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Migrações e Género Espaços, Poderes e Identidades

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Migrações e GéneroEspaços, Poderes e Identidades

Ana Paula Beja Horta e Joana Miranda (orgs.)

MIGRAÇÕES E GÉNEROESPAÇOS, PODERES E IDENTIDADES

LISBOA, 2014

© Ana Paula Beja Horta e Joana Miranda (orgs.), 2014

Ana Paula Beja Horta e Joana Miranda (orgs.)Migrações e Género. Espaços, Poderes e Identidades

Primeira edição: dezembro de 2014Tiragem: 300 exemplares

ISBN: 978-989-8536-XX-XDepósito legal:

Composição em carateres Palatino, corpo 10Conceção gráfica e composição: Lina CardosoCapa: Nuno FonsecaRevisão de texto: Manuel CoelhoImpressão e acabamentos: Europress, Lda.

Este livro foi objeto de avaliação científica

Reservados todos os direitos para a língua portuguesa,de acordo com a legislação em vigor, por Editora Mundos Sociais

Editora Mundos Sociais, CIES, ISCTE-IUL, Av. das Forças Armadas, 1649-026 LisboaTel.: (+351) 217 903 238Fax: (+351) 217 940 074E-mail: [email protected]: http://mundossociais.com

Índice

Índice de figuras e quadros.................................................................................... vii

Notas sobre os autores ........................................................................................... ix

Introdução.................................................................................................................. 1Joana Miranda e Ana Paula Beja Horta

Nota de abertura ....................................................................................................... 9Sara Falcão Casaca

Parte I | Espaços

1 Vivências dos espaços pelas mulheres na cidade de Lisboa ................. 15Joana Miranda

2 “Às vezes lá faz mais frio…” ....................................................................... 27Suelda Albuquerque e Jorge Malheiros

3 Migrantes islâmicos em Lisboa .................................................................. 41Sónia Frias

Parte II | Poderes

4 Mulheres e migrações ................................................................................... 65Lígia Évora Ferreira

5 A questão de género nas políticas de emigração portuguesa ............... 75Maria Manuela Aguiar

v

Parte III | Identidades

6 Moçambique, migrações e gentes .............................................................. 93Maria Paula Meneses

7 Criminalidade feminina estrangeira e tráfico de mulheres ................. 109Sofia Neves e Raquel Silva

8 Repensar a honra e a vergonha ................................................................... 127Juan Ignacio Castien Maestro

vi MIGRAÇÕES E GÉNERO

Índice de figuras e quadros

Figuras

2.1 Posição dos entrevistados numa escala qualitativa e simplificadade agradabilidade às sensações geradas pela temperatura de Lisboa,segundo o momento do percurso migratório(respostas médias de homens e total) .......................................................... 37

2.2 Posição dos entrevistados numa escala qualitativa e simplificadade agradabilidade às sensações geradas pela luminosidade de Lisboa,segundo o momento do percurso migratório(respostas médias de homens e total) .......................................................... 37

2.3 Posição dos entrevistados, numa escala qualitativa e simplificada,relativa à simpatia dos portugueses, segundo o momentodo percurso migratório (respostas médias de homens e total) ............... 38

Quadros

3.1 Dados dos censos de 1991 e de 2001 e 2011 sobre os residentesmaiores de 15 anos que responderam ser muçulmanos à perguntasobre religião .................................................................................................... 48

3.2 Os dez grupos mais representativos de estrangeiros oriundosde países de religião maioritariamente islâmica, residentesem Lisboa. Dados de 2000.............................................................................. 48

3.3 Os dez grupos mais representativos de estrangeiros oriundosde países de religião maioritariamente islâmica, residentesem Lisboa. Dados de 2005.............................................................................. 49

3.4 Os dez grupos mais representativos de estrangeiros oriundosde países de religião maioritariamente islâmica (stock por sexo),residentes em Lisboa. Dados de 2010 .......................................................... 49

