convicções seja reduzida ou mesmoaniquilada. Assim se dá, por exemplo,quando os interlocutores possuem algumadiferença hierárquica (o superior hierárquicoem geral dá ordens, somente o inferior queapresenta sugestões...) ou social (os maisabastados apresentam-se “culturalmente”como mais sábios e suas afirmações tornam-se verdade simplesmente porque partiram

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deles; aos menos abastados presume-se a in-capacidade intelectual...).

Por outro lado, de maneira mais sutil, énatural que determinadas análises sejam ad-equadas apenas e tão somente a determ-inado contexto cultural ou a determinada ex-periência social. Nada obstante, se não est-ivermos com o olhar desperto para a re-latividade do contexto, pode-se falsamentepresumir a universalidade das afirmações.

É muito comum que o discurso seja con-struído para determinado auditório, consid-erando as preocupações e as convicções dosreceptores (pois essa é uma técnica argu-mentativa também). Nesse contexto, o fun-damento do discurso raramente é explicit-ado, as discordâncias não são cogitadas... Aadesão, no entanto, costuma ser maciça.

Conhecendo a personalidade dos ouvintesé fácil escolher argumentos certeiros. Sobesse manto, no entanto, pode ser maquiada averdadeira argumentação.

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De outra forma, há discursos que abusamde termos desconhecidos ou de uma estru-tura linguística rebuscada. Diante dessas ar-timanhas, muitos são os olhares que se tor-nam claudicantes. É fácil desistir decompreender...

Nessa seara, a do discurso hermético, é fá-cil perceber que as técnicas de argumentaçãosão as únicas que podem desvelar a presençaou a ausência de fundamentos...

A ideologia, o sistema de crenças e devalores dominante, as razões que levariamalguém a se interessar por algo, os eventuaispressupostos e resistências em relação ao as-sunto ou à personalidade do emissor, a capa-cidade intelectual dos receptores são elemen-tos que devem ser considerados pela teoriada argumentação. Devem ser utilizados, noentanto, para aperfeiçoar e matizar o dis-curso. Se utilizados para a mera persuasão,são inimigos da argumentação.

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1.1.3 Limites Da ArgumentaçãoAssim como a argumentação enfrenta ob-stáculos relativos ao desvio de sua finalidadee relativos à cultura não libertária, é precisoapontar que a argumentação honesta tam-bém enfrenta obstáculos ou limites.

É natural e inarredável de seus domínios,por exemplo, dois efeitos que não podem sercontrolados: o “efeito halo” e o “efeito filtro”.

Quando se utiliza no discurso determina-dos termos (caros ou abominados pelo emis-sor), mesmo que se utilizem os mesmos comtoda a delimitação técnica, é impossívelafastar o efeito halo: que dispara no recept-or as mais diversas ressonâncias(conotações, lembranças, sugestões). Nemtodas as conotações presentes na mente doemissor são compreendidas e apreendidasdo mesmo modo pela mente dos receptores...

Da mesma forma, o receptor de um dis-curso seleciona as informações que reterá e,embora essa seleção possa ser influenciada

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pelo emissor, não pode ser conduzida abso-lutamente. A aceitação e a memorização, arejeição ou a mera desconsideração de al-guma ideia apresentada é decorrente do pas-sado do receptor (da cultura que o molda, davisão de mundo que possui). Não há como oemissor impedir as referências ou moldar osinteresses do receptor. O efeito filtro pode,no máximo, ser minorado (mas não pode sercontrolado) se o receptor o tem em mente eadapta-se às preocupações dos receptores.

1.1.4 Instrumentos DaArgumentaçãoToda e qualquer argumentação sempre es-tará sujeita às pré-compreensões conscientese inconscientes do auditório (na vida prática,muitas de nossas convicções advêm de umaúnica experiência ou apenas do fato de estar-mos sujeitos a contínuas repetições ou regu-laridades de certas situações – as obser-vações cotidianas forjam mais nossas

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concepções de que as reflexões). Por maisque a argumentação seja bem construída doponto de vista racional, se não enfrenta aspré-compreensões pode estar fadada aofracasso.

São diversos os instrumentos que revelamou escamoteiam os argumentos. O estudopermitirá distinguir, por exemplo: afirm-ações, constatações, afirmações lógicas oupseudológicas, imagens, ironias, uma ori-entação argumentativa, a modalização dosargumentos (ênfases, firmezas eeventualidades).

Da mesma forma, é possível identificar ar-gumentos em quaisquer espécies literárias:nas narrativas, nas poesias, nos diálogos, nosmonólogos, nas dissertações...

Instrumento singular e necessário para aargumentação é o descentramento, o distan-ciamento em relação às opiniões próprias (seo objeto de estudo é a própria produção) e àsalheias (quando o objeto de estudo é de

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outro autor). Para tanto, é necessário fugirda armadilha das primeiras ideias, aprendera analisá-las de forma neutra (desapaixon-ada) e a criticá-las, compreender seus lim-ites, adquirir a liberdade de recusá-las pro-visoriamente, de refutá-las concreta e ab-stratamente. Enfim, é o descentramento quepermite a abertura mental, a lucidez que aargumentação visa construir.

Também são instrumentos auxiliares daargumentação as técnicas de estilo. Podemreforçar a persuasão das teses e escamotearos fundamentos ou, por outro lado, desvelara potencialidade dos argumentos apresenta-dos. São eles: a utilização de palavras deefeito (tirania, miséria...), a repetição (jáque... já que...), o recurso a valores morais(fazer justiça, cumprir a palavra...), recursoaos sentimentos (fome, como se fossemosbandidos...), o uso de dados como se fosseminquestionáveis (comprovado estatistica-mente que...), perguntas retóricas (querse

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jogar por terra a Constituição?), falsos diálo-gos (não é retrato de um diálogo verdadeiro,apenas imaginado – esse recurso dá maisveracidade ao afirmado, pois simula arealidade).

1.2 Identificando E Organ-izando Provisoriamente asIdeiasOs primeiros passos de um treinamento nastécnicas da argumentação e da redação con-sistem em aprender a identificar as pró-prias ideias e as ideias alheias sobre de-terminado assunto com total liberdade.

Para tanto, diversas são as técnicas possí-veis, indicaremos algumas.

1.2.1 Reformulação ObjetivaUma primeira técnica consiste em reformu-lar ou reproduzir o sentido de uma ideia

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apresentada não usando (ao máximo) os ter-mos de seu autor. Não há melhor modo de sesaber se uma ideia foi compreendida. Assimcomo não há melhor maneira de se identifi-car quais os argumentos centrais e decisivos.

Trata-se, no entanto, de uma técnica queexige o esforço da objetividade. É precisoisolar-se dos sentimentos favoráveis ou des-favoráveis com relação à tese apresentada. Énecessário que a reformulação da ideia sejauma reprodução diferente da ideia e nãouma nova ideia sobre o tema.

1.2.2 Distinção Entre Fatos, Idei-as, Opiniões E CrençasOutra forma de desvelar o que se está aestudar é verificar, identificar e separar osFatos, das Ideias, das Opiniões e dasCrenças.

Fatos são elementos concretos pertencen-tes à esfera da realidade, são acontecimentosprecisos concretos isolados ou habituais.

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Podem ser invocados para justificar umaideia, mas não se confundem com ela.

Duas leis sobre os fatos podem ser muitoúteis:

a. Um fato não basta para justificar umaideia ou um conceito, somente a reuniãode todos os fatos poderia justificar talinferência (conclusão lógica).b. Um único fato, no entanto, pode sersuficiente para desmentir um conceitoou, pelo menos, para excepcioná-lo.

Ideias são noções abstratas (independ-entes da realização concreta, fenomênica), dealcance geral.

As opiniões, embora abstratas,condicionam-se à subjetividade (dependemda apreciação do sujeito emitente).

As crenças, embora próximas dasopiniões, distinguem-se destas por caírem naesfera do indemonstrável, do absolutamentepressuposto.

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Quando um discurso apresenta uma ideiacomo uma crença, dispensa a demonstração.Mas essa artimanha é falsa, não resiste à ar-gumentação. Uma crença e uma opinião po-dem ser pressupostos, mas não são ideias,não gozam do alcance geral.

1.2.3 Os 5 Quês E As 4 CausasForma prática de identificar ou formularideias sobre um tema qualquer é utilizar-sedo instrumental dos 5 Quês ou das 4 Causas.

Todos os entes, ou realidades, ou assuntospodem ser estudados seguindo as seguintesperguntas:

1. O quê? (qual é exatamente oproblema?).2. Quem? (quem está implicado nesseproblema?).3. Quando? (quando o problema semanifesta especialmente? Quando oudesde quando apareceu?).

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4. Em que lugar? (onde podem ser veri-ficadas as manifestações desseproblema?).5. Por quê? (quais as origens doproblema?).

Da mesma forma:1. Qual a Causa Material? (elemento es-truturante do ser, matéria de que sãoconstituídos os seres).2. Qual a Causa Formal? (que lhe dá de-terminada configuração, aquilo que fazcada coisa ser o que é).3. Qual a Causa Eficiente? (causa mo-tora, agente, que torna a potência ato).4. Qual a Causa Final? (fim ou o escopoao qual tende).

Se essas perguntas são feitas com a menteaberta e independente de nossas pré-com-preensões, elas podem nos ajudar a desvelaruma série de aspectos não pensados ou aidentificar de que exatamente está a se falarem determinado discurso.

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1.2.4 Busca De Uma Ordem InicialAntes de conceber um plano argumentativo,é preciso que tenhamos clareado nossas idei-as, que tenhamos aprendido a buscar ideias,a identificar as ideias segundo suas espécies,a classificá-las e a manuseá-las com maisliberdade (nesse momento, é preciso quetenhamos completa independência doresultado que sempre é antecipadamentealmejado).

Não interessa, agora, organizar as ideiassegundo o nosso propósito persuasivo. In-teressa apenas separá-las segundo as cat-egorias ou utilidades do que se apresenta (deacordo com a estrutura lógica, mas desartic-ulada do resultado):

• Noções que estruturam o raciocínio,ideias, opiniões ou crenças;• fatos que ilustram, ou provam, ouapenas exemplificam;• ideias relativas a fatos concretos e idei-as abstratas;

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• ideias e fatos que se relacionam comuma situação individual ou relativas auma situação social.

1.2.5 Formulação Livre DoProblemaÉ certo que toda a argumentação objetiva ap-resenta a solução para um problema. Nessaetapa inicial, é preciso desligar-se da soluçãoou pelo menos de uma única solução. É ne-cessário dirigir os olhares apenas para oproblema, para a identificação de todas as fa-cetas do problema, de todas as ideias pertin-entes ao problema (sem que o crivo da auto-crítica se apresente e selecione as ideias).

Exercícios Práticos(autoavaliativos)No presente texto identificou-se a necessidade de

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aprendermos a identificar aspróprias ideias e as ideias al-heias sobre determinado as-sunto sem despertar aautocensura.

Uma vez aprendido a formare a articular um quadro deideias com liberdade (a argu-mentação é uma técnica quenão se destina a verdades dog-máticas), poderemos iniciar astécnicas da argumentação.

Para tanto, propomos os

seguintes exercícios práticos.1

1o ExercícioEncontre duas conclusões difer-entes para cada frase abaixo, inver-tendo a ordem dos argumentos, se-gundo o modelo apresentado aseguir.

Exemplo:

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– Para obter uma promoção,propuseram-me fazer algunscursos, mas estou muito ligado ameu trabalho atual e a meuscolaboradores.– Para obter uma promoção,propuseram-me fazer algunscursos, mas estou muito ligado ameu trabalho atual e a meus col-aboradores, por isso não vou meinscrever nesse grupo– Estou muito ligado a meu tra-balho atual e a meus colaboradores,mas, para obter uma promoção,propuseram-me fazer algunscursos, por isso vou me inscre-ver nesse grupo.

Frases para exercitar:1) Estou fazendo regime, masestou com fome.

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2) O homem é um caniço, omais fraco da natureza, mas éum caniço pensante.3) Meu carro está quebrado,mas eu não tenho dinheiro.4) Saio de férias, de barco,amanhã, mas a meteorologiaestá anunciando umatempestade.5) Meu patrão quer me trans-ferir depressa para a Ale-manha, mas eu não faloalemão.

Observe que a ordem dos argu-mentos apresentados induz à con-clusão, especialmente em função daligação adversativa (mas). Por outrolado, note que os mesmos argu-mentos podem ser utilizados paraconclusões diversas.

2o Exercício

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Oriente e classifique as ideias lista-das abaixo, segundo a solução quequeira desenvolver para o problemaformulado. Assim, cada noçãopoderá pertencer, de acordo comsua vontade, à tese, à antítese, a umtrecho de refutação ou a uma con-cessão. Feito isso, redija, em UMALAUDA, um texto objetivo, de-sapaixonado (procure trabalhar

com os 4 tipos de argumentos2).PROBLEMA: Os árbitros devem

aceitar a ajuda dos vídeos?IDEIAS:

Eles permitiriam fixar com ex-atidão os erros cometidos.

Os comentadores de televisão searvoram em árbitros, em detri-mento daqueles.

O esporte deve continuar sendoespetáculo, não um caso deespecialistas.

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Poderiam ser numerosas as inter-rupções do jogo.

Seria o fim da ditadura de umhomem só.

Os vídeos criariam uma discrim-inação entre países ricos e pobres.

Não são confiáveis, por não havernúmero suficiente de câmeras.

O desenrolar de uma partidamuitas vezes é rápido demais parauma única pessoa.

Os vídeos constituem um pro-gresso inelutável.

Em esportes coletivos, não é pos-sível isolar uma ação do conjuntodo desenvolvimento de umapartida.

Os vídeos poriam em evidênciadetalhes não perceptíveis por umasó pessoa.

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Os árbitros estariam assim pro-tegidos das reações do público.

O árbitro sente e ouve osjogadores: usar o vídeo é renunciarao ponto de vista humano doesporte.

O vídeo poderia pelo menos serusado como meio de controleposteriormente.

As imagens dramatizam e deform-am, obrigatoriamente.

Uma boa instalação seria cara epesada demais.

Os jogadores sob vigilância se vi-giariam mais.

O papel do ser humano seria val-orizado pela técnica.

O homem seria dominado pelatécnica.

3o Exercício

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Feita a primeira redação, nova-mente, em UMA LAUDA, redijatexto (utilizando-se das mesmastécnicas) que defenda a tese con-trária da que defendeu no exercícioanterior.

1Estes exercícios foram extraídos e adaptados do

livro A Arte de Argumentar, de Barnard Meyer.

2Para esse exercício, utilizamos as expressões

tese/antítese/refutação/concessão no seguinte

sentido. Tese: argumento(s) central(is) e decis-

ivo(s) do que é defendido. Antítese: argu-

mento(s) cuja aceitação invalida a tese, em out-

ras palavras, que apresenta(m) tese contra-

ditória. Refutação: argumento(s) que é(são)

apresentado(s) para invalidar uma tese, mas

não chega(m) a constituir tese diversa. Con-

cessão: argumento(s) contrário(s), mas não

contraditório(s) à tese, que não invalida(m) a

mesma, mas que pode(m) constituir exceção ou

diminuir a abrangência da tese.

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CAPÍTULO 2

Organizando asideias

Cumprida a etapa da “livre identificação dasideias” (com toda a liberdade que anterior-mente apontamos – independentemente dospropósitos persuasivos, nossos ou do emis-sor do discurso), torna-se necessário dirigir-mos o olhar para a ORGANIZAÇÃO das mes-mas: de um lado, para a identificação doplano lógico de um discurso; de outro,para a elaboração de uma estrutura lógicaque permita a apresentação eficaz domesmo.

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2.1 OrientaçãoargumentativaEm primeiro plano, especialmente paraquem está voltado para a construção de umdiscurso, deve-se construir uma “orientaçãoargumentativa”. Ou seja, é preciso que ocomunicador tenha diante de seus olhos,agora sim, qual é o objetivo de sua argu-mentação, o que quer demonstrar (ospropósitos persuasivos afastados na primeiraetapa devem agora se apresentar, para ini-ciar a segunda etapa – a organização dasideias).

Somente diante dessa clara percepção deseus objetivos (de sua tese), o comunicador/autor poderá definitivamente

a) Escolher os seus argumentos,hierarquizá-los e classificá-los.b) Identificar os argumentos contrários(antíteses ou refutações).

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c) Construir o encadeamento lógico dosmesmos.

E somente diante dessa pré-seleção estaráapto para iniciar a construção de umdiscurso.

A “orientação argumentativa” constitui,portanto, a fase seletiva e classificatória quepermite a transição entre a identificação livredas ideias e a organização lógica concreta dasmesmas para o discurso.

2.2 Funções da estruturaou do plano lógicoA compreensão das possíveis Estruturas ouPlanos Lógicos de um texto, no entanto, nãoé apenas instrumento para a construção deum discurso; pode ser também instrumentalmuito eficaz da desconstrução do discursoque se nos apresente.

De qualquer forma, apresenta as seguintesfunções essenciais: revelar o essencial de um

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discurso com mais facilidade e amarrar ouencadear melhor a sequência das ideias(principal vantagem do plano – garantir co-erência e destacar nexos lógicos).

Em consequência, o plano torna possível oacompanhamento das ideias (o simples atode lançar desorganizadamente as ideias fazqualquer receptor distrairse), dá clareza atudo o que é apresentado (a sequênciapermite que o receptor compreenda grad-ativamente os raciocínios complexos),permite a memorização das ideias principaise de seu encadeamento (principal objetivo dequalquer discurso eficaz).

De outra forma, forçar-se a planejar odiscurso obriga-nos a (A) organizar as ideiase a (B) ater-nos ao essencial.

Muitas vezes, para organizar as ideias,somos obrigados a aprofundar mais oproblema, compreendê-lo melhor para mel-hor o apresentar. A confusão e a profusão de

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ideias, por outro lado, começam a se distan-ciar com o planejamento.

Sabendo o essencial e obrigando-se ao es-sencial, afastamos as divagações inúteis.Assim, diante de uma ideia, ou percebemossua relevância na estrutura lógica (a difer-ença da mesma se apresentar ou não) e a in-serimos; ou não conseguimos identificar suautilidade e a descartamos.

Ademais, a existência do plano libera amente do emissor do discurso ou do redator,pois pode concentrar toda sua atenção aoque faz no momento, desligando-se provis-oriamente do plano geral. Esse efeito práticoé muito salutar: o discurso (de qualquer es-pécie) pode ser construído em blocos (quenão serão desconexos, pois o plano ospreviu).

2.3 Principais tipos deplanos

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Não existe uma estrutura lógica genérica eperfeita (um tipo de plano ideal) que se ad-apte a todo e qualquer discurso, é precisoutilizar cada estrutura (nos seus variados ti-pos) de acordo com o raciocínio que vai serexarado, de acordo com a própria personal-idade do emissor ou com a eficácia que sequer produzir diante dos receptores.

Apresentaremos apenas um breve resumodos principais métodos de planejamento in-dicados por Bernard Meyer em sua obra AArte de Argumentar.

2.3.1 Plano EnumerativoEmbora pouco argumentativo, é inevitávelpara alguns trechos do discurso.

É constituído por uma lista ordenada denoções/ideias/efeitos…

Para não se tornar monótono (vício a serrepelido de qualquer discurso que almeja apersuasão) ou mesmo improdutivo (nãoproduzir nenhum resultado lógico de

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interesse), é preciso que sejam tomados al-guns cuidados.

