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Microgeração de energia elétrica (Abaixo de 100 kW) utilizando turbina Tesla modificada Microgeneration of electricity (Below 100 kW) using modified Tesla turbine Microgeneración de electricidad (debajo de 100 kW) con la turbina de Tesla modificada Júlio César Batista João Andrade de Carvalho Júnior Resumo Este trabalho desenvolve um sistema para gerar energia elétrica na forma mais econômica: caldeira mais turbina, na faixa até 100 kW, para ocupar um nicho de mercado no qual os sistemas a vapor existentes não são economicamente viáveis. Utiliza a turbina Tesla, cujo custo de produção é baixíssimo e é apropriada para esta faixa. A turbina Tesla utilizada consiste numa ino- vação, pois foi modificada para fornecer maior torque, superando esta deficiência que era encontrada na turbina Tesla original. Não possui pás, podendo operar com vapor saturado produzido por caldeira movida com biomassa, gás, biodiesel, etc. A mi- crogeração utiliza combustível disponível localmente e é consumida no próprio local. Pode levar energia a milhões de brasileiros no campo, onde se dispõe de algum tipo de biomassa. Apesar do baixo custo da turbina Tesla, pois é compacta e não possui peças móveis, e de suas incontáveis possibilidades de aplicação, não há na literatura equacionamento que permita projetá-la, nem tampouco aplicações comerciais, devido ao baixo torque e eficiência obtidos nos protótipos fabricados desde 1910. Deste trabalho resultou o equacionamento da turbina Tesla e de protótipos com alto torque e eficiência (patente requerida). Foi criado também um protótipo do sistema para gerar energia elétrica com caldeira e gerador elétrico. palavras-chave: n turbina Tesla n turbina a vapor n microgeração Abstract This study develops the most economical electricity generating system: a boiler and turbine with a capacity up to 100 kW, to occupy a niche market where the existing steam systems are not economically viable. A Tesla turbine is used, due to its a low cost and suitability for this output range. The Tesla turbine used has been modified to provide greater torque, outperfor- ming the deficiency inherent in the original Tesla turbine. It doesn’t have blades and can operate with saturated steam produ- ced by a boiler heated by biomass, gas, biodiesel, etc. The microgenerator consumes locally available fuel and can bring ener- gy to millions of rural living Brazilians, where some kind of biomass is abundant. The Tesla turbine is compact, has no moving parts and endless application possibilities. However, there are neither literature references addressing its design nor commer- cial applications due to its low torque and efficiency in prototypes manufactured since 1910. This study achieved a balance be- Boletim Técnico da Petrobras, Rio de Janeiro, v. 53, n. 1/3, p. 135-143, abr./ago./dez. 2010 n 135

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Microgeração de energia elétrica (Abaixo de 100 kW) utilizando turbina Tesla modificada

Microgeneration of electricity (Below 100 kW) using modified Tesla turbine Microgeneración de electricidad (debajo de 100 kW) con la turbina de Tesla modificada

Júlio César BatistaJoão Andrade de Carvalho Júnior

ResumoEste trabalho desenvolve um sistema para gerar energia elétrica na forma mais econômica: caldeira mais turbina, na faixa

até 100 kW, para ocupar um nicho de mercado no qual os sistemas a vapor existentes não são economicamente viáveis. Utiliza a turbina Tesla, cujo custo de produção é baixíssimo e é apropriada para esta faixa. A turbina Tesla utilizada consiste numa ino-vação, pois foi modificada para fornecer maior torque, superando esta deficiência que era encontrada na turbina Tesla original. Não possui pás, podendo operar com vapor saturado produzido por caldeira movida com biomassa, gás, biodiesel, etc. A mi-crogeração utiliza combustível disponível localmente e é consumida no próprio local. Pode levar energia a milhões de brasileiros no campo, onde se dispõe de algum tipo de biomassa. Apesar do baixo custo da turbina Tesla, pois é compacta e não possui peças móveis, e de suas incontáveis possibilidades de aplicação, não há na literatura equacionamento que permita projetá-la, nem tampouco aplicações comerciais, devido ao baixo torque e eficiência obtidos nos protótipos fabricados desde 1910. Deste trabalho resultou o equacionamento da turbina Tesla e de protótipos com alto torque e eficiência (patente requerida). Foi criado também um protótipo do sistema para gerar energia elétrica com caldeira e gerador elétrico.