4.1 População cabo-verdiana por género .......................................................... 71

vii

Introdução

Joana Miranda e Ana Paula Beja HortaCentro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI), Universidade Aberta

Migrações e género constituem uma díade de análise e reflexão que, apesar de prio-ritária para a compreensão do fenómeno migratório, tem sido pouco estudada nodomínio científico das migrações. Tradicionalmente, a teorização sobre migraçõesinternacionais tem tendido a secundarizar, ou até mesmo a ignorar, o impacto dasdinâmicas de género na análise das causas das migrações, nas experiências migra-tórias e nas consequências e efeitos dos projetos migratórios nos países de origem ede destino.

Ao perspetivarmos os estudos sobre mulheres migrantes e as relações de gé-nero verificamos que nas décadas de 60 e 70 do século passado, a sobrefocalizaçãono modelo “o homem migra e a mulher segue-o” condicionou, em grande medida,as agendas de investigação científica e o debate público e político sobre as mulhe-res e as relações de género nos contextos migratórios. A nível analítico, a represen-tação das mulheres migrantes como agentes passivos e dependentes dos projetosmigratórios dos homens (marido, companheiro, pai, irmãos ou filhos) acabaria portornar “invisível” o papel das mulheres na configuração dos percursos migratóriose de integração. Associada a estas representações estereotipadas, a ausência deuma perspetiva de género no estudo das migrações internacionais teve inúmerasrepercussões analíticas. De particular importância, é de referir a subteorização doscontextos socioeconómicos, culturais e políticos das mulheres migrantes (Boyd eGrieco, 2003; Morokvasic, 1983). A par destas limitações conceptuais e teóricas, anível metodológico, e a título de exemplo, os modelos de análise estatística das mi-grações internacionais tenderam a não integrar a variável género e o seu entrosa-mento com outras variáveis e indicadores de natureza económica, social, cultural epolítica, tornando a pesquisa sobre mulheres migrantes particularmente difícil(Zlotnik, 1993).

Esta “invisibilidade” analítica traduziu-se, igualmente, numa “invisibilida-de” política e na ausência de um debate público sobre as mulheres migrantes e asdinâmicas de género no contexto das migrações. Situação que viria a sofrer, nas dé-cadas seguintes, mudanças significativas.

A partir dos anos 80 e ao longo da década de 90 do século XX, a relação entremigrações e género ganha um novo enfoque, sobretudo com o desenvolvimento

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dos estudos feministas e de género. Ao questionar a quase invisibilidade das mu-lheres migrantes, a sua presumível passividade nos processos migratórios e a suapermanente associação ao espaço doméstico, a teoria feminista procurou destacara especificidade das experiências migratórias das mulheres nas diferentes fases doprojeto migratório, bem como a importância das migrações na reconfiguração dasrelações de género e de poder (Boyd e Grieco, 2003; Behar, 1993; Weinberg, 1992, atítulo de exemplo). Além disto, a crescente feminização dos fluxos migratórios in-ternacionais ocorrida nos anos 90 de 1900, a acentuada diversificação de modelosmigratórios protagonizados por mulheres e a emergência de novas formas de ex-clusão, às quais as mulheres migrantes são particularmente vulneráveis, contribuí-ram para uma maior visibilidade pública e política do papel das mulheres, comoagentes ativos no panorama internacional das migrações (Castles e Davidson,2000; Phizacklea, 1983).