A monotonia pode ser afastada pela habil-idade linguística.

Se a lista é apresentada sempre com amesma estrutura (exemplo: existe… existetambém…; senão… senão… senão…) caire-mos no sono mental. É preciso surpreendercom variações criativas (exemplo: emprimeiro lugar… em seguida… além disso…por fim…).

A improdutividade pode ser afastada pelahabilidade de dar significado ao conjunto oua miniconjuntos, ressaltando pontos comunsou destacando pontos de divergência.

2.3.2 Plano CronológicoSão raros os discursos que não precisam pas-sar pela apresentação histórica de uma situ-ação ou de um problema, quiçá de uma tese.Isto porque não são raras as vezes em que aexistência de um problema derive

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justamente da evolução de determinadasituação.

A apresentação sequencial segundo a ocor-rência histórica também pode recair nos ví-cios da monotonia e da improdutividade.

Uma possível solução é subverter a se-quência natural. Apresentar de imediato asituação presente, que em geral está maispróxima do ouvinte-receptor-leitor. Somentedepois de despertar aos olhares, é possívelapresentar com utilidade ao passado remotoe ao passado recente. Compreendida asituação, apresenta-se o futuro.

Do ponto de vista lógico, essa subversãonão tem nada de subversivo. Em verdade,revela a equação: Fato (presente) – Causa(passado) – Consequência (futuro).

De qualquer forma, algumas cautelas de-vem ser tomadas:

a) Se os passos históricos são muitos, épossível sintetizá-los em quatro ou cincoetapas (mais do que isso,

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provavelmente, não será memorizadopelo receptor).b) Em cada etapa, destaque-se a tendên-cia dominante que a caracteriza (o queestagnou, o que melhorou, o quedegradou).c) Indique com clareza os momentos deruptura, de transição, seja ela revolu-cionária, ou apenas uma sensível guin-ada de direção.

2.3.3 Plano DialéticoNão são poucos os casos, especialmente naárea jurídica, em que o discurso pode serconstruído através do embate de pensamen-tos opostos; onde o raciocínio binário, di-alético e dialógico é o fio condutor.

Diversas são suas variantes estruturais:• tese => objeções => refutação das ob-jeções => reforço da tese;

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• antítese => refutação total ou parcial(com alguma concessão) da antítese =>nova tese => justificação;• argumento 1 da tese => argumento 1da antítese => conclusão 1.

2.3.4 Plano AnalíticoSe a intenção é enfocar problema determ-inado ou solução específica sob os mais vari-ados ângulos, é preciso utilizar-se de instru-mental analítico que decompõe o que seanalisa.

Dois modelos podem ser apresentados: ojornalístico, especialmente para aquestão, e o técnico, para a solução.

2.3.4.1 Plano JornalísticoO PLANO JORNALÍSTICO é o que almejaapresentar a questão de forma gradativa, in-formativa, e, ao mesmo tempo, que enfrentaobjetivamente as soluções (sempre diante do

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problema: se resolve ou não o mesmo). Podese dar, resumidamente, do seguinte modo:

1. Apresentação da situação concreta oude uma ideia abstrata.2. Confirmação com exemplo(s), con-traexemplo(s) ou caso(s).3. Análise das principais causas (dis-tantes e próximas, diretas e indiretas).4. Consequências da situação concretaou da ideia abstrata.5. Solução ou soluções possíveis.6. Consideração crítica das soluções(pontos fortes e fracos, efeitos positivose negativos).7. Discussão da solução• confirmação – se as críticas forem re-futadas ou minimizados os seus efeitosnegativos;• invalidação – se as críticas ou os efei-tos negativos são graves, é precisoorientar-se para nova indagação;

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• nova solução – se é possível integrar àsolução as críticas, apresenta-se soluçãoum pouco diversa das anteriormenteapresentadas.

2.3.4.2 Plano TécnicoO PLANO TÉCNICO é o voltado especial-mente para a prática: apresenta de maneirasingela o problema (dados e histórico dasituação) e detém-se na análise práticada solução (meios existentes ou por criar,aspectos operacionais, pessoas afetadas, pro-cedimento e cronograma adequados, objet-ivos que serão alcançados a curto e a longoprazo).

2.3.5 Plano SpriDesenvolvido por Louis Timbal-Duclaux, de-compõe o plano argumentativo em quatroetapas: Situação, Problema, Resolução deprincípio, Informação.

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Quando os destinatários do discurso nãosão passivos, ao contrário irão julgar os argu-mentos ou as soluções construídas, convémapresentar as ideias de forma gradativa.Assim, os receptores são preparados paraaceitar uma nova ideia.

Na primeira etapa, a Situação, apresenta-se meramente o contexto no qual se inseriráa argumentação. A fim de evitar qualquerbloqueio inicial, não se deve apresentarqualquer problema. Por outro lado, a expli-citação do contexto tem de ser construída se-gundo os referenciais do receptor. Somenteassim alcança-se a adesão, o envolvimentoinicial.

No segundo momento (deve-se, segundo oautor, separar bem os dois momentos inici-ais), o do Problema, apresenta-se uma di-ficuldade que ocorre na situação exposta an-teriormente. Dependendo do caso, é precisonessa fase explicitar que algumas soluções já

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foram propostas, mas que essas se revelaramparcial ou totalmente ineficazes.

A Resolução de princípio (momentochave do procedimento), para ser aceita, de-ve ser apresentada da forma mais geral pos-sível (o que lhe dará a firmeza de uma leigeral) e concomitante ao princípio que ori-entou a sua elaboração (para que o receptorcrítico também conclua da mesma forma).

Por fim, a Informação constitui o mo-mento em que se apresentam os detalhes dasolução: elementos técnicos, modalidades defuncionamento ou de aplicação.

Apresenta-se o problema após o receptorestar envolvido, o que permite conduzi-lopara o que se quer. Apresenta-se a Resoluçãojunto do princípio para que a adesão torne-se mais próxima. Deixam-se os detalhes dasolução para depois da aceitação da Resol-ução, com menos ideias é mais fácil gerar acompreensão e a adesão.

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Talvez os atuais leitores desse descritivoestejam enxergando esse método como ummecanismo de alienação do ouvinte-receptor.

O presente plano não se propõe a isso, em-bora o seu usuário possa disso se beneficiar.Tanto pode ser um método que produz oamortecimento da vigilância do receptor,como pode ser uma técnica que lógica e in-teligentemente informa e convence as outraspessoas.

A manipulação não advém, em outras pa-lavras, do método, mas de eventual es-camotear de informações, de eventual falsi-ficação de argumentos…

2.3.6 Plano SosraPartindo de uma situação e almejando a umadecisão, uma ação, esse plano é estruturadologicamente com as seguintes etapas: Situ-ação, Observação, Sentimentos, Reflexão,Ação.

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Na Situação: apresenta-se de maneiraclara e objetiva o contexto do problema.

Na Observação: o emissor chama aatenção para algum ou para alguns pontosou dados que julga pertinente aprofundar.

Na fase Sentimentos: o emissor ap-resenta suas reações afetivas diante da situ-ação (com a pretensão de sensibilizar aos de-mais), invoca a dimensão humana doproblema.

Na Reflexão: deixando a emoção,retorna-se para a razão, indicando os prin-cipais pensamentos que a situação sugere.

Na Ação: busca-se a aceitação das respos-tas concretas construídas para a situaçãoproblemática.

Sem agredir aos destinatários, levando emconta as suas referências, esse plano (quenão almeja profundidade reflexiva, mas ob-jetiva mobilização, ação) pode ser muitoeficaz.

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2.4 A importância dastransiçõesUma vez construído o plano, instrumentalque agrega força especial para o conjunto dasideias apresentadas, é preciso cuidar paraque as partes do mesmo (seja qual plano for)não fiquem desconectadas, não se mostremexcessivamente independentes. Uma únicaparte, um único tópico desconjuntado, emverdade, fragiliza todo o conjuntoargumentativo.

Na construção do plano, portanto, há queprestar muito cuidado para que o mesmorevele as transições. Ou, pelo menos, paraque, na redação de cada parte estrutural,apresentem-se as conexões. Não é eficaz odiscurso que as deixam ocultas.

Para tanto, é necessário saber interligar asdiferentes fases da reflexão, criando os elosnecessários para conferir logicidade aoconjunto.

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Não pode o leitor ver-se surpreendido pelabrusca mudança de ideias ou de temas, semque saiba o porquê disso. A leitura deve es-coar, fluir, deslizar progressivamente de umtópico para o outro. Para que isso ocorra, oemissor deve se preocupar, desde o planeja-mento, em revelar as conexões entre aspartes do discurso, mesmo que para tantotenha que resumidamente retomar (demaneira sintética) algum discurso jápercorrido.

2.5 Relatório como planoargumentativoAlguns leitores podem estar pensando que oapresentado até o momento (a identificaçãolivre das ideias e o planejamento argument-ativo) é muito útil para os momentos em quetemos que apresentar alguma tese, conven-cer alguém de algo, ou mesmo para estudaros textos e os discursos alheios.

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Certas são essas percepções.Ocorre, no entanto, que há diversos trabal-

hos diários que imaginamos distantes dastécnicas argumentativas (pretensamente osvemos como objetivos) e estão verdadeira-mente imersos na argumentação.

Como exemplo significativo dessa ilusãoque queremos desmitificar, apresentamos afigura do “relatório”.

Planejar e elaborar um relatório talvezconstitua a tarefa mais corriqueira para osmais diversos profissionais. Na área jurídica,mais concretamente, não se pode pensar emuma única peça processual sem essa tarefa.

Todo e qualquer relatório (mesmo emáreas não jurídicas) tem um propósito, umobjetivo concreto. Não é apenas um instru-mental mecanicista de acumulação de dados.Exige, no mínimo, que se apresente umasíntese dos dados, uma análise global dasprincipais ideias. Ora, toda síntese ou análisecarreia uma argumentação.

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Dessa forma, nenhum relatório é apenasrelatório, é também um planoargumentativo.

A apresentação inicial dos fatos, dasituação, pode ser objetiva, não argument-ativa. Ao se selecionar os fatos ou as ideiasúteis e pertinentes, ao apresentar o contextoem sua globalidade, deixa a seara da objet-ividade, ingressa, queira-se ou não, na anál-ise pessoal dos fatos e das ideias.

Aplicam-se, portanto, a todo e qualquerrelatório também os planos anteriormentedescritos.

Exercícios práticos(autoavaliativos)

1o ExercícioUtilizando o PLANO SOSRAredija uma carta de UMA

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LAUDA sobre um dos temasabaixo:• A seus filhos menores (crianças enão adolescentes), para fazê-losaceitar um novo casamento, pois hátrês anos já se separou e agora…• A seus funcionários, pois, na qual-idade de dirigente da empresa, iráinstalar circuito interno de tevê emtodas as salas e corredores…

2o ExercícioUtilizando o PLANO SPRIredija um texto de UMALAUDA sobre um dos temasabaixo:• Necessidade de uma equipe com-preender a diferença entre umacrítica e um feedback para desem-penhar tarefas conjuntas (o “AnexoA” apresenta texto instrumentalpara esse exercício).

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• A ausência da leitura de obrasliterárias no ensino superior.

3o ExercícioUtilizando o PLANOJORNALÍSTICO redija umtexto de UMA LAUDA sobreum dos temas abaixo:• Redução da jornada de trabalhopara 40 horas como forma deaumentar o número de empregosformais.• Consequências de o Brasil sediarjogos internacionais.

Observação: os planos devem serutilizados como instrumentos e nãocomo camisas de força. Utilize-oscomo foram imaginados, mas com aflexibilidade que se fizer necessária.

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Anexo A – A diferença entre criticare dar um “Feedback”

Alina TugendAprender a fazer e receber críticas é com-

plicado. Se interpretarmos como ataquequalquer comentário que não seja positivo,descartaremos qualquer coisa útil que ocrítico possa ter a nos dizer. Mas levar todacrítica a sério tampouco é benéfico.

“A maioria das pessoas diz que o ‘feedback’é importante, mas que a mensagem oculta é‘enquanto ele for positivo’”, disse RobertBrooks, professor de psicologia em Harvard.

Embora possa parecer mais fácil fazer crít-icas que ouvi-las, nem sempre é esse o caso,pelo menos se você quiser que suas críticasajudem. O psicólogo clínico Leon F. Seltzeridentifica diferenças entre críticas e “feed-back”. Em seu blog, ele observa que:

“A crítica é acusatória e faz julga-mentos. Ela pode envolver rotular,pregar sermões, dar aulas de

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moral e até ridicularizar. O ‘feed-back’ se concentra em oferecer in-formações concretas para motivara pessoa que as recebe a rever seuscomportamentos”.

A crítica envolve fazer pressuposições neg-ativas sobre as motivações da outra pessoa.O “feedback” não reage à intenção, mas aoresultado real do comportamento dela.

A crítica, se malfeita, frequentemente in-clui ordens e ultimatos, fazendo com que apessoa que a ouve fique na defensiva, o quesolapa eventuais benefícios. Já o “feedback”não analisa tanto como a pessoa deve mudar,mas procura debater os benefícios damudança.

Esse último ponto é um sobre o qual Dar-ren Gurney, o professor do ensino médio emNew Rochelle (Nova York), já refletiu muito.

Além de dar aula, Gurney é treinador deequipes de beisebol de colégios e faculdades.Ele descobriu que uma das maneiras mais

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eficazes de criticar um jogador não é lhedizer o que ele fez de errado, mas pedir queanalise o que pensa que poderia ter feitomelhor.

“A habilidade de ouvir é pouco valorizada”,disse Gurney. Quando está treinando atletas,ele pede que os jogadores identifiquem trêscoisas que deram errado naquele dia e apon-tem como melhorá-las. “O processo tran-scende os campos do esporte. Vira aquisiçãode habilidades para a vida.”

E, embora isso possa parecer óbvio, disseBrooks, as pessoas aceitam críticas melhor seseu chefe (ou cônjuge, ou pai) não economiz-ar no “feedback” positivo.

Shinobu Kitayama, professor de psicologiana Universidade do Michigan, identificoudiferenças claras, por exemplo, nas reações acríticas manifestadas nas culturas americanae japonesa.

“Parece que, na cultura americana con-temporânea, é muito difícil aceitar qualquer

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crítica”, disse. “As críticas são vistas comoameaça ou ataque à autoestima. Na culturajaponesa, a autoestima é importante, masmais importante ainda é oautoaperfeiçoamento.”

Em um grande estudo sobre atletasolímpicos japoneses e americanos, coescritopor Kitayama, os atletas e comentaristas ja-poneses demonstraram duas vezes maisprobabilidade que os americanos de criticarsua performance ou fazer comentários negat-ivos sobre ela.

“Os americanos fazem quatro comentáriospositivos para cada negativo; os japonesestendem a um equilíbrio”, disse Hazel R.Markus, coautora do estudo. Isso indica, se-gundo ela, que o “feedback” sobre fracassos émotivador para japoneses, enquanto o “feed-back” sobre êxitos é motivador paraamericanos.

Especialistas dizem que, ao receber crític-as, o importante é ouvir. Não fique na

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defensiva, mas não parta da premissa de queo crítico tem razão. Procure determinar qualinformação é valiosa e relevante e qual não é.Embora seu instinto possa ser de contestar acrítica ou pedir desculpas, calmamente façaperguntas para lançar luz sobre a situação.

FONTE: Folha de São Paulo, CadernoThe New York Times, p. 4, 5 de outubro de2009.

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CAPÍTULO 3

Apresentação dasideias

3.1 Relevância da ap-resentação e doencerramentoDo ponto de vista prático, a falta de tempo aque se veem assolados os profissionais dehoje reduz, muitas vezes, a leitura ou oestudo de determinado texto a suas con-clusões e, no máximo, às apresentações in-trodutórias dos argumentos, a suasintroduções.

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Tal constatação seria suficiente para quenos preocupássemos em demasia com essaspartes do discurso.

Mas essas partes desempenham tambémoutros papéis relevantes.

A introdução dá o tom para a argu-mentação, de imediato impressiona fa-vorável ou desfavoravelmente, conquista deplano ao leitor ou o perde. Influencia, port-anto, como o texto será apreendido ememorizado.

A conclusão, por sua vez, indica o que deveressoar na mente do receptor, depois de ter-minado o percurso lógico. Por ela conquista-se ou não a percepção global daargumentação.

3.2 IntroduçãoA introdução deve buscar dois objetivos niti-damente diferentes.

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Em primeiro lugar, tem de despertar ointeresse do receptor. É preciso que o des-tinatário do discurso sinta-se realmente mo-tivado, sinta necessidade de percorrer atrilha argumentativa do emissor.

Em segundo lugar, tem de dirigir o ol-har do receptor, apontando “o que” seráabordado exatamente e “de que forma”(etapas do plano reflexivo) isso será feito.Assim conseguir-se-á que o receptor ingresseno mundo do emissor, prepare-se paraenxergar exatamente o que se quer demon-strar em cada momento do caminhoreflexivo.

Para despertar o interesse, é preciso que otexto seja apresentado com vivacidade.Para dirigir o olhar, é necessário que o textoseja claro e preciso no que diz respeito ao“que” e ao “como” será abordado.

Mas essas finalidades não precisam sertraduzidas em etapas estanques. Devem, ao

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contrário, ser atingidas de maneira fluída,quase imperceptível, pelo envolvimento.

Para despertar o interesse, finalidadeprimordial (sem ela nenhum receptor seráconduzido a compreender nada, poderá éabandonar física ou mentalmente ao dis-curso), o receptor precisa ser convencido danecessidade da própria reflexão.

De outra forma, o emissor precisa justifi-car a própria existência da reflexão.

Para tanto, vários “ganchos ” (verdadeir-as iscas) podem ser utilizados. Pode serlançada uma situação real conhecida pelo re-ceptor, ou uma série de situações de seu con-texto relacionadas ao assunto (e quemostram a relevância do tema). Pode-se ini-ciar com uma afirmação de efeito (técnicaem geral estimulante e provocadora); ou comuma tese geralmente aceita, sob a qual selança dúvida; ou com as linhas gerais deopiniões opostas; ou até mesmo com um per-gunta retórica.

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O esboço do plano argumentativo a serempreendido, por sua vez, não é umasimples exigência acadêmica, é instrumentonecessário para que o receptor acompanhe oraciocínio futuro ou mesmo para que adquiraconfiança em que percorrer o caminho seráútil (a clareza do plano demonstra indireta-mente a maturidade do emissor, o que des-perta mais confiança no receptor…).

3.3 ConclusãoDepois de percorrida a trilha argumentativa,a tarefa, sem dúvida, mais árida para o autordo discurso é o encerramento. Muitos são osemissores, em consequência, que descuramdo fechamento do percurso. Seja porqueacreditam que os receptores já com-preenderam, seja porque estão efetivamentecansados. É comum que a conclusão sejamuitas vezes peça formal e insípida.

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Ocorre que a conclusão é o momentoprecípuo para a tomada de decisão, para aconquista de um entendimento definitivosobre um assunto (mesmo que essa con-quista seja a admissão da dúvida).

Somente depois de conquistado ao recept-or (papel da introdução) e de percorridos osargumentos (papel do desenvolvimento) éque se pode fincar a bandeira definitiva queconsolida um entendimento.

Muitos são os emissores de discursos queconcluem antes da conclusão (nos últimospassos argumentativos) e deixam aofechamento questões futurísticas ouparalelas. Muitos também são os que con-stroem as conclusões como sendo um meroresumo de todo o percurso (o que soeacontecer e é curiosamente valorizado nostrabalhos acadêmicos).