palavras-chave: n turbina Tesla n turbina a vapor n microgeração

AbstractThis study develops the most economical electricity generating system: a boiler and turbine with a capacity up to 100 kW,

to occupy a niche market where the existing steam systems are not economically viable. A Tesla turbine is used, due to its a low cost and suitability for this output range. The Tesla turbine used has been modified to provide greater torque, outperfor-ming the deficiency inherent in the original Tesla turbine. It doesn’t have blades and can operate with saturated steam produ-ced by a boiler heated by biomass, gas, biodiesel, etc. The microgenerator consumes locally available fuel and can bring ener-gy to millions of rural living Brazilians, where some kind of biomass is abundant. The Tesla turbine is compact, has no moving parts and endless application possibilities. However, there are neither literature references addressing its design nor commer-cial applications due to its low torque and efficiency in prototypes manufactured since 1910. This study achieved a balance be-

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tween the Tesla turbine and prototypes with high torque and efficiency (patent pending). A prototype system was also created to produce electricity with a boiler and generator.

keywords: n Tesla turbine n steam turbine n microgeneration

ResumenEste estudio desarrolla el sistema de generación de la energía eléctrica más económica: una caldera y una turbina con una

capacidad de hasta 100 kW, para ocupar un nicho de mercado donde los sistemas de vapor existentes no son económicamente viables. Se utiliza una turbina de Tesla, debido a su bajo costo y adecuada para este rango de potencia. La turbina de Tesla utilizada tenía sido modificada para proporcionar un mayor torque, superando la deficiencia inherente en la turbina original de Tesla. No tiene hojas y puede funcionar con vapor saturado producido por una caldera de calefacción por biomasa, gas, biodiesel, etc. El microgenerador consume el combustible disponible a nivel local y puede proporcionar energía a millones de brasileños que viven en zonas rurales, donde algún tipo de biomasa sea abundante. La turbina de Tesla es compacta, no tiene partes móviles y un sinfín de posibilidades de aplicación. Sin embargo, no existen referencias en la literatura frente a su diseño ni aplicaciones comerciales, debido a su bajo torque y eficiencia en los prototipos fabricados desde 1910. Este estudio logró un equilibrio entre la turbina de Tesla y prototipos con alto torque y eficiencia (patente pendiente). Un prototipo de sistema también fue creado para producir elec-tricidad con una caldera y un generador.

palabras-clave: n turbina de Tesla n la turbina de vapor n microgeneración

IntroduçãoEste trabalho consiste no desenvolvimento de um siste-

ma para geração de energia elétrica na forma mais econômi-ca: com caldeira mais turbina, na faixa até 100kW, para ocu-par um nicho de mercado no qual os sistemas existentes não são economicamente viáveis.

Segundo conclusões da Eletrobras (Eletrobras, 2008): “a opção mais econômica para a geração de energia elétrica com queima direta de biomassa, em escala relativamente pequena, seria a utilização do sistema de caldeira + turbi-na a vapor.... Os sistemas de geração elétrica com biomassa baseados em caldeira e turbina a vapor só se tornam viáveis para potências acima de 250kW.”

Optou-se pela utilização da turbina Tesla, cujo custo de produção é baixíssimo e é apropriada para essa faixa. A turbi-na foi modificada para fornecer maior torque, superando esta deficiência, que era encontrada na turbina original, o que se constitui em uma inovação. A turbina Tesla modificada, cuja

patente foi requerida pelos autores, incorpora características da roda Pelton à original, que é composta por discos e não apresenta o problema de cavitação que ocorre nas turbinas convencionais de pás, podendo operar com vapor saturado produzido por caldeira movida com biomassa, gás, biodiesel, ou qualquer outro combustível.

A utilização de biomassa é importante para levar energia a milhões de brasileiros no campo, onde dispõem de lenha ou algum tipo de resíduo de produção agrícola como casca de arroz, bagaço de cana, etc.

Tal sistema consiste em microgeração de energia elétrica com utilização de combustível disponível localmente e con-sumida no próprio local, evitando os altos custos de transpor-te de combustíveis e de linhas de transmissão.

A turbina Tesla, conhecida também por turbina de discos, foi inventada por Nikola Tesla, em 1910 (Cairns, 2003; Tes-la, 1911a,b). Diversas aplicações experimentais foram feitas desde então, citamos como exemplos, entre outros, motor

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automotivo, turbina para aviões, compressor, gerador de vá-cuo, centrífugas, perfuratriz de alta velocidade, etc.