Por último, mas não menos importante, o acesso aos direitos de cidadania porparte das mulheres migrantes ganhou especial atenção nos anos 90 de 1900. Adefesados valores da democracia nos sistemas políticos ocidentais e a intensificação do ati-vismo cívico nacional e global, em torno dos direitos humanos e da cidadania dosmigrantes em particular, acabaria por trazer para o espaço público e político a situa-ção específica das mulheres migrantes. O reconhecimento dos múltiplos processosde exclusão de que estas são alvo, e que se prendem com o cruzamento das desigual-dades de género, etnicidade e classe, viria a ter, nas décadas seguintes, um impactopositivo nas políticas migratórias (Castles e Davidson, 2000; Ribas-Mateos, 2002).A este respeito importa referir, a título de exemplo, a inclusão das questões de gé-nero nas políticas de recrutamento de mão de obra migrante 1 ou, ainda, a imple-mentação de legislação mais inclusiva no que respeita ao reagrupamento familiar,no âmbito dos países da União Europeia. Viríamos, igualmente, a assistir a umacrescente sensibilidade para a componente de género nas culturas organizacionais,quer a nível das instituições oficiais, quer a nível das organizações da sociedade ci-vil, sendo de referir a implementação da política de igualdade de género promovi-da pela ONU-UNESCO em 2009 ou o mais recente programa de igualdade degénero e empowerment implementado em 2013 pela Organização Internacional dasMigrações (OIM). Presentemente, assiste-se a uma tendência crescente para as mu-lheres protagonizarem os processos migratórios e para assumirem um papel ativonos processos de decisão de quem fica, de quem migra, para onde e por quantotempo.

Acresce a esta dimensão o papel fundamental que as mulheres migrantes de-sempenham na manutenção e reprodução de práticas culturais, de valores e de qua-dros de sociabilidade nas comunidades migrantes em que se inserem. No entanto, asua capacidade de agenciamento não se confina ao espaço familiar e comunitário.

Como a crescente bibliografia sobre o tema tem vindo a evidenciar, asmulheres migrantes protagonizam, frequentemente, os processos de integração da

2 MIGRAÇÕES E GÉNERO

1 A este respeito ver Organization for Security and Cooperation in Europe (OSCE), Guide on Gen-der-Sensitive Migration Policies, 2009, disponível em: http://www.osce.org/node/37228 (consulta-do a 05/01/2015).

família nas sociedades de acolhimento, funcionando, igualmente, como agentesativos na atualização das relações sociais e familiares com o país de origem ou im-plicando-se diretamente nas dinâmicas transnacionais de desenvolvimento dospaíses de origem e de destino.

Nesta senda, importa sublinhar que as relações de género sempre se cruzarame cruzam-se com os projetos migratórios. As migrações podem (ou não) representaruma oportunidade única de empoderamento, acabando com relações sociais opres-sivas, alterando os papéis e as práticas de género ou transformando estilos de vida,com importantes consequências no projeto de vida das mulheres e nas dinâmicas fa-miliares. Por outro lado, não é menos importante equacionar os percursos migratóri-os das mulheres tendo em consideração a crescente exploração destas pelas redesinternacionais de tráfico de seres humanos, sendo, frequentemente, vítimas de abu-so físico e/ou sexual. Além disso, às dificuldades de acesso aos direitos de cidadania(cívicos, sociais e políticos) associam-se, frequentemente, a segregação no mercadode trabalho, a precariedade laboral e/ou habitacional e a discriminação com base nogénero, na origem étnico-cultural e religiosa.

No contexto português, a componente do género nos estudos sobre migrações,em particular na vertente imigratória, tem vindo a conhecer um renovado interessenas agendas de investigação e no espaço público e político (Machado e Azevedo,2009). Contudo, em pleno século XXI, apesar do esforço teórico e do reconhecimentopúblico e político da especificidade dos modelos migratórios protagonizados pormulheres, a relação entre migrações e género continua a ser subestimada, quer nasagendas de investigação quer a nível das políticas migratórias.

A incorporação das questões de género na esfera política e organizacional as-sociada à identificação, implementação e avaliação de boas práticas dirigidas àsmulheres migrantes continua a ser um espaço em aberto e em construção que re-quer, necessariamente, um interesse e uma atenção redobrados por parte dos dife-rentes setores da sociedade portuguesa.