A conclusão, no entanto, redigida com osseus legítimos propósitos (e por isso maiseficazes) é a que fecha o debate e destaca os

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problemas eventualmente criados por suaconclusão.

É natural e razoável que a conclusão seja aparte do discurso que retoma os pontos es-senciais de todo o raciocínio anteriormenteexpressado, mas não pode ficar nisso. Deveretomar o percurso essencial para concluir,para efetivamente fechar a tese defendida.

Em função do que temos visto em diversasconclusões, indicamos ainda que se deve to-mar um cuidado extremado para não abrirna conclusão “novas” indagações. Se essasindagações são pertinentes, deveriam tersido trabalhadas no desenvolvimento, o quefragiliza a própria conclusão.

Ressalva legítima se faça aos problemasderivados da conclusão defendida. Esses po-dem, nesse momento, ser levantados legitim-amente (tais como: limitações de generaliza-ção da conclusão, dificuldades para a ex-ecução). Essas ressalvas podem fazer parteda conclusão, mas não podem atingir o seu

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ponto fulcral, pois assim desbaratariam amesma.

Em essência, a preocupação da conclusãodeve ser a de apresentar a tese central con-struída, para assim fazer ressoar na mentedo receptor o que interessa.

Nesse sentido, novamente do ponto devista prático, muito cuidado se tome com aredação final, com a última frase, as últimaspalavras, o último termo. Esses elementossão, psicologicamente, os que podem gerarmais efeito.

3.4 Desenvolvimento dosargumentosSeja na introdução, seja na conclusão, sejano desenvolvimento de um discurso, o quedá eficácia à argumentação pode ser ap-resentado sob a seguinte estrutura: (A) saberapresentar ou enunciar uma ideia; (B) saberjustificar a mesma (pelo raciocínio ou pelos

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exemplos); ou então (C) saber refutar amesma.

Nesse momento, interessa-nos o “saberenunciar uma tese própria ou alheia”. Os de-mais aspectos serão vistos nos próximostópicos.

3.4.1 Enunciação De Uma TeseSeja nossa ou alheia, ou mesmo o reflexo deum sentimento generalizado, concordandoou não com o que será apresentado, é precisoaprender a enunciar com clareza e rigor umaideia ou uma tese.

De imediato, é pela enunciação “precisa”que o emissor do discurso se posicionaráclaramente com relação às ideias emitidas eque o receptor saberá, sem ambiguidades, seas assumirá ou não.

Se o emissor, por exemplo, utiliza-se daprimeira pessoa, do plural majestático ou daforma impessoal, pode indicar referênciaclara a sua própria opinião. Da mesma

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forma, se se utiliza do indicativo pode indi-car adesão à ideia; ao contrário, ao utilizar ofuturo do pretérito pode estar a advertir deimediato que indicará ressalvas futuras.

Sem mostrar absoluta clareza quanto aoposicionamento do emissor, o receptor correo risco de simplesmente perder-se na pro-fusão de ideias. Corre-se o risco de que o re-ceptor não caminhe ao lado do emissor, quese disperse pensando em ideias paralelas oumesmo construindo seu posicionamento in-dependente do discurso.

Contribui para a clareza, portanto, a in-dicação precisa do posicionamento do emis-sor: seja de certeza positiva ou negativa, sejade dúvida relativa ou absoluta.

CERTEZA POSITIVA OU NEGATIVASe estivermos certos do que afirmamos

(certeza positiva) ou da inaceitabilidade dedeterminada ideia (certeza negativa), é pre-ciso marcar esse juízo com total segurança

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(assim se dá clareza à exposição e pode-segerar o convencimento).

A certeza positiva pode ser demarcadacom diversas expressões: é certo…, é inques-tionável…, é incontestável…, é irrefutável…, éevidente…, estou seguro… de que, tenho oconvencimento firme de que…, não há men-or dúvida…

A certeza negativa, por diversas formastambém: é impossível que…, está excluído,fora de cogitação…, não se pode admitir…

Essas expressões são, por natureza, antiar-gumentativas, pois consolidam afirmaçõescategóricas e, em geral, não são acompanha-das de justificativas.

A honestidade argumentativa (sempreprudente), no entanto, requer que se util-izem essas expressões apenas diante das cer-tezas demonstradas. Na seara argument-ativa, são legítimas apenas as ideias que for-em demonstradas.

DÚVIDA RELATIVA OU ABSOLUTA

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De qualquer forma, perante qualquerabalo, a opção correta é expressar a dúvida,seja ela relativa a determinado aspecto(dúvida relativa), seja ela concernente a todauma ideia (dúvida absoluta).

A dúvida relativa, verdadeira ressalva auma ideia, pode ser expressa de diversasformas: parece que…, é provável ou poucoprovável…, é verossímil…, há fortes indíciosde que…, há pouquíssimas probabilidades deque…

A dúvida absoluta é a que o emissor ficaneutro diante de uma ideia, simplesmente aindica, sem julgar, pois não é possível, nomomento, fazer a balança pender paraqualquer lado. Deve se apresentar de formamais elaborada: não se pode excluir…, podeser que…, é possível…, não é impossível…

DESTAQUE DO ESSENCIALÉ muito relevante para a eficácia da argu-

mentação que a ideia seja apresentada emsua essência. Ou seja, que o emissor tenha a

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clara distinção entre o que importa destacar(as ideias-chave e não os comentáriosparalelos) e haja em consequência.

Há duas formas usuais de se destacar umaideia no discurso: pela demarcação precisado relevante e pela reformulação da ideia.

A demarcação se dá de diversas formas.Por locuções adverbiais: sobretudo, essen-

cialmente, principalmente,primordialmente…

Por certas estruturas: é crucial notar que…Com adjetivos: o importante, o primordial

é que…A reformulação é uma técnica de reiter-

ação de uma ideia-chave já expressa de outraforma, com outras palavras. Torna, portanto,mais compreensível, memorizável e identi-ficável a ideia que importa destacar.

Frequentemente, com essa técnica, é pos-sível expressar a ideia-chave de um modomais geral e abstrato, o que contribui para oaspecto intelectual do texto e para a

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persuasão (a ideia de quase uma lei lógica dámais credibilidade à afirmação). Embora re-suma a ideia, pode apresentar matizes suple-mentares e reforçar seus efeitos persuasivostambém.

PARÁFRASE OU CITAÇÃO DEPENSAMENTO ALHEIO

São raras as argumentações que podem sedar ao luxo de não apresentar ou mesmotranscrever ideias alheais ou lugares-comuns, concordem ou discordem dasmesmas.

Nesse ponto, importa demarcar com pre-cisão a ideia do emissor e a ideia“emprestada” como apoio ou para ser refut-ada. Para tanto, é necessário deixar consig-nado claramente o pensamento alheio comexpressões precisas: alega fulano…, afirmasicrano…, considera beltrano…, acreditafulano…

Se o pensamento expresso não pode ser at-ribuído a determinada pessoa ou a

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determinado grupo, podem ser utilizadas ex-pressões genéricas, tais como: alguns…, cer-tos autores…, há quem afirme… Do ponto devista acadêmico, no entanto, essa alternativaé rechaçada, pois não apresenta o rigor ne-cessário, a indicação da fonte.

De qualquer forma, duas são as situaçõesem que se recorrerá sempre à citação ou àparáfrase: quando o discurso for estruturadoda forma tese-antítese, quando se fizer con-cessão pontual a alguma concepçãocontrária.

O ARGUMENTO IMPLÍCITOOcorre com frequência que a enunciação

de uma tese esteja acompanhada de argu-mentos não explicitados.

Embora não abertamente formuladas,muitas de nossas argumentações recorrem apressupostos compartilhados, são carreadasde ideias intrinsecamente inscritas.

Tal realidade, em verdade, constitui certanegação da própria argumentação, pois

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escamoteia os passos lógicos, trapaceia a re-flexão. Ao destinatário que não a percebe,impossível será contestar: razão pela qualperturba a análise lógica (embora conquistemais facilmente a adesão).

Sua identificação e consequente contest-ação podem destruir a argumentação, mas asua não percepção, em geral, implica aadesão.

Muitos são os exemplos de argumentaçõesapresentados como base em elemento nãodito, mas tacitamente aceito. Por exemplo:quero continuar jovem e sedutor; logo, pre-ciso emagrecer. Há, nesse exemplo, um pres-suposto implícito, o de que nossa sociedadepressupõe que o jovem e o sedutor são neces-sariamente esbeltos.

Exercícios práticos(autoavaliativos)

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1 ExercícioO início da reflexão abaixosobre a prisão é construídocom base em dois elementos:análise das origens e umaideia falsa que deve sercorrigida. Identifique-os e re-formule a introdução em umúnico parágrafo.

“Nascida com os tempos novos,depois da Revolução de 1789, aprisão começa como um símboloadicional de universalidade.Deixava de ser, na maioria dasvezes, reservada a uma casta que,em contrapartida, era poupada dosestigmas reservados à ralé: ferrete,roda, amputações diversas. Com ocódigo penal de 1804, que não falade outra coisa, surge a prisão com odesaparecimento da punição físicabrutal imposta ao corpo do

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delinquente. A prisão continuasendo uma punição física, mas me-diada e teoricamente prometida atodos, sem distinções.

Os sofrimentos que ela deve im-por, hoje como em 1804, são daalçada das proibições: de ir e virlivremente, claro, mas também deescolher leituras, correspondências,divertimentos e amores. Contrari-ando a opinião generosa e quasevisionária do estadista, a prisão écoisa bem diferente da detenção: éaquilo que nenhum código prevênem poderia confessar.

Pois a importância numérica dosex-detentos na sociedade francesanão põe fim à ignorância a respeitoda prisão. O fato de cem mil a centoe vinte mil indivíduos nela ingres-sarem por ano – o que em uma ger-ação representa (mesmo contando

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as reincidências) vários milhões depessoas – não impediu as mentirasque correm sobre a prisão: que alise vive com luxo (“4 estrelas”), queos presos são pagos pelo con-tribuinte para não fazer nada, quedela se pode sair à vontade, pormeio de interessantes e legítimaspermissões. Como dizia um minis-tro da Justiça a seu colega do Interi-or, que gostava de passar adianteesses disparates: que ele fosse lápara ver!”

Dossiers et documents, LeMonde, outubro de 1978.

2 ExercícioImagine e redija GANCHOSdiferentes para a introduçãode um discurso para cada as-sunto abaixo, inspirando-senas técnicas anteriormentesugeridas:

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• As condições de vida dos defi-cientes devem ser melhoradas.• É preciso frear a concepção e avenda de produtos descartáveis.• É preciso proteger as criançascontra a violência familiar.

3 ExercícioIndique que princípios ou con-ceitos estão implicitamentecontidos nas afirmaçõesabaixo:• Motor possante, mas econômico.• A família não deve ocupar o lugardo Estado.• Um professor deve ser obedecidopelos alunos.

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CAPÍTULO 4

Fundamentação dasideias

Para a argumentação não basta, embora sejamuito relevante, aprender a enunciar as idei-as, é preciso dominar técnicas de justificar asmesmas. Em verdade, esse é objeto centralda argumentação: saber apresentar adequa-damente (com logicidade) os fundamentosdas premissas que apresenta e os em-basamentos das inferências, das conclusõesextraídas das premissas.

Duas formas ou dois caminhos podem sertrilhados para tanto: a seara do raciocíniobem estruturado e a senda da apresentaçãode exemplos contundentes.

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4.1 Eixos do raciocíniológicoO emissor do discurso, certamente, tem todaa liberdade para estabelecer o seu caminhoargumentativo. Alguns conhecimentos, algu-mas espécies de raciocínio, no entanto, pre-cisam ser apreendidas para que os seus argu-mentos atinjam maior eficácia, maior solideze maior segurança.

A isso nos propomos: a simplesmente ap-resentar algumas formas sob as quais o ra-ciocínio pode ser estruturado com maisperfeição.

4.1.1 Raciocínio DedutivoO raciocínio dedutivo é aquele que se propõea extrair uma ideia de outras anteri-ores. De forma que, uma vez aceitas as an-teriores, a posterior ou as posteriores serãoautomaticamente aceitas, ficarão automat-icamente demonstradas.

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Trata-se do silogismo aristotélico, arqué-tipo desse tipo de raciocínio: Se A é B, se to-do B é C, então todo A é C. Ou como ap-resentou Aristóteles: Todos os homens sãomortais, Sócrates é homem, logo Sócrates émortal.

Esse tipo de raciocínio pode, no entanto,sofrer três embates sérios, que o desbaratam.

Em primeiro lugar, se as premissas(primeiras ideias) não forem efetivamentedemonstradas, verificadas ou comprovadas,ou não forem aceitas pelo olhar comum, po-dem resultar em uma inferência falsa.

Nesse ponto, há que se lembrar do anteri-ormente referido com relação aos argu-mentos implícitos. Se os argumentos (ideias)implícitos forem desvelados e apontar-se suafalsidade, falsa será também a consequência.

Em segundo, se as premissas colocadas nojogo argumentativo não possuírem ver-dadeiro nexo, ou se a ligação entre elas for

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muito frágil, também podem conduzir a umaconclusão falsa.

Em terceiro lugar, deve se verificar se real-mente a inferência foi construída dentro doslimites que as premissas e suas lig-ações permitem. Se a conclusão efetiva-mente é decorrência da conjugação daspremissas ou se as premissas simplesmenteserviram de instrumento para maquiar umaconclusão maior ou diferente do que elas po-tencialmente podiam revelar.

Ao se construir uma argumentação de-dutiva, portanto, é necessário ser bastanterigoroso quanto à verdadeira condição depremissas, ao verdadeiro elo entre as mes-mas, à potencialidade das mesmas.

Por outro lado, ao se analisar um discursodedutivo (uma das formas mais comuns dediscurso), nosso olhar deve dirigir-se aosmesmos pontos. Assim podemos desbaratarmais facilmente os raciocínios equivocadosde eventuais antíteses que nos incomodem

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ou de eventuais teses a que queremos nosaliar.

4.1.2 Raciocíno IndutivoA outra forma de juízo mais comum nos dis-cursos é a do raciocínio indutivo. Consiste,tal mecanismo lógico, em sintetizar umaideia a partir de uma repetição de situ-ações. Em outras palavras, porque se veri-fica que algo ocorreu em uma, duas… quinzevezes, extrai-se a ideia geral sobre taisocorrências.

O problema desse tipo de raciocínio, de es-trutura radicalmente diversa do anterior, é aprecipitação. A pressa em concluir, emchegar a um resultado, levanos a não verifi-car se há veracidade nas situações que serepetem (pode nosso olhar não ter inter-pretado bem as situações), a não verificar seo número de repetições, se a amostragem(a parte do mundo que foi observada), é sufi-ciente para atingir a conclusão.

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4.1.3 Raciocínio Por Oposição,ContradiçãoDiante de uma realidade complexa em quenada é totalmente isso ou somente aquilo(totalmente negativo ou absolutamente neg-ativo), o melhor caminho argumentativo é odialético, o que apresenta os diversos pon-tos de vista sobre um tema e os analisa um aum, moldando uma conclusão de certo modocompromissória (que integra ideias apar-entemente opostas, que admite concessõesou relativizações de algunsposicionamentos).

Esse tipo de raciocínio, que tem a coragemde encarar as críticas, refutando-as ouaceitando parte das mesmas, que tem agalhardia de reconhecer as limitações desuas próprias afirmações, soe despertar acompleta adesão alheia, pois se apresentamais realista e honesto.

É o raciocínio mais “reflexivo”, pois colocaas ideias em uma sala de espelhos (objeto

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que apresenta sempre e unicamente reflexos)onde podemos enxergar os mais diversos ân-gulos das mesmas. É por excelência, no sen-tido imagético, o tipo de raciocínio que nosensina a “refletir”.

4.1.4 Raciocínio Por EliminaçãoTrata-se do caminho argumentativo poli-cialesco. Diante de diversas possibilidades,vai-se eliminando uma a uma, até ficarmoscom a única que se nos apresente possível.

Se não conseguimos demonstrar direta-mente a correção de alguma ideia, de algumponto de vista, esse é um caminho alternat-ivo. Talvez seja uma trilha mais manipulativado que argumentativa, mas é uma trilha.

É frágil, no entanto, pois a qualquermomento pode-se apresentar o seguinte con-traponto, o seguinte obstáculo metodológico:como ter certeza de que a lista do que foidescartado é realmente exaustiva?

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4.1.5 Raciocínio Por AlternativaUma espécie muito utilizada de raciocínio é aque põe na mesa do discurso dois e apenasdois elementos de reflexão e que os ap-resenta necessariamente como incompatí-veis. No direito, por exemplo, é comum o de-bate sobre a “segurança jurídica” e a “justiça”nesses termos.

Apresenta-se com uma solidez, umafirmeza aparente que parece indevassável.Praticamente coage a que cheguemos àmesma escolha.

O seu fundamento persuasivo é essacoação, mas seu tropeço lógico é muito su-perficial (está bem abaixo da pele): em geralnão se demonstra que somente os dois pon-tos podem ser levados em conta, em regranão se demonstra que os dois pontos sãorealmente incompatíveis.

Diante de uma pergunta: – O que vocêspreferem, justiça ou segurança jurídica? Émuito fácil desbaratar esse raciocínio. Três

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são as possibilidades: – nenhum dos dois; –os dois; – eu formularia o problema de outramaneira.

A recusa na escolha, aceitar os dois ladosou demonstrar que a oposição é falsa colocaem xeque-mate esse método tão usual paraos discursos.

4.1.6 Apresentação Das CausasA análise ou a demonstração sólida de umaideia ou de uma solução consiste, antes detudo, em apresentar um diagnóstico precisode suas origens, causas, causas das causas,princípios.

Uma vez percorrida essa trilha, a con-clusão que viermos a extrair, por qualquertipo de raciocínio, apresentar-se-á mais con-fiável, mais aceitável.

Somente a investigação profunda dá-nossegurança, enquanto receptores, para aceitaras ideias alheias.

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A causa final, a finalidade, nesse ponto,ganha sempre destaque especial. Das quatrocausas (material, formal, eficiente e final), acausa final é sempre a que marca mais onosso olhar na maioria dos discursos…

4.2 Gestão dos exemplosOs exemplos podem ser utilizados de duasformas principais em um discurso.

Podem constituir o fundamento de nossasconvicções, quando extraímos deles, por in-dução, as nossas ideias. São, portanto, a jus-tificativa da origem de nossas ideias,precedem as próprias ideias (que são ap-resentadas depois do exemplo, com diversasexpressões, tais como: “esse exemplodemonstra, prova, ilustra que…”).

Podem constituir a prova do que an-teriormente construímos em ra-ciocínios abstratos (usando expressõesassim: “é o que ocorre, por exemplo,

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com…”). São, nesse caso, o termo final, aconfirmação de nossas ideias, sucedem asideias.

No primeiro caso (fundamentos para aindução) não podem ser particulares de-mais. Precisam ser generalizáveis, e especial-mente “representativos” do que se quer in-ferir. Não se pode extrair legitimamente umaideia de um exemplo se ele efetivamente nãoé representativo, se ele não representa aamostragem necessária para tal inferência. Écomum que os discursos utilizem-se de umúnico exemplo, dramatizem-no e assim justi-fiquem suas inferências. Esse procedimento,embora comum, não é adequado. Mascara seesse exemplo é realmente representativo doque se quer inferir.

