migrações internacionais e integração econômica no cone sul

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Page 1: migrações internacionais e integração econômica no cone sul

2.2. MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E INTEGRAÇÃO ECONÔMICA NO CONE SUL: NOTAS PARA DISCUSSÃO

Neide Patarra

INTRODUÇÃO

Os movimentos migratórios internacionais reassumem, sobretudo a partir dos anos 80, importância crescente no cenário mundial. Cenário este que, a par das grandes transformações econômicas, sociais, políticas, culturais e ideológicas em curso, tem se caracterizado por desigualdades regionais acentuadas e pela manifestação crescente de conflitos localizados, mas também pelas tentativas de constituição de mercados integrados, dentre os quais, de interesse específico, o Mercosul.

Assim sendo, a questão da mobilidade espacial trans-nacional de pessoas e suas implicações passam a constituir dimensão inerente à relação entre população e desenvolvimento, bem como parte integrante de políticas populacionais.

A problemática das migrações internacionais contemporâneas vem constituindo, na verdade, tema de crescente interesse entre os estudiosos de população e cientistas sociais em geral. Ademais, os acordos firmados nas Conferências Internacionais da ONU nos anos 90, particularmente a Conferência de População e Desenvolvimento realizada no Cairo em 1994, vêm situando essa problemática no âmbito de ação de Estados Nacionais. Os compromissos assumidos pelos governos , neste caso, já evidenciam a necessidade de um tratamento específico, uma vez que, necessariamente , qualquer ação ou planejamento referente a questão dos movimentos populacionais internacionais dependem de acordos bi ou multilaterais.entre esses Estados. No caso dos blocos de integração econômica, outra especificidade é dada pela própria jurisdição que ancora os acordos entre os Estados Nacionais, uma vez que sempre envolvem flexibilização na circulação de mercadorias e nos fatores de produção; a livre circulação de trabalhadores passa então a constituir um corolário dos tratados, ensejando, na prática, situações tensas e conflituosas.

Em todas as conferências recentes evidencia-se uma grande preocupação dos países com os movimentos populacionais internacionais contemporâneos, na tensão entre os condicionantes de um mundo competitivo e internacionalizado com tecnologias poupadoras de mão-de-obra, de um lado, e o avanço das conquistas de direitos humanos, em suas várias dimensões, de outro lado. Os documentos de consenso mal disfarçam os antagonismos entre os países expulsores (tendencialmente pobres) e os países receptores (tendencialmente ricos) de contingentes populacionais expressivos, tratando de formas nitidamente distintas a questão dos migrantes documentados, dos migrantes clandestinos e dos refugiados políticos, sem menosprezar o montante de remessas de divisas aos países de origem, as quais, de acordo com estimativas da ONU, só perdem para a transferência de divisas derivadas do comércio de petróleo.

Texto elaborado no âmbito do Projeto “Deslocamentos Populacionais e Livre Circulação de Trabalhadores: o caso do Mercosul”. Apoiado pelo CNPq, processo 522638195-3. Sua elaboração contou com a participação de Ana Cláudia Taú, bolsista do projeto. Professora Livre Docente. Pesquisadora do NEPO/UNICAMP. Professora visitante da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCCE)/IBGE. E-mail: [email protected]

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No caso da América do Sul, as especificidades de situações, nesse contexto, refletem-se nas tendências crescentes de emigração para o primeiro mundo, à qual o Brasil passa a fazer parte, bem como em modalidades distintas de movimentos internos à Região. A questão que tem se colocado para um grupo de especialistas voltados a essa problemática, é: em que medida o Tratado de Assunção e a criação do Mercosul vem se constituindo numa dimensão significativa para os recentes movimentos populacionais trans-nacionais ou trans-fronteiriços e quais suas implicações para os grupos sociais envolvidos?

1. MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS NO CONE SUL: BREVE RESUMO

O Tratado Comercial do MERCOSUL, inaugurado em 1991, incide sobre um grupo de países do Cone Sul da América Latina (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com adesão posterior do Chile e Bolívia), contíguos geograficamente, com dimensões históricas e culturais semelhantes, mas ao mesmo tempo, com profundas diversidades em várias dimensões da vida social e econômica. Herdeiros de um passado colonial de origem européia (Portugal, no caso do Brasil e Espanha, no caso dos demais países), a divisão territorial, os traços culturais, os processos de urbanização, os ciclos econômicos, a relação com as Metrópoles, os processos de Independência, as relações com nativos indígenas, a presença de escravos africanos (no caso do Brasil), entre outras dimensões, foram forjando semelhanças e diversidades, confluindo, já nesse século, a um esforço geral de industrialização de ex-colônias, tornadas, no século passado, e com distintas intensidades de conflitos, Estados Nacionais Independentes.

A discrepância mais evidente é constituída pela própria extensão territorial de suas unidades geográficas; a política colonial portuguesa forjou, no caso brasileiro, um território unificado geográfica e linguisticamente que compreende 8.512 km2 de extensão, contando hoje com uma população de aproximadamente 170 milhões de habitantes. No caso da colonização espanhola, os desmembramentos territoriais conformaram países bastante pequenos como o Paraguai, com 407 km2 de extensão e uma população atual ao redor de aproximadamente 5,5 milhões de pessoas e um território uruguaio, de apenas 177 km2 de extensão, com uma população atual de aproximadamente 3,2 milhões de habitantes. Mesmo a Argentina, país de proporções maiores (2.767 km2), com um nível de industrialização mais avançado, urbanização precoce e marcado por uma influência européia peculiar, hoje adere ao processo de integração com uma população de apenas aproximadamente 36 milhões de habitantes.

Esses países surgiram e foram consolidados mediantes acentuados fluxos de imigração internacional, constituintes e formadores das peculiaridades culturais dessas áreas; desde sua colonização até meados do presente século a América Latina absorveu um contingente expressivo de migrantes de origem estrangeira, os quais, seja por fatores que os expulsavam de suas terras de origem, seja por fatores que os atraiam a novas terras, vinham com o intuito de se fixarem de forma permanente e de se inserirem em um novo contexto social, participando da construção da história de um novo país (Pellegrino, A., 1995).