A necessidade de promover um debate científico e público mais alargado so-bre as migrações e o género, na dupla vertente emigração/imigração, esteve na ori-gem da organização do Seminário Internacional “Migrações e Género: Espaços,Poderes e Identidades”, que teve lugar na Universidade Aberta a 15 de junho de2010. O seminário contou com a participação de académicos e investigadores naci-onais e internacionais, de diferentes áreas disciplinares, e outros intervenientes li-gados à esfera política das migrações.

O Seminário Internacional “Migrações e Género: Espaços, Poderes e Identi-dades” procurou tratar três grandes vetores de análise — espaços, poderes e identi-dades — e nele foram, entre outras, debatidas as seguintes questões:

1. De que espaços partem e a que espaços chegam as mulheres migrantes? Quala natureza das pertenças locais no país recetor? Que dinâmicas de pertençalocal se estabelecem no país recetor e no país de origem no contexto migrató-rio? De que forma o espaço condiciona a experiência migratória?

2. Que novos estatutos e poderes emergem no processo migratório? Como e emque contextos públicos se configura a intervenção das mulheres migrantes?

INTRODUÇÃO 3

Até que ponto é que a experiência migratória proporciona novos espaços deemancipação e participação cívica para as mulheres migrantes? Que novospoderes conquistam as mulheres na esfera doméstica?

3. Como se reconstroem as identidades nos processos migratórios? Como se ar-ticulam as identidades que decorrem da origem com as que resultam do localem que se vive? Que narrativas são produzidas pelas mulheres migrantes so-bre os seus próprios processos migratórios? Que discursos das próprias e dosoutros determinam estes processos de reconfiguração identitária?

O reconhecimento da riqueza e da diversidade de perspetivas teóricas, epistemoló-gicas e metodológicas e a profundidade das reflexões apresentadas e partilhadas noseminário viria a estimular a publicação desta obra. Devido a constrangimentos dediversa ordem, não foi possível contar com o contributo de todos os participantes.Contudo, o livro reúne os textos da grande maioria das comunicações apresentadas,formando uma densa tessitura de análises e de perspetivas que se constituem comoum ponto de partida e, esperamos, um estímulo para uma investigação e um debatepúblico mais alargados sobre as migrações internacionais e a condição das mulheresmigrantes, na sociedade portuguesa pós-colonial.

Esta publicação está organizada em torno de três temas — espaços, poderes eidentidades — que se complementam e entrecruzam, nas suas múltiplas dimen-sões de análise. No início da obra é apresentada a nota de abertura da senhora pre-sidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), na altura emexercício, doutora Sara Falcão Casaca.

A primeira parte do livro — “Espaços” — problematiza a relação entre mu-lheres imigrantes e o espaço urbano da cidade de Lisboa, centrando-se nas repre-sentações, perceções e vivências na cidade em diferentes momentos do percursomigratório.

No capítulo 1, Joana Miranda salienta que, ao longo dos tempos, a cidade foisendo perspetivada como um lugar masculino em que as mulheres e, em particular,as mulheres imigrantes não eram cidadãs de pleno direito. Apesar de todas as con-quistas das mulheres que tiveram lugar nas últimas décadas e do aparente cosmopo-litismo das cidades europeias, as cidades continuam a ser espaços genderizados.

A reflexão teórica em torno das questões da genderização do espaço urbano éacompanhada pela reflexão em torno de alguns resultados do estudo “MulheresImigrantes em Portugal: Memórias, Dificuldades de Integração e Projetos deVida”, relacionados com a forma como as mulheres imigrantes brasileiras, ca-bo-verdianas e ucranianas se relacionam com o espaço-cidade de Lisboa. Entre ou-tros aspetos, são feitas referências às primeiras impressões do espaço aquando dachegada à cidade, à estranheza inicialmente sentida, às progressivas negociaçõesdos espaços e à relação entre os espaços e as redes sociais.

