8/14/2019 Miguel Reale - o Integralismo Revisit Ado

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O INTEGRALISMO REVISITADO

MIGUEL REALE

Duas novelas ou mini-sries da TV GLOBO, a pretexto de apresentar o cenrioideolgico vigente na primeira metade do sculo passado, fizeram referncia ao Integralismo

fundado por Plinio Salgado, mas com manifesta m f, como hbito dos chamadosesquerdistas, at o ponto de apresent-lo como simples variante do hitlerismo, com ganguesatuantes com deliberada e constante violncia.

Nada mais errneo do que ligar a Ao Integralista Brasileira a Hitler, pois ela foicriada em outubro de 1932, quando a doutrina daquele lder alemo era praticamentedesconhecida no Brasil, onde repercutira apenas o Fascismo de Mussolini, com as idiascentrais de Estado forte, com partido poltico nico organizado com base em corporaeseconmicas.

Em contraste com o liberalismo, a idia fascista do Estado forte, caracterizadopela planificao da economia ponto este em que coincidia com o marxismo leninista teve

grande ressonncia em nosso Pas, contando com o apoio de intelectuais do porte de AlceuAmoroso Lima, Fernando de Azevedo, Francisco Campos, Azevedo Amaral, Otvio de Faria,Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia, como Wilson Martins objetivamente salienta em suaclssica obra Histria da Inteligncia Brasileira, vol. I, pgina 73 e seguintes.

Plnio Salgado acolheu essa idia, no contexto da doutrina social da Igreja, que eraa sua diretriz dominante, procurando adequ-la s conjunturas poltico-econmicas brasileiras,sendo partidrio de um corporativismo integral, no identificado com o Estado. A seu ver, oFascismo devia ser interpretado como uma terza via entre o liberalismo e o comunismo, tendoprograma distinto em cada nao.

Foi essa colocao do problema que me atraiu, em 1933, passando a defender, noseio da Ao Integralista, uma posio prpria, baseada no corporativismo democrtico de um

pensador romeno, Michail Manoilesco, em sua obra Le Sicle du Corporativisme, noaceitando a tese fascista da corporao como rgo do Estado, mas sim como estruturademocrtica com organizao social autnoma.

Como se v, o Integralismo no se reduzia doutrina seguida por Plinio Salgado,comportando variantes pessoais, como era o caso, por exemplo, de Olbiano de Mello, maissindicalista do que corporativista. Quem quiser ter informao mais completa sobre meupensamento na poca deve ler o que escrevi, em 1934, em meu livro O Estado Moderno, como subttulo Liberalismo, Comunismo, Integralismo, na linha da to reclamada terceira via.Esse livro foi includo, em 1983, pela Universidade de Braslia, em uma coletnea sobre minhaposio poltica na juventude.

Quanto a Gustavo Barroso, ele se distinguia por seu anti-semitismo, no de carterracial ou religioso, mas apenas do ponto de vista econmico-financeiro como o demonstra suaobra Brasil, colnia de banqueiros, no qual analisa nossa poltica de onerosos emprstimosexternos desde o tempo da monarquia, principalmente com Rockfeller.

Em nenhum livro, porm, era feita a apologia da violncia como instrumento deconquista do poder. Alegar-se- que, em 1937, houve o chamado putsch integralista paraataque ao Palcio Guanabara e priso do presidente Getlio Vargas, mas, como provo noprimeiro tomo de minhas Memrias, publicadas pela Editora Saraiva em 1986, aquele eventoresultou de uma aliana de liberais com integralistas no quadro de uma conspirao nacionaldestinada a derrubar o Estado Novo, sob o comando do General Castro Junior e outroselementos do Exrcito e da Marinha. Tanto assim que os integralistas, que realizaram areferida tentativa de assalto, eram comandados pelo Capito Severo Fournier, comprovado

liberal, heri do trem blindado da Revoluo Constitucionalista de 1932.

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Como se v, h toda uma histria a ser refeita sobre o real sentido do Integralismo,caracterizado por seu nacionalismo espiritualista, organizado em uma associao polticanacional sobre bases sindicalistas ou corporativas, e no em razo de partidos polticosestaduais, como os ento existentes.

Cabe-me salientar que me considerei livre do compromisso integralista quando, no

exlio na Itlia, me dei conta da ilusria organizao corporativista sob o mando de um partidonico, tanto assim que me recusei a pertencer ao partido organizado por Plnio Salgado depoisda Constituio de 1946, preferindo, com Marrey Junior, criar o Partido Popular Sindicalista, aodepois fundido com o Partido Republicano Progressista de Adhemar de Barros e o PartidoAgrrio de Rolim Telles, para a formao do Partido Social Progressista, cujo lema era asocializao do progresso, mas cujo triste destino foi, infelizmente, transformar-se em greiadhemarista...

No que se refere ao Integralismo, reconheci a transitoriedade de seu programa,inspirado nos valores ideolgicos em conflito na dcada de 1930, mas jamais me arrependi deminha atuao em prol do corporativismo democrtico, com sinceridade de propsitos e todo omeu entusiasmo juvenil, ao lado da elite de minha gerao, com San Tiago Dantas, SeabraFagundes, Pe. Helder Cmara, Cmara Cascudo, Alvaro Lins, Antnio Gallotti, Gofredo TellesJunior, Roland Corbisier, Thiers Martins Moreira, Loureiro Jnior, Jorge Lacerda e tantosoutros, cuja participao revela que havia valores positivos na Ao Integralista Brasileira.

fcil, hoje em dia, com a perspectiva histrica que possumos, reconhecer asiluses e os equvocos da A.I.B., mas os acontecimentos culturais no podem deixar de serexaminados luz de seu tempo, em funo de suas circunstncias e conjunturasdeterminantes.

Infelizmente, quando se trata de um movimento poltico da chamada Direita, htendncia no sentido de denegri-la, enquanto que Esquerda tudo se perdoa, esquecendo-seos genocdios perpetrados por Stalin, e os atos violentos dos brasileiros que, sob abandeira comunista de Luis Carlos Prestes, tentaram ganhar o poder, como o fizeram em

1934, na praa da S, quando, do alto do antigo Edifcio Santa Helena fuzilaram a milciaintegralista que, desarmada, vestia pela primeira vez a camisa verde, com a morte de doisoperrios. Sobre esses homicdios nem sequer foi instaurado inqurito policial.

28/08/2004