Durante o século XVIII foram intensos os fluxos de imigrantes internacionais para a área, em sua maioria oriundos dos países colonizadores, bem como, na condição de escravos, foi também expressiva a entrada de população africana, principalmente para a economia

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escravocrata brasileira, fato este que determinou, em algumas regiões do país, acentuadas peculiaridades culturais.

No século XIX, as crises político-sociais da Europa e os movimentos de emancipação dos países latino-americanos implicaram em um novo fluxo imigratório para a região; esse fluxo teve como principal destino a Argentina, o Brasil, o Uruguai e o Chile, com notável participação de imigrantes italianos, principalmente ao final do século, cuja influência cultural, social e econômica, bastante expressiva, configura-se como um dos traços de confluência entre os países do Cone Sul (com exceção do Paraguai).

A última grande leva de imigrantes europeus em direção à América Latina deu-se logo depois da Segunda Guerra Mundial, tendo como principais países de destino a Argentina, o Brasil e a Venezuela (Lattes,A & Lattes, Z., 1996). Por volta dos anos 70, o caráter atrativo da imigração já apresentava sinais de declínio, ao mesmo tempo em que aumentava o distanciamento sócio-econômico de seus países com aqueles mais desenvolvidos. As crises econômicas dessa época, as convulsões sociais e a adoção de regimes ditatoriais em vários países latino-americanos, aliados ao desenvolvimento econômico e social de países ditos do “primeiro mundo”, fomentaram um outro movimento migratório, desta vez de latino-americanos para fora da América Latina (Villa, M. 1996).

Os esforços dos países do Cone Sul no sentido da sua industrialização teve peculiaridades e entraves que complementam a diversidade histórica de suas formações sociais; Paraguai até hoje permanece com uma economia de ampla base agrícola, de moldes tradicionais; o Uruguai, de urbanização precoce e altos níveis de escolarização, exibe uma industrialização incipiente, favorecendo, a par de questões políticas, alta incidência de emigração, principalmente de jovens; a Argentina e o Brasil são os países que apresentam um processo de industrialização mais estruturado, conquanto marcado por dificuldades diversas e configurando acentuadas desigualdades sociais.

Todos os países envolvidos no processo de integração econômica enfrentam, no período recente, a necessidade de se situar no novo contexto e correlação internacionais de forças, simultaneamente a processos internos e precoces de restruturação produtiva, endividamento interno e externo, enxugamento do aparelho estatal e, com especificidades locais, deterioração das condições de vida de amplos seguimentos de suas populações.

O ritmo de crescimento populacional, nesses países, como ademais na América Latina em seu conjunto, tem diminuído significativamente nas últimas décadas; entre o começo dos anos 60 e o final dos anos 80, a fecundidade total reduziu-se de 6 para 3,4 filhos por mulher e a esperança de vida aumentou, em média, dez anos, passando de 57 para 67 anos. Após alcançar um valor máximo da ordem de 3%, as taxas de crescimento atual estão, no momento, em torno de 1,7% (Celade, 1993). Partindo de patamares bastante distintos, em 1950, os países do Mercosul tendem, nas projeções apresentadas, a confluir para níveis consideravelmente menores, apesar da relativamente mais altas taxas no caso do Paraguai.

Para os propósitos do debate a respeito das influências recíprocas entre o tratado de integração econômica e o mercado de trabalho é importante ressaltar os efeitos dessas mudanças na estrutura etária de suas respectivas populações que representam os efeitos de processos

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distintos de transição demográfica experimentados por cada um dos países envolvidos; Argentina e Uruguai percorreram um processo de transição muito precoce, iniciado já no início do presente século; Brasil e Paraguai encontram-se em etapas semelhantes do processo, considerando-se como países de transição trazem consigo importantes implicações, tanto em termos da configuração do mercado de trabalho, como em termos da configuração de distintos perfis de demanda por políticas sociais; no caso dos quatro países em discussão, a menor participação dos grupos mais jovens da população podem significar uma oportunidade de melhorar as condições de ensino e propiciar uma melhor adequação à capacitação profissional no contexto atual de globalização; por outro lado, o desemprego e as dificuldades de inserção inicial no mercado de trabalho para os jovens vem se tornando uma questão aguda para essas sociedades.

É expressiva, também, a participação dos grupos de idade adulta, ou seja, a população economicamente ativa: esse grupo apresenta uma tendência de participação percentual crescente no total da população, configurando um maior potencial de população a se inserir no mercado de trabalho, acentuado pela tendência igualmente crescente de participação das mulheres nesse mesmo mercado.Além disso, é crescente a participação da população de 60 anos e mais, conformando a questão emergente, nesses países, da chamada terceira idade, com sérias implicações para os sistemas previdenciários e de saúde, num contexto marcado por uma declinante participação do Estados no financiamento de políticas sociais.

No que se refere às migrações internacionais recentes, os países do Cone Sul caracterizam-se pela prevalência de dois padrões fundamentais: a que se dirige aos países industrializados basicamente os Estados Unidos, já mencionado, e a migração intra-regional (Chakiel, J. & Villa, M., 1992). No primeiro caso, observa-se que a migração aos países desenvolvidos cresce à medida em que os países latino-americanos vão consolidando seu sistema educacional e ampliando os setores médios de suas sociedades. Este fato põe em evidência as dificuldades para reter tanto recursos humanos qualificados como aqueles setores para os quais a educação constitui fator de mobilidade social ascendente. A globalização dos hábitos de consumo e dos estilos de vida dos países desenvolvidos, através dos meios de comunicação de massa, geram aspirações que não podem ser satisfeitas nos países de origem, redundando em potencialidades migratórias (Pellegrino,A.,1996) às quais, considerando-se sua seletividade, trazem significativas implicações para os movimentos intra-regionais e as transformações do mercado de trabalho no contexto da integração econômica.

Mesmo no caso brasileiro, país de tradicional atração imigratória e que era considerado, nas décadas de 60 e 70, como um país de população fechada, estimativas para os anos 80-91 indicaram um saldo migratório internacional negativo da ordem de 1.4 milhão de pessoas, o que se surpreendeu até mesmo os especialistas em população e constrangeu várias instâncias da sociedade civil, as quais, levando-se em conta os valores ufanistas vinculados a imagem de país receptor, viram nessa saída de jovens de setores médios urbanos e com escolarização intermediária, uma derrota do projeto nacional de desenvolvimento (Patarra, N., 1995, Introdução).