No capítulo 2, Suelda Albuquerque e Jorge Malheiros analisam o modo comoo espaço urbano da cidade de Lisboa é representado em três momentos do percur-so migratório de mulheres brasileiras: no momento anterior ao movimento migra-tório, no momento da chegada a Lisboa e num momento de consolidação da suapresença em Portugal.

4 MIGRAÇÕES E GÉNERO

Neste texto, a dimensão género constitui-se como critério analítico funda-mental da pesquisa e realiza-se a análise comparativa das representações no fe-minino. Os investigadores procuram compreender de que forma a imagem doespaço urbano lisboeta evolui no decurso do percurso migratório, quais as sensa-ções que lhe estão associadas e que outros elementos influenciam as modificaçõesobservadas.

O capítulo 3, da autoria de Sónia Frias, apresenta os resultados de um estudoexploratório sobre as vivências do quotidiano dos imigrantes islâmicos em Portu-gal, com especial enfoque nos cidadãos oriundos do Bangladesh, da Índia e do Pa-quistão, na área da Grande Lisboa. Após uma caracterização sociodemográficadestas populações, a análise recai sobre os padrões de organização social, económi-ca, residencial e de práticas religiosas que configuram os itinerários migratóriosdestas populações. O texto destaca a diversidade de estratégias de inserção das di-ferentes comunidades, sublinhando as dinâmicas de integração dos novos fluxos.Neste quadro de análise comparativa, é conferida especial atenção à participaçãodas mulheres islâmicas no espaço público-privado, no contexto urbano. A par deuma tendência para o isolamento das mulheres no espaço privado, a autora subli-nha a emergência de novas formas de participação no espaço público que decor-rem, sobretudo, da progressiva inserção das mulheres nos pequenos negócios eempresas dos respetivos cônjuges e, em menor grau, nos setores do comércio e darestauração.

Na segunda parte do livro — “Poderes” — o tema é tratado a partir de dife-rentes pontos de vista analíticos que conjugam uma abordagem centrada na expe-riência das mulheres cabo-verdianas na diáspora com uma perspetiva mais macrodas políticas emigratórias e da participação cívica das mulheres portuguesas nadiáspora.

No capítulo 4, Lígia Évora Ferreira reflete sobre a situação das mulheres nocontexto das novas migrações para a Europa e do novo paradigma que se abre aoestudo das migrações do mundo contemporâneo, nesta primeira década do séculoXXI. Contextualiza o género na história e na cultura de Cabo Verde, analisa o papelda mulher na sociedade tradicional cabo-verdiana e o lugar de destaque que ela re-clama para si pela via da emigração, com a conquista de maior poder social e comnovas formas de organização familiar, tornando-se, assim, agente ativo e de mu-dança no processo de desenvolvimento de Cabo Verde.

No capítulo 5, Maria Manuela Aguiar começa por analisar as primeiras medi-das políticas de género, no domínio da emigração portuguesa. Alude ao caráterrestritivo e discriminatório da legislação, que só após 1974 viria a conferir às mu-lheres o direito de emigrar livremente, e o de conservar a nacionalidade em caso decasamento com um estrangeiro. Aautora refere, ainda, a evolução dos processos demobilização política e as principais mudanças introduzidas nas políticas de emi-gração, que evidenciam uma maior sensibilidade às questões das mulheres mi-grantes e do género. Destaca, por último, a importância da aplicação da “regra daparidade”, em 2007, às eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas,que a seu ver “constituiu uma primeira medida jurídica concreta de promoção daparticipação das migrantes na vida coletiva das comunidades”.

INTRODUÇÃO 5

Na terceira parte do livro — “Identidades” — são incluídos vários contribu-tos sobre as dinâmicas de identidade e de pertença protagonizadas por mulheresmigrantes em diferentes contextos migratórios, sendo, igualmente, equacionada adimensão da memória e da pertença no quadro geopolítico do pós-colonialismoportuguês.