É lógico que é impossível dispor de umalista exaustiva de casos e somente assim ex-trair a inferência. Tal realidade nãoproduziria qualquer discurso eficaz, salvo otédio. Mas é possível apresentar uma seleção

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de exemplos representativos (cada um delesrepresentativo de um conjunto de situaçõessemelhantes) e a partir deles extrair commais legitimidade a inferência.

No segundo caso (comprovar a ideia jáexposta), precisam adaptar-se perfeita-mente à ideia já exposta, mas não são menosrelevantes. O exemplo penetra muito maisfacilmente na mente do receptor do que asideias. Se o receptor concordava com a ideia,terá o exemplo como um coringa parasempre utilizar. Se o receptor vacila dianteda mesma, pode ver-se vencido (porqueagora compreendeu) ou convencido (porqueagora se sente seguro para aderir definitiva-mente à ideia).

Há um papel, no entanto, que não podedeixar de ser apontado para o exemplo. Em-bora o exemplo não seja uma forma cabal eabsoluta e se induzir algo ou mesmo de secomprovar uma ideia já exarada, há um pa-pel que o exemplo desempenha na lógica que

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é incontestável: o papel de contraexem-plo. Um exemplo não pode ser o caminhopara uma inferência indutiva absoluta. Umexemplo não pode ser o instrumento de pro-var de modo absoluto uma ideia. Mas umúnico exemplo pode ser a derrocada definit-iva de uma ideia que se quer contrapor. Umúnico exemplo pode demonstrar cabalmenteque uma ideia era falsa.

O exemplo tem eficácia incontestável, émuito mais poderoso, muito mais pedagógi-co do que um raciocínio rigoroso (sempremais difícil de ser acompanhado). É precisoapenas aprender a usá-lo e a saber “dosar”sua utilização, pois o discurso, em verdade,almeja a adesão à ideia e não ao exemplo.Seu emprego exagerado prejudica a argu-mentação. Por isso que seu emprego regularleva-nos a enxergar essa atitude como faltade profundidade.

Em qualquer forma que o utilizemos, épreciso cuidar para que o exemplo seja

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aceitável ou compreensível pelo receptor,que seja adaptado às referências, ao olharcultural do receptor.

É preciso aprender, nesse campo argu-mentativo, o campo dos exemplos, a ser umcontador de histórias mais do que um or-ador. Somente o exemplo que envolveproduz o efeito persuasivo e a argumentaçãonão se preocupa apenas com a lógica, mastambém com o convencimento.

Exercício prático(autoavaliativo)Identifique, no texto abaixo, asprincipais formas de ra-ciocínio lógico utilizadas (in-dicando as ideias que as exem-plificam), eventuais ra-ciocínios implícitos(indicando-os também) e aforma com que foram

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utilizados os exemplos(apontando-os).

GUERRA & PAZ – ONTEM,HOJE E SEMPRE!

Luciene FélixNa Grécia Antiga havia um invi-

olável código de Paz enviado porZeus, do Olimpo: a “Lei” dahospitalidade.

No polêmico mundo de hoje,ressoa ainda o eco grego. Profundosconhecedores dos meandros quepermeiam as delicadas teias quetecem a guerra e a paz entre os ho-mens, temos em poetas exponenci-ais tais como Homero e Hesíodo oregistro de como ela, a guerra, amaldita “Polemós” se origina. E opalco desses conflitos é o Lar.

Na Grécia Antiga havia um invi-olável código de Paz enviado porZeus, do Olimpo: a “Lei” da

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hospitalidade. Ksenia: Nem mesmoos deuses poderiam infringi-la.Trata-se da obrigação de receberbem todo e qualquer estrangeiro,trata-se de prestar cuidados,auxílio, hospitalidade, derivandodaí a palavra “hospital”.

Qualquer pessoa, viajante, depassagem, bastava bater à porta:“toc-toc” da forma mais prosaica domundo e seria recebido diretamentepelo dono da casa. Este, abstendo-se de qualquer inquérito préviopara que não configurasse interessemercantil, imediatamente acionavauma serviçal, uma escrava que, coma bacia d’água, sabão e panoslimpos, oferecia-lhes ao estrangeiropara higiene e conforto inicial.

O visitante lavava o rosto, asmãos e era imediatamente conduz-ido a seus aposentos. Lá,

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encontrava acomodações e roupaslimpas. Seu cavalo e o de seus par-ceiros, se houvessem, eram tambémtratados. O dono da casa instruía atodos sobre a cordialidade para como hóspede e durante cerca de dois atrês dias era um banquete só.Disponibilizava-se o que havia demelhor na casa: pães, azeites, frutasraras, vinhos, faisões e cordeiros.

Ao fim desses dois ou três dias defestejos e fartura, finalmente ohóspede sentia-se compelido a, di-ante de seu anfitrião, sua mulher,filhos e demais parentes, falar sobresua origem, seus pais, sua terra e,principalmente, o propósito de suavisita. Este podia ser uma simplesviagem, algum interesse comercial,um comunicado importante, umchamado, um circunstancial e

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delicado momento de necessidadepecuniária…

Não havendo relato e, portanto,ressonância de uma hospitalidadeanterior, de qualquer modo, estavasemeada a Paz. O anfitrião tinhacomo certo o digno recebimento dealgum dos seus em terras es-trangeiras. Nessas ocasiões, muitasvezes, ocorria a rememoração deque algum ancestral, parente,amigo ou conhecido do anfitriãohavia recebido hospitalidade porparte dos pais, parentes ou amigosdo visitante e, nesses instantes, acamaradagem era total. Celebrava-se e brindava-se ao “pagamento” daPaz com a Paz. O hóspede, agrade-cido, despediase e prosseguia emseu caminho. O anfitrião sentia-seenobrecido por ter semeado ousimplesmente selado a paz,

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perpetuando-a através de seu hon-roso gesto. Nem sempre imperava aPaz nesse acordo tácito. Não eramraras as vezes em que o viajanteencantava-se com a esposa ou comuma das filhas de seu anfitrião.Conta-se até ter havido rainhas que,sentindo o ultraje de terem sidopreteridas por algum hóspede porquem tenham se sentido atraídas,deturparam propositalmente asações relatando ao marido as inex-istentes investidas por parte do hós-pede. Estava declarada a guerra:“Polemós”. Daí o termo polêmica.Ser acolhido, bem recebido, e re-tribuir toda distinção e apreço comuma aviltante traição era inadmis-sível! Violar uma regra sagrada eraincitar a guerra!

Narra Homero, na Ilíada, quePáris, irmão de Heitor, filhos de

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Príamo e Hécuba, Reis de Tróia, vi-olou esta Lei. Ao sequestrar Helena,mulher de Menelau (mesmo tendoido por sua livre e espontânea vont-ade) selou o trágico fim de umadinastia. Todos os gregos se aliarama Menelau, irmão de Agamennon,Rei de Esparta, para a guerra. Troiafoi destruída. Sucumbiu por ter in-corrido no erro de ter acobertado omais famoso adultério da históriado mundo antigo.

Troia atraiu POLEMÓS!E você, como tem recebido a

quem bate à sua porta? Recebabem, muito bem quem quer queseja pois essa é a suprema Lei daPaz, Lei de Zeus (basta trocar o “Z”pelo “D”, se for Cristão!).

Texto publicado originalmente noJornal Carta Forense, fevereiro de2006.

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CAPÍTULO 5

Refutação de ideias

A refutação constitui uma atividade essencialda argumentação, pois atinge as duas finalid-ades a que a mesma persegue: racionalid-ade e persuasão.

Por um lado, a refutação de teses contra-ditórias ou contrárias constitui aprofunda-mento lógico da reflexão (racionalidade). Poroutro, enfrentar as eventuais objeções temefeitos persuasivos imediatos: dissuadireventuais detratores, bem como manter odebate intelectual nas mãos do emissor. Asobjeções não enfrentadas podem facilmenteaparecer em discurso seguinte; mas, nessasituação, não será mais o primeiro emissorquem conduzirá o raciocínio e o convenci-mento alheio.

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É, portanto, técnica necessária para funda-mentar, para justificar também as própriasideias.

A eficácia da refutação, porém, depende doemissor ser capaz de concretizar os seguintespassos:

1. Assimilar profundamente, como quementra em um mundo alheio, a tese con-traditória ou contrária.2. Julgar a validade dos exemplos e dasopiniões alheias.3. Escolher a estratégia argumentativamais adequada ou eficaz – rejeição total,concessão parcial, atenuação.4. Executar com técnica o discurso queconcretiza a estratégia argumentativaescolhida.

5.1 Rejeição TotalA REJEIÇÃO, técnica que nega qualquervalor a uma ideia alheia, deve ser utilizada

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com muito cuidado, somente quando o emis-sor tem certeza de seu julgamento.

Pode ser enunciada de diversas formas:não é verdade que…, não se pode aceitar…,não é razoável que…

Uma tese também pode ser o instrumentoda refutação objetiva. Anunciase, após a an-títese, algo como: na realidade…, na ver-dade…. E, em seguida, se apresenta a ideiadefendida.

Cuidado se deve tomar, no entanto, paranão se adotar o raciocínio binário (ou é ounão é) quando o pensamento puder ser mat-izado, quando a situação apresentar diversosaspectos. Isto, se percebido, pode enfraque-cer a eficácia do juízo de rejeição.

A rejeição de um argumento (real ou hi-potético) que enfraquece a tese do emissoré necessária. Por sua vez, a rejeição de umaantítese (argumento alheio que invalida atese do emissor e ainda apresenta tese

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contraditória) é mais do que necessária, éessencial.

5.2 Concessão ParcialA CONCESSÃO é uma trilha argumentativadiversa, consiste em aceitar em parte umaideia. Não é sintoma de fraqueza. Ao con-trário, é nota característica do discurso quetem presente sua verdadeira potencialidade,que tem presente a sua real dimensão.

Comparando com a rejeição, a concessãoapresenta muito mais vantagens no campodo convencimento, pois estabelece diálogocom os que pensavam de modo diferente. Arejeição de plano afasta os que não pensamcomo o emissor. A concessão mantém taisreceptores ainda próximos. Há, portanto,muito mais vantagens psicológicas em se ad-otar a técnica da concessão.

De certo modo, no entanto, essa técnicapermite a manipulação. Quando o emissor

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aceita algo do pensamento alheio, é naturalque o receptor que se enquadre nopensamento diverso baixe muito de suaguarda e passe a considerar o que se estáfalando.

Poderíamos pensar da seguinte forma: Hámelhor caminho para induzir outrem a lhefazer algo do que o de você fazer, antes, porele, o mesmo? A reciprocidade, elementotípico e marcante de nossa sociedade, produzesse fenômeno.

Quando se aceita algo do “inimigo” émuito mais fácil convencê-lo a aceitar algode nossas ideias.

A concessão, por outro lado, pode ser umaestratégia; mas, em muitos casos, é uma ne-cessidade. Se há argumentos contrários quegozam de certo grau de aceitabilidade diantedo público receptor, não é possível produzirum discurso racional e persuasivo diverso senão se enfrentarem esses argumentos.

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5.3 Modulação OuPonderaçãoHá casos em que a rejeição total ou mesmo aconcessão parcial não constituem o caminhoargumentativo mais eficaz. Às vezes, é opor-tuno apontar apenas que determinado argu-mento contrário é desmedido, que determ-inado argumento não tem, verdadeiramente,toda a dimensão que aparenta ter naprimeira leitura ou na apresentação inicial.

Essa forma de contrapor o argumento con-trário produz (como a concessão parcial) umcampo de diálogo, de conciliação. Destaforma, permite fincar o juízo em um terrenode acordo.

Diversas formas literárias podem ser util-izadas, tais como:

a. em primeiro plano, tal raciocínioparece muito razoável, seria exagero, noentanto, afirmar que…;

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b. a situação apresentada não é tãodefinida quanto se pode crer…;c. tal afirmação simplifica demais arealidade…

Por esse mecanismo é possível, portanto,minimizar ou atenuar os efeitos de númerosapresentados, de determinados aconteci-mentos ou exemplos relatados ou mesmo deideias expostas.

5.4 Necessidade DaJustificativaQualquer rejeição, modulação, ponderaçãoou atenuação apresentada, no entanto, paraque tenha efetiva eficácia, deve ser impreter-ivelmente justificada com provas concretasou raciocínios irrepreensíveis. Ao contrário,conduzirá o discurso ao mero digladiar deopiniões, campo em que sempre a maiorautoridade vencerá.

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Para que se estabeleça verdadeira refut-ação, é necessário que se enuncie comclareza e firmeza um contra-argumento eque se atente, de modo especial, para a justi-ficativa do ponto de vista apresentado.

Nesse ponto, é preciso revisitar os pontosque apresentamos para a enunciação de umaideia no tópico anterior.

5.5 Mecanismos RetóricosDe RefutaçãoUma técnica bastante eficaz para desbarataro argumento contrário é a de revidar a ar-gumentação contrária com os seuspróprios fundamentos. Partindo de seuspróprios fundamentos lógicos, de seuspróprios exemplos, demonstrar que os mes-mos permitem concluir o contrário do que oemissor concluiu. Basta, para tanto, utilizar-se das inferências que não foram extraídaspelo emissor contrário.

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Outra técnica muito eficaz para a refut-ação, especialmente para o oral, é a que seutiliza de perguntas retóricas (perguntaque não é feita para o receptor responder,mas para o próprio emissor a contestar) eprovocativas. Em verdade, são perguntas quetêm em si mesmas o argumento da resposta,mas que geram a impressão psicológica deque o receptor participa do raciocínio, de queo receptor encontra a resposta que lhe foiintrojetada.

5.6 Necessidade De UmApontamento FinalPara que o discurso adquira efetivamente to-das as suas potencialidades lógicas e persua-sivas, é preciso, após o exercício de refut-ação, que o emissor atente para uma questãoessencial: é necessário que o receptor, ao fi-nal, perceba claramente qual é a ideia maisadequada e que a memorize.

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Para tanto, após a refutação, o emissor de-ve resumir e reformular sua ideia básica, demodo claro e sintético, pondo um ponto finalna questão.

Esse procedimento aumenta exponencial-mente a comunicação, pois aquilo que talveztenha ficado claro apenas para o emissor, ouapenas para aqueles que conseguiram acom-panhar todo o raciocínio dialético, podetornar-se transparente para todos osreceptores.

Exercício Prático(autoavaliativo)Identifique, no texto abaixo, atese central, os argumentos eos exemplos que fundam aideia enunciada, os diversos ti-pos de raciocínio utilizado.

Com esses elementos,elabore um breve texto (UMA

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LAUDA) de refutação à teseapresentada.

Manifestações políticas nacaixa registradora

Anand GiridharadasEle tem vários nomes: boicote,

consumo ético, economia moral.Seja como você o chame, o ato decomprar está se tornando cada vezmais político em todo o mundo rico.Um carro não é mais só um carro,nem uma xícara de café é só uma xí-cara de café. Na era dos híbridos edo “fair trade” (comércio justo), oshopping center é um fórum para amanifestação de convicções eesperanças.

Hoje podemos comprar nãoapenas créditos de carbono, frutasorgânicas e papel reciclado, mastambém um iPod cuja aquisiçãocombate a transmissão da Aids na

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África; um sapato da Timberlandfeito de lã biodegradável e courocurtido de forma orgânica; e cam-isinhas “fair trade”, de látexsustentável.

Mas, conforme a tendência ganhaímpeto, um debate se inicia: o con-sumo é uma nova forma de cid-adania? Ou é um sinal de como acidadania está desgastada? O con-sumo político não é novo: suahistória percorre todo o movimentopelos direitos civis, a campanhacontra o apartheid e outras causas.O que é novo é que boicotar está setransformando em enviar sinaispositivos, e não apenas negativos, eé praticado cada vez mais por com-pradores da corrente dominante.Um estudo publicado recentementena “Political Science Quarterly”concluiu que 62% dos americanos

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se dispõem a pagar US$ 5 a maispor um suéter de US$ 20 produzidode forma mais ética.

Os defensores do consumo con-sciente veem esses custos ex-cedentes como expressão política:cidadãos que usam o dinheiro paramelhorar o mundo. Alguns atédizem que a manifestação por meiodo dinheiro supera o voto: com-pramos todos os dias, mas votamoscom bem menos frequência.

Mas o consumo ético começou aatrair críticos.

Um grupo deles afirma que apolitização do consumo distorce ospreços e promove o excesso deprodução, enquanto impõe con-dições arbitrárias aos produtores –como insistir em que os agricultorespobres matriculem seus filhos naescola.

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Outro grupo de críticos lamentaque a cidadania tenha chegado aisso. Para eles, cidadania tem a vercom votar, protestar e escrever –envolver-se. Na era moderna, elesdizem, começamos a nos voltar paradentro.

Em um artigo publicado no anopassado na revista médica britânica“The Lancelet”, os acadêmicos Col-len O’Manique e Ronald Labontecondenaram a RED, campanha demarketing do iPod e de outrosprodutos cuja compra ajuda a fin-anciar a batalha contra o HIV naÁfrica.

“Desconfiem da nova ‘noblesseoblige’ do século 21, que substituiua eficiência de programas para mel-horar a saúde financiados por im-postos e verbas por um modelo

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caritativo voltado para o consumo”,eles escreveram.

A cidadania de mercado, como oscríticos a chamam, permite que oEstado fuja de suas responsabilid-ades, eles dizem. Bens públicoscomo os sistemas de saúde devemser financiados publicamente,afirmam. Privatizar a compaixãopode tentar o Estado a negligenciaros problemas.

A pergunta, no fundo, é: teríamosnós, com nossos carros, camisinhase cenouras éticas, encontrado umamaneira de humanizar os merca-dos? Ou encontramos uma formade tornar a política suportável,transformando-a em consumo?Folha de São Paulo, Caderno TheNew York Times, p. 4 – Segunda-feira, 26 de outubro de 2009.

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CAPÍTULO 6

Estilosargumentativos

Para preparar uma boa argumentação é pre-ciso dirigir os olhares ao estilo, ao aprenderexprimir melhor as ideias, os raciocínios,para que assim os outros, os receptores, en-tendam melhor o nosso discurso.

Esse trecho da via da argumentação é for-mado por diversos elementos: começa pelaestrutura das frases, passa pelo encadea-mento linguístico das ideias e encerra-se emalgumas técnicas estilísticas.

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6.1 Estrutura coordenada esubordinada das ideiasfraseFrase é todo enunciado que reúne palavrasde forma a transmitir ao receptor o quepensamos, queremos ou sentimospontualmente.

Podem ser:• Declarativas, explicitando um juízosobre alguém ou algoExemplo: Não pensei mais nasdificuldades.• Interrogativas, explicitando umaindagaçãoExemplo: Não sabes, ao menos, em quedireção seguir?• Imperativas, desvelando uma ordem,proibição, ordem ou pedidoExemplo: Acompanhem meu raciocínio.• Exclamativas, traduzindo admiração,surpresa ou arrependimento

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Exemplo: Um senhor instruído meter-senessas trapaças!• Optativas, que exprimem desejosExemplo: Quem me dera escrever comoeles!• Imprecativas, que desvelam súplicas,pragas ou maldiçõesExemplo: Oxalá encontres o que so-fregamente buscas!

É nesse conjunto de opções que podemostransmitir nossas ideias pontuais.

OraçãoA oração, por sua vez, é a estrutura lin-guística que apresenta as palavras relacion-adas entre si, como sujeito (de quem se dizalgo) e predicado (aquilo que se afirma dosujeito).