O outro tipo de migração mencionado, a migração intra-regional, na verdade, não constitui um fenômeno novo na América Latina; no contexto regional, existem fronteiras que tiveram particular permeabilidade para os movimentos migratórios; essa mobilidade populacional teve

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lugar, preponderantemente, entre regiões com raízes históricas e culturais comuns, tratando-se, de fato, de movimentos intra-regionais aos quais a existência de uma fronteira política converteu em migrações internacionais. Assim sendo, as desigualdades nos processos de desenvolvimento entre os países provocaram movimentos migratórios internacionais que constituem uma modalidade da migração interna dos respectivos países, uma vez que os deslocamentos significam um extensão trans-fronteiriça dos mesmos processos sociais (Palau, 1997).

Mais recentemente, devido aos processos de integração e globalização econômica e a conseqüente abertura de mercados, a migração intra-regional vem assumindo formas mais dinâmicas e expressivas justamente nas sub-regiões latino-americanas onde se verifica a formação de blocos econômicos. Nessas regiões, os processos de integração econômica articulam-se, incrementando intercâmbios econômicos e movimentos populacionais. No Cone Sul, particularmente, as modalidades desses movimentos tendem a se modificarem, tanto entre os países como no interior dos mesmos. Nesse sentido, a recente integração econômica e o aumento das comunicações entre os países que compõem o Mercosul tendem a consolidar espaços binacionais com distintas dinâmicas, onde o fluxo migratório é permanente e as atividades econômicas atuam como mercados regionais integrados (Pellegrino, A., 1996).

A dinâmica sócio-econômica recente tem aprofundado os processos pré-existentes de desigualdades e acentuado processos de exclusão ; nesse contexto inserem-se os movimentos populacionais que, hoje, não estão mais circunscritos às áreas de fronteiras nacionais, mas que já podem ser classificados de trans-fronteiriços, envolvendo, inclusive, movimentos migratórios entre as regiões metropolitanas que compõe o Mercosul.

Como mencionado anteriormente, Argentina, Uruguai e Brasil, tradicionais receptores de imigração européia (e asiática, no caso do Brasil), receberam as últimas levas dessas correntes nos anos subseqüentes ao fim da II Guerra Mundial, a partir de quando, e em algum casos desde a década de 30, os movimentos de população de maior magnitude foram constituídos por processos de redistribuição interna de suas próprias populações e, em particular, pela migração rural-urbana no processo de urbanização de cada uma das sociedades nacionais.

A Argentina continuou sendo um forte receptor de imigrantes de países limítrofes (Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai), ao mesmo tempo em que passou a ser, também, país expulsor de população (Maguid,A.,1993) ; essa tendência, percebida já desde os anos 60 , foram motivadas, em boa medida, por causas políticas , envolvendo um expressivo contingente de técnicos e profissionais qualificados.

O Uruguai converteu-se num país expulsor de população, caracterizando-se por expressivos fluxos, entre outros, com destino ao vizinho país Argentina; no conjunto, a magnitude que assumiu o processo de emigração de uruguaios, principalmente nos anos 70, fez com que a população do país diminuísse, em termos absolutos, entre os anos 74-75 (Niedworok, N. & Fortuna, J. C., 1989). Na configuração do país como expulsor de população intervieram de maneira significativa as influências políticas unidas aos efeitos de uma crise econômica que se prolonga por várias décadas., o que implicou na emigração com propensão emigratória jovem. Embora os indicadores econômicos mostrem sinais de recuperação, os efeitos de retroalimentação gerados pelo estabelecimento de uma população de magnitudes

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consideráveis fora do país fazem com que a tendência a emigração continue tendo força (Palau, T., 1997).

A par de sua recente tendência à emigração para países do primeiro mundo, como já foi mencionado, o Brasil é o terceiro país em ordem de importância na América Latina como receptor de imigração de população latino-americana, embora o volume total dos imigrantes dos países do Mercosul seja substancialmente menor que aquele que se dirige à Argentina. As políticas que o estado brasileiro promoveu em relação à pesquisa científica e tecnológica, bem como o desenvolvimento dos setores industriais modernos, surtiram efeitos específicos sobre a composição e integração dessas correntes.

O conhecimento produzido a respeito das características e tendências dos movimentos populacionais internacionais na América do Sul e , em particular, entre os países do Cone Sul significam na verdade, um esforço coletivo de mensuração de fenômenos e processos frente às dificuldades de compatibilização e atualização de dados. Na verdade, a escassez, a sub-enumeração e a defasagem temporal de dados estatísticos constitui lamentação recorrente de todos os pesquisadores voltados a essa temática. A montagem do banco de dados sobre migração internacional (IMILA), cujos resultados gerais foram recentemente divulgados, constitui , sem dúvida, um avanço nesse sentido.

A tabela apresentada ao final deste texto foi extraída da matriz de movimentos migratórios entre os países da América Latina e Caribe, Canadá e Estados Unidos do IMILA . A base de dados do IMILA, como se sabe, é composta por levantamentos censitários dos países, o que implica numa variação temporal bastante grande; sempre que possível, a cobertura retrocede até 1960. Embora os dados censitários dos distintos países apresentem qualidade e sub-enumerações distintas , a base assim montada propicia uma observação das tendência ao longo do período; a visão de conjunto, assim, possibilita a captação de fluxos, bem como de algumas características dos migrantes , favorecendo o aprofundamento do conhecimentos sobre os movimentos populacionais na área.

Pode-se verificar, por essa tabela, que Argentina, Brasil mais acentuadamente, Paraguai e Uruguai diminuem o volume de sua população estrangeira nos anos 80 ; dos países do Mercosul, apenas o Chile apresenta um aumento nesse contingente populacional. Verifica-se, também, que entre esses mesmos países, mantêm-se uma troca populacional expressiva entre Chile e Argentina, sendo que este último país registra, ademais, uma acréscimo de bolivianos, chilenos e uruguaios no total de seu contingente estrangeiro, com ligeira diminuição de brasileiros; por outro lado, a presença de argentinos é crescente em todos os países do bloco.

O Brasil , embora diminuindo acentuadamente o volume de estrangeiros no Censo de 1991, apresenta uma elevação na participação , nesse contingente, de todos demais países do Mercosul ; é significativo o mais recente aumento de brasileiros no Chile, mas também no Paraguai e no Uruguai.