É pertinente notar que a teoria da camada limite tópi-ca, que alicerça o aspecto científico do funcionamento da turbina Tesla, foi concebida por L. Prendl na mesma década (Schlichting, 1962). O efeito da adesão e viscosidade aerodi-nâmica na superfície dos discos da turbina causa a resistên-cia ao fluxo de vapor ou gás injetado entre os discos, resul-tando em transferência de energia ao eixo.

Apesar do seu baixo custo, pois é compacta e não possui peças móveis, e de suas incontáveis possibilidades de apli-cação, não há na literatura um equacionamento que permita projetá-la, nem tampouco aplicações comerciais, devido ao baixo torque e eficiência obtidos nos protótipos fabricados desde 1910. Deste trabalho resultou a formulação de equa-ções da turbina Tesla (publicadas) que possibilitam o proje-to e dimensionamento da turbina para a obtenção de torque e potência. A partir dele, foram criados, ainda, protótipos da turbina Tesla com alto torque e eficiência cuja patente foi re-querida, e um protótipo do sistema para gerar energia elétri-ca com caldeira e gerador elétrico.

Histórico

Nikola Tesla, mais conhecido pela invenção da bobina elé-trica e do motor à indução, patenteou em 1910 (British Office Number 24001), na Inglaterra, um compressor e um motor que utilizavam discos rotativos montados em um eixo. Tes-la afirmou ser possível a construção de máquinas muito pe-quenas, mas extremamente poderosas, usando o princípio de discos rotativos (Cairns, 2003).

As máquinas eram similares e consistiam em uma série de discos finos montados em um eixo e separados por espa-çadores de diâmetro bem menor, formando um rotor, mos-trado nas figuras 1, 2 e 3. Um invólucro no formato de tubo acondicionava os discos, sem ter contato com os mesmos. Os discos giravam com a passagem de ar ou gás pelos mes-mos, fazendo girar o eixo.

A maior máquina construída foi de 500kW, movida a va-por com pressão de 5,5atm, com 60 discos de 1,5m de diâ-metro e rotação de 3.600rpm. A máquina foi construída pela

Batista e Carvalho Jr.

Figura 1 – Turbina Tesla. Figure 1 – Tesla turbine. Figura 1 – Turbina de Tesla.

Figura 2 – Rotor com turbina Tesla modificado e bomba Tesla.

Figure 2 – Rotor with modified Tesla turbine and Tesla pump.

Figura 2 – Rotor con la turbina de Tesla modificada y la bomba de Tesla.

Figura 3 – Protótipos de turbinas Tesla modi-ficadas.

Figure 3 – Modified Tesla turbine prototypes.

Figura 3 – Prototipos de la turbina Tesla modificada.

empresa Allis Chalmers (EUA) em acordo com Nikola Tes-la. Após os testes realizados na turbina, observou-se o alon-gamento dos discos de aço sob ação centrífuga. Na época,

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devido ao estado de desenvolvimento da metalurgia, não se dispunham de materiais para a utilização em altas tempera-turas e elevadas velocidades de rotação.

A falta de recursos inibiu a continuação do desenvolvi-mento da turbina de discos, pois a empresa concentrou es-forços na manufatura e exploração de máquinas do tipo impulsão Curtis e Parsons e de máquinas do tipo Reação-Im-pulsão, que estabeleceram o padrão a partir do qual evoluí-ram as subsequentes turbinas a vapor, e, mais recentemen-te, as turbinas a gás.

Após a construção das máquinas pela empresa Allis Chal-mers, o interesse pelo conceito de motor com discos rotativos de Nikola Tesla diminuiu. Entretanto, mais recentemente, al-gumas empresas passaram a se interessar pelo princípio para o desenvolvimento de motores e bombas. Com a disponibi-lidade de ligas mais resistentes à temperatura e à deforma-ção, e com a experiência atual na tecnologia de turbinas a gás, tornou-se viável a construção de máquinas práticas, de forma que a turbina de discos rotativos pode vir a prover uma fonte de torque e potência alternativa às máquinas convencionais.

Objetivos

O sistema aqui apresentado para microgeração de ener-gia elétrica tem por objetivo:

•gerar energia elétrica em localidades não servidas por redes de distribuição, como pequenas comunidades e empreendimentos ou propriedades rurais;•geração descentralizada (distribuída) de energia elétrica

utilizando combustíveis disponíveis localmente e utilizan-do a energia no próprio local em que é produzida, evitan-do-se assim os altos custos de redes de distribuição e os custos de transporte de combustível ao local de geração;•ser uma alternativa econômica para geração de ener-

gia elétrica se comparada a outros meios como conjun-tos geradores diesel, painéis fotovoltaicos, turbogera-dores eólicos, etc.