O sujeito, normalmente constituído porum substantivo (ex. a lei…), pronome (ex. to-dos…) ou por uma expressão substantivada

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(ex. o normatizar…), pode ser simples, com-posto, claro, oculto, agente, paciente, agentee paciente, ou indeterminado.

Para o discurso escrito, a norma culta in-dica a indeterminação do sujeito. Há,para tanto, três caminhos: 1) usar o verbo na

3a pessoa do plural, sem fazer referência aqualquer sujeito expresso (ex. Olhavam-nocom admiração.); 2) utilizar o verbo ativo na

3a pessoa do singular, acompanhado do pro-nome “se” (ex. Quando se é estudante…); 3)deixar o verbo no infinitivo impessoal (ex. Épenoso, mas necessário assistir a tais cenas.).

PeríodoPeríodo é a frase organizada em uma oumais orações. Período simples é o formadode uma oração (ex. “A ignorância do bem é acausa do mal” – Demócrito). Período com-posto é o constituído de mais de uma oração

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(ex. “O gato não nos afaga, afaga-se em nós”– Machado de Assis).

Os períodos compostos podem ser forma-dos por dois processos sintáticos: pela co-ordenação (mera sucessão ou justaposiçãode orações que possuem sentido completo,sem qualquer dependência entre elas) oupela subordinação (uma oração carece desentido completo e depende sintaticamenteda outra, como sujeito, como predicado oucomo complemento).

Orações coordenadasNa coordenação, as orações são independ-entes, por isso podem ser simplesmentejustapostas, separadas por pausas (vírgula,ponto e vírgula, dois pontos). Podem, no ent-anto, ser unidas por conjunções coorde-nativas, segundo o significado que queiramdestacar:

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1. Aditivas – as orações têm o mesmosentido.Podem ser unidas pelas seguintes con-junções: e, nem [com o sentido de “enão”], também, que [com sentido de“e”], mas [com sentido de “e”].Ou pelas seguintes locuções conjuntivas:não só… mas ainda, não somente…como também, não só… senão que).Exemplos: Não fez nem deixou que out-ros fizessem. Sabia todos os pontos,também seria reprovado se não osdominasse. Dize-me com quem andas,que eu te direi quem és. Não só é precisoconstância no estudo, senão que é ne-cessário perseverança.2. Adversativas – as orações têm sen-tido adverso, contrário.Podem ser unidas pelas seguintes con-junções: mas, contudo, entretanto, to-davia, porém, senão [no sentido de “docontrário” ou de “mas sim” ou de “a não

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ser, mais do que”], aliás [no sentido de“de outro modo”], no entanto, aindaassim.Exemplos: Lia, lia, lia, mas não enten-dia. Podes continuar a duvidar,chegarás, porém, a admitir que tenhorazão. Não insista, senão perderá tempo.Ao professor cabe um vaticínio: escre-vas, senão perecerás.3. Alternativas – expressam ideias in-compatíveis ou alternadas, não revelama oposição definida das adversativas,mas uma separação vaga ou alternação.Podem ser unidas pelas seguintes con-junções singulares ou repetidas: ou, ora,já, quer, seja.Exemplos: Ora admites a incapacidade,ora tentas superá-la. Diga sim, ou diganão… Quer você queira, quer nãoqueira…4. Conclusivas – apresentam uma or-ação como conclusão, ilação da outra.

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Podem ser unidas pelas seguintes con-junções: logo, pois, então, portanto, as-sim, por isso, enfim, por fim, por con-seguinte, consequentemente.Exemplos: Há poucos dias sofremosesse embate; não temos, pois, como agircom o mesmo entusiasmo [pois conclus-ivo deve ser intercalado]. Não temos quedar conta dessa tarefa, pois não se insereem nossas atribuições [pois causal deveaparecer no rosto da oração]. Fomosalertados, devemos então agir emconsequência.5. Explicativas – uma oração con-tinua, explana o sentido da primeira.Podem ser unidas pelas seguintes con-junções: ou seja, isto é, por exemplo, asaber, que, pois bem, porque, por-quanto, além disso, ademais, ao demais,com efeito, outrossim, na verdade.Exemplos: Ele adquiriu dois alqueires,ou seja, conquistou 48 mil metros

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quadrados. Acredito que não darei contadessa tarefa a tempo; não quero,outrossim, aborrecer aos meus colegasde trabalho.

Orações subordinadasNa subordinação, as orações podem desem-penhar a função de substantivos (sujeitos,objetos, predicativos do sujeito, complemen-tos nominais, apostos – iniciando, em geral,pelas conjunções integrantes que e se, pelospronomes indefinidos quem, quanto,qual, que, pelos advérbios como,quando, onde, porque, quanto, quão);de adjetivos (adjunto adnominal explicat-ivo ou restritivo – iniciando, em geral, comos pronomes relativos que, quem, cujo);ou de advérbios (adjunto adverbial).

O domínio de todas essas formas é certa-mente a trilha segura para bem escrever;mais ainda, para escrever em formas

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variadas: o que torna qualquer texto maisagradável e palatável.

Orações subordinadasadverbiaisNo domínio da argumentação, entretanto,ganha destaque a necessidade de se dominaras orações subordinadas adverbiais,senda mais afeita à conexão de ideias.

Podem revestir-se das seguintes modalid-ades, segundo as conjunções que as in-troduzam, de acordo com o significado queprecisem explicitar:

1. Causais (exprimem um motivo, umarazão, a causa de um efeito): porque,que [no sentido causal], visto que, umavez que, desde que, por isso, tanto que,porquanto, como.Exemplos: Porque não me ouviam,repreendi-os veementemente. Não podedisfarçar os sentimentos, porque

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vinham de um coração arrebatado.Como choveu demasiado, o trânsito so-freu a consequência.2. Comparativas (desvendam umaanalogia): como, que, do que, tal qual.Exemplos: Os funcionários efetivos nãoforam prejudicados como nós, os tem-porários. O escritor não só deleita-se aoescrever, como se regozija ao ser lido. Ajurisprudência reconheceu a tesejurídica, tal qual a doutrina apontava hámuito como necessária.3. Concessivas (desvelam um fato quese concede, que se admite): embora,conquanto, posto que, se bem que, pormais que, mesmo que, ainda que, pormuito que, em que, com [na afirmativa]ou sem [na negativa] seguidos do verbono infinitivo, sem que [seguido dosubjuntivo].Exemplos: Admirava-o muito, se bemque não o conhecesse profundamente.

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Embora quase todos assim tenham con-cluído, continuo a pensar diversamente.Pedro não tem condições, e mesmo quetivesse, não se meteria em tal empreit-ada. Sem ser obrigado a tanto, obedeciacegamente. Sem que fosse escravo, agiacomo tal.4. Condicionais (expõem uma con-dição, uma hipótese): se, caso, contantoque, salvo se, exceto se, a menos que,caso, a não ser que, sem que. Exemplos:Se o conhecessem, não o condenariam.A não ser que proíbam, nossa confrat-ernização será no saguão de entrada.Acompanharei vossa reunião, contantoque me deixem opinar. Sem que con-sideremos as razões apresentadas nãoestaremos respeitando ao contraditório.Nesse ponto, é interessante conhecer oseguinte: nossa língua apresenta trêsformas de se construir uma condição,seja ela real, irreal ou impossível.

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A hipótese real é mais bem apresentadacom o verbo no indicativo (exemplo:Podes perder tempo, contanto que possaadiar o que tem de fazer.).A condição possível, com o verbo nosubjuntivo imperfeito (exemplo: Se nóspudéssemos, adiaríamos a tarefa) ou nosubjuntivo futuro (exemplo: Se eles per-mitirem, poderemos faltar no sábado).A suposição impossível, com o verbono subjuntivo imperfeito (exemplo: Seeu pudesse falar, não estaria reclaman-do) ou mais-que-perfeito (exemplo: Seeu tivesse podido falar, o resultado teriasido outro).5. Conformativas (demonstramacordo ou conformidade, semelhança ouparalelismo de um fato com outro):como, conforme, segundo, consoante, damesma maneira que.Exemplos: Consoante opina a maioria, ahistória é cíclica, sempre se repete.

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Todos se vestem consoante veem naspropagandas de seu tempo.6. Consecutivas (revelam consequên-cia, resultado): [tão] que, de maneiraque, de sorte que, de modo que, semque, tanto… que, tal… que.Exemplos: Os resultados do treina-mento eram satisfatórios, de sorte quevalia a pena continuar. Tamanha era suasorte, que todos os dias era o primeiro aser dispensado. A doença avançava semcontrole, de maneira que se entregou àmorte.7. Finais (apresentam uma finalidade,um objetivo): para que, a fim de que,porque, que [no sentido de “para que”].Exemplos: Volto a explicar a fim de queentendam melhor. Tudo fizemos paraque ele se emendasse.8. Proporcionais (desnudam uma re-lação de proporcionalidade ou paridade,de aumento ou de diminuição de uma

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ideia, traduzem harmonia ou desarmo-nia em certa simetria): à medida que, àproporção que, quanto mais… mais,quanto menos… menos.Exemplos: Quanto mais se compreen-dem as técnicas, mais natural se torna aarte. À proporção que diminui a vigilân-cia, menor torna-se a dependência.9. Temporais (indicam o tempo dofato expresso na oração principal):quando, enquanto, sempre que, agora,nem bem, desde que, apenas, ao passoque, ao tempo que, até que.Exemplos: Nem bem terminou a leitura,ansioso estava por praticar. Insista nadivulgação até que não dê mais resulta-dos. Recitava belos sonetos ao passo quetodos nos deleitávamos com sua veiaartística.10. Modais (sugerem modo ou maneirapeculiar de uma ação): como se, semque.

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Exemplo: Saiu da sala sem que sedespedisse.Todas essas formas apresentadas precis-am ser treinadas e compreendidas. Há,de fato, situação para cada uma delas.Ademais, utilizando-as adequadamente,nossas ideias tornam-se efetivamentemais compreensíveis e agradáveis.Um caminho alternativo é portar a ta-bela abaixo quando tenhamos que escre-ver (construída a partir das indicaçõesde Bernard Meyer, em sua obra A Artede Argumentar e por nós adaptada):

Expressões De Adição Ou DeJustaposição

Advérbios e Locuções Adverbiais:antes de tudo, acima de tudo,primeiramente, em primeiro lugar,do mesmo modo, ademais, alémdisso, aliás, também, em segundo

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lugar, em terceiro lugar, por umlado… por outro lado, não só… mastambém, quanto a, no que se referea, finalmente;

Conjunções: assim como, e, semcontar que, nem;

Proposições e Locuções Preposit-ivas: além de, ademais de;

Verbos: acresce que.

Expressões De Causa Ou DeExplicação

Advérbios e Locuções Adverbiais:de fato, com efeito, realmente;

Conjunções: porque, uma vez que,pois, visto que, porquanto, por isso,como, mesmo porque;

Proposições e Locuções Preposit-ivas: por causa de, em razão de,devido a, em virtude de, em

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consequência de, sob o efeito de,por força de, graças a, por faltade;

Verbos: resultar de, ser devido a,depender de, decorrer de, provirde, proceder de, redundar em.

Expressões De ConsequênciaOu De Conclusão

Advérbios e Locuções Adverbiais:por conseguinte, consequente-mente, por isso, assim;

Conjunções: de (tal) modo que, de(tal) maneira que, de sorte que, aponto de, tão… que, tanto… que, su-ficiente… para que, demais… paraque, por isso, portanto, por con-seguinte, assim;

Proposições e Locuções Preposit-ivas: a ponto de;

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Verbos: implicar, ensejar, provo-car, carrear, causar, produzir, sus-citar, redundar, incitar a, levar a.

Expressões De Finalidade

Conjunções: para (que), a fim de(que);

Proposições e Locuções Preposit-ivas: em vista de, no intuito de, coma intenção de;

Verbos: visar a, tender a, objetivara.

Expressões De Oposição Ou DeConcessão

Advérbios e Locuções Adverbiais:em compensação, em contra-partida, inversamente, aocontrário;

Conjunções: mas, porém, todavia,contudo, entretanto, não obstante(adversativas), embora, ainda que,

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se bem que, mesmo que, a menosque (subordinativas);

Proposições e Locuções Preposit-ivas: apesar de, a despeito de, emvez de, ao invés de, Verbos: não im-pedir que, opor-se a, contradizer.

Expressões De Hipóteses OuDe Condição

Advérbios e Locuções Adverbiais:acaso, por acaso, porventura;

Conjunções: caso, desde que, cont-anto que;

Proposições e Locuções Preposit-ivas: em caso de, com a condiçãode, sem;

Verbos: supondo-se que,admitindo-se que.

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6.2 Encadeamento dasideiasO segundo desafio para bem escrever é saberefetivamente encadear as ideias apresenta-das no desenrolar de todo o discurso. Paratanto, sugerimos o caminho a seguir.

Todo argumento apresentado pode serdesdobrado em duas partes: o tema e ocomentário. Tema é o que o receptor já con-hece. Comentário é o que o emissor ap-resenta de novo, o cerne da mensagem quese quer transmitir.

Embora essa equação não seja nem abso-luta, nem obrigatória, tal desdobramento émuito útil para a construção de nexos, deelos, de ligações.

Por outro lado, quanto mais se com-partilhe com o receptor de pontos de vistapor ele admitidos (quanto mais rico o tema),mais próximo estar-se-á de o mesmo acom-panhar o comentário. Trata-se, de fato, de

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forma fluída de aliaremse o emissor e oreceptor.

Quanto ao encadeamento, objeto que oranos interessa, diante do tema e docomentário podem ser construídos osseguintes percursos:

a) o tema da frase seguinte retoma otema da frase anterior (evitando as re-petições, usando substitutos, possibilitaenriquecer com novos detalhes um temajá tratado);b) o tema da frase seguinte retoma umsubtema da frase anterior (procedi-mento que possibilita pormenorizar oudesenvolver e aprofundar algumaspecto);c) o tema da frase seguinte retoma umcomentário da frase anterior (é o usomais rentável para a argumentação, ex-ige apenas o domínio da nominalização– encontrar um termo que, sem criar re-petições, resuma a noção anterior);

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d) o tema da frase seguinte não retomanada da frase anterior (como é muitasvezes impossível ligar tudo a tudo, háocasiões em que essa forma tem de seapresentar, o cuidado deve recair apenasno evitar uma mudança muito abrupta).

6.3 Técnicas estilísticasSaindo do raciocínio absolutamente lógico,enfrentado nos dois itens anteriores, a línguatambém deve ser usada como estratégia,como um conjunto de procedimentos per-suasivos não pelo seu conteúdo, mas pela suaforma.

Três são as possibilidades:a) estilos que envolvem osinterlocutores;b) procedimentos que recorrem àsnormas;c) técnicas simplesmente estilísticas.

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Envolver O InterlocutorNo primeiro conjunto, podemos utilizar osseguintes artifícios:

• Apelo ao interlocutor: chamar o re-ceptor para dentro do discurso,nomeando-o ou associando-o ao fluxodas ideias.Por exemplo: Os brasileiros sabemmuito bem que…, Vocês têm consciênciade que…, Todos queremos isso…• Pergunta retórica: utilizando-se doapelo dialógico, faz-se uma pergunta(para que o receptor pense junto com oemissor) e o próprio emissor responde(como se fosse o receptor que estivesserespondendo). Essa técnica dá vida aotexto oral e escrito e deixa o emissor e oreceptor coligados.Por exemplo: Algum de nós quer, con-scientemente, esse resultado? É claroque não…

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• Demonstrar a Boa-Fé: uma vez goz-ando de certo prestígio no auditório, épossível apelar, diante da ausência denovos argumentos lógicos, para oreferido prestígio aliado à boa-fé.Por exemplo: Estou absolutamente con-victo de que…, Em sã consciência,afirmo que…, De todo o coração, meusentimento diz que…

Recurso Às NormasNo segundo conjunto, apresentam-se asseguintes formas:

• Apresentar uma Definição: trata-se de apresentar uma definição que val-orize o que se quer ressaltar, pois, emnossos tempos, não há nada que maisconvença do que um “pretenso” di-cionário. Os dicionários gozam de talprestígio atual que utilizar suas técnicas(sua maneira de dizer o que as coisas

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são) torna o discurso absolutamenteconvincente.• Recorrer a um Valor: como existemvalores aceitos em praticamente todasas sociedades, aliar-se aos mesmos podeser o caminho mais curto para confirm-ar uma ideia ou mesmo para repelir umaargumentação que se queira refutar.Apostando na força intrínseca dosvalores e na sua implícita e automáticaaceitação dos mesmos pelos receptores,é possível construir discursos bastantepersuasivos. Quanto que se pode dizerem nome da coragem, da liberdade, dademocracia…• Recurso à Autoridade: diante denomes ou de personalidades sacraliza-das pela opinião geral, é possível deixarqualquer discurso de um desconhecidoabsolutamente persuasivo. Basta que aautoridade invocada seja realmente con-hecida ou reconhecida como tal pelos

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receptores. De outra forma, basta que oemissor apresente os qualificativos quetornem o citado uma autoridade.Relevante, no entanto, é não se utilizardos procedimentos falaciosos da idolat-ria, pois isto não é compatível com a ar-gumentação. Ou seja, deve haver ummínimo de pertinência entre a autorid-ade e o tema. Somente na publicidade éque se admite (pois as pessoas não per-cebem a falsidade) que um campeão es-portivo possa nos dizer qual a melhormarca de celular, que uma artista denovela nos diga qual carro devemosadquirir.

Técnicas De EstiloO terceiro grupo apresenta um conjunto deformas que atingem impacto imediato:

• Palavras com Forte Conotação:influenciam de imediato ao ânimo do re-ceptor, pois buscam ressonância

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imediata no espírito, o choque sem mei-as palavras.Por exemplo: covarde, infame, repug-nante, heroico…• Frase Feita: mediante expressões fa-cilmente memorizáveis (o que de imedi-ato é vantajoso para a argumentação),sintéticas, densas e firmes, soem causarimpacto profundo na argumentação.Não se trata de inserir provérbios oufórmulas banais, mas sim de criar ex-pressões próprias. Por exemplo: “Vive-mos cercados de religiões sem qualquerreligiosidade”.• Gradação de Ritmo: apresenta-seuma primeira ideia de maneira rápida,desenvolve-se a mesma de maneira umpouco mais demorada, aperfeiçoa-se amesma de maneira delongada. Trata-sede uma técnica bastante envolvente emuito adequada para a argumentação,pois faz com que o receptor

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gradativamente aprofunde-se no objetode discussão.• Gradação de Sentidos: com omesmo propósito anterior, a gradaçãopode ser construída com a escolha depalavras que apresentem uma ordemcrescente de força ou de ênfase• Paralelismo: trata-se de repetir umaestrutura em mais de uma ocasião deforma que o receptor perceba que asideias são paralelas, reforçando a coer-ência, impressionando pela lógica(mesmo que aparente). São formasusuais desse estilo os conectores“quanto mais… mais”, ou “quantomenos… menos”.• Oposição: com os mesmos propósitosanteriores (associar as ideias), demon-stra o movimento oposto, que pode levaraté mesmo ao paradoxo. Por exemplo:“quanto mais… menos”.