O Chile apresenta um aumento considerável de estrangeiros em sua população, no último período censitário, com acréscimo de argentinos; são bastante pequenas as proporções de bolivianos, brasileiros, paraguaios e uruguaios nesse volume.

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O Paraguai registrou seu maior volume de estrangeiros no censo de 1982, tendo diminuído acentuadamente esse volume no período seguinte; neste caso, a participação de brasileiros é expressiva, tendo, inclusive, aumentado no ultimo período.

O Uruguai viu decrescer ligeiramente o montante de estrangeiros em sua população, montante este composto principalmente por argentinos e brasileiros. Por outro lado, aumenta a presença uruguaia na Argentina e no Brasil e, em menor escala, no Chile e no Paraguai.

É interessante observar-se, por outro lado, que para todos os países do Mercosul, aumenta o volume de sua presença nos Estados Unidos desde a década de 70 e, numa escala menor com dados incompletos, verifica-se a mesma tendência também para o Canadá.

Essas observações confirmam , de um modo geral, as características e tendências dos movimentos populacionais apontadas anteriormente , tanto entre os países do bloco como desses países para o chamado "primeiro mundo", particularmente para os Estados Unidos.

A matriz de migração internacional do IMILA, chegando até a rodada censitária anos 90, oferece um panorama geral dos movimentos migratórios no Cone Sul pré-Tratrado de Assunção, datado de 1991; assim, uma observação sobre os eventuais efeitos do processo de integração econômica sobre esses movimentos deverá aguardar os resultados da rodada anos 2000.

Evidências esparsas, oriundas de diversas fontes, incluindo-se pesquisas localizadas, artigos jornalísticos, coberturas diplomáticas, levantamentos realizados por organismos não governamentais, entre outras, têm permitido contextualizar e delimitar algumas situações concretas as quais, embora sem dimensões quantitativas dos fenômenos, permitem delinear relações entre processos recorrentes e efeitos emergentes, tanto como desdobramentos das transformações globais da economia, como mais especificamente dos efeitos dos acordos e dispositivos estabelecidos entre os governos do Mercosul

No que se segue, busca-se trazer para debate algumas dessas evidências empíricas sobre processos sociais que vem implicando em movimentos trans-nacionais ou trans-fronteiriços entre o Brasil e os demais países do bloco.. Privilegiou-se, neste texto, as situações de fronteira , instância destacada como de particular importância nos documentos oficias do Mercosul, e onde também a contiguidade espacial e continuidade de processos, predominantemente vinculados a questões agrárias, caracterizaram de maneira específica.

2. MIGRAÇÕES E FRONTEIRAS

O Tratado de Integração Econômica do Mercosul incide sobre um contexto sócio-econômico e cultural pré-existente, marcado por movimentos migratórios, predominantemente agrários, que significaram o transbordamento dos limites nacionais de tensões, conflitos e estratificação social dos países envolvidos ; parcela considerável desses movimentos constituem, na verdade, uma contrapartida, com efeitos perversos, das políticas agrárias e afins dos países envolvidos.

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Algumas especificidades, nesses processos que envolvem transferências populacionais trans-fronteiriças, merecem destaque. Na perspectiva do Brasil , foi possível delinar-se três modalidades de transferência populacional, cada uma das quais, respectivamente, com os países do Cone Sul: Brasil-Paraguai, Brasil-Argentina e Brasil-Uruguai.

2.1 Brasil-Paraguai

Os movimentos recentes das correntes migratórias que transitaram e ainda transitam na divisa entre o Brasil e o Paraguai estão intrinsecamente relacionados à formação e à constituição da fronteira entre esses dois países, principalmente no que diz respeito as suas fronteiras agrícolas. Por outro lado, a consolidação da fronteira político-administrativa que separa o Brasil do Paraguai foi marcada por uma série de lutas e batalhas , abrangendo não só os Estados Nacionais, como também as populações locais e as grandes empresas comerciais. A consolidação dessa fronteira é oriunda do processo de povoamento das regiões fronteiriças de ambos os países , promovidos pelos seus respectivos governos.

Do lado brasileiro, a colonização de territórios que fazem fronteira com o Paraguai inicia-se já nos anos 30, com o intuito de fixar e demarcar áreas nacionais, a chamada “marcha para o oeste” (Sprandel, 1992). Durante a II Guerra Mundial, foi proibida a propriedade da terra por estrangeiros nas zonas de fronteira. No entanto, as iniciativas do governo de fixação dirigida de camponeses para essas áreas de fronteira tiveram pouca eficácia , em função de processos ilegais de especulação territorial que envolviam empresas imobiliárias e governos estaduais. As regiões de fronteira constituíam áreas de atração, quer seja pela qualidade do solo propícia a determinados cultivos, como a chamada terra roxa para o café, como também pela proximidade de estradas e mercados exportadores, que facilitaram o comércio agrícola. Mas o processo de povoamento das áreas fronteiriças sempre apresentou um cenário de violência e exclusão social; daí a tentativa , a partir dos anos 60, de cruzamento de fronteiras em busca de posses e trabalho em terras paraguaias.

Por outro lado, a colonização das regiões fronteiriças do Paraguai iniciou-se com a venda de grandes latifúndios a companhias estrangeiras agro-industriais e a colonos brasileiros, japoneses e americanos. O Paraguai também teve, assim, sua "marcha al Este" (Sprandel, 1992). A política paraguaia de colonização e modernização da fronteira agrícola, criada num regime ditatorial, também foi forjada por interesses militares e de povoamento, de acordo com a doutrina de segurança nacional (Palau e Heikel, 1981 e 1987).

Os brasileiros que foram em busca de terra paraguaia encontraram, no começo, grandes benefícios, gerados pelo governo paraguaio, tais como terras baratas, redução de taxas de venda de produtos, benefícios bancários, créditos, etc. Algumas categorias mais capitalizadas, ou seja, aquelas que possuíam recursos próprios, puderam tirar grande proveito dessas condições, como é o caso dos “farmers”, produtores de mercadorias e arrendatários brasileiros, que conseguiram ampliar territorialmente as suas propriedades especulando os diferenciais no valor da terra entre os dois países.