Turbina TeslaA turbina Tesla consiste em um conjunto de finos discos

paralelos dispostos muito próximos um do outro, com espa-

çadores entre eles e montados em um eixo, formando um ro-tor que é colocado em um invólucro cilíndrico (estator). As extremidades do cilindro são fechadas e nelas se encontram os rolamentos que sustentam o eixo. No centro dos discos, próximo ao eixo, há aberturas que permitem a saída do flui-do para a atmosfera (ou condensador, dependendo do uso como turbina a gás ou a vapor). Um injetor é disposto tan-gencialmente na borda da turbina alimentado-a com o fluido de trabalho, que passa entre os discos em trajetória espiral e sai pelas aberturas de exaustão no centro do disco, como mostra a figura 1.

Após uma breve discussão do movimento relativo das su-perfícies dos discos, são estabelecidas aqui as equações de transporte que descrevem o escoamento entre discos para-lelos que giram, calcula-se a espessura da camada limite sob regime laminar e turbulento, de forma a obter a distância en-tre discos consecutivos. Uma vez definido o fluido de traba-lho e suas condições de entrada e escolhida a potência de saída requerida, calcula-se o número de discos necessários.

Princípios de operação

A aderência do fluido à parede (condição de “não-des-lizamento”) é o fenômeno básico por trás da turbina Tesla. O disco tem a tendência de adquirir a velocidade do fluido que escoa sobre ele. Se este fluido é injetado tangencial-mente sobre a superfície do disco, então a componente tan-gencial do vetor velocidade é zero para o sistema de referên-cia fixo à superfície do disco, movendo-se com ele. Então, a única componente da velocidade “vista” neste sistema que influencia o escoamento do fluido é a componente de velo-cidade em direção ao centro do disco, que empurra o fluido em direção às saídas de exaustão próximas ao centro do dis-co. Portanto, para um observador externo, o fluido descreve uma trajetória em espiral sobre a superfície do disco. Assim que o disco tende a adquirir a velocidade do fluido sobre ele, é necessário, para ocorrer uma transferência de energia mais efetiva, que o escoamento seja laminar. Assim, conhecendo a velocidade do escoamento na entrada da turbina - e tam-bém que, em teoria, o rotor iniciará o movimento até atingir a velocidade tangencial, quando a velocidade entre os discos e o escoamento será zero - a partir deste ponto, a única veloci-dade relativa não nula em relação aos discos será a da pene-tração do fluido entre os discos consecutivos em direção ao

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centro e será levada em conta para o cálculo do Número de Reynolds do projeto. A teoria (White, 1979) estabelece que o fator de atrito laminar de Darcy, flam, para escoamentos la-minares em dutos (equação 1):

64mflam = ––––– (1) ρVd

Onde: ρ = a densidade do fluido; V = a velocidade relativa do escoamento; e m = o coeficiente de viscosidade dinâmica do fluído.

Ou, (equação 2): 64

flam = ––––– (2) Red

Onde: Red = o número de Reynolds baseado no diâmetro do

duto como comprimento característico.

A distância característica do escoamento entre discos consecutivos (Equação 3): 4S

Dh = ––– (3) P

Onde: Dh = o diâmetro hidráulico; S = a área do escoamento; e P = o perímetro molhado.

Assim, Deff, o diâmetro efetivo, pode ser escrito como (equação 4):

2Deff = –– Dh (4) 3

Onde: Deff = diâmetro efetivo; e Dh = o diâmetro hidráulico.

A teoria tem precisão razoável quando se usa o diâmetro hidráulico, sendo muito precisa para o diâmetro efetivo.

Usando (a) como a distância de separação entre placas, temos (equação 5):

4πDextaDh = ––––––––– (5) 2(πDext+a)

Onde: Dext = o diâmetro externo do disco.

Assim, como a << Dext, resulta (equações 6 e 7):

Dh = 2a (6)

E:

4Deff = –– a (7) 3

Portanto, o número de Reynolds pode ser escrito como (equação 8):

4 ρVaRd = –– –––– (8) 3 m

Cálculo da espessura da camada limite turbulenta

A espessura da camada limite turbulenta pode ser cal-culada pela seguinte correlação, expressa na equação 9 (Hayes, 1998),

v 1/5

δ = 0.526r ––––– (9) r2 v

Onde: r = o raio do disco local;v = o coeficiente de viscosidade cinemática do fluido; ev = a velocidade angular.