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• Ironia: para criar distância entre umarealidade e as palavras a que se refereme, ao mesmo tempo, uma cumplicidadeentre o emissor e o receptor, é possívelapresentar uma tese contrária de modoirônico, desvalorizando-a,ridicularizando-a. Importa, no entanto,saber fazê-la com elegância. Porexemplo:“A guerra tem a seu favor a antiguidade;existiu em todos os séculos: sempre foivista a encher o mundo de viúvas e ór-fãos, a esgotar as famílias de herdeiros,a matar irmãos numa mesma batalha…Desde todos os tempos, os homens, poralgum pedaço de terra a mais ou amenos, convencionaram pilhar-se,queimarse, matar-se, massacrar-se mu-tuamente; e, para fazer isso com maisengenho e segurança, inventaram lindasregras que são chamadas de arte militar;à prática dessas regras atribuíram glória

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ou a mais sólida reputação; e desde en-tão foram esperando, de século emséculo, a maneira de se destruírem re-ciprocamente” (La Bruyère, CaracteresX; 9)• Analogia: para expressar algumasideias, é possível, às vezes, recorrer àsituação que tenha proximidade, à com-paração, à metáfora. Efetivamente,quando bem construídas, são extrema-mente didáticas, demonstram sutileza eoriginalidade na abordagem. São, por simesmas, bastantes sedutoras e dispens-am muita justificativa.• Petição de Princípio: técnica queapresenta ao receptor um pressupostoessencial para o raciocínio semdemonstrá-lo, como supostamente ad-mitido, de saída. Se o receptor não pre-star atenção, seguirá o discurso semousar contestar. É inserido, em geral,

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com tais expressões: “é normal que…”,“todos sabem que…”, “é evidente que…”.

Exercícios Práticos(autoavaliativos)1° Exercício:

No texto a seguir, identifiqueas seguintes técnicas: a) frasefeita; b) paralelismo; c) re-curso aos valores; d) gradaçãode ritmo; e) repetição; f)gradação de sentidos.

Um Balanço Da InteligênciaPaul ValéryNunca hesito em declarar: o dip-

loma é o inimigo mortal da cultura.Quanto mais importância os diplo-mas ganharam na vida (e essa im-portância só cresceu por causa dascircunstâncias econômicas), mais orendimento do ensino diminuiu.

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Quanto mais se exerceu e multi-plicou o controle, piores foram osresultados. Piores por causa dosefeitos sobre o espírito público e oespírito tout court. Piores porquecriou esperanças, ilusões de direitosadquiridos.

Piores por todos os estratagemase subterfúgios que sugere; re-comendações, preparativos estraté-gicos e, em suma, o uso de todosesses expedientes para transpor otemível limiar. Aí está, cabe ad-mitir, uma estranha e detestáveliniciação à vida intelectual e cívica.

Aliás, se eu me basear apenas naexperiência e observar os efeitos docontrole geral, verificarei que o con-trole, em todos os assuntos, acabapor viciar e perverter a ação… Eu jádisse: assim que uma ação é sub-metida a um controle, o objetivo

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profundo daquele que age deixa deser a própria ação, e ele imaginaantes a previsão do controle, a anu-lação dos meios de controle. O con-trole dos estudos não passa de umcaso particular de demonstraçãoclaríssima dessa observaçãogenérica.

O diploma fundamental, entrenós, é o baccalaureát. Ele conduz aorientar os estudos com base numprograma estritamente definido etendo em vista exames que, para ex-aminadores, professores eestudantes, representam, acima detudo, uma perda total, radical e nãoremunerada de tempo de trabalho.Assim que alguém cria um diploma,um controle bem definido,organiza-se simetricamente todoum dispositivo não menos precisodo que o programa elaborado, cujo

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único objetivo é conquistar essediploma por todos os meios. Comoo objetivo do ensino deixa de ser aformação do espírito e torna-se aaquisição do diploma, o objetivodos estudos passa a ser o mínimoexigível. Não se tem em mira apren-der latim, grego ou geometria.Agora é empréstimo, não éaquisição, daquilo que é necessáriopara passar no baccalaureát.

E não é só isso. O diploma dá àsociedade um simulacro de garantiae aos diplomados, simulacros dedireitos. O diplomado é visto, ofi-cialmente, como alguém que sabe:durante toda a vida ele guardaaquela patente de ciência mo-mentânea e puramente circunstan-cial. Por outro lado, esse diplomadoem nome da lei é levado a crer quelhe devem alguma coisa. Nunca foi

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instituída convenção mais nefastapara todos, para o Estado e para osindivíduos (e, em particular, para acultura). Foi em consideração aodiploma, por exemplo, que a leiturados autores foi substituída pelo usode extravagantes resumos, manuaise compêndios de ciência, porcoleções de perguntas e respostasprontas, excertos e outras abomin-ações. O resultado é que nada maisnessa cultura adulterada pode ser-vir de auxílio ou conveniência àvida de um espírito emdesenvolvimento.

2° Exercício:Escreva um breve texto (uma

lauda), com especial atençãoao encadeamento das ideias eàs técnicas estilísticas, com oseguinte título: RELIGIÃO ERELIGIOSIDADE.

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Apenas como inspiração, en-caminhamos o texto a seguir.

O Gene De DeusNicholas WadeOs arqueólogos Joyce Marcus e

Kent Flannery fizeram umadescoberta notável sobre a origemda religião ao longo de 15 anos deescavações no vale de Oaxaca, noMéxico.

Não encontraram nenhum tem-plo monumental, e sim sinais deuma transição crucial no comporta-mento religioso. O registro começacom uma simples arena paradanças religiosas comunitáriasfeitas por caçadores-coletores porvolta de 7000 a.C., passa por locaisde culto aos ancestrais, surgidosapós o advento do cultivo do milho,em torno de 1500 a.C., e terminaem 30 d.C., com sofisticados

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templos com orientação astronôm-ica de um Estado arcaico.

Essa e outras pesquisas apontama uma nova perspectiva a respeitoda religião, que busca explicar porque o comportamento religiosoaparece em sociedades de todos osestágios de desenvolvimento e emtodas as regiões do mundo. A reli-gião carrega as marcas de um com-portamento evoluído, o que signi-fica que existe porque foi favorecidapela seleção natural. É universalporque está impressa em nossoscircuitos neurológicos desde antesde os primeiros humanos se dis-persarem a partir da África.

Para os ateus, não é agradável aideia de que a religião evoluiuporque conferia benefícios essenci-ais às primeiras sociedades human-as e seus sucessores. Se a religião é

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necessária à vida, fica difícilapontá-la como inútil.

Para os crentes, pode parecerameaçador pensar que a mente foimoldada para crer em deuses, poisisso pode tornar menos plausível aexistência do divino.

Mas a perspectiva evolutiva dareligião não necessariamenteameaça a posição central de cadalado. O favorecimento da religiãopela seleção natural não comprovanem refuta a existência dos deuses.Para os crentes, se é possível aceitarque a evolução moldou o corpo hu-mano, por que não também amente? O que a evolução fez foi dot-ar as pessoas de uma predisposiçãogenética a aprender a religião dasua comunidade, assim como háuma predisposição para a lin-guagem. Tanto na religião quanto

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na linguagem, é a cultura, e não agenética, que fornece o conteúdo doque é aprendido. É mais fácil vernos caçadores-coletores como a re-ligião conferiu vantagens na lutapela sobrevivência. Seus rituais en-fatizam não a teologia, mas umaimensa dança comunitária que podevarar a noite. O movimento rítmicocontínuo induz a fortes sentimentosde exaltação e compromisso emo-cional com o grupo. Os rituais tam-bém resolvem atritos e impedemque o tecido social se esgarce.

A população humana ancestral decerca de 50 mil anos atrás teriavivido em pequenos grupos igual-itários, sem chefes. A religião serviacomo um governo invisível. Unia aspessoas, comprometendo-as a colo-car as necessidades comunitáriasacima de seu interesse próprio. Por

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medo da punição divina, as pessoasseguiam regras da comunidade. Areligião as encorajava a dar suas vi-das numa batalha contra estranhos.Grupos fortificados pela crença reli-giosa teriam prevalecido sobreaqueles sem fé, e os genes que in-duziam a mente ao ritual teriam seuniversalizado.

Na seleção natural, os genes quepermitem ao seu portador deixaruma prole maior se tornam maiscomuns. A ideia de que a seleçãonatural pode favorecer grupos, emvez de agir diretamente sobre indi-víduos, é altamente polêmica. Em-bora Darwin tenha proposto essaideia, a visão tradicional entre osbiólogos é de que a seleção entre osindivíduos elimina o comporta-mento altruísta bem mais

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rapidamente do que a seleção emtermos de grupos poderia favorecê-lo.

Mas a seleção por grupos con-quistou recentemente dois de-fensores poderosos, os biólogosDavid Sloan Wilson e EdwardWilson, que argumentam que duascircunstâncias especiais naevolução humana recente teriamdado à seleção por grupos umavantagem muito maior que a usual.Uma é a natureza altamente igual-itária das sociedades caçadoras-coletoras, o que faz todos se com-portarem de forma similar e dá aosaltruístas uma chance maior detransmitir seus genes. A outra é aintensa guerra entre grupos, quefortalece a seleção em favor de com-portamentos benéficos à comunid-ade, como o altruísmo e a religião.

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A propensão a aprender a religiãoda própria comunidade se tornoutão implantada no circuito neuroló-gico humano, segundo essa novavisão, que a religião foi mantidaquando os caçadores-coletorescomeçaram a se assentar emcomunidades fixas, a partir de 15mil anos atrás. Nessas sociedadeshierárquicas maiores, os gov-ernantes cooptaram a religião comofonte de autoridade.

A religião é frequentemente crit-icada por seus excessos, ao pro-mover perseguições e guerras, masrecebe menos crédito por sua fun-ção básica de manter o tecido moralda sociedade.

Mas talvez ela não mereça nemculpa nem crédito. Se a religião forvista como um meio de trazercoesão social, são a sociedade e seus

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líderes que usam tal coesão parafins bons ou ruins.

Fonte: Folha de S. Paulo,Caderno The New York Times, p.1-2, 23 de novembro de 2009.

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CAPÍTULO 7

Fundamentos daretórica

Boa parte de nosso treinamento foipercorrida. Resta-nos, no entanto, apurarnossos olhares pelo cabedal infindável dosretóricos.

7.1 Contexto inicialEmbora o senso comum identifique aRetórica como algo empolado, artificial,meramente declaratório ou falso, equivoca-se nesse entendimento.

Trata-se, em verdade, de uma área do con-hecimento que se dedica a estudar os argu-mentos e os estilos do discurso, segundo o

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que têm de persuasivo (que nos faz crer emalgo) e de convincente (que nos faz com-preender algo). É um saber instrumental quenos habilita em diversas técnicas para umaargumentação eficaz. Se estas técnicas, port-anto, são utilizadas para o bem ou para omal, o problema é outro.

Uma argumentação não é mais ou menoshonesta porque seja mais ou menos retórica,porque defenda mais ou menos uma causajusta:

Mas como explicar que uma causaexcelente seja às vezes defendidapor má argumentação? E, princip-almente, como sabemos que umacausa é boa? O critério supõe que ovalor da causa seja conhecidoantes da argumentação encar-regada de estabelecê-lo: o queequivale a julgar antes do pro-cesso, a eleger antes da campanhaeleitoral, a saber antes de

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aprender. Não existe dogmatismo

pior.1

Funções Da RetóricaSão diversas, por outro lado, as funções prát-icas da retórica.

Em primeiro plano, convence e per-suade. Pelos raciocínios e exemplos ap-resentados, convence o receptor da verdadedefendida. Pelo posicionamento do orador(etos) e pela exploração das tendências,desejos e emoções do auditório (patos), per-suade o ouvinte.

De modo imediato, também habilita-nos aentender o discurso alheio (função her-menêutica). É pela retórica que apren-demos a perceber o discurso alheio mani-festo ou latente, sopesar a forças dos argu-mentos dos outros e o não dito pelos mes-mos. Como não é possível ser um bom or-ador ou um bom escritor sem conhecer paraquem se discursa ou para quem se escreve, a

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retórica está intrinsecamente relacionadacom a compreensão do outro.

De maneira mediata, a retórica desem-penha a função heurística (do verbo gregoeuro, eureka, que significa encontrar,descobrir) que permite descobrir a “própriaretórica”. Ou seja, esclarece, desvenda exata-mente os limites, a amplitude, o grau de cer-teza de nossas ideias segundo o discurso quenós mesmos estruturamos. De outra forma,esclarece que no mundo da verossimilhança(onde as verdades não são absolutas, masaparentes) dá a palavra final aquele que, nodebate, descobre a melhor solução.

Da mesma forma, a retórica desempenhafunção pedagógica. Diante da arte defazer-se compreender, o ouvinte aprende.Vivenciando um discurso bem estruturado, élevado a pensar conjuntamente. Aprendendoas técnicas retóricas, sabe identificar as cila-das do discurso alheio, as meias verdades, os

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exageros… e passa a percorrer o seu próprioraciocínio.

Retórica Na Grécia AntigaEscrever uma histórica concreta equivale apercorrer uma evolução permeada de trans-formações, perdas e criações. Há entidadesou pessoas que se aperfeiçoam continua-mente, mas são raras. A maioria dos seresaperfeiçoa-se e retrocede ao mesmo tempo(segundo o aspecto que se considere), ou en-tão tem fases de crescimento e fases de invol-ução. A retórica não foge desta última regra.

Sem a história, por outro lado, podemoscair no engodo inicial apontado pelo sensocomum, de que a retórica é apenas engodo.Tal vaticínio foi-nos apresentado por Górgi-as, em Elogio de Helena: “Quando as pessoasnão têm memória do passado, visão dopresente nem adivinhação do futuro, o dis-curso enganoso tem todas as facilidades”.

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Nascida no seio judiciário ateniense (porvolta de 465 a.C., através de Córax, discípulode Empédocles), onde os logógrafos redi-giam as queixas para as partes apresentaremaos tribunais (ainda não havia a figura dosadvogados), os retóricos ou retores primevosofereciam aos litigantes uma coletânea de ex-emplos e preceitos práticos bastanteconvincentes.

Nesse momento, os retores elaboraram oslugares-comuns (topoi), uma série de argu-mentos a que bastava decorar e chamar àbaila no momento certo. Assim, o discursotornava-se convincente. Por exemplo:começar dizendo que não é orador, elogiar otalento do adversário.

Até hoje esses lugares nos acompanham,basta pensar nos “lugares”judiciais: uma leinão pode ser retroativa, ninguém ignora alei…

Com o filósofo Górgias (discípulo tambémde Empédocles), a retórica, a eloquência,

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tornou-se literária, fundando o discurso epi-díctico, o discurso que elogia publicamentealguém.

Em Protágoras (486-410) liga-se, primeva-mente, a retórica e a sofística, visto que parteda afirmação de que “o homem é a medidade todas as coisas”, de que as coisas sãocomo aparecem ao homem. Não há outrocritério objetivo de verdade, nossos valoresestéticos e morais não passam de convençõesque mudam de cidade para outra.

Constrói-se, a partir de então, pelos sofis-tas, a aliança entre a retórica e a gramática.Por um discurso ornado e erudito, emitidono momento oportuno (Kairós), convence-sepela aparência de lógica, pelo encanto do es-tilo literário. O discurso, nesse contexto, al-meja apenas a ser eficaz, a convencer; maisainda, a vencer. Essa retórica não almeja overdadeiro, devota-se ao poder, ao domíniopela palavra.

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Isocrates (436-338) reage. Apresenta aretórica como aceitável apenas e tão somentese estiver a serviço de uma causa honesta enobre. Para ele e a maioria dos gregos, o des-tino almejado por todos os homens, a har-monia, exige que o belo (do discurso) estejaaliado ao verdadeiro. Não existe ética de-satrelada da estética.

Com Platão, especialmente no diálogoGórgias, apresenta-se o embate crucial paraessa onipotência da retórica anterior, assimretratada na fala do personagem Górgias:“não há assunto sobre o qual um homem queconhece retórica não consiga falar diante damultidão de maneira mais persuasiva queum homem do ofício, seja ele qual for. Aí es-tá o que é a retórica, e do que ela é capaz”.

Platão, em primeiro plano, aponta que “osexemplos, por mais numerosos e eloquentesque sejam, não provam tudo; não que nãoprovem nada, mas não provam nada de uni-

versal”.2 Mais ainda, demonstra que “a

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retórica é capaz de alguma coisa, e até muito,

mas não é onipotente”.3

Em verdade, Platão reverte o argumentocentral: o retórico não é forte, não passa deum impotente que se utiliza da falsa cara, daimitação da retórica. Como não pode fundaro que apresenta na verdade, porque nãopode realmente justificar o que está pro-pondo ou se propondo, esconde sua realfraqueza. A onipotência dessa retórica nãopassa de sua impotência.

No diálogo Fedro, Platão reabilita aretórica, colocando-a a serviço da dialética,método que habilita a falar e a pensar. Mudanovamente o significado da retórica.

Com essa trilha aberta, Aristóteles ap-resenta outra retórica, uma retórica cuja“função não é [somente] persuadir, mas vero que cada caso comporta de persuasivo”.Passa a ser, então, “a arte de encontrar tudoo que um caso contém de persuasivo, sempre

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que não houver outro recurso senão o debate

contraditório”.4

No reino em que não há verdade evidente,no reino da opinião (doxa), é o jogo(dialética) entre o que parece verdadeiro (en-doxa) e o que contradiz essa opinião (para-doxon) que estabelecerá a conclusãoaceitável. Descobrir o persuasivo, o convin-cente de cada lado (endoxa e paradoxon),colocar em xeque seus princípios, é o cam-inho da retórica.

Nesse ponto, a dialética é capaz de distin-guir entre o verdadeiro silogismo e o apar-ente sofisma, a retórica é capaz de distinguiro realmente persuasivo e o logro. A retórica,portanto, vocacionada para a persuasão, pre-cisa e utiliza-se da dialética para convencer.

São esses paradigmas aristotélicos quefundaram a nova retórica.

A retórica dirige-se, portanto, a partir deAristóteles, a três tipos de provas: ao etos eao patos, para persuadir; e ao logos

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(elemento dialético da retórica) paraconvencer.

Retórica RomanaResumindo apenas os pensadores axiaissobre o tema, após Aristóteles, merecemdestaque Cícero e Quintiliano, já em terrasromanas.

Cícero aponta algo muito relevante paratodos nós, defende que a autêntica retórica énatural ao orador, ao orador dotado de cul-tura, instruído em direito, filosofia, história eciências. Ademais, indica que o estilo decorrenaturalmente do que se tem a dizer, do con-teúdo do discurso. O homem culto, portanto,utiliza-se das figuras de estilo não para mas-carar o que diz, mas para iluminar, paratrazer a lume o que se quer dizer.

Quintiliano dedica-se, no mesmo sentido,à preparação do orador. A retórica é mais doque uma arte de bem falar, em sentido

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estético e moral, é uma virtude a ser ensin-ada e conquistada.

Decadência Da RetóricaAinda no Império Romano, a eloquência en-trou em decadência. Relata-nos Tácito, noDiálogo dos oradores, essa triste realidade,devida tanto à “preguiça do jovem”, quantoao “desleixo de sua educação”. Ademais, emfunção de a sociedade ter perdido seu veiodemocrático, Tácito nos diz que aquilo a quetodos os jovens estavam acostumados a pres-enciar, aquilo que fazia parte da vida de todojovem, presenciar os debates públicos, nãoera mais corrente. Os debates continuaramno seio educacional, mas tornaram-se artifi-ciais. Fora da vida cotidiana, começou o de-clínio do interesse sobre a retórica.