No final de década de 70 essa realidade começa a mudar e alguns migrantes brasileiros desprovidos de grande capital, ou seja, aqueles que se dirigiam ao Paraguai na condição de pequenos proprietários , arrendatários, assalariados, posseiros ou assentados, começaram a

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encontrar dificuldade em se fixar em terras paraguaias. As terras de assentamento começaram a ser vendidas para grandes empresas agrícolas, expulsando antigos arrendatários e ocupantes, convertendo-os em assalariados temporários.

Mesmo assim, permanece elevado o contingente de brasileiros vivendo no Paraguai; o Censo Nacional de Poblacion y Viviendas de 1992 registrou 108.526 residentes paraguaios com nacionalidade brasileira. De acordo com Palau (1996) esse número representa apenas 30 ou 40% do total de migrantes brasileiros; os dados do Ministério de Relações Exteriores do Brasil registrou, em 1996, um total de 350.000 brasileiros residentes naquele país, com a seguinte distribuição: Assunción: 107.035; Cuidad del Leste: 190.070; Salto de Guaira: 40.000; Concepción: 6.112; Encarnación: 3.102 e Pedro Juan Caballero: 3.618. Observa-se, assim, que o caráter nitidamente agrícola do processo inicial de transferência de brasileiros para o Paraguai somou-se, sem dúvida , a efeitos correlatos; de um lado, a presença desses imigrantes na capital do país, Assunción, é indicativo do desenrolar de atividades não agrícolas, particularmente financeiras , dominadas por brasileiros. Por outro lado, a área tri-nacional de Cuidad del Leste, de elevado crescimento populacional e intensos movimentos bi-nacionais de população, em caráter temporário ou circular, passou a ser palco, um dos principais, de atividades de contrabando e de narcotráfego, representando, com a atividade turística, uma mescla sui-genesis; a importância do contingente brasileiro reflete-se, inclusive, nas disputas internas pelo poder local.

A complexidade social dessa modalidade de migração pode ser apreendida, inclusive, pelo que os próprios migrantes atribuem ao termo "brasiguaios".; o conceito de "brasiguaios" está relacionado a três categorias: estrangeiro, brasileiro e imigrante; estrangeiro, porque é a condição na qual os pequenos proprietários agrícolas penetram em território paraguaio; brasileiro , porque tal condição produz uma consciência de nacionalidade e imigrante, pela própria condição jurídica. Em pesquisa recente verificou-se que os brasiguaios assentados no Paraguai apontavam duas formas de caracterização: uma referente tradição com a terra - pequenos proprietários, arrendatários e assalariados e outra relacionada ao grau de penetração geográfica - os "mais de dentro", ou seja, aqueles que vivem próximos aos distritos paraguaios do Departamento de Canindeyu, e os "da internacional", aqueles que residem próximos á fronteira seca do Departamento de Canindeyu com os estados de mato Grosso do Sul, no lado brasileiro.

Em 1994 foram implantadas as “Missiones Consulares Itinerantes”, que contam com a presença conjunta das polícias brasileira e paraguaia. Além disso, é de se ressaltar a presença da Igreja Católica, órgão transnacional, que ajuda a orientar os imigrantes quanto a obtenção de seus documentos. Vários procedimentos ilícitos, ineficientes ou excessivamente burocratizados põem em cheque a credibilidade desses órgãos (Palau, 1996).

Outras dimensões da vida dos indivíduos e famílias envolvidas , tais como a insuficiente cobertura do sistema educacional e de saúde, a legalização de títulos de terras, o contrabando, a violência , entre outros, confluem para as dificuldades cotidianas e as condições de vida dos “brasiguaios”; mas, ponto importante, essas dificuldades afetam igualmente brasileiros e paraguaios pertencentes aos grupos sociais despossuídos ou excluídos.

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2.2 Modalidade Brasil/Argentina

Distintamente da modalidade anterior, neste caso as forças que acionaram os deslocamentos de brasileiros com direção a Argentina são de duas naturezas: uma de caráter rural, direcionado principalmente à província de Missiones, constituída por trabalhadores e pequenos proprietários agrícolas, e outra, de caráter urbano, caraterizado por gerentes de alto escalão de empresas nacionais e internacionais, mais nitidamente relacionadas com a internacionalização da economia que o contexto recente tem propiciado, destinando-se, em sua grande maioria, à Área Metropolitana de Buenos Aires.( Hazenbalg, 1997).Inicialmente os migrantes brasileiros encontravam-se majoritariamente na cidade Buenos Aires, mas a partir da década de 60 o fluxo migratório dirigido a Missiones se intensifica de modo que , em 1970, 50% dos brasileiros recenseados na Argentina estavam localizados nessa província; em 1991, mais da metade dos imigrantes brasileiros encontravam-se em Missiones e algo menos de um terço na Àrea Metropolitana de Buenos Aires (AMBA).

O perfil dos migrantes brasileiros que se dirigiam à AMBA é bem diferente daqueles que foram para a província de Missiones ; além da marcante diferença entre população urbana, no que se refere á primeira, e população rural, no que concerne á última, pode-se perceber , através do estudo de Hasenbalg, que as diferenças econômicas e demográficas são bem marcantes.

A maioria dos imigrantes vindos do Brasil que se dirigiu à província Missiones possui uma posição sócio-econômica baixa ; de acordo com Arruñada (1997), 3/4 do total desses imigrantes não completaram o curso primário. As principais atividades econômicas do grupo estão relacionadas á agricultura, sem grandes qualificações. Em Missiones, a inserção dos brasileiros no mercado de trabalho em setores mais dinâmicos é fraca; metade da população total em atividades de trabalho é assalariada e somente 20% dos brasileiros ocupam essa categoria.

As migrações de brasileiros em à AMBA vêm se intensificando com o processo de integração econômica dos países do Cone Sul ; desde 1994 tem aumentado o número de técnicos, executivos, profissionais e gerentes que são transferidos para a Argentina por empresas sediadas no Brasil. Este tipo de migrante é caracterizado pelo alto nível de qualificação profissional, e consequentemente, por uma posição econômica mais alta. Dos imigrantes brasileiros que vivem em AMBA, 40% completou ou superou o nível secundário, sendo que os mais jovens têm nível educativo mais alto do que os mais velhos. Os trabalhadores brasileiros, neste caso, se distribuem de forma mais homogênea entre os grupos qualificados e não qualificados, sendo que as atividades dos diversos setores exigem uma maior complexidade de tarefas (Arrunãda, 1997).