Esta é a espessura máxima que deve ser admitida entre o encapsulamento do disco e o disco. Porém, entre discos há

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o desenvolvimento de duas camadas limite, uma para cada disco, portanto, a distância máxima de separação entre dis-cos deverá ser de 2δ e dessa forma teremos:

Dδmáx = 2δ

Onde: Dδmáx = a distância máxima admitida entre discos.

Cálculo da espessura da camada limite laminar

A componente do escoamento na direção radial na peri-feria do disco é laminar, o mesmo acontece com a compo-nente do escoamento na saída interna.

A partir do momento em que os discos alcançam veloci-dade angular uniforme e após, a única velocidade relativa não nula é aquela entre cada disco e o escoamento dentro das passagens entre discos consecutivos, escoando em direção do seu centro até atingir as saídas de exaustão.

Neste caso, o número de Reynolds deve ser calculado con-siderando as áreas de escoamento entre discos consecutivos, ou seja, a área externa, Sext, (equação 10):

Sext = Dext . (a) (10)

E a área interna entre eles, Sint, (equação 11): Sint = πDint . (a) (11)

Onde: Dint= o diâmetro do disco tomado nas saídas de exaustão.

Impondo que o escoamento deva ser laminar, pode-se usar a seguinte estimativa da espessura da camada limite laminar (Schlichting, 1962) de forma que a partir deste va-lor pode-se estimar uma distância de separação dos discos apropriada (equação 12):

v1δ ≈ 5 –– (12) U

Onde: v = o coeficiente de viscosidade cinemática do fluido de

trabalho; l = o raio mais externo menos o raio interno para am-

bos os números de Reynolds, cada um estimado para regi-mes laminares; e

U = a velocidade de injeção.

Note-se que se pode usar uma separação entre os discos que garanta um regime laminar na ponta do disco.

A velocidade, Uint, na ponta do disco no fluxo interno, pode ser escrita como (equação 13):

2Uint = v Rint = –– Rint (13) Rext

Enquanto o escoamento ocorre entre os discos, uma ca-mada limite é formada ao longo de cada um deles, de forma que a distância entre discos consecutivos para garantir o es-coamento laminar em toda a região deve ser, pelo menos, a espessura de ambas as camadas limites.

Cálculo do número de discos que integrarão a turbina

Para estimar o número total de discos para a turbina, uti-liza-se o seguinte procedimento: impõe-se que em qualquer circunferência interna do disco, por onde passa o escoamen-to do fluido de trabalho, o número de Reynolds seja laminar, isto é, situe-se abaixo de 2.300. Aqui cabe a explicação de que, para o cálculo do número de Reynolds, nesse caso se está levando em conta apenas o escoamento na direção ra-dial, e pelo princípio de independência do movimento segun-do os eixos, o escoamento se dá independentemente na di-reção radial e na direção tangencial, assim na direção radial temos (equações 14 e 15):

m = ρVπDa (14)

Onde: m = vazão mássica; ρ = massa específica do fluido; V= velocidade; e

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D= diâmetro do disco

Ou:

m Va = –––– (15) πρD

Então a vazão mássica total, m T, pode ser escrita como

m T Vna = –––– (16) πρD

Onde: n = o número de espaços entre discos e carcaça, logo o

número de discos é igual a n-1, o que resulta:

4 ρVa Rey = –– –––– (17) 3 m

Utilizando-se as equações 16 e 17, temos:

4 m n = –– ––––––– (18) 3 πmDRey

Onde: n = o número de espaços entre discos consecutivos

(com as superfícies laterais do estator incluídas), de forma que o número total de discos requerido será n-1.

Lembrando-se que no regime laminar (com o escoamen-to sendo assumido próximo de incompressível) o torque 2T, obtido pelos 2 lados do disco, pode se escrito como vemos nas equações 19, 20 e 21 (Schlichting, 1962):

2TCM = –––––– (19) 1 –– ρw2R5

2

Onde: CM = 3.87 Rey -1/2 (20)

E:

R2w Rey = –––– (21) v

Portanto, o torque total pode ser escrito como (equação 22):

T0 = 2(n-1)T (22)

Dimensões das turbinas dos protótipos desenvolvidos

O protótipo da turbina Tesla mostrado na figura 3 forne-ce potência de até 20kW e possui 15 discos de 0,2m de diâ- metro.