A partir de então, somente no seio reli-gioso, em função da pregação, resistiram al-gumas formas de retórica.

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No século XVII, Descartes destruiu um dospilares da retórica, a dialética. Para quem averdade somente pode ser atribuída ao que éevidente, é natural que se repudie quaisqueropiniões verossímeis e sujeitas à discussão.

Da mesma forma, o empirismo inglês (cujaverdade passa a residir na experiência dossentidos), pelas mãos de Locke, chega à con-denação da retórica: toda a arte da retóricapassa a ser vista apenas como um insinuarfalsas ideias no espírito, um despertar depaixões e de seduções por um julgamento.

A retórica passa a ser vista como inimigada ciência, do positivismo.

Paramos, portanto, de estudá-lacompletamente.

Recente Resgate Da RetóricaNo século XX, no entanto, outros mecanis-mos, como a publicidade e o marketing, res-gatam a retórica, com fins absolutamentepersuasivos. Amparados em novos lugares

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(juventude, sedução, saúde, prazer, status,diferença, natureza, autenticidade) ex-ploravam e exploram o lado infantilizantedos homens.

A partir dos anos 60, mas mais especial-mente nos anos 70, Chaïm Perelman resgatauma ideia central: “entre a demonstraçãocientífica ou lógica e a ignorância pura esimples, há todo um domínio da argu-

mentação”.5

Inicia-se, então, um novo desenvolvimentoda retórica. Atrelada, agora, às suas duasfeições intrínsecas: a feição oratória (que ex-plora o etos e o patos) e a feição argument-ativa (que desenvolve o logos).

7.2 Sistema retóricoDesde os clássicos, a retórica pode ser di-vidida em quatro partes, em quatro fases outarefas pelas quais o emissor de um discurso

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passa para compor um texto ou uma falaadequada:

a. Invenção (heurésis): busca dos argu-mentos e dos meios de persuasão relat-ivos ao tema.b. Disposição (taxis): ordenação dasideias, organização interna do discurso.c. Elocução (lexis): definição e desenvol-vimento do estilo adequado.d. Ação (hypocrisis): proferição efetivado discurso, com todos os recursos ne-cessários (efeitos de voz, mímicas, ges-tos, memória).

InvençãoAntes de empreender um discurso, é precisoperguntar sobre o que ele vai versar. Diantedisso abrem-se os tipos de discurso conveni-entes ao assunto.

Três são os tipos clássicos de discurso: ju-diciário (que acusa ou defende, com o olharvoltado ao passado, ao justo e ao injusto),

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deliberativo (que aconselha ou desaconselha,com o olhar voltado para o futuro, ao útil ouao nocivo) e epidíctico (que censura oulouva, com o fito de conduzir o presente, masancorado em argumentos do passado e dofuturo, olhando para o nobre ou para o vil).

No discurso judiciário (de auditórioespecializado), preferem-se os raciocínios si-logísticos; no deliberativo (de auditóriomóvel e menos culto), os exemplos; noepidíctico, recorre-se à amplificação de fatosconhecidos.

É segundo o tipo de discurso adequado(segundo o fim do discurso e o auditório aque se dirige) que se buscará ouselecionará (invenção-inventário) oucriará (invenção-criação) os instrumentosda retórica: o etos (caráter que o orador de-ve assumir para inspirar confiança); o patos(conjunto de emoções, paixões e sentimentosque deve suscitar no auditório, que tem tais

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expectativas); e o logos (espécies de argu-mentos que deve utilizar).

Mínimo para a credibilidade, para o etos,de qualquer forma, em qualquer discurso,será: aparentar sensatez (só ao sensatodeixamos dar conselhos), sinceridade (dequem não dissimula o que sabe, o que pensa)e simpatia (de quem se mostra disposto aajudar seu auditório).

É certo que todo orador pode contar comprovas extrínsecas ao discurso (testemunhas,confissões, leis, contratos etc.). Mas são asprovas intrínsecas ao discurso, as provas cri-adas pelo orador (que dependem de seu tal-ento pessoal e de seu método), que tornam odiscurso eficaz. As provas extrínsecas facil-mente cedem às provas intrínsecas bemarticuladas.

DisposiçãoComo vimos anteriormente, nesse pontotrata-se de organizar o pensamento antes de

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proferi-lo. Para tanto, diversos são os planosindicados.

Já vimos diversos neste curso, apresent-aremos agora o mais clássico de todos, querecomenda estruturar o discurso em quatropartes: exórdio, narração, confirmação eperoração.

O exórdio ou introdução é a parte quevisa tornar o auditório dócil, atento ebenevolente.

Deixar o auditório dócil implica emcolocá-lo em situação de aprender ou com-preender. Para tanto, é preciso fazer uma ex-posição inicial clara e breve do que vai serdiscutido. Para despertar a atenção, épreciso utilizar-se de procedimentos infla-madores (como dizer que nunca se ouviunada tão espantoso ou tão grave). Para levaro auditório à benevolência, é preciso as-sumir o etos adequado (algumas vezes podeser escusar-se da inexperiência, pode serlouvar o talento do adversário, pode ser

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contar uma pequena história pessoal que ha-bilita o emissor a ocupar tal posição).

A narração é a parte que expõe os fatosreferentes ao tema. Se não for objetiva, deve,ao menos, parecer. Precisa ser clara (cuid-ado com os termos e com a sequência dasideias, pois os termos herméticos e a inver-são sempre dificultam a compreensão; re-corra a recapitulações), breve (eliminandotudo o que não for necessário) e crível(mostrando os fatos com as suas causas,mostrando que os atos afinam com o caráterde seu autor).

A confirmação é o elemento mais longoque apresenta efetivamente os argumentos eas consequentes refutações ou concessões.Cuidado deve-se tomar apenas para nãocansar o auditório. Uma enumeração infind-ável de argumentos e contra-argumentos ésempre enfadonha e fonte de distração. Umapossibilidade: seguir a ordem “homérica” –apresentação do argumento; refutação dos

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contra-argumentos; retomada do argumentocom nova forma.

A peroração é o que se apresenta no fimdo discurso. Pode se dar pela ampli-ficação: uma vez demonstrado um ra-ciocínio, incita a tomar uma conclusão gen-eralizante, uma postura que leve a deliber-ação de um caso para todos os demais, comoparadigma. Pela paixão: despertando, ao fi-nal, a piedade ou a indignação do auditório.Pela recapitulação: que resume a argu-mentação anteriormente apresentada.

Entre a confirmação e a peroração, podeocorrer também a digressão (parekbasis).Momento de relaxamento que distrai oauditório, apieda ou indigna ao mesmo at-ravés de histórias paralelas.

ElocuçãoÉ a parte dirigida à redação do discurso, aparte que alia a retórica com a gramática,com a literatura.

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A primeira preocupação, portanto, deveser a correção linguística. Sem o uso ad-equado dos termos, sem a utilização precisadas estruturas sintáticas, não é possível con-struir um discurso plenamente eficaz.

A segunda deve ser a da escolha do es-tilo de acordo com o tema ou de acordo coma parte (o momento) do discurso: o estilomais grave convém para mover, para atingiro patos, sendo adequado à peroração; o es-tilo ameno é necessário para agradar, paraconstruir o etos, sendo pertinente ao exór-dio; o estilo intermediário, tênue, é ad-equado para explicar, para estruturar o lo-gos, sendo imperativo para a narração e aconfirmação.

A terceira tem de ser a de não somentefazer-se entender, mas a de fazer-se sabore-ar. Para tanto, a retórica apresenta comdestaque as “figuras” de palavras, depensamento e de estilo: trocadilhos, metáfor-as, ironias, alegorias, entre outras.

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AçãoPara bem expor o discurso é preciso apren-der a representar. É preciso fingir o senti-mento que não se tem, é preciso incorporar aindignação, a piedade que se quer produzirno auditório…

É preciso dar atenção aos clássicos consel-hos de impostação da voz, da dicção, aodomínio da respiração, a variedade do tom edo ritmo.

Mas é necessário também, ir um poucomais adiante. Parte do discurso é precisosaber de memória. Assim escoará com maisnaturalidade. Assim também o emissor es-tará mais preparado para as improvisações,que sempre são necessárias.

O discurso oral tem de ser mais lento queuma leitura, do contrário o auditório perde orumo, o fio da meada. Tem de ser redund-ante para suprir a memória de todos. Deveser percorrido com frases mais curtas, comexpressões concretas e familiares.

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Tem de transparecer veracidade. Paratanto, uma dica: pode-se dar a impressão dese estar refletindo, hesitando, buscandoaquilo que em verdade já foi levado pronto.

7.3 O domínio daargumentaçãoPara a retórica, a argumentação é uma total-idade que se opõe a outra, a demonstração. Oque não pode ser demonstrado (seara dasciências exatas ou experimentais) pode serargumentado.

A argumentação, em verdade, apresentacinco notas características próprias:

a. dirige-se a um auditório,b. expressa-se em língua natural,c. suas premissas são verossímeis,d. sua progressão depende do orador,e. suas conclusões são semprecontestáveis.

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Todo e qualquer discurso argumentativo,retórico, dirige-se a um auditório particular.Há, em consequência, um plexo de caracter-ísticas de cada grupo de ouvintes que con-forma o discurso emitido.

É possível estruturar, construir um dis-curso “pensando” em um auditóriouniversal. Trata-se, em verdade, de umtruque retórico ou de um idealargumentativo: imaginar-se um discurso quesirva para o maior número possível deauditórios. Nunca poderemos, no entanto,imaginar “o” auditório universal, por umasimples razão: não possuímos a clarividênciapara enxergar os auditórios futuros.

Enquanto a demonstração utiliza-se da ál-gebra, da química, para apresentar suas con-clusões, a argumentação conta apenas com alíngua natural, com todas as suasambiguidades.

A argumentação não conta com verdadesevidentes, no máximo pode contar com

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pontos de partida (premissas) que parecemverdadeiras para o seu auditório. Seudomínio, em realidade, está permeado de ob-jetos que não são verdadeiros nem falsos,mas que podem ser verossímeis, que sãoapenas presumidamente verdadeiros.

Por outro lado, a progressão dos argu-mentos nada tem a ver com a demonstração,que é geralmente linear. A retórica apresentauma série de argumentos, ao mesmo tempo,em paralelo, sem uma ordem lógica. Em ver-dade, a ordem dos argumentos soeapresentar-se segundo princípios psicológi-cos, de acordo com as reações imaginadas ouverificadas nos ouvintes.

Ademais, a conclusão atingida pelo dis-curso argumentativo não é um enunciadosobre o mundo, é muito mais um acordo“provisório” entre os interlocutores.

1Oliver Reboul. Introdução à Retórica, p. 99.

2.Oliver Reboul. Introdução à Retórica, p. 15.

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3.Oliver Reboul. Introdução à Retórica, p. 15.

4.Oliver Reboul. Introdução à Retórica, p. 27.

5.Oliver Reboul. Introdução à Retórica, p. 91.

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CAPÍTULO 8

Leitura retórica dostextos

Tendo apreendido que os textos são estru-turados sob elementos persuasivos e oratóri-os, ou sob meios argumentativos, lógicos eracionais; resta-nos incorporar o hábito da“leitura retórica” dos textos.

Não se trata de incorporar o simples cos-tume da desconfiança ou da refutação, quesempre quer dizer que um texto não temrazão. Não importa, para a “leitura retórica”,se tem ou deixa de tê-la. Importa apenasidentificar: quais argumentos são fortes equais são fracos, quais conclusões são legíti-mas ou errôneas… A “leitura retórica”

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admira as forças de um texto e dialoga comas suas fraquezas.

Lembremos as regras principais daleitura retórica. Primeiro, ela con-siste em fazer perguntas ao texto,dando-lhe todas as oportunidadesde responder. Em segundo lugar,essas perguntas, ou lugares deleitura, referem-se o máximo pos-sível ao conjunto do texto: qual é asua época, seu gênero, seuauditório real, seu motivo central,sua disposição etc.? Se possível,evita-se o comentário linear, quelogo vira paráfrase. Em terceirolugar, a leitura retórica busca ovínculo íntimo entre o argumentat-ivo e o oratório. Em quarto lugar,ela pretende ser um diálogo com o

texto.1

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A empreitada, no entanto, não é simples,pois se o emissor do discurso incorporou aarte da retórica, lembremos: a perfeição deuma arte é fazer-se esquecer.

Por outro lado, não fomos habituados aoolhar crítico. Ao contrário, assimilamosmuito mais do que devíamos de tudo o quelemos.

Por termos todos começado comocrianças, a razão sempre chegatarde demais a um terreno já ocu-pado; só pode retificar mais oumenos um espírito já formado, ou

seja, deformado.2

De qualquer forma, aprender essa leitura énecessário para todo aquele que percorra omundo das verdades prováveis, o mundo dodireito, no qual é imprescindível o debate, odiálogo, em condições de igualdade:

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… nos domínios não pertencentes àciência pura só se chega à verdadecoletivamente, num debate em quecada um representa – no sentidopróprio da palavra “representar” –sua parte o melhor possível, atéque a verdade, ou seja, o mais ver-ossímil, se imponha a todos. O diá-logo é então realmente heurístico:encontra alguma coisa. Com quecondição? Com a condição de queos oradores sejam iguais, que ten-ham todos, estritamente, os mes-mos direitos. Caso contrário, se umdos oradores se arrogar um direitoexorbitante, se já não se puder con-testar seus argumentos, então odiálogo já não será possível, o con-hecimento se petrificará em ideolo-gia, e a retórica, em vez de afirm-

ar, se degradará em chavões.3

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8.1 Identificar O ContextoDiante de qualquer texto, é precisoperguntar-se sobre o contexto que explica otexto: quem o proferiu, quando foi escrito,contra o quê se colocou, por quê e, especial-mente, como o autor se manifestou e a quemse dirige.

Quem FalaEmbora todo texto possa ter uma autonomiaque permita ser compreendido por simesmo, é comum depararmo-nos com textosque são compreendidos em mais profundid-ade se temos em conta a vida do autor, bemcomo a sua doutrina. Não são tão raros ostextos, especialmente os de pensadores dereferência, que são entendidos completa-mente somente se tomarmos as outras obrasdo autor. Assim conseguimos elucidar cadauma de suas afirmações.

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QuandoA época do discurso é também sempre es-clarecedora. Nela podemos enxergar as in-fluências filosóficas e ideológicas, bem comoo significado de determinados termos. Comesses elementos atingimos uma com-preensão verdadeira de vários textos.

Por exemplo, é necessário ter em conta omovimento iluminista-racionalista (centradonos séculos XVII e XVIII) e o movimentoliberal-voluntarista (do mesmo período),para compreender o conceito de LEI noEstado moderno, que visava agasalhar umarazão universal e uma vontade geral.

Da mesma forma, quando Descartesafirma que não pode “compreender” em seusjuízos nada mais do que aquilo que se ap-resente com clareza e distinção, que não des-perte dúvidas, utiliza-se da expressão comosua época a utilizava, significando “conter” enão “entender”.

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Contra QuemPara os discursos essencialmente persuas-ivos, essa pré-investigação é essencial, pois,em verdade, são muito raros os textos per-suasivos que não sejam de fato dissuasivos.O Discurso do Método de Descartes, por ex-emplo, é apreendido com muito mais argúciaquando se tem em conta que escreve contraAristóteles, contra todos aqueles que aceitamque o discurso seja composto por argu-mentos meramente verossímeis.

Por Quê?Todo texto persuasivo quer provar algo, sejaele simples ou múltiplo. Ter em mente o fimde cada texto ajuda-nos sobremaneira acompreender cada passo do discurso, bemcomo a coligar as ideias apresentadas, amemorizá-las e a perceber eventuaisfraquezas do percurso.

Como Se Revela O Autor

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O autor às vezes se manifesta, às vezesoculta-se.

Quando assume o discurso, pelo “eu”, rev-ela sua posição com franqueza (por exemplo:Tenho o dever de apontar que esse raciocínioleva a um erro imperdoável…). Quandooculta-se, para tornar o texto mais objetivo,quer tornar o seu posicionamento de todos(por exemplo: É certo que esse raciocínioleva a um erro imperdoável…).

Como EstilísticoDe outra forma, o estilo literário do discursocomanda estritamente o conteúdo do texto.O gênero circunscreve o pensamento. Não sediz a mesma coisa, por exemplo, quando setrata um assunto em um ensaio ou em umpanfleto, quando se trata um assunto demaneira poética ou em prosa…

O estilo epidíctico, por exemplo, que visa apersuadir de um valor fundamental, uneuma argumentação mais ou menos rigorosa

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a um testemunho que engaja o autor. É otestemunho o seu ponto forte. A argu-mentação é quase irrelevante.

A apologia repousa na antítese de nossamiséria e grandeza. A fábula simplesmenteilustra uma verdade moral, sem precisar fun-damentar racionalmente.

A escolha de um estilo é também umaescolha ideológica, de uma visão do mundo edo homem, por isso apologia e fábula nãochegam às mesmas conclusões.

A apologia protesta contra a visão acos-tumada que se tem do homem, mostra que ohomem é coisa diferente do que acha que é,leva o ouvinte a superar o seu ponto de vista,saindo de si mesmo. Em consequência, écategórica ao dizer o que está certo e o queestá errado.

A fábula, por sua vez, não se preocupa emcontradizer, apenas lança um olhar resig-nado ou brincalhão, não se preocupa emironizar, apenas descreve com humor o que

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ocorre, sem dizer o que está certo ou errado.Deixa esses julgamentos para o leitor.

Como ArgumentativoHá dois caminhos argumentativos centraisque também dão contornos diversos aos tex-tos: o exemplo e o entimema (silogismo compremissas verossímeis).

Os textos amparados nos exemplos nãoilustrativos, nos exemplos argumentativos(exemplos dos quais se extraem ideias), têmum grau de persuasão muito marcante, em-bora sejam, em geral, frágeis logicamente.

Um exemplo não permite provar logica-mente que uma proposição é universal, nãopermite utilizar-se do “sempre”, do “nunca”.A função lógica do exemplo é realmente ab-soluta somente em um caso, como provanegativa: basta um exemplo contraditóriopara demonstrar de modo absoluto que umaproposição não é verdadeira.

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Se os casos, no entanto, são realmente lim-itados e se considerou todos os casos, a pro-posição conclusiva será incontestável.

Ao revés, os textos ancorados em en-timemas aparentam solidez incontestável.Podem sofrer, no entanto, um embate: oquestionamento das próprias premissas (se-jam elas expressas, sejam elas implícitas). Asubversão das premissas do entimema éjustamente o que caracteriza o sofisma: téc-nica que apresenta argumentos e extrai delesmais do que eles podem provar.

Como IntratextualHá discursos, por sua vez, que são estrutura-dos com outros discursos (outro discurso nodiscurso), seja porque se faz citações paraamparar o orador (como argumento deautoridade, ou como prova contra o ad-versário), seja porque se utilizam de fórmu-las (adágios, máximas, slogans, provérbios).

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A leitura retórica tem de cuidar para anal-isar separadamente os discursos.

A QuemÉ preciso compreender o discurso segundo oauditório real a que se dirige.

O auditório distingue-se segundo o seutamanho (uma única pessoa e até toda a hu-manidade), suas características psicológicas(decorrentes da idade, sexo, profissão, cul-tura etc.), suas competências (leigos ou espe-cialistas) e ideologias (seja política, religiosaou outra).