O movimento de emigrantes brasileiros para a Argentina sempre foi o menos intenso dentre os países do Mercosul, possivelmente em conseqüência das políticas migratórias desse país ; desde 1876 essas políticas oscilaram entre o incentivo à imigração e à maior regulamentação , mas até 1940 não havia leis que regulassem a entrada de migrantes; desde então, os movimentos populacionais que adentravam o país começaram a ser uma preocupação para o governo argentino e as fronteiras começaram a ser regulamentadas. Em 1940 o governo

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instituiu a Lei de Fronteiras, que proibia a compra de terras por parte de estrangeiros nas divisas.

Atualmente, os procedimentos que um estrangeiro deve adotar para residir na Argentina são mais rígidos do que aqueles exigidos no Paraguai e Uruguai ; ademais , nestes dois últimos casos , a pouca rigidez da legislação, no que se refere à compra de terras por estrangeiros, sempre significou um elemento incentivador dos movimentos populacionais de tipo agrário. . No caso argentino, o imigrante que deseja migrar deve obter uma permissão de ingresso e permanência nos consulados do país de origem para entrar no território com a devida documentação; no caso de migração temporária ou transitória, a ratificação só pode ser feita em território argentino através do chamado trâmite ou via normal , sempre com a permissão da Direção Nacional de Migrações. Os ilegais e clandestinos só conseguem alguns benefícios quando há anistias ou outras estratégias de regularização.

Apesar da Lei de Fronteiras , uma significativa parcela de brasileiros, procedente principalmente do Rio Grande do Sul, vem migrando para desde os anos 70 . Muitos desses brasileiros ; de acordo com Baastian & Plata (1995), existe um expressivo número de pequenos proprietários brasileiros que conseguiu adquirir lotes em condição ilegal, oriundos de uma situação pregressa precária, em sua maioria agricultores sem terra e trabalhadores sem qualificação, em condição de difícil acesso à terra no lado brasileiro. Na verdade, essa modalidade de fluxos está fortemente marcada pelo processo de valorização e mercado de terras no país ; a acentuada elevação do preço da terra no Brasil1 promoveu a compra de terras nos países vizinhos por grandes proprietários e ou empresários agrícolas brasileiros; estimou-se, para metade dos anos 90, que na Argentina, de mil produtores de arroz , 250 eram brasileiros (Sales, 1996).

Outro aspecto a ser considerado, no caso das áreas trans-fronteiriças , é o impacto regional da construção de grandes projetos , já direcionados a integração; a Usina Hidroelétrica de Garibaldi, estará direcionada ao atendimento do mercado argentino (Correntes e Missiones) e do mercado a oeste do Rio Grande do Sul, compostos futuramente pelos empreendimentos de Panambi-Roncador, Garabi e São Pedro, localizados, respectivamente, nos municípios de Porto Lacerda, São Borja e Uruguaiana ; o Projeto do Gasoduto tem como objetivo a importação de gás natural argentino para o Brasil, a ser utilizado em usinas de geração de termeletricidade com conversão para ciclos longos, utilizando turbinas a gás pelas concessionárias; terá também a co-geração de eletricidade por empresas gaúchas, cujo processo produtivo se utiliza do gás como matéria prima ; a Ponte Internacional São Borja-San Tomé já está se viabilizando desde o Acordo Binacional de 1989; em 1995, concebido o Edital de Licitação, iniciou-se o processo de concorrência e em dezembro do mesmo ano a obra começou a ser construída. A ligação é constituída por dois ramos de estradas que unem a BR-285 no Brasil e a Ruta 14 na Argentina, com a ponte sobre o rio Uruguai ; a Rodovia do Mercosul, que ligará São Paulo – Buenos Aires, ainda está em estudo, mas uma de suas prováveis rotas, será a que passa por Uruguaiana, incluindo a Ponte Colônia-Buenos-Aires.

1 Para se ter uma ideía, entre a década de 60 e 80, os preços elevaram-se de US$100 para US$600; em casos extremos, como o do estado de São Paulo, os preços passaram de US$ 200 para US$1000, no mesmo período (Reydon & Plata, 1995).

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2.3 Modalidade Brasil/Uruguai

Os principais movimentos migratórios de brasileiros em direção ao Uruguai iniciaram-se na década de 70, constituídos de pequenos produtores sem ou com pouca terra; nas décadas subsequentes, esses movimentos formaram-se basicamente de grandes proprietários do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Não há estimativas quanto ao número de brasileiros que adquiriram terras no Urugua , mas Reydon & Plata (1995), afirmam que, de acordo com o jornal Brecha, pelo menos 10% do território uruguaio pertencia aos estrangeiros. O presidente da Federação Rural do Uruguai afirmou que o número estimado pelo jornal era elevado, se comparado com as estimativas oficiais ; no entanto, para ele, o problema da compra de terras uruguaias, mais acessíveis economicamente e mais rentáveis, por parte dos estrangeiros, ainda era uma questão muito delicada em seu país. É importante ressaltar que no Uruguai não existem leis que regulamentem a compra de terras por estrangeiros.

A crise agropecuária no Uruguai dos anos 70 contribuiu para a queda de preços das terras uruguaias; essa desvalorização atrai os investidores brasileiros que buscam a valorização de seu capital a uma taxa de lucro bem maior que no Brasil. Estes empresários levam para o Uruguai, junto com seus investimentos, uma quantidade significativa de brasileiros sem-terra, sempre dispostos a aceitar salários menores, devido à sua condição de ilegalidade nesse país. Parece ser que os empresários brasileiros são bem-vindos pelas autoridades uruguaias, o que não ocorre com especuladoresque, em geral, enfrentam uma certa hostilidade.

Vários fatores históricos demarcaram o Uruguai como um território “fronteiriço”; aAlém do longo processo de consolidação de sua condição de Estado-Nação, o Uruguai sempre esteve localizado entre dois impérios coloniais, que depois da independência, passaram a ser os dois grandes países da América Latina: Brasil e Argentina. Consequentemente, uma de suas principais características migratórias é o intercâmbio populacional; o Uruguai sempre apresentou as maiores taxas emigratórias da América Latina, relacionadas diretamente a suas crises conjunturais.