O aumento do torque da turbina Tesla foi obtido acres-centando-se obstáculos (ressaltos) à passagem do fluido en-tre os discos, na forma de curvas, semelhante ao formato das pás de rodas Pelton. O fluido colide com estes obstácu-los e é direcionado para a saída de exaustão.

Sistema para microgeração de energia elétrica

O sistema é mostrado na figura 4, sendo composto por caldeira à lenha, válvula reguladora de pressão, turbina, con-densador e gerador elétrico de 7,5kVA. Utilizou-se vapor sa-turado a 172ºC, pressão de 8kg/cm2 fornecidos pela caldeira disponível, utilizada no protótipo.

Figura 4 – Protótipo do sistema de geração de energia elétrica.

Figure 4 – Prototype electricity generating system.

Figura 4 – Prototipo del sistema que genera electricidad.

Batista e Carvalho Jr.

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Cogeração

A figura 5 mostra como o calor perdido pelo condensa-dor, QL, aquece a água de um reservatório (“caixa d’água”). A água é bombeada continuamente do reservatório para o condensador e de volta para o reservatório. Estima-se uma temperatura de condensação de 45°C (Lora e Nascimento, 2004) e uma temperatura no reservatório de cerca de 40ºC, apropriada para o uso da água do reservatório em chuveiros.

A finalidade de gerar água quente é reduzir o uso da ener-gia elétrica em chuveiros. Isto aumenta a eficiência global do sistema.

Operação

A caldeira utilizada é de linha comercial e possui os me-canismos de proteção e alívio em caso de pressão excessiva.

A alimentação de combustível na caldeira é bastante len-ta, cerca de 17Kg/h de lenha (ou 0,045m3/h) para geração de 10 kW, podendo ser feita por foguista ou mecanismo de alimentação.

ConclusõesA formulação das equações para a turbina Tesla permitiu

dimensionar o número de discos para obter as potências re-queridas nos protótipos desenvolvidos para a turbina.

A combinação dos efeitos de impulsão da Roda Pelton e das forças de cisalhamento obtidas na camada limite sobre os discos da turbina Tesla original permitiu aumentar o torque e eficiência na geração de energia.

Resultados práticos obtidos com os protótipos compro-varam a eficiência do modelo termodinâmico utilizado.

Embora tenha sido enfocado o uso de caldeira a lenha, pode-se utilizar caldeiras movidas a gás ou outro combustí-vel, onde for mais conveniente.

Deste trabalho resultou o equacionamento da turbina Tesla que permite projetá-la (publicado), desconhecido até então, e de protótipos com alto torque e eficiência (paten-te requerida). Resultou, também, em um protótipo do siste-ma com caldeira e gerador elétrico que permite gerar ener-gia elétrica a baixo custo numa faixa (nicho de mercado) em que inexistem sistemas movidos a vapor economicamente viáveis, com o qual se pretende levar energia a milhões de brasileiros, no campo.

AgradecimentosEste trabalho teve o apoio da Fundação de Amparo a

Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), projeto nº 2006/52438-6.

n n n

Figura 5 – Diagrama do sistema de geração que utiliza o Ciclo de Rankine.

Figure 5 – Diagram of the generation system that uses the Rankine cycle.

Figura 5 – Diagrama del sistema de generación que utiliza el ciclo de Rankine.

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Batista e Carvalho Jr.

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Autores

Júlio César Batista é engenheiro Elétrico pela Universida-de de Brasília (UnB), em 1982, mestre em Engenharia Elé-trica pela Universidade de Campinas (Unicamp), em 1985 e doutor em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), em 2009. Recebeu o 1º lugar na categoria Tecnologia de Energia da 3ª edição do Prêmio Petrobras de Tecnologia. Atualmente é tecnologista Sênior do INPE. Atua nas áreas: sistemas para aquisição de dados e controle e ge-ração de energia.

João Andrade de Carvalho Júnior é engenheiro de Infraes-trutura Aeronáutica pelo ITA (1976), mestre em Aerospace Engineering - Georgia Institute of Technology (1980) e dou-tor em Aerospace Engineering - Georgia Institute of Techno-logy (1983). Atualmente é Professor Titular da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência na área de Engenharia Mecânica, com ênfase em Fenômenos de Transporte e Engenharia Térmica, atuando principalmente no tema Combustão: Energia e Meio Ambiente. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1A.

Júlio César Batista

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)Laboratório de Combustão e Propulsãoe-mail: [email protected]

João Andrade de Carvalho Júnior

Universidade do Estado de São Paulo (UNESP)e-mail: [email protected]