De acordo com o auditório, o texto deveser compreendido, sob pena de desvirtuar oreal intento do discurso.

Por outro lado, é difícil que um discursoseja construído sem um acordo prévio com oauditório real e esses acordos prévios ex-plicam o texto. Há acordos não reveladospelo próprio texto, mas que podem ser ex-traídos pelo não dito, pela ausência de

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provas que seriam de se esperar. Há, no ent-anto, fórmulas estereotipadas que revelamesses acordos prévios: “é certo que”, “todossabem”, “deve-se admitir” etc. Nesses casos,o texto explica o texto.

De qualquer forma, o acordo prévio poderepousar sobre os seguintes elementos: fatos,presunções, valores, preferências…

Os fatos (verificações que todos podemfazer), embora possam ser admitidos, podemser contestados pelos seguintesprocedimentos: mostrando-se que são apar-entes (sol não gira em torno da terra), quesão incompatíveis com outros fatos com-provados, que não têm o valor argumentat-ivo que se lhes deu.

As presunções, por sua vez, são variáveissegundo o auditório a que se dirige. Para umauditório conservador, verbi gratia, não épreciso justificar o costume, mas a mudança.Para um liberal, a coerção precisa, a

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liberdade não. Para um socialista, aigualdade é presumível, a desigualdade não.

Os valores, que podem servir de base ouconstituir um dos termos da argumentação,também podem ser presumidos ou insufla-dos, mas também dependem do auditório. Écerto que há valores abstratos (como ajustiça e a verdade) que são de difícil impug-nação. Mas há valores que são concretos, deum auditório, pois dependem de certa obed-iência ou fidelidade a uma idiossincrasia: ahumildade, por exemplo, é valor perseguidopelos cristãos, mas, de certa forma, desprez-ados pelo mundo empresarial.

O reino da preferência (como acordo pré-vio que dispensa a demonstração), por suavolta, conduz de maneira quase imper-ceptível o discurso: é simplesmente prefer-ível o que proporcione mais bens, o bemmaior, o mais durável, o que proporcione omal menor; o único, diante do banal ou do

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intercambiável; o raro, o insubstituível, oúnico.

8.2 Identificar osargumentosPara Perelman-Tyteca (Tratado da Argu-mentação), há quatro tipos de argumentos:a) os quase-lógicos, b) os que se fundam naestrutura do real, c) os que fundam a estru-tura real, d) os que dissociam uma noção.

Argumentos Quase-LógicosSimulam um argumento lógico, mas são, emverdade, lógicos apenas na aparência ouapenas quando matizados. Por quê? Porqueescondem sua potencial contradição, ou umaincompatibilidade intrínseca, ou uma iden-tidade falsa…

Por exemplo, ensinamos às crianças quenão se deve mentir, da mesma forma, que se

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deve obedecer aos pais. Os argumentos sãoaparentemente claros e absolutos. Ademais,estão amparados em acordo prévio de nossacultura.

Porém, o que fazer se o pai mandarmentir?

Há contradição pela forma que o argu-mento foi apresentado. Encobre a matizaçãodo “nunca” ou do “sempre”. Não é “sempre”que se deve obedecer, especialmente se a or-dem é injusta. Do mesmo modo, não é“nunca” que não se deve mentir, notada-mente quando a verdade possa provocar umprejuízo maior.

Incompatibilidade intrínseca se dá, por ex-emplo, na seguinte afirmação: Toda regratem uma exceção. Ora, essa também terá?Então, há regra sem exceção.

Diante dos argumentos de identidade, difí-cil é a refutação. Por exemplo: negócios sãonegócios, mulher é mulher. Essas pseudotau-tologias não são tão simples, pois o atributo

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(ser frágil, belo, manipulador etc.) não tem omesmo sentido do sujeito mulher (ser femin-ino). Talvez o único caminho de reflexão sejademonstrar a falsa identidade.

E muitos argumentos no Direitoamparam-se na identidade: tratar igual-mente aos semelhantes, a invocação de umprecedente, a lógica de que autorizar um atoimplica em autorizar os futurossemelhantes…

Quintiliano afirma, por exemplo, que “Oque é honroso aprender também é honrosoensinar”. Podemos achar honroso aprendercom a dor, mas será honroso ensinar pelador?

Quando afirmamos que os amigos de meusamigos são meus amigos, será que podemosaceitar esse argumento quase-matemático?Não poderei eu ter ciúmes do amigo de meuamigo?

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Quando se divide um problema em váriaspartes (como recomenda Descartes) e prova-se cada parte, está provado o todo?

Se amparar o raciocínio no adágio “quempode o mais pode o menos”, estarei sendo ló-gico? Se os poderes são de mesma natureza,sim, se não possuem essa identidade natural,não. Por exemplo: a médica, apesar de podermais do que a enfermeira, não deve atuar nocampo dela, pois a especialidade é diversa, apreparação é diferente, seus afazeres exigemoutros poderes.

De outra forma, se uma conclusão éprovada somente pela exclusão das demais,será que a conclusão restante está ancoradana lógica ou apenas na necessidade do mo-mento ou em nossa limitada capacidade?

Se ampararmos um discurso em umadefinição apresentada, poderemos estar fu-gindo da lógica?

Veja bem, há quatro tipos de definição: a)normativa – a que impõe um significado, b)

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descritiva – a que enuncia um uso ou sentidocorrente, c) condensada – a que enunciaapenas as características essenciais, d)oratória – o que define e o que é definido nãosão realmente permutáveis, embora sejabastante ilustrativa (por exemplo, Karl Pop-per define a Democracia como o regime emque um povo consegue trocar de governantesem derramar sangue).

O uso das definições é necessário paramuitos discursos. No entanto, se uma defin-ição normativa pretender ser descritiva, seuma definição condensada ou oratória pre-tender ser completa, estaremos es-camoteando a lógica verdadeira.

Argumentos Fundados Na Estru-tura Do RealNão se apoiam na lógica, mas na experiência,nos elos reconhecidos ou presumidos entreos fatos.

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Por exemplo, se alguém costuma honrarseus pagamentos com pontualidade,presume-se que sempre honrará. O contráriotambém. Muitas inverdades, no entanto, po-dem estar ancoradas nessas pressuposições!

Assim apresenta-se o “argumento dodesperdício”.

Já que perdemos tanto tempo lendo umaobra, seria um desperdício não a terminar.Curioso, nesse sentido, que Daniel Penac, emensaio genial intitulado “Como um ro-mance”, tenha redigido os dez mandamentosdo leitor, apresentando o seguinte: O leitortem o direito de parar de ler uma obra.

Sob essa mesma lógica, continuam-seguerras, continuam-se a emprestar a paísesque não mudam…

Apresenta-se, nessa ótica também, o “ar-gumento de direção”.

Rejeita-se algo, mesmo que seja bom,porque serviria de meio para um fim nãodesejado. Por exemplo: Se ceder essa vez aos

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terroristas… Os oficiais ganham pouco, masse aumentar os seus vencimentos, as outrascategorias…

De forma igual, o “argumento da super-ação”, onde sempre é possível imaginar queo ideal nunca é atingido: ninguém é total-mente justo, absolutamente desinteressado…Assim se relativiza qualquer acontecimento,apontando o que poderia ser melhor.

Diversa é a técnica de argumentar “re-duzindo a realidade a uma essência criada”(argumento da essência). Desta forma,apresentam-se argumentos capitaneadospela seguinte lógica: Todos os funcionáriospúblicos… As modelos… Embora não exista ofuncionário público ou a modelo em estadopuro, destaca-se uma característica comumde uma classe de pessoas e passa a identifi-car tal característica como a essência dessaclasse.

De modo muito semelhante, faz-se a iden-tificação de determinadas pessoas com os

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seus atos (argumento de pessoa). Nós mes-mos somos vítimas continuadas desse tipode argumento: Eu sou mesmo assim…Matemática não é comigo… Parte-se do ra-ciocínio de que determinados atos são típicosde determinada pessoa e que ela não vaimudar (fatalidade).

O “argumento de autoridade” puro parteda mesma ótica, suplanta qualquer afirm-ação no valor de quem a emitiu e não no seuvalor intrínseco. O “argumento ad hom-inem”, que é o argumento de autoridade in-vertido, faz o mesmo: suporta a afirmação noódio que se tem, na imagem negativa que seconstruiu de alguém.

Recentemente, presenciei debate sobre acoisa julgada inconstitucional onde NelsonNery Júnior sacou desse tipo de argumento:“Este instituto é uma criação nazista!”. Essetipo de argumento é diametralmente opostoà argumentação, obsta, em verdade,qualquer raciocínio posterior.

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A “dupla hierarquia” é uma técnica de ar-gumentação que visa, amparada em uma es-cala de valores já admitida pelo auditório, es-tabelecer uma escala paralela. AssimAntígona apresenta seu argumento fatal: seos deuses são mais do que os homens, as leisdivinas também são melhores que as human-as. “Não acreditei que teus editos pudessemsuplantar as leis não escritas e imutáveis dosdeuses, pois não passas de um mortal”.

Ocorre, no entanto, que tanto a hierarquiapode ser falsa, como o paralelismo estabele-cido (o nexo estabelecido) pode não serverdadeiro.

O “argumento a fortiori” estabeleceparalelismo muito semelhante: “Tendo cuid-ado dos pássaros, Deus não negligenciará ascriaturas racionais que lhe são infinitamentemais caras…”.

Argumentos Que Fundamentam AEstrutura Real

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Não amparados na lógica, nem na experiên-cia, criam a realidade.

Trata-se de retirar de um exemplo, de umacontecimento, uma inferência universal.Embora não possa a provar, do ponto devista lógico, dá-lhe presença na consciência ereforça a adesão a inferência.

Mais forte ainda é a apresentação de ummodelo (João Paulo II, por exemplo) ou deum antimodelo (Mengele, por exemplo).Cria-se, automaticamente, uma realidade atodos os seus atos, uma realidade valorativa.Os atos do modelo são automaticamentebons, os atos do antimodelo, péssimos.

O mesmo se faz, cria-se uma realidade,quando se compara entidades heterogêneas,que não poderiam ser medidas. Assim,quando a filosofia cristã diz que opensamento de Tomás de Aquino é muito su-perior ao de Agostinho, cria uma realidadeque não se apresenta no mundo fenomênico,nem mesmo que poderia ser medida.

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O “argumento do sacrifício” faz o mesmo(cria uma realidade), julga um ato, uma coisanão pelo que vale, mas pelo que exige de sac-rifícios externos. Assim dizia Pascal: “Sóacredito nas histórias cujas testemunhasdariam o pescoço”. Transporta-se a veracid-ade: deixa de ser intrínseca ao que se diz epassa a depender do sacrifício externo que sedisponha a fazer por ela.

A analogia (que estritamente comparaapenas realidades heterogêneas) traz umaverdade conhecida para a relação com-parada. Assim Aristóteles pontuou: a in-teligência de nossa alma é ofuscada pelascoisas naturalmente evidentes, como os ol-hos dos morcegos pela luz do dia. Esse tipode argumentação, apesar de belo e profundo,não deixa de sempre ser redutor, pois a in-teligência não é ofuscada somente pelaverdade.

Argumentos Por Dissociação

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Consiste em dissociar as noções apresenta-das como unas e que, de fato, são diversas:meio/fim, aparência/realidade, letra/es-pírito, consequência/princípio, acidente/es-sência, ocasião/causa, relativo/absoluto,teoria/prática…

Trata-se da via argumentativa que enraízaos procedimentos filosóficos.

Às vezes, basta inverter a hierarquia:Deve-se comer para viver, e não viver paracomer.

A perversão do meio/fim torna o atoodioso quando associado ao par artifício/sin-ceridade: é generoso para que os outros elo-giem, está apaixonado para conquistar ostatus consequente etc.

Exercício prático(autoavaliativo)Utilizando-se das técnicas ap-resentadas para uma leitura

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retórica, identifique, nos doistextos apresentados a seguir,alguns pontos relativamenteao contexto (quem fala,quando, contra quem, por quê,como se revela o autor, comoestilístico, como argumentat-ivo, como intratextual, aquem) e aos tipos de argu-mentos utilizados.

Estabeleça, se possível, umquadro comparativo.

1o TEXTOPLATÃO, GÓRGIAS

GÓRGIAS – Vou tentar, Sócrates,revelar-te claramente o poder daretórica em toda a sua amplitude(…). Não ignoras por certo que aorigem desses arsenais, desses mur-os de Atenas e de toda a organiza-ção de vossos portos se deve por um

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lado aos conselhos de Temístocles epor outro aos de Péricles, mas emnada aos dos homens do ofício.

SÓCRATES – É isso realmente oque se relata a respeito deTemístocles, e, quanto a Péricles, eumesmo o ouvi propor a construçãodo muro interno.

GÓRGIAS – E, quando se trata deuma dessas eleições de que falavashá pouco, podes verificar que tam-bém são os oradores que em semel-hante matéria dão seu parecer e quea fazem triunfar.

SÓCRATES – Posso verificar issocom espanto, Górgias, e por isso mepergunto há muito tempo quepoder é esse da retórica. Ao ver oque se passa, ela se me aparece comuma coisa de grandeza quasedivina.

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GÓRGIAS – Se soubesses tudo,Sócrates, verias que ela engloba emsi, por assim dizer, e mantém sobseu domínio todos os poderes. Voudar-te uma prova impressionantedisso:

Aconteceu-me várias vezes acom-panhar meu irmão ou outros médi-cos à casa de algum doente que re-cusava uma droga ou que não quer-ia ser operado a ferro e fogo, esempre que as exortações domédico resultavam vãs eu con-seguia persuadir o doente apenascom a arte da retórica. Que um or-ador e um médico andem juntospela cidade que quiseres: secomeçar uma discussão numa as-sembleia popular ou numa reuniãoqualquer para decidir qual dos doisdeverá ser eleito médico, afirmoque o médico será anulado e que o

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orador será escolhido, se isso lheagradar.

O mesmo aconteceria comqualquer outro artesão: o orador sefaria escolher diante de qualqueroutro concorrente, pois não há as-sunto sobre o qual um homem queconhece retórica não consiga falardiante da multidão de maneira maispersuasiva que um homem do ofí-cio, seja ele qual for. Aí está o que éretórica, e do que ela é capaz.

2o TEXTOARISTÓTELES, RETÓRICA

(1) A retórica é útil, porque,tendo o verdadeiro e o justomais força natural que os seuscontrários, se os julgamentosnão são proferidos como con-viria, é necessariamente porsua única culpa que os

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litigantes [cuja causa é justa]são derrotados. Sua ignorânciamerece, portanto, censura.(2) Ainda mais: conquanto pos-suíssemos a ciência mais exata,há certos homens que não seriafácil persuadir fazendo nossodiscurso abeberar-se apenasdessa fonte; o discurso segundoa ciência pertence ao ensino, eé impossível empregálo aqui,onde as provas e os discursos(logous) devem necessaria-mente passar pelas noçõescomuns, como vimos em Tópi-cos, a respeito das reuniõescom um auditório popular.(3) Ademais, é preciso sercapaz de persuadir dos prós edos contras, como no silogismodialético. Não para pôr os próse os contras em prática – pois

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não se deve corromper pelapersuasão! –, mas para saberclaramente quais são os fatos epara, caso alguém se valha deargumentos desonestos, estarem condições de refutá-lo (…)(4) Além disso, se é vergonhosonão poder defender-se com opróprio corpo, seria absurdoque não houvesse vergonha emnão poder defender-se com apalavra, cujo uso é maispróprio ao homem que o docorpo.(5) Objetar-se-á que a retóricapode causar sérios danos pelouso desonesto desse poder am-bíguo da palavra? Mas omesmo se pode dizer de todosos bens, salvo da virtude (…)(6) Fica claro, pois, que, assimcom a dialética, a retórica não

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pertence a um gênero definidode objetos, mas é tão universalquanto aquela. Claro tambémque é útil. Claro, por fim, quesua função não é [somente]persuadir, mas ver o que cadacaso comporta de persuasivo. Omesmo se diga de todas as out-ras artes, pois tampouco cabe àmedicina dar saúde, porémfazer tudo o que for possívelpara curar o doente.

1Oliver Reboul. Introdução à Retórica, p. 195.

2Oliver Reboul. Introdução à Retórica, p. 208.

3Oliver Reboul. Introdução à Retórica, p. 231.

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Folha de rostoSumárioCadastroCopyrightDedicatóriaO autorPrefácioApresentaçãoIntrodução

Para que serve a pesquisa?Pedagogia da vitalidadePedagogia da coragemPedagogia da sensibilidadePedagogia da inteligênciaPedagogia da liberdade

Capítulo 1. Preparando-se para a pesquisa1.1 O que se espera da pesquisaacadêmica ou científica – 1o passo1.2 Definindo o problema de seuprojeto de pesquisa – 2o passo

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Capítulo 2. Coletando e organizando o ma-terial inicial

2.1 Revisão da literatura2.2 Entorno ou contexto social dapesquisa

Capítulo 3. Elaborando o projeto de pesquisae o plano de trabalho

3.1 Utilidade da elaboração do pro-jeto de pesquisa3.2 Estrutura do projeto depesquisa3.3 Plano de Trabalho

Capítulo 4. Metodologia e cientificidade4.1 Definição do método ecientificidade4.2 O que é fazer ciência?4.3 Faz-se ciência pela pesquisa4.4 Limites do conhecimentocientífico4.5 O que é e o que não é científico?4.6 Indicadores da qualidade deuma investigação

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4.7 Um cuidado especial para apesquisa jurídica4.8 Pesquisador como legítimoeducador

Capítulo 5. Aprender a pensar5.1 Um método de ensino e depesquisa5.2 Aprender a observar a realidadeescondida e completa5.3 Aprender a pensar e re-pensar5.4 Chaves interpretativas

Capítulo 6. Condições pessoais para apren-der a pensar

6.1 Valores e virtudes6.2 O ideal e a liberdade interior6.3 A questão da linguagem

Capítulo 7. Aperfeiçoamento pessoal para opensar

7.1 Aperfeiçoamento DasFaculdades Sensitivas7.2 Aperfeiçoamento DasFaculdades Espirituais

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Capítulo 8. Escrevendo os resultados dapesquisa

8.1 Fio Condutor Do Texto8.2 Natureza Dialógica8.3 Necessário Encantamento8.4 A Quem Se Dirige8.5 Citações, Paráfrases, Notas DeRodapé

Capítulo 1. Identificando ideias comliberdade

1.1 Propósitos do Estudo da Teoriada Argumentação1.2 Identificando E OrganizandoProvisoriamente as Ideias

Capítulo 2. Organizando as ideias2.1 Orientação argumentativa2.2 Funções da estrutura ou do pla-no lógico2.3 Principais tipos de planos2.4 A importância das transições2.5 Relatório como planoargumentativo

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Capítulo 3. Apresentação das ideias3.1 Relevância da apresentação e doencerramento3.2 Introdução3.3 Conclusão3.4 Desenvolvimento dosargumentos

Capítulo 4. Fundamentação das ideias4.1 Eixos do raciocínio lógico4.2 Gestão dos exemplos

Capítulo 5. Refutação de ideias5.1 Rejeição Total5.2 Concessão Parcial5.3 Modulação Ou Ponderação5.4 Necessidade Da Justificativa5.5 Mecanismos Retóricos DeRefutação5.6 Necessidade De Um Aponta-mento Final

Capítulo 6. Estilos argumentativos6.1 Estrutura coordenada e subor-dinada das ideias frase

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