Essa condição histórica contribuiu muito para a formação de cidades trans-fronteiriças, caracterizadas por uma mútua convivência de culturas: duas moedas, duas línguas, duas legislações, etc., as chamadas cidades binacionais. Algumas áreas transnacionais, como é o caso de Santana do Livramento-Rivera e até mesmo Chui-Chuy, respectivamente localizadas no Brasil e no Uruguai, são exemplos desse tipo de cidade.

As cidades fronteiriças de Santana do Livramento-Rivera, sustentam, ao mesmo tempo, uma sociedade singular, integrada e distinta. Segundo Bermúdez (1997), é muito fácil encontra-se aí cidadãos de dupla nacionalidade. Em Rivera, muitos pais registram seus filhos recém-nascidos tanto no Uruguai como no Brasil, no caso em Santana do Livramento. Uma conseqüência disso é a dupla atuação política desses cidadãos, ou seja, num primeiro momento um cidadão pode ser vereador numa cidade e num segundo, deputado em outra ; é importante perceber que tal atuação política vai muito além das fronteiras nacionais. Outra peculiaridade dessas cidades é a convivência com duas moedas diferentes; hoje com as mudanças macro-econômicas e a formação de blocos de integração . como o Mercosul, pode-se perceber que as grandes diferenças cambiais entre o Brasil e o Uruguai influenciaram o desenvolvimento do comércio e a expansão das atividades industriais em cidades como essas. É comum encontrar-

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se na cidade de Rivera grandes centros comerciais, chamados “free shops”; muitos brasileiros , aproveitando as diferenças cambiais, atravessam a fronteira para comprar no Uruguai e vice-versa.

Os circuitos comerciais e os interesses econômicos nessa região superam e transpõe as barreiras da legalidade ; é possível perceber-se isso tanto na região urbana como na região agrícola. Nos grandes centros urbanos é comum o desenvolvimento do comércio ilegal, ou seja, a ausência de impostos e taxas, os chamados “camelôs”. Na área agrícola muitos fazendeiros compram terras, sem precisar se preocupar com a legalização das mesmas, buscando maior lucro, com um mínimo de investimento.

Conforme a análise de Jardim (1999), outra região que sustenta um contexto regional parecido com o de Santana-Riviera, é a área de abrangência do Chuí., localizado na fronteira com o Uruguai, a cerca de 500 km de Porto Alegre e 340 Km de Montevidéu. O núcleo urbano do Chuí (Brasil) e Chuy (Uruguai) está entre as aduanas internacionais, separadas por duas avenidas de mão dupla (Av. Brasil e Av. Uruguai). De acordo com a Contagem de 1996, a cidade brasileira registrou cerca de 3.614 habitantes.

Além de todos os fatores que caracterizam a área fronteiriça do Chuí-Chuy como cidade binacional, já relatados no caso de Santana do Livramento e Rivera, esta região apresenta uma especificidade: a migração árabe, principalmente do lado brasileiro. A procura dos imigrantes árabes pelas fronteiras nacionais brasileiras está relacionada ao seu povoamento, as quais sempre estiveram abertas à presença de estrangeiros, ao contrário do que acontecia com o Uruguai. Numericamente a atividade de comércio do Chuí brasileiro é bem mais expressiva do que o Chuy uruguaio, onde a principal atividade ainda é o cultivo de arroz em grandes extensões de terras, as conhecidas ‘granjas’. Não existe como visualizar, no que se refere à obtenção de dados, uma relação direta entre a migração árabe e a formação de um comércio forte do lado do Chuí brasileiro; no entanto, as casas de comércio mais antigas são gerenciadas por famílias de origem árabe (Jardim, 1999).

3. COMENTÁRIOS FINAIS

As migrações internacionais, como foi mencionado, constituem, hoje, parte intrínsica e fundamental para o entendimento das relações entre população e desenvolvimento; a internacionalização da economia , sob a égide do capital financeiro e dos fluxos internacionais de dinheiro e mercadorias, não podem prescindir, embora sempre de maneira conflitiva, da livre circulação de pessoas. Na verdade, o próprio movimento internacional da economia suscita ao mesmo tempo, e de maneira tensa, um reforço e um enfraquecimento dos estados nacionais.

A formação de blocos econômicos, considerados como estratégias de enfrentamento da crescente competitividade, também a nível internacional, reforça , por sua vez, as forças de atração e de expulsão de população entre os países, com fluxos expressivos de deslocamento entre países pobres e países ricos.

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Na América do Sul, as tratativas de enfrentamento da competitividade internacional , consubstanciadas no esforço de consolidação do bloco econômico do Mercosul, reproduzem situações às vezes próximas ao processo de formação do Mercado Comum Europeu, porem com especificidades regionais acentuadas. Nos quase dez anos de existência do Tratado que o constituiu, o Mercosul caminha aos tropeços, a cada passo pondo de relevo os desafios e os conflitos de interesses nacionais frente a necessidade de alianças. Sabe-se, que nesse difícil encaminhamento, a questão social e as instâncias encarregadas de promover os compromissos dos países em transformar os acordos também em melhoria das condições de vida das populações envolvidas, tem sido extremamente lenta, difícil, conflitiva e relegada a segundo plano.

Ainda não foi possível avaliar-se o montante de migração internacional que, nos anos 90, tenha sido impulsionado diretamente pelo Tratado de Assunção e seus desdobramentos. Sem dúvida, a re-estruturação produtiva e o contexto internacional tem produzido efeitos, na área, no sentido de impulsionar transferências populacionais de difícil mensuração. Pode-se perceber que esse novo contexto tanto tem influenciado transferências populacionais entre as duas metrópoles regionais - Buenos Aires e São Paulo – chamadas de metrópoles globais , bem como para outras cidades de menor porte, mas cuja posição geográfica e condições locais de competitividade têm atraído novas plantas industriais internacionais e iniciado um processo de transformação urbana e mobilidade populacional da atual etapa de globalização econômica. .