No capítulo 6, Maria Paula Meneses problematiza a complexa articulaçãoentre a memória, a identidade, a pertença e a vivência dos espaços no quadro geo-político do pós-colonialismo português, mais especificamente no contexto mo-çambicano. A partir de uma narrativa de migrações, contactos e experiências devida protagonizada pela investigadora, propõe-se um debate alargado sobre aprodução de conhecimento, em particular no que respeita a África. Nas palavrasda autora: “Um projeto radical de produção de saber histórico é, necessariamen-te, um processo coletivo que envolve a utilização de vários tipos de textos e(con)textos, incluindo fontes orais e outros artefactos da experiência humana,projeto este que deverá estar assente numa visão complexa da sociedade, e queolha para a realidade quotidiana como uma tecedura densa composta de múlti-plas experiências, vozes, encontros e envolvimentos, livre de fundamentalismosopressivos e de certezas teleológicas”. É nesta proposta de análise e debate, po-tenciadora de uma pluralidade epistemológica, que se inscreve a singularidadeda narrativa de vida aqui apresentada.

O capítulo 7, da autoria de Sofia Neves e Raquel Silva , analisa a relação entreos percursos de criminalidade de mulheres reclusas estrangeiras em Portugal e avivência de situações de vitimação ou de perpetração de delitos associadas ao tráfi-co de seres humanos. Neste contexto, procede-se à caracterização sociodemográfi-ca e jurídico-penal das mulheres reclusas, identificando as suas trajetórias deimigração e contextos de vitimação. Aanálise pormenorizada deste fenómeno levaas autoras a sublinhar o potencial impacto das condições de desigualdade estrutu-ral na emergência de processos de vitimação ou de perpetração de atos ilícitos nodomínio do tráfico de seres humanos.

Finalmente, no último capítulo deste livro, Juan Ignacio Castien Maestro dis-cute a indumentária da mulher imigrante muçulmana, em especial o uso do hiyab(véu islâmico), no mundo ocidental. Reconhecendo a controvérsia gerada em tornodo hiyab, o autor defende que o uso desta indumentária ganha atualmente novossignificados e funções que transcendem o seu vínculo a situações de opressão pa-triarcal. Nesta perspetiva o hiyab assume múltiplas dimensões que se prendemcom a valorização social e a autoafirmação das mulheres muçulmanas face aos de-safios das sociedades modernas. É salientado que a compreensão deste fenómenoobriga, necessariamente, à reconceptualização das noções de “pudor”, “respeito”e “vergonha”, de modo a potenciar novas interpretações sobre o uso do véu islâmi-co, na sua dupla vertente simbólica de liberdade individual e de submissão.

O envolvimento de académicos e investigadores nacionais e internacionais ede todos os intervenientes no seminário e, posteriormente, na publicação deste vo-lume foi fundamental para a sua concretização. No âmbito desta rede importa refe-rir o apoio do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais(CEMRI) e da Universidade Aberta e a colaboração da Comissão para a Cidadania

6 MIGRAÇÕES E GÉNERO

e Igualdade de Género (CIG) e da Mulher Migrante — Associação de Estudo, Coo-peração e Solidariedade (AEMM).

A diversidade de perspetivas, o caráter mais macro ou mais micro, com enfo-ques mais teorizantes ou mais empíricos e a multiplicidade dos objetos de estudosobre os quais se reflete nesta obra faz com que a narrativa que resulta dos diversoscontributos nem sempre se revele um objeto “liso” ou finito, mas antes num pro-cesso de análise em mutação, passível de múltiplas leituras e interpretações. Res-ta-nos, pois, esperar que este conjunto de reflexões seja estimulante para osleitores, que desperte ou reforce o interesse pela temática e que, de alguma forma,consiga evocar a sua imensa pertinência e complexidade.

Referências bibliográficas

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INTRODUÇÃO 7