Por outro lado, a questão das fronteiras e das áreas limítrofes entre os países do Mercosul podem representar a contrapartida desses movimentos urbanos . São muitas as especificidades que cercam esses movimentos : em primeiro lugar, é possível que , em termos quantitativos, não venha a ocorrer um aumento expressivo dos movimentos migratórios em conseqüência dos acordos comerciais. No entanto, o contexto atual impregna movimentos recorrentes de outros significados e de novas implicações. Do ponto de vista jurídico, o governo do Mercosul, cedo ou tarde, deverão redefinir a situação desses grupos populacionais; trata-se, na verdade, da passagem da condição de estrangeiro ou de imigrante para a condição de cidadão comunitário (Marmora, L., 1999) .

Por outro lado, esses movimentos, que tendem a ser mais constantes, mais circulares, mais diversificados , incidem em situações de convivência bi-nacional ( ou tri-nacional, no caso de Foz do Iguaçu) históricas, onde estratificação social, desigualdades, carências acumuladas tendem a acirrar-se; abre-se assim um leque de novas demandas por políticas sociais ; acesso à saúde e educação, bem como a compatibilização de sistemas previdenciários tornam-se questões inadiáveis.

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População Censitária Nascida na América Latina e no Caribe por País de Residência, segundo o País de Nascimento

País de Ano População Total de Nascidos País de NascimentoResidência Total no Estrangeiro Argentina Bolívia Brasil Chile Paraguai Uruguai Canadá Estados

UnidosAbsoluto % Absoluto % Absoluto % Absoluto % Absoluto % Absoluto % Absoluto % Absoluto % Absoluto %

Argentina 1960 20.010.539 2.540.226 12,69 88.830 3,50 48.195 1,90 116.840 4,60 153.844 6,06 53.974 2,12 373 0,01 6.7471970 23.390.050 2.193.330 9,38 101.000 4,60 48.600 2,22 142.150 6,48 230.050 10,49 58.300 2,66 ... ... ... ...1980 27.947.446 1.857.703 6,65 115.616 6,22 42.134 2,27 207.176 11,15 259.449 13,97 109.724 5,91 785 0,04 9.757 0,531991 32.615.528 1.605.871 4,92 143.735 8,95 33.543 2,09 218.217 13,59 251.130 15,64 133.653 8,32 777 0,05 9.755 0,61

Bolívia 1976 4.613.486 58.070 1,26 14.669 25,26 8.492 14,62 7.508 12,93 972 1,67 193 0,33 2.015 3,47 2.843 4,901992 6.420.792 59.807 0,93 17.829 29,81 8.586 14,36 3.909 6,54 955 1,60 327 0,55 1.435 2,40 2.503 4,19

Brasil 1960* 70.191.370 1.252.467 1,78 15.877 1,27 8.049 0,64 1.458 0,12 17.748 1,42 11.390 0,91 782 0,06 11.413 0,911970* 93.139.037 1.229.128 1,32 17.213 1,40 10.712 0,87 1.900 0,15 20.025 1,63 13.582 1,11 1.099 0,09 12.794 1,041980 119.002.606 1.110.910 0,93 26.633 2,40 12.980 1,17 17.830 1,60 17.560 1,58 21.238 1,91 1.181 0,11 13.803 1,241991 146.825.475 767.780 0,52 25.468 3,32 15.694 2,04 20.437 2,66 19.018 2,48 22.141 2,88 1.112 0,14 11.363 1,48

Chile 1970 8.884.768 88.881 1,00 13.270 14,93 7.563 8,51 930 1,05 290 0,33 759 0,85 350 0,39 3.661 4,121982 11.329.736 84.345 0,74 19.733 23,40 6.298 7,47 2.076 2,46 284 0,34 989 1,17 460 0,55 4.667 5,531992 13.348.401 114.597 0,86 34.415 30,03 7.729 6,74 4.610 4,02 683 0,60 1.599 1,40 1.151 1,00 2.649 2,31

Paraguai 1972 2.357.955 79.686 3,38 27.389 34,37 364 0,46 34.276 43,01 359 0,45 763 0,96 1.529 1,92 927 1,161982 3.029.830 166.879 5,51 43.336 25,97 500 0,30 97.791 58,60 1.715 1,03 2.311 1,38 1.508 0,90 1.101 0,661992 4.152.588 187.372 4,51 47.846 25,54 766 0,41 107.452 57,35 2.264 1,21 3.059 1,63 1.373 0,73 1.366 0,73

Uruguai 1975 2.788.429 131.800 4,73 19.051 14,45 247 0,19 14.315 10,86 1.006 0,76 1.593 1,21 95 0,07 787 0,601985 2.955.241 103.002 3,49 19.671 19,10 211 0,20 12.332 11,97 1.439 1,40 1.421 1,38 245 0,24 1.025 1,001996 3.163.763 92.378 2,92 26.256 28,42 376 0,41 13.521 14,64 1.726 1,87 1.512 1,64 388 0,42 1.451 1,57

Canadá 1971 21.568.310 ... ... 3.145 ... ... ... 3.225 ... ... ... ... ... ... ... 309.640* ...1981 24.083.495 3.843.325 15,96 7.210 0,19 780 0,02 4.265 0,11 15.255 0,40 2.905 0,08 4.135 0,11 301.525 7,851986 25.309.330 3.908.150 15,44 8.365 0,21 1.120 0,03 4.995 0,13 17.805 0,46 4.250 0,11 4.235 0,11 282.025 7,22

1991* 26.994.045 4.342.885 16,09 11.110 0,26 ... ... 7.330 0,17 22.870 0,53 ... ... ... ... 249.075 5,741996* 28.528.125 4.967.035 17,41 11.740 0,24 2.335 0,05 9.360 0,19 23.880 0,48 5.045 0,10 5.710 0,11 244.690 4,93

EUA 1970 203.235.298 9.619.302 4,73 44.803 0,47 6.872 0,07 27.069 0,28 15.393 0,16 1.792 0,02 5.092 0,05 918.988 9,551980* 226.545.805 14.080.100 6,22 68.887 0,49 14.468 0,10 40.919 0,29 35.127 0,25 2.858 0,02 13.278 0,09 842.859 5,991990* 248.709.873 19.767.316 7,95 77.986 0,39 29.043 0,15 82.489 0,42 50.322 0,25 4.776 0,02 18.211 0,09 744.830 3,77

Base de dados IMILA - Investigação de Migração Internacional da América LatinaNotas: ... Informação não disponível no CELADE*Cifras obtidas de publicações